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Eu Augusto dos Anjos

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EuAugusto dos Anjos

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Augusto. Dos Anjos ?Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo

Vivencia a decadência da economia açucareira.

Forma-se em Direito.Elege a profissão de Professor

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Sofre incompreensão por parte do governador da Paraíba;Muda-se com a esposa grávida para o Rio de Janeiro

A criança morre prematura, com 7 mesesForte experiência com a morte.

Como poeta sofre com a injusta e terrível recepção de sua arte tida como

extravagante e “apoética”.

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Influências de estiloPARNASI

ANASIMBOLI

STARigor formal

A predileção pelo soneto

Uso de termos espiritualistas, Litúrgicos, cósmicos

Musicalidade dos versosUso de um vocabulário

rebuscado Busca do inconsciente e do vago

NATURALISMOCientificismo

Determinismo natural

Evolucionismo

BARROCO / ROMANTISMOCulto ao grotesco

Linguagem labiríntica

Dimensão subjetiva

Tensão e conflito (antíteses)

Moderno???????

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A Idéia 

De onde ela vem?! De que matéria brutaVem essa luz que sobre as nebulosasCai de incógnitas criptas misteriosasComo as estalactites duma gruta?!

 Vem da psicogenética e alta lutaDo feixe de moléculas nervosas,

Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa!

 Vem do encéfalo absconso que a constringe,

Chega em seguida às cordas da laringe, Tísica, tênue, mínima, raquítica...

 Quebra a força centrípeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra

No molambo da língua paralítica!

A IDÉIA

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Vandalismo 

Meu coração tem catedrais imensas, Templos de priscas e longínquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.  

Na ogiva fúlgida e nas colunatasVertem lustrais irradiações intensasCintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.  

Com os velhos Templários medievaisEntrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos... 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

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PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,Sofro, desde a epigênesis da infância,A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,Este ambiente me causa repugnância…Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,E há-de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!(Augusto dos Anjos, Eu)

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A Árvore da serra 

-- As árvores, meu filho, não têm alma!E esta árvore me serve de empecilho...

É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma!

 -- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!

Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...

Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!... 

-- Disse -- e ajoelhou-se, numa rogativa:“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”E quando a árvore, olhando a pátria serra,

 Caiu aos golpes do machado bronco,

O moço triste se abraçou com o troncoE nunca mais se levantou da terra!

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LinguagemCientificismo - biologia, química, física

Formalismo – preferência pelos sonetos

Sonoridade dos versos - musicalidade

Palavras raras e esdrúxulas

A frialdade dos círculos polares, Em sucessivas atuações nefastas, Penetrara-lhe os próprios neuroplastas, Estragara-lhe os centros medulares!

(Decadência, EU)

Numerar sepulturas e carneiros, Reduzir carnes podres a algarismos, Tal é, sem complicados silogismos, A aritmética hedionda dos coveiros!

 Um, dois, três, quatro, cinco... EsoterismosDa Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros, Na progressão dos números inteirosA gênese de todos os abismos!

 Oh! Pitágoras da última aritmética, Continua a contar na paz ascéticaDos tábidos carneiros sepulcrais: Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros, Porque, infinita como os próprios números, A tua conta não acaba mais!

(Versos a um coveiro, EU)

Vida, mônada vil, cósmico zero, Migalha de albumina semifluida, Que fez a boca mística do druidaE a língua revoltada de Lutero;

(Mistérios de um fósforo, EU)

A sucessão de hebdômadashebdômadas medonhas(A um mascarado , EU)

Todos os cinecéfaloscinecéfalos vorazes / cheiram seu corpo(O Lázaro da pátria, EU)

A luz do americano plenilúnioplenilúnio(Monólogo de uma sombra, EU)

Sob a forma de mínimas camândulas,camândulas, (As cismas do destino, EU)

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HEACKELSPENCER

SCHOPENHAUER

A teoria de Haeckel trás consigo a antiga questão de como os organismos tomam

forma.

MONISMOUnidade da criação

No conceito de Spencer, Evolução seria a passagem da homogeneidade para a

heterogeneidade através da complexidade e que o organismo social mais

complexo deveria dominar o menos complexo.

EVOLUCIONISMO SOCIAL

No sistema de Schopenhauer, a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; ao

mesmo tempo, e a fonte de todos os sofrimentos. Todo prazer é ponto de

partida de novas aspirações, sempre

obstadas e sempre em luta por sua realização.

“Viver e sofrer”.

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Como uma cascavel que se enroscava,A cidade dos lázaros dormia...Somente, na metrópole vazia,

Minha cabeça autônoma pensava!

Mordia-me a obsessão má de que havia,Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,

Um fígado doente que sangravaE uma garganta de órfã que gemia!

Tentava compreender com as conceptivasFunções do encéfalo as substâncias vivas

Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...

E via em mim, coberto de desgraças,O resultado de bilhões de raças

Que há muitos anos desapareceram!

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TítuloIntimismo e profundidade psicológica

O “EU” de Augusto dos Anjos não é uma individualização.

(EU UNIVERSAL)

Poemas retratam o interior de um homem fadado a sofrer.

Querendo fugir ao mundo degenerado, o poeta vasculha o mundo interior.

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Constantes referências ao cientificismo de seu tempo associadas às suas angústias íntimas – União dos mundos da ciência e do EU.

Ciência

Materialismo

Eu

Intimismo

Ligação entre o mundo físico e orgânico e o mundo íntimo dos sentimentos líricos.

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!Também, das diatomáceas da lagoa

A criptógama cápsula se esbroaAo contato de bronca destra forte!

 Dissolva-se, portanto, minha vida

Igualmente a uma célula caídaNa aberração de um óvulo infecundo

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Sentimento pessimista“Niilismo”

“Ah! Um urubu pousou na minha sorte!”(Budismo Moderno, EU)

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!E eu saí, como quem tudo repele,

-- Velho caixão a carregar destroços -- 

Levando apenas na tumbal carcaçaO pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!

(Solitário, EU)

Quanto me dói no cérebro esta sonda!Ah! Certamente eu sou a mais hedionda

Generalização do Desconforto... 

Eu sou aquele que ficou sozinhoCantando sobre os ossos do caminho

A poesia de tudo quanto é morto!

(O poeta do hediondo, OUTRAS POESIAS)

Assume uma postura pessimista (trágica) e dolorosamente solitária ante a vida – A dor como essência do mundo.

Mas tu não vieste ver minha DesgraçaE via em mim, coberto de desgraças

Mas veio o vento que a desgraça espalhaPara iludir minha desgraça, estudoMinha desgraça há de ficar sozinha

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O ser humano é o espectador, em agonia, da triste trajetória de sua

degradação.

Dor de ser (angústia existencial)

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Vozes de um túmulo 

Morri! E a Terra -- a mãe comum -- o brilhoDestes meus olhos apagou!... Assim

Tântalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu próprio filho!

 Por que para este cemitério vim?!

Por que?! Antes da vida o angusto trilhoPalmilhasse, do que este que palmilho

E que me assombra, porque não tem fim! 

No ardor do sonho que o fronema exaltaConstruí de orgulho ênea pirâmide alta...Hoje, porém, que se desmoronou A pirâmide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou matéria e entulhoTenho consciência de que nada sou!

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Vozes da morte 

Agora sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura,

Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

 Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!

E a podridão, meu velho! E essa futura Ultrafatalidade de ossatura,

A que nos acharemos reduzidos! 

Não morrerão, porém, tuas sementes!E assim, para o Futuro, em diferentes

Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,  

Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte, inda teremos filhos!

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Predomínio da idéia de destruição.

Apodrecimento.

Degeneração.

Putrefação.

Desgaste.

Perda gradual de substância e de qualidade.

Aniquilamento.

Decomposição.

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Decomposição da matéria

Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijosRoída toda de bichos, como os queijos

Sobre a mesa de orgíacos festins!... 

Amo meu Pai na atômica desordemEntre as bocas necrófagas que o mordem

E a terra infecta que lhe cobre os rins! (Soneto III, EU)

Quando eu pego nas carnes do meu rostoPressinto o fim da orgânica batalha:

-- Olhos que o húmus necrófago estracalha, Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...

 E o Homem -- negro heteróclito composto,

Onde a alva flama psíquica trabalha. Desagrega-se e deixa na mortalha

O tato, a vista, o ouvido, o olfato e  o gosto! 

Carne, feixe de mônadas bastardas. Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,

A dardejar relampejantes brilhos.  

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda, Em tua podridão a herança horrenda,

Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

(Apóstrofe à carne, OUTRAS POESIAS)

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O verme

Em vão com o grito do meu peito impreco!Dos brados meus ouvindo apenas o eco, Eu torço os braços numa angústia doudaE muita vez, à meia-noite, rioSinistramente, vendo o vermeverme frioQue há de comer a minha carne toda! É a Morte -- esta carnívora assanhada -- Serpente má de língua envenenadaQue tudo que acha no caminho, come...-- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro, Sai para assassinar o mundo inteiro, E o mundo inteiro não lhe mata a fome!(Poema Negro, EU)

Sabe que sofre, mas o que não sabeÉ que essa mágoa infinda assim, não cabeNa sua vida, é que essa mágoa infinda Transpõe a vida do seu corpo inerme;E quando esse homem se transforma em vermeverme É essa mágoa que o acompanha ainda!(Eterna Mágoa, EU)

Sinaliza a fragilidade da vida, “vencida” pela morte

Atividade constante – Fome insaciávelOs vermes representam a iminência e a onipresença

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A desarrumação dos intestinos Assombra! Vede-a! Os vermesvermes assassinosDentro daquela massa que o húmus come, Numa glutoneria hedionda, brincam, Como as cadelas que as dentuças trincam No espasmo fisiológico da fome. (Monólogo de uma Sombra, EU)

Já o vermeverme -- este operário das ruínas --Que o sangue podre das carnificinasCome, e à vida em geral declara guerra,

 Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! (Psicologia de um Vencido, EU)

Fator universal do transformismo. Filho da teleológica matéria,

Na superabundância ou na miséria, VermeVerme -- é o seu nome obscuro de batismo.

 Jamais emprega o acérrimo exorcismo

Em sua diária ocupação funérea, E vive em contubérnio com a bactéria, Livre das roupas do antropomorfismo.

 Almoça a podridão das drupas agras, Janta hidrópicos, rói vísceras magras E dos defuntos novos incha a mão...

 Ah! Para ele é que a carne podre fica,

E no inventário da matéria ricaCabe aos seus filhos a maior porção!

(O Deus-Verme, EU)

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Mater Originalis 

Forma vermicular desconhecidaQue estacionaste, mísera e mofina, Como quase impalpável gelatina, Nos estados prodrômicos da vida;

 O hierofante que leu a minha sina

Ignorante é de que és, talvez, nascidaDessa homogeneidade indefinida

Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.  

Nenhuma ignota união ou nenhum sexoÀ contingência orgânica do sexo

A tua estacionária alma prendeu... 

Ah! De ti foi que, autônoma e sem normas, Oh! Mãe original das outras formas,

A minha forma lúgubre nasceu!

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Produz o belo a partir do feio enxerga na arte a capacidade desta mutação

Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos

Tinham aspectos de edifícios mortos, Decompondo-se desde os alicerces!

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa, Abranda as rochas rígidas, torna água

Todo o fogo telúrico profundoE reduz, sem que, entanto, a desintegre,

À condição de uma planície alegre, A aspereza orográfica do mundo!

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Revolta contra a Natureza

NATUREZA = MADRASTA

Chegou a tua vez, oh! Natureza!Eu desafio agora essa grandeza,

Perante a qual meus olhos se extasiam. Eu desafio, desta cova escura,

No histerismo danado da torturaTodos os monstros que os teus peitos criam.

 

Tu não és minha mãe, velha nefasta!Com o teu chicote frio de madrasta

Tu me açoitaste vinte e duas vezes...Por tua causa apodreci nas cruzes,

Em que pregas os filhos que produzesDurante os desgraçados nove meses!

(Poema Negro, EU)

A Noite vai crescendo apavoranteE dentro do meu peito, no combate,

A Eternidade esmagadora bateNuma dilatação exorbitante!

 

E eu luto contra a universal grandezaNa mais terrível desesperação

É a luta, é o prélio enorme, é a rebeliãoDa criatura contra a natureza!

(Queixas Nocturnas, EU)

Encara a existência como luta constante entre o homem e a natureza. Nesta batalha, o homem sempre é invariavelmente vencido.

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Descrédito no amor

Parece muito doce aquela cana.Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!

O amor, poeta, é como a cana azeda, A toda a boca que o não prova engana.

 Quis saber que era o amor, por experiência, E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,

Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Todas as ciências menos esta ciência!

 Certo, este o amor não é que, em ânsias, amoMas certo, o egoísta amor este é que acinte

Amas, oposto a mim. Por conseguinteChamas amor aquilo que eu não chamo.

(Versos de Amor, a um poeta erótico, EU)

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja..

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa bôca que te beija!

(Versos íntimos, EU)

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!O amor da Humanidade é uma mentira.

É. E é por isso que na minha liraDe amores fúteis poucas vezes falo.

 O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!

Quando, se o amor que a Humanidade inspiraÉ o amor do sibarita e da hetaíra, De Messalina e de Sardanapalo?!

 Pois é mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado-- Alavanca desviada do seu fulcro --

 E haja só amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

(Idealismo, EU)

Revela a descrença na capacidade de Amor da humanidade, guiada pelas leis da avidez e da luxúria.

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Sentimento de culpa

Pois minha Mãe tão cheia assim daquelesCarinhos, com que guarda meus sapatos,

Por que me deu consciência dos meus atosPara eu me arrepender de todos eles?!

(Gemidos de Arte, EU)

Se eu pudesse ser puro! Se eu pudesse, Depois de embebedado deste vinho. Sair da vida puro como o arminhoQue os cabelos dos velhos embranquece!(Insônia, EU)

O eu-lírico toma sobre si as dores do mundo, de toda massa sofredora

Impossibilidade de fugir ao julgo da consciência

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

 “Vou mandar levantar outra parede...”-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolhoE olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede!

 Pego de um pau. Esforços faço. ChegoA tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?!

 A Consciência Humana é este morcego!Por mais que a gente faça, à noite ele entraImperceptivelmente em nosso quarto!

(O Morcego, EU)

Augusto dos Anjos poetiza o mundo decaído da falta, do desejo e da

culpa. – Consciência tirânica.

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À mesa 

Cedo à sofreguidão do estômago. É a horaDe comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,

Antegozando a ensangüentada presa, Rodeado pelas moscas repugnantes                Eis-me sentado à mesa!

 Como porções de carne morta... Ai! Como

Os que, como eu, têm carne, com este assomoQue a espécie humana em comer carne tem!...

Como! E pois que a Razão não me reprime, Possa a terra vingar-se do meu crime

                Comendo-me também.

Page 29: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

Na existência social, possuo uma arma-- O metafisicismo de Abidarma --

E trago, sem bramânicas tesouras, Como um dorso de azêmola passiva,

A solidariedade subjetivaDe todas as espécies sofredoras.

Compaixão pela humanidade

Barulho de mandíbulas e abdômens!E vem-me com um desprezao por tudo istoUma vontade absurda de ser CristoPara sacrificar-me pelos homens!(Gemidos de Arte, EU)

Na existência social, possuo uma arma-- O metafisicismo de Abidarma --

E trago, sem bramânicas tesouras, Como um dorso de azêmola passiva,

A solidariedade subjetivaDe todas as espécies sofredoras.

(Monólogo de uma sombra, EU)

Misticismo panteísta – Solidariedade cósmica

“Alma” atividade psíquicaEm sua estagnação arde uma raça,

Tragicamente, à espera de quem passaPara abrir-lhe, às escâncaras, a porta...

 E eu sinto a angústia dessa raça ardente

Condenada a esperar perpetuamenteNo universo esmagado da água morta!

(O Pântano, OUTRAS POESIAS)

Continua o martírio das criaturas: -- O homicídio nas vielas mais escuras,

-- O ferido que a hostil gleba atra escarva, -- O último solilóquio dos suicidas -- E eu sinto a dor de todas essas vidas

Em minha vida anônima de larva!”

(Monólogo de uma sombra, EU)

Page 30: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

A incapacidade do homem de expressar sua essência através da linguagem

Tarda-lhe a Idéia!  A inspiração lhe tarda!Tarda-lhe a Idéia!  A inspiração lhe tarda!E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento, E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,

Como o soldado que rasgou a fardaComo o soldado que rasgou a fardaNo desespero do último momento!No desespero do último momento!

  Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...

É como o paralítico que, à mínguaÉ como o paralítico que, à mínguaDa própria voz e na que ardente o lavraDa própria voz e na que ardente o lavra

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...É como o paralítico que, à mínguaÉ como o paralítico que, à míngua

Da própria voz e na que ardente o lavraDa própria voz e na que ardente o lavra  

Febre de em vão falar, com os dedos brutosFebre de em vão falar, com os dedos brutosPara falar, puxa e repuxa a língua, Para falar, puxa e repuxa a língua, E não lhe vem  à boca uma palavra!E não lhe vem  à boca uma palavra!

Page 31: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

A Idéia 

De onde ela vem?! De que matéria brutaVem essa luz que sobre as nebulosasCai de incógnitas criptas misteriosasComo as estalactites duma gruta?!

 Vem da psicogenética e alta lutaDo feixe de moléculas nervosas,

Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa!

 Vem do encéfalo absconso que a constringe,

Chega em seguida às cordas da laringe, Tísica, tênue, mínima, raquítica...

 Quebra a força centrípeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra

No molambo da língua paralítica!

A IDÉIA

Page 32: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

Os contrastes peculiarizam seus temas

Idealismo e materialismo

dualismo e monismo

heterogeneidade e homogeneidade

amor e dor

morte e vida

Vítima do Dualismo:

Psique biforme, o Céu e o Inferno absorvo ....Criação a um tempo escura e cor-de-rosa.

Em outro soneto, Contrastes, o mesmo tema:

O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,O que o homem ama e o que o homem abomina,Tudo convém para o homem ser completo

Page 33: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

O irrealizado

O que ficou em potencial nos primeiros estágios

O incompleto – o ser e a vida que não atingem o fim do ciclo

Page 34: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

Larva – feto – verme – embrião – ovo óvulo – placenta – rudimentar – sub – aborto – infância – infante – bezerro

Page 35: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

É o soluço da forma mais imprecisa...Da transcendência que se não realiza...Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidandoDa Natureza que parou, chorando,No rudimentarismo do Desejo!

(Lamento das coisas)

PIEDADE
Qual Desejo? Desejo de continuar vivendo. Mas a vida fica apenas na sua etapa rudimentar (fase inicial sem preocupação com o acabamento - esboço, esquema)
Page 36: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

Continua o martírio das criaturas:- O homicídio nas vielas mais escuras- O ferido que a hostil gleba atra escrava,- O último solilóquio dos suicidas – Eu sinto a dor de todas essas vidasEm minha vida anônima de larva!

Page 37: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

“[...] Não sei por que me vêm sempre à lembrançaO estômago esfaqueado de uma criançaE um pedaço de víscera escarlate.”

(As cismas do destino)

Page 38: Eu Augusto dos Anjos. Augusto. Dos Anjos ? Nascido e criado sob o regime rural do patriarcalismo Vivencia a decadência da economia açucareira. Forma-se

“Prostituição ou outro qualquer nome,Por tua causa, embora o homem te aceite,

É que as mulheres ruins ficam sem leiteE os meninos sem pai morrem de fome!

“Por que há de haver aqui tantos enterros?Lá no “Engenho” também, a morte é ingrata...

Há o malvado carbúnculo que mataA sociedade infante dos bezerros!”

(As cismas do destino)

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“Alta noite, esse mundo incoerenteEssa elementaríssima sementeDo que hei de ser, tenta transpor o ideal...

Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto,E, aí! Como eu sinto no esqueleto exaustoNão poder dar-lhe vida material!”

(Anseio)

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“Era a larva agarrada a absconsas landes,Era o abjecto vibrião rudimentarNa impotência angustiosa de falar,No desespero de não serem grandes!”(Viagem de um vencido)

“Ah! Possas tu dormir feto esquecido,Panteisticamente dissolvidoNa noumenalidade do NÃO SER.”

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“Quando a promiscuidade aterradoraMatar a última força geradora...E comer o último óvulo do ventre.”(O lupanar)

“Dissolva-se, portanto, minha vidaIgualmente a uma célula caídaNa aberração de um óvulo infecundo:”(Budismo moderno)