existe uma prevenção primária da dependência de drogas?

2
 Existe uma prevenção primária da dependência de drogas? Antoine Lazarus Comunicação proferida no Colóquio Científico Internacional e Pluridisciplinar sobre Toxicomania e Aids/Unesco, 1994. Resenha O aut or apres ent a em sua comun icação os limite s da noç ão de pre ven ção , em particular aquela que poderia ser entendida como ‘primária’. Interessa ao professor Lazarus mostrar a insufi ci ên ci a da idéia de ‘preveãoquando as soci ada à concepção de isolamento, de proteção integral, de evitamento, sobretudo no que tange ao uso de drogas. Não é difícil acompanhar o autor na linha que se estende dos sentidos associados à noção de isolamento, tal como indicado acima, àquele de ‘repressão’. Seria essa a face mais visível nas políticas de prevenção: tornar impossível a existência da própria experiência relativa às drogas. O limite do questionamento do autor nesse momento de seu trabalho aponta para a inviabilidade de tal proposição: a história apenas aponta o malogro de tais experiências. O isolamento destacado traduz-se no modelo das doenças infecciosas aplicado à prevenção do uso de drogas. Com base nesse modelo, a saúde poderia ser entendida como o resultado da ausência de contato com os agentes infecciosos. Todavia, como conceber tal princípio ao uso de drogas? A experiência atual dos EUA pode nos oferecer um esboço de resposta: nunca foi investido tanto na erradicação das plantações de coca na Colômbia e, no entanto, o consumo não oferece indícios de diminuição. Ou, de outra maneira, num exercício especulativo: erradicam-se todas as plantações do planeta e, ainda assim, grassam em todos os cantos as drogas sintéticas, elaboradas com base nos mais diversos princípios ativos. Na medida em que, como aponta o autor, a ‘dependência de drogas é uma questão médica e a droga é um fenômeno social’, resta a dúvida sobre quem poderia estabelecer os limiares a partir dos quais uma substância passa a ser classificada como ‘danosa’; bem como quem poderia, de fato, desenhar e implementar as estratégias de prevenção. De qualquer modo, é ressaltado que a verdadeira prevenção primária está diretamente ligada a aspectos que não podem ser reduzidos às particularidades químicas das drogas ou de seu uso. Antes, aponta para a necessária vinculação entre a organização da cidade (isto é, a política) e o tipo de saúde que se pode ter.

Upload: jcesar-coimbra

Post on 10-Jul-2015

147 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

O autor apresenta em sua comunicação os limites da noção de prevenção, em particular aquela que poderia ser entendida como ‘primária’. Interessa ao professor Lazarus mostrar a insuficiência da idéia de ‘prevenção’ quando associada à concepção de isolamento, de proteção integral, de evitamento, sobretudo no que tange ao uso de drogas.

TRANSCRIPT

Page 1: Existe uma prevenção primária da dependência de drogas?

5/10/2018 Existe uma prevenção primária da dependência de drogas? - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/existe-uma-prevencao-primaria-da-dependencia-de-drogas 1/3

 

Existe uma prevenção primária da dependência de drogas?

Antoine Lazarus

Comunicação proferida no Colóquio Científico Internacional e Pluridisciplinar sobre

Toxicomania e Aids/Unesco, 1994.

Resenha

O autor apresenta em sua comunicação os limites da noção de prevenção, em

particular aquela que poderia ser entendida como ‘primária’. Interessa ao professor Lazarus

mostrar a insuficiência da idéia de ‘prevenção’ quando associada à concepção de

isolamento, de proteção integral, de evitamento, sobretudo no que tange ao uso de drogas.Não é difícil acompanhar o autor na linha que se estende dos sentidos associados à

noção de isolamento, tal como indicado acima, àquele de ‘repressão’. Seria essa a face mais

visível nas políticas de prevenção: tornar impossível a existência da própria experiência

relativa às drogas. O limite do questionamento do autor nesse momento de seu trabalho

aponta para a inviabilidade de tal proposição: a história apenas aponta o malogro de tais

experiências.

O isolamento destacado traduz-se no modelo das doenças infecciosas aplicado à

prevenção do uso de drogas. Com base nesse modelo, a saúde poderia ser entendida como

o resultado da ausência de contato com os agentes infecciosos. Todavia, como conceber tal

princípio ao uso de drogas? A experiência atual dos EUA pode nos oferecer um esboço de

resposta: nunca foi investido tanto na erradicação das plantações de coca na Colômbia e, no

entanto, o consumo não oferece indícios de diminuição. Ou, de outra maneira, num exercício

especulativo: erradicam-se todas as plantações do planeta e, ainda assim, grassam em

todos os cantos as drogas sintéticas, elaboradas com base nos mais diversos princípios

ativos.

Na medida em que, como aponta o autor, a ‘dependência de drogas é uma questão

médica e a droga é um fenômeno social’, resta a dúvida sobre quem poderia estabelecer os

limiares a partir dos quais uma substância passa a ser classificada como ‘danosa’; bem

como quem poderia, de fato, desenhar e implementar as estratégias de prevenção. De

qualquer modo, é ressaltado que a verdadeira prevenção primária está diretamente ligada a

aspectos que não podem ser reduzidos às particularidades químicas das drogas ou de seu

uso. Antes, aponta para a necessária vinculação entre a organização da cidade (isto é, a

política) e o tipo de saúde que se pode ter.

Page 2: Existe uma prevenção primária da dependência de drogas?

5/10/2018 Existe uma prevenção primária da dependência de drogas? - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/existe-uma-prevencao-primaria-da-dependencia-de-drogas 2/3

 

A prevenção secundária, por sua vez, estaria associada a uma intervenção precoce; a

uma ação ainda no início de uma manifestação sintomática. Para esse tipo de prevenção

não reconhece o autor nenhuma dificuldade em apoiá-la sobre os serviços de saúde.

Contudo, deve ser destacado que, justamente, se aqui não se costuma ver objeções quanto

aos agentes envolvidos, o mesmo não ocorreria quando se trata da prevenção primária.

Essa duplicidade interpretativa tem como grande exemplo a relação entre o uso de

álcool e aquele das demais drogas. Para o primeiro, é comum a invocação de intervenções

relacionadas a ações da saúde pública. Todavia, o mesmo entendimento não marca as

ações voltadas às demais drogas. Defende o autor que é justamente o isolamento

relacionado ao tema ‘uso de drogas’ (entenda-se: a concepção de uma única linha de ação,

pautada na repressão), que inviabiliza a construção de referências, de uma cultura que

poderia dirigir ou modular, de melhor maneira o uso propriamente dito. Esse argumentoacerca da ‘referência’ é importante na comunicação do autor. O exemplo em que se destaca

que existe um conjunto de informações acerca dos danos associados às drogas, o qual é

compartilhado por estudantes e profissionais aponta que nem tudo pode ser resumido à

esfera do conhecimento. Ainda que as mesmas informações gerem perspectivas distintas, o

trabalho de prevenção encontraria seu valor na medida em que sinaliza ao usuário que há

um sentimento (amor, interesse, atenção) entre a sociedade e ele. Tal traço, conforme os

relatos, não é de menor importância.

Por fim, o autor reitera a necessária prevalência da liberdade sobre a proibição. Como

defende, apenas na medida em que o Estado reserve um espaço que possa ser assumido

como de escolha por parte do indivíduo, será a lei objeto de respeito por parte da sociedade.

Do contrário, permanecerá a lei apenas como letra a ser ignorada.

Uerj – LPP – Drogas e Aids: políticas públicas e alternativas democráticas

20.06.05

Page 3: Existe uma prevenção primária da dependência de drogas?

5/10/2018 Existe uma prevenção primária da dependência de drogas? - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/existe-uma-prevencao-primaria-da-dependencia-de-drogas 3/3