febre reumática

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iii Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO F EBRE REUMÁTICA EDITOR CONVIDADO: BENEDITO CARLOS MACIEL SUMÁRIO SEÇÕES iv Carta do Presidente da SOCESP Otávio Rizzi Coelho v Carta do Editor Convidado vi Eventos viii Normas para Publicação 1 Epidemiologia da febre reumática no século XXI Epidemiology of rheumatic fever in the 21 st century ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO 7 Etiopatogenia da febre reumática Pathogenesis of rheumatic fever and rheumatic heart disease LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ, JORGE KALIL 18 Aspectos anatomopatológicos da febre reumática Pathological aspects of the heart in rheumatic fever LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI 28 Diagnóstico clínico da febre reumática: os critérios de Jones continuam adequados? Clinical diagnosis of rheumatic fever: are the Jones criteria still adequate? MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO 34 Valor dos exames laboratoriais no diagnóstico e no seguimento de pacientes com febre reumática Laboratory in rheumatic fever MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA 40 Papel da Doppler ecocardiografia no diagnóstico e no prognóstico da febre reumática aguda Role of the Doppler echocardiography in the evaluation of patients with acute rheumatic fever ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO, OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL 47 Valor da cintilografia miocárdica com gálio-67 na abordagem de pacientes com febre reumática Value of Gallium-67 myocardium scintigraphy in the work up of patients with rheumatic fever CARLOS ALBERTO BUCHPIGUEL, JOSÉ SOARES JúNIOR 53 Tratamento clínico da febre reumática Clinical treatment of rheumatic fever MARIA HELENA B. KISS 61 Coréia reumática: aspectos diagnósticos e terapêuticos Sydenham’s chorea: diagnostic and therapeutic aspects VITOR TUMAS 71 Cardite reumática: peculiaridades diagnósticas e terapêuticas Rheumatic carditis: diagnostic peculiarities and treatment MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO 79 Manifestações articulares da febre reumática Articular involvement in rheumatic fever VIRGÍNIA PAES LEME FERRIANI 85 Profilaxia da febre reumática Rheumatic fever prophylaxis FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA 92 Indicação cirúrgica na febre reumática aguda Surgical indication in acute rheumatic fever MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA Edição Anterior: Síndrome Isquêmica Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST Editor Convidado: Otávio Rizzi Coelho Próxima Edição: Coração, Exercícios e Atividade Física Editor Convidado: Nabil Ghorayeb

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Page 1: Febre Reumática

iiiRev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005

Artigos de AtuAlizAção

Febre reumáticA

editor convidAdo:benedito cArlos mAciel

sumário

seçõesiv Carta do Presidente da SOCESP Otávio Rizzi Coelhov Carta do Editor Convidadovi Eventosviii Normas para Publicação

1 Epidemiologia da febre reumática no século XXI Epidemiology of rheumatic fever in the 21st century ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO

7 Etiopatogenia da febre reumática Pathogenesis of rheumatic fever and rheumatic heart disease LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ, JORGE KALIL

18 Aspectos anatomopatológicos da febre reumática Pathological aspects of the heart in rheumatic fever LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI 28 Diagnóstico clínico da febre reumática: os critérios de Jones continuam adequados? Clinical diagnosis of rheumatic fever: are the Jones criteria still adequate? MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO

34 Valor dos exames laboratoriais no diagnóstico e no seguimento de pacientes com febre reumática Laboratory in rheumatic fever MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA

40 Papel da Doppler ecocardiografia no diagnóstico e no prognóstico da febre reumática aguda Role of the Doppler echocardiography in the evaluation of patients with acute rheumatic fever ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,

OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL

47 Valor da cintilografia miocárdica com gálio-67 na abordagem de pacientes com febre reumática Value of Gallium-67 myocardium scintigraphy in the work up of patients with rheumatic fever CARLOS ALBERTO BUCHPIGUEL, JOSÉ SOARES JúNIOR

53 Tratamento clínico da febre reumática Clinical treatment of rheumatic fever MARIA HELENA B. KISS

61 Coréia reumática: aspectos diagnósticos e terapêuticos Sydenham’s chorea: diagnostic and therapeutic aspects VITOR TUMAS

71 Cardite reumática: peculiaridades diagnósticas e terapêuticas Rheumatic carditis: diagnostic peculiarities and treatment MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO

79 Manifestações articulares da febre reumática Articular involvement in rheumatic fever VIRGÍNIA PAES LEME FERRIANI

85 Profilaxia da febre reumática Rheumatic fever prophylaxis FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA

92 Indicação cirúrgica na febre reumática aguda Surgical indication in acute rheumatic fever MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA

Edição Anterior: Síndrome Isquêmica Aguda com Supradesnivelamento do Segmento STEditor Convidado: Otávio Rizzi Coelho

Próxima Edição: Coração, Exercícios e Atividade FísicaEditor Convidado: Nabil Ghorayeb

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 1

PROKOPOWITSCH ASe col.

Epidemiologia da febrereumática no século XXI

EPIDEMIOLOGIA E TENDÊNCIAS DADOENÇA REUMÁTICA NO MUNDO

A febre reumática é uma complicação tardia não-supurativa de infecções por estreptococos beta-hemo-líticos pertencentes ao grupo A de Lancefield. Geral-mente, afeta indivíduos entre 5 e 18 anos de idade, dequalquer raça e em qualquer parte do mundo(1). Essadoença continua a ser um problema relevante de saú-de pública nos dias atuais, especialmente nos paísespobres, nos quais estima-se que a febre reumática sejaresponsável por cerca de 60% de todas as doençascardiovasculares em crianças e adultos jovens(2). Alémdisso, trata-se de uma doença que produz alto custosocioeconômico, não somente para os serviços de saú-de como também para os pacientes e suas famílias.Um recente estudo brasileiro demonstrou que 22% dospacientes com febre reumática em idade escolar apre-sentaram alguma repetência, e que 5% dos pais depacientes perderam seus empregos em decorrência doabsenteísmo do trabalho(3).

Durante a segunda metade do século XX, especial-

EPIDEMIOLOGIA DA FEBRE REUMÁTICANO SÉCULO XXI

ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO

Divisão de Clínica Médica — Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência: Av. Professor Lineu Prestes, 2565 —Cidade Universitária — CEP 05508-000 — São Paulo — SP

A febre reumática, complicação tardia não-supurativa de infecções por estrepto-cocos do grupo A de Lancefield, continua a ser um relevante problema de saúdepública, especialmente nos países em desenvolvimento. Este artigo aborda de ma-neira geral aspectos epidemiológicos atuais da febre reumática e das infecções porestreptococos do grupo A, salientando a importância dos sorotipos mais reumato-gênicos dessas bactérias e o ressurgimento recente de infecções estreptocócicasgraves e invasivas, associado a surtos de febre reumática aguda em escolares eadultos jovens, observados principalmente nos Estados Unidos e na Europa.

Palavras-chave: febre reumática, infecções estreptocócicas, epidemiologia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:1-6)RSCESP (72594)-1501

mente após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu grande que-da da incidência de febre reumática aguda, notada prin-cipalmente nos Estados Unidos, no Japão e na Euro-pa, explicável pelo maior acesso ao uso de antibióti-cos, pela contínua melhora de condições de vida e,provavelmente, pela menor virulência de cepas estrep-tocócicas. Por exemplo, na Dinamarca, a incidênciaanual de febre reumática aguda caiu de 200 para 11casos por 100 mil pessoas entre os anos de 1862 e1962, chegando a atingir cerca de um caso para cada100 mil indivíduos após a introdução da penicilina(4, 5).Durante a década de 1980, a incidência de casos agu-dos de febre reumática manteve-se em 0,06 caso pormil pessoas no Japão e na Grã-Bretanha, e em 0,7caso por mil pessoas no Estados Unidos(1).

Nos países em desenvolvimento, também houve re-dução da incidência de febre reumática aguda durantea segunda metade do século XX, mas em menor mon-ta que aquela observada no Primeiro Mundo. Na re-gião Sul do Brasil, a incidência da doença chegou aser de um para cada mil habitantes durante a décadade 1970(6), e de 3,6 para cada mil habitantes em algu-

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Epidemiologia da febrereumática no século XXI

mas regiões do Centro-Oeste durante a décadade 1990(7). Níveis aindamaiores de incidência fo-ram observados em outrospaíses, como, por exem-plo, a África do Sul, em So-weto, em que chegaram aser registrados 19,2 casospara cada mil escolaresdurante a década de1970(8).

A redução da incidência de casos agudos de febrereumática foi acompanhada pela diminuição das taxasde mortalidade pela doença. Por exemplo, nos Esta-dos Unidos, houve queda dessas taxas da ordem de14,5 para 6,8 por 100 mil casos entre os anos de 1950

Tabela 1. Número absoluto de óbitos por cardiopatia reumática notificados por alguns países em 2002.

Número de óbitos em 2002 Países

Igual ou acima de 10.000 China, Índia, Paquistão, Indonésia, Bangladesh5.000 a 9.999 Federação Russa1.000 a 4.999 Brasil, Estados Unidos, México, França, Alemanha,

Reino Unido, Egito, Congo, Etiópia, Nigéria, Irã,Vietnã, Filipinas

500 a 999 Romênia, Bielo-Rússia, Argélia, Sudão, Angola,África do Sul, Casaquistão

100 a 499 Argentina, Colômbia, Canadá, Portugal, Hungria,Suécia, Austrália

10 a 99 Grécia, Finlândia, Bélgica, Dinamarca

Fonte: Organização Mundial da Saúde(11).

Tabela 2. Número absoluto de casos notificados decardiopatia reumática em crianças de 5 a 14 anos deidade no ano de 2003.

Região ou país Número de casos

África subsaariana 1.008.207Ásia Central e Meridional 734.786China 176.576Mediterrâneo Oriental eNorte da África 153.679América Latina 136.971Ásia (restante) 101.822Europa Oriental 40.366Países desenvolvidos 33.330Pacífico 7.744

Fonte: Organização Mundial da Saúde(11).

e 1972(9). No Brasil, essa taxa manteve-se em 0,15 por100 mil casos no final da década de 1980(6). Em 2000,o número absoluto estimado de mortes decorrentes dedoença cardíaca reumática no mundo foi de 332 mil(10),e os países que mais contribuíram para esse númeroforam China, Índia, Paquistão, Indonésia e Bangladesh,com mais de 10 mil mortes pela doença em cada umdeles no ano de 2002 (Tab. 1)(11). No Brasil, morreram1.852 pessoas, a maioria com complicações da doen-ça reumática, em 2002. Em 1979, o número de mortesfoi de 1.870, mostrando que o risco de morte foi signi-ficativamente reduzido, considerando-se o aumento dapopulação em duas décadas.

A prevalência estimada de doença cardíaca reumá-tica em crianças nas duas últimas décadas variou de0,2 por mil escolares em Havana (Cuba), no ano de 1987,até 77,8 por mil escolares em Samoa, em 1999(12, 13). Cal-

cula-se que a cardiopatia reumática, em países emdesenvolvimento, seja responsável por 12% a 65% dasinternações hospitalares relacionadas a doenças car-diovasculares(14). Em 2003, a África subsaariana foi aregião que mais contribuiu com o número de casos decardiopatia reumática no mundo em crianças de 5 a 14anos de idade, com 1.008.207 casos, seguindo-se aÁsia Central e Meridional (734.786 casos) e a China(176.576 casos). A América Latina contribuiu com136.971 casos e os países desenvolvidos, com 33.330casos (Tab. 2)(11).

Dados da Organização Mundial da Saúde dão con-ta de que, em 1994, cerca de 12 milhões de pessoasno mundo sofriam de febre reumática e suas seqüelascardíacas. Três milhões delas apresentavam insufici-ência cardíaca congestiva requerendo repetidas hos-pitalizações, a maioria com indicação de cirurgia car-díaca valvar num prazo de 5 a 10 anos(15).

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Epidemiologia da febrereumática no século XXI

após um episódio de faringite estreptocócica, ou seja,a nefritogenicidade parece ser uma propriedade de ape-nas algumas cepas de estreptococos do grupo A, quegeralmente guardam tropismo por infecções cutâne-as(25).

Existem alguns fatores de virulência de tais bactéri-as que parecem estar associados a sua reumatogeni-cidade. Ao que tudo indica, as cepas de estreptococosdo grupo A capazes de produzir febre reumática sãomais ricas em proteína M, apresentam alto teor de áci-do hialurônico em suas cápsulas (o que produz colôni-as de aspecto mucóide nas culturas em ágar), são po-bres em lipoproteinase (usualmente encontrada emcepas causadoras de infecções cutâneas), são alta-mente virulentas em ratos e têm grande tropismo pelaorofaringe(26). A reumatogenicidade das cepas de es-treptococos do grupo A parece depender, acima detudo, das moléculas de proteína M encontradas em suasuperfície, já que algumas delas possuem epítopos queapresentam reação cruzada com antígenos do hospe-deiro(23), especialmente com tecidos cardíacos, sinovi-ais e do sistema nervoso central.

Alguns sorotipos de estreptococos do grupo A têmsido claramente associados a epidemias de febre reu-mática aguda, dentre os quais o mais comum é o soro-tipo M5. Outros sorotipos associados com freqüênciaà ocorrência de febre reumática são M1, M3, M6, M14,M18, M19 e M24(16, 23). Alguns sorotipos prevalentes eminfecções de orofaringe, tais como M2, M4 e M12, nãoestão associados à doença(23).

Apesar de não terem sido conduzidos estudos lon-gitudinais para avaliar a tendência das taxas de inci-dência e prevalência de faringites estreptocócicas oude carreadores assintomáticos de estreptococos dogrupo A, os dados atualmente disponíveis sugerem queas mesmas têm se mantido mais ou menos estáveisna maioria dos países(14). Entretanto, têm sido relata-das, ao longo dos últimos vinte anos, algumas altera-ções na freqüência dos sorotipos de estreptococos dogrupo A, bem como na severidade de infecções portais bactérias, aparentemente mais virulentas e invasi-vas. Tais relatos têm sido acompanhados por descri-ções de surtos de febre reumática aguda em paísesdesenvolvidos, não confinados apenas a populaçõessocial e economicamente desfavorecidas(16).

O declínio observado na incidência de febre reumá-tica aguda durante a década de 1970 em quase todo omundo provavelmente deveu-se muito mais ao desa-parecimento de cepas estreptocócicas reumatogênicasque à melhoria das condições socioeconômicas e doacesso à antibioticoterapia profilática, uma vez que nãohouve redução concomitante da incidência de faringi-tes estreptocócicas(23). Entretanto, desde meados dadécada de 1980, após vários anos de desaparecimen-to, têm sido identificadas cepas mucóides de estrepto-

Apesar do declínio glo-bal da incidência de febrereumática experimentadona segunda metade do sé-culo XX, nas últimas duasdécadas vem sendo nota-do aumento progressivodo número de casos agu-dos da doença, associa-dos a formas agressivas einvasivas de infecções es-treptocócicas, principal-

mente na América do Norte e na Europa(16), conformeserá abordado a seguir.

EPIDEMIOLOGIA DAS INFECÇÕESESTREPTOCÓCICAS DO GRUPO AE TENDÊNCIAS ATUAIS

Os estreptococos do grupo A são a causa mais co-mum de faringite bacteriana, atingindo principalmentecrianças e jovens com idades entre 5 e 15 anos. Esti-ma-se que a maioria das crianças desenvolva pelomenos um episódio de faringite por ano, dos quais 15%a 20% causados por estreptococos do grupo A e 80%por patógenos virais(17).

Alguns estudos demonstraram que até 70% das cri-anças em idade escolar em países europeus apresen-tam títulos significativos (acima de 200 unidades Todd)de antiestreptolisina O(14). A prevalência de estreptoco-cos do grupo A em portadores assintomáticos é muitoheterogênea, tendo sido reportadas taxas que variamdesde 0,8% na Suíça(18) até 47% no Kuwait(19). Em nos-so meio, já foram reportadas taxas de carreamentoassintomático em escolares de 0,8% no Recife (PE)(20),2,6% na cidade do Rio de Janeiro (RJ)(21) e 23,7% emAraraquara (SP)(22). Entretanto, apesar de haver rela-tos de altas taxas de carreamento assintomático deestreptococos do grupo A, é importante ressaltar queapenas nos casos de doença verdadeira ocorre res-posta significativa de produção de anticorpos, de modoque se considera que somente pacientes com faringiteestreptocócica de fato apresentam risco de desenvol-ver febre reumática(14).

Nem todas as infecções por estreptococos do gru-po A causam febre reumática aguda, ou seja, nem to-das as cepas dessas bactérias são reumatogênicas.Geralmente, piodermites e infecções de tecidos molesnão levam ao surgimento da doença, assim como nemtodas as infecções estreptocócicas da faringe produ-zem febre reumática(23). Além disso, algumas cepas cau-sadoras de piodermites costumam causar glomerulo-nefrite aguda, mas não febre reumática aguda(24). Aocorrência de febre reumática e glomerulonefrite agu-da simultaneamente num mesmo paciente é muito rara

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Epidemiologia da febrereumática no século XXI

cocos do grupo A preva-lentes em epidemias defebre reumática aguda, es-pecialmente pertencentesaos sorotipos M3, M5 eM18(27). Além disso, desdeentão têm sido relatadosvários casos de infecçõesestreptocócicas graves einvasivas, tanto nos Esta-dos Unidos como em paí-ses da Europa(28), causa-

das principalmente pelos sorotipos M1, M3 e M18. Fre-qüentemente, as cepas relacionadas a essas infecçõesapresentam produção mais acentuada da chamadaexotoxina estreptocócica pirogênica, a qual parece terparticipação importante na virulência e na invasivida-de dessas bactérias(16).

Recentes relatos de tais infecções estreptocócicasinvasivas dão conta da ocorrência de bacteremia, sep-se (inclusive puerperal), fasciíte necrotizante e miosi-te, além da denominada síndrome do choque tóxicoestreptocócico, caracterizada por insuficiência de múl-tiplos órgãos e choque, na vigência de infecção estrep-tocócica(16). Essas infecções costumam acometer es-pecialmente adultos jovens e previamente saudáveis,com uma taxa de letalidade de cerca de 30%(29).

Diferentemente da síndrome do choque tóxico es-tafilocócico, os pacientes com infecções estreptocóci-cas invasivas costumam apresentar bacteremia e focoinfeccioso evidente. Na maioria das vezes (em até 70%dos casos), o foco infeccioso original é cutâneo, muco-so ou de tecidos moles. Foco respiratório (pneumonia,sinusite ou otite) é identificável em até 18% dos casos,e em 5% a 24% das vezes ocorre apenas bacteremiaisolada(16).

Concomitantemente a essa alteração da virulênciae do perfil das infecções estreptocócicas, no final dadécada de 1980 começaram a surgir relatos de epide-mias de febre reumática aguda, especialmente em vá-rias localidades dos Estados Unidos(30-33). Em tais sur-tos, crianças em idade escolar são as mais freqüente-mente acometidas, porém nota-se aumento significati-vo da incidência de febre reumática aguda em adultos,chegando a 100% dos casos na localidade de San Di-

ego(32). Diferentemente de relatos anteriores, a maioriados indivíduos afetados era da raça branca, com ren-dimentos familiares bem acima da linha da pobreza(16).

Clinicamente, artrite e cardite foram os achados maisfreqüentes nesses surtos. Foi relatada ocorrência deartrite em 47% a 100% dos casos, de cardite em 30%a 59%, e de coréia em até 30%. Vale ressaltar que cer-ca de dois terços dos pacientes falharam em recordarsintomas de faringite prévios ao surgimento da doen-ça. Os sorotipos de estreptococos mais freqüentemen-te isolados nesses casos foram M1, M3 e M18(16), clas-sicamente relacionados à ocorrência de febre reumáti-ca e muito prevalentes nas infecções estreptocócicasinvasivas recentemente descritas.

Assim, após longo período de desaparecimento, nosúltimos vinte anos ressurgiram cepas de estreptoco-cos do grupo A com potencial reumatogênico conside-rável, associadas a infecções mais graves e afetandonão somente crianças em idade escolar, mas tambémadultos jovens. Não há dados brasileiros até o momen-to sobre essa mudança de perfil das cepas estreptocó-cicas, mas os relatos indicam que vigilância será ne-cessária, no sentido de identificar sorotipos reumato-gênicos em nosso meio e associar sua ocorrência apossível aumento de casos novos de febre reumáticano Brasil.

Além disso, a erradicação da febre reumática de-penderá em muito do desenvolvimento de vacinas con-tra estreptococos do grupo A. Têm sido estudadas va-cinas multivalentes recombinantes, compostas por epí-topos de proteína M representativos dos mais freqüen-tes sorotipos reumatogênicos, além de vacinas oraiscapazes de induzir resposta imune IgA tipo-específicaantiproteína M(34). Considerando-se que a profilaxia pri-mária (tratamento antibiótico de infecção estreptocóci-ca aguda) é insuficiente para a prevenção da febre reu-mática, uma vez que a maior parte dos indivíduos quedesenvolvem a doença não experimenta infecção es-treptocócica prévia clinicamente significativa, e quemuitos dos sorotipos reumatogênicos de estreptoco-cos estão atualmente relacionados a infecções graves,o desenvolvimento de uma vacina contra estreptococosdo grupo A tem se tornado assunto de relevância, que certa-mente terá impacto importante na epidemiologia da estrep-tococcia e da febre reumática em todo o mundo.

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Epidemiologia da febrereumática no século XXI

EPIDEMIOLOGY OF RHEUMATIC FEVERIN THE 21ST CENTURY

ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO

Rheumatic fever, a non-supurative complication of infections by group A strepto-cocci, remains a major health problem, especially in developing countries. This arti-cle makes a global overview on the epidemiology of rheumatic fever and infectionsby group A streptococci, highlighting the importance of the most rheumatogenic se-rotypes of these bacteria and the recent reemergence of severe, invasive strepto-coccal infections associated with outbreaks of acute rheumatic fever in school-agedchildren and young adults, particularly described in United States and Europe.

Key words: rheumatic fever, streptococcal infections, epidemiology.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:1-6)RSCESP (72594)-1501

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HISTÓRICO

Em 1798, foi publicada por Baillie a observação deque havia correlação entre reumatismo e doença car-díaca, feita dez anos antes por Pitcairn. Observaçõessubseqüentes indicaram que a febre reumática era umadoença que acometia crianças e adolescentes. Em

ETIOPATOGENIA DA FEBRE REUMÁTICA

LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ, JORGE KALIL

Laboratório de Imunologia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —9o andar — CEP 05403-900 — São Paulo — SP

A febre reumática é desencadeada pela infecção de orofaringe pelo Streptococ-cus pyogenes em indivíduos geneticamente suscetíveis, não tratados. A suscetibili-dade está associada a diversos alelos HLA de classe II. As reações auto-imunesque geram as lesões teciduais reumáticas ocorrem por mimetismo molecular entreS. pyogenes e proteínas teciduais. Na doença reumática cardíaca, as lesões valvu-lares são caracterizadas por intenso infiltrado inflamatório, rico em células mononu-cleares. Linfócitos T infiltrantes da lesão reconhecem simultaneamente segmentosda proteína M do estreptococo e proteínas do tecido cardíaco por mimetismo mole-cular. Tanto linfócitos T do sangue periférico como os infiltrantes das lesões, princi-palmente em indivíduos portadores dos antígenos HLA-DR7 e DR53, reconhecem omesmo segmento da proteína M5 (resíduos de aminoácidos de 81-96). As célulasmononucleares que infiltram o tecido cardíaco dos pacientes com doença reumáticacardíaca grave produzem principalmente citocinas inflamatórias do tipo Th1 (IFNγ eTNFα). Curiosamente, raras células mononucleares infiltrantes das válvulas produ-zem IL-4, citocina reguladora da resposta inflamatória. Considerando-se que as le-sões valvulares reumáticas são lentas e progressivas, a baixa produção de IL-4, e,conseqüentemente, a manutenção da inflamação local, está correlacionada com aprogressão das lesões valvulares na doença reumática cardíaca, enquanto no mio-cárdio, onde há grande número de células produtoras de IL-4, ocorre cura da mio-cardite após algumas semanas. Em conclusão, a patogênese da febre reumática/doença reumática cardíaca é decorrente de uma rede complexa de interações imu-nes desencadeadas pelo agente infeccioso (S. pyogenes), as quais levam a lesõesauto-imunes órgão-específicas, progressivas e permanentes mediadas por linfóci-tos T e citocinas inflamatórias.

Palavras-chave: febre reumática, proteína M, mimetismo molecular, linfócitos T, ci-tocinas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:7-17)RSCESP (72594)-1502

1840, Jean Baptiste Bouillot descreveu que a febre reu-mática “lambe as articulações, mas morde o coração”.Em 1889, Cheadle observou que a doença era maisfreqüente em membros de uma mesma família, suge-rindo um padrão genético de suscetibilidade. No perío-do de 1900 a 1940, vários pesquisadores sugeriram aparticipação de vírus ou bactérias no desencadeamento

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da doença. Em 1930, Co-burn associou a infecçãopor Streptococcus pyoge-nes como agente causalda febre reumática.(1)

O AGENTE INFECCIOSO(Streptococcuspyogenes)

Estudos realizados porRebecca Lancefield per-

mitiram a classificação do estreptococo beta-hemolíti-co como grupo A ou Streptococcus pyogenes, bemcomo a definição de sua composição celular, levantan-do questões a respeito de suas funções biológicas edas relações com seu hospedeiro, o ser humano.

O estreptococo do grupo A contém, na camada ex-terna da parede celular, as proteínas M, T e R e o áci-do lipoteicóico (LTA), um polímero longo composto porfosfoglicerol e responsável pela ligação da bactéria àfibronectina presente na célula epitelial oral do hospe-deiro, iniciando, assim, a colonização bacteriana (Fig.1). As camadas média e interna são formadas por açú-cares e conferem rigidez à parede, mantendo a morfo-logia bacteriana. A proteína M apresenta propriedadeantifagocítica e é altamente antigênica. Sua estruturaé fibrilar em alfa hélice dupla que se projeta da paredecelular, apresentando similaridade com proteínas fibri-lares do tecido humano, como miosina cardíaca, tro-pomiosina, queratina, lamina e vimentina (Tab. 1). Aproteína M contém aproximadamente 450 resíduos deaminoácidos dispostos em quatro regiões (A, B, C eD), que apresentam blocos de repetições (Fig. 1). Aporção N-terminal é a mais polimórfica (regiões A e B)e diferenças nos 11 primeiros resíduos de aminoáci-dos permitem classificar os diferentes subtipos ou ce-pas do estreptococo do grupo A, que são aproximada-mente 100 sorotipos. As regiões C e D são bastanteconservadas e fazem parte da porção C-terminal quese insere à superfície da bactéria (Fig. 1). As regiões Cde proteínas M de diferentes cepas apresentam apro-ximadamente 80% de homologia, sendo responsáveispela fixação da bactéria na mucosa de orofaringe(2).

SUSCETIBILIDADE GENÉTICA

Estudos conduzidos em gêmeos demonstraram umataxa de concordância da doença de 18,7% em gême-os monozigóticos e de 2,5% em gêmeos dizigóticos,reforçando a idéia da participação de fatores genéti-cos no desenvolvimento da doença bem como nas di-ferentes manifestações clínicas(3). Com o progresso dosestudos epidemiológicos e posteriormente imunológi-cos, vários marcadores genéticos foram analisados,

entre eles os grupos sanguíneos ABO e os antígenosHLA de classe I, porém esses marcadores não apre-sentaram associações significativas com a doença(4, 5).Posteriormente, com a identificação dos antígenos HLAde classe II, na década de 80, buscaram-se associa-ções com alelos dos genes HLA-DR e DQ localizadosna região de classe II do complexo principal de histo-compatibilidade (CPH), no cromossomo 6 em huma-nos (Tab. 2). Os primeiros relatos demonstraram quepacientes americanos negros com doença reumáticacardíaca crônica apresentavam maior freqüência deHLA-DR2 e pacientes de origem caucasóide, HLA-DR4e DR9(6). A associação com HLA-DR4 e doença reu-mática cardíaca em população americana de origemcaucasóide foi posteriormente confirmada(7) e essamesma associação foi descrita em população de ori-gem árabe(8) e muçulmana da região da Kashmir(9). Emnegros da África do Sul, observou-se associação doalelo HLA-DR1 com a febre reumática(10) e estudosdesenvolvidos na Índia demonstraram associação dadoença com os alelos HLA-DR3 e DQ2(11, 12). No Brasil,foi descrita a associação dos alelos HLA-DR7 e DR53com a febre reumática em mulatos claros e escuros(13) eposteriormente com um grupo de origem caucasóide(14).A associação com o alelo HLA-DR7 foi também encon-trada na Turquia(15). Mais recentemente, por meio demétodos moleculares para definição alélica, tambémse observou associação significativa do haplótipoDRB1*0701/DQA1*0201 na população egípcia(16) e dohaplótipo DRB1*07/DQB1*0302 e DQB1*0401-2 empopulação da Latívia(17), sendo essas associações par-ticularmente mais evidentes em pacientes com lesõesvalvulares múltiplas e regurgitação da valva mitral. Napopulação japonesa, a suscetibilidade à doença foidescrita com os alelos DQA1*0104 e DQB1*05031(18).Em população mestiça no México, a associação des-crita foi com os alelos DRB1*1602, DQA1*0501 eDQB1*0301(19).

Apesar da descrição de associações com distintosalelos HLA, os resultados demonstram que a associa-ção com o alelo DR7 parece ser a mais consistente,independentemente da população estudada (Tab. 1).(13-

17, 21) O fato de diferentes alelos terem sido encontradosem associação com a febre reumática, em determina-das populações, pode resultar do envolvimento de di-ferentes cepas de estreptococo, da utilização de dife-rentes métodos para identificação dos alelos ou da fal-ta de análise de grupos de pacientes com definição damanifestação clínica da doença homogênea.

Recentemente, tem-se estudado o polimorfismo degenes de citocinas, que são moléculas envolvidas di-retamente na regulação da resposta imune. TGF-ß2(“transforming growth factor-ß2”), citocina envolvida nafibrose e na calcificação do tecido valvular(22), foi avali-ado em pacientes portadores de doença reumática

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Figura 1. Desenho esquemático dos componentes estruturais do S. pyogenes. A. Aestrutura do S. pyogenes é formada por uma cápsula de ácido hialurônico, que confereà bactéria sua aparência mucóide quando cultivada em ágar e contribui para sua ade-rência à orofaringe. A parte externa da parede celular é composta de proteínas M, T e Re ácido lipoteicóico (LTA), um polímero composto de fosfoglicerol, que faz a ligação dabactéria à fibronectina do epitélio oral. As camadas interna e média da parede celularcontêm carboidratos (N-acetil glucosamina e ramnose) que dividem os estreptococosnos diferentes grupos de Lancefield. Na parede ainda existem mucopeptídeos e a mem-brana protoplasmática, com lipoproteínas antigênicas. B. A proteína M tem aproximada-mente 450 resíduos de aminoácidos dispostos em quatro regiões (A, B, C e D), queapresentam blocos de repetição. A porção N-terminal (NH2) é polimórfica e variaçõesnos resíduos de aminoácidos da região A definem os sorotipos de estreptococos. Aporção C-terminal (COOH) é composta pelas regiões C e D conservadas e fazem ainserção da proteína na superfície da bactéria. C. Células HEp-2 (carcinoma de laringehumana) colonizadas por S. pyogenes, que se apresentam com aspecto de cocos ade-ridos à superfície celular. Aumento de 1.000X. (Foto cedida por Samar Freschi, Labora-tório de Imunologia do Instituto do Coração — InCor/HC-FMUSP.)

cardíaca na população chi-nesa(23) e observou-se quereduzido número de paci-entes com insuficiênciamitral e/ou estenose mitralapresentavam a variantealélica associada à baixaprodução de TGF-ß1 e,portanto, esses pacientesestão predispostos a de-senvolver alto grau de fi-brose e calcificação.

TNFα (“tumor necrosisfactor-alpha”), uma citoci-na pró-inflamatória, apre-senta-se aumentada nosoro e no tecido cardíacoem diversas cardiopati-as(24). Em população demestiços mexicanos, por-tadores de doença reumá-tica cardíaca, foi mostradoque alelos do gene TNFαlocalizados na região quepromove aumento datranscrição do gene TNFα(região promotora) forampredominantes nos paci-entes quando comparadoscom indivíduos normais(25).No entanto, não foi obser-vada associação com odano valvular(25).

A análise do polimorfis-mo do gene da enzimaconversora da angiotensi-na-1, que tem alta ativida-de em tecido valvular, de-monstrou que pacientescom febre reumática, por-tadores de uma variantealélica denominada “DD”,apresentavam maior risco

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febre reumática causavam o aumento da incorporaçãoe retenção de cálcio em cardiomiócitos de ratos neo-natos, levando a disfunção e morte celular, sugerindoque anticorpos antimiosina podem ser deletérios paraa função cardíaca(31).

Atualmente, sabe-se que a doença reumática car-díaca é uma doença auto-imune mediada por célula. Apremissa dessa assertiva foi o fato de que as lesõesvalvulares apresentavam intenso infiltrado inflamatório,com a presença de linfócitos T CD4+ e CD8+, sugerin-do que essas células têm papel direto na patogêneseda doença reumática cardíaca(32, 33).

O papel funcional das células infiltrantes do tecidocardíaco foi pioneiramente demonstrado por nosso gru-po, por meio do isolamento de clones de linfócitos Tobtidos diretamente das lesões cardíacas de pacien-tes com doença reumática cardíaca grave. Esse traba-lho demonstrou o reconhecimento simultâneo de pro-teína M5 e proteínas do tecido cardíaco por linfócitos Tinfiltrantes da lesão cardíaca, evidenciando o mimetis-mo molecular mediado por células T no coração(34). Asproteínas cardíacas mais reconhecidas pelos clonesde linfócitos T intralesionais consistiram em proteínasderivadas do miocárdio e da valva aórtica (Fig. 2). Ossegmentos de 81-96, 83-103 e 163-177 resíduos deaminoácidos da proteína M5 foram preferencialmentereconhecidos por reação cruzada com as proteínas car-

Tabela 1. Proteínas do estreptococo que apresentamhomologia com proteínas humanas.

Proteínas do estreptococo do grupo AComponentes de membrana:— Ácido hialurônicoProteína M:— Vários epitopos da região N-terminalParede celular:— Ramnose— N-acetil-glicosamina— Complexos peptidoglicano-polissacarídeoProteínas solúveis:— Exotoxinas pirogênicasProteínas humanas— Laminina— Queratina— Actina— Vimentina— Miosina— TropomiosinaOutras proteínas cardíacas identificadas por PM e pI

PM: peso molecular; pI: ponto isoelétrico

de desenvolver lesões val-vulares(26).

AUTO-IMUNIDADE

A hipótese mais aceitapara explicar o mecanismode patogênese da febrereumática/doença reumá-tica cardíaca é a de que ainfecção da orofaringepelo estreptococo, em in-

divíduos predispostos, desencadeia uma resposta imu-ne humoral e celular exacerbada contra a bactéria.Posteriormente, por similaridade entre proteínas dabactéria e do hospedeiro, essa resposta imune ocasio-na lesões teciduais por um mecanismo chamado demimetismo molecular. Na doença reumática cardíaca,o principal alvo dessas reações é o tecido cardíaco,sendo as válvulas mitral e aórtica as mais lesadas.

Em meados da década de 40 surgiram os primeirosrelatos da presença de anticorpos dirigidos contra otecido cardíaco em pacientes com doença reumáticacardíaca. Em seguida observou-se que anticorpos diri-gidos contra o tecido cardíaco reagiam com antígenosdo estreptococo, reconhecendo estruturas da parededa bactéria e também a proteína M, bem como proteí-nas tissulares de mamíferos (Tab. 1).(27) Esses acha-dos levaram à formulação da hipótese auto-imune napatogênese da doença reumática cardíaca. Posterior-mente, outros grupos demonstraram reação cruzadahumoral entre proteína M do estreptococo e miosina,tropomiosina, vimentina e laminina(28). Alguns trabalhosdemonstraram também que o carboidrato da parede(N-acetil glucosamina) do estreptococo apresentavareação cruzada humoral com proteínas cardíacas(28).

Esses anticorpos parecem ter papel importante du-rante a fase inicial da doença, principalmente nas ma-nifestações clínicas de artrite e coréia de Sydenham.Na artrite, a presença de imunocomplexos nas articu-lações e na coréia e a presença de anticorpos IgG quereagem com o citoplasma e o núcleo de neurônios re-forçam essa hipótese(29). Na cardite reumática, anticor-pos de reação cruzada com o tecido cardíaco apare-cem após a ativação de linfócitos T CD4+ na periferia ese fixam no coração, corroborando para o desencade-amento de lesão local. Recentemente foi demonstradoque anticorpos de reação cruzada se ligam ao endoté-lio valvular reumático, ocasionando o aumento da ex-pressão de moléculas de adesão (“vascular cell adhe-sion molecule-1”, VCAM-1), que, por sua vez, facilitama infiltração, principalmente por neutrófilos e célulasmononucleares (monócitos, linfócitos T CD4+ e CD8+),levando à inflamação local(30). Além disso, foi descritoque anticorpos antimiosina obtidos de pacientes com

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Tabela 2. Associações descritas entre os alelos HLA de classe II e febre reumática/doença reumática cardíaca.

GrupoPopulação clínico HLA Referência

África do Sul DRC DR1, DRw6 Maharaj e cols., 1987(10)

(negros)Estados Unidos FR DR2 Ayoub e cols., 1986(6)

(negros)Índia (região Norte) DRC DR3 Jhinghan e cols., 1986(11)

Índia (região Norte) DRC DR3, DQ2 Taneja e cols., 1989(12)

Estados Unidos FR DR4, DR9 Ayoub e cols., 1986(6)

(caucasóides)Estados Unidos DRC DR4, DR6 Anastasiou-(caucasóides) Nana e cols., 1986(7)

Arábia Saudita FR DR4 Rajapakse e cols., 1987(8)

Kashmir DRC DRB1*04 Bhat e cols., 1997(9)

(muçulmanos)Brasil (mulatos) FR DR7, DR53 Guilherme e cols., 1991(13)

Turquia DRC DR7, DR3 Ozkan e cols., 1993(15)

Egito LVM DRB1*0701, Guedez e cols., 1999(16)

(região Norte) DQA02011*0401-2Brasil FR DRB1*07 Visentainer e cols.,(caucasóides) 2000(14)

Latívia LVM DRB1*07, Stanevicha e cols.,DQB1*0302 2003(17)

RVM DRB1*07,DQB1*0401-2

Turquia DRC DRw11 Olmez e cols., 1993(20)

México (mestiços) DRC/LVM DRB1*1602, Hernandez-DQB1*0301, Pacheco e cols., 2003(19)

DQA1*0501Japão EM DQB1*05031, Koyanagi e cols., 1996(18)

DQA1*0104

LVM: lesões valvulares múltiplas; RVM: regurgitação de valva mitral; EM: estenosemitral; FR: febre reumática; DRC: doença reumática cardíaca. Destaques em negri-to = associação mais freqüentemente descrita na literatura.

díacas acima referidas. Resultados similares de reco-nhecimento de segmentos da proteína M foram encon-trados em camundongos imunizados com miosinacardíaca humana (Fig. 2)(35).

Linfócitos T de sangue periférico de 46% dos paci-entes com doença reumática cardíaca grave analisa-dos também reconheceram o mesmo segmento de 81-96 resíduos de aminoácidos da proteína M5, enquantoapenas 8,6% dos controles reconheceram esse seg-mento (p = 0,0005)(36). Interessantemente, os indivídu-os respondedores a esse segmento eram principalmen-te os portadores dos antígenos HLA-DR7 e DR53, as-

sociados com a suscetibilidade à doença, conformemencionado. Esses resultados sugerem que as molé-culas HLA-DR7 e DR53 presentes na superfície dosmonócitos e linfócitos B (células apresentadoras de an-tígenos) estejam envolvidas no desencadeamento daresposta imune, por meio da apresentação do peptí-deo imunodominante da proteína M do estreptococo(segmento 81-96) aos linfócitos T dos pacientes comdoença reumática cardíaca grave(36).

O fato de encontrarmos linfócitos T no sangue peri-férico e no tecido cardíaco (miocárdio e válvulas) coma mesma especificidade, isto é, capaz de reconhecer

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os mesmos antígenos,mostra que populações delinfócitos sensibilizados naperiferia migram para ocoração, permanecem notecido e são os principaisresponsáveis pelo desen-cadeamento de reaçõesauto-imunes no cora-ção(37). Essas reações são

Figura 2. Regiões da proteína M do estreptococo e proteínas cardíacas humanas reconhecidas cruzadamentepor linfócitos T. a. Clones de linfócitos T infiltrantes da lesão cardíaca obtidos de pacientes com doença reumáticacardíaca grave reconhecem simultaneamente peptídeos derivados da proteína M5 do estreptococo (regiões 1-25, 81-96, 80-103 e 163-177) e proteínas derivadas de miocárdio e valva aórtica identificadas por peso molecu-lar (95-150, 43- e 30-43 kDa). b. Linfócitos T murinos reconhecem cruzadamente epitopos da proteína M doestreptococo (NT4/5/6, B1B2 e B2) e regiões da miosina cardíaca humana. As regiões da proteína M do estrep-tococo preferencialmente reconhecidas por células T humanas são as mesmas reconhecidas por células muri-nas. O desenho dos peptídeos da proteína M5 e dos peptídeos NT4/5/6, B1B2 e B2 foi baseado em seqüênciasdescritas previamente(28, 34).

mediadas e reguladas por citocinas. Recentementemostramos que no tecido cardíaco (miocárdio e vál-vulas) há produção predominante de IFNγ e TNFαpor células mononucleares (monócitos e linfócitos T)características de resposta do tipo inflamatória (Th-1)(38). As citocinas IL-10 e IL-4 (Th-2) são regulado-ras da resposta inflamatória e são igualmente produ-zidas por células que infiltram o miocárdio de paci-entes com doença reumática cardíaca grave (paci-

entes em fase crônica e alguns em atividade reumá-tica). Um achado extremamente importante foi o fatode observarmos que poucas células mononuclearesque infiltravam fragmentos de válvula mitral e aórticados pacientes com doença reumática cardíaca graveestudados eram capazes de produzir a citocina IL-4,que é reguladora da resposta inflamatória (Fig. 3)(38).Considerando-se que as lesões valvulares reumáti-cas são lentas e progressivas, a baixa produção deIL-4 e, conseqüentemente, a manutenção da infla-

mação local estão correlacionadas com a progres-são das lesões valvulares na doença reumática car-díaca, enquanto no miocárdio, em que há grandenúmero de células produtoras de IL-4, ocorre a curada miocardite após algumas semanas(38).

MODELO ANIMAL

Recentemente, foi possível desenvolver lesões car-

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díacas características dafebre reumática em ratosLewis por meio da imuni-zação desses animaiscom proteína M recombi-nante e com miosina car-díaca humana(39, 40). Obser-vou-se a presença de in-filtrado por células mono-nucleares no miocárdio ena válvula mitral de apro-ximadamente 50% dos

animais imunizados. Células de Anitschikow e nódulosde Aschoff foram encontrados na válvula mitral. A re-produção da doença com o uso da proteína M, bem

Figura 3. Células produtoras de IL-4 em fragmentos de tecido cardíaco de pacien-tes com doença reumática cardíaca. A determinação de células produtoras de IL-4foi realizada em cortes histológicos de tecido valvular (mitral e/ou aórtico) e miocár-dio (átrio esquerdo, átrio direito e músculo papilar) por imuno-histoquímica, confor-me trabalho realizado por Guilherme e colaboradores(38). Foram analisados 20 frag-mentos de tecido cardíaco (11 amostras de tecido valvular e 9 de miocárdio). Rarascélulas mononucleares (< 10%) produtoras de IL-4 foram detectadas em 82% dosfragmentos de tecido valvular (p = 0,02) quando comparadas com células mononu-cleares do miocárdio (22%). Inversamente, no miocárdio, 78% dos fragmentos apre-sentam inúmeras células (> 10%) produtoras de IL-4. O baixo número de célulasprodutoras de IL-4 no tecido valvular contribui para a progressão da doença reumá-tica cardíaca, levando ao dano valvular progressivo e permanente (OR = 15,8).

como da miosina cardíaca humana, reforça o papel daauto-imunidade desencadeada por mimetismo molecu-lar no desenvolvimento das lesões reumáticas.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Em função do conhecimento adquirido nos inúme-ros trabalhos já publicados, podemos concluir que apatogênese da febre reumática/doença reumática car-díaca é formada por uma rede complexa de interaçõesimunes desencadeadas por um agente infeccioso (S.pyogenes), que leva a lesões órgão-específicas pro-gressivas e permanentes. Os principais eventos parti-cipantes da patogênese da doença reumática estão su-marizados na Figura 4.

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Etiopatogenia dafebre reumática

Figura 4. Desenho esquemático dos principais eventos participantes da patogêne-se da febre reumática/doença reumática cardíaca. A. Indivíduos geneticamente pre-dispostos a febre reumática/doença reumática cardíaca, portadores de infecção deorofaringe pelo S. pyogenes não-tratada, desenvolvem resposta imune humoral ecelular exacerbada que leva à ativação de linfócitos T e B, resultando na produçãode citocinas inflamatórias, anticorpos contra antígenos estreptocócicos e células Te B de memória, que reconhecem estruturas do estreptococo e também proteínasdo tecido cardíaco por reatividade cruzada, por meio do mecanismo do mimetismomolecular. B. Os anticorpos iniciam um processo inflamatório no coração, aumen-tando a expressão da molécula de adesão VCAM-1 (“vascular cell adhesion mole-cule-1”) no endotélio, facilitando a infiltração celular. VCAM-1 interage com seu li-gante VLA-4 (“very late antigen-4”) expresso em linfócitos T ativados, levando aoinfluxo de células T CD4+ e CD8+. A injúria no endotélio valvular pode levar a expo-sição de novas estruturas subendoteliais, que são reconhecidas pelos linfócitos Tinfiltrantes do tecido, desencadeando uma série de reações auto-imunes com des-truição tecidual. C. Citocinas inflamatórias do tipo Th1 (IFNg e TNFa) produzidaspelas células no local da lesão e a baixa produção de citocinas reguladoras (IL-4)corroboram para a persistência e a progressão da doença nas válvulas.

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PATHOGENESIS OF RHEUMATIC FEVERAND RHEUMATIC HEART DISEASE

LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ, JORGE KALIL

Rheumatic fever occurs as a delayed sequel of throat infection by Streptococcuspyogenes, affecting 3-4% of untreated children. Genetic susceptibility is associatedwith HLA class II alleles. Rheumatic fever patients presented an exacerbated humo-ral and cellular response against streptococci antigens that by similarities betweenthe bacteria and host antigens, leads to heart tissue injury by a mechanism calledmolecular mimicry. The mitral and aortic valves are the tissue most affected. Ourgroup has described by the first time the immunodominant segment of streptococciM5 protein (81-96 amino acid residues) and some heart tissue derived proteins thatare simultaneously recognized by peripheral T cells and heart infiltrating T cell clo-nes by molecular mimicry, mainly by HLA DR7 and DR53 rheumatic fever/rheumaticheart disease patients. Mononuclear cells that infiltrated the heart lesions producedessentially inflammatory cytokines (INFγ and TNFα). Interestingly, mononuclear ce-lls from the valvular lesions presented scarce numbers of IL-4 positive cells, sugges-ting that the most severe lesions present in the valves are due to low numbers ofcells producing the regulatory IL-4 cytokine. In conclusion, all the knowledge acqui-red in the pathogenesis of rheumatic fever/rheumatic heart disease defines rheuma-tic fever/rheumatic heart disease as a post-infection auto-immune disease mediatedby cross reactive T cells and inflammatory cytokines.

Key words: rheumatic fever, rheumatic heart disease, molecular mimicry, T lympho-cytes, cytokines.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:7-17)RSCESP (72594)-1502

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Aspectosanatomopatológicos da

febre reumática

INTRODUÇÃO

A febre reumática é uma doença inflamatória sistê-mica e recorrente, mediada imunologicamente, que semanifesta após um episódio de infecção aguda da oro-

ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS DAFEBRE REUMÁTICA

LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI

Laboratório de Anatomia Patológica — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP

A febre reumática é uma doença inflamatória, sistêmica e recorrente, que semanifesta cerca de uma a seis semanas após a infecção aguda da orofaringe porestreptococos beta-hemolíticos do grupo A. Presume-se que seja uma resposta imu-nológica a antígenos estreptocócicos ou uma reação auto-imune induzida pelos es-treptococos, em indivíduos geneticamente suscetíveis. Acomete crianças de 5 a 15anos, mas 20% dos surtos iniciais ocorrem em indivíduos de meia idade ou idosos.

No coração há comprometimento dos tecidos conjuntivos pericárdico, miocárdi-co e endocárdico. A pericardite é exuberante e predominantemente fibrinosa, comaspecto macroscópico de “pão com manteiga”. A miocardite causa aumento cardía-co, principalmente por dilatação ventricular. No tecido conjuntivo cardíaco encon-tram-se nódulos de Aschoff, que retratam histologicamente as fases evolutivas dadoença: exsudativa, proliferativa e cicatricial. O nódulo de Aschoff, na fase prolifera-tiva, é patognomônico de atividade reumática, apresentando degeneração fibrinóidedo colágeno e acúmulo de células inflamatórias, dentre elas as células de Anitsch-kow.Pequenas vegetações são encontradas nas linhas de fechamento valvar, mais co-mumente mitro-aórticas. Histologicamente são elevações da superfície valvar, de-correntes da deposição de fibrina e plaquetas ou da degeneração fibrinóide do colá-geno local.

O dano cardíaco é cumulativo, aumentando a cada episódio de atividade. Asalterações reumáticas crônicas mais importantes resultam da cicatrização das le-sões agudas valvares e podem ocorrer em todas as valvas. A estenose mitral é aseqüela reumática mais freqüente, seguida pela estenose mitro-aórtica e pela este-nose aórtica isolada. Pode haver associação de estenose e insuficiência valvar, queé mais comum nas lesões aórticas.

Palavras-chave: infecções estreptocócicas/complicações, febre reumática/patolo-gia, cardiopatia reumática/patologia, doenças das valvas cardíacas, nódulo reumáti-co/patologia.

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faringe por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A(1, 2),lesando, preferencialmente, o tecido conjuntivo do co-ração(3, 4), das articulações, do sistema nervoso centrale da pele(2).

Atualmente, acredita-se que seja uma reação de hi-

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Aspectosanatomopatológicos da

febre reumática

persensibilidade em indiví-duos geneticamente sus-cetíveis(5, 6), que ocorre emcerca de 3% da populaçãoque apresenta orofaringi-te estreptocócica(7). A exa-ta patogênese da doença,porém, ainda não está to-talmente esclarecida, ape-sar de anos de investiga-ção científica.

Embora seja uma do-ença predominantemente da infância, o episódio inici-al e suas recorrências podem ocorrer em indivíduosadultos ou idosos, com acúmulo de alterações patoló-gicas a cada nova recorrência(8).

A incidência e a taxa de mortalidade da febre reu-mática aguda e da doença reumática crônica cardíacadiminuíram acentuadamente em muitos países, nos úl-timos trinta anos, por causa de melhoria das condiçõessocioeconômicas da população, do diagnóstico e dotratamento precoces da orofaringite estreptocócica, eda diminuição da virulência dos estreptococos do gru-po A, ainda não muito bem compreendida(9).

Entretanto, a doença reumática continua a ser umimportante problema de saúde pública em países sub-desenvolvidos e em desenvolvimento, entre eles o Bra-sil, e também em países desenvolvidos, nos quais ain-da é encontrada em áreas geográficas superpopulo-sas e de baixo nível socioeconômico(10, 11). Supõe-seque infecções orofaríngeas por linhagens mais virulen-tas de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A pos-sam ser a causa da ocorrência de novos casos de do-ença reumática nos países desenvolvidos, mas aindanão existem estudos científicos conclusivos sobre esseaspecto da doença(11).

Uma vez que as principais seqüelas da doença reu-mática ocorrem no coração, neste artigo vamos nosater apenas à descrição das alterações morfológicascardíacas mais importantes causadas pela doença.

Não devemos nos esquecer, porém, de que na do-ença reumática podem ser encontradas lesões vascu-lares na aorta, nas artérias coronárias, nas artérias earteríolas pulmonares e até mesmo em veias(12).

FEBRE REUMÁTICA OU DOENÇA REUMÁTICAEM ATIVIDADE

O quadro clínico da febre reumática pode surgir, ge-ralmente, de 10 dias a 6 semanas após um episódio deorofaringite por estreptococos beta-hemolíticos do gru-po A(2). Acomete mais freqüentemente crianças de 5 a15 anos de idade, mas cerca de 20% dos primeirossurtos ocorrem em indivíduos de meia idade ou emidosos(5).

O episódio inicial da febre reumática dura cerca de12 semanas, podendo se estender até 6 meses. Apósseu início, o indivíduo fica vulnerável à recorrência dadoença, em caso de novas infecções orofaríngeas, eas mesmas manifestações clínicas e patológicas ten-dem a aparecer a cada episódio de recorrência(8).

O diagnóstico de febre reumática é feito pelos crité-rios de Jones (revisados), que incluem a infecção porestreptococos beta-hemolíticos do grupo A, acompa-nhada de manifestações clínicas ou laboratoriais, divi-didas em grupos denominados maiores ou menores(13).

De maneira geral, o prognóstico do primeiro surtode febre reumática é bom, e apenas 1% dos pacientesmorrem, principalmente em decorrência de miocarditeaguda e suas conseqüências, tais como arritmias car-díacas e falência miocárdica(14).

Aspectos anatomopatológicos da febre reumáticaou doença reumática em atividade

As alterações morfológicas cardíacas do episódioinicial da febre reumática são as mesmas observadasnos episódios de recorrência ou atividade da doença,também chamados de doença reumática ativa.

O comprometimento cardíaco na febre reumática ouna doença reumática ativa é chamado de pancardite,pois o processo inflamatório acomete o pericárdio, omiocárdio e o endocárdio(5). Não devemos nos esque-cer, porém, que, embora menos freqüentes, lesões reu-máticas podem ocorrer na aorta, nas artérias coronári-as, em artérias e arteríolas pulmonares e até mesmoem veias(12).

O pericárdio apresenta exsudato predominantemen-te fibrinoso e estéril. Quando muito exuberante, é des-crito como pericardite em “pão com manteiga”, o qualgeralmente se organiza sem deixar seqüelas funcio-nais importantes(9).

O coração tem volume aumentado, como resultadoda hipertrofia e da dilatação dos ventrículos, mais evi-dente no ventrículo esquerdo. As valvas atrioventricu-lares podem apresentar insuficiência funcional, depen-dendo do grau de dilatação ventricular e da disfunçãomiocárdica decorrentes da miocardite aguda(14). A mio-cardite é inespecífica, intersticial e difusa, sendo maisevidente na base das cúspides valvares. É constituídapor infiltrado inflamatório que contém linfócitos T e B,plasmócitos, macrófagos, neutrófilos e alguns eosinó-filos(15).

Nas valvas cardíacas, formam-se pequenas vege-tações verrucosas, de 1 mm a 2 mm, róseo-acinzenta-das, firmemente aderidas à superfície endocárdica aolongo da linha de fechamento valvar (Figs. 1A a 1F)(16).Raramente, essas vegetações se estendem sobre ascordas tendíneas ou causam ruptura das mesmas(4).Acredita-se que sejam resultado da reação imunológi-ca desencadeada pela infecção estreptocócica, que

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Aspectosanatomopatológicos da

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lesa o tecido conjuntivovalvar(9), causando erosãoendocárdica e levando àprecipitação de fibrina e àformação de trombos noslocais de erosão(17). Essaslesões são mais freqüen-tes nas valvas mitral e aór-tica, uma vez que suaocorrência é maior quan-to maior for a pressão defechamento valvar, que,

em ordem decrescente, é: mitral, aórtica, tricúspide epulmonar(17).

Histologicamente, as pequenas verrucosidades po-dem ser trombos constituídos por plaquetas e fibrinaque se depositam na superfície valvar (Fig. 2D) ou pro-jeções de degeneração fibrinóide do colágeno valvar,junto às quais encontram-se células mononucleares,fibroblastos e, ocasionalmente, células gigantes (Fig.2C)(16). É importante enfatizar que essas vegetaçõesou trombos são abacterianos, pois não há relatos quedemonstrem a presença de estreptococos em tais le-sões(18).

Figura 1. Macroscopia de valvas cardíacas com febre reumática ou doença reumá-tica em atividade. A. Folheto anterior da valva mitral. B. Região da comissura póste-ro-medial da valva mitral. As setas em A e B apontam pequenas vegetações fibrinói-des sobre a linha de fechamento valvar. C. Valva aórtica aberta. A seta aponta vege-tação na semilunar coronariana direita. D. Valva tricúspide retirada cirurgicamente.As setas brancas e pretas indicam vegetações agudas presentes em toda a linha defechamento. E. Valva mitral com doença reumática crônica em atividade. Note ascomissuras já fusionadas. As setas brancas mostram vegetações na linha de fecha-mento, indicação de atividade da doença. As setas pretas mostram vegetações nacomissura, que após organização levam ao agravamento da fusão comissural. F.Valva mitral com doença reumática em atividade. As setas indicam a presença devegetações na linha de fechamento. Os asteriscos estão sobre cordas que apresen-tam espessamento e fusão como seqüela de atividade prévia.

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Aspectosanatomopatológicos da

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No miocárdio encontram-se as lesões histológicasmais características do comprometimento cardíaco peladoença reumática, que são os nódulos de Aschoff(19)

(Figs. 2A, 2B e 2E).Os nódulos de Aschoff apresentam três fases mor-

fológicas distintas, classicamente descritas na febre reu-mática ou nos episódios de atividade da doença(19).

Na fase inicial, ou exsudativa, cerca de 15 a 20 diasapós a infecção estreptocócica, há tumefação, fragmen-tação e aumento da eosinofilia das fibras colágenas,as quais apresentam aspecto semelhante à fibrina,denominado degeneração ou necrose fibrinóide, que éa principal característica dos nódulos de Aschoff nes-sa fase(19), podendo acompanhar-se de quantidade va-riável de infiltrado inflamatório linfomonoplasmocitário(Fig. 2A).

Figura 2. Histologia cardíaca na febre reumática ou doença reumática em atividade.A. Nódulo de Aschoff, fase exsudativa no interstício perivascular do miocárdio. Assetas delimitam o centro da lesão composto por necrose de padrão fibrinóide (he-matoxilina e eosina — objetiva x20). B. Nódulo de Aschoff, fase proliferativa. Assetas apontam o nódulo composto por células mononucleares macrofágicas tume-feitas (células de Anitschkow), mais bem visibilizadas no detalhe no canto inferiordireito (hematoxilina e eosina — objetiva x40). C e D. Casos de biópsia em febrereumática ou doença reumática em surto de agudização/atividade, mostrando ve-getações valvares em diferentes estágios de organização. Os asteriscos estão so-bre a vegetação valvar, composta por fibrina (o que predomina no caso D) e paliça-da de células mononucleares organizando a lesão fibrinosa a partir da base (emambos os casos) (ambas as imagens: hematoxilina e eosina — objetiva x20). E.Outro exemplo de nódulo de Aschoff, fase proliferativa, no interstício perivascular domiocárdio, demarcado pelas setas (hematoxilina e eosina — objetiva x40).

Na fase proliferativa ou granulomatosa, cerca de ummês após o início da doença, o nódulo de Aschoff érepresentado por degeneração fibrinóide do colágenocircundada por linfócitos, plasmócitos, macrófagos,células gigantes e fibroblastos dispostos, grosseiramen-te, em forma de paliçada (Figs. 2B e 2E). Alguns des-ses macrófagos, denominados células de Anitschkow(Fig. 2B — detalhe), são grandes, têm citoplasma ba-sofílico e núcleo redondo ou oval. A cromatina dessascélulas apresenta condensação central e aspecto on-dulado, circundada por um halo claro, que dá às célu-las a aparência de lagarta, ao corte longitudinal (“ca-terpillar cells”), ou de olho de coruja, ao corte transver-sal(9). Outros macrófagos, grandes e multinucleados,conhecidos como células de Aschoff, também podemfazer parte desse infiltrado inflamatório variado(9). O

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Aspectosanatomopatológicos da

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nódulo de Aschoff na fasegranulomatosa é patogno-mônico do comprometi-mento miocárdico pela fe-bre reumática ou doençareumática ativa(20).

Na fase cicatricial, apóstrês a seis meses do iní-cio da doença, há organi-zação e cicatrização dafase granulomatosa, comaumento de fibroblastos,

formação de fibras colágenas e fibrose perivascular,que, por vezes, tem aspecto de “chama de vela”(12).

Os nódulos de Aschoff são encontrados, predomi-nantemente, no tecido conjuntivo perivascular do mio-cárdio(21), nessa ordem decrescente de freqüência: sep-to ventricular, parede posterior do ventrículo esquerdo,músculo papilar posterior do ventrículo esquerdo e pa-rede posterior do átrio esquerdo(15). Por vezes, são ob-servados no sistema de condução(15, 22). Nos casos deintensa atividade, também são encontrados no tecidoconjuntivo subendocárdico(15), nas valvas cardíacas(15)

e no pericárdio(23).Apesar de a morfologia dos nódulos de Aschoff nem

sempre corresponder precisamente ao tempo de evo-lução da doença reumática, sua associação aos dadosclínicos e laboratoriais é fundamental para o diagnósti-co da doença reumática(24).

Estruturas histopatológicas semelhantes aos nódu-los de Aschoff são eventualmente observadas no co-ração de pacientes tratados com drogas vasoativas(25)

e em pacientes com outras doenças infecciosas(26).Deve-se, portanto, tomar cuidado com a interpretaçãodessas lesões, sempre considerando os dados clíni-cos e laboratoriais, para não se fazer o diagnóstico er-rôneo de febre reumática ou doença reumática ativa.

DOENÇA REUMÁTICA CRÔNICA

A doença reumática crônica cardíaca desenvolve-se a partir da organização da inflamação aguda cau-sada pela febre reumática e pelos episódios de ativi-dade da doença. Uma vez que, num mesmo indivíduo,os tipos de lesões da febre reumática tendem a ser osmesmos a cada fase de atividade da doença(8,14), o danocardíaco é cumulativo, pois aumenta a cada episódiode recorrência(5).

De maneira geral, a fibrose causada pela resoluçãoda inflamação aguda da doença reumática não acarre-ta comprometimento importante nas estruturas cardía-cas, com exceção das valvas.

A pericardite crônica reumática apresenta espes-samento fibroso e áreas focais de neoformação vascu-lar e infiltrado inflamatório linfomononuclear, mas rara-

mente causa sintomas clínicos ou alterações funcio-nais importantes.

No miocárdio, encontramos infiltrado inflamatório lin-fomononuclear, leve e inespecífico. Os nódulos de As-choff são substituídos por cicatriz fibrosa e, raramente,são encontrados em amostras de tecido obtidas porcirurgia ou autópsia.

No endocárdio, uma área de espessamento, rugo-sa e irregular, de 2 cm a 3 cm de diâmetro, pode estarpresente no átrio esquerdo, usualmente acima da in-serção da cúspide posterior da valva mitral(27). É classi-camente conhecida como placa de McCallum e é umlocal propício para o desenvolvimento de endocarditeinfecciosa(27).

Aspectos anatomopatológicos das valvascardíacas na doença reumática crônica

À medida que os episódios de atividade reumáticase manifestam, a doença reumática crônica progride ese caracteriza, principalmente, por fibrose e calcifica-ção valvar, que causam deformidades estruturais nasvalvas. Essas alterações acarretam disfunções valva-res progressivas e permanentes. Podem ocorrer este-nose ou insuficiência isoladas ou associação de este-nose e insuficiência numa mesma valva(28, 29).

A disfunção valvar mais freqüente é a estenose mi-tral, seguida por dupla lesão mitral e dupla lesão aórti-ca(15).

A lesão isolada da valva mitral é a lesão mais fre-qüente da doença reumática crônica (65% a 70% doscasos), seguida da associação com a valva aórtica(30% a 50%). A lesão conjunta das valvas mitral, aórti-ca e tricúspide é pouco freqüente. O comprometimentoisolado da valva aórtica ou das quatro valvas em con-junto é muito raro(15).

As deformidades valvares e as lesões da fase ativada doença reumática são locais propícios para o de-senvolvimento de complicações, como trombos cavitá-rios, mais comuns em átrios e aurículas(30), e endocar-dites infecciosas(14). A cicatrização dessas complicaçõestambém pode levar ao aparecimento de novas lesõesvalvares, perpetuando o comprometimento cardíaco(31).

Usualmente, o paciente com doença reumática crô-nica cardíaca apresenta manifestações clínicas, anosou décadas depois do primeiro episódio de febre reu-mática. Em países desenvolvidos, o período de latên-cia entre o surto agudo inicial e a disfunção valvar gra-ve pode ser tão longo quanto 40 a 50 anos(5, 32). Já empaíses subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, esseperíodo de latência é mais curto e, comumente, a este-nose mitral grave se manifesta antes dos 20 anos deidade(5, 32).

As cúspides das valvas atrioventriculares e as se-milunares das valvas arteriais apresentam espessa-mento fibroso, retração, fusão de comissuras e calcifi-

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Aspectosanatomopatológicos da

febre reumática

cação freqüente, tornan-do-se rígidas. Apesar deessas alterações seremmais comuns nas valvasmitral e aórtica, elas po-dem ser observadas, emmenor intensidade, na val-va tricúspide (Figs. 3G e3H) e, mais raramente, navalva pulmonar(32).

Alterações microscópi-cas, como fibrose e neo-

formação vascular, podem estar presentes em todasas valvas cardíacas de indivíduos com doença reumá-tica crônica, inclusive nas valvas tricúspide e pulmo-nar, mesmo que as alterações macroscópicas sejampraticamente imperceptíveis(33).

Na fase crônica, o diagnóstico de valvopatia reumá-tica pode ser feito, muitas vezes, apenas pelas altera-ções macroscópicas da valva, uma vez que os acha-dos microscópicos são inespecíficos.Aspectos anatomopatológicos da valva mitralna doença reumática crônica

A doença reumática é a causa mais freqüente deestenose mitral e, por razões ainda desconhecidas, suaocorrência é duas vezes maior em mulheres que emhomens(9).

A estenose mitral é isolada em 65% a 70% dos ca-sos de doença reumática e a estenose mitro-aórticaocorre em cerca de 25% dos casos(14).

Macroscopicamente, as alterações da estenosemitral reumática são caracterizadas por espessamen-to das cúspides a partir da borda livre, fusão de comis-suras, espessamento, fusão e encurtamento das cor-das tendíneas (Figs. 3A e 3C), diminuição dos espa-ços intercordais (Figs. 3A e 3C) e calcificação distrófi-ca (Figs. 3A e 3E).

A fusão das comissuras, a fibrose e a calcificaçãodas cúspides da valva mitral estenótica, observadaspela face atrial, têm o aspecto de “boca de peixe” (Fig.3F). Pela face ventricular, as cordas estão espessas efusionadas, deixando o aparelho valvar com mobilida-de bastante reduzida, e representam o componentesubvalvar da estenose mitral (Figs. 3A a 3D). Por ve-zes, o espessamento, a fusão e o encurtamento dascordas tendíneas são tão intensos, que as cúspides seunem ao topo dos músculos papilares. Freqüentemen-te há placas de calcificação distrófica no tecido con-juntivo das cúspides(Figs. 3A e 3E), que, quando muitoacentuadas, podem ulcerar a superfície atrial, geral-mente na região das comissuras (Fig. 3A). Essas le-sões ulceradas favorecem a formação de trombos (Fig.3F) e, também, são locais propícios para a instalaçãode endocardite infecciosa(14).

Na estenose mitral, o átrio esquerdo apresenta di-

Figura 3. Macroscopia das valvas atrioventricularescom lesões de doença reumática crônica. A. Valva mi-tral (M) na região da comissura e músculo papilar pós-tero-medial. As setas pretas indicam fusão e calcifica-ção parcialmente ulcerada. As setas brancas mostramcordas fusionadas e encurtadas/retraídas, aproximan-do a cúspide ao topo do músculo papilar. B. Valva mi-tral com intenso espessamento fibroso das cúspides ecordoalha. As setas mostram as comissuras que foramsubmetidas a comissurotomia. O átrio esquerdo (AE)está intensamente dilatado e mostra espessamento fi-broso do endocárdio. C. Valva mitral retirada cirurgica-mente. Os asteriscos apontam ambos os leques decordas tendíneas com fusão e retração. D. Outra valvamitral submetida a comissurotomia (setas). Note o in-tenso espessamento da cordoalha (asterisco) prejudi-cando o resultado funcional do procedimento. E. Valvamitral vista pelo átrio. As setas indicam calcificação ir-regular. F. Outra valva mitral vista pelo átrio, com o as-pecto dito em “boca de peixe”, resultado do espessa-mento das cúspides e fusão das comissuras. A setaapresenta trombose recente na fenda valvar. G. Valvatricúspide (T) vista pelo átrio. A seta aponta fusão dacomissura. H. Tricúspide aberta apresentando fusão eencurtamento de cordas (setas brancas) e fusão dacomissura (seta preta).

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Aspectosanatomopatológicos da

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latação variável e progres-siva (Fig. 3B). Em casos dedilatação muito acentua-da, forma-se o chamado“átrio esquerdo gigante”,de parede extremamentedelgada(34), o qual podecausar desvio do brônquioprincipal esquerdo e com-pressão do nervo laríngeorecorrente. Em pacientesque apresentam dilatação

atrial e fibrilação atrial concomitantes, é freqüente oachado de trombos murais revestindo parcialmente oendocárdio da aurícula ou do átrio esquerdos. Maisraramente, um grande trombo em forma de bola podepreencher praticamente toda a cavidade atrial esquer-da, aderido ao septo atrial na maioria das vezes ou àaurícula esquerda ou, até mesmo, livre(35).

Em pacientes com estenose mitral de longa dura-ção, o ventrículo esquerdo é pequeno, quando compa-rado ao ventrículo direito, que se torna hipertrófico emdecorrência da congestão passiva pulmonar. Histolo-gicamente, observam-se espessamento fibroso dasparedes de capilares e veias pulmonares, e graus vari-ados de muscularização e hipertrofia da túnica médiae espessamento fibroso da íntima, na parede de arte-ríolas pulmonares. Não é rara a presença de placasateroscleróticas em ramos arteriais pulmonares(35).

A arquitetura valvar, habitualmente estratificada eavascular, mostra-se desorganizada, em decorrênciade fibrose difusa e neovascularização, caracterizadapela formação de pequenos vasos de túnica muscularespessa(36). Quando presente, o infiltrado inflamatórioé focal, constituído por pequena quantidade de linfóci-tos, macrófagos e plasmócitos. Os músculos papilaresgeralmente mostram espessamento endocárdico e fi-brose intersticial.

As deformidades macroscópicas e as alterações his-tológicas valvares descritas devem ser interpretadascomo prováveis seqüelas de doença reumática, mes-mo quando encontradas em pacientes sem dados clí-nicos de febre reumática ou coréia.Aspectos anatomopatológicos da valva aórticana doença reumática crônica

A estenose aórtica, por razões desconhecidas e di-ferindo da estenose mitral, é duas vezes mais freqüen-te em homens que em mulheres(9).

A estenose aórtica isolada raramente ocorre na au-sência de lesão da valva mitral(15); porém, em algunsindivíduos, a repercussão clínica da estenose mitralpode ser menos importante que a da lesão aórtica(36).

As alterações patológicas da doença reumática crôni-ca na valva aórtica são análogas às descritas na valvamitral. Há espessamento difuso das semilunares, a partir

da borda livre, e fusão de comissuras. A calcificação dis-trófica da estenose aórtica reumática ocorre sob a formade nódulos calcificados na base das semilunares, semcomprometer as bordas livres ou as comissuras, diferen-te da calcificação encontrada em estenoses aórticas denatureza degenerativa(35).

As alterações microscópicas mais freqüentemente en-contradas nas lesões reumáticas da valva aórtica são afibrose, a neoformação de vasos pequenos com paredesespessas, e quantidades variáveis de infiltrado inflamató-rio linfomononuclear e de calcificação distrófica.

Figura 4. Macroscopia da valva aórtica com lesões dedoença reumática crônica. A. Dupla lesão aórtica, compredomínio de estenose. As setas indicam fusão e cal-cificação de duas das comissuras da valva aórtica. B.Nesse caso, também com predomínio de estenose, astrês comissuras estão fusionadas, deixando um orifí-cio valvar triangular central. C. Valva aórtica com se-qüela de fusão comissural apenas em uma comissurae predomínio de insuficiência. D. Fusão das três co-missuras, intenso espessamento das semilunares efocos de calcificação (asterisco) em caso de estenoseaórtica grave. E. Valva aórtica aberta. As setas apon-tam a intensa retração e o espessamento das semilu-nares nesse caso de insuficiência aórtica.

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A fusão de uma oumais comissuras, mesmona ausência de fibrose dassemilunares, já é fator su-ficiente para causar este-nose aórtica (Figs. 4A, 4Be 4D). Nos indivíduos comrepetidos episódios de ati-vidade reumática, a fibro-se pode progredir rapida-mente e resultar em acen-tuada estenose aórtica,

mesmo com pouca calcificação.A fusão das três comissuras e o orifício de abertura

valvar, de formato triangular ou circular (Fig. 4B), sãocaracterísticas típicas de valvopatia aórtica, reumáti-ca, de longa duração. Nesses casos, há a associaçãode estenose e insuficiência valvar, com predomínio deestenose na maioria dos casos (Figs. 4A, 4B e 4D)(34).

A repercussão tanto clínica como funcional da insu-ficiência aórtica será maior quando a fibrose e a retra-ção das semilunares forem mais acentuadas que a fu-

são das comissuras (Figs. 4C e 4E). A insuficiênciaaórtica é a disfunção valvar que causa maior cardio-megalia na doença reumática crônica(15).

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGNÓSTICOE O TRATAMENTO DOS PACIENTES

O prognóstico dos pacientes é bastante variável e,principalmente, depende da intensidade da lesão val-var, de quais valvas cardíacas foram comprometidas ese ocorreram ou não complicações.

O tratamento clínico na fase ativa da doença con-siste no uso de antibióticos, corticóides e drogas paraa insuficiência cardíaca.

Para a prevenção de surtos recorrentes da doença,usam-se antibióticos, principalmente a penicilina, portempo prolongado.

O tratamento cirúrgico dos pacientes com lesõesvalvares crônicas, seja por comissurotomia (Figs. 3B e3D) ou substituição da valva por prótese valvar, muitocontribuiu para a melhor e maior sobrevida desses pa-cientes(5).

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PATHOLOGICAL ASPECTS OF THE HEARTIN RHEUMATIC FEVER

LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI

Acute rheumatic fever is an acute, recurrent, inflammatory disease, that deve-lops in genetically susceptible individuals, within one to six weeks of a pharyngealinfection with group a beta-hemolytic streptococci. It seems to be an immune res-ponse to streptococcal antigens or a streptococcal-induced autoimmune reaction tonormal tissue antigens.

It is a childhood disease, with peak incidence between ages 5 and 15 years; but20% of first attacks occur in adults, sometimes in advanced life.

The acute rheumatic inflammation may occur in pericardium, myocardium andendocardium. The marked fibrinous pericarditis has a “bread-and-butter” gross appe-arance. Myocarditis causes cardiac enlargement and ventricular dilation. Aschoffbodies are microscopic lesions of cardiac connective tissue that undergo exsudati-ve, proliferative and cicatricial phases. Myocardial Aschoff bodies in proliferative phaseare pathognomonic of acute rheumatic fever, showing fibrinoid degeneration of val-var collagen with inflammatory cells, including the Anitschkow cells. Verrucae aresmall vegetations consisted of platelets and fibrin, or extruded collagen with fibrinoiddegeneration, that may be seen along the lines of valvar closure. Heart damage canaccumulate with each recurrence and chronic rheumatic heart disease results fromhealed, often recurrent acute lesions. Valvar deformities are the most important rheu-matic chronic sequels and they may be found in any cardiac valves. Rheumatic dise-ase is the most common cause of mitral stenosis, followed by the aortic valve steno-sis in combination or alone. Association of stenosis and incompetence dysfunctionis frequently seen in aortic valves with rheumatic disease.

Key words: streptococcal infections/complications, rheumatic fever/pathology, rheu-matic heart disease/pathology, heart valve diseases/pathology, rheumatic nodule/pathology.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:18-27)RSCESP (72594)-1503

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

INTRODUÇÃO

A febre reumática continua sendo um importanteproblema de saúde pública em países em desenvolvi-mento como o Brasil, em virtude de sua alta morbida-de e mortalidade. É a causa mais freqüente de doençacardíaca adquirida em crianças e adolescentes des-ses países(1).

DIAGNÓSTICO — OS CRITÉRIOS DE JONES

O diagnóstico da febre reumática ainda representa

DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA FEBRE REUMÁTICA: OSCRITÉRIOS DE JONES CONTINUAM ADEQUADOS?

MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO

Setor de Reumatologia Pediátrica —Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia —Departamento de Pediatria — Universidade Federal de São Paulo — Unifesp/EPM

Endereço para correspondência: Rua Loefgreen, 2381 — ap. 141 —CEP 04040-004 — São Paulo — SP

O diagnóstico da febre reumática ainda representa um grande desafio para ospediatras em virtude da ausência de manifestação clínica ou prova laboratorial pa-tognomônica. Os erros diagnósticos ainda são freqüentes em algumas populações.Desde a criação dos critérios de Jones, em 1944, cinco revisões foram feitas pelaAssociação Americana de Cardiologia, tendo a última sido em 2002. Apresentaçõespoucos usuais de febre reumática aguda com uma variedade de manifestações clí-nicas que não preenchem os critérios revisados de Jones podem levar a erros ouatrasos no diagnóstico. Mudar o conceito da artrite da febre reumática poderia aju-dar a incluir os inúmeros casos em que ela se apresenta de forma atípica; a ecocar-diografia, quando utilizada criteriosamente, pode ter boa acurácia em distinguir alesão patológica da fisiológica e diagnosticar, assim, a cardite subclínica; a evidên-cia de infecção estreptocócica precedente nem sempre é obtida, e, por essa razão,talvez fosse melhor considerar essa condição como parte importante para o raciocí-nio diagnóstico e não como indispensável. Além disso, o estabelecimento de umescore de acordo com a freqüência e a importância das manifestações poderia tor-nar os critérios de Jones mais precisos.

Palavras-chave: febre reumática, critérios de Jones, diagnóstico.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:28-33)RSCESP (72594)-1504

um grande desafio para os pediatras e clínicos em vir-tude da ausência de manifestação clínica ou prova la-boratorial patognomônica. O diagnóstico definitivo ficamuitas vezes difícil pela variabilidade das manifesta-ções clínicas. A febre reumática ainda é subdiagnosti-cada ou diagnosticada em excesso em algumas popu-lações.

Há 50 anos, Duckett Jones estabeleceu critérios queainda são um guia importante para o diagnóstico dadoença (Tab. 1)(2). A grande contribuição do Dr. Jonesfoi ter criado um conjunto de critérios que fossem fá-ceis de aplicar, com boa acurácia diagnóstica, e que

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

pudessem ser utilizadosem todas as populações.Como todas as inovaçõescientíficas, os critérios nãoeram perfeitos e, desdeentão, cinco revisões fo-ram feitas pela AssociaçãoAmericana de Cardiologia,tendo a última sido em2002(3-7). A presença dedois critérios maiores ouum maior e dois menores,

associada à evidência de infecção estreptocócica re-cente, leva ao diagnóstico da doença. É importanteenfatizar que um grupo grande de pacientes não pre-enche esses critérios na apresentação da doença eoutras doenças que preenchem esses critérios preci-sam ser excluídas antes do diagnóstico definitivo defebre reumática. Na presença de coréia isolada ou car-dite insidiosa, o diagnóstico pode ser feito sem haver opreenchimento de outros critérios(6).

A primeira descrição dos critérios de Jones é de1944, quando as manifestações da doença foram se-paradas em maiores e menores (Tab. 1)(2). As maiores,quando presentes, levavam a maior probabilidade dediagnóstico certo e incluíam, naquela época, cardite,alterações articulares, nódulos subcutâneos e coréia,além de história de febre reumática ou doença cardía-ca reumática. As manifestações menores eram consi-deradas sugestivas da febre reumática, mas não espe-cíficas, ou seja, comuns a outras doenças e incluíamfebre, eritema marginado e alteração de provas de faseaguda, entre outras. Embora Jones tenha descrito ocomprometimento articular como artralgia, ele consi-derou sob essa denominação o quadro de poliartritemigratória. Naquela época, a associação entre febrereumática e infecção estreptocócica não foi considera-da suficientemente importante para incluir a infecçãonos critérios diagnósticos(8). Jones reconheceu que al-guns erros diagnósticos poderiam ocorrer e que mu-danças nos seus critérios deveriam ser necessárias àmedida que maiores conhecimentos sobre a doençasurgissem.

Para melhorar a especificidade dos critérios de Jo-nes, mudanças significativas foram realizadas em 1956(Tab. 2)(3). Estas incluíram o eritema marginado comoquinto critério maior, substituindo a febre reumáticaprévia ou a doença cardíaca reumática, que se torna-ram um critério menor. A denominação de poliartritesubstituiu a artralgia como critério maior e esta passoua configurar como critério menor, não sendo conside-rada critério quando a artrite estivesse presente. O maisimportante foi que a evidência de faringite estreptocó-cica precedente passou a ser critério menor. Algunscritérios menores foram retirados e o prolongamento

do intervalo PR foi acrescentado como critério menor,não sendo considerado quando a cardite estivesse pre-sente como critério maior.

Em uma tentativa de evitar os excessivos diagnósti-cos falsos positivos, uma nova revisão dos critérios deJones foi realizada em 1965 (Tab. 3)(4). A evidência deinfecção estreptocócica prévia foi retirada dos critériose considerada essencial para o diagnóstico da febre

Tabela 1. Critérios de Jones (originais) — 1944.(2)

Critérios maiores Critérios menores

Cardite FebreArtralgia (poliartrite Dor abdominalmigratória)Coréia Dor precordialNódulos subcutâneos Eritema marginadoHistória prévia de Epistaxefebre reumáticadefinitiva ou doençacardíaca reumática

Achados pulmonaresAchados laboratoriaisAlterações no ECGAnemia microcíticaElevação de VHSLeucocitose

ECG = eletrocardiograma; VHS =velocidade de hemossedimentação.

Tabela 2. Critérios de Jones (primeira revisão) —1956.(3)

Critérios maiores Critérios menores

Cardite ArtralgiaPoliartrite FebreCoréia História de febre

reumáticaNódulos subcutâneos Evidência de infecção

estreptocócicaprecedente

Eritema marginado Alteraçõeslaboratoriais comoelevação de VHS,PCR e leucocitoseProlongamento dointervalo PR no ECG

ECG = eletrocardiograma; VHS = velocidade de hemos-sedimentação; PCR = proteína C-reativa.

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

reumática, associada àpresença dos mesmos.Essa evidência poderiaser comprovada por meiode história de escarlatina,cultura de orofaringe posi-tiva ou elevação dos títu-los de anticorpos estrep-tocócicos. Isso foi uma ten-tativa de afastar outras do-

enças que simulavam febre reumática, mas que nãotinham evidência de infecção estreptocócica prévia. Oaumento da especificidade comprometeu a sensibili-dade. A única condição que não exigia a infecção es-treptocócica era a coréia isolada ou a cardite insidiosa,pelo seu longo período de latência.

Em 1984, o comitê para febre reumática, endocar-dite e doença de Kawasaki da Associação Americanade Cardiologia esclareceu algumas definições, mas nãoocorreram alterações significativas(5). Pela primeira vezfoi questionado o papel do ecocardiograma como umamedida para diagnosticar a pericardite. O prolongamen-to do intervalo PR foi classificado como uma manifes-tação não-específica e não relacionada à cardite.

Na revisão de 1992, ficou estabelecido que os cri-térios de Jones passariam a ser válidos apenas para odiagnóstico inicial da febre reumática e não mais paraas recorrências (Tab. 4)(6). Esses critérios não seriamutilizados para determinar a atividade ou estabelecer odiagnóstico da doença inativa ou doença cardíaca reu-mática crônica e, por isso, o critério menor de história

Tabela 3. Critérios de Jones (segunda revisão) —1965.(4)

Critérios maiores Critérios menores

Cardite ArtralgiaPoliartrite FebreCoréia História de febre

reumáticaNódulos subcutâneos Alterações

laboratoriais comoelevação de VHS,PCR e leucocitose

Eritema marginado

Evidência de infecção estreptocócica precedente: cul-tura positiva, escarlatina ou elevação dos títulos deanticorpos estreptocócicos.VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR = pro-teína C-reativa.

pregressa de febre reumática foi excluído. Além disso,a evidência de infecção estreptocócica precedente nãopoderia mais ser confirmada por meio de história su-gestiva de escarlatina e apenas por testes rápidos paradetecção dos antígenos estreptocócicos, cultura deorofaringe ou elevação dos títulos de antiestreptolisinaO. Isso ocorreu pelo fato de a escarlatina ser comu-mente confundida com outras infecções exantemáticas.A leucocitose foi excluída como prova de fase agudapor ser muito inespecífica. A evidência ecocardiográfi-

Tabela 4. Critérios de Jones (quarta revisão) — 1992.(6)

Critérios maiores Critérios menores

Cardite ArtralgiaPoliartrite FebreCoréia Elevação de provas

de fase agudaEritema marginado Prolongamento do

intervalo PRNódulos subcutâneos

Evidência de infecção estreptocócica precedente: cul-tura positiva, teste rápido para antígeno estreptocóci-co ou elevação dos títulos de anticorpos estreptocóci-cos.

ca de alteração valvar sem ausculta cardíaca foi consi-derada insuficiente para estabelecer a presença decardite.

Em 2000, os membros do Comitê para febre reu-mática, endocardite e doença de Kawasaki da Associ-ação Americana de Cardiologia se encontraram comum grupo de especialistas internacionais para rever oscritérios de Jones e suas sucessivas revisões. O obje-tivo do encontro foi rever a acurácia dos critérios parao primeiro surto da doença e discutir se técnicas maismodernas como a ecocardiografia Doppler colorida po-deriam ser adicionadas aos critérios para o diagnósti-co de cardite reumática. O grupo reafirmou a validadedos critérios revisados de 1992, considerou-os como opadrão para o diagnóstico de surto inicial agudo de fe-bre reumática e nenhuma outra correção foi sugerida.Entretanto, até agora nenhum valor preditivo foi atribu-ído aos critérios de Jones.

Apresentações poucos usuais de febre reumáticaaguda com uma variedade de manifestações clínicasque não preenchem os critérios revisados de Jones,podem levar a erros ou atrasos no diagnóstico. Os cri-térios de Jones não podem substituir o julgamento clí-nico em casos atípicos(9).

As primeiras críticas a esses critérios começam com

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

as características da artri-te.

A artrite é a manifesta-ção maior mais freqüente,porém é a mais inespecí-fica, sendo seu diagnósti-co diferencial muito varia-do. A exclusão de outrasartrites reativas ou outrascausas de artrite aguda é,por vezes, muito difícil. Hádiversas publicações indi-

cando que as manifestações articulares são muitasvezes diferentes das descrições clássicas(10, 11). A artri-te aditiva ou de duração prolongada, o acometimentode pequenas articulações, a monoartrite e a não res-posta ao ácido acetilsalicílico são observados em mui-tos pacientes. Em nosso estudo com 93 pacientes comfebre reumática, a artrite foi aditiva em 27% dos casos;pequenas articulações, como as metacarpofalangea-nas e as interfalangeanas proximais e distais, foramacometidas com freqüência de 2% a 8%; artrite comduração maior que seis semanas, caracterizando artri-te crônica, foi observada em 10%; não resposta ao áci-do acetilsalicílico ocorreu em 15% das artrites; e mo-noartrite foi encontrada em 6% dos pacientes. Acha-dos semelhantes foram descritos por outros autores(11, 12).Em muitos desses casos, o diagnóstico só é possívelquando o acometimento cardíaco está associado. Mu-dar o conceito da artrite da febre reumática poderiaajudar a incluir os inúmeros casos em que ela se apre-senta de forma atípica. Nos países com alta incidênciade febre reumática, a artrite deve ser considerada deforma mais cuidadosa durante o diagnóstico.

A cardite tem sido objeto de grande polêmica, es-pecialmente na última década. A cardite clínica é bemespecífica e quadros com presença de sopro cardíacosugestivo de regurgitação mitral e/ou aórtica com con-firmação ecocardiográfica não costumam deixar dúvi-das sobre sua etiologia reumática. Cada vez mais au-tores, porém, têm descrito a presença de achados eco-cardiográficos de lesões valvares orgânicas, na ausên-cia de manifestações clínicas de cardite(13-17). A ecocar-diografia Doppler colorida é claramente aceita hojecomo uma técnica mais sensível que a ausculta cardí-aca na detecção da regurgitação valvar. No entanto,coloca-se em questão a acurácia desse exame quantoà distinção entre a regurgitação patológica e a fisioló-gica. De acordo com alguns autores, a inflamação val-var subclínica demonstrada pelo ecocardiograma de-veria ser aceita como evidência de cardite e ser consi-derada como critério para o diagnóstico de febre reu-mática(18). Entretanto, a ecocardiografia ainda não éaceita como critério diagnóstico de febre reumática, porser um exame que carece de critérios mais específicos

para diferenciar o refluxo valvar orgânico leve do fisio-lógico, podendo, desse modo, ser mais um motivo deerro diagnóstico. Minich e colaboradores estudaram umgrupo de 68 pacientes com sopro cardíaco, dos quais37 com febre reumática e 31 controles com sopro car-díaco inocente, que apresentavam regurgitação valvarà ecocardiografia Doppler(19). Esses autores propuse-ram critérios ecocardiográficos para diferenciação daregurgitação mitral orgânica da febre reumática da re-gurgitação mitral fisiológica, os quais apresentaramespecificidade de 94% e valor preditivo positivo de93%(19). Em um estudo cego prospectivo realizado pornós com 56 pacientes com febre reumática aguda, 11de 29 (37,9%) pacientes sem evidência clínica de car-dite apresentaram alterações ecocardiográficas, carac-terizando a cardite subclínica. Em 31 dos 56 pacientesforam realizadas análises quantitativa e qualitativa maisdetalhadas e comparadas aos achados de 20 indivídu-os controles. Observamos que variáveis quantitativascomo a espessura da valva mitral apresentaram valo-res estatisticamente mais elevados nos pacientes comcardite clínica e subclínica que em crianças controles.“Vena contracta” e altura do jato aórtico tiveram valo-res estatisticamente mais elevados na cardite clínicaque na cardite subclínica, demonstrando que, emborapertençam ao mesmo espectro de lesão, a cardite clí-nica apresenta maior magnitude da lesão valvar. Quantoàs variáveis qualitativas, como variância e convergên-cia mitrais e regurgitação holodiastólica, foram estatis-ticamente mais freqüentes nos dois grupos de pacien-tes que nos controles. Esses resultados podem sermais uma evidência de que a ecocardiografia, quan-do utilizada criteriosamente, pode ter boa acuráciaem distinguir a lesão patológica da fisiológica. Taisachados vêm sendo alvo de debate em relação aodiagnóstico de cardite reumática e também a suasimplicações terapêuticas, como utilização do corti-cóide e modificações quanto à duração da profilaxiasecundária(20, 21).

A coréia de Sydenham é uma manifestação quepode ser considerada como critério suficiente para odiagnóstico de febre reumática mesmo quando isola-da. É importante, entretanto, que outras causas de co-réia sejam afastadas, como lúpus eritematoso sistêmi-co, tumores, doença de Wilson e drogas, entre outras.Em nossa casuística, observamos associação impor-tante de cardite com coréia, alertando assim para anecessidade de investigação do comprometimento car-díaco nos pacientes com essa manifestação.

As outras manifestações maiores, como eritemamarginado e nódulos subcutâneos, embora sejam con-sideradas critérios maiores, são muito pouco freqüen-tes. Essa é outra crítica aos critérios de Jones e exis-tem sugestões para que essas manifestações deixemde ser consideradas maiores ou pelo menos não te-

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

nham o mesmo peso queos outros critérios maiores.Outra grande dificuldadeque encontramos no diag-nóstico da febre reumáti-ca é a comprovação dainfecção estreptocócicaprecedente. Segundo osautores responsáveis pe-las revisões dos critériosde Jones, não pode haverfebre reumática sem essa

comprovação. Entretanto, sabemos que a cultura deorofaringe carece de sensibilidade e os testes rápidospara detecção de antígenos estreptocócicos não sãorealizados de rotina em nosso meio. Quanto à determi-nação dos títulos de anticorpos estreptocócicos, emespecial da antiestreptolisina O, que é a mais utilizada

em nosso meio, cerca de 20% a 25% dos pacientesnão alteram seus títulos. Embora os métodos para de-terminação de outros anticorpos aumentem a possibi-lidade de detecção da infecção estreptocócica recen-te, eles não estão disponíveis na rotina de serviçospúblicos e nem em laboratórios particulares. Talvez fos-se melhor considerar essa condição como parte im-portante para o raciocínio diagnóstico ao invés de co-locá-la como indispensável.

Estudos prospectivos multicêntricos com participa-ção das populações com maior incidência da doençasão necessários para que possamos aumentar a es-pecificidade dos critérios de Jones. A redefinição daartrite da febre reumática, a inclusão da cardite subclí-nica, ou seja, da ecocardiografia, e o estabelecimentode um escore de acordo com a freqüência e a impor-tância das manifestações poderiam tornar os critériosde Jones mais precisos.

CLINICAL DIAGNOSIS OF RHEUMATIC FEVER:ARE THE JONES CRITERIA STILL ADEQUATE?

MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO

The diagnosis of rheumatic fever still represents a great challenge to pediatrici-ans due to the absence of patognomonic clinical manifestation or laboratory test.Misdiagnosis are also very frequent in some populations. Since their introduction in1944 Jones criteria have been revised five times by the American Cardiology Asso-ciation; the last one was in 2002. Unusual presentation of acute rheumatic fever witha great range of clinical manifestations that do not fulfill the Jones criteria is respon-sible for mistakes or delay of diagnosis. It would be of worth to change the arthritisconcept in an attempt to include the atypical forms; the echocardiography if utilizedwith criteria could be an accurate instrument to distinguish pathologic from physiolo-gic valvar lesions and therefore to diagnosis subclinic carditis; the evidence of strep-tococcal infections not always is possible and for this reason would be better toconsider this condition as an important evidence for the diagnosis instead of consi-der it indispensable. Otherwise the establishment of a score according to the fre-quency and importance of the manifestations of rheumatic fever would turn Jonescriteria more precise.

Key words: rheumatic fever, Jones criteria, diagnosis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:28-33)RSCESP (72594)-1504

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TERRERI MTRA e col.Diagnóstico clínico da

febre reumática: oscritérios de Jones

continuam adequados?

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34 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005

VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

INTRODUÇÃO

Não existem sintomas ou sinais clínicos, nem mes-mo provas laboratoriais específicas, para o diagnósti-co de certeza da febre reumática. O diagnóstico se fazna associação de ambos, o quadro clínico e o quadrolaboratorial. Na prática sabemos que essas provas la-boratoriais não possuem caráter específico, ou seja,nenhuma delas pode garantir a presença da doença,exigindo sempre um diagnóstico diferencial. Existemdois tipos de exames laboratoriais: os que vão mostrara resposta anticórpica do organismo ao produto libera-

VALOR DOS EXAMES LABORATORIAISNO DIAGNÓSTICO E NO SEGUIMENTODE PACIENTES COM FEBRE REUMÁTICA

MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA

Disciplina de Cardiologia —Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência: Rua Dr. José Vicente, 130 — CEP 13101-536 —Campinas — SP

Embora não haja provas laboratoriais patognomônicas para o diagnóstico de cer-teza da febre reumática, existem alguns achados de laboratório e algumas conside-rações que nos auxiliam tanto na conclusão de uma hipótese clínica como no acom-panhamento e nos critérios de cura da doença. Por isso é sempre bom lembrar queo diagnóstico dessa doença se faz com um conjunto de dados clínicos como históriae exame clínico, bem como de resultados de provas laboratoriais. Existem dois tiposde exames laboratoriais que são úteis no diagnóstico e na avaliação da evolução,assim como na cura: os que pesquisam processos imunogenéticos (celulares, mole-culares e humorais) importantes para determinar a gênese da afecção, e os quereconhecem a existência de um processo inflamatório agudo, que seriam as chama-das reações da “fase aguda do soro”. Dentre estas últimas encontram-se as muco-proteínas e a fração alfa-2-globulina, que se comportam como provas seguras esensíveis, devendo-se somente à normalização das mesmas o desaparecimento doprocesso inflamatório agudo.

Palavras-chave: diagnóstico laboratorial, febre reumática, estreptococos do grupoA de Lancefield.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:34-9)RSCESP (72594)-1505

do pelo agente etiológico e as reações da fase agudada doença. São, portanto, testes que evidenciam res-pectivamente a existência de um fator etiológico e ocomportamento de reações que medem a atividade doprocesso inflamatório presente, podendo inclusive nosinformar o estado evolutivo da doença, até a cura. Sen-do assim, podemos dividir a investigação laboratorialem dois gupos: A, com exames que vão nos mostrarse houve infecção prévia pelo estreptococo beta-he-molítico do grupo A de Lancefield; e B, com examesque documentam a presença de processo inflamatório,isto é, que medem a “atividade” do processo inflamatório.

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VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

PROVAS QUEAVALIAM A RESPOSTAIMUNITÁRIA DOORGANISMO

Em razão do processoetiológico da febre reumá-tica, são encontrados noplasma dos pacientes in-fectados elevados títulosde anticorpos contra subs-tâncias liberadas pelo es-

treptococo do grupo A. Essas bactérias fabricam vári-os produtos extracelulares, como: estreptolisinas A eS; desoxirribonucleases A, B, C e D; hialuronidase; pro-teinases; nicotinamida-adenina-deaminase; estreptoqui-nase; e exotoxinas pirogênicas.

Os anticorptos tituláveis na prática clínica são: an-tiestreptolisina O (ASLO), antiestreptoquinase (AEQ),anti-hialuronidase (AH) e antidesoxirribonuclease (anti-DNAse).

O anticorpo mais utilizado na clínica diária é o ASLO,pela facilidade de obtenção e homogeneidade dos re-sultados. A anti-DNAse B pode ser útil nos casos desíndrome coréica reumática. A ASLO é prova obtidageralmente por variação da técnica original de Rantz e

Randall, atingindo seu pico três a seis semanas após ainfecção, enquanto a anti-DNAse B atinge seu pico maistardiamente (seis a oito semanas). Na maioria dos ser-viços, seguem-se os critérios determinados por Décourtpara a ASLO(1), considerando-se o nível de 250 unida-des Todd (UT) como normal para crianças com menosde 5 anos de idade e, para finalidades práticas, comoanormais taxas acima de 333 UT para crianças commenos de 5 anos de idade e acima de 500 UT paracrianças acima dessa idade.

A experiência universal nos mostra que os níveisnormais de ASLO podem variar com fatores ligados aidade, classe socioeconômica e até condições do meioambiente, como promiscuidade e estações do ano.

A redução dos títulos é geralmente lenta, com vari-ação de paciente para paciente, ao contrário do queacontece nas estreptococcias simples, cuja queda émais rápida. Após o surto agudo de febre reumática,os níveis voltam ao normal em quatro a seis meses,porém a permanência de títulos elevados por tempoprolongado não indica persistência da atividade dadoença. Também podemos salientar que a determina-ção de outros anticorpos aumenta a sensibilidade naidentificação da infecção estreptocócica, mas não sãousados na prática clínica.(2)

A anti-DNAse B tende a permanecer circulando por

Obs.: as exotoxinas pirogênicas altamente nocivas estão ligadas ao exantema daescarlatina.

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VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

mais tempo, podendo serpraticamente a única indi-cação de infecção estrep-tocócica nas manifesta-ções neurológicas tardiasda febre reumática (coréiade Sydenham).(3)

HEMOGRAMA

É pouco expressivo e oachado de grandes altera-

ções pode sugerir presença de outras doenças.(4) É im-portante, portanto, o diagnóstico diferencial com ou-tras entidades mórbidas como anemia falciforme, artri-te reumatóide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, leu-cemias, etc.

Na fase ativa da febre reumática, o hemograma re-vela discreta leucocitose, com predomínio de polimor-fonucleares, com neutrofilia, além de um desvio para aesquerda pouco acentuado. Com maior freqüência, eem particular em crianças, manifesta-se anemia hipo-crômica, normocítica ou discretamente microcítica,(5)

não-responsiva à terapêutica com ferro. Em determi-nados casos pode servir de alerta em crianças comoutras manifestações muitos discretas.

PROVAS LIGADAS AO PROCESSOINFLAMATÓRIO

As denominadas “reações da fase aguda do soro”,sendo inespecíficas, não possuem e não pretendempossuir valor diagnóstico de febre reumática entre di-ferentes processos clinicamente comparáveis. São,entretanto, muito úteis em sua capacidade de reve-lar processo “ativo”, definindo-o em sua presença,em sua permanência e em suas oscilações no tem-po.

Na febre reumática, como em qualquer outra condi-ção, as provas realmente expressivas são:— as que se desviam da normalidade logo no início da

afecção;— as que oscilam em seus valores de acordo com as

próprias oscilações desta;— as que não se modificam artificialmente com o uso

de medicamentos;— as que só se normalizam quando do desapareci-

mento da doença.As diferentes provas laboratoriais apresentam, na

febre reumática, aspectos de comportamento muito ex-pressivos para a avaliação clínica, ao contrário do queé admitido por muitos autores.(1, 4, 6) As principais pro-vas desse grupo são: velocidade de hemossedimenta-ção, proteína C-reativa, mucoproteínas e eletroforesede proteínas.

VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO

A alteração da velocidade de hemossedimentaçãogeralmente ocorre de forma acentuada, sendo os des-vios precoces, contemporâneos das manifestações ini-ciais da doença. Valores mais elevados são observa-dos em casos mais graves, embora não se tenha umacorrelação linear desse achado. Seus valores normaissituam-se abaixo de 10 mm a 20 mm. A velocidade dehemossedimentação depende de múltiplos fatores,como, por exemplo, tamanho das hemácias, presençade macromoléculas que alteram a carga elétrica damembrana celular das hemácias, nível de fibrinogênio,alfa e gama globulinas (sobretudo da IgM), alteraçãoda viscosidade e da alimentação. Dessa maneira, emprocesso inflamatório agudo como na febre reumática,em que existe aumento significativo do fibrinogênio edas mucoproteínas, ocorre aumento da velocidade dehemossedimentação. Ressalte-se, no entanto, que vá-rias outras doenças podem alterar a velocidade de he-mossedimentação além da febre reumática, entre elas:anemias graves, neoplasias, colagenoses, infecções,traumatismos e processos inflamatórios em geral. Alémdeles, na gestação, particularmente a partir do segun-do trimestre, ocorre aumento progressivo da velocida-de de hemossedimentação sem significado patológico.O uso crônico de alguns fármacos também pode alte-rar a velocidade de hemossedimentação, como antiin-flamatórios hormonais e não-hormonais, contracepti-vos e penicilina benzatina. Dessa forma, a velocidadede hemossedimentação não constitui um instrumentoespecífico para o acompanhamento e a evolução notratamento da febre reumática. Outro fator que podeinduzir erro de interpretação é a persistência habitualde valores elevados da velocidade de hemossedimen-tação durante longo período, sem relação com a evo-lução favorável do quadro clínico, que pode confundiro médico e sugerir de maneira imprópria a continuida-de da terapêutica.

Trata-se, portanto, de prova importante, mas nãofiel, por causa das circunstâncias limitantes da real ex-pressividade dos resultados (Tab. 1).

PROTEÍNA C-REATIVA

A proteína C-reativa é sintetizada no fígado, cor-rendo em baixas concentrações no plasma de indiví-duos normais.(7) Trata-se de proteína imunitariamenteanômala, que precipita com o carboidrato C de pneu-mococos. Pode-se elevar de forma sensível no iníciodo processo reumático, estando elevada em pratica-mente 100% dos casos antes do final da segunda se-mana de evolução.(6)

A não elevação seqüencial da proteína C-reativa do-sada em dias alternados sugere ausência de febre reu-

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VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

Tabela 1. Comportamento das reações da “fase aguda do soro”.(4)

Períodos da doençaProvas Fases iniciais Período de estado Momento da “cura”

Eritrossedimentação Desvio freqüente Oscilações também Persistência eventualdependentes de de desviosoutros fatores moderados, sem

significaçãoProteína C Presença constante Desaparecimento (ou Ausência, já há dias

redução) em número ou semanas, em certoprogressivo de enfermos número de enfermos

Mucoproteína Elevação quase Manutenção dos Normalização dosconstante desvios níveis

Frações protéicas: Redução freqüente, Tendência à Valores normais já— albumina em particular nas normalização presentes em certo

formas graves e em número de enfermoscrianças

— alfa1-globulina Elevação freqüente Normalização precoce Valores normais jápresentes há dias ousemanas

— alfa 2- globulina Elevação quase Manutenção dos desvios Normalização dosconstante níveis

— gama-globulina Elevação inconstante Manutenção dos desvios Eventual persistênciae/ou discreta ou elevação progressiva dos desvios

dos níveis

mática, ou seja, emborainespecífica, é extrema-mente sensível nas fasesiniciais da febre reumática.Entretanto, igualmente avelocidade de hemossedi-mentação constitui méto-do apropriado para o se-guimento de pacientescom febre reumática, e tí-tulos mais elevados nãorepresentam necessaria-

mente falta de controle da doença. Por outro lado, seusníveis podem diminuir durante o curso ativo da doença(Tab. 1). É importante lembrar que a proteína C-reativanão sofre habitualmente interferência da alimentaçãoou de medicação antiinflamatória. No seguimento dopaciente reumático, o reaparecimento da proteína C-reativa no soro obriga a pesquisa de reativação do pro-cesso inflamatório, exigindo cuidados na reavaliaçãodo estado clínico.

MUCOPROTEÍNAS

As mucoproteínas elevam-se em qualquer proces-so inflamatório, infeccioso ou neoplásico. Seu metabo-

lismo é realizado no fígado e é excretado pelos rins. Astécnicas utilizadas são trabalhosas, e com possibilida-de de erros, o que tem causado seu abandono emmuitos centros e sua substituição pela alfa-1-glicopro-teína ácida de mais fácil dosagem. A mucoproteínaencontra-se elevada em cerca de 95% dos pacientescom diagnóstico de febre reumática, mantendo-se al-terada enquanto durar a fase ativa. A normalização deseus níveis indica o final da fase ativa da doença. Éimportante comentar que não sofre alteração com amedicação antiinflamatória, mesmo com corticosterói-des,(8) sendo um bom guia para o critério de cura.

Como cifras superiores da normalidade, podem seraceitas(8) as de 4,0 mg% para a tirosina e de 14,5%para o polissacarídeo da mucoproteína; na prática,habitualmente é utilizada apenas a taxa de tirosina.

O retorno de seus níveis à normalidade costumarefletir a regressão da doença e a manutenção de ní-veis persistentemente elevados indica atividade da do-ença. Portanto, apesar de suas limitações como rea-ção inespecífica, comporta-se, na prática clínica, comoprova sensível, expressiva e de confiança.

ELETROFORESE DE PROTEÍNAS

As modificações das proteínas do soro não diferem

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38 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005

VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

das alterações que ocor-rem em vários outros pro-cessos agudos e se exte-riorizam basicamente porqueda do teor de albumi-na e por elevação da taxadas frações alfa-globulinase gama-globulinas(9) (Tab.1). A redução importanteda albumina pode ser pre-coce, principalmente nasformas mais graves de cri-

anças portadoras de febre reumática, sem relação comseu estado nutricional. Uma redução dos níveis de al-bumina (valores < 3,5 g/dl) é habitual. A normalizaçãodas taxas em qualquer situação é ocorrência de prog-nóstico mais favorável. A elevação da gamaglobulina élenta e em períodos tardios, principalmente quandoocorrem agressões viscerais. As elevações das alfa-globulinas são precoces e nítidas ao final da primeirasemana de doença, observando-se nítida diferença decomportamento entre os dois tipos dessas frações. Afração alfa-1-globulina tem alterações transitórias e incons-

tantes, mesmo diante da persistência de processo ativo.Não apresentam valor prático.(9) As elevações da fraçãoalfa-2-globulina são constantes e tendem a se manterdurante toda a atividade reumática, sendo um indicadorsatisfatório da permanência da doença.(9)

Em resumo, na prática clínica aconselha-se a utili-zação rotineira das determinações da mucoproteína eda alfa-2-globulina do soro como provas realmente sa-tisfatórias no acompanhamento da evolução clínica depacientes com febre reumática aguda. Essa constata-ção só admite o término da “atividade” da doença quan-do da normalização de ambas as reações.

ALFA-1-GLICOPROTEÍNA ÁCIDA

A alfa-1-glicoproteína ácida seria outro componen-te mucoprotéico que se eleva em qualquer processoinflamatório agudo.(10) É um excelente antígeno, poden-do ser dosada por técnicas imunológicas e por turbidi-metria sem grandes dificuldades, fato esse que tempermitido em muitos centros clínicos substituir a dosa-gem de mucoproteínas, cujas técnicas são mais traba-lhosas e com possibilidade de erros.

LABORATORY IN RHEUMATIC FEVER

MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA

The purpose of this review is to assist the physician, during clinical practice, todeal with a suspicion of an acute case of rheumatic fever. Rheumatic fever oftenpresents with a wide spectrum of clinical symptoms, frequently unspecific or onlyslightly related to the inflammatory aspect of the disease. The laboratorial screeningis a very helpful tool in the differential diagnosis. Despite their lack of specificity, thelaboratorial tests and clinical presentation together frequently guide the clinician tothe diagnosis. The laboratorial exams also should be monitored to determine theevolution of clinical cases, as well as the eventual recurrence of symptoms

Key words: laboratory, rheumatic fever, inflammation, rheumatism, carditis.

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VIDOTTI MH e col.Valor dos exameslaboratoriais nodiagnóstico e

no seguimentode pacientes comfebre reumática

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PAZIN-FILHO A e cols.Papel da Dopplerecocardiografia nodiagnóstico e no

prognóstico da febrereumática aguda

INTRODUÇÃO

O acometimento cardíaco, que tem no processo in-flamatório valvar sua maior expressão, é a única mani-festação da febre reumática aguda que deixa seqüelastardias, determinando elevados índices de morbidadee de mortalidade dos pacientes acometidos. A preva-lência do acometimento cardíaco é variável, dependen-do da localização geográfica, da população sob estu-do e dos critérios utilizados para definir cardite. Classi-camente, o acometimento cardíaco corresponde a uma“pancardite”, embora a principal manifestação seja oacometimento valvar; esse envolvimento é caracteri-

PAPEL DA DOPPLER ECOCARDIOGRAFIANO DIAGNÓSTICO E NO PROGNÓSTICODA FEBRE REUMÁTICA AGUDA

ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL

Divisão de Cardiologia —Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto —Universidade de São Paulo — FMRP-USP

Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da FMRP-USP —Divisão de Cardiologia — Campus Universitário Monte Alegre —Ribeirão Preto — SP

A cardite é a única manifestação da febre reumática aguda que gera seqüelastardias para o paciente. Esse comprometimento é responsável pelos altos índicesde morbidade e de mortalidade da doença reumática do coração a longo prazo. ADoppler ecocardiografia contribui, nessa fase aguda, para a elucidação diagnóstica,a determinação da extensão do envolvimento cardíaco, a indicação de procedimen-tos cirúrgicos, bem como para o acompanhamento evolutivo dos pacientes. No en-tanto, o método, ao identificar acometimento cardíaco subclínico, oferece elementosmorfológicos e funcionais cuja interpretação é alvo de controvérsia. Esta revisãoprocura colocar esses pontos em perspectiva e propiciar melhor compreensão doreal papel do método nas avaliações diagnóstica e prognóstica dessa entidade no-sológica.

Palavras-chave: febre reumática aguda, Doppler ecocardiografia, diagnóstico.

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zado por achados clínicos que envolvem, basicamen-te, a detecção de sopro cardíaco decorrente de regur-gitação mitral ou aórtica, a percepção de atrito pericár-dico ou a ocorrência de insuficiência cardíaca de iníciorecente, sem outra explicação aparente. A introduçãoda Doppler ecocardiografia, na prática clínica, bemcomo sua ampla disseminação como método diagnós-tico, possibilitou sua incorporação na investigação clí-nica de casos agudos de febre reumática. A Dopplerecocardiografia: 1) contribui para o diagnóstico diferen-cial ao agregar informações anatômicas ou funcionaisapontando para outras causas que justifiquem as ma-nifestações clínicas; 2) permite a caracterização preci-

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prognóstico da febrereumática aguda

sa da extensão do envol-vimento cardíaco produzi-do pela doença; 3) auxiliana indicação de procedi-mentos cirúrgicos, nessafase aguda; e 4) ofereceinformações essenciais noacompanhamento evoluti-vo dos casos a longo pra-zo. No entanto, o método,ao identificar acometimen-to cardíaco subclínico, ofe-

rece elementos morfológicos e funcionais cuja inter-pretação é alvo de controvérsia. Esta revisão procuracolocar esses pontos em perspectiva e propiciar me-lhor compreensão do real papel do método na avalia-ção diagnóstica e prognóstica dessa entidade nosoló-gica.

DIFICULDADE DIAGNÓSTICA

O diagnóstico de cardite reumática, quando esseenvolvimento representa a única manifestação da do-ença, não é simples. Nesse contexto, mesmo os crité-rios de Jones, comumente aplicados para o diagnósti-co, não são capazes, em muitas situações, de oferecerelementos para um diagnóstico definitivo. Quando seconsidera a recorrência da cardite reumática, esse di-lema diagnóstico se torna ainda mais complexo(1).

A regurgitação valvar mitral e/ou aórtica representaa manifestação mais freqüente da cardite reumática,de tal modo que o acometimento cardíaco é raramentediagnosticado na ausência dessas manifestações. As-sim, do ponto de vista clínico, o exame físico cardio-vascular, principalmente a ausculta cardíaca, é o prin-cipal método de diagnóstico(2). Embora o exame físicocardiovascular seja um método custo-efetivo para aavaliação de cardiopatias, sua adequada utilização clí-nica depende de uma curva de aprendizado prolonga-da. Ao mesmo tempo, a mudança do perfil epidemioló-gico de acometimento cardiovascular em diversas po-pulações, em que se identifica declínio na incidênciade afecções valvares, faz com que o aprendizado des-se método diagnóstico fique comprometido e ainda maisdemorado. Paralelamente, verifica-se crescimento ex-pressivo da chamada “medicina defensiva”, que resul-ta da combinação de fatores diversos, incluindo: 1) aampla disponibilidade de métodos diagnósticos com-plementares; 2) a inadequada relação entre planos desaúde e os médicos a elas vinculados; e 3) a pressãoexercida pelo crescente número de processos judiciaisenvolvendo questões de responsabilidade profissional.Em conjunto, esses elementos contribuem para menorvalorização da semiologia cardiovascular como méto-do de investigação clínica. Nesse contexto, a Doppler

ecocardiografia, em face de sua ampla disponibilidadee da elevada sensibilidade na detecção de lesões val-vares, mesmo silentes do ponto de vista clínico, nãoestimula o aprimoramento do aprendizado em técni-cas de ausculta cardíaca.

Considerando essas limitações de ordem clínica, tor-na-se necessária e inevitável a utilização de métodosdiagnósticos auxiliares para caracterizar o envolvimentocardíaco da doença. Assim, algumas experiências ini-ciais realizadas com marcadores séricos de lesão mio-cárdica, como as troponinas(3, 4), não mostraram resul-tados promissores, indicando que o componente demiocardite é pouco expressivo. Os dados que confir-mam o acometimento valvar como principal responsá-vel pelas manifestações cardíacas da doença tornama Doppler ecocardiografia método essencial para iden-tificação desse envolvimento, principalmente quandosão considerados seu caráter não-invasivo, a crescen-te disponibilidade e o potencial para acompanhamentoevolutivo, ainda que essa técnica seja operador-depen-dente.

COMPARAÇÃO DA DOPPLER ECOCARDIOGRAFIACOM O EXAME FÍSICO

A prevalência de cardite clinicamente manifesta évariável de acordo com a casuística. Embora sejam re-latados valores entre 30% e 40% dos casos, em mé-dia, existem dados mostrando taxas próximas a 90%(5).A utilização da Doppler ecocardiografia em pacientescom manifestações sugestivas de febre reumática, po-rém sem manifestações clínicas inequívocas de cardi-te, permite identificar alterações funcionais compatíveiscom cardite em 15% a 20% dos casos, que são consi-derados subclínicos. Em um estudo multicêntrico, con-duzido no Estado de São Paulo, a prevalência de car-dite atingiu 50,4%, embora se identificasse a presençade alterações ecocardiográficas em mais de 18,3% dototal de casos, sem que esses pacientes demonstras-sem sinais clínicos evidentes de cardite(5). Detecção dealterações ecocardiográficas potencialmente atribuíveisa uma manifestação aguda de febre reumática, semmanifestação clínica concomitante de cardite, tem sidoidentificada em diversas séries da literatura, com ex-ceção da série de Vasan e colaboradores(6), que nãoidentificou alterações ecocardiográficas no grupo depacientes sem manifestações clínicas de cardite. Essadiscrepância tem sido explicada pelo fato de que empaíses em desenvolvimento, como a Índia, onde foiconduzido tal estudo, o comparecimento da populaçãoao serviço médico, geralmente, é mais tardio.(7) Emséries conduzidas nos países desenvolvidos, a detec-ção é mais precoce, bem como o acesso ao exameecocardiográfico, de modo que o seguimento evolutivoevidencia, naqueles pacientes sem sinais clínicos de

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prognóstico da febrereumática aguda

cardite na fase inicial doquadro, mas apresentandoalguma alteração ecocar-diográfica, o desenvolvi-mento mais tardio de ma-nifestações clínicas, namaioria desses pacientes.

PAPEL DA DOPPLERECOCARDIOGRAFIANO DIAGNÓSTICODE CARDITE SEMMANIFESTAÇÕESCLÍNICAS

Várias alterações morfológicas ou funcionais podemser identificadas pela Doppler ecocardiografia em pa-cientes com suspeita de febre reumática. Essas altera-ções não são específicas da febre reumática, podendoestar presentes em outras afecções. A detecção des-sas alterações contribui para tornar a hipótese clínicamais provável, mas nenhum dos achados é patogno-mônico. O estudo de Vasan e colaboradores(6) docu-mentou alterações nodulares nos folhetos valvares quepoderiam representar o equivalente ecocardiográficodos característicos nódulos de Aschoff. Esses acha-dos poderiam ser mais específicos, ao se correlacio-narem com alteração histopatológica reconhecidamenteassociada à febre reumática, porém seus achados nãoforam reproduzidos em outras séries.

Evidências de pericardite ou derrame pericárdico, es-pessamento valvar e a controversa depressão da funçãoventricular(3, 8 9), reportada em estudos mais antigos masnão confirmada em estudos mais recentes, são algunsexemplos das alterações ecocardiográficas que podemser encontradas, embora a detecção de regurgitaçõesvalvares se constitua no elemento fundamental para opotencial diagnóstico do método(1, 10, 11).

A Doppler ecocardiografia com mapeamento de flu-xo em cores é um método muito sensível para a detec-ção de regurgitações valvares. O exame permite iden-tificar regurgitações valvares associadas a pouca ex-pressão clínica, ainda que se deva registrar seu eleva-do potencial para identificação de regurgitações valva-res mínimas, mesmo em valvas estruturalmente nor-mais. Embora, para regurgitações valvares expressi-vas, num contexto clínico compatível, haja uma ten-dência natural a caracterizar a febre reumática comocausa dessa regurgitação, a elevada sensibilidade dométodo para detecção de regurgitações fisiológicascoloca em questão a possibilidade de detecção de ca-sos falsos positivos. Ou seja, quando se suspeita decardite reumática como manifestação isolada da febrereumática em paciente em quem se detecta, no estudoDoppler ecocardiográfico, a presença de mínima regur-

gitação valvar, como estabelecer a distinção entre umaregurgitação decorrente de agressão do endocárdiovalvar pela febre reumática e uma regurgitação fisioló-gica, silente do ponto de vista clínico, em pacientemanifestando quadro febril associado a outra etiologia?Essa preocupação influenciou a utilização de critériosmais específicos para se caracterizar regurgitações pa-tológicas (Tab. 1)(1, 2, 6, 12, 13). Minich e colaboradores(14)

avaliaram a capacidade do ecocardiograma em dife-renciar regurgitações patológicas de fisiológicas em 68pacientes com surto agudo de febre reumática utilizan-do os critérios expressos na Tabela 1. Encontraram es-pecificidade de 94% e valor preditivo positivo de 93%,o que levou os autores a concluir que o exame poderealizar essa diferenciação e a sugerir que o métododeveria ser incluído como critério menor para o diag-nóstico de casos suspeitos de febre reumática.

Tabela 1. Critérios Doppler ecocardiográficos utiliza-dos para definir uma regurgitação valvar como patoló-gica.

1. Presença de jato com mosaico (indicando fluxo caó-tico de alta velocidade) em pelo menos duas projeções,que se estenda além do plano valvar.2. Fluxo regurgitante detectável durante toda a sístole(para a regurgitação mitral) e durante toda a diástole(para a regurgitação aórtica) pelo Doppler pulsátil oucontínuo.3. Velocidade do jato regurgitante mensurada pelo Dop-pler pulsátil ou contínuo deve atingir valores próximosdos esperados pela equação de Bernoulli para gradi-ente entre o átrio e o ventrículo esquerdos.

Dois outros fatores complicam esse dilema. Em pri-meiro lugar, o grau de regurgitação valvar considerado“normal” aumenta com a idade. Em segundo lugar, des-conhece-se a freqüência e o grau de regurgitação val-var, sem expressão clínica, que podem ser detectadosem outras afecções que acometem crianças febris,como miocardite viral, endocardite e lúpus eritematososistêmico. Thomson e colaboradores(15) avaliaram 329voluntários normais para estudar a prevalência e ascaracterísticas de regurgitações valvares esquerdas.Nesse estudo, a regurgitação mitral teve prevalênciade 1,87% dos casos, nunca ocorrendo antes dos 7 anosde idade e apresentando algumas características par-ticulares: 1) duração holossistólica; 2) curta extensão(próximo aos folhetos da valva mitral); e 3) área do jatoem torno de 1,4 cm². Por outro lado, a regurgitaçãoaórtica foi rara. Esses dados confirmam a influência daidade na avaliação de regurgitação valvar e colocam apresença de regurgitação mitral como principal fator

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prognóstico da febrereumática aguda

complicador no diagnósti-co diferencial com regurgi-tações fisiológicas.

O uso de estudos Dop-pler ecocardiográficos se-riados tem sido propostocomo alternativa para fa-cilitar a diferenciação en-tre alterações fisiológicase alterações patológicasincipientes. Embora a de-tecção de anormalidades

persistentes, envolvimento de múltiplas valvas e pro-gressão da doença possa ampliar a especificidade dosachados ecocardiográficos, os estudos seriados podemretardar o diagnóstico.

IMPACTO DA DETECÇÃO DECARDITE SUBCLÍNICA

A presença de manifestações clínicas de cardite reu-mática tem impacto sobre a conduta terapêutica, impli-cando a indicação de corticosteróides, bem como so-

Tabela 2. Prevalência de cardite clínica e subclínica, tempo de seguimento e persistência das lesões documen-tadas pela Doppler ecocardiografia em estudos clínicos que avaliaram a evolução de pacientes com carditereumática subclínica no primeiro episódio.

Cardite Cardite PersistênciaEstudo n clínica (%) subclínica (%) Seguimento das lesões

Figueroa 35 15 (43%) 10 (29%) 1 (32) e 5 (17) anos 3 em 6 avaliadose cols.(16) com 5 anos de

evolução (50%)Hilário 22 8 (36,4%) 2 (14,3%) 3, 6 e 24 meses 3 (60%)e cols.(17) Fase inicial

5 (35%)3 meses

Ozkutlu 26 — 14 (53,8%) 1 a 10 meses 10 (71,4%)e cols.(9) (média 4,52 meses);

seguimentoecocardiográfico acada 2 semanas nospacientes com cardite

Lanna 40 70% 2 (16,7%) 8,1 anos ± 0,6 ano 2 (100%)e cols.(18) Fase inicial (7,7-9,7 anos);

seguimento com1, 3 e 6 mesesinicialmente eanualmente após

Ozkutlu 40 — 40 (100%) 18,1 + 13,9 meses 17 (42,5%)e cols.(19)

n = número de pacientes

bre o prognóstico a longo prazo, uma vez que uma pro-porção desses pacientes irá desenvolver lesões valva-res residuais. Já a presença de cardite subclínica temimplicações terapêuticas e prognósticas menos esta-belecidas e ainda debatidas na literatura.

A análise do impacto prognóstico fica bastante pre-judicada, por um lado, porque múltiplos estudos reali-zados na literatura, quando não se dispunha do estudoDoppler ecocardiográfico, não foram capazes de esta-belecer o diagnóstico de cardite reumática subclínica.Isso fez com que esses pacientes fossem incluídos nogrupo sem evidências de cardite, mostrando bom prog-nóstico durante a evolução. Esse bom prognóstico po-deria, assim, ser, em parte, atribuído à possível resolu-ção espontânea dessas alterações ecocardiográficasdurante a evolução do quadro, o que tem determinadoo questionamento desses dados (Tab. 2).

Figueroa e colaboradores(16) estudaram 35 pacien-tes com diagnóstico de surto agudo de febre reumáti-ca utilizando os critérios modificados de Jones, sub-metendo-os a avaliação clínica e Doppler ecocardio-gráfica. Esses pacientes foram acompanhados, repe-tindo a avaliação com um ano (32 pacientes) e cinco

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anos (17 pacientes) deevolução. Dos pacientesavaliados inicialmente,29% apresentavam cardi-te subclínica, diagnostica-da pela presença de regur-gitação valvar ou aórticautilizando os critérios daTabela 1, e essas altera-ções ainda estavam pre-sentes em aproximada-mente 50% dos casos ao

final de um ano e cinco anos de evolução. Essa propor-ção foi semelhante à encontrada nos casos que se apre-sentaram com cardite manifesta clinicamente duranteo surto inicial. Como esse estudo não utilizou os dadosecocardiográficos para intervenção sobre a conduta dosurto agudo, nem para profilaxia de novos surtos, nãose podem extrair conclusões sobre a importância dadetecção precoce dessas alterações.

Em estudo similar em nosso meio, Hilario e colabo-radores(17) acompanharam 22 pacientes com surto agu-do de febre reumática, diagnosticados pelos critériosmodificados de Jones, que foram submetidos a avalia-ção clínico-laboratorial e Doppler ecocardiográfica naadmissão, e no terceiro, no sexto e no vigésimo quartomeses de evolução. Esses autores observaram carditesubclínica em 14,3% dos casos na admissão, com au-mento posterior para 35,7% no terceiro mês de evolu-ção e persistência das alterações encontradas em 60%dos pacientes no vigésimo quarto mês de acompanha-mento.

Ozkutlu e colaboradores(9) realizaram estudo envol-vedo 26 pacientes com diagnóstico de surto agudo defebre reumática pelos critérios modificados de Jones,sem documentar evidências clínicas de cardite, masreportando sinais ecocardiográficos de regurgitaçãovalvar em 53,8% dos pacientes na fase inicial. Duranteo seguimento médio de 4,52 meses, notou-se persis-tência das lesões em 71,4% dos casos. Outro estudodo mesmo autor(18), envolvendo o seguimento de 40pacientes com cardite subclínica por um período de18,1 + 13,9 meses, documentou persistência das le-sões ecocardiográficas em 42,5% dos casos.

O estudo de Lanna e colaboradores(18), realizado emMinas Gerais, é o que dispõe do maior tempo de se-guimento. Foram acompanhados 40 pacientes com di-agnóstico de primeiro surto agudo de febre reumáticade acordo com os critérios de Jones modificados e re-alizado o acompanhamento clínico-laboratorial e eco-cardiográfico por um tempo médio de 8,1 + 0,6 anos. Éimportante registrar, nesse estudo, a documentação deespessamento valvar como um achado freqüente en-

tre os pacientes com acometimento cardíaco, clínicoou subclínico, sugerindo sua inclusão como um fator aser observado no diagnóstico diferencial de regurgita-ções fisiológicas. Apesar de a cardite subclínica ter sidodocumentada em cerca de 16,7%, essa proporção re-fere-se a apenas dois pacientes, o que, sem dúvida,caracteriza uma limitação desse estudo, de tal modoque a persistência das lesões em 100% dos casos, aofinal do seguimento, pode representar um efeito dessalimitação.

Considerados em conjunto, esses estudos questio-nam a percepção, então prevalente, de que as regurgi-tações valvares documentadas nos pacientes com surtoagudo de febre reumática, sem manifestações clínicascardíacas, desapareceriam na maioria dos casos du-rante a evolução, uma vez que isso não ocorreu emuma proporção de 40% a 70% dos casos. Estudos en-globando maior número de pacientes e com seguimentomais prolongado ainda são necessários para se docu-mentar o real valor diagnóstico e prognóstico dessemétodo na febre reumática, especialmente nessesubgrupo de pacientes. Não obstante os autores dosdiversos trabalhos citados argumentem a favor da in-clusão dos achados ecocardiográficos entre os critéri-os diagnósticos de febre reumática, a última revisãodos critérios de Jones(1), anterior a alguns dos traba-lhos mencionados, frente à luz dos dados disponíveis,manteve a disposição anterior de não utilizar os dadosecocardiográficos entre os critérios diagnósticos.

Um impacto clínico potencial da detecção de alte-rações ecocardiográficas subclínicas, em pacientescom suspeita de febre reumática, poderia envolver aestratégia de profilaxia, uma vez que pacientes commanifestações cardíacas da doença poderiam receberindicação de profilaxia por tempo mais prolongado. Em-bora a base racional dessa hipótese seja razoável, nãoexistem evidências suficientes para suportá-la.

CONCLUSÃO

A Doppler ecocardiografia é uma técnica não-invasivaque vem ampliando seu espectro de indicações na avali-ação diagnóstica e prognóstica dos surtos agudos de fe-bre reumática. Embora apresente potencial para supriras limitações da avaliação clínico-laboratorial, descrita noscritérios modificados de Jones, existem ainda lacunas nacaracterização ecocardiográfica do envolvimento cardía-co da febre reumática, especialmente quando se consi-dera o seguimento a longo prazo. A utilização rotineira datécnica em casos suspeitos de surto agudo de febre reu-mática tem sido recomendada por vários autores na lite-ratura, muito embora não tenha sido incluída na últimarevisão dos critérios de Jones.

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ROLE OF THE DOPPLER ECHOCARDIOGRAPHYIN THE EVALUATION OF PATIENTSWITH ACUTE RHEUMATIC FEVER

ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL

Cardiac involvement in rheumatic fever is the sole clinical manifestation whichimplies in sequela and it is responsible for the disease high morbidity and mortality.Doppler echocardiography contributes for the differential diagnosis, evaluate the ex-tension of the cardiac involvement and helps in surgical indication and follow up.Nevertheless, the characterization of subclinical involvement is controversial. Thisrevision looks forward to characterize the potential role of the Doppler echocardio-graphy in the evaluation of patients with acute rheumatic fever.

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febre reumática

INTRODUÇÃO

Uma vez estabelecido o diagnóstico de febre reu-mática, a terapêutica envolve três fases que, de modogeral, são realizadas de forma simultânea:— profilaxia primária ou erradicação do foco;— tratamento sintomático;— profilaxia secundária ou prevenção das recorrências.

PROFILAXIA PRIMÁRIA OU ERRADICAÇÃODO FOCO

O objetivo da profilaxia primária é erradicar o es-

TRATAMENTO CLÍNICO DA FEBRE REUMÁTICA

MARIA HELENA B. KISS

Departamento de Pediatria —Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Itápolis, 1624 — CEP 01245-000 —São Paulo — SP

O tratamento de pacientes com febre reumática compreende três fases: a profilaxiaprimária ou erradicação dos estreptococos da orofaringe, o tratamento sintomático dasmanifestações clínicas, e a profilaxia secundária ou prevenção de novos surtos. Para aprofilaxia primária, a droga de escolha é a penicilina; em pacientes alérgicos à penicili-na, a primeira opção é a eritromicina. As vantagens da penicilina benzatina são enfatiza-das e a utilização de outros antibióticos como as cefalosporinas e azitromicina deve serevitada, pelo risco de desenvolvimento de resistência bacteriana. A artrite da febre reu-mática deve ser tratada com antiinflamatórios não-hormonais, como o ácido acetilsalicí-lico e o naproxeno, durante quatro a seis semanas. A cardite deve ser tratada comprednisona na dose inicial de 2 mg/kg/dia, com reduções progressivas, dependentes daevolução, até completar 12 semanas. O uso de corticosteróides por via oral ou parente-ral e de gamaglobulina não interfere no prognóstico da cardite. Para o tratamento dacoréia utilizam-se o haloperidol ou os valproatos. Os barbitúricos, a prednisona em altasdoses e a carbamazepina apresentam eficácias comparáveis. A profilaxia secundáriadeve ser realizada com a penicilina benzatina e, nos casos de alergia à penicilina, coma sulfadiazina ou a eritromicina. Doses de 1.200.000 U devem ser recomendadas eadministradas a cada três semanas. A profilaxia secundária deve se estender até os 18anos ou, no mínimo, durante cinco anos em pacientes sem cardite. A presença de car-dite indica a profilaxia durante a vida inteira ou pelo menos até os 25 anos e no mínimodurante dez anos.

Palavras-chave: profilaxia primária, artrite, cardite, coréia, profilaxia secundária.

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treptococo beta-hemolítico da orofaringe do pacientecom febre reumática. Para tanto é necessária a utiliza-ção de um antibiótico com eficácia clínica e bacterioló-gica comprovada, utilizado em regime terapêutico defácil aderência, com baixo custo, espectro de atividadeadequado e efeitos colaterais mínimos. É importanteenfatizar que nenhum antibiótico isoladamente erradi-ca o estreptococo da orofaringe de 100% dos pacien-tes tratados(1-4).

Levando em conta os aspectos acima menciona-dos, o antibiótico de escolha para a profilaxia primáriaainda é a penicilina e nos casos de alergia, a eritromi-cina permanece como primeira alternativa (Tab. 1).

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Ambos os antibióticos de-vem estar presentes em ní-veis tissulares adequadosdurante dez dias para a ob-tenção de taxas máximasde cura (erradicação do es-treptococo da orofaringe).

A penicilina benzatinaem dose única, intramuscu-lar, é suficiente para a erra-dicação do estreptococo da

— interferência bacteriana — antibióticos orais, em espe-cial a penicilina V, podem alterar a flora bacteriana nor-mal da orofaringe, cujo equilíbrio (por exemplo, pre-sença do Streptococcus viridans) parece ser impor-tante na defesa contra o estreptococo.Apesar desses fatos, o uso continuado da penicilina

nos últimos 40 anos não se acompanhou de aumento dataxa de falhas bacteriológicas e os escapes bacteriológi-cos observados após tratamento com penicilina não esti-veram associados a complicações supurativas ou não-supurativas(8).

Tabela 1. Profilaxia primária da febre reumática(2, 5).

Droga Dose Duração

Penicilina benzatina 600.000 (≤ 25 kg) Única(intramuscular) 1.200.000 (> 25 kg)

OUPenicilina V oral 250 mg 2-3 x dia (≤ 25 kg) 10 dias

500 mg 2-3 x dia (> 25 kg)Para indivíduos alérgicos à penicilinaEstolato de eritromicina 20-40 mg/kg/dia, 2-4 x dia 10 dias(oral) (máximo — 1g)Etilsucinato de eritromicina 40 mg/kg/dia, 2-4 x dia 10 dias(oral) (máximo — 1g)

orofaringe, com custo extremamente acessível. Infelizmen-te, os temores às reações de hipersensibilidade (de modogeral, superdimensionados e infundados), a administra-ção parenteral bastante dolorosa da medicação e o sur-gimento de novos antibióticos determinaram a acentua-da diminuição de sua indicação pelos médicos e de suaaceitação pelos pacientes e seus familiares(5).

A lidocaína a 1% utilizada como diluente para admi-nistração da penicilina benzatina não modifica sua con-centração sérica e reduz de maneira significativa a dorlocal(6).

Outras penicilinas orais, como a ampicilina e a amoxi-cilina isolada ou associada ao ácido clavulânico, adminis-tradas durante dez dias apresentam eficácias iguais ousuperiores às da penicilina V em relação à erradicaçãodo estreptococo.

Recentemente, alguns fatores vêm sendo identifica-dos como responsáveis por casos de respostas inade-quadas ao uso das penicilinas(7):— inativação da penicilina por bactérias produtoras de

betalactamase — o Staphylococcus aureus, o Bacte-roides fragilis e, mais recentemente, a Moraxella ca-tarrhalis são exemplos importantes de bactérias daorofaringe produtoras de betalactamase;

Outros antibióticos, como as cefalosporinas e os ma-crolídeos (claritromicina, azitromicina), vêm sendo pro-postos como alternativas às penicilinas(9-11). Alguns estu-dos demonstram eficácias adequadas na erradicação doestreptococo da orofaringe com cursos de cinco dias decefdimir, cefpodoxime e azitromicina(1, 12, 13). Esses antibi-óticos, porém, não devem ser considerados como drogasde primeira escolha para a profilaxia primária. São dro-gas de custos elevados, com efeitos colaterais freqüen-tes, especialmente para o trato gastrointestinal, e cujo usoindiscriminado pode levar ao rápido aumento da resistên-cia bacteriana, o que já vem ocorrendo com a azitromici-na, ampliando as dificuldades para o tratamento de paci-entes alérgicos à penicilina.

Antibióticos bacteriostáticos como cloranfenicol, tetra-ciclinas e sulfas não erradicam o estreptococo da orofa-ringe, e, portanto, não são indicados para a profilaxia pri-mária.

Concluindo, a penicilina benzatina mantém-se comoa melhor opção para a profilaxia primária da febre reumá-tica; quando sua utilização não for possível pelas váriasrazões citadas anteriormente, é importante que a esco-lha seja direcionada para antibióticos bactericidas para oestreptococo, com espectros de ação reduzidos (menor

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possibilidade de surgimen-to de resistência bacteria-na), boa tolerância, esque-ma posológico confortável ebaixo custo.

Contactantes domicilia-res de um caso de febrereumática devem ser sub-metidos a cultura de orofa-ringe e tratados quando oresultado for positivo. Mui-tas vezes, pela dificuldade

em realizar culturas, a profilaxia primária é recomendadapara todos os contactantes domiciliares, especialmentecrianças em idade escolar e adolescentes(2, 4).

Amigdalectomia não tem indicação em pacientes reu-máticos com o objetivo de diminuir a freqüência das in-fecções estreptocócicas e, portanto, as recorrências dafebre reumática(2).

TRATAMENTO SINTOMÁTICO

Terapêutica antiinflamatóriaAntiinflamatórios não-hormonais

De forma geral, os antiinflamatórios não-hormonaissão excelentes para o controle da febre e da artrite e suasindicações na febre reumática estão limitadas aos casosque não apresentam evidências de cardite, uma vez quena presença de envolvimento cardíaco existe indicaçãoao uso de corticosteróide, tornando desnecessária a in-trodução simultânea de antiinflamatório não-hormonal.

O ácido acetilsalicílico costuma ter efeito dramáticona inflamação articular, com desaparecimento dos sinaise sintomas em 24 a 48 horas. Outros antiinflamatóriosnão-hormonais, como o naproxeno, parecem ser segu-ros e igualmente eficazes.(14)

É nossa experiência que a poliartrite migratória carac-terística da febre reumática responde muito bem ao usode ácido acetilsalicílico ou naproxeno, com melhora rápi-da do processo inflamatório. No entanto, os quadros arti-culares atípicos, mais prolongados, também observadosna febre reumática, podem não responder adequadamen-te aos salicilatos e ao naproxeno, constatando-se melho-res resultados com o uso de indometacina (Tab. 2).

Crianças com quadros articulares mal caracterizados,em fases muito iniciais, poderão ser tratadas com anal-gésicos, como o acetaminofen, de modo a permitir me-lhor caracterização do quadro articular e, conseqüente-mente, diagnóstico e tratamento mais adequados.

Como os antiinflamatórios não-hormonais são sinto-máticos e não interferem no curso da febre reumática, aduração do tratamento deve ser estimada de modo a co-brir o período de atividade da doença, em geral, com du-ração de seis a 12 semanas(15). Na ausência de cardite, otratamento com antiinflamatório não-hormonal deve ser

mantido por seis semanas, mas poderá ser diminuídodesde que as provas de atividade inflamatória (proteínaC-reativa e velocidade de hemossedimentação) estejamnormais.

CORTICOSTERÓIDES

Utilizados em todas as crianças com comprometimentocardíaco. O corticosteróide de escolha é habitualmente aprednisona, utilizada inicialmente em dose alta e fracio-nada. Com a melhora dos sintomas e/ou tendência à nor-malização das provas de atividade inflamatória (aproxi-madamente duas semanas), passa-se para dose únicapela manhã até completar um mês; a seguir, inicia-se re-dução lenta até a retirada completa da droga em cercade 12 semanas, tempo médio de duração do surto decardite.

O uso de corticosteróide para o tratamento da febrereumática é antigo(16) e, ao longo dos anos, vários estu-dos prospectivos(17) ou baseados em análises de bancosde dados(18) não conseguiram demonstrar superioridadeevidente dos corticóides em reduzir o risco de lesão val-var ou a duração da doença aguda. Sua utilização nacardite prende-se a sua ação como antiinflamatório dealta potência, existindo estudos que sugerem o uso deantiinflamatórios não-hormonais (ácido acetilsalicílico)para os casos de cardites leves, com bons resultados(19).

A pulsoterapia com metilprednisolona, na dose de 30mg/kg/dose, máximo de 1 g, por três a quatro dias conse-cutivos e eventual repetição, vem sendo utilizada para otratamento das cardites graves. E apesar da melhora la-boratorial não diferir da observada com o uso de predni-sona, a melhora clínica parece ser mais rápida e o perío-do de internação hospitalar menor(20).

O uso de gamaglobulina por via endovenosa para otratamento da cardite apresenta resultados semelhantesaos observados com os corticosteróides e a exemplodestes não reduz o risco de lesão cardíaca em segui-mentos de um ano(21). Para crianças com comprometi-mento cardíaco, orienta-se o repouso no leito ou a limita-ção das atividades físicas, por períodos variáveis (um aseis meses), dependendo da gravidade da cardite.

Diuréticos, digitálicos, e restrição tanto hídrica comosódica poderão ser necessários em casos de insuficiên-cia cardíaca.

TRATAMENTO DA CORÉIA

Pacientes com coréia devem ser mantidos em am-bientes tranqüilos, com poucos estímulos externos.Várias drogas, como tranqüilizantes e sedativos, po-derão ser utilizadas de forma isolada ou em associa-ção.

Em nossa experiência, o haloperidol é a melhor op-ção terapêutica no controle sintomático dos movimen-

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Tabela 2. Tratamento sintomático das manifestações clínicas da febre reumática.

Manifestação Tratamento Duração*

Artrite Ácido acetilsalicílico: 80 mg/kg/dia a 4-6 semanas100 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h, ouNaproxeno: 15 mg/kg/dia, 4-6 semanasvia oral, 12 h/12 h, ouIndometacina: 2 mg/kg/dia a 4-6 semanas3 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h

Cardite Prednisona:— 1 mg/kg/dia a 2 mg/kg/dia, 2 semanas**via oral, 6 h/6 hA seguir— 1 mg/kg/dia a 2 mg/kg/dia, 2 semanasvia oral, dose únicaA seguir— redução gradual (+ 20% por 8 semanassemana) até suspensão

Coréia Haloperidol: iniciar com 2 mg/dia, 8-12 semanasvia oral, 12 h/12 h. Na ausência deresposta após 72 h, aumentar1 mg/dia até 4-6 mg/dia. Cautelacom sinais de impregnação, ouÁcido valpróico: 20 mg/kg/dia a 8-12 semanas40 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 hou 8 h/8 h, ouFenobarbital: 5 mg/kg/dia a 8-12 semanas7 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h ou 8 h/8 h

* A duração total do tratamento poderá variar, dependendo do quadro clínico e das provas de atividade inflama-tória.** Duração total do tratamento da cardite = 12 semanas.

tos coréicos, com melho-ra clínica após 5,6 dias emmédia e desaparecimentodos sinais em 37 dias(22),permitindo à criança o re-torno mais rápido às ativi-dades diárias. Apesar denão serem observadas re-ações graves ou irreversí-veis associadas ao uso de

haloperidol, é preciso ter cautela na sua administra-ção. E quando doses superiores a 5 mg/dia forem ne-cessárias, é recomendável a monitorização contínuaem ambiente hospitalar, pelos riscos de impregnação.

O ácido valpróico pode ser uma alternativa terapêu-tica válida para crianças que apresentem toxicidade ouque não podem ser supervisionadas durante a admi-

nistração do haloperidol. O tempo de resposta é dis-cretamente maior e apesar da possível hepatotoxici-dade, em geral, nenhuma complicação importante estáassociada ao uso da droga(5).

Carbamazepina na dose de 4 mg/kg/dia a 10 mg/kg/dia acompanhou-se de melhora clínica evidente apósdois a 14 dias, com desaparecimento da coréia em duasa 12 semanas e duração total do tratamento de um a15 meses, desacompanhada de efeitos colaterais(23).

O uso de prednisona em altas doses (2 mg/kg/dia)

durante quatro semanas em crianças com coréia mos-trou-se eficaz na redução da intensidade e da duraçãodos sintomas, mas não impediu as recidivas(24).

PROFILAXIA SECUNDÁRIA

Independentemente da gravidade do surto inicial,

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pacientes portadores defebre reumática apresen-tam riscos elevados (20%a 50%) de recorrência dadoença após infecções es-treptocócicas de orofarin-ge. Novos surtos de ativi-dade da doença poderãoagravar lesões cardíacaspreexistentes ou propiciarseu surgimento, razãopela qual a profilaxia se-

cundária é obrigatória e seu objetivo básico é preveniro aparecimento de infecções estreptocócicas de orofa-ringe e, portanto, impedir as recorrências de febre reu-mática(3, 15).

Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para aprofilaxia secundária é a penicilina benzatina, por sera que fornece proteção mais efetiva contra a faringoa-migdalite estreptocócica e contra recorrências de fe-bre reumática, quando comparada a outras drogas,como, por exemplo, a penicilina oral ou a sulfadiazina(2, 15).

Dúvidas quanto a intervalos de administração dadroga, dose e duração da profilaxia vêm sendo discuti-das ao longo dos anos e várias controvérsias persis-tem.

O estreptococo beta-hemolítico do grupo A apre-senta sensibilidade elevada e mantida a níveis muitobaixos de penicilina, não havendo descrição do surgi-mento de cepas resistentes na atualidade. Para umaprofilaxia secundária adequada, os níveis séricos depenicilina benzatina devem ser mantidos acima de 0,02µg/ml.

Com a utilização de 1.200.000 U de penicilina ben-zatina a cada quatro semanas, a taxa de recorrênciada febre reumática situa-se entre 5% e 8% em segui-mentos de cinco a seis anos, sendo esta a principalrazão para a Organização Mundial da Saúde e a Asso-ciação Americana de Cardiologia recomendarem o usode penicilina benzatina a cada três semanas para otratamento profilático da febre reumática, em países

em desenvolvimento, como o Brasil(2, 3, 25) (Tab. 3).Vários estudos(26-32) corroboram essa orientação, de-

monstrando de forma inegável a superioridade do es-quema a cada três semanas quando comparado ao dequatro semanas.

Alguns estudos(33, 34) propostos para avaliar a farma-cocinética da penicilina benzatina determinaram os ní-veis séricos da droga nos dias 1, 3, 10, 21 e 28 apósinjeção intramuscular de 1.200.000 U, demonstrandoque após três semanas os níveis séricos eram iguaisou superiores a 0,02 µg/ml em todos os pacientes eapós quatro semanas, em apenas 44%.

Comparações entre esquemas de duas e de quatrosemanas mostram taxas de infecções estreptocócicasde orofaringe semelhantes nos dois grupos e taxas derecorrências da febre reumática de 0,06 paciente/anoe 0,12 paciente/ano, respectivamente(35). Esse estudonão incluiu o esquema de três semanas para análisecomparativa.

Em nossa experiência, a comparação, durante cin-co anos, entre os intervalos de duas e de três sema-nas para a profilaxia secundária não mostrou diferen-ças quanto às taxas de recorrência da febre reumáti-ca.

Estudos preliminares demonstraram que com umaúnica injeção intramuscular de 600.000 U, níveis séri-cos baixos de penicilina poderiam ser detectados por10 a 14 dias, e que com doses de 1.200.000 U os ní-veis séricos persistiam por três a quatro semanas(29).

Vários outros estudos também demonstram que osníveis séricos da penicilina benzatina e mesmo a ma-nutenção desses níveis variam segundo a dose de pe-nicilina administrada(29, 36, 37), referindo-se que com do-ses de 1.800.000 ou 2.400.000, níveis séricos adequa-dos poderiam ser mantidos mesmo após quatro sema-nas. Com base nesses estudos, sugere-se que a dosepreconizada de penicilina benzatina deva ser de pelomenos 1.200.000 U, mesmo para crianças, porque ascrianças com febre reumática são, em sua maioria, es-colares com pesos superiores a 25 kg, ressaltando-seque o cálculo da dose de penicilina para crianças é de

Tabela 3. Profilaxia secundária ou prevenção das recorrências de febre reumática.

Droga Dose Administração

Penicilina benzatina 1.200.000 U Intramuscular a cadatrês semanas

Penicilina V 250 mg 2x dia Oral, diáriaPara indivíduos alérgicos à penicilinaSulfadiazina 500 mg/dia (< 27 kg) Oral, diária

1 g/dia (> 27 kg)Eritromicina 250 mg 2x dia Oral, diária

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50.000 U/kg.A duração da profilaxia

secundária baseia-se prin-cipalmente na presençaou na ausência de cardite.Segundo a AssociaçãoAmericana de Cardiologia,pacientes que tiveram car-dite devem manter a profi-laxia durante a vida inteirae aqueles que não tiveramcardite devem manter a

profilaxia até 18 anos e pelo menos durante cinco anosapós o último surto(2, 3).

Pacientes com regurgitação mitral leve ou carditecurada e baixo risco de contato com o estreptococopoderão suspender a profilaxia com 25 anos e após 10anos do último surto(38).

Dessa forma, a duração da profilaxia secundária ésempre prolongada e sua eventual suspensão develevar em conta os fatores de risco de recorrência decada paciente (idade, risco profissional de exposiçãoao estreptococo, condições socioeconômicas, etc.), apresença de cardite e sua gravidade, e, ainda, o fatode as recorrências ocorrerem principalmente nos cin-co primeiros anos após o surto da doença(8, 15, 39).

A profilaxia secundária realizada com penicilina oralou outras drogas, como as sulfas e a eritromicina, emgeral não apresenta boa eficácia, basicamente pelasbaixas taxas de aderência. Contudo, mesmo com boaaderência, o risco de recorrência é maior com a profi-laxia oral, habitualmente não recomendada.

A baixa aderência ao tratamento parece ser a prin-cipal causa de recorrência da febre reumática. Algunsfatores de risco devem ser considerados(15):— adolescência;— data do último surto (quanto maior o intervalo de

tempo após o surto, menor a aderência);— baixo nível socioeconômico;— baixo nível cultural da família;— ausência de hospitalização no surto agudo;

— comparecimento às consultas médicas desacompa-nhado dos pais ou responsáveis.

PROFILAXIA DA ENDOCARDITE BACTERIANA

Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacien-tes com cardiopatia reumática devem ser acompanha-dos por doses suplementares de antibióticos. As reco-mendações variam de acordo com o procedimento ecom a idade do paciente. Para a profilaxia do Strepto-coccus viridans, responsável por 50% a 75% das in-fecções endocárdicas, recomenda-se a utilização daamoxicilina uma hora antes e seis horas após o proce-dimento(2, 40).

ALERGIA À PENICILINA

Alergia à penicilina é rara. Estudos em populaçõesmilitares demonstram incidências de 0,8%, sendo asreações em crianças ainda mais raras(2-4). O Grupo In-ternacional de Estudos em Febre Reumática coloca afreqüência de reações alérgicas à penicilina benzatinaem 3,2% e a anafilaxia em 0,2%, considerando aindaque reações alérgicas graves são raras em pacientesem profilaxia prolongada e os benefícios sempre su-peram os riscos(41). Na ausência de reações após a pri-meira aplicação de penicilina benzatina, a presença dereações à segunda dose é extremamente rara, quan-do esta for administrada um a dois meses após a doseanterior.

Testes cutâneos para detecção de alergia à peni-cilina costumam ser inadequados, pela não utiliza-ção dos determinantes antigênicos primários ou mes-mo secundários da penicilina e, ainda, por erros téc-nicos. A utilização prévia de penicilina pelo pacientee a informação de alergia nos familiares são dadosimportantes na caracterização da provável alergia ea primeira aplicação da penicilina benzatina deve serrealizada em local com disponibilidade de recursospara atendimento imediato de reações alérgicas gra-ves.

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CLINICAL TREATMENT OF RHEUMATIC FEVER

MARIA HELENA B. KISS

Treatment of rheumatic fever patients involves three phases: primary prophylaxisor eradication of streptococcus from throat, symptomatic treatment of clinical featu-res, and secondary prophylaxis or prevention of recurrences. For primary prophyla-xis, penicillin is the drug of choice and in cases of allergy, erythromicin is the firstoption. The advantages of benzathine penicillin G are emphasized and the utilizationof cephalosporins or azithromycin should be avoided for the risk of increasing resis-tance. Rheumatic fever arthritis should be treated with non steroidal anti-inflamma-tory drugs, such as acetil-salycilic acid or naproxen for four to six weeks. Carditisshould be treated with prednisone, at initial dosis of 2 mg/kg/day with progressivereductions based on evolutive parameters until 12 weeks . Oral or parenteral corti-costeroids and gamaglobulin don’t seem to affect carditis prognosis. Chorea treat-ment is based on the use of haloperidol or valproates. Barbiturics, high dosis ofprednisone and carbazepine present similar results. Secondary prophylaxis shouldbe performed with benzathine penicillin G and, in cases of allergy, with sulfadiazineor erythromycin. Dosis of 1 200 000 U should be recommended each three weeks,until 18 years and for a minimum of five years in patients without carditis. In thepresence of carditis, prophylaxis should be recommended for life or at least until 25years or 10 years after the rheumatic fever attack.

Key words: primary prophylaxis, arthritis, carditis, chorea, secondary prophylaxis.

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Cardite reumática:peculiaridadesdiagnósticas eterapêuticas

INTRODUÇÃO

A febre reumática é uma doença sistêmica, do teci-do conjuntivo, de natureza inflamatória, não-supurati-va, desencadeada em geral uma a duas semanas apósinfecção da orofaringe pelo estreptococo ß-hemolíticodo grupo A de Lancefield nos indivíduos suscetíveis.Caracteriza-se pela inflamação transitória e recorrente

CARDITE REUMÁTICA: PECULIARIDADESDIAGNÓSTICAS E TERAPÊUTICAS

MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO

Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Napoleão de Barros, 715 —Vila Clementino — CEP 04024-002 — São Paulo — SP

A febre reumática é uma doença sistêmica inflamatória, não-supurativa, do teci-do conjuntivo, de natureza auto-imune, desencadeada por infecção da orofaringepelo estreptococo ß-hemolítico do grupo A de Lancefield em indivíduos suscetíveis.Dentre os órgãos que podem ser acometidos inicialmente pela doença, o coração éo único que pode evoluir com seqüela. Reconhecida como uma doença dos paísesem desenvolvimento, ainda representa para os brasileiros um dos mais sérios pro-blemas de saúde pública, sendo a principal responsável pelas admissões hospitala-res decorrentes de problemas cardiovasculares em indivíduos com menos de 40anos de idade. A cardite reumática manifesta-se cerca de quatro semanas após osurto infeccioso e pode variar amplamente em sua manifestação clínica, desde asformas inaparentes até repercussões hemodinâmicas graves, com insuficiência car-díaca congestiva refratária ao tratamento habitual. A cardite subclínica representa oprincipal desafio diagnóstico, uma vez que pode passar despercebida e resultar emseqüelas cardíacas importantes. As provas laboratoriais inespecíficas não auxiliamna diferenciação com outras doenças inflamatórias de etiologia imunológica. Poroutro lado, não existe cardite em atividade sem provas laboratoriais alteradas. Dosexames complementares, o ecocardiograma Doppler, aliado à clínica, desempenhao papel mais importante no diagnóstico e sua inclusão nos critérios diagnósticos deJones está sendo universalmente cogitado. Quanto ao tratamento, a erradicaçãoprimária e a prevenção da estreptococcia com penicilina benzatina ainda represen-tam os meios mais eficazes no controle da doença. A corticoterapia oral com predni-sona continua sendo o tratamento de escolha da cardite. A pulsoterapia com metil-prednisolona é uma alternativa de tratamento para os casos graves, refratários aocorticóide oral.

Palavras-chave: febre reumática, cardite, ecocardiografia, corticosteróides.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:71-8)RSCESP (72594)-1510

em diversos órgãos como coração, articulações, pele,tecido celular subcutâneo e sistema nervoso central.Entretanto, a cardite é a única manifestação que podelevar a danos permanentes. O diagnóstico de febre reu-mática constitui um grande desafio para cardiologistase pediatras dada a grande semelhança clínica comoutras doenças reumáticas e não-reumáticas, e por nãodispormos de provas laboratoriais específicas(1, 2).

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Cardite reumática:peculiaridadesdiagnósticas eterapêuticas

A febre reumática temdistribuição universal, compreferência pelos paísesde clima tropical, e afetapredominantemente os in-divíduos que vivem nospaíses em desenvolvimen-to como Brasil e Índia. Re-gistram-se anualmente de10 a 20 milhões de casosnovos no mundo. As con-dições socioeconômicas

precárias representam as principais dificuldades enfren-tadas pelas autoridades de saúde na luta pela sua er-radicação. Acomete 0,3% a 4% das crianças com in-fecção de garganta não-tratadas suscetíveis genetica-mente à doença. Desses, aproximadamente 30% evo-luem com cardite reumática, a mais temida das com-plicações. Nos estudos prospectivos, essa incidênciaestá acima de 50%. Predomina na faixa etária entre 5e 15 anos, podendo ocorrer recidivas, particularmenteem pacientes que não fazem a profilaxia da estrepto-coccia. Sua incidência decresce com a progressão daidade e aumenta nas populações com alto risco de fa-ringite estreptocócica como os ambientes escolares,os promíscuos e em recrutas militares(3-5).

No Brasil ocorrem aproximadamente 30 mil novoscasos por ano de febre reumática, dos quais 50% evo-luem para cardite. Os custos social e financeiro da fe-bre reumática em nosso país são elevados. A cardio-patia reumática, seqüela da febre reumática, representauma das causas mais freqüentes de morbidade e mor-talidade cardiovascular em nosso meio, sendo respon-sável pela maioria das admissões hospitalares de cau-sa cardíaca e a principal indicação de cirurgia cardía-ca nos indivíduos com menos de 40 anos de idade.Nas faixas etárias superiores a essa, é superada ape-nas pela hipertensão arterial sistêmica e pela doençacoronariana(5-7).

FISIOPATOLOGIA

Após uma epidemia de estreptococcia, apenas al-guns indivíduos desenvolverão febre reumática, indi-cando suscetibilidade genética. Atualmente ainda nãoé possível detectar o indivíduo suscetível. Os mecanis-mos que levam à doença não estão todavia bem escla-recidos. A teoria imunológica é a mais aceita. Experi-ências científicas evidenciam respostas imune humo-ral e celular anormais. Ocorre uma interação entre osanticorpos antiestreptococos e tecidos do hospedeiro(reação cruzada). Foi documentada a existência de an-ticorpos antitecido cardíaco — miosina e tropomiosina.Os anticorpos de reação cruzada com estruturas car-díacas atingem pico no início da doença e declinam

lentamente após dois ou três anos, sendo indetectá-veis cinco anos após o episódio inicial. As manifesta-ções agudas que se resolvem sem seqüelas tendem acoincidir com resposta predominantemente humoral,enquanto a resposta celular parece ser a responsávelpelo desenvolvimento da cardiopatia reumática crôni-ca(8). O comprometimento cardíaco ocorre entre quatroe oito semanas após a estreptococcia. O processo in-flamatório envolve o endocárdio, o miocárdio e o peri-cárdio, constituindo, portanto, uma pancardite. A endo-cardite é a forma de manifestação mais comum, sendoa valvulite a única alteração que aparentemente deixaseqüela. A pericardite e a miocardite raramente ocor-rem de forma isolada(1, 2).

QUADRO CLÍNICO

A cardite é a mais grave das manifestações clínicasda febre reumática e pode levar ao óbito. Pode se ma-nifestar até a sexta semana do surto agudo. Os princi-pais sinais clínicos são: sopro cardíaco sistólico suges-tivo de insuficiência valvar, taquicardia e insuficiênciacardíaca congestiva. Poderão ocorrer sopro diastólico,atrito pericárdico e arritmias cardíacas. As valvas maisacometidas em ordem de freqüência são: mitral, aórti-ca, tricúspide e raramente a pulmonar. A insuficiênciaaórtica raramente ocorre de forma isolada. Geralmen-te existe em concomitância com a insuficiência mitral.O mesmo ocorre com as insuficiências tricúspide epulmonar. O sopro de insuficiência mitral é sistólico,suave, na região apical com irradiação para axila. Écausado inicialmente por edema valvar, podendo re-gredir com o tratamento. Caso haja seqüela decorren-te de deformidade fibrótica residual da valva, o sopropode não desaparecer. O sopro diastólico de estenoseno foco mitral não é próprio da fase aguda e, quandopresente, pode significar a existência de surto ativoanterior. A insuficiência aórtica gera sopro diastóliconos focos aórtico e aórtico acessório. A regurgitaçãovalvar de grau leve é bem tolerada. Aquelas que evolu-em para grau moderado e/ou importante, porém, le-vam à insuficiência cardíaca congestiva proeminente.A pancardite reumática caracteriza-se por taquicardiaem repouso, na ausência de febre. Pode evoluir paracardiomegalia, disfunção ventricular e insuficiência car-díaca nos casos mais graves. Entretanto, há contro-vérsia quanto ao valor da miocardite isolada no desen-cadeamento de insuficiência cardíaca, uma vez que nãoobservamos a presença desta na ausência de envolvi-mento valvar. Por conseguinte, a insuficiência valvar,particularmente a mitral, parece ser a principal causade descompensação cardíaca. A pericardite é a formade apresentação clínica menos comum e não apareceisoladamente. Pode ser assintomática ou se manifes-tar como dor precordial atípica, com atrito pericárdico

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e abafamento de bulhasquando há derrame peri-cárdico de tamanho mode-rado para importante. En-tretanto, o derrame peri-cárdico costuma ser depequeno volume. Duranteo surto de atividade reu-mática com cardite pode-rão ocorrer arritmias. Asmais freqüentes são asextra-sístoles tanto supra-

ventriculares como ventriculares e o bloqueio atrioven-tricular de 1º grau. Resumidamente, na presença decomprometimento cardíaco restrito ao pericárdio e/oumiocárdio, sem envolvimento do endocárdio valvar (au-sência de sopro), o diagnóstico de cardite é imprová-vel(1-3, 9, 10).

A cardite pode ser inaparente ou subclínica, ou seja,aquela em que não existe expressão clínica — soprocardíaco ou sinais e sintomas de insuficiência cardía-ca. Em estudo realizado por Hilário e colaboradores(11),dos 14 pacientes com febre reumática sem evidênciaclínica de cardite, dois apresentavam insuficiência mi-tral leve ao ecocardiograma com Doppler e outros trêsevoluíram após três meses com insuficiência mitral leve,dos quais um caso evidenciava também insuficiênciaaórtica. Espessamento da valva mitral foi evidenciadoem dois desses pacientes após 6 e 12 meses. Carditesubclínica foi relatada por vários outros autores e cons-titui a grande controvérsia para utilização obrigatóriada ecocardiografia como critério diagnóstico(11-16).

DIAGNÓSTICO

ClínicoO diagnóstico de faringoamidalite estreptocócica

deve ser considerado na presença de paciente em ida-de escolar ou pré-escolar, com febre alta — tempera-tura igual ou maior que 38oC —, dor e hiperemia daorofaringe, adenopatia cervical anterior dolorosa, ex-sudato e petéquias no pálato, crostas milicéricas e ero-são nas bordas das narinas. A presença de tosse, rou-quidão, coriza ou conjuntivite deve dirigir nossa sus-peita diagnóstica para uma provável etiologia viral. Aidade do paciente merece nossa atenção, pois a ocor-rência de febre reumática é rara antes dos 5 e após os15 anos. A evolução da angina estreptocócica é autoli-mitada, com desaparecimento dos sintomas e sinaisdentro de aproximadamente cinco dias, mesmo na au-sência de tratamento. O estreptococo, porém, podepermanecer na orofaringe por um período de até trêsmeses(1, 2).

O diagnóstico clínico de cardite é baseado nos sin-tomas e sinais clínicos já descritos. A cardite é um dos

critérios maiores de Jones para o diagnóstico de febrereumática. Os critérios maiores de Jones são cardite,poliartrite, coréia, eritema marginado e nódulos subcu-tâneos. Os critérios menores são febre, artralgia, ele-vação de reagentes de fase aguda, como velocidadede hemossedimentação e proteína C-reativa, e alon-gamento do intervalo PR no eletrocardiograma. A pro-babilidade de febre reumática é elevada quando háantecedentes recentes de infecção estreptocócica comníveis elevados de anticorpos antiestreptolisina-O, as-sociada a dois critérios maiores ou de um maior e doismenores. A ausência de evidência de estreptococciaprévia torna o diagnóstico duvidoso, exceto nos casosde coréia de Sydenham, que pode se apresentar comoúnica manifestação da doença após um período de la-tência prolongado(1-3, 9).

Deve-se ter em mente que a infecção estreptocóci-ca pode passar despercebida e os critérios revisadosde Jones devem ser utilizados como uma bússola queorienta o diagnóstico, mas nunca como fórmula mate-mática infalível. O diagnóstico baseado nos critérios deJones torna-se difícil quando a cardite é subclínica e/ou quando a cardite reumática ocorre num pacientecom doença reumática preexistente. Para o diagnósti-co de cardite em recorrência, recomenda-se que hajaevidência de mudança nos achados clínicos preexis-tentes, como aparecimento de um novo sopro, aumen-to da intensidade de sopro observado previamente,aparecimento de pericardite ou aumento da área car-díaca na radiografia de tórax. É importante lembrar quea ausência de cardite no primeiro surto de febre reu-mática não exclui a possibilidade de cardite em surtosrecorrentes. Diante dessas dificuldades diagnósticas, oreconhecimento de cardite em alguns pacientes continuaum problema e a reestruturação dos critérios de Jones, járevisados quatro vezes, sendo a última revisão de 1992,com certeza não trará a solução(5, 9, 17, 18).

Quanto ao diagnóstico diferencial, a febre reumáti-ca pode ser confundida principalmente com artrite reu-matóide juvenil, endocardite bacteriana e lúpus erite-matoso sistêmico(1, 2).

Exames complementaresProvas laboratoriais

Não existe diagnóstico laboratorial patognomônicode febre reumática, isto é, as provas de atividade defase aguda são inespecíficas, podendo algumas de-las, como, por exemplo, a velocidade de hemossedi-mentação, estar elevadas em outros processos infla-matórios reumáticos e não-reumáticos. Entretanto, adosagem sérica dessas provas é fundamental na ca-racterização do surto agudo de cardite. Os níveis davelocidade de hemossedimentação, proteína C-reativae α1-glicoproteína ácida e fração α2-globulina do soroencontram-se invariavelmente elevados. Na ausência

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dessa elevação devemossempre questionar a exis-tência de atividade reumá-tica. A cultura da orofarin-ge positiva só tem valor napresença de quadro clíni-co suspeito, uma vez queo número de falsos positi-vos na população sadia éelevado. O hemogramapode ser normal ou evi-denciar anemia de grau

leve, com valores normais ou levemente diminuídos dosleucócitos. Na presença de anemia de grau importanteassociada ou não à linfocitose, o diagnóstico diferenci-al com leucose deve ser lembrado. A detecção de ní-veis aumentados de anticorpos antiestreptococos comoantiestreptolisina-O (ASLO), anti-hialuronidase, antide-soxirribonuclease é de fundamental importância, poisindica infecção prévia. A elevação desses anticorposinicia-se após duas semanas do começo da infecção.O mais conhecido é a ASLO. Consideram-se anormaisvalores acima de 333 U/ml para crianças até 5 anos, e500 U/ml para crianças maiores de 5 anos. Para o di-agnóstico de estreptococcia recente, deve-se solicitara dosagem seriada de ASLO a cada 15 dias, a fim dese detectar a elevação dos níveis séricos dos mesmos,pois uma única determinação laboratorial elevada nãotem valor diagnóstico, uma vez que alguns pacientesque tiveram estreptococcia podem manter níveis ele-vados de ASLO por período superior a um ano. Valelembrar que em 20% dos pacientes com febre reumáti-ca os níveis de ASLO não se elevam(1, 2, 9).

Dosagem sérica de troponina T tem sido realizadanos pacientes com cardite reumática na tentativa deevidenciar lesão miocárdica durante o surto agudo. En-tretanto, concentrações normais de troponina T ou ape-nas discretamente aumentadas em pacientes com car-dite reumática e insuficiência cardíaca proeminentequestionam a existência de lesão miocárdica, confir-mando a presença de endocardite como alteração car-díaca fundamental dentro de um quadro inflamatóriodo tecido conjuntivo cardíaco, sendo a insuficiênciacardíaca mais uma conseqüência da regurgitação val-var mitral(19-22).Eletrocardiograma

Os achados são inespecíficos, podendo o eletro-cardiograma ser inclusive normal. A alteração mais fre-qüentemente encontrada é o aumento da duração dointervalo PR. Esse achado é considerado uma expres-são de atividade e pode se normalizar com o uso decorticosteróide. Considera-se bloqueio atrioventricularde 1º grau quando o intervalo PR for igual ou superiorao valor considerado normal para a idade e freqüênciacardíaca, podendo mais raramente evoluir para níveis

maiores de bloqueios. A miopericardite pode causarextra-sístoles e alterações da repolarização ventricu-lar tipo supradesnivelamento difuso do segmento ST ealterações da onda T. O alongamento do intervalo QTcorrigido para a freqüência cardíaca é considerado ín-dice de atividade e de miocardite. A valvulite mitral e/ou aórtica, dependendo do grau da lesão, pode levar àsobrecarga de câmaras esquerdas, mais freqüentemen-te encontrada nas lesões crônicas(1, 2, 18).Radiografia de tórax

A área cardíaca pode estar normal ou aumentada.A cardiomegalia é proporcional à gravidade do acome-timento cardíaco. Sua ausência não exclui a presençade cardite. Podemos encontrar sinais de congestãopulmonar e pequeno derrame pleural à direita na pre-sença de insuficiência cardíaca(2).Ecocardiograma Doppler

O ecocardiograma cada vez mais se firma como mé-todo complementar de suma importância para confir-mação de cardite, particularmente nos casos de cardi-te isolada, subclínica ou recorrente, além de ser extre-mamente útil na avaliação de pericardite com derrame,função ventricular esquerda e no grau de regurgitaçãovalvar. Estudos demonstram aumento da freqüência dodiagnóstico de cardite com o auxílio da ecocardiogra-fia, principalmente em pacientes considerados comotendo artrite isolada ou coréia. Na realidade, essespacientes eram portadores de cardite subclínica, diag-nóstico que não poderia ter sido evidenciado sem oemprego da ecocardiografia, tornando-se, portanto,exame de alta sensibilidade e especificidade. A impor-tância da ecocardiografia cresceu de tal forma que al-guns autores preconizam sua inclusão entre os critéri-os diagnósticos de Jones. Afirmam também que é pos-sível diferenciar regurgitação mitral patológica subclí-nica de regurgitação fisiológica usando critérios rigo-rosos de Doppler e fluxo a cores. Como a valvulite écondição “sine qua non” de cardite reumática, a docu-mentação ecocardiográfica de regurgitação valvar podemudar o diagnóstico e o acompanhamento dos paci-entes com cardite subclínica, principalmente porqueregurgitações leves nem sempre são detectadas naausculta cardíaca, particularmente na presença de ta-quicardia. Entretanto, o diagnóstico de cardite reumáti-ca somente pelo ecocardiograma ainda não é consen-so geral, uma vez que a presença de sopro cardíacoem indivíduos normais pode levar ao diagnóstico equi-vocado de cardite. A presença de regurgitação valvarde grau discreto, considerada normal com o aumentoda idade, restringe assim o valor diagnóstico do eco-cardiograma. A prevalência de insuficiência mitral dis-creta na população normal pode variar de 38% a 45%e de insuficiência tricúspide, de 15% a 77%. Assim sen-do, é preciso estarmos atentos para não superestimar-mos o valor da ecocardiografia e procurarmos unir to-

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das as informações dispo-níveis para o correto diag-nóstico de cardite(9-18, 23-33).

Os achados ecocardio-gráficos de lesão valvarmitral reumática mais fre-qüentemente encontradossão espessamento dascúspides, nódulos valvula-res e mobilidade reduzidados folhetos, podendo ha-ver falha de coaptação e

até mesmo rotura de cordoalhas, resultando em insufi-ciência de grau variado. Já a valvopatia reumática, se-qüela da cardite reumática, caracteriza-se por espes-samento valvar, fusão comissural e insuficiência valvare/ou estenose valvar(31, 32).

TRATAMENTO

O processo inflamatório na febre reumática é geral-mente autolimitado e evolui para remissão espontâneanum período médio de três meses ou mais rapidamen-te com tratamento à base de antiinflamatórios. A profi-laxia primária é obrigatória para a erradicação da es-treptococcia das vias aéreas. Recomenda-se a penici-lina G benzatina na dose de 600.000 UI, intramuscular,para crianças com peso igual ou inferior a 25 kg, e1.200.000 UI para crianças com mais de 25 kg. Noscasos de hipersensibilidade à penicilina, poderá ser ad-ministrada a eritromicina via oral, na dose de 40-50 mg/kg/dia, dividida em quatro tomadas durante 10 dias. Aazitromicina na dose de 10 mg/kg em dose única diáriadurante cinco dias e a claritromicina na dose de 7 mg/k/dia a 8 mg/k/dia em duas doses diárias também têmsido utilizadas(1, 2, 34)

A profilaxia secundária é mandatória para preven-ção de novos surtos. A maioria dos casos de recorrên-cia de cardite deve-se à falta de aderência ao trata-mento. Utiliza-se a penicilina G benzatina, intramuscu-lar, na mesma posologia da profilaxia primária, a cada21 dias. Não é recomendada a utilização da penicilinavia oral por causa da baixa aderência ao tratamento.Nos casos de hipersensibilidade, recomenda-se a sul-fadiazina na dose de 500 mg/dia para crianças até 25kg e 1 g para aquelas com mais de 25 kg. Nas criançasque evoluem com cardite sem seqüela, a profilaxia de-verá ser mantida durante 10 anos ou até o indivíduocompletar 25 anos. Nos casos com seqüela, deverá sermantida pelo resto da vida(1, 2, 34).

Pacientes com cardite ativa devem ficar em repou-so relativo e proporcional ao grau do acometimento car-díaco. O tratamento medicamentoso é feito com corti-costeróides, com o objetivo de reduzir a resposta infla-matória e obter efeito imunossupressor. O corticoste-

róide de escolha é a prednisona, na dose de 1 mg/kg/dia a 2 mg/kg/dia, dose máxima: 60-80 mg/dia, via oral,em duas a três tomadas na primeira semana e, poste-riormente, em dose única pela manhã. Deverá ser man-tida nessa dosagem por três a quatro semanas composterior redução gradual semanal de 20% da dosecaso haja melhora clínica e das provas laboratoriais.Suspende-se a medicação entre 8 e 12 semanas detratamento. Ainda não existe consenso sobre o trata-mento de cardite subclínica com corticóide. Mas a ten-dência é tratar esses pacientes(1, 2). Estudos demons-tram que o uso de corticosteróides reduz rapidamenteos sintomas e sinais clínicos, ficando a maioria dospacientes assintomáticos na primeira semana de tra-tamento. Entretanto, existe relato de que os antiinfla-matórios tanto hormonais como não-hormonais, assimcomo a imunoglobulina endovenosa, não diminuem orisco de seqüela cardíaca em pacientes com carditeapós um ano de evolução(35).

Para os pacientes com insuficiência cardíaca con-gestiva grave e refratários ao corticóide oral, tem-se aopção do uso de pulsoterapia em série, forma terapêu-tica essa bastante utilizada nas doenças auto-imunes.A pulsoterapia consiste no uso de megadoses de corti-costeróides, entre 500 mg e 2 g, com o objetivo de ob-ter-se efeito imunossupressor e imunomodulador maisproeminente e duradouro que a prednisona, além dereduzir os efeitos colaterais do corticóide oral. Dá-sepreferência à metilprednisolona. Existem vários esque-mas terapêuticos. Pode-se administrar 40 mg/kg/dia,até no máximo 1 g, diluídos em 200 ml de soro glicosa-do a 5% via endovenosa, em jejum, durante três diasconsecutivos, repetidos semanalmente até a normali-zação das provas laboratoriais. Outro esquema seriametilprednisolona na dose de 1 g diluído em soro gli-cosado a 5%, por via endovenosa, em duas horas, du-rante três dias consecutivos nas duas primeiras sema-nas, dois dias na terceira semana, e um dia na quartasemana. Apesar de o uso da metilprednisolona ter semostrado útil em casos de insuficiência cardíaca con-gestiva refratária, alguns estudos realizados compa-rando prednisona oral com pulsoterapia mostrarammelhor resultado em pacientes tratados com predniso-na oral. Após o término da pulsoterapia, é recomenda-do o uso de ácido acetilsalicílico na dose de 50 mg/kg/dia durante quatro a seis semanas para evitar-se o efeitorebote. É extremamente importante antes de iniciarmosa corticoterapia tratarmos possíveis focos infecciosos,realizarmos o PPD, com profilaxia com isoniazida emreator forte e tratarmos estrongiloidíase, além de ad-ministrarmos protetores da mucosa gástrica como an-tiácidos e cimetidina durante o período de tratamento.O corticóide não deve ser utilizado por períodos pro-longados por causa de seus bem conhecidos efeitosadversos(36-39).

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Cardite reumática:peculiaridadesdiagnósticas eterapêuticas

Na vigência de insufici-ência cardíaca está indica-do o uso de digital, diuréti-co de alça — furosemida,espironolactona e vasodi-latadores do tipo inibidoresda enzima de conversãoda angiotensina. A admi-nistração de um ou maisdesses medicamentos vaidepender do grau do com-prometimento cardíaco. O

digital deverá ser usado com cautela, uma vez quepoderá desencadear ou precipitar bloqueios atrioven-

triculares e outras arritmias nos casos mais graves. Noscasos de cardite com insuficiência cardíaca refratáriaestá indicada cirurgia cardíaca para troca da valva aco-metida(1, 2, 40).

Como mensagem final da presente revisão, enfati-zamos a importância do diagnóstico correto de carditereumática para conduzirmos adequadamente o trata-mento. Erros diagnósticos podem levar tanto à profila-xia secundária desnecessária com penicilina benzati-na como à possibilidade de deixar uma abertura pararecorrência de cardite naqueles casos que não foramdiagnosticados. O acompanhamento cuidadoso e peri-ódico, particularmente dos casos duvidosos, é reco-mendação prudente.

RHEUMATIC CARDITIS: DIAGNOSTICPECULIARITIES AND TREATMENT

MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO

Rheumatic fever is an immunologic, non-suppurative, systemic inflammatory di-sease of the connective tissue, triggered by a group A ß-hemolytic streptococcaltonsillopharyngitis in susceptible individuals. It’s a multiorgan disease but the heartis the only one that can be left with permanent damage. Well recognized as a disea-se of developing countries, it still represents one of the major health problems forBrazilians and is the main cause of hospital admissions for heart disease in patientsunder forty years of age. Rheumatic carditis is manifested about four weeks after thestreptococcal attack. It’s clinical manifestation is broadly variable. It can be innapa-rent or lead to refractory congestive heart failure. Indolent carditis represents themain diagnostic challenge because of the absence of clinical symptoms and signsand the probability of leading to important sequelae. The nonspecific laboratory tes-ts do not help in differentiating rheumatic carditis from other inflammatory diseasesof immunologic etiology. On the other hand, rheumatic carditis can not be confirmedwithout elevated acute-phase reactants. Two-dimensional echocardiogram and Do-ppler ultrasound is the key complementary diagnostic tool for diagnosis of carditis aslong as associated with clinical findings and its inclusion among Jone’s criteria isbeing universally discussed. The use of benzathine penicillin still represents the besttreatment for eradication and prevention of streptococcal infection in rheumatic fe-ver. Oral prednisone is the antiinflammatory agent of choice in the treatment of car-ditis. Pulsetherapy with methylprednisolone is an alternative for the treatment of se-rious carditis that does not respond to oral corticosteroid.

Key words: rheumatic fever, carditis, echocardiography, corticosteroids.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:71-8)RSCESP (72594)-1510

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articulares da febrereumática

EPIDEMIOLOGIA

A artrite é, na maioria das séries descritas, a mani-festação mais freqüente da febre reumática e ocorreem 60% a 80% dos pacientes(1-3). Em um estudo reali-zado pelo comitê de reumatologia pediátrica da Socie-dade de Pediatria de São Paulo, envolvendo 786 crian-ças atendidas em serviços terciários, 453 (57,6%) apre-sentaram artrite, 396 (50,4%) apresentaram cardite, en-quanto 274 (34,8%) apresentaram coréia(1). Um levan-tamento feito no Serviço de Reumatologia Pediátricado Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto-USP(2), analisando 120 surtos de febrereumática aguda, em 109 pacientes, a artrite foi tam-bém a manifestação mais comum (77%), seguida decardite (62%) e coréia (32%).

A artrite aparece, freqüentemente, acompanhada deoutros sinais maiores, principalmente a cardite (Tab.1). No entanto, artrite isolada pode ocorrer em 8% até42% dos pacientes(2, 4-6). Segundo um estudo recenterealizado nos Estados Unidos, crianças pequenas (commenos de 5 anos de idade) com febre reumática (5%das crianças com febre reumática desse estudo) apre-

MANIFESTAÇÕES ARTICULARES DA FEBREREUMÁTICA

VIRGÍNIA PAES LEME FERRIANI

Departamento de Puericultura e Pediatria/Serviço de Imunologia,Alergia e Reumatologia —Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto — Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência: Av. Bandeirantes, 3900 — CEP 14049-900 —Ribeirão Preto — SP

A artrite é a manifestação clínica mais freqüente, mas menos específica, da febrereumática. Alguns pacientes podem apresentar quadros articulares atípicos, diferentesda poliartrite migratória clássica descrita por Jones, o que dificulta a identificaçãodessa doença, principalmente quando o paciente apresenta artrite como único sinalmaior.

Palavras-chave: febre reumática, artrite, artralgia, artrite reativa pós-estreptocócica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:79-84)RSCESP (72594)-1511

sentam artrite isolada (sem cardite ou coréia) mais fre-qüentemente (41%) que crianças com mais de 5 anosde idade (20%)(7). Outros estudos também demonstra-ram incidência maior de artrite em crianças pequenas(8,

9). Quando a artrite aparece isoladamente, sem carditeou coréia, o diagnóstico de certeza da febre reumáticatorna-se bastante difícil, já que várias outras doençaspodem apresentar comprometimento articular seme-lhante.

CARACTERÍSTICAS DO COMPROMETIMENTOARTICULAR

A artrite típica da febre reumática geralmente é amanifestação inicial da doença e aparece duas a qua-tro semanas após a infecção estreptocócica. Usualmen-te envolve várias articulações, de forma migratória (me-lhora em uma articulação e começa em outra), dura deum a cinco dias em cada articulação, é extremamentedolorosa e responde muito bem aos antiinflamatóriosnão-hormonais. As articulações estão geralmente ede-maciadas, quentes, com limitação importante dos mo-vimentos e podem apresentar eritema. A dor da artrite

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articulares da febrereumática

é muito intensa e, carac-teristicamente, despropor-cional à intensidade doedema, que pode ser dis-creto(10, 12).

A duração total doquadro articular varia,geralmente, de uma atrês semanas e a artriteevolui para cura comple-

Tabela 1. Freqüência de artrite e associação com outros critérios maiores.

Kiss, 1993(10) Pileggi, 1997(11)

% do total % dos pacientes % do total % dos pacientesde casos com artrite de casos com artrite

Manifestações (n = 344) (n = 177) (n = 120) (n = 92)

Artrite isolada 8 15 8 11Artrite e cardite 37 71 50 65Artrite e coréia 1,5 3 7 9Artrite, cardite e coréia 3,5 6,5 8 11Artrite, cardite e NSC 1 2 1 2Artrite, cardite e EM 0,8 1,5 0,8 1

n = número de pacientes; NSC = nódulos subcutâneos; EM = eritema marginado.

ta, sem seqüelas.As articulações mais freqüentemente acometidas

são os joelhos e os tornozelos. O acometimento de pu-nhos, cotovelos, pequenas articulações dos pés e dasmãos, coluna cervical e quadris ocorre em freqüênciasvariáveis, de acordo com a população estudada(2, 13-15)

(Tab. 2). Recentemente, foi descrito um caso de febrereumática com comprometimento de articulações sa-croilíacas(16).

O número de articulações acometidas, na maioriados surtos, varia de duas a 16(2, 17, 18). No estudo reali-zado em nosso serviço, observamos comprometimen-to de duas a cinco articulações em 58% dos casos ede seis até 10 articulações em 30% dos surtos. Ape-nas três pacientes apresentaram monoartrite: dois comacometimento de joelho e o outro de coxofemoral. Nes-ses casos, a presença de outros critérios maiores (doispacientes com coréia e cardite e um paciente com co-réia) possibilitou o diagnóstico de febre reumática(11).Outro estudo brasileiro descreveu monoartrite em 10%dos 97 pacientes com febre reumática avaliados(15).Recentemente, estudo realizado em população do norteda Austrália revelou uma porcentagem de comprome-timento monoarticular em 13% dos 555 casos de febre

reumática avaliados(19). Vale a pena comentar tambémo relato de um caso de febre reumática cuja manifesta-ção inicial foi monoartrite de joelho, acompanhada defebre e aumento de provas de atividade inflamatória,sem qualquer outra alteração. Esse paciente (um me-nino de 9 anos) desenvolveu uma lesão de válvula mi-tral três semanas após o episódio de monoartrite, e,nessa ocasião, os títulos de antiestreptolisina O (ASLO),que inicialmente eram normais, estavam elevados(16).Dessa forma, mesmo sabendo que a poliartrite é a

manifestação articular considerada como sinal maiordos critérios de Jones, dados consistentes de literatu-ra sugerem que a febre reumática deve estar incluídaentre os diagnósticos diferenciais de monoartrite. Oseguimento desses pacientes é extremamente impor-tante para que se possa identificar, de forma precoce,o diagnóstico correto.

Alguns pacientes com febre reumática podem apre-sentar apenas artralgia em uma ou mais articulações.Essa é uma manifestação muito inespecífica, mas éum dos sinais menores dos critérios de Jones modifi-cados. No entanto, a artralgia só deve ser utilizada comocritério para o diagnóstico de febre reumática nos pa-ciente que não apresentam artrite(20).

Foram descritos alguns casos de entesite em paci-entes com febre reumática(21, 22).

Pacientes com febre reumática que apresentam qua-dros de artrites atípicas têm sido descritos por diferen-tes autores. Em 1975, Stollerman(17) já comentava que32% das crianças portadoras de febre reumática nãoapresentavam o padrão clássico do acometimento ar-ticular, considerando-se o tempo maior de duração daartrite, a presença de oligo ou monoartrite, o padrãoaditivo ou simétrico e/ou a resposta insatisfatória aos

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articulares da febrereumática

tocócica como uma entidade distinta da febre reumáti-ca(26), e outros a consideram como parte do espectroclínico da febre reumática(27-29). É importante enfatizarque muitos pacientes descritos como portadores deartrite reativa pós-estreptocócica desenvolveram val-vulites durante o seguimento posterior(21, 30).

Considerando a alta prevalência de infecções es-treptocócias e de febre reumática no Brasil, a dificulda-de do diagnóstico dessa doença, o conhecimento deque quadros articulares atípicos são freqüentes e de

Tabela 2. Articulações acometidas em pacientes com febre reumática.

Freqüência (%) de acometimento

Feinstein e Almedra Hilário Pileggi eSpagnuolo, e cols., e cols., Ferriani,

Articulações 1962(13) 1992(14) 1992(15) 2000(2)

Joelhos 76 73,3 76 75Tornozelos 50 41,5 62 79Cotovelos 15 18,8 29 19Punhos 15 20,7 28 25Quadril 15 22,6 15 16Pequenas articulaçõesdos pés 15 17 13 32Pequenas articulaçõesdas mãos 8 17 15 26Ombros 8 —- 12 19Coluna cervical 1 —- 15 26Coluna lombar —- —- 7 4

salicilatos. Em estudo re-alizado em nosso serviçocom 109 pacientes, 47%dos 92 pacientes com ar-trite apresentaram com-prometimento articular atí-pico: 28% dos 92 pacien-tes tiveram duração da ar-trite maior que três sema-nas, 20% dos casos não

responderam ao uso de salicilatos, e 3% apresenta-ram monoartrite. O tempo decorrido entre o início dossintomas e o diagnóstico de febre reumática foi signifi-cantemente maior nas crianças com artrite atípica,quando comparadas àquelas que apresentaram qua-dros articulares típicos de febre reumática(2).

Outras descrições de quadros articulares atípicosde febre reumática foram publicadas(16, 19, 23), inclusiveem nosso país(15, 22).

A artrite atípica da febre reumática é muito seme-lhante àquela descrita na artrite reativa pós-estrepto-cócica. Essa entidade clínica, descrita principalmentena literatura internacional, é definida pela presença deartrite que aparece após quadro de infecção causadapelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A, mas di-fere da artrite da febre reumática (que também é reati-va e pós-estreptocócica) pelo menor período de latên-cia após a infecção estreptocócica (até 10 dias), artritemais prolongada e má resposta aos salicilatos(21, 24, 25).Alguns autores consideram a artrite reativa pós-estrep-

que a chamada artrite reativa pós-estreptocócica podeevoluir com comprometimento cardíaco, é muito maisprudente considerarmos que casos de febre reumáticaatípica existem e devem ser tratados da mesma formaque os quadros típicos, para que se possa prevenir ascomplicações cardíacas, com o uso da profilaxia compenicilina benzatina em todos esses casos.

EXAMES LABORATORIAIS

Não existem exames laboratoriais que confirmem odiagnóstico de febre reumática. Alguns exames sãoúteis para caracterizar o processo inflamatório e ou-tros para auxiliar no diagnóstico diferencial com outrasdoenças.

O hemograma pode revelar leucocitose e neutrofi-lia e anemia leve a moderada. As plaquetas podem estaraumentadas. Anemia severa e linfocitose sugerem ou-tros diagnósticos, entre eles as leucoses e a anemiafalciforme(28).

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articulares da febrereumática

As provas de ativida-de inflamatória costumamestar elevadas na maioriados pacientes com febrereumática, exceção feitaàqueles que apresentamcoréia isolada. Em nossacasuística, 83% dos ca-sos com artrite e carditee 100% dos casos que seapresentaram como artri-te isolada tinham pelo

menos uma prova de atividade alterada. As muco-proteínas estiveram elevadas em 82% dos casos, avelocidade de hemossedimentação em 73% e a pro-teína C-reativa em 55% de todos os pacientes avali-ados(11).

A velocidade de hemossedimentação e a proteí-na C-reativa geralmente estão elevadas nas primei-ras semanas da febre reumática e sofrem influênciados antiinflamatórios não-hormonais. Por outro lado,os níveis séricos de alfa-glicoproteína 1 e alfa-2 glo-bulina não sofrem influência do uso de antiinflamató-rios não-hormonais. Essas proteínas também estãoelevadas na fase aguda da febre reumática, assimpermanecendo durante períodos prolongados de tem-po e seus níveis têm sido utilizados para monitorizara atividade da febre reumática(28).

A análise do líquido sinovial é raramente solicita-da em pacientes com febre reumática, com exceçãodos casos em que existe suspeita de artrite séptica(principalmente na vigência de monoartrite e febre).As principais alterações incluem aumento do núme-ro de leucócitos (10.000/mm³ a 100.000/mm³), compredomínio de neutrófilos, concentração de proteí-nas por volta de 4 g e taxas de glicose normais(12).

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial da artrite da febre reu-

Tabela 3. Diagnóstico diferencial da artrite da febre reumática.*

Artrites infecciosas Virais: rubéola, caxumba, hepatite BBacterianas: artrite séptica, artrites causadas porgonococos e meningococos, endocardite bacterianaArtrites reativas pós-entéricas ou pós-infecções dotrato urinário

Anemia falciformeLeucemia linfoblástica agudaDoenças do tecido conjuntivo Lúpus eritematoso sistêmico, artrite

reumatóide juvenil, vasculites

* Segundo Kiss, 2003(31).

mática é extenso e inclui doenças infecciosas, he-matológicas e do tecido conjuntivo (Tab. 3).

Uma das dificuldades diagnósticas mais freqüen-tes na avaliação das poliartrites deve-se à introdu-ção precoce de antiinflamatórios não-hormonais empacientes com manifestações articulares incaracte-rísticas, em fases iniciais. Essa conduta impede aobservação e a caracterização da artrite (migratória,poliarticular, de curta duração em cada articulação)e o reconhecimento da febre reumática(31). Casos defebre reumática cuja única manifestação maior é aartrite constituem um dos grandes desafios diagnós-ticos em pediatria.

Outra situação difícil acontece nos casos em queo paciente conta uma história anterior de manifesta-ções articulares mal definidas, às vezes artralgias oudores em membros, que foram interpretadas comosurtos de febre reumática, especialmente se associ-adas a aumento das provas de atividade inflamatóriae/ou aumento dos títulos de ASO(31). Vale lembrar quea artralgia é um sinal menor de febre reumática e sódeve ser valorizada na ausência de artrite. Além dis-so, crianças com dores em membros, não articula-res, não devem ser diagnosticadas como portadorasde febre reumática.

TRATAMENTO

A medicação de escolha para o tratamento da ar-trite continua sendo o ácido acetilsalicílico, na dosede 80 mg/kg/dia a 100 mg/kg/dia (máximo de 3 gra-mas) dividida em quatro doses(31, 32). Outros antiinfla-matórios não-hormonais que também são eficazespara o tratamento da artrite são a indometacina nadose de 2 mg/kg/dia a 3 mg/kg/dia(10) e o naproxeno,10 mg/kg/dia a15 mg/gk/dia(33). Essas doses devemser utilizadas até que haja melhora clínica da artrite,o que ocorre geralmente em dois a três dias, e nor-malização das provas de atividade inflamatória. Nes-sa fase, a dose dos antiinflamatórios não-hormonais

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articulares da febrereumática

deve ser progressivamen-te reduzida, completandoum período total de trata-mento de quatro a oitosemanas(28).

Crianças com quadrosarticulares mal definidos,em fases muito iniciais,devem ser tratadas comanalgésicos, como o ace-taminofen, de modo apermitir melhor caracteri-

zação do quadro articular, durante sua evolução, e,conseqüentemente, diagnóstico e tratamento maisadequados.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

Como já foi comentado anteriormente, a artrite dafebre reumática evolui sem deixar seqüelas. No entan-to, existe uma forma rara de artrite não erosiva defor-mante — a artrite de Jaccoud — que foi descrita emalguns casos de febre reumática em adultos. Trata-se,na verdade, de uma fibrosite periarticular que leva adeformidades caracterizadas por desvio ulnar, princi-palmente do quarto e quinto dedos das mãos, subluxa-ção e flexão das articulações metacarpofalangeanas ehiperextensão das interfalangeanas proximais. Esse tipode artropatia também pode estar associado ao lúpuseritematoso sistêmico em adultos. Não existem casosdescritos de artropatia de Jaccoud em crianças(10, 34, 35).

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ARTICULAR INVOLVEMENT IN RHEUMATIC FEVER

VIRGINIA PAES LEME FERRIANI

Arthritis is the most common and less specific manifestation of rheumatic fever.Some patients may present with atypical arthritis, adding an extra dilemma for thediagnosis of this disease, mainly when arthritis is the sole major manifestation.

Key words: rheumatic fever, arthritis, arthralgia, post-streptococcal arthritis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:79?-84)RSCESP (72594)-1511

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articulares da febrereumática

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TARASOUTCHI Fe col.

Profilaxia dafebre reumática

INTRODUÇÃO

A prevalência de febre reumática e de cardiopatiareumática crônica em uma determinada comunidadeé reflexo do nível de cuidados preventivos primáriose do acesso à saúde.(1) Em muitos países desenvol-vidos a doença tornou-se rara, enquanto em muitospaíses subdesenvolvidos, como o Brasil, a cardiopa-tia reumática crônica permanece como a maior cau-sa de doença cardíaca entre crianças e adultos jo-vens.(2)

A febre reumática é seqüela de uma infecção deorofaringe pelo estreptococo beta-hemolítico do gru-po A de Lancefield, e acomete de 3% a 4% das cri-anças não tratadas. A doença reumática cardíacaaparece no período de quatro a oito semanas ou maistardiamente, em aproximadamente 30% das crian-ças acometidas por febre reumática. A doença reu-mática é uma das afecções que acarretam maiorescustos para o Sistema Único de Saúde e para a co-

PROFILAXIA DA FEBRE REUMÁTICA

FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA

Unidade Clínica de Valvopatia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP

A prevenção de surtos iniciais de febre reumática depende do reconhecimento edo tratamento rápidos da faringoamidalite. A erradicação do estreptococo do grupoA da orofaringe é essencial. Na seleção de um regime terapêutico, vários fatoresdevem ser considerados, incluindo eficácia bacteriológica e clínica, e facilidade deaderência à terapêutica recomendada. A penicilina é o agente antimicrobiano deescolha para o tratamento da estreptococcia, exceto em pacientes com história dealergia à penicilina.

Para os pacientes que já apresentam o diagnóstico de febre reumática é indicadaa profilaxia secundária para a prevenção de novos surtos de febre reumática. Res-salta-se a necessidade do diagnóstico correto, e a melhor ferramenta para fazê-lo éa história clínica detalhada e o exame físico minucioso. Assim, em nosso meio, aprofilaxia secundária deve ser realizada com aplicações de penicilina G benzatinacom intervalo máximo de três semanas.

Palavras-chave: profilaxia, febre reumática, doença reumática cardíaca.

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munidade em geral, pois acomete indivíduos muitojovens e freqüentemente determina múltiplas inter-nações hospitalares e cirurgias(2). Estima-se que 30%das cirurgias cardíacas no Brasil se devam a seqüe-las de febre reumática, porcentual que se eleva a 90%quando consideramos apenas as cirurgias cardíacasinfantis. Segundo dados do DATASUS(3) (Fig. 1), nosúltimos 10 anos temos tido uma média de 10 mil ca-sos de febre reumática aguda por ano que necessi-taram de internação hospitalar. Esse é um valor ex-tremamente elevado, considerando-se que esta, en-tre as doenças cardiológicas, é com certeza a maisfacilmente prevenível.(2)

PROFILAXIA PRIMÁRIA DA FEBRE REUMÁTICA

Para impedir que novos casos continuem surgindo,o mais importante é realizar adequadamente a profila-xia primária da febre reumática, impedindo que os indi-víduos suscetíveis venham a contrair a doença. Infec-

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Profilaxia dafebre reumática

Figura 1. Número de casos de febre reumática aguda internados por ano.

ções (faringite reumática e amidalites) por estreptoco-cos beta-hemolíticos do grupo A não diagnosticadas enão tratadas adequadamente, em indivíduos sensíveis,podem levar a um surto de febre reumática. Assim, é ne-cessário um esquema eficaz não só de tratamento masde prevenção de infecções pelos estreptococos(2, 4).

Devemos lembrar que fatores socioeconômicosestão relacionados a essas infecções e desenvolvema doença reumática. A febre reumática classicamen-te é considerada uma doença derivada de más con-dições de vida da população, de aglomerações e deum sistema de saúde que não consegue dar à popu-lação assistência adequada. Assim, o tratamento dasinfecções estreptocócicas passa pela melhora dascondições de vida da população, especialmente asde mais baixa renda, pelas condições favoráveis àdisseminação dos estreptococos (precárias condi-ções de higiene, aglomerações e maior promiscui-dade). Essa população sem acesso ao sistema desaúde é a mais suscetível à febre reumática(4). Umdos fatores que levaram ao declínio da febre reumá-tica na Europa e na América do Norte foi a melhoriadas condições de vida da população, associada aoadequado sistema de tratamento de infecções estrep-tocócicas, com identificação e tratamento precoce dosportadores de amidalites estreptocócicas(2).

A profilaxia primária é baseada no diagnóstico pre-coce dos portadores de infecções de orofaringe peloestreptococo beta-hemolítico do grupo A e o tratamen-to com antibióticos bactericidas(5). O diagnóstico rápi-do é essencial, e o tratamento deve ser iniciado nosprimeiros dias do quadro, pois a persistência do mi-crorganismo por mais de uma semana acarretará, nosindivíduos suscetíveis, a seqüência de reações imuno-lógicas, que poderá desenvolver o surto de febre reu-mática(4).

O quadro clínico da amidalite estreptocócica incluidor de garganta, impedindo a deglutição, febre alta(mais de 38oC), adenopatia cervical e submandibular,e petéquias em palato e úvula. Geralmente não há se-

creção nasal ou tosse, sendo o diferencial feito comoutras infecções das vias aéreas superiores, como ascausadas por vírus. Podem ser realizados exames la-boratoriais para o diagnóstico da estreptococcia, comocultura de orofaringe (que em geral tem baixa positivi-dade) e testes rápidos. Esses testes muitas vezes sãode difícil obtenção e retardariam o tratamento adequa-do da estreptococcia, motivo pelo qual em geral emsaúde pública o procedimento mais adequado é tratarcom antibióticos todas as infecções de garganta com amínima possibilidade de serem bacterianas. Esse regi-me mais agressivo de uso de antibióticos é adequadoa situações de alta prevalência de estreptococos noambiente ou em surtos epidêmicos de amidalite agu-da(5).

O antibiótico de eleição para a profilaxia primariada febre reumática é a penicilina G benzatina em doseúnica de 600.000 UI para crianças de até 25 kg e de1.200.000 UI para pacientes acima desse peso, eminjeção intramuscular profunda, em dose única. Agrande vantagem desse regime é seu baixo custo egrande eficácia e a vantagem de não haver necessi-dade de repetir o tratamento. Considerando-se o tra-tamento por via oral, a droga de escolha ainda é afenoximetilpenicilina (penicilina V)(2, 5) na dose de500.000 UI de 12 em 12 horas para crianças e emintervalo mais freqüente (de 8 em 8 horas ou de 6em 6 horas) para adultos. Devemos lembrar que otratamento antibiótico deve ser mantido por pelomenos 10 dias, com o objetivo de prevenir também aocorrência de febre reumática. Devemos lembrar queas penicilinas ocupam lugar de destaque no comba-te às estreptococcias também pela ausência de re-sistência destes a essas drogas

Novos tratamentos para a amidalite, como, porexemplo, com macrolídeos(6) ou cefalosporinas(7-10), po-dem ser efetivos na erradicação do estreptococo, maspor serem medicamentos de alto custo têm seu em-prego limitado na amidalite estreptocócica, principal-mente quando se tem um tratamento tão efetivo e de

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Profilaxia dafebre reumática

baixo custo disponível.Além disso, até hoje nãofoi descrita resistência dosestreptococos à penicilina.

Para pacientes alérgi-cos à penicilina pode-seusar eritromicina na dosede 10 mg/kg a 12 mg/kg acada 8 horas ou 500 mg acada 6 horas, também du-

rante 10 dias. As sulfas são inadequadas para o tra-tamento das amidalites estreptocócicas, pois não sãobactericidas e assim não previnem a febre reumáti-ca(5, 11) (Tab. 1).

Para o diagnóstico de febre reumática é necessárioquadro clínico típico compatível, que, em geral, se ins-tala após a amidalite, e não durante a mesma. Em es-tudos clássicos em populações confinadas em quar-téis, verificou-se que após um surto de amidalites es-treptocócicas apenas 3% dos infectados desenvolve-ram quadro clínico compatível com febre reumática.Assim, não basta a estreptococcia, o paciente tem queser suscetível à febre reumática. Títulos elevados deantiestreptolisina O (ASLO) apenas demonstram es-treptococcia anterior, mas não fazem diagnóstico defebre reumática.

PROFILAXIA SECUNDÁRIA DA FEBREREUMÁTICA

Nos pacientes com diagnóstico de febre reumática,está indicada a profilaxia secundária para a prevençãode novos surtos. O diagnóstico correto da doença é

Tabela 1. Prevenção da febre reumática — profilaxia primária.

Agente Dose Via Duração

Penicilina G benzatina 600.000 IU para IM Dose únicapacientes < 27kg1.200.000 UI parapacientes ≥ 27kg

Penicilina V Crianças VO 10 dias250 mg 2-3 vezes por diaAdolescentes e adultos500 mg 2-3 vezes por dia

Para pacientes alérgicos à penicilinaEritromicina 40 mg/kg/dia VO 10 dias

2-4 vezes por dia(máximo 1g/dia)

IM = intramuscular; VO = via oral.

fundamental e a melhor ferramenta para isso é a histó-ria clínica detalhada e o exame físico minucioso. Essecuidado é fundamental para evitar que pacientes semfebre reumática recebam profilaxia apenas por seremportadores de altos títulos de ASLO e pacientes comvalvopatia grave não recebam a adequada profilaxia,que pode melhorar o prognóstico do paciente a longoprazo.(2)

A droga de escolha é a penicilina G benzatina, nasmesmas doses de 600.000 UI para crianças com até

27 kg e de 1.200.000 UI acima desse peso. A freqüên-cia das doses de penicilina é motivo de controvérsia,que vem ganhando mais definição graças a muitos es-tudos comparando diversos regimes de profilaxia. Se-gundo a “American Heart Association”(5), o uso de apli-cações mensais seria adequado, reservado-se as apli-cações a cada três semanas para localidades com altaincidência de febre reumática ou de amidalites estrep-tocócicas. Entretanto, vários trabalhos demonstram que,ao menos fora dos Estados Unidos e da Europa, o re-gime de uma aplicação de penicilina a cada quatro se-manas é inadequado.(12-15) Em nosso meio, pela altaprevalência de febre reumática e de infecções estepto-cócicas, não devemos usar aplicações mensais de pe-nicilina benzatina por não proporcionarem proteçãoadequada aos portadores de doença reumática. O ris-co de recorrência com aplicações a cada quatro sema-nas é cinco vezes maior que com aplicações a cadatrês semanas.(12)

Assim, a profilaxia secundária deve ser realizadacom aplicações de penicilina G benzatina com interva-lo máximo de três semanas. Considerando-se que omaior risco de recorrência da febre reumática ocorre

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Profilaxia dafebre reumática

nos dois primeiros anosapós o surto reumático, apenicilina deve ser admi-nistrada a cada 15 dias(2)

nos dois primeiros anosapós o surto reumático eapós isso deverá ser ad-ministrada com intervalosde 21 dias. A preferênciapelo regime de 15/15 diasnos dois primeiros anosdeve-se ao fato de que

nesse período é maior a probabilidade de recorrênciada febre reumática, e com aplicações quinzenais a re-corrência da febre reumática é próxima a zero.(14) Parapacientes com alergia à penicilina está indicada a sul-

fadiazina(2), na dose de 1 g/dia, sendo necessário o con-trole de possíveis quadros leucopênicos (Tab. 2). De-vemos sempre lembrar que a antibioticoterapia intra-muscular é mais efetiva que aquela por via oral na pre-venção de novos surtos reumáticos.(16)

Os critérios de suspensão à profilaxia são(2): paci-entes sem acometimento cardíaco, apenas com mani-festação articular ou coréia “pura” — suspender aos 18anos ou cinco anos após o surto reumático; pacientescom cardite durante o surto agudo que não apresen-tam seqüelas tardias ou apresentam seqüelas muitodiscretas — suspender aos 25 anos ou dez anos apóso último surto reumático; pacientes nos quais é retira-da a profilaxia e os sintomas retornam deverão ter pro-filaxia mantida por mais cinco anos. Pacientes com aco-metimento cardíaco, mesmo discreto, deverão ter pro-filaxia prolongada, de preferência por toda a vida; quan-do isso não for possível, até a quinta década.(2, 5)

Desde os primeiros trabalhos sobre a profilaxia,vários centros acadêmicos têm incentivado a forma-

Tabela 2. Prevenção da febre reumática — profilaxia secundária.

Agente Dose Via

Penicilina G benzatina 1.200.000 UI a cada IM2-3 semanas

Penicilina V 250 mg 2 x por dia VOSulfadiazina 0,5 g uma vez por dia VO

para pacientes < 27 kg1 g uma vez por diapara pacientes ≥ 27 kg

Para pacientes alérgicos à penicilina e à sulfadiazinaEritromicina 250 mg 2 x por dia ‘ VO

IM = intramuscular; VO = via oral.

ção de grupos para o acompanhamento da profilaxiasecundária da febre reumática. Esses centros seguiri-am os portadores de febre reumática e seriam capa-zes de pesquisa ativa nos casos de absenteísmo, poisa falta de aderência entre adolescentes e famílias mi-grantes leva a grande incidência de recidivas. Em nos-so meio, a Liga de Combate à Febre Reumática de-senvolve, desde 1955, trabalho de acompanhamentocom especial atenção à orientação dos pacientes quan-to ao correto uso da profilaxia(17) e cuidados globais aopaciente reumático, como a disponibilidade de serviçode odontologia integrado ao atendimento médico(18), queé de extrema importância, visto que pacientes com fe-bre reumática têm pouco acesso a serviços de saúdee por isso, em geral, têm saúde bucal precária. A asso-ciação de infecções dentárias a lesões valvares reu-

máticas pode ter conseqüências graves, notadamentea endocardite Infecciosa.

DURAÇÃO DA PROFILAXIA ANTIBIÓTICA EMPACIENTES COM FEBRE REUMÁTICA

O risco aumenta com vários ataques prévios, en-quanto o risco diminui quanto maior for o intervalo des-de o ataque mais recente. A probabilidade de se ad-quirir infecção estreptocócica de trato respiratório su-perior é uma consideração importante. Pacientes comaumento da exposição a infecções estreptocócicas in-cluem crianças e adolescentes, pais de crianças jovens,professores, médicos, enfermeiras, outros profissionaisde saúde em contato com crianças, recrutas militarese outros em ambientes cheios e fechados (aglomera-ções). Tem-se demonstrado alto risco de recorrênciaem populações com dificuldades econômicas.

Médicos devem considerar cada situação individualquando determinam a duração adequada da profilaxia.

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Profilaxia dafebre reumática

Pacientes que tiveram car-dite reumática são tam-bém de alto risco relativode recorrência de carditee provavelmente de man-ter um envolvimento cardí-aco grave e crescente comcada recorrência. Por isso,pacientes que tiveram car-dite reumática devem re-ceber profilaxia antibióticapor longos períodos, talvez

por toda a vida. A duração da profilaxia depende dehaver ou não valvulopatia residual. A profilaxia deveser mantida mesmo após a cirurgia valvular, incluindocolocação de prótese valvular. Pacientes que tiveramfebre reumática sem cardite são consideravelmente demenor risco para envolvimento cardíaco com recorrên-cia. Portanto, a profilaxia pode ser interrompida nes-ses indivíduos após vários anos. Em geral, a profilaxiadeve continuar até cinco anos após o último ataque defebre reumática ou 21 anos de idade, conforme seja otempo. A decisão de interromper ou reiniciar a profila-xia deve ser feita após discussão com o paciente dospotenciais riscos e benefícios, além de cuidadosa con-sideração dos fatores de risco epidemiológicos citadosanteriormente (Tab. 3). Em pacientes que possuamexposição ocupacional ao estreptococo, como médi-cos, dentistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,professores, trabalhadores em creches e que tenhamseqüelas graves decorrentes da febre reumática, a pro-filaxia deve ser mantida enquanto persistir a exposiçãoocupacional. Dessa forma, esse grupo de pacientesdeve manter a profilaxia enquanto estiverem atuandoprofissionalmente.

Tabela 3. Duração da profilaxia antibiótica em pacien-tes com febre reumática.

Categoria Duração

Febre reumática com cardite Pelo menos dez anose seqüela valvar após o último surto,

pelo menos até os 40anosAlgumas vezes pela

‘ vida inteiraFebre reumática com cardite Dez anos ou até asem seqüela valvar idade adulta,

o que for mais longoFebre reumática sem cardite Cinco anos ou até os

21 anos, o que formais longo

PERSPECTIVAS

O maior desafio para o controle efetivo da febre reu-mática é o desenvolvimento de uma vacina contra oestreptococo beta-hemolítico do grupo A. Essa vacinatraz muitos desafios, sendo o principal deles identificarum peptídeo que ao mesmo tempo confira proteção enão desencadeie a reação imune tardia que causa afebre reumática. No Instituto do Coração (InCor/HC-FMUSP), o grupo do laboratório de imunologia tem fei-to pesquisas relevantes sobre a fisiopatologia da febrereumática(19) e trabalha atualmente para o desenvolvi-mento de vacina, que poderá ser o desenvolvimentoque vai erradicar definitivamente as complicações tar-dias de infecções estreptocócicas, como a febre reu-mática.

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RHEUMATIC FEVER PROPHYLAXIS

FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA

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Key words: rheumatic fever, prophylaxis, valvular heart disease.

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TARASOUTCHI Fe col.

Profilaxia dafebre reumática

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GRINBERG M e col.Indicação cirúrgica nafebre reumática aguda

INTRODUÇÃO

A prevalência de febre reumática e de cardiopatiareumática crônica em uma determinada comunidadesão reflexo do nível de cuidados preventivos primári-os(1). Em muitos países desenvolvidos a doença tor-nou-se rara, enquanto em países em desenvolvimen-to, como o Brasil, a cardiopatia reumática crônica per-manece como a maior causa de doença cardíaca en-tre crianças e adultos jovens.

A febre reumática é seqüela de uma infecção deorofaringe pelo estreptococo beta-hemolítico do grupoA de Lancefield, e acomete 3% a 4% das crianças nãotratadas. A doença reumática cardíaca aparece no pe-ríodo de quatro a oito semanas ou mais tardiamenteem cerca de 30% das crianças acometidas por febrereumática. A doença reumática é das que acarretammaiores custos para o Sistema Único de Saúde e paraa comunidade em geral, pois acomete indivíduos mui-

INDICAÇÃO CIRÚRGICA NAFEBRE REUMÁTICA AGUDA

MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA

Unidade Clínica de Valvopatia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —CEP 05403-900 — São Paulo — SP

A febre reumática ainda tem alta prevalência em nosso meio, e sua manifestaçãomais temível é a cardite reumática. A cardite acarreta inflamação de todos os folhe-tos do coração, mas suas conseqüências manifestam-se de forma mais pronuncia-da no miocárdio e no endocárdio. A insuficiência cardíaca na cardite grave ocorretanto por disfunção miocárdica como por aparecimento ou aumento de regurgitaçãovalvar. Nos raros casos de insuficiência cardíaca refratária, a pulsoterapia se faznecessária; se houver insuficiências graves, pode ser necessária a abordagem ci-rúrgica na fase aguda da doença. Tal intervenção, entretanto, deve ser realizada noperíodo de estado apenas em pacientes com insuficiência cardíaca refratária, pelasdificuldades técnicas e alta mortalidade.

Palavras-chave: febre reumática, cardite reumática aguda, tratamento, indicaçãocirúrgica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:92-6)RSCESP (72594)-1513

to jovens e freqüentemente determina múltiplas inter-nações hospitalares e cirurgias. Estima-se que 30% dascirurgias cardíacas no Brasil se devam a seqüelas defebre reumática, porcentual que se eleva a 90% quan-do consideramos apenas as cirurgias cardíacas infan-tis. Segundo dados do DATASUS (Fig. 1), nos últimosdez anos houve uma média de 10 mil casos de febrereumática aguda por ano que necessitaram de inter-nação hospitalar. Esse é um valor extremamente ele-vado, considerando-se que esta, entre as doenças car-diológicas, é com certeza a mais facilmente evitável(2).A Figura 1 analisa internações por febre reumática agu-da, segundo dados do sistema DATASUS. Devemosressaltar que a internação por febre reumática agudaé evento raro, que ocorre em menos de 5% dos casos.Em geral, os surtos reumáticos podem ser acompa-nhados e medicados ambulatorialmente. A quase tota-lidade dos casos de artrite e de coréia reumáticas podeser acompanhada sem necessidade de internação.

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GRINBERG M e col.Indicação cirúrgica nafebre reumática aguda

Dessa forma, a maiorparte dos pacientes comatividade reumática quenecessita de internaçãosão aqueles com acome-timento cardíaco de grauimportante. Esses pacien-tes têm quadros que po-dem variar de leve insufi-ciência cardíaca até a car-dite fatal, quadro que ain-da ocorre em países com

Figura 1. Número de casos de febre reumática aguda internados por ano.

alta incidência de febre reumática, como o nosso. Emcasos raros, o acometimento cardíaco pode ser de talimportância que há a necessidade de tratamento cirúr-gico na fase de estado da doença.

QUADRO CLÍNICO DA CARDITE REUMÁTICA

A cardite é a mais grave das manifestações da fe-bre reumática, por deixar seqüelas (cardiopatia reumá-tica crônica). Em nosso meio, cada vez mais pacientestêm quadros de cardite e se apresentam assintomáti-cos ou oligossintomáticos, tornando cada vez mais di-fícil o diagnóstico da cardite aguda. O fato de a carditeser uma manifestação predominantemente celular fazcom que possam não haver outros sintomas como ar-trite e/ou coréia, manifestações predominantementehumorais, dificultando assim o reconhecimento da do-ença. Outras manifestações celulares como os nódu-los subcutâneos podem acompanhar a cardite, e porisso são classicamente marcadores de cardite grave.

O uso precoce de antiinflamatórios não-hormonais tam-bém pode dificultar o reconhecimento da cardite reu-mática, impedindo seu reconhecimento e tratamentoadequados.

Freqüentemente a cardite aguda reumática é as-sintomática, e nem por isso é menos grave: muitos pa-cientes apresentam-se tardiamente com sintomas de-correntes de seqüelas valvares reumáticas, não saben-do relatar sintomas compatíveis com surto agudo reu-mático. Como o uso de antiinflamatórios hormonais e,principalmente, a instituição precoce da profilaxia se-cundária podem mudar radicalmente o prognóstico des-

ses pacientes, o diagnóstico do surto de cardite agudaé de extrema importância.

Hoje podemos dizer que há dois tipos de carditegrave: a cardite considerada grave por ter sintomas deinsuficiência cardíaca e miocardite na fase aguda e acardite silente na fase aguda, mas que determina im-portantes seqüelas valvares, que se tornam clinicamen-te aparentes décadas após o surto agudo.

Pode ser didaticamente dividida em :— Cardite leve — Paciente com quadro de taquicardia

desproporcional à febre, abafamento da primeira bu-lha, sopros sistólicos regurgitativos discretos emárea mitral, aumento do intervalo PR no eletroardi-ograma, com área cardíaca normal à radiografia. Naquase totalidade dos casos é assintomática.

— Cardite moderada — Compreende os sintomas dacardite leve acrescidos de pericardite (dor precordi-al que melhora com a posição genopeitoral, e pioracom o decúbito e com a inspiração, acrescida deatrito pericárdico à ausculta). Os sopros em geral

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GRINBERG M e col.Indicação cirúrgica nafebre reumática aguda

são mais intensos e há au-mento discreto a modera-do da área cardíaca, po-dendo haver imagem car-díaca sugestiva de derra-me pericárdico. O eletro-cardiograma pode revelarprolongamento do interva-lo QT, complexos QRS debaixa voltagem e sobre-carga de câmaras esquer-das. A maioria dos pacien-

tes que não apresenta pericardite é assintomática.— Cardite grave — O principal sintoma da cardite gra-

ve é a insuficiência cardíaca. Pode ocorrer já no pri-meiro surto de febre reumática, mas é mais comumnas recorrências desta. Pode se iniciar de formainespecífica, com anorexia, astenia, palidez e taquip-néia, principalmente em crianças. Tais sintomas logosão superajuntados àqueles da insuficiência cardí-aca, como edema de membros inferiores, oropnéia,dispnéia paroxística noturna e hepatomagalia dolo-rosa.

FISIOPATOLOGIA DA CARDITE REUMÁTICA

Hoje na literatura há diversos relatos de que a dis-função miocárdica na cardite reumática seria decor-rente apenas do grau de regurgitação valvar. Essa teo-ria foi baseada no fato de que não foram achadas ele-vações dos níveis séricos de troponinas cardíacas nafase aguda da febre reumática. Discordamos, entretan-to, dessa interpretação. Na cardite aguda, o fator mio-cárdico é somado ao fator valvar para, em conjunto,produzirem os sintomas da insuficiência cardíaca.

Devemos lembrar que nem sempre é necessário quehaja necrose miocárdica para que a disfunção ventri-cular se estabeleça. Fatores humorais presentes nosestados inflamatórios, como as citocinas pró-inflama-tórias, podem produzir disfunção ventricular reversívelsem necrose miocárdica. O fator de necrose tumoralalfa (TNF) e a interleucina-6 (IL-6) podem produzir dis-função ventricular por vias dependentes de esfingomi-elinase(3, 4) neutra e de óxido nítrico. Assim, a fase agu-da da febre reumática pode produzir disfunção ventri-cular reversível sem necrose miocárdica.

É interessante também observarmos que a respos-ta inflamatória que ocorre na valva é diferente da res-posta inflamatória que ocorre no miocárdio na febrereumática. A análise do perfil de citocinas no tecidocardíaco de pacientes com doença reumática cardía-ca grave mostrou predomínio de células mononuclea-res secretoras de TNF alfa e IFNγ (padrão Th1), en-quanto raras células mononucleares infiltrantes dasválvulas produzem IL-4, citocina reguladora da resposta

inflamatória. Considerando-se que as lesões valvula-res reumáticas são lentas e progressivas, a baixa pro-dução de IL-4 e, conseqüentemente, a manutenção dainflamação local estão correlacionadas com a progres-são das lesões valvares na doença reumática cardía-ca, enquanto no miocárdio, em que há grande númerode células produtoras de IL-4, ocorre cura da miocardi-te após algumas semanas(5).

QUADRO CLÍNICO

O exame físico na cardite grave em geral revela ta-quicardia, sendo característicos os sopros mitrais. Oaumento do volume de sangue proveniente do átrio es-querdo pode também gerar um sopro diastólico, espe-cialmente quando os folhetos mitrais estão espessa-dos, como acontece na doença reumática. Na fase ati-va dessa doença, observamos hipofonese de B1, as-sociada a sopro sistólico regurgitativo e sopro diastóli-co em ruflar sem reforço pré-sistólico (sopro de Carey-Coombs). A valvulite aguda leva à insuficiência mitralaguda, que determina aumento do volume em átrioesquerdo e aumento do fluxo sanguíneo na diástoleatrial, que faz vibrar a valva espessada pelo processoinflamatório agudo. Pelos motivos acima descritos, essesopro é indicativo de valvulite reumática ativa. Diferen-ciamos esse sopro da dupla disfunção mitral estabele-cida por não haver hiperfonese de B1, estalido de aber-tura de mitral ou reforço pré-sistólico no sopro diastóli-co, além do quadro clínico, que é bastante diferentenas duas doenças. O sopro mais comum na carditereumática é o sopro sistólico regurgitativo mitral.

O eletrocardiograma pode revelar sobrecarga de câ-maras esquerdas e, por vezes, arritmias atriais. Um si-nal importante nesse exame é a presença de bloqueioatrioventricular do primeiro grau, que inclusive é crité-rio menor de Jones para o diagnóstico. A radiografiade tórax em geral apresenta grande aumento da áreacardíaca e da congestão pulmonar. O ecocardiograma,especialmente o transesofágico, além do espessamentovalvar e das insuficiências valvares, pode mostrar aspequenas verrucosidades reumáticas na borda dasvalvas características de atividade reumática. Outroexame de imagem que pode ser útil nessa fase é acintilografia cardíaca com gálio-67, que tem boa espe-cificidade para a miocardite reumática.

TERAPÊUTICA

As medidas gerais são muito importantes, como res-trição hidrossalina e repouso absoluto, por quatro a seissemanas no caso da cardite leve e moderada e até ocontrole da insuficiência cardíaca no caso da carditegrave, com retorno gradual às atividades após esseperíodo. Embora alguns grupos tenham utilizado an-

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GRINBERG M e col.Indicação cirúrgica nafebre reumática aguda

tiinflamatórios não-hormo-nais no tratamento da car-dite, entendemos quecomo mais grave manifes-tação da doença reumáti-ca, a cardite deve ser tra-tada necessariamentecom antiinflamatórios hor-monais. Também destaca-mos que atualmente,como a maioria (mais de80%) dos casos de cardi-

te reumática aguda é assintomática, a identificação decardite reumática, mesmo que subclínica, demonstraque há grande inflamação miocárdica, que deve sertratada vigorosamente por sua gravidade. Dessa for-ma, não aconselhamos o uso de antiinflamatórios não-hormonais para o tratamento da cardite.

O antiinflamatório de escolha é a prednisona, nadose de 1 mg/kg para os casos leves e de 2 mg/kg noscasos graves, máximo de 60 mg/dia, com uma dosepor dia, pela manhã. Em pacientes com insuficiênciacardíaca de difícil controle está indicada a pulsotera-pia com metilprednisolona, na dose de 1 g por três diasconsecutivos (diluído em soro e administrado lentamen-te), podendo ser repetida até quatro vezes. Em crian-ças a dose é de 10 mg/kg a 40 mg/kg de metilpredni-solona, e após a pulsoterapia os pacientes devem con-tinuar com corticoterapia oral. Os corticóides devem sermantidos por três a quatro semanas em dose máxima,quando então deve ser feita a retirada gradual, e mé-dia de 20% por semana, não sendo necessária, emnossa experiência, associação de ácido acetilsalicílicona retirada do corticóide. A duração da corticoterapiapode ser guiada por parâmetros clínicos, como a ta-quicardia (o mais sensível marcador clínico de ativida-de reumática) ou o grau de insuficiência cardíaca. Pa-râmetros laboratoriais como mucoproteínas, alfa-1 gli-coproteína ácida e fração alfa-2 da eletroforese de pro-teínas também devem ser usados para acompanha-mento da terapêutica.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O tratamento cirúrgico em pacientes com febre reu-mática pode ser considerado uma medida de exceção.A maioria dos pacientes tem boa resposta clínica quan-do realizada corticoterapia, seja por via oral seja endo-venosa, na forma de pulsoterapia, nos casos mais gra-ves. Apenas pacientes que têm insuficiência cardíacarefratária, associada a importante disfunção ventricu-lar, devem ser considerados para tratamento cirúrgicona fase aguda da doença. De modo geral, os pacientesque são considerados para tratamento cirúrgico devemter ao menos realizado tratamento com corticóide em

altas doses (pulsoterapia com metil-prednisolona) an-tes de serem considerados para cirurgia.

A valvulite reumática aguda pode produzir lesõesvalvares de importante repercussão hemodinâmica nafase aguda, podendo levar à rotura de cordas tendíne-as da valva mitral. Essa insuficiência mitral aguda é dedifícil compensação clínica, e freqüentemente pode ne-cessitar de correção cirúrgica ainda na fase aguda dadoença. A febre reumática aguda também pode levar,embora mais raramente, a graves disfunções e até ro-tura da valva aórtica.

O tratamento cirúrgico na fase aguda traduz-se emmaior risco para o paciente, pois, em decorrência dainflamação, as estruturas estão mais friáveis e mesmoo acesso ao campo cirúrgico pode estar prejudicado,caso esteja presente a pericardite fibrinosa da febrereumática.

CUIDADOS COM O CANDIDATO A CIRURGIA NAFASE AGUDA DA FEBRE REUMÁTICA

Pacientes com febre reumática aguda que estãosendo considerados para cirurgia cardíaca represen-tam uma população de extrema gravidade e, dessa for-ma, devem ser preferencialmente cuidados em ambi-ente de terapia intensiva, com monitorização constan-te. O uso de diuréticos venosos (digital) é útil e como aquase totalidade das lesões agudas da febre reumáti-ca consiste de regurgitações valvares, está indicado ouso de vasodilatadores, como os inibidores da enzimaconversora de angiotensina ou, nos casos críticos, onitroprussiato de sódio venoso. Esses pacientes fre-qüentemente necessitam também se suporte inotrópi-co com dobutamina na dose de 5 µg/kg/min a 20 µg/kg/min. Casos com congestão pulmonar refratária po-dem se beneficiar de pressurização das vias aéreascom ventilação não-invasiva e CPAP. Devemos ressal-tar que não devem ser esperadas grandes melhorashemodinâmicas para a indicação cirúrgica.

Técnica cirúrgicaApesar da gravidade do quadro, o tratamento cirúr-

gico na fase aguda da febre reumática nem sempre ésinônimo de troca valvar. Em nosso meio, procedimen-tos conservadores têm sido descritos para o tratamen-to das lesões decorrentes da febre reumática aguda(6).Crianças e adolescentes constituem a maioria dos pa-cientes reumáticos com cardite grave, e sabe-se quenessa faixa etária o implante de prótese biológica estáassociado a alto índice de calcificação e necessidadeprecoce de reoperação por disfunção protética. Comosolução alternativa, o implante de prótese metálicamostra-se pouco satisfatória em nossa realidade, poiso fato de serem portadores de febre reumática já de-monstra que esses pacientes provêm de áreas e de

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GRINBERG M e col.Indicação cirúrgica nafebre reumática aguda

SURGICAL INDICATION IN ACUTE RHEUMATIC FEVER

MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA

Rheumatic fever is still frequent and its most dreadful feature is the rheumaticcarditis. Carditis leads to inflammation of all layers of the heart, but the myocarditisand the rheumatic endocarditis are the features that lead to severe consequences.Heart failure ensues due to myocarditis and also due to new or increased valvularregurgitation. In the rare cases of heart failure resistant to conventional treatmenthigh-dose intravenous corticosteroid therapy is essential and surgical correction ofthe valvular regurgitations may be necessary. However, the surgery correction, dueto its high risk, must only be performed in patients who fail to improve with medicaltreatment.

Key words: rheumatic fever, acute rheumatic carditis, treatment, surgical indication.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:92-6)RSCESP (72594)-1513

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dificuldades para se adequar às necessidades de se-guimento e cuidado demandadas pela anticoagulaçãooral.

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

INTRODUÇÃO

As doenças não-transmissíveis são responsáveispelas principais causas de morte e incapacidade nomundo e representam grande desafio para o setor desaúde no que se refere ao desenvolvimento global(1, 2).

Na América Latina e no Caribe, as doenças não-transmissíveis de maior importância para a Saúde Pú-blica são as cardiovasculares, o câncer e o diabetesmelito. As doenças cardiovasculares abrangem a do-ença isquêmica cardíaca, a doença cerebrovascular, ahipertensão arterial, a falência cardíaca e a doença car-díaca reumática(1-3).

Dentre as doenças cardiovasculares, destacamosa doença isquêmica cardíaca, que está intimamenteligada ao processo de aterosclerose, em decorrênciado aumento da vida média e do envelhecimento da

FATORES DE RISCO EM PACIENTES COM INFARTOAGUDO DO MIOCÁRDIO EM HOSPITAL PRIVADO

KELLI CRISTINA SILVA DE OLIVEIRA, MARIA LÚCIA ZANETTI

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Av. Bandeirantes, 3900 — Bairro Monte Alegre — Campus Universitário — USP —CEP 14040-902 — Ribeirão Preto — SP

Este estudo descritivo teve como objetivo identificar os fatores de risco relaciona-dos ao meio ambiente, à biologia humana, ao estilo de vida e aos serviços de saúdedos pacientes internados em um hospital privado, até 48 horas após o infarto agudodo miocárdio. Foram entrevistados 31 pacientes infartados, no período de janeiro ajulho de 2003. Os resultados apontam que, dos 31 (100%) pacientes investigados, amaioria era alfabetizada (93,5%), do sexo masculino (61,3%), encontrava-se na fai-xa etária de 40 a 49 anos (54,9%), com sobrepeso ou obesidade classes I e II(58,1%), e apresentava antecedentes familiares de hipertensão arterial sistêmica(74,2%). Observou-se que 93,6% deles utilizavam frituras nas refeições, 58,1% fazi-am uso de bebida alcoólica, 32,2% eram fumantes e 29,0% eram ex-fumantes, 58,1%não praticavam atividade física, e 54,8% estavam realizando tratamento de hiper-tensão arterial e diabetes melito. Com isso, ficou demonstrada a necessidade deimplementação de programa educativo específico para a prevenção de condiçõescrônicas de saúde para essa clientela.

Palavras-chave: fatores de risco, infarto do miocárdio, enfermagem.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:1-11)RSCESP (72594)-1514

população. Esse fenômeno, que foi observado princi-palmente nos países desenvolvidos, hoje vem ocorren-do também nas áreas mais desenvolvidas dos chama-dos países de Terceiro Mundo(4, 5).

Numa revisão da literatura, as pesquisadoras verifi-caram que a classificação dos fatores de risco para asdoenças cardiovasculares, em particular o infarto agu-do do miocárdio, tem sido ampliada. Dentre os fatoresde risco que predispõem as pessoas às doenças car-diovasculares estão: hábitos do estilo de vida (aumen-to da ingesta de gordura saturada, colesterol, sedenta-rismo, tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemias,intolerância à glicose, resistência à insulina) e históriafamiliar de doença cardiovascular prematura (obesida-de, alcoolismo e estresse)(6).

Assim, quando as pessoas se expõem a esses fa-tores de risco, ficam sujeitas a essas doenças. No en-

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2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005

OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

tanto, devemos considerarque a exposição a tais fa-tores também é decorren-te de pobreza, baixos ní-veis de escolaridade, ali-mentação inadequada, fal-ta de saneamento básicoe qualidade do ambienteem que o indivíduo vive,situações que levam àmaior exposição de agen-tes patológicos(1).

Então, é necessário que o profissional de saúde eos tomadores de decisão da área da saúde compreen-dam o conceito de risco. Os fatores de risco referem-se a qualquer atributo de exposição do indivíduo queaumente a probabilidade de que ele padeça de enfer-midade não-transmissível. No contexto da Saúde Pú-blica, as verificações desses fatores nos auxiliam adescrever a distribuição de uma enfermidade futuranuma população e não a predizer a saúde de uma pes-soa em particular(2).

Cabe ressaltar que a construção do risco tem cará-ter coletivo e, portanto, a associação de condições derisco faz parte do processo de produção de doenças.Outro ponto a considerar é que a concepção de riscodifere de pessoa para pessoa, pois a percepção acer-ca desse mesmo risco é influenciada pela cultura, pelomeio ambiente, pela mídia e por grupos de interesse eacesso aos produtos, e motivada pelo processo de glo-balização, que ocorre nas últimas décadas(2).

Mesmo considerando que não é possível modificarmuitos dos fatores de risco associados às doenças, ospesquisadores têm procurado identificá-los e quantifi-cá-los para a saúde.

Partindo dessas considerações, procuramos identi-ficar, por meio deste estudo, o estilo de vida dos paci-entes com infarto agudo do miocárdio, tendo em vistaos avanços tecnológicos e terapêuticos que auxiliamno tratamento da doença isquêmica do coração, pro-longando, assim, a vida do paciente.

REFERENCIAL TEÓRICO

Diante da abrangência dos fatores de risco que en-volvem os pacientes com infarto agudo do miocárdio,ou seja, os fatores biológicos, sociais, culturais e o sis-tema de saúde, optamos por utilizar o referencial teóri-co de Campo de Saúde(7). Essa escolha possibilitará aanálise de aspectos que abrangem o processo de do-ença dos pacientes, os quais apresentam essa condi-ção crônica sob diferentes formas, ou seja, meio ambi-ente, biologia humana, estilo de vida e organização dosistema de saúde.

O conceito de Campo de Saúde é composto por

quatro elementos principais: meio ambiente, biologiahumana, estilo de vida e organização do sistema desaúde. Construídos a partir da identificação das cau-sas e dos fatores que desencadeavam doenças e mor-tes no Canadá, esses elementos possibilitaram esta-belecer o nível de saúde da população, naquele país.

Quanto ao conceito de meio ambiente, este incluitodos os aspectos relacionados à saúde externos aocorpo humano e relacionados ao ambiente tanto físicocomo social dos indivíduos. A biologia humana abran-ge os aspectos físicos e mentais da saúde, que se re-ferem ao corpo humano e à constituição orgânica doindivíduo. Já o estilo de vida consiste no conjunto dedecisões tomadas pelo indivíduo, sobre as quais elepossui maior ou menor controle e que afetam sua saú-de. Do ponto de vista da saúde, decisões e hábitospessoais insatisfatórios criam os riscos autocriados. Porfim, a organização do sistema de saúde é definido quan-to a qualidade, quantidade, administração, natureza erelações de pessoas e recursos, no oferecimento docuidado de saúde, do qual fazem parte a equipe e asinstituições de saúde.

OBJETIVO

Identificar os fatores de risco relacionados ao meioambiente, à biologia humana, ao estilo de vida e aosserviços de saúde de pacientes internados em hospi-tal privado, até 48 horas após o infarto agudo do mio-cárdio.

MATERIAL E MÉTODOS

Delineamento do estudoUtilizamos, para esse fim, o método descritivo.

Local do estudoA pesquisa foi desenvolvida no Hospital São Fran-

cisco e no Hospital do Coração de Ribeirão Preto, noEstado de São Paulo.

População e amostra do estudoNo período de janeiro a julho de 2003, 42 pacientes

foram internados na Unidade Coronariana do hospitalem estudo, com suspeita diagnóstica de infarto agudodo miocárdio. A amostragem feita por conveniênciaatendeu aos seguintes critérios de inclusão: o pacientedeveria apresentar diagnóstico de infarto agudo domiocárdio, confirmado mediante a realização de exa-me clínico pelo médico; eletrocardiograma e alteraçõesdos exames laboratoriais de dosagem de enzimas dacreatina-cinase-CK com as isoenzimas; desidrogena-se lática-LDH e músculo cardíaco-CKMB; encontrar-se no segundo dia de infarto agudo do miocárdio, ouseja, até 48 horas após o infarto agudo do miocárdio;

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 3

OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

estar sem dor e concordarem participar da pesquisaapós assinatura do termode consentimento informa-do. Assim, a amostra foiconstituída por 31 pacien-tes internados com infartoagudo do miocárdio.

Variáveis do estudoAs variáveis do estudo

foram relacionadas à iden-tificação (nome, registro, enfermaria, leito, endereçocompleto e tipo de plano de saúde), ao meio ambiente(nível de instrução, profissão, ocupação, turno de tra-balho, número de empregos, renda familiar, estado ci-vil, número de filhos, procedência e local de residên-cia), à biologia humana (sexo, idade, peso, altura, índi-ce de massa corporal, história familiar de doenças car-diovasculares, antecedentes familiares de morte pordoença cardiovascular e uso de hormônio feminino),ao estilo de vida (causas atribuídas pelo paciente paraa ocorrência do infarto agudo do miocárdio, hábitos ali-mentares, consumo de bebidas alcoólicas, atividadefísica, tabagismo, estresse e padrão do sono), e ao sis-tema de saúde (informações referentes à doença atu-al, conhecimento do diagnóstico, dúvidas quanto à do-ença, tratamentos médicos e utilização de outro siste-ma de saúde).

Elaboração do instrumento de coleta de dadosElaboramos um roteiro sistematizado, consideran-

do as variáveis do estudo, a experiência pessoal dopesquisador e a revisão da literatura. Esse instrumen-to, composto de cinco partes, continha 42 questõessemi-abertas e três abertas.

Estudo pilotoO estudo piloto foi realizado na Unidade Coronaria-

na do hospital em estudo, em janeiro de 2003, comcinco pacientes infartados.

Coleta de dadosObtivemos os dados das variáveis do estudo medi-

ante entrevistas dirigidas, realizadas na Unidade Co-ronariana, ocasião em que o pesquisador registrou noinstrumento os dados colhidos.

Organização dos dados para análiseOs dados contidos no formulário receberam códi-

gos específicos, quando selecionamos as variáveis, queeram transportadas para uma planilha. Montamos aestrutura do banco de dados a partir das planilhas,sendo o mesmo formatado no programa SPSS 9.0 forWindows. Para análise dos dados, utilizamos normas

preconizadas para um estudo descritivo, sendo a mes-ma fundamentada no referencial teórico do Modelo deCampo de Saúde.

Aspectos éticosSubmetemos o estudo à análise do Comitê de Ética

da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Uni-versidade de São Paulo e, após sua aprovação, escla-recemos aos sujeitos participantes os objetivos e a na-tureza da investigação. Antes de iniciarmos as entre-vistas, os participantes assinaram o termo de consen-timento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise das variáveis relacionadas à identificaçãoe ao meio ambiente

Dos 31 (100%) pacientes investigados, 21 (67,7%)receberam atendimento do plano de saúde São Fran-cisco Clínicas; 2 (6,5%), da Cooperativa de TrabalhoMédico Unimed-Ribeirão Preto-SP; 1 (3,2%), particu-larmente; e 7 (22,6%), de outros planos de saúde.

Em relação ao nível de instrução, os dados maisexpressivos apontam que 5 (16,1%) cursaram o pri-meiro grau incompleto e 11 (35,5%), o primeiro graucompleto (Tab. 1).

Estudo randomizado realizado no Brasil, sobre osfatores de risco para o infarto agudo do miocárdio, de-monstrou que, quanto ao grau de instrução, os pacien-tes, em sua maioria, eram analfabetos ou com baixograu de escolaridade. Demonstrou, ainda, que não hou-ve diferenças significativas entre os pacientes investi-gados quanto ao nível de escolaridade e risco para odesenvolvimento do infarto agudo do miocárdio(8).

Quanto à profissão, os dados desta pesquisa de-monstraram que 12,9% e 9,7% dos pacientes eram em-presários e comerciantes, respectivamente, o que levaa pensar que esses indivíduos podiam estar de algu-ma forma sob estresse ocupacional (Tab. 1).

Em relação ao turno de trabalho, 24 (77,4%) paci-entes com infarto agudo do miocárdio desenvolviamseu trabalho no período diurno; 1 (3,2%), no vesperti-no; 4 (12,9%) deles encontravam-se sem trabalho; e 2(6,5%), em outros turnos.

Em relação a estarem ou não empregados, dos 31(100%) pacientes investigados, 24 (77,4%) tinham umemprego; 2 (6,5%), dois; 1 (3,2%), quatro ou mais; e 4(12,9%) encontravam-se sem trabalho.

A renda familiar dos pacientes com infarto agudodo miocárdio variou de 2 a 15 salários mínimos ou mais(Tab. 1). Em contrapartida, a renda familiar da maioriados pacientes com infarto agudo do miocárdio atendi-da em hospital público era inferior a 3 salários-míni-mos(9).

A associação entre um pobre estado de saúde e

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

baixo nível socioeconômico tem sido observada no úl-timo século; assim, há fortes evidências de que a baixacondição econômica constitui fator independente derisco para a doença(10).

Analisando o estado civil (Tab. 1) dos pacientes cominfarto agudo do miocárdio, observou-se que 22 (70,9%)eram casados/amasiados. Estudo realizado em umhospital público universitário de grande porte demons-trou que a maior parte dos pacientes era casada e ti-nha filhos(9).

Além da relação entre situação conjugal do indiví-duo e índices de morbidade e mortalidade por doença

Tabela 1. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo domiocárdio, internados em hospital privado, segundo escolaridade, profissão, ocupa-ção, renda familiar e estado civil — Ribeirão Preto, SP, 2003.

n %

Escolaridade— Analfabeto 2 6,5— Primeiro grau incompleto 5 16,1— Primeiro grau completo 11 35,5— Segundo grau incompleto 3 9,7— Segundo grau completo 6 19,3— Nível superior incompleto 1 3,2— Nível superior completo 3 9,7Profissão— Médico 1 3,2— Professor 1 3,2— Administrador de empresa 1 3,2Ocupação— Dona de casa 6 19,3— Aposentado 5 16,1— Empresário 4 12,9— Comerciante 3 9,7— Representante comercial 2 2,5— Artesão 2 2,5— Trabalhador rural 2 2,5— Vendedor 2 2,5— Outros 5 16,1Renda familiar— Menor que 3 salários mínimos 4 12,9— 3 a 5 salários mínimos 10 32,2— 5 a 10 salários mínimos 10 32,2— 15 ou mais salários mínimos 7 22,6Estado civil— Casado/amasiado 22 70,9— Viúvo 4 12,9— Desquitado/divorciado 3 9,7— Solteiro 2 2,5

n = número de pacientes.

isquêmica cardíaca(11), ressaltamos a importância daparticipação da família no processo de reabilitação dapessoa acometida por infarto agudo do miocárdio parasua reintegração social(12).

No que se refere ao número de filhos, 8 (25,8%)pacientes tinham mais de três filhos; 7 (22,6%), trêsfilhos; 7 (22,6%), dois filhos; 6 (19,3%), um filho; e 3(9,7%) não possuíam filhos. Ainda quanto ao númerode filhos, cabe ressaltar que em todo o mundo as ta-xas de natalidade estão recuando, as expectativas devida avançando e as populações envelhecendo. Nadécada de 50, por exemplo, a média de filhos em uma

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

família era de seis, porémhoje a taxa de fecundida-de total diminuiu para trêsfilhos. Os dados encontra-dos neste estudo tambémrefletem essas mudan-ças(2).

Quanto ao local de mo-radia, os 31 (100%) paci-entes residiam em área ur-bana, com infra-estrutura(rede de energia elétrica e

pavimentação das ruas). No entanto, estudando a pro-cedência dos 31 (100%) pacientes com infarto agudodo miocárdio, verificamos que 14 (45,2%) eram proce-dentes de Ribeirão Preto (SP); 7 (22,6%), da região deRibeirão Preto (SP DIR XVIII) e 10 (32,2%), de outrascidades do Estado de São Paulo.

Achamos importante investigar os aspectos relaci-onados ao meio ambiente, pois o bom estado de saú-de é influenciado pelo estilo de vida, que guarda rela-ção direta com qualidade de vida e com clima harmo-nioso no ambiente de trabalho e social e consigo mes-mo(13).

Análise das variáveis relacionadas à biologiahumana

Em relação à faixa etária, constatamos que, dos 31(100%) pacientes investigados, 2 (6,5%) se encontra-vam na faixa etária de 30 a 39 anos; 7 (22,6%), de 40 a49 anos; 10 (32,2%), de 50 a 59 anos; 6 (19,3%), de 60a 69 anos; 5 (16,1%), de 70 a 79 anos; e 1 (3,2%), de

80 anos ou mais. No que diz respeito ao sexo, 19(61,3%) eram do sexo masculino e 12 (38,7%), do sexofeminino (Tab. 2).

Os dados do presente estudo apontam que 41,9%dos homens e 19,4% das mulheres, ou seja, 61,3%

Tabela 2. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo do miocárdio, internados em umhospital privado, segundo sexo e faixa etária. Ribeirão Preto, SP, 2003.

Faixa etária (em anos)

30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80 ou mais Totaln (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

Sexo— Masculino 1 (3,2) 5 (16,1) 7 (22,6) 3 (9,7) 2 (6,5) 1 (3,2) 19 (61,3)— Feminino 1 (3,2) 2 (6,5) 3 (9,7) 3 (9,7) 3 (9,7) 0 (0,0) 12 (38,7)Total 2 (6,5) 7 (22,6) 10 (32,2) 6 (19,3) 5 (16,1) 1 (3,2) 31 (100)

n = número de pacientes.

dos pacientes, se encontravam na faixa etária de 30 a59 anos de idade. Cabe destacar, no entanto, que 2(6,5%) infartados se encontravam na faixa etária de 30a 39 anos, mostrando uma tendência para o infartoagudo do miocárdio em adultos jovens, uma vez que aocorrência do infarto agudo do miocárdio no Brasil foide 58 anos(8).

Considerando que ocorre maior freqüência de paci-entes infartados entre os elementos do sexo masculi-no e que tradicionalmente são as mulheres que maisprocuram os serviços de saúde para os cuidados deprevenção e/ou tratamento, estratégias efetivas são ne-cessárias para atingir a população masculina como umtodo, no sentido de incentivá-la a buscar práticas desaúde saudáveis. As estratégias reportam-se a inter-venções comportamentais e técnicas para aumentar aaderência do indivíduo ao autocuidado, visando a di-minuir os fatores de risco para o infarto agudo do mio-cárdio. Por outro lado, é preciso que, para aqueles pa-cientes que já sofreram o primeiro infarto agudo domiocárdio, os enfermeiros busquem estratégias edu-cativas que dêem autonomia ao paciente, envolvendo-o e responsabilizando-o pelo seu cuidado, medianteinteração efetiva paciente-enfermeiro.

No que se refere ao índice de massa corporal, cons-tatou-se que 13 (41,9%) pacientes com infarto agudodo miocárdio apresentaram índice de massa corporalnormal; 8 (25,8%), sobrepeso; 8 (25,8%), obesidadeclasse I; e 2 (6,5%), obesidade classe II.

Cabe ressaltar que dos 31 (100%) pacientes inves-tigados, 10 (32,2%) estavam com obesidade classes Ie II (Tab. 3).

Também verificamos, na Tabela 3, que a obesidadeclasse II foi encontrada somente entre pacientes cominfarto agudo do miocárdio do sexo feminino. A esserespeito, estudo realizado em um hospital público de-monstrou que a maioria dos pacientes apresentou ín-

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

dice de massa corporal nor-mal, enquanto estudo defatores de risco para infartoagudo do miocárdio emmulheres indicou presençade sobrepeso e obesida-de(14).

Considerando que paci-entes com sobrepeso ouobesidade apresentam au-

Tabela 3. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo do miocárdio, internados em umhospital privado, segundo sexo e índice de massa corporal — Ribeirão Preto, SP, 2003.

Índice de massa corporal (kg/m²)Obesidade Obesidade

Normal Sobrepeso classe I classe II Totaln (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

Sexo— Masculino 9 (29,0) 5 (16,1) 5 (16,1) 0 (0,0) 19 (61,3)— Feminino 4 (12,9) 3 (9,7) 3 (9,7) 2 (6,5) 12 (38,7)Total 13 (41,9) 8 (25,8) 8 (25,8) 2 (6,5) 31 (100)

n = número de pacientes.

mento da morbidade e da mortalidade cardiovascularesquando comparados a pacientes com índice de massacorporal normal, e que 58,1% dos pacientes estudadosse encontravam com sobrepeso ou obesidade, urge oestabelecimento de protocolos de orientação que con-templem a obesidade como fator de risco para infartoagudo do miocárdio. No caso, os profissionais devem ini-ciar tais orientações já no período de internação, comacompanhamento durante o processo de reabilitação, evi-tando assim novas recidivas. Devem, ainda, nortear suaprática em evidências científicas e acreditar que os pro-gramas de saúde que proporcionam aconselhamento,educação, retroalimentação e outros auxílios aos pacien-tes podem oferecer resultados satisfatórios.

Dentre os 31 (100%) pacientes investigados, as prin-cipais doenças referidas na família estavam relacionadasa hipertensão arterial, diabetes melito, angina do peito,infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral emorte súbita.

Em relação aos antecedentes familiares para doençacardiovascular, a hipertensão arterial foi citada por 23(74,2%) pacientes, na seguinte ordem: mãe, pai e irmãos.Apenas 7 (22,6%) deles referiram que a família não apre-sentava hipertensão arterial e 1 (3,2%) desconhecia essainformação. A hipertensão arterial sistêmica foi a maisprevalente nos hospitais públicos em pacientes com in-

farto agudo do miocárdio, como antecedente pessoal(15).Ao analisarmos os antecedentes familiares dos paci-

entes infartados de um hospital privado, encontramos que16 (51,6%) deles mencionaram os pais como hiperten-sos.

Os filhos de pais hipertensos são mais propensos adesenvolver a doença do que aqueles de pais normoten-sos, pois quando pai e mãe são hipertensos a chance deo filho desenvolver a doença fica em torno de 50%(16, 17).

Quanto aos antecedentes familiares para diabetes

melito, 15 (48,3%) referiram a doença entre seus familia-res. Destes, 6 (19,3%) indicaram a mãe; 3 (9,7%), os ir-mãos; 3 (9,7%), mãe/irmãos; 2 (6,5%), o pai; e 17 (54,8%)desconheciam a presença de diabetes melito na família.A mortalidade de pacientes diabéticos com infarto agudodo miocárdio é maior que entre os não-diabéticos, emdecorrência da extensão da área de necrose, da freqüên-cia de choque e de insuficiência cardíaca(18).

Cabe ressaltar que 17 (54,8%) dos pacientes investi-gados não sabiam informar se havia diabetes melito nafamília, o que nos leva a pensar que os pacientes infarta-dos desconheciam a presença de diabetes melito comofator de risco para o infarto agudo do miocárdio. A impor-tância da educação em saúde na abordagem desse fatorde risco justifica-se, pois os indivíduos diabéticos apre-sentam risco quatro a cinco vezes maior que a populaçãogeral de desenvolver insuficiência cardíaca(19).

Ao considerarmos que 29,0% dos pacientes infarta-dos participantes dessa investigação se encontravam nafaixa etária de 30 a 49 anos, e que 48,3% deles apresen-tavam o diabetes melito como antecedente familiar, con-sideramos necessário dispensar maior atenção aos cui-dados com as doenças associadas às cardiovasculares,no que se refere à prevenção e à exposição de novosfatores de risco, por meio da implementação de progra-mas educativos específicos para essa população.

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

Quanto à angina do pei-to, apenas 7 (22,6%) paci-entes mencionaram ante-cedentes familiares: 1(3,2%) citou o pai; 5(16,1%), a mãe; 1 (3,2%), oirmão; 22 (70,9%) não ti-nham nenhum caso de an-gina do peito na família; e 2(6,5%) não souberam infor-mar. No que se refere ao in-farto agudo do miocárdio,

17 (54,8%) referiram ocorrência de infarto agudo do mio-cárdio na família: 5 (16,1%) citaram a mãe; 8 (25,8%), opai; 2 (6,5%), os irmãos; 1 (3,2%), pai e irmão; 1 (3,2%),mãe e irmão; e 14 (45,2%) não tiveram nenhum caso deinfarto agudo do miocárdio na família.

Verificamos que 15 (48,4%) pacientes infartados, in-vestigados em hospital privado, apresentavam históriafamiliar para o infarto agudo do miocárdio, sendo o pai oantecedente mais freqüente.

Quando indagamos a respeito dos antecedentes fa-miliares para acidente vascular cerebral, apenas 6 (19,3%)referiram história familiar: 3 (9,7%) indicaram o irmão; 2(6,5%), a mãe; 1 (3,2%), o pai; 24 (77,5%) não tinhamantecedentes familiares para acidente vascular cerebral;e 1 (3,2%) não soube informar.

Os dados deste estudo demonstram que apenas19,3% dos pacientes infartados de um hospital privadoreferiram antecedentes familiares para doença cerebro-vascular. Isso se justifica porque no Brasil essa doençasupera a coronariana, exceto em cidades como São Pau-lo, onde esta última representa contingente maior de víti-mas que a afecção cerebrovascular(20).

Ao analisarmos o uso de hormônio feminino, consta-tamos que das 12 (38,7%) pacientes do sexo femininocom infarto agudo do miocárdio, 7 (22,6%) faziam uso dehormônio. Quanto ao tipo de hormônio, 3 (9,7%) não sa-biam o nome do medicamento; 2 (6,5%) usavam livial; 1(3,2%), gincobiloba; e 1 (3,2%), estrogenol. Cabe menci-onar que todas as mulheres que faziam uso de hormôniofeminino referiram encontrar-se na menopausa.

Quanto ao início da menopausa, 4 (12,9%) indicaramtempo de 1 a 9 anos; 4 (12,9%), de 20 a 29 anos; 1 (3,2%),de 10 a 19 anos; e 1 (3,2%), de 30 anos ou mais.

Investigar esse fator de risco é importante, pois a pro-teção das mulheres em relação aos homens para o apa-recimento do infarto agudo do miocárdio antes da meno-pausa parece estar relacionada a alguns mecanismos dafisiologia reprodutiva, responsável por menor tendênciatrombolítica e proteção hormonal(21). Desse modo, o co-nhecimento da história familiar do paciente é um dadoextremamente importante, uma vez que podemos esti-mar riscos para a ocorrência do infarto agudo do miocár-dio e, conseqüentemente, a adoção de medidas visando

a sua prevenção.

Análise das variáveis relacionadas ao estilo de vidaAo investigarmos as principais causas para ocorrên-

cia do infarto agudo do miocárdio, observamos que 9(29,0%) pacientes referiram o estresse; 5 (16,1%) nãosouberam indicá-la; 3 (9,7%) mencionaram sedentaris-mo e estresse; e 2 (6,5%) indicaram estresse e nervosis-mo. Esses dados apontam que o estresse foi a causareferida como a mais importante para o desencadeamentodo infarto agudo entre os pacientes investigados.

Estudo realizado com trabalhadores de uma destila-ria demonstrou que a maioria deles tinha algum conheci-mento sobre os fatores de risco para as doenças cardio-vasculares, como dieta inadequada, falta de exercícios,tabagismo, ingestão excessiva de sal, álcool, estresse eobesidade(22). Desse modo, constatamos que os riscosmais referidos estão ligados aos hábitos do estilo de vidae que alguns grupos específicos conhecem os hábitosautocriados. As principais causas atribuídas para a ocor-rência do infarto, entre os pacientes de um hospital públi-co, foram estresse e tabagismo(14).

Assim, torna-se necessária a realização de outros es-tudos para conhecermos o significado da palavra estres-se para os pacientes e quais as implicações para suaqualidade de vida, considerando que as evidências cien-tíficas acerca do estresse, como fator de risco para o de-sencadeamento do infarto agudo do miocárdio, ainda sãoinconclusivas.

Quando investigamos o número de refeições realiza-das no dia anterior ao infarto agudo do miocárdio, verifi-camos que dos 31 (100%) pacientes infartados, 24(77,4%) realizaram o desjejum corretamente; 5 (16,1%),incorretamente; e 2 (6,5%), nada ingeriram no desjejum.No almoço, 24 (77,4%) alimentaram-se corretamente e 7(22,6%), incorretamente. No jantar, 16 (51,6%) procede-ram corretamente; 11 (35,5%), incorretamente; e 4 (12,9%)nada ingeriram nessa refeição.

A maioria dos pacientes estudados informou que nãotinha o hábito de fazer lanche noturno. Os números obti-dos nesse item foram: 18 (58,1%) pacientes não toma-vam lanche noturno; 9 (29,0%) o faziam de forma correta;e 4 (12,9%), de forma incorreta.

No entanto, sabemos que a alimentação saudável éimportante para a manutenção da qualidade de vida, paraa redução do peso corporal e, conseqüentemente, para obem-estar(13). Em relação ao consumo de gordura, dos31 (100%) pacientes infartados, 27 (87,1%) faziam usode frituras e 4 (12,9%), não. Quando indagados a respei-to da inclusão de frituras nas refeições, 12 (38,7%) asingeriam duas ou mais vezes por semana; 8 (25,8%), ra-ramente; e 7 (22,6%), diariamente.

Quanto ao tipo de gordura utilizado no preparo dasrefeições, 27 (87,1%) utilizavam gordura vegetal; 2 (6,5%),gordura animal; e 2 (6,5%) não utilizavam qualquer tipo

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

de gordura no preparo dasrefeições.

Os dados obtidos nestainvestigação, acerca dos há-bitos alimentares dos pacien-tes infartados de um hospitalprivado, levam-nos a pensarque a estratégia a ser adota-da para a prevenção do in-farto deve ter como foco ummodelo voltado à populaçãoem geral. No entanto, propor-

cionar atenção à saúde e à educação a um membro da famí-lia, durante o período de internação, pode resultar na redu-ção de riscos para os membros mais próximos, visto que osfatores de risco tendem a se concentrar nas famílias.

No que se refere à atividade física, dos 31 (100%) paci-entes com infarto agudo do miocárdio, apenas 13 (41,9%)realizavam algum tipo de atividade física: 9 (29,0%) faziamcaminhada; 1 (3,2%), caminhada e bicicleta; 1 (3,2%), mus-culação; 1 (3,2%), caminhada e hidroginástica; 1 (3,2%), ca-ratê; e 18 (58,1%) não praticavam qualquer atividade física.Verificando a freqüência e a duração da atividade física, per-cebemos que 7 (22,6%) pacientes realizavam uma vez porsemana, com duração de 60 minutos ou mais; 4 (12,9%),três vezes por semana, com duração de 30 a 39 minutos; e 2(6,5%), duas vezes por semana, com duração de 40 a 49minutos.

A prática adequada e regular de atividade física tem sidoadmitida como uma das mais importantes e eficazes medi-das para a prevenção da doença arterial coronariana, para apreservação da saúde e para a qualidade de vida das pes-soas, uma vez que um dos fatores de risco para doençascoronarianas é o sedentarismo(13, 23-25).

A falta de exercícios físicos regulares, caracterizando osedentarismo, foi o fator de risco mais prevalente encontradona maioria dos pacientes infartados de um hospital públi-co(15).

Ao se constatar que a maioria, 18 (58,1%) pacientes in-vestigados, era sedentária, foi apresentado a esses pacien-tes um programa de orientação acerca da importância daatividade física, antes da alta hospitalar, com o qual tentou-se motivá-los a buscar apoio e engajamento em programasdessa natureza oferecidos à comunidade.

Outro fator de risco autocriado que investigamos foi o ta-bagismo. Dos 31 (100%) pacientes com infarto agudo domiocárdio, 10 (32,2%) eram fumantes, sendo 6 (19,3%) dosexo masculino e 4 (12,9%) do sexo feminino; 12 (38,7%)não fumavam; e 9 (29,0%) eram ex-fumantes. Quanto à quan-tidade de cigarros consumidos, 6 (19,3%) fumavam um maçode cigarros por dia e 4 (12,9%), dois maços. Em relação aotempo que faziam uso de cigarro, 5 (16,1%) informaram umperíodo de 30 a 39 anos; 3 (9,7%), de 20 a 29 anos; e 2(6,5%), de 10 a 19 anos. Quando investigamos qual motivolevou os ex-tabagistas a pararem de fumar, todos apontaram

como justificativa o prejuízo que o cigarro trazia para a saú-de.

O estudo com pacientes com infarto agudo do miocárdiode hospital público demonstrou que os fumantes se encon-travam, predominantemente, na faixa etária dos 50 aos 70anos, sendo um quarto de ex-fumantes que haviam paradode fumar há mais de cinco anos(15). Esse dado é relevante,pois o tabagismo é mais prevalente entre os homens queentre as mulheres, tanto no caso dos fumantes como no dosex-fumantes(2). Em contrapartida, o risco de primeiro infartopara as mulheres fumantes é 3,6 vezes maior, quando com-parado ao risco de mulheres não-fumantes(26). Ainda em re-lação ao risco de infarto agudo do miocárdio em ex-fuman-tes, esse risco decresce rapidamente nos primeiros cincoanos, mas naqueles que consomem mais de 20 cigarros pordia o risco se iguala ao dos não-fumantes após 15 anos deabandono do vício(27). Já na tentativa do abandono do taba-gismo pode-se constatar declínio imediato da freqüência car-díaca(28, 29).

Considerando que 10 (32,2%) dos pacientes investiga-dos eram fumantes e que o hábito de fumar tem forte asso-ciação com a ocorrência de infarto agudo do miocárdio, oprofissional deve utilizar o período de internação hospitalarpara motivar o paciente a abandonar o tabagismo. No entan-to, sabemos que resultados efetivos serão conseguidos so-mente por meio de intervenções comportamentais, a longoprazo.

No que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas, dentreos 31 (100%) pacientes investigados, observamos que 18(58,1%) faziam uso de algum tipo de bebida alcoólica. Des-tes, 5 (16,1%) a ingeriam todos os dias; 6 (19,3%), nos finaisde semana; 4 (12,9%), semanalmente; 3 (9,7%), esporadi-camente; e 13 (41,9%) não faziam uso de bebida alcoólica.Quanto ao tipo de bebida alcoólica, 11 (35,5%) pacientesconsumiam cerveja; 3 (9,7%), cerveja e vinho; 2 (6,5%), cho-pe e cerveja; 1 (3,2%), cerveja e batidas; 1 (3,2%), cerveja,whisky e vinho; e 13 (41,9%) não faziam uso de bebidasalcoólicas.

O alcoolismo tem representado um problema de SaúdePública importante, na atualidade, pela sua alta prevalência,que abrange cerca de 10%. Segundo dados do Ministério daSaúde, 32,0% dos leitos em diversos hospitais foram ocupa-dos por pacientes que apresentavam doenças decorrentesdo abuso de bebida alcoólica(30).

Analisando o consumo de bebida alcoólica em pacientesinfartados de um hospital privado, vimos que esse fator derisco também deve ser contemplado no programa educativopara prevenção dos fatores de risco para o infarto agudo domiocárdio. Por isso, a abordagem ao paciente deve ser pau-tada pelo valor calórico da bebida alcoólica, pelo ganho depeso corporal e pelo risco de hipoglicemia naqueles comdiagnóstico de diabetes melito. A interação com a família éfundamental para auxiliar na busca de ajuda nos grupos deapoio da comunidade.

Em relação ao local que mais causava estresse nos 31

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

(100%) pacientes infartados,12 (38,7%) indicaram o localde trabalho; 7 (22,6%), acasa; 6 (19,3%), a rua; 1(3,2%), a casa e o local detrabalho; 1 (3,2%) sentia es-tresse o tempo todo; e 4(12,9%), em lugar nenhum.

O estresse também temse constituído em fator de ris-co importante para doençaisquêmica cardíaca, tema

que se encontra em discussão na atualidade. No entanto, elepode ser desencadeador de angina do peito, infarto agudodo miocárdio e morte súbita(31). Pacientes infartados de umhospital público denominaram o estresse de tensão nervo-sa, nervosismo e angústia(15, 32).

Estresse é apontado, ainda, como fator importante parao desenvolvimento da hipertensão arterial(33) e como um dosfatores que afetam a qualidade de vida, estando relacionadoa doenças cardiovasculares(34). Estudos acerca do padrãodo sono dos pacientes demonstraram que 10 (32,2%) delesreferiram o hábito de dormir em torno de seis a sete horaspor noite; 10 (32,2%), de oito a nove horas; 6 (19,3%), dequatro a seis horas; 2 (6,5%), de três a quatro horas; 1 (3,2%),de duas a três horas; e 2 (6,5%), nove horas ou mais.

O estudo sobre o padrão do sono como fator de riscopsicossocial para a doença isquêmica cardíaca tem sido re-comendado(21).

Variáveis relacionadas ao sistema de saúdeAo investigarmos o conhecimento que os 31 (100%) pa-

cientes infartados tinham a respeito da doença, obtivemosque a maioria, 16 (51,6%), mencionou algum conhecimentosobre a doença e 15 (48,4%) nada sabiam sobre ela.

Mesmo considerando que vários fatores de risco para oinfarto agudo do miocárdio foram citados, é preciso salientarque somente o conhecimento desses fatores não modificaos hábitos de estilo de vida; é preciso ir além, ou seja, aplicarintervenções comportamentais, as quais deverão despertaro paciente para aderir ao processo educativo contínuo e per-manente.

Investigando as dúvidas que os pacientes infartados ti-nham em relação à doença, obtivemos que dentre os 31(100%), 12 (38,7%) apresentaram dúvidas acerca do pro-cesso de doença e 11 (35,5%), não.

O interesse do paciente de hospital público, quanto aosaspectos relacionados à fisiopatologia da doença, ao prog-nóstico e à recuperação, após a ocorrência do infarto agudodo miocárdio também foi mensurado(15).

Assim, conhecer as dúvidas dos pacientes de um hospi-tal privado acerca de determinada doença, em particular oinfarto agudo do miocárdio, também pode levar os enfermei-ros a obter conhecimentos específicos para que saibam lidarcom as condições crônicas. A importância de iniciar o pro-

cesso educativo, durante a internação, coloca o paciente cominfarto agudo do miocárdio como co-partícipe no gerencia-mento de sua doença, pois seu envolvimento o responsabi-liza pelo autocuidado.

Pesquisando tratamentos médicos para outras doenças,observamos que 6 (19,3%) pacientes realizavam tratamentopara o controle da hipertensão arterial do e diabetes melito; 6(19,3%), para hipertensão arterial; 2 (6,5%), para diabetesmelito; 2 (6,5%), para hipertireoidismo; 1 (3,2%), para catara-ta/diabetes melitus; 1 (3,2%), para doença de Chagas/diabe-tes melito; 1 (3,2%), para hipertensão arterial/enfizema pul-monar; 5 (16,1%), para outras doenças; e 7 (22,6%) nãofaziam nenhum tratamento.

Entre os 31 (100%) pacientes investigados, observamosque 8 (25,8%), além de diabetes melito, eram portadores deoutras doenças; 7 (22,6%) apresentavam hipertensão arteri-al em conjunto com outras doenças; e 17 (54,8%) eram por-tadores de diabetes melito e/ou hipertensão arterial, doen-ças desencadeadas pela exposição aos fatores de risco paradoenças cardiovasculares.

Grande parcela de pacientes infartados de hospitalpúblico apresentou doenças associadas à isquemia car-díaca, tais como hipertensão arterial, diabetes melito edislipidemia(14, 32).

A importância do tratamento e da manutenção dos níveispressóricos e glicêmicos dentro dos valores de normalidadedeve constituir preocupação constante tanto da equipe desaúde como dos pacientes, pois a ocorrência de hiperten-são arterial e diabetes melito multiplica os fatores de riscopara a doença micro e macrovascular, coronariana, insufici-ência cardíaca congestiva, doença cerebrovascular e doen-ça vascular periférica(35).

Quando as pesquisadoras investigaram a respeito da uti-lização pelos pacientes de outros serviços de saúde, alémdos prestados pelo seu plano de saúde, a maioria, 21 (67,7%),referiu que utilizava somente os serviços oferecidos pelo pla-no de saúde e 10 (32,2%) informaram utilizar outros servi-ços.

Dos 10 (32,2%) pacientes infartados que faziam uso deoutros serviços, 5 (16,1%) mencionaram utilizá-los em situa-ções de urgência e outros 5 (16,1%), esporadicamente.

Reconhecemos que o hospital em estudo tem serviçoespecializado para o acompanhamento dos portadores decondições crônicas de saúde; no entanto, verificamos que osenfermeiros pouco têm indicado esse serviço aos pacientesinfartados. Diante desse fato, indagamos se os enfermeirosreconhecem a importância da educação contínua e perma-nente de pacientes que apresentam doenças desencadea-das por exposição aos fatores de risco.

Assim, é papel do enfermeiro de uma unidade coronaria-na motivar o paciente com infarto agudo do miocárdio a bus-car ajuda para o gerenciamento de sua doença no serviçoespecializado do hospital, pois no período de internação elese encontra fragilizado e sem condições de elaborar as mu-danças comportamentais necessárias quanto a seu estilo

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OLIVEIRA KCS e col.Fatores de risco em

pacientes com infartoagudo do miocárdio em

hospital privado

RISK FACTORS IN PATIENTS WITH MYOCARDIALINFARCTION IN A PRIVATE HOSPITAL

KELLI CRISTINA SILVA DE OLIVEIRA, MARIA LÚCIA ZANETTI

This is a descriptive investigation, which intended to identify the risk factors rela-ted to the environment, human biology, life style and health services of patientsadmitted in a private hospital, until 48 hours after the myocardial infarction. We inter-viewed 31 internee patients in a private hospital, from January through July 2003.Results showed that 93.5% of the patients were literate; 61.3% were male; 54.9%were aged between 40 and 49 years old; 58.1% were over weighted or fat, belongingto classes I and II; related to familiar antecedences 74.2% presented systemic arte-rial hypertension; 93.6% were accustomed to eat fried food; 58.1% used to drinkalcoholic drinks; 32.2% were smokers and 29.0% were ex-smokers; 58.1% weresedentary; and 54.8% were under arterial hypertension and mellitus diabetes treat-ment. Data showed the existence of “self created” habits, which may be modified. Itis important to mention the necessity of raising educative programs searching forchronicle diseases prevention.

Key words: risk factors, myocardial infarction, nursing.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:1-11)RSCESP (72594)-1514

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CONCLUSÕES

O conjunto de dados ob-tidos nesta investigação,com base no referencial te-órico adotado, possibilitouidentificar alguns fatores li-gados aos elementos doCampo de Saúde presen-

tes nos indivíduos estudados, dentre eles os hábitos au-tocriados, que se constituem em agravos para a ocorrên-cia da doença. Identificamos, ainda, que os pacientes in-fartados possuíam certo conhecimento dos fatores de ris-co cardiovasculares e que, mesmo conhecendo-os, seexpunham a eles, não incorporando atitudes saudáveisem seu cotidiano. Cabe destacar o interesse das pesqui-sadoras em buscar uma via de comunicação entre osenfermeiros e os pacientes com infarto agudo do miocár-dio, assim como fornecer subsídios para a elaboraçãofutura de um protocolo educativo específico para essapopulação, durante o período de internação.

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TROMBETTA IC e col.Efeito do exercício físicoe da dieta hipocalórica

na obesidade

INTRODUÇÃO

A obesidade caracteriza-se por excesso de tecidoadiposo, e ocorre pelo balanço energético positivo deforma crônica, isto é, uma ingestão calórica que sobre-passa o gasto calórico. É obeso o indivíduo do sexomasculino com quantidade de gordura corporal maiorque 20% do peso corporal, sendo o ideal de 12% a15%,e do sexo feminino com quantidade maior que 30%,sendo o ideal de 22% a 25%(1). No entanto, em estudosepidemiológicos e na clínica é muito utilizado o índicede massa corporal (IMC) como determinante dos ní-veis de obesidade, pois é uma medida facilmente obti-

EFEITO DO EXERCÍCIO FÍSICO E DADIETA HIPOCALÓRICA NA OBESIDADE

IVANI CREDIDIO TROMBETTA, PAULO HIRAI SUZUKI

Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício —Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —1º subsolo — Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP

A obesidade é uma doença multifatorial complexa, que se associa a outros fato-res de risco cardiovascular. O aumento da prevalência global da obesidade resultada combinação de suscetibilidade genética com fatores ambientais. O tratamentonão-farmacológico da obesidade por meio de dieta hipocalórica e com baixa quanti-dade em gorduras associada à atividade física regular constitui a base do tratamen-to para a diminuição dos riscos de doenças cardiovasculares em indivíduos obesos.Os principais efeitos do treinamento físico referem-se às adaptações metabólicasque favorecem o controle dos fatores de risco de doença cardiovascular. Pode-sedizer que a prática regular de exercício físico, apesar de não provocar perda de pesocorporal tão intensa quanto a dieta hipocalórica, preserva a massa magra, atenuaexpressivamente outros fatores de risco cardiovascular e evita o reganho de peso. Aprática regular de exercício físico, portanto, constitui-se em benefício independentenas várias co-morbidades da obesidade, notadamente na hipertensão arterial, nahiperglicemia e na resistência à insulina. Dessa forma, um estilo de vida ativo, comconseqüente aumento da capacidade física, pode atenuar o risco de morbidade emortalidade em indivíduos com sobrepeso ou obesos.

Palavras-chave: obesidade, treinamento físico, dieta hipocalórica, risco cardiovas-cular.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:12-20)RSCESP (72594)-1515

da pela razão do peso (em quilogramas) dividido pelaaltura ao quadrado (em metro). Na população em ge-ral, essa medida tem alta correlação positiva com aquantidade de gordura corporal. Embora os mecanis-mos que determinam a obesidade não sejam totalmenteconhecidos, sabe-se que alguns fatores interagem ecaracterizam a multifatoriedade da doença.

Parte do mais recente levantamento do “NutritionExamination Survey” (NHANES) demonstrou aumentosignificativo da prevalência de obesidade de 22,9%(NHANES III — 1988-1994) para 30,5% (1999-2000),e do sobrepeso de 55,9% para 64,5%, numa amostrarepresentativa da população americana(2). Dados recen-

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TROMBETTA IC e col.Efeito do exercício físicoe da dieta hipocalórica

na obesidade

tes demonstram compor-tamento semelhante noBrasil, com aumento daprevalência da obesidadeem todos os grupos popu-lacionais. Em nosso país,porém, observou-se redu-ção do número de casosde obesidade em mulhe-res de nível socioeconômi-co mais elevado que habi-tam áreas urbanas(3).

É consenso que o aumento da obesidade em níveisepidêmicos no mundo é causado pelo consumo degrande proporção de calorias derivadas da gordura(4),que são alimentos de baixo custo e mais saborosos,associado a um estilo de vida sedentário(5, 6). De formasimplista, pode-se dizer que a obesidade resulta de umdesequilíbrio entre ingestão e gasto calórico. No en-tanto, os mecanismos que levam ao fenótipo obesida-de são muito mais complexos. Fatores de suscetibili-dade, como os fatores genéticos (genes suscetíveis),desempenham importante papel de ação permissivapara os fatores ambientais, e, em alguns casos, po-dem ser determinantes da obesidade. Além disso, ou-tros fatores participam das variações interindividuaisda composição corporal. São eles: idade, sexo, meta-bolismo de repouso, oxidação lipídica, atividade ner-vosa simpática, metabolismo do tecido adiposo e domúsculo esquelético, tabagismo, e níveis hormonais deleptina, insulina, esteróides sexuais e cortisol(7).

Apesar das evidências de que fatores genéticos têmgrande importância na etiologia da obesidade, é evi-dente que o fator ambiental é o principal determinanteda epidemia da obesidade, uma vez que algumas dé-cadas, período em que houve o aumento expressivoda obesidade no mundo, não seriam suficientes paraestabelecer alterações genéticas substanciais, enquan-to a mudança nos hábitos e no estilo de vida foramenormes.

EXERCÍCIO FÍSICO E PERDA DEPESO CORPORAL

O exercício físico adiciona um déficit calórico sinér-gico à dieta hipocalórica, que produz equilíbrio ener-gético negativo expressivo com efetiva redução do pesocorporal, potencializando a redução do peso corporal.

Alguns estudos têm demonstrado o efeito da dietae do exercício isoladamente ou combinados sobre aperda de peso corporal. Há consenso na literatura so-bre o efeito da dieta na redução do peso corporal; en-tretanto, a inclusão de exercícios nem sempre resultaem perda adicional de peso(8-10).

O exercício produz gasto de energia por meio do

efeito direto no nível metabólico. Entretanto, esse nívelé pequeno em relação ao balanço energético. O au-mento do gasto energético por meio do exercício, semo aumento correspondente do consumo energético,pode reduzir o peso corporal. No entanto, qualquerperda de peso alcançada com exercício físico modera-do pode ser facilmente revertida por pequeno aumentocompensatório no consumo de alimentos. Na maioriados estudos, o treinamento físico provoca gasto calóri-co adicional pouco expressivo na redução do peso cor-poral em indivíduos obesos sob orientação dietética hi-pocalórica. Não podemos esquecer, no entanto, quepessoas que se mantêm ativas ao longo da vida têmmenores chances de se tornar obesas e melhor distri-buição corporal, com menores depósitos de gorduraintra-abdominal.

Outro aspecto de interesse é o papel do exercíciono reganho de peso após programas de emagrecimen-to. Nesse sentido, o exercício físico regular têm se mos-trado extremamente eficiente. A manutenção do pesocorporal após um período de dieta hipocalórica é maisefetivamente alcançada com o treinamento físico(11).

Mais importante de que seu efeito direto na perdade peso corporal, a prática de exercício físico apresen-ta aspectos importantes relacionados ao efeito agudoe também crônico sobre a mobilização e a utilizaçãode gordura, que influenciam o emagrecimento. Alémdo efeito direto no gasto calórico, a atividade física man-tém o metabolismo aumentado por longo período apóssua execução. Isso significa dizer que, mesmo após oexercício, a mobilização e a oxidação de lípides per-manece aumentada. Os principais efeitos do treinamen-to físico no controle do peso corporal, porém, são obti-dos cronicamente. Alguns efeitos de grande importân-cia referem-se ao aumento da atividade da enzima li-pase hormônio sensível (enzima responsável pela maiormobilização de lípides no tecido adiposo)(12) e ao au-mento da densidade mitocondrial, potencializando aoxidação de lípides e favorecendo, assim, o emagreci-mento(13).

Na célula adiposa, o exercício físico aumenta a sen-sibilidade ß-adrenérgica(14), o que sugere maior modu-lação do sistema nervoso simpático no tecido adipo-so(15). Além disso, o treinamento físico acelera a perdade massa gorda em decorrência do aumento da capa-cidade de oxidação de ácidos graxos livres nas célulasmusculares(12, 13).

Outro benefício alcançado pela associação de die-ta hipocalórica e treinamento físico diz respeito à re-distribuição da gordura corporal. Observa-se em pro-gramas de exercício físico que, apesar da redução detodos os depósitos de gordura, há uma preferência paraa redução de gordura na região abdominal. Essas cé-lulas são ricas em receptores ß3-adrenérgicos e, porisso, mais suscetíveis à lipólise(16).

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TROMBETTA IC e col.Efeito do exercício físicoe da dieta hipocalórica

na obesidade

Portanto, combinar res-trição calórica ao treina-mento físico é uma exce-lente intervenção não-far-macológica para se tratara obesidade.

EXERCÍCIO FÍSICOE METABOLISMODE REPOUSO

Está bem documenta-da, na literatura, a redução do metabolismo de repou-so com a perda de peso por dietas hipocalóricas(17-20).Essa redução é de cerca de 20% e permanece em ní-veis inferiores por longo período, mesmo após a inges-tão calórica normal ser restabelecida(18).

Os mecanismos que regulam a menor taxa meta-bólica por baixo consumo calórico não estão totalmen-te esclarecidos. No entanto, sabe-se que seu decrésci-mo é proporcional à perda de massa magra, represen-tada na sua maior proporção pelo tecido muscular es-quelético(21, 22). Isso ocorre porque qualquer perda depeso resulta em perda de tecido muscular, adquiridopara suportar o excesso de tecido adiposo(18). Além dis-so, outras adaptações ocorrem durante a diminuiçãode peso corporal, como a diminuição do efeito térmicodos alimentos, pela diminuição da quantidade total decalorias ingeridas, e a menor quantidade de energiagasta nos movimentos e deslocamentos corporais pelaobtenção de um peso corporal menor(22).

É proposto que esse ajuste energético do metabo-lismo de repouso nas diversas situações nutricionaisserviria como defesa do organismo contra o ganho oua perda do peso e representaria uma característica in-dividual de cada ser humano, talvez de origem genéti-ca.

Há evidências de que a inclusão de exercícios físi-cos nos programas de controle do peso corporal podeminimizar a redução da taxa metabólica de repousoque ocorre como conseqüência das dietas hipocalóri-cas(17, 19, 23). No entanto, a interferência do exercício físi-co no metabolismo de repouso é ainda controversa emrazão de diferenças quanto ao tipo, à intensidade e àduração do programa de treinamento(24). Os mecanis-mos que norteiam o efeito protetor do treinamento físi-co sobre o metabolismo de repouso ainda não são to-talmente claros. Entretanto, é possível que a preserva-ção de massa magra, provocada pelo exercício físico,auxilie na manutenção do metabolismo de repouso, umavez que a musculatura esquelética é um dos compo-nentes corporais que mais contribui para o metabolis-mo energético(21). Além disso, alguns estudos associ-am o aumento do metabolismo de repouso pelo treina-mento físico a maior “turnover” de noradrenalina(24, 25).

Em nossa experiência, um programa de doze se-manas de associação de treinamento físico aeróbio deintensidade moderada e dieta hipocalórica foi capazde preservar a massa magra e o metabolismo de re-pouso, reduzidos no emagrecimento por dieta hipoca-lórica isoladamente(26). A inclusão de treinamento físi-co em programas de emagrecimento, portanto, podeatenuar a redução de massa magra e minimizar a dimi-nuição do metabolismo de repouso ocasionados pelaperda de peso(1).

EXERCÍCIO FÍSICO E FATORES DERISCO CARDIOVASCULAR

Mesmo havendo consenso na literatura sobre os fa-tores de risco associados ao sobrepeso e à obesida-de, ainda se discute muito sobre o melhor tratamento,já que a maioria deles falha na manutenção da perdade peso em longo prazo. Os freqüentes insucessos namanutenção da perda de peso e a realização de dietasconsecutivas, levando ao conhecido efeito “iô-iô”, têmum potencial efeito negativo para a saúde.

Dados epidemiológicos demonstram haver váriasco-morbidades ligadas à obesidade, entre elas o dia-betes tipo II, a hipertensão, a dislipidemia e a doençacoronária. Além disso, a obesidade está associada como aumento de mortalidade por todas as causas(27).

A distribuição do tecido adiposo influencia na mor-bidade e na mortalidade causadas pela obesidade. Aobesidade andróide, ou seja, a obesidade com distri-buição central de gordura, observada na circunferên-cia abdominal acima de 88 cm na mulher e de 102 cmno homem, tem importante papel no risco de mortepor doença cardiovascular(28, 29). Esse tipo de obesida-de compõe o quadro de alterações metabólicas quecaracterizam a chamada síndrome metabólica, e sãoelas intolerância à glicose, diabetes, hipertensão, bai-xos níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL), al-tos níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) ede triglicérides, e resistência insulínica, que parece sero mecanismo primário da síndrome(30, 31). As alteraçõesfisiológicas e, conseqüentemente, da saúde na obesi-dade são atribuídas, em parte, a maior ativação do sis-tema nervoso simpático, resistência à insulina e hipe-rinsulinemia(32, 33).

Muitas vezes, a diminuição do peso corporal é sufi-ciente para normalizar a glicemia sanguínea e os ní-veis de pressão arterial(34). No entanto, a prática regu-lar de exercício físico tem efeitos favoráveis nos fato-res de risco de doenças cardiovasculares, mesmo quan-do não há diminuição do peso corporal(35). Estilo de vidaativo e capacidade física elevada podem atenuar o ris-co de morbidade e mortalidade em indivíduos com so-brepeso e obesos. Além disso, existem evidências re-centes de que a taxa de mortalidade é menor em indi-

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TROMBETTA IC e col.Efeito do exercício físicoe da dieta hipocalórica

na obesidade

víduos com sobrepeso oumoderadamente obesosativos que em indivíduossedentários(36).

Um dos principais me-canismos de diminuiçãode risco após emagreci-mento está na redução daatividade nervosa simpáti-ca(26).

DIABETES MELITOTIPO II

Embora a relação entre obesidade e diabetes meli-to tipo II não esteja totalmente clara, dois fatos são in-discutíveis. Excesso de gordura corporal leva ao au-mento da resistência à insulina, e resistência à insuli-na predispõe ao diabetes(37, 38).

Tem sido demonstrado que a redução do peso cor-poral em indivíduos obesos promove diminuição da re-sistência à insulina(39, 40), prevenindo o aparecimento daintolerância à glicose e do diabetes melito tipo II(41). Damesma forma, dados epidemiológicos(42) têm indicadoque a prática regular de atividade física está associa-da a menor peso corporal e maior sensibilidade à insu-lina. O efeito sobre a sensibilidade à insulina, porém,ocorre mesmo sem o emagrecimento, o que sugereque o exercício físico isoladamente ou associado àperda de peso corporal retarda a transição da diminui-ção da tolerância à glicose para o diabetes tipo II(35).

O aumento da sensibilidade à insulina ocasionadopelo treinamento físico já é observado 14 a 48 horasapós uma única sessão de exercícios(39, 40). Dados deliteratura, porém, fortalecem a hipótese de que o efeitodo treinamento físico sobre a sensibilidade à insulinareflete uma adaptação crônica(43).

Cizmic e colaboradores(44) demonstraram que duassemanas de atividade física com freqüência de cincovezes por semana são suficientes para se ter melhorada sensibilidade da insulina e da capacidade aeróbia.

Acredita-se que os mecanismos responsáveis peloefeito do treinamento físico em aumentar a ação dainsulina sobre a captação de glicose são: aumento dofluxo sanguíneo muscular(45); aumento da agregaçãoda insulina a seu receptor, em decorrência de maiornúmero de receptores(46); aumento do metabolismo não-oxidativo da glicose, em decorrência do aumento daatividade da enzima glicogênio-sintase(47); e aumentoda concentração de transportadores de glicose(GLUT4) na membrana celular(45).

Em resumo, a redução de peso corporal por dietaauxilia nesse contexto, aumentando a tolerância à gli-cose e a sensibilidade à insulina. Da mesma forma, aprática regular de exercícios físicos, mesmo na ausên-

cia de perda de peso corporal, promove aumento daação da insulina, o que reflete adaptação crônica aotreinamento. A associação dessas duas condutas, por-tanto, é a melhor recomendação para o aumento dasensibilidade à insulina na população obesa.

HIPERTENSÃO ARTERIAL

Tem sido descrito que existe alta associação entrea obesidade e a hipertensão arterial, e que indivíduosnormotensos obesos apresentam maior chance de setornarem hipertensos que indivíduos normotensos não-obesos(48). Além do efeito direto da perda de peso natolerância à glicose, uma pequena redução do pesocorporal (5% a 10% do peso inicial) pode normalizaros níveis de pressão arterial, mesmo quando não sealcança o peso corporal ideal(49). A diminuição da pres-são arterial como causa da perda de peso corporal éresultado do aumento da sensibilidade à insulina e dadiminuição da atividade nervosa simpática, e ocorreindependentemente da restrição dietética de sal(50).

A prática regular de exercícios físicos tem sido fre-qüentemente recomendada como uma conduta não-farmacológica no tratamento da hipertensão arterial,tanto em obesos como em não-obesos. O treinamentoaeróbio entre 50% e 70% do VO2máx pode resultar nodecréscimo de 4 mmHg a 10 mmHg da pressão arteri-al sistólica(51). No entanto, os dados de literatura sãocontroversos sobre a relativa contribuição do exercíciofísico e da dieta hipocalórica sobre o efeito hipotensorem indivíduos obesos.

Os mecanismos responsáveis pela diminuição dapressão arterial após o treinamento físico têm sido bas-tante estudados. Reid e colaboradores(52) observaramque a queda pressórica em indivíduos obesos, alcan-çada com o treinamento físico ou com a associação detreinamento físico e dieta hipocalórica, se deve à redu-ção da resistência vascular periférica, em decorrênciada diminuição dos níveis de norepinefrina plasmática.

Também com relação à maior redução pressórica,os estudos apontam como melhor conduta a associa-ção da dieta hipocalórica e do exercício físico regularem obesos.

DISLIPIDEMIA

Os indivíduos obesos geralmente apresentam per-fil lipídico desfavorável, isto é, hipertrigliceridemia, bai-xo HDL-colesterol e alta concentração de partículas pe-quenas e densas de LDL-colesterol, com grande po-der aterogênico(53).

As dislipidemias estão associadas particularmenteà obesidade abdominal e, conseqüentemente, relacio-nam-se a distúrbios metabólicos. A obesidade visceralleva ao aumento da oferta de ácidos graxos livres para

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o fígado. Esse aumentoestimula diretamente aprodução de glicose hepá-tica, ocasionando hiperin-sulinemia. Essa combina-ção de hiperinsulinemia eaumento da oferta de áci-dos graxos livres para ofígado pode resultar emprodução exacerbada departículas ricas em triglicé-rides(33).

Embora existam ainda pontos controversos quantoao efeito específico do exercício físico sobre os lípidessanguíneos, sabe-se que a associação do exercício fí-sico regular à dieta hipocalórica é uma conduta impor-tante para a redução do peso corporal, o que leva, in-dubitavelmente, à redução dos níveis de lípides circu-lantes(54).

O exercício físico melhora o perfil lipídico a partir demudanças na atividade da enzima lipase lipoprotéicapresente no músculo esquelético. Essa enzima, que éresponsável pela reposição dos estoques de triglicéri-des intramiofibrilares, tem sua atividade aumentadaapós uma sessão de exercício. Isso explica a diminui-ção aguda dos níveis plasmáticos de triglicérides apóso exercício físico. Tal efeito ocorre, principalmente, apósexercícios prolongados e com intensidade moderada,situação caracterizada pelo aumento da utilização degordura como fonte energética. O aumento da ativida-de da lipase lipoprotéica e o catabolismo de triglicéri-des também resultam em um dos maiores efeitos doexercício no colesterol plasmático, que é o aumento doHDL-colesterol(55).

Programas de exercício físico com gasto energéti-co de 1.200 kcal a 2.200 kcal por semana podem au-mentar o HDL-colesterol e diminuir os triglicérides. Noentanto, o colesterol total e o LDL-colesterol melhoramquando se associa exercício físico a uma dieta balan-ceada. Um interessante estudo, com 18 mulheres obe-sas, demonstrou que um programa de exercício físicoa 70% do VO2máx diminui os níveis de ácidos graxosnão esterificados, de gordura corporal, de triglicérides,do “pool” de lipoproteínas de densidade muito baixa(VLDL) apoB, além de melhorar a sensibilidade à insu-lina(56).

Dados recentes demonstram que exercício físicomoderado a intenso em longo prazo melhora o quadrode dislipidemia, com melhora do HDL e diminuição dostriglicérides em adultos com sobrepeso e obesos comsíndrome metabólica(57).

Devemos atentar também para a gravidade da pre-valência da obesidade infantil. Um estudo australianodemonstrou que mais de 20% das crianças e adoles-centes desse país são obesas ou estão com sobrepe-

so(58). Para essa população jovem também é aconse-lhada a dieta hipocalórica associada ao treinamentofísico em conjunto com mudança comportamental(58).Dentro desse quadro, as famílias devem ser motivadasa mudar os hábitos sedentários, aumentando os níveisde atividade física e melhorando a alimentação(59).

PROGRAMA DE EXERCÍCIO FÍSICOPARA O PACIENTE OBESO

Em nossa experiência, quatro meses de treinamentofísico aeróbio associado a dieta hipocalórica, mesmosem haver a normalização do peso corporal, propiciamgrandes benefícios adaptativos, principalmente peloaumento da capacidade física representado pelo au-mento do consumo de oxigênio de pico(26).

Sugerimos para o paciente obeso que, antes de ini-ciar um programa de exercício físico, se submeta a umteste ergométrico ou, melhor ainda, a um teste ergoes-pirométrico, para a avaliação do funcionamento do sis-tema cardiovascular durante o exercício e a análise dacapacidade física de pico. A avaliação cardiovasculartem por objetivo diagnosticar uma doença cardiovas-cular subclínica, enquanto a avaliação cardiopulmonarserve para determinar a capacidade física, além de for-necer parâmetros para a prescrição mais adequada detreinamento físico.

O programa de treinamento físico tem como parteprincipal exercícios aeróbios, cíclicos e contínuos, queenvolvam grandes grupos musculares, tais como ca-minhada, ciclismo, natação. É importante a inclusão deexercícios de resistência muscular localizada, de bai-xa sobrecarga e muitas repetições, pois auxiliam namanutenção da massa magra.

O volume e a intensidade do exercício físico devemser aumentados gradativamente, para que haja adap-tações adequadas ao exercício. O tempo total da ses-são de exercício físico é de aproximadamente 60 mi-nutos, podendo progredir para uma duração de 90 mi-nutos. A sessão pode ser subdividida em um períodode aquecimento, em torno de 5 minutos, seguido porperíodo específico de exercício aeróbio, com duraçãode 40 minutos, período de exercícios de resistênciamuscular localizada, com duração em torno de 15 a 20minutos, e período de relaxamento com duração apro-ximada de 5 minutos. O tempo gasto pode aumentar,principalmente no exercício específico aeróbio, com afinalidade de aumentar o gasto energético e melhorara adaptação cardiovascular.

A freqüência sugerida é de no mínimo três dias porsemana, podendo chegar à freqüência de cinco ou maisdias semanais.

A intensidade do exercício deve se basear no resul-tado do teste ergométrico/ergoespirométrico. Com baseno teste ergométrico, a intensidade do treinamento fí-

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sico deverá ser de 50% a70% da freqüência cardíacade reserva. Essa freqüênciacardíaca de treino é calcula-da pela fórmula de Karvonen,que corresponde a:

FCALVO =(FCMÁX - FCREP) x % + FCREP,

onde FCALVO = freqüênciacardíaca de treino, FCMÁX =

freqüência cardíaca máxima atingida no teste ergomé-trico, e FCREP = freqüência cardíaca de repouso. Quan-do for possível o teste ergoespirométrico, a intensida-de de exercício deve progredir do limiar anaeróbio até10% abaixo do ponto de compensação respiratória.Essa intensidade poderá ser aferida nas sessões detreinamento pela freqüência cardíaca correspondenteao limiar anaeróbio e os 10% abaixo do ponto de com-pensação respiratória.

Cuidados preventivos relativos a problemas osteo-mioarticulares, comuns na obesidade, devem ser ado-

Tabela 1. Índice de massa corporal e risco de morbidade e de mortalidade.

IMC (peso/Classificação altura² = kg/m²) Riscos de co-morbidades

Baixo peso < 18,5 Baixo (porém maiores riscosde outros problemas clínicos)

Normal 18,5-24,9 AusenteExcesso de peso > 25Pré-obeso ou com sobrepeso 25-29,9 AumentadoObeso classe I 30-34,9 ModeradoObeso classe II 35-39,9 GraveObeso classe III > 40 Muito grave

IMC = índice de massa corporal.

tados na tentativa de se evitar lesões durante a sessãode treinamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conjunto, uma dieta hipocalórica e baixa emgorduras, associada ao exercício físico regular, cons-titui a base do tratamento para diminuição dos riscosde doenças cardiovasculares em indivíduos obesos.

Os benefícios obtidos com a inclusão de um pro-grama de exercícios nos programas de emagrecimen-to podem favorecer o controle metabólico, facilitandoa manutenção da perda de peso, além de provocaradaptações favoráveis, diminuindo com isso o qua-dro geral do risco cardiovascular associado à obesi-dade.

CLASSIFICAÇÃO DE OBESIDADE

A Organização Mundial de Saúde(60) classifica o adultocomo obeso de acordo com o cálculo do peso relacionado asua altura (índice de massa corporal) e correlaciona tais nú-meros a riscos de saúde para o indivíduo (Tab. 1).

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PHYSICAL EXERCISE AND HYPOCALORIC DIETEFFECTS ON OBESITY

IVANI CREDIDIO TROMBETTA, PAULO HIRAI SUZUKI

Obesity is a multifactorial disease that is associated with other cardiovascularrisk factors. The increased prevalence of obesity has been caused by combination ofgenetic susceptibility and environmental factors. The non-pharmacological treatmentof obesity by low fat hypocaloric diet, associated to physical exercise, has beenconsidered as basic treatment for the reduction of cardiovascular disease risk fac-tors in obese individuals. The main effects of physical exercise are the metabolicadaptations, which benefit the control of cardiovascular risk factors. Despite the factthat exercise training does not provoke as great body weight reduction as hypocalo-ric diet, it preserves lean body mass during hypocaloric diet, attenuates significantlyother cardiovascular risk factors, and avoids body weight regain. In consequence,exercise training can be considered an independent benefit in some co-morbidity ofobesity, such as hypertension, hyperglicemia and insulin resistance. Therefore, anactive life style, and consequently, a high physical capacity can attenuate morbidityand mortality in obese individuals.

Key words: obesity, physical training, hypocaloric diet, cardiovascular risk.

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