eros e psique
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CienteFico. Ano II, v. I, Salvador, agosto-dezembro 2002
Eros e Psique
Apuleio
Vida
Apuléio ou Lucius Apuleius (125 – 164), filósofo e escritor satírico romano nascido em
Madaura, na Numídia (hoje Argélia), notável figura da literatura, da retórica e da filosofia
platônica de sua época. Educado em Cartago e Atenas, viajou pelo Mediterrâneo, estudando
ritos de iniciação e cultos. Profundo conhecedor de autores gregos e latinos, ensinou
retórica em Roma antes de regressar à África para casar-se com uma rica viúva. Em virtude
da oposição da família da noiva ao casamento, escreveu Apologia (173), uma espécie de
autobiografia. Escreveu, ainda, diversos poemas e tratados, entre os quais Flórida, coletânea
de trabalhos de eloqüência. Sua obra mais conhecida é O asno de ouro, uma narrativa em
prosa, em 11 livros, a que inicialmente chamou Metamorfoses - as aventuras do jovem
Lúcio, que é transformado, por magia, em burro e que só recupera a forma humana graças à
intervenção de Ísis, a cujo serviço se consagra e cujo episódio mais destacado dessa obra-
prima, o único romance da Antiguidade a chegar completo aos nossos dias, é a bela fábula
de Eros e Psique, que pode ser interpretada como uma alegoria da união mística,
relacionando cenas grotescas, terrificantes, obscenas e, em parte, deliberadamente absurdas.
O tema desta obra foi retomado por muitos escritores, entre os quais, no século XIX, os
poetas ingleses William Morris e Robert Bridges. Outras passagens também são
reconhecidas em Decameron, de Giovanni Boccaccio, no Don Quixote, de Miguel de
Cervantes, e no Gil Blas, de Alain Le Sage. Apuléio ou Lucius Apuleius morreu em
Cartago.
Obras do Autor:
Apologia/De magia [Apologia/Da Magia]
De deo Socratis [Do Deus de Sócrates]/
De genio Socratis [Do Demônio de Sócrates]
De mundo [Do Mundo]
De Platone et eius dogmate [De Platão e sua Doutrina]
Florida [Florilégio]
Metamorphoses/Asinus Aureus [Metamorfoses/O Asno de Ouro]
Lógica
Resumo da história:
Havia, numa certa cidade, um rei e uma rainha que tinham três filhas lindíssimas. No
entanto, a linguagem humana era incapaz de descrever ou pintar a extraordinária formosura
da filha caçula. Os mortais, ao invés de pedi-la em casamento, adoravam-na como se ela
fosse a verdadeira Afrodite, cujo templo e culto haviam sido esquecidos por causa da
jovem. A Deusa, irritada com a competição e com a beleza estrondosa de Psiquê, chamou
seu filho Eros e pediu-lhe que a fizesse apaixonar-se pelo mais horrendo dos homens. O rei,
temendo a cólera dos deuses por causa da beleza de sua filha, mandou consultar o oráculo.
A resposta veio, dizendo que a bela deveria ser levada ao alto de um rochedo, onde se
uniria a um monstro horrível. Eros, que ao invés de flechá-la se apaixonou por ela, ordenou
aos ventos que a transportasse para um vale florido. A jovem, ao acordar, viu-se em um
palácio de sonhos, riquíssimo, no qual foi servida e cuidada. Eros, a partir daquela noite,
fez de Psiquê sua mulher, mas sem deixar que ela o visse, desaparecendo antes do nascer do
sol. A fama correu pela cidade e as irmãs de Psiquê quiseram visitá-la. Eros, pressentindo o
perigo, avisou-a de que não deveria mostrar-se. Psiquê, lamentando sua solidão,
convenceu-o a deixar que suas irmãs a vissem e que fossem ao palácio paradisíaco. Eros,
contudo, determinou que sua amada jamais tentasse ver o seu semblante. As irmãs,
invejosas da riqueza e da beleza de Psiquê, visitaram-na novamente quando ela estava
grávida e, afastando qualquer suposta maldade com fingidas preocupações, convenceram-
na a desvendar o segredo e descobrir quem era o seu marido. Assim ela o fez enquanto Eros
dormia. Porém, uma gota de óleo fervente do candeeiro cai sobre o deus, que levanta vôo
no mesmo instante. O deus avisa à amada que ela será castigada pela sua ausência, e aí
começa o itinerário doloroso de Psiquê, submetida a diversas tarefas impostas por Afrodite,
na tentativa de que a bela desistisse de Eros[1].
1)Cúpido/Eros = O Amor
Nos tempos primitivos era considerado um dos grandes princípios do universo e até o mais
antigo dos deuses. Representa a força poderosa, que faz com que todos os seres sejam
atraídos uns pelos outros, além de ser responsável pelo nascimento e perpetuação de todas
as espécies.
O seu poder vai além da natureza viva e animada: ele também é capaz de unir os minerais,
os líquidos e os fluidos.
Sendo o deus da união, da afinidade universal, nenhum outro ser divino pode furtar-se à sua
influência ou à sua força: ele é invencível.
Não se sabe quem é seu pai, mas os poetas e escultores da Antiguidade Clássica concordam
em lhe dar Vênus/ Afrodite por mãe: é muito natural que Cúpido/Eros seja filho da beleza.
2) Psiquê: A Alma
Jovem grega, comparada em beleza a Vênus/Afrodite; é a mais nova das três belíssimas
filhas de um rei.
3) O mito
Apuleio, neste texto, traz uma importante alteração na forma de amar. Antes de Psiquê se
relacionar com Eros, este reino pertencia somente a Afrodite/Vênus, que propiciava as
uniões pelo desejo físico e pela necessidade de procriação. Afrodite/Vênus é caprichosa e
deixava deuses imortais literalmente sobre seu jugo, sem possibilidade nenhuma de
qualquer ação ou reação.
Antes de Psiquê, os demais heróis da mitologia greco-romana agiam todos por motivos de
ordem patriarcal: poder, conquista, civilização de tribos bárbaras, cultura, etc. Psiquê trouxe
a ordem do amor pelo amor. Cumprindo as tarefas propostas, ela transcende os limites
impostos aos mortais e vai abrindo e ampliando possibilidades antes impedidas.
Eros/Cúpido, apesar de ser um poderoso deus, estava sob a aparência de um jovem rapaz,
ainda longe de ser um homem maduro. Psiquê, por sua vez, “a que nasceu de uma gota de
orvalho”, era tão frágil quanto inocente e infantil. Ambos, assim, teriam permanecido
infantis e inconscientes se não fosse a luz ativada pela desconfiança e pelo medo.
Psiquê foi a primeira mortal que se relacionou intimamente com um deus e conseguiu
sobreviver, transformar-se e ainda transmutar a própria divindade. Afrodite/Vênus também
sai transformada, Eros/Cúpido amadurecido e o Olimpo (morada dos deuses) comemora
esse momento de comunhão entre deuses e mortais.
Psiquê é o arquétipo que nos redimiu da aceitação passiva do nosso destino graças à sua
coragem.
Observação: essa bela história narra, de forma alegórica, um antigo e importante rito de
passagem (cuja origem está nos primórdios do matriarcado), que tinha por finalidade
preparar a jovem menina para atingir a verdadeira essência do feminino ou, ainda, a sua
própria individualidade. O ponto culminante é a última tarefa, que se constitui numa morte
simbólica, onde a velha personalidade infantil, deve dar lugar à nova, que agora é adulta. A
união de Psiquê com Eros/Cúpido indica que houve uma verdadeira integração em nível
interior.
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[1] Ver continuação da história e sua análise no tópico “Letra”.
Meio
A cultura de um povo consiste em um conjunto de manifestações que reflete sua maneira
de conceber o mundo.
A grandeza da Grécia Clássica manifestou-se em diversos aspectos. Nas artes, as principais
realizações se deram na escultura e na arquitetura – estilos jônico, dórico e coríntio.
Dedicava-se máxima atenção à figura humana, investindo no realismo e nas emoções. Na
poesia, criaram-se os estilos épico e lírico, presentes, por exemplo, nas obras de Homero,
Hesíodo e Píndaro. O drama e a comédia do teatro grego também representaram
esplendorosa contribuição para a cultura universal.
No campo das ciências, desenvolveram a medicina, a matemática e a historiografia. Uma
das contribuições mais significativas, entretanto, está na riqueza mitológica, expressa pela
religião politeísta e antropomórfica. O politeísmo da Grécia Antiga remanesce de uma forte
herança indo-européia, que concebia o mundo como um grande palco onde se desenrola a
luta entre as forças do bem e do mal, com influência decisiva na constituição do que viria a
ser a “tragédia” na cultura grega. O fato de o povo grego nunca ter se concentrado em uma
única região topográfica também contribuiu para a perpetuação de uma perspectiva
religiosa descentralizada.
O extremo valor atribuído ao homem, no meio social grego, levava a uma concepção da
ética como imprescindível à prática da vida presente. Dessa forma, a religião possuía um
sentido moral que visava à organização da sociedade, não tendo a conotação de uma prática
coercitiva ou manipuladora, uma vez que não se caracterizava como uma instituição.
Dentro desse contexto cultural e religioso, o mito tem papel fundamental para o
entendimento do universo grego, já que se faz presente no “inconsciente coletivo” de tal
sociedade. Nesse sentido, o mito, enquanto ligado à experiência religiosa, envolve um tipo
de compreensão diferente da experiência racional, aberta para as mais diversas
interpretações. Assim sendo, não se opõe ao mundo real, mas, ao contrário, constitui a
própria realidade, representada na criação do mundo (cosmogonia) ou mesmo na relação
amorosa entre Eros e Psiquê.
Críticas
Com relação ao impulso orientado por Eros, a teoria freudiana mostra-nos que a civilização
é incompatível com as pulsões e com o princípio de prazer. É necessário que haja repressão
para que os impulsos animais se convertam em impulsos humanos. O homem animal
converte-se em ser humano através de uma transformação fundamental de sua natureza; ele
deve abandonar o princípio de prazer e se submeter ao princípio da realidade, abandonando
a livre satisfação das pulsões, submetendo-se às restrições da civilização. Sob o princípio
do prazer, o homem seria apenas um animal com impulsos cegos; tendo a liberdade de
perseguir seus objetivos naturais, seria impossível a existência da sociedade civilizada. No
entanto, a felicidade não seria a finalidade da civilização, pois o que Freud denomina
felicidade é, preferencialmente, a satisfação de necessidades acumuladas no mais alto grau;
é a satisfação repentina dessas necessidades; é a constante busca da realização da satisfação
pulsional, de fome e de sexualidade. Sendo assim, a própria natureza humana é incapaz de
atingir a felicidade; ela é eternamente insatisfeita, pois, para Freud, a coação, a dilação do
prazer e o sofrimento são pré-requisitos dessa civilização. Sua teoria revela, portanto, a
vinculação íntima entre civilização e barbárie, progresso e sofrimento, liberdade e
infelicidade.
Dessa forma, a teoria freudiana deve ser complacente com essa civilização na medida em
que não admite a possibilidade de uma civilização não repressiva. Para Freud, a sociedade
não tem meios suficientes para sustentar a vida de seus membros. Assim, as energias da
atividade sexual devem ser canalizadas para o trabalho como uma forma de sublimação.
Freud considera que é eterna a luta pela existência, assim como é eterna a luta entre
princípio de prazer e princípio de realidade. Daí ser inevitável e irreversível o processo de
repressão. Na opinião de Freud, todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização, pois
os sacrifícios que esta lhe impõe tornam-se um pesado fardo. De acordo com esse
raciocínio, toda a civilização se mantém através de uma dominação organizada das pulsões.
O princípio de realidade imposta por nossa civilização organizou o progresso para a
genitalidade de tal modo que os impulsos sexuais e suas zonas quase foram
“dessexualizadas”. Tudo isso com a finalidade de se ajustarem aos pressupostos de uma
organização social repressiva. “O princípio de prazer não foi destronado unicamente porque
trabalhava contra o progresso da civilização, mas também porque trabalhava contra uma
civilização cujo progresso assegura a sobrevivência da dominação e o trabalho árduo.”
(Marcuse, 1955, p. 46) “Nesta sociedade o trabalho se generalizou, assim como as
restrições impostas à libido: o tempo de trabalho, que ocupa a maior parte da vida do
indivíduo, é um tempo penoso, porque o trabalho alienado é a abstinência da satisfação e a
negação do princípio de prazer. (Marcuse, 1955, p. 50) Assim, essa civilização pode ser
viabilizada como uma luta dialética entre as forças do Amor e da Morte, em que a derrota
de Thanatos (Morte) só poderia ser assegurada através da liberação de Eros (Amor),
adotando o dualismo pulsional de Freud para argumentar que o futuro da humanidade
dependia da aptidão do homem para inverter a tendência basicamente repressiva da
civilização moderna.” (Robinson, 1971, p. 166)
A dinâmica entre Eros e Thanatos tem sua expressão na estrutura pulsional do indivíduo e
na base da civilização. Eros é o pai da civilização; sua função é unir os indivíduos em
unidades cada vez maiores de vida, famílias, raças, povos e nações. Para que exista
civilização é necessário que os homens estejam libidinalmente unidos. Eros é a pulsão de
vida. Os homens são motivados pelo amor e pela necessidade; a necessidade favorece a
pulsão de autoconservação; o amor contribui para a perpetuação da civilização. Porém, uma
parte da pulsão de morte é dirigida para o mundo exterior, manifestando a agressão e a
destruição na civilização, e, à medida que atua como um poder agressivo, torna-se uma
ameaça à sociedade civilizada.
Em suma, a função de Eros é combinar as substâncias vivas em unidades cada vez maiores;
é o impulso que preserva e enriquece a vida mediante o domínio da natureza. Por
conseguinte, a moralidade é, antes de tudo, uma disposição do organismo que está
enraizada no impulso erótico. O objetivo dessa moralidade, uma vez pertencendo a Eros, é
o de combater os impulsos destrutivos. A luta pela existência é a luta pelo prazer, portanto a
razão deve se transformar em Eros; o Logos (essência humana) deve orientar o princípio de
prazer, não devendo ser mais um Logos dominador e repressivo, mas um Logos de
contemplação e receptividade de prazer.
Freud comparou a libido (pulsão sexual) à Eros, o instinto da vida. No texto de 1905, Os
Três Ensaios sobre a Teoria Sexual, Freud trata o indivíduo humano como um ser de desejo
que ama e odeia. A idéia de prazer é marcante no texto, pois para ele o que rege os seres é
o prazer constante.
Contudo, fazendo um paralelo entre Freud e o mito, destaca-se que o mito é determinado
pelo jogo dos desejos inconscientes, daí ter sido o mito fundamental para Freud criar a
psicanálise, já que ele se aproxima mais do inconsciente do que das teorias empíricas,
estando perto do sonho e da poesia.
Experiência
Primeiramente, o orientador trabalhou o mito de Apuleio em sala de aula como orientação
para a leitura individual. Posteriormente, os alunos foram incentivados a pesquisarem mais
sobre o assunto, abordando temas como: deuses, Eros, Psiquê, mito, ódio, amor,
paganismo, Grécia, mitologia, Afrodite (Vênus), Zeus (Júpiter).
Cada equipe direcionou sua pesquisa para temas específicos. A maior dificuldade
encontrada foi relacionar o erotismo com o mito, visto que não se encontra material
bibliográfico de pesquisa sobre o assunto.
Com o material obtido, cada equipe colaborou na montagem de um painel explicativo, no
qual ficaram esclarecidas as expectativas, os resultados e as fontes.
Durante o processo de estudo, muitas dúvidas surgiram, dentre elas: “Por que os gregos
tomam seus mitos como uma verdade e não como uma mera ficção?”, o que acabou sendo
alvo de incentivo do professor para uma busca mais detalhada. Mais detalhes sobre as
dúvidas e discordâncias de opiniões dos comentadores podem ser encontrados nos outros
tópicos.
Por tudo isso, é perceptível o quão importante foi discutir sobre o mito, na medida em que,
num primeiro contato, não entendemos o que realmente queria ser transmitido. Quanto mais
nos aprofundamos em nossas pesquisas, entendemos o real valor dos mitos para a sociedade
da época e, assim, compreendermos melhor nossa realidade, oriunda em grande parte da
mitologia, tanto nas tradições quanto nos valores e no comportamento. Os mitos foram a
primeira forma de buscar uma explicação para o que ocorre no universo, e isso foi de suma
importância no desenvolvimento da ciência.
E a Psi com isso?
EROS é o amor personificado. Em grego vem do verbo érasthai, “desejar ardentemente”, e
significa, com exatidão, “o desejo incoercível dos sentidos”. Em indo-europeu tem-se o
elemento em “comprazer-se, deleitar-se”, com o qual, talvez, se possa fazer uma
aproximação.
PSIQUÊ é igualmente a alma personificada. Em grego, psykhé, do verbo “soprar, respirar”,
significa tanto “sopro” quanto “princípio vital”.
O mito de Eros e Psiquê, embora de origem grega, chegou até nós como uma verdadeira
novela no romance Metamorfoses, do escritor latino Lúcio Apuleio.
A lenda de Cúpido e Psiquê é geralmente considerada alegórica. Psiquê, em grego, significa
tanto borboleta como alma. Não há alegoria mais notável e bela da imortalidade da alma
como a borboleta que, depois de estender as asas do túmulo em que se achava, depois de
uma vida mesquinha e rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e torna-se um dos
mais belos e delicados aspectos da primavera. Psiquê é, portanto, a alma humana,
purificada pelos sofrimentos e infortúnios e preparada, assim, para gozar a pura e
verdadeira felicidade. Alguma semelhança com alguma religião?
Não existe vontade sem desejo prévio. Segundo Freud, “Nada, exceto o desejo, é capaz de
pôr em ação o mecanismo mental”. O desejo humano não é um simples impulso do
passado, um apelo de necessidades primitivas exigindo satisfação; é uma formação do
futuro, um amoldamento por processo simbólico, que inclui tanto a memória como a
fantasia daquilo que esperamos, sendo o futuro constituído. O desejo é o início de nossa
orientação para o futuro, uma admissão de que desejamos que o futuro seja desta ou
daquela maneira; é a capacidade de mergulhar no próprio íntimo e nos entregarmos ao
anseio de modificar o futuro.
Analisando o comportamento de Psiquê e a partir do estudo de fragmentos de cunho
psicológico, concluímos que a dúvida pela qual Psiquê foi submetida, aparentemente,
sugere a revelação do seu amado, embora a verdadeira raiz esteja no desejo de desvendar a
si próprio, a busca pelo seu eu interior, seu ego. E, segundo D. Lagache[1], a formação
do ego ideal tem implicações sadomasoquistas, especialmente a negação do outro, que está
em correlação com a afirmativa de si mesmo.
A partir da correlação do mito Cúpido e Psiquê com as idéias filosóficas de Sócrates – a
necessidade do questionamento –, inferimos que a dúvida e a desconfiança, apesar de
aparentemente perturbadoras, são extremamente necessárias para um maior
aprofundamento do conhecimento. A psicologia baseia-se no questionamento, na dúvida,
na necessidade de se conhecer aquilo que está além, o oculto. Hoje, mesmo com o contínuo
esclarecimento de nossas dúvidas e com o rompimento de barreiras extremamente densas e
há algum tempo consideradas como impossíveis de serem vencidas, o ser humano ainda é
aguçado pelas irmãs de Psiquê a desvendar os amores ocultos.
A iniciação à filosofia pela teoria do conhecimento firma-se na essência do idealismo. Isso
se deve ao fato de que, antes de tomarmos uma decisão, é fundamental que se analise todas
as possibilidades e as conseqüências que podem ocorrer. Esse é o método conhecido como
descrição fenomenológica do conhecimento; está dividido em três etapas: 1) Encontrar os
elementos que constituem o conhecimento; 2) Observar a estrutura desses elementos, como
se condicionam uns aos outros; 3) Identificar que função desempenha na complexidade do
conhecimento. Além disso, a fenomenologia do conhecimento está intimamente ligada a
três esferas essenciais da filosofia: a psicologia (já que no conhecimento há vivências), a
lógica (já que no conhecimento há vivência de enunciação na qual se enunciam teses,
proposições, afirmações ou negações) e a ontologia (porque no conhecimento as vivências
de enunciação que recaem sobre um objeto são vivências de enunciação de algo acerca de
algo. Portanto, o idealismo é primordial e antecede a concretização).
Pelo fato de o mito expor minuciosamente não apenas a origem do mundo, dos animais, das
plantas e do homem, mas também a de todos os acontecimentos que influenciaram e
influenciam no comportamento do homem, é possível estabelecer uma relação entre o conto
e a psicologia, visto que essa ciência estuda o comportamento humano partindo da
observação dos fatos psíquicos, definindo suas causas e leis.
Para compreendermos nossa psique, objetiva e subjetiva, além do pressuposto teórico da
dinâmica e da estrutura psíquica, ela busca fundamentos nas bases constitucionais da
humanidade, tais como: Mitologia, Alquimia, Religião Comparada, ou qualquer outro fator
que constitua o alicerce da humanidade (significado de arquétipo pela análise junguiana).
As semelhanças entre a psicologia e os mitos são tão grandes e numerosas que só com um
estudo aprofundado poderíamos, talvez, esgotar um conteúdo tão rico. Algumas delas são:
· Caráter idealístico e uso de metáforas:
A mitologia utiliza a fantasia e a imaginação para descrever personagens divinizados
(deuses e semideuses) e narrar episódios que aconteceram antigamente (origem do mundo,
do homem, ...), explicando-os através de metáforas. O mesmo acontece com a psicologia,
que, para desvendar, por exemplo, os sonhos (conjunto de imagens que se apresentam
inconscientemente ao espírito durante o sono ou, ainda, nosso “Si-mesmo”), faz
associações com profundidade oceânica (uso do sentido figurado dos termos).
Segundo Jung (fundador da psicologia analítica e descendente de Freud), quando dormimos
tornamo-nos semelhantes a Hércules, ou Psiquê, e mesmo um temível Hades, ou Perséfone.
Desta forma, descemos ao sombrio e misterioso mundo ditado pelos deuses e retornamos na
possibilidade de resgatar uma condição mais divina de viver.
· Caráter transformista
O próprio título do mito Eros e Psiquê, Metamorfoses, deixa clara a proposta de Lúcio
Apuleio (mitógrafo) de decodificar a alma, muito bem representada por Psiquê
(personagem), exteriorizando a sua transmutabilidade. Para a Psicologia, a mutabilidade é
inerente ao homem. Ele busca deliberadamente o caminho evolutivo através do
autoconhecimento, do domínio emocional, da administração sentimental, etc.
“A autoconquista equivale a um processo de transformação.”(Cid Marcus Vasques – 1996
);
· A Dubiedade
A solidão presente em Psiquê despertou a dúvida e a necessidade de conceber a realidade e
a verdade por meio da verificação experimental. A psicologia propõe, dentre outras coisas,
o conhecimento da alma pela experiência.
O experimento consiste na provocação determinada do processo a ser investigado, com a
finalidade de compreensão. Kant denomina experimento como sendo uma pergunta à
natureza.
Vários sentimentos induzem o homem ao questionamento: a inveja, o desrespeito, a
solidão, etc.;
· Sentimento de complementação
Quando Psiquê procura Eros desesperadamente arrependida da injustiça que cometera, ela o
faz procurando prazer, claro, mas a verdadeira intenção é a de complementar a alma.
Fazendo uma analogia, a Psicologia também busca esse “complemento” para melhor
entender o comportamento humano. Essa busca inesgotável se deve à complexidade da
mente. Por isso, existem várias doutrinas absurdamente diferentes numa mesma ciência,
explicando muito bem uma parte do objeto de estudo. Não existe nenhum pensamento que
dê conta de toda a psicologia;
· Evolução da consciência
A figura heróica exerce um poderoso fascínio em nossa psique, pura e simplesmente por
personificar o desejo e a figura ideal do ser humano; ela nos impele e nos mobiliza
internamente, nos faz repensar; seus medos e sofrimentos, seus combates, vitórias e
derrotas, fundamentalmente, sua luta pela sobrevivência, fazem com que nos sintamos
identificados com esse arquétipo.
Para a Psicologia, essa jornada heróica nada mais é do que a evolução da consciência; ela
representa o ser humano exemplar que se esforça por uma renovação social, pelo domínio
criativo da vida e pela ampliação da consciência; seu caminho não é algo masculino ou
feminino, mas um padrão atuante no ser humano, de modo geral.
“Segundo a análise psicológica, as imagens, os símbolos e os mitos não são as criações
irresponsáveis da psique; eles respondem a uma necessidade e preenchem a função de
revelar as mais secretas modalidades do ser.” (Mircea Eliade)
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[1] Dr . Lagache, psicanalista, autor do livro “A psicanálise e a estrutura da personalidade”.
Linha do Tempo
Por uma questão de clareza, não se pode falar do mito grego sem antes traçar um esboço
histórico do que era a Grécia desde o período arcaico, onde houve o desenvolvimento das
instituições básicas do mundo grego, do período clássico, que foi propriamente quando
surgiu o mito de Eros e Psiquê, e do período helenístico, marcado por guerras e pela fusão
das culturas grega e oriental.
Foi no período arcaico que a pólis se estruturou. Esta, como a mais célebre instituição
grega, consistia numa cidade-estado, que era a base da organização política dos povos
gregos. A pólis era formada pela acrópole, a parte alta da cidade, e as terras em volta,
utilizadas na agricultura, sendo considerada o centro religioso, político e econômico da
região que a cercava.
Somente os cidadãos, ou seja, todos, exceto os servos, escravos, estrangeiros e mulheres,
organizavam a vida política, econômica e religiosa da pólis.
Dessa forma, a Grécia passou por um processo de tirania com Psístrato, que transformou
Atenas[1] num poderoso estado marítimo, mas deixando uma parte da população
descontente. Então, após a sua morte e a de um de seus filhos, que o sucedia, o outro
acabou perdendo o apoio da maioria, dando espaço às reformas de Clístenes, que visavam
criar um estado baseado na igualdade política de todos os cidadãos e na participação de
todos no funcionamento do governo, através do ostracismo, que controlou a população e
possibilitou a consolidação da democracia escravista.
O Período Clássico representou o apogeu da pólis. Neste, a filosofia, a poesia, a ciência, as
artes, o direito, o estatuto de cidadania e o debate de idéias atingiram níveis de
desenvolvimento até então inexistentes. No entanto, esse desenvolvimento só foi possível
devido à ação esmagadora sobre o campo, que era baseado no trabalho escravo, gerando
assim problemas de abastecimento em que, para superar tais problemas, uma das saídas
encontradas pelos gregos foi a colonização de novas terras. A monopolização dessas terras
pela aristocracia (representada pelos tiranos) propiciou o desenvolvimento da democracia
grega.
Foi nesse momento que ocorreu o apogeu da Grécia, embora concomitantemente tenha sido
um período de muito envolvimento com guerras greco-pérsicas, que fizeram com que
Atenas e Esparta[2], as duas cidades hegemônicas, superassem divergências e se aliassem
contra o inimigo comum. Isso resultou na vitória da Grécia, e como as principais vitórias
gregas foram obtidas no mar, a cidade de Atenas passou a exercer a hegemonia em todo o
território grego. Esta, por sua vez, impôs o seu imperialismo sobre o mundo grego.
Durante o governo de Péricles, que exerceu um cargo de principal estrategista por trinta
anos, Atenas atingiu o ápice de sua vida política e cultural tornando-se a cidade-estado mais
proeminente da Grécia.
O período Helenístico (de 336 a 146 a.C.) foi marcado pelo declínio da pólis grega devido à
Guerra do Peloponeso, que proporcionou a decadência do mundo grego, o fortalecimento
dos regimes aristocráticos e o declínio da democracia, possibilitando, assim, a conquista da
Grécia pela Macedônia.
A hegemonia ateniense dominante após a vitória grega sobre os persas nas Guerras
Médicas gerou a reação das demais cidades-estados lideradas por Esparta. A rivalidade
econômica e política entre Atenas e Esparta e as cidades aliadas, ou seja, Confederação de
Delos X Liga do Peloponeso, respectivamente, desencadeou a Guerra do Peloponeso
(431/403 a.C.), trazendo destruição, conflitos sociais e empobrecimento das pólis. A vitória
espartana na Guerra do Peloponeso não gerou paz, mas acarretou a hegemonia desta. Os
vários confrontos e rivalidades enfraqueceram os gregos, facilitando a invasão e o domínio
macedônico.
Chama-se civilização helenística a que se desenvolveu fora da Grécia sob o influxo do
espírito grego. O rei da Macedônia expandiu a cultura grega por todo grande império,
aproximando-o das culturas do Oriente e dando origem ao Período Helenístico, cujo novo
centro da cultura e do comércio se situava, na Alexandria/Egito.
A Era Helenística marcou a transição da civilização grega para a romana, em que inoculou
sua força cultural. Não se encontra nela o esplendor literário e filosófico do período
clássico da Grécia, mas encontra-se um grande surto da ciência e da erudição.
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[1] Atenas: situada na Ática e formada pelos jônios, primeiro povo indo-europeu a chegar à
Grécia. A partir da colonização foi se transformando em centro industrial e comercial. A
intensificação das lutas de classe levou aos regimes políticos dos legisladores e dos tiranos
e à implantação da democracia escravista.
[2] Esparta: situada no vale do rio Eurotas e formada pelos dórios. Sociedade agrícola e
aristocrática. Impôs sua hegemonia no Peloponeso através da Guerra do Peloponeso.
Letra
Segundo Marilena Chauí, mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (da terra,
origem dos astros, dos homens, das plantas, dos animais, da morte, etc).
Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem
como verdadeira a narrativa porque confiam naquele que narra: é uma narrativa feita em
público, baseada, portanto, na autoridade e na confiabilidade da pessoa do narrador.
O mito possui três características principais:
- Função explicativa: o presente é explicado por alguma ação passada, cujos efeitos
permaneceram no tempo.
- Função organizativa: o mito organiza as relações sociais de modo a legitimar e a
garantir a permanência de um sistema complexo de proibições e permissões.
- Função compensatória: o mito narra uma situação passada, que é a negação do
presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda, como para
garantir-lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão
estabilizada e regularizada da natureza e da vida comunitária.
O mito de Eros e Psiquê poderia ser enquadrado na função organizativa, pois seus
personagens têm um papel metafórico dentro da sociedade, mostrando o lado repressor e
permissivo a que as pessoas estão submetidas.
Para Junito de Souza Brandão, mito é uma história verdadeira ocorrida no tempo primordial
que sofreu interferências de entes sobrenaturais, representando a coletividade transmitida
através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Ele baseia-se em alguns
conceitos de mito que Maurice Leenhardt defende: “O mito é sentido e vivido antes de ser
inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o gesto que circunscreve o
acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança antes de fixar-se como
narrativa.” Já que o mito explica o mundo e a realidade humana, ou seja, a complexidade
do real, este não tem uma lógica específica e unificada.
Este mito divide-se em cinco partes: a introdução: “Havia um rei que tinha três filhas, todas
elas encantadoras.... iria fazer dela sua esposa”, onde se faz referência à inveja que a beleza
de Psiquê despertou em Vênus e ao amor incipiente em Eros pela jovem; a segunda parte é
referente às núpcias da morte: “Não se podia imaginar a tristeza... o marido prometeu-lhe
que assim aconteceria.” Esta parte refere-se à descoberta de Psiquê, de seu destino com o
seu desconhecido marido; a terceira parte: a tentação de Psiquê e sua paixão: “Na manhã
seguinte vieram as duas irmãs.... que a procurava também por toda a parte”, Psiquê é
tentada pela inveja das irmãs a ver seu marido, mesmo tendo sido avisada por ele a não
fazer isso; a quarta parte: as quatro provas: “Quando Psiquê chegou à presença de Vênus...
adormeceu profundamente”, enfatiza as lições de vida que lhe foram impostas por Vênus e
que sabiamente soube superá-las. E por fim a quinta parte: o desfecho feliz, com a
imortalização da alma: “Foi o próprio Deus do Amor... essa união nunca mais seria
quebrada”, onde, apesar de todos os infortúnios impostos pela vida, se concretiza a união
entre Psiquê e Eros.
Provocação
Na mitologia helenística, Eros aparece como um menino, sendo a essência do amor, sem
ser representado apenas nas relações sexuais.
Freud, ao contrário de Apuleio, cria uma interpretação do erotismo quase que totalmente
voltada à perversão, sempre relacionada com a idéia de prazer e prática do sexo, resultando
apenas da força de um desejo, de uma necessidade humana de matar a fome, o que ele
chama de libido.
Hoje, o erotismo e a pornografia, em alguns discursos, se equivalem. Em dicionários o
erotismo significa:
· amor sensual, lúbrico;
· amor físico, prazer e desejo sexual distinto da procriação;
· exaltação de tudo o que é referente ao desejo sexual;
· caráter ou tendência eróticos.
· indução ou tentativa de indução de sentimentos, mediante sugestão, simbolismo ou
alusão, por uma obra de arte.
· paixão sexual anormalmente insistente.
Onde estaria o amor, para Freud? Será que a Psicanálise considera o amor como algo
também inerente à personalidade humana?
Freud tratou da fase fálica por volta de 1923. As crianças entram nela bastante cedo. É
nessa fase que a criança toma consciência de sua zona genital, deixando para traz a fase
oral e a anal. Freud afirma que a criança só conhece um órgão genital, o falo, e que a
oposição entre meninos e meninas se dá em termos de fálicos e castrados, respectivamente.
Freud introduziu este termo, mais tarde, para tentar esclarecer a diferença entre as fases oral
e anal. O que ele diz, na verdade, é que a primazia do falo é o fator mais significativo desta
fase, dado que a inveja do pênis se desenvolveria neste período, quando as meninas
percebem que não possuem este órgão.
O preconceito masculino deste aspecto da teoria fica bastante evidente aqui, pois, ao
discutir o aparato do desenvolvimento sexual, ela leva em conta apenas os meninos. As
meninas seriam iguais a eles, com a diferença de que nelas ou, mais precisamente, no seu
inconsciente, estaria faltando um pedaço.
Porém, tanto os meninos quanto as meninas parecem aproveitar esta fase, mostrando uma
grande criatividade ao brincar consigo mesmo e prestando atenção um no outro.
Esta fase relativamente inocente conduz ao famoso complexo de Édipo (de 3 a 5 anos).
Foi a partir daí que ocorreu outro avanço importante na teoria de Freud: aquilo que ele iria
chamar de complexo de Édipo (intimamente ligado ao complexo de castração). Todo o
desenvolvimento da sexualidade infantil, a sua busca de um objeto está relacionada aos
pais. O desejo secreto (inconsciente) de ter relações sexuais com o progenitor do sexo
oposto está na base de tudo. Há também um ódio equivalente ao progenitor do sexo oposto,
que barra o caminho do amor perfeito e completo.
Segundo Freud, é esta relação com os pais que torna o complexo de Édipo universal. É na
fase edipiana que as meninas se tornam futuras mulheres e os meninos, futuros homens.
Freud via a bissexualidade que precedia o estágio edipiano em termos de pulsões ativas
(masculinas) e passivas (femininas). Ele afirma que esta distinção se estabelecia durante a
fase anal, com a submissão ou a rebeldia.
Freud encarava o complexo de Édipo pela ótica do menino ativo, que deseja a mãe e tem
medo de ser castrado pelo pai. Para Freud, este drama edipiano estava no centro do enigma
da sexualidade. Ele deu esse nome ao complexo porque, no mito grego, Édipo mata o pai,
casa-se com a mãe e soluciona enigmas.
A solução normal para o complexo de Édipo é seu recalque por parte da criança que entra
no período de latência. A maneira como ele é resolvido e recalcado volta à tona na
puberdade. O Complexo desempenha um papel fundamental na estruturação da
personalidade e na maneira como o desejo e o comportamento do adulto se desenvolvem.
Freud afirma ter solucionado o maior de todos os enigmas: a peculiaridade do
desenvolvimento sexual infantil e a sua influência na vida psíquica do adulto.
O próprio Jung criticou esse determinismo freudiano, questionado se, para entender a
personalidade de alguém, bastaria, então, saber ou interpretar seu complexo de Édipo. Mas
será que a personalidade humana se reduz apenas a essa interpretação? Somos reduzidos
apenas aos efeitos deste complexo? E quanto a todas as outras experiências vividas pelo ser
humano ao longo da infância e adolescência? Estas não influenciam na nossa
personalidade?
Parece ter havido uma redução do Eros humano ao único aspecto da sexualidade ou,
quando vai além, tende-se a reduzir a sexualidade à pornografia ou à perversão.
Somos desafiados a redescobrir o brilho autêntico do Eros existente na mitologia, às vezes
esquecido por moralismos que oprimem, mas não educam; outras vezes traídos por uma
cultura que faz do outro um objeto descartável de prazer, fazendo-se perder o sentido da
comunhão homem-mulher, rumo à qual se orienta a sexualidade humana. Uma consulta à
mitologia talvez nos reeducasse para a vida amorosa.
Alvo
“Do começo ao fim do mito, o princípio de personalização secundária é dominante. Com o
desenvolvimento da consciência, fenômenos transpessoais e arquetípicos assumem uma
forma pessoal e tomam lugar na construção de uma história individual, de uma situação
humana de vida. A psique humana é um ego ativo, que ousa opor-se, e com sucesso, a
forças transpessoais. A conseqüência desse posicionamento da personalidade humana, no
caso feminina, é de enfraquecer algo que antes era todo poderoso.” (Junito Brandão)
Como poderíamos, então, ligar o passado pessoal às idéias de Apuleio, aos nossos anseios
presentes, no intuito de captar/traduzir as idéias do autor para o nosso paradigma? O mito
de Eros e Psiquê fala da própria alma humana, em seu encontro com o amor. Fala de
completude, do processo de formação da personalidade como um todo. Trazendo esta
história para o nosso momento presente, o que ela poderia representar? Este processo
narrado pelo autor ainda se processa incessantemente até os nossos dias, pois é algo
inerente à alma humana. Além disso, o que mais existe no texto que pode nos levar a
levantar questionamentos? Analisemos.
Esfera matrilinear e elemento masculino
Segundo Junito, há no mito um princípio masculino que se manifesta na realização das
tarefas por Psiquê: as sementes manifestaram a promiscuidade masculina; a lã de ouro, o
masculino mortal; o fluxo da água do rio negro, o masculino incontível. Psiquê precisava
passar por essas provas para quebrar a esfera matrilinear em que estava envolvida. Até que
ponto? Até onde podemos especificar com exatidão o significado de cada tarefa, além do
fato de se tratarem primeiro, todas elas, de confronto com o elemento masculino? Que
propósitos estariam envolvidos em cada tarefa? Discernimento? Coragem? Sagacidade?
Como Psiquê foi realmente testada em seu confronto com o elemento masculino?
Narcisismo ou Intuição?
Afrodite, que conhece como ninguém a feminilidade, inteligentemente ordena que Psiquê
lhe traga uma caixa com o princípio de beleza imortal. Existe aí a sedução do narcisismo à
qual Psiquê não resiste, abrindo a caixa e caindo num sono profundo, o sono semelhante à
morte de histórias como A Bela Adormecida ou Branca de Neve. Teria sido vaidade? Ou,
lembrando-se das advertências da torre, intui que se algo lhe acontecesse Eros viria lhe
salvar? De qualquer maneira fracassa em sua tarefa, embora seja este mesmo fracasso quem
lhe proporciona a vitória. Em outras palavras, Eros está de volta.
Contradição
Psiquê era chamada de nova Afrodite por causa de sua beleza inigualável; isso era
considerado pela última uma grande desgraça. Mas, para se tornar mais bela e digna de
Eros, dispõe-se a abrir a caixa e a sofrer as conseqüências do mal que antes fugia. Mais
uma vez ela poderia ter intuído que este seu sacrifício comoveria Eros e ele certamente a
salvaria.
“A priori, não há motivo para admitir que os processos inconscientes tenham
obrigatoriamente um sujeito, nem tampouco para duvidarmos da realidade dos processos
psíquicos. Entretanto, como se admite, o problema torna-se difícil quando lidamos com
supostos atos da vontade. Se não se trata de simples ‘impulsos’ ou ‘inclinações’, mas de
‘escolha’ e de ‘decisão’ aparentemente de ordem superior, próprios da vontade, certamente
não se pode deixar de admitir a existência necessária de um sujeito que as controle e para o
qual alguma coisa foi ‘representada’. Por definição, isso seria colocar uma consciência no
inconsciente.” (Jung)
Observa-se no mito, quando Psiquê está a caminho da saída do Hades, com a caixa
contendo o creme da beleza de Afrodite, uma clara manifestação de curiosidade, motivada
pela vontade de se tornar bela para ou digna de Eros, que é a finalidade do risco que corre
para obter a beleza divina. Seu objetivo, porém, cumprir-se-á muito antes de seus planos
(conscientes), quando ela, através de uma manifestação inconsciente do mesmo desejo
(com os mesmos objetivos, porém incapaz de tal articulação consciente), cai no sono
semelhante à morte e evoca a ajuda de Eros, comprovando, assim, seu amor (zelo) por ela.
Este processo também é desenvolvido por Jung, como vemos a seguir:
“Esta consciência secundária representa, com efeito, uma componente da personalidade,
que se separou da consciência do eu por mero acaso, mas deve sua separação a
determinados motivos. Uma dissociação desta espécie apresenta dois aspectos distintos: no
primeiro caso, trata-se de um conteúdo originariamente consciente, que se tornou
subliminar ao ser reprimido por causa de sua natureza incompatível; no segundo caso, o
sujeito secundário consiste em um processo que jamais pode penetrar na consciência,
porque nesta não há a mínima possibilidade de que se efetue a apercepção deste processo,
isto é, a consciência do eu não pode recebê-lo, por falta de compreensão e, por conseguinte,
permanecer essencialmente subliminar, embora do ponto de vista energético ele seja
inteiramente capaz de tornar-se consciente.” (Jung)
Redenção?
Segundo Junito, o fato de Psiquê ter feito tudo pelo amor parece ser a principal razão para
que Afrodite se desfaça da oposição contra o casal e aceite a deificação da amante de seu
filho, pois Psiquê conscientizou-se e compreendeu os seus aspectos masculinos, tornando-
se madura e completa. O masculino e o feminino se reconciliam quando Psiquê une-se a
Eros no Olimpo. Não haveria aí uma contradição por parte de Junito? A partir do momento
em que as tarefas impostas por Afrodite foram feitas no intuito de degradar Psiquê,
fazendo-a retornar à esfera matrilinear, como pode a deusa, agora, tendo fracassado em seus
planos, perdoá-la? A ira seria aplacada pela deificação de Psiquê, mas não por sua entrega a
Eros. Afrodite teria, então, seu culto e seus adoradores de volta.
Os mortais conquistaram seu lugar no Olimpo. Isso se deve não a um herói masculino,
divinizado, mas a uma mulher apaixonada que conquistou a perfeição, alcançando a sua
total humanidade. Não seria esta, talvez, a grande busca da maioria dos seres humanos
através das épocas até os dias de hoje?
Método
Mito, em grego, significa relato. Na verdade, o mito é uma realidade cultural extremamente
complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e
complementares; é a idealização da origem do mundo e do homem representado por
elementos universais como: Céu (Urano), Terra (Gaia), o Sol (Hélios), a Lua (Selene),
Vênus (Afrodite), Júpiter (Zeus), Saturno (Cronos), etc.; é a memória da humanidade
expressa de forma metafórica.
Apesar do caráter fantasioso, essas histórias não perdem sua veracidade, pois se trata de
uma narrativa sagrada, um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso
do “princípio”. “Em outras palavras, é a narrativa de como a realidade passou a existir, seja
uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, um comportamento
humano, uma espécie vegetal”.
Lúcio Apuleio, um dos grandes polígrafos da literatura latina, dominava com tal perfeição a
língua de Homero que se dizia que ele pensava em grego e escrevia em latim.
Sua obra mais famosa e que, entre outras, chegou até nós é o romance Metamorfoses
(dividido em 11 livros), que também pode, impropriamente, ser denominado O Asno de
Ouro. No corpo do romance, o autor intercala várias historietas, que nada têm a ver com o
enredo principal. Entre elas, a de maior extensão é o mito de Eros e Psiquê.
Este mito (como os outros) se abre dentro dos padrões da tragédia grega. Esta consiste
justamente na contradição entre determinismo e liberdade na luta contra o caminho
destinado ao homem, que surge como um ser de vontade.
Nesta obra literária, Apuleio apodera-se de determinados sentimentos humanos, tais como:
vingança, inveja, raiva, ciúme, individualismo, tristeza; mas também amor, coragem,
perseverança, união, vitória, que perpassam toda a narrativa.
Há também a presença de determinados elementos que visam a enriquecer o conteúdo da
história. Alguns destes recursos utilizados são: metáfora, descrição, discurso direto,
personificação (relacionada com simbologias) e o próprio autor onisciente.
Algumas das simbologias presentes no mito dizem respeito aos primeiros “auxiliares” de
Psiquê, que a ajudaram nas duras provas que lhe foram impostas por Vênus; são
pertencentes ao mundo vegetal e animal , que na verdade significam as forças internas da
heroína, seu inconsciente; um outro símbolo que se faz referência no texto é a torre, que
simboliza a cultura humana, visto que é um fruto da configuração do trabalho coletivo e
espiritual dos homens.
Problema
· Histórico:
Eros aparece pela primeira vez na Teogonia de Hesíodo, que o descreve como o mais belo
dos imortais. Na mitologia primitiva, ele encerrava como força ordenadora e unificadora.
Seu poder unia os elementos para fazê-los passar do caos ao cosmos, ou seja, ao mundo
organizado. Em tradições posteriores, Eros era filho de Afrodite com Zeus, Hermes ou
Ares, segundo diferentes versões. Platão descreveu-o como filho de Poro (experiência) e
Pínia (pobreza). A partir disso, a essência do amor era “sentir falta de”, a busca constante.
Em Roma, Eros foi identificado como Cupido. Inicialmente era um belo jovem e aos
poucos os artistas foram reduzindo sua idade. Até que, no Período Helenístico, a imagem
de Eros era a representação de um menino. Já a Psicanálise o retrata como a força da vida.
Essas são as fases de transformações do significado da palavra Eros. Contudo, atualmente,
alguns pesquisadores definem Eros nas relações humanas. O domínio de Eros compreende
o dinamismo humano interior, amor pela verdade e o impulso criador de novas
possibilidades. Assim, este se manifesta com sua criatividade e capacidade transformadora.
Isso ocorre tanto na interioridade pessoal como na complexidade das culturas.
Apesar dos tempos de transição histórica, das ideologias clássicas entrando em crise e da
paz sofrendo ameaças, algo no interior dos indivíduos os impulsionam ao desejo de
sobrevivência, que resiste à morte e continua alimentando esperanças. Este
impulsionamento oculto é o que se denomina de manifestação do Eros humano, o qual
deseja mudanças para proporcionar a justiça e o bem da humanidade. Assim, Eros motiva
em nós a paixão pelo bem (ética), a paixão pela verdade (filosofia) e a paixão pelo belo
(estética). Desta forma, Eros colabora para a nossa salus integral: em termos psicológicos,
saúde; e em termos teológicos, salvação.
Através do mito de Eros e Psiquê nos descobrimos a nós mesmos sob um retrato realista da
condição humana. Eros é o impulso de desejo que nos dinamiza por dentro, tocando nosso
ser (a erótica humana). Psiquê é o movimento de reflexão, prudência e razoabilidade que,
interagindo com os impulsos, gera em nós maior maturidade (a psique humana). O encontro
entre desejo e verdade, emoção e razão, impulso e decisão representam os movimentos
íntimos do nosso ser que se relacionam a Eros e a Psiquê.
Vale salientar que é preciso educar os próprios desejos para que sejam benéficos à
humanização. Ou seja, educar o Eros em seu destino certo, de plena beleza, bondade e
verdade.
A manifestação do Eros, conduzida de uma maneira saudável, impulsiona cada ser a buscar
o equilíbrio, o discernimento e a adesão ao bem. Assim sendo, apesar das diversas e
constantes crises sociais, políticas e econômicas, existe o desejo humano pela vida. As
pessoas normalmente se abatem, mas encontram forças para tentar mudar o quadro de
sofrimento instalado. É o Eros que se move, necessitado da busca de novos patamares de
felicidade e realização. Contudo, deve ser assimilado pela inteligência (encontro com a
psique) para desenvolver de modo salutar e feliz. Assim, foi esclarecido algo a mais sobre o
Eros, não aquele cupido alado da mitologia, mas sim este movimento, esta força humana
que rege a vida.
· Contextualização: Eros e civilização
O grande objetivo da atualidade é unir, no homem, razão e sensibilidade, para que o corpo
humano seja um instrumento de prazer e não de trabalho árduo, escravo da tecnologia.
Nesse sentido, cabe o questionamento: os indivíduos adaptaram-se à sociedade
espontaneamente? Ou tiveram sua psique invadida pela racionalidade técnica, deixando sua
subjetividade devastada pelos controles tecnológicos?
As práticas sociais deveriam ser governadas pela ordem da razão humana, mas esta se
transformou em instrumento de barbárie e regressão social. O atual desenvolvimento
intensificou também a oposição entre razão e sensibilidade. Porém, é a sensibilidade o
órgão da felicidade, uma vez que a realização das necessidades e satisfações do indivíduo
não pode ser incluída no reino da razão.
Glossário
Amor - Cupido para os romanos e EROS para os gregos. Deus brincalhão, astuto, cruel e
impiedoso, tiraniza os deuses e os homens e se diverte com as suas vítimas. Filho de Marte
e de Vênus e esposo de Psiquê, espalha sobre a terra a vida, a alegria e a fecundidade;
impera no coração humano e em toda a natureza; "é a misteriosa força de afinidade
universal, que atrai os elementos e seres, unindo-os, em íntima harmonia, para a
maravilhosa obra da geração da vida". Por sua mágica influência, tudo surge do Caos e da
Terra. Os artistas representam-no dotado de asas e armado de flechas e setas fatais, que
atravessam os corações, ou de facho que os devora. Tem sido e será sempre manancial
fecundo das mais ardentes inspirações dos poetas
Apolo - Febo dos latinos. Divindade solar, filho de Júpiter e de Latona. É concebido como
irmão de Diana (Ártemis ou Foibé, no grego), porque ambos, alternativamente, iluminam o
mundo. Quando Apolo (o Sol) desaparece no horizonte, Diana (a Lua) resplandece no céu.
Adaptado por Augusto, primeiro imperador de Roma, como seu protetor pessoal, Augusto
construiu noi Palatino, muito perto do seu palácio, um templo a Apolo, e prestou-lhe um
culto pessoal. Foi sobretudo em honra de Apolo que se celebraram os jogos seculares de 17
a.C., onde se cantou o canto secular de Horácio. Neste hino, Apolo e a sua irmã Ártemis
surgem como divindades intermediárias entre o povo romano e Júpiter.
Cérbero – Monstruoso cão de três cabeças, que vigiava a entrada do Hades (Mundo
Inferior) contra visitantes intrusos e sombras (espíritos dos mortos) que tentassem fugir.
Delfos - Cidade da antiga Grécia, na Fócida, onde Apolo tinha um templo no qual ditava
oráculos pela boca de Pítia.
Hades - Denominado Plutão entre os romanos, é o terceiro filho de Saturno e de Rea e
irmão de Júpiter (Zeus, para os gregos), Juno e Netuno. Foi devorado pelo próprio pai, que,
mais tarde, o vomitou forçado por Júpiter. Divindade grega a quem, em partilha do
universo, coube reino dos infernos, sombria morada da morte; possui um capacete que o
torna invisível.
Mercúrio - Mercúrio dos latinos (Deus dos comerciantes) e Thot dos egípcios. Filho de
Júpiter (Zeus) e da ninfa Maia, dizia-se ter nascido no monte Cilene. Hermes (para os
gregos) teve muitas amantes, entre as quais Antianira e Prosérpina; era irmão de Apolo e
personificava o vento. Mensageiro de Zeus, realizou delicadas missões.
Mito – (gr mythos)1- Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da
antiguidade pagã; 2- Interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem; 3-
Tradição que, sob forma alegórica, deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico.
4- Exposição simbólica de um fato; 5- Coisa inacreditável; 6- Enigma; 7- Utopia; 8- Pessoa
ou coisa incompreensível.
Morfeu - Um dos mil filhos do Sono (Hipno); está encarregado de tomar a forma de seres
humanos e de se mostrar aos homens adormecidos durante os sonhos.
Musas – Filhas de Mnemósine e de Zeus. As musas não são somente cantoras divinas,
cujos coros e hinos alegram Zeus e todos os deuses; presidem também o pensamento em
todas as suas formas: eloqüência, persuasão, sabedoria, etc.
Narciso - Belo rapaz, filho do deus-rio Céfiso e da ninfa Liríope. Por causa de sua extrema
beleza, muitas mulheres se apaixonaram por ele, sem serem correspondidas em seu amor.
Entre as virgens que o amaram estava a ninfa Eco, a qual havia desagradado Hera e sido
condenada pela deusa a nunca mais falar novamente, exceto repetir a última palavra que lhe
era dita pelos outros. Portanto, Eco era incapaz de contar a Narciso sobre seu amor. Mas
um dia, enquanto estava caminhando no bosque, ele se perdeu de seus companheiros.
Quando gritou "Há alguém aqui?", Eco alegremente respondeu: "Aqui, aqui". Incapaz de
vê-la escondida entre as árvores, Narciso gritou: "Vem!". Teve como resposta a frase:
"Vem, vem", enquanto Eco surgiu por entre as árvores com os braços estendidos. Narciso
foi cruel com ela e se recusou a aceitar seu amor. Ela se sentiu tão humilhada que se
escondeu numa caverna e definhou até que não sobrasse nada de si mesma, a não ser sua
voz. Para punir Narciso, a vingativa deusa Nêmesis fez Narciso se apaixonar por sua
própria beleza assim que ele viu seu rosto refletido nas águas do rio. Como ele se
contemplou em profunda fascinação, incapaz de tirar os olhos de sua própria imagem,
acabou caindo dentro do rio e se afogou. No lugar onde seu corpo permaneceu durante o
tempo em que admirava a si mesmo, cresceu uma linda flor, em honra ao nome e memória
de Narciso.
Olimpo - Feérica morada no cume do mais alto dos montes helênicos, entre a Tessália e a
Macedônia, onde, consoante a fábula, os doze deuses maiores viviam cercados do seu
luzente cortejo. Cada um deles tinha ali o seu palácio, dos quais o mais pomposo era o de
Júpiter, senhor do mundo e supremo rei dos imortais. Na assembléia dos deuses, ali se
ouvia a eletrizante lira de Apolo, acompanhada do harmonioso cântico das musas e das
encantadoras danças das graças. Nos intervalos, a formosa Hebe e, mais tarde, Ganímedes,
servia, em taças de ouro, o néctar e a ambrosia. Júpiter a tudo assistia, sentado no seu
imponente trono, tendo a seu lado Juno, sua divina esposa; Têmis, a justiça eterna, e Metis,
a prudência. Com ar majestoso, ele presidia às evoluções do universo, previa as
necessidades humanas, assistia às lutas e às discórdias, premiava os bons e punia os maus.
As suas ordens eram transmitidas pela célebre mensageira Íris. Em uma interessante página
de Will Durant, na sua "Filosofia da Vida ", compara-se o Olimpo grego à organização do
gabinete presidencial dos Estados Unidos: Palas ou Minerva era a secretária do Estado;
Posseidon, o secretário da Marinha; Ceres, o da Agricultura; Hermes ou Mercúrio, o diretor
dos Correios; Ares ou Marte, o secretário da Guerra, e Hera ou Juno, o secretário do
Interior, com a tarefa de controlar a propensão polígama do presidente Zeus ou Júpiter.
Paganismo - (lat paganu + ismo) 1- Religião pagã em que se adoram muitos deuses; 2-
Idolatria; 3- Os pagãos.
Politeísmo - (Poli + teísmo) 1- Sistema religioso que admite muitas divindades; paganismo.
Antôn: Monoteísmo.
Prosérpina - Deusa da agricultura, filha de Júpiter e de Ceres, foi raptada por Plutão, que a
fez sua mulher e de quem teve as fúrias, vindo a ser a rainha dos infernos. É o mesmo que
Coré ou Perséfone. Prosérpina está representada ao lado do esposo, em seu trono de ébano,
tendo na mão um facho, donde sai uma chama envolta em fumaça negra. A papoula é o seu
atributo favorito.
Psiquê - Os frescos de Pompeios popularizavam a figura de Psiquê como uma frágil
donzela alada, semelhante a uma borboleta (a alma é muitas vezes concebida pelas crenças
populares como uma borboleta que se afasta do corpo após a morte), brincando com amores
alados como ela. A história de Cúpido e Psiquê é geralmente considerada alegórica. Psiquê,
em grego, significa tanto borboleta como alma. Não há alegoria mais notável e bela, que,
depois de viver uma vida mesquinha e rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e
torna-se um dos mais belos e delicados aspectos da primavera. Psiquê é, portanto, a alma
humana purificada pelos sofrimentos e infortúnios, e preparada, assim, para gozar a pura e
verdadeira felicidade.
Vênus - Divindade romana da Beleza, dos amores, da energia reprodutora, da volúpia e da
vida universal, filha de Júpiter e de Dionéa, ou do Céu e do Dia, esposa de Vulcano e mãe
de Eros (o Amor). Os gregos chamam-na Afrodite, que quer dizer "nascida de espumas".
Chamam-na também Anadyomina, que significa "aquela que sobe, saindo das vagas".
Personificação da beleza feminina.
Zéfiro - Vento do Ocidente. Filho de Éolo e de Aurora, esposa de Cloris, mensageiro da
primavera e protetor dos marinheiros, refresca com seu hálito suave os Campos Elíseos e dá
vida à natureza. Zéfiro é representado na figura de um mancebo, com ar doce e sereno, asas
de borboleta e uma coroa de flores.
Zeus - Deus supremo dos gregos, personificava o céu luminoso. Juntava e dissipava as
nuvens, lançava raios e fazia cair a chuva fecundante. Júpiter, para os romanos, era
considerado o grande protetor da cidade e do Estado.
Sobre
ARANHA, Mª Lúcia A. e MARTINS, Mª Helena Pires. Filosofando, introdução à filosofia.
Editora Moderna, São Paulo, 1993.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis, Rio de Janeiro, Ed. Vozes.
1998. vol. I.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis, Rio de Janeiro, Ed. Vozes.
1997. vol. II.
VICENTINO, Cláudio. Historia Geral; Ed. Scipione – SP, 2ª edição, 1997.