ficÇÃo cientÍfica cyberpunk: o imaginÁrio da cibercultura

Upload: anacarolinaarenhardttomaz

Post on 04-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    1/6

    Conexo Comuni cao e Cu l tur a, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 9-16, 2004 11

    FICOCIENTFICA CYBERPUNK:OIMAGINRIO DACIBERCULTURA

    Andr L emos

    Resumo: O termo cyberpunkaparece para designar um movimentoliterrio no gnero da fico cientfica, nos Estados Unidos, unindo altastecnologias e caos urbano, sendo considerado como uma narrativatipicamente ps-moderna. O termo passou a ser usado tambm paradesignar os ciberrebeldes, o undergroundda informtica, com os hackers,crackers, phreakers, cyberpunks, otakus, zippies. Esses seriam os cyberpunks

    reais. Assim, o termo cyberpunk, ao mesmo tempo, emblema de umacorrente da fico cientfica e marca dos personagens do submundo dainformtica.

    Palavras-chave:cyberpunk,fico cientfica, imaginrio, cibercultura.

    Abstract: T he cyberpunk term appears to assign a literary movementin the scienti fic fiction, in the United States, joining high technologiesand urban chaos, being considered as a typically after-modern narrative.The term started to be used also to assign the cyber- rebels computerscience underground, wi th hackers, crackers, phreackers, cyberpunks,otakus, zippies. These would be the real cyberpunk. Thus, the cyberpunkterm is, at the same time, emblem of a scientific fiction chain and

    computer science delinquent world personages mark.

    Key words: cyberpunk, scientific fiction, imaginary, cyberculture.

    Andr Lemos professor no Programa de Ps-Graduao da Facom/Ufba. di retor do Centro I nternacio-nal de Estudos e Pesquisas em Cibercultura do Programa de Ps-Graduao da Facom/Ufba. Atual presidenteda Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao (Comps). E-mail:[email protected]

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5911

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    2/6

    12 Lemos, Andr. Fico cientficacyberpunk: o imagi nrio da cibercul tura

    O QUECYBERPUNK

    ?O termo cyberpunkaparece para designar um movimento literrio no gnero

    da fico cientfica, nos Estados Unidos, unindo altas tecnologias e caos urbano,sendo considerado como uma narrativa tipicamente ps-moderna. O termo pas-sou a ser usado, tambm, para designar os ciber rebeldes, o undergroundda inform-tica, com os hackers, crackers, phreakers, cypherpunks, otakus, zi ppi es. Esses seriam oscyberpunksreais. Assim, o termo cyberpunk, ao mesmo tempo, emblema de umacorrente da fico cientfica e marca dos personagens do submundo da infor-mtica.

    Escrito por jovens autores, o gnero de fico cientfica que viria a ser cha-

    mado cyberpunk, foi se formando ao longo da primeira metade da dcada de 80 emfanzinese outras publicaes americanas e europias. O movimento, na poca ain-da sem um nome, tinha seu ponto focal nofanzineCheap Tr uth, de autoria do escritorBruce Sterling. Lanado em 1982,Cheap Tr uthera um folheto de uma pgina, distri-budo gratuitamente com textos publicados semcopyright. Os textos eram publicadossob pseudnimos, numa tentativa de minimizar o culto personalidade.

    A fico cyberpunkambienta-se em um futuro prximo, distpico, no qual atecnologia foi tomada pelas ruas, se desvirtuou da one best waye no resolveu ne-nhum dos problemas sociais que prometia, sendo, assim, o contrrio da utopiamoderna. Para a modernidade, a cincia e a tecnologia seriam os principais fatoresde melhoria das condies de existncia da humanidade. No deu certo. O futuris-

    mo da tecnocultura moderna transformou-se no presentesmo da cibercultura ps-moderna. As histriascyberpunksfalavam de indivduos marginalizados em ambi-entes culturais de alta tecnologia e caos urbano, da a origem do nome, colocandoem sinergia cyber, de mquinas cibernticas; tecnologia de computadores, meiosde comunicao de massa, implantes neurais, etc., e punk, da atitude faa vocmesmo do movimento punkingls da dcada de 70 do sculo passado. Freqente-mente, esses sistemas tecnolgicos se estendiam at os componentes humanos, me-diante implantes mentais, prteses, clonagem, ou com a criao de seres gerados apartir de engenharia gentica (replicantes). Essa a partecyberda fico cyberpunk.Todavia, como em qualquer cultura, havia aqueles que viviam como marginais, on

    the edge: criminosos, prias, ativistas, visionrios. O foco da narrativa est nessesindivduos e em como eles subvertiam o uso das ferramentas tecnolgicas criadaspelo sistema, para diversos objetivos. Essa a parte punkda fico cyberpunk.

    Os protagonistas das histrias cyberpunksso anti-heris que transitam comimplantes (ciborgues) por espaos fsicos e informacionais em um cenrio socio-poltico em que corporaes gigantescas dominam todos os campos da sociedade,substituindo at mesmo os governos nacionais. Os protagonistas cyberpunkssedeparam com situaes ligadas ao quotidiano das grandes metrpoles atuais, asso-

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5912

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    3/6

    Conexo Comuni cao e Cu l tur a, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 9-16, 2004 13

    ladas pelo caos urbano, o crime, a poluio e a degradao das relaes sociais.M esmo sendo distopias, as histrias vo alm da relao de dualidade entre a tec-nofiliae a tecnofobiaque marcou a fico cientfica at ento. O cyberpunk umafico, segundo seus autores, reflexo da poca contempornea. Como diz WilliamGibson, um dos autores mais importantes do movimento, o cyberpunkno est pre-ocupado com monstros aliengenas ou conquistas intergalcticas, o que ele faz uma pardia do presente. Assim, o universo da fico cientfica cyberpunkpe emconjuno o reino da tecnologia de ponta, da racionalidade da hard science, por umlado, e do subterrneo, do poder ditatorial de megacorporaes, de intelignciasartificiais, de vrus e do caos urbano, por outro. Tudo muito se parece com o queestamos vivendo nesse comeo do sculo XXI.

    O movimento cyberpunkfoi saudado por fazer a ponte entre dois outros g-neros de fico cientfica: a hard sciencee anew wave.A hard sciencefez muito su-cesso no incio, nas dcadas de 40 e 50, centrada nas especulaes sobre as possi-bilidades tecnolgicas. Entre os nomes mais representativos dessa poca, esto: PaulAnderson, Hal Clement e Gregory Benford. J a new w ave filha do ativismopoltico dos anos 60 e 70. Os autores mais conhecidos so Norman Spinrad, H ar-lan Ellison, Michael M oorcocke e Samuel R. Delany, que abordam a questo daalienao em um futuro high-tech. Os temas caros aos autores cyberpunksmostrambem a mistura desses dois gneros de fico cientfica. Da hard scienceherda-se atecnologia de ponta: implantes corporais (circuitos, rgos artificiais, drogas, cirur-gia plstica, mudana gentica, interface cerebral), inteligncia artificial, neuroqu-mica, mundos virtuais, vrus, nanotecnologia. Da new wave, a atitude da contra-cultura. Outros autores que influenciaram o movimento cyberpunkforam Wil liamBurroughs e Thomas Pynchon. Apesar de no escreverem fico cientfica, captu-raram o esprito da poca marcada pela trilogia sexo, drogas e rockn r oll. Por meioda stira, do humor negro e do que os americanos chamam streetw ise uma inte-ligncia que se aprende na rua e no na escola criticavam, com insolncia, oamer ican way of l ive, e influenciaram o nascimento da contracultura dos anos 60.

    A palavracyberpunkcomeou a ser usada para a literatura domovimentoquandoGardner Dozois, editor da I saac Asimovs Science Fict ion M agazi ne, cunhou o ter-mo em 1983, a partir de uma histria homnima escrita por Bruce Bethke. Gard-

    ner Dozois referia-se a um grupo de escritores americanos como Bruce Sterling,Rudi Rucker, Lewis Shiner, John Shirley, Pat Cadigan e William Gibson, cuja pro-duo literria tinha uma srie de caractersticas em comum, como vimos acima.Em 1984, Will iam Gibson publicouNeuromancer,e Gardner Dozois escreveu umensaio no The Washi ngton Post, no qual ele classificou Gibson, Shirley, Sterling,Shiner, entre outros, com o termo cyberpunk. Uma das primeiras narrativas a reuniralgumas dessas caractersticas desse movimento, porm, foi o livro True Names,deVernor V inge, publicado em 1981.

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5913

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    4/6

    14 Lemos, Andr. Fico cientficacyberpunk: o imagi nrio da cibercul tura

    Do grupo, aquele que ficou mais conhecido foi W illiam Gibson, em cuja obraNeuromancer, de 1984, aparece pela primeira vez o termo ciberespao(cyberspace). Olivro ganhou os prmios mais importantes para a produo literria de fico cien-tfica: o Hugo, o Nebula e o Philip K. Dick. O estilo de Willian Gibson foi influ-enciado, tambm, pelo romance policial Noir,de Raymond Chandler e DashiellHammett. Na fico cyberpunkde Gibson, o mundo assptico e sob controle dafico cientfica convencional entra em um cenrio mundano, de caos urbano tpi-co das grandes metrpoles contemporneas. EmNeuromancer, Case, o protagonista, algum coagido pelo sistema de megacorporaes. Ele, ao lado de M olly, con-tratado por um misterioso patro que oferece, em troca do servio de invaso emsistemas de computadores, solues para o seu problema de microtoxinas implan-

    tadas no seu corpo e que iro mat-lo em pouco tempo. Case, assim, um cowboydo ciberespao, como o descreve Gibson.

    O FIMDOMOVIMENTOLITERRIOCYBERPUNK

    Uma das crticas que se faz ao movimento cyberpunk de que os autores nofizeram mais do que reprocessar uma srie de tendncias que j estavam dissemi-nadas pela cultura da poca. Dessa forma, comum que a literatura cyberpunkuti-lize recursos estilsticos herdados do cinema (o que a literatura ps-moderna, de

    uma maneira geral, faz), com uma velocidade narrativa que segue a esttica de vi-deoclipes da M TV e dos comerciais de TV. O cyberpunk um fenmeno tpico douniverso miditico dos anos 80.

    No final dos anos 80, a mdia anunciou o fim do cyberpunk. Arthur e M ari-louise Kroker escreveram em Hacking the futureque o cyberpunkterminou com arealizao do filme Johnny M nemonic (1995). Tom M addox, por outro lado, noseu texto Cyberpunk in the80s and 90s,considera que o movimento/estilo assu-miu formas novas, diferenciadas, que ele se impregnou na cultura e que, por isso,no mais poderia ser facilmente identificado. A fragmentao causaria, assim, umafalta de identidade clara ao gnero, o que pode ser considerado o fim do movimen-to. O ciberespao, principal local de tenso das histrias cyberpunks, deixou de ser

    uma entidade abstrata, ficcional, para estar, hoje, em todas as reas da vida quotidi-ana: T hat s r ight: Cyberspace ki ll ed Cyber punkafirma M addox. nesse sentidoque no artigoI s cyberpunk sti ll breathi ng?,uma resenha de dois lanamentos ocor-ridos em 1998, Andrew Leonard mostra que o cyberpunkno tem mais impacto:As agenre, cyberpunk i s washed up, as outmoded as a 1980s hard dr ive.O mundoreal se tornou o mundo imaginrio em muito pouco tempo.

    M orta ou no, a literatura cyberpunkse tornou um fenmeno de sociedade.O assunto gerou reportagens em diversas publicaes, desde as no especializadas

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5914

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    5/6

    Conexo Comuni cao e Cu l tur a, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 9-16, 2004 15

    como The Wall St reetJournal,Times, at revistas como a M ondo 2000eWired, pas-sando pela MTV. Morta ou no, a fico cyber punkviu em perspectiva o sculo XXI.A trilogia cinematogrfica M atrix, baseada na obra de Gibson, mostra a atualidadedo movimento. Em pleno desenvolvimento da cibercultura em nvel mundial, adistopia dos autorescyberpunksparece estar se tornando uma realidade neste scu-lo XXI. Internet, ciberespao, vrus, hacking, megacorporaes, vigilncia, tribos deciberrebeldes e ativistas; todos os elementos da fico cientficacyberpunkesto entrens. Cabe ao leitor escolher entre a plula azul ou a vermelha.

    REFERNCIAS

    BET HKE, B. Cyberpunk. Amazi ng Ficti on Stori es, v. 57, n. 4, nov. 1983.

    CICCONE, A. M ouvement cyber punk. Actuel, Paris, n. 15, mar. 1992.

    COBB, N. Cyber punk: terminal chic. The Boston Globe, 24 nov. 1992.

    CYBERPUNK. D isponvel em: ht tp:/ /www.facom.ufba.br/ ciberpesquisa/cyberpunk.Pgina do stio cyberpunk, sobre a cultura cyberpunk.

    CYBERPUNK as a subculture. Disponvel em: http://project.cyberpunk.ru/idb/subculture.html.

    Cyberpunkfiction. Disponvel em: http:// omni.cc.purdue.edu/stein/cp_lit .htm.Cyberpunks: A sociological analysis with special interest in the description of their onlineactivities.

    DOZ OIS, G.; Isaac Asimov Magazine. Disponvel em: http://www.clark.net/pub/ed-seiler/WWW/asimov_home_page.html. Acesso em: 28 jun. 2001.

    FAWCET T, F. Santa Clara Poltergeist. Rio de Janeiro: Eco, s. d.

    GIBSON, W. Neuromancer. New York: Ace Books, 1984.

    ______. Gravsur chrome. Paris: Jai L u, 1986.

    INTERZONE. The New Science Fiction, n mero 14. Disponvel em: http:/ /www.sfsite.com/interzone/. Acesso em: 28 jun. 2001.

    KIRTCHEV, C. M ani festo cyber punk. Disponvel em: http://project.cyberpunk.ru/idb/cyberpunk_manifesto.html. Acesso em: 28 jun. 2001.

    KROKER, A.; KROKER, M . Hacking the fut ure:stories for the flesh-eating 90s. NovaIorque: St. M artins Press, 1995.

    LEARY, T. Chaos et cybercul ture.Paris: Editions du Lzard, 1996.

    ______. Cyberpunks. D isponvel em: http:/ /project.cyberpunk.ru/.

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5915

  • 7/21/2019 FICO CIENTFICA CYBERPUNK: O IMAGINRIO DA CIBERCULTURA

    6/6

    16 Lemos, Andr. Fico cientficacyberpunk: o imagi nrio da cibercul tura

    LEMOS, A. A culturacyberpunk

    .Cul tur a e Comunicao

    , n. 29, Facom/Ufba, p. 25-39,1993.

    ______. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contempornea. Porto Alegre:Sulina, 2002.

    ______. Cyberpunk: apropriao, desvio e despesa na cibercultura. In: M ARTINS, F. daSilva. Genealogia do v ir tual. Porto Alegre: Sulina, 2004.

    M ADDOX, T. After the Deluge: cyberpunk in the 80s and 90s. Disponvel em: http://www.eff.org/pub/Net_culture/Cyberpunk/cpunk_in_the_90s.paper.

    M cCAFERRY, L . (T imothy L eary The Cyberpunk in M cCaffery 1991: 249. Dis-ponvel em: http://project.cyberpunk.ru/.

    SAFFO, Paul. Cyberpunk,R. I . P. Wired, n. 14, Sept./Oct. 1993.SCEL SI, R. Cyberpunk:antologia di testi politici. M ilano: Shake, 1990.

    SPINRAD, N. L es neuromantiques. Univers, Paris, Jai L u, 1987.

    STERLING, B. Les mailles du rseau I et I I . Paris: Denol, 1990.

    ______. Cheap tr uth. Austin: Texas, 1980. Disponvel em: http://bush.cs.tamu.edu/~eri-ch/cheaptruth/. Acesso em: 28 jun. 2001.

    ______. Cyberpunk in the nineti es. Disponvel em: http://www.alkar.net/ moshkow/html-koi/sterlingb/interzone.txt.

    ______. M ozart en ver re mir oir s. Paris. Denol, 1987.

    ______. The hacker crackdown: law and dsorder on the electronic front ier. [S.I ]: Viking,

    1992.The Cyberpunkproject. Disponvel em: http://project.cyberpunk.ru/.

    Two Articles on Cyberpunk; Summary. Disponvel em: http://www.ikm.his.se/ikm/~a96sigpe/cyberpunk.htm.

    VI NGE, V. Tr ue names, 1981. Disponvel em: http://members.tr ipod.com/erythrina/.Acesso em: 28 jun. 2001.

    WI EMKER, M . Cyberpunks: a sociological analysis with special interest in the descrip-tion of their online activities [Universidade de Aachen RW TH, Alemanha]. Disponvelem: http://members.aol.com/Cybersoc/4cyberpunk.htm. Acesso em: 28 jun. 2001.

    capitulo1.pmd 24/11/2005, 09:5916