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ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: UMA CONTRIBUiÇÃO PARA A GEOGRAFIA DAS CORPORAÇÕES GISELA AaUINO PIRES DO Rlo* Organizational Structure and Productive Restructuring: An Exploratory Essay on the Geography of Corporations The article discusses the links be- tween the organizational and the spa- tial structures of the corporate sys- tem. Such links are said to be rein- forced by locational and administra- tive hierarchies and suggest the ex- istence of geographical specializa- tions. The corporate system may give rise to very complex spatial and or- ganizational structures. This struc- turet complexity is always in a state of change and can be depicted in a series of topological presuppositions which embody regions, flows and networks. Introdução o foco central deste trabalho refere-se à compreensão das interdepen- dências entre estrutura organizacional, estratégias de crescimento de grupos industriais e criação de subespaços especializados por força do processo de reestrururação produtiva comandado por esses atores. Trata-se de um tema amplo, cujas possibilidades de se mobilizar conceitos de origem diversa são enormes; ele remete à perspectivas teóricas distintas que tentam fornecer elementos de respostas para as múltiplas trajetórias espaciais empreendidas pelos grandes grupos industriais. Face às transformações econômicas cada vez mais complexas, o marco teórico para a interpretação da atuação de grupos industriais que passam a orientar a especialização produtiva de deter- minadas áreas tem privilegiado um conjunto de características que dizem respeito à natureza das estruturas organizacionais, às estratégias do grupo industrial e à atuação desses grupos como indutores de transformações pro- dutivas. A grade de leitura proposta não se pretende exaustiva; ela permite, no entanto, discutir três elementos característicos dos grupos: níveis distintos de . Professora do Departamento de Geografia da UFRJ.

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ESTRUTURA ORGANIZACIONAL EREESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: UMACONTRIBUiÇÃO PARA A GEOGRAFIA

DAS CORPORAÇÕES

GISELA AaUINO PIRES DO Rlo*

Organizational Structure and Productive Restructuring: AnExploratory Essay on the Geography of Corporations

The article discusses the links be-tween the organizational and the spa-tial structures of the corporate sys-tem. Such links are said to be rein-forced by locational and administra-tive hierarchies and suggest the ex-istence of geographical specializa-tions. The corporate system may give

rise to very complex spatial and or-ganizational structures. This struc-turet complexity is always in a stateof change and can be depicted in aseries of topological presuppositionswhich embody regions, flows andnetworks.

Introdução

o foco central deste trabalho refere-se à compreensão das interdepen-dências entre estrutura organizacional, estratégias de crescimento de gruposindustriais e criação de subespaços especializados por força do processo dereestrururação produtiva comandado por esses atores. Trata-se de um temaamplo, cujas possibilidades de se mobilizar conceitos de origem diversa sãoenormes; ele remete à perspectivas teóricas distintas que tentam fornecerelementos de respostas para as múltiplas trajetórias espaciais empreendidaspelos grandes grupos industriais. Face às transformações econômicas cadavez mais complexas, o marco teórico para a interpretação da atuação degrupos industriais que passam a orientar a especialização produtiva de deter-minadas áreas tem privilegiado um conjunto de características que dizemrespeito à natureza das estruturas organizacionais, às estratégias do grupoindustrial e à atuação desses grupos como indutores de transformações pro-dutivas.

A grade de leitura proposta não se pretende exaustiva; ela permite, noentanto, discutir três elementos característicos dos grupos: níveis distintos de

. Professora do Departamento de Geografia da UFRJ.

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controle e decisão, organização (global) integrada e estratégias institucio-nais. Esses elementos implicam considerar o grupo industrial como sistemaarticulado cuja projeção espacial traduz-se pela criação de subespaçosespecializados. As unidades elementares que compõem o grupo remetem àsua estrutura locacional. Tal estrutura não está isolada do contexto espacial:ela se enraíza pelas especificidades territoriais tais como a disponibilidadedos recursos existentes (potenciais e efetivos), a disponibilidade de infra-es-trutura material em rede, a capacidade de exploração de sinergias (locais eextra-regionais), a disponibilidade de "infra-estrutura social" e a tecnologiadisponível.

Nesse sentido, o terreno apresenta-se bastante movediço, pois diver-sas classificações são passíveis de serem esboçadas. Separar as diferentescontribuições utilizando-se categorias mais ou menos "estáveis", embora ape-nas satisfatório, parece-nos mais adequado às restrições impostas pela apre-sentação sistemática e pelo caráter exploratório deste trabalho. Assim, apre-sentamos na primeira seção a ruptura entre a teoria clássica da localizaçãoindustrial. base incontornável da literatura em Geografia Econômica, e as ino-vações conceituais que tentam explicar as interações entre a estruturaorganizacional e a formação de subespaços. Na segunda seção discutiremostrês das principais abordagens que analisam as articulações estratégica eespacial do grupo industrial. Essa discussão fornecerá elementos importan-tes para, na terceira seção, a elaboração de uma proposta de sistematizaçãopara a análise de um subespaço sob o impacto direto da ação de gruposindustriais. Por trás dessa discussão encontra-se, na verdade, o debate so-bre as diversas formas sob as quais o processo de reestruturação produtivapode se manifestar. Esse processo, de extrema complexidade e de múltiplasdimensões, assume configurações específicas resultantes, de um lado, domodo de valorização dos recursos aí disponíveis e, de outro, dos "recursosconstruídos" que reforçam as articulações entre a escala local e as escalasextra-regionais.

1. A noção de grupo: ruptura com a lógica da firma individual

A extensa bibliografia sobre as grandes corporações como atores deprimeira linha na intensificação da divisão técnica e social do trabalho e, porconseguinte, da especialização produtiva de determinadas regiões tem sidoorientada para a identificação de estratégias, organização espacial e compor-tamento desses atores que, nas palavras de HAMILTON (1986), podem seconstituir, em alguns casos espectros e, em outros, pontas-de-Iança da inter-nacionalização do capital. De qualquer modo, a busca de um esquema geralque explique a aparente estabilidade desses atores bem como sua dinâmicaglobal reúne-se em torno de três vertentes principais: comércio internacional,economia industrial e geografia das corporações.

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Antes de avançar na apresentação das três vertentes que congregama maior parte das contribuições sobre as estratégias espaciais das grandescorporações e a indução de especializações produtivas por força daquelas,uma consideração se impõe. É interessante lembrar que essas abordagensapresentam uma evolução paralela no que diz respeito à herança neoclássicae à eclosão de estudos com propósitos estruturados, consagrados explicita-mente à análise das grandes corporações. De uma maneira geral, a herançaneoclássica atribuía às iniciativas individuais o papel de fonte decisiva naimplementação de estratégias de localização; tais decisões eram, portanto,estritamente do domínio do empresário-proprietário. Simplificação em micro-escala do conjunto da economia, a firma era considerada através da corres-pondência entre unidade fabril/ unidade gerencial/ única atividade.

De modo semelhante, a teoria da localização industrial privilegiou, du-rante muito tempo, a firma individual, monoproduto. Há razões suficientespara rejeitarmos hoje as hipóteses que sustentam tal perspectiva, sem negli-genciar, contudo, a importância das contribuições pioneiras de Weber, l.ôsch,Isard, Greenhut, Lefeber, Ponsard, entre outros. Todavia, tais esforços de in-terpretação e formulação de uma teoria geral da localização não podem sertransportados para a realidade atual. Entre as inúmeras restrições a tais es-forços está o fato de que apenas duas questões nortearam a teoria geral dalocalização industrial: a) a determinação da melhor localização para uma cer-ta atividade e, b) a escolha da melhor atividade para um dado local. A respos-ta a essas questões circunscreveu os problemas de localização à utilizaçãoda firma como categoria operacional encerrada nela mesma. Trata-se, evi-dentemente, de abordagens com reduzido horizonte geográfico.

Sem negar a importância das bases conceituais lançadas no séculoXIX, é necessário reconhecer que, nas décadas de sessenta e setenta doatual século, estudos direcionados à análise das estratégias das corporaçõesganharam substância em sua fundamentação teórica. Evidentemente, a ra-zão principal encontra na transformação do próprio objeto que deixa de ser afirma neoclássica para tornar-se a corporação. Sem dúvida, o número e adisparidade dos trabalhos que tratam do tema atribuem diferentes contornosa um objeto cada vez mais complexo. O alargamento dos espaços de inter-venção da grande corporação, o grau de concentração, o tamanho, amultilocalização e diversificação setorial introduziram modificações importantesno contexto internacional e regional.

A noção de grupo deve ser assinalada como uma das principais inova-ções dos trabalhos que vêm explorando essa linha de investigação'. O grupo,ao contrário da firma monoproduto, caracteriza-se pela "pulverização" da ló-

1 Sem entrar na pluraridade de acepções, deve-se, contudo, ressaltar que a noçãode grupo se consolida e se dissemina a partir do reconhecimento, no início desteséculo, de que um novo modo de estruturação e organização de redes de empresas,cada vez mais complexo, estava emergindo.

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gica normativa própria à concepção da firma neoclássica. Hipoteticamente, ogrupo possui uma configuração complexa, pois requer uma estrutura gerencialcentralizada (holding) para definir as estratégias de conjunto, organizaçãopor "áreas" de negócios, pressupondo, naturalmente, atividades técnico-pro-dutivas seqüenciais (integração vertical), atividades divergentes (diversifica-ção horizontal) e múltiplas unidades fabris (complexa estrutura locacionaldecorrente da imbricação de padrões locacionais por empresa/atividade as-sociada a efeitos de sinergia a partir de redes próprias) (DUPUY e GILLY,1995).

O grupo constitui, assim, um modo de organização suficiententementeamplo e articulado cuja escala de operação, ações e práticas de gestão per-mitem identificar o processo de reestruturação produtiva. É importante salien-tar, no entanto, que o termo reestruturação produtiva comporta um conjuntode transformações extremamente amplo, assumindo, em muitos casos, umcaráter genérico aplicável a diversos níveis de análise. Reestruturação pro-dutiva engloba, assim, as microdecisões de eficiência técnico-produtiva (so-bretudo aquelas que se traduzem pela redução do efetivo de assalariados emvários setores da economia e, particularmente, no setor industrial), as dife-rentes formas de flexibilização da produção, a diversidade de estratégias desistemas produtivos localizados, os diferentes contextos locais e regionaisque permitem a alocação de investimentos com vistas à exploração dos re-cursos construídos (aquisições, fusões, seletividade espacial dos investimen-tos, etc.), as novas regulamentações e tantos outros elementos consideradospassíveis de viabilizarem a competitividade mundial. Essa noção transcende,portanto, as práticas utilizadas pela grandes corporações, sem, no entanto,excluí-Ias como atores desse processo. Desse ponto de vista, o processo dereestruturação produtiva consiste num processo diferenciado no tempo e noespaço conferindo, pela intermediação de articulações horizontais e verticais,um caráter mundial aos lugares; em outros termos, cada lugar torna-se mun-dial pelo interesse que desperta nos grupos constitutivos do oligopólio mundi-al (DURAND eta/., 1992).

2. O grupo como agente da especialização produtiva:articulação estratégica e espacial

Após a apresentação concisa sobre a emergência e consolidação danoção de grupo, necessária para a reconstituição do eixo estruturador so-bre o papel das grandes corporações, segue-se a apresentação das trêsvertentes mencionadas anteriormente. Alguns elementos comuns que sub-sidiaram a construção das diferentes abordagens sobre o tema têm sidoobjeto de uma releitura, principalmente no que tange às interdependênciasentre a estrutura organizacional do grupo e a especialização produtiva dedeterminadas regiões.

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A primeira delas, o comércio internacional, tende a mostrar a corres-pondência entre fluxo internacional, transferência de tecnologia e investimen-tos diretos no exterior, articulados às vantagens comparativas nacionais, comosuporte teórico para a compreensão da organização do grupo. DUNNING(1988) associa ao quadro de dotação de fatores de produção à capaciadadedas empresas em explorá-los, caracaterizando por essa via vantagens espe-cíficas à empresa e vantagens de localização. Considerar os fluxos comer-ciais, mesmo que intrafirma, como medida da concentração e centralizaçãopor ele operada, implica tratar a concorrência entre oligopólios como modode coordenação das relações econômicas que se articulam em estruturasespaciais configurando, por seu intermédio, uma concentração da atividadeeconômica em determinadas áreas.

Para os autores implicados na análise das trocas internacionais, essareleitura significa uma redescoberta da Geografia Econômica, principalmenteda teoria da localização. Um tal interesse está ligado à necessidade de secompreender a expressão espacial de conceitos como economia de escala,economias externas que configuram vantagens competitivas espacialmentelocalizadas (PIRES DO RIO, 1995) e condicionam o desempenho dos gru-pos. Nesse sentido, é bastante elucidativo o trabalho de KRUGMAN (1996)no qual o autor inclui um capítulo intitulado Geography Lost and Found. Nes-se capítulo. ele explora, de forma sucinta, a noção de economias externaslocais como motivação primeira para a formação de clusters de produtos emuma localização particular, explicando, desse modo, como as vantagens com-petitivas se acumulam no tempo e no espaço. O interesse de Krugman a esserespeito já havia se manifestado em trabalho anterior, quando o autor exami-nou o fenômeno da concentração geográfica na direção e intensidade dastrocas comerciais.

Por essa via, as estruturas locacionais e as economias externas, sobreas quais as decisões estratégicas globais e de gestão diversificada se apói-am, constituem o cimento para modelos econômicos de concentração geo-gráfica e especialização produtiva. Tal perspectiva é adotada por KRUGMAN(1990), que parte do pressuposto de que as economias de escala estão naorigem da concentração das atividades industriais e, por conseguinte, as es-truturas locacionais obedecem à uma lógica circular determinada pela explo-ração de economias de escala e de economias externas. Assim, os fenôme-nos de concentração das atividades econômicas e das atividades industriaistendem a se perenizar em uma localização dada. O autor ilustra este pontorecorrendo a um modelo estilizado de concorrência entre duas unidades polí-tico-administrativas independentes. Essa representação permite compreen-der os fluxos comerciais como indicadores da intensificação das trocas entreessas unidades. De imediato, as trocas comerciais se traduzem por fluxos deprodutos, tecnologia e capital entre dois pontos necessariamente eqüidistantes,mas somente um deles poderá se beneficiar das externalidades herdadas dopassado. O processo de concentração da produção pela ação de economias

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de escala e de aglomeração está, portanto, na origem da diferenciação deáreas.

Essa formulação traz à tona um certo paradoxo: por um lado, as estra-tégias globais dos agentes econômicos e, particularmente, dos grupos indus-triais parecem escolher pontos isolados do espaço para realizarem todas asfunções requeridas pelas empresas que integram o grupo; por outro lado, asestratégias institucionais territoriais que atuam no sentido de criar e/ouperenizar determinadas especializações produtivas são praticamente excluí-das. As relações entre grupo e demais atores das áreas de implantação deunidades técnico-produtivas de um grupo são geralmente assimétricas, don-de a identificação, por parte de alguns atores, de uma dualidade organizacionalpara caracterizar relações de proximidade intragrupo e extragrupo (DUPUY eGILLY, 1995); essas, por sua vez, deixam de ser exclusivamente topográficaspara tornarem-se relacionais. Tal deslocamento do foco tem implicações con-sideráveis no tocante à instrumentalização conceitual. As relações de pro-ximidade passam a ser regidas por uma lógica de dependência estratégicadas regiões vis-à-vis o grupo e uma lógica de inserção por parte da unidadeprodutiva/gerencial na dinâmica espacial de uma determinada área, princi-palmente pelas relações não-mercantis de cooperação-conflito com outrosatores sociais, dimensão ausente no trabalho de Krugman.

As outras duas abordagens, a economia industnaf e geografia dascorporações", podem ser identificadas como constitutivas do essencial dascontribuições teóricas que alimentam o estudo das corporações. Essas duasperspectivas teóricas distintas comportam, todavia, pontos de contato quepermitiram expandir a análise sobre o grupo industrial. A rigor, o diálogo entreessas duas perspectivas é abordado a partir da prática concreta dos princi-pais grupos industriais. Ao contrário dos estudos voltados para o comérciointernacional, cuja tônica nas relações de troca privilegia um recorte espacialbaseado nos limites políticos administrativos internacionais, tanto a econo-mia industrial quanto a geografia das corporações entendem o grupo comoorganização que possui práticas e estratégias próprias, ressaltando, portan-to, a dimensão ativa do grupo. À geografia da corporação interessa compre-ender a espacial idade dessa dimensão.

2 Trata-se aqui de uma generalização. A economia da industrial comporta, evidente-mente, uma pluralidade de correntes que são, grosso modo, tributárias das aborda-gens estruturalista, behaviorista, organizacional e sistêmica. Foge ao escopo destetrabalho o aprofundamento dessas abordagens. Um quadro sintético sobre essecampo é fornecido por ANGELlER (1997).3 Geografia das Corporações constitui uma linha de investigação desenvolvida prin-cipalmente pelos geógrafos anglo-saxões. Sob essa denominação encontramos ba-sicamente os trabalhos de Geografia Econômica que se interessam pela análise docontexto e das trajetórias espaciais das empresas multinacionais, considerando es-tas como forma institucional e como manifestação particular do capital.

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A partir dessas características emergiram importantes inovações teóri-co-conceituais. Essas inovações constituem, no quadro esboçado, desdo-bramentos da linha cognitiva empreendida por CHANDLER (1962) e HYMER(1978), pela vertente da economia industrial; por outro lado, a abordagemanalítica sobre as conseqüências espaciais da reestruturação produtiva e asrespostas fornecidas pelas empresas constitui o elemento central da geogra-fia das corporações, principalmente a partir dos trabalhos de McNee, consi-derado o fundador dessa corrente.

O trabalho de CHANDLER (1962) constitui a referência fundamentalpara a análise da trajetória e da estrutura das empresas" . A importância desuas contribuições está na ênfase por ele atribuída às formas de organiza-ção, permitindo melhor compreender as condições de formação e de transfor-mação da empresa. Esse aspecto foi particularmente relevante para as aná-lises geográficas que recuperaram os temas como inovação organizacionaldo sistema Industrial, a caracterização da empresa como instituição fundadaem uma estrutura hierárquica e a tipologia das formas de organização daempresa".

A análise histórica das empresas descreve, em geral, uma situação dedecisões seqüenciais constituídas no domínio da alta direção que caracteri-zam três escolhas estratégicas: especialização, integração e diversificação.A cada momento os vetores de crescimento a médio e longo prazos são acom-panhados por mudanças organizacionais mais ou menos amplas. Chandlerconstatou, assim, que as empresas crescem inicialmente pela ampliação daprodução e pela extensão de sua área de atuação para, em seguida, privilegi-arem as estratégias de integração vertical e, posteriormente, as estratégiasde diversificação. O mérito das proposições iniciais desse autor consiste notratamento da firma como instituição complexa composta por unidades funci-onais integradas e unidades administrativas hierárquicas. A partir dessa pers-pectiva, Chandler avança a idéia de que as formas de organização resultamdo aprofundamento da divisão do trabalho, antecipando, por essa via, as res-postas das empresas às transformações nas condições de produção.

Inspirando-se nesse autor, HYMER (1978) privilegiou o princípio decorrespondência entre a centralização do controle dentro da empresa e acentralização do controle na economia internacional para analisar a dinâmicada expansão empresarial. Ele busca a explicação para as várias dimensõesda diversificação por meio das quais as empresas reforçam o processo de

4 A influência da obra de Chandler vai além do campo da economia industrial. Aextensão dessa influência não será aprofundada neste artigo pois tal empreitadanos distanciaria em muito dos objetivos assinalados.5 Na maioria dos trabalhos sobre localização industrial, essa tipologia é retomadapelos geógrafos que acrescentam às duas formas idealizadas por Chandler, centra-lizada (ou em U) e multidivisional (ou em M), a organização funcional e a divisional(CHAPMAN e WALKER, 1991; HARRINGTON e WARF, 1995).

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centralização e de acumulação. Hymer considera esse princípio como o me-canismo através do qual a empresa reforça seu controle sobre os canais decomercialização e sobre os investimentos diretos em vários países. Igual-mente a partir de Chandler, esse autor concebe uma empresa multidivisionalcomo sendo estruturada em três níveis de administração relacionados comoo processo de tomada de decisão e implementação das estratégias dacorporação. O nível 111corresponde à administração das operações diárias,de curto prazo; o nível II se refere às atividades de coordenação do pessoaldo nível 111;finalmente, o nível I congrega as funções de definição das estraté-gias e planejamento global do crescimento da corporação. Esses níveis cons-tituem o ponto inicial para a análise da dimensão espacial da hierarquia dacorporação (HYMER, 1978).

Vale ressaltar que a ênfase atribuída por Hymer na segmentação espa-cial dos níveis hierárquicos traduziam o controle institucional sobre a divisãotécnica e social do trabalho. Desse ponto de vista, esses níveis exerceriamuma dupla função: assegurar a racionalidade do emprego de capital em esca-la global e garantir um sistema de difusão dos produtos. Apesar da forte ins-piração nos modelos de difusão de inovações a partir do nível mais elevadoda hierarquia urbana em direção aos níveis mais baixos, Hymer reconheceque "os vínculos de comunicação podem ser ajustados em forma de retícula,onde cada ponto esteja diretamente ligado a muitos outros pontos permitindotanto a comunicação horizontal como a vertical" (HYMER. 1978:54). Todavia,o próprio autor faz um contraponto a essa afirmativa para reforçar a idéia dehierarquia: "as empresas multinacionais centralizam o controle impondo umsistema hierarquizado" (HYMER, 1978:54), A forma de retícula éobstacularizada pela organização hierárquica que impõe assimetrias e limi-tes à acumulação e à obtenção de informações direcionando e interferindo nanatureza dos fluxos de informação. Vista sob esse prisma, a dimensão espa-cial da empresa é essencialmente hierárquica.

Na origem da "geografia da corporação", a importância atribuída à inte-gração vertical possibilitou o desenvolvimento da noção de company regiondifundida a partir dos trabalhos de Robert McNee no final dos anos cinqüenta.Ao refletir sobre sua própria trajetória intelectual, McNEE (1986) ressalta quetal noção foi, na época, a chave para a compreensão da estrutura nodal dasgrandes empresas, particularmente no que diz respeito ao fluxo de autorida-de (e decisão) entre o centro da corporação e suas partes constitutivas (fili-ais, subsidiárias, etc.)". Nesse sentido, o sistema de operações da corporaçãopoderia ser observado em sua dimensão espacial por meio do movimentodos fluxos de autoridade entre áreas geograficamente distintas nas quais selocalizavam unidades de produção pertencentes à mesma corporação, Ao

6 Sob esse aspecto. a aproximação entre Chandler e McNee torna-se quase obriga-tória. Ambos concebem a estrutura organizacional como reflexo da coordenaçãohierárquica das diversas operações efetuadas pela corporação.

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associar tomada de decisão à estrutura nodal. McNee concebe cada organi-zação como sistema coordenado hierarquicamente cujo rebatimento espacialcorresponderia à company region.

A partir desses trabalhos novas perspectivas foram abertas, principal-mente no que diz respeito à constituição de grupos empresariais e às suasformas de integração espacial. De um modo geral, a geografia das corporaçõestornou-se a abordagem de referência para a investigação dessas questões.Em uma síntese sobre o "estado da arte" TAYLOR e THRIFT (1986) assina-lam a variedade de trabalhos, principalmente na literatura anglo-saxônica,que examinam as principais contribuições sobre as grandes corporações eos grupos empresariais. De um modo geral, essas contribuições privilegia-ram ao longo do tempo questões como: a) o significado da atuação dessasempresas no aprofundamento da divisão internacional do trabalho; b) a capa-cidade da corporação em criar, por meio de suas estratégias, assimetrias naescala nacional e regional; c) o contexto próprio à corporação e d) a relaçãocidade-indústria com a subordinação da segunda pela primeira. Essa simplesdemarcação de questões indica a preocupação com a dinâmica espacial dacorporação.

A complexidade crescente da produção industrial exigiu, porém, linhasde investigação que deslocassem a ênfase, demasiado intensa, no equilíbrioespacial para a compreensão das formas através das quais o controleinstitucional se exerce sobre o território. Esse último aspecto é importante,pois permite distinguir, tal como já o havia sugerido KAFKALAS (1985), inte-gração funcional e integração territorial. A primeira implica ampliação do con-trole do grupo sobre a divisão técnica e social do trabalho, ao passo que asegunda retrata a expansão do controle sobre as atividades produtivas loca-lizadas em uma região. Dito de outro modo, todas as grandes corporaçõesreagem à disponibilidade de recursos genéricos, menos decisivos no desem-penho competitivo, e de recursos que dependem da densidade das inter-rela-ções entre atores produtivos (VELTZ, 1993). A esses últimos devem ser acres-centados os atores individuais não diretamente vinculados ao processo pro-dutivo como governos municipais, organizações da sociedade civil que de-sempenham um papel não negligenciável no processo de gestão do território,liberando ou impondo resistências a decisões, ações e estratégias da corpo-ração.

No Brasil, os traços diferenciadores da moderna abordagem da Geo-grafia das Corporações encontram-se presentes nos trabalhos de CORRÊA(1991 a; 1991 b; 1992). Corrêa recupera a noção de integração administrativade Hymer e de integração espacial de Kafkalas para avançar as noções deintegração territorial da gestão e de integração territorial da produção queexpressam os diferentes tempos do processo de gestão território. O sentidoinovador do tratamento analítico do autor aflora particularmente na caracteri-zação do rebatimento espacial das funções de decisão e controle (CORRÊA,1991 a) e na compreensão da corporação como agente da gestão territorial

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pela capacidade de operar antecipações espaciais (CORRÊA, 1992). Corrêaé, sem dúvida, quem mais contribuiu para o aprofundamento deste últimoponto. Fundamentalmente, através da noção de antecipação espacial e dasrelações entre níveis de controle e hierarquia urbana, o autor coloca em evi-dência o caráter estruturante das decisões estratégicas da corporação. Umacaracterística essencial dessa perspectiva reside na insistência por parte desseautor nas interações espaciais, rompendo, conseqüentemente, com as repre-sentações tradicionais nas quais a localização das diversas unidades produ-tivas funcionam como simples pontos de apoio para a corporação. Sobre esteúltimo aspecto, CORRÊA (1991 b) examina a estrutura locacional da Compa-nhia de Cigarros Souza Cruz indicando a criação de regiões fumicultoras comoproduto da especialização produtiva induzida pelas estratégias de aprovisio-namento em matéria-prima, cujo controle por parte da empresa é exercidopela introdução da agricultura contratual. 7

Evidentemente, as considerações efetuadas até o presente deixam al-guns pontos insuficientemente tratados. Se, por um lado, pouco pode ser ex-traído das antigas concepções de proximidade topográfica como explicaçãode localização ótima e de seu corolário - a contigüidade física como geradorade sinergias técnico-produtivas; por outro, a estrutura locacional permanececomo elemento importante das relações íntra e extragrupo. Do exposto, emergeuma questão no que diz respeito às possibilidades de se compreender asinterações espaciais por meio de uma decomposição da estruturaorganizacional e locacional da corporação.

3. Estrutura locacional e níveis de decisão:uma proposta de sistematização

A compreensão das estruturas causais que condicionam a dinâmicaespacial de áreas que sofrem a atuação direta de grandes grupos industriaissuscita uma série de indagações sobre as formas através das quais o contro-le daquelas é exercido por esse ator com reconhecida capacidade para reali-zar investimentos espacialmente estruturantes. As práticas espaciais variamconforme o ramo de atividade na qual as diversas empresas controladas pelogrupo estão envolvidas. O grupo confere, no entanto, certa autonomia de ges-tão administrativa a cada empresa ligada a um ramo especffico de atividade.Sem aprofundar esse aspecto, deve-se salientar que essa autonomia de ges-tão administrativa vem se tornando um elemento importante das novas for-mas institucionais assumidas pelo grupo.

7 Em recente pesquisa de campo (janeiro de 1998), no médio Vale do rio Doce, tive-mos a oportunidade de observar prática semelhante por parte da Companhia Valedo Rio Doce, através de sua controlada CENIBRA, em relação aos produtores ruraisque fornecem madeira para a produção de celulose.

Estrutura organizacional e reestruturação produtiva 61

A organização geográfica do grupo é, desse modo, tributária da estru-tura locacional; o que significa que as decisões locacionais não são isoladasdo contexto espacial. Esquematicamente, a organização geográfica pode serdescrita por meio de "pressuposições topológicas", muito apropriadamenteexaminadas por THRIFT e OLDS (1995). Como unidade de investigação, ogrupo requer a análise de três formas de organização espacial: região, rede efluxo. Tais pressuposições adquirem expressividade como elementos de des-crição espacial pois indicam a coexistência de diferentes formas espaciaisque, ordenadas conjuntamente, reforçam os elos constitutivos da formaçãode subespaços com acentuada especialização produtiva.

O esquema gráfico a seguir constitui uma representação dos níveis dedecisão, definidos por Chandler e retomados por Hymer, e sua projeção es-pacial, articulando formas-funções que, no conjunto, revelam as expressõestopológicas região e fluxos, enquanto a rede é apenas sugerida pelos fluxos.Todo o processo de representação implica um grau mais ou menos acentua-do de abstração e, conseqüentemente, de redução das complexas interaçõese interdependências entre os elementos da realidade. A projeção sobre oplano evoca um espaço euclidiano no qual a lógica econômica assume im-portância exacerbada, condicionando a localização das diferentes formas-funções. O reconhecimento desta característica não invalida o esforço decompreensão das interações entre os diversos elementos constitutivos daestrutura espacial do grupo. Nunca é demais lembrar que esses esquemasnão podem ser tomados como fotografias da realidade, pois, se assim o fizer-mos, recorreríamos no erro de isolar os mecanismos de articulação indepen-dentemente de qualquer relação. O interesse desse tipo de representaçãoestá no cunho didático para a apreensão da extensão do controle do gruposobre a especialização produtiva e dos fluxos que se estabelecem entre asformas-funções na empresa considerada.

Região:Os círculos concêntricos caracterizam, ainda que dentro das limitações

da representação bidimensional, a região como representação topológica. Suaidenticação é possível na exata medida que constituem seções espaciais for-temente controladas pelo grupo através das unidades produtivas com menorautonomia de decisão, mas diretamente ligadas ao processo produtivo. Essesubespaço requer um grau relativo de homogeneidade, em função da exten-são e do domínio espacial de um tipo específico de atividade econômica, euma coordenação de conjunto, submissa a um segmento "moderno" da ca-deia produtiva. Trata-se, na realidade, de frações do espaço criadas por forçada divisão técnica e social do trabalho sob comando das ações e estratégiasempreendidas pela corporação.

Esse aspecto torna-se mais evidente na agroindústria cuja realizaçãopressupõe, pelas próprias exigências do processo produtivo: a) a mobilizaçãode recursos genéricos e específicos indispensáveis à produção; b) a modifi-

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ESTRUTURA DA EMPRESA E FLUXOS DE INFORMAÇÃO

NIVELI

NíVEL II

I---1----I

NíVEL 111

i.,;iiiI SEDE DA EMPRESA

[iJ COLIGADA I CONTROLADA

O UNIDADE PRODUTIVA

FLUXOS DE INFORMAÇÃO:

--+ FLUXOS DE ORDEM IDECISÕES ESTRATÉGICAS

._+ FLUXOS TÉCNICO-PRODUTIVOS

cação do uso do solo pela formação de extensas áreas monocultoras; c) ocontrole formal sobre o modo de produzir daqueles diretamente vinculados àatividade econômica do grupo. Nesse caso, a coordenação de conjunto podeser mediada por um instrumento jurídico cujo pressuposto é o engajamentovoluntário por parte dos fornecedores de matéria-prima, tal como na introdu-ção da agricultura contratual, citada anteriormente, Pressuposto de difícil acei-tação quando se trata de atores com reconhecida dissimetria em suas res-pectivas capacidades de negociação. O efeito mais evidente dessa armadurainstitucional será a introdução de novos ritmos e formas de produção e amodificação das relações sociais implicadas na produção do espaço.

Para o grupo interessa garantir a integração funcional e territorial demodo a assegurar seu pleno desempenho estratégico. As práticas e ações

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espaciais acabam por definir o nexo da especialização produtiva das áreassob seu interesse imediato. Especialização esta que encontra sua finalidadeeconômica pelo peso que representa na organização e desempenho de umramo particular de atividade e do grupo em geral. Em última instância, o de-sempenho estratégico sustenta-se, nas escalas local e regional, pelas praticase estratégias empreendidas pelas empresas controladas e pelas relações decooperação-conflito entre essas e os demais atores individuais envolvidos naprodução do espaço, num processo contínuo de gestão negociada.

Fluxos:Em termos gerais, a unidade mais elementar do grupo corresponde à

unidade cuja informação produzida pode ser representada essencialmentesob a forma de áreas bem delimitadas e para as quais são atribuídas funçõesespecíficas. A localização em um mesmo ponto dos níveis 111e II pode repre-sentar maior independência decisória e autonomia relativa na gestão admi-nistrativa e das relações com os demais atores. Essa representação constituia estrutura de origem e suporte de um tipo específico de fluxo.

Assim, as formas fixas que integram a estrutura organizacional do gru-po indicam uma organização regional cuja articulação local e extralocal assu-me a expressão topológica de fluxos. Expressa-se, por intermédio dessesúltimos, as interdependências entre estrutura locacional, especialização pro-dutiva e níveis de decisão, na medida em que quaisquer alterações nesseselementos têm implicações na criação, ampliação, direção e natureza dosfluxos entre as diferentes unidades.

Nessa representação deve-se considerar a natureza das informaçõesque perco Iam pelas das unidades. Imprime-se o sentido de hierarquia e deinformação ordenada intragrupo. Em uma tal representação é possível distin-guir as informações com reduzido grau de incerteza daquelas de elevadograu de incerteza (COHENDET e LLERENA, 1990). As primeiras partem dasunidades produtivas que integram a cadeia produtiva na condição de unida-des elementares, supridoras de matérias-primas e/ou de produtos semi- ela-borados em direção à sede; são informações de curto prazo que dizem res-peito às quantidades a serem produzidas, ao ritmo de produção, à realizaçãode investimentos, enfim, todo tipo de informação técnico-produtiva, ligada di-retamente à produção. As informações com elevado grau de incerteza, paraas quais é necessário um sistema de organização, referem principalmente ao"ambiente concorrencial" global sobre o qual o grupo, através do nível I, teráque trabalhar para definir suas estratégias e práticas espaciais. Sua caracte-rística mais evidente consiste na realização de alianças, ioint-ventures, parti-cipações cruzadas cujo rebatimento espacial reflete interdependências entreregiões e unidades produtivas pelo efeito de sinergias. As decisões estratégi-cas são, portanto, tomadas na sede do grupo e requerem que o sistema deorganização funcione como uma sucessão lógica de ordens e controle dainformação.

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Redes:As redes assumem importância particular como expressão topológica

pois estabelecem sincrônica e diacronicamente a interconexão entre lugarescomo princípio da organização espacial. Nesse sentido, as redes requerem adistinção de duas dimensões, tal como antecipou SANTOS (1996), como basematerial e como dado social e político. Nesse sentido, as redes comportamnecessariamente descontinuidade e heterogeneidade como fundamento daconexão de lugares. A rede emerge, assim, como a expressão topológica quepermite transgredir os limites mais ou menos estabelecidos da região e defi-nir as relações entre unidades, atribuindo novas funções ou desqualificandoos lugares. Uma tal avaliação implica considerar a rede como infra-estruturaimplantada no espaço geográfico, um sistema de produção ou de consumoou um conjunto de lugares interconectados (DUPUY, 1991).

Como infra-estrutura, a rede possui um grau elevado de irreversibilidade,objetos fixos cuja conexão técnica, econômica e estratégica fazem da circu-lação a fonte geradora de valor (DUPUY, 1991). A dimensão material da redecondiciona a intensidade dos fluxos e direciona-os segundo a dinâmica pro-dutiva que especifica e caracteriza a interdependência entre as áreas distin-tas. Deve-se lembrar que a noção de rede exprime, em parte, hierarquia pe-las possibilidades de relação ofertadas a partir de nodal idades particulares;estas mantêm maior número de relações com os demais lugares onde selocalizam as unidades do grupo. Uma tal hierarquia significa centralizaçãogeográfica no nível I, nodal idade de ordem superior, e integração orgânicaentre os níveis 11 e 111. Decompor as estruturas de controle e decisão comoproximidade relacional coloca em evidência a conexão econômica. Esta co-nexão é observada, por um lado, através da seletividade espacial dos inves-timentos, e por outro lado, por meio do uso estratégico das informações, rela-cionadas ao curto e longo prazos, das externalidades técnicas, financeiras enão mercantis. Desse modo, a análise do grupo industrial requer o examedetalhado dessas três pressuposições topológicas que permitem compreen-der a natureza da organização produtiva do grupo e sua relação com a produ-ção do espaço.

Considerações Finais

A análise da atuação de grupos industriais que orientam as estratégiasde especialização produtiva de determinadas regiões constituiu a motivaçãoprimeira para as reflexões apresentadas neste trabalho. A partir dessa moti-vação buscou-se estabelecer uma grade de leitura que contemplasse dife-rentes perspectivas analíticas que, mesmo sem manter um diálogo perma-nente, apresentam pontos de convergência. A aproximação entre os traba-lhos fundadores da economia industrial e da geografia das corporações pare-ce tão mais pertinente na medida em que observamos uma "redescoberta" da

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geografia, e da geografia econômica em particular, pelos economistas inte-ressados nos problemas da localização e na maneira pela qual esses proble-mas os obriga a reconsiderar as relações entre atores econômicos e suasestratégias respectivas.

O caráter exploratório desse artigo é evidente. Não obstante, procurou-se sistematizar as principais contribuições teóricas que tentam identificar eexplicar a articulação entre estratégias espacialmente seletivas, níveis dedecisão e de controle e estrutura locacional, privilegiando a interação espaci-al através de três expressões topológicas: região, fluxos e rede. Essas ex-pressões traduzem diferentes formas de rebatimento no espaço das ações epráticas empreendidadas pelo grupo; não sendo mutuamente exclusivas, for-necem elementos de resposta no que diz repeito ao uso estratégico do territó-rio pelo grupo, à variedade de níveis de decisão e escalas geográficas, e àsrelações não mercantis de cooperação-conflito, conectando atores atravésde arranjos institucionais diversos.

As mudanças tecnológicas, políticas e econômicas ocorridas nas duasúltimas décadas desencadearam um processo de reestruturação produtivacujos efeitos sociais e espaciais necessitam ser melhor compreendidos. Ageografia da corporação pode contribuir para o debate acerca das novas ba-ses de desenvolvimento regional que começam a ser delineadas e que pres-supõem interdependência econômica entre empresas, quer no âmbito produ-tivo, quer no âmbito da gestão do território.

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