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1 Sumário Executivo Estudo de impacto regulatório: nova legislação de substâncias químicas São Paulo, dezembro de 2017

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Sumário ExecutivoEstudo de impacto regulatório: nova legislação de substâncias químicas

São Paulo, dezembro de 2017

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Índice

1. Sumário Executivo.......................................................................................................... 5

2. Contexto e objetivo......................................................................................................... 6

3. Impactos de modelos internacionais............................................................................ 7

4. Anteprojeto de Lei brasileiro ........................................................................................ 9

5. Metodologia para avaliação de impactos possíveis no Brasil e definição de propostas para aprimoramento do Anteprojeto de Lei .................................................. 10

6. Avaliação de impactos no Brasil................................................................................. 11

6.1. Custos diretos decorrentes da legislação de substâncias químicas....................... 11

6.2. Impactos de potenciais restrições implementadas pela legislação de substâncias químicas ................................................................................................................................. 15

7. Propostas para aprimoramento do Anteprojeto de Lei brasileiro......................... 18

7.1. Definir processo de cadastro de novas substâncias que minimize impactos em inovações................................................................................................................................ 18

7.2. Explicitar compromisso com uso de estudos existentes e mecanismos de cooperação regulatória......................................................................................................... 20

7.3. Eliminar sobreposições do Anteprojeto de Lei com legislações existentes.......... 21

7.4. Incluir avaliação socioeconômica como critério para definição de medidas de gestão de riscos ..................................................................................................................... 23

7.5. Aprimorar a governança da legislação de substâncias químicas .......................... 24

7.6. Definir cronograma de avaliação de substâncias compatível com estrutura do governo .................................................................................................................................. 26

7.7. Garantir isonomia entre produtor nacional e estrangeiro: mecanismo para cadastro de substâncias importadas .................................................................................. 27

7.8. Definir e acompanhar indicadores de resultados da legislação ............................ 28

8. Considerações Finais.................................................................................................... 29

9. Anexos............................................................................................................................ 30

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1. Sumário Executivo

Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de contribuir para a criação de uma legislação de substâncias químicas efetiva e implementável e de avaliar impactos estratégicos e socioeconômicos desta legislação para o Brasil.

Os principais países da indústria química mundial já adotaram ou estão em processo de adoção de modelo regulatório para gestão de substâncias químicasindustriais com o objetivo de minimizar efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente.

Há diferenças significativas entre os modelos regulatórios existentes, sendo queCanadá e União Europeia se destacam como referenciais internacionais com os quais os países em processo de adoção estão se alinhando. A definição do modelo a ser implementado no Brasil é relevante para a inserção do país nesse contexto global e pode ter impacto significativo para indústria, governo e sociedade.

O Anteprojeto de Lei brasileiro atualmente em discussão estabelece um ponto de partida para a legislação. No entanto, há pontos críticos ainda sem definição, quer por serem matéria de regulamentação posterior ou por ainda estarem em discussão para aprimoramento no próprio projeto de lei, o que traz incertezas quanto aos cenários de implementação da legislação brasileira.

No cenário baseado no Anteprojeto atual, mantidas as incertezas, o custo regulatório em 20 anos seria relevante, estimado em R$ 18,2-19,2 bilhões12. Já em um cenário futuro com propostas de aprimoramento feitas pelo estudo o custo estimado poderia ser 75% menor, de R$ 4,6 bilhões em 20 anos.

Além de custos regulatórios, há impactos esperados na indústria química e em cadeias a jusante com a implementação de restrições no escopo da nova legislação. Os impactos esperados não seriam disruptivos no cenário em que o modelo brasileiro é alinhado com aprendizados internacionais, tanto em termos do escopo das restrições quanto de um processo estruturado de avaliação de substâncias.

Já se o modelo brasileiro não seguir aprendizados de modelos internacionais já estabelecidos, os impactos de restrições poderiam ser amplificados, tendo repercussões em várias alavancas do PIB brasileiro: impacto na balança comercial com o aumento de dependência de importações, redução de poupança interna decorrente de aumento significativo de preços e redução do valor agregado com fechamento de plantas e perda de empregos.

Para contribuir para que a legislação de substâncias químicas brasileira seja eficiente em custos para governo e indústria, elimine risco de impactos disruptivos

1 Nota: intervalo de valor decorrente de cenários de atraso de 2 a 5 anos em inovações. 2 Nota: quantificação de custos feita com base em premissas e dados coletados em pesquisas e entrevistas com stakeholders e análise de publicações sobre impactos do REACH e do CMP.

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no setor industrial nacional e maximize potenciais benefícios em saúde e meio ambiente para a sociedade brasileira, este estudo elaborou oito propostas:

Definir processo de cadastro de novas substâncias que minimize impactos em inovações.

Explicitar compromisso com uso de estudos existentes e mecanismos de cooperação regulatória.

Eliminar sobreposições do Anteprojeto de Lei com legislações existentes.

Incluir avaliação socioeconômica como critério para definição de medidas de gestão de riscos.

Aprimorar a governança da legislação de substâncias químicas.

Definir cronograma de avaliação de substâncias compatível com estrutura do governo.

Garantir isonomia entre produtor nacional e estrangeiro: mecanismo para cadastro de substâncias importadas.

Definir e acompanhar indicadores de resultados da legislação.

2. Contexto e objetivo

Em 2014, a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ) formou o “GT Regulação de Substâncias Químicas” com o “objetivo de discutir e propor as estratégias, os arranjos institucionais e a minuta de legislação para estabelecer o controle do poder público sobre o universo de substâncias químicas que hoje são colocadas no mercado nacional sem a avaliação dos seus riscos ao meio ambiente e à saúde humana”.

Considerando-se o aprendizado proveniente de casos internacionais, uma legislação de controle de substâncias químicas comercializadas é tipicamente composta de quatro etapas: cadastro, priorização, avaliação de riscos e gestão de riscos.

A etapa de cadastro consiste em coletar informações sobre substâncias químicas em comercialização no país.

Na priorização, as substâncias comercializadas são priorizadas de acordo com critérios técnicos de classificação de perigo à saúde e/ou ao meio ambiente e de potencial de exposição da população à substância.

Na avaliação de riscos é feita uma estimativa do risco potencial da substância priorizada, com base em estudos sobre suas características intrínsecas e suas aplicações e usos.

Para um subgrupo de substâncias que atenderem a critériospreestabelecidos de riscos há definição de medidas de gestão de riscos que podem ser desde uma concentração máxima permitida da substância em certos produtos até sua proibição para certos usos.

Dois dos principais referenciais internacionais de legislação de substâncias químicas são o REACH (Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals), da União Europeia, e o CMP (Chemicals Management Plan), do Canadá.

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O CMP foi criado no Canadá em 2006, dentro do escopo do CEPA (Canadian Environmental Protection Act), já existente no país, com objetivo de avaliar uma lista de substâncias priorizadas pelo seu risco. Os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente compartilham responsabilidade pela legislação de químicos no Canadá. O modelo é reconhecido por ter requerimentos simples de cadastro e pela baixa exigência de novos estudos para corroborar avaliações de riscos, pois é focado em lista priorizada de substâncias e procura usar o conhecimento já existente em empresas e na sociedade.

O REACH foi criado em 2007 como uma evolução do marco regulatório previamente existente na União Europeia e que incluía a diretiva 67/548/EEC de substâncias perigosas e o inventário EINECS. O objetivo do REACH é criar informações sobre substâncias químicas em uso nos países membros e reduzir os impactos dessas substâncias no meio ambiente e na saúde humana. Para implementação e manutenção da legislação foi criada uma agência europeia de químicos, a ECHA, que trabalha em conjunto com os países membros para implementar, manter e garantir o cumprimento da legislação. Algumas características que se destacam no REACH são a geração de quantidade muito grande de novos estudos pela indústria para todas as substâncias cadastradas e o compromisso com a disseminação de informações.

No Brasil, o GT Regulação de Substâncias Químicas teve 16 reuniões entre maio de 2014 e dezembro de 2015 e finalizou seu mandato com a entrega, em junho de 2016, da proposta do Anteprojeto de Lei de cadastro, avaliação e controle de substâncias químicas industriais.

Na construção do Anteprojeto de Lei foram considerados principalmente aspectos técnicos relacionados a riscos para a saúde humana e o meio ambiente. No entanto, não foi feita uma análise do impacto da implementação de uma legislação deste porte para o Brasil.

Neste contexto, a Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) e suas associadas encomendaram um estudo de impacto da nova legislação de substâncias químicas à Bain & Company. O estudo tem como objetivo contribuir para a criação de uma legislação de substâncias químicas efetiva e implementável e de avaliar impactos socioeconômicos desta legislação para o Brasil.

3. Impactos de modelos internacionais

O principal objetivo de uma legislação de substâncias químicas é a redução de riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

Tanto na União Europeia como no Canadá há programas de monitoramento de resultados em saúde e meio ambiente que mostram tendência positiva ou estável pós-legislação em 60%-70% dos indicadores monitorados, apesar de ainda não ter sido estabelecida relação de causalidade desses resultados com a legislação. A

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tendência positiva pós-legislação ainda não é verdadeira para todos os indicadores, ilustrando a dificuldade na definição de indicadores relevantes e a comprovação desses resultados.

Além disso, deve-se destacar a contribuição do REACH e do CMP para a maior transparência de informações sobre químicos. Ambos os modelos procuram disseminar informações não confidenciais para o público em geral em seusrespectivos sites na internet e para equipes técnicas de outros países através de cooperações técnicas e regulatórias entre governos.

A implementação e a manutenção de uma legislação de substâncias químicas têm custos associados — que recaem diretamente sobre a indústria e sobre o governo. Esses custos maiores em geral são repassados também ao consumidor e à sociedade em geral.

Com base na análise dos modelos REACH e CMP, o estudo determinou que os principais custos regulatórios advêm da necessidade de estudos para a avaliação de riscos, de equipes técnicas e regulatórias e de implementação e manutenção desistemas do governo e de empresas. Além disso, novas restrições implementadas pela nova legislação podem trazer custos associados à substituição de substâncias.

No caso do REACH, os custos regulatórios para a indústria foram estimados em €1,1 bilhão ao ano3, principalmente por conta do grande volume de estudos gerados e da necessidade de equipes regulatórias para lidar com a burocracia. Já os custos regulatórios para o governo foram estimados em cerca de € 140 milhões ao ano4, considerando o orçamento da ECHA (que atualmente vem de repasses do governo) e estimativas de custos dos países da União Europeia com atribuições como fiscalização.

Já os custos regulatórios estimados do modelo canadense para a indústria são de apenas € 35 milhões ao ano5, cifra muito menor do que a do REACH devido a características da legislação como volume menor de geração de novos estudos e menor burocracia, o que reduz a necessidade de equipes regulatórias nas empresas. Os custos regulatórios para o governo foram estimados em € 122 milhões ao ano6, devido, principalmente, ao fato de que o governo canadense fazas avaliações de riscos de substâncias e tem cronograma acelerado em comparação com outros modelos.

3 Fonte: Cumulative Cost Assessment Report, Comissão Europeia, análise Bain.4 Nota: taxas alocadas em custos da indústria; orçamento da ECHA em 2017 é de € 96 milhões, sendo €30 milhões financiados por taxas/multas e € 66 milhões por repasses. Além disso, foram estimados

gastos de € 72 milhões com atividades desempenhadas pelas agências dos países (ex.: fiscalização).5 Fonte: entrevistas com empresas com operação no Canadá, análises de custo-benefício do CEPA,

Tesouro do Canadá, Ministérios de Meio Ambiente e Saúde do Canadá, análise Bain.6 Nota: taxas pagas pela indústria ao governo foram alocadas em custos da indústria e deduzidas dos

custos do governo; orçamento do governo inclui CMP € 68 milhões e CEPA € 56 milhões. O escopo

inclui aspectos da legislação brasileira e também esforços fora do escopo (ex.: cosméticos, resíduos, poluição e emissões veiculares).

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Os modelos canadense e europeu não tiveram um impacto significativocomprovado em inovações. Especialistas mencionaram em entrevistas que, no Canadá, uma característica fundamental para minimizar o impacto na inovação é o fato de o governo ter e cumprir um prazo predefinido (de até 75 dias) para a análise de notificações de novas substâncias e a liberação para comercialização.Além disso, modelos internacionais possuem mecanismos de isenção da obrigação de cadastro de substâncias em pesquisa e desenvolvimento. É o caso do PPORD (product and process orientated research and development), do REACH.

Na Europa, não há processo diferenciado entre substâncias existentes e novas substâncias, sendo que estas últimas estão sujeitas ao mesmo requerimento de fornecimento de dados e estudos, embora não precisem de liberação da ECHA para comercialização. Empresas europeias relataram percepções diferentes de impacto em inovações, mas dados de gastos com pesquisa & desenvolvimento na indústria europeia não demonstram impactos claros do REACH.

4. Anteprojeto de Lei brasileiro

O Anteprojeto de Lei brasileiro atualmente em discussão estabelece um ponto de partida para a legislação de substâncias químicas. No entanto, há alguns pontos críticos ainda sem definição, quer por serem matéria de regulamentação posterior ou por ainda estarem em discussão com a CONASQ para aprimoramento no próprio projeto de lei, o que traz incertezas quanto aos cenários de implementação da legislação brasileira.

Esses pontos são considerados críticos para definição, pois podem ter impactos negativos em custos para indústria e governo, em inovações, na balança comercial de químicos e de cadeias produtivas a jusante, e na atratividade do setor para investimentos, sem necessariamente reduzirem efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente.

O anexo I do presente estudo contém o Anteprojeto de Lei na íntegra.

Na Figura 1, a seguir, há um resumo de pontos-chave da legislação (conforme descrita no Anteprojeto de Lei de junho de 2016), organizados em blocos de decisão críticos para uma legislação de substâncias químicas. Além disso, estão destacados os principais tópicos ainda em discussão sobre cada um dos temas.

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Figura 1 - Principais definições do Anteprojeto de Lei atual e pontos de discussão

5. Metodologia para avaliação de impactos possíveis no Brasil e definição de propostas para aprimoramento do Anteprojeto de Lei

O estudo de impacto da nova legislação brasileira de substâncias químicas foi executado pela Bain & Company entre os meses de setembro e dezembro de 2017.

Na realização do estudo, a Bain & Company utilizou sua experiência e metodologias próprias para coletar e analisar informações de diferentes stakeholders e de estudos e relatórios relevantes.

Durante todo o estudo, stakeholders envolvidos nas discussões do Anteprojeto de Lei ou diretamente impactados pela legislação de substâncias químicas foram consultados por meio de entrevistas ou de questionários para coleta de dados:

12 entidades representadas na CONASQ

21 empresas associadas à ABIQUIM

SINPROQUIM e 2 associadas, representando pequenas e médias empresas do setor químico

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10 associações/entidades de classe e 11 empresas de cadeias a jusante daindústria química

12 entidades internacionais, incluindo associações, governo e empresas, com conhecimento sobre modelos de legislação de substâncias químicas em outros países

Na primeira fase do estudo — a de diagnóstico —, foi feita análise detalhada das regulações de substâncias químicas do Canadá (CEPA/CMP) e da União Europeia (REACH) com objetivo de coletar aprendizados para o Brasil em termos de características dos modelos, processo de implementação e impactos esperados.

Para entendimento do contexto em que a nova legislação será aplicada no Brasil, a fase de diagnóstico do estudo incluiu também mapeamento e análise de legislações às quais a indústria química nacional já está sujeita, com o objetivo de identificar oportunidades de harmonização destas com o escopo da nova legislação.

Na segunda fase do estudo — quantificação de impactos —, foram utilizados

subsídios da fase de diagnóstico para criar cenários de legislação e estimar impactos para indústria, governo e sociedade em geral.

Por fim, com base nos impactos estimados na fase de quantificação, propostas para aprimoramento do Anteprojeto de Lei brasileiro foram consolidadas e priorizadas em oito mudanças-chave para detalhamento neste Sumário Executivo.

6. Avaliação de impactos no Brasil

6.1.Custos diretos decorrentes da legislação de substâncias químicas

Para estimativa dos custos regulatórios associados ao modelo brasileiro, foram inicialmente definidos três cenários de legislação: REACH no Brasil, CMP no Brasil e cenário com Anteprojeto de Lei atual ainda com incertezas. Este terceiro foi construído com base em potenciais impactos negativos das incertezas atuais do Anteprojeto de Lei.

A Figura 2 ilustra as principais diferenças entre estes cenários.

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Figura 2 - Definição geral dos três cenários iniciais para quantificação

O custo regulatório estimado de uma legislação similar ao REACH no Brasil seria de R$ 38,8 bilhões7 em 20 anos; já no caso de uma similar ao CMP, de R$ 6,7 bilhões. Essa diferença se deve às características de cada um dos dois modelos. O europeu exige um alto volume de estudos para todas as substâncias cadastradas; já no modelo canadense a avaliação e os estudos se concentram em substâncias priorizadas que ofereçam potencial risco à saúde humana e ao meio ambiente. Além disso, o modelo canadense busca usar estudos já existentes.

O custo regulatório estimado em 20 anos no cenário Anteprojeto com incertezas seria de R$ 18,2-19,2 bilhões8, maior do que com a implementação do modelo canadense no Brasil. Os principais motivos para estes custos mais elevados são a priorização de um número maior de substâncias para avaliação e um menor usode estudos já existentes, além de um processo longo de cadastro de novas substâncias, o que retardaria o lançamento de inovações no mercado.

A Figura 3 demonstra os resultados da quantificação nos três cenários.

7 Nota: quantificação de custos feita com base em premissas e dados coletados em pesquisas e

entrevistas com stakeholders e análise de publicações sobre impactos do REACH e do CMP.8 Nota: intervalo de valor decorrente de cenários de atraso de 2 a 5 anos em inovações.

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Figura 3 - Resultado da quantificação dos três cenários iniciais

É importante destacar que, na figura acima, foram estimados apenas os custos diretos da legislação para a indústria química e para o governo. Além destes, há potenciais impactos decorrentes dos maiores custos em aumento de preços ao consumidor e redução da arrecadação de impostos, o que poderia impactar a sociedade como um todo.

Com base nos aprendizados obtidos após o detalhamento de impactos dos cenáriosiniciais, foi construído um quarto cenário futuro com propostas de aprimoramento para o Anteprojeto de Lei que minimizam custos para indústria e governo, mantendo os benefícios da legislação de substâncias químicas, conforme demonstrado na Figura 4.

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Figura 4 - Definição geral dos quatro cenários para quantificação

No cenário futuro com propostas de aprimoramento feitas pelo estudo, o custo em 20 anos da legislação foi estimado em R$ 4,6 bilhões9, cerca de 75% menor do que no cenário do Anteprojeto com incertezas.

Os principais responsáveis por essa redução seriam o escopo mais focado de priorização de substâncias, o ritmo de avaliação de substâncias priorizadas adaptado à realidade brasileira em termos de recursos financeiros e humanos, e o uso de estudos já existentes, além de ganhos de harmonização com legislação existente e a premissa de que não haveria impacto de atraso relevante em lançamento de inovações no mercado.

A comparação de custo total em 20 anos entre os quatro cenários descritos foi detalhada na Figura 5, abaixo.

9 Nota: quantificação de custos feita com base em premissas e dados coletados em pesquisas e entrevistas com stakeholders e análise de publicações sobre os impactos do REACH e do CMP.

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Figura 5 - Comparação de custo total em 20 anos entre cenários

As principais diferenças entre cenários e premissas utilizadas para a quantificação de impactos estão detalhadas no anexo II deste documento.

A comparação entre estimativas de custos regulatórios diretos nos quatro cenários demonstra que é possível obter os mesmos benefícios em saúde e meio ambiente almejados pela nova legislação com diferentes graus de impacto em custos para indústria, governo e sociedade como um todo. Esse estudo faz propostas concretas para que a nova legislação seja aprimorada de modo a produzir o cenário de custos mais eficiente.

6.2.Impactos de potenciais restrições implementadas pela legislaçãode substâncias químicas

Além de custos diretamente associados à legislação, há impactos esperados na indústria química e em cadeias a jusante com a implementação de restrições a substâncias químicas avaliadas, o que pode incluir desde o controle da concentração de substâncias em produtos até a proibição de substâncias para usos específicos.

Impactos potenciais de restrições no Brasil foram estimados com base nasrestrições mais relevantes existentes na União Europeia e no Canadá para quatro cadeias a jusante entre as que seriam potencialmente mais impactadas10:

10 Nota: cadeias a jusante priorizadas de acordo com o número de substâncias usadas pela cadeia com

algum tipo de restrição já implementada no REACH ou no CMP, percepção de impacto por stakeholders

entrevistados e relevância para a economia brasileira em termos de valor adicionado, número de funcionários e número de empresas.

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Tintas, pigmentos, corantes e afins

Plástico commodity

Materiais de construção

Têxtil

Para detalhamento de potenciais impactos nessas cadeias no Brasil, contamos com a contribuição de associações e empresas dessas cadeias através de entrevistasrealizadas no escopo do estudo.

Avaliamos impactos de restrições a substâncias químicas no Brasil em dois cenários: restrições alinhadas com modelos internacionais e restrições desalinhadas com modelos internacionais.

O primeiro cenário considera que o modelo brasileiro será alinhado comaprendizados internacionais tanto em termos do escopo das restrições quanto de um processo de avaliação de substâncias estruturado, com análise socioeconômica na decisão de restrições e prazos de adequação viáveis. Nesse caso, o impacto esperado não seria disruptivo para a indústria, pois substâncias são restritas para usos específicos11 e há substitutos disponíveis no mercado.

Entre as 71 restrições detalhadas no primeiro cenário, 32% não teriam impacto se implementadas no Brasil, pois legislações específicas já existentes ou acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário já impõem restrições similares no País(ex.: banimento do uso de Halons desde 2010 a partir da ratificação do Protocolo de Montreal no Brasil).

Em 25% dos casos, o impacto seria limitado a certas empresas, pois parte relevante da indústria já segue normas voluntárias (ex.: ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas) ou possui acordos setoriais de autorregulamentação (ex.:ABVTEX - Associação Brasileira do Varejo Têxtil). Nesses casos, há potencial benefício de isonomia devido à uniformização de práticas entre empresas do mesmo setor com a implementação de controles compulsórios pela nova legislaçãode substâncias químicas.

Já em 42% dos casos espera-se que haja custos de substituição devido a substânciassubstitutas mais caras e a possíveis adaptações no processo produtivo para empresas que ainda não seguem políticas alinhadas com restrições internacionais. Esses custos variam caso a caso, dependendo da disponibilidade de substitutos locais ou importados e da necessidade de mudanças em tecnologias. No caso das substâncias investigadas, os preços de substitutos são tipicamente maiores. Essa alta nos custos acaba tendo impacto na sociedade como um todo — na forma de preços maiores ao consumidor.

11 Exemplo: restrição de concentração de 0,1% (peso) de DEHP/DOP (substância usada como plastificante em PVC) em brinquedos ou artigos infantis.

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E o impacto pode ir além de custos maiores e preços mais elevados ao consumidor. A necessidade de substituição pode afetar a balança comercial — devido à maior dependência de importações de matérias-primas nos casos em que estas não estejam disponíveis no mercado brasileiro e de produtos acabados nos casos em que as cadeias produtivas não estejam estabelecidas no país — e impactar a competitividade das cadeias produtivas nacionais.

Como mencionado, em todos os casos de restrições existentes em modelos internacionais investigados, há substitutos disponíveis no mercado brasileiro ou através de importação.

A Figura 6, abaixo, ilustra o potencial impacto de restrições a substâncias selecionadas por cadeia.

Figura 6 - Exemplos de impactos de restrições por cadeia analisada

O detalhamento das substâncias analisadas por cadeia priorizada está no anexo IIIdeste documento.

O segundo cenário considera um modelo brasileiro que não seguiria lições de modelos internacionais já estabelecidos em termos do escopo de restrições e do processo de avaliação de substâncias. Nesse cenário, seriam criadas restrições exclusivas para o Brasil, que poderiam ter impacto muito mais significativo para a indústria e a sociedade como um todo do que as estimadas no primeiro cenário.

Os impactos de restrições nesse cenário poderiam ser amplificados, tendo repercussão em várias alavancas do PIB brasileiro: impacto na balança comercial,com o aumento de dependência de importações; redução da poupança interna

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decorrente do aumento significativo de preços; e redução do valor agregado devido ao fechamento de plantas e perda de empregos.

Avaliamos casos internacionais em que a proibição de certas substâncias chegou a ser considerada, mas não foi concretizada devido à avaliação socioeconômica. Nesses casos, a agência reguladora concluiu que os custos para a sociedade seriam maiores do que os potenciais benefícios da restrição.

O uso do trióxido de cromo para a cromagem de metais sanitários é um exemplo.O trióxido de cromo não possui substitutos que ofereçam a mesma resistência e durabilidade; tampouco há métodos alternativos para a fabricação de metais sanitários cromados. No caso da União Europeia, a decisão da ECHA foi autorizar a produção com trióxido de cromo, pois foi comprovado que há procedimentos seguros para a utilização da substância e que não há alternativas.

Caso essa restrição fosse adotada no Brasil, a indústria de metais sanitários deixaria de existir no País — e o produto final somente estaria disponível ao público brasileiro se importado de outros países produtores onde não haja essa restrição. Estimamos um impacto de pelo menos R$ 3,8 bilhões ao ano para o País, sendo R$ 2,9 bilhões em balança comercial devido à dependência de importaçõesdo produto acabado de outros países e R$ 900 milhões em valor agregado por perda salarial e de lucratividade.

O estudo de caso do trióxido de cromo reforça a necessidade de que a legislaçãobrasileira utilize aprendizados internacionais e considere a avaliação de impactos socioeconômicos na definição de restrições, evitando assim criar restrições desalinhadas com lições internacionais e gerar impactos potenciais muito relevantes para o Brasil.

7. Propostas para aprimoramento do Anteprojeto de Lei brasileiro

As propostas deste estudo reduzem o risco de potenciais impactos negativos da legislação ao sugerir oito mudanças cruciais no Anteprojeto de Lei brasileiro:

7.1.Definir processo de cadastro de novas substâncias que minimize impactos em inovações

O texto do Anteprojeto de Lei disponibilizado para consulta pública não menciona qual será o processo para avaliação de novas substâncias, definidas como as substâncias que não constam do inventário.

Tal indefinição gera insegurança para a indústria, pois pode ter um impactonegativo na pesquisa, no desenvolvimento e na introdução de novas substâncias no mercado brasileiro. É importante definir um processo que assegure que não haja desaceleração no ritmo de inovação no Brasil e, ao mesmo tempo, estabeleça controles para a redução de riscos à saúde e ao meio ambiente.

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O presente estudo propõe um modelo para o processo de cadastro e avaliação de novas substâncias, construído juntamente com associadas da Abiquim com base em referências das legislações do Canadá e União Europeia (Figura 7).

Figura 7 - Processo para avaliação de novas substâncias

No modelo proposto, cabe à empresa a responsabilidade de avaliar uma substância antes de colocá-la no mercado, para determinar seu impacto à saúde e ao meio ambiente. Conforme levantado com a indústria, essa é uma prática já adotada por grande parte das empresas no Brasil, que assumem esse compromisso por política interna ou por seguirem regulações de outros países.

Quanto à preocupação de desaceleração do ritmo da inovação, nosso estudo propõe a instituição de um prazo máximo para o governo autorizar a comercialização com base em dossiê fornecido pela empresa. No modelo canadense, esse prazo é de até 75 dias — dependendo da substância sendo cadastrada.

A partir do momento em que o dossiê completo é submetido, o governo teria um prazo predeterminado para avaliá-lo, estando também compreendidos nesse período eventuais correções e solicitações de informação adicional à empresa. A comercialização da nova substância seria liberada caso (i) o resultado da avaliação de risco seja aceito pelo comitê ou (ii) o prazo para a avaliação pelos órgãos competentes tenha se esgotado.

Enquanto a substância não for incluída pelo governo no inventário (cadastro de substâncias existentes), toda empresa que for colocá-la no mercado deverá passar pelo mesmo processo de cadastro de substâncias novas descrito acima. As empresas têm a opção de se organizarem para compartilhar custos de estudos ou submetê-los individualmente.

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Uma vez que passe a integrar o inventário, a substância não é mais considerada nova e, portanto, o processo de cadastro descrito acima não mais se aplica. Nesses casos, o processo de cadastro volta a ser similar ao cadastro inicial de substâncias em comercialização, sem necessidade de submissão de estudos e avaliação de risco. O período de transição da lista de novas substâncias para o inventário deve ser predefinido, para que as regras sejam claras para todas as partes envolvidas.

O modelo proposto no estudo é semelhante ao modelo para cadastro de novas substâncias (não presentes na DSL-Domestic Substance List) no CMP/CEPA.

7.2.Explicitar compromisso com uso de estudos existentes e mecanismos de cooperação regulatória

Um dos principais pilares para garantir uma legislação que não gere custos desnecessários tanto para a indústria quanto para o governo é o uso de estudos e resultados de avaliações de risco já disponíveis no Brasil ou no exterior.

É essencial que o Anteprojeto de Lei estabeleça claramente o compromisso e a responsabilidade do governo em levantar estudos já existentes antes de solicitá-los das empresas. Dessa maneira, os custos de geração de novos estudos, que podem ser de mais R$ 11 milhões por substância, podem ser minimizados e direcionados para novas substâncias ou situações de perigo realmente específicas do Brasil.

Embora o principal viabilizador para o uso de estudos existentes seja o estabelecimento de acordos de cooperação regulatória e técnica, pode haver outras fontes de conhecimentos. Deve-se considerar também estudos já publicados e estudos voluntariamente fornecidos por empresas.

Uma referência de cooperação regulatória é o acordo estabelecido em 2011 entre o NICNAS (National Industrial Chemicals Notification and Assessment Scheme) daAustrália e o Health Canada e o Environment Canada. Os objetivos iniciais foram: aumentar a eficiência de recursos, compartilhar práticas, fortalecer a capacidade regulatória e alcançar maior harmonização.

Esse acordo traz disposições para a troca de informações sobre novas substâncias, a cooperação em projetos conjuntos, o compartilhamento de avaliações e experiências de gestão de risco e a adoção, quando desejável e sempre que possível, de práticas e abordagens regulatórias compatíveis.

Com isso, espera-se alcançar benefícios não apenas para o governo, através de redução de duplicação e maior eficiência, mas também para a indústria, através de maior agilidade para novas substâncias e maior compatibilidade entre exigências nas duas geografias.

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7.3.Eliminar sobreposições do Anteprojeto de Lei com legislações existentes

Hoje, a indústria química brasileira é regulada por um grande volume de instrumentos legais, incluindo leis, normas e instruções, entre outros. No estudo,foram identificados 676 instrumentos de diferentes órgãos das esferas federal e estadual, usando como base a indústria do estado de São Paulo. Foi feita uma análise detalhada dos principais instrumentos legais existentes para identificação de necessidade de harmonização do escopo com a nova legislação de substânciasquímicas.

Para determinar a necessidade de eliminação de sobreposições da nova legislaçãocom as existentes, foi necessário analisar dois principais aspectos: informações a serem fornecidas no cadastro e medidas de gestão de risco de substâncias químicas ou de seu processo produtivo.

Do ponto de vista de informações solicitadas no cadastro, a nova legislação de substâncias químicas pode gerar uma duplicidade de esforços para a indústria. Conforme evidenciado na Figura 8, algumas das informações a serem solicitadas no Cadastro Nacional de Substâncias Químicas já são exigidas por órgãos como Anvisa e Ibama, com foco em subgrupos específicos de substâncias. É importante ressaltar que as informações hoje fornecidas pelas empresas para os diferentes órgãos, se somadas, não corresponderiam à totalidade de dados requeridos no escopo da nova legislação.

Figura 8 - Informações já fornecidas pelas empresas no escopo de legislações existentes

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Dado que o novo cadastro será mais abrangente e completo do que as informações hoje exigidas, há oportunidade de que venha a funcionar como uma base de dados centralizada, que poderia ser acessada por todos os órgãos pertinentes do governo. Com isso, a duplicidade no fornecimento de informações por empresas ao governo poderia ser minimizada no longo prazo.

A centralização da base de dados de substâncias químicas exige alinhamento de todos os interessados desde o momento de criação do cadastro, para garantir que atenda às diferentes necessidades de cada órgão.

Na análise de medidas de gestão de risco já existentes, a principal sobreposiçãoidentificada é com as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e do Emprego, que versam sobre riscos à saúde no ambiente ocupacional. As NRs do MTE estabelecem medidas de gestão de risco no ambiente de trabalho para todo o escopo do Anteprojeto de Lei e estabelecem controles específicos para substâncias selecionadas e listadas nas normas.

A Figura 9 ilustra as principais regulações que impactam a indústria química atualmente com algum tipo de medida de gestão de risco e os riscos cobertos.

Figura 9 - Riscos cobertos por legislações existentes

O estudo concluiu que o controle de riscos à saúde ocupacional já é tratado pelas normas regulamentadoras do MTE (ex.: normas 7, 9, 15, 26 e 31), que estabelecem procedimentos para o ambiente de trabalho e outros tipos de controle de uso focados em uso de substâncias pelos trabalhadores. Um detalhamento do escopo dessas normas é detalhado na Figura 10, abaixo.

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Figura 10 - Detalhamento do escopo da normas regulamentadoras do MTE

Para que não haja conflitos no escopo das duas regulações, o estudo defende que a saúde ocupacional deve estar explicitamente fora do escopo da nova legislaçãode substâncias químicas. Essa delimitação de escopo não impede, contudo, que o MTE aproveite conhecimentos gerados por avaliações de risco sob a nova legislação — para aprimorar e atualizar suas normas regulamentadoras, quandopertinente. Dessa forma, a nova legislação de substâncias químicas pode contribuir para a manutenção das normas regulamentadoras pelo MTE sem criar conflito com as mesmas.

Esse modelo é o mesmo seguido na Europa e no Canadá, onde nem o CMP/CEPA nem o REACH têm jurisdição sobre o uso ocupacional de substâncias. No caso canadense, o escopo de trabalho é de competência das províncias, enquanto a legislação de substâncias químicas fica a cargo do governo federal. Já no caso do REACH, o uso ocupacional é regulado em outras diretivas da União Europeia (89/391/EEC, 98/24/EC, 2004/37/EC) ou pelos próprios países. Em ambos os casos, as agências podem recomendar às demais autoridades que tomem medidas de gestão de risco específicas. Além disso, fornecem de forma estruturada informações relevantes — como, por exemplo, classificações, dados sobre usos, condições operacionais e medidas de gestão de risco tomadas.

7.4.Incluir avaliação socioeconômica como critério para definição de medidas de gestão de riscos

A realização pelo governo de estudos de impacto socioeconômico e avaliação de alternativas no momento da definição de medidas de gestão de risco é critério fundamental para garantir que restrições propostas sejam justificadas. Por se tratar de elemento crítico para a efetividade da legislação, o estudo propõe que o

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Anteprojeto de Lei mencione explicitamente o impacto socioeconômico como critério para a proposta de gestão de risco.

A avaliação de impacto socioeconômico é prática adotada por modelos internacionais e consiste na ponderação de custos e benefícios esperados com cada restrição em consideração. O REACH possui, inclusive, um Comitê Socioeconômico (SEAC, ou Committee for Socio-Economic Analysis) com essa finalidade. Para o Brasil, a proposta é que o Comitê Deliberativo tenha essa atribuição, sendo o papel do MDIC contribuir com as análises de custo-benefício.

Conforme destacado na seção 5.2 deste estudo, num cenário em que o modelo brasileiro não siga aprendizados de modelos internacionais já estabelecidos e não considere impactos socioeconômicos como critério de decisão, pode haver impactos significativos para a indústria e a sociedade como um todo.

No caso da restrição de trióxido de cromo, por exemplo, a indústria de metais sanitários deixaria de existir no país e o produto final somente estaria disponível ao público brasileiro se importado de outros países produtores sem a mesma restrição. Estimamos um impacto de pelo menos R$ 3,8 bilhões por ano para o país, sendo R$ 2,9 bilhões em balança comercial com a dependência de importações do produto acabado de outros países e R$ 900 milhões em valor agregado por perda salarial e de lucratividade.

7.5.Aprimorar a governança da legislação de substâncias químicas

A governança de uma legislação de substâncias químicas pode ter dois principais formatos: via agência reguladora, como foi o caso específico do REACH na União Europeia, ou via Comitês/Ministérios, conforme modelo adotado pelo Canadá e proposto no Brasil no Anteprojeto de Lei.

Uma agência reguladora tem como pontos positivos a garantia de uma equipe e estrutura dedicadas. Por outro lado, tem custos mais elevados em função do menor uso de estruturas e recursos já existentes. Já uma governança via comitês, apesar da maior dificuldade para definição de papéis e responsabilidades, é mais facilmente implementada e apresenta menores custos.

No Brasil, a governança proposta no Anteprojeto de Lei é liderada pelos órgãos federais responsáveis pelos setores de meio ambiente, saúde, trabalho e indústria. O Anteprojeto de Lei estabelece a criação de dois comitês: o Comitê Técnico de Avaliação, encarregado de selecionar e avaliar substâncias quanto ao risco para o meio ambiente e a saúde, e o Comitê Deliberativo, com a função de determinar medidas de gestão de risco.

Este estudo partiu do modelo de comitês definido no Anteprojeto de Lei para propor aprimoramentos na governança, com base em aprendizados internacionais e avaliação do contexto brasileiro. As principais mudanças propostas são:

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Adequação da composição do Comitê Técnico de Avaliação e do Comitê Deliberativo ao escopo da legislação após eliminação de sobreposições proposta neste estudo.

Criação de dois comitês adicionais: Comitê de Apelação (câmara de recurso) e Comitê Científico Independente.

A Figura 11 descreve as responsabilidades dos quatro comitês.

Figura 11 - Estrutura de comitês e responsabilidades

No Comitê Técnico de Avaliação e no Comitê Deliberativo, o Ministério do MeioAmbiente (MMA) manteria a responsabilidade sobre a gestão de riscos ao meio ambiente, o Ministério da Saúde (MS) sobre a gestão de riscos à saúde humana e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) ficaria responsável pela avaliação de impactos socioeconômicos de medidas de gestão de risco propostas. Com a proposta deste estudo de eliminação de sobreposição com as NRs de saúde ocupacional, o Ministério do Trabalho e Emprego sairia da composição desses comitês.

O Comitê de Apelação (câmara de recurso) é uma instância para que partes interessadas se manifestem durante o processo de definição de medidas de gestão de risco. É importante que sejam estabelecidos mecanismos de comunicação com as partes envolvidas, com oportunidade de manifestação via Comitê de Apelação antes da divulgação de decisões e recomendações ao público em geral.

Já o Comitê Científico Independente tem o papel de contribuir desde a fase de priorização até a definição de medidas de gestão de riscos, dado que os temas são técnicos e dependem de atualização constante com evolução do mercado e do conhecimento científico, conforme necessidade. A composição deste comitê pode incluir especialistas de outros países, que aportem experiência técnica com legislações comparáveis.

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Estruturas similares às propostas existem também nas regulações da União Europeia e do Canadá.

O Comitê de Apelação do REACH (Board of Appeal) é constituído por um presidente e dois outros membros funcionários da ECHA, com mandato de cinco anos. Partes interessadas podem recorrer de decisões da ECHA nos seguintes temas: avaliação de substâncias, rejeição de registros, compartilhamento de dados, exame de propostas de teste, checagem de conformidade de inscrições e isenções da obrigação geral de inscrição para pesquisa e desenvolvimento voltada a produtos e processos. O Board of Appeal pode exercer qualquer poder que seja da competência da Agência ou remeter o caso para o órgão competente da Agência para novas medidas.

O CMP/CEPA possui um Comitê Científico (Science Committee) que pode incluir diferentes tipos de participantes: membros principais e ad hoc, apresentadores convidados, funcionários públicos e observadores. Os membros são selecionados através de um processo de recrutamento e são convidados a participar do comitê por três anos, podendo haver renovação do mandato. Os cargos são, em sua maioria, voluntários, oferecendo apenas reembolso de despesas, embora alguns postos mais importantes possam ser remunerados.

O comitê tem responsabilidade junto ao Health Canada e Environment Canada de participar plenamente e de se esforçar para abordar as considerações científicas levantadas pelos departamentos. Membros principais devem, além disso, demonstrar experiência significativa e recente em ciências ambientais e/ou biológicas relacionadas à exposição ou caracterização de risco.

7.6.Definir cronograma de avaliação de substâncias compatível com estrutura do governo

A implementação efetiva da nova legislação de substâncias químicas depende da sua adaptação à estrutura disponível no governo. Dependendo das atribuições assumidas, do formato da legislação e da meta de número de avaliações, pode ser demandada uma estrutura relevante, conforme evidenciado pelo quadro comparativo das estruturas do REACH e do CMP na Figura 12.

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Figura 12 - Dados selecionados sobre estrutura do governo para o REACH e o CMP

No modelo brasileiro proposto no Anteprojeto de Lei, o governo é o responsável pela avaliação de risco das substâncias priorizadas presentes no mercado brasileiro. O Canadá possui um modelo semelhante, no qual ~50% é gasto com avaliação e gestão do risco. Logo, a principal alavanca de custos é o número de avaliações a serem realizadas por ano.

Para que a estrutura do governo seja adequada para implementação e manutenção da legislação, é importante que o poder público defina uma lista priorizada de substâncias a serem avaliadas e um cronograma de avaliação adequado à estrutura e recursos disponíveis.

A comunicação com a indústria sobre esse cronograma contribuirá também para o planejamento das empresas e a preparação de informações a serem submetidas ao governo.

7.7.Garantir isonomia entre produtor nacional e estrangeiro: mecanismo para cadastro de substâncias importadas

Importações representam porção relevante da indústria brasileira de produtos químicos industriais, chegando a aproximadamente 33% em 2016 e 2017. A nova legislação deve dar tratamento isonômico para produtores nacionais eimportadores, sem criar entraves à entrada de substâncias importadas nem onerar apenas os produtores nacionais.

No que se refere ao mecanismo de cadastro de substâncias importadas, a legislaçãodeve permitir a existência de diferentes opções de mecanismo para que uma

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empresa de fora do Brasil forneça dados sigilosos ao governo brasileiro. Vale ressaltar que essas alternativas são adicionais à opção de o importador fazer o cadastro completo da substância.

A primeira opção consiste no fornecedor externo indicar um representante legal no Brasil, a quem fornecerá todos os dados da substância e que será responsável por fazer o cadastro junto ao governo. Esse representante legal pode ser uma subsidiária da empresa estrangeira no Brasil ou uma terceira parte contratada para tal finalidade.

A segunda opção consiste no importador iniciar o cadastro da legislação de substâncias químicas, preenchendo os dados de que tem conhecimento, e indicar a empresa no exterior que agregará os dados faltantes, que serão fornecidos diretamente por questões de sigilo. Nesse caso, o importador é o responsável legal por todos os dados, mesmo os fornecidos pela parte externa. Esse modelo é usado no Canadá e conhecido como “foreign supplier submission”. Para isso, o sistema de cadastro brasileiro deve disponibilizar funcionalidade compatível.

Essa segunda opção permite que empresas importadoras possam continuar importando mesmo que seu fornecedor em outro país não possa fornecer dados de suas substâncias por questões de sigilo ou não tenha interesse em estabelecer um representante legal no Brasil. Vale ressaltar que o importador é responsabilizado caso o fornecedor estrangeiro não complete o cadastro ou forneça informações incorretas. Essa opção é relevante para importação de substâncias para as quais o Brasil não constitui um mercado grande ou atrativo, mas que podem ser indispensáveis para a indústria nacional.

As duas opções contidas na solução proposta endereçam a necessidade de um responsável legal no país pelas informações fornecidas no escopo da nova legislação, ao mesmo tempo que proporcionam flexibilidade para cadastro de substâncias importadas pelas partes envolvidas conforme necessidade de negócio aplicada a cada situação.

7.8.Definir e acompanhar indicadores de resultados da legislação

Tanto o modelo REACH quanto o CMP estabelecem compromisso com o monitoramento de resultados. Após a implementação dessas regulações, União Europeia e Canadá expandiram ou criaram novos programas de monitoramento de impactos em riscos, qualidade de dados, indicadores de saúde e de meio ambiente.

O monitoramento de resultados é uma tarefa desafiadora. Conforme apresentado na Figura 13, os modelos internacionais estudados apresentaram tendência positiva ou estável em 60%-70% dos indicadores de saúde e meio ambiente pós-regulação, enquanto os demais não apresentaram melhora de tendência. Vale ressaltar que ainda não foi comprovada causalidade desses resultados com a implementação de controles específicos no escopo da legislação — comprovação

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que é essencial para separar os efeitos da legislação de outros fatores que possam impactar esses indicadores.

Figura 13 - Tendência de indicadores REACH e CMP

A proposta deste estudo é que o Anteprojeto de Lei tenha, como um de seus pilares, o monitoramento pelo governo de resultados da legislação. O objetivo é que haja acompanhamento da implementação da legislação, criando subsídios para seu aprimoramento contínuo e a mensuração de impactos em saúde e meio ambiente.

Um programa de monitoramento estruturado deve ter indicadores e frequência predefinidos. Com base em práticas de modelos internacionais, os indicadores podem incluir: métricas relacionadas à implementação da legislação, produção de substâncias específicas, concentração de substâncias em humanos e meio ambiente (tecidos humanos, animais e vegetais, amostras de ar, água e solo), entre outros. No caso de indicadores de saúde e meio ambiente, é essencial que sejam definidos indicadores em que seja possível comprovação de causa-efeito para avaliação do impacto da legislação.

8. Considerações Finais

Este estudo foi desenvolvido em colaboração com a Abiquim e contou com a contribuição de membros da CONASQ, da indústria e de entidades internacionais com experiência com regulações de substâncias químicas.

O estudo visa contribuir para o fortalecimento das discussões no âmbito da CONASQ e também nas próximas fases do desenvolvimento da nova legislação de substâncias químicas.

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9. Anexos

Anexo I - Anteprojeto de Lei de junho 2016

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Anexo II - Principais diferenças entre cenários e premissas para quantificação de impactos no Brasil

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Anexo III - Lista de substâncias e restrições avaliadas para as 4 cadeias priorizadas

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