espaços para o corpo: antropometria na arte contemporânea
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Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e His-tória da Arte da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para submissão do aluno ao exame de qualificação de mes-trado, sob orientação da Professora Douto-ra Carmen Sylvia Guimarães Aranha.TRANSCRIPT
Julio Cesar Meiron de Souza Reis
Espaços para o corpo:
antropometria na arte contemporânea
São Paulo 2011
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Julio Cesar Meiron de Souza Reis
Espaços para o corpo:
antropometria na arte contemporânea
Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e His-tória da Arte da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para submissão do aluno ao exame de qualificação de mes-trado, sob orientação da Professora Douto-ra Carmen Sylvia Guimarães Aranha.
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1 USP – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte
Lista de figuras
Figura 1 – Hélio Oiticica, Éden, 1969, Whitechapel Gallery, materiais diversos, dimensões variáveis, foto: John Goldblatt/Projeto HO, fonte: livro Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. ................................ 38
Figura 2 – Anish Kapoor, Ishi‟s Light, 2003, fibra de vidro e laca, 315 x 250 x 250 cm, foto: Dave Morgan, fonte: catálogo da exposição Ascension nos Centros Culturais Banco do Brasil. ............................................... 39
Figura 3 – Ana Maria Tavares, Visiones Sedantes, 2002, MAC/SESI/São Paulo; cadeiras, carpete, espelho, piano, flores, aço inox, espelho retrovisor, isofilm, plotagem em poliéster espelhado e som ambiente; 120 metros quadrados, cortesia: Galeria Brito Cimino, foto: João Musa, fonte: livro Ana Maria Tavares, de Marília Andrés Ribeiro. ....... 40
Figura 4 – Hélio Oiticica, Romero com Parangolé diante do World Trade Center/Nova Iorque, 1972, materiais diversos, dimensões variáveis, foto: Hélio Oiticica/Projeto HO, fonte: livro Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. .................................................................. 49
Figura 5 – Hélio Oiticica, Nildo da Mangueira com Parangolé, s/d, materiais diversos, dimensões variáveis, foto: César Oiticica Filho/Projeto HO, fonte: livro Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. ............... 49
Figura 6 – Figura 6, Hélio Oiticica, Tropicália, 1967, MAM/Rio de Janeiro, materiais diversos, dimensão variável, foto: Carlos/Projeto HO, fonte: livro Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. ........................ 50
Figura 7 – Hélio Oiticica, Éden, 1969, Whitechapel Gallery, materiais diversos, dimensões variáveis, foto: Hélio Oiticica/Projeto HO, fonte: livro Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. ................................ 51
Figura 8 – Anish Kapoor, Ascension, 2003, instalação site specific, Galeria Continua/San Gimignano/Itália, materiais diversos, dimensões variáveis, foto: Ela Bialkowska (fragmento), fonte: catálogo da exposição Ascension nos Centros Culturais Banco do Brasil. ............. 53
Figura 9 – Anish Kapoor, Pillar, 2003, aço e laca, 250 x 150 x 150 cm, foto: Dave Morgan, fonte: catálogo da exposição Ascension nos Centros Culturais Banco do Brasil. ................................................................... 54
Figura 10 – Ana Maria Tavares, Aquário, 1989; aço carbono, alumínio anodizado e rodízios; 194 x 150 x 150 cm, coleção Casa da Cultura de Ribeirão Preto/SP, foto: Eduardo Brandão, fonte: livro Ana Maria Tavares, de Marília Andrés Ribeiro. .................................................... 55
Figura 11 – Ana Maria Tavares, Relax‟o‟visions, 1998, MuBE/São Paulo; aço inox, couro branco, espelho, espelho retrovisor, vidro, som ambiente; 750 metros quadrados, cortesia: Galeria Brito Cimino, foto: Rubens Mano (fragmento) , fonte: livro Ana Maria Tavares, de Marília Andrés Ribeiro. ................................................................................................ 56
Figura 12 – Julio Meiron & Deyson Gilbert, Trilogia, 2005; borracha, silicone, transmissor de áudio, acrílico, fontes luminosas elétricas,
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diapositivos, carne, madeira e metal pintados; dimensões variáveis, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal do autor. .............................. 59
Figura 13 – Julio Meiron & Deyson Gilbert, idem, ibidem, montagem no Centro Universitário Maria Antônia.................................................................. 59
Figura 14 – Julio Meiron, Anima, 2003; acrílico, fontes luminosas elétricas, metal pintado, diapositivos, transmissor de áudio; 110 x 70 x 50 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal de Julio Meiron. ................... 60
Figura 15 – Julio Meiron, Anima, idem, ibidem. .................................................... 60
Figura 16 – Julio Meiron, Habeas Corpus, 2004; metal, madeira, borracha, transmissor de áudio; 300 x 300 x 100 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal do autor. .................................................................... 62
Figura 17 – Deyson Gilbert, Madonna, 2004; metal, fonte luminosa elétrica, carne; 180 x 110 x 70 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal de Julio Meiron. ................................................................................... 63
Figura 18 – Deyson Gilbert, Madonna, idem, ibidem. ........................................... 63
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Sumário
Lista de figuras .................................................................................................... 1
Sumário .... ........................................................................................................... 3
PARTE I Dados pessoais e atividades realizadas durante o curso ................. 4
1 Curriculum Vitae – Plataforma Lattes .................................................. 5
2 Ficha do aluno ..................................................................................... 11
3 Disciplinas cursadas .......................................................................... 14
3.1 Disciplina CAP5200 A Arte Moderna, do Iluminismo e da Revolução ao Pós-Impressionismo ............................................................................... 14
3.2 Disciplina EHA5726 Direitos autorais e novas tecnologias ..................... 19
3.3 Disciplina EHA5716-1 Arte Telemática: Teoria e Prática ........................ 24
3.4 Disciplina EHA5701 Teoria e Metodologia da Pesquisa em Arte ............ 27
PARTE II Dissertação Espaços para o corpo: antropometria na arte contemporânea ................................................................................... 32
1 Projeto de pesquisa ............................................................................ 33
1.1 Tema ...................................................................................................... 33
1.2 Justificativa ............................................................................................. 33
1.3 Objetivos ................................................................................................ 34
1.4 Hipóteses ............................................................................................... 34
1.5 Tipo de pesquisa .................................................................................... 35
1.6 Plano de trabalho e cronograma de atividades ....................................... 35
2 Desenvolvimento da dissertação ....................................................... 36
2.1 Proposta capitular final ........................................................................... 36
2.2 Introdução e apresentação do problema ................................................ 37
2.2.1 Origens da pesquisa em minha própria produção artística................ 41
2.3 Espaços para o corpo ............................................................................ 43
2.4 Hélio Oiticica: os anos 60 como estopim do pulo da superfície .............. 46
2.5 Anish Kapoor e o olhar que projeta o corpo............................................ 52
2.6 Ana Maria Tavares e o espectador em deslocamento ............................ 55
2.7 Anexo ..................................................................................................... 59
3 Bibliografia .......................................................................................... 65
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PARTE I
Dados pessoais e atividades realizadas du-
rante o curso
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2.7 Anexo
Como previsto na introdução,
apresento abaixo alguns de meus
próprios trabalhos artísticos (ori-
gens das inquietações desta disser-
tação) desenvolvidos ao longo do
Bacharelado em Escultura no De-
partamento de Artes Plásticas da
Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. Naquela ocasião, produzi dois trabalhos que se encontra-
ram com um terceiro do artista Deyson Gilbert e, juntos, compuseram uma quarta obra
conjunta, a Trilogia (Figuras 12 e 13).
Falamos principalmente dos problemas do espaço do corpo do observador, aten-
tando-nos principalmente para um problema específico e antropométrico, aquele da re-
tificação do corpo de quem ali se coloca. Esse conceito, que surge no contexto da pró-
pria obra, refere-se às respostas que damos à persuasão da arte, já que a obra, como
discurso, ganha eloquência. A criação do tripé que são estes trabalhos permitiu que o
conceito de retificação do corpo fosse tratado a partir de diferentes aspectos, ou fosse
colocado em três diferentes gavetas, como me referia na época em que os produzía-
mos, em meados do curso no Departamento de Artes
Plásticas da Escola de Comunicações e Artes, em
2003, 2004. Tratamos destas questões na escala hu-
mana de alguém diante de Madonna, ou nos bancos
de Habeas Corpus, ou no corpo científico de Ani-
ma, ou, principalmente, entre todos eles. O trabalho
acontece entre os trabalhos.
A primeira gaveta do corpo que abri foi a de
Figura 12 – Julio Meiron & Deyson Gilbert, Trilogia, 2005; borracha, silicone, transmissor de áudio, acrílico, fontes luminosas elétricas, diapositivos, carne, madeira e metal pintados; dimensões variáveis, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal do autor.
Figura 13 – Julio Meiron & Deyson Gilbert, idem, ibidem, montagem no Centro Universitário Maria Antônia.
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seu aspecto material. Para isso desenvolvi o
primeiro trabalho da trilogia, Anima (Figura
14 e 15), 2003, em uma disciplina de escultu-
ra. Este trabalho se constituiu a partir de um
longo processo. Começou de uma sequência
de oitenta slides sendo projetados com um
intervalo de cinco segundos entre cada um
deles. Eram imagens usadas por médicos em
exposições didáticas de anatomia e doenças
do corpo humano, suas descrições e trata-
mentos. As imagens, produzidas em meados
do século XX de autoria do novaiorquino Dr.
Frank Netter e publicadas no The Ciba
Collection of Medical Illustration, vieram
de uma coleção que eu possuía e, de um
total de mais ou menos 1200, fazia minhas
seleções.
Falando das experimentações pelas
quais a obra passou, os suportes da projeção
foram paredes na primeira versão, depois
caixas abertas de violoncelos na segunda e, na terceira, as imagens voltaram para as
paredes. Esse percurso mantém uma coerência. Se a opção pela projeção em caixas
preenchia-as com imagens que representam um corpo doente, reafirmando a condição
corporal do corpo (efêmera, finita, mortal), as caixas, extensão do corpo, indicavam a
ausência. Na terceira versão dessa obra, projetar tais imagens diretamente nas paredes
da sala era a reiteração destas percepções, já que as paredes, como extensões do cor-
po do homem, onde suas medidas se encaixam para que ali se perpetue uma síntese,
entre o “vivo” e o “morto”, tinham o comportamento das caixas. Assim, falo da analogia
da arquitetura como contêiner, embalagem, roupa. E projetar imagens de doença nas
paredes, quimicamente muito mais estáveis do que a matéria viva, era flagrar esta nos-
sa relação que não está nem na fragilidade de nossos corpos nem na estabilidade de
Figura 14 – Julio Meiron, Anima, 2003; acrílico, fontes luminosas elétricas, metal pintado, diapo-sitivos, transmissor de áudio; 110 x 70 x 50 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal de Julio Meiron.
Figura 15 – Julio Meiron, Anima, idem, ibidem.
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suas extensões, mas na síntese que surgiu na nossa interação com os materiais mor-
tos. Isso modifica a parede e o corpo. A parede passa a não ser tão morta e o corpo
passa a não ser tão vivo, já que a vida está mais nas reações convulsivas que aquecem
o corpo e são o limite entre ele vivo e morto que no esfriamento do corpo protegido e
relaxado. E a parede recebe as tensões da proteção. E não só a parede, mas todos os
materiais para onde o homem se estende.
Para a versão definitiva de Anima (estrutura de 113 cm x 70 cm x 52 cm e 40 m
de fio em canto de sala de dimensões variáveis), foram escolhidas as imagens mais
avermelhadas. Coloquei-as em suportes individuais cinzas, todos absolutamente iguais.
Baseando-me em medidas médias do corpo humano, produzi uma mesa metálica e,
sobre ela, uma caixa de acrílico branco com luzes fluorescentes dentro, de onde sai um
fio que se estende pelo chão até a parede. Esta caixa é atravessada de um lado ao ou-
tro por uma gaveta fina e comprida onde foram colocadas as imagens de anatomia e
doença como que em um arquivo sem nenhuma identificação.
Uma vez instalada em um canto de uma sala, esta estrutura luminosa convida o
visitante a investigá-la. Esse é um dos momentos mais importantes da obra, pois é
quando, em gestos quase científicos, a pessoa descobre a abertura da gaveta e, da-
quele bloco, retira uma lâmina escura que, contraposta ainda no ar e depois sobre a
mesa à luminosidade fria fluorescente, se avermelha toda. E, quanto mais a pessoa
abrir a gaveta, mais encontrará imagens numa crescente recriação de sequências. Uma
curiosidade que reflete a compulsão pelo próprio corpo.
É possível ainda que, ao interagir com a instalação, o visitante descobrirá, aco-
plado ao final de um enorme fio que sai da parede oposta à do fio de luz, um fone de
ouvido que, à distância, chiará bem baixinho. Colocando-o, escutará uma sequência
sonora que foi manipulada intercalando-se e repetindo-se ininterruptamente. A sequên-
cia vem de uma memória sonora, da música tema de Querelle, personagem que dá
nome ao filme de Fassbinder, no qual o cenário é como que extensão das várias di-
mensões do corpo do protagonista. Colocar o fone possibilita uma relação privada com
a obra, que não anula a coletiva. Na verdade, a obra está nas várias possibilidades de
relações: luz quente, luz fria, saudável, doente, tenso, relaxado, orgânico, inorgânico,
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vivo, morto, espaços privilegiados da percepção do ânimo, e nas extensões que fomos
criando a partir destas relações, como a casa, a gaveta, os móveis.
O segundo trabalho da trilogia é Habeas Corpus (Figura 16), 2004. Com ele,
abro a segunda gaveta do corpo, que articula elementos monocromáticos, todos pretos,
além de um áudio que faz referência ao cumprimento religioso, retirado do Pagador de
Promessa, filme de Anselmo Duarte. É a dimensão do corpo em sistema de balanço.
No trabalho, observam-se dois bancos, como que a indicar uma presença, sugerir um
encontro, um confessionário. Tal como o violoncelo, o banco na verdade fala do corpo
que nele se acoplaria, e não de si mesmo. Fala da presença a partir da ausência e vice-
versa. No alto de cada um desses bancos, instaladas
no telo, duas roldanas estão presentes. As roldanas
transformam a força, conectam em cima e embaixo,
terra e céu. Passando pelas roldanas, uma mangueira
de borracha. Num extremo desta mangueira, habitan-
do o mundo de um banco, uma bola de silicone com
um cd-player dentro tocando. No outro extremo, a sa-
ída do som por um fone de ouvido. E o som a revelar
as constantes tentativas do Pagador cumprir sua pro-
messa, em desesperado agradecimento à santa dos
raios e trovões por ter salvado seu burro. Tentativas
sempre a ponto de se completar, mas que nunca se
completam totalmente, impedidas por diversas barreiras.
É assim que falo do corpo em seu sistema de balanço, de ascensão e descida,
da sua passagem pela terra social. Alinho-me a toda nossa mitologia cristã, de que a
terra é um estágio para que, entre nós mesmos, possamos distinguir os justos dos pe-
cadores. Para que, entre nós mesmos, possamos nos desgastar e, a partir deste des-
gaste do peso do corpo diante dos corpos sociais, atingir a leveza que seria um novo
estágio, uma nova gaveta. O Pagador se depara com a lei, o preconceito, a ignorân-
cia, as instituições, as armas, o sexo, a traição, a política, a mídia, a fome, as ideologi-
as, e tudo isso vai arrancando pedaços dele, como se o corpo fosse uma carga sendo
gasta pelo atrito do mundo desde o início, até se acabar.
Figura 16 – Julio Meiron, Habeas Corpus, 2004; metal, madeira, borra-cha, transmissor de áudio; 300 x 300 x 100 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal do autor.
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Assim a segunda gaveta traz o sentido
social do corpo que se esvai até a possibilida-
de da transcendência, que é a terceira e defini-
tiva gaveta do corpo, que Deyson Gilbert abre
na última obra produzida para a trilogia, Ma-
donna (Figuras 17 e 18), 2004, um frágil equi-
líbrio de barra de luz, gancho e peça de carne.
É uma dimensão de transcendência manifesta,
presente em potência nos demais trabalhos,
mas que só se completa aqui. A reunião de
carne e luz, material e imaterial, fala de uma
passagem, de um ciclo se completando. Madonna, com sua escala humana, apresen-
ta um encontro para o corpo do outro.
Com a trilogia amadureço o sentido de relações entre as obras e a relação que
elas estabelecem conosco, interpondo-se em nosso caminho e retificando-o. Foi a partir
desta trilogia que surgiram as questões que me permeiam. Penso na direção minimalis-
ta da necessidade de experimentar o objeto, e não simplesmente imaginá-lo e precon-
cebê-lo. Essa imagem anterior à experiência, que podemos dominar no interior de nos-
sa racionalidade, não corresponde ao que a experiência em si mostra. A concepção
anterior ao objeto vem como que num momento culminante em que ele, o objeto, se
esclarece em nossa mente, sem sombras e sem as sujeiras do mundo. É quase um
congelamento. Mas ninguém pode afirmar que o objeto é aquilo sem ir a seu encontro.
E a experiência do encontro não entrega seus
vetores para que os dominemos. Pelo contrá-
rio, nós nos tornamos mais um vetor que deixa
tudo ainda mais imprevisível. Assim que arte
deixa de se tornar imagem para ser relação.
Vai-se embora nossa ilusão de domínio e entra
a surpresa do outro. Isso mesmo, mais que
objeto, a obra se torna o outro.
Figura 17 – Deyson Gilbert, Madonna, 2004; metal, fonte luminosa elétrica, carne; 180 x 110 x 70 cm, foto: Julio Meiron, fonte: arquivo pessoal de Julio Meiron.
Figura 18 – Deyson Gilbert, Madonna, idem, ibidem.
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Isso afirma uma escultura sem título de Robert Morris de 1965, que parte de uma
forma modular semelhante a uma grande letra L. São três desses Ls de compensado e,
apesar das três formas serem idênticas, elas estão em diferentes posições com relação
ao chão da galeria. É surpreendente que uma simples troca de posição altera cada uma
das formas, já que, por mais evidente que os Ls pareçam idênticos, eles se comportam
de maneiras muito diferentes. Por mais que a mesma forma em pé e deitada pareçam
iguais, elas não são. Ou acabam não sendo.
Não podemos transportar a experiência, mas dividi-la. A experiência assim deixa
de ser experimento, em que há controle, passando a ser insubstituível. A ideia de isolar
a obra e transpô-la, como se continuasse sendo a mesma, morre.
A obra sim pode ser transposta, mas ela nunca mais será a mesma, estará trans-
formada e terá significados totalmente diferentes pelo seu contexto e, além disso, influ-
enciará este contexto, na relação mútua que é a relação que se tem com o outro. Assim
que o tempo é mais uma das dimensões da arte, e o tempo é único e improrrogável.
Assim que o que dá sentido para este tempo somos nós, e muito provavelmente algo
existiria sem nós, mas com certeza seria outra coisa, inimaginável. Desde que a abra
de arte nos convidou para sê-la, ela teve que se reconfigurar para a nossa escala, an-
tropométrica.
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