escrita na tela

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Dinorá Fraga Raquel Salcedo Gomes Organizadoras

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A estudante liga o computador e, apressada, clica em Documentos, onde está o arquivo do artigo que fundamenta seu estudo. Recebe, então, o aviso: download, aguardando a imagem. Essa ação e esse aviso fazem parte de nosso cotidiano de ações no contexto informatizado. No entanto, pode e deve suscitar um estranhamento: como um texto verbal pode ser considerado como imagem? Em que essa questão pode nos levar à busca da condição de constituição da escrita produzida em telas, pela linguagem digital, no caso que nos interessa, a tela do computador? Consequentemente, não estaríamos mais diante da clássica visão analítica de considerar linguagem verbal e não verbal e de suas relações como dois sistemas distintos. Estaríamos, agora, diante da escrita como aparecimento do visual. Essa é a proposta deste texto, que argumenta a favor de uma teoria unicista da linguagem quando constituída e manifesta em telas, a partir da linguagem digital. Org Dinorá Fraga e Raquel Salcedo Gomes.

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Dinorá FragaRaquel Salcedo Gomes

Organizadoras

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Escrita na tela

Dinorá Fraga (UniRitter)Raquel Salcedo Gomes (Unisinos)

Organizadoras

Porto Alegre, 2015

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ReitorTelmo Rudi Frantz

Pró-Reitora de EnsinoLaura Coradini Frantz

Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e ExtensãoMárcia Santana Fernandes

Coordenadora de Graduação em LetrasAnelise Teixeira Burmeister

Coordenadoras do Programa de Pós-Graduação em LetrasDinorá Fraga e Rejane Pivetta de Oliveira

Entidade MantenedoraSociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda.

Praça XV de Novembro, 66 conj. 802Fone/fax: (51) 3228.2200

CEP 90020-080 – Porto Alegre/RS

Sede em Porto Alegre – Rua Orfanotrófio, 555 – Alto TeresópolisFone: (51) 3230.3333 – Fax: (51) 3230.3317

Unidade em Canoas: Rua Santos Dumont, 888 – NiteróiFone: (51) 3464.2000 – Fax: (51) 3464.2005

www.uniritter.edu.br

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Editor Chefe da Editora UniRitterMarcelo Spalding

Conselho EditorialAnna Paula Canez, Cláudia de Souza Libânio, Gladimir de Campos Grigoletti,

Hericka Zogbi Jorge Dias, Isabel Cristina Siqueira da Silva, Josué Emílio Möller,Júlio César Caetano da Silva, Marc Antoni Deitos, Maria Luíza de Souza Moreira,

Regina da Costa da Silveira

Conselho CientíficoProf. Dr. Beatriz Daut Fischer (Unisinos), Prof. Dr. Bernardo Subercaseaux (Universidad de

Chile), Prof. Dr. Diego Rafael Canabarro (UFRGS), Prof. Dr. Elias Torres Feijó (Universidade de Santiago de Compostela), Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva (Unilasalle), Prof. Dr. Günther

Richter Mros (Universidade Católica de Brasília), Prof. Dr. Jaqueline Moll (MEC), Prof. Dr. Júlio Van der Linden (UFRGS), Prof. Dr. Lucas Kerr de Oliveira (Universidade Federal da Integração, Latino-Americana), Prof. Dr. Marizilda Menezes (UNESP Bauru), Prof. Dr. Taisy Weber (UFRGS)

Revisão LinguísticaMayara Lemos

Editoração Eletrônica Leandro Bencke

CapaRosangela Garcia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

E74 Escrita na tela / Dinorá Fraga, Raquel Salcedo Gomes (Org.) –Porto Alegre: Editora UniRitter, 2015.

166 p. ; 18cm x 20cm.

ISBN: 978-85-60100-99-6

1. Semiótica. 2. Linguística. I. Fraga, Dinorá. II Gomes,Raquel Salcedo. III Título.

CDU 81.1

Ficha catalográfica elaborada no Setor de Processamento Técnico daBiblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis

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SumárioPrefácio .............................................................................................................................7

Apresentação ..................................................................................................................10

Capítulo 1Por uma teoria unicista das linguagens na tela: regimes de visibilidade ........................16Dinorá Fraga (UniRitter)

Capítulo 2Sincretismo nos textos da tela.........................................................................................30Dinorá Fraga (UniRitter)Keli Andrisi Silva Luz (Unisinos) Raquel Salcedo Gomes (UFRGS) Rosangela Silveira Garcia (UFRGS)

Capítulo 3Uma abordagem semiótico-discursiva ao estudo do hipertexto em contextos educacionais .............................................................................................45Raquel Salcedo Gomes (UFRGS)

Capítulo 4Hipertexto: a não linearidade organizada ......................................................................71Keli Andrisi Silva Luz (Unisison)

Capítulo 5A TELA: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais ................ 100Angélica Prediger (IFPLA) Dinorá Fraga (UniRitter)

Capítulo 6O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas.................................................................. 117Angélica Prediger (IFPLA)

Capítulo 7Escrita na tela: percursos da construção de um conceito ............................................. 143Rosangela Silveira Garcia (UFRGS)

Sobre as autoras ............................................................................................................ 160

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Prefácio

Minhas primeiras palavras são de boas vindas aos jovens pesquisadores que, pelas mãos de Dinorá Fraga, oferecem ao leitor seus trabalhos sobre A Escrita na Tela e se unem a um conjunto de pesquisadores nessa vertente de pesquisa. É gratificante ver o adensamento do campo de investigação em linguagem e tecnologia com a adesão cres-cente de pesquisadores que somam forças com aqueles que se interessam pela investi-gação de fenômenos de linguagem gerados pela revolução tecnológica na informação e na comunicação.

Criativo e inovador são dois dos primeiros adjetivos que vieram |à minha mente durante a leitura de A Escrita na Tela. O livro é fruto do trabalho do Grupo de Pesquisa “Escrita na Tela”, coordenado por uma das organizadoras deste livro, Dinorá Fraga, pes-quisadora experiente sobre linguagens, tecnologias e ensino e aprendizagem de línguas. A Escrita na Tela não é uma mera coletânea, pois existe uma harmonia entre todos os capítulos expressa pela sintonia teórica que os sustenta. Os trabalhos desses jovens pes-quisadores demonstram sólido conhecimento teórico e nos brindam com reflexões bem articuladas sobre a escrita no mudo virtual.

As tecnologias mediadoras da linguagem sempre despertaram o interesse dos es-tudiosos da linguagem, desde a criação da métrica poética como tecnologia mnemôni-

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ca, hipótese levantada por Gleick1 (2011), passando pela prensa de Gutemberg, pelas tecnologias de áudio e voz, até as tecnologias digitais e a sincretização do verbal e do imagético, com a inseparabilidade das linguagens verbal e não verbal, perspectiva enfa-ticamente defendida neste livro.

Da “escrita”/inscrição na memória, passamos para a escrita no papel e agora para a produção de texto hipertextual e multimodal na tela. Essa nova forma de escrever pressupõe um escritor que é, ao mesmo tempo, designer de um texto organizado sin-creticamente na tela, como é defendido nesta obra. A ideia de texto caracterizado pelo sincretismo, entendido como “a integração das significações das diferentes linguagens”, permeia os diversos capítulos dessa coletânea.

Entendo que as imagens, mesmo na escrita tradicional, nunca deveriam ter sido tratadas como meras ilustrações do texto escrito. Tratar imagens apenas como comple-mentos de textos escritos seria separar elementos de um todo cujas partes estão sempre em interação, em uma visão de texto como um sistema complexo. As novas tecnologias da escrita, por meio da sincretização de textos, imagens e hiperlinks, evidenciam essa inseparabilidade com projeções de integrações conceituais que fazem emergir redes de significados.

Neste livro, os leitores vão ser levados a refletir, a partir de teorias da linguística e da semiótica visual, sobre o sincretismo, os letramentos múltiplos, o hipertexto, a au-topoiese e a hipermodalidade, os caminhos da leitura na tela, o verbal e o não verbal, o jogo na tela e, principalmente, a produção de sentido.

Para evitar repetições, remeto o leitor para a introdução, a seguir, onde as organiza-doras oferecem ao leitor uma boa visão de cada capítulo. Incentivo o leitor a percorrer todo o livro, pois cada capítulo traz novas contribuições que ampliam nosso olhar para o mundo da escrita na tela.

Vera Menezes

1 GLEICK, J. The information: a history, a theory, a flood. New York: Pantheon, 2011.

Prefácio

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ApresentaçãoA escrita na tela, tema do livro

O propósito deste livro é pensar a textualidade da tela, na confluência teórica da Linguística com a Semiótica, com ênfase na semiótica visual. Para tanto, começamos um diálogo com a teoria de Vilém Flusser2 , situando a relação da escrita verbal e da não verbal com o design. O principal mobilizador da elaboração desta obra foi o pensar essa escrita que não pode mais ser estudada na dicotomia linguagem verbal / linguagem não verbal. Daí o lugar importante do sincretismo, conceito central para compreender esse conjunto de interferência entre as linguagens, de tal modo que o texto escrito, na tela e em outras mídias, tem fortes configurações imagéticas. A semiótica visual, ao assim se propor, se circunscreve como modo de expressão da teoria do visual. Se voltarmos à proposta de Saussure sobre a ausência de um vínculo natural entre o significado e o significante, assumindo o caráter artificial desse vínculo, vemos que, sendo a escrita de

2 As referências dos autores citados neste texto introdutório serão fornecidas nos capítulo subsequentes.

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caráter visual, nada mais pertinente do que buscarmos em uma teoria do visual uma das possibilidades da constituição linguística.

Então, na linha da proposta que denominamos, no primeiro capítulo, Por uma te-oria unicista das linguagens na tela: regimes de visibilidade, instala-se a confluência entre visibilidade e legibilidade. Emília Ferreiro já apresentava esse aspecto do ponto de vista psicogenético, ao perguntar à criança se tudo que dá para ler dá para ver e se tudo que dá para ver dá para ler. Suas respostas apontaram para uma dimensão psicogenética do ler como ver. Esse aspecto nos leva a uma inferência básica de que o ver está na raiz do ler, aspecto este recuperado pela linguagem na tela, quando letras em textos verbais podem ser formatadas em variadas fontes e cores e em diferentes posições no espaço da tela, criando efeitos estésicos próprios da imagem.

Assim, a leitura não é mais um tema da Linguística em suas variadas linhas teóricas, mas viria, através da escrita na tela, de uma nova relação interdisciplinar com áreas como o design, relação que desejamos aprofundar na sequência dos textos deste livro. No se-gundo capítulo, Sincretismo nos textos da tela, começamos apresentando uma relação entre cultura digital e texto. A partir daí, buscamos aprofundar a argumentação para a hipótese de que o texto na tela tem uma organização constituída pelo sincretismo. Na linguagem na tela, o sincretismo é apresentado como uma tendência da cultura digital, devido à rapidez de suas transformações e à miscigenação das linguagens. O aspecto da sincreticidade, no que se refere a essa miscigenação, é realizado a partir da transposição do conceito de sincretismo de Louis Hjelmslev para a escrita digital. Outro princípio decorrente do sincretismo é considerar que o texto na tela possui a lógica da imagem. Para isso, utilizamos ainda Flusser. Argumentamos que, enquanto o verbal, na modali-dade escrita, por hipótese, também é imagem, não envolve reversibilidade, no fluxo do olhar porque causal, na imagem não verbal, ou figura, em sua concepção tradicional, o fluxo do olhar é sempre reversível, circular. Afirmamos com Flusser como comum aos dois tipos de texto, quando pensados em seu sincretismo, que o fator decisivo é que a imagem trata de planos que se encontram na superfície e podem ser acessados por “um

Apresentação: A escrita na tela, tema do livro

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golpe de vista”. Esse golpe da vista dá acesso ao superficial (de superfície) da imagem que passa a ser interpretada como linha contínua ou descontínua.

Em seguida, no capítulo Uma abordagem semiótico-discursiva ao estudo do hipertexto em contextos educacionais, apresentamos uma proposta de estudo do hipertexto. Relata-mos a pesquisa na qual os aspectos verbo-visuais e discursivos do texto na tela do com-putador em atividades pedagógicas de um projeto de trabalho hipermidiático foram analisados. Como referencial teórico, fundamentamo-nos em aportes metodológicos e conceituais da Semiótica Discursiva. Tal escolha deveu-se à raiz a que se fideliza essa teoria: a Linguística de Ferdinand de Saussure, em sua fase atual.

A partir da máxima saussuriana de que o sistema linguístico é forma e tudo nele são relações, pelo entendimento de que sua apreensão é uma abstração operacional, a pes-quisa conjugou elementos da semiótica discursiva plástica e do design de comunicação visual de modo a permitir a observação de uma discursividade na tela do computador, mediante a hibridização entre o verbal e o visual, que caracterizariam outra concepção de texto. A fim de subsidiar a verificação empírica dessa hipótese, um projeto de traba-lho foi desenvolvido, inspirado na Pedagogia de Projetos, para aulas de inglês em uma turma de 19 alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental em uma escola pública.

As conclusões apontam que é possível que ocorram, no contexto educacional em que os textos analisados foram produzidos, letramentos múltiplos, que não se referem apenas ao desenvolvimento da habilidade de ler e escrever dentro do sistema linguístico, mas que também envolvem habilidades em outras linguagens, como a plástica, que pas-sa a desempenhar papéis mais relevantes na produção e na leitura desses textos.

O capítulo Hipertexto: a não linearidade organizada trata de uma proposta de orga-nização do hipertexto a partir de elementos com funções anafóricas e dêiticas. Apre-sentamos pesquisa na qual discutimos sobre as diversas possibilidades de cliques que o usuário pode fazer ao utilizar o computador. Uma vez que a maioria dos roteiros do usuário diante do computador não é pré-definida, houve a necessidade de mapear algu-mas práticas de uso na tentativa de identificar a existência ou não de uma organização

Apresentação: A escrita na tela, tema do livro

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hipertextual. Remetemos ao conceito de hipertexto de Eric Landow, a pressupostos teórico-metodológicos em uma perspectiva cultural a partir de Michel de Certeau e a uma perspectiva pautada na teoria linguística da referenciação, especialmente aos con-ceitos de anáfora e dêixis, deslocados para o estudo de textos em contexto digital.

O clique, concebido como ação linguageira, é compreendido como um flanar pela tela do computador, mas não um flanar despreocupado, e sim como movimentos que deixam rastros, pistas que permitem compreender uma lógica para um novo hipertexto. Ao perseguir características de organização hipertextual, são identificadas, no material de análise, categorias de ação e, a partir delas, movimentos que permitem o reconheci-mento de nexos hipertextuais. Esses estudos apontam para um novo modo de escrever na tela do computador, uma escrita virtual, que se utiliza de nexos diversos, para pro-duzir um texto sincrético.

Em A tela: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais, propomos que o clicar, o zapear e o escrever são enunciações, ações discursivas sobre diferentes espaços topológicos, desde a tela da TV, do computador, incluindo o papel. Problema-tizamos o conceito de suporte porque cada uma dessas enunciações é constituída em e por suas interfaces, sejam digitais ou analógicas, não sendo, portanto, as telas ou o papel meramente suportes. Constituída pelo caráter de superfície plana, bidimensional, a linguagem verbal se organiza como linha (sequência linear), e a não verbal se organiza pela lógica da imagem, que envolve uma sequência não linear, estando nos dispositivos digitais em processo de interinfluenciação, através do sincretismo que envolve processos cognitivos em rede, não lineares, imersos na cultura das miscigenações, do sincretismo, na qual estamos inseridos.

No penúltimo capítulo, O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas, o tema é o jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia no desenvolvimento da língua alemã. No primeiro momento, a partir de Flusser, apresentamos algumas características das for-mas de produzir sentido que se desenvolveram ao longo dos séculos, trazendo, para isso,

Apresentação: A escrita na tela, tema do livro

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o papel da linguagem verbal e da linguagem visual em diferentes épocas e a linguagem visual como uma capacidade natural do homem.

Em um segundo momento, à luz de Canevacci, Kress e Lévy, sugerimos o contexto midiático como um espaço em que ocorre uma forma de produzir sentido, baseada no sincretismo de linguagem verbal e linguagem visual. Além disso, discutimos o conceito de hipermodalidade para explicar a interação que ocorre entre diferentes linguagens em jogos digitais. Associada à hipermodalidade, trazemos a concepção de autopoiese, do campo da biologia, proposta por Humberto Maturana e Francisco Varela, para compre-ender a forma de organização de linguagens em jogos digitais como potencializadora de movimentos de autonomia. Finalmente, conceituamos o jogo específico de caça-objetos e apresentamos sua forma de utilização em uma oficina de jogos realizada com alunos de língua alemã de ensino médio para, a seguir, apresentar uma análise dos vídeos pro-duzidos na tela durante a oficina desse jogo. Nesse momento, são apresentados e teori-zados os nove movimentos de autonomia propostos.

O capítulo final, Escrita na tela: percursos de construção de um conceito - configura-se como uma ferramenta navegacional e materializa uma rede de conceitos e as proposi-ções construídas por nós, autoras. Na proposta, surge um convite à navegação em tri-lhas que se estruturam como norteadoras na constituição de possibilidades de produção de sentidos, através de movimentos de leitura, sobre os modos de constituição da escrita e seus espaços de produção. Os conceitos discutidos ao longo dos capítulos: escrita na tela, sincretismo, textualidade, textos sincréticos e textos digitais são apresentados atra-vés das representações gráficas, fluxograma de processo e mapa conceitual. O primeiro visando indicar o percurso de sentido dos mapas conceituais como um processo orga-nizacional indicativo da direção dos fluxos de significações; o segundo para apresentar as relações estabelecidas entre os principais elementos que configuram a escrita na tela.

Entregamos este trabalho para apreciação dos leitores, com o desejo de que cum-pra sua finalidade: socializar um trabalho de grupo, propondo um espaço sensível para trocas futuras.

Apresentação: A escrita na tela, tema do livro

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Capítulo 1

Por uma teoria unicista das linguagens na tela: regimes de visibilidade

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1. Introdução

A estudante liga o computador e, apressada, clica em Documentos, onde está o arquivo do artigo que fundamenta seu estudo. Recebe, então, o aviso: download, aguar-dando a imagem. Essa ação e esse aviso fazem parte de nosso cotidiano de ações no contexto informatizado. No entanto, pode e deve suscitar um estranhamento: como um texto verbal pode ser considerado como imagem? Em que essa questão pode nos levar à busca da condição de constituição da escrita produzida em telas, pela lingua-gem digital, no caso que nos interessa, a tela do computador? Consequentemente, não estaríamos mais diante da clássica visão analítica de considerar linguagem verbal e não verbal e de suas relações como dois sistemas distintos. Estaríamos, agora, diante da escrita como aparecimento do visual. Essa é a proposta deste texto, que argumenta a favor de uma teoria unicista da linguagem quando constituída e manifesta em telas, a partir da linguagem digital, em que linguagem verbal e não verbal estariam diante das mesmas condições topológicas e visuais constituídas como acontecimento material na tela do computador. Tal proposta possui razões epistemológica, filosófica e linguística que passaremos a explicitar.

2. Razão de ordem epistemológica: as linguagens na tela como elemento visual e topológico envolve a superação das dicotomias

Comecemos pela proposta da indissociabilidade entre tekhné e phýsis. Em Fraga (2011), vemos que técnica e natureza são orientadas pela separação desses dois tipos de conhecimentos. A autora afirma que tekhné é um conceito grego que entende todas as atividades como práticas humanas, desde as mais cotidianas até as mais elaboradas, como as artes plásticas. É um saber fazer humano, diferente do princípio de geração das coisas pelos processos da natureza. Nos dois casos, temos uma poiesis. Em Platão, pela técnica, o homem imita a natureza. Então, a técnica é vista numa posição de inferio-

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ridade. Imita a phýsis, sendo, assim, inferior a ela. Para Aristóteles as coisas artificiais, vindas da técnica humana, são inferiores às coisas naturais porque só estas possuem o princípio do vir a ser.

Ainda com a autora, vemos que, a partir do século XVIII, a atividade técnica vai ser ligada ao saber científico. Esse processo culmina no século XX com a junção definitiva entre ciência e técnica expressas no termo ciências tecnológicas. Forma-se, então, uma tecnosfera, em que a tecnologia é transformada em cultura. Nesse campo, inserimos uma abordagem unicista do ponto de vista genealógico da escrita em superfície plana bidimensional, como é o caso da tela do computador.

Heidegger (1968) propõe o argumento geral de que a posição que pensa a técnica como meio não a torna acessível à essência da técnica. Considerar a técnica como meio é uma concepção instrumental de técnica. A análise de técnica como fim e meio se refere à teoria das causas material, formal e eficiente. O produto técnico não tem em si o princípio de seu movimento. Contudo, porque faz passar do estado escondido ao não escondido pelo trabalho científico, torna-se desvelado. Passa, nesse sentido, a ser phýsis. Surge a técnica como poiesis e está ligada à phýsis. A técnica tem um sentido que permite o desvelamento. Seu ponto decisivo não consiste na utilização dos meios, mas no desvelamento. Sendo assim, a técnica é “pro-duction”. E é nesse campo de ma-nifestações culturais como uma phýsis digital que inserimos, aqui, a escrita na tela do computador. Na superfície plana se instaura o movimento que pelos programas infor-matizados aproxima a técnica de uma espécie de poder autossuficiente, ao estilo do homem bicentenário de Asimov, quando o robô chega ao estado de sentir emoção e se humanizar, envelhecendo e amando. Necessário, assim, rever a concepção de linguagem verbal escrita nas superfícies como relação de associação com os sons da fala e com as formas sonoras de organização. Pela linguagem digital, o verbal se instala e se desvela no campo das imagens.

Nessa linha de argumentação, queremos pensar a genealogia da escrita como técni-ca entendida enquanto fusão phýsis e tekhné. Propomos, então, de acordo com a autora,

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uma relação de técnica diretamente vinculada à comunicação. A tecnologia enquanto poder do ser humano se automatiza, logo, se torna autopoiética na medida em que comunica, gerando sentidos pela persuasão e pela interpretação para muito além da decodificação de sinais ou de signos.

É nesse momento que é possível pensar a tecnologia como phýsis. Inserida na forma de constituição acima referida, ela se fundamenta como autopoiesis, entre outros, por um dos aspectos principais vinculados ao surgimento da linguagem digital: trata-se da crise da representação. Sobre isso, Foucault (1992) apresenta uma proposta de surgi-mento de representação. Em sua epistemologia arqueológica propõe a construção dos significados na relação entre as palavras e as coisas, diferente à relação entre palavras e sons. Esse aspecto já nos possibilita pensar as palavras como coisas na tela, logo, como imagem. Na Idade Média, as palavras e as coisas coincidiam no jogo das similitudes.

Foucault (1992) propõe quatro tipos de similitudes: a emulação, em que as coisas dispersas através do mundo se correspondem como a luz dos olhos à luz das estrelas; a conveniência, em que a alma e o corpo se encontram, por exemplo: foi preciso que o pecado tivesse tornado a alma espessa, pesada e terrestre para que Deus a colocasse nas entranhas da matéria; a analogia que institui o semelhante através do espaço – a relação do céu com os astros encontra-se igualmente na erva com a terra; e, finalmente, as sim-patias atraem o peso para o solo e o leve para o éter, impelem as raízes para a água, as rosas de um funeral tornam triste e agonizante quem respirar seu perfume. Há, então, uma indiferença entre o que assinala e o que é assinalado.

Nessa episteme medieval, a escrita se mistura com as figuras do mundo. A lingua-gem não é um sistema arbitrário. Faz parte do mundo com suas similitudes e assinala-ções. Está entre as figuras visíveis da natureza, logo, phýsis. Os nomes estão depositados sobre aquilo que designam, assim como a força está escrita no corpo do leão. Surge uma indistinção muito importante entre o que se vê e o que se lê. Daí a importância da escrita sobre a oralidade e o fortalecimento da concepção de escrita como imagem, coisa que se apresenta, antes de tudo, como algo material diante de nossos olhos. Nos séculos

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XVII e XVIII, a linguagem, enquanto coisa escrita, assume o funcionamento de repre-sentação como algo que mostra e refere algo que está fora. Bacon e Descartes, cada um a sua maneira, fazem a crítica da semelhança, retirando-a da indiferenciação das similitu-des e inserindo-a no ato racional de comparação. Epistemologicamente, isso torna pos-sível separar as palavras das coisas pela arbitrariedade e pela convencionalidade, aspecto prioritário no trato dos estudos linguísticos na ciência moderna. Surge o signo, talvez como a maior tecnologia da modernidade, mediando a coisa que representa através do significante, imagem sonora, à coisa representada (sua ideia). E nessa relação desaparece a realidade, substituída, agora, por um sistema de signos linguísticos.

A linguagem assume aqui um papel funcional de veiculação de ideias, social e his-toricamente constituídas tornando-se transparente. O real, o sensível e o experiencia-do desaparecem abrigados pelos conceitos que buscam ser universais. A essa condição dicotomizada, de cisão da modernidade entre phýsis e tekhné, propomos que a tekhné, por seus produtos comunicacionais digitais, institui uma empiria, que passa a estar no mundo, constituindo o que está sendo chamado de segunda phýsis - os produtos tecno-lógicos comunicacionais digitais são detentores de um poder autopoiético. Eles não se colam à realidade, a constituindo como referente, mas a criam por códigos constituídos por sinais elétricos. Nessa linha de pensamento, a escrita pode passar a ser encarada como uma produção cultural da tekhné entendida, então, como imagem porque consti-tuída como visibilidade em uma dada superfície.

A crítica às dicotomias, que aqui centralizamos na questão da técnica e da nature-za, torna-se possível pela geração de um espírito de época caracterizado por avanços científicos como a dialética partícula onda, em que a matéria é uma manifestação de um modo de ser da onda. Não existe matéria e energia como realidades separadas, mas como manifestação de um só modo de existência que é a onda. Seria, talvez, uma visão monista proposta por Spinoza (1954). O que estamos propondo é que as tecnologias digitais constituídas em superfícies planas no caso das escritas pelo argumento episte-mológico apresentam essa lógica monista no âmbito da escrita, constituída como uma

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substância gráfica comum ao verbal e não verbal. Para Spinoza (1954), o que existe é um conjunto de fenômenos que pertencem a uma única matéria em permanente atividade, em nosso caso, uma única substância gráfica imagética, única matéria, em movimentos formais de expressão, linear e não linear, a convidar para que sejam dotados de diferen-tes significações próprias por suas formas de organização, mais da razão, no caso do verbal, ou das emoções, sentimentos e, também, da razão, no caso do não verbal. Ambos contudo, imagéticos. Por isso a expressão aguardando o download da imagem.

3. Razões filosóficas: imagens e comunicação digital

É nas tecnologias digitais, ou numéricas, que as características da tecnologia comu-nicacional como uma segunda phýsis aparecem de forma mais radical. Couchot (1999) afirma que, na figuração ótica, cada ponto da imagem ótica corresponde a um ponto do objeto real, contudo, nenhum ponto do objeto real preexistente corresponde ao pixel. O pixel é a expressão visual de um cálculo efetuado pelo computador. O que preexiste a ele é o programa e não o real. A tecnologia informatizada não é mais maquínica como a câmara escura ou o tubo de raios catódicos, mas é abstrata e provém de um domínio científico. Nessa lógica, passamos, então, a usar a expressão criar, gerar, quando nos referimos às tecnologias, logo na mesma função da natureza que é de autopoiesis, numa aproximação com o primeiro sentido grego de natureza.

Trazemos Flusser através de Baitello (2005), quando este afirma, referindo-se à contribuição do primeiro ao pensamento comunicacional, que o filósofo levantou duas questões importantes: a importância crescente das imagens e da comunicação digital. Flusser entendeu que o código da escrita não seria mais o código dominante do futuro e que imagens em movimento, imagens técnicas, produzidas por aparelhos, convencio-nais ou digitais, ganharam muito espaço. Notemos que a proposta do presente texto não é essa. Tal abordagem de Flusser separa imagem de texto verbal, numa perspectiva contrária, então, ao que está sendo aqui defendido. Contudo, chama a atenção para a questão da importância que Flusser dá para as materialidades das tecnologias e que

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os impactos materiais destas eram pontos que apareciam com bastante força em seu pensamento. Ele era um pensador que fazia parte dessa tradição materialista, que ava-liava as configurações tecnológicas e as estruturas materiais dos meios. Nesse aspecto, somos partidários da proposta de Flusser. Ao cogitarmos da visão unicista, ou monista, da escrita como imagem, somos adeptos dessa ênfase na materialidade dos meios que acabam sendo a mensagem, pela força autopoiética do meio e a teoria semiótica (GREI-MAS, 1996), em que a função de forma de expressão é constituidora dos efeitos de sentido, os conteúdos a partir das formas.

Outro aspecto de discordância a Flusser (2007) vem de que, em nossa proposta pela perspectiva monista aqui apresentada, não haveria graus de abstração como o filó-sofo propõe. Sugere, ele, que a imagem, ou o não verbal, tradicional, seria abstração de primeiro grau porque representa o mundo de maneira simbólica, abstraindo duas das quatro dimensões (tempo e espaço). Com a escrita linear, surge o pensamento históri-co. Segundo o autor, ainda, os textos verbais são abstração de segundo grau e buscam explicar as imagens.

Na proposta aqui apresentada, na tela, por serem formas de expressão gráficas em superfícies planas, o que aparece são textos apreendidos, ambos, simultaneamente, por estesia, sensações e pela razão como forma de apreensão singular de textos na tela, in-diferenciando entre verbal e não verbal, em um primeiro momento de sua materiali-dade, as visualidades. Novamente, aparece a perspectiva monista. Assim, o não verbal pode abrigar conceitos e o verbal pode provocar leituras estésicas, tal como as imagens poéticas fazem revelar na cultura do livro impresso. Agora, letras, palavras, frases têm movimento material, têm efeitos de tridimensionalidade, logo, de espaço, provocadores de sensações, emoções e pensamento. Não cabe, então, tipos de abstração do mais ao menos convencional e arbitrário em relação à realidade porque a escrita na tela é, ela mesma, materialidade

Destacamos aí, as linguagens digitais, em seu poder de criar mundos e sentidos. Os sentidos que por elas se constituem, articulam o eixo dos conceitos historicamente

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produzidos aos sentidos em que uma das instâncias de produção é o corpo. As tecno-logias midiáticas e, em particular, as digitalizadas, com sua característica cibernética, geram realidades. Devido a suas condições de linguagem numérica, criam novos efeitos visuais e auditivos, constituindo no ser humano, que com elas convivem, novos modos de conhecer, que passam necessariamente pelo corpo, como sua instância de produção, conforme relatos de Kerckhove (1995), sobre experiências desenvolvidas no Laborató-rio de Análise dos Media da Simon Fraser University, em Vancouver.

Nessas experiências, a interação midiática é instituída no plano sensorial mais do que no plano intelectivo. Retoma-se a importância da fenomenologia, como a lógica da expressão do sensível, cujo sentido ocorre antes no corpo que na consciência. Aí é o cor-po, em primeiro lugar, que instaura a instância do sentido comunicacional e, em nosso argumento, a informática é uma mídia.

Frayze-Pereira (1995), recuperando o estudo da fenomenologia nas teorias da lin-guagem, lembra que é necessário retornar às “coisas mesmas”, a um mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala e em relação ao qual toda determi-nação científica é abstrata e dele dependente como a geografia em relação à paisagem. Somente a seguir, como ato mental da consciência, surgem as leituras diferenciadas, mas, sempre, entregando-se aos efeitos do plano da expressão.

A estesia é, aí, a forma de apreensão dos sentidos do mundo exterior, possibilitando a experiência pelo corpo, enquanto, assim, entende-se que, movido pelo prazer, uma dimensão de manifestação de ser, haveria uma constituição da lógica da comunicação que não seria dada pela lógica mercantilista, de aquisição de bens, mas por uma lógica do humano, em seu sentido de sensibilidade, estesia, em que o fim é o ser humano e suas possibilidades tecnológicas de construção de sentido. Nesse aspecto, o uso da mídia in-formatizada revelar-se-ia como altamente recomendável do ponto de vista educacional pelo poder de desenvolvimento do humano. Greimas (1996) afirma que no formigueiro das tomadas de decisão sobre a semiótica, há uma voz que busca se ocupar das tensões instáveis e do dinamismo das estruturas. Afirmamos que, diante de qualquer texto di-

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gital, há essa tensão em que a cultura da racionalidade, voz vigente e poderosa, manda buscar as diferenças e que o corpo, numa cognição expandida, orienta para buscar as sensações e os sincretismos. Ambos estão articulados em suas diferentes formas de ex-pressão, mas unidos pela substância gráfica e dinâmica, devido ao movimento. Nessa dinâmica, assumimos que o sensível e o inteligível se sustentam mutuamente e que am-bos são regimes de construção do real como efeito de sentido. Como propõe Landowski (1995), para outros contextos de linguagem, a significação já está presente no sensível, mola mestra das significações. Entendemos que, na mídia informatizada, sensível não é apenas o que sentimos mas o que significa.

4. Aspectos linguísticos e semióticos da linguagem na tela

Insistimos que este texto tem por objetivo ocasionar uma reflexão sobre a enuncia-ção do texto na tela do computador. Começamos pelo gesto de lincar, chamado por Jo-hnson (2001) de linking, em se tratando da tela do computador. Já na produção de sen-tido na página impressa, está explícito o movimento, tradicionalmente conhecido, como escrever. O desafio é compreender no que o escrever do texto produzido pela linguagem analógica, própria da escrita em dispositivos impressos, difere-se do linking produzido pela linguagem digital e em que ambas as linguagens constituem modos diferentes e semelhantes de escrita. Nesse caso, os diferentes tipos de tela seriam constituidores de diferentes tipos de escrita? Este texto se ocupa em fazer uma argumentação sobre essa pergunta, que pode ser decorrência do desenvolvido até o momento.

Como hipótese inicial, estamos entendendo que há duas possibilidades de produ-ção de sentido que se materializam em dois atos de escrita para efeitos de interesse das reflexões propostas para este texto: o da página impressa, também tela, no sentido topológico, e o da tela de computador. A partir da reflexão sobre as perguntas acima, so-mos levados a pensar nas implicações que essas escritas, como atos de produzir sentido, trazem ao ensino e à aprendizagem de línguas. Dessa forma, pretendemos considerar,

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como ponto de partida, a tela não como um mero suporte de ativação do interesse e do prazer ou como um elemento secundário no processo de aprendizagem, mas como um ambiente constituidor de significados que nascem nas interações dos atos de lincar e clicar como novos atos de escrita, assim como se chama escrever o ato de pegar a caneta ou o lápis e agir sobre uma superfície plana chamada papel. Isso a coloca numa posi-ção de interface. Vamos começar situando os diferentes tipos de escrita como ligados a uma cultura específica: a do sincretismo. Essa cultura produz um espírito de época que orienta para a coexistência de várias possibilidades de escrita que podem acontecer simultaneamente, a partir de uma genealogia comum, conforme desenvolvido, que é a imagem, regime do visível. A cultura do sincretismo permite apresentar o conceito de textos sincréticos trazido pela semiótica. A partir dele, passamos a considerar insufi-ciente para a compreensão e a produção dessa nova arquitetura de texto, que se constrói na tela do computador, a ideia de que o texto não verbal complementa o texto verbal.

Inicialmente, é relevante que discutamos o conceito de enunciação do texto na pági-na impressa, que é o ato de escrever, já que os atos de clicar, lincar e de zapear, próprios da enunciação do texto na tela do computador, são gestos de escrever também aqui propostos como visão lato sensu de escrita. A escrita na tela do computador permite ao leitor uma liberdade de ação maior, a qual abarca alternativas de interação com o texto, como conexão, escolha, travessia de níveis temporais, espaciais e sonoros diversos, enfim, alternativas multilineares de esgotar as possibilidades de interação com a mídia. Flusser (2007), ao se referir à câmera fotográfica, destaca o nível temporal de interação, o qual compreende olhares contemplativos ou breves, e o nível espacial, o qual abrange visuali-zações ampliadas ou diminuídas na tela. A interação com o texto da tela do computador inclui, além desses níveis propostos por Flusser, o nível sonoro, mas pode obedecer a essa mesma lógica, aspecto este que uma pesquisa de ordem empírica poderá revelar.

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5. O texto na página impressa: um contraponto

Para Saussure, o signo une um conceito a uma imagem acústica, ou seja, o signifi-cado ao significante. Uma imagem acústica é a impressão psíquica do som de uma pa-lavra, ou melhor, uma imagem sensorial. Podemos, por exemplo, falar conosco mesmos sem mover os lábios ou a língua. Uma imagem acústica é, portanto, a representação da palavra enquanto fato de língua virtual, fora da realização da fala, de acordo com Saus-sure. O signo apresenta o caráter linear, no qual o significante acústico desenvolve-se no tempo, em extensão mensurável numa só dimensão: linha. A linha, própria do texto impresso, contém elementos dispostos um após o outro, numa cadeia, linha após linha, página após página.

É no âmbito dos estudos atuais sobre a linearidade em Saussure, a partir de Arrivé (2010) e Bronckart (2009), que surge a possibilidade de trazermos os estudos sobre linearidade para a ideia de sequencialização no espaço e não no tempo. No hipertex-to, na textualidade do texto digital, existe uma linearidade situada no espaço e não no tempo conforme o significante auditivo (da cadeia da fala) e, assim como Arrivé traz, vemos que os manuscritos de Saussure se referem a uma fisiologia do som. Assim como em uma nota do CLG há uma referência à imagem acústica do ato fonatório. Propõe-se, então, no estudo da produção do texto digital, a possibilidade de pensar em uma ima-gem motora das mãos sobre uma superfície plana, isso é, sobre o espaço, constituinte to-pológico não verbal do texto na tela, logo ligado à não linearidade da imagem. Tal ima-gem constituída segundo a mesma lógica de significante, imagem de algo materializado, teria uma forma de expressão organizada pelos links (aqui apela-se para Hjelmslev nos planos de conteúdo e expressão, que orientaria para a) uma sequência e b) para uma se-quência que possui a substância de expressão no movimento das mãos, de base motora).

Assim, o hipertexto, como texto, responderia como mecanismo enunciativo a ações sobre uma superfície plana bidimensional orientada mais pela não linearidade própria da sequencialização da imagem do que pela linha pela extensão, própria da linguagem

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verbal, diferente da concepção de uniespacialidade proposta por Saussure e trazida por Arrivé. Ao se referir à temporalização, constituidora da linha, particularmente impor-tante para esta discussão são os conceitos de diacronia. Imaginemos Saussure escre-vendo no mesmo dia em dois cadernos diferentes. Eis aí um hipertexto. Quanto a me-canismos de textualização, os programas de computador apresentam uma cronologia: indicam nove categorias de ação-ação arquivo, dentro desta, surgem três subcategorias: arquivo novo, gravar como e propriedades. A subcategoria editar desdobra-se em sele-cionar tudo, com o índice ctrl+A, e encontrar texto, com o índice F2.

Outro aspecto marcante no texto que não é da interface tela digital é o da previsi-bilidade. A arquitetura do texto na página impressa é caracterizada pela ordenação e linearidade dos elementos que o compõem, cuja forma de aparição se torna previsível ao leitor. Maturana (1987, p. 164) afirma: “Um sistema ser determinado estruturalmente significa que ele é determinístico e que, em sua operação, a escolha está fora de questão”. Assim, o fato de a aparição dos elementos do livro estar estruturalmente determinada tem como consequência a limitação de ação naquele espaço. A estrutura já é conhecida pelo leitor, o qual não encontrará alternativas na sua interação com o texto, que se tor-nará previsível como acontece com a sequência não linear.

Do ponto de vista da relação entre aspectos imagéticos e conceituais é importante ressaltar o que segue. O texto impresso costuma ser uma explicação de uma imagem, ou a imagem, a ilustração do texto. O aspecto imagético permanece subordinado ao as-pecto conceitual. Segundo Flusser (2007), a linha passa a ser o conceito dos fatos, o que mostra uma distância maior entre escrita e realidade do que entre imagem e realidade, já que mostrar fatos é mais fiel ao real do que conceber fatos. Encontramos, portanto, no texto impresso, uma distância significativa entre imagem e texto verbal, a qual justifica a ideia de que o texto não verbal complementa o texto verbal no caso da escrita do texto no suporte impresso.

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6. A escrita na tela como imagem em uma proposta da semiótica visual

A semiótica visual, ao se propor como teoria para o estudo dos signos a partir do sentido da visão, circunscreve-se como modo de expressão à teoria do visual. Se voltar-mos à proposta de Saussure sobre a ausência de um vínculo natural entre o significado e o significante, assumindo o caráter artificial desse vínculo, vemos que, sendo a escrita visual, nada mais pertinente que buscarmos em uma teoria do visual uma das possibili-dades constitutivas da escrita, a partir do que já argumentamos.

Então, na linha da proposta que chamamos de unicista ou monista do texto na tela instala-se a confluência entre visibilidade e lisibilidade. As respostas às perguntas de Ferreiro (1981), que já apresentava esse aspecto do ponto de vista genético, ao per-guntar à criança se “tudo que dá para ler dá para ver” e se “tudo que dá para ver dá para ler”, apontaram para uma dimensão psicogenética do ler como ver. Esse aspecto nos leva a uma inferência básica de que o ver está na raiz do ler, aspecto este recuperado pela linguagem na tela, quando letras em textos verbais podem ser formatadas em variadas fontes e cores e posições no espaço da tela, criando os efeitos estésicos de sensações referidos.3

Referências

ARRIVÉ, Michel. Em busca de Ferdinand de Saussure. São Paulo: Parábola, 2010.BAITELLO JÚNIOR, Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker, 2005.BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. 2a Ed. São Paulo: EDUC, 2009.COUCHOT, Edmond. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes

2 Tradução utilizada em Fontanille (2005).

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da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem-Máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.FERREIRO, Emília. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Cidade: editora, 1992.FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta. São Paulo: HUCITEC, 1985.______. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.FRAGA, Dinorá Moraes de; AXT, Margarete. (Org.). Políticas do virtual: inscrições em linguagem, cognição e educação. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011.FRAYZE-PEREIRA, João Augusto. Olho d’água: arte e loucura em exposição. São Paulo: Escuta / Fapesp, 1995.GREIMAS, Algirdas Julien. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix,1996.HEIDEGGER, Martin. A Questão da Técnica Leão. Petrópolis: Vozes, 2002. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001.KERCKHOVE, Derrick de. A pele da cultura. São Paulo: Annablume, 1995.LANDOWSKI; Eric. Do inteligível ao sensível. São Paulo: EDUC, 1995.MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: EditoraUFMG, 1997.SPINOZA, Benédictus de. L’Éthique. In: SPINOZA, Benédictus de. Ouvres complètes. Paris: Gallimard, p. 301-596.

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Capítulo 2

Sincretismo nos textos da tela

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Keli Andrisi Silva Luz

Raquel Salcedo Gomes

Rosangela Garcia

“Seria possível observar duas revoluções fundamentais na estrutura cultural. A primeira que ocorreu, aproximadamente, em meados do segundo milênio pode ser captada sob o rótulo ‘invenção da escrita linear’ e inaugura a História, propriamente dita. A segunda, que ocorre atualmente, pode ser captada sob o rótulo de ‘invenção das imagens técnicas’ e inaugura um modo de ser ainda dificilmente definível.” (FLUSSER, 1998).

“A reforma ortográfica deixou as palavras muito feias!” (palavras de uma professora, comentando a alteração da escrita de palavras que perderam o hífen)

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1. Contextualização

É nesse espaço do dificilmente definível que este texto irá se movimentar. Comece-mos com a pergunta: que textualidade é essa que constitui os textos produzidos na tela do computador? O termo textualidade, neste trabalho, será conceituado como o que define as condições necessárias para que algo seja entendido como texto. Trata-se de características que configuram determinado artefato cultural, que será entendido como texto. Qual é, então, a textualidade de um texto da tela dos contextos digitais? O que o torna possível? Quais as condições de sua produção? Como ele se constitui? O presente texto ocupar-se-á dessas perguntas.

Entendemos que aquilo que o torna possível é a cultura digital e não, apenas, a lin-guagem digital. Costumamos ver, por exemplo, atividades propostas por professores no computador que são apenas transposição da cultura analógica para o contexto digital. Começaremos discutindo essa relação entre cultura digital e texto, que caracteriza este outro texto, produzido para a tela a partir de outra textualidade ou textualidades.

2. Primeira característica: o texto na cultura digital

Salcedo Gomes (2013), no que se refere à relação entre cultura digital e texto, con-sidera que a concepção de linguagem como prática socio-historicamente situada, em meio a mundos de significações construídas no discurso, ganha espaço nos estudos lin-guísticos, orientando também para uma reflexão sobre a cultura do digital, sobre os efei-tos de sentido gerados a partir de práticas de linguagem desenvolvidas nesse ambiente, visando também à inclusão da escola nessa cultura.

Com essa finalidade, desenvolveu pesquisa na área de Linguística Aplicada que investigou o sincretismo de linguagens na produção de estudantes do Ensino Fun-

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damental, analisando como tal sincretismo ocorre na produção de blogs4 , a partir de um projeto de trabalho inspirado na Pedagogia de Projetos (HERNÁNDES, 1998) e abordando a temática da preservação ambiental e sua relação com o consumismo. Esse tipo de pesquisa é relevante uma vez que os estudantes manipulam diversas linguagens no contexto digital como produtores de sentido, depois do advento das redes sociais como sites, blogs, Facebook, Twitter, em uma cultura de outra natureza, balizada pelas características do digital.

A pesquisa realizada objetivou o estudo do texto na tela do computador em seus aspectos sincrético-discursivos, em blogs produzidos em atividades pedagógicas de um projeto de trabalho hipermidiático, no contexto de ensino e aprendizagem de língua in-glesa como língua estrangeira. Essa investigação permitiu a discussão de possíveis con-sequências da tecnocultura no ensino de línguas na educação básica e as implicações da estreita relação entre Internet, linguagens e seus usos no contexto educacional.

Intentou-se, durante o percurso investigativo, descobrir algumas das possíveis im-plicações da textualidade sincrética, que conjuga diferentes linguagens, no âmbito das práticas escolares, buscando colaborar para a discussão sobre a promoção de uma edu-cação linguística que leve em consideração o letramento digital.

Para isso, um breve resumo do advento da Internet foi apresentado e se discorreu a respeito do conceito de hipertexto. As noções de blog e blogosfera também foram discutidas a fim de fundamentar a teorização sobre os objetos empíricos: oito blogs produzidos por estudantes do oitavo ano do Ensino Fundamental.

Como teorização sobre a linguagem sincrética presente nos blogs, foi apresentada a teoria semiótica discursiva, que possibilita a ampliação do conceito de texto linguís-tico a outras manifestações capazes de produzir sentido, conjugando diversos sistemas semióticos, no caso dos blogs sob estudo, as linguagens verbal e não verbal. Foram apre-

4 Optamos por não destacar os termos referentes à cultura digital advindos da língua inglesa ao longo do livro, tendo em conta seu amplo uso por falantes do português brasileiro.

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sentados e discutidos os conceitos de função semiótica, conteúdo e expressão, função intersemiótica e semissimbolismo, basilares à teorização e à análise almejada.

No intuito de construir um referencial teórico que possibilitasse a conjunção de categorias analíticas para a observação da textualidade sincrética, apresentou-se o per-curso gerativo de sentido para análise do plano do conteúdo e a semiótica plástica para estudo do plano da expressão, à qual foram associados elementos do design visual como complementares às categorias de análise da materialidade do texto sincrético. Discor-reu-se também sobre a semiótica das situações e a implicação da tela digital como com-ponente do sentido.

Durante a análise, foram identificadas, a partir da semiótica plástica, as caracterís-ticas sincréticas dos textos produzidos pelos alunos nos blogs, tendo em vista a concep-ção de linguagem proposta pela semiótica discursiva, isto é, uma noção mais ampla de linguagem, que contempla também os modos não verbais de expressão e comunicação.

As características da materialidade sincrética foram relacionadas à análise do nível discursivo do percurso gerativo de sentido do plano do conteúdo. A partir da identifi-cação de temas e figuras nos dois planos e do cotejo dos dados observados, discutiu-se sobre os significados produzidos a respeito do tema do projeto, o meio ambiente, e se verificou a ocorrência de semissimbolismos.

A teoria semiótica discursiva de base greimasiana comprovou sua eficácia no estudo da linguagem em contexto informático-educacional e seus desdobramentos teóricos de-monstram a amplitude e a força da teoria para a compreensão do sentido da linguagem em seus usos sociais, conforme pressupõe a Linguística Aplicada.

A análise realizada individual e globalmente dos blogs produzidos apontou para características de sincretismo linguístico na hipertextualidade digital. A elaboração de blogs no projeto desenvolvido complexificou a ação educacional e permitiu sua reto-mada. As possibilidades do hipertexto, em sua textualidade sincrética, mostraram não apenas influenciar, mas balizar as escolhas linguístico-discursivas da produção textual em contexto hipermidiático.

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Evidenciou-se que o trabalho com o hipertexto impõe desafios ao ensino de línguas e a práticas textuais escolares realizadas nesse contexto, pois requer que os participantes do processo educativo lidem com um leque maior de opções comunicacionais, explici-tadas nas categorias propostas para análise dos blogs. Diferentemente das primeiras teorizações dos desdobramentos iniciais da teoria semiótica, o hipertexto transformou o semissimbolismo em regra, não em uma consequente decorrência de exceções obtidas mediante escolhas semiótico-discursivas específicas.

Com o uso cada vez maior dos laboratórios de informática pelas escolas e pela implantação de projetos como o UCA (Um Computador por Aluno), pelo governo federal, além da disseminação não institucionalizada das TICs pela cultura digital, é possível que o texto sincrético venha a se tornar uma constante nas produções textuais dos estudantes da escola básica. Isso resulta na necessidade de estudos como este sobre as implicações de sua construção em ambiente informatizado.

É possível que as características sincréticas e as necessárias escolhas plásticas para sua produção venham a fazer parte do cotidiano do uso da linguagem também na es-cola, imersa na cultura digital. Diante disso, é necessária uma concepção diferente de educação linguística escolar e, também, a inclusão do letramento digital nos componen-tes curriculares.

O percurso de pesquisa trilhado na análise da textualidade sincrética dos blogs pro-duzidos por estudantes do Ensino Fundamental evidenciou o entrelaçamento entre o linguístico e o digital e suas implicações para o contexto escolar. Tendo em vista tal imbricamento, passamos a discutir a noção de Cultura Digital.

Para o ex-ministro da cultura, Gilberto Gil (2004),

Cultura digital é um conceito novo. Parte da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte.

Capítulo 2 - Sincretismo nos textos da tela

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De acordo com o caderno pedagógico Cultura Digital, publicado em 2012 pelo Mi-nistério da Educação como um dos macrocampos de abrangência da ampliação curricu-lar proposta pelo paradigma contemporâneo de Educação Integral, materializado como política pública através do Programa Mais Educação, a partir das perspectivas propor-cionadas pela Sociedade da Informação, novas formas de organização e de produção em escala mundial se definiram, inserindo países no cenário econômico mundial.

Na esteira desse movimento econômico e social considerado intenso, discute-se a chamada Cultura Digital. O documento define cultura como algo que se dissemina, por meio de artefatos e práticas sociais, na tentativa de se fazer entender, comunicar, com-partilhar, de modo que a cultura sempre se apresenta narrada, falada, escrita, desenha-da, compreendendo parte do desejo das pessoas e das comunidades de perpetuar suas histórias e suas formas de conceber o mundo e nele viver, como agente de ações criativas.

A partir de uma perspectiva histórica de atravessamento e complexificação dos ar-tefatos e práticas, a humanidade desenvolveu as tecnologias digitais, e seu envolvimen-to com esses dispositivos, desde metrópoles a escolas, vai estimulando transformações tecnológicas e culturais a fim de traduzir necessidades e desejos da coletividade. Nesse processo, a humanidade não apenas usa a tecnologia, mas é, de certa forma. “usada” por ela, visto que necessita moldar-se a ela, gerando mútuas transformações.

Conforme explicitado no documento, a cultura digital é um campo vasto e potente, pois pode estar articulada com qualquer outro campo além das tecnologias, como a arte, a educação, a filosofia, a sociologia etc. Em seu imbricamento com a concepção de Educação Integral, tal cultura amplia todos os campos dos saberes dispostos tanto dentro quanto fora do espaço escolar, por se encontrar em um lugar compulsoriamente aberto, que não pode fechar-se sobre seu entorno, desafiando a novos modos de apren-der, enunciar e agir no mundo.

No caderno, há a sugestão de pensar a cultura digital como um tipo de área do conhecimento que gesta, intercruza as informações e conhecimentos produzidos pela humanidade, orientando que, para que esse tema venha a permear a prática, uma série de condições sejam consideradas.

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Uma delas diz respeito à natureza interdisciplinar da Cultura Digital, que possibi-lita pensar em estratégias metodológicas amplas nos modos de aprendizagem, desen-volvimento intelectual, socialização e colaboração, em um processo que visa a uma So-ciedade do Conhecimento, movida pela criatividade e pela inventividade na busca pela responsabilidade em toda a ação humana. Devido às possibilidades alargadas de atu-ação, a Cultura Digital pode promover mais espaços de autoria, reafirmando a relação dos sujeitos com suas ações. Também, pelas suas possibilidades de percursos variados, a Cultura Digital pode constituir-se como um dispositivo “antifadiga”, promotor de en-gajamento e de motivações nas diversas práticas sociais desempenhadas em seu âmbito.

O documento ainda descreve uma série de termos que traduzem práticas, disposi-tivos e símbolos da Cultura Digital, como objetos de aprendizagens, softwares, games, cidades digitais, acessibilidade, interatividade, entre outros. Sobre eles seria possível re-alizar uma reflexão que levasse à concepção de um discurso e de uma linguagem (ou lin-guagens) da Cultura Digital, remetendo à noção de que a cultura é sempre enunciada, funcionando no universo da linguagem no qual todos os seres humanos estão também imersos.

3. Segunda característica: o texto na tela tende ao sincretismo

Propomos que o entrelaçamento dos sistemas semióticos, verbal e não verbal, pos-sibilita a constituição de textos sincréticos (linguagem verbal e não verbal). Então, a tela, nesse aspecto de texto sincrético, atua como um mediador tecnológico. Trata-se de uma textualidade que caracteriza outro tipo de texto, que não é o texto verbal ou não verbal com que se está acostumado em suas relações, na cultura e na linguagem ditas analógicas.

É um texto sincrético que, na sua gênese, no começo da sua construção, tem algo em comum, na substância de expressão, que é gráfica, que se diversifica e se mescla com mais de uma forma de expressão: a verbal e não verbal e a sincrética (miscigenação de

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ambas, como nos textos midiáticos, por exemplo), todas, entretanto, visuais e, no caso dos textos sincréticos, de miscigenação de formas verbal e não verbal, produzem efeitos figurativos. Comumente se entende que seria a linguagem verbal de caráter linear, e a não verbal, de caráter imagético, não linear. Essa não é a linha de argumentação deste texto. Na linguagem na tela, o sincretismo é uma tendência da cultura digital, devido à rapidez de suas transformações e à miscigenação das linguagens. Sobre o aspecto da sin-creticidade, no que se refere a essa miscigenação, nos valeremos de Hjelmslev (1975), no capítulo sobre sincretismo, mas pensando-o sob o ponto de vista das linguagens verbal e não verbal e de sua miscigenação ou misturas possíveis.

Comecemos pelo que o autor chama, em fonologia, aqui transposta para a consti-tuição da escrita na tela, de neutralização. Ocorre pela comutação entre duas ou mais variantes. Nesse caso tais variações podem ser suspensas. Esse é a situação em que as cores de uma figura projetada sobre palavras ou frases não produzem diferença de sig-nificado ou quando tipos diferentes de letras nas mesmas palavras não alteram o signi-ficado5.

5 Fonte das imagens: www.google.com.

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Chama-se suspensão, quando uma variante está presente em uma situação e ausen-te em outra. Exemplos podem ser palavras em posições diferentes, ou repetidas, dentro da frase, em um texto, mais parecendo figuras, que podem ser lidas como palavras, mas com efeito de figuras.

há superposição quando, nas formas de expressão entre figuras e palavras, os traços se superpõem, tal como aproveitar as linhas curvas, ou retas de letras, projetando-as para figuras. Estabelece-se aí, também, um sincretismo.

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Cada uma delas entra em sincretismo com a outra. É comum nas atividades es-colares infantis vermos as letras serem apresentadas com a forma de desenho de ani-mais aproveitando-se das similitudes formais dos traços de ambas. Imagem de animais e letras entram numa relação sincrética. Se, nesse caso, uma dessas dimensões, verbal ou figurativa, predomina sobre a outra, pode-se dizer que existe uma dominância. Tal dominância pode ser obrigatória, quando se pretende a leitura linguística; ou opcional, como quando, no caso do texto publicitário, pretende-se os efeitos de sentidos produ-zidos na pessoa visando a valores agregados aos produtos. De qualquer forma, há um critério lógico matemático que orienta para perguntas como: o componente verbal está incluído no não verbal ou o contrário?

Surge, então, algo que, na esfera da fonologia, Hjelmslev chama de sincretismo resolúvel e irresolúvel. Diante de um dado texto produzido com tais operações, se está diante de um texto verbal ou não? A leitura será mais linguística que figurativa, ou semiótica no sentido de efeitos de sentido, como comumente acontece na propaganda, diferentemente do que predomina nos livros didáticos, por exemplo?

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Ao critério lógico-matemático da dominância acrescenta-se, aqui, o critério con-textual segundo o qual a significação é produzida a partir do contexto: por exemplo, no livro didático, ou na propaganda, as significações serão resolvidas, diante do mes-mo processo de construção, pelas finalidades didáticas ou midiáticas. Tais operações de sincretismo são aqui propostas de forma inicial, mas se reconhece a potencialidade que oferecem para a compreensão do texto sincrético, tal como circula no cotidiano das diferentes esferas de práticas sociais. Quando se produzem textos na tela, há opções de tipografias, de fontes, de cores, recursos para efeitos de profundidade, relevo, negrito, sombreamento, por exemplo.

Com isso, mesmo trabalhando com textos verbais, estamos envolvendo a textuali-dade que permite um texto imagético, verbal ou não. A configuração passa a ser imagéti-ca, no verbal. Adquire, então, essa linguagem, características sincréticas porque trabalha as linguagens verbal e não verbal, com a mesma lógica da imagem. Esse aspecto remete à não linearidade como outro elemento da textualidade da tela, inserida na sincretici-dade. Poder-se-ia afirmar que o texto na tela é linear quando ele não permite, ou não é construído por hiperlinks. Porém, pode-se, também, nesse aspecto, propor que a line-aridade tem dimensões de não linearidade. Essas acontecem mesmo quando não há hiperlinks. Por exemplo, quando se dá ao texto verbal características imagéticas, com cores, formas, efeito de terceira dimensão e movimento não característicos dos códigos linguísticos. É possível pensar nas escolhas tipográficas como sendo não lineares.

No aspecto de se pensar a não linearidade com dimensões, há a possibilidade de afirmar que, no texto verbal, sua característica conceitual e discursiva é não linear. Isso porque o pensamento é sempre não linear, ao envolver uma cadeia de conceitos que tem, por sua natureza conceitual, uma estrutura lógico-matemática, que não é linear.

O conceito é por natureza não linear, por ser um conjunto de categorizações mate-rializado em um signo linguístico que, na cadeia da escrita, na linha, se apresenta como linear. Essa é, por sua vez, a característica inerente ao texto não verbal que, por não se submeter a uma linha, aciona sempre os modos descontínuos do pensamento. A isso,

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dizemos ser a dialética da imagem no texto verbal e afirmamos: ser verbal e não verbal ao mesmo tempo para que se conservem apenas as dimensões do plano. A essa capaci-dade específica, Flusser (1998) chama de imaginação, que, segundo ele, é a capacidade de transformar fenômenos de quatro dimensões em “símbolos” planos. Ele também afir-ma que “o fator decisivo é que a imagem trata de planos, que se encontram na superfície e podem ser acessados por ‘um golpe de vista’” (FLUSSER,1998, p. 29). Esse golpe da vista dá acesso ao superficial (de superfície) da figura.

Para atingir uma camada mais profunda é necessário “vaguear pela superfície da fi-gura. Esse vaguear é chamado de scanning, que responde ao que ele chama de “impulsos íntimos” do observador. Entendemos que o texto verbal é, inicialmente, apreendido por esse vaguear que segue uma linha que, por sua vez, é complementada pela intencionali-dade de quem escreve, quando orientada pelos recursos formais do sistema linguístico a uma dada direção de sentido e não outra, possibilitando, no entanto, o espaço inter-pretativo da imaginação, tal como ele a entende. No verbal, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre os elementos da imagem verbal: um elemento é visto após o outro na imagem não verbal, o vaguear do olhar é circular.

Assim, o olhar estabelece relações significativas que se projetam sobre a constitui-ção orientadora da forma como o texto verbal, no caso, foi estruturado. Sobre o tempo linear aqui assumido como sendo o da forma de expressão do verbal, o tempo é causal, o “nascer do sol é a causa do canto do galo”, diz-nos Flusser e, dizemos, um substantivo é a causa da existência de um artigo, na língua portuguesa, numa dimensão interpretativa da superfície plana, de orientação sintática, no caso do texto verbal.

A esse aspecto relacionado com o texto verbal, assumimos a expressão dialética da imagem no texto verbal, que é a de ser verbal e não verbal ao mesmo tempo. Trata-se de transformar e significar quatro dimensões (comprimento, altura, largura e profun-didade) em planos (largura e altura). Podemos identificar, nessa afirmação, a gênese da escrita como imagem. Quando lemos um texto verbal, sem hiperlinks, sua característica conceitual levará o leitor a projetar sobre a linha sentidos produzidos, antes, na cultura

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e na sociedade, e deflagradores, posteriormente, organizados a partir da leitura da linha. Serão conteúdos construídos pelo pensamento, embora orientados, na expressão, pela característica linear do texto verbal.

Essa é uma característica de tradução do pensamento para a linha, segundo os mo-dos de construção desta. Essa é uma das dimensões não lineares da textualidade da tela, numa cultura digital. Já o texto não verbal, por não se submeter a uma linha, aciona sempre os modos do pensamento contínuo e globalizante. Esses modos ou essa lógica da figurativização não é organizada. É nesse sentido que propomos a lógica da imagem. Trata-se de uma imagicização do texto verbal. Para esse aspecto, utilizaremos Flusser (1998. p. 28), a seguir, na terceira característica.

4. Terceira característica: o texto na tela possui a lógica da imagem

Em continuidade, retomamos Flusser. Enquanto a imagem verbal não envolve re-versibilidade, no fluxo do olhar porque causal, na imagem não verbal, ou figura, em sua concepção tradicional, o fluxo do olhar é sempre reversível, circular. O autor continua afirmando algo que assumimos aqui como comum aos dois tipos de texto, quando pen-sados em seu sincretismo, a possibilidade de acessar os planos a partir de “um golpe de vista”. Esse golpe da vista dá acesso ao superficial (de superfície) da imagem, “que passa a ser interpretada como linha contínua ou descontínua. Sobre a proposta de considerar, sob o ponto de vista do sincretismo, o elemento visual como “a imagem” comum ao ver-bal e não verbal, trazemos, por oportuno, Flusser (1998, p. 29) quando afirma:

No segundo milênio a.c. (...), surgiram pessoas empenhadas na rememoração da função originária das imagens, que passaram a rasgá-las a fim de abrir a visão para o mundo concreto escondido pelas imagens.

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O método do rasgamento consistia em desfiar as superfícies das imagens em linhas e alinhar os elementos imagéticos. Eis como foi inventada a escrita linear. Tratava-se de transcodificar o tempo circular em linear, traduzir cenas em processos.

Nos tempos de cultura digital, pelo texto sincrético, enfraquece-se, fortemente, a separação entre poesia e prosa, entre magia e razão porque a escrita retoma as caracte-rísticas da imagem, no visual, de que é constituída na superfície plana. Por isso, talvez, se pensarmos em nossa experiência com a mídia, vemos que, ao inverso, no campo da propaganda, por exemplo, vemos, cada vez mais, as imagens tornarem-se conceituais, e os textos verbais cada vez mais figurativos. Entendemos a ideia que Flusser traz para outro contexto, trazendo tal argumento para o contexto em discussão: trata-se da crise dos textos, já referida e que volta neste momento. Tal é nossa proposta ao trazer o sin-cretismo como um conceito básico para se compreender a genealogia da escrita na tela. Mesmo concebendo uma folha de papel como tela, vemos a influência da cultura digital sobre a cultura analógica para que se conservem apenas as dimensões do plano. Aliás, não há outra possibilidade além do plano, a não ser que possamos propor uma escrita holográfica que já não se daria sobre uma superfície plana, mas no espaço tridimensio-nal (esse será objeto de um próximo trabalho). A essa capacidade específica, conforme já referimos, o autor chama de imaginação, que, segundo ele, é a capacidade de transfor-mar fenômenos de quatro dimensões em apenas duas.

Por entendermos que plasticidade possa ser uma característica da linguagem na tela. Flusser (1998, p. 28) refere que a língua desliza a partir da língua escrita para a língua plástica. O digital tem plasticidade que permite criar, gera uma liberdade criativa, não apenas porque está no programa. Há outros recursos como o Power Point, em que se pode virar um slide para a vertical, dar efeito de movimento às letras etc. Isso con-figura uma liberdade criativa, uma plasticidade criativa, que, certamente, atualizam-se balizadas pela cultura digital. A automatização dos programas permite o atuar dentro de uma opção, sem exigir habilidades manuais para desenho, por exemplo. Esse golpe da vista dá acesso ao superficial (de superfície) da imagem, em suas propriedades sin-

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créticas que, entremeio à cultural digital, propiciam a iconicização do verbal e a concei-tualização da imagem, imiscuindo-as.

Referências

FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta. São Paulo: HUCITEC, 1985.GIL, Gilberto. Cultura Digital. Depoimento. Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/culturaviva/category/cultura-e-cidadania/cultura-digital/. Acesso em: 16 ago. 2013.HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: ArtMed, 1998.SALCEDO GOMES, Raquel. Textualidade sincrética em blogs produzidos por estudantes do ensino fundamental. Dissertação de mestrado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada,2013.

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Capítulo 3

Uma abordagem semiótico-discursiva ao

estudo do hipertexto em contextos educacionais

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1. Introdução

A partir do questionamento: que texto é este produzido na tela do computador?, originou-se a presente investigação, que teve por objetivo o estudo da textualidade sin-crética no contexto digital, isto é, do texto na tela do computador, produzido no âmbito das práticas escolares. A investigação sobre tal objeto pode contribuir para a teoria e a prática da inclusão digital e da educação linguística na educação básica, além de alimen-tar a teorização sobre a concepção de texto que emerge com as práticas de escrita no contexto informatizado.

O ensino de língua tecnologicamente mediado pode ser uma maneira de incentivar tais rupturas paradigmáticas e promover avanços que qualifiquem a educação, desde que possibilite também discussões e um posicionamento crítico a respeito dos usos da tecnologia. A concepção de linguagem como prática socio-historicamente situada, em meio a mundos de significações construídas no discurso, ganha espaço nos estudos lin-guísticos, orientando também para uma reflexão sobre a cultura do digital, sobre os efei-tos de sentido gerados a partir de práticas de linguagem desenvolvidas nesse ambiente.

Com o intuito de refletir sobre modos de fomentar essa discussão, buscou-se cons-truir o objeto de pesquisa a partir da seguinte questão norteadora: como se caracteriza o texto sincrético com ênfase nos aspectos sincrético-discursivos em atividades pedagó-gicas de um projeto de trabalho hipermidiático no contexto de ensino e aprendizagem de língua inglesa?

No referido contexto, os estudantes cujos textos foram analisados produziram blo-gs sobre as temáticas da exacerbação do consumo e a consequente necessidade de pre-servação do meio ambiente, após terem assistido ao documentário A história das coisas e debatido sobre o sistema de produção que alimenta a economia, abordado no vídeo.

A pesquisa justificou-se pela necessidade de investigações sobre a apropriação que as escolas fazem desse ambiente hipermidiático e intersemiótico que é a Internet, ao mesmo tempo em que busca incentivar a inclusão da escola na cultura digital.

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A Linguística, devido à influência das TICs e a partir de teorias como a semiótica, tem aberto espaço para o estudo das linguagens sincréticas, que anteriormente se desta-cavam na área da Comunicação. Exemplos dessa abertura estão na edição n. 27, volume 2, da revista online da ANPOLL de 2009. Toda essa edição foi dedicada à multimo-dalidade e à intermidialidade em Linguística e Literatura. Da mesma forma, diversos estudos sobre hipermídia e semiótica foram apresentados no 17° INPLA, realizado na PUC-SP em 2009. Tendo como referência os dois espaços científicos apontados, além do Portal de Periódicos da CAPES e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, nenhuma pesquisa que focalizasse a linguagem sincrética nas produções de estudantes de escola básica foi encontrada.

O grau de inovação almejado no estudo do texto sincrético produzido em contexto informatizado no âmbito das práticas escolares esteve em que os textos analisados não foram produzidos por instituições jornalísticas, publicitárias ou similares, instâncias tra-dicionalmente detentoras da técnica necessária à produção dessa modalidade de texto na modernidade. Os textos foram produzidos por aprendizes, “no chão da escola”, o que pode ser um indício de um novo estatuto dessa modalidade textual na contemporaneidade.

2. Fundamentação teórica

A proliferação de linguagens e a integração de diversos recursos semióticos são características da web apontadas por diversos pesquisadores e teóricos, como Landow (1997), Lévy (1998), Castells (2003), Marcuschi (2005) e Fraga (2006, 2011). Pode-se verificar, na reflexão desses e de outros autores, uma estreita relação entre a web, as linguagens e seus usos.

A Web é uma rede que integra documentos em hipertexto, o que permite às pessoas trabalhar em conjunto, combinando seu conhecimento numa rede de documentos. O termo “hipertexto” foi cunhado por Theodor Nelson nos anos de 1960. Para Nelson (1992, p.?), trata-se de

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um conceito unificado de idéias e de dados interconectados, de tal modo que estes dados possam ser editados em computador. Desta forma, tratar-se-ia de uma instância que põe em evidência não só um sistema de organização de dados, como também um modo de pensar.

Configurando-se como a chave da usabilidade da Internet, o hipertexto caracteriza--se como uma tecnologia de leitura e escrita não-sequenciais. Conforme Berk e Devlin (1991), é uma coleção de textos, imagens e sons ligados por atalhos eletrônicos para for-mar um sistema que depende do computador para existir, referindo-se a uma técnica, uma estrutura de dados e uma interface de usuário.

Lévy (1993) afirma que o hipertexto pode ser definido como um conjunto de nós ligados por conexões. Tais nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos. Os itens de informação não estão linearmente conectados, como uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria deles, estende suas conexões em forma de estrela, ligando-se em várias direções, como uma rede neuronal. O usuário/leitor cami-nha de um nó para outro, seguindo atalhos estabelecidos ou criando novos.

Para Landow (1992), o hipertexto implica um texto composto de fragmentos de textos e elos eletrônicos que os conectam. Ele afirma que “a expressão hipermídia sim-plesmente estende a noção de texto hipertextual ao incluir informação visual, sonora, animação e outras formas de informação” (p.?). Ao hipertexto, Landow relaciona infor-mação tanto verbal como não verbal, em um meio informático.

De acordo com Lévy, a multimídia interativa, no digital, marca o “fim do logocentris-mo” (LÉVY, 1998, p. 105), pois a supremacia do discurso verbal é destituída, passando a concorrer com outros modos comunicativos, em direção ao que chama de “reabertura de um plano semiótico desterritorializado” (Ibidem), que de todo modo reafirma as potências do texto, mas um texto armado das possibilidades dinâmicas do hipertexto.

Do ponto de vista semiótico, levando em consideração trabalhos filosóficos como os de Flusser (2007) e Lévy (1998), a tela digital do computador, de celulares e, mais

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recentemente, de tablets, apresenta-se como superfície que inscreve inúmeros textos, atuando como um mediador tecnológico da comunicação. Essa tela possibilita arranjos diversos e modos característicos de manipulação das linguagens, que resultam no texto sincrético.

A leitura e a escrita deixam de ser apenas procedimentos lineares, da esquerda para a direita (no texto do alfabeto ocidental) e passam a ocorrer através da distribuição de variados sistemas semióticos, dispostos em espaços, displays e boxes que hibridizam o verbal e o não verbal, em uma produção textual baseada em programas com caracterís-ticas pré-concebidas, as quais Marcuschi (2005) denomina formulaicas:

A rigidez do programa fica por conta de sua característica formulaica, já que em última análise todos os gêneros produzidos no contexto da mídia visual têm um sabor de formulários a serem preenchidos discursivamente e não de múltipla escolha. (MARCUSCHI, 2005, p. 30, grifo do autor).

As escolhas de linguagem perpassam cliques em links, o upload e o download de arquivos, a inserção de figuras, tabelas, gráficos, formas, vídeos e sons, a digitação em caixas de texto, a formatação de fontes, estilos, tamanhos e cores, em uma tarefa de seleção e composição que segue as possibilidades do programa, como a que ocorre na elaboração de blogs.

O blog, ou weblog, como originalmente chamado, foi, de acordo com Winer (2002), o primeiro website construído pelo criador da Internet, Tim Berners-Lee, para apre-sentar os novos websites à medida que eram disponibilizados na rede. Posteriormente, os blogs se popularizaram devido a sua usabilidade, já que não requerem do usuário nenhum conhecimento da linguagem de programação HTML. Sua popularização teve início em agosto de 1999, com a disponibilização do software Blogger, empresa do nor-te-americano Evan Williams.

Segundo Komesu (2005, p. 112, grifo da autora):

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Há, pelo menos, dois fatores que justificam a popularidade de uma ferramenta como o Blogger na produção dos escritos pessoais: (1) a ferramenta é popular porque não demanda o conhecimento do especialista em informática para sua utilização e (2) a ferramenta é popular porque gratuita, não se paga (ainda...) por seu uso ou pela hospedagem do blog no site que oferece o serviço.

Assim, qualquer pessoa pode ter um blog. O termo weblog quer dizer “registro na rede”, uma vez que, na página do blog, as postagens são organizadas por data, de modo a caracterizarem um diário pessoal em formato eletrônico. Conforme esclarece Marcuschi (2005, p. 29),

weblog (blogs; diários virtuais) - são os diários pessoais na rede; uma escrita autobiográfica com observações diárias ou não, agendas, anotações, em geral muito praticados pelos adolescentes na forma de diários participativos.

Como em inúmeras outras instâncias discursivas, ocorre na Internet de os usos pragmáticos e interacionais dos dispositivos comunicativos extrapolarem as finalidades iniciais para as quais foram criados. O mesmo se deu com o blog, que passou a ser usado de uma infinidade de maneiras, com propósitos individuais ou coletivos, pessoais, ins-titucionais, educacionais, publicitários e profissionais. O espaço dos blogs é um terreno fértil para a interação social. O blog é considerado como um software social, definido como “qualquer software que permita a duas pessoas ou mais interagir colaborativa-mente, mesmo estando em locais diferentes (...) com enfoque na participação coletiva” (SOUSA et al., 2007, p. 94).

Marcuschi (2005) salienta que os blogs são datados, comportam fotos, músicas e outros materiais. Têm estrutura leve, textos em geral breves, descritivos e opinativos, ca-racterizando-se, em alguns casos, como um grande sistema de colagem. Como software social, todo blog é aberto para receber comentários, portanto, o usuário-autor procura trabalhar, da maneira mais atraente possível, o ambiente da página na qual circularão seus escritos.

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De acordo com Komesu (2005), os blogs podem ser caracterizados por uma relação temporal síncrona, constituída na simultaneidade temporal entre o que é escrito e o que é veiculado na rede. As marcações do dia e da hora da ação de linguagem, indicadas pelo programa, apontam para um duplo caráter na reformulação dessa escrita. O autor tam-bém ressalta que, ao mesmo tempo em que o texto é eternizado em sua materialização na rede pela postagem, ele é também fugaz, porque pode ser prontamente substituído ou apagado do espaço de sua circulação.

Neste trabalho, o blog é concebido a partir de uma perspectiva linguística e semi-ótica de texto, isto é, como processo pertencente às relações, unidades, operações situ-adas no eixo sintagmático ou organizacional da linguagem (GREIMAS; COURTÉS, 2008), assim denominado não como sinônimo de linear, mas de sequencial, isto é, que segue uma lógica que permite a organização, produzindo um novo efeito de sentido ou semiose.

O que significam os elementos que se hibridizam na tela do computador? Como eles se hibridizam? Como significam? Quais as implicações da produção desses tex-tos para a cognição? Para a educação? Para pensar o uso da linguagem em contextos informatizados? Na busca por referencial teórico que permita o estudo da textualida-de sincrética dos blogs na tela do computador, produzidos no contexto de atividades educacionais, discute-se a textualidade sincrética no contexto digital, aproximando a hipertextualidade dos blogs ao sincretismo de linguagens.

A noção de linguagem sincrética advém de Hjelmslev. Sincretismo de linguagens, para o linguista de Copenhague (1975, p. 91), ocorre quando há a “suspensão da co-mutação entre duas invariantes”, ou seja, quando se estabelece uma nova categoria por superposição, isto é, ocorre a composição de sentido entre dois ou mais sistemas semi-óticos.

Segundo Greimas e Courtés, em concordância com Hjelmslev, o termo sincretismo é inicialmente considerado como o procedimento que resulta no estabelecimento, por superposição, de uma relação entre dois (ou vários) termos ou categorias heterogêneas,

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cobrindo-os com o auxílio de uma grandeza semiótica que os reúne. Mais adiante, os autores consideram como sincréticas as semióticas que acionam várias linguagens de manifestação (GREIMAS; COURTÉS, 2008).

Um conceito apropriado para explicar o sincretismo de sistemas semióticos reside no de função intersemiótica. Beividas (2006) afirma que as funções semióticas de mais de uma linguagem podem tornar-se funtivos de uma nova função, possibilidade que fora prevista pelo linguista dinamarquês Hjelmslev: “as funções podem ser funtivos, pois que pode haver função entre as funções” (HJELMSLEV, 1975, p. 49).

Segundo Beividas (2006), através da função intersemiótica pode-se obter a integra-ção das significações das diferentes linguagens de uma linguagem sincrética. Enquanto na função semiótica os funtivos expressão e conteúdo estão em uma relação de pressu-posição recíproca, o que Hjelmslev denominou de “função de interdependência” (1975, p. 41), na função intersemiótica os funtivos, isto é, as linguagens, podem estar em uma relação de combinação, contraindo uma “função de constelação” (Ibidem).

Seus planos de expressão e conteúdo poderiam, também, estabelecer relações de pressuposição unilateral ou “função de determinação” (Ibidem). Nesse caso, os planos de um sistema semiótico poderiam estar em conjunção ou disjunção com os planos de outro, conforme se dê a projeção de suas formas sobre a substância que compartilham.

Para Beividas (2006, p. 90), o termo sincretismo demonstra-se apropriado “para definir o modo de presença dos códigos no interior das semióticas complexas” , pois conserva um sentido de desorganização e, ao mesmo tempo, destaca a fusão estabe-lecida. Desse modo, presta-se à análise e à descrição, conservando a autonomia das linguagens e, concomitantemente, possibilitando uma síntese, uma leitura que assegura a unicidade.

Para Greimas e Courtés (2008), todo texto pressupõe uma linguagem, sendo um processo em seu eixo sintagmático (GREIMAS, 2004). Se a linguagem sob análise é sincrética, os textos analisados também o são. Hjelmslev (1975, p. 89) utiliza o termo texto para designar a totalidade de uma cadeia ilimitada em decorrência da produti-

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vidade do sistema, isto é, da linguagem. Outra definição de texto que nos interessa, apresentada por Greimas e Courtés (2008, p. 460), é aquela em que o termo é tomado como sinônimo de discurso: texto e discurso podem ser empregados indistintamente para designar o eixo sintagmático das semióticas não-.

Fundamentando-se em Greimas, Barros (2005) aponta caminhos para a compre-ensão dos sentidos do texto na perspectiva da semiótica. A autora reitera que se faça, inicialmente, abstração do plano da expressão e se examine apenas o plano do conteúdo, aproximando-se das relações entre conteúdo e expressão somente após a construção do sentido do texto mediante uma análise baseada em etapas que flui da mais simples para a mais complexa.

A primeira etapa, denominada nível fundamental, identifica a significação como uma oposição semântica mínima, que estrutura as demais etapas e orienta o sentido. Tais categorias fundamentais opostas são denominadas positivas ou eufóricas e negati-vas ou disfóricas, e determinam os valores presentes no texto.

A segunda etapa denomina-se nível narrativo e nela organiza-se a narrativa, um desdobramento em direção aos valores desejados por um sujeito. O nível narrativo subdivide-se em uma sintaxe e em uma semântica. De acordo com Barros, “a sintaxe narrativa deve ser pensada como um espetáculo que simula o fazer do homem que transforma o mundo” (2005, p. 20). Nessa etapa, realiza-se a descrição dos estados do sujeito e suas mudanças, que ocorrem devido a sua ação em busca de valores investidos nos objetos. A semântica narrativa, por sua vez, dispõe-se a explicar os estados de alma dos sujeitos, modificados, no decorrer da história, através de percursos modais, possibi-litando o exame das paixões.

A terceira e última etapa é o nível do discurso, “em que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação” (BARROS, 2005, p. 13). Nessa etapa, as oposições fundamen-tais, assumidas como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas e con-cretizam-se por meio de figuras. Essa etapa também é subdividida em duas: sintaxe discursiva e semântica discursiva.

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As projeções da enunciação são analisadas em termos de efeitos de afastamento ou proximidade da enunciação em relação ao enunciado, denominadas embreagem e desembreagem (BARROS, 2005). Também, os procedimentos de ancoragem temporal ou espacial são analisados, além dos dispositivos veridictórios elaborados pelo enuncia-dor para causar no enunciatário um efeito de “verdade”, “realidade” ou “ficção”, de modo a convencê-lo do “mundo” que pretende instaurar no discurso.

Quando há aproximação do sujeito da enunciação ao enunciado, mas afastamen-to espaço-temporal, denomina-se desembreagem enunciativa. Quando há afastamen-to tanto de pessoa, quanto de tempo e espaço, denomina-se desembreagem enunciva. Quando o sujeito da enunciação se inclui no discurso, denomina-se embreagem, que pode ser também enunciva ou enunciativa, conforme o grau de sua inclusão agregando--se o tempo e o espaço da enunciação no enunciado.

Por seu turno, a semântica discursiva trata dos procedimentos semânticos de tema-tização e figurativização:

Os valores assumidos pelo sujeito da narrativa são, no nível do discurso, disseminados sob a forma de percursos temáticos e recebem investimentos figurativos. A disseminação dos temas e a figurativização deles são tarefas do sujeito da enunciação. Assim procedendo, o sujeito da enunciação assegura, graças aos percursos temáticos e figurativos, a coerência semântica do discurso e cria, com a concretização figurativa do conteúdo, efeitos de sentido sobretudo de realidade. (BARROS, 2005, p. 66).

Quando tematiza o discurso, o enunciador formula abstratamente seus valores e os organiza na forma de um percurso, constituído pela recorrência de traços semânticos, concebidos de modo abstrato. A análise é feita determinando os traços que se repetem no discurso e o tornam coerente. Deve-se levar em conta a organização dos percursos temáticos e as relações entre tematização e figurativização. Os percursos temáticos são resultados da formulação abstrata de valores narrativos. Desse modo, a recorrência de um tema no discurso depende da conversão dos sujeitos narrativos em atores que cum-prem papéis temáticos e da determinação de coordenadas de espaço e de tempo para os percursos narrativos (BARROS, 2005).

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O procedimento de figurativização consiste em figuras do conteúdo recobrindo os percursos temáticos abstratos e lhes fornecendo traços de revestimento sensorial, que produzem efeitos de realidade. Depois de apresentar o percurso gerativo de sentido, revelador da organização interna do plano do conteúdo de um texto, Barros afirma ser necessário retomar, a fim de validar o trabalho da construção de sentido, as relações entre os planos da expressão e do conteúdo (Ibidem).

Segundo a autora, em um grande número de textos, a posição da semiótica sobre a transparência e arbitrariedade entre conteúdo e expressão não se sustenta, pois neles o plano da expressão assume outros papéis, apresenta caráter motivado e compõe organi-zações secundárias da expressão, isto é, a “expressão produz sentido”:

As organizações secundárias da expressão, do mesmo modo que os percursos figurativos do conteúdo, têm o papel de investir e concretizar os temas abstratos e de fabricar efeitos de realidade. (BARROS, 2005, p. 77).

A essa relação não transparente e motivada entre os planos denomina-se, em semi-ótica, semissimbolismo. Nas relações semissimbólicas, uma categoria da expressão, não apenas um elemento, mas uma oposição de traços, correlaciona-se a uma categoria do conteúdo, de modo que a expressão “concretiza sensorialmente os temas do conteúdo e, além disso, instaura um novo saber sobre o mundo” (Ibidem).

Barros afirma que esses sistemas semissimbólicos ocorrem em inúmeros textos sin-créticos, de modo que os estudos semióticos não podem deixar de lado os procedimen-tos da expressão que fabricam tais efeitos. A autora esclarece que texto não se refere apenas ao texto verbal ou linguístico. Ele pode ser linguístico, oral ou escrito, visual ou gestual e, ainda, sincrético de mais de uma expressão (Ibidem, p. 12).

No que concerne à materialidade do texto no plano da expressão, a semiótica dis-cursiva, ao desenvolver categorias de uma semiótica plástica (GREIMAS, 2004), pro-curou superar os limites do logocentrismo, permitindo estabelecer um panorama de todos os elementos visuais que convergem na composição dos efeitos de sentido.

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A partir do estabelecimento dessa relação de iconicidade, Greimas (2004) desen-volve a noção de figuratividade. As formas discretas reconhecíveis como icônicas, por Greimas, são figuras do plano do conteúdo, conforme Hjelmslev (1975). Tais figuras também dizem respeito ao plano do conteúdo tanto do texto não verbal, quanto do texto verbal, mais especificamente ao nível discursivo deste último, no qual concretizam efeitos de sentido. Além de figuras, os sentidos instalam também temas, que delimitam o quadro de assuntos abordados no texto, seja ele verbal, não verbal ou sincrético. Esses temas podem não remeter a figuras do mundo “natural”, mas presentificam, no discurso, conceitos e assuntos tratados, em um nível mais abstrato.

Essas categorias de temas e figuras já foram retomadas de Barros para analisar o nível discursivo do percurso gerativo de sentido do plano do conteúdo, no qual os te-mas semanticamente abordados são tratados abstratamente por tematizações ou são concretamente figurativizados por personagens e ações, compondo a coerência textual (BARROS, 2005). Temos, desse modo, em consonância com a noção de formantes hjelmsleviana (1975), isto é, de unidades de análise da forma dos planos da linguagem, formantes figurativos e formantes temáticos que remetem à semântica do texto nas vá-rias linguagens e a seus efeitos de sentido. Tanto na linguagem verbal, como na não verbal, em ambos os planos, remetemo-nos a temas e a figuras.

Greimas (2004), ao propor sua semiótica plástica, reitera que os formantes plásti-cos dizem respeito inicialmente ao plano da expressão, pela análise das formas discretas na superfície bidimensional. Seguindo o postulado saussuriano de que a língua é forma e não substância, o autor estabelece, para fins de análise do plano da expressão, o dispo-sitivo topológico e as categorias plásticas eidéticas e cromáticas.

Ainda no plano da materialidade textual, o design é uma área que vem prosperando academicamente nos últimos anos, devido à necessidade de associação entre funciona-lidade e estética na composição de uma infinidade de produtos, o que inclui os textos sincréticos produzidos em hipermídia. Frascara (2004) aponta que, a partir da década de 1950, as formas tipográficas, isto é, das fontes (letras) nos textos verbais, avançaram

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enormemente devido a pesquisas que objetivavam aprimorar a legibilidade mediante a implementação de correções ópticas.

Consideramos que os elementos mencionados por Frascara (2004) como relevantes à composição do planejamento estrutural da comunicação visual dizem respeito à dia-gramação, ou organização da superfície, o que remete ao sintagmático organizacional de Greimas e Courtés (2008) e ao dispositivo topológico greimasiano. Frascara (2004) cita aspectos como repetição, ritmo, estampa, sequência, equilíbrio, simetria e movimento como componentes da diagramação. Assim, os aspectos não verbais da tipografia da linguagem verbal e a diagramação do texto podem ser associados ao dispositivo topoló-gico e às categorias eidética e cromática da semiótica plástica, na análise dos planos da expressão, interferindo nos efeitos de sentido do texto sincrético.

Unindo essas categorias àquelas da semiótica discursiva, tem-se um aparato abran-gente na busca pela apreensão do sentido no texto sincrético, com teorizações referentes a ambos os planos da expressão e do conteúdo para a análise da textualidade sincrética presente nos blogs.

Para Greimas (2004), os sistemas semióticos verbal e não verbal são macrossemió-ticas, isto é, linguagens capazes de constituir conjuntos significantes, que são os textos ou discursos. Os alunos, produtores dos blogs sob análise, agiam no contexto educacio-nal das práticas escolares quando, durante o desenvolvimento do projeto de trabalho sobre o consumismo e a sustentabilidade, produziram os textos sincréticos analisados nesta pesquisa.

Partindo do conceito de linguagem sincrética de Hjelmslev (1975), postula-se que, na tela do computador, pelo hipertexto, os elementos do plano da expressão da lin-guagem verbal unem-se aos elementos do plano da expressão da linguagem não verbal constituindo, pela projeção das duas formas de expressão sobre as formas do conteúdo, mediante uma função intersemiótica, outros efeitos de sentido, formados pela super-posição dos dois sistemas semióticos sob influência do objeto semiótico que é a tela do computador.

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Entende-se que não é possível analisar os planos de expressão dos dois sistemas sem remetê-los ao nível discursivo do texto, às projeções da enunciação, à ancoragem espacial e temporal e ao componente semântico, buscando temas e figuras e observando, além das categorias da semiótica plástica, elementos do design na distribuição topológi-ca, isto é, a diagramação e a tipografia.

3. Metodologia

A geração dos dados ocorreu mediante o desenvolvimento de um projeto de tra-balho em aulas de inglês de uma turma de 19 alunos do oitavo ano do antigo Ensino Fundamental de oito anos de uma escola pública municipal da região metropolitana de Porto Alegre. O projeto de trabalho foi aplicado no decorrer de 15 semanas, nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2011. As aulas ocorreram no Laboratório de Informática Educativa da escola, no terceiro período da segunda-feira, durante o turno da tarde. A possibilidade de fazer um blog que ficaria 24 horas por dia no ar e de, através desse ambiente digital, conhecer pessoas de outros lugares do planeta foram elementos motivadores do projeto.

Os estudantes participaram da produção e da alimentação de blogs, conjugando as linguagens presentes no ambiente digital, discursando a respeito do tema de A história das coisas: a cadeia linear de produção de materiais da economia mundial, que estimula o consumo desenfreado e contribui para a devastação do meio ambiente. Os alunos refletiram sobre o tema com o objetivo de desenvolver discussões para postar no blog. As finalidades discursivas estavam vinculadas ao consumismo e à conscientização am-biental.

Com base na pesquisa bibliográfica desenvolvida no referencial teórico, a análise dos blogs produzidos pelos estudantes participantes do projeto 8th grade for the envi-ronment foi realizada com métodos de inspiração quali-quantitativa. Intentou-se, pri-meiramente, observar, identificar e descrever as características específicas da linguagem

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sincrética em cada blog. Tal observação inicial apoiou-se em tabela de orientação pro-duzida a partir das categorias de análise elencadas no referencial teórico, tanto do plano do conteúdo quanto do plano da expressão.

A Tabela 1, organizada para a análise tanto do plano do conteúdo quanto do plano da expressão, objetiva a sintetização das categorias, permitindo a listagem das projeções da enunciação no enunciado e da ancoragem espaço-temporal, além das características plásticas e materiais do texto sincrético, que contribuem para a instalação de temas e/ou figuras. Pela observação da repetição dos temas e figuras nos dois planos, pode-se verificar a ocorrência ou não de semissimbolismo, isto é, da convergência entre os dois planos na construção dos efeitos de sentido de cada blog.

A pesquisa de caráter quali-quantitativo consiste em uma triangulação, isto é, no uso de mais de um instrumento de pesquisa na mensuração das principais variáveis do estudo, ou na adoção de diferentes formas de analisar um mesmo objeto. Bryman (2005, p. 131) define a triangulação como a “combinação de múltiplas observações, perspecti-vas teóricas, fontes de dados e metodologias”. Após a observação e o registro de caráter qualitativo, apoiados na tabela de orientação, foi produzida uma tabela para cada blog, na qual foram listadas as características identificadas em cada um deles. A abordagem qualitativa permitiu a revisão das categorias listadas, ao passo que a análise quantitativa possibilitou generalizações e o estabelecimento de parâmetros, mediante a confirmação ou refutação das observações elencadas na análise qualitativa. A combinação dos dois movimentos ou abordagens analíticas pode também revelar inconsistências nos resulta-dos a fim de que fossem revistos, caso necessário.

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Tabela 1: parâmetros para a análise dos planos do conteúdo e da expressão.

Fonte: elaborado pela autora

Após a análise individual de cada um dos oito blogs produzidos, foi realizada uma análise global de todos eles, a partir do cotejo de todas as características elencadas, vi-sando à descoberta e compreensão das características gerais da textualidade sincrética dos blogs produzidos durante o projeto. Os dados foram tabulados e quantificados, possibilitando uma reflexão sobre a textualidade do blog enquanto macrotexto e reve-lando as estratégias discursivo-enunciativas que se aproximaram e/ou se afastaram no processo de produção dos blogs pela turma.

Essa análise global permitiu a compreensão de como cada grupo se apropriou da proposta do projeto e dos assuntos debatidos a partir do documentário A história das coisas na elaboração de seus blogs. Ela pode ainda indicar como os grupos de estudantes se apropriaram das características formulaicas do Blogger e de suas possibilidades inte-rativas para a construção discursiva da textualidade sincrética.

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Discussão dos resultados

A análise individual de cada um dos blogs produzidos durante o projeto permitiu uma retomada dos passos desenvolvidos e o surgimento de um olhar diferenciado sobre as produções dos estudantes. Eles demonstraram engajamento na proposta e buscaram soluções para o desafio de produzir um blog. Seus blogs evidenciam sua reflexão acerca dos temas abordados no documentário The Story of Stuff, discutidos em aula, e denun-ciam os diferentes graus de proficiência com que a turma lidou com a língua adicional sob estudo e com a linguagem sincrética e hipertextual da Internet. As especifidades nas escolhas semióticas e discursivas de cada blog permitem vislumbrar os diferentes movi-mentos de cada grupo de estudantes e as maneiras como negociaram suas preferências e construíram seus discursos enquanto trabalhavam com os pares.

A maioria dos blogs foi produzida por duplas, com exceção do blog Andressa e Charles, desenvolvido por um trio. Durante as quinze semanas de duração do projeto, os estudantes realizaram vinte e seis postagens em seus oito blogs. Nestas, foram publi-cados vinte e um comentários, dos quais quatro foram produzidos por colegas da turma e dezessete feitos pela professora. Apenas dois grupos fizeram comentários interagindo em blogs de colegas e um grupo postou um comentário em seu próprio blog, discorren-do sobre uma de suas postagens.

Os dados evidenciam o caráter interativo do blog como software social, conforme já referido, com menção a Sousa (2007). No entanto, pode-se afirmar que o potencial interativo do blog foi pouco explorado no projeto, possivelmente devido à pouca neces-sidade de interagir por escrito com colegas com quem compartilham tempo e espaço diariamente na escola, ou ainda devido à escassa proficiência dos estudantes no uso da língua inglesa e/ou da linguagem digital.

De todo modo, o uso do blog no projeto permitiu aos estudantes tomar ciência de seus recursos enquanto software social ao aprenderem a utilizarem-no em uma situação concreta de interação, o que criou condições para a aprendizagem de mais essa habilida-de comunicacional, discursiva e semiótica que é a produção de um blog.

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A sincronicidade temporal característica do blog, discutida por Komesu (2005), possibilitou a visualização do trabalho de cada grupo. A forma como se organizaram para realizar as postagens ficou datada nos arquivos de seus blogs, e as diferenças entre essas datas demonstram os diversos fazeres discursivos de cada grupo. Pode-se afirmar que os arquivos dos blogs e as datações nas postagens atuam como ancoragens tempo-rais do blog enquanto macrotexto, pois, por mais que as escolhas discursivas afastem ou aproximem o enunciador da enunciação, o tempo da enunciação estará sempre embrea-do no discurso pela data da postagem publicada na tela do computador.

Entretanto, a data da postagem revela apenas o momento em que o enunciador escolheu tornar público seu enunciado, ela não revela o processo de construção do discurso, visto que, ao contrário do que afirma Komesu (2005), o programa permite que inúmeras sejam salvas e reeditadas sem serem imediatamente publicadas, o que demonstra a evolução no processo de design de blogs desde a pesquisa realizada pela autora em 2005.

A sequência das postagens, com seu ordenamento temporal, também permite acompanhar o percurso do enunciador em seu fazer discursivo, como em um diário tradicional, o que possibilita relacionar o blog a sua conceituação de diário pessoal on-line, conforme apresentado por Marcuschi (2005). As características formulaicas do programa, também apontadas por Marcuschi (2005), contudo, o afastam do diário tra-dicional e inserem o enunciador-blogueiro no fazer discursivo da Sociedade da Infor-mação (CASTELLS, 2003), na qual ele faz uso das vantagens e desvantagens de um programa, o que amplia suas finalidades comunicacionais.

O software Blogger facilita a construção discursiva na medida em que permite a in-tegração de diversos recursos em uma larga gama de opções plásticas, características do hipertexto discutidas por Landow (1992, 1997). No entanto, o enunciador é impedido de criar livremente, ele é obrigado a encaixar-se nas (inúmeras, é verdade) possibilida-des do programa.

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No que concerne à análise semiótica realizada, a recorrência de semissimbolismos confirma a sincreticidade que caracteriza a textualidade do blog, em sua especificidade hipertextual. As escolhas discursivas verbais e não verbais feitas pelos estudantes em seus blogs indicam a convergência dos efeitos de sentido e a reiteração dos temas e figuras enunciados.

Os enunciadores optaram pela projeção enunciativa debreada, incluindo-se em suas enunciações, com um efeito de generalização. Das vinte e seis postagens realizadas, vinte e duas, isto é, 85% delas, apresentam debreagem enunciativa, na qual o enunciador utili-zou o pronome da terceira pessoa do plural “nós” e seus derivados. Em quatro postagens, apenas 15% das postagens do projeto, o enunciador posicionou-se fora da enunciação, caracterizando debreagem enunciva, e obtendo um efeito de sentido de “realidade”.

A escolha da enunciação debreada revela a opção pelo distanciamento. Os enun-ciadores-blogueiros discursaram sobre os temas abordados no projeto, que não rela-cionaram diretamente a seu fazer enunciativo. Assim como nas projeções enunciativas, a ancoragem espaço-temporal também se caracterizou como debreada na maioria das postagens.

A análise revela a debreagem como característica da enunciação no discurso peda-gógico: a escola é lugar de debreagem. O assunto do projeto, o modo como foi proposto pela professora, a apresentação dos tópicos no documentário A história das coisas e os discursos dos alunos apontam para a construção de conceituações generalizantes sobre os saberes, semelhantemente ao discurso de natureza científica, porém com as particu-laridades necessárias ao contexto de formação escolar.

As escolhas enunciativas denunciam o contexto escolar em que as produções textu-ais, isto é, os blogs, foram realizados. É possível notar o interesse dos enunciadores em convencer seu enunciatário, a professora, da competência de seu discurso, intentando alcançar o valor-objeto que subjaz à relação educacional aluno-professor no ambiente escolar: boas notas e aprovação no ano letivo.

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Por mais engajada que a turma parecesse estar com a temática do projeto, com as discussões e com os desafios propostos, a narrativa do fazer escolar, seu objetivo de bom desempenho e aprovação permeou todo o processo, evidenciando-se em suas escolhas enunciativas.

Os temas que predominaram nos blogs produzidos foram, sem dúvida, a díade pre-servação/destruição do meio ambiente e o sistema linear de produção da economia de materiais. Esses temas foram subdivididos em algumas temáticas secundárias que os perpassam, como a ignorância, injustiça, alienação, protesto, imprevidência, vergonha e responsabilidade dos seres humanos, temas subjacentes à dicotomia destruir/preservar. Também a dependência dos seres humanos ao meio ambiente foi tematizada, além da exaltação da beleza e da ubiquidade da natureza.

Houve referência direta à preservação do meio ambiente em seis dos oito blogs, isto é, em 75% das produções textuais do projeto. Em dois blogs, ou seja, 25% dos textos, a referência foi feita indiretamente, pela remissão à sustentabilidade e à dependência humana da natureza. A destruição do meio ambiente foi diretamente referida em cinco blogs, o que representa 62,5% do projeto. O sistema linear de produção também foi tema recorrente, mencionado e discutido em 50% dos textos, ou seja, em quatro dos oito blogs. Temas como a redução do aquecimento global, o consumismo e a díade es-perança/desesperança foram identificados em apenas um blog cada, tematizados semi--simbolicamente, tanto pela linguagem verbal, como pela não verbal.

Esses temas e subtemas foram figurativizados, verbal e não-verbalmente, nos oito blogs analisados, por imagens de florestas, rios, matas, árvores, desmatamentos, aterros sanitários, ar, crianças, planeta, paisagens montanhosas e de desertos, fumaça, água suja, sombras, luz, animais e as etapas do sistema linear de produção: extração, produção, distribuição, consumo e descarte.

Figuras de floresta foram referidas em três dos oito blogs, assim como figuras de paisagem e do planeta. Figuras de desmatamento e de animais foram identificadas tam-bém em três dos oito blogs, em um deles apenas na linguagem não verbal, em outro

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apenas figurativizadas pela linguagem verbal e ainda em outro blog pela ocorrência nos dois sistemas semióticos.

No que concerne às escolhas plásticas feitas na produção dos blogs, o caráter for-mulaico do programa (MARCUSCHI, 2005) novamente se destacou, evidenciado pela repetição das características do dispositivo topológico, categorias eidéticas e escolhas de diagramação nos oito blogs do projeto. Por outro lado, as potencialidades de seleção do programa também demonstraram proeminência. Apenas dois modelos de layout dos blogs foram repetidos e, mesmo assim, foram adaptados pelos autores de modo que nenhum dos blogs é exatamente igual a outro.

A análise do dispositivo topológico possibilitou evidenciar que todos os blogs se-guem, na tela do computador, componente da cena semiótica, uma distribuição espa-cial semelhante, com as postagens centralizadas, encabeçadas pela barra de trabalho do software Blogger e pelo título do blog, seguidas pelo nome e origem de seu modelo de layout. Na lateral direita de todos os blogs, encontram-se as outras seções do software: sua Lista de seguidores, Arquivo do blog e Perfil de autor.

No que respeita às categorias eidéticas, há, no programa, absoluta predominância de linhas retas, geralmente verticais ou horizontais, embora existam preenchimentos com linhas diagonais. No entanto, a flexibilidade das opções formulaicas permite a escolha de formas curvilíneas, mediante a inserção de figuras de fundo que podem imprimir textura, movimento, repetição e outros efeitos de sentido na diagramação das formas do texto sincrético. Quanto às categorias cromáticas, há uma gama maior de possi-bilidades de escolha. Entretanto, nos blogs analisados, predominaram as cores frias e neutras, principalmente branco, preto e cinza. Observou-se o emprego minoritário de cores quentes, como laranja, amarelo e rosa, em alguns dos blogs, e sua predominância em apenas um deles.

Essas escolhas plásticas conferiram efeitos de diagramação diferentes a cada um dos blogs e reiteraram o semissimbolismo verificado entre os sentidos produzidos pelos sistemas semióticos verbal e não verbal. Semelhantemente, as decisões tipográficas dos

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autores dos blogs influenciaram no efeitos de sentido produzidos. As escolhas nos tipos de letras, serifadas ou não serifadas, implicaram diferentes efeitos. As fontes serifadas, cujas letras possuem hastes, qualificam a legibilidade do texto e promovem um efeito de sentido de passado, de autoridade histórica. Já as fontes não serifadas resultam em um efeito “clean” de contemporaneidade, isto é, de limpeza e minimalismo na visualização da superfície que abriga o texto sincrético.

As escolhas na profundidade dos tipos ou letras (profundidade leve, média ou em negrito) também desempenharam papéis nos efeitos de sentido e evidenciaram as in-tenções dos autores, assim como a opção pela letra script, em caixa alta ou com subli-nhados, importantes recursos a que o enunciador pode recorrer para destacar informa-ções relevantes e imprimir diferentes efeitos no enunciatário.

Cabe mencionar que a linguagem hipertextual faz uso de fontes sublinhadas para destacar hiperlinks, isto é, termos que funcionam como portas para outras telas e outros textos. Também as decisões de diagramação e tipografia, características do design de comunicação visual, são conclamadas a participar do processo de construção discursiva quando da produção textual em ambiente hipermidiático.

Essa multiplicidade de elementos na construção semiótica do discurso caracteriza a textualidade sincrética em ambiente de linguagem hipertextual: a linguagem verbal passa a ter características da linguagem não verbal e vice-versa. Ao utilizar a linguagem verbal, o enunciador precisa fazer escolhas plásticas que antes diziam respeito primor-dialmente à linguagem não verbal, e esta, por sua vez, passa por uma complexificação em sua sintagmática que resulta em uma proliferação e na acentuação de suas caracte-rísticas convencionais e simbólicas, típicas da linguagem verbal.

Considerações finais

A análise realizada individual e globalmente dos blogs produzidos evidenciou as características sincréticas da hipertextualidade digital. A elaboração de blogs no projeto

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desenvolvido complexificou a ação educacional e permitiu sua retomada. As possibili-dades do hipertexto, em sua textualidade sincrética, mostraram não apenas influenciar, mas balizar as escolhas linguístico-discursivas da produção textual em contexto hiper-midiático.

O trabalho com o hipertexto impõe desafios ao ensino de línguas e a práticas tex-tuais escolares realizadas nesse contexto, pois requer que os participantes do processo educativo lidem com um leque maior de opções comunicacionais, explicitadas nas cate-gorias propostas para análise dos blogs. Diferentemente das primeiras teorizações dos desdobramentos iniciais da teoria semiótica, o hipertexto transformou o semissimbo-lismo em regra, não em uma consequente decorrência de exceções obtidas mediante escolhas semiótico-discursivas específicas.

Com o uso cada vez maior dos laboratórios de informática pelas escolas e pela im-plantação de projetos como o UCA (Um Computador por Aluno), pelo governo fede-ral, é possível que o texto sincrético venha a se tornar uma constante nas produções tex-tuais dos estudantes da escola básica, o que resulta na necessidade de estudos como este sobre as implicações de sua construção em ambiente informatizado. É possível que as características sincréticas e as necessárias escolhas plásticas para sua produção venham a fazer parte do cotidiano do uso da linguagem também na escola, o que requer uma concepção diferente de educação linguística escolar e a inclusão do letramento digital nos componentes curriculares.

O percurso de pesquisa trilhado na análise da textualidade sincrética dos blogs pro-duzidos por estudantes do Ensino Fundamental evidenciou o entrelaçamento entre o linguístico e o digital e suas implicações para o contexto escolar. Espera-se que a pes-quisa tenha contribuído para a discussão sobre a educação linguística necessária às de-mandas atuais da educação.

Raquel Salcedo Gomes

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Capítulo 4

Hipertexto: a não linearidade organizada

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1. Primeiras palavras

Já estamos habituados nesta vida moderna a preenchermos o nosso dia com as mais diversas atividades: trabalho, estudo, lazer, saúde, família. Programamos nosso dia, agendamos nossos compromissos, assumimos compromissos repentinos, que não constavam da nossa programação.

A partir do momento em que nosso dia começa, damos o start para uma sequên-cia de eventos, alguns pensados por nós e outros que nos chegam sem aviso prévio. O nosso fazer cotidiano acaba sendo orientado pelas regras oriundas da sociedade, afinal, vivemos nela e ela precisa de organização para continuar nos suportando. A ação de transitar por uma cidade, por exemplo, traz como pressuposto que o cidadão tenha apreendido algumas noções de como se comportar por entre ruas, placas, carros, se-máforos, pessoas, buracos etc. Podemos sair de casa com um trajeto traçado em nossa mente, vamos nos deslocar, no entanto, uma chuva forte ou um acidente de trânsito podem nos forçar a interromper nossa rota ou quem sabe nos fazer mudar de caminho. A mudança de itinerário, ou adiamento de percurso, ou até mesmo o cancelamento do roteiro não indica falha, e sim traduz uma das capacidades que o ser humano tem de se adaptar, de criar alternativas para suas questões.

Temos a capacidade de sermos metódicos a ponto de programarmos todo um dia de trabalho, mas também temos a possibilidade de sermos flexíveis quando percebemos que, antes do modo como fazemos, pode ser mais importante chegarmos ao ponto que queremos, isto é, no resultado final.

Depois de um dia de ações realizadas, fazemos o balanço daquilo que fizemos e daquilo que ainda nos falta fazer, mesmo que esse fazer futuro se encontre em uma data bem distante. Temos nossos objetivos em mente, e como faremos para alcançá-los dependerá das nossas escolhas.

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2. Hipertexto – uma questão de escolha

Ser agente de fazeres e de escolhas está tão presente na vida das pessoas que essa ca-racterística acaba sendo estendida a todos os setores em que o ser humano tem alcance, inclusive quando o assunto é o uso de computador.

Diante do computador repetimos ações em prol do uso que desejamos fazer dos re-cursos disponíveis. Fazemos buscas na internet, participamos de redes sociais, usamos o pacote Office, individualmente ou tudo ao mesmo tempo. Nossos usos vão se dar a partir dos nossos interesses e necessidades, sem que haja um certo ou errado para essas ações, uma vez que elas são dotadas de características associativas, isto é, podem ser somadas as ações para a conclusão de um trabalho.

A necessidade que temos em fazer escolhas, e que colabora para que as pessoas te-nham uma rotina diária, nos fez começar a pensar nas questões de organização, especial-mente, no que tange aos aspectos linguísticos, mais precisamente, passamos a nos ques-tionar sobre a existência ou não de uma organização para o hipertexto. Nas abordagens estudadas, o hipertexto tem aparecido sempre como um texto não linear e até mesmo caracterizado como sem estrutura. Ora, o fato de o hipertexto ser classificado dessa for-ma nos trouxe inquietações, as quais nos levaram a pesquisar, no hipertexto, possíveis elementos que lhe pudessem conferir algum tipo de organização ou linearidade.

2.1 Olhares para o hipertexto

Colocamo-nos em frente ao computador, fazemos uso da internet, abrimos página de e-mail e website de notícias. Queremos entender dessa não linearidade do hipertex-to. Observamos as páginas com seus textos verbais, com suas imagens, com seus vídeos, a nos convidar a dar nosso passeio diário. Podemos escolher por onde começar, ou qual e-mail desejamos ler primeiro. Constatamos que as páginas possuem uma estrutura perceptível aos olhos dos usuários, que tanto faz em qual computador acessem, estará

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mantida tal estrutura: há cabeçalhos, há colunas que orientam a divulgação de textos, há tamanhos e cores para as fontes, há links que conduzem a outros textos e hipertextos.

Em primeira análise, a estrutura do hipertexto está posta: uma parte visível ao usu-ário e outra notada apenas por aqueles que compreendem de programação. Se a página está disponível de igual forma para todo e qualquer usuário, chegamos a uma primeira conclusão: os links! Pensamos que fossem os links os responsáveis por organizar o hi-pertexto, uma vez que eles é que possibilitam a navegação em outras páginas ou canais.

Ao definir os links como responsáveis pela organização do hipertexto, percebemos que ainda restavam lacunas a serem preenchidas, uma vez que os links, aqueles marca-dos no hipertexto através das mudanças de cores, por exemplo, ainda seriam de respon-sabilidade de criação de programadores e não de sujeitos usuários.

Passamos a observar as ações dos usuários como responsáveis pelo hipertexto, mas, antes disso, precisamos retomar o conceito de hipertexto. Buscamos em Landow a orientação conceitual:

El hipertexto, (...) implica un texto compuesto de fragmentos de texto – lo que Barthes denomina lexias – y los nexos electrónicos que los conectan entre si. (...) Con hipertexto, pues, me referiré a un médio informático que relaciona información tanto verbal como no verbal. Los nexos electrónicos unem lexias tanto <<externas>> a una obra, por ejemplo un comentario de ésta por otro autor, o textos paralelos o comparativos, como internas y así crean um texto que el lector experimenta como no lineal o, mejor dicho, como multilineal o multisecuencial (LANDOW, 1995, p. 15-16).

Nesse momento, nosso foco se concentrou nos nexos que compõem o hipertexto, nexos internos ou externos a um texto, os quais possibilitam que o leitor experimente um novo texto.

Recorremos à descrição de Roland Barthes (1970), em S/Z sobre um ideal de tex-tualidade que remete ao que é chamado de hipertexto:

Capítulo 4 - Hipertexto: a não linearidade organizada

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En este texto ideal, abundan las redes (réseaux) que actúan entre sí sin que ninguna pueda imponerse a las demás; este texto es una galaxia de significantes y no una estructura de significados; no tiene principio, pero sí diversas vías de acceso, sin que ninguna de ellas pueda calificarse de principal; los códigos que moviliza se extiendem hasta donde alcance la vista; son indeterminables...; los sistemas de significados pueden imponerse a este texto absolutamente plural, pero su número nunca está limitado, ya que está basado em la infinidad del lenguaje (Roland Barthes, S/Z, París, 1970, in LANDOW, 1995, p. 15).

Notamos que, na referência de Barthes, fala-se em hipertexto como “galáxia de sig-nificantes”. Ele chama a atenção para a multiplicidade de caminhos de leitura que podem ser traçados dentro dos hipertextos, não havendo sequências fixas a serem seguidas, o que possibilita que o leitor escolha o caminho para o seu processo de construção textual. O termo hipertexto foi cunhado por Theodor H. Nelson nos anos 60, referindo-se a um tipo de texto eletrônico, uma tecnologia informática nova e, ao mesmo tempo, um modo de edição.

Con hipertexto, me refiero a una escritura no secuencial, a un texto que bifurca, que permite que el lector elija y que se lea mejor em una pantalla interactiva. De acuerdo con la noción popular, se trata de una serie de bloques de texto conectados entre sí por nexos, que forman diferentes itinerarios para el usuário (LANDOW, 1995, p. 15).

Essa revisão acerca do hipertexto, que trata de não linearidade, de possibilidade de construção e escolha a partir das decisões do usuário, levou-nos a pensar na necessidade de uma nova concepção para o hipertexto, pautada no contexto de cultura digital desse momento. Trata-se de uma concepção que leva em conta o agir dos usuários, conside-rando que as ações dos sujeitos são constituidoras e delineadoras do novo hipertexto. Nesse sentido, passamos a considerar hipertexto o conjunto de ações traçado na tela e não meramente a concepção convencional que se tem do hipertexto.

Para respaldar essa nova concepção de hipertexto que sugerimos, buscamos pres-supostos teórico-metodológicos em uma perspectiva cultural (CERTEAU, 1994)

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e em uma perspectiva pautada na teoria linguística da referenciação (MONDADA; DUBOIS, 2003), especialmente os conceitos de anáfora e dêixis, deslocados para o es-tudo de textos em contexto digital. A opção por esses estudos se deu diante da reflexão acerca da organização que existe nos textos produzidos no e para o dispositivo impres-so, tendo em vista a proposta teórica da não linearidade e elementos que colaboram na organização de tais textos. Elementos que conferem a referenciação nos textos impres-sos, como anáfora e dêixis, contribuem para uma organização coesiva desses textos. Ao deslocar tais estudos que se voltam ao texto impresso para o texto em contexto digital, buscamos compreender as formas de organização que se estabelecem no texto digital.

O hipertexto na web pode ser visto como os demais hipertextos antes das tecno-logias digitais, como nos livros, enciclopédias, jornais etc, através de notas de rodapé, imagens, informações adicionais. O que diferencia o hipertexto digital do hipertexto não digital é a amplitude de acesso a informações e conteúdos que o usuário pode ter. Além disso, esse aspecto faz com que, no contexto digital, o hipertexto ganhe dimen-sões maiores no que diz respeito a espaço e tempo, no sentido de que topograficamente, o conteúdo hipertextual estará acessível independente das limitações físicas do papel, por exemplo, contemplando inclusive os acessos a materiais multissensoriais, graças a seus suportes. No quesito tempo, há que se considerar que o acesso hipertextual, no contexto digital ultrapassa os ponteiros marcadores de tempo, tornando possíveis rela-ções presenciais até mesmo com o que não está presente.

3. Contexto cultural da produção de texto: subsídios para compreender o hipertexto.

A linguística textual questiona-se sobre o que deve e o que pode explicar, e diz que essa problemática está relacionada ao conceito de texto que vem trabalhando. Antos (1997) apud Koch (2003) afirma que é possível verificar várias concepções de texto, acompanhando a história da linguística textual, fazendo com que ela assuma diversas formas teóricas, das quais se destacam:

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1. texto como frase complexa (fundamentação gramatical); 2. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (fundamentação semântica); 3. texto como signo complexo (fundamentação semiótica); 4. texto como ato de fala complexo (fundamentação pragmática); 5. texto como discurso “congelado” – produto acabado de uma ação discursiva (fundamentação discursivo-pragmática); 6. texto como meio específico de realização da comunicação verbal (fundamentação comunicativa); 7. texto como verbalização de operações e processos cognitivos (fundamentação cognitivista) (KOCH, 2003, p. 149-150).

Entre os que estudam a linguística textual, têm destaque Beaugrande/Dressler (1981), que apontam para a caracterização dos critérios de textualidade. Para esses autores, são sete os critérios que marcam a textualidade como um fenômeno comunica-tivo: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionali-dade e intertextualidade, e tais critérios fornecem-lhe elementos semânticos, sintáticos, cognitivos e pragmáticos. A constituição de texto passou a ser conceituada do ponto de vista discursivo como a interação de sujeitos sociais; a produção do texto passou a ser percebida como um evento em que entram em cena atores realizando ações linguísti-cas, sociais e cognitivas. No aspecto discursivo, a situação de comunicação passa a ser elemento fundamental para a produção textual, uma vez que as atividades de linguagem consideram as situações de enunciação e a interação entre falantes, de maneira linguís-tica ou semioticamente marcada no texto ou fora dele.

4. O texto como movimento

O entendimento de texto dentro de uma nova concepção de construção permite que o texto seja pensado sob a perspectiva do rizoma6 de Deleuze e Guattari (1996).

6 O conceito de rizoma neste trabalho não será desenvolvido. É apenas apontado como um dos conceitos que orientam para uma concepção não linear de produção textual.

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As lentes do rizoma apontam para um contexto novo de construção e compreensão de texto, um texto rizomático não meramente elaborado com significados e significantes, e sim elaborado com características que transcendem a própria superfície do texto, ou o campo oral das palavras; isso porque, nessa concepção de texto, faz-se necessário per-ceber as inúmeras conexões possíveis que um texto pode fazer, seja com outros textos, seja com outras pessoas, seja com outras matérias etc. Cada conexão feita se torna única naquele momento e, mesmo que seja feito o mesmo caminho novamente, que sejam escritas as mesmas palavras, é bem possível que outros agenciamentos tenham entrado em cena, ressaltando o caráter heterogêneo de cada elemento que colabora na consti-tuição do texto.

Também por conta dessas conexões e da heterogeneidade que perpassam as cons-truções textuais é que se destaca a multiplicidade, fazendo com que o olhar e a audição percebam a singularidade e, ao mesmo tempo, as multifacetas que apontam em cada objeto. Como não poderia deixar de ser, a compreensão das multifacetas pode garan-tir a noção da territorialização e da desterritorialização dos textos, tornando evidente que a construção dos textos se dá mediante um mapeamento, com ações que, muitas vezes, parecem repetidas ou já vistas, mas com a nitidez de que tais procedimentos são sempre individualizados e produzem resultados também individualizados. Entender a construção do texto a partir da perspectiva do rizoma amplia o próprio entendimento de texto, o que é importante no caso em estudo: o hipertexto, alicerçando o conceito em um contexto cultural, com implicações para a concepção de texto.

Seguindo na concepção de texto digital como movimento hipertextual, inserido agora na cultura, ou “num certo modo de produzir sentido” (FRAGA e FLORES, 2004, p.?), continuamos com Certeau (1994), que reflete sobre uma concepção cultural de produção de sentido, construída a partir de elementos do cotidiano, que serve como argumento para a concepção de movimento hipertextual como estamos propondo neste trabalho. O autor pensa sobre as caminhadas pela cidade e procura produzir sentido a partir delas. A cena, narrada por Certeau do alto do 110° andar do World Trade Center,

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conduz o pensamento a refletir sobre os modos de olhar para a cidade. Mostra que o olhar das alturas é diferente do olhar daquele que está abaixo, inserido entre a multidão. Do alto, os prédios são vistos, segundo o autor, como uma “onda de verticais”, e toda a massa que se mobiliza incessantemente torna-se imóvel vista de cima. Apontando para a certeza de que o modo como se olha faz com que sejam criadas as impressões e também as verdades sobre as coisas. Nesse sentido, o autor convida a pensar o andar da multidão que caminha pela cidade como textos humanos, aproximando o conceito de texto à visão do cosmos, isto é, como algo vivo e em constante movimento.

O autor relembra o desejo de compreensão das cidades desde os períodos medievais e renascentistas, em que eram pintadas telas com visões do alto da cidade e panoramas, o que tornava o espectador como espécie de olho celeste, olhos totalizadores imagina-dos por pintores. O autor diz: “A vontade de ver a cidade precedeu os meios de satisfazê--la. As pinturas medievais ou renascentistas representavam a cidade vista em perspec-tiva por um olho que, no entanto jamais existira até então” (CERTEAU, 1994, p. 170).

Propomos com Certeau que a movimentação da cidade seja interpretada como um grande texto. O grande texto que se forma sob o olhar é questionado em relação àquilo que ele representa, uma vez que o texto visto é apenas uma possibilidade de leitura, a partir de um olhar: “A cidade-panorama é um simulacro ‘teórico’ (ou seja, visu-al), em suma um quadro que tem como condição de possibilidade um esquecimento e um desconhecimento das práticas” (Ibidem).

O olhar do alto não percebe elementos imprescindíveis para a composição da cena, pode os supor, ele torna invisíveis aqueles elementos que permitem que o panorama fique completo. O olhar embaixo aproxima e permite que sejam vistos os componíveis da cena: pessoas como textos humanos.

Mas “embaixo” (down), a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, Wandersmänner, cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo (Ibidem).

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Isso que podemos chamar de texto urbano é traçado pelos caminhantes que cruzam caminhos, avançam, recuam, andam por ruas, das quais nem sempre sabem os nomes. São inúmeros caminhantes que percorrem seus caminhos sem conhecer necessariamen-te o trajeto do outro. É um texto feito por muitos autores, formado por vários fragmen-tos, em muitos locais, mas que nunca é visto de cima e, por isso, pode ser encarado como um texto sem leitor. “Tudo se passa como se uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade habitada” (Ibidem). Os passos urbanos são vistos como constitutivos de traços (densos, leves) e de trajetórias (aqui e não lá), que nos processos do caminhar denunciam os percursos, o vagar, o ir e o vir, evidenciando a reversibilidade das ações.

O autor propõe o conceito “enunciações pedestres” ao comparar o caminhar com a produção de texto, e ele não se limita à crítica da representação gráfica: significantes X mapeamento. Ele traz à pauta o caráter enunciativo dos pedestres, que, neste trabalho, é recuperado como ações na produção hipertextual:

O ato de caminhar está para o sistema urbano como a enunciação (o speech act) está para a língua ou para os enunciados proferidos. Vendo as coisas no nível mais elementar, ele tem com efeito uma tríplice função “enunciativa”: é um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre (assim como o locutor se apropria e assume a língua); é uma realização espacial do lugar (assim como o ato de palavra é uma realização sonora da língua); enfim, implica relações entre posições diferenciadas, ou seja, “contratos” pragmáticos sob a forma de movimentos (assim como a enunciação verbal é “alocução”, “coloca o outro em face” do locutor e põe em jogo contratos entre colocutores). O ato de caminhar parece portanto encontrar uma primeira definição como espaço de enunciação (CERTEAU, 1994, p.177).

De fato, tanto no caminhar quanto no produzir textos, é feita a apropriação de algum sistema (no caso topográfico e a língua), mas a mera apropriação do sistema não garante condição para que o caminhante siga seu percurso, uma vez que é neces-sário que ele realize a ação de andar, e que o faça a partir de relações, ou contratos pré--estabelecidos. A enunciação pedestre apresenta três características que a distingue do

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sistema espacial: “o presente, o descontínuo, o ‘fático’” (Ibidem, p. 177). Ao mencionar a característica “presente” para a enunciação pedestre, o autor aponta para a existência de uma ordem espacial que organiza um conjunto de possibilidades e de proibições, como onde é permitido ou proibido andar, seja por vontade própria ou por alguma forma de obrigatoriedade; no entanto, é no momento presente que o caminhante opta pelo ca-minho que fará, fazendo com que permissões e proibições de passagens existam ou que apareçam. A capacidade do caminhante de transformar em outra coisa o que está dado na ordem espacial mostra a capacidade de versatilidade do sujeito, que consegue depre-ender outros significados para significantes que já estão dados, mostrando que pode reconhecer a convenção comum, mas também recriá-la. Fazendo isso, o caminhante atualiza para si os fragmentos do enunciado. Assim, as seleções feitas pelo usuário da cidade encaminham para um descontínuo na enunciação. Mesmo que tal descontínuo apareça na enunciação pedestre, o sujeito tem condições de constituir discurso em rela-ção à sua posição, pode dizer dela se se encontra próximo, distante, lá ou cá, efetuando a função fática.

A caminhada afirma, lança, suspeita, arrisca, transgride, respeita etc., as trajetórias que “fala”. Todas as modalidades entram aí em jogo, mudando a cada passo, e repartidas em proporções, em sucessões, e com intensidades que variam conforme os momentos, os percursos, os caminhantes. Indefinida diversidade dessas operações enunciadoras. Não seria portanto possível reduzi-las ao seu traçado gráfico (CERTEAU, 1994, p.179).

Michel de Certeau destaca que, nas caminhadas, há muitos percursos possíveis de serem feitos, e que os passos que conduzirão o caminhante pelo seu trajeto implicam a combinação de estilos e usos. Por uso entende “o fenômeno social pelo qual um sistema de comunicação se manifesta de fato: remete a uma norma” (CERTEAU, 1994, p. 179); por estilo, compreende “uma estrutura linguística que manifesta no plano simbólico (...) a maneira de ser no mundo fundamental de um homem” (Ibidem, p. 179). Certeau (1994) afirma que há uma retórica da caminhada.

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Pensar em caminhantes de uma cidade enquanto uma forma de construção de texto parece evidente, de acordo com as observações de Certeau (1994). Ora, é como se cada caminhante (móvel), juntamente com cada outro elemento fixo: postes, ruas etc., estivesse a todo instante a contribuir para a construção de um texto que é infindável, um texto que reflete uma cidade que nunca adormece, pois sempre uma nova palavra ou novo passo está prestes a surgir. As escolhas de direções e de caminhos dos sujeitos se assemelham ao momento de fala e escrita das pessoas, afinal, é preciso conhecer o sistema em que se está inserido, seja a cidade, ou seu funcionamento, seja a língua em questão; as escolhas podem fazer com que o caminhante chegue de forma mais rápida ou segura ao seu destino, suas escolhas trazem reflexos para as suas ações, no senti-do dele precisar retornar a algum lugar, andar mais depressa em alguma rua, parar no semáforo. O vai e vem das cidades produz textos instantâneos, textos fragmentados que se dirigem a locais específicos ou a lugar nenhum; são fragmentos que se encontram como uma pequena rua encontra uma movimentada avenida, que desemboca em uma estrada federal, ou uma rua que acabe em um beco sem saída. Os passos dos caminhan-tes são como as suas palavras, sempre em busca de um destino, deixam registradas suas passagens.

5. Ciber-flânerie: pegadas hipertextuais

O uso das tecnologias digitais possibilita aos usuários o acesso a incontáveis locais diante de suas mãos. Propomos que isso sejam enunciações de ações e movimentos tex-tuais tal como Certeau (1994) propõe nas caminhadas na cidade. Ao utilizar mouses e teclados, o usuário encontra-se inserido em uma rede com infindáveis conexões. Não há roteiros, não há guias. O usuário traça seu caminho através de suas escolhas, de seus movimentos. Independentemente de ter ou não um ponto a atingir, por exemplo: fazer uma busca em um website, ler o jornal on-line, assistir a um vídeo etc; o usuário sempre tem a autonomia de fazer o seu caminho. Esses movimentos hipertextuais, feitos pelos

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usuários, caracterizam um novo fazer textual, ou melhor, hipertextual. O movimento hipertextual vem sendo estudado por Lemos (2001) e sendo chamado de ciber-flâne-rie. Inspirado em Baudelaire, que tornou célebre a figura do poeta-vagabundo, Lemos (2001) retoma a ideia do caminhar descompromissado, daquele que anda pela cidade num ritmo próprio e que, ao andar, traça seu texto em uma malha navegável que é a cidade. Essa recordação faz com que Lemos compare o andar do poeta com a navegação no ciberespaço. O autor aponta a navegação cada vez mais crescente nos hipertextos da internet:

Nesta analogia, podemos ver a navegação hipertextual pela Internet como o exercício de um ciber-flâneur e seu passeio pelo mar de dados. Não mais apenas sobre espaços físicos, mas sobre as malhas virtuais do ciberespaço. Em ambos os processos está em jogo um arranjo do espaço (físico ou cibernético) através de um modelo de conexão generalizada, descentralizada, cujo ponto de partida é constantemente deslocado através da atividade da errância. Não podemos prever que caminho o internauta vai tomar com os links propostos (LEMOS, 2001, p. 2).

Lemos (2001) aponta que tanto flanar na cidade quanto navegar por hipertextos necessitam de leitura e de mapeamentos. Por leitura, compreende a relação corpo–tex-to, por mapeamentos a relação corpo-espaço. Ambos os processos de leitura e de mape-amento fundem as figuras do leitor e do escritor.

Para exemplificar a errância, o autor compara o clique na tela em algum link que pareceu interessante, em dado momento, a um indivíduo, com a ação de um sujeito ficar imóvel ao relembrar uma imagem ou cheiro do passado. De acordo com o autor: “Vagar pela cidade e clicar em websites na Internet é assim ‘escrever lendo’, é deixar ‘mar-cas’, a partir de mapas dados, é imprimir nosso ‘traço’ no espaço maleável do cotidiano” (Ibidem).

Aquele que anda pela cidade ou o que clica em links acaba por se apropriar dos espaços instituídos, tendo assim a possibilidade de se locomover e de traçar a sua his-tória. Segundo o autor, são os artefatos no espaço que unem a flânerie urbana com a

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ciber-flânerie: são os corpos e os textos no espaço. “A ciber-flânerie traduz-se em uma apropriação do ciberespaço pela hipérbole, pela profusão de informação, pelo excesso”. (LEMOS, 2001, p. 3)

O ciberespaço é tomado como um local mapeado, com seus caminhos pré-defini-dos, mas, ainda assim, com possibilidades de aberturas para outros novos caminhos. O ciberespaço abre passagem para o viajante sedento por novidade, para o viajante que já sabe seu ponto de parada, com roteiro bem marcado, para o viajante que embarcou sem um rumo específico. O ciberespaço é local que propicia encontro com o esperado e também com o inesperado, jamais propicia desencontros.

Navegar no ciberespaço é andar num labirinto onde escritor e leitor se confundem, aventureiros e conformistas convivem lado a lado. Como espaço relacional, o ciberespaço é mapa dado para aqueles que seguem, objetiva, racional e eficazmente suas ruas, avenidas e becos, ou portais, sites e máquinas de busca no ciberespaço (Ibidem).

A ação do explorador no ciberespaço se dá através da leitura e da escrita do/no cibe-respaço, como diz Lemos (2001, p. 3): ele é um “devorador de telas”, um aventureiro que ao mesmo tempo em que segue o percurso dado, as estruturas de links da Rede (ou seja, lê o ciberespaço), constrói e deixa traços, na construção de seus caminhos imprevisíveis (ou seja, ele escreve o ciberespaço). Dessa forma, o que se obtém, é uma constante recria-ção do ciberespaço, é a cartografia do local sendo refeita a cada novo acesso do sujeito.

O autor relembra Michel de Certeau ao falar em “enunciação pedestre”, mostrando que “A flânerie e a ciber-flânerie são, desta forma, atitudes que se configuram como astúcia ou poética do cotidiano que justamente desvia o caminhar/clicar/escrever dos usos programados dos espaços” (Ibidem, p. 5). São os movimentos fortuitos e casuais realizados a partir dos exercícios de olhar/ler, caminhar/escrever, que se singularizam no ciberespaço, concretizando textos imprevisíveis. A ciber-flânerie convida para o “levantar âncoras e navegar à deriva por espaços descontínuos, fragmentados e efême-ros” (Ibidem, p. 6).

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O ciber-flânerie é um explorador de territórios, cada passo seu, ou melhor, clique, marca o caminho percorrido e permite que sejam percebidas conexões entre os cami-nhos nos quais transita. O explorador, preferencialmente, segue mapas, mas o ciber--flânerie se aventura por locais desconhecidos, se lança a vaguear, sem preocupação com os pontos de parada; um novo clique pode mudar o rumo, uma palavra, pode lançá-lo a outro local. O espaço é ilimitado para o ciber-flânerie. O olhar daquele que o vê nave-gar pode não compreender a falta de linearidade, afinal, as condições de navegação lhe conduzem para as mais adversas situações (ícones piscando na tela, imagens, textos que dizem Clique Aqui); no entanto, o navegador se torna mais experiente a cada viagem e ele vai descobrindo quais as melhores condições e como encontrá-las para fazer uma boa navegação. Assim, o olhar de quem não está na mesma onda fica deficiente, pois só aquele que está navegando sabe as condições que tem naquele momento e que ações pode fazer a partir de tais condições.

As marcas deixadas pelo ciber-flânerie podem ser mapeadas (utilizando recursos computacionais), mas dificilmente podem ser previstas com exatidão. Essa situação se assemelha muito com a situação de fala entre duas pessoas, que comungando de um mesmo espaço, tempo e língua, comunicam-se cada uma com um discurso que lhe é único, pode-se até sugerir as falas, mas a comunicação natural é espontânea e não segue um mapa definido. A ideia de ciber-flânerie, retomada por Lemos (2001), evidencia outra concepção à construção de texto, uma concepção atual e que se encaixa perfeita-mente no atual contexto cultural mediado pelo uso de tecnologias digitais. O produtor de texto agora também escreve através das marcas deixadas pelos caminhos andados, além de poder modificar os textos já existentes através do seu andar.

6. Referência e Referenciação

Neste trabalho, o estudo sobre referenciação está se orientando, pois, pela reflexão sobre texto no contexto digital, o hipertexto, o que foi visto no item anterior. Dessa forma, a referenciação passa a ser compreendida como referenciação hipertextual.

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Desse modo, refletimos sobre a concepção linguística em que o texto digital está in-serido, para podermos justificar a hipótese de que, mesmo o hipertexto sendo um texto não linear, assumido dentro da noção aqui trazida de hipertexto, esse tipo de texto não prescinde de uma organização.

A concepção de língua como mero sistema de etiquetas ignora os sujeitos e suas construções linguísticas, uma vez que referenciar o mundo está diretamente ligado com as experiências dos sujeitos em ação nesse mundo. Nomear passa a ter relação estreita com as experimentações linguísticas das pessoas, as quais rompem com um sistema duro de língua, transformando-o em maleável e adaptável as suas necessidades e inte-resses, e, mesmo assim, mantendo uma unidade ou entendimento social.

No hipertexto de que falamos neste trabalho, a referenciação exerce uma função não linguística, mas por hipótese, assumimos da teoria da referenciação (MONDADA; DUBOIS, 2003); para postular a existência da organização do hipertexto. Embora esse estudo não esteja centrado no aspecto verbal do hipertexto, recuperamos o aspecto dos estudos linguísticos da referenciação7 (anáfora e dêixis) para melhor nos orientarmos para a hipótese que estamos propondo.

Considerando que neste estudo não estamos tratando de diálogo entre pessoas, e sim de uma construção hipertextual, o entendimento de referenciação será através das marcas textuais deixadas pelos usuários na constituição do hipertexto. Entendemos que o usuário produzirá seu hipertexto de maneira enunciativa, norteando-se por um refe-rente. Para que a progressão referencial aconteça é necessário que um dos sujeitos deli-mite seu referente dentro de um quadro a ponto de torná-lo reconhecível, e que o outro sujeito identifique tal referente para que possam se compreender linguisticamente. A coerência discursiva depende muito da organização referencial do texto, uma vez que possibilita a estabilidade dele.

7 Por questões de limitação de espaço, não serão abordadas as concepções linguísticas de referenciação, anáfora e dêixis.

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6.1 Função anafórica e dêitica nos hipertextos

Os conceitos de anáfora e dêitico da linguística textual foram deslocados para este estudo na tentativa de encontrar, enquanto funções anafóricas e dêiticas, elementos or-ganizadores do hipertexto. Não fizemos aplicação dos conceitos da linguística textual nos hipertextos, e sim fizemos uma proposta com elementos da linguística textual, se-gundo aspectos culturais do texto digital, que repercute em seus modos de enunciação na produção do hipertexto.

Na linguística textual, anáfora e dêixis aparecem marcadas no texto através de ca-tegorias de palavras. Neste estudo, na tentativa de buscar a existência de uma organi-zação hipertextual dentro do hipertexto, foram observados os movimentos recorrentes realizados pelos participantes da pesquisa ao realizarem suas buscas na internet, sob a perspectiva de encontrar uma progressão referencial pautada em funções anafóricas e dêiticas hipertextuais. Dessa forma, os movimentos hipertextuais fizeram com que a progressão referencial acontecesse e, com ela, fossem percebidas as funções anafóricas e dêiticas que servem como elos para o texto digital.

É com a ideia de interioridade e exterioridade textual que este trabalho se lançou a investigar as funções anafórica e dêitica, às vistas do texto digital, enfocando a mo-vimentação entre os links utilizados, acessados em páginas da web. Considerando o contexto digital um dispositivo em que a produção de textos se constitui com a contri-buição de diferentes mecanismos, procuramos olhar para os textos voltados à linguística textual e para a teoria do hipertexto.

Por anáfora hipertextual, foram considerados os movimentos que permitiram que o usuário se fixasse, permanecesse ou retornasse ao tema de busca, isto é, continuasse no texto. Por dêixis hipertextual, foram considerados os movimentos que indicassem a situação de enunciação do usuário, mostrando, por exemplo, a fuga do tema, a tentativa de abrir outras possibilidades em relação ao tema de busca etc.

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A identificação de tais movimentos hipertextuais só foi possível mediante a ação de algum usuário. Por isso, cabe a reflexão sobre a ação hipertextual como originária para os movimentos hipertextuais, proposta neste trabalho.

7. Ação hipertextual

Foram várias as correntes teóricas que discutiram a problemática do agir na Filoso-fia e na Ciências Humanas. Entre o conjunto de trabalhos da escola analítica, Ricoeur (1977) propôs uma semântica da ação, na qual identificava e definia os parâmetros que permitem distinguir a ação de simples acontecimentos. Bronckart (2008) revisita as teorias em torno do agir e, sobre a síntese de Ricoeur, aponta limitações. No entanto, afirma que a ideia do filósofo contribuiu enormemente para a rede de conceitos sobre a temática.

Segundo o autor, qualquer ação implica um agente, que, ao fazer uma intervenção no mundo, mobiliza determinadas capacidades mentais e comportamentais que ele sabe que tem (um poder-fazer), determinados motivos ou razões que ele assume (o porquê do fazer) e determinadas intenções (os efeitos esperados do fazer); sendo que esses últimos parâmetros (capacidades, motivos e intenções) definem a responsabilidade assumida pelo agente em sua intervenção ou em sua ação (RICOEUR apud BRONCKART, 2008, p. 19-20).

Neste trabalho, o agente foi tomado como aquele dotado de capacidades para agir. Sua ação estava vinculada à orientação recebida, ao seu conjunto de conhecimentos, in-tenções e a sua responsabilidade em intervir. Isto é, ao ser convidado a participar de uma atividade escolar, o usuário sabe que dele se esperam “resultados”, para os quais condu-zirá suas ações, de forma a atender ao seu professor. Ao receber a orientação, o usuário recebe também a incumbência da responsabilidade das suas ações, fazendo com que assuma cada uma delas de acordo com as suas intenções e os seus objetivos, que por sua vez estarão fundamentados em alguma proposição. O termo ação, neste estudo, aderiu

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à conceitualização de Bronckart (2008): “esse termo designa, genericamente, qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo” (p. 120).

Assim, as ações hipertextuais dos participantes da pesquisa foram tomadas como produtos de um agir consciente dentro de determinado quadro social, delimitado pelas circunstâncias instauradas. O agir hipertextual se deu através da linguagem, uma vez que é ela a matriz orientadora das ações; é ela que organiza o processo consciente do sujeito. Logo, foram as ações hipertextuais dos usuários que possibilitaram movimentos anafóricos e dêiticos, os quais foram fundamentais para o entendimento da organização hipertextual.

Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa teve, como princípio metodológico, a identificação dos movimentos hipertextuais realizados pelos estudantes enquanto acessavam conteúdos na web. Es-tipulamos alguns critérios metodológicos a serem observados no material coletado, os quais foram vistos sob a teoria da referenciação e dos hipertextos/hiperlinks. Esta foi uma pesquisa-ação colaborativa (WELLS, 2007) no que concerne a participação da pesquisadora juntamente aos participantes, orientando para a realização do trabalho.

Para que a coleta dos dados acontecesse foram utilizados softwares, que viabilizas-sem as capturas de tela e salvassem tais capturas em formato de vídeo, para posterior análise. Na busca pelo software adequado, optou-se pelo Cam Studio8 e também pelo Wink9.

8 Software gratuito para capturas, disponível em: http://www.baixaki.com.br/download/camstudio.htm, último acesso em 02/12/2013.

9 Software gratuito para capturas, disponível em: http://www.debugmode.com/wink/download.htm, último acesso em 02/12/2013.

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7.1 Características do material de análise

Na tentativa de verificar os elementos organizadores do hipertexto, foram compi-ladas capturas de vídeo, decorrentes das buscas temáticas realizadas pelos estudantes. Cada agrupamento de captura foi nomeado como segmento. Cada um dos sete segmen-tos foi descrito de acordo com o movimento hipertextual realizado pelo sujeito.

7.2 Metodologia de análise dos dados

Categorias de açãoNosso estudo não compreende o hipertexto como um conjunto de textos descone-

xos e não lineares. Ao contrário, apontamos para o hipertexto como uma construção dinâmica de linguagem, isto é, um texto capaz de modificar-se e de assumir diferentes formatos, mas que pode ainda manter-se com elementos organizacionais.

Entendemos que o hipertexto possui uma lógica de organização, a qual está rela-cionada às ações realizadas pelos sujeitos. As ações hipertextuais para a construção e a organização do texto digital dependem, evidentemente, do sistema computacional, mas, mais do que isso, dependem de um usuário que acesse o dispositivo digital (computa-dor, por exemplo) e nele execute suas ações conscientes.

Nesta pesquisa, verificamos que, dominado o sistema computacional, os usuários produziram seus hipertextos pautados em duas categorias de ação, as quais foram deno-minadas por nós como: a) Categoria de Função Botão e b) Categoria de Subordinação.

Essas categorias de ação foram assim delimitadas a partir da observação dos movi-mentos recorrentes feitos pelos usuários ao realizarem suas buscas na internet. Os mo-vimentos dos usuários deixaram registrados os percursos escolhidos e os passos dados para a concretização da sua busca.

Foram criados agrupamentos para esses movimentos, a partir de suas funções prin-cipais. Isto é: perceber do ponto de vista teórico a organização hipertextual, a partir de

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duas grandes funções principais. Na sequência, explicitamos as duas grandes categorias de ação propostas.

Categoria de Função Botão é aquela em que o usuário faz uso dos botões de que o sistema dispõe. Esses botões estão marcados no sistema, ora por um ícone (imagem), ora por uma palavra, que traduzem sua função. Eles possibilitam que o sujeito realize ações que colaboram para a construção do seu hipertexto. Os botões mais utilizados foram: a) Fechar, b) Voltar, c) Maximizar, d) Copiar, e) Colar, f ) Descartar e g) Editar.

Categoria de Subordinação é a categoria que contempla o conjunto de ações que são dependentes do usuário para que aconteçam, mas que não são necessariamente ativadas por botões. Nessa categoria, a partir da ação do sujeito, ficam delimitadas as ações que propiciam que o usuário se estabeleça no seu referente e também as ações que permitem que o usuário progrida referencialmente. Por isso, essa categoria está subdividida em duas: Categoria de Subordinação de Manutenção e Categoria de Subordinação Pro-gressiva. Vejamos cada uma.

Categoria de Subordinação de Manutenção: compreende o conjunto de ações reali-zadas pelo usuário de forma a mantê-lo na direção de um referente inicial. As principais ações de manutenção apontadas foram: a) Digitação na página, b) Retorno à página, c) Seleção de tópico.

Categoria de Subordinação Progressiva: compreende o conjunto de ações realiza-das intencionalmente pelo usuário na tentativa de progressão de sua busca. Foram mais recorrentes as seguintes ações: a) Abrir programa, b) Abrir página/guia, c) Optar por resultado na Página de Resultados, d) Usar o campo de digitação, e) Clique em links.

Cada clique do usuário estava sendo considerado um movimento. Partimos do pres-suposto que cada um desses movimentos foi resultado de um processo de intencionali-dade do autor, fazendo emergir um processo contínuo. A hipótese da intencionalidade se pauta na concepção de agir linguageiro de Bronckart (2008), que designa a realidade linguageira, constituída de práticas de linguagem situadas. Ou seja, é defendida a ideia de que todo agir traz consigo uma intenção que norteia e possibilita a ação, no caso,

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aqui, a ação hipertextual digital. O movimento digital, tomado como intencional, fez surgir a cadeia de elos que se unem a partir dos cliques.

Vimos que as duas grandes categorias de ações que o sistema computacional permi-tiu que o usuário fizesse intuitiva ou intencionalmente desencadearam um conjunto de movimentos que formaram os nexos que organizam o grande hipertexto.

Delimitamos, a partir dos dados obtidos, dentro das duas categorias de ação, cinco tipos de movimentos que foram recorrentes durante a navegação do usuário em suas buscas.

Movimento de abertura: por movimento de abertura foram compreendidas as ações de abrir programas, páginas ou arquivos.

Ilustração 1: Movimento de Abertura: abertura de página web, programa e documento de texto.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

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Movimento de fechamento: o movimento de fechamento ocorreu sempre que hou-ve a necessidade de fechar o programa, página ou arquivo em uso. A forma mais corri-queira de acionar o fechamento foi pelo botão com o ícone “x”, mas também foi usado o botão “fechar/encerrar”.

Ilustração 2: Movimento de fechamento: fechar janela.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

Movimento de digitação: o movimento de digitação serviu para indicar endereços eletrônicos; indicar tópico a ser buscado na rede; nomear nova página pessoal.

Ilustração 3: Movimento de digitação: indicar endereço.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

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Movimento de seleção: o movimento de seleção foi utilizado com funções diferen-tes. Uma delas como seleção de um resultado da página de resultados. A outra função foi de selecionar um tópico da página em que estava, fosse página da web, fosse arquivo de texto. Uma terceira forma foi ao escolher programas ou funções a serem abertas no sistema. E, por último, optar por tópico sugerido pelo buscador.

Ilustração 4: Movimento de seleção: seleção de resultado.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

Movimento de botão: a função botão foi largamente utilizada, verificada através do uso de botões visíveis no sistema e de outros surgidos após comandos do mouse.

Capítulo 4 - Hipertexto: a não linearidade organizada

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Ilustração 5: Movimento de botão: voltar.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

7.3 Função anafórica e dêitica no hipertexto

A partir da identificação das ações e dos movimentos hipertextuais realizados pelos usuários, passou-se para a verificação da organização do hipertexto a partir de funções anafóricas e dêiticas, como forma de auxiliar a visualização do processo de progressão referencial dentro do hipertexto.

Os movimentos com função anafórica foram classificados em: a) Anáfora de retor-no, b) Anáfora do sistema, c) Anáfora de digitação, d) Anáfora de escolha e e) Anáfo-ra de seleção; os movimentos com função dêitica foram classificados em: a) Dêixis de abertura de guia/ buscador, b) Dêixis de digitação, c) Dêixis de Escolha e d) Dêixis de Apoio.

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Cada segmento foi analisado a partir das funções hipertextuais anafóricas e dêiti-cas marcadas ao longo do percurso digital. Delimitamos dentro de cada segmento as marcas de funções anafóricas e dêiticas hipertextuais deixadas pelos usuários. Identi-ficamos, no conjunto estudado, maior incidência de funções anafóricas, evidenciando o empenho do usuário em se manter no referencial proposto. A cada agrupamento de marcas com funções anafóricas e dêiticas, fizemos uma análise, refletindo sobre os seus significados e consequências para a referenciação hipertextual do segmento. Abaixo, exemplificamos uma dessas marcas através de uma tabela:

Anáfora de retornoMarcas da anáfora de retorno nos dados:

Tabela 1: Anáfora de Retorno.

Segmento DelimitaçãoAluísio de Azevedo 6. Retorno à página pessoal “aluísioazevedoesuavida”.

39. Permanência na página pessoal “aluísioazevedoesuavida”.

Cecília Meireles 2. Maximização da “Página da Internet” (Aparência do Site: Elementos do Site).29. Maximização da página: “http://pensador.uol.com.br/autor/cecília_meireles”34. Clique no botão “Voltar”, para retornar à página anterior.

Carlos Drummond de Andrade

9. Clique no botão “Voltar” da página “http://carlos-drummond-de-andrade.blogspot.com.br/”.10. Retorno à página de resultados google.

João Cabral de Melo Neto 17. Maximização da página pessoal: “cms.lilianemichele.webnode.com.br”24. Maximização da página “www.portalsaofrancisco.com.br/.../joao-cabral-de-melo.../joao-cabral...”

Kafka 8. Maximização da aba “Página Pessoal – Escritores”.

Machado de Assis 90. Maximização da página pessoal: “Bruxo de Cosme Velho”.

Fonte: elaborada pela autora

Capítulo 4 - Hipertexto: a não linearidade organizada

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8. Conclusões

A parte inicial deste texto teve a intenção de conduzir o pensamento para a questão da não linearidade. Não linearidade que perpassa nossas vidas das mais diferentes for-mas, seja no trânsito, seja no uso das tecnologias. Chamamos a atenção para evidenciar que a falta de linearidade não significa falta de organização. Por isso, buscamos através de movimentos de hipertexto, subsídios para refletirmos sobre como encontrar elemen-tos de organização para o hipertexto.

Nessa tentativa, deparamo-nos com um novo texto, que é produzido digitalmente a cada novo acesso no computador, um texto único e individual, dotado de ações e de movimentos oriundos de sujeitos.

Compreendemos que as ações físicas dos sujeitos geraram um conjunto de movi-mentos hipertextuais recorrentes, os quais identificamos com funções anafóricas e dê-iticas. Tais movimentos conduziram nossa análise à identificação de certa organização para o hipertexto, deixando evidente que a não linearidade não se faz presente quanto se trata de hipertexto, mas que é possível visualizar elos entre os movimentos hipertex-tuais e, com eles, uma organização referencial para o hipertexto.

Referências

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Capítulo 5

A TELA: aspectos topológicos

na construção de textos verbais e não verbais

Angélica Prediger

Dinorá Fraga

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1. Introdução

Este texto tem por objetivo ocasionar uma reflexão sobre a enunciação do texto na tela do computador. Começamos pelo gesto de lincar, chamado por Johnson (2001) de linking, em se tratando da tela do computador. Já na produção de sentido na página impressa, está explícito o movimento, tradicionalmente conhecido e aqui assumido como de escrever. O desafio é compreender no que o escrever do texto produzido pela linguagem analógica se difere do linking produzido pela linguagem digital e em que ambas as linguagens constituem modos diferentes de escrita. Nesse caso, os diferentes tipos de tela, assim entendendo, também, a página impressa em seus aspectos topoló-gicos, estariam sendo constituidores de diferentes modalidades de escrita? Este texto se propõe a fazer uma argumentação inicial sobre essa pergunta.

2. Hipóteses

Como hipótese inicial, estamos entendendo que há duas possibilidades de produ-ção de sentido que se materializam em dois atos de escrita para efeitos de interesse das reflexões propostas para este texto: a da página impressa e a da tela de computador. A partir da reflexão sobre a pergunta acima e buscando desenvolver essa hipótese, somos levadas a pensar nas implicações que essas escritas, como atos de produzir sentido, tra-zem no ensino e aprendizagem de línguas.

Dessa forma, pretendemos considerar, como ponto de partida, a tela, não como um mero suporte de ativação do interesse e do prazer ou como um elemento secundá-rio no processo de aprendizagem, mas como um ambiente constituidor de significados que nascem nas enunciações específicas, que são o lincar e o clicar como novos tipos de escrita, assim como se chama escrever o ato de pegar a caneta ou o lápis e agir sobre uma superfície plana bidimensional, que é o papel. Isso coloca a tela ou o papel numa posição de interface. Vamos começar situando os diferentes tipos de escrita como ligados a uma cultura específica, que é a cultura do sincretismo (CANEVACCI, 1997).

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Essa cultura produz um espírito de época que orienta para a coexistência de várias possibilidades de escrita que podem acontecer simultaneamente. A cultura do sincre-tismo permite apresentar o conceito de textos sincréticos trazido pela semiótica. A partir do conceito da semiótica de textos sincréticos, passamos a considerar insuficiente a ideia tradicional de que o texto não verbal complementa o texto verbal, ou vice-versa, para a compreensão e a produção dessa nova arquitetura de texto que se constrói na tela do computador, na tela do cinema e da televisão. Nosso estudo está delimitado na tela do computador, em contraponto ao espaço do papel, na escrita analógica.

3. A enunciação do texto na página impressa

3.1 Linearidade

A compreensão da escrita na página impressa exige que comecemos pelas caracte-rísticas tradicionais do signo linguístico, os quais organizam a compreensão do texto linguístico nesse espaço. Para Saussure, o signo une um conceito a uma imagem acús-tica, ou seja, o significado ao significante. Uma imagem acústica é a impressão psíquica do som de uma palavra, ou melhor, uma imagem sensorial. Podemos, por exemplo, falar conosco mesmos sem o ato articulatório. Uma imagem acústica é, portanto, a represen-tação da palavra enquanto fato de língua virtual, fora da realização da fala de acordo com Saussure.

O signo apresenta o caráter linear, no qual o significante acústico desenvolve-se no tempo, em extensão mensurável numa só dimensão: linha. A linha, própria da interface do texto impresso, contém elementos dispostos um após o outro, numa cadeia, linha após linha, página após página, sendo esta a característica primeira da interface papel que gera o texto verbal em linguagem analógica.

Capítulo 5 - A TELA: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais

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3.2 Previsibilidade

A arquitetura do texto na página impressa é caracterizada pela ordenação e lineari-dade dos elementos que o compõem, cuja forma de aparição se torna previsível ao leitor. Maturana (1987, p. 164) afirma, “Um sistema ser determinado estruturalmente signifi-ca que ele é determinístico e que, em sua operação, a escolha está fora de questão”. O fato de a aparição dos elementos da página impressa estar estruturalmente determinada tem como consequência a limitação de ação nesse espaço. A estrutura já é conhecida pelo leitor, o qual encontrará alternativas altamente previsíveis na sua interação com o texto.

3.3 Aspectos imagético e conceitual

Ao considerarmos o texto impresso como uma explicação de uma imagem, o aspec-to imagético permanece subordinado ao aspecto conceitual. Segundo Flusser (2007), a linha passa a ser o conceito dos fatos, o que mostra uma distância maior entre escrita e realidade do que entre imagem e realidade, já que mostrar fatos é mais fiel ao real do que conceber fatos. Encontramos, portanto, no texto impresso, uma distância significativa entre imagem e texto verbal, a qual justifica a ideia de que o texto não verbal comple-menta a racionalidade do texto verbal, no caso da escrita do texto no suporte impresso. Apresentamos, assim, os aspectos conceitual e linear como as características principais do texto verbal na interface papel.

4. A enunciação do texto na tela do computador

4.1 Imprevisibilidade

A respeito da arquitetura do texto na tela do computador, observa-se que esta é “insensível ao universo moral, ordenado, da narrativa linear” segundo Johnson

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(2001, p. 82), visto que seus elementos estão distribuídos sem uma ordem imprevisí-vel de manifestação, ou seja, organizados pelo critério da aleatoriedade. Aqui, o leitor encontra diferentes formas de interagir com o texto, na medida em que acompanha os links, ou seja, acessando links que ampliem ou minimizem imagens, permitam ouvir músicas ou conversas, disponibilizem um espaço para editar comentários etc. A forma de construção e manifestação dos textos se torna imprevisível, o que permite ao leitor maior liberdade de escolha sob sua sequência, linear e não linear e, logo, maior espaço de autoria.

4.2 O linking num campo de possibilidades limitado

Os links são acessados na medida em que o leitor se interessa por eles. Normalmen-te, empregamos o termo escrever para a ação de produzir sentido em ambas as super-fícies, na página impressa e na tela. Porém, produzir um texto na tela do computador produz novidades motoras, sensoriais e conceituais no ato de escrever. O que se observa é um movimento que visa a ligação, conexão de linguagens em mídias, os quais podem ser imagens, textos verbais, vídeos, músicas, websites. No caso da produção do texto, atualizado na tela do computador, os links são inter-relacionados através de uma lin-guagem de programação chamada HTML. Nesse caso, o campo de escolha é limitado pelo próprio programa. Em geral, os links se organizam dentro de um mesmo campo semântico, no caso de hiperlinks num mesmo texto. É um campo de possibilidades ilimitado, pelo qual o leitor vagueia de forma ilimitada e toma decisões toda vez que clicar num link. Chamamos isso de um movimento de linking em um sistema fechado. O leitor vai lincando elementos, pertencentes todos a um mesmo campo temático, que constituirão o hipertexto. Segundo Johnson (2001, p. 84), “Como a palavra sugere, um link – um elo, ou vínculo –, é uma maneira de traçar conexões entre coisas, uma manei-ra de forjar relações semânticas”.

Capítulo 5 - A TELA: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais

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4.3 Aleatoriedade

Segundo Machado (1993), existe um princípio não abarcado por Saussure em re-lação ao significante. É o princípio que diz respeito ao caráter horizontal, associativo do significante, o qual representa uma extensão indeterminada, infinita, incompleta, mensurável em diferentes dimensões: uni, bi ou tridimensional. Seus elementos não estão um após o outro, mas sobrepostos, interligados, lincados e distribuídos aleatoria-mente. Exemplificamos a aleatoriedade como característica apontada por Machado com o exemplo de uma página de blog10.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

10 Blog do corpus da pesquisa Objetos de Aprendizagem em Língua Portuguesa desenvolvido numa escola pública municipal no Vale do Rio dos Sinos/RS.

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Nessa página, diferentes elementos (fotos, títulos, listas, números, textos verbais) estão distribuídos sem uma sequência linear na tela. Isto é, os elementos estão distribu-ídos no espaço da tela segundo o critério de ausência de previsão linear: não é possível prever a lógica de distribuição dos elementos no espaço da tela porque não há uma fór-mula conhecida para tanto e nem o conhecimento da origem de tal distribuição, a não ser que o autor da distribuição seja interpelado sobre isso. Não há uma gramática que regule a distribuição dos elementos na tela como acontece com a gramática da língua.

Como podemos ver, à direita (de cima para baixo em listagem) há a imagem de um garoto, os nomes de diferentes meses que servem de link para os arquivos que foram produzidos em cada mês, o link quem sou eu, o nome de uma escola, o link Visuali-zar meu perfil inteiro e, por último, os nomes de outros alunos da escola que também possuem blog. Já do centro à esquerda da tela, encontramos uma imagem-link de um computador, uma narrativa que o acompanha, uma narrativa que trata de um sequestro, o link comentários e os títulos de cada narrativa que também são links. Essas são as dis-posições de uma parte do texto na topologia da tela como foi referido.

A aleatoriedade geradora da não linearidade produz um texto que não organiza um caminho pré-determinado de leitura, apenas insere um limite de possibilidades que a tela como espaço determina. A tela possui um limite de espaço físico. Já é conhecido o conceito de hipertexto como concepção de texto do ambiente informatizado. Exempli-ficando com essa página de blog, vemos que o uso de links aparece no espaço físico limi-tado da tela como uma estratégia de vencer as barreiras dos limites desse espaço físico através da abertura de janelas para o indeterminado, o imprevisível. Não tão imprevisí-vel assim porque as janelas se abrem dentro de um campo associativo gerado a partir de um primeiro link, enunciado no primeiro texto acessado. De qualquer maneira, o texto na tela se constitui nos sentidos do aleatório e de um relativo imprevisível. Ao contrá-rio do texto da tela analógica, a folha de papel, que é determinado.

No caso da página em análise, a imprevisibilidade relativa através da fuga pelas jane-las se deu por meio dos links: 2008, Outubro, Querem seqüestrar a Bina, Setembro, Julho,

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Junho, Maio, Visualizar meu perfil inteiro, Marilei, Rodolfo, Sabrina, MGPGUMSCTC, Comentários. As palavras e imagens em links permitem que o leitor saia desse plano e acesse outros blogs, acrescente comentários, visualize melhor uma imagem ou se dirija, unicamente, ao texto que tem interesse de ler.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

O link Julho está relacionando diversos textos produzidos no mês de julho. Um de-les é o texto intitulado “Minha autobiografia”. Esse título está lincado unicamente com o seu correspondente texto verbal. Logo abaixo, há a narrativa “E agora...”, acompanhada de uma imagem link, a qual permite que o leitor a visualize num formato maior. Além disso, há os links Postagens mais recentes e postagens mais antigas. Ao se decidir pela postagem mais antiga, o leitor visualiza a narrativa já escrita há mais tempo.

Capítulo 5 - A TELA: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Ele pode também visualizar detalhes da imagem ao clicar sobre ela, pois seu link permite isso:

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Além disso, na página inicial do blog, fora os textos verbais, há links para outros blogs e websites. Tudo está disposto aleatoriamente na tela, o que não exclui a ideia de que existe uma conexão entre os textos, já que um texto leva a outro texto, um blog a outro blog, um texto a uma imagem, a um vídeo, ou seja, um link leva a outro link. É como as raízes de uma planta: sobrepostas aleatoriamente e interligadas.

É possível utilizarmos uma metáfora da botânica, já utilizada por Deleuze e Guat-tari (1996). Os autores propõem a ideia do rizoma. Esse tipo de raiz se apresenta todo entrelaçado. Não existe nada fixo. Elas se encontram sobrepostas, interligadas, forman-

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do uma grande teia. Não existe começo nem fim. Assim é o blog. Os diferentes textos estão interligados. O próprio blog está lincado a outros blogs como as teias de raízes rizoma. A rede de raízes conectadas está interligada com a teia de raízes rizoma. São conexões que se multiplicam tanto que formam uma rede gigante, a qual contém vários centros. Essa rede gigante remete a um grande hipertexto, que é a rede mundial de computadores.

A aleatoriedade é decisiva na leitura de imagens e textos verbais, pois a disposição de diversos links em todo o espaço da tela faz com que o leitor vagueie o olhar pela tela e faça suas escolhas, em virtude de seu interesse. Ele escolhe os links, por cujos temas tem interesse.

4.4 Avanço-retorno

A qualquer momento, o leitor pode vaguear para outras páginas com outros textos, outras imagens, outros vídeos, enfim, acessar links que lhe interessam e ignorar outros. Dessa forma, ele pode interromper a leitura inicial e avançar para outras páginas para depois retornar, ou, simplesmente, continuar avançando através de outros links, igno-rando o retorno à página inicial. Flusser (ano), ao falar sobre a criação de imagens, diz que o homem ao criá-las precisa se afastar do objeto. Porém, ao mesmo tempo que se afasta precisa voltar a si mesmo. A imaginação (Einbildungskraft), segundo o autor, seria a capacidade de se afastar e de voltar a si mesmo. O abismo entre o ir e o voltar é grande. As coisas deixam de ser fenômenos para se tornarem apenas visíveis aquilo que se apresenta. Ao ir e voltar, o leitor pode ver as coisas em seus contextos, deduzir fatos para ações futuras. Enfim, recuar para saltar melhor, segundo o autor.

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Ao se decidir por visualizar o perfil inteiro do autor do blog (observe a seta indicati-va), o link leva o leitor a uma nova página, que manifesta a idade, os interesses, os filmes favoritos etc. do autor. Se tiver curiosidade em saber para onde leva o link procuro muitos amigos ele se decide por este link.

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

O link o leva a um bloco de informações, no qual é possível ver bloggers que com-partilham o mesmo interesse que Artur.

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Porém, o leitor, se quiser, pode avançar mais, acessando, por exemplo, o link Dois loucos e um blog, a fim de visualizar o perfil de seu autor. Ele é levado, então, a uma pá-gina com o perfil desse autor. Vagueando o olhar pela tela, pode lhe chamar a atenção o link clip de áudio, que o (a) autor (a) inseriu no seu blog. Observe seta indicativa:

Fonte: captura de tela realizada pela autora

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5. Finalmente...

Na produção de ideias não existem fins. Retomamos, apenas em caráter de finali-zação provisória do tema, neste texto, os principais aspectos que foram aqui tratados. Assim, vimos que:

- clicar, zapear e escrever são enunciações em diferentes espaços topológicos;- cada uma dessas enunciações é constituída em suas e por suas interfaces, seja digi-

tal ou analógica, não sendo, portanto, as telas ou o papel meramente suportes;- tais interfaces se constituem na tela, como superfícies planas bidimensionais que

orientam tanto as manifestações em linguagem digital como analógica (ser plana e ser dimensional);

- constituídas pelo caráter de superfície plana, bidimensional, a linguagem verbal se organiza como linha (sequência linear), e a não verbal se organiza pela lógica da ima-gem, que envolve uma sequência não linear;

- a escrita e a leitura de ambas (a produção de sentido) exigem modos cognitivos e culturais de escrita, que se pode chamar de sincretismo;

- o sincretismo envolve processos cognitivos em rede, não lineares, imersos na cultu-ra das miscigenações, do sincretismo, em que nossos alunos estão inseridos;

- as interfaces da linguagem analógica, principalmente o papel, produtor do texto impresso, são organizadas, materialmente, pela previsibilidade;

- as interfaces da linguagem digital, principalmente a tela do computador, constitui-dora do texto digital, são organizadas, materialmente, nas ações de clicar, pela imprevi-sibilidade relativa, visto que o hipertexto se organiza em torno de campos semânticos podendo haver um movimento indeterminado entre diversos campos semânticos.

A título de encerramento deste texto, trazemos uma afirmativa de Fraga (2012, p. 43-44), ao refletir sobre os impactos educacionais da cultura sincrética na educação:

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Se o perigo do uso de teorias consensuais é o desconforto do “já visto”, que significa o fortalecimento do consenso, que traz importantes implicações econômicas e políticas, devido ao custo que a hora de trabalho de um pesquisador tem para os cofres públicos e à sua responsabilidade na contribuição para a mudança de mentalidades, por outro lado, por permanecer no limbo do já pensado, garante uma zona de conforto para o pesquisador que vê seu trabalho sendo lido e aprovado pela comunidade de pesquisadores do qual faz parte. Por outro lado, instituir seu lugar em zonas de rupturas, acarreta, também, um duplo movimento. Trabalhar com teorias novas exige uma construção a um modo novo de gerar conhecimento, que, necessariamente nos pega despreparados. O resultado são aproximações incipientes dos conceitos aos nossos objetos de estudo, ou, mesmo, tendência a repetir como estratégia de apropriação da novidade. Contudo, se ganha política e economicamente pelas razões inversas às apontadas antes.

Referências

CANEVACCI, Massimo; MACHADO, Arlindo. Entrevista com os professores Máximo Canevacci e Arlindo Machado. Revista Fronteiras: estudos midiáticos, São Leopoldo, v. 2, n. 1, p. 171-184, 2000.DELEUZE, Gilles. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.FRAGA, Dinorá Moraes de; AXT, Margarete. (Org.). Políticas do virtual: inscrições em linguagem, cognição e educação. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011.JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001.MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997.

Capítulo 5 - A TELA: aspectos topológicos na construção de textos verbais e não verbais

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Capítulo 6

O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de

movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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1. Introdução

O presente texto tem como tema o caráter autopoiético do jogo digital como poten-cializador de movimentos de autonomia no desenvolvimento da língua alemã e objetiva apresentar a forma de organização das linguagens de um jogo digital de caça-objetos como potencializadora da autonomia na de línguas, no caso o alemão.

No primeiro momento, o artigo apresenta, a partir de Flusser (2007), algumas características das formas de produzir sentido, que se desenvolveram ao longo dos séculos, apresentando, para isso, o papel da linguagem verbal e da linguagem visual em diferentes épocas e, a partir de Donis A. Dondis (2007), a linguagem visual como uma capacidade natural do homem.

Em segundo momento, o artigo apresenta, à luz de Canevacci (1993), Kress (2009) e Levy (1993), o contexto midiático como um espaço em que ocorre uma nova forma de produzir sentido, baseada no sincretismo de linguagem verbal e linguagem visual. Além disso, apresenta, a partir das ideias de Lemke (2009), o conceito de hipermodali-dade para explicar a interação que ocorre entre diferentes linguagens em jogos digitais. Associado à hipermodalidade, o artigo traz a concepção de autopoiese, do campo da biologia, proposto por Maturana (2001), para compreender a forma de organização de linguagens em jogo digitais como potencilizadora de movimentos de autonomia.

O terceiro momento conceitua o jogo de caça-objetos e apresenta a sua forma de utilização em uma oficina de jogos realizada com alunos de língua alemã de Ensino Médio. Em seguida, o artigo apresenta uma análise dos vídeos produzidos na tela durante a oficina de jogos de caça-objetos. Nesse momento, são apresentados e teoriza-dos os nove movimentos de autonomia descobertos.

Por fim, o artigo aborda as implicações dos movimentos de autonomia descobertos para o ensino de língua alemã e o papel do professor no campo de inserção dos jogos digitais no ensino.

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2. O desenvolvimento da sociedade midiática

Esta seção se destina a provocar uma reflexão sobre a sociedade na qual estamos vivendo e sua relação com as mídias visuais da comunicação. Além disso, traz uma reto-mada histórica dos modos de produzir sentido, antes, durante e depois do surgimento da escrita, passando pela produção de imagens nas paredes das cavernas, pela produção de textos verbais escritos acompanhados de imagens, chegando à criação de imagens em telas digitais, que assume um importante papel na produção de texto da atualidade e na forma de comunicar. O texto torna-se visual, pois, em sua criação, passa a seguir a lógica da imagem.

É importante lembrar que o desenho de imagens já existiu muito antes da invenção da escrita, há pelo menos 2000 mil anos. O ato de desenhar imagens em paredes de ca-vernas (conhecido como pintura rupestre) foi bastante comum na pré-história. Flusser (2007) esclarece que o homem pré-histórico se comunicava por desenhos que, normal-mente, ilustravam animais, plantas ou alguma caça, em paredes de cavernas.

As figuras distribuídas na parede compunham uma espécie de imagem que em seu todo causava um efeito de sentido em quem as via e, mais do que isso, trazia uma men-sagem de alerta, uma explicação, uma orientação que colocava o leitor da imagem em ação. O homem atual é diferente do homem da pré-história ou da revolução industrial.

Além disso, Flusser (2007) cita que, na pré-história, o homem trabalhava com fer-ramentas rudimentares. No momento em que as ferramentas estragavam, o homem as jogava fora e construía novas. Segundo Flusser (2007), as partes homem pré-histórico e ferramenta tornaram-se uma unidade, pois uma exercia influência sobre a outra e de-pendia da outra. Flusser chama esse homem de homem-ferramenta. Uma ferramenta exercia a função de uma parte do corpo.

A imagem se torna menos visível quando surge a escrita. Flusser (2007) prefere dizer que a imagem foi rasgada em linhas e assumiu uma nova função, pois passou a ser-vir de elemento secundário, ilustrativo ou complementar do texto escrito. No auge da

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escrita, a produção de textos verbais passou a caracterizar uma nova forma de produzir sentido, que possuía como finalidade a preservação de ideias, explicações ou ensinamen-tos religiosos. Mais tarde, a imagem passa a ser utilizada em superfícies de vidro para ilustrar personagens e situações descritas na Bíblia.

No período da revolução industrial, a produção de sentido, ainda baseada em textos verbais escritos, mas dessa vez, em papel, passa a ser utilizada para instruir e preparar a sociedade para o trabalho no setor industrial. É notável que a finalidade da produção de sentido se modificou. Mudou porque as bases culturais, sociais e econômicas da sociedade se alteraram e novas necessidades surgiram. Nesse período, a imagem era utilizada, por vezes, para ilustrar textos escritos que orientavam para o trabalho. Por-tanto, permanece em plano secundário na produção de sentido. Nesse mesmo período, o homem passou a lidar com máquinas. A máquina também exercia a função de uma parte do corpo, porém, com alta velocidade e força. Quando uma máquina estragava, o homem era cuspido para a sociedade e substituído por outro, a máquina permanecia. Esse homem é denominado por Flusser de homem-máquina.

Atualmente, temos um homem que não lida mais com ferramentas ou máquinas, mas com aparelhos digitais. Ele não atua mais com as mãos, mas com a ponta dos dedos. Ele é denominado por Flusser de homem-mídia. Suas mãos não pegam mais coisas, mas não-coisas, ou seja, coisas quase que imateriais. A materialidade se tornou supérflua e, consequentemente, a transformação de elementos naturais em objetos, ou seja, o traba-lho, também. O homem de hoje quer vivenciar, desfrutar informações, divulgar, curtir mais um evento, informar. A ponta dos dedos ganhou o poder de produzir significados.

Após quase dois mil anos de uma produção de sentido baseada na produção de textos verbais escritos, Flusser (2007) afirma que a criação de imagens ressurge com toda a força, mas de uma forma ressignificada e com funções diferentes da imagem pré--histórica, pois mais uma vez a sociedade passou por transformações culturais, sociais e econômicas. Ou seja, o ato de criar imagens ressurge como uma forma ressignificada de produzir sentido. Hoje, o homem não cria mais imagens no computador para se

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proteger e caçar na floresta. As finalidades da produção de sentido por imagens podem ser múltiplas: sociais, comerciais, acadêmicas, profissionais, familiares. Talvez, algumas características da imagem pré-histórica possam explicar a imagem digital atual utilizada para a comunicação. Falo de características como a distribuição dos elementos que com-põem a imagem, a relação entre uma série de imagens, a relação entre os elementos que aparecem na imagem. A produção de sentido, antes baseada em textos verbais escritos em papel, está evoluindo para textos em forma de imagem em telas digitais. Segundo Kress (1998, p. 57),

(...) the visual may be more useful for transmitting large amounts of certain kinds of information. It also may be the case that the information-based economics of the post-industrial era (...) will need visual forms of representation and communication as more effective means of processing11.

Além disso, a materialidade do papel está se tornando supérflua. Flusser (2007) afirma que o homem lida com coisas cada vez mais impalpáveis, sem materialidade, pois está interessado em informar, divulgar e usufruir da informação. O autor chama os aparelhos que armazenam imagens de não-coisas, pois são quase que imateriais. A meu ver, textos como imagem, e não só textos ou só imagens isoladas, podem estar caracteri-zando a nova produção de sentido. Tal produção de sentido está proporcionando, além da divulgação e do usufruto da informação, novas e mais experiências cotidianas, como participar de um evento, comprar uma passagem aérea, comprar roupas ou calçados novos, encomendar um livro, ouvir uma música, assistir ao episódio perdido da novela, fazer um curso ou fazer uma reserva de hotel. Porém, também pode estar contribuindo para o consumo desenfreado e para práticas de violência de todas as modalidades.

11 (...) o visual pode ser mais útil por transmitir grandes volumes de certos tipos de informação. Tambem pode ser o caso de que a economia baseada na informação da era pós-industrial (...) necessitará de formas visuais de representação e comunicação como meio mais efetivo de processamento. (tradução nossa).

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Um estudo sobre o conceito de tecnoimagens proposto por Flusser (2007) ins-pirou outro estudo, sobre a imagem e a escrita em aparelhos digitais. O autor trouxe novas reflexões sobre a escrita e nos permitiu concluir que o que temos hoje nas telas são textos como imagem. Kress (1998) defende esse mesmo ponto de vista ao dizer que novas formas de representação visual surgiram na comunicação. A ideia de texto como imagem acaba com a função da imagem de complementar, ilustrar ou auxiliar o texto verbal escrito. Não se trata mais de justaposição ou integração de imagem e texto verbal. Se antes o verbal predominava, hoje, nas mídias da comunicação, o visual está predominando, e o verbal aparece como um acréscimo, conforme Donis A. Dondi (2007). Porém, não podemos virar o jogo e dizer que agora é o verbal que vai apenas complementar o visual. Uma linguagem não exclui a outra. Ambas, escrita e imagem, estão mais do que relacionadas.

O que se observa nas imagens das telas digitais é o sincretismo entre imagem e texto verbal. Canevacci (1996), em estudos sobre a cultura africana no Brasil, aponta para outra espécie de sincretismo: aquele sincretismo visto entre as culturas africana e portuguesa. A cultura africana dos escravos, por muito tempo, se mascarou como se fizesse parte da cultura portuguesa, justamente para sobreviver nessa sociedade. Após a abolição da escravidão, a cultura africana ressurge de forma modificada, o que se torna visível no samba, na capoeira e no candomblé.

Canevacci (1996) conceitua sincretismo como um jogo de mistura entre o conhe-cido e o estrangeiro e um disfarce do estrangeiro para sobreviver na comunidade. O disfarce não permitiu que a cultura africana voltasse a ser o que era, mas a ressignifi-cou. Da mesma forma, a imagem, por muito tempo apagada dos eventos de letramento, ressurgiu, mas de forma disfarçada de texto verbal para sobreviver e reestabelecer sua importância na comunicação. Uma vez disfarçada, não volta a ser o que era, por isso a imagem da tela não é a mesma imagem que complementa o texto ou que representa uma situação concreta nas cavernas como no passado.

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A escrita e a imagem aparecem de forma tão sincretizada que, muitas vezes, é difícil distinguir a linguagem verbal da linguagem visual, pois a imagem assume características da linguagem verbal, e a escrita adota aspectos da linguagem visual. A escrita assume cor e forma e a imagem se rasga em letras e linhas. Portanto, escrever na tela é muito mais que apenas escrever textos verbais. Escrever na tela é sincretizar o verbal e o imagético.

O cinema, a televisão e os computadores visuais são extensões modernas de um desenhar e de um fazer que têm sido, historicamente, uma capacidade natural de todo ser humano, e que agora parece ter-se apartado da experiência do homem. (DONIS A. DONDIS, 2007).

Segundo o autor, a evolução da escrita teria começado com imagens, pois, antes de produzir qualquer mensagem, até mesmo mensagens verbais, o ser humano forma ima-gens mentais e visualiza o processo, registrando-o ou inscrevendo-o em sua memória, ainda que não venha a iniciar qualquer comunicação interpessoal.

Isso significa que, mesmo na produção de sentido apoiada em textos verbais es-critos, o ser humano já faz uso de imagens, mesmo que mentais, que possibilitam sua comunicação. Além disso, o autor afirma que o homem sempre foi e será um criador de imagens: “Uma coisa é certa: o animal humano é um criador de imagens, e, seja como for que esse fato se manifeste, sejam quais forem os meios de comunicação usados e as finalidades pretendidas, nunca deixará de sê-lo” (Ibidem, p. 203).

E por que a sociedade está transitando novamente para uma produção de sentido visual? Donis A. Dondi (2007, p. 6) responde: “buscamos um reforço visual de nosso conhecimento por diversas razões; a mais importante delas é o caráter direto da in-formação, a proximidade da experiência real”. Ver seria uma experiência direta e mais próxima da realidade. Logo, o autor cita a transmissão ao vivo do fenômeno histórico da chegada à lua. A visualização dessas imagens correspondeu a uma experiência mais direta do que se as pessoas pudessem apenas ler sobre o acontecimento. Uma diferença é que a imagem mostra o fato e a escrita fala sobre o fato. Kress (1998, p. 58) acres-centaria que

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One is obvious to anyone who looks at a computer screen; the visual is there, and the possibilities even of producing written text focus on visual aspects-font-types and size, layout, visuals to accompany the linguistic text-much more so than did the former technology of typewriters and typesetting12.

Segundo Donis A. Dondi (2007, p. 12), “expandir nossa capacidade de ver significa expandir nossa capacidade de entender uma mensagem visual, e, o que é ainda mais importante, de criar uma mensagem visual”. Para ele, ver também é compreender e não apenas visualizar, distinguir um elemento. Criar uma mensagem visual que realmente produza o efeito de sentido desejado levando em consideração todo o contexto de co-municação e visando à coerência entre os elementos que compõem o texto e a organiza-ção não é tarefa simples:

(...) através da percepção visual, vivenciamos uma interpretação direta daquilo que estamos vendo. Todas as unidades individuais dos estímulos visuais interagem, criando um mosaico de significados (...). A inteligência visual transmite informação a uma extraordinária velocidade, e, se os dados estiverem claramente organizados e formulados, essa informação não só é mais fácil de absorver, como também de reter e utilizar referencialmente (Ibidem, p. 188).

Donis a. Dondi (2007) destaca que, no passado, a criação de imagens estava restrita a um grupo privilegiado de artistas, fotógrafos e diretores de filme talentosos, mas que hoje, com o avanço e surgimento de tecnologias simples, a produção de imagens é pos-sível para um público muito maior. Kress (1998, p. 58) defende esse mesmo ponto de vista quando diz que: “The ‘look of the page’ is now not a matter only for a specialised group of producers of texts; it is a general concern and the means for page design are readily there13.”

12 Algo que é óbvio a qualquer um que olhe para uma tela de computador; o visual está lá, e as possibilidades até mesmo de produzir textos escritos enfocam os apectos visuais de fontes, tipos, tamanhos e layout, elementos visuais que acompanham o texto linguístico muito mais agora do que quando da tecnologia anterior das máquinas de escrever e da impressão apenas em papel. (tradução nossa).

13 “A ‘aparência da página’ não é agora uma questão que concerne apenas a um grupo especializado de produtores de textos; é uma preocupação geral em que os meios para o design da página já estão lá.” (tradução nossa).

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Jogar ou produzir um jogo digital envolve justamente uma produção de sentido baseada em uma linguagem visual e em uma linguagem verbal escrita e, também, sono-ra. Os jogos são frutos do sincretismo entre escrita e imagem. O jogador, para atingir êxito na resolução de problemas, precisa saber se mover entre linguagem visual, verbal e sonora. Além disso, o jogo digital, devido à predominância de imagens, por vezes em 3D, garante ao jogador uma experiência mais direta com a informação e com toda a situação de jogo que se coloca diante dele. Esse pode ser um dos fatores que contribui para a motivação dos jogadores.

3. A nova produção de sentido no espaço da mídia

Segundo Lévy (1993), desenvolvem-se nos jogadores de jogos digitais competên-cias, como executar diferentes ações simultaneamente, pensar de forma acelerada e es-tratégica na resolução de problemas. O mouse e o teclado são as armas para a resolução de problemas. Quanto mais o jogador clicar, mais ele guiará seu próprio jogo, e mais problemas ele resolverá rapidamente. Cada click significa uma decisão. Quanto mais ele clica, mais decisões ele toma. Segundo o mesmo autor, as mídias da comunicação estão aí para deixar as pessoas mais inteligentes. Flusser (2007) esclarece que se, no passado, o trabalho do homem era caracterizado pelo uso de instrumentos rudimentares como o martelo, depois por máquinas, hoje o homem lida no trabalho e em diversas outras situações cotidianas com telas digitais. O martelo, da pré-história, representava uma extensão do braço, servindo como instrumento que ampliava a força própria do braço. A máquina, do período industrial, também era uma extensão do braço e das pernas, uma vez que intensificava a força e a velocidade que esses membros do corpo podiam atingir. Já a tela digital surge como uma extensão do cérebro, pois amplia e intensifica as conexões estabelecidas no interior desse órgão.

Na leitura de um texto impresso, temos um movimento linear, ordenado, na medida em que seguimos de uma palavra à outra, de uma linha à outra e de uma página à outra.

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A arquitetura do texto é linear. Hoje, surgem superfícies que conferem uma nova pro-dução de sentido à escrita. Conforme Johnson (2001), o texto na tela assume caracte-rísticas hipertextuais e é, portanto, insensível ao universo moral e ordenado da narrativa linear. O leitor constrói seus próprios caminhos, na medida em que se decide por links. Ele vagueia por links, toma decisões toda vez que clica sobre um link e conecta uma multiplicidade de textos. Segundo Röll (2003), não se trata de encontrar o fio condutor vermelho do texto, mas de traçar fios únicos entre os textos. Escrever na tela significa criar links. Lincar significa selecionar, recombinar e mudar textos. O resultado do ato de lincar é o hipertexto, um novo tipo de texto. Um texto em forma de uma corrente de textos como efeito do ato de lincar.

Em relação à arquitetura do texto na tela, observa-se que os textos dos jogos digitais (nomes, listas, números, títulos, gráficos, desenhos, fotos, vídeos, etc) estão espalhados de forma que não seguem uma ordem pré-concebida sobre a tela, ou seja, estão orga-nizados segundo o critério de imprevisibilidade. Não é possível reconhecer a lógica de distribuição dos textos, já que não existe uma regra conhecida sobre o surgimento da organização imprevisível desses textos na tela.

Todas as atividades bastante dependentes de objetivos pré-estabelecidos não possi-bilitam novos caminhos, novas alternativas, pois se concentram apenas sobre aquilo que se deseja alcançar. Impedir novos caminhos é o mesmo que impedir um link na tela. Um link conduz para fora e atravessa as fronteiras da tela. Uma margem já deixa a entender quão infinito, variável e rico poderia ser o conhecimento. Röll (ano, p.) aponta a apren-dizagem não rígida como importante princípio para a aprendizagem efetiva:

Por meio de questionamentos e atividades não rígidos o professor recebe por meio da interpretação das atividades por meio dos alunos conhecimentos sobre a apreensão cognitiva, criativa e de mundo do aluno. Atividades não rígidas atravessam a clássica disciplina motivada e provocada. Crianças e adolescentes estão envolvidas pela idéia de que algo diferente poderá ser feito. Esse método permite o desenvolvimento de estilos próprios de aprendizagem e é condição mínima no campo de inserção das mídias.

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Com a contribuição da citação acima, pode-se afirmar que o jogo digital favorece a procura autônoma de conhecimentos, pois motiva de forma intrínseca através da des-coberta e não do preestabelecimento de objetivos. Além disso, incentiva o jogador a criar seus próprios objetivos, ordem de jogar e estratégias para alcançar a resolução de problemas.

No espaço do jogo digital, como já foi mencionado, a leitura e a escrita ganham um novo sentido, caracterizado pela busca e pela criação de conexões entre textos de múl-tiplas linguagens. Por trás dessa nova forma de produzir sentido, encontra-se se uma nova forma de apreender as coisas, ou seja, de pensar. Röll (2003, p. 53) afirma que as crianças aprendem em ondas.

Contrário à teoria do psicanalista Piaget não existe um mundo visual separado de um mundo emocional e de um mundo auditivo, mas sim um mundo integrado. Desde o início da vida existe o pensar, o agir, o sentir e o apreender como atividades inseparáveis. Existe um mundo integrado, que se abre ao longo da vida para vários mundos.

Röll (2003) utiliza o conceito pensar cruzado, no qual o ouvir, o pegar, o cheirar, o agir e o falar se cruzam na infância. O cruzamento revela que a criança desenvolve sua inteligência com vários sentidos simultaneamente. O mundo é apreendido não de forma fragmentada ou em níveis, mas em sua totalidade. Da mesma forma um jogador de jo-gos digitais desenvolve um pensar cruzado, na medida em que as diferentes linguagens se cruzam e precisam ser compreendidas de forma interligada.

Segundo Kress (1998, p. 58), “(…) contemporary technologies of page or text pro-duction make it easy recombine different modes of representation-image can be com-bined with language, sound can be added to image, movement of image is possible”. E, segundo Gomes (2011, p.13), “tudo isso num visual diferente, que ultrapassa os limites do que chamamos de redação e entra no campo do design, da programação visual”.

Em um mundo marcado por princípios verbais escritos de produção do texto, esse se manifesta organizado segundo princípios imagéticos de produção. Como afirma Kress (2004, p. 9),

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Writing was the dominant mode in the prospectus, though there were some (black and white) images. The current home page is profoundly different. It is not organized following the logic of the traditional written page but following that of the image-based logic of contemporary pages14.

Dessa forma, é possível dizer que princípios de imagem regem a produção, a organi-zação e a exposição do texto na tela. Trata-se de um trabalho conjunto, em que imagem e escrita potencializam uma à outra. Kress (2004, p. 18) acredita que se a construção do texto é orientada por uma lógica da imagem, da mesma forma a leitura deverá assumir características próprias da leitura de uma imagem:

The new constellation of image and screen – where screen, the contemporary canvas, is dominated by the logic of image – means that the practices of reading becoming dominant at the practices derived from the engagement with image and-or depiction in which the reader designs the meaning from materials made available on the screen – and by transference back to the traditional media – on the new kinds of pages, which are now also organized on these principles and read in line with them15.

Lemke (2002, p. 1) traz o conceito de hipermodalidade quando diz que os novos textos não são apenas formados pela multiplicidade de linguagens, mas por uma intera-ção semiótica de palavra, da imagem e do som:

14 A escrita foi o modo dominante da matéria impressa, embora houvesse imagens em preto e branco. A página da web de hoje é profundamente diferente. Ela não é organizada seguindo a lógica da página tradicional escrita mas conforme a lógica baseada em imagens das páginas contemporâneas. (tradução nossa).

15 A nova constelação de imagem e tela - onde a tela digital, a canvas contemporânea, é dominada pela lógica da imagem - significa que as práticas de leitura dominantes estão derivadas do engajamento com a imagem e ou representação em que o leitor projeta o significado a partir de materiais disponibilizados na tela - e pela transferência de volta para a mídia tradicional - sobre os novos tipos de páginas, que agora também estão organizados segundo esses princípios e alinhados a eles. (tradução nossa).

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Hipermodality is one way to name the new interactions of words-, image-, and sound-based meanings in hypermedia, i.e. in semiotic artifacts in which signifiers on different scales of syntagmatic organization are linked in complex networks or webs. I will propose here that one useful way to understand the design resources afforded by hypermodality is to consider multiplicative combinations of the presentational, orientational, and organizational resources of each semiotic mode16.

O autor acredita que há uma interação entre as diferentes linguagens, e, portanto, vai além da ideia de múltiplas linguagens, propondo a concepção de hipermodalidade. O autor não desconsidera que cada modalidade de linguagem pode produzir sentido isoladamente, mas afirma que, quando entrecruzadas, essas linguagens geram novos efeitos de sentido que ultrapassam os efeitos produzidos por uma linguagem isolada.

Logo, o autor também leva em conta os princípios do hipertexto como organiza-dores das diferentes linguagens. Não haveria apenas conexões entre diferentes textos verbais escritos, mas também entre elementos textuais visuais, sonoros, escritos, numa rede de múltiplos entrecruzamentos entre esses elementos.

Hypermodality is the conflation of multi-modality and hypertextuality. Not only do we have linkages among text-units of various scales, but we have linkages among text-units, visual elements, and sound units. And these go beyond the default conventions of traditional multimodal genres17. (LEMKE, 2002, p. 2).

O entrecruzamento entre textos pertencentes a essas diferentes linguagens produ-ziria novos e múltiplos efeitos de sentido a cada recombinação.

16 A hipermodalidade é uma forma de nomear as novas interações de significados à base de palavras, imagem e som em hipermídia, ou seja, em artefatos semióticos em que os significantes em diferentes escalas de organização sintagmática estão ligados em redes complexas ou teias. Vou propor aqui que uma maneira útil para compreender os recursos de design oferecidos pela hypermodality é considerar combinações multiplicativas de recursos de apresentação, de orientação e organizacionais de cada modo semiótico. (tradução nossa).

17 A hipermodalidade é a fusão da multimodalidade com a hipertextualidade. Não só temos ligações entre unidades de texto de várias escalas, mas também vínculos entre as unidades de texto, elementos visuais e unidades de som. E estes vão além das convenções--padrão de gêneros multimodais tradicionais. (tradução nossa).

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Language and visual representation have coevolved culturally and historically to complement and supplement one another, to be coordinated and integrated (…) What kind of meanings can be made by combining verbal, visual, and other signs from other semiotic resource systems?18 (LEMKE, 2002, p. 3).

O que se percebe em um texto hipermodal é uma cooperação entre imagem e texto verbal que ultrapassa o horizonte de possibilidades de sentido de um texto apenas mul-timodal. A noção de hipermodalidade se ajusta à produção de sentido em jogos digitais, uma vez que articula imagem com escrita, escrita com som, imagem com som. Logo, um jogador se movimenta em meio à organização e interação de diferentes linguagens próprias de um jogo digital.

A organização e interação de linguagens presentes em um jogo digital estão rela-cionadas aos sistemas auto-organizados propostos pelo neurobiólogo Humberto Ma-turana (2002, 2001). O autor explica que existem sistemas com a capacidade de se auto-organizarem. No campo da biologia, é utilizado o conceito de autopoiese como a capacidade que os seres vivos têm de se definirem pela sua própria forma de organiza-ção. O produto de sua organização molecular seriam eles mesmos. Segundo Maturana (2002), os sistemas se definem (animais e homens) na medida em que eles continua-mente produzem a si mesmos. Eles, portanto, se autodefinem. Maturana (2002) no-meia animais, homens e plantas como sistemas autopoiéticos, justamente, porque se-riam unidades autônomas, que se autoproduzem e autodefinem. Logo, a autoprodução surge como um importante critério para definir a autonomia. De moléculas autônomas foram se desenvolvendo sistemas autônomos.

Autopoiese pode ser compreendida como autoprodução, na medida em que o ani-mal ou a planta continuamente produzem a si mesmos. Se imaginarmos a organização

18 Língua e representação visual têm co-evoluído culturalmente e historicamente para complementar e suplementar uma à outra, a serem coordenadas e integradas (...) Que tipo de significados podem ser produzidos através da combinação verbal, visual e de signos de outros sistemas semióticos a que se pode recorrer? (tradução nossa).

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autônoma dos sistemas, surge a autoprodução na forma de um processo e não de um fato pontual. As condições se organizam, produzindo moléculas, que se auto-organi-zam e formam seres vivos. Logo, a existência dos sistemas não é pontual, mas ocorre em processo. Processo ou dinâmica apontam para a ideia de movimento, pois não se trata de um fato pontual, mas sim de uma experiência que continuamente se renova. Um sistema não produz a si mesmo de um momento a outro, mas de forma dinâmica, em processo. Logo, o presente estudo parte da concepção de autonomia como um sistema autopoiético que é caracterizado pelas ideias de movimento, dinâmica e processo.

A autopoiese surge como um conceito que pode explicar a forma de organização de jogo. Um jogo digital pode ser denominado de sistema autopoiético, uma vez que o ar-ranjo de suas linguagens permite ao jogador auto-organizar seu jogo. As múltiplas lin-guagens que compõem o jogo são como as moléculas que vão se auto-organizando até produzirem o jogo em sua totalidade. O jogador, portanto, auto-organiza e autoproduz o seu jogo, definindo objetivos, estratégias, pistas, sequências à medida que movimenta as linguagens presente no jogo. Ao autoproduzir seu jogo, o jogador está desenvolvendo sua autonomia. Cada movimento de organização do jogo caracteriza um movimento de autonomia, que justamente ocorre com a finalidade de obter êxito no jogo e que se divertir. Assim, a forma com que as linguagens se organizam e interagem mobiliza e potencializa movimentos de autonomia, por parte do jogador.

4. Jogos digitais

Essa pesquisa de cunho empírico envolveu uma oficina de jogos digitais para alunos do ensino médio, que estudavam alemão como língua estrangeira em nível intermediá-rio. A oficina ocorreu no mês de abril de 2011, com duração de duas horas por semana. Com a oficina, objetivou-se investigar quais movimentos específicos de autonomia os jogadores realizavam. Os jogos envolvidos eram de caça-objetos em língua alemã. O corpus se deu por meio da filmagem de um jogo por semana. Os jogos envolvidos eram

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de caça-objetos, todos presentes no site www.deutschlandspielt.de, de forma gratuita por uma hora: Annabel; Nightmare on the Pacific; Abenteuer von Robinson Crusoé; Tatort Museum.

5. Análise dos movimentos de autonomia

A análise dos vídeos possibilitou a descoberta de nove movimentos de autonomia, os quais foram denominados pela própria autora.

Movimento aleatório

O primeiro movimento encontrado foi o movimento aleatório. Enquanto os joga-dores jogavam, era possível perceber que os seus cliks sobre a tela não seguiam uma sequência linear, previsível como ocorre quando escrevemos ou lemos uma página im-pressa. Ao contrário disso, os cliks seguiam uma ordem aleatória, imprevisível sobre a tela com a finalidade de descobrir o problema existente naquele espaço ou de encontrar objetos solicitados pelo jogo naquele espaço.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Com esse movimento, o jogador manifestava a sua capacidade de seguir seus pró-prios caminhos para encontrar soluções. Neste caso, é verificável um movimento de autonomia.

Movimento alternado

O segundo movimento encontrado foi o movimento alternado, em que o jogador associava diferentes objetos com diferentes espaços que poderiam ser úteis para solu-cionar o problema existente naquele espaço. Ao mesmo tempo em que alternava objetos para testar no espaço, alternava os locais em que poderiam ser úteis.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

O jogador não ficou atrelado a um único objeto, testando-o constantemente no mesmo lugar. A percepção de que precisava testar combinações entre o máximo de ob-jetos e locais foi fundamental para a resolução dos problemas. Nota-se, portanto, um movimento que visa combinações por meio da alternância de objetos e locais.

Angélica Prediger

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Movimento cruzado

O terceiro movimento foi denominado de movimento cruzado, uma vez que o jo-gador interligava os diversos espaços para o possível encontro dos objetos solicitados.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

O caos na distribuição dos objetos no espaço de jogo foi fundamental para a forma em que o jogador iria procurar os objetos. Se estivessem organizados de forma linear na tela, o jogador provavelmente seguiria uma ordem linear para procurá-los. Porém, como estavam espalhados de forma imprevisível, o jogador preferiu vaguear sobre o espaço e procurar links entre um lugar e outro para ver se achava os objetos. É visível, portanto, um movimento de cruzamento de espaços, que ocorreu da forma que a jogadora julgou melhor.

Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Movimento estratégico

Outro movimento encontrado foi o movimento estratégico, que mostra que a joga-dora desvendou a estratégia do jogo para esconder os objetos. Neste caso, o jogo escon-dia objetos sobre outros objetos da mesma cor, em locais com a mesma tonalidade do objeto, como disfarce de outro objeto, como parte de outro objeto, em locais escuros.

Fonte: captura de tela realizada pela autora

A jogadora percebeu a estratégia do jogo e a usou justamente para encontrar os ob-jetos solicitados. Assim, passou a clicar em locais escuros, sobre objetos da mesma cor do objeto pedido, sobre partes de outros objetos etc. A jogadora desenvolveu, portanto, uma estratégia de procura, o que revela um movimento estratégico.

Movimento interrupto e movimento temporal

Outro movimento descoberto foi o movimento de interrupção que é inseparável do movimento temporal. Neste caso, a jogadora interrompia atividades quando tinha dificuldades de cumpri-las e partia para outras atividades em outros espaços do jogo.

Angélica Prediger

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Depois de resolver problemas nesses espaços, voltava para realizar as atividades que havia interrompido.

Fonte: capturas de telas realizadas pela autora

A interrupção de atividades revela a capacidade de determinar autonomamente o tempo que acha necessário dedicar a tais atividades. A jogadora mostrou, portanto, a capacidade de decidir sozinha o tempo de dedicação a cada situação-problema, saben-do, porém, que não podia fugir dos problemas e que mais tarde precisaria voltar para resolvê-los, para poder seguir no jogo.

Movimento progressivo

Um movimento interessante encontrado foi o movimento progressivo, que mostra a capacidade do jogador de definir a progressão das atividades que deve realizar. Neste caso, o jogador adiava a resolução de situações-problema que considerava difíceis, como pensar numa forma de tirar a chave do focinho de um Rot-Vailer que se encontrava atrás de uma grade chaveada.

Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Já a atividade considerada fácil, como procurar uma lista de objetos naquele espaço, era executada imediatamente. Depois de realizá-la, partia então para a atividade que exigia mais raciocínio, já que era necessária para seguir no jogo. Com esse procedimen-to, o jogador acabava definindo a progressão das atividades, por meio da identificação do grau de dificuldade presente nessas atividades. O jogador revelou, portanto, um mo-vimento progressivo no jogo.

Movimento retornável

O penúltimo movimento encontrado foi denominado de movimento de retorno, que revelava a necessidade que o jogador sentia de voltar a cenários anteriores, a fim de encontrar algum objeto ou buscar uma informação para resolver a situação-problema do último cenário ao qual conseguiu chegar até o momento. Por meio da retomada de cenários, o jogador mostrou conferir importância à retomada de espaços, onde já havia resolvido problemas, para encontrar soluções para o último problema presente no mais recente cenário.

Angélica Prediger

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Voltando a cenários anteriores, o jogador percebia algo que ainda não tinha visto, compreendia as causas dos problemas recentes, encontrava soluções em objetos que já tinha visto em algum momento, conferia importância a discursos dos outros persona-gens que antes não pareciam lhe interessar. O jogador mostrou-se autônomo uma vez que reconheceu sozinho a importância da retomada de cenários e os retomou da forma que julgava necessária.

Movimento hipersignificativo

O último movimento descoberto foi o movimento hipersignificativo. Esse movi-mento revelou a tentativa de encontrar objetos por meio da associação dos objetos com espaços que não lhe eram comuns. A jogadora, ao contrário de relacionar os objetos com espaços em que normalmente se encontram, passou a associá-los com espaços to-talmente impróprios, onde, no fim das contas, justamente se encontravam dispostos.

Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Fonte: captura de tela realizada pela autora

Pode-se dizer que a jogadora atribui aos objetos novos significados no momento em que os associou a campos semânticos diferentes, incomuns. A partir dessa associação, o objeto passava a ter outro sentido, pois seu contexto era outro. A jogadora revelou, portanto, sua autonomia por meio de um movimento hispersignificativo.

6. Pedagogia da Mídia

A partir da descoberta dos nove movimentos de autonomia previamente discutidos, foi possível notar as vantagens do uso da mídia digital para o planejamento de situa-ções de aprendizagem autônoma. Atividades, tanto em meio digital quanto em meio impresso, que possibilitassem esses movimentos estariam favorecendo a aprendizagem autônoma. Porém, como Röll já afirmava, o espaço midiático assume um importante papel no desenvolvimento da autonomia, pois já está constituído de forma que possi-bilite movimentos autônomos. Os jogos digitais, por exemplo, possuem um arranjo de linguagens múltiplas que no meio impresso, muitas vezes, é restrito.

Angélica Prediger

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A interação de linguagens diferentes de certa forma contribuiu para a realização de movimentos de autonomia, pois foi em meio a essa interação que os jogadores come-çaram a enxergar pistas e a desenvolver estratégias que pudessem lhes ajudar a resolver os problemas. Portanto, a organização de linguagens que os jogos digitais apresentam é potencializadora da autonomia. Os jogadores precisaram desenvolver seus próprios objetivos, sequências de jogo, observar pistas, criar estratégias em meio à interação das linguagens verbal, imagética e sonora para atingir êxito nos jogos. A organização de linguagens própria do jogo e a hipermodalidade motivaram qualquer movimento de autonomia encontrado. Não se está querendo dizer que a autonomia é necessária para lidar com espaços midiáticos, mas, justamente, que ela é ativada, motivada e potenciali-zada nesse espaço devido ao caráter autopoiético do jogo.

No campo de inserção das mídias digitais, o professor não é mais aquele que, no sentido clássico, transmite conhecimentos e é o detentor dos saberes, mas sim aquele que joga junto. Nesse contexto, o professor assume a função de companheiro da apren-dizagem. É aquele que faz descobertas junto com os alunos, que mostra a mesma em-polgação dos alunos para resolver as situações-problema, que compartilha estratégias, que visa, principalmente, tornar os alunos autores da sua caminhada e dos seus conhe-cimentos.

Referências

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Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Angélica Prediger

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Capítulo 6 - O caráter autopoiético do jogo digital como potencializador de movimentos de autonomia na aprendizagem de línguas

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Capítulo 7

Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

Rosangela Silveira Garcia

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Este capítulo se configura, ao mesmo tempo, como uma síntese do fluxo de constru-ção das proposições do Grupo de Pesquisa Escrita na Tela19 e um convite à navegação em trilhas que se estruturam como norteadoras na constituição de possibilidades de produção de sentidos, através de movimentos de leitura, sobre os elementos que com-põem a escrita na tela e seus percursos.

Compreende-se a escrita na tela como um ato comunicativo que transfigura a mera transposição de códigos alfanuméricos para o ecrã; uma composição que vai ao encontro da teoria do sincretismo - desenvolvida em capítulo anterior - que propõe uma relação sincrética entre linguagem verbal e não verbal e que rompe com a visão antagônica do entrelaçamento da linguagem visual e verbal, mas defende-a sincrética, conforme pro-posição da teoria semiótica da linha francesa, que concebe que atuação das linguagens verbal e não verbal em conjunto tem como efeito uma produção de sentido diversa da que seria gerada a partir das materialidades das duas linguagens em separado. Acres-centa-se a esse sincretismo as características advindas da cultura digital, que imprimem, ainda, especificidades à construção do texto sincrético, visto que a ambiência digital proporciona a produção de textos a partir de uma plasticidade e de uma flexibilidade embutidas nas linhas de programação dos softwares aos usuários.

Com essa meta, os conceitos discutidos ao longo desta obra são agora apresentados através das representações gráficas fluxograma de processo e mapa conceitual20. O pri-meiro visando indicar o percurso de sentido dos mapas conceituais21 como um processo organizacional indicativo da direção dos fluxos de significações; o segundo para apre-sentar as relações estabelecidas entre os principais elementos que configuram a escrita na tela.

19 Grupo de Pesquisa Escrita na Tela: Dinorá Moraes Fraga (org), Raquel Salcedo Gomes, Rosangela Silveira Garcia, Keli Andrisi Silva Luz.

20 Os fluxogramas e mapas conceituais produzidos pela autora foram resultado das discussões do grupo de pesquisa Escrita na Tela e da leitura dos capítulos anteriores e objetivam servir como recurso visual da organização das proposições sobre o conceito de escrita na tela.

21 Mapa conceitual, segundo Gaines e Shaw (1995, p. 1), é “uma forma de diagrama especificamente direcionado para fornecer uma linguagem visual parecida com as características da linguagem natural do texto”.

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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De forma geral, a topografia do mapa conceitual (fig. 01) organiza os conceitos em nós do grafo – formatados em caixas ou círculos –, enquanto as relações entre os concei-tos são estabelecidas por meio de links, percurso formado pelas frases de ligação entre as linhas que unem os conceitos e as setas que indicam a direção da conexão entre eles.

Figura 01: Representação da Topografia do Mapa Conceitual

Fonte: elaborado pela autora

É importante ressaltar que a função mais importante de um mapa conceitual é de que ele se estabeleça como um instrumento capaz de evidenciar significados atribuídos aos conceitos e às relações que esses conceitos estabelecem entre si e com as proposições.

Não é objetivo dos mapas apresentados neste capítulo estabelecer uma organização hierárquica do conceito de escrita na tela. Os conceitos que se organizam em blocos interligados por setas estabelecem a direcionalidade da leitura e evidenciam a conexão entre eles. Dessa forma, o mapa traça um percurso de leitura visual das proposições definidas, configurando-se como uma ferramenta navegacional22 de uma rede de con-

22 Ressalto que os mapas conceituais apresentados representam o percurso de construção das reflexões do Grupo de Pesquisa Escrita na Tela sobre a temática da escrita na tela. Longe de se encerrar, serve como guia para novas leituras e novos olhares.

Rosangela Silveira Garcia

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ceitos. A apresentação de cada mapa conceitual será antecedida por um fluxograma indicativo de seus percursos de leitura e precedida por comentários complementares.

Escrita na tela e seus percursos

Figura 02 - Fluxograma Indicativo dos Percursos de Sentido do Mapa Conceitual Escrita na Tela e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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Figura 03 - Mapa Conceitual Escrita na Tela e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

O primeiro percurso, a construção da noção de tela digital como mediadora tecno-lógica e de liberdade criativa, foi construído a partir da assunção de que essa tela exerce um papel primordial na produção dos sentidos, pois os textos construídos em telas di-gitais, e para serem nelas lidos, necessitam estar em concordância com as possibilidades de acesso e leiturabilidade nessa ambiência. Os textos ali produzidos, geralmente, são acessados através de links. Sua formatação deve atender aos limites dessa tela, que se es-tendem para além do modelo impresso em papel, mas que possuem um espaço limitado em cada tela, que pode ser ampliado mediante o clique em outros links, que podem ser palavras-chave ou imagens. Esses são ícones que levam a outras páginas, ampliando a leitura e a escrita e possibilitando avanços e retornos, novos percursos na composição de um texto que se transfigura em distintas formatações, compondo novos e distintos gêneros, mas ainda restritos as possibilidades de cada software em que são produzidos.

Rosangela Silveira Garcia

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Em virtude de tal papel, não é adequado o uso do termo suporte para definir a tela digital, pois ela não meramente hospeda os textos ali produzidos, mas atua em sua for-matação, implicando também em um maior acoplamento do trabalho do produtor de texto às possibilidades de escrita nessa ambiência. A tela media a ação do produtor de textos ou leitor, sujeitos de linguagem, em seu produto, o texto, perpassado pela flexibi-lidade e fluidez plástica possibilitadas pela cultura digital. Assume-se que essa media-ção amplia a gama de ações criativas do sujeito de linguagem, pois a ele estão disponíveis um grande número de possibilidades de escolhas plásticas na decisão sobre cores, fon-tes, tipos, tamanhos, diagramação, efeitos de sombreamento, aproximação, afastamento, sublinhado, negrito, itálico, inserção de ícones e imagens no corpo do texto, de onde pode advir o exercer da liberdade criativa, sempre, porém, nos limites de cada software. Nesse sentido, a liberdade criativa é agenciada pelas decisões dos designers de softwares na escrita dos programas, os quais também podem ser concebidos como textos. Textos que possibilitam a produção de outros textos (SALCEDO GOMES, 2014).

Sincretismo e seus percursos

Figura 04 - Fluxograma Indicativo dos Percursos de Sentido do Mapa Conceitual Sincretismo e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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Figura 05 - Mapa Conceitual Sincretismo e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

O segundo percurso, acima apresentado, defende o sincretismo como uma tendên-cia da cultura digital e proposição básica para a compreensão da genealogia da escrita na tela. Para Hjelmslev (2003), que faz uso do termo em estudos fonológicos, o sin-cretismo é a suspensão entre a comutação de duas invariantes ou, em outras palavras, a superposição das grandezas de uma categoria. É fator gerador da dominância23 de dimensões do texto, que pode se constituir como obrigatória – quando a dominante é uma variedade – produzindo uma leitura linguística; ou opcional – quando ela é uma variação – produzindo efeitos de sentido gerados pelo contexto.

23 Hjelmslev (2003, p. 94) refere-se à dominância como a “solidariedade entre uma variante e uma superposição”.

Rosangela Silveira Garcia

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O sincretismo se manifesta por fusão quando é semelhante a todos ou a nenhum dos funtivos; e por implicação quando um sincretismo é idêntico à manifestação de um ou de vários funtivos – sempre voltado à perspectiva da hierarquia da substância. Ele pode ser resolúvel quando se introduz a variedade de sincretismo que não contrai a superposição que o estabelece e irresolúvel quando não permite a inferência analógica sobre o princípio de generalização na base dos resultados de análise do esquema lin-guístico (HJELMSLEV, 2003).

Textualidade e seus percursos

Figura 06 - Fluxograma Indicativo dos Percursos de Sentido do Mapa Conceitual Textualidade e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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Figura 07 - Mapa Conceitual Textualidade e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

O terceiro percurso representa o conceito de textualidade, sendo essa característica imperativa para que um texto24 seja compreendido e aceito como tal. Entretanto, quan-do se pensa em escrita na tela, é fato que alguns outros fatores devem ser integrados à discussão porque a textualidade referida é a que se configura como produto de uma cul-tura e de uma linguagem digital. A textualidade está presente na constituição do texto

24 “A constituição de texto passou a ser conceituada do ponto de vista discursivo como a interação de sujeitos sociais; a produção do texto passou a ser percebida como um evento em que entram em cena atores realizando ações linguísticas, sociais e cognitivas”. (LUZ, 2012 p. 19).

Rosangela Silveira Garcia

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digital, ou seja, na proposta deste estudo, uma textualidade sincrética que envolve textos sincréticos que se utilizam do sistema semiótico verbal e não verbal.

Quando se trata de textualidade no texto sincrético, é necessário ressaltar seu for-mato espacial de organização e construção que pode ser linear ou não linear. Segundo Salcedo Gomes (2013), a linearidade no texto está intrinsecamente relacionada à au-sência e/ou presença de hiperlinks.

A característica de hipertextualidade é outro fator importante na composição da textualidade do texto produzido na tela. De acordo com Fachinetto (2005, p. 1), o ter-mo hipertexto designa “um processo de escrita/leitura não linear e não hierarquizada que permite o acesso ilimitado a outros textos de forma instantânea”. O hipertexto é um texto composto de fragmentos de texto e de elos eletrônicos (links) que os conectam entre si e permitem a navegação projetada para além do texto inicial.

Segundo Salaverria (2005), o hipertexto permite o estabelecimento de conexões e caminhos de navegação aos usuários na composição de um texto que transcende a si mesmo e ressignifica a escrita digital e as formas de comunicação dela derivadas.

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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Textos sincréticos e seus percursos

Figura 08 - Fluxograma Indicativo dos Percursos de Sentido do Mapa Conceitual Textos Sincréticos e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

Rosangela Silveira Garcia

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Figura 09 - Mapa Conceitual das Operações Sincréticas e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

O quarto percurso discute o texto sincrético e seus percursos. Textos sincréticos aqui compreendidos como textos produzidos na tela digital, compostos por forma de expressão e substância de expressão.

A substância de expressão é gráfica e se mescla com mais de uma forma de ex-pressão – verbal, não verbal, sincrética – produzindo efeitos visuais ou figurativos que

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compõem uma unidade de sentido. Nesse contexto, a relação existente entre os elemen-tos que constituem o texto sincrético é de complementaridade, ou seja, um texto só é sincrético se seus elementos constituintes – integrados no mesmo enunciado – não estiverem dispostos isoladamente (TEIXEIRA, 2004).

Os textos sincréticos podem ser lineares ou não lineares. Os textos não lineares possuem dimensões de linearidade que produzem textos verbais ou não verbais. O tex-to não verbal é aquele que não se submete às linhas e aciona modos de pensamentos descontínuos – característicos da dialética da imagem no texto verbal – ou contínuos e globalizantes.

Segundo Teixeira (2009, p. 58), “nos textos sincréticos, a peculiaridade matérica das linguagens em jogo se submete a uma força enunciativa coesiva, que aglutina as materia-lidades significantes em uma nova linguagem”.

Textos digitais e seus percursos

Figura 10 - Fluxograma Indicativo dos Percursos de Sentido do Mapa Conceitual Textos Digitais e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

Rosangela Silveira Garcia

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Figura 11 - Mapa Conceitual Textos Digitais e seus Percursos

Fonte: elaborado pela autora

O quinto e último percurso, o conceito de textos25 digitais produzidos na tela como passíveis de sincretismo, foi construído com base na compreensão de textos digitais como artefatos culturais produzidos em diferentes esferas das práticas sociais.

No computador, o espaço de materialização do texto é a tela, o ecrã dessa forma se transfigura como campo físico e visual definido por uma tecnologia de escrita. Para Chartier (1994, p. 100-101),

25 Assume-se, neste artigo a concepção de texto como ato/fato simbólico, social e discursivo que se estabelece no processo comunica-tivo entre os sujeitos.

Capítulo 7 - Escrita na tela: percursos da construção de um conceito

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Rosangela Silveira Garcia

“se abrem possibilidades novas e imensas, a representação eletrônica do texto modifica totalmente a sua condição: ela substitui a materialidade do livro pela imaterialidade de textos sem lugar especifico; às relações de contiguidade estabelecidas no objeto impresso ela opõe a livre composição de fragmentos indefinidamente manipuláveis; à captura imediata da totalidade da obra, tornada visível pelo objeto que a contém, ela faz suceder a navegação de longo curso entre arquipélagos textuais sem margens nem limites. Essas mutações comandam, inevitavelmente, imperativamente, novas maneiras de ler, novas relações com a escrita.”

Segundo Bolter (1991), todas as formas de escrita são espaciais, mas a cada tec-nologia corresponde um espaço de escrita diferente, todas exigem um lugar em que a escrita se constitui – da cultura do papel à cultura da tela ou, quem sabe, a uma escrita que sai da tela e se projeta em um espaço imaterial (talvez uma escrita holográfica) – e se materializa

As mudanças provenientes do contexto da nova sociedade da comunicação e da informação inserem o pesquisador em um panorama singular de investigação, no qual as pesquisas se estabelecem em um cenário dicotômico em que coexiste o analógico e o digital. Partindo dessa compreensão, a reflexão, neste texto, se direciona não ao estabe-lecimento de um conceito fechado sobre escrita na tela, mas visa atender à demanda por reflexões sobre os modos de constituição da escrita e seus espaços de produção.

Defende-se que os estudos sobre a escrita produzida no contexto digital não podem se limitar ao ato contemplativo e à aplicação de teorias e concepções advindas do con-texto analógico, pois se defronta perante um panorama de acelerados avanços tecnoló-gicos, com o qual deve estabelecer um diálogo. Esse contexto remete à reflexão sobre a necessidade de repensar as acepções vigentes sobre a escrita no mundo digital a fim de oferecer suporte adequado aos estudos sobre a escrita na tela.

Devemos, enquanto pesquisadores, aceitar a ruptura com antigos parâmetros e pro-posições sobre as formas de constituição da escrita que, como observado, não atendem mais às necessidades da nova sociedade. Dessa forma, estudos sobre essa temática de-vem servir de propulsores e precursores de novos caminhos de investigação e estabele-cimento de novas premissas sobre a escrita.

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Referências

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Rosangela Silveira Garcia

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SOBRE AS AUTORAS

Sobre as autoras

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Angélica Prediger

Professora Mestre em Linguística Aplicada pela Unisinos. Seu trabalho de dissertação apresentou como foco as Percepções sobre a Diversidade Linguística e Cultural e o Desenvolvimento de Capacidades de Linguagem em um Projeto de Educação Linguística de Língua Alemã. Graduou-se em Letras Português/Alemão pela UNISINOS e pelo Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã (IFPLA). Interessa-se pela implementação de uma educação linguística de qualidade no ensino de línguas por meio dos Estudos do Letramento, da Pedagogia Culturalmente Sensível e do uso de novas tecnologias da comunicação. Atua como professora de língua alemã em escola de idiomas da região metropolitana de Porto Alegre. É falante das variedades Böhmisch, Westfälisch e Hochdeutsch do alemão.

Dinorá Fraga, Keli Andrisi Silva Luz, Raquel Salcedo Gomes, Rosangela Silveira Garcia e Angélica Prediger

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Dinorá Fraga

Doutora em Linguística e Semiótica pela USP. Professora do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis, onde desenvolve pesquisas sobre linguagens, tecnologias e ensino e aprendizagem de línguas. Autora de livros sobre o tema, publicados pelas editoras UFRGS, UNISINOS e Cortez. Seu livro mais recente foi Políticas do Virtual, publicado em 2012 pela Editora da UFRGS, em co-autoria com a professora Margarete Axt.

Sobre as autoras

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Keli Andrisi Silva Luz

Licenciada em Letras e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Possui especializações em Estudos Linguísticos do Texto (UFRGS) e Informática Instrumental para Professores da Educação Básica (UFRGS). Tem experiência docente no Ensino Fundamental e Médio e em tutoria em Educação a distância no Ensino Superior.

Dinorá Fraga, Keli Andrisi Silva Luz, Raquel Salcedo Gomes, Rosangela Silveira Garcia e Angélica Prediger

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164 Sobre as autoras

Raquel Salcedo Gomes

Licenciada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pela qual também é mestre e doutoranda em Linguística Aplicada. Especialista em Educação Integral Integrada na Escola Contemporânea pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação (UFRGS). É professora de Língua Inglesa na Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, atuando na educação básica e no ensino superior. Possui o título de Tradutora Pública e Intérprete Comercial pela Junta Comercial do Rio Grande do Sul. Tem experiência em pesquisa acadêmico-científica nas áreas de Literatura, Linguística Aplicada e Tecnologias Educacionais, com interesse nas relações entre linguagens e tecnologias, ontologias da educação contemporânea e tecnologias móveis.

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165Dinorá Fraga, Keli Andrisi Silva Luz, Raquel Salcedo Gomes, Rosangela Silveira Garcia e Angélica Prediger

Rosangela Silveira Garcia

Doutoranda em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009), Pós-Graduada em Gestão Escolar pela Universidade Castello Branco (2007), possui Graduação em Letras Português pela Universidade Luterana do Brasil (2004). Palestrante em cursos de formação docente, com foco nos seguintes temas: avaliação, linguagem, práticas pedagógicas e uso de tecnologias na educação. Em sua pesquisa de mestrado, investigou as concepções sobre aprendizagem do ser-escolar, especificamente os relacionados à língua materna, emergentes das vozes discursivas de pareceres descritivos dos escolares das séries iniciais do ensino fundamental. Atualmente, tem como foco a pesquisa em narrativas de vida como redes de si e a cultura do selfie no contexto digital.

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