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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL ESTUDOS DE MÍDIA FLÁVIA S. NEVES LUZES, CORES E SOMBRAS DE GRACILIANO RAMOS: A TRANSPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA EM VIDAS SECAS Niterói Junho/2010 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

ESTUDOS DE MÍDIA

FLÁVIA S. NEVES

LUZES, CORES E SOMBRAS DE GRACILIANO RAMOS:

A TRANSPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA EM VIDAS SECAS

Niterói

Junho/2010

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FLÁVIA S. NEVES

LUZES, CORES E SOMBRAS DE GRACILIANO RAMOS:

A TRANSPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA EM VIDAS SECAS

Monografia apresentada à coordenação

do curso de Estudos de Mídia

como requisito para obtenção do grau

de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. MIGUEL FURTADO FREIRE DA SILVA

Niterói

Junho/2010

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Em memória de Silas Rodrigues Neves

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe e meus irmãos por conviverem com a minha ausência.Ao meu companheiro, Thomas, por dar sentido e direção à minha vida.Ao meu oráculo Miguel Freire.A Clarissa Nanchery pela parceria incondicional.Aos amigos Karol, Danilo, Bruno e Maycon, pela força nos últimos dias.Aos Professores examinadores desta monografia, Sérgio Santeiro e Afonso Henriques Guimaraens.

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Graciliano Ramos

Falo somente com o que falo:com as mesmas vinte palavrasgirando ao redor do solque as limpa do que não é faca:

de toda uma crosta viscosa,resto de janta abaianada,que fica na lâmina e cegaseu gosto de cicatriz clara.

Falo somente do que falo:do seco e de suas paisagens,Nordeste, debaixo de um solali do mais quente vinagre:

que reduz tudo ao espinhaço,cresta o simplesmente folhagem,folha prolixa, folharada,onde possa esconder-se na fraude.

Falo somente por quem falo: porque quem existe nesses climascondicionados pelo sol,pelo gavião e outas rapinas:

e onde estão os solos inertesde tantas condições caatingaem que só cabe cultivaro que é sinônimo de míngua.

Falo somente para quem falo:quem padece sono de mortoe precisa de um despertadoracre, como o sol sobre o olho:

que é quando o sol é estridente,a contrapelo, imperioso,e bate nas pálpebras comose bate numa porta a socos.

João Cabral de Melo Neto

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RESUMO

A apreensão da luz e das cores exerce imprescindível papel na construção do

universo ficcional no romance Vidas Secas de Graciliano Ramos. A situação se repete

quando Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos Barreto transpõem com exatidão e

criatividade as inúmeras indicações lumínicas presentes no romance para o filme

homônimo. Sustentando que houve preservação da estética visual ditada por Graciliano

Ramos, a monografia se propõe a analisar, prioritariamente, a transposição das indicações

de luz, cores e sombras feitas no romance Vidas Secas para a escala gris do filme de

longa-metragem fotografado, em preto & branco, por Luiz Carlos Barreto.

Palavras-chave: Cinema, literatura e fotografia.

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RÉSUMÉ

L'appréhension de la lumière et des couleurs excerce un rôle essentiel dans la

construction de l'univers ficcionnel du roman Vidas Secas de Graciliano Ramos. Il en est

de même quand Nelson Pereira dos Santos et Luiz Carlos Barreto transposent au cinema,

avec soucis d'exactitude et criativité, les nombreuses indications de lumière présentes

dans le roman. Soutenant la thèse d'une préservation de l'esthètique visuelle dicteé par le

roman de Graciliano Ramos, ce mémoire s'attache à analyser, en priorité, la transposition

à l'écran des indications de lumières, couleurs et ombres contenues dans le livre, à travers

l'étude de la photographie en noir et blanc de Luiz Carlos Barreto.

Mots-clefs: Cinema, littérature et photographie

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SUMÁRIO

Introdução 9

Capítulo I. O Romance, o filme, a luz e a cor 17

1.1. A funcionalidade da luz na representação 18

1.2. Escaleta de Vidas Secas 20

1.3. Quadro de Equivalências 23

1.4. Quadro de luz e cor e sombras 26

Capítulo II. O azul que deslumbrava e endoidecia a gente 35

2.1. Cores e luzes transmutadas em gris 37

2.2. Crenças e sentidos vindos do cromático 39

Capítulo III. Era um negrume que vários clarões cortavam 48

3.1. O escuro que ilumina 50

3.2. Solilóquios perto do fogo 54

3.3. Uma série de quadros, de gravuras em madeira

talhados com precisão e firmeza 56

3.4 – Noir-destino 58

Considerações finais 63

Referências Bibliográficas 68

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Introdução

O tema da monografia aborda as interseções entre literatura e cinema, analisando

a adaptação do romance Vidas Secas de Graciliano Ramos para o filme homônimo de

Nelson Pereira dos Santos. O olhar recai sobre a proposta imagética, precisamente no que

se refere à estética fotográfica.

Graciliano Ramos escreve como quem filma. Em sua obra literária, propõe uma

estética fotográfica fazendo indicações de luzes e cores para a construção do espaço

ficcional. Descreve a paisagem como quem entalha uma xilogravura. Segundo Genette

(1976, p. 55), “a finalidade da descrição é transmitir uma impressão sensorial”. Em

Graciliano a descrição dos fenômenos naturais faz com que o leitor tenha a sensação de

que o clima é mais um agressor da família de Fabiano. A seca determinante do ciclo que

envolve o sertanejo retirante é o seu algoz.

Em Vidas Secas, Graciliano leva ao limite o clima de tensão presente nas relações

homem/meio natural e homem/meio social. O espaço físico é um elemento estruturador,

uma vez que os personagens são o que são em função dele. A vida de Fabiano e de sua

família se organiza em torno da paisagem da caatinga, das suas condições climáticas e do

arbítrio dos donos da terra. Fabiano e Sinha Vitória vivem em função da seca. Nômades

submetidos ao determinismo de sucessivas retiradas sob o sol inclemente.

O elemento natural dessa paisagem que assume uma importância fundamental na

narrativa é a luz do sertão. A luz de Vidas Secas agride, destrói, mata e expulsa o homem

da terra.

Representar a luz de Graciliano Ramos e imprimi-la sobre a película foi o desafio

primeiro de Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos Barreto na transposição do texto

para a imagem em movimento do cinema. Em Vidas Secas, pela primeira vez, Nelson

pôde conceber uma idéia clara de iluminação fotográfica. O filme expressa um

posicionamento estético determinado com relação ao tratamento lumínico. Nelson

ressalta a contribuição de seu diretor de fotografia no tratamento imagético da luz de

Graciliano. Para ele, Barreto, que era fotógrafo da revista O Cruzeiro, trouxe para o filme

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um jeito de olhar vindo de sua experiência foto-jornalística.

Luiz Carlos Barreto conta que um dia, Glauber Rocha chegou à sua casa para

jantar, dizendo que ele tinha que fazer um filme com o Nelson Pereira dos Santos, que a

história que Nelson ia filmar no nordeste era fantástica etc. Barreto foi então falar com

Nelson, porém, disse que a idéia de Glauber era uma loucura, que ele era fotógrafo de

jornal e não entendia de fotografia de cinema. Para Nelson a questão era se Barreto teria,

efetivamente, condições de captar a verdadeira luz do Nordeste (SALEM, 1987, p. 163).

Segundo Nelson Pereira dos Santos a luminosidade no sertão é muito intensa e

cria a necessidade do fotógrafo recorrer a filtros para obter uma bonita imagem na tela

com a luz equilibrada. Uma fotografia com as nuvens recortadas e brilhantes, com o

relevo do céu acentuado fica muito elegante, porém, tende ao espetacular. O resultado

ficava muito parecido com o estilo do fotógrafo Gabriel Figueroa1 ou mesmo com o de

Chick Fowle2 . A caatinga acabava se transformando num jardim exótico o que não

colaborava com a narrativa. Era mais difícil para as personagens sofrerem naquela

paisagem aparentemente bela. Além disso, exigia que o rosto do ator fosse iluminado

artificialmente, o que demandava o uso de refletores.

O tipo de fotografia que Nelson Pereira dos Santos buscava era totalmente outro,

muito mais próximo do desenvolvido na Europa por Cartier-Bresson3: sem filtros, a luz

mais natural possível, “dando o diafragma pela luz do rosto, de modo que tudo que vem

atrás aparece estourado, aquele branco, transmitindo a sensação de uma luz ofuscante, de

temperatura alta, da seca, do ambiente da caatinga”, como afirmou o diretor, no programa

televisivo Conexão Nacional4.

Por sua vez, Luiz Carlos Barreto era seguidor da escola de Cartier-Bresson. No

jornalismo se ligava justamente à chamada escola da “lente nua”, que na época tinha

como principal expoente José Medeiros5. Seguindo essa linha, Barreto tinha tudo para ser

1 Fotógrafo mexicano,que colaborou nos filmes de Luis Buñel, Jonh ford e Jonh Houston.2 Chick Fowle importante fotógrafo da Vera Cruz e diretor de fotografia de “O Cangaceiro” o clássico e premiado filme de Lima Barreto. 3 Fotógrafo francês , um dos mais importantes do século XX , considerado o pai do fotojornalismo.4 Entrevista de Nelson Pereira dos Santos a Roberto Feith, programa “Conexão Nacional” , da Intervídeo, em fevereiro de 1985.5 Fotógrafo, foi colega de Luiz Carlos Barreto na revista “O Cruzeiro”. Em rápidas linhas podemos dizer que Medeiros foi um mestre do fotojornalismo e também um dos mais versáteis, diretores de fotografia do

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o fotógrafo que Nelson Pereira procurava. Então, empreenderam vários testes com o

negativo cinematográfico até chegar àquele tipo de imagem que no cinema lembrava o

resultado das fotos jornalísticas das revistas e de outros periódicos de notícias. Uma

fotografia, que no primeiro plano tem textura de gravura, mostra os poros, as cascas das

árvores, os galhos com uma tessitura de luz e sombra que só existe no sertão. Era esse

retrato que Nelson queria como pano de fundo das personagens (SALEM, 1987, p. 164).

Além de Luiz Carlos Barreto, José Rosa também participou da fotografia do

filme. Esse trabalhava como fotógrafo contratado da produtora Herbert Richers. Rosa, ao

contrário de Barreto, era um fotógrafo de cinema do tipo tradicional, usava e dominava

filtros e refletores. Eram duas linhas completamente divergentes e os rumos estilísticos da

fotografia de Vidas Secas somente foi definido após o início das filmagens. Nos

primeiros dias, filmavam duas vezes o mesmo plano, com os dois estilos fotográficos: o

tradicional proposto por Rosa - com filtros e difusores, disposição correta das fontes de

luz, diafragma de acordo com as indicações do fotômetro – e o experimental, proposto

por Barreto, que eliminava certos artificialismos de compensação de luz para tirar

sombras do rosto das personagens, deixando a luz queimante brilhar na face dos atores. O

resultado é uma fotografia incendiada, super-exposta no fundo do quadro e invadida pela

luz.

Quando os primeiros copiões6 chegaram à linha fotográfica, definiu-se: a

experimental tinha alcançado um resultado satisfatório e, a partir de então, o estilo de

Luiz Carlos Barreto passou a predominar.

Filmar dessa maneira significava uma inovação na fotografia e o resultado

alcançado por Luiz Carlos Barreto tornou-se antológico. Abolindo filtros e iluminação

artificial, ele fotografou com a luz forte do sol incidindo diretamente dentro do quadro

cinematográfico fotográfico. O resultado é a abundância de claros e escuros com a

período. Estreou em 1965 com “A Falecida” de Leon Hirzman, um notável trabalho de recriação do universo suburbano carioca, magistralmente captado pela peça de Nelson Rodrigues, que Medeiros traduziu em tonalidades e enquadramentos sutis. Fotografou muitos dos filmes dos irmãos Roberto e Reginaldo Farias e chegou a direção em 1979 com “Parceiros de Aventura”.6 Era chamada de copião a primeira cópia em positivo retirada do negativo do filme, normalmente sem receber marcação apurada da luz. Como cópia de trabalho, destinava-se principalmente a orientação da marcação definitiva da luz e a montagem do filme. Durante a montagem o copião era literalmente cortado e recolado nas moviolas – antigas mesas da edição cinematográfica.

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ausência mediadora das sombras. Nos exteriores sempre a presença de um céu branco de

rigidez implacável.

Esse padrão estético reproduzia com fidelidade a luz do sol inclemente do sertão,

mas ia contra todas as regras do cinema mainstream – quase todos os filmes norte-

americanos, por exemplo, utilizam uma luz mais difusa, baseada em contrastes mais

suaves, jogando com as sombras como elemento narrativo. Muitas obras que vieram

depois beberam dessa fonte, como A Grande Cidade de Caca Diegues, com fotografia de

Fernando Duarte e câmera de Dib Luft, São Bernardo de Leon Hirszman com fotografia

de Lauro Escorel e mais recentemente Central do Brasil de Walter Salles com fotografia

de Walter Carvalho.

No filme de Nelson Pereira dos Santos até a mise-en-scéne estava submetida à

fotografia, pois o posicionamento dos atores dependia dos intervalos de claro e escuro

desenhados na tela. A marcação dos atores dependia do espaço banhado pelas réstias de

luz deixadas pelas sombras entre intensos rasgos de preto e banco, as personagens se

deslocavam entre o negrume, que nada deixa ver, e a luz branca, que cega.

A questão da luz nos trópicos, mais precisamente da luz do nordeste, sempre se

apresentou como um desafio para os diretores de fotografia. A questão da representação

dessa luz é antiga e não se limita ao cinema. Pintores que retrataram o Brasil, no século

XVIII, já tinham se dado conta desse problema. Foram poucos os que assumiram o

desafio de reproduzir os contrastes de valor e cromáticos presentes nas horas do meio-dia.

O pintor francês Edouard Manet (1832-1883), de passagem pelo Brasil, como grumete,

teria feito o comentário: "Esse é um país muito difícil de ser pintado, eu não consigo

pegar essa luz daqui."7

Mário Carneiro, um dos diretores de fotografia que mais contribuiu para a

construção da chamada “luz brasileira”, relata em uma entrevista concedida a Lauro

Escorel e Tuca Moraes para o site da ABC8: "Aqui, por exemplo, você sai no sol

brasileiro. Você está com 8 diafragmas entre a luz e a sombra! É um inferno. E isso não

7 Fonte: http://www.abcine.org.br/ site da Associação Brasileira de cinematografia, consulta realizada em 08/06/2010.8Idem.

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vai mudar. Nosso clima é esse. Se quiser amansar isso, fazer fotografia tipo Almendros9,

só final de tarde. Eu gosto também de ousar. De luzes bem violentas."

Segundo Mario Carneiro, Vidas Secas e Deus e o Diabo da Terra do Sol10 são

filmes seminais da cinematografia brasileira que contribuíram de maneira inestimável

para encontrar uma reprodução expressiva da luz tropical em preto e branco. Explica que

em Deus e o Diabo da Terra do Sol, Waldemar Lima foi pelo caminho da super-

exposição, mas sua intenção de ter as cópias de exibição com alto contraste se frustrou

pelo empenho do laboratório (Lider - Rio), que ao tirar cópias "corretas", acabou

compensando as altas densidades do negativo.

Waldemar Lima relata que Glauber Rocha queria uma fotografia dura, branca, que

retratasse a caatinga e que não fosse um mero acessório pictórico dentro do filme. Uma

fotografia que não fosse bonita.

Outro trabalho fotográfico fundamental para a questão da reprodução da luz

tropical, ainda na fase do preto e branco, foi realizado para Os Fuzis11 por Ricardo

Aronovich, argentino de nascimento, na época, recém chegado ao Brasil.

Em entrevista ao site da ABC, Aronovich comenta que a luz nordestina o fascinou

e quebrou todos os seus esquemas conhecidos na Argentina. Lá a luz é mais inclinada,

(não tanto quanto a européia, que se assemelha a da Patagônia) e é também mais

controlável. Aronovich conta que tem uma necessidade quase fisiológica de ver, de olhar,

de viver pelo menos uma vez ao ano, essa luz que ele diz que temos sorte de ter aqui:

É um pouco como se ela tivesse se fixado na minha retina. E vejo filmes, às vezes, fotografados por grandes diretores de fotografia europeus, em lugares que poderiam se parecer com a luz do nordeste, da Bahia, ou do sertão (embora esta seja única), muito bem fotografados, certinhos até, mas que fora a qualidade técnica e mesmo pictórica, não refletem na fotografia, a realidade da luz, da temperatura ou a realidade social da locação em questão.

Aronovich sintetiza, então, o ponto central da questão: conceber uma 9 Nestor Almendros (1930-1992) diretor de Fotografia Catalão viveu em Cuba entre 1948 e 1961. Trabalhou, depois, na Europa e USA. Colaborou com Truffaut, Rohmer, Schroeder, Duras, Malik, Benton e Scorsese, entre outros.10 Deus e o Diabo na Terra do Sol dirigido por Glauber Rocha e fotografado por Waldemar Lima foi produzido em 1963.11Os Fuzis dirigido por Rui Guerra e fotografado por Ricardo Aranovich, foi produzido em 1963.

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cinematografia capaz de refletir a realidade da luz local. Em Vidas Secas isso se

concretiza. A luz do filme, além de ser fidedigna a intensa luminosidade do sertão

nordestino, contribui para a construção da narrativa, deixando de ser um mero artifício

pictórico, para se colocar como uma das personagens centrais da obra.

A fotografia para os filmes do Cinema Novo foi marcada, portanto, por soluções

inéditas e se constituiu como personificadora daquela proposta artístico-cultural. Miguel

Freire (2006) discute, em sua dissertação de mestrado, o trabalho de Mario Carneiro em

Porto das Caixas.12que nesse movimento cinematográfico estava retratada e assumida

uma luz tropical, brasileira, personalizada, rica em claro-escuro, de alto contraste e de

fundo estourado, em um desenho de luz própria.

De maneira incisiva, Jean Claude Bernardet (1967) aprecia os aspectos

fotocinematográfico do cinema industrial estrangeiro em contraposição à fotogenia

cinemanovista, identificando uma estética dissociada do que seria uma imagem brasileira

genuína, nos filmes da Vera Cruz. O crítico procura em O Cangaceiro (1953), um filme

emblemático daquela produtora paulista, o que entende como equívoco do diretor de

fotografia Chick Fowle na representação da luz tropical que banha o sertão brasileiro:

Outro aspecto dessa busca de uma forma brasileira é a fotografia. Os fotógrafos e iluminadores da Vera Cruz utilizaram um claro-escuro rebuscado, uma luz trabalhada pelo rebatedor, pelo refletor e pelos filtros. Era a única escola de fotografia do Brasil... Embora não se possa rejeitar sistematicamente esse tipo de fotografia, deve-se reconhecer que não está apto a expressar a luz brasileira. O Cangaceiro, produção da Vera Cruz, fotografada por Chick Fowle, obtém efeitos de luz que nada têm a ver com a luz que envolvia os cangaceiros (BERNARDET, 1967, p. 41-142).

Bernardet, no mesmo texto, comenta o resultado fotográfico de Vidas Secas

destacando-o como inovador do ponto de vista da construção de uma estética

representativa de uma luz brasileira. “A luz branca, ofuscante, obtida por José Rosa e

Luís Carlos Barreto para Vidas Secas, foi um verdadeiro manifesto do fotógrafo

brasileiro.” (Idem, ibidem.).

Grandes obras permitem infinitas abordagens. Uma obra-prima como Vidas Secas

12 Porto das Caixas : outro filme emblemático do período, dirigido por Paulo César Sarraceni e fotografado por Mario Carneiro, produzido em 1960.

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pode ser analisada a partir de diversos enfoques e, como pude constatar na pesquisa que

realizei para o presente trabalho, muitas já foram feitas. Inúmeras leituras acerca de

vários temas têm como material empírico, o romance e o filme. Estudos realizados sobre

forma, política, educação, sociologia, geografia, linguagem, espaço, personagens, corpo,

entre muitos outros, apropriaram-se da história da família de retirantes narrada por

Graciliano Ramos e filmada por Nelson Pereira dos Santos.

No entanto, quando a abordagem é fotográfica, a maioria das críticas, ensaios e

artigos publicados não vão além de citações e referências pontuais, o que parece uma

falta grave diante da importância da fotografia desse filme para a história do cinema

brasileiro.

Ainda que tenhamos como foco a fotografia, este trabalho aborda também, de

maneira mais ampla, o filme e o livro Vidas Secas, referenciando-os no tocante à

temática, às estruturas narrativas e, para tanto, estabelecendo um diálogo entre a

literatura, a fotografia e o cinema. Interessa-nos, portanto, utilizar essa pesquisa também

para produzir uma espécie de história pontual do filme Vidas Secas.

Como metodologia, utilizamos processos de desconstrução e reconstrução de

Vidas Secas, filme e romance, enfocados pelo prisma da imagem fotográfica.

Particularizamos o olhar no texto literário, nos trechos que Graciliano faz referências

fotográficas de luz, cor e enquadramento e no fotograma - a parte singular do plano

cinematográfico - para analisar os efeitos provocados pela direção, intensidade e

qualidade da luz na composição plástica fotográfica do filme. As leituras da fotografia do

filme são condicionadas pelo processo de produção cinemanovista, pela temática (a seca)

e pela narrativa literária.

Para análise, selecionamos dois capítulos do romance. Metodologicamente,

justapomos cada capítulo selecionado a uma sequência no filme. Como critério para

escolha de capítulo, consideramos o maior número de ocorrências no texto de referências

lumínicas e de cor. Os capítulos que se enquadraram nestes critérios foram: Capítulo I –

“Mudança” e o Capítulo VII – “Inverno”.

Como já mencionamos acima, cada um desses capítulos corresponde a uma

sequência do filme. As sequências estão subdivididas em planos e, neles procuraremos

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apontar os aspectos relevantes que particularizam a tradução das indicações de

enquadramento, de luz e cor, dentre outros aspectos relacionados à fotografia, descritos

por Graciliano Ramos. É no recorte, ou seja, no quadro fílmico de cada plano que

localizamos as intenções, as rupturas e as obediências às indicações textuais. É na

imagem projetada na tela que identificaremos o formalismo conceitual da composição, o

contraste e a escala de gris obtidos pela direção de fotografia, nela verificaremos a

qualidade e intensidade das fontes de luz, dentre outras questões.

A monografia foi estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo foram

traçadas considerações sobre a transposição das indicações lumínicas contidas no

romance de Graciliano para a definição estilística da imagética de Luiz Carlos Barreto no

filme homônimo de Nelson Pereira dos Santos. O capítulo contemplou os caminhos

metodológicos usados nos processos analíticos, apresentando inclusive uma decupagem

do filme em forma de escaleta13 e dois quadros comparativos das estruturas narrativas

pertencentes ao romance e ao filme.

No segundo, foram analisados comparativamente o capítulo literário “Mudança” e

a primeira sequência do longa-metragem de Nelson Pereira dos Santos, batizada na

escaleta: “ O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”.

No terceiro analisamos o capítulo literário “Inverno” e a correspondente sequência

fílmica, chamada na escaleta: “Era um negrume que vagos clarões cortavam”.

A diáspora da família nordestina de flagelados da seca ainda é muito atual. Pelo

Brasil afora ainda existem muitos Fabianos como os encontrados por Evandro Teixeira

em 2008, quando foi convidado para fazer um ensaio fotográfico para incorporar à edição

comemorativa de 70 anos de lançamento do livro Vidas Secas. Comentários sobre a

recriação fotográfica de Evandro Teixeira estão presentes como digressões na conclusão

da monografia.

13 Escaleta ou Scaletta – Segundo Ugo Pirro, professor e roteirista italiano, em seu livro de Per Scrivere un Film (PINO, Ugo. Per Scrivere un Film. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli, 1988, p. 76, capítulo IV, La Scaletta), um termo italiano utilizado por diretores e roteiristas, que significa a escada de progressão do roteiro. Nos roteiros escritos por sequências, cada uma delas trata do desenvolvimento dramático de um determinado espaço de ação cênica e de um determinado tempo (não-cronológico), tempo de ação dramática. Na escaleta, para melhor memorizar ou despertar a imaginação, cada sequência ganha um título (ou apelido) que lembra a situação que a envolve ou ação dramática que ela aborda. (FREIRE, 2006, p.16).

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Capítulo I

O Romance, o filme, a luz e a cor

O romance Vidas Secas de autoria de Graciliano Ramos é composto por treze

capítulos que foram escritos como contos independentes e posteriormente reunidos e

publicados em um livro. Os contos têm em comum: personagens e espaço. Eles foram

escritos e publicados em periódicos, em ordem diferente da que está apresentada na

edição do livro. A transposição para o cinema por Nelson Pereira dos Santos e Luiz

Carlos Barreto traduz para sequências14 apenas trechos desses capítulos, mais uma vez

sem obediência a ordem existente no romance e, como já assinalamos, sem contemplar a

totalidade das tramas descritas. Alguns capítulos estão condensados em uma mesma

sequência, outros possuem sequência própria.

A luz é um dos elementos mais ricos em significação tanto no romance quanto no

filme. É através desse recurso de linguagem que se torna possível construir a noção de

tempo e representar a sua passagem. É principalmente a partir da luz que se configura o

cenário sertanejo como espaço inóspito, é a luz abrasadora que nos leva às sensações

vividas pelas personagens e a refletir sobre questões funcionais, constitutivas e formais

da composição do romance e do filme.

A cor é uma característica marcante do romance de Graciliano Ramos que

descreve a natureza com os olhos de um pintor. Porém, Vidas Secas é um filme em preto

e branco. Isto ocorre devido ao período em que foi realizado. Nesta época, eram

raríssimas as produções coloridas no Brasil. A matriz fotográfica que Nelson Pereira dos

Santos e Luiz Carlos Barreto pareciam buscar era aquela que captasse a verdadeira luz do

nordeste, o que para eles independia da cor. A fotografia do filme cria a sensação de

sufocamento pela luz quente da caatinga e estabelece um clima homogêneo de insolação.

A luz crua do sertão se transforma em um personagem do filme.

A luz e a sombra definem a forma e a localização das coisas no espaço. À medida

14 Conjunto de planos que constituem uma unidade narrativa definida de acordo com a unidade de lugar ou de ação. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.38)

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que o tempo flui, a variação da luz faz-nos perceber a sucessão dos momentos: os

diversos períodos do dia e as estações do ano, que são basicamente o tempo das chuvas, e

quase sempre das enchentes, e o período da seca, trazendo invariavelmente a penúria. É

pela variação da luz que o tempo se evidencia no espaço, uma vez que a temporalidade

pode ser percebida nos efeitos que a luz produz na superfície das coisas.

1.1 – A funcionalidade da luz na representação.

Jacques Aumont (2004, p.173), classifica a luz a partir de três de suas funções e as

nomina: simbólica, dramática e atmosférica. A função simbólica liga a presença da luz

na imagem a um sentido. A luz que forma a imagem é ligada a um sentido, à graça, à

transcendência. Nas pinturas é comum a presença de um raio de luz que materializa

literalmente a graça concedida pelo divino, que ornamenta monarcas ou envolve figuras

representativas da transcendência para o espiritual.

No filme de Pereira dos Santos, ao contrário do acontece na pintura, a luz

representa a desgraça da família, a chegada da seca, anunciando o momento de mais uma

mudança em busca de condições melhores de sobrevivência. Os planos em que o céu

figura, no enquadramento, como fundo do quadro fotocinematográfico permite o efeito

“estourado”, esbranquiçado que é recorrente no filme. Em todos os momentos em que

esse efeito surge na narrativa, significa sempre a força coerciva da luz, que configura a

seca, a morte e a tragédia existencial da família. Assim, a luz materializa literalmente a

desgraça, presentificada como personagem no enredo do filme.

Quando a luz trabalha na estruturação do espaço cênico, Aumont (2004) a chama

de dramática. Diferentemente da função simbólica marcada pela procura do efeito

incomum, pela materialização do irreal, a luz com atribuição dramática procura a

verossimilhança e, para tanto, busca singularizar aspectos da imagem e imprimir

significação à cena. Acentuação ou diluição de contastes, difusão ou recortes marcados

para fluir das zonas de claridade para as sombras, baixa ou alta intensidade das fontes de

iluminação, são, dentre tantos outros meios, formas de representar sensações pela

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dramaticidade da luz no quadro fotocinematográfico. No filme, temos como exemplo, a

representação realista que o fotógrafo faz do fogo como fonte luminosa, sempre presente

nas imagens das lamparinas, fogões e fogueiras, elementos cenográficos tão marcantes e

recorrentes nas obras. Mostrar na tela o fogo como fonte de luz que ilumina o quadro

cinematográfico é uma opção que Barreto herda das constantes indicações que Graciliano

Ramos faz em Vidas Secas.

A exposição fotográfica com grandes contrastes entre os claros e os escuros no

quadro fílmico contribui também para uma aproximação estética com que Aumont (2004,

p. 173) denomina função dramática da luz,. Barreto deixa excessivo hiato entre a luz e o

breu criando uma dicotomia em preto e branco que contribui para atingir a

verossimilhança do cenário nordestino.

A função atmosférica da luz é definida por Aumont (2004) como resultante do uso

do mais banal dos efeitos da iluminação cênica: a difusão plena. Os resultados podem ser

vistos nos cartões postais, nos cartazes publicitários, na televisão cotidiana, enfim, em

larga escala nos meios contemporâneos de difusão massiva da imagem. Para ele, o uso da

luz difusa constitui-se na maior apropriação consciente que os cineastas e, sobretudo, os

fotógrafos de cinema fizeram da pintura. O teórico afirma que na segunda década do séc.

XX, o cinema rouba da pintura a luminosidade atmosférica. Essa luz difusa e suavemente

distribuída nas telas de pintores tradicionais tornou-se, mais tarde, emblemática da

fotografia dos anos de ouro de Hollywood.

No filme de Nelson Pereira dos Santos, o tratamento fotográfico se distância do

efeito atmosférico. A imagem banal e descritiva não coaduna com a narrativa dramática

que Graciliano Ramos impôs ao romance nem com o entendimento imagético etnográfico

que Barreto fez do enredo. Pelo contrário o tratamento lumínico fotográfico procura

sempre o realismo dramático ou o simbólico.

Segundo Freire (2006, p. 104), a classificação da luz em funções feita por Aumont

não é totalizante, nem cria categorias estanques, podendo mesmo haver coexistência de

todas as categorias de luz em um único quadro fílmico.

Tais considerações, à luz da categorização criada por Aumont, pressupõem o

entendimento de que, no cinema, a luz tem funções qualitativas na representação.

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Para melhor explorar o material empírico, foram desenvolvidos três dispositivos

de apoio à análise: uma escaleta e dois quadros resumos. O primeiro quadro estabelece

equivalência entre capítulos do livro e sequências do filme, o segundo alinha luzes e

cores referenciadas no romance.

1.2 – Escaleta de Vidas Secas

1 – O azul que deslumbrava e endoidecia a gente.

EXT – DIA – CARTELA LETREIROS CRÉDITOS – DATA 1940 - Surgem pequeninos

no horizonte: Fabiano, Sinha Vitória, dois meninos, a cachorra e o papagaio. Eles se

arrastam pelo caminho, estão cansados e famintos. Sinha Vitória mata o papagaio e, logo

em seguida, fazem uma fogueira, assam o animal e o comem. Caminham em direção ao

juazeiro e encontram uma casa abandonada.

2 - Era um negrume que vagos clarões cortavam

EXT – INT –DIA. Chove no sertão. A família está dentro da casa. Estão reunidos ao

redor do fogo. Sinha Vitória e Fabiano falam frases soltas, sem interação.

3 – Agora Fabiano era vaqueiro e ninguém o tiraria dali.

EXT – DIA. Encontro com o proprietário da fazenda. Fabiano se oferece para trabalhar e

passa a ser vaqueiro da fazenda.

4 – Vaquejando.

EXT – DIA – Fabiano trabalhando: recolhe o gado e os alimenta.

5 – Este capeta anda leso.

EXT – DIA - CARTELA DATA -1941 - O menino mais novo observa e imita Fabiano

realizando seus afazeres diários.

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6 - O ferro queima a pele do bezerro marcando GR

EXT – DIA – Fabiano e outros vaqueiros capturam e marcam um bezerro com as iniciais

G. R.. Logo depois, Fabiano negocia com o patrão o seu pagamento.

7 – As contas de Sinha.

EXT-INT – DIA – Fabiano fala com Sinha Vitória sobre a negociação com patrão e ela

faz as contas.

8 – Ladroeira.

EXT-INT – DIA –Fabiano vai à cidade e faz acerto com o patrão. Recebe menos do que

Vitória havia previsto. Questiona o valor com o patrão, que diante da insatisfação de

Fabiano, sugere que ele procure outra fazenda para trabalhar.

9 - Deus o livrasse de história com o governo.

EXT – DIA – Fabiano tenta vender carne para um morador, quando é repreendido por um

cobrador de impostos.

10 – - Pisando em brasas.

EXT –DIA – A família sai a passeio com roupas novas. Fabiano e Vitória devido à falta

de hábito, não conseguem continuar calçados durante a caminhada.

11 - As luzes e os cantos extasiavam- nos.

EXT-DIA – Chegam à cidade, onde acontece uma festa. A família se dispersa. Fabiano é

abordado pelo soldado amarelo que o convida para jogar.

12 – Os olhos azulados brilharam como olhos de gato.

EXT-INT DIA – NOITE - AMANHECER – Fabiano é torturado e preso. Ao amanhecer

é solto, encontra-se com a família e volta para casa.

13 – Inferno, espeto quente, lugar ruim.

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INT-EXT-DIA – O menino mais velho questiona sobre o significado da palavra inferno.

14 - O sertão ia pegar fogo.

EXT-INT-DIA - Sinha observa o bando de urubus, que simboliza a chegada da seca no

nordeste.

15 – A luz aumentou e espalhou – se na campina.

EXT- DIA – A família está reunida na porta da casa, observando a luz dura.

16 – O sol chupava os poços.

EXT- DIA – Fabiano recolhe e cuida dos animais que sofrem com a seca. Encontra com

o patrão e o entrega a égua que usava para vaquejar. Marcam um encontro para acertar

definitivamente as contas.

17 - Governo é governo.

EXT- DIA – Sinha Vitória decide pela mudança no dia seguinte, antes do acerto com o

patrão. Fabiano sai em busca do bezerro que possui e encontra o soldado amarelo.

18 – Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera.

EXT – INT-DIA – Fabiano sacrifica Baleia. As imagens de Baleia e a câmera subjetiva,

representando o ponto de vista da cachorra, mostram sua agonia antes da morte.

19 – O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha

Vitória e os dois meninos.

EXT – DIA – A família fugindo da seca, Sinha Vitória e Fabiano falam sobre o futuro

incerto – Cartela com data: 1942 – Trecho do livro de Graciliano Ramos – Cartela: FIM.

Para não perder de vista o enredo como foi apresentado por Nelson Pereira dos

Santos tentamos, por meio do artifício de uso da escaleta, construir uma síntese do filme.

Então, a escaleta foi desenvolvida com base na estrutura do longa-metragem a partir de

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uma decupagem que dividiu o filme em sequências e estas, por sua vez, em planos.

A maioria dos nomes ou apelidos dados às sequências da escaleta foi inspirada

nas referências luminosas localizadas nos capítulos. Os outros nomes que não tiveram

esta mesma inspiração decorrem da não existência de referências luminosas no capítulo

correspondente e, ainda, do fato de algumas sequências não corresponderem a nenhum

capítulo do livro.

Na decupagem que fizemos do roteiro para construção da escaleta realizamos,

com plena liberdade, supressões e aglutinações de seguimentos temporais ou dramáticos,

para valorizar os critérios visuais, destacando mais uma vez aspectos referentes à

fotografia.

1.3 - Quadro de Equivalências

O quadro de equivalências estabelece um comparativo entre capítulos do romance

e sequências correspondentes do filme conforme nominadas, organizadas na escaleta.

Quadro 1 – Equivalências entre os capítulos do romance Vidas Secas

e as sequências do filme.

Capítulo do livro SEQ Nome da sequência na escaletaCap 1 - Mudança 1 O azul que deslumbrava e endoidecia a gente.Cap 7 - Inverno 2 Era um negrume que vagos clarões cortavam.

Cap 2 - Fabiano 3Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o

tiraria dali.Sem correspondência 4 Vaquejando.

Cap 5 – Menino mais novo 5 Este capeta anda leso.

Sem correspondência 6O ferro queima a pele do bezerro marcando

GR.Cap 10 - Contas 7 As contas de Sinha.Cap 10 - Contas 8 Ladroeira.Cap 10 - Contas 9 Deus o livrasse de história com o governo.

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Cap 8 – Festa 10 Pisando em brasas. Cap 8 – Festa 11 As luzes e os cantos extasiavam- nos.

Cap 8 – Festa e

Cap 3 – Cadeia12

Os olhos azulados brilharam como olhos de

gato.Cap 6 – O menino mais

velho13 Inferno, espeto quente, lugar ruim.

Cap 4 – Sinha Vitória 14 O sertão ia pegar fogo.Sem correspondência 15 A luz aumentou e espalhou-se na campina.

Cap 12 –O mundo coberto de

penas16 O sol chupava os poços.

Cap 11 – Soldado amarelo 17 Governo é governo.

Cap 9 - Baleia 18Agora havia uma grande escuridão, com

certeza o sol desaparecera.

Cap 13 - Fuga 19

O sertão mandaria para a cidade homens forte,

brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois

meninos.

A partir deste quadro podemos concluir que todos os capítulos do livro foram

transcritos para a obra cinematográfica, porem não seguem a mesma ordem que aparecem

no romance e também não foram transcritos de forma integral.

O caráter fragmentário é uma das características desse romance e do seu processo

de criação. Vidas Secas foi publicado originalmente como uma série de contos

relativamente autônomos, um romance desmontável, cuja unidade é estabelecida através

da continuidade do meio ambiente e dos personagens comuns. O primeiro conto a ser

escrito e publicado foi “Baleia”. A receptividade foi tão positiva que Graciliano foi

motivado a escrever outros, já estabelecendo ligações, remontando aquelas figuras

antigas da fazendola sertaneja. Menos de um ano depois, era laçando Vidas Secas:

Uma novela construída em quadros, os seus capítulos são uma peça autônoma, vivendo por si mesma, com um valor literário tão indiscutível, aliás, que se pode escolher qualquer um, conforme gosto pessoal.(LINS, 1973, p. 37 apud PEÑUELA, 1978. p. 36).

O filme desmonta e remonta mais uma vez o material básico literário, optando por

uma narrativa coerente, seqüencial e mais próxima do linear (JONHSON, 2003, p. 46).

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Na obra cinematográfica, estão agrupados alguns capítulos que no romance estão

separados, como é o caso dos capítulos: 3 (Cadeia) e 8 (Festa) que estão entremeados no

filme. De acordo com a nossa escaleta, correspondem as sequências 10,11 e 12. Como

exemplo de reordenamento feito por Nelson Pereira dos Santos, lembramos o encontro de

Fabiano com o soldado Amarelo que no romance ocorre apenas no capítulo 11 e no filme

antecede a morte da Baleia que no romance fica registrada no capítulo 9.

A fragmentação narrativa de Vidas Secas foi comprovada pelo escritor Francisco

de Assis Barbosa (1943) que entrevistou o autor e teve acesso aos originais da obra, o que

lhe permitiu verificar que além dos contos não terem uma continuação (o autor chegou

até mesmo a vender o mesmo conto a diferentes publicações, somente mudando o título

dos mesmos), a ordem de produção não foi obedecida na publicação.

Conforme já citado, “Baleia” foi o primeiro conto/capítulo a ser escrito, e foi

datado em 4 de maio de 1937. No dia 18 de junho, Graciliano terminou o conto/capítulo

“Sinhá Vitória”. Porém, na organização para a publicação, “Baleia” é o nono capítulo, e

“Sinha Vitória” o quarto. A obra Vidas secas foi totalmente composta dessa forma, sem

obedecer a nenhum plano antecipado.

Segundo Letícia Malard (1976, p.70), Graciliano informou a seu amigo José

Conde, em carta datada de junho de 1944, a ordem de composição dos capítulos e suas

datas: “Baleia” (4/5/37); “Sinhá Vitória” (18/6/37); “Cadeia” (21/6/37); “O menino mais

novo” (26/6/37); “O menino mais velho” (8/7/37); “Inverno” (14/7/37); “Mudança”

(16/7/37); “Festa” (22/7/37); “Contas” (29/7/37); “Fabiano” (22/8/37); “O mundo coberto

de penas” (27/8/37); “O soldado amarelo” (6/9/37) e “Fuga” (6/10/37).

Comparando esta ordem com a do romance, verifica-se que a estrutura inicial

(fazenda-retirada-fazenda) transformou-se em retirada-fazenda-retirada. Esta ordem

compõe-se de: “Mudança”, “Fabiano”, “Cadeia”, “Sinha Vitória”, “Menino mais novo”,

“Menino mais velho”, “Inverno”, “Festa”, “Baleia”, “Contas”, “O soldado amarelo”, “O

mundo coberto de penas” e “Fuga”.

“O menino mais novo”, “O menino mais velho”, e “Inverno” constituem uma

trilogia capitular mantida, e “Fuga”, último a ser escrito, é o último também do romance.

A ordem dos demais foi alterada. Segundo pensamento de Tzvetan Todorov em sua obra

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intitulada “As estrutura narrativas”:

O romance é um ser vivo, uno e contínuo, que vive à medida que em cada uma de suas partes aparecem aspectos de todas as outras. O crítico que, a partir da textura fechada de uma obra terminada, pretender traçar a geografia de suas unidades, será levado a colocar fronteiras tão artificiais, temo eu, quanto todas aquelas que a história conheceu (2003, p.82)

Nelson Pereira dos Santos, por sua vez, reagrupa os capítulos em outra ordem ao

compor seu roteiro, mantendo a estrutura retirada-fazenda-retirada. Conforme o quadro

de equivalências, no filme os capítulos estão agrupados na seguinte ordem: “Mudança”,

“Inverno” “Fabiano”, “Menino mais novo”, “Contas”, “Festa”, “Cadeia”, “Menino mais

velho” “Sinha Vitória”, “O mundo coberto de penas”, “O soldado amarelo”, “Baleia” e

“Fuga”.

O diretor também adiciona seus próprios elementos ao filme. Sequências que

diretamente não remetem a nenhum capítulo, ou elementos que aparentemente não estão

presentes no romance, são irradiações que reforçam os significados contidos no livro e

que sintetizam as temáticas principais, discutindo, por vezes, aspectos latentes ou

implícitos no romance de Graciliano Ramos.

1.4– Quadro de luz, cor e sombra

O quadro de Luz e cor reúne todas as referências lumínicas e de cores indicadas

por Graciliano Ramos na obra literária. O objetivo em criá-lo foi ressaltar ou destacar a

localização nos capítulos literários das descrições das luzes e das cores e analisar como

estes recursos estilísticos e de linguagem foram utilizados para construir os elementos da

narrativa literária e, principalmente, seus efeitos transpostos na composição plástica

fotográfica realizada por Nelson Pereira dos Santos e Luís Carlos Barreto.

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Quadro 2 – Indicações de luz e cor e sombras feitas por

Graciliano Ramos em Vidas Secas

Pág. Luz e sombra Cor

Capítulo I – A Mudança

9 Na planície avermelhada os juazeiros

alargavam duas manchas verdes.

9 Fazia horas que procuravam uma

sombra.

10 A catinga estendia-se, de um vermelho

indeciso salpicado de manchas brancas

que eram ossadas.

10 O vôo negro dos urubus fazia círculos

altos em redor de bichos moribundos.

11 Agora, enquanto parava, dirigia as

pupilas brilhantes aos objetos

familiares...

13 ...examinou a catinga, onde avultavam as

ossadas e o negurme o dos urubus.

13 Tocou o braço da mulher, apontou o

céu, ficaram os dois algum tempo

agüentando a claridade do sol.

13 Entrava dia e saia dia. As noites

cobriam a terra de chofre. A tampa

anilada baixava, escurecia...

...vencida pelo azul terrível, aquele azul

que deslumbrava e endoidecia a gente.

13 ...quebrada apenas pelas vermelhidões do

poente.

14 ...perdidos no deserto queimado...

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14 ...afrontar de novo a luz dura...

16 Uma labareda tremeu... ...elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado,

a barba ruiva, os olhos azuis.

16 A lua crescia, a sombra leitosa

crescia...

16 Baleia agitava o rabo, olhando as

brasas.

Capítulo II - Fabiano

21 Ia inquieto, uma sombra... ...no olho azulado.

23 Olhou a caatinga amarela, que o poente

avermelhava.

Capítulo III - Cadeia

30 A feira se desmanchava; escurecia;

o homem da iluminação, trepando

numa escada, ascendia os lampiões.

A estrela papa-ceia branqueou por

cima da torre da igreja...

30 Chegaria à fazenda noite fechada.

32 ...os olhos azulados brilharam como olhos

de gato.

34 Os meninos sentados perto do lume,

a panela chiava na trempe de

pedras, Baleia atenta, o candeeiro

de folha pendurado na ponta de

uma vara que saia da parede.

Capítulo IV – Sinha Vitória

39 ...Vitória soprava o fogo.

39 Labaredas lamberam as achas de

angico, esmoreceram, tornaram a

levantar-se e espalharam-se entre as

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pedras

39 Uma chuva de faícas mergulhou

num banho luminoso a cachorra

Baleia...

40 ...as estrelinhas vermelhas que se

apagaram antes de tocar o chão.

42 Agachou-se e atiçou o fogo,...

44 Chegou à porta, e olhou as folhas

amarelas das catingueiras.

44 ...o fogo que estalava...

Capítulo V – O menino mais novo

52 Viu as nuvens que se desmanchava no

céu azul...

52 A lua tinha aparecido, engrossava,

acompanhada por uma estrelinha

quase invisível.

Capítulo VI – O menino mais velho

58 Além havia uma serra distante e

azulada...

Capítulo VII - Inverno

63 A família estava reunida em torno

do fogo...

63 As brasas estalaram, a cinza caiu,

um círculo de luz espalhou-se em

redor da trempe de pedras,

clareando vagamente os pés do

vaqueiro, os joelhos da mulher e os

meninos deitados.

64 Fabiano tornou a esfregar as mãos e

iniciou uma historia bastante

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confusa, mas como só estavam

iluminadas as alpercatas dele, o

gesto passou despercebido. O

menino mais velho abriu os

ouvidos, atento. Se pudesse ver o

rosto do pai, compreenderia talvez

uma parte da narração, mas assim

no escuro a dificuldade era grande.

Levantou-se, foi a um canto da

cozinha, trouxe de lá uma braçada

de lenha.

64 Remexeu as brasas com o cabo da

quenga de coco, arrumou entre as

pedras achas de angico molhado,

procurou acendê-las.

65 O círculo de luz aumentou, agora

as figuras surgiam na sombra,

vermelhas. Fabiano, visível da

barriga para baixo, ia-se tornando

indistinto dai para cima, era um

negrume que vagos clarões

cortavam. Desse negrume saiu

novamente à parolagem mastigada.

65 A caatinga amarelecera, avermelhara-se...

65 De repente um traço ligeiro rasgara

o céu, para os lados da cabeceira do

rio, outros surgiram mais claros, o

trovão roncara perto, na escuridão

da meia-noite...

...rolaram nuvens cor de sangue. A

ventania arrancara sucupiras e imburanas,

houvera relâmpagos em demasia.

68 As costas ficavam na sombra mas O menino mais novo bateu palmas, olhou

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as palmas estavam iluminadas... as mãos de Fabiano, que se agitavam por

cima das labaredas escuras e vermelhas.

68 ...e cor de sangue

... nos tições, a fala dura e rouca

entrecortava-se de silêncios.

Era como se Fabiano tivesse esfolado um

animal. A braba ruiva e emaranhada

estava invisível, os olhos azulados os e

imóveis fixavam-se...

70 O abano agitava-se, a madeira

úmida chiava, o vulto de Fabiano

iluminava-se e escurecia.

CAPÍTULO VIII – FESTA

71 Eram três horas, fazia grande calor,

redemoinhos espalhavam por cima das

árvores amarelas, nuvens de poeira e

folhas secas.

74 Os dois meninos espiavam os

lampiões e adivinhavam casos

extraordinários.

74 Na opinião dela, tudo devia estar no

escuro, porque era noite

74 Gritavam demais ali perto e havia

luzes em abundância...

74-75 As luzes e os cantos extasiavam-

nos. De luz havia, na fazenda, o

fogo entre as pedras da cozinha e o

candeeiro de querosene pendurado

pela asa numa vara que saia da

taipa;

75 Fabiano estava silencioso, olhando

as imagens e as velas acesas,

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constrangido na roupa nova, o

pescoço esticado, pisando em

brasas.

79 Em seguida aproximou-se – figura

novamente das luzes, capengando,

foi sentar-se na calcada de uma loja.

82 O menino mais velho hesitou,

espiou as lojas, as toldas

iluminadas, as moças bem vestidas.

Capítulo XIV - Baleia

89 Como o sol a encadeasse conseguiu

adiantar-se umas polegadas e

escondeu-se numa nesga de sombra

que ladeava a pedra.

89 O nevoeiro engrossava e

aproximava-se.

90 Abriu os olhos a custo. Agora havia

uma grande escuridão, com certeza

o sol desaparecera.

90 Uma noite de inverno gelada e

nevoenta, cercava a criaturinha.

Capítulo X - Contas

Nenhuma indicação de luz ou cor neste capítulo

Capítulo XI – Soldado Amarelo

Nenhuma indicação de luz ou cor neste capítulo, a não ser o amarelo do próprio título.

Capítulo XII – O mundo coberto de penas

109 ...o sertão ia pegar fogo.

109 O sol chupava os poços...

109 ...examinou o céu limpo, cheio de

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claridades de mau agouro, que a

sombra das arribações cortava.

Capítulo XIII –Fuga

117 No céu azul as últimas arribações tinham

desaparecido.

118 Saíram de madrugada.

118 ...deixaram na escuridão o chiqueiro

e o curral...

119 Agora Fabiano examinava o céu, a

barra que tingia o nascente, e não

queria convencer-se da realidade.

Procurou distinguir qualquer coisa

diferente da vermelhidão que todos os

dias espiava,...

119 Antes de olhar o céu, já sabia que

ele estava negro num lado...

...cor de sangue no outro, e ia tornar-se

profundamente azul.

119 A luz aumentou e espalhou-se na

campina.Obs: a numeração das páginas corresponde a edição a 106ª edição da editora Record, 2008.

Como podemos observar a partir da leitura do quadro de luz, cor e sombra, no

livro, as cores predominantes na paisagem são: o vermelho, o amarelo, o branco, o preto

e o azul. No filme estas cores são representadas pelo claro e o escuro e suas variações em

gris.

No romance pode-se, ainda, observar que existe uma predominância do amarelo e

do vermelho, que estão ligados ao sol, ao solo, às luzes e ao fogo, adjetivando uma

paisagem causticante. O amarelo da caatinga, da luz dura do sol, das folhas sem vida e

das árvores ressequidas, está refletido na obra inteira, com uma presença ofuscante,

totalizando mais de trinta e cinco indicações. O vermelhidão da brasa, do fogo, da

planície e da cor de sangue, mancha o romance por, pelo menos, vinte oito vezes.

O cenário envolto em vermelho e amarelo que retoma, dentre outros aspectos, as

labaredas de fogo, constroem a metáfora do inferno. As cores são utilizadas de forma

consciente, expressiva e estilística e trazem na essência uma proximidade com o Nordeste 33

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real que o autor buscava representar. (MIRANDA, 2004, p.46)

As cores que seguem em número de aparições são o preto, o azul e o branco. O

preto, entre outras representações, está relacionado ao negrume dos urubus - que

simbolizam a chegada da seca e a morte - às sombras - fruto do grande contraste com a

luz dura que cega a vista - e à escuridão - que cobria a noite. O preto pontua a obra em

pelo menos, vinte momentos.

Enquanto um dia de céu azulado, em uma situação normal para quem mora no

sudeste, seria um dia tranqüilo e sinônimo de felicidade, o azul que coloria o céu de

Fabiano era um azul terrível, que deslumbrava e endoidecia, marcando dias e dias sem

chuva, o que significava cada vez mais sofrimento para a sua família. Os olhos azuis de

Fabiano eram os símbolos de sua expressão mais marcada, representavam sua linguagem

mais dramática. E, finalmente, o branco, que representa as ossadas dos gados encontradas

pelo caminho. O azul aparece aproximadamente dezessete vezes e o branco, duas. Todas

estas cores serão traduzidas em preto, branco e acentuações de gris no filme.

Em síntese, reunimos neste primeiro capítulo, as indicações de luzes e cores feitas

por Graciliano Ramos ao longo do romance e que constituem, no nosso entender, ao

mesmo tempo um desafio para uma transposição fotográfica em preto e branco e,

também, uma espécie de caminho ou guia por onde o fotógrafo pode expressar-se.

Não há dúvidas de que a pluralidade de anotações lumínicas e de matizes no texto

imprimem característica própria e estilística ao escritor. Barreto não teve, portanto, um

leque aberto de opções para tratamento fotográfico em Vidas Secas. A desobediência às

peremptórias citações do romancista com relação ao cenário de luz e cor, levaria Nelson

Pereira dos Santos e Luiz Carlos Barreto a figurarem como, no mínimo, não entendedores

da obra de Graciliano Ramos. Ou seja, um tratamento lumínico aproximado do que

Aumont (2004 p. 175) chama de atmosférico e que é comum em filmes maistream,

redundaria em erro grosseiro. Julgamos que o filme acerta em cheio, ao adotar o que

Aumont (2004 pg.174) chama de luz dramática.

No capítulo seguinte, trataremos da análise comparativa, com ênfase na criação da

imagem fotográfica do longa-metragem Vidas Secas enfocando o capítulo do romance

“Mudança” e a sequência intitulada “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”.

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Capítulo II

O azul que deslumbrava e endoidecia a gente

No segundo capítulo analisaremos o processo de transferência das indicações

luminosas e menções de cor feitas por Graciliano Ramos no primeiro capítulo do

romance Vidas Secas, para as imagens fotográficas concebidas por Nelson Pereira dos

Santos e Luiz Carlos Barreto no filme homônimo. A análise se pautará na relação binária

livro e filme e preferencialmente obedecerá esta ordem. Elegemos para leitura analítica,

como anunciado, o capítulo do romance “Mudança” e a sequência fílmica “O azul que

deslumbrava e endoidecia a gente”, constante na escaleta. A escolha considerou o fato de

o capítulo literário conter significativo número de indicações lumínicas e de cores.

Seguindo a proposta metodológica de Vanoye e Goliot-Lété (1994, pg. 15) no que

diz respeito à análise da imagem fílmica, procederemos a uma descrição da sequência

cinematográfica equivalente a uma desconstrução, um desmonte em planos15 para neles

destacar os elementos que o constituem e, em um processo de reconstrução, tentaremos

chegar a uma interpretação.

Na análise das seqüências do filme teremos como parâmetro os componentes

estéticos e narrativos constitutivos do plano16. De maneira especial analisaremos a

15 Definição: porção do filme impressionada pela câmera entre o início e o final de uma tomada; num filme acabado, o plano é limitado pelas colagens que o ligam ao plano anterior e ao seguinte. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.37)

16 Segundo VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ (1994, p.37 e 69-74) os elementos constitutivos do plano são: movimentos de câmera (travelling/carrinho e panorâmica); o ângulo da filmagem (tomada frontal/ lateral, plongée / contraplongée); a escala (lugar da câmera com relação ao objeto filmado): plano geral, plano conjunto, plano médio (homem em pé); plano americano (acima dos joelhos); plano próximo(cintura bustos, bustos); primeiríssimo plano (rosto); plano detalhe (Insert, pormenor); o enquadramento que inclui o lugar da câmera, a objetiva escolhida; o ângulo de tomadas; a organização do espaço e dos objetos filmados no campo; a profundidade de campo: de acordo com a objetiva e o diafragma escolhidos, a parte de campo nítida, visível; a situação do plano na montagem e no conjunto do filme; os raccords ou passagens de um plano a outro: olhares, movimentos, cortes, fusões ou escurecimentos, outros efeitos; a trilha sonora – diálogos, ruídos, música, escala sonora, intensidade, transições sonoras e relações sons/ imagens – sons in/ off / fora de campo, sons diegéticos ou extradiegéticos, sincronismo ou assincronismo entre imagem e som.

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fotografia trazendo considerações sobre a iluminação da cena e a função da luz e dos tons

de cinza na significação dos componentes narrativos do filme. Em relação à iluminação

da cena, vamos considerar como critério de análise a direção da luz17 e a sua natureza18.

O primeiro capítulo do livro “Mudança”, que corresponde à seqüência da escaleta

intitulada “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente” apresenta a família de Fabiano

como nômade a andar no ermo fugindo do sol intenso, a procura de uma sombra. O

primeiro trecho do livro já embarca o leitor em ambiente inóspito, construindo e

explicando a paisagem, apresentando a dura realidade da terra árida, seca e cercada de

morte. As duas manchas verdes que a família avistava, eram miragens, alucinações. As

imagens dos juazeiros aproximavam-se, recuavam, sumiam, num processo de perturbação

mental provocado, muito provavelmente, pela fadiga e pela fome. Era um cenário

movediço (LEITÃO, 2003, pg. 20).

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitoria com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aio a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.” (RAMOS, 2008, pg.9)

17 A direção da luz é a categoria ligada diretamente ao estilo plástico da construção da imagem. Sua definição provém do sentido dado à luz em relação ao objeto que por ela é iluminado, considerando-se a posição de tomada da câmera. Imaginando a iluminação de uma cena cinematográfica, Moura (2005, p.29) enuncia, em concordância como inúmeros autores, que “a partir do ponto de vista da câmera, existem três posições para se colocar a luz: ataque, compensação e contraluz”. FREIRE, Miguel. Uma luz brasileira: a contribuição de Mario Carneiro - Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGCOM-IACS/UFF, 2006.18 A natureza tenta disciplinar a luz em relação a sua origem, localizando-a nas modalidades direta, dura, difusa, rebatida e filtrada, enfim, agregando qualidades em relação à forma com que a luz se apresenta na cena fotográfica. FREIRE, Miguel. Uma luz brasileira: a contribuição de Mario Carneiro - Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGCOM-IACS/UFF, 2006.

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Figura 1 – Seqüência “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”

2.1 – Cores e luzes transmutadas em gris

Um longo plano geral abre a seqüência de apresentação do filme. As personagens

surgem quase imperceptíveis no fundo da tela. Vêm caminhando, se aproximando

vagarosamente, preenchendo aos poucos todo o quadro fotocinematográfico. É uma

família de retirantes nordestinos: um homem, uma mulher com um baú em cima da

cabeça, duas crianças e uma cachorra. O som extradiegético19 ouvido durante todo plano,

que mais parece um zumbido de inseto é o ruído de um carro de boi. Sobre a imagem

entram os letreiros na parte inferior do quadro, a última informação apresentada é uma

data: 1940. A cachorra cruza a tela e sai de quadro pela esquerda. A câmera que no início

do plano estava fixa descreve uma breve panorâmica20 horizontal da esquerda para

19O som extradiegético ou o som off emana de uma fonte invisível situada num outro espaço-tempo que não o respresentado na tela. (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.50).20 A panorâmica é o movimento realizado pela câmera entorno do próprio eixo: pode ser horizontal, quando realiza o movimento da direita para esquerda, ou da esquerda para a direita, e vertical, quando o movimento é de cima para baixo, ou de baixo para cima.

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direita, acompanhando o movimento das personagens.

O filme começa, portanto, em exterior/dia. A luz dura incide da direita para

esquerda, formando sombras contrastantes no chão ao lado das personagens. O

contraluz21 é predominante na cena, por isso não é possível identificar nitidamente o rosto

das personagens. O tratamento fotográfico dado por Luiz Carlos Barreto neste primeiro

plano já representa uma ruptura com os padrões estéticos impostos pelo cinema

estrangeiro. Para o cinema hollywoodiano da época não era admissível uma fotografia

que encobrisse nas sombras o rosto dos atores. Estamos diante da inauguração de uma

proposta estética para a construção de uma fotografia cinematográfica que procurava uma

certa brasilidade.

Segundo os conceitos, acerca da função da luz traçados por Jacques Aumont,

podemos definir a luz deste plano como dramática, por estruturar o espaço cênico e

procurar a verossimilhança na paisagem. A exposição fotográfica com grandes contrastes

entre os claros e os escuros no quadro fílmico, também caracteriza a função dramática da

luz.

Comparando as narrativas do livro e do filme pode-se constatar que as três

primeiras indicações de luz e cor: “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas

manchas verdes”, (...) “Fazia horas que procuravam uma sombra” (...) e “A caatinga

estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram as

ossadas”, embora não reproduzidas mimeticamente são contempladas simbolicamente,

vertidas para paleta de gris, no plano de abertura da seqüência inicial (Figura 1).

Ao olhar a composição interna dos fotogramas do plano de abertura identifica-se,

em uma visada, a liberdade criativa exercida por Luiz Carlos Barreto na transposição das

cores para o preto, branco e tonalidades intermediárias. As indicações das cores:

avermelhada da planície e verde do juazeiro, não são atendidas como mimese, o rubro da

terra é representado pelo cinza esbranquiçado que se estende pela barra inferior do

quadro e o verde dos juazeiros, nem mesmo se materializa na tela e só pode ser

21 O contraluz ou back light é a posição da fonte contrária ao ângulo de enfoque da câmera. É a luz que ilumina a face posterior do objeto, aquela que não é vista pela câmera. . As suas funções mais conhecidas são: a criação de silhueta e o descolamento do objeto do fundo no quadro fotográfico. FREIRE, Miguel. Uma luz brasileira: a contribuição de Mario Carneiro - Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGCOM-IACS/UFF, 2006.

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imaginado pelo espectador.

Já a segunda indicação de luz: a procura da sombra se resume na ação da procura.

A sombra não se materializa na cena, está ausente, como quer o texto, que diz não existir

sombras. Apenas mais tarde nos últimos planos dessa primeira sequência, quando a

família em fim chega aos juazeiros Sinha Vitória deita seus filhos à sombra.

O “vermelho indeciso” da terceira indicação também não é mimético, pois a

própria caatinga não figura na composição, o quadro é tomado apenas por extensa

planície de pedra e barro seca. O branco das ossadas, também não consta neste primeiro

plano, mas se presentificará em imagens de sequências posteriores.

2.2 – Crenças e sentidos vindos do cromático

No trecho seguinte, estão reunidas novas indicações lumínicas: “O vôo negro dos

urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.” e “...examinou a catinga, onde

avultavam as ossadas e o negrume dos urubus.” (RAMOS, 2008 pg.10 e 13)

O preto representado na figura do urubu tem uma presença marcante em toda

obra. É o tema central do capítulo doze “O mundo coberto de penas”, por exemplo. Vale

lembrar que “O mundo coberto de penas” foi o título provisório do livro

(ABEL,1999,pg.286), o que confirma a preponderância da figura do urubu na obra

literária. Observamos ainda que Nelson Pereira dos Santos espalha ao logo do filme,

como se fora pontuação, extensos planos em que a câmera acompanha o vôo destas aves.

Os urubus para alguns são tidos como aves de agouro, podem representar a morte,

até porque em seu vôo circular indica a existência de animais putrefatos. Nada que a

ciência não explique com muita simplicidade, pois os urubus se alimentam da carne

morta em estado avançado de decomposição.

No filme, eles vão indicar, em um primeiro momento, a possibilidade de a família

encontrar um pouso e, em outro instante as aves anunciam a hora de fugir, pois o

migrante sabe que o vôo de um bando de urubus rumo ao sul, no sertão nordestino,

significa a chegada da seca.

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Sinhá Vitória, que detém a sabedoria sertaneja, percebe, na primeira seqüência,

que os sobrevôos dos negrumes indicavam um lugar para pouso da família - como estão

representados no plano ponto de vista22 do segundo fotograma da figura 2, abaixo.

Figura 2 - Sequência 1 – “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”

Os urubus também estão presentes na seqüência quatorze, – “O sertão ia pegar

fogo”, conforme escaleta e que corresponde ao capítulo literário “O mundo coberto de

penas”. Para Sinha Vitória a sombra de um bando de urubus que sobrevoavam o céu

rumo ao sul, indicava um mau sinal, o sertão prometia incendiar, parecia, para ela, que ia

pegar fogo de fato. A seqüência inicia-se com um longo plano geral do céu, no qual a

câmera acompanha o vôo dos urubus. Quase ao centro do quadro, Sinha Vitória está

acocorada à beira de uma poça de água barrenta abastecendo seu pote de cerâmica

rústica. Ela olha para o céu e pragueja as aves (figura 3), levanta-se, coloca o pote cheio

de água na cabeça e começa a andar (figura 4). A câmera em panorâmica acompanha seus

passos. Ela pára e, com a face em desalento, olha uma última vez para o céu avistando as

aves negras em formação migratória.

22 Plano ponto de vista, ou ppv é um plano em que a câmera assume a posição de um sujeito de modo a nos mostrar o que ele esta vendo. (BRANIGAN, Edward. “ O plano-ponto-de-vista”. In:RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria Contemporânea do Cinema, Volume II .SP: Editora Senac, 2005, pg251.

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Figura 3 - Sequência 14 – “O sertão ia pegar fogo”.

Figura 4 - Sequência 14 – “O sertão ia pegar fogo".

A seqüência prossegue dentro da casa da família (figura 5). Vitória continua

observando o céu, só que agora da sua janela. Ela acusa as aves de levarem o resto da

água e por conseqüência, matarem o gado. Fabiano escuta as acusações da mulher

deitado na sua rede, levanta-se e busca a sua “espingarda de pederneira”. Logo em

seguida sai para atirar nas arribações (Figura 6).

Figura 5 - Sequência 14 – “O sertão ia pegar fogo".

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Figura 6 -Sequência 14 – “O sertão ia pegar fogo”.

Na seqüência 16 – “O sol chupava os poços” novamente vamos encontrar três

planos espalhados ao longo do segmento. Neles figuram a imagem de uma árvore cheia

de urubus (Figura 7). Nesta seqüência, Fabiano cuida dos bois, cortando cactos para eles

comerem. Percebemos ao longo da seqüência que os bois estão morrendo. A montagem

começa com as imagens dos bois vivos andando e comendo os cactos, logo depois

aparece um boi caído, ofegante e no final da seqüência o boi está morto. A imagem da

árvore cheias de urubus é intercalada com as imagens dos bois em agonia reforçando a

idéia de que as aves negras do agouro estão associadas à morte, como acredita sinhá

Vitória.

Figura 7 - Sequência 16 – “O sertão ia pegar fogo”.

Retomando a leitura da sequência inicial e voltando a nossa atenção para o

tratamento fotocinematográfico intra-quadro, podemos observar que no primeiro

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fotograma da sequência 1, (figura 1), com relação a direção da luz que ilumina os

protagonistas, o contraluz predominante esconde, mais uma vez, o rosto de Vitória. O que

não acontece com Fabiano que tem seu rosto compensado luminicamente.

Nos planos intermediários da sequência a câmera móvel acompanha os passos de

Fabiano, o olhar do menino em direção ao sol, o andar trôpego de Sinhá Vitória. Os

retirantes vão em silêncio, apenas o ruído das alpercatas na areia do rio seco pode ser

escutado. A caminhada é lenta e cansativa. Planos longos, a sugerir o caminho que os

pobres infelizes ainda têm a percorrer, criam um clima de dramaticidade e de angústia

que envolve as personagens. O menino mais velho continua olhando em direção ao sol. A

câmera subjetiva, que representa seu olhar, em um movimento vertiginoso simula seu

desmaio. O plano seguinte mostra como ele não resiste à claridade e por ela é vencido:

desaba e chora. (Figura 8).

Figura 8 - Sequência 1 - “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”

Luiz Carlos Barreto volta sua objetiva diretamente para o sol, o resultado é um

estouro de luz na tela que nada deixa ver além do brilho ofuscante da luz. É uma metáfora

criada por Nelson Pereira dos Santos para expressar a sina luminosa que persegue os

retirantes. A imagética reforça pela verossimilhança que o meio natural coloca-se de

forma impiedosa, age como um grande opressor de Fabiano e sua família.

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No livro vamos encontrar o trecho que se refere a esta passagem logo no começo

da obra, no parágrafo três. Graciliano dá voz a Fabiano que aos gritos tenta levantar seu

filho: “Anda, condenado do diabo (...) Anda, excomungado”, ao mesmo tempo em que

fustigava o garoto com a bainha de sua faca de ponta. O menino não se mexia.

A presença deste plano de luz dura, em que a câmera enquadra frontalmente o sol

e a lente sem filtro deixa a luz bater diretamente no vidro da objetiva, cria aberrações

óticas que cega o espectador. O efeito fotográfico pontua outros momentos do filme,

como na sequência “A luz aumentou e espalhou–se na campina” de número 15 da

escaleta, na qual o branco abrasador rouba as últimas esperanças de Fabiano de ficar no

sertão. Para Sinha Vitória a explosão lumínica remove alentos de permanência e como

anúncio da chegada da seca determina a saída para outras plagas.

Figura 9 – Sequência 15 - “A luz aumentou e espalhou–se na campina” 23

23 Invertemos a ordem dos planos na composição gráfica da figura 9 para ressaltar em diagonal descendente o agigantamento da luz do sol na tela.

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Podemos dizer que a sequência é inteiramente dedicada à luz. A presença do sol

frontal do plano, a luz dura dominado o quadro a transforma em protagonista do enredo

fílmico. O tratamento lumínico dado ao sol, em obediência as indicações do romance,

confirma a tese de que a luz é um dos personagens principais do filme. A sequência não

prevista no romance foi inserida na narrativa como um exemplo de elemento próprio do

diretor, evidenciando aspectos latentes da obra de Graciliano. Composta por 10 planos de

média duração, a cena apresenta a família reunida na porta da casa, observando a luz

ofuscante que aumenta e se espalha pela campina. Neste momento a família parece

refletir sobre o fato que mais uma vez a luz se impõe a ela, indicando que a seca se

aproximava, e os empurrando mais uma vez para a mudança, para a incerteza, para a vida

de retirantes. Na fala de Fabiano, logo no final da seqüência, podemos perceber isso:

“Vai pegar fogo, não adianta esperar”.

Como pôde ser observado ao longo deste capítulo, inserimos elementos lumínicos

de outras seqüências, subvertendo em vários momentos a ordem do enredo fílmico e

também a organização dos capítulos no romance. A desobediência da linearidade

justifica-se em função do objeto principal da nossa analise: o arranjo luminoso da obra

cinematográfica criado a partir das indicações de Graciliano Ramos. Acreditamos que a

justaposição de elementos lumínicos presentes em outras seqüências aos que encontramos

na primeira, ajuda na compreensão do projeto imagético desenvolvido por Nelson Pereira

dos Santos e Luiz Carlos Barreto para Vidas Secas. Para fechar vamos, então, traçar

considerações sobre a composição lumínica dos últimos planos da sequência de

apresentação.

Logo após a família avistar uma cerca e encontrar uma fazenda abandonada.

Sinhá Vitória acomoda os filhos em uma sombra de juazeiro enquanto Fabiano avizinha a

casa à procura de vestígios de moradores. Após perceber que a casa estava vazia, vai

sentar-se ao lado Sinha Vitória.

A ação descrita no trecho do livro apresenta-se mais enxuta no filme. Ações como

o abraço do casal, por exemplo, não são realizadas na imagem, apenas sugeridas por

discreta aproximação de Sinha Vitória. Os dois, enquadrados em plano próximo, com a

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câmera fixa e frontal, vivem um momento de reflexão. Estão sob forte presença da luz do

céu, agüentando a incisiva claridade do sol, como descreveu Graciliano.

Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. (...) temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente. (RAMOS, 2008, pg. 9)

Percebemos certo desconforto, um estranhamento em Fabiano devido a

aproximação física de sua mulher. Parece que os sertanejos foram invadidos por uma

profusão de sentimentos que misturam esperança e medo. (Figura 10)

Figura 10 - Sequência 1 - “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”

O olhar de Sinha Vitória para cima, deixa o branco dos olhos expressar o temor

que advém do céu. A sombra indicada no texto literário, não está aparente. O azul terrível

está representado pelo branco chapado e estourado da fotografia de Luiz Carlos Barreto,

como podemos perceber no plano de câmera subjetiva destacado, quinto fotograma da

figura 10. Nelson Pereira dos Santos pela edição reafirma a luz como protagonista.

A inclemência do sol leva as personagens de Ramos a capitular. O sol que

chupava os poços levava junto da água suja o último fio de esperança que prendia

Fabiano e sua família a terra mãe.

Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada

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baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores.(...) sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.” (RAMOS, 2008, pg. 9)

É interessante observar que Graciliano Ramos usa a terminologia “luz dura” para

se referir a luz do sertão que afrontava os desvalidos, uma feliz coincidência da

linguagem fotográfica para referir-se a luz branca e recortada que fere o negativo

cinematográfico. Acaso que pode confirmar sua preocupação com a estética da imagem

na construção de um espaço cenográfico próprio na mente do leitor.

No capítulo que segue veremos principalmente o tratamento lumínico que o filme

apresenta para as cenas de interiores. Separamos para leitura a sequência “Era um

negrume que vagos clarões cortavam”.

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Capítulo III

Era um negrume que vagos clarões cortavam

O olhar agora recai sobre o capítulo do romance “Inverno”, um dos que

apresentam, conforme o quadro de luz e cor24, o maior número de referências lumínicas e

de cores.

“Inverno” é o sétimo capítulo do livro Vidas Secas. No filme, corresponde à

segunda sequência da escaleta intitulada “Era um negrume que vagos clarões cortavam”.

Tal inversão, no roteiro do filme, em relação à ordem dos capítulos do livro, só foi

possível graças ao caráter fragmentário e independente dos capítulos do romance.

Selecionamos no quadro de luz e cor as referências lumínicas mais significativas e

que melhor representam a luminosidade dominante no capítulo “Inverno”. Sobre ela,

como vimos procedendo metodologicamente, nos debruçaremos para fazer as leituras de

transposição das indicações de Graciliano para materialização da imagética foto-

cinematográfica criada por Luiz Carlos Barreto.

A luz, tanto no romance como no filme, mais uma vez se impõe como um

elemento que modifica a narrativa, para além de um simples acessório a compor a

paisagem. Como já afirmamos no capítulo primeiro do romance “Mudança”, a luz era

onipresente, fustigava as personagens levando-as ao delírio, fazendo com que vissem

sombras como se fossem oásis. No capítulo “Inverno”, a luz é quase ausente, tão

diminuta no quadro fílmico que oculta faces e corpos das personagens. A luz na sua

forma mais escassa chega mesmo a dificultar a comunicação e a compreensão entre os

membros da família de Fabiano.

Este arranjo lumínico diferente, apresentado por Graciliano Ramos no sétimo

capítulo da sua obra, apresenta características da luz que se contrapõem com as luzes do

capítulo primeiro. Em “Mudança”, a descrição da luz - exterior, dura, intensa e com uma

claridade capaz de cegar e endoidecer as personagens – contrapõe-se com a falta de

luminosidade que impera no capítulo “Inverno”. A luz no interior da casa é pontual e

24 O quadro de luz e cor pode ser encontrado, na integra, no primeiro capítulo desta monografia.49

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escassa. Basicamente se manifesta na forma do fogo e suas variantes. Ora clareia os

elementos da cena, ora os coloca na escuridão, é oscilante, lambe os objetos como é

característico da iluminação que tem como fonte a chama do fogo.

Logo no início do capítulo na cena onde a família está reunida em torno do fogo,

aparecem as primeiras referências de luz e cor:

A família estava reunida em torno do fogo, Fabiano sentado no pilão caído, Sinha Vitoria de pernas cruzadas, as coxas servindo de travesseiros aos filhos. A cachorra Baleia, com o traseiro no chão e o resto do corpo levantado, olhava as brasas que se cobriam de cinza. (RAMOS, 1998, p. 63).

O fogo é o elemento agregador da família. Na forma de brasas, labaredas e tições,

ele assume o centro da cena, determinando o que pode ser visto e o que ficará oculto. As

cinzas sobre as brasas são índices que marcam a presença do fogo.

A descrição que Graciliano Ramos faz da composição lumínica na cena é tão

precisa que mais parece anotações de um diretor de fotografia. Ele faz indicações de

enquadramento, de direção de luz, especifica a fonte e sua intensidade. Como podemos

verificar:

O circulo de luz aumentou, agora as figuras surgiam na sombra, vermelhas. Fabiano, visível da barriga para baixo, ia-se tornando indistinto daí para cima, era um negrume que vagos clarões cortavam.. (RAMOS, 2008, p. 65)

O escritor fixa o enquadramento da cena e controla a intensidade e o ritmo da

luminosidade. “O círculo de luz” ou “vagos clarões que cortavam” revelam instantes dos

fragmentos de corpos – formatos de figuras indefinidas – e conferem a elas uma cor

avermelhada, típica, quando se trata de uma iluminação que se baseia na chama do fogo.

Fica nítida a preocupação do autor em descrever, em minúcias, a iluminação da

cena, indicando o que é visível e o que se encontra na escuridão. A partir disso constrói

imagens compostas de fragmentos de corpos e de gestos, imagens que se completam com

fragmentos de frases e sons. No filme encontramos uma representação muito próxima das

indicações de Graciliano. Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos Barreto em feliz

conjugação de esforços criativos, harmonizam imagens fotográficas fragmentárias que

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justapostas a palavras soltas e ruídos esparsos formam um todo amalgamado que imprime

sentido à cena.

3.1 - O escuro que ilumina

A segunda sequência “Era um negrume que vagos clarões cortavam” inicia-se

com uma série de planos com diferentes enquadramentos da caatinga. Plano geral da

planície, plano de conjunto dos arbustos e plano detalhe dos galhos das árvores se

encadeiam para descrever o cenário surpreendente com a novidade da chuva, que desaba

sobre a vegetação. Os planos vão do geral ao detalhe, no sentido de pormenorizar a

chuva, enfatizando as gotas amparadas nos galhos das árvores. A partir desta construção

de planos comprovamos a preocupação em apresentar de forma minuciosa a tão esperada

e rara chuva no sertão. O som dos trovões e da chuva caindo corroboram para a

significação da imagem.

Figura 11 – Sequência 2 “Era um negrume que vagos clarões cortavam”.

Avançando um pouco, no meio da sequência, vamos encontrar um outro

encadeamento de planos que também corrobora para a configuração do cenário da chuva.

Em montagem paralela, logo depois que a narrativa passa para o interior da casa, uma

segmento de três planos mostra os arredores do casebre. Além de reforçar a paisagem

chuvosa, com destaque para a água que cai do telhado, os planos são inseridos para

mostrar um rústico coletor de água da chuva. O utensílio, composto de um pote de barro e

de uma calha improvisada (Figura 12), é de grande serventia para o homem nordestino,

pois armazena a escassa água que cai do céu.

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Figura 12 – Sequência 2 “Era um negrume que vagos clarões cortavam”.

Voltando ao início da sequência nos deparamos com Fabiano, que surge sob a

chuva, andando no meio da caatinga, com o seu facão a procura de mudas de planta.

Baleia, sua fiel companheira, aparece latindo e perseguindo um preá. Fabiano está

sorrindo, percebe que a cadela está caçando um possível alimento para a família. Os

primeiros planos formam um intróito à sequência que traduz um efêmero sentimento de

esperança, que em diminuto lapso temporal inunda a alma de Fabiano.

Este encadeamento inicial de exteriores são elementos próprios do diretor, pois

não constam na narrativa do romance. O segmento introduzido na narrativa fílmica

funciona como elemento conectivo, elo para justapor as sequências, atribuindo

continuidade ao enredo. As conexões se ajustam à experiência cinematográfica na qual o

espectador aprecia o filme de uma só vez, em projeção contínua no tempo de sessão. No

caso do romance, por vezes, não se faz necessário o citado elo conectivo, no caso

particular de Vidas Secas, como já dissemos anteriormente, os capítulos foram publicados

em separado, sem ordenação seqüencial e mesmo em temporalidade diversa. No capítulo

“Inverno” o escritor inicia a narrativa com a família já no interior da casa.

Vitória está na janela observando a chuva, logo em seguida vai sentar-se com os

dois filhos e Fabiano ao redor do fogo. A narrativa fílmica sai do exterior chuvoso e

passa para o interior aconchegante da casa. A baixa intensidade de luz que ilumina esse

primeiro plano de interior, só nos permite ver partes dos corpos das personagens. Fachos

de luz que parecem vir da janela iluminam levemente o perfil do rosto sorridente de

Fabiano. Os meninos se aconchegam às pernas de Vitória. A família está feliz, com

esperança de engordar, de ter teto e trabalho na fazenda.

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O fogo que reúne a família é o da chama do fogão a lenha, que aparece ao lado de

Fabiano, enquadrado em plano próximo:

Figura 13 – Sequência 2 “Era um negrume que vagos clarões cortavam”

No segundo fotograma acima podemos identificar o contraluz25 que vaza nos

cabelos de Fabiano, marcando efeito próximo à silhueta.

O domínio do contraluz na cena é constante e constrói a marca estilística na

fotografia dessa sequência. O efeito lumínico pode ser observado logo nos dois primeiros

planos que abrem o seguimento no interior da casa. Luiz Carlos Barreto montou o tom

aconchegante com o auxílio de contraluz, que deixa obscura, mais insinuada do que vista,

a face das personagens. Da grande tela negra surgem fragmentos de rostos e corpos,

satisfeitos de estarem debaixo de um teto, enquanto chove lá fora.

A penumbra e a escuridão são interrompidas por instantes de claridade, criados

pelas nesgas de luz advindas do fogo e do resto de luz do sol que, ainda, penetra pela

janela lateral à esquerda da câmera. Assim, paralelamente ao som, que como já

enfatizamos, comenta a imagem, também a frágil iluminação, cria efeitos que compõem

de maneira preponderante as cenas, agregando sentimentos à mise-en-scéne.

O trecho destacado a seguir é exemplar para elucidar o apuro com que Graciliano

Ramos se expressa ao detalhar as partes dos elementos visíveis no quadro. Ele descreve a

imagem que deve ser construída na mente do leitor, atribuindo formas e ritmo à luz que

surge, clareando fragmentos de cena.

25 Contraluz : Fonte de luz da cena fotocinemagráfica que ilumina parte do objeto que não é vista pela objetiva da câmera. Quando muito intensa cria o efeito conhecido vulgarmente como silueta.

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As brasas estalaram, a cinza caiu, um círculo de luz espalhou-se em redor da trempe de pedras, clareando vagamente os pés do vaqueiro, os joelhos da mulher e os meninos deitados (RAMOS, 1998, p. 63).

As indicações, que como já pontuamos, mais parecem de um diretor de fotografia.

Nesse trecho, Graciliano compõe o quadro, definindo exatamente o que será iluminado.

Faz indicações como “clareando vagamente os pés do vaqueiro, os joelhos da mulher e os

meninos deitados”, o que determina a intensidade da luz, o tempo e as formas que

aparecem na tela. Luiz Carlos Barreto, por sua vez, segue a maioria das indicações do

“diretor de fotografia” Graciliano Ramos. Barreto ilumina as pernas de Sinha Vitória, a

partir dos joelhos e deitadas sobre elas estão as cabeças dos meninos e da cachorra

Baleia. Mas, Fabiano, que no romance tem somente os pés iluminados, no filme recebe

uma branda fonte de luz rebatida que torna possível vislumbrar as linhas do seu corpo de

perfil e, inclusive, enxergar o seu sorriso:

Figura 14 – Sequencia 2 “Era um negrume que vagos clarões cortavam”

Segundo o conceito que se refere às funções da luz proposto por Jacques

Aumont (2004), podemos dizer que a luminosidade dominante nesta sequência se

enquadra na função dramática da luz. Mais uma vez o contraste entre o claro-escuro

contribui para a dramaticidade da cena.

A luz dramática produz, com os jogos lumínicos, espécies de sínteses

conceituais da emoção que o escritor e a direção pretendiam ao realizar as obras. O filme

está impregnado destes jogos de luz e sombra, o que pode ser verificado em várias outras

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sequências do filme. Trata-se de uma luz repleta da idéia de sensação, de dramaticidade,

de metaforização do real.

3.2 - Solilóquios perto do fogo.

A questão da incomunicabilidade entre as personagens é uma característica

marcante em Vidas Secas, tanto no romance como no filme. É no capítulo “Inverno” e na

sequência “Era um negrume que vagos clarões cortavam” que vamos encontrá-la de

forma preponderante. Nos trechos que destacaremos a seguir, constatamos de forma

acentuada a falta de capacidade das personagens de se comunicarem.

A luz, ou melhor, a sua ausência, se constitui em um dos elementos que contribui

para dificultar o diálogo entre os membros da família. As indicações no texto abaixo

relatam a dificuldade que o menino mais velho encontra em compreender o que expressa

o pai:

Fabiano tornou a esfregar as mãos e iniciou uma historia bastante confusa , mas como só estavam iluminadas as alpercatas dele, o gesto passou despercebido. O menino mais velho abriu os ouvidos, atento. Se pudesse ver o rosto do pai, compreenderia talvez uma parte da narração, mas assim no escuro a dificuldade era grande. (RAMOS, 2008, p. 64).

Na continuação da ação, o menino se levanta para pegar uma acha de lenha com

fogo, para poder enxergar o rosto do pai e assim compreendê-lo. Este ato é interpretado

como falta de respeito por Fabiano, que repreende o menino e insinua um movimento

para agredi-lo. Evidências que comprovam a dificuldade de entendimento entre pai e

filho.

A incomunicabilidade permeia todo capítulo e sequência, como no trecho abaixo,

no qual estão descritas as falas desencontradas de Fabiano e Sinha Vitória:

Não era propriamente conversa: eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes, uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo imagens que lhe vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto. (RAMOS, 2008 p.64)

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No filme, esse trecho se traduz em um encadeamento de planos alternados de

Sinha e Fabiano, em solilóquios ininterruptos, que vagueiam em torno de assuntos

diversos. Mas é possível notar um assunto em comum: o seu Tomás da Bolandeira.

Personagem referenciado em vários capítulos do livro, como um paradigma de vida digna

para Fabiano e Sinha Vitória, no filme só é citado nesta cena.

Os planos aproximados de Sinha Vitória e Fabiano montados em paralelo

juntamente com as falas que se entrecruzam, formam um emaranhado de sons e

expressões que apresentam de maneira impactante a passagem na obra cinematográfica.

O que evidencia a problemática da comunicação familiar entre Fabiano e Sinha Vitória.

O tempo que esta construção se sustenta na tela, algo próximo de dois minutos, também

contribui para a força da cena.

Figura 15 – Sequencia 2 “Era um negrume que vagos clarões cortavam”

Ainda sobre as possíveis simbologias relacionadas à luz e sua ausência, vale a

pena citar Alekan (1979), no seu belo ensaio sobre a luz e as sombras nas imagens do

cinema, no qual evidencia o papel determinante da luz sobre a interioridade do homem:

Ora, não somente o breu suprime o homem do universo, já que ele não pode percebê-lo, mas ele o paralisa, ação alguma sendo mais possível num universo de não-luz. Neste mesmo universo obscuro, nenhuma imagem pode se memorizar, com a percepção visual não mais se exercendo. O que existe então de mais próximo deste nada do que a morte, o homem não podendo nem perceber, nem se mover, nem emitir, nem receber? (LIRA, 2008 p.3 apud ALEKAN, 1979, p. 14).

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3.3 - Uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhados com precisão e

firmeza.

Uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhados com precisão e firmeza,

é assim que Lúcia Miguel Pereira, muito bem define o romance Vidas Secas, evocando o

caráter fragmentário e autônomo dos capítulos da obra e a relação da escrita de

Graciliano Ramos com o universo da gravura. (PEREIRA apud BRASIL, 1969, p. 82).

Tal síntese reflete aspectos patentes da obra de Graciliano que também se

manifestam na estética fotográfica do filme. Nas imagens da sequência “Era um negrume

que vagos clarões cortavam” identificamos elementos visuais próprios da arte da

xilogravura.

Assim como o estilo de Graciliano, a fotografia de Luiz Carlos Barreto se apropria

dos modos de expressão da xilogravura nordestina: o contraste entre o preto e o branco,

sem o meio tom, a dureza, o traço.

Não somente o resultado pictórico da xilogravura, mas a própria técnica, embora

muito diferente, assemelha-se pela simplicidade e escassez de recursos. Assim, podemos

dizer que as estampas tiradas das pranchas de madeira se aproximam do fazer literário de

Graciliano e também do projeto fílmico apresentado por Luiz Carlos Barreto e Nelson

Pereira dos Santos para realizar o longa-metragem.

A xilogravura não exige instrumentos sofisticados para o entalhe, utiliza-se tinta

simples e não se usa requintes tecnológicos para a impressão. As madeiras utilizadas para

a confecção da matriz possuem suas cicatrizes naturais, que são incorporadas ao traço. O

que nos faz lembrar da fotografia de lentes nuas de Barreto, da ausência do uso de

refletores e da iluminação concebida a partir da luz natural. E nos remete ainda a

linguagem direta, brutal e econômica das frases curtas e enxutas do “escritor

substantivo”, que evita o emprego exagerado do adjetivo. (ABEL, 1999 p.301). A

temática centrada no modo de vida do homem simples inerente à arte xilográfica coaduna

também com a temática eleita para o romance e reproduzida no filme.

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Figura 16 – O enterro do velho xilografia de Oswald Goeldi

A gravura intitulada O enterro do velho de Oswaldo Goeldi se comparada aos

fotogramas do filme destacados nas figuras 14 e 15, deixam transparecer ao primeiro e

mesmo desatento olhar uma certa semelhança. Embora disposta sobre suportes diferentes

e originária de técnicas díspares, a gravura é concebida para apreciação em imobilidade,

pois é uma prancha fixa e o plano cinematográfico é para ser visto em movimento –

pode-se observar uma analogia estética na crueza que resulta do domínio do escuro sobre

o claro. Acrescente-se, ainda, a economia extrema de detalhes nos elementos que

compõem o quadro, o elevado grau de contraste das representações, por oposição ao que

se espera do cenário real que se pode ver a olho nu. Não se trata de resultado mimético ou

de cópia, mas de partidos similares e crenças comuns adotadas no processo criador pelos

artistas, cujos resultados, permitem agrupá-los em termos de proposições estéticas e

culturais.

Embora saibamos da riqueza do entrelaçamento existente entre cinema e pintura,

não cabe aprofundarmos esse tema, pois fugiríamos da proposta central desta pesquisa.

Contudo, não é possível deixar de assinalar a permanente influência das artes plásticas e

os reflexos da pintura e da gravura na fotogenia do capítulo literário e no trato fotográfico

da sequência fílmica.

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3.4 – Noir-destino.

Mais uma vez a inserção de elementos de outras sequências se faz necessária em

função do entendimento do projeto imagético desenvolvido por Nelson Pereira dos

Santos e Luiz Carlos Barreto para Vidas Secas a partir das indicações de Graciliano

Ramos. E, para além da extensão da análise a outras sequências, chamamos a atenção

para o diálogo presente nestas imagens com outros movimentos artísticos que se

caracterizam pelo uso expressivo da luz.

Como procedemos no capítulo II, destacamos de outras sequências do filme, neste

caso as desenvolvidas em ambientes interiores, o mesmo arranjo lumínico sustentado

pelos profundos contrastes entre claro-escuro e domínio do contraluz. Por vezes nos

arriscamos estabelecendo comparativos com obras das artes plásticas e procurando

referências anteriores na história do cinema mundial.

A articulação claro-escuro constitui um recurso expressivo para despertar

sentimentos primordiais no observador em sequências como: “Os olhos azulados

brilharam como olhos de gato” correspondente ao capítulo literário: “Cadeia” e “Agora

havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera” correspondente ao capítulo

“Baleia”.

O complexo claro-escuro exerce uma poderosa repercussão no nosso imaginário.

Os pintores barrocos foram mestres nesta técnica de contrapor sombra e luz para criar

climas singulares. O acentuado contraste (expressão dos sentimentos) era um recurso que

visava intensificar a sensação de profundidade. A luz na diagonal não aparece como meio

natural, mas sim projetada para guiar o olhar do observador até o acontecimento principal

da obra. A comparação com as obras dos pintores, Rembrandt (1606-1669) e Caravaggio

(1571-1610) é, portanto, possível. Ambos conferiram ao embate claro-escuro, nas artes

plásticas, dimensões metafísicas e universais. Além de sua simbologia imaginária, o

tratamento dado à luz nas obras destes artistas tem a função pragmática, característica do

barroco, de dirigir o olhar do espectador sobre determinados aspectos da cena.

Em tradução cinematográfica, algumas obras são exemplares na articulação

desses recursos expressivos. Elas se inserem nos movimentos de vanguarda das décadas

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de 1910 e 1920, entre eles, o “expressionismo alemão”. No geral, são filmes cuja

temática gravitava em torno do mal, do funesto, do macabro, do fantástico. O uso das

sombras, com toda sua carga negativa formulada ao longo da existência humana, imbrica-

se perfeitamente na narrativa desses filmes contribuindo para um clima e um

aprofundamento das idéias propostas pelo diretor. Os fotógrafos alemães criaram um tipo

de fotografia baseada na nitidez da imagem e na utilização da luz como meio expressivo,

modelando as formas e destacando as texturas.

A estética e a temática do expressionismo alemão fundem, amiúde de maneira

magistral, forma e conteúdo. Com seus mitos e festas maléficas (O Golem, 1920),

sonâmbulos e dementes (O Gabinete do Dr. Caligari, 1919), vampiros e possuídos

(Nosferatu, 1922), e outras criaturas estranhas, os filmes do movimento envolvem o

espectador num clima de dor e niilismo (A Última Gargalhada, 1924) de morbidez e de

terror.

Gênero herdeiro do expressionismo alemão, o film noir buscou no movimento

germânico, inspiração estética. Adotou o uso de contraste acentuado de claro-escuro,

elegeu ângulos de câmara fora do comum, inovou na montagem e em outras categorias

técnicas, o que permitiu criar um gênero com um componente visual diferente, forte e,

podemos dizer, único. As obras caracterizavam-se pelo uso de cenários e personagens

reais num contexto social em que o crime tinha origem na opressão física e mental. Um

dos seus traços mais marcantes são a luz e as sombras que enfatizam o mundo negro e

imoral, no qual as histórias se desenrolam. A luz geométrica, grafismos e texturas na

imagem, feitos por contraste e a constante presença de janelas, como um quadro dentro

de um quadro, ou como recurso de perspectiva, são elementos comuns nos filmes do

gênero.

Como a questão da intertextualidade é premissa nesse trabalho, não podemos

deixar de confrontar a conversa de Vidas Secas com a estética visual dos movimentos

citados. O que por consequência orienta nossa interpretação, estabelecendo níveis de

leituras que nos permite retomar conceitos manifestos nas obras pictóricas do barroco,

nas imagens do expressionismo alemão e até mesmo na fotografia dos filmes do gênero

noir, entre outros movimentos afetos à expressão artística.

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Ao voltarmos nosso olhar para a sequência “Os olhos azulados brilharam como

olhos de gato” percebemos que Luiz Carlos Barreto se apropria dos significados

implicados na articulação do claro-escuro, agregando leituras múltiplas às imagens. A

sequência em questão se passa na cadeia, onde Fabiano foi preso de forma injusta, depois

de ser enganado pelo soldado Amarelo.

Fabiano é jogado na cadeia quando ainda é dia, perceptível pela luminosidade

ofuscante que emana da janela. Ao anoitecer a luz predominante no quadro é emitida pela

fogueira, que quando enquadrada provoca um estouro de luz na tela. É a luz oscilante da

chama do fogo que cria sombras na parede e na face do bandido que divide a cela com

Fabiano. A construção da luz só deixa visível metade da face da personagem sem

compensar o outro lado do rosto. A cara bipartida do bandido juntamente com as sombras

projetadas na parede é uma alegoria característica do film noir que também pode ser

encontrada na imagética do expressionismo alemão.

Figura 17 – Sequência 12 “Os olhos azulados brilharam como olhos de gato”

A intertextualidade também está presente na sequência. A frase de Graciliano

Ramos: “Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera” é traduzida

por Luiz Carlos Barreto na construção de um quadro fotocinematográfico no qual o

escuro esmaga o claro, Na tela, o espectador apenas vislumbra o semblante das

personagens em cena. (figura 18).61

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Figura 18 – Sequência 19 “Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera”

Na figura acima, verifica-se como única fonte de luz, o feixe lumínico diagonal,

advindo da fresta da janela, orientando o olhar para o rosto das personagens. Na cena,

uma das mais tristes do filme, se é possível classificar uma em especial, Sinha Vitória

tenta conter o desespero dos filhos diante do sacrifício da cachorra Baleia. A referência

que vem à memória é a pintura barroca de Velázquez ou mesmo de Caravaggio, de quem

reproduzimos telas nas figuras abaixo:

Figura 19 – Auto retrato de Diego Velázquez, 1599-1660

Óleo 45 x 38 cm. Fonte: Wikipédia – consulta 8/6/2010

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Figura 20 - Invocação de São Mateus – Caravaggio, 1571 -1610Óleo sobre tela – 340x322 cm -Igreja São Luis dos Franceses, Roma

Fonte: Wikipédia – consulta 8/6/2010

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Considerações finais

Uma espécie de intra-leitura, uma desconstrução seguida de reconstrução de

Vidas Secas, livro e filme, tendo como prisma as indicações de luzes, cores e sombras de

Graciliano Ramos, transpostas para a fotografia em preto & branco de Luiz Carlos

Barreto, foi o que realizamos, prioritariamente, no decorrer deste trabalho. Uma reflexão

em três capítulos na qual as intersecções entre o livro e o filme, a temática (a seca) e as

estruturas narrativas das duas obras foram determinantes para compreensão do projeto

lumínico, que Graciliano Ramos imprimiu à obra literária. Na nossa opinião o romancista

trata a luz como um dos personagens centrais da narrativa.

Para o projeto de transposição da luz assinalada por Graciliano Ramos, Nelson

Pereira dos Santos e Luiz Carlos Barreto perseguiram as indicações do escritor e, mais

ainda, agregaram elementos plásticos fotográficos que contribuíram para materializar na

tela aspectos latentes do texto de Vidas Secas. O que caracteriza o resultado alcançado na

obra fílmica, para além do conceito de fidelidade o qual descartamos em função de sua

parcialidade, como um exemplo feliz de recriação. Este processo que se apropria do

material literário e lhe atribui outros significados, inerentes à linguagem cinematográfica,

garante a ressignificação do texto narrativo, dentro de um outro contexto. Cabe lembrar

que o livro e o filme apresentam diferentes meios produtivos e expressivos e estão

localizados em um momento histórico distinto.

Em linhas gerais Vidas Secas se enquadra no que Stam (2006 p.28). conceitua

como dialogismo intertextual. Para ele o texto é sempre inserido numa rede de infinitas

possibilidades de intersecção de superfícies textuais, reconhecíveis ou não. O filme é o

resultado de diálogos diversos, que nos dedicamos a interpretar no esforço de atingir

vários níveis de leitura.

Propusemo-nos, em um primeiro momento, a identificar no filme, a partir dos

signos lingüísticos suas possíveis equivalências aos signos imagéticos. Em princípio

foram consideradas as aproximações referentes às qualidades. Entendendo qualidade

como categoria definida pela fenomenologia como o estágio no qual as primeiras leituras

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são feitas, ou seja, onde os objetos são apreciados apenas pelas suas formas, cores e

linhas (SANTAELLA, 2002 p.86).

Imediatamente à identificação dos elementos, avançamos para constatação da

correspondência do signo literário dentro do universo fílmico. Tomamos o que é

específico literário - as propriedades sensíveis do texto, sua forma- e, procuramos sua

tradução no que é específico do cinema - fotografia, ritmo da montagem, trilha sonora e

composição das figuras visíveis das personagens.

Encontradas as equivalências ou não, o terceiro momento relaciona os signos

linguísticos e imagéticos à possíveis significados. A identificação do caráter simbólico

das imagens e a suas referências a padrões estéticos existentes dentro de um contexto

cultural, o que pressupõe convenções do universo cinematográfico e da arte em geral. O

terceiro momento interpretativo se configura como a análise final que expressamos nos

textos dos capítulos.

No capítulo primeiro apresentamos a metodologia utilizada para realizar a análise

da estética fotográfica a partir das indicações contidas na obra literária. Tecemos

considerações sobre os aspectos significativos da luz, das cores e das sombras nos textos

literário e fílmico. Constam também os primeiros apontamentos em direção a uma

interpretação destes elementos dentro das obras. Os dispositivos criados para auxiliar a

análise estão ali localizados na integra, são eles: a escaleta, o quadro de equivalências e o

quadro de luz, cores e sombras.

Para análise propriamente dita das referências lumínicas selecionamos dois

capítulos do romance que apresentavam arranjos lumínicos distintos. Em “Mudança”, a

luz exterior vinda do sol tem uma intensa claridade capaz de cegar e endoidecer as

personagens e em “Inverno”, com parcas fontes artificiais de luz usadas nos interiores

impera a falta de luminosidade. Os arranjos de luz aparentemente contrários articulam, no

entanto, o mesmo complexo claro-escuro.

No segundo capítulo da monografia concentramos a análise nos trechos

destacados do capítulo do romance: “Mudança” e na sua tradução para os fotogramas da

sequência fílmica nomeada na escaleta: “O azul que deslumbrava e endoidecia a gente”.

Metodologicamente, apoiados por Vanoye e Goliot-Lété (1994, pg. 15), fizemos um

desmonte da sequência cinematográfica em planos para neles destacar os elementos que o

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constituem e, em um processo de reconstrução, chegar a uma interpretação subjetiva.

A análise extrapolou os limites do capítulo e da sequência eleitos, juntando

situações de outras passagens textuais e fílmicas para socorrer e reforçar assertivas

referentes ao tratamento lumínico indicado por Graciliano e adotado por Luiz Carlos

Barreto.

O terceiro capítulo focalizou a análise nos trechos destacados em: “Inverno”

correspondente a sequência: “Era um negrume que vagos clarões cortavam”. Assim como

procedemos no Capítulo II.

Ainda no capitulo III da monografia confrontamos elementos de outras seqüências

do filme, aos elementos lumínicos dominantes, constituintes da seqüência eleita como

central. O critério para elencar imagens de outras seqüências se baseou, novamente, em

questões estéticas e simbólicas e teve como objetivo ampliar a análise para todo filme.

Ampliamos a leitura no capítulo III para a compreensão de práticas intertextuais

presentes na estética fotográfica de algumas seqüências do filme e identificamos

possíveis diálogos da imagética expressa nestes segmentos, com outros movimentos

cinematográficos como o expressionismo alemão e o film noir. O estilo visual destes

movimentos são, por sua vez, frutos do diálogo com outras estéticas, como a pintura e a

literatura. Esta rede dialógica em que a luz é o elemento comum, podemos dizer que

encontra acolhimento estético na pintura, através do contraste entre o claro-escuro.

O romance Vidas Secas, considerado uma das maiores obras primas da literatura

brasileira, se afirmou como uma das principais fontes das imagens e enunciados que

falavam da realidade social do país, indo de encontro com a proposta estética e política

cinemanovista. A literatura nordestina, o chamado “romance de trinta” forneceu

elementos que jovens autores do cinema novo buscavam. Graciliano os presenteou com

tipos físicos memoráveis, cenários inusitados e intensidade dramática na trama. O

processo de criação do cinema novo, assim como o da literatura modernista, foi um

processo de descoberta do Brasil. À medida que os filmes foram sendo feitos, a obra

literária nascida a partir de 22 se revelou como inestimável ponto de apoio, servindo

inclusive para legitimar o movimento cinematográfico.

Para finalizar, trazemos uma leitura contemporânea do Nordeste de Graciliano, de

Nelson Pereira dos Santos e de Luiz Carlos Barreto, realizada por Evandro Teixeira.

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Imagens produzidas 70 anos depois, em um projeto que ilustra a reedição comemorativa

do romance. O fotógrafo nordestino revisita a paisagem sertaneja com o olhar orientado

pelo romance e pelo filme. Tinha como roteiro, o próprio livro que o guiou nas suas

andanças pelos mesmos cenários do longa-metragem. Assim foi a procura de Fabianos e

Sinhas Vitórias, personagens que habitam o sertão nordestino contemporâneo.

Evandro tem como foco mostrar um nordeste diferente, nos leva por suas lentes ao

encontro de novos Fabianos e sinhás, agora, afetados pela expansão da televisão nos

tempos da bolsa-família.

O sertão de hoje não é mais o sertão de Graciliano. A moto tomou o lugar do jegue, a antena parabólica domina o Brasil e o sertão também. O sertão não é mais agressivo, o homem não é mais agressivo como era. As pessoas hoje estão familiarizadas com tudo. Fiquei impressionado. Não se vê um jegue carregando mais nada. É uma loucura o que tem de motocicleta pelo interior, no meio do mato.26

Mesmo com o passar dos tempos as imagens de Evandro Teixeira se aproximam

da estética fotográfica do filme, ao utilizar o preto e branco e as lentes nuas, por exemplo,

justificando ser assim a única possibilidade de retratar o sertão: "Não faria sentido

mostrar o sertão de Graciliano Ramos colorido, porque ele é dramático. Vi muita miséria,

mas encontrei também um olhar de esperança no futuro." 27

26 Extraído do site http://www.istoe.com.br/reportagens/853_VIAGEM+A+VIDAS+SECAS?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage, consultado em 21/05/201027Idem.

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Figura 21- Fotografias retiradas da edição especial comemorativa ilustrada

O relato fotográfico de Evandro Teixeira nos transporta para o mesmo sertão de

Graciliano Ramos e de Nelson Pereira dos Santos. O resultado é uma releitura da

adaptação da luz de Graciliano Ramos feita por Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos

Barreto. As imagens do livro pelas lentes de Evandro Teixeira estão impregnadas da

fotografia realizada para filme. Sabemos que não é plágio, é homenagem.

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