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COLEÇÃO ANIMA RICHARD I. EVANS ENTREVISTAS com CARL G. JUNG E AS REAÇÕES DE ERNEST JONES Tradução de ÁLVARO CABRAL eldorado

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COLEÇÃO ANIMA

RICHARD I. EVANS

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG E AS REAÇÕES DE ERNEST JONES Tradução de ÁLVARO CABRAL

eldorado

Título do original em inglês: CONVERSATIONS WITH CARL G. JUNG AND REACTIONS FROM ERNEST JONES Copyright 1964 by Litton Educational Publishing, Inc. A presente tradução baseou-se na edição publicada por Van Nostrand Reinhold Company, New York, 1964. Direitos desta tradução reservados à LIVRARIA ELDORADO TIJUCA LTDA. Departamento Editorial: Maura Ribeiro Sardinha Cristina Mary P. da Cunha Carmen Lúcia R. de Oliveira Capa: AG Comunicação Visual e Arquitetura Ltda. impresso no Brasil Printed in Brazil LIVRARIA ELDORADO TIJUCA LTDA. Rua Conde de Bonfim 422, loja K, Rio de Janeiro Tels.: 254-2615 e 264-0398 — GB minha adorável esposa

ÍNDICE PREFáCIO 11 AGRADECIMENTOS 13 PARTE I. PRÓLOGO A UM EMPREENDIMENTO PROVOCANTE 15 PARTE II. JUNG E FREUD 43 1. Relacionamento de Jung com Freud, Adler e Rank 45 2. A Opinião de Jung sobre o Desenvolvimento Psicossexual Freudiano 48 3. A Opinião de Jung sobre os Conceitos Estruturais de Freud: Id, Ego e Superego 57 PARTE III. O INCONSCIENTE 65 4. O Inconsciente: Arquétipos 67 5. O Inconsciente: Conceptualizações Gerais 75 PARTE IV. A TEORIA DE INTROVERSAO-EXTROVERSÃO E A MOTIVAÇÃO ... 85 6. As Teorias Tipológicas de Introversão-Extroversão 87 7. Conceitos Motivacionais 102 PARTE V. ALGUMAS REAÇÕES CONCERNENTES A TESTES PSICOLÓGICOS, PSICOTERAPIA, TELEPATIA MENTAL S OUTRAS INTROVISÕES PESSOAIS 107

8. Jung sobre as Práticas de Diagnóstico e de Terapia 109 9. Jung sobre os Problemas Psicológicos Contemporâneos 126 10. Introvisões Pessoais, Reminiscências e Experiências com Grandes Figuras 139 PARTE VI. REAÇÕES DE ERNEST JONES .... 143 PARTE VII. CONCLUSÃO: ALGUMAS OBSERVAÇÕES GERAIS E TEÓRICAS SOBRE O CONTEÚDO DO DIÁLOGO 173 APÊNDICE A — Relatório sobre o Projeto de Filme Jung-Jones: Submetido pela Universidade de Houston ao Fund for the Advancement of Education . . 183 APÊNDICE B — Uma Investigação Exploratória do Impacto Psicológico e Educacional de un Diálogo Filmado com Carl Jung 189 BIBLIOGRAFIA 197

Prefácio Na opinião do autor, o diálogo apresentado neste volume forneceu ao Dr. Jung um veículo que permitiu o que talvez constitua a mais excitante e lúcida apresentação até hoje registrada de muitos dos seus conceitos fundamentais. Espera-se que esta apresentação não sirva apenas como introdução às idéias de Jung para estudantes das Ciências do Comportamento, mas que também proporcione uma visão estimulante de algumas contribuições fundamentais de Jung a quantos têm sido sempre desencorajados de ler a obra de Jung, por causa da sua alegada obscuridade, imprecisão, exorbitante complexidade e misticismo. Quanto ao estudioso junguiano, o autor espera que um vislumbre mais íntimo dos processos de pensamento de Jung tenha sido proporcionado, na medida em que ele reage espontaneamente a uma seqüência ordenada de perguntas. Jung insistiu em não ser previamente instruído sobre a natureza das perguntas que haviam sido preparadas para as entrevistas. As reações de Ernest Jones não só fornecem novas e interessantes elaborações da teoria freudiana, alguns dos interesses pessoais de Jones e seus conceitos sobre Sigmund Freud, o homem, mas também proporcionam um estudo incisivo e final para estabelecer o contraste entre Jung, a poderosa figura cujo rompimento con Freud o perturbou profundamente, e Jones, o seguidor devotado e duradouramente leal. O autor, graças à recente concessão de uma bolsa da National Science Foundation, estará habilitado a cornpletar tais entrevistas didáticas com muitos outros e eminentes contribuidores para a teoria da personalidade. Entretanto, sabe que nunca mais terá um privilégio tão profundo quanto o de registrar o que, virtualmente, fo- 11

PREFÁCIO ram os últimos pensamentos de dois indivíduos que estiveram em contato tão direto com as fases iniciais da Psicanálise — talvez a mais significativa revolução no pensamento relativo à natureza do homem. RICHARD I. EVANS Houston, Texas 12

Agradecimentos No longo processo envolvido na filmagem dos diálogos com Carl Jung e Ernest Jones na Europa, assim como na sua transcrição para o presente volume, o autor reconhece sua divida a numerosas personalidades. Embora o espaço proíba mencionar todos quantos me ajudaram tão amavelmente, desejo expressar o meu apreço, pelo menos, a algumas daquelas pessoas que colaboraram. O Dr. John W. Meaney, hoje da Universidade do Texas, que atuou de forma soberba nas exigentes funções de produtor-diretor-cinegrafista para os filmes originais e sem cujo apoio todo o projeto teria sido impossível, deve ser citado com o maior destaque. A especial consideração e assistência da Senhora Aniela Jaffé, secretária-assistente do Dr. Jung e hoje uma autora consagrada por méritos próprios, foi de um valor a toda prova, ajudando-nos a organizar e completar com êxito as entrevistas com o Dr. Jung. O incentivo e apoio do Dr. Joe Wheelwright, o eminente psiquiatra junguiano da Langley Porter Cünic, de São Francisco da Califórnia, proporcionou o decisivo endosso pessoal de que necessitávamos para obter a cooperação do Dr. Jung. A amabilidade da Srª Ernest Jones, assistindo-nos para a realização da entrevista com o Dr. Jones, não será esquecida tão cedo. A boa-vontade da Schlumberger Corporation, em Paris, e do Instituto Federal de Tecnologia, em Zurique, para proporcionar as facilidades físicas que ensejaram a realização das entrevistas, também merece o nosso grande apreço. A proficiência e imaginação da Srta Joy Byrne, como assistente editorial, ajudaram-me imensamente na preparação do manuscrito e estou sinceramente grato pelos seus esforços. Também desejo agradecer aos estudantes pós-graduados de Psicologia, Alberí Ramirez e Gary Blank, por sua assistência. 13

AGRADECIMENTOS Finalmente, estamos gratos pela bolsa concedida pelo Fund for lhe Advancement of Education. A tolerância do Fundo, ao permitir-nos que nos desviássemos de um plano original, que teria redundado, simplesmente, no registro de lições, forneceu a assistência financeira e a latitude sem as quais este projeto não teria sido concretizado. 14

PARTE I PRÓLOGO A UM EMPREENDIMENTO PROVOCANTE Na seção que se segue, o autor tentou descrever, com alguns detalhes, a provocante série de acontecimentos que precederam as entrevistas com o Dr. Jung e o Dr. Jones. Nesta seção, o autor também articula as suas impressões e percepções do processo concreto de consecução das entrevistas, incluindo certos vislumbres de personalidade obtidos pelo autor e baseados no seu limitado, mas extraordinário, contato com, essas notáveis figuras. 15

Prólogo A idéia de filmar uma série de entrevistas com o Dr. Carl Jung parecia ser apenas, quando ocorreu pela primeira vez, uma possibilidade remota. Sabíamos que o Dr. Jung tinha sido abordado sem êxito, no passado, por numerosas emissoras de televisão comercial e produtores de filmes. Entretanto, achei que valia a pena tentar. Alguns meses antes disso, a Universidade de Houston recebera uma dotação de 18.700 dólares do Fundo para o Progresso da Educação, com a finalidade de explorar algumas novas dimensões na instrução universitária. O Dr. John Meaney, que nessa época era diretor do Radio and Television Film Center da Universidade de Houston, estava empenhado nesse projeto quando entrou em contato com o autor sobre a possibilidade de utilizar essa verba em algum projeto que dissesse respeito à Psicologia. Começamos então a estudar possíveis abordagens que pudessem ser exploradas, no caso de um projeto-piloto ser iniciado, em Psicologia, com esses fundos. Durante anos, como tantos outros professores universitários nas faculdades de Artes e Ciências, eu ia ficando cada vez mais cônscio da tendência entre grande número de estudantes para se mostrarem menos interessados na leitura das obras originais dos grandes contribuidores. Contentavam-se, meramente, em ler fontes secundárias ”pré-dirigidas” que, com freqüência, desvirtuavam as intenções desses pensadores mais significativos. Por exemplo, sempre me espantou verificar que uma quantidade surpreendentemente grande de estudantes, mesmo nos cursos avançados de Psicologia, nunca tinha lido as obras originais de Freud, mas, em vez disso, lera sobre Freud, através das palavras de outros autores. Pareceu-me existir uma imperiosa necessidade de motivar os estudantes para se debruçarem diretamente sobre os escritos originais de inovadores da envergadura de 17

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG um Freud, se quisessem ficar verdadeiramente informados e apreciar suas idéias, Daí resultou a convicção de que poderíamos respondefa um desafio se, com os fundos da nossa bolsa, dese%o|vêssemos uma técnica estimulante que fosse capaz de encorajar os estudantes a explorar tal contato primái0 com idéias próprias de importantes contribuidores. A simples realização de fumes de aulas dadas por esses indivíduos, nas quais e|es apresentavam oralmente o mesmo material sobre % haviam escrito, não me pareceu ser o meio mais eficaz para os nossos propósitos. A armadilha potencial ness5 método é facilmente discernível em muitos cursos dem-ve| universitário pela televisão. Especificamente, o intelectual, tanto em suas aulas como em seus escritos, é propenso a tornar-se algo pedante na sua forma de expor! perdendo assim o interesse de boa parte do seu público. ocorreu-me que talvez uma técnica que poderia ser utilizada para evitar essa indesejável e iminente possibilidade era a entrevista filmada. Mediante o uso da entrevista, o contribuidor poderia apresentar as suas idéias numa atmosfera de espontaneidade que concorreria para ”humanizá-lo”, proporcionando ao estudante uma experiência mais agradável e estimulante do que a propiciada amiúde pelo caráter neutro da aula A entrevista, é claro, é utilizada há muito tempo como uma técnica em campos tais como o jornalismo, o Direito, a psicoterapia, o aconselhamento e a clínica médica; e, obviamente, constituj um recurso fundamental em nossa cultura para formar Uma opinião sobre outras pessoas e suas idéias. Por que não poderiam ser organizadas entrevistas cuidadosamente planejadas e filmadas com eminentes psicólogos, para fins didáticos? Através do entrevistador, poderiam ser sistematicamente apresentados ao estudante os pontos de vista de um grande contribuidor. Gostanios da idéia. Um curso que eu apresentara durante muitos anos, Approaches to Personality, pareceu ser um veículo aceitável para tal empreendimento de modo que tudo o que faltava era descobrir uma forrna de utilizar essa técnica da maneira mais teatral possível. Assim se originou a 18

PRÓLOGO idéia de entrevistar o Dr. Carl Jung, o único membro sobrevivente dos ”Três Grandes” (Jung, Freud e Adler). A maioria das pessoas mostrou-se muito cética a respeito das nossas probabilidades de êxito, quando anunciamos que iríamos entrar em contato com Jung e explorar a possibilidade de filmar em Zurique uma série de entrevistas, a fim de inaugurar o nosso projeto de entrevistas didáticas. Entretanto, quer redundasse em êxito ou fracasso, a idéia de entrevistar o Dr. Ju.ng era por demais atraente, de modo que nos preparamos para escrever-lhe. A redação dessa carta tornou-se, por si só, uma tarefa hcomum. Se jamais nos havíamos encontrado com Jung e apenas o conhecíamos como um quase anacronismt no mundo moderno, perguntávamos a nós próprios de que modo poderia ser melhor solicitado o seu interesse oara tal projeto. Além disso, quando passamos tantos anos de nossa vida estudando teoria da personalidade e acabamos apreciando plenamente a importância histórica de Jung para o movimento psicanalítico, a tarefa de escrever-lhe rodeia-se de um ar de excitação. A fim de ganhar uma certa perspectiva para essa tarefa, decidi entrar em contato com o Dr. Joe Wheelwright, um proeminente psiquiatra junguiano da Langley Porter Clinic, em São Francisco da Califórnia. Ele mantivera Consideráveis contatos com o Dr. Jung e poderia prestar-nos uma grande ajuda como intermediário em nossos esforços para obter a colaboração do Dr. Jung. Assim, foi com grande satisfação que o meu colega e eu recebemos não só o confessado interesse do Dr. Wheelwright no projeto proposto, mas também a sua permissão para mencionar, na carta subseqüentemente enviada ao Professor Jung, solicitando a sua participação na entrevista inicial da nossa série, que contávamos com o apoio do eminente psiquiatra de São Francisco. Essa carta foi do seguinte teor: 19

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG 2 de abril de 1957 Professor Doutor C. G. Jung Seestrasse 228 Küsnacht-Zürich Suíça Caro Professor Doutor Jung: Uma destacada fundação dos Estados Únidos, The Fund for the Atívancement of Education, concedeu-nos uma pequena bolsa que possibilitará o início da filmagem, para uso de estudantes dos anos mais adiantados dos cursos de Psicologia, de uma série de lições, conferências e debates. Ao planejarmos um curso filmado de Psicologia, ocorreu-nos que a presença em filme de alguns dos homens verdadeiramente grandes em Psicologia seria um motivo de inspiração e estímulo para os nossos estudantes americanos nessa área. Naturalmente, o primeiro nome que nos acudíu à idéia foi o seu. Há muito que l nos interessamos pela sua obra, e a sua presença no filme enriqueceria apreciavelmente, em nossa opinião, a aprendizagem dos nossos estudantes. Se estiver disposto a participar, poderíamos voar para a Suíça, a fim de realizar as filmagens de acordo com as suas conveniências pessoais. Não exigiríamos grandes preparativos, como seria o caso de lições formais, mas, pelo contrário, solicitaríamos a sua participação numa série de quatro entrevistas informais. Submeteríamos, é claro, os tópicos à sua aprovação prévia e, de fato, acolheríamos com a maior satisfação os seus conselhos sobre a escolha desses tópicos. Isso permitiria que refletisse inteiramente sobre muitas facetas interessantes de sua obra. Para evitarmos abusar do seu tempo, essas entrevistas poderiam ser intervaladas, de forma que as filmagens se realizassem ao longo de uma semana ou mais. Faríamos planos para permanecer uma semana ou mais na Suíça e, se isso convier aos seus próprios programas, poderíamos chegar por volta de 5 de agosto. 20

PRÓLOGO O Dr. Joe Wheelwright, com quem falamos a respeito deste assunto, deseja expressar o seu encorajamento para que o senhor colabore conosco na realização desses filmes. Ele compartilha da nossa convicção de que isso seria de grande valor educativo para os nossos estudantes de Psicologia, não só nesta universidade, mas em todos os Estados Unidos. Cópias dos filmes seriam postas à disposição de todas as faculdades americanas que as desejassem. O Dr. John Meaney, diretor do Radio-TV Film Center desta universidade, como titular da dotação do Fundo, produziria os quatro filmes. Ele já produziu numerosas e estimulantes séries educativas para grupos profissionais de nível universitário e para a televisão educativa. Através da minha própria experiência de trabalho com ele, considero-o um estudioso sumamente compreensivo e entusiástico de Psicologia; por isso estou certo de que o seu trabalho obteria os melhores resultados possíveis. Se nos permitir fazê-lo e nos sugerir uma quantia apropriada, teremos o maior prazer em efetuar o pagamento de honorários pela sua participação nesses quatro filmes. Aguardamos esperançosamente uma resposta sua sobre este assunto, Cordialmente seu Dez dias depois, recebemos a seguinte resposta do Dr. Jung: Prof. Dr. C. G. Jung KÜSNACHT-ZÜRICH Seestrasse 228 abril de 1957 Prof. Richard I. Evans, Ph. D. University of Houston Cullen Boulevard Houston 4, Texas 21

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG

Caro Prof. Evans: Estou disposto a satisfazer o seu pedido, se puder limitar-se a quatro entrevistas em dias consecutivos, a partir de 5 de agosto, por volta das 4 horas da tarde. Quanto à natureza das suas perguntas, prefiro deixá-las à sua iniciativa. Ignoro em que aspectos da Psicologia o senhor está particularmente interessado e tampouco posso pressupor que os seus interesses coincidam com os meus. Cada entrevista não deve durar mais de uma hora, no máximo, dado que me fadigo facilmente em conseqüência da minha avançada idade. Como não estou informado sobre o montante da sua bolsa, gostaria que me dissesse francamente qual é a sua idéia no tocante aos honorários. Espero que esteja suficientemente cônscio da precariedade que a minha idade impõe aos meus compromissos. Tudo o que prometo está necessariamente sujeito à ulterior decisão do destino, que pode inesperadamente interferir. Sinceramente seu Estou certo de que os leitores poderão imaginar o prazer com que recebi esta resposta e a pressa com que passamos a elaborar o planejamento das medidas subseqüentes. A correspondência que se seguiu entre o Dr. Jung, eu próprio e a secretária do Dr. Jung, a Srª Aniela Jaffé, explica-se por si mesma e descreve a evolução dos acontecimentos que nos levaram a fixar um encontro para quatro dias de agosto de 1957. 18 de abril de 1957 Professor Dr. C. G. Jung Seestrasse 228 Küsnacht-Zürich Suíça 22

PRÓLOGO Caro Professor Doutor Jung: Ficamos encantados com a sua carta de 12 de abril. No dia em que a sua carta chegou, aconteceu que estávamoo discutindo algumas de suas contribuições para a teoria da personalidade na minha classe de Psicologia da Personalidade e quando li a carta para os alunos foi, na verdade, um momento emocionante. As datas que nos indica em que nos poderia receber para o propósito de entrevistas filmadas, 5, 6, 7 e 8 de agosto, são simplesmente ótimas. O Dr. Meaney e eu chegaríamos provavelmente a Zurique alguns dias antes, é claro. Examinando o nosso orçamento, um honorário de quinhentos dólares pareceu-nos viável. Acha essa quantia suficiente? Caso contrário, queira nos informar e faremos todos os esforços ao nosso alcance para realizar algum ajustamento. Quanto ao conteúdo das entrevistas e o tipo de perguntas que lhe farei, seria nosso desejo orientar o debate para o nível do estudante universitário de Psicologia. Exemplos das áreas de discussão que seriam de interesse nesse nível incluem o inconsciente, introversãoextroversão e as formas como essas tendências interatuam nos fatores da sua tetrassomia {pensamento, sentimento, percepção e intuição), o Método de Associação Verbal, pontos de vista sobre o desenvolvimento e maturidade da personalidade humana etc. Naturalmente, esforçar-nos-emos em todos os sentidos por orientar as nossas entrevistas de molde a receberem a sua completa aprovação. Em nome do Dr. Meaney, do pessoal docente do nosso Departamento de Psicologia e da administração da Universidade de Houston, desejo agradecer a sua benevolência em aceitar a nossa proposta, assim permitindo que o nosso projeto se inicie sob uma tão distinta égide. Cordialmente seu 23

ENTREVISTAS com CARL G. JUNQ abril de 1957 Richard l. Evans, Ph. D. University of Houston Cullen Boulevard Houston 4, Texas USA Caro Professor Evans: Agradeço a sua amável carta. Os honorários propostos de quinhentos dólares satisfazem-me completamente. Agradeço também ter-me fornecido um esboço do questionário que me será proposto. Espero sinceramente não ser excessivamente complicado em minhas respostas. Na expectativa do nosso encontro, subscrevo-me, caro Prof. Evans, Sinceramente seu 16 de maio de 1957 Professor Doutor C. G. Jung Seestrasse 228 Küsnacht-Zürich, Suíça Caro Professor Jung: Estamos encantados pelo fato do honorário de quinhentos dólares ter sido considerado satisfatório. Também nos satisfaz saber que concorda com as áreas de discussão geral que indicamos. Permita-me que ventile um ponto adicional. O Dr. Meaney que, é claro, estará filmando as nossas entrevistas, gostaria de conhecer a sua opinião sobre as condições de luz, as quais, como sabe, são muito importantes para o trabalho cinematográfico. Por exemplo, às 24

PRÓLOGO quatro horas da tarde, durante os primeiros dias de agosto, quando temos o nosso encontro programado, a luz externa é suficiente para que possamos realmente filmar as entrevistas ao ar livre, diante de sua casa, talvez? De um ponto de vista técnico, isso tornaria então dispensável instalar equipamento especial de iluminação, o que seria necessário se as entrevistas tivessem de ser filmadas no interior de sua residência. O som também poderia ser mais eficazmente registrado em gravação externa. Os seus comentários sobre estes pontos seriam imensamente apreciados. Por uma questão de rotina, a nossa Universidade requer a sua assinatura no impresso anexo. Ficaríamos muito gratos se o assinasse no espaço acima do seu nome. A cópia extra é para os seus arquivos. Queira fazer o obséquio de devolver o exemplar assinado com a resposta a esta carta. Seria desnecessário acrescentar que o Dr. Meaney e eu estamos muito emocionados com a viagem e a perspectiva de o conhecermos e passarmos algumas horas na sua companhia. Os nossos alunos já nos perguntam quando poderão ver os filmes das entrevistas. Reiteramos os nossos agradecimentos por nos ter possibilitado este empreendimento. Cordialmente seu 30 de maio de 1957 Prof. Richard l. Evans, Ph. D. Üniversity of Houston Cullen Blvd. Houston 4, Texas USA Caro Dr. Evans: Suponho que conhecerá as condições caóticas do tempo europeu. Qyerendo Deus, temos o mais belo e 25

ENTREVISTAS com CARL G. JTJNG brilhante dos sóis. Mas se Zeus Nephelegeretés prefere envolver o nosso amado país em dobras de neblina e chuva, pode até acontecer que tenhamos de acender luzes na sala. Se o tempo estiver bom e quente, teremos muito barulho perto de casa, em virtude de uma pisrina pública que existe nas suas vizinhanças. Nesse caso, letirar-nos-íamos para um canto remoto do jardim, onde não existe eletricidade. Para tal eventualidade, os senhores necessitariam de cerca de 100 metros de cabo. bom, tenho que deixar essas decisões técnicas ao vosso cuidado. Estou juntando também a declaração assinada. Au revoir no verão! Sinceramente seu, Decidimos que seria tão oportuno quanto valioso, no interesse do nosso projeto, entrevistar outro psicólogo eminente durante a nossa estada na Europa. com base nessa decisão, solicitamos uma entrevista com Anna Freud. Ela, porém, desejou que transferíssemos a solicitação para o Dr. Ernest Jones, um proeminente psicanalista e intelectual que dedicara grande parte de sua vida a apoiar e defender os pontos de vista de Sigmund Freud. A entrevista com o Dr. Jones seria um digno complemento das entrevistas com o Dr. Jung. Além disso, como ambos esses distintos cientistas tinham tido contato primário corn Freud e tinham saído desse contato pessoal com pontos de vista divergentes, proporcionariam um contraste empolgante para os estudantes a quem eram destinados os filmes. Tivemos sorte em garantir um encontro com o Dr. Jones, de modo que a nossa primeira escala na Europa foi Paris. Quando chegamos a Paris para completar a nossa entrevista com o Dr. Jones, realizava-se uma sessão do Congresso Internacional de Psicanálise. Quando entramos no vasto auditório onde se celebrava uma sessão plenária, vimos, sentado no palco entre várias personalidades significativas do movimento psicanalítico, uma figura que imediatamente atraiu a nossa atenção. 26

PRÓLOGO Nos seus últimos anos de vida, o Dr. Jones deixara crescer a barba, modificando a sua aparência e dando a impressão, por um momento, de que o próprio Freud ali estava sentado. Sabendo que o Dr. Jones estava em condições de saúde extremamente precárias, vítima de câncer terminal e de uma recente crise das coronárias, não teríamos ficado surpreendidos se ele não quisesse dar continuidade à entrevista. Contudo, um contato inicial com o Dr. Jones dissipou todas as apreensões. Embora estivesse muito ocupado, no momento, com uma hoste de amigos e conhecidos que solicitamente se aglomeravam à sua volta, ele prontamente nos apresentou à Senhora Jones, que nos garantiu que o marido estaria presente na hora e local marcados para a entrevista. Os funcionários de uma firma de Houston, a Schlumberger Corporation, tinham tido a amabilidade de providenciar para que os escritórios da sua filial de Paris ficassem à nossa disposição para a entrevista e foi nesse cenário que nos encontramos com Ernest Jones. A perspicácia e a penetração com que o Dr. Jones abordou a situação de entrevista são facilmente discerníveis através de suas respostas francas e reveladores às minhas várias perguntas. A doença letal que diariamente devastava seu corpo, roubando-lhe o pouco vigor que ainda lhe restava, não conseguira levar a melhor sobre o seu intelecto arguto e perceptivo; além disso, como o leitor notará, a precária saúde do Dr. Jones de maneira nenhuma embotou o ferrão de mordacidade de suas palavras, quando decidia dar essa tônica às suas respostas,. Sentindo-nos extremamente satisfeitos com o êxito cia primeira parte da nossa missão, o meu colega e eu despedimo-nos do Dr. Jones e partimos imediatamente para Zurique, o cenário para o coroamento da nossa iniciativa. com que ansiedade antegozávamos o eminente encontro com o notável e tão controvertido Professor Carl Jung! Ernest Jones morreria sete meses depois dessa entrevista, em fevereiro de 1958. (N. do T.) 27

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG O ínterim causado pela viagem até Zurique propiciou uma oportunidade para meditação e reflexão sobre os últimos meses, o que inevitavelmente conduziu a um reexame mais detalhado de Jung e sua obra. Como muitos psicólogos americanos, eu há muito tempo respeitava e me interessava pelo Dr. Jung como um importante pioneiro e figura histórica nos anais da Psicologia. Era igualmente verdade, porém, que eu compartilhava de uma certa dose de ceticismo, abundantemente em evidência, que cercava muitac das noções fundamentais de Jung. De um modo geral, os psicólogos americanos consideravam a obra do Dr. Jung excessivamente nfetica e filosófica para satisfazer aos critérios de uma sólida pesquisa científica. De fato, é interessante assinalar que as idéias de Jung são mais caracteristicamente difundidas pelos membros dos departamentos de Filosofia e Letras das universidades do que pelos habitantes dos departamentos de Psicologia. Da Psicologia contemporânea, com sua ênfase na análise e métodos científicos, dificilmente poderia esperar-se que aceitasse tais conceitos metafísicos, postulados por Jung, como ”inconsciente racial” ou ”concepções transcendentes do eu”, e muito menos a sua suçestão de que os antigos escritos sobre alquimia podem fornecer conhecimentos sobre o processo de crescimento e desenvolvimento do indivíduo. Conceitos como esses tinham acarretado para Jung a condição de persona non grata entre grande número de psicólogos americanos. Entretanto, poucos, ou talvez nenhum, negam que certas idéias defendidas por Jung converteram-se em potáveis contribuições para a Psicologia. A sua tipologia introvertido-extrovertido passou a fazer parte integrante do vocabulário ativo de um incontável número de pessoas que não receberam qualquer educação formal em Psicologia; e termos clássicos tais como ”cornplexo”, apenas um dos muitos termos introduzidos pelo Dr. Jung, foram tão bem assimilados na linguagem moderna que se converteram, essencialmente, em palavras de ”uso doméstico”. Além disso, como criador do teste de ”associação verbal”, forneceu um instrumento que a 28

PRÓLOGO maioria dos psicólogos de todas as correntes considera extremamente útil. Por outra parte, seria injusto não mencionar a existência de alguns psicólogos americanos que aceitaram as concepções de Jung sobre a natureza da personalidade humana com a maior seriedade. Um exemplo notável foi o eminente, respeitado e, na minha opinião, sumamente estimulante Dr. Henry Murray, da Universidade Harvard. O Dr. Murray, que teve considerável contato com Jung, continua exaltando a sua obra. Também os Drs. Calvin Hall e Gardner Lindzey, num cornpêndio amplamente usado e divulgado, Theories of Personality (12), escreveram um capítulo sobre Jung que me parece ser uma das descrições mais laudatórias e positivas das idéias de Jung apresentadas na literatura da Psicologia americana contemporânea. Assim, o Dr. Jung não estava inteiramente sem um séquito de distintos adeptos nesta terra de céticos. Quando me debrucei sobre a idéia de entrevistar Jung, fui obrigado a decidir qual deveria ser a finalidade das entrevistas iminentes. Como tantos outros professores dos cursos de Personalidade, eu vinha ensinando há muitos anos a teoria junguiana; e, é claro, a situação docente implica um contexto em que a avaliação critica é muito importante. Entretanto, nessas entrevistas, parecia-me preferível não criar uma atmosfera em que a avaliação crítica da obra do Dr. Jung desempenhasse qualquer papel crucial. Para apresentar objetivamente os pontos de vista de Jung, achei que seria melhor facultar uma oportunidade para que o Dr. Jung formulasse e expressasse as suas idéias de uma forma tão direta e sistemática quanto possível, sobretudo aquelas idéias pertinentes à teoria da personalidade. As perguntas que preparei permitiriam ao entrevistado estabelecer um contraste entre as suas concepções e as de Freud e, partindo daí, expor as suas próprias e originais constribuições. (O leitor notará que usarnos freqüentemente as reações de Jung à teoria de Freud como um meio não só para permitir ao estudante uma comparação entre os dois homens, mas também como um meio para provocar em Jung um desenvolvimento 29

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG de suas idéias.) Essa forma de apresentação, dentro de uma estrutura inteligível para os estudantes de Psicologia contemporânea, proporcionará uma oportunidade de maior clareza na comunicação. Após a chegada à Suíça, entramos imediatamente em contato com a Srª Jaffé, secretária do Dr. Jung. O encontro foi ern Küsnacht, no dia 2 de agosto. Fiquei encantado ao ouvir que o Dr. Jung teria muito prazer em receber-me em seu jardim na manhã seguinte, para falarmos brevemente sobre as entrevistas que teriam lugar nos próximos dias. Entrementes, o Dr. Meaney entregava-se à tremenda tarefa de instalar o equipamento de filmagem no Instituto Federal de Tecnologia, onde as entrevistas se realizariam. Os problemas do nosso cinegrafista-diretor e coprodutor, o Dr. Meaney, para reunir uma equipe técnica, não foram de pouca monta. Enquanto ele batalhava com esses problemas, no dia seguinte, caminhei do hotel em Küsnacht até a residência do Dr. Jung, situada a poucas quadras de distância. Fui recebido pelo Dr. Jung em seu jardim. As suas primeiras palavras foram estas: — Por que é que vocês, psicólogos americanos, me detestam tanto? Tenho a certeza de que não preciso expressar a desconcertante surpresa de minha parte, diante de tal pergunta feita de chofre; mas é igualmente verdade que se eu tivesse conhecido o Dr. Jung, mesmo superficialmente, o impacto da surpresa não teria, provavelmente, ocorrido. Contudo, apesar de nos conhecermos há monentos, apenas, não reagi a essa declaração, pronunciada com a maior serenidade, tão seriamente quanto poderia ser esperado, por causa de uma cintilação irônica e marota que surpreendi no olhar do Dr. Jung, enquanto me espiava através dos óculos. Embora o Dr. Jung contasse, nessa altura, 82 anos de idade, tinha toda a aparência de gozar de excelente saúde. Fisicamente, era uma imponente figura de homem, bem proporcionada, de mais de um metro e oitenta de altura, cujos gestos e pose eram cheios de dignidade. Suas maneiras eram cordiais e encantadoras e conseguir relacionamento com ele era coisa fácil de se 30

PRÓLOGO realizar. Poderia ainda acrescentar, entretanto, que nenhum elemento na personalidade do Dr. Jung seria mais agradável, nos dias seguintes, do que a já referida ”cintifação” em seus olhos, em evidência sempre que ele queria troçar ou ironizar sobre alguma coisa, por um momento. Respondi à pergunta inicial do Dr. Jung com a única resposta legítima de que dispunha; isto é, eu tinha de admitir que havia, por certo, um grande número de psicólogos americanos, provavelmente a maioria, de fato, que não aceitava muitas de suas idéias, embora ”detestar” fosse uma palavra demasiado forte para usar em referência aos sentimentos deles.Também sublinhei, entretanto, que havia na América outro grupo de psicólogos muito familiarizado com a sua obra e muito mais positivo na avaliação que fazia dela. A conversa que se seguiu com o Dr. Jung revelou que, de fato, ele estava inteiramente ao corrente do escrutínio crítico a que alguns dos seus conceitos tinham sido submetidos. Por exemplo, não era segredo para ele que a sua tipologia introversão-extroversão, sobretudo no passado, tinha servido a muitos dos nossos compêndios introdutórios de Psicologia como uma espécie de ”bode expiatório”, numa tentativa para advertir o estudante principiante para não prefigurar as pessoas como tipos ou colocá-las em categorias inflexíveis, nesse caso, apondo-lhes simplesmente o rótulo de introvertidas ou extrovertidas. Nesse ponto, entretanto, expliquei-lhe que muitos psicólogos, talvez mais familiarizados com a sua obra, tinham perfeita consciência de que ”ele jamais pretendjera que essas tipologias fossem alguma coisa mais do que um útil guia para ajudar na compreensão do indivíduo. Nessa altura, foi servido chá e sentamo-nos para começar a discutir uma porção de coisas diferentes. O Dr. Jung estava particularmente interessado, como o leitor poderá ter notado pelo conteúdo da sua primeira carta a nós, nos objetivos educacionais do nosso projeto. Queria saber a quem se destinavam essas entrevistas filmadas. Expressei a esperança de que os filmes seriam um veículo de introdução de sua obra junto dos 31

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG estudantes, o que, por seu turno, impunha a necessidade das entrevistas transcorrerem num nível de linguagem compreensível até para um estudante dos primeiros anos. O Dr. Jung manifestou uma clara compreensão disso. À medida que a nossa conversa progredia, a natureza educativa ao nosso empreendimento continuou despertando um interesse genuíno da parte do nosso anfitrião. Num determinado ponto, perguntei-lhe por que concordara em participar nessas entrevistas. De um modo bastante interessante, respondeu que, de algum modo, sentira intuitivamente que esses professores de Houston, a Universidade de Houston, em ”Houston, Texas, uma nova fronteira nos Estados Unidos”, estariam ansiosos por conduzir a situação de uma forma que ele aprovasse. O inglês do Dr. Jung, expressado com um delicioso sotaque germânico, era excelente; comecei a enxergar uma qualidade dinâmica em seus maneirismos, sua expressividade e seu colorido fraseado. Enquanto falávamos, tornou-se evidente que tínhamos em Carl Jung não só um sujeito que possuía muito a oferecer intelectualmente, mas também um indivíduo que daria excelente conta de si mesmo numa situação de entrevista espontânea. Sugeri ao Dr. Jung que, se a autêntica espontaneidade pudesse ser atingida nessas entrevistas, isso seria muito mais emocionante e interessante para os estudantes, o que imediatamente mereceu a sua concordância. Na verdade, embora eu tivesse preparado as perguntas a serem formuladas durante as quatro entrevistas de uma hora, ele nem sequer quis vê-las, preferindo em vez disso ouvir as perguntas pela primeira vez durante as entrevistas reais. A importância dada à espontaneidade como objetivo altamente desejável, somada ao período de uma hora estabelecido para cada entrevista, criou, porém, uma séria consideração a ser levada em conta. A espontaneidade pode resultar em demasiada conversa irrelevante e digressiva; e, nesse caso, como queríamos as reações do Dr. Jung a todas as perguntas preparadas, cada minuto de cada hora contava. Assinalei esse ponto, ex- 32

PRÓLOGO plicando-lhe que nos empreendimentos comerciais desse tipo, com mais tempo disponível para entrevistas, muitas horas são freqüentemente reduzidas a um par de horas na mesa de montagem do filme que será finalmente exibido. Nas próximas entrevistas com eie, porém, não dispúnhamos, virtualmente, de margem de tempo para cones. Uma vez mais, o Dr. Jung mostrou compreender a situação. houve tantos aspectos emocionantes em nosso empreendimento que seria impossível descrevê-los todos, contudo, um que se destaca por ter acrescentado uma nota interessante a nossa tarefa foi a indicação de bom dizer, um membro ao stt de Paris da revista Time, para razer a coberlura jornalística da nossa história. Por indicação ao serviço de informações da nossa Universidade, tínhamos imormado o taiecido W.lliam mehale, nessa época Chefe do Escritório de Paris do Time, sobre a natureza do nosso projeto, assim como a data aa nossa chegada a Paris. O projeto, consistindo em dois professores americanos que vinham ao encontro do Dr. Gari Jung para um empreendimento desse gênero fora do comum, levou McHale a destacar um membro do seu siaff para fazer a reportagem das entrevistas. ton Dozier iniciou os preparativos para o seu artigo do Time cobrindo, primeiro, a entrevista com o Dr. Ernest Jones e, depois, acompanhou-nos a Zurique, onde solicitou e obteve permissão, tanto nossa como do Dr. Jung, para testemunhar as quatro entrevistas filmadas de uma hora cada. A sua interessante descrição do nosso esforço foi publicada na edição da revista Time de 19 de agosto de 1957. Reproduzimos em seguida alguns extratos da reportagem de torn Dozier, antes de ter sido publicada pelo Time, tal como foi publicada no Houston Post de 16 de setembro de 1957: ”O velhote, com seu fino cabelo branco e um fulgor de penetrante argúcia nos olhos, estava recostado numa cadeira de braços e tirava deliberadamente longas baforadas de seu inseparável cachimbo. Aparentemente indiferente ao microfone em torno do pescoço e às lentes da câmera que o fixavam do outro lado da sala, Carl Gustav Jung falava através do halo de fumaça que lhe 33

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG coroava a cabeça. Sua voz era forte e retumbante, o seu inglês só ligeiramente matizado de sotaque germânico. ”— O mundo — disse Jung — está suspenso de um fio muito tênue, e esse fio é a psique do homem... Não é a realidade da bomba de hidrogênio que devemos temer, mas o que o homem fará dela. Suponhamos que certos camaradas em Moscou se enervem, então o mundo será envolto em chamas e fogo. Mais do que nunca, o mundo depende da psique do homem. ”Portanto, explicou o velho sábio, o estudo e compreensão da psique humana é mais importante do que nunca. ”Durante uma hora, em quatro dias diferentes, Jung, o psicólogo analítico, em seus viris 82 anos, derradeiro sobrevivente entre os Três Grandes pioneiros da Psicologia moderna, sentou-se diante de uma câmera de televisão, numa sala de paredes envidraçadas do Instituto Federal de Tecnologia, em Zurique, e explicou os pontos sutis e mais intricados da abordagem junguiana do estudo da mente humana. Delicadamente guiado pelo entrevistador, Richard Evans, do Departamento de Psicologia da Universidade de Houston, Jung percorreu toda a volumosa complexidade das SUES teorias e conclusões sobre a psique. ”Por vezes, fustigava moderadamente os dois outros Titãs seus colegas, Freud e Adler, corrigia repetidamente o que considerava interpretações errôneas de suas idéias, explicava em detalhe as suas teorias sobre introversão, extroversão, persona, intuição, a interpretação, dos sonhos e os símbolos inconscientes a que chamou arquétipos... ”O desempenho de Jung era tão extraordinário quanto fascinante. Ele aparecia pela primeira vez diante de uma câmera de TV, fazia a sua primeira reverência a uma platéia americana desde que lecionara Psicologia e Religião em Yale, em 1938, e, excetuando-se algumas conferências em Zurique, era essa a sua primeira aparição pública em mais de uma década. E, apesar da sua vigorosa aparência de boa saúde, os espectadores ficavam impressionados pela possibilidade de estarem testemunhando a última fala de um grande e 34

PRÓLOGO magistral ator... um gênio aposentado que evita as aparições em público porque ”tenho um trabalho infernal para fazer as pessoas entenderem o que quero dizer...” ”... Jung gracejava e parecia radiante, adorando imensamente tudo aquilo. Quando Meaney afivelou o microfone em torno do pescoço de Jung e lhe ligou o fio, o velhote comentou, risonho: ”— bom, esta foi a primeira vez que alguém me colocou uma trela... ”No estúdio, seus olhos brilhavam atrás dos óculos de aro metálico e seu eriçado bigode branco tremia quando Jung esboçava um sorriso. Como estava falando para estudantes e como, de qualquer modo, ele é ireqüentemente obscuro, muito do que ele disse foi altamente técnico e difícil de traduzir para a linguagem cotidiana. ..” No decorrer das quatro entrevistas de uma hora. aconteceram numerosas coisas interessantes, através da interação com o Dr. Jung, que nos permitiram uma certa e intrigante visão do seu íntimo como pessoa. O leitor talvez esteja interessado em algumas dessas experiências, tendo em mente que, como elas refletem apenas um contato limitado, dificilmente poderiam fornecer as bases para uma compreensão verdadeiramente profunda. Todos os dias, num Plymouth alugado, dirigíamo-nos ao local das quatro entrevistas, o Instituto Federal de Tecnologia da Suíça. Eu tinha feito um meticuloso mnpa do percurso, para não encontrar dificuldades na localização do Instituto e não correr o risco de atrasos imprevistos. Mas tudo isso provou ser uma cautela desnecessária. Descobri que o Dr. Jung gostava de guiar seu carro pela Europa toda e conhecia todos os cantos e recantos dessa cidade. De fato, vim a saber mais tarde que o Dr. Jung era o orgulhoso proprietário de uma Mercedes Benz muito ”veloz”. Todos os dias o Dr. Jung

* De fato, embora Jung viesse a falecer somente quatro anos depois, em junho de 1961, foi esta a sua última aparição em púbrco e também a última vez que consentiu em serentrevistado. (N. do T.)

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ENTREVISTAS com CARL, G. JUNG nos assinalava o caminho, mostrando-me sempre um novo percurso e proclamando: — Todos sabem que Jung nunca vai duas vezes pelo mesmo caminho. Além disso, quando chegávamos ao Instituto e eu cuidadosamente tentava conduzi-lo para um elevador que nos deixasse no segundo andar, o Dr. Jung investia corajosamente para a escada, numa passada vigorosa que me deixava sem fôlego. ton Dozier, o jornalista do Time, ficava sentado durante todas as entrevistas, prestando uma obstinada atenção e tomando notas das perguntas que nos queria fazer no final da entrevista em curso. Numa ocasião, se bem me lembro, ele regressou do Instituto em nosso carro. Ia sentado em silêncio no banco traseiro enquanto o Dr. Jung e eu conversávamos em ton despretensioso e informa! sobre os netos e bisnetos do Dr. Jung. De súbito, Dozier interrompeu o nosso ”papo” para fazer a Jung uma pergunta realmente excelente sobre um ponto técnico que tinha sido debatido durante a entrevista desse dia. Num ton muito firme, o Dr. Jung rechaçou essa excelente representante de um semanário mundialmente lido, declarando apenas: — Meu caro senhor, estamos neste momento falando de algo que é um pouco mais importante. Por que não pergunta mais tarde ao Dr. Evans? A revista Time publicara anteriormente algumas reportagens muito boas, todas favoráveis a Jung, de modo que o seu comportamento nesse episódio não era, indubitavelmente, um reflexo específico de sua hostilidade para com a revista. O incidente apenas demonstrou claramente a característica falta de interesse de Jung pelos canais usuais do que poderíamos chamar a pressão da sociedade, a cujo respeito nos habituamos a sentir grande preocupação. Observamos que, no quarto dia, o Dr. Jung começou a ficar um tanto fatigado. Estávamos quase dispostos a não insistir na conclusão dessa quarta entrevista, mas ele foi o primeiro a instar para que se completasse. De fato, indicou jovialmente que estava gostando muito da experiência. Não pude deixar de sentir que isso ilus- 36

PRÓLOGO trava o fato da sua aceitação do nosso convite para ser entrevistado ter sido um gesto sincero. Penso que o processo de educar um grande número de estudantes dessa maneira representava para ele um verdadeiro desafio. Posteriormente, enviei-lhe de presente uma cópia de uma das entrevistas filmadas. Recebemos da sua secretária, a Srª Jaffé, a seguinte carta: 28 de novembro de 1958 Prof. Richard l. Evans University of Houston Cullen Blvd. Houston 4, Texas Caro Professor Evans: Quero informá-lo que todos nós gostamos imensamente de ver o seu filme. Foi um grande êxito e pretendemos repetir a exibição na primavera. O Prof. Junq pediu-me que lhe agradecesse muito pelo envio da cópia. Ele não esteve presente a essa exibição, mas esperamos que compareça na próxima vez. Estamos certos de que ele gostará também. O Prof. Jung pergunta se o filme foi um presente para ele ou se terá de devolvê-lo. Ficaria muito grato para uma breve resposta. Tivemos conhecimento de que o senhor possui quatro desses filmes. É verdade? Reiterando os nossos agradecimentos, Sinceramente sua, Aniela Jaffé, Secretária Soubemos posteriormente que o Dr. Jung ficou deveras encantado com a forma como apareceu nessas entrevistas. De regresso aos Estados Unidos, tratamos de revelar rapidamente os filmes e começamos a pensar num 37

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG meio de os tornarmos acessíveis aos estudantes e out’os grupos interessados. Para nossa grande satisfação, o interesse por esses filmes foi enorme. Atendemos pedidos de cópias provenientes, literalmente, de todo o mundo. Um pedido recente, por exemplo, chegou-nos de um grupo junguiano em Perth, na Austrália Ocidental. Como acontece freqüentemente com os que trabalham no campo da Psicologia, não estamos interessados apenas em obter um produto, mas queremos avaliá-lo com o maior cuidado. Sem sobrecarregar o leitor por ora com uma análise minuciosa a respeito das avaliações que fizemos desses filmes, a citação de um estudo que realizamos será suficiente como indicação, em certa medida, do sucesso do projeto. Esse estudo comparou grupos equiparados de estudantes que leram os traslados das entrevistas e viram as entrevistas filmadas, em função do que tinham aprendido para além da leitura norrnal das idéias de Jung em outras fontes. Os resultados da nossa pesquisa sugeriram que as entrevistas não só facilitaram uma comunicação mais eficaz das idéias de Jung, mas também tiveram um efeito definido sobre as atitudes e sentimentos sobre Jung. Até alguns estudantes de Psicologia que tinham sido antes extremamente hostis a Jung e seus pontos de vista pareciam demonstrar agora uma atitude mais favorável em relação a Jung, o homem, quando se defrontaram com essa técnica de apresentação das, suas idéias. Para nós, é claro, isso foi sumamente interessante e certamente, para consideração futura, parece sugerir que tal técnica de entrevista constitui um instrumento educativo francamente promissor. De fato, estamos atualmente testando essa possibilidade em bases mais sólidas, através de toda uma série de entrevistas que está sendo levada a efeito com alguns dos mais notáveis psicólogos contemporâneos. Esse empreendimento está sendo realizado nos termos de uma bolsa que nos foi recentemente concedida pela National Science Foundation. Nas páginas que se seguem, tentamos organizar os materiais das entrevistas de tal modo que se facilitasse * Ver o Apêndice B. 38

PRÓLOGO a máxima comunicação entre o leitor e a página impressa. Tomamos o mínimo de liberdade possível com o texto. De fato, não acredito que, em qualquer momento, tivéssemos modificado materialmente as respostas de Jung és perguntas das primeiras três entrevistas. Na última entrevista, porém, fizemos realmente muito poucas perguntas a Jung, permitindo-lhe que discorresse livremente e sem intervenção do orientador. Como era natural, de certo modo, essa abordagem final acarretou algumas divagações e não suscitou o gênero sucinto de respostas que teria sido ideal. Além disso, Jung dedicouse, sobretudo, nessa última entrevista, a completar e ampliar suas respostas anteriores às perguntas formuladas nas primeiras três entrevistas; assim, tomamos a liberdade de sintetizar e reorganizar, em certa medida, pelo menos, essas ampliações sobre pontos que já tinham sido tratados, a fim de tornar o texto mais comunicativo e legível. A ordem em que as perguntas e respostas ocorreram foi alterada, algumas vezes, para fins de clareza e, no mesmo propósito e interesse, algumas das perguntas foram submetidas a revisões secundárias, para torná-las mais sucintas. Como um todo, porém, o material consubstanciado nos capítulos que se seguem reflete fielmente as respostas de Jung às nossas perguntas. Quando o leitor começar a esmiuçar esse material, talvez note certas diferenças na maneira como um psicólogo americano usaria termos específicos e na maneira como esses mesmos termos são empregados pelo Dr. Jung. Em certa medida, isso ocorreu em função do alemão de Jung e da influência que exerceu.no seu inglês. Para citar um exemplo, a palavra instinto na Psicologia americana de hoje pode ser simplesmente definida como lima tendência de resposta não-aprendida. Jung usa o termo instinto, entretanto, em referência a uma resposta aprendida, no sentido de ser um hábito. Ao examinar este material, o leitor também notará que, ocasionalmente, há uma tendência para o uso de uma frase que, superficialmente, não parece ter um significado particular. Por exemplo, num dado momento, -Jung-está discorrendo sobre o inconsciente e diz que 39

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG não podemos realmente saber muita coisa sobre o inconsciente porque... ”é realmente inconsciente!” Nesses momentos, recordamos o lampejo sarcástico nos olhos de Jung, quando tentava fazer um pouco de humor às custas do entrevistador e talvez abrir a porta para uma nova discussão. Por outras palavras, em muitas ocasiões, o leitor não deve, por causa do senso de humor de Jung e seus invuloares recursos de comunicação, tomar as suas expressões num sentido demasiado literal. Muitas de suas respostas devem ser interpretadas no contexto da resposta total a uma dada pergunta. Foi com muito interesse que li recentemente numa revista de âmbito nacional, a Atlantic Monthly, e no livro Memores, Dreams, Reflecttons (17), alquns reaistros das idéias do Dr. Junq apresentadas pela Srª Aniela Jaffé, a secretária de Junq. A sua perspicácia, discernimento e compreensão sensível das idéias de Jung, e de Jung como opssoa, merecem uma nota especial de louvor e admiração. Em Nova York, a 1° de dezembro de 1961, foi realiz ado um encontro em memória de Jung, patrocinado conjuntamente pela Associação às Psicologia Analítica de Nova York e pelo Clube de Psicologia Analítica de Nova York. Nesse encontro, ficamos particularmente empolgados pelos interessantes e eloqüentes comentários do Dr. Henry Murray sobre o falecido Dr. Carl Jung. Permitimo-nos citar o Dr. Murray, quando disse: ”Jung era humilde diante do inefável mistério de cada eu variante com que deparava pela primeira vez, quando se sentava em sua escrivaninha, cachimbo na mão, todas as faculdades em sintonia, meditando sobre o portento do que lhe estava sendo dito. E nunca hesitou em reconhecer a sua perplexidade na presença de um estranho e inescrutável fenômeno, nunca hesitou em admitir a natureza provisória dos comentários que tinha de fazer ou em enfatizar as dificuldades e limitações da possível realização no futuro. ”— Quem quer que venha até mim — diria ele — toma sua vida nas mãos. ”O efeito de tal declaração, o efeito da sua maneira de expressar o seu reconhecimento da incerteza e sus- 40

PRÓLOGO pense, não diminui, mas aumenta, a fé do paciente em suas posições, em sua indestrutível integridade, assim como deixa claro ao paciente que deve aceitar o fardo da responsabilidade por quaisquer decisões que possa tomar.” Fui até ao Dr. Jung não como um paciente em busca da sua ajuda, mas como um professor de Psicologia que ali estava para entrevistá-lo. As mesmas qualidades atribuídas a Jung no trecho acima citado, contudo, foram igualmente discerníveis nesse contexto muito diferente. com efeito, Jung possui humildade, a espécie que acompanha a mais ampla expansão do intelecto e dos sentidos. No texto do material das entrevistas que apresentamos em seguida, sinceramente esperamos que o leitor esteja apto a interatuar com Jung, tanto quanto a aprender de Jung. 41

PArTE II JUNG E FREUD Nesta parte das entrevistas, o autor esforçou-se por sondar, com o Dr. Jung, os acontecimentos que cercaram o seu envolvimento inicial com o Dr. Freud. Também foi feita uma tentativa para traçar as Unhas mestras Já estrutura fundamental da teoria psicanalítica, permitindo a Jung que reagisse a cada parte da mesma. À medida que Jung responde às perguntas relativas ao desenvolvimento psicossexual e aos conceitos freudianos de Id, Ego e Superego, um surpreendente grau de compreensão é transmitido ao leitor sobre a maneira como Jung discorda de Freud, as áreas em que eles concurdavam e algumas das idéias que Jung desenvolveu como reação ao pensamento freudiano. 43

Relacionamento de Jung com Freud, Adler e Rank Dr. Evans: Dr. Jung, muitos dentre nós que leram uma boa parte de sua obra estão cônscios do fato de que, em seus primeiros trabalhos, o senhor estava associado ao Dr. Sigmund Freud. E sei que seria de grande interesse para muitos saber como foi que teve conhecimento da existência do Dr. Freud e como acabou por compartilhar de algumas de suas obras e idéias. ”Dr. Jung: Bem, de fato, foi no ano de 1900, em dezembro, pouco depois de ter sido publicado o livro de Freud sobre a interpretação dos sonhos, que fui solicitado pelo meu chefe, o Professor Bleuler, a escrever um comentário crítico sobre o livro. Estudei-o com a maior atenção e não entendi muitas coisas nele, as quais não me eram nada claras; mas, em outras partes, tive a impressão de que esse homem sabia realmente sobre o que estava falando. E pensei: ”Isto é certamente uma obra-prima... cheia de futuro.” Nessa época, eu não tinha idéias próprias; estava apenas começando. Isso foi, justamente, quando eu iniciava a minha carreira como assistente na clínica psiquiátrica. E dava os primeiros passos no campo da Psicologia Experimental ou Psicopatologia. Eu aplicava os métodos de associação experimental de Wundt, os mesmos que tinham sido aplicados na clínica psiquiátrica de Munique, e estudava os resultados obtidos. A minha idéia era que alguma coisa poderia sair daí. Assim, fiz uso dos testes de associação e concluí que faltava neles a coisa mais importante, pois não é interessante ver que na uma reação — uma certa reação — a um estímulo verbal. Isso é mais ou menos despido de interesse. Mas 45

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG o ponto verdadeiramente interessante é averiguar por que as pessoas não reagiam, ou não eram capazes de reagir, a certos estímulos verbais, ou então só reagiam de uma forma inteiramente inadequada. Foi então que comecei a estudar aqueles pontos, no experimento, em que a atenção ou a capacidade dessa pessoa começam, aparentemente, a vacilar ou a desaparecer, e não tardei em descobrir que se tratava de questões pessoais muito íntimas que preocupavam as pessoas, ou que estavam nelas próprias, mesmo que, momentaneamente, não pensassem nessas coisas, por outras palavras, quando essas coisas eram inconscientes; tratava-se de uma inibição oriunda do inconsciente e que perturbava a expressão através de palavras. Então, ao examinar todos esses casos com o maior cuidado possível, percebi que se tratava daquilo a que Freud chamava repressões. Também compreendi o que ele entendia por simbolização. Dr. Evans: Por outras palavras, graças aos seus estudos sobre associação verbal, algumas das coisas ditas em A Interpretação de Sonhos (10) começaram a fazer sentido. Dr. Jung: Sim! E escrevi então um livro sobre a Psicologia da demência precoce, como então se lhe chamava... agora chamam-lhe Esquizofrenia. Enviei um exemplar do livro a Freud, escrevendo-lhe sobre os meus experimentos de associação e como estes confirmavam, até então, a sua teoria. Assim foi que teve início a minha amizade com Freud. Dr. Evans: Houve outras pessoas que também se interessaram pela obra do Dr. Freud e uma delas foi o Dr. Alfred Adler. Em sua opinião, o que foi que levou o Dr. Adler a interessar-se pelos trabalhos do Dr. Freud? Dr. Jung: Fazia parte do seu círculo; era um dos jovens médicos que o rodeavam. Havia cerca de vinte jovens médicos que seguiam Freud e que formavam... 46

RELACIONAMENTO com FREUD, ADLER E RANK que tinham uma espécie de pequeno clube. Aconteceu que Adler estava lá e aprendeu... estudou a Psicologia de Freud nesse círculo. Dr. Evans: Outro indivíduo, é claro, que se juntou a esse grupo foi Otto Rank, que não era médico, como o senhor, Freud e Adler. Não era formado em Medicina. Isso foi encarado no seu grupo, nessa época, como algo inusitado, que alguém sem formação médica pudesse ficar interessado em tais idéias? Dr. Jung: Oh, não! Conheci muitas pessoas que representavam diferentes faculdades, mas estavam interessadas em Psicologia. Todas as pessoas que lidavam com seres humanos estavam naturalmente interessadas: teólogos, advogados, pedagogos. Todos eles têm algo a ver com os processos da mente humana e era natural que mostrassem interesse. Dr. Evans: Portanto, o seu grupo, incluindo Freud, não pensava que se tratava de uma área exclusivamente de interesse para o médico? Que, pelo contrário, era algo que podia interessar a muitos? Dr. Jung: Claro que sim! Não se esqueça que cada paciente que nos chega fica interessado em Psicologia. E quase todos eles pensam, inevitavelmente, que nasceram para ser psicanalistas! 47

A Opinião de Jung sobre o Desenvolvimento Psicossex ual Freudiano Dr. Evans: Uma das idéias fundamentais da teoria psicanalítica original foi a concepção freudiana da libido como uma espécie de energia psicossexual de natureza essencialmente dinâmica. Todos nós sabemos, é claro, que o senhor começou a sentir que o Dr. Freud talvez tivesse dado excessiva importância à sexualidade em suas teorias. Quando foi que começou a sentir isso? Dr. Jung: No princípio, eu tinha certas prevenções, naturalmente, contra essa concepção, mas superei-as, passado algum tempo. Pude fazê-lo graças à minha sólida formação biológica. Não podia negar os impulsos do instinto sexual. Mais tarde, porém, apercebi-me de que se tratava, realmente, de uma concepção unilateral, porque o homem, como o senhor sabe, não é exclusivamente governado pelo instinto sexual; também existem outros instintos. Por exemplo, em Biologia, vemos que o instinto de nutrição é tão importante quanto o instinto sexual. Embora a sexualidade desempenhe um papel nas sociedades primitivas, a alimentação tem um papel muito mais importante. A busca de alimentos constitui o interesse e o desejo de importância suprema. O sexo... isso é uma coisa fácil de obter em qualquer lugar, não exige grande esforço para procurar. Mas o alimento é difícil de obter e por isso constitui o principal interesse. Depois, em outras sociedades... refiro-me a sociedades civilizadas... o instinto de poder desempenha um papel muito maior que o sexo. Por exemplo, existem muitos homens de negócios que são impotentes porque toda a sua energia é investida no impulso de ganhar 48

DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL FREUDIANO Dinheiro ou de ditar os papéis de todo mundo. Isso é muito mais interessante para eles do que estar às voltas com mulheres. Dr. Evans: Assim, num certo sentido, quando começou a analisar a ênfase dada pelo Dr. Freud ao impulso sexual, o senhor começou também a pensar em função de outras culturas e pareceu-lhe que essa ênfase não possuía suticiente universalidade para que se justificasse a atribuição de uma importância primordial. Dr. Jung: bom, de fato, era-me impossível deixar de fazê-lo, porque eu tinha estudado Nietzsche. Conhecia muito bem a sua obra. Nietzsche tinha sido professor na Universidade de Basiléia, onde era assunto obrigatório de toaas as conversas; por isso tive, naturalmente, de estudar suas obras. E partindo daí, vislumbrei uma Psicologia inteiramente diferente, que também era Psicologia... uma Psicoiogia perfeitamente coerente, mas fundada sobre o instinto de poder. Dr. Evans: Acredita ser possível que o Dr. Freud ignorasse Nietzscne ou que talvez não quisesse ser influenciado por ele? Dr. Jung: A sua pergunta refere-se à motivação pessoal de Freud? Dr. Evans: Sim. Dr. Jung: Claro que era um preconceito pessoal. Como sabe, era um de seus temas principais que certas pessoas se interessam, principalmente, por um aspecto das coisas e outras pessoas por outro aspecto. Assim, veja, o Dr. Adler, mais jovem e mais fraco, tinha, naturalmente, um complexo de poder. Sendo inferior a Freud, ele queria ser o homem bem sucedido. Freud triunfara, era um homem bem sucedido; estava no apogeu e por isso estava unicamente interessado no prazer e no princípio de prazer, ao passo que Adler estava interessado no instinto de poder. 49

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Evans: Acha que isso era, portanto, uma espécie de função da própria personalidade do Dr. Freud? Dr. Jung: Sim, é perfeitamente natural que assim fosse. É uma das duas maneiras de encarar a realidade. Ou você faz da realidade um objeto de prazer, se já for bastante poderoso; ou faz dela o objeto do seu desejo de se apoderar, de possuir. Dr. Evans: Alguns observadores especularam sobre a hipótese de que os pacientes vistos pelo Dr. Freud na Viena desse período eram, na grande maioria dos casos, indivíduos sexualmente tão reprimidos que podiam ser representantes de um tipo cultural; ou, por outras palavras, como esses pacientes faziam parte da sociedade vienense, que se acredita ter sido uma sociedade ”reprimida”, os pacientes do Dr. Freud talvez manifestassem uma tendência exagerada para reagir à frustração sexual, assim reforçando as suas idéias sobre uma libido sexual. Dr. Jung: Sim, não há dúvida de que no final da era vitoriana se registrou no mundo inteiro uma reação contra os chamados tabus sexuais. As pessoas já não entendiam mais, de forma apropriada, porque sim ou porque não; e Freud pertence a essa época, uma espécie do libertação mental desses tabus. Dr. Evans: Houve, portanto, uma reação contra a cultura bitolada, inibida, em que ele vivia? Dr. Jung: Sim. Freud, nesse sentido... por esse lado, pertenceu realmente à categoria dos espíritos nietzschianos. Nietzsche libertara a Europa de um grande número de tais preconceitos, mas somente no que diz respeito ao instinto de poder e às nossas ilusões sobre as motivações da nossa moralidade. Foi uma época crítica para a moralidade. Dr. Evans: Assim, o Dr. Freud, num sentido, estava fazendo o mesmo noutra direção... 50

DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL FREUDIANO Dr. Jung: Sim. Além disso, como o sexo é o principal instinto e o instinto domimante numa sociedade mais ou menos estável, quando as condições sócias estão mais ou menos seguras, a sexualidade pode predominar porque as pessoas me dão uma atenção especial. Elas tem suas posições, em suficiente alimentação. Quando não há necessidade de caçar, de coletar alimenlos ou coisa paiecida, então é muito provável que os pacientes que nos consultam tenham todos, em maior ou menor grau, algum complexo sexual. Dr. Evans: Portanto, o instinto sexual é, potencialmente, o impulso que, nessa sociedade particular, tem mais probabilidades de ser inibido? Dr. Jung: Exato. É uma questão de astúcia, quase, descobrir que aiguém é movido peio instinto de poder e que o sexo apenas serve os propósitos do poder. Por exemplo, veja o caso de um sedutor: todas as mulheres o consideram um verdadeiro conquistador de corações; ele é, de tato, uma fábula, sob a qual se esconde o instinto de poder, como Don Juan. A mulher não é o seu problema; o seu problema consiste em saber como dominar., Assim, em segundo lugar após o sexo, surge o instinto de poder e isso ainda não é o fim. Dr. Evans: Para avançarmos no exame da concepção psicanalítica ortodoxa, tem-se prestado muita atenção, como sabe, ao que Freud denominou o desenvolvimento psicossexual: o indivíduo defronta-se com uma série de problemas, em seqüência, que tem de resolver para que possa amadurecer progressivamente. Segundo parece, um dos primeiros problemas que o indivíduo tem de resolver gravita em torno, diríamos, das satisfações orais primitivas ou experiências da zona oral, incluindo o desmame, que representa para a criança algumas de suas primeiras frustrações. Dr. Jung: Acho que, quando Freud diz que um dos primeiros e o mais importante centro de interesse é a alimentação, ele não tinha necessidade alguma de 51

ENTREVISTAS com CARL. G. JUNG recorrer a esse tipo peculiar de terminologia como ”zona cral”. É evidente que a comida se mete na boca! Dt. Evans: Então, quer dizer que o senhor encara o nível oral de desenvolvimento, proposto por Freud, num sentido menos complicado e sem conotação sexual? Dr. Jung: A ciência consiste, em grande parte, em considerações a respeito de comida. Dr. Evans: Em resumo, então, Dr. Jung, com referência ao nível oral de desenvolvimento, o senhor prefere considerá-lo, de um modo bastante literal, uma espécie de instinto de fome ou instinto de nutrição. Outro ponto fundamental no desenvolvimento do ego, segundo a concepção psicanalítica ortodoxa, é que ao nível oral se segue outra fase crítica, um nível anal de desenvolvimento. Nesse segundo nível crucial, também ocorrem algumas frustrações primordiais, isto é, as frustrações que gravitam em torno do problema de adestramento para a higiene pessoal e o asseio. No tocante ao desenvolvimento do Ego e posterior formação do caráter, Freud considerou que a resolução precária de tais problemas acarretava sérias conseqüências. Dr. Jung: bom, é lícito usar semelhante terminologia porque é um fato que as crianças estão imensamente interessadas em todos os orifícios do corpo e gostam de fazer toda sorte de coisas nojentas; por vezes, tais peculiaridades persistem ao longo da vida. É verdadeiramente espantoso o que se pode ouvir a esse respeito. Ora, é igualmente verdade que as pessoas em quem prevalece tal comportamento também desenvolvem um caráter peculiar. No começo da infância, já existe um caráter. Entenda, uma criança não nasce tábula rasa, como alguns supõem. A criança nasce dotada de uma alta complexidade, com determinantes que nunca cedem nem oscilam ao longo de sua vida e dão à criança o seu caráter. Já no início da infância a mãe reconhece a individual- 52

DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL FREUDIANO dade do filho; e assim, se você observar cuidadosamente, descobrirá tremendas diferenças, mesmo em crianças muito pequenas. Essas peculiaridades exprimem-se de inúmeras maneiras. Primeiro, as peculiaridades expressam-se em todas as atividades infantis... na maneira como a criança brinca, nas coisas por que se interessa. Há crianças que se mostram tremendamente interessadas em todas as coisas que se movem, sobretudo no próprio movimento, e em tudo o que, no entender delas, possa afetar-lhes o corpo. Por isso se interessam pelo que os olhos fazem, o que os ouvidos fazem, até onde podem enfiar o dedo no nariz. E farão o mesmo com o ânus; farão o que lhes apeteça com seus órgãos genitais. Por exemplo, quando eu estava na escola, roubamos uma vez o livro da classe onde eram registrados todos os castigos e nele a nossa professora de Religião tinha anotado: ”Fulano, castigado com duas horas porque estava brincando com seus órgãos genitais durante a aula de Religião.” Nas crianças, esses interesses expressam-se de um modo tipicamente infantil. Mais tarde, manifestam-se em outras peculiaridades que ainda são as mesmas, mas isso não decorre do fato das pessoas terem feito uma vez isto ou aquilo na infância. É o caráter o responsável por isso. Existe uma complexidade definida e, se se quiser saber alguma coisa sobre as razões possíveis, terse-á de recorrer aos pais. Em todos os casos de neurose infantil, recorro aos pais e trato de apurar o que se passa com eles, pois as crianças não têm uma psicologia própria, numa acepção literal. Estão de tal forma imbuídas da atmosfera mental dos pais, em tão grande participation mystique com os pais... Estão imbuídas da atmosfera materna ou paterna e expressam essas influências em seu modo infantil. Tome, por exemplo, o caso de um filho ilegítimo. Essas crianças estão particularmente expostas às dificuldades do meio ambiente, como o infortúnio da mãe etc, etc. e todas as complicações. A essas crianças fará falta, por exemplo, um pai. Ora, para compensar isso, é como se elas escolhessem ou nomeassem uma parte 53

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG do corpo como pai, um substituto para o pai, e desenvolvem, por exemplo, a masturbação. Isso ocorre com muita freqüência nos filhos ilegítimos; tornam-se terrivelmente auto-eróticos e até criminosos. Dr. Evans: com referência ao papel dos pais no desenvolvimento, uma das partes centrais do desenvolvimento psicossexual na teoria psicanalítica ortodoxa é o nível edípico de desenvolvimento. É nesse nível que emerge o problema da sexualidade prematura, em relação ao sexo oposto, representado pelo pai ou a mãe. Esse problema, como os outros anteriormente mencionados, também deve ser resolvido, caso contrário resultará na formação de um complexo de Édipo. Dr. Jung: Isso é justamente aquilo a que chamo um arquétipo. Foi o primeiro arquétipo que Freud descobriu; o primeiro e único. E pensou que esse ERA o arquétipo. É claro que existem muitos desses arquétipos. Dê uma olhada na mitologia grega e aí encontrará quantos quiser. Ou considere os sonhos e aí descobrirá mais uma porção deles. Entretanto, para Freud, o incesto era algo tão impressionante que ele adotou a expressão ”complexo de Édipo por se tratar de um dos mais notáveis exemplos de um complexo de incesto. Entretanto, atente bem, isso é a forma masculina, pois as mulheres também têm um complexo de incesto o qual, para Freud, não era um Édipo. Seria alguma outra coisa? Ele viu isso apenas como a designação de uma forma arquetípica de comportamento. No caso de um homem. .. a relação de um homem, digamos, com a mãe. Também diz respeito à relação com a filha, pois o que ele era para a mãe se-lo-á também para a filha. Podemos ver as coisas desta ou daquela maneira. Dr. Evans: Então o senhor acredita, por outras palavras, que o complexo de Édipo não constitui, por si mesmo, uma influência tão importante quanto Freud lhe atribuiu, mas que é apenas um entre muitos arquétipos? Dr. Jung: Sim. É apenas uma das muitíssimas formas de comportamento. O Édipo dá-nos um excelente 54

DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL FREUDIANO exemplo de comportamento de um arquétipo. É sempre uma situação total. Há uma mãe; há um pai; há um filho; portanto, há uma história completa sobre o modo como uma tal situação se desenrola e até onde pode, finalmente, levar. Isso é um arquétipo. Um arquétipo é sempre uma espécie de drama sintetizado. Começa de tal e tal maneira, amplia-se em virtude de tal ou tal complicação e encontra a sua solução desta ou daquela forma. Este é o modelo comum. Por exemplo, considere o instinto nos pássaros para construir o ninho. Na forma como constróem os ninhos há um princípio, um meio e um fim. Os ninhos são feitos apenas para receber um determinado número de filhotes. O fim já está previsto. É o que faz a dificuldade do arquétipo. Não há temporabilidade; é uma condição intemporal em que o princípio, meio e fim são dados em conjunto, três situações em uma só. Isso é apenas uma indicação sobre o que é e o que pode fazer um arquétipo, entende? Mas trata-se, de fato, de uma questão complicada. Dr. Evans: Gostaria de discutir mais especificamente o conceito freudiano do complexo de Édipo. Ora, ainda nos limites da teoria psicanalítica ortodoxa, uma idéia muito comum é que, num certo sentido, os modelos iniciais de comportamento em família, nas relações da criança com a mãe, o pai etc., serão repetidamente revividos e podem ser considerados uma ”compulsão de repetição”. Por exemplo, quando um jovem se casa, poderá reagir em relação à esposa como fazia em relação à mãe, ou então poderá procurar alguma mulher que seja como a mãe. Analogamente, a filha, ao procurar um marido, poderá estar procurando um pai. Isso poderá repetir-se incessantemente. Ora, isso parece constituir o núcleo do que os primeiros freudianos estavam teorizando. E pergunto: Esse tipo de recapitulação da situação edípica primitiva é compatível com as suas próprias concepções? Dr. Jung: Não. Veja, Freud fala do complexo de incesto exatamente da maneira como você descreveu, mas omite completamente o fato de que, com esse 55

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG complexo de Édipo, ele está apenas dando o contrário, isto é, a resistência contra o incesto. Por exemplo, só o modelo edípico fosse realmente predominante, teríamos sido sufocados em incesto há meio milhão de anos. pelo menos. Mas existe uma compensação. Em todos os níveis primitivos de civilização vamos encontrar leis de matrimônio, a saber, as leis exogâmicas. A primeira forma, a mais elementar, estatui que o homem pode casar com sua prima do lado materno. A forma seguinte estipula que o homem só pode casar com sua prima em segundo grau, ou seja, descendente de uma avó comum. Existem cuatro sistemas os casamentos em quarto grau, os sistemas de 8 e 12 e um sistema de 6. Na China, ainda existem vestíaios dos sistemas 6 e 12. E trata-se de conseqüências para além do complexo de incesto e contra o comoplexo de incesto. Ora, se a sexualidade fosse predominante, em particular a sexualidade incestuosa, como é que isso poderia desenvolver-se? Essas coisas desenvolveram-se numa época muito anterior a qualquer idéia de se ter um filho... digamos, da minha irmã. Está completamente errado. Muito pelo contrário, era uma prerrogativa real entre os reis caanitas da Pérsia e entre os faraós egípcios, portanto, em énocas historicamente recentes, que o faraó tivesse uma filha de sua irmã; ele esposava essa filha e tinha uma filha dela, casando em seguida com a neta. Porque isso era uma prerrogativa do rei. A preservação do sanaue real era semore uma espécie de atentado contra a altamente apreciada restrição incestuosa do número de ancestrais, porque isso significa uma perda de ancestrais. Ora, isso também deve ser explicado. E não é o único exemplo que existe de compensação. O senhor sabe que isso desempenha um importante papel na história da civilização humana. _Freud estava sempre inclinado a explicar essas coisas por influências externas. Por exemplo, a pessoa não se sentiria impedida de fazer qualquer coisa, se não existisse uma lei contra essa coisa. Ninguém é impedido pelo seu próprio eu. E isso foi, precisamente, o que ele jamais pôde admitir. 56

3 A Opinião de Jung sobre os Conceitos Estruturais de Freud: Id, Ego e Superego Dr. Evans: Avançando ainda mais no desenvolvimento da teoria do Dr. Freud, a qual o senhor reconhece constituir um fator siqnificativo no desenvolvimento de muitas de suas próprias idéias iniciais, o Dr. Freud, é claro, falou muito sobre o inconsciente. Dr, Jung: Quando a pesquisa aborda a questão do inconsciente, as coisas tornam-se necessariamente nebulosas, porque o inconsciente é algo que... é realmente inconsciente! De modo que não temos objeto... nada. Apenas podemos fazer referências, deduções, dado que não podemos vê-lo. Assim, temos de criar um modelo dessa possível estrutura do inconsciente. Ora, Freud chegou ao conceito do inconsciente a partir, principalmente, da mesma experiência que eu tivera em minhas pesquisas sobre associação; isto é, que as pessoas reagiam... diziam coisas... faziam coisas. .. sem saber que as tinham feito ou tinham dito. Isso é alqo que se pode observar no experimento de associação; por vezes, as pessoas são incapazes de recordar, posteriormente, o que fizeram ou disseram num momento em que um estímulo verbal atinge o complexo. No experimento de reprodução de associação verbal, a pessoa percorre toda a lista de palavras. Verá que a memória falha quando há uma reação complexual eu bloqueio. Foi sobre esse fato muito simples que Freud baseou a sua idéia do inconsciente. O senhor sabe que não têm fim as histórias que poderíamos contar sobre o modo como as pessoas se 57

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG denunciam a si mesmas, dizendo uma coisa que não queriam dizer; contudo, o inconsciente quis que elas dissessem precisamente essa coisa. Isso é o que podemos observar, repetidas vezes, quando as pessoas cometem um lapso ao falar, caem em deslizes verbais ou dizem algo que não pretendiam dizer; cometem algumas gafes ridículas. Por exemplo, quando a pessoa quer expressar as suas condolências num funeral e se dirige a alguém dizendo: ”Os meus parabéns”. Isso é bastante penoso, claro, mas acontece e é verdade. Há nisso algo paralelo à idéia geral de Freud sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Em Paris, Pierre Janet abordava por outro ângulo o problema da compreensão das reações inconscientes. Ora, Freud refere-se muito pouco a Pierre Janet, mas estudei com ele enquanto estive em Paris e seus ensinamentos ajudaram imensamente na formação das minhas idéias. Ele era um observador de primeira categoria, embora não tivesse uma teoria sistemática de Psicologia Dinâmica; tinha uma espécie de teoria fisiológica dos fenômenos do inconsciente. Existe uma certa despotencialização da tensão da consciência; essa tensão cai abaixo do nível de consciência e, por conseguinte, torna-se inconsciente. Esse era também o ponto de vista de Freud, mas dizia que tal queda ocorria porque era ajudada; era reprimida desde cima. Foi este o meu primeíro ponto de divergência com Freud. Penso que houve. casos, em minhas observações, em que não ocorria qualquer repres’são de cima; aqueles conteúdos que se tornaram inconscientes se tinham retirado por si próprios e não porque tivessem sido recalcados. Pelo contrário, têm uma certa autonomia. O conceito de autonomia foi descoberto como simples conseqüência do fato desses conteúdos que desaparecem terem o poder de se movimentar independentemente da minha vontade. Ou aparecem quando quero dizer alguma coisa precisa; ou interferem e falam eles próprios em vez de me ajudarem a dizer o que quero dizer; ou impelem-me a fazer algo que não quero absolutamente 58

CONCEITOS ESTRUTURAIS DE FREUD fazer; ou retiram-se no momento em que quero usá-los. E desaparecem, sem dúvida alguma! Dr. Evans: E isso, portanto, é independente de qualquer, vamos dizer assim, das pressões só bre a consciência sugeridas por Freud? Dr. Jung: Exato. Tais casos podem acontecer, sem dúvida, mas além deles também há casos que nos mostram que o conteúdo inconsciente adguire uma certa independência. Todos os conteúdos mentais, pelo fato de possuírem uma certa tonalidade sensível que é de natureza emocional, têm o valor de uma experiência emocional... a tendência para se tornarem autônomos. Assim, qualquer pessoa que esteja presa de uma emoção dirá e fará coisas pelas quais não pode responsabilizar-se. Ela deve desculpar-se de um erro; ela estava non compos mentis. Dr. Evans: O Dr. Freud suqeriu que o indivíduo nasce sob a influência do que ele chamou o Id, que é inconsciente e rudimentar, uma coleção de impulsos animais. Não se compreende muito facilmente donde é que vêm esses impulsos primitivos... todos esses instintos. Dr. Jung: Ninguém sabe donde vêm os instintos. Eles aí estão e a gente os descobre, é tudo. É uma história que aconteceu há milhões de anos. A sexualidade desses Instintos foi inventada e ignoro como foi ’pue isso aconteceu; eu não estava lál O instinto de alimentação foi inventado há muito mais tempo, há mais tempo até que o instinto sexual, e como e porquê foi inventado não sei. De modo que não sabemos donde vem o instinto. É perfeitamente ridículo specular sobre uma tal impossibilidade. Logo a questão resume-se apenas nisto: de onde se originam aqueles casos em que o Expressão latina: ”Não está senhor do seu juízo” ou ”Não está na posse de suas faculdades mentais”. Em termos correntes, ”está fora de si”. (N. do T.) 59

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG instinto não funciona. Isso já é algo que está no nosso alcance, visto que podemos estudar os casos em que o instinto não funciona. Dr. Evans: Poderia o senhor nos dar alguns exemplos específicos do que entende por casos em que o instinto não funciona? Dr. Jung: Bem, vejamos... No lugar do instinto, que é uma forma habitual de atividade, tomemos qualquer outra forma de atividade habitual. Consideremos uma coisa sob absoluto controle que falha em seu funcionamento; de repente, piora e a pessoa não é capaz de pensar em qualquer outra coisa. Por exemplo, um homem que escreve fluentemente começa, de súbito, a cometer erros ridículos; portanto, o seu hábito não funcionou. Outro exemplo: quando o senhor me pergunta alguma coisa, supõe-se que sou capaz de reagir ao que me disse; mas certamente que, se a pressão exercida sobre mim for além das marcas ou se o senhor lograr atingir um dos meus complexos, então verá que fico inteiramente perplexo. Faltam-me as palavras. Dr. Evans: Ainda não o vimos perplexo, Dr. Jung. Dr. Jung: Sou um bom exemplo para a Psicologia, sabe? Um sujeito que sabe a fundo a sua matéria... o professor faz-lhe uma pergunta e ele não é capaz de soltar uma palavra. Dr, Evans: Bem, continuando com o nosso assunto, outra parte da teoria do Dr. Freud, que, é claro, se tornou muito importante e a que já fizemos alusão, foi a idéia do consciente; isto é, dessa ”estrutura” inconsciente, Instintiva, que é o Id, surge um Ego. .Freud sugeriu que esse .Ego resultava do.contato do organismo com a realidade, talvez um produto jde frustração quando o princípio de realidade é imposto ao indivíduo. O senhor aceita essa concepção freudiana do Ego? Dr. Jung: O que o senhor está perguntando é se o homem possui realmente um Ego. Ah, caímos 60

CONCEITOS ESTRUTURAIS DE FREUD no mesmo caso de antes: eu não estava lá quando foi inventado. Entretanto, nesse caso, o senhor pode observá-lo, até certo ponto, numa criança. Definitivamente, uma criança começa num estado em que não existe Ego e, por volta dos quatro anos ou ainda antes, a criança desenvolve um sentimento de ego: ”Eu, a mim, meu”. Em primeiro lugar, há uma certa identidade com o corpo. Por exemplo, quando a pessoa interroga criaturas primitivas, elas enfatizam sempre o corpo. Quando se pergunta: ”Quem trouxe esta coisa para aqui?”, o negro dirá: ”Trouxe isto”, sem aceituar o ”eu”, simplesmente ”trouxe”. Então, se indagarmos: ”Por que é que TU trouxeste isto?”, ele dirá, ”MIM, MIM, sim, EU MESMO aqui”, tal ou tal coisa ou objeto. ”Portanto, a identidade com o corpo é uma das primeiras coisas que fazem um Ego; é a distinção espacial que, segundo parece, induz o conceito de um Ego. Depois, é claro, há uma porção de outras coisas. Mais tarde, há as diferenças mentais e outras diferenças pessoais de todos os gêneros. O Ego está continuamente se construindo; jamais é um produto acabado, porquanto está em permanente elaboração. Não passa um ano sem que não se descubra um novo aspecto pelo qual se é mais ego do que se imaginava, Dr. Evans: Dr. Jung, houve muita discussão sobre a forma como certas experiências, nos primeiros unos de vida, influenciam a formação do Ego. Por exemplo, um dos pontos de vista mais extremos a respeito de tal influência foi defendido por Otto Rank. Ele falou de um trauma de nascimento e sugeriu que o trauma de ter nascido não só provocaria um impacto muito poderoso sobre o ego em desenvolvimento, mas teria uma influência residual durante toda a vida do indivíduo. Dr. Jung: Eu diria que, de fato, deve ser muito importante para um ego que tenha nascido. Cair do céu, sabe, é certamente muito traumático. Dr. Evans: Contudo, o senhor aceita literalmente a posição do Dr. Otto Rank, que o trauma de nas- 61

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG cimento exerce um profundo efeito psicológico sobre o indivíduo? Dr. Jung: Claro que influencia. Se o senhor acredita na filosofia de Schopenhauer, dirá: ”Ter nascido é um trauma dos demônios.” bom, existe um velho aforismo grego que diz: ”É belo morrer na flor da juventude, porem a mais bela de todas as coisas é não ter nascido.” Isso é filosofia, claro. Dr. Evans: Mas o senhor não aceita isso como um evento psíquico, num sentido literal? Dr. Jung: O senhor não vê que isso é uma coisa que acontece a toda a gente que existe? Que cada homem teve um momento em que nasceu? hntao? loaos os que nasceram e estão por nascer tem de superar esse trauma, de modo que a palavra perdeu o seu significado. E um fato geral e não se pode dizer: é um trauma”. É, pura e simplesmente, um fato, Visto que não podemos observar a psicologia de quem não tiver nascido. Só se isso fosse possível é que poderíamos dizer o que é o trauma de nascimento. Até que haja essa possibilidade, não podemos falar sequer de tal coisa; e apenas uma falta epistemológica. Dr. Evans: Em seus últimos escritos, em aditamento ao Ego, Freud introduziu outro termo para descrever uma função específica do Ego. Esse termo foi Superego. De um modo geral, o superego seria responsável pela função ”moral” restritiva do ego. Dr. Jung: Sim, isso é o Superego, quer dizer, o código do que podemos fazer e do que não podemos fazer. Dr. Evans: As proibições internas que Freud achava poderem ser em parte adquiridas e em parte inatas. 62

CONCEITOS ESTRUTURAIS DE FREUD Dr. Jung: Sim. Mas Freud não distinguiu o que era inato e o que era adquirido. Veja bem, quase tudo deve estar inteiramente dentro do eu, deve estar interiorizado, pois caso contrário não pode existir equilíbrio algum no indivíduo. E quem demônio inventou o Decálogo? Ele não foi inventado por Moisés, mas é a verdade eterna no próprio homem, porque ele se controla a si próprio. 63

PARTE III O INCONSCIENTE Talvez a área de maior concentração e análise na teoria de Jung seja a área do inconsciente. Em contraste com o desenvolvimento por Freud de um inconsciente início, o qual, sobretudo em suas primeiras obras, era a fonte de todo o princípio de prazer, dos imperativos instintivos que se formavam no íntimo do indivíduo, assim como o domínio do material reprimido, Jung jpostulou a existência de um inconsciente pessoal e de um inconsciente racial ou coletivo, talvez a sua contribuição mais controvertida. De particular importância no inconsciente coletivo é a afirmação de Jung de que os Arquétipos, potencialidades inatas do comportamento, herdadas no que talvez pudesse ser descrito como um sentido quase-lamarckiano, são as determinantes decisivas do desenvolvimento humano. Nestas entrevistas, Jung explica de forma explícita os arquétipos e conceitos afins, como Persona, Ego e Eu. O leitor notará que o conceito de Freud, o Ego, que para ele é o núcleo unificador da personalidade humana, é essencialmente o que Jung entende por Eu. 65

4 O Inconsciente: Arquétipos Dr. Evans: Dr. Jung, o senhor mencionou antes que a situação edípica freudiana era um exemplo de um arquétipo. Quer fazer agora o obséquio de pormenorizar esse conceito, o arquétipo? Dr. Jung: Bem, o senhor sabe o que é um padrão de comportamento, o modo como o joão-de-barro constrói seu ninho. É uma forma herdada nele, um código inato. Ele aplicará certos fenômenos simbióticos, enire insetos e plantas. São padrões herdados de comportamento. E o homem também tem, é claro, um esquema herdado de funcionamento. Seu fígado, seu coração, todos os seus órgãos, funcionarão sempre de uma certa maneira, de acordo com o seu padrão. A pessoa poderá ter alguma dificuldade em aperceber-se disso porque não há qualquer possibilidade de comparação. Não existem outros seres semelhantes ao homem, capazes de falar e explicar como funcionam. Se fosse esse o caso, poderíamos... sei lá o quêl Mas, como não temos meios de comparação, somos necessariamente inconscientes a respeito da totalidade de condições. Contudo, é inteiramente certo que o homem nasce com um certo funcionamento, um certo modo de funcionar, um certo padrão de comportamento que está expresso na forma de imagens arquetípicas, ou formas arquetípicas. Por exemplo, o modo como um homem deve comportar-se é expresso por um arquétipo. É por isso, como o senhor sabe, que os primitivos contam histórias. Uma boa parte da educação faz-se através de contar histórias. Por exemplo, eles reúnem os jovens e dois homens mais velhos representam, diante dos olhos dos 67

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG mais moços, todas as coisas que eles não devem fazer. Depois dizem: — Pois bem, isto é exatamente o que vocês não farão. Outra forma de agir consiste em dizer-lhes tudo o que não devem fazer, como no Decálogo: ”Tu não farás...”, e isso é sempre apoiado por contos mitológicos. É claro que isso me proporcionou um motivo para estudar os arquétipos, pois comecei a vislumbrar que a estrutura daquilo a que eu então chamava o inconsciente coletivo era, realmente, um aglomerado de tais imagens típicas, cada uma das quais tinha uma qualidade específica e única. Ao mesmo tempo, os arquétipos são dinâmicos. São imagens instintivas que não foram intelectualmente inventadas. Estão sempre presentes e produzem certos processos no inconsciente que poderíamos comparar melhor com os mitos. Está aí a origem da mitologia. A mitologia é a expressão de uma série de imagens por meio das quais se formula a vida dos arquétipos. Assim, os enunciados de toda e qualquer religião, de muitos poetas etc., são declarações sobre o processo mitológico interno, o que é uma necessidade porque o homem não está completo se não estiver cônscio desse aspecto das coisas. Por exemplo, os nossos ancestrais fizeram isto e aquilo, e assim faremos. Ou um herói tal e tal fez assim e assado, e esse é o nosso modelo. Nos ensinamentos da Igreja Católica, por exemplo, há muitos milhares de santos. Eles mostram-nos como fazer... Eles têm as suas lendas... e isso é a mitologia cristã. Na Grécia, como o senhor sabe, havia Teseu e havia Hércules, modelos de excelentes homens, de perfeitos cavalheiros; e eles nos ensinam como nos devemos comportar. São arquétipos de comportamento. Passei a respeitar cada vez mais os arquétipos, e isso, naturalmente, levou-me a estudá-los profundamente. E agora, por Júpiter, aí está um fator enorme, muito importante para o nosso desenvolvimento e bem-estar, que deve ser levado em conta. 68

O INCONSCIENTE: ARQUÉTIPOS Foi difícil, é claro, saber por onde devia começar, porquanto se trata de um campo imensamente vasto. E a pergunta seguinte que fiz a mim próprio foi esta: ”Ora bem, houve alguém no mundo que se tivesse ocupado desse problema?” Descobri que ninguém se preocupara com isso, exceto um peculiar movimento espiritual que surgiu simultaneamente com os primórdios do Cristianismo, os gnósticos, e isso foi, realmente, a primeira coisa que descobri a tal respeito. Eles estavam preocupados com o problema dos arquétipos e disso fizeram uma filosofia peculiar. Cada um é tentado a formular uma filosofia particular a propósito dos arquétipos, quando os aborda ingenuamente e ignora que eles são elementos estruturais da psique inconsciente. Os gnósticos viveram nos séculos l, II e III da nossa era; e eu quis apurar o que é que houve entre essa época e hoje, quando deparamos subitamente com os problemas do inconsciente coletivo que eram os mesmos há dois mil anos, embora não estejamos preparados para reconhecer esse problema. Eu estava sempre em busca de algo intermediário, algo que fosse o elo entre esse passado »emoto e o momento presente. Para meu espanto, descobri que era a alquimia, aquilo- que é entendido como uma história da Química. Poderíamos quase afirmar que a alquimia é tudo menos isso. Tratava-se de um movimento espiritual ou de um movimento filosófico de características muito peculiares. Os alquirnistas intitulavam-se a si próprios filósofos, como narcisismo. E passei então a ler toda a literatura acessível, latina e grega. Estudei-a porque era imensamente interessante. É o labor mental de 1.700 anos, no qual se armazenou tudo o que poderia ser dito sobre a natureza dos arquétipos, de um modo peculiar que é amiúde burlesco ou absurdo. Não foi tarefa simples. A maioria dos textos não voltou a ser publicada desde a Idade Média, as edições mais recentes datavam de meados ou do final do século XVI, todos em latim; alguns textos são em grego, não dos mais importantes. Isso deu-me um trabalho interminável, mas o resultado foi sumamente satisfatório, porque me mostrou o desenvolvimento da nossa relação inconsciente com o inconsciente coletivo e as variações 69

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG sofridas pela consciência; por que motivo o inconsciente do ser humano se preocupa com essas imagens mitológicas. Por exemplo, atente-se para um fenômeno como Hitlar. Trata se de um fenômeno psicológico e temos de entender essas coisas. Para mim, é claro, foi um problema enorme, porque é um fator que determinou a sorte de milhões de europeus e americanos. Ninguém pode negar que sofreu a influência da guerra. Isso foi tudo obra de Hitler... e isso é tudo Psicologia, a nossa absurda Psicologia. Mas só podemos chegar a compreender essas coisas quando entendemos os antecedentes, as fontes donde elas promanam. É como se, no momento em que grassa uma terrível epidemia de tifo, alpuém dissesse: ”Isso é o tifo... Não acham que é uma doença maravilhosa?” A epidemia pode assumir proporções enormes e ninguém sabe coisa alguma a seu respeito. Ninguém se ocupa do abastecimento de áqua. ninguém pensa em examinar a carne e outros alimentos; mas todos afirmam, simplesmente: ”Isto ó um fenômeno.” Sim, ó um fenômeno, mas ninguém o entende. É claro, não posso falar-lhe em detalhe sobre a alquimia. Ela está na base da nossa maneira moderna de conceber as coisas e, portanto, é como se estivesse, precisamente, no limiar da consciência. uma excelente Imaem do desenvolvimento dos arquétipos, do movimento dos arquétipos, tal como se apresentam quando os observamos numa perspectiva mais ampla. Talvez que hoje, olhando para trás, se possa ver como o momento presente derivou do passado. É como se a filosofia alqufmista... Isto soa de forma um tanto bizarra; deveríamos dar-lhe um nome Inteiramente diferente. Na realidade. tem um nome diferente. Também se lhe chamou Filosofia Hermética, embora isso, é claro, diga tão pouco quanto o termo Alquimia... Mas, dizia eu, é como se essa filosofia fosse um desenvolvimento paralelo, tal como o Narclsismo fôl, ao desenvolvimento consciente do Cristianismo, da nossa filosofia cristã, de toda a Psicologia da Idade Média. Assim, como vê, em nossos dias possuímos tal ou tal concepção do mundo, uma filosofia particular, mas no inconsciente temos uma diferente. Podemos ver Isso 70

O INCONSCIENTE: ARQUÉTIPOS 71 através do exemplo da filosofia alquimista, que se comportava em relação à consciência medieval como o inconsciente se comporta em relação a nós próprios. E podemos conceber ou até prever o inconsciente de nossos dias quando sabemos o que ele foi ontem. Ou, por exemplo, para citar um arquétipo mais conciso, como o arquétipo do vau... o vau para atravessar um rio. É uma situação complexa. A pessoa tem que atravessar um rio a vau; está metido na água; e há uma armadilha ou um animal aquático, digamos, um jacaré ou coisa parecida. Há perigo e vai acontecer alguma coisa. O problema é como escapar. Temos, assim, uma situação total, que constitui um arquétipo. E esse arquétipo tem agora um efeito sugestivo sobre a pessoa. Por exemplo, ela está metida numa situação, mas não a conhece, não sabe em que consiste essa situação. Subitamente, é invadida por uma emoção ou presa de um encantamento; e comporta-se de uma certa maneira que não tinha previsto... Faz algo que é completamente estranho a si mesma. Dr. Evans: Isso poderia ser também descrito como espontâneo? Dr. Jung: Inteiramente espontâneo. E isso é feito através do arquétipo correspondente. É claro, temos um caso famoso em nossa história suíça, o do Rei Alberto, que foi assassinado no vau do Royce, não multo longe de Zurique. Seus assassinos seguiam-no, ocultos, desde Zurique; e, depois de longas deliberações, não conseguiam chegar ainda a acordo sobre se queriam matar ou não o rei. No momento em que o rei meteu o cavalo na água, para cruzar o Royce a vau, eles pensaram: ”Matar!” E gritaram: ”Por que é que consentimos que ele abuse de nós?” Foi então que o mataram, porque era esse o momento preciso em que uma emoção específica os dominava; era o momento certo. Assim, quando se viveu em circunstâncias primitivas, na floresta primeva, entre populações primitivas, então conhece-se esse fenômeno. A pessoa é presa de um certo conjuro, de um encantamento, ou como lhe queira chamar, e faz coisas Inesperadas. 71

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Muitas vezes, durante minhas estadas na África, encontrei-me em situações dessas que, depois, me deixavam perplexo. Certo dia, eu estava no Sudão e encontrava-me, realmente, numa situação muito perigosa, que não reconheci no momento. Mas fui tomado por uma intuição. Fiz algo que jamais teria esperado fazer e que não podia ser, de forma alguma, a minha intenção. O arquétipo é uma força. Possui autonomia e pode, subitamente, apoderar-se de nós. É como um transe, um acesso repentino. Por exemplo, apaixonar-se à primeira vista é um desses casos. O indivíduo tem em si mesmo, sem o saber, uma certa imagem da mulher — de qualquer mulher. Então, vê aquela moça ou, pelo menos, uma boa imitação do seu tipo, e tem instantaneamente o acesso: foi apanhado. Mais tarde, poderá descobrir que foi um terrível equívoco. Um homem é perfeitamente capaz, ou é suficientemente inteligente para ver que a mulher de sua escolha não foi uma escolha. Ele foi capturado! Percebe então que ela não presta, que a vida virou um inferno e vem me contar isso. Diz ele: — Por amor de Deus, doutor, me ajude a ficar livre dessa mulher. Mas não o consegue, ele é como barro nos dedos dela. Isso é o arauétfoo. Tudo Isso aconteceu por causa do arauétipo da an^ma, se bem que ele pensasse tratar-se de toda a sua alma. É como no caso da mulher... de qualquer mulher. Quando um homem canta num realstro vocal multo alto, por exemplo, quando solta um dó de peito, ela pensa que o sujeito deve ter um maravilhoso caráter espiritual e fica terrivelmente desapontada quando casa com essa ”nota”. Bem, Isso é o arquétipo do anfmus. Dr. Evans: Aqora, Dr. Jung, para ser ainda um pouco mais específico, o senhor sugeriu que, na nossa sociedade, em todas as sociedades, existem símbolos que, num certo sentido, dirigem ou determinam o que um homem faz. Depois, também sugeriu que, de algum modo, esses símbolos tornam-se ”Inatos” e, em parte, ”hereditários”. 72

O INCONSCIENTE: ARQUÉTIPOS Dr. Jung: Eles não se tornam; eles são. Para começar, eles são. Nós todos nascemos num modelo; somos um modelo. Somos uma estrutura que foi preestabelecida através dos genes. Dr. Evans: Recapitulando, então, o arquétipo é apenas uma ordem superior de um padrão instintivo, como no seu exemplo anterior de um pássaro que constrói um ninho. Foi assim que pretendeu descrevê-lo? Dr. Jung: É uma ordem biológica do nosso funcionamento mental, exatamente como, por exemplo, a nossa função biológico-fisiológica obedece a um padrão. O comportamento de qualquer pássaro ou inseto obedece a um padrão e o mesmo acontece conosco. O homem tem um determinado padrão que o faz especificamente humano e nenhum homem nasce sem ele. Só que estamos profundamente inconscientes desses fatos, porque vivemos pelos nossos sentidos e fora de nós próprios. Se um homem pudesse olhar para dentro de si, poderia descobrir tudo isso. Nos nossos dias, quando um homem o descobre, pensa que está doido, realmente doido. Dr. Evans: O senhor diria que o número de tais arquétipos é limitado ou previamente determinado, ou que o seu número pode ser aumentado? Dr. Jung: Bem, não sei o que devo pensar sobre isso, é tão impreciso para que possamos saber algo com exatidão. Não dispomos de meios de comparação. Sabemos e vemos que existe um comportamento, como o incesto; ou que existe um comportamento de violência, uma certa espécie de violência; ou que existe um comportamento de pânico, de poder etc. São áreas em que, por assim dizer, existem numerosas variações. Podem expressar-se desta ou daquela maneira. E sobrepõem-se. Muitas vezes, é impossível dizer onde uma forma começa ou acaba. Nada existe de preciso, porque o arquétipo, em si mesmo, é completamente inconsciente e só podemos ver os seus efeitos. Podemos ver, por exemplo, quando sabemos que uma pessoa está possuída por um arquétipo; 73

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG então, podemos conjeturar e até prever desenvolvimentos possíveis. Isso é verdade porque, quando vemos que um homem é cativado por um certo tipo de mulher, de um certo modo muito específico, sabemos que ele foi cativado pela anima. Então, a coisa toda terá tais e tais complicações e tais e tais desenvolvimentos, porque isso é típico. O modo como a anima é descrita ó superlativamente típico. Não sei se o senhor conhece She, de Rider Haggard, ou L’Atlantide, de Pierre Benoit... c’est Ia femme fataie. * Dr. Evans: Para ser mais explícito, Dr. Jung, o senhor usou os conceitos de anima e animus, que está agora Identificando em termos de sexo, masculino e feminino. Gostaria que o senhor discorresse sobre esses termos, talvez de um modo mais específico. Comecemos pelo termo anima. Isso também faz parte da natureza herdada do indivíduo? Dr. Jung: Bem, o senhor sabe que isso é um tanto complicado, mas vou tentar. A anima é uma forma arquetípica, expressando o fato de que um homem tem uma minoria de qenes femininos. Isso é alqo que não aparece e desaparece nele, que está constantemente presente e funciona como uma fêmea no homem. Já no século XVI os humanistas tinham descoberto que o homem possuía anima e que cada homem carrega uma fêmea dentro de si. Eles assim o disseram; não é uma invenção moderna. O caso do animus é Idêntico. É uma imagem masculina na mente feminina que, por vezes, é perfeitamente consciente, outras vezes menos consciente. Mas panha vida no momento em que a mulher encontra um homem que diz as coisas certas. Então, porque ele as disse, é tudo verdade e ele é o homem, seja o que for que ele seja, não importa. Esses dois arquétipos estão particularmente bem fundamentados. E podemos apoiar-nos em suas bases. Em francês no original: ”É a mulher fatal”. (N. do T.) 74

5 O Inconsciente: Conceptualizações Gerais Dr. Evans: Dr. Jung, prosseguindo em nossa discussão do inconsciente, passemos a abordar a situação particular de um sonho e sua interpretação. Se bem compreendi a sua concepção do inconsciente, o que o senhor encontra no sonho não é, necessariamente, uma imagem ou símbolo do que aconteceu no passado do indivíduo. Dr. Jung: Oh, não! É apenas um símbolo do... O símbolo, entenda, é um termo especial... É a manifestação da situação do inconsciente, vista desde o inconsciente. Eu digo-lhe, por exemplo, algo que é o meu ponto de vista subjetivo pessoal. Depois, se eu perguntar a mim próprio: ”Muito bem, você está realmente convencido disso?”, bem, devo confessar que tenho certas dúvidas. Existem certas dúvidas, não no momento em que lhe falo, mas são dúvidas no Inconsciente. Quando se tem um sonho e esse respeito, essas dúvidas vêm à superfície. É a maneira de ver do Inconsciente. É como se o Inconsciente dissesse: ”O que você afirmou está tudo muito certo, mas omitiu inteiramente tal e tal ponto.” Dr. Evans: Ora, se o inconsciente atua sobre a situação presente, vendo as coisas em amplos termos motivacionais, esse efeito do inconsciente não será algo que é um resultado da repressão, no sentido que lhe é dado pelo psicanalista ortodoxo? Nesse caso... Dr. Jung: Pode ser que o que o Inconsciente tem a dizer seja tão desagradável que a pessoa prefira não ouvir e, na maioria dos casos, as pessoas seriam, 75

Entrevistas com Carl G. Jung Provavelmente, menos neuróticas se pudessem admitir essas coisas. Mas estas são sempre um tanto difíceis ou desagradáveis, inconvinientes ou algo parecido, de modo que há sempre uma certa dose de repressão. Mas isso não é o principal. O principal é que essas coisas são realmente inconscientes. Se a pessoa é inconsciente a respeito de certas coisas que deviam ser conscientes, então está dissociada. Nesse caso, é um homem cuja mão esquerda nunca sabe o que a direita está fazendo e contraria ou atrapalha a mão direita. Ora, um homem nessas condições está impedido de agir. Em 1918, escrevi uma dissertação sobre a relação entre o ego e o inconsciente. Tentei formular as experiências que são mais ou menos observáveis, nos casos em que a consciência está exposta a dados inconscientes, a interferências ou intrusões; em que o inconsciente é considerado um fator autônomo que tem de ser levado à sério; em que não se deve substimar o inconsciente, supondo que nada mais é do que resíduos descartados da consciência. É um fator investido de sua própria dignidade e um fator muito importante, porque pode gerar as mais horríveis perturbações. Quando escrevi este trabalho, em 1918, foi publicado em francês e ninguém o entendeu. É que ninguém tivera uma experiência semelhante; era nesse nível que a questão tinha de ser explorada até ao fim. Para fazê-lo, é imprescindível que o inconsciente seja levado a sério e o consideremos um fator real e concreto que pode determinar o comportamento humano num grau muito considerável. Dr. Evans: Encarando o inconsciente dessa maneira, o senhor disse: “Se é inconsciente, como poderemos conhecê-lo?” Mas, apenas como um exemplo ilustrativo, consideremos um determinado indivíduo que foi criado numa cultura como, digamos, a cultura da índia. Seria esse indivíduo na índia, se pudéssimos examinar o seu inconsciente, de um determinado indivíduo que tivesse vivido na Suiça, por exemplo, toda a sua vida? 76

CONCEPTUALIZAÇÕES GERAIS O senhor já falou antes sobre esses universais. Haveria muita equivalência entre o inconsciente de um indivíduo que foi criado numa cultura e de outro indivíduo criado numa cultura inteiramente distinta? Dr. Jung: Bem, a pergunta também é complicada porque, quando falamos do inconsciente, Jung diria: ”Qual inconsciente?” Trata-se daquele inconsciente pessoal que é característico de uma certa pessoa, de um certo indivíduo? Dr. Evans: Em suas obras o senhor falou sobre um inconsciente pessoal como um tipo de inconsciente, não é verdade? Dr. Jung: Sim. No tratamento, por exemplo, no tratamento de neuroses, temos de lidar com esse inconsciente pessoal durante um certo tempo e somente depois que os sonhos começam a revelar o inconsciente coletivo é que este pode ser abordado. Enquanto houver material de natureza pessoal, temos de lidar com o inconsciente pessoal; mas quando tocamos uma questão, um problema que já não é meramente pessoal, mas também coletivo, então temos de lidar com sonhos coletivos. Dr. Evans: Portanto, a distinção entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo consiste em que o pessoal pode estar mais envolvido na vida imediata do indivíduo e o coletivo seria universal, isto é, um domínio inconsciente composto de elementos que são idênticos em todos os homens? Dr. Jung: Sim, que são coletivos. Por exemplo, a psique tem problemas coletivos, convicções coletivas etc. Somos muito influenciados por esses elementos e não faltam os exemplos para prová-lo. A pessoa pertence a um certo partido político ou a uma certa confissão religiosa; isso pode ser uma determinante muito séria do seu comportamento. Ora, se sobrevier uma questão de conflito pessoal, o inconsciente coletivo não é atingido. Ele está fora de questão e não aparece. Mas no mo- 77

ENTREVISTAS com CARL G. JUNQ mento em que a pessoa transcende a sua esfera pessoal e entra em contato comuma determinante impessoal — por exemplo, quando reage a uma questão política ou a qualquer outra questão social que realmente lhe importa — então está em confronto com um problema coletivo; e terá sonhos coletivos. Dr. Evans: Outro conceito ou idéia muito interessante em sua obra é a persona. Parece ser sumamente importante para a existência cotidiana do indivíduo. O senhor importaríar-se-ia de explicar um pouco mais detalhadamente como foi que elaborou esse termo, persona? Dr. Jung: É um conceito prático de que precisamos para elucidar as relações das pessoas. Observei nos meus pacientes, sobretudo as pessoas que estão na vida pública, que têm uma certa maneira de se apresentar. Por exemplo, um médico. Ele tem uma maneira própria; apresenta-se de um modo característico e comporta-se como esperamos que um médico se comporte. Ele pode até identificar-se com isso e acreditar que é o que parece ser. Tem de aparecer de uma certa maneira, caso contrário, as pessoas não acreditarão que é médico. O mesmo acontece com um professor; também só espera que o seu comportamento seja tal que aceitemos a plausibilidade dele ser professor. Assim, a persona é, em parte, o resultado das exigências da sociedade. Por outro lado, é o fruto de um compromisso com o que uma pessoa gosta de ser ou gosta de parecer que é. Observe-se, por exemplo, um pároco. Ele também tem a sua maneira particular e, ó claro, vai ao encontro das expectativas gerais da sociedade; mas também se comporta de outra maneira que combina a sua persona com aquilo que a sociedade lhe impõe, de tal forma que a sua ficção de si mesmo, a sua idéia sobre si mesmo, é mais ou menos retratada ou representada. Assim, a persona é um determinado sistema complexo de comportamento parcialmente ditado pela sociedade e parcialmente ditado pelas expectativas ou desejos que a pessoa alimenta sobre si mesma Ora, isso não é a personalidade real. Apesar do fato das pessoas 78

Conceptualizações gerais Garantirem que tudo isso é perfeitamente honesto e real, não é. Um tal desempenho da persona está muito certo, desde que se saiba que não é idêntico ao que parece ser; mas se se estiver inconsciente desse fato, então está-se condenado a entrar, por vezes, em conflitos muito desagradáveis. Por exemplo, as pessoas não deixarão de notar, que em casa, a pessoa é muito diferente do que parece ser em público. As pessoas que não sabem disso podem acabar cometendo tremendos Equívocos. Elas negam ser assim, mas são assim; é o que são. Então já não se sabe qual delas é o homem real. É o homem tal como como se conduz em casa ou em relações íntimas, ou é o homem que aparece em público? É o dilema de Jekyll e Hyde. Ocasionalmente, é tão grande a diferença que quase poderíamos falar de uma culpa personalidade; e, quanto mais pronunciada for essa diferença, mais as pessoas são neuróticas. Ficam neuróticas porque têm duas maneiras distintas de se comportar: contradizem-se o tempo todo e como, além disso, não têm consciência de de si mesmas, ignoram essas contradições. Pensam ser um todo uno e coeso, mas toda a gente vê que são duas. Alguns só conhecem um lado delas; outros só conhecem o outro lado. E depois ocorrem situações que se chocam, porque a maneira como o indivíduo é gera certas situações com as pessoas de suas relaçoes e essas duas situaçoes não condizem; de fato, elas são simplesmente desonestas, e quanto mais for esse o caso mais as pessoas são neuróticas. Dr. Evans: O senhor diria, realmente, que o indivíduo pode ter até mais de duas personas? Dr. Jung: Não temos capacidade para desempenhar muito bem mais de dois papéis, mas conheço casos em que as pessoas têm até cinco personalidades diferentes.Em casos de dissociação de personalidade, por exemplo, uma pessoa -- chamamos-lhe A – ignora a existência da pessoa B, mas B conhece A. Pode haver uma terceira personalidade, C, que ignora as outras duas. Existem tais casos na literatura psicopatológica, mas são raros. 79

ENTREVISTAS com C ABL G. JUNG Dr. Evans: Muito raros? Dr. Jung: Nos casos correntes, trata-se apenas de uma vulgar dissociação de personalidade. Chamamos-lhe uma dissociação sistemática, para distingui-la da dissociação caótica ou assistemática que se manifesta na esquizofrenia. Dr. Evans: Qual é a diferença entre o termo ”ego”, tal como o senhor o entende, e o termo persona? Dr. Jung: Bem, supõe-se que o ego é o representante da pessoa real. Por exemplo, no caso de B conhecer A, mas A ignorar B, diríamos que o ego está mais do lado de B, visto que o ego possuí um conhecimento mais completo e A é uma personalidade dividida. Dr. Evans: O senhor também emprega o termo ”eu”. A palavra ”eu” tem, então, um significado diferente de ”ego” ou persona? Dr. Jung: Sim, quando digo ”eu”, não se deve pensar em termos de ”eu-mesmo”, porque isso é apenas o meu eu empírico, que está coberto pelo termo ”ego”; mas, quando se trata de ”eu”, então é uma questão de personalidade e é mais completo do que o ego, visto que o ego consiste apenas naquilo de que estamos cônscios, naquilo que sabemos ser. Por exemplo, tomemos de novo o caso de B que conhece A, mas A não conhece B. B encontra-se, relativamente, na posição do eu, quer dizer, o ego está de um lado e o eu do outro, a personalidade inconsciente que é controlada por cada um... não controlada, muitas vezes é justamente o inverso: o inconsciente é que controla a consciência. Mas isso é outro caso. Ora, enquanto estou falando, estou consciente do que digo; estou consciente de mim mesmo, do eu-mesrno, mas até um certo ponto. Muitas coisas acontecem. Quando faço gestos, não estou consciente deles. Eles ocorrem inconscientemente. O senhor pode vê-los. Posso dizer ou usar palavras e não me lembrar de tê-las usado e até, no momento, não estar consciente de que 80

CONCEPTUALIZAÇÕES GERAIS as pronunciei. Assim, muitas coisas inconscientes ocorrem durante a mmha condição consciente. Nunca estou totalmente consciente de mim mesmo. Enquanto procuro, por exemplo, elaborar um argumento, existem simultaneamente processos inconscientes que continuam, talvez um sonho que tive a noite pás sada, ou uma parte de mim mesmo pensa em sabe Deus o quê, de uma viagem que vou fazer ou de tal ou tal pessoa que encontrei. Ou quando estou escrevendo um artigo, estou continuando a escrever esse artigo mentalmente, sem o saber. Podemos descobrir essas cqisas, digamos, nos sonhos ou, se formos perspicazes, na observação imediata do indivíduo. Então descortinaremos nos gestos, ou na expressão do rosto, que existe aquilo a que se chama ”une arrière penses”, * algo que se situa além da consciência. Finalmente, teremos a sensação, bem, o pressentimento de que o sujeito tem alguma coisa escondida na manga e poderá perguntar: ”Em que é que você está realmente pensando? Você tem estado o tempo todo com o pensamento em outro lado.” Contudo, ele está inconsciente disso... ou pode estar. Existem, é claro, grandes diferenças individuais. Há indivíduos que possuem um surpreendente conhecimento de si mesmos, das coisas que se estão passando neles mesmos. Mas até essas pessoas seriam incapazes de saber o que se está desenrolando em seu inconsciente. Por exemplo, elas não têm consciência do fato de que, enquanto vivem uma vida consciente, um mito está-se desenrolando no inconsciente, um mito que se estende ao longo dos séculos; refiro-me às idéias arquetípicas... a esse sonho alimentado por idéias arquetípicas que se desenrola no indivíduo através dos séculos. Na realidade, é como um fluxo contínuo que surge à luz do dia nos grandes movimentos, digamos, nos movimentos políticos ou nos movimentos espirituais. Por exemplo, na época anterior à Reforma, as pessoas sonhavam com a grande transformação. É essa a razão pela qual tão grandes transformações puderam ser previstas. Em francês no original: ”uma segunda intenção”. (N. do T.) 81

Se alguém for suficientemente arguto para ver o que se passa na mente das pessoas, na mente inconsciente, está apta a Prever. Por exemplo eu poderia ter previsto a ascensão nazista na Alemanha, através da observação dos meus pacientes Alemães. Eles tinham sonhos em que tudo isso era antecipado e com uma considerável riqueza de detalhes. E eu estava absolutamente certo... nos anos que antecederam Hitler, antes de Hitler ter chegado, eu poderia dizer o ano, foi em 1919... eu estava certo de que algo ameaçava a Alemanha, algo muito grande catastrófico. Eu sabia isso apenas através da observação do inconsciente. Existe algo de muito particular em cada uma das diferentes nações. É um fato peculiar que o arquétipo da anima desempenha um grande papel na literatura Ocidental, Francesa e Anglo-saxônica. Mas, no tocante à Alemanha, são extraordinariamente poucos os exemplos, na literatura alemã, em que a anima desempenha um papel... Ela não existe se não tiver um título. Assim, é como se... desculpe se isso parece um tanto drástico, mas ilustra a minha tese... é como se na Alemanha não existisse realmente mulheres. Existe a Frau Doutor, a Frau professor, a frau avó, a frau sogra, a irmã, a filha. Esta é a idéia, o senhor sabe nenhuma mulher... la teme Írmã’ tma enorme n’existe pas.* Ora, esse fato é de uma enorme importância, por quanto mostra que, na mente alemã, se desenrola um mito particular, algo muito particular. Os psicólogos deveriam realmente ocupar-se dessas coisas, mas preferem pensar: “Eu sou importante.” Dr. Evans: Ai está, sem dúvida, um conjunto deveras interessante e extraordinário de declarações. Como veria Hitler, à luz desses conceitos? Vê-lo-ia como uma personificação, um símbolo do “pai”? Dr. Jung: Não, em absoluto. Eu não poderia explicar em termos simples esse fato muito complicado que Hitler representa. É complicado demais. Ele era Em francês no original: “A mulher não existe”. (n. do T.) 82

CONCEPTUALIZAÇÕES GERAIS vuma figura de herói e a figura de herói é muito mais importante do que quaisquer pais que tenham existido até hoje. Ele era um herói no mito alemão, note bem, um herói religioso. Era um salvador, aquele que estava destinado a trazer a redenção. Foi por isso que colocaram o seu retrato até em altares. E foi por isso que alguém mandou gravar na pedra de seu túmulo que era feliz porque seus olhos haviam contemplado Hitler e agora poderia repousar em paz. Hitler era, simplesmente, um herói mítico. Dr. Evans: Voltando, mais especificamente, à idéia do eu... Dr. Jung: O eu é, meramente, um termo que designa a personalidade total. A personalidade do homem, como um todo, é indescritível. A sua consciência pode ser descrita; o seu inconsciente não pode ser descrito porque.... repito uma yez mais... é sempre inconsciente. E como é realmente inconsciente, o homem não o conhece. E, assim, desconhecemos a nossa personalidade inconsciente. Temos certos indícios e certas idéias a seu respeito, mas, na realidade, desconhecemo-la. Ninguém pode dizer onde termina o homem. É aí que está toda a beleza da coisa. Todo o seu grande interesse. O inconsciente humano oculta sabe Deus que segredos. Temos ainda grandes descobertas a fazer. Dr. Evans: O que parece ser uma parte muito fundamental de seus escritos e uma de suas principais idéias está refletido no termo mandala. Como é que isso se ajusta no contexto do seu exame do eu? Dr. Jung: Mandala... Bem, trata-se apenas de uma for. ma característica de arquétipo. É o que se chama ultmo exquadra circulae, a quadratura do círculo ou a circulatura do quadrado. É um símbolo antíqüíssimo que remonta à pré-história do homem. Encontramo-lo por toda parte da Terra e expressa ou a Deidade ou o eu; e estes dois termos estão, psicologicamente, muito 83

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG relacionados, o que não significa que eu acredite que Deus é o Eu ou que o Eu é Deus. Afirmei que existe uma relação psicológica e temos abundantes provas disso. É um arquétipo muito importante. É o arquétipo da ordem interna e é sempre usado nesse sentido, quer para significar a ordenação dos numerosos aspectos do Universo, um plano cósmico, quer para ordenar num esquema os complicados aspectos da nossa psique. Expressa o fato de que existe um centro e uma periferia, e tenta abranger o todo. É o símbolo da totalidade. Assim, durante o tratamento de um paciente, num momento em que tudo é caos e desordem na mente de um homem, o símbolo pode aparecer, quer sob a forma de uma mandala num sonho, ou quando ele faz desenhos imaginários e fantásticos, ou ainda de outras formas. Uma mandala aparece espontaneamente como arquétipo compensatório durante os períodos de desordem. Aparece trazendo ordem, mostrando a possibilidade de ordem e centralidade. Assinala um centro que não coincide com o Ego, mas com a totalidade — é totalidade — aquela totalidade a que dei o nome de Eu. ”Eu” é o termo para totalidade. Não sou todo em meu ego, dado que o meu ego é apenas um fragmento da minha personalidade; assim, como vê, o centro de uma mandala não é o ego. É a personalidade total, o centro de toda a personalidade, e o grande papel que desempenha pode ser observado, por exemplo, na cultura do Oriente, passada e presente. Na Idade Média, desempenhou um papel igualmente importante no Ocidente; mas aqui perdeu-se e, hoje, é meramente considerado uma espécie de motivo alegórico, decorativo. Na realidade, porém, é sumamente importante e superlativamente autônomo, um símbolo que aparece em sonhos etc. e no folclore, nas tradições populares. Diríamos que é o principal arquétipo. 84

Parte IV A TEORIA DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO E A MOTIVAÇÃO Talvez a mais conhecida contribuição do Dr. Jung seja a sua teoria dos tipos psicológicos, na qual estabeleceu a dicotomia entre introvertidos e extrovertidos. Como foi sublinhado no primeiro capítulo, Jung estava muito desgostoso a respeito da interpretação errônia de suas idéias pelos americanos e, além disso, estava ciente de que a sua tipologia introversão-extroversão tinha sido o alvo de muitas dessas más interpretações. Nestas entrefistas, Jung reflete a sua impaciência com a distorção de que o significado e o uso corretos desses termos tinham sido vítimas. Esforça-se por explicar em grande detalhe as relações que existem entre aquilo a que se refere como as quatro funções – pensamento, sentimento, percepção e intuição – e o que designa como orientações de introversão e extroversão. Particularmente difícil para uma plena compreensão é o seu tipo introvertido intuitivo, pelo que Jung nos oferece alguns exemplos concretos e deveras interessantes para ilustrar essa orientação num indivíduo. Ako discutir as suas concepções motivadoras, primordialmente o seu conceito da libido, ele explica a sua noção oriental de energia, tal como se manifesta no indivíduo. Ele também parece aceitar a importância dos fatores históricos na compreeensão do intivíduo, mas sem excluir o realce que deve ser dado ao entendimento dos acontecimentos atuais que influem sobre a pessoa, isto é, a importância de uma abordagem de campo. 85

6 As Teorias Tipológicas de Introversão-Extroversao Dr. Evans: Dr. Jung, outro conjunto de idéias que tiveram origem no senhor e são muito conhecidas no mundo, gravita em torno dos termos ”introversão” e ”extroversão”. Sei que o senhor está inteiramente a par de que esses termos ganharam tal popularidade que o homem da rua emprega-os constantemente para descrever os membros de sua família, os seus amigos etc. Creio que se tornaram os conceitos psicológicos mais freqüentemente usados, hoje em dia, pelos leigos. Dr Jung: Tal como a palavra ”complexo” — que também inventei, como o senhor sabe, durante os neus experimentos de associação — esses dois termos são, simplesmente, práticos, porque há certas pessoas que são, definitivamente, mais influenciadas pelo meio que as cerca, pelas pessoas à sua volta, do que pelas suas próprias intenções, enquanto que outras pessoas são mais influenciadas por fatores subjetivos. Ora, os fatores subjetivos, que são muito característicos, foram interpretados por Freud como uma espécie de autocentrismo patológico. Isso é um erro. A psique tem duas importantes condições. Uma é a influência ambiental e a outra é a psique como dado inato. Conforme lhe disse ontem, a psique de modo nenhum pode ser considerada uma tábula rasa e sim uma combinação e mistura definida de genes, que existem em nós desde o primeiro momento de vida; e imprimem um determinado caráter, mesmo à criança muito pequena. Isso é um fator subjetivo, visto de fora. Mas, se o observarmos de dentro, então é como se estivéssemos observando o mundo. Quando a pessoa observa o mun- 87

ENTREVISTAS com CARL G JUNG do, vê outras pessoas, vê casas, vê o céu; vê objetos tangíveis. Mas, quando se observa interiormente, vê imagens animadas, um mundo de imagens que são, em geral, conhecidas como fantasias. Contudo, essas fantasias são fatos. É um fato que o homem tem esta ou aquela fantasia; e é um fato tangível que, por exemplo, quando um homem tem uma certa fantasia, outro homem pode perder a vida ou uma ponte ser construída. Todas essas casas foram fantasias. Tudo o que se faz aqui, tudo isso, todas as coisas, começaram por ser fantasia. E a fantasia tem uma realidade própria. Isso não deve ser esquecido; a fantasia não é o nada. Certo, não é um objeto tangível; não obstante, é um fato. A fantasia é uma forma de energia, apesar de não podermos medi-la. É uma manifestação de algo e, portanto, é uma realidade. É uma realidade como, por exemplo, o Tratado de Paz de Versalhes ou coisa parecida. Nada mais é do que isso; não se pode mostrá-la: mas aconteceu e por isso é um fato. E assim é que os eventos psíquicos são fatos, são realidades. E quando se observa o fluxo de imagens Interiores, está-se observando um aspecto do mundo, do mundo interior, porque a psique, se a entendermos como um fenômeno que tem lugar no organismo vivo, é uma qualidade da matéria. Descobrimos que essa matéria tem outro aspecto, ou seja, um aspecto psíquico. E, assim, é simplesmente o mundo interior, visto desde o interior. É como se a pessoa estivesse observando outro aspecto da matéria. Esta idéia não foi Invenção minha. Os antigos credos já falavam do soiritus atomis. Isto é, o espirito que esfá inserido nos átomos. Isso significa que o psquismo é uma qualidade aue aparece na matéria. Não interessa se o compreendemos ou não, mas é essa a conclusão a que chegamos, se formos capazes de raciocinar e extrair conclusões sem preconceitos. Assim, o homem que é conduzido pelo mundo exterior, pela influência do mundo que o rodeia — diqamos, a sociedade ou as percepções sensoriais — pensa que é mais válido e mais realista, porque essas coisas são válidas e reais; e o homem que se orienta pelo fator subjetivo não é realista, porque o fator subjetivo nada é. 88

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO EXTROVERSÃO Mas isso é um erro. Esse homem está tão bem fundado quanto o outro, porquanto se baseia no mundo interior. E, portanto, está inteiramente certo quando diz: ”Oh, são apenas as minhas fantasias.” É claro, este é o introvertido; e o introvertido está sempre receoso do mundo externo. Ele próprio o dirá quando alguém lhe perguntar. Mostrar-se-á contrito a esse respeito e dirá: ”Sim, eu sei, são as minhas fantasias.” E está sempre ressentido com o mundo em geral. A América é um exemplo característico de extroversão. O introvertido não tem aí lugar, porque ignon que contempla o mundo de dentro. Isso confere-lhe dig nidade, confere-lhe sequrança, porque é isso a psique do homem. Hoje em dia, sobretudo, o mundo está suspenso de um tênue fio. Suponha que uns certos camaradas em Moscou se enervam ou perdem o senso comum por alguns instantes; então o mundo inteiro ficará envolto em violentas chamas. Atualmente, não somos tão ameaçados por catástrofes elementares. Nada existe comparável à bomba H... e isso é uma criação do homem. Nós é que somos o grande periqo. A psique é o grande perigo. O que acontecerá se algo falhar na psique? E isso nos demonstra, em nossos dias, qual é o poder da psique, como é importante sabermos algo a seu respeito. Mas nada sabemos sobre ela. Ninguém daria crédito à idéia de que o processo psíquico do homem comum possa ter alguma importância. Pensa-se: ”Oh, o que ele tem na cabeça pouco interessa; ele é o que o seu meio fez dele; foi ensinado a fazer isto e aquilo, acredita nesta e naquela coisa e, sobretudo, se estiver bem alimentado e bem alojado, então não terá idéia nenhuma. ” E aí reside o grande equívoco, porque ele é o mesmo homem que era ao nascer e não nasceu como tabula rasa, mas como realidade. Assim, comecei um exame das atitudes humanas e, notadamente, como funciona a nossa consciência. Eu não podia deixar de observar, por exemplo, a diferença entre Freud e Adler, uma diferença típica. Um partia do princípio de que as coisas evoluíam sequndo as diretrizes do instinto sexual. O outro admitia que as coisas se desenvolvem de acordo com as diretrizes do instinto de poder. E ali estava eu... entre os dois. 89

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Eu podia ver a justificação do ponto de vista de Freud e também compreendia a exatidão do de Adler; e sabia que as coisas podiam ser ainda encaradas de uma porção de outra maneiras. Assim, considerei meu dever científico examinar primeiro a condição da consciência humana, aquela que é originadora das várias maneiras de encarar as coisas, das diversas abordagens possíveis. É o fator que gera atitudes, atitudes conscientes, em relação a certos fenômenos. Assim, quando sabemos, por exemplo, que há pessoas que vêem a diferença entre vermelho e verde, podemos concluir que todo o mundo vê essa diferença? Em absoluto. Existem casos de cegueira cromática. Uns vêem isto, outros vêem aquilo. Por isso tentei descobrir quais eram as principais diferenças. Daí resultou o meu livro sobre os tipos. * Considerei em primeiro lugar as atitudes introvertidas e extrovertidas, depois certos aspectos fundamentais e, finalmente, quais das quatro funções são predominantes. Dr. Evans: É claro, um dos erros de interpretação mais comuns a respeito de sua obra entre alguns dos autores americanos é, pelo menos em minha opinião, que eles caracterizaram o seu estudo da introversão e extroversão como se fosse sugerido que o mundo se compõe apenas de duas categorias de pessoas: introvertidos e extrovertidos. Estou certo de que o senhor se apercebeu disso. Quer comentar a esse respeito? Por outras palavras, o senhor concebe o mundo como sendo unicamente composto de indivíduos que são introvertidos integrais e indivíduos que são extrovertidos integrais? Dr. Jung: Bismarck disse certa vez: ”Deus me proteja dos meus inimigos posso me encarregar sozinho.” Você sabe como são as pessoas. Escolhem uma palavra como lema e depois esquematizam tudo de acordo com essa palavra. Não Psychologrlschc Typen, 1921. Existe tradução brasileira: Tipos Psicológicos, Zahar Editores. 1967, tradução e apresentação de Álvaro Cabral. (N. do T.) 90

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO existe o introvertido puro ou o extrovertido puro. Tal homem estaria num manicômio. Trata-se apenas de termos para designar um^a certa inclinação, uma certa tendência. Por exemplo, a tendência para ser mais influenciado por fatores ambientais ou mais influenciado por fatores subjetívos... só isso. Há pessoas que são razoavelmente equilibradas, isto é, que são tão influenciadas pelas realidades exteriores como pelas interiores... ou tão pouco influenciadas por umas e outras. E, como no caso de todas as classificações definitivas, o senhor sabe, elas são Apenas uma »espécie de ponto de referência para nossa orientação. Não existe coisa alguma a que se possa chamar uma classficação esquemática. Com freqüência, experimenta-se até grande Dificuldade em discernir a que tipo um homem pertence quer porque ele é um indivíduo muito bem equilibrado quer porque é um neurótico declarado. Este último difícil de determinar porque, quando um indivíduo é neurótico, manifesta sempre uma certa dissociação de personalidade. E, bem entendido, as próprias pessoas tampouco sabem quando estão reagindo conscientemente ou guando as suas reações são inconscientes. Assim, podemos estar falando com uma pessoa e pensar que ela está cônscia do que diz. Sabe do que está falando para nosso espanto, descobrimos daí a pouco que ela está Inteiramente Inconsciente e não sabe o que diz. É um procedimento longo e penoso descobrir do que é que um homem está consciente e do que não está consciente, porque o inconsciente age sobre ele o tempo todo. Certas coisas são conscientes; outras são inconscientes; mas nem sempre podemos distinguir. Temos de perguntar às pessoas: ”Está. consciente do que diz neste momento?” ou ”Deu-se Cofta do que disse?” E, de súbito, descobrimos haver uma porção de coisas que essas pessoas ignoravam completamente. Por exemplo, certas pessoas têm numerosos motivos que toda a gente vê. Elas são as únicas que os ignoram inteiramente. Dr. Evans: Então, toda essa questão de Categorias extremas, Introvertidos e exfrovertidos, não pas- 91

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG sa de uma abordagem esquemática, de um quadro de referência. Dr. Jung: Todo o meu plano tipológico consiste, meramente, numa espécie de orientação. Existe um fator, a introversão; existe outro fator, a extroversão. A classificação de indivíduos nada significa. Trata-se apenas de um instrumento, ou aquilo a que chamo ”psicologia” prática, usada para explicar, por exemplo, o marido a uma esposa ou vice versa. Ocorre com muita freqüência, por exemplo... eu diria tratar-se quase de uma regra, mas não quero esta belecer demasiadas regras, para não ser esquemático. acontece freqüentemente, dizia eu, o caso de um introvertido casar com uma extrovertida para compensação ou, por outras palavras, um tipo casar com um contratipo, a fim de se complementar. Por exemplo, um homem que ganhou muito dinheiro é um bom homem de negócios, mas não tem educação. O seu sonho, é claro, é ter um piano de cauda em casa e cercar-se de artistas, pintores, cantores ou Deus sabe o quê, e conviver com intelectuais; e, assim, preferirá casar com uma mulher desse tipo, com a finalidade de possuir tudo isso Ela o tem e casa com ele porque é rico, porque põe à sua disposição muito dinheiro, Essas compensações são um fato da vida corrente. Quando estudamos os casa mentos, podemos verificar isso facilmente, - E, é claro. nós, psicanalistas, temos de lidar bastante com casamentos, particularmente com os casais em apuros, porque os tipos são muito diferentes e, por vezes, não se entendem reciprocamente. Como o senhor sabe, os principais valores do extrovertido são execrados pelo introvertido, que diz: ”O mundo que vá para o diabo!” A esposa interpreta isso como megalomania do marido. Mas é, simplesmente, como se o extrovertido dissesse ao introvertido: ”Escute aqui, amíqo. Os fatos são estes, esta é a pura realidade.” E tem razão! E o outro diz: ”Mas eu penso, eu sustento que...” e isso parece absurdo ao extrovertido, porque não sabe que o outro, sem se aperceber disso, está contemplando um mundo Interior, uma realidade interior, e que tanto pode estar certo como errado, mes- 92

AS TEORIAS DE INTROVERSAO-EXTROVERSAO mo que se baseie em Deus sabe que sólidos fatos. Vejamos, por exemplo, a interpretação de estatísticas. Podemos provar quase tudo o que quiser com estatísticas. E o que é que existe de mais objetivo que uma estatística? Dr. Evans: Sabemos, é claro, que o senhor vinculou a sua tipologia da introversão-extroversão quatro funções: pensar, sentir, perceber e intuir. Seria muito interessante ouvirmos uma explicação mais desenvolvida do significado desses termos, em relação com as orientações introvertido-extrovertido. Dr. Jung: Bem, há uma explicação muito simples para esses termos e ela mostra, ao mesmo tempo, como chegamos a essa tipologia. A sensação diz-nos que existe alguma coisa. O pensamento, de um modo geral, diz-nos o que é essa coisa. A percepção informanos se essa coisa é agradável ou não, se deve ser ou não aceita, admitida ou rejeitada. E a intuição... aqui deparamos com uma dificuldade porque, normalmente, não sabemos como a intuição funciona. Quando um homem tem um palpite, não podemos dizer exatamente como obteve esse palpite ou donde foi que este veio. A intuição é uma coisa engraçada. Vou contar uma pequena história. Tive dois pacientes. O homem era do tipo sensitivo e a mulher do tipo intuitivo. É claro, eles sentiam uma certa atração mútua, de modo que tomaram um pequeno barco e desceram rumo ao lago de Zurique. E aí, no lago, havia aqueles pássaros que mergulham nas águas para apanhar peixes, como o senhor sabe, que sobem passado um certo tempo, mas que ninguém pode dizer quando. Os meus dois pacientes começaram então a apostar quem veria primeiro o pássaro emergir. Ora, poderíamos pensar que o vencedor seria aquele que observa a realidade muito cuidadosamente, pondo nessa observação todos os seus sentidos, isto é, a função de sentir. Nada disso. A mulher ganhou todas as apostas. Ela derrotava-o em todos os pontos porque, pela intuição, sabia antes. Como é possível? Podemos realmente descobrir como a intuição funciona se encontrarmos os elos intermediários. Trata- 93

ENTREVISTAS corn CARL G. JUNG se de uma percepção por elos intermediários e nós apenas obtemos o resultado final de toda a cadeia de associações. Por vezes, conseguimos reconstituí-la, porém o mais freqüente é não o conseguirmos. Portanto, a minha definição de intuição é uma percepção por vias ou meios inconscientes. É o mais perto que posso chegar. É uma função muito importante, porque quando vivemos em condições primitivas é provável que nos aconteça uma porção de coisas imprevisíveis. Nesse caso, precisamos da intuição, porque as nossas percepções sensoriais não têm possibilidade alguma de dizer o que é que vai acontecer. Por exemplo, estamos caminhando nas florestas primitivas. Só podemos ver alguns passos à nossa frente e é possível que nos orientemos pela bússola. Ignoramos o que existe adiante; não existe um mapa da região. Se usarmos a nossa intuição, então teremos palpites; e, quando vivemos em tais condições primitivas, estamos instantaneamente cônscios de palpites. Há lugares que são favoráveis e lugares que não são favoráveis. É impossível explicar por que, mas será melhor seguir esses palpites, porque tudo pode acontecer, as coisas mais imprevistas. Por exemplo, no fim de uma longa jornada, chegamos às margens de um rio. Ignorávamos que existisse ali um rio, mas, inesperadamente, deparamos com ele. Por quilômetros não há qualquer habitação humana. Não podemos atravessar o rio a nado; está cheio de crocodilos. E agora? Tal obstáculo não tinha sido previsto. Talvez nos acuda, porém, o palpite de que deveríamos permanecer nesse local nada promissor e aguardar o dia seguinte; ou de que deveríamos construir uma jangada ou coisa parecida; ou apenas um palpite de que devemos esperar e examinar as diversas possibilidades. Também podemos ter intuições... isto acontece constantemente... em nossa selva habitual, a que chamamos cidade. Podemos ter um palpite, um pressentimento, de que alguma coisa está indo mal, principalmente quando dirigimos um automóvel. Por exemplo, naquele dia em que vimos as enfermeiras na rua. Na esquina de uma rua, uma enfermeira correu para a frente do carro. Poderia tratar-se de algo interessante, como um suicídio; ser atropelado, aparentemente, é brutal de- 94

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO mais. Então sentimos, realmente, uma impressão estranha, pois na esquina seguinte uma segunda enfermeira se precipitou diante do automóvel. Uma multiplicidade de casos, pois a regra é que tais acontecimentos fortuitos aconteçam em grupos. Assim, temos advertências ou premonições constantes que consistem, em parte, num leve sentimento de intranqüilidade, incerteza, medo. Ora, em circunstâncias primitivas prestamos atenção a essas coisas; elas teriam um significado. Mas em nossas condições de vida, feitas pelo homem e aparentemente seguras, não precisamos tanto dessa função. Entretanto, verificamos a sua existência e usamo-la. Verificaremos, por exemplo, que os tipos intuitivos, alguns banqueiros, os homens de Wali Street, seguem palpites, guiam-se por diagnósticos de toda espécie. Encontramos freqüentemente esse tipo entre os médicos, porque isso os ajuda em seus prognósticos. Por vezes, um caso pode parecer como se fosse perfeitamente normal e não se prevê qualquer complicação; contudo, uma voz íntima nos diz: ”Preste atenção a isto ou aquilo. Cuidado, porque há algo que não é inteiramente normal.” É impossível dizer por que ou como, mas temos muitas percepções subliminares, percepções sensoriais de que, provavelmente, extraímos grande parte das nossas intuições. Mas isso é percepção através do inconsciente e podemos observar isso nos tipos intuitivos. Por exemplo, aconteceu-me certa vez que tinha uma paciente pela manhã, às nove horas. Ora, eu fumo freqüentemente o meu cachimbo e, vez por outra, um cigarro ou um charuto. Quando a paciente chegou, disse: — Quer dizer que o senhor começa a trabalhar cedo, antes das nove horas. Deve ter recebido alguém às oito. Retruquei: — Como é que a senhora sabe? De fato, eu já recebera um paciente às oito da manhã. E ela respondeu: — Oh, tive apenas um palpite de que um homem devia ter estado aqui esta manhã. E perguntei: — Como a senhora sabe que era um homem? 95

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG — Bem — disse ela — a atmosfera me deu a impressão de que um homem tinha estado aqui. Durante todo esse tempo, o cinzeiro estivera sob o nariz dela e havia nele um charuto que não chegara a ser fumado; mas a paciente não o notara. Assim, como o senhor vê, o intuitivo é um tipo que não descortina um obstáculo diante dos pés, mas fareja a caça a quinze quilômetros. Dr. Evans: Como foi que desenvolveu as suas conceptualizações dessas quatro funções? Dr. Jung: Preste bem atenção: essas quatro funções não foram um esquema que eu tenha simplesmente inventado e aplicado à Psicologia. Pelo contrário, necessitei de muito tempo para descobri-las. Veja, por exemplo, o tipo pensante, como julgo que é o meu tipo. Isso é humano, claro. Não acha que é? Há outras pessoas que decidem os mesmos problemas com que me defronto e têm de decidir a respeito, mas tomam suas decisões de um modo inteiramente diferente. Encaram as coisas de uma forma completamente distinta; têm valores inteiramente diferentes. São, por exemplo, tipos emotivos. E assim foi que, algum tempo depois, descobri a existência dos tipos intuitivos. Deram-me muito trabalho. Precisei de mais de um ano para ter uma idéia clara sobre a existência dos tipos intuitivos. E o último... e o mais inesperado de todos, foi o tipo sensitivo. E somente mais tarde percebi que esses são, naturalmente, os quatro aspectos da orientação consciente. Assim, encontramos nossa orientação, nosso norteamento, na abundância caótica de impressões, através das quatro funções, esses quatro aspectos da orientação humana total. Se o senhor puder indicar-me qualquer outro aspecto pelo qual adquire a sua orientação, ficarei muito grato. Não consegui encontrar mais e não foi por falta de procurar. Mas estou convencido de que os quatro cobrem tudo. Por exemplo, o tipo intuitivo, para discuti-lo mais uma vez, que é muito pouco compreendido, tem uma função muito importante, pois é aquele que se orienta 96

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO por palpites, por pressentimentos. Vê do outro lado das esquinas; fareja um rato a quilômetros de distância. Pode-nos dar uma percepção e uma orientação em situações em que os nossos sentidos, o nosso intelecto e as nossas sensações não servem de nada. Quando estamos em grande apuro, uma intuição pode mostrar um buraco por onde teremos possibilidade de escapar. Isso é uma função muito importante em condições primitivas que não e possível dominar pelas regras da lógica. Assim, através do estudo de toda espécie de tipos humanos, cheguei à conclusão de que devem existir muitas lormas aiterentes de encarar o mundo, através dessas quatro orientações típicas... pelo menos 16, e poderemos perfeitamente dizer 360. Podemos aumentar o numero ae princípios orientadores ou subjacentes, mas conclui que a maneira mais simples, como lhe disse, é a divisão por quatro, a simples e natural divisão do círculo. Ora, não fui eu quem criou o simbolismo dessa classificação particular. Somente quando estudava os arquétipos é que me apercebi de que isso constituía um modelo arquetipico muito importante que desempenha um enorme papel. Dr. Evans: O senhor estabelece uma distinção entre um extrovertido intuitivo e um introvertido intuitivo? Dr. Jung: Sim, esses tipos não podem ser todos semelhantes. Dr. Evans: Mais especificamente, o que seria um exemplo da diferença entre um extrovertido intuitivo e um introvertido intuitivo? Dr. Jung: Bem, o senhor escolheu um caso bastante difícil, porque um dos tipos que oferecem maiores dificuldades é, justamente, o introvertido intuitivo... Encontramos o extrovertido intuitivo em todas as espécies de banqueiros, jogadores etc., o que é, aliás, multo compreensível. O introvertido é mais difícil porque tem intuições no tocante ao fator subjetivo, isto é, o mundo interior; e, é claro, isso é muito difícil de enten- 97

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG der porque aquilo que ele vê são coisas extremamente mcomuns, coisas de que ele não gosta de falar, se não for um imbecil. Se o fizer, estragara o seu próprio jogo contando o que vê, porque as pessoas não entenderão isso. Por exemplo, tive certa vez uma paciente, uma jovem de uns 27 ou 28 anos. Imediatamente depois de se sentar, ela disse: — Sabe, doutor, vim consultá-lo porque tenho uma cobra no abdome. O quê! — Sim, uma cobra preta enroscada no baixo ventre. Devo ter feito uma careta horrível, porque ela imediatamente acrescentou: — O senhor sabe que não estou falando literalmente. Eu disse: — Se a senhora afirma que ó uma cobra, é uma cobra. Mais tarde, numa conversa que teve lugar mais ou menos no meio do tratamento, o qual durou apenas dez sessões, a paciente recordou-me algo que havia pressagiado. Ela havia dito no começo: — Virei dez vezes e depois tudo ficará bem. Ao que respondi com a pergunta: — Como é que a senhora sabe? Ela respondeu: — Oh, tive um palpite. Agora, na quinta ou sexta sessão, a paciente me informou: — Doutor, devo contar-lhe que a cobra subiu. Está agora aqui. Um palpite. Depois, no décimo dia, indaguei: — Hoje é a nossa última sessão, a senhora sentese curada? Com uma expressão radiante, ela replicou: — O senhor sabe, doutor, esta manhã ela subiu e saiu pela minha boca. Tinha uma cabeça dourada. Foram estas suas últimas palavras. Analisemos agora a realidade, em seus fatos objetivos: essa moça consultou-me porque não podia ouvir 98

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO mais os seus próprios passos, era como se, literalmente, caminhasse no ar. Não os ouvia e estava assustada. Quando lhe perguntei onde morava, respondeu: — Oh, na pensão tal e tal. Bem, não se chama exatameme uma pensão, mas é uma espécie de pensão. Eu jamais ouvira falar nela. — Nunca ouvi falar nesse lugar — disse eu. — Oh, é um lugar muito agradável — respondeu a paciente. — Só tem moças; são todas muito simpáticas, muito bonitas, e divertem-se muito. Muitas vezes desejei que me convidassem para suas tardes alegres. E então perguntei: — Elas divertem-se sozinhas? — Não, há sempre muitos jovens entrando; passam um tempo agradável, mas nunca me convidam. Resultou, é claro, que se tratava de um bordel muito reservado. A paciente era uma garota perfeitamente decente, de uma boa família, não daqui. Ela descobrira esse lugar, não sei como, e estava na completa ignorância ae que todas as moças a que ela se referia eram prostitutas. E eu disse: — Por amor de Deus, a senhora caiu num lugar perigoso; trate de livrar-se dele o mais depressa possível. Ela não via a realidade, mas tinha, verdadeiramente, palpites. Tal pessoa não podia falar de suas experiências porque todo mundo pensaria que ela era completamente louca. Eu próprio fiquei muito chocado e pensei: ”com mil demônios, será um caso de esquizofrenia?” Normalmente, não ouvimos esse tipo de linguagem; mas ela supunha que o velhote, é claro, sabia tudo e compreendia esse tipo de linguagem. Portanto, se o introvertido intuitivo dissesse o que realmente percebe, praticamente ninguém o entenderia; seria mal interpretado. Assim, tais pessoas aprendem a guardar essas coisas para si mesmas. Dificilmente as ouviremos falar dessas coisas. De certo modo, isso é uma grande desvantagem, mas, por outro lado, é muito vantajoso que essas pessoas não falem de suas experiências, tanto as interiores como as que ocorrem em suas relações humanas. Por exemplo, podem ficar na 99

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG presença de alguém que não conhecem desde o tempo de Adão e, de súbito, podem ter imagens interiores. Ora, essas imagens interiores poderão fornecer-lhes muitas informações sobre a psicologia daquela pessoa que aca baram de conhecer. Isso é um exemplo típico de casos que acontecem freqüentemente. Subitamente, elas conhecem um fragmento importante da biografia dessa pessoa e, se não guardarem as coisas para si mesmas, contarão a história. Isso é o mesmo que atirar gordura no fogo! Assim, o introvertido intuitivo tem, de certo modo, uma vida muito difícil, embora seja interessantíssima. É muito difícil ganhar a sua confiança. Dr. Evans: Sim, porque têm receio de que as pessoas pensem que... Dr. Jung: São doentes. As coisas que sugerem são interessantes para elas próprias, são-lhes vitais e profundamente insólitas para o indivíduo comum. Um psicólogo, entretanto, deve compreender tais coisas. Quando alguém pratica a Psicologia, como suponho que um psicólogo deve praticar, a primeira interrogação é: O meu paciente é introvertido ou extrovertido? O psicólogo tem de apurar coisas inteiramente diferentes. Ele vê o tipo sensitivo; vê o tipo intuitivo; vê o tipo pensante e o tipo emotivo. Essas coisas são complicadas. São ainda mais complicadas porque o pensamento introvertido, por exemplo, é compensado pelo sentimento extrovertido, o sentimento inferior, arcaico, do extrovertido. Assim, um pensador introvertido pode ser tosco em seus sentimentos, como é o caso, por exemplo, do filósofo introvertido que sempre evitou, cuidadosamente, as mulheres e talvez acabe casando com a cozinheira. Dr. Evans: De modo que podemos adotar as suas orientações introvertido-extrovertido para descrever numerosos tipos: os tipos introvertido e extrovertido orientados pela sensação, os tipos introvertido e extrovertido orientados pela emoção, os tipos introvertido e extrovertido orientados pelo pensamento e, enfim, os tipos introvertido e extrovertido orientados pela intuição. 100

AS TEORIAS DE INTROVERSÃO-EXTROVERSÃO Em cada um desses casos, essas combinações não representam uma categoria concreta, mas, simplesmente, como o senhor mesmo indicou há pouco, um modelo que pode ser útil na compreensão do indivíduo. Dr. Jung: Trata-se apenas de uma espécie de esqueleto a que temos de adicionar a carne. Poderíamos dizer que é algo como uma região mapeada por pontos de triangulação, o que não significa que essa região consista em pontos de triangulação; isso é apenas feito para que tenhamos uma idéia das distâncias. Portanto, é um meio para um fim. Somente faz sentido como esquema quando lidamos com casos práticos. Por exemplo, se tivermos de explicar um marido introvertido-intuitivo a uma esposa extrovertida, é um caso deveras espinhoso porque, como o senhor sabe, um tipo extrovertido-sensitivo é o que está mais distante das funções da experiência e do raciocínio. Adapta-se e comporta-se de acordo com os fatos, tal como estes são, e está sempre tolhido pelos fatos. Na realidade, ele próprio está nesses fatos. Mas, se o introvertido é intuitivo, isso é um inferno, porque, assim que se acha numa situação definida, tenta encontrar uma escapatória, um buraco por onde sair dessa situação. Para ele, toda e qualquer situação dada é sempre o pior que lhe podia acontecer. Sente-se espicaçado, tolhido, sufocado e acorrentado. Tem de quebrar esses grilhões, porque é o homem que descobrirá um novo campo. Plantará nesse campo e, assim que as novas plantas começam a crescer, está tudo terminado; ele sente que a sua missão acabou e não lhe interessa mais. Outros colherão o que ele semeou. Quando o extrovertido sensitivo e o introvertido intuitivo casam, isso significa complicações, posso assegurar. 101

7 Conceitos Motivacionais Dr. Evans: Uma questão que é muito importante quando tentamos compreender os centros individuais em torno do problema da motivação consiste em saber por que a pessoa faz o que faz. Em certo grau, o senhor já falou sobre isso, quando discutiu os arquétipos. Contudo, para aprofundar o problema ainda mais, quando abordamos antes o problema da libido, aquilo que Freud considerou uma energia psíquica, sexual, talvez o senhor se lembre de ter sugerido que a libido era mais do que mera energia sexual. Sugeriu que poderia ser algo mais amplo. O senhor defende certos princípios a respeito da energia psíquica que são muito estimulantes e um desses princípios é. segundo creio, o que designou como princípio de entropia. Dr. Jung: Sim, aludi a ele. O principal é adotar o ponto de vista energético, na medida em que se aplica aos fenômenos psíquicos. Ora, acontece que, no caso dos fenômenos psíquicos, não temos possibilidades de medi-los com exatidão, de modo que se trata sempre de uma espécie de analogia. Freud emprega o termo ”libido” no sentido de energia sexual e Isso não é inteiramente correto. Se fosse sexual, então seria uma força como a eletricidade ou qualquer outra forma ou manifestação de energia. Ora, a energia é um conceito pelo qual tentamos expressar as analogias de todas as manifestações de força, notadamente, possuem uma certa qualidade, uma certa intensidade e há um fluxo numa determinada direção, isto é, para a suspensão final do fluxo oposto. O alto, o baixo, a altura entre os dois pólos... um lago no cimo da montanha flui pela sua vertente até toda a água estar 102

CONCEITOS MOTIVACIONAIS embaixo e, depois, acabou. E poderemos ver algo semelhante no caso da Psicologia. Ficamos fatigados do trabalho intelectual ou da existência consciente e, portanto, devemos dormir para restaurar as forças. Assim, quando dormimos, durante a noite, é como se a água fosse bombeada de um nível inferior para um superior e podemos trabalhar de novo no dia seguinte. É claro, esta analogia também é defeituosa, do mesmo modo que só usamos comparativamente o termo ”energia”. Usei esse termo porque quis expressar o fato de que a manifestação de energia da sexualidade não é a única manifestação de energia. Temos numerosos impulsos, como o impulso de conquista ou o impulso de aaressividade e muitos outros. Há numerosas formas. Por exemplo, consideremos o modo como os animais constróem ninhos ou o impulso que leva as aves migratórias a viajar. Todos são motivados por uma espécie ou outra de manifestação de energia e o significado específico da palavra ”sexualidade” dissiar-se-ia completamente se todos esses diferentes impulsos e comportamentos fossem incluídos na sua definição. O próprio Freud afirmou que isso não era aplicável a tudo e, mais tarde, corrigiu-se ao admitir que havia também impulsos do ego. Isso é uma coisa distinta, outra manifestação. Ora, para não supor ou prejulgar coisas, prefiro falar simplesmente de energia, e energia é uma quantidade ou carga que pode manifestar-se através da sexualidade ou de qualquer outro instinto. Essa é a principal característica, não a existência de uma força única. Dr. Evans: Em nossa Psicologia acadêmica atual, muitas abordagens da motivação enfatizam o que, por vezes, é citado como uma teoria biocêntrica. Ela sugere que o indivíduo nasce com certos tipos fisiológicos e autopreservadores de impulsos inatos, como o impulso da fome, da sede etc. O sexo é um deles. Contudo, no caso de todos esses impulsos, a sua satisfação é necessária à manutenção do organismo. Depois, à medida que o indivíduo é influenciado pela realidade e a cultura em que vive, esses impulsos 103

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG primários são modificados, em termos da sociedade na cual ele funciona. Por exemplo, em resultado de influências culturais específicas, o impulso geral de fome é suplementado por um impulso específico para certos tipos de alimento. Mais tarde, se isso for importante na cultura em que ele vive, o indivíduo pode desenvolver a necessidade de aprovação social, influenciando ainda mais as suas preferências alimentares etc. Essa abordagem geral da compreensão do desenvolvimento das motivações será compatível com as suas idéias. Dr. Jung? Está de acordo em que padrões instintivos básicos, inatos, são modificados pelo meio ambiente ou a cultura a que estamos submetidos? Dr. Jung: Sim, certamente. Dr. Evans: Também no concernente à motivação, ou à condição que estimula, orienta e sustém o indivíduo, parece haver dois pontos de vista que se destacam em grande parte da Psicologia atual, na América. A um deles poderíamos chamar o ponto de vista hístórrco, tal como é ilustrado pela teoria biocêntrica a que me referi há pouco, quando se procura observar a história e o desenvolvimento do indivíduo para encontrar as respostas sobre o porquê dele estar fazendo uma certa coisa, num dado momento. O outro ponto de vista, postulado e defendido pelo Dr. Kurt Lewin, é o da teoria do campo. Ele não acredita que a história — o passado — seja o elemento mais Importante na motivação. Em vez disso, sugeriu que todas as condições que afetam o indivíduo, num dado momento, nos ajudam a compreender melhor o indivíduo e a predizer o seu comportamento. O senhor pensa que a ldéia do ”campo presente” do Dr. Lewin possui alguma virtude? Dr. Jung: Bem, obviamente, sempre insrsti em que até uma neurose crônica tem a sua verdadeira causa no momento presente. A neurose é elaborada diariamente pela atitude errada do indivíduo. Por outra parte, entretanto, essa atitude errada é uma espécie de fato que precisa ser historicamente explicado pelas coi- 104

CONCEITOS MOTIVACIONAIS sas que aconteceram no passado. Mas isso também é um ponto de vista unilateral, porque todos os fatos psicológicos estão orientados não somente para um determinado curso, mas também para um certo fim. Eles são, de certa maneira, fisiológicos, isto é, servem a um propósito, de modo que a atitude errada pode ter sido originada num passado longínquo. É igualmente verdade, porém, que tampouco existiria hoje se não existissem causas imediatas e propósitos imediatos para conservála viva aqora. Por isso é que uma neurose pode terminar de súbito, num certo dia, apesar de todas as causas. No início da guerra, foram observados casos de neurose de compulsão que duraram muitos anos e, de repente, ficaram curados, porque os pacientes se encontraram numa condição inteiramente nova. É como um choque, entende? Até o esquizofrênico pode melhorar imensamente através de um choque que produza uma nova condição. Deve ser uma coisa... muito chocante, que arranque o paciente da sua atitude habitual. Uma vez livre desta, tudo desmorona, todo o sistema que fora construído durante anos. Dr. Evans: O senhor ventilou muitas idéias interessantes e provocativas. Outro conceito relacionado com o desenvolvimento motivacional é o processo de individuação, um processo que freqüentemente se referiu em seus escritos. Gostaria de comentar sobre esse processo de individuação, como é que todos esses fatores convergem para um todo... uma totalidade? Dr. Jung: Isso é muito simples, como o senhor sabe. Pegue uma glande, coloque-a na terra e veja como ela cresce e se converte num carvalho. Isso é o homem. O homem desenvolve-se a partir de um ovo, até se converter num ser completo, o homem total; é uma lei interna. Dr. Evans: Quer dizer que, na sua opinião, o desenvolvimento psíquico é, em muitos aspectos, como o desenvolvimento biológico. 105

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Jung: O desenvolvimento psíquico realiza-se independentemente do mundo; é alguma outra coisa ou talvez uma opinião. É um fato que as pessoas desenvolvem-se psiquicamente segundo os mesmos princípios do desenvolvimento do corpo. Por que havíamos de supor que é um princípio diferente? É realmente a mesma espécie de comportamento evolucionário que se observa no corpo. Consideremos, por um instante, aqueles animais que têm características anatômicas especialmente diferenciadas, como as dos dentes ou coisa semelhante. Pois bem, eles possuem um comportamento mental que está de acordo com esses órgãos. Dr. Evans: Assim, em sua opinião, não há necessidade alguma de recorrer a outros tipos de idéias, outros tipos de teorias, para explicar o desenvolvimento. A lei biológica fundamental ainda é... Dr. Jung: A psique não é algo diferente do resto do ser vivo. É o aspecto psicológico do ser vivo. É até o aspecto psíquico da matéria. É uma qualidade. 106

PARTE V ALGUMAS REAÇÕES CONCERNENTES A TESTES PSICOLÓGICOS, PSICOTERAPIA, TELEPATIA MENTAL E OUTRAS INTROVISÕES PESSOAIS Nestas entrevistas, Jung descreve os seus esforços pioneiros na área dos testes projetivos de personalidade, especialmente o seu teste de associação verbal. Reage positivamente ao valor geral dos testes projetivos, embora indique algumas reservas a respeito da originalidade de Hermann Rorschach. Ao abordar o seu trabalho com pacientes, discute com certo detalhe o valor do sonho e do material de fantasia para o processo terapêutico. O leitor estará interessado no vigoroso ponto de vista de Jung a respeito da telepatia mental e na sua reação bastante favorável à obra de J. B. Rhine, a esse respeito. Ele tenta analisar a sua própria e complexa contribuição para a compreensão desse campo, apresentando o seu conceito de ”sincronicidade”. A reação de Jung às teorias da Medicina Psicossomática e uso de tranqüilizantes reflete as suas reservas sobre o progresso realmente feito pela Medicina e Psicologia americanas. Cita o seu trabalho com pacientes tuberculosos, realizado há cinqüenta anos, como prova da sua compreensão de Medicina Psicossomática, assinalando, por exemplo, como os psicólogos americanos têm sido lentos na aceitação de tal ponto de vista. Também de invulgar interesse para o leitor, nesta seção, são os comentários de Jung sobre o seu contato com Einstein e Toynbee, asszm como os seus pontos de vista a respeito da importância relativa da Estatística e do conhecimento dos estudos literários para o estudante que se inicia no estudo de Psicologia.

8 Jung sobre as Práticas de Diagnóstico e de Terapia Dr. Evans: Nós, psicólogos americanos, recorremos freqüentemente a testes, utilizando os ”testes projetivos”. Como discutimos antes, o senhor certamente desempenhou um destacado papel no desenvolvimento dos testes projetivos, graças ao seu método de associação verbal. Que foi que o levou a desenvolver o Teste de Associação Verbal? Dr. Jung: O senhor se refere ao seu uso prático? Dr. Evans: Sim. Dr. Jung: Bem, é fácil entender que, quando eu era jovem, estava completamente desorientado com os pacientes. Não sabia por onde começar ou o que dizer; e o experimento de associação deu-me acesso ao inconsciente dos pacientes. Aprendi sobre as coisas que não me contavam e adquiri uma profunda introvisão sobre coisas de que não estavam cônscios. Descobri muitas coisas. Dr. Evans: Por outras palavras, a partir dessas respostas associativas, o senhor descobriu complexos ou áreas de bloqueio emocionai no paciente? É claro, a palavra ”complexo”, de que o senhor foi o criador, é agora amplamente utilizada. Dr. Jung: Sim, complexo... foi um dos termos que in troduzi. Dr. Evans: O senhor esperava que, partindo desses complexos ou bloqueios emocionais que estava 109

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG desvendando através do uso do teste de associação verbal, poderia chegar aos materiais no inconsciente pessoal ou no inconsciente coletivo? Dr. Jung: No começo, não estava em questão o inconsciente coletivo ou coisa parecida. Tratava-se, principalmente, de complexos pessoais comuns. Dr. Evans: Entendo. O senhor não esperava alcançar tamanha profundidade. Dr. Jung: Entre centenas de associações complexas, podia aparecer um elemento arquetípico, mas não se destacava de forma particular. A questão não é essa. Sabe, é como o Rorschach, uma orientação superficial. Dr. Evans: Creio que o senhor conheceu Hermann Rorschach, não é verdade? Dr. Jung: Não. Ele evitou-me o máximo possível. Dr. Evans: Mas não o conheceu pessoalmente? Dr. Jung: Não. Nunca o vi. Dr. Evans: Nos termos usados por Rorschach, ”introtensivo” e ”extrotensivo”, ele estava refletindo, isso é a minha opinião pessoal, claro, as suas concepções de introversão e extroversão. Dr. Jung: Sim, mas eu era execrado, por ter sido quem primeiro definiu e descreveu esses conceitos; e isso, como o senhor sabe, é algo imperdoável. Eu nunca deveria ter feito semelhante coisa. Dr. Evans: Quer dizer, então, que o senhor nunca teve contatos pessoais com Rorschach? Dr. Jung:.Não, nenhuma relação pessoal. Dr. Evans: O senhor está familiarizado com o teste de Rorschach, que utiliza borrões de tinta? 110

Práticas de diagnóstico e de terapia Dr. Jung: Sim, mas nunca o apliquei, pois também deixei de empregar, subseqüentemente, o meu Teste de Associação verbal. Não era necessario. Aprendi que tinha de aprender pelos exames exatos das reaçoes psíquicas; i isso, creio eu, é um excelente meio. Dr. Evans: mas o senhor recomendaria o uso desses testes projetivos, como o seu Teste de Associação Verbal ou Teste de Rorschach,por outros psiquiatras, psicólogos clínicos e psicanalistas? Dr. Jung: bem, talvez. Para a educação dos psicólogos que pretendem realizar trabalho prático com pessoas, creio que é um excelente meio para aprender como o inconsciente funciona. Dr. Evans: então, o senhor acha que os testes projetivos têm uma função a desempenhar no adestramento de psicólogos? Dr. Jung: Sim, acho que sim. Eles são eminentemente didáticos. Com esses testes, é realmente possível demonstrar a repressão ou o fenômeno amnésico, o modo como as pessoas encobrem as suas emoções etc. Desenrolam-se como uma conversa vulgar, mas os testes fornecem certos princípios e critérios que servem como guias e instrumentos de medição para o que se ouve e observa. É tudo muito interessante. Observamos todas as coisas que podem ser observadas numa conversa com outras pessoas. Por exemplo, durante uma conversa, quando perguntamos a uma pessoa alguma coisa ou começamos a discutir certas coisas, podemos observar determinados detalhes, pequenas hesitações, deslizes de linguagem etc.: todas essas coisas vêm à tona. É, o que que é mais, elas são mensuráveis numa situação experimental. Não creio que esteja superestimando o valor didático dos testes projetivos. Tenho-os em grande apreço nessa capacidade, isto é, na educação dos jovens psicólogos. E, por vezes, é claro, são úteis a qualquer psicólogo. Se tenho um paciente que não quer falar, 111

ENTREVISTAS com CARL, G. JUNG posso submetê-lo a um teste e descobrir uma porção de coisas por esse meio. Por exemplo, foi assim que, certa vez, descobri um homicídio. Dr. Evans: Foi mesmo? Quer contar-nos como isso foi feito? Dr. Jung: Vocês têm nos Estados Unidos o detector de mentiras e isso é como um teste de associação em que trabalhei, em combinação com o fenômeno psicogalvânico. Também realizei numerosas pesquisas com o pneumógrafo, que registra o decréscimo do volume de respiração, sob a influência de um complexo. O senhor sabe que uma das razões da tuberculose é a mamiestação de um complexo. As pessoas têm uma respiração muito artificial, não ventilam mais os ápices pulmonares e contraem tuberculose. Metade dos casos de tuberculose são de origem psíquica. Dr. Evans: Quando trabalha com um paciente, o senhor diria que é essencial que ele recapitule a sua vida passada a fim de o ajudar a tratar a sua neurose atual, como fez o Dr. Freud, ou acha que pode dominar situacionalmente o problema desse paciente, sem voltar atrás e sondar as coisas que aconteceram durante a infância dele? Dr. Jung: Na psicoterapia não existe um único e exclusivo procedimento. O paciente é tratado tal como ele é no presente momento, sem levar em conta as causas e coisas do gênero. Tudo isso é mais ou menos teórico. Por vezes, posso começar logo equacionando o problema. De qualquer modo, há pacientes que sabem tanto sobre a sua própria neurose quanto eu próprio posso saber a esse respeito. Por exemplo, vejamos o caso de um professor de Filosofia, um homem muito inteligente, que imaginava ter câncer. Mostrou-me diversas chapas de raios X que demonstravam a inexistência de câncer. Disse ele: — É claro que não tenho câncer, mas, apesar disso, estou com medo de que pudesse ter. Consultei nume- 112

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA rosos cirurgiões e todos me garantiram que não tenho; e sei que não tenho, mas poderia ter. Está vendo? Isso é o bastante. Um caso como esse pode ser curado de um momento para o outro, assim que a pessoa doente deixa de pensar em tais coisas bobas. Mas isso é justamente o que ela não pode fazer. Num caso desses, eu digo: — Bem, você sabe perfeitamente que acredita numa tolice. Mas por que é que se sente forçado a acreditar em semelhante tolice? Que força o leva a pensar em tal coisa, contra a sua própria e livre vontade? Você sabe que tudo isso é absurdo. É como se o paciente estivesse possuído, como se fosse habitado por um demônio que o faz pensar assim, apesar do fato dele não querer. Então costumo dizer: — Você não tem uma resposta para isso; tampouco tenho uma resposta. O que é que vamos fazer? — E acrescento: — Vejamos, como ponto de partida, o que é que você costuma sonhar, porque um sonho é uma manifestação do lado inconsciente. No caso que estou citando, o nosso filósofo jamais ouvira falar do lado inconsciente, de modo que tive de lhe explicar a existência do inconsciente; e tive de lhe explicar também que o sonho é uma manifestação desse inconsciente. Assim, se conseguíssemos analisar o sonho, talvez obtivéssemos uma idéia sobre a natureza daquela força que estava destorcendo o seu pensamentoNum caso como esse, podemos começar logo com a análise dos sonhos e o mesmo é válido para todos os casos que são algo sérios. Note bem que esse não era um caso simples, mas, pelo contrário, bem difícil e sério, apesar da simplicidade da fenomenologia sintomatológica. Em todos os casos, depois de preliminares tais como anotar a história da família, toda a análise médica etc., chegamos sempre a esta interrogação: ”O que e que, no seu inconsciente, provoca distúrbios no que pensa e o impede de pensar normalmente?” Podemos então começar com a observação do inconsciente e com o processo cotidiano de analisar os dados produzidos pelo inconsciente. Depois de ter sido discutido o pri- 113

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG meiro sonho, todo o problema adquire uma nova perspectiva, e ele apresentará outros sonhos, cada um dos quais terá alguma coisa a acrescentar aos dados anteriores, até termos um quadro completo. Agora que temos um quadro completo, se o paciente possuir a necessária energia moral, poderá ser curado. Em última instância, é estritamente uma questão moral, quer um homem aplique o que aprendeu, quer não. Dr. Evans: A sua abordagem íipológica, baseada nos construtos introversão-extroversão, ajudou-o nesse processo analítico? Dr. Jung: Sim. Comprovei, no estudo do ”tipo”, que ele fornece uma certa orientação quanto à natureza pessoal do inconsciente, a qualidade pessoal do inconsciente num dado caso. Se estudamos um extrovertido, verificamos que o seu inconsciente tem uma qualidade introvertida. Isso é porque todas as qualidades extrovertidas são desempenhadas na consciência e as qualidades introvertidas o são no inconsciente; portanto, o inconsciente possui qualidades introvertidas. É claro, a composição inversa é igualmente verdadeira. Esse conhecimento proporcionou-me uma orientação de valor diagnóstico. Ajudou-me a compreender os meus pacientes. Quando observava o seu tipo consciente, podia fazer uma idéia das suas atitudes inconscientes. Ora, o neurótico é tão controlado e influenciado pelo inconsciente quanto pelo consciente, de modo que pode parecer que é um tipo que, na realidade, não é um diagnóstico verdadeiro. Em certos casos, é quase impossível distinguir entre o material consciente e o material inconsciente, porque não podemos afirmar, à primeira vista, qual é qual. Isso me ajudou a compreender mais os pacientes, em termos da ênfase freudiana (baseada no passado), assim como nos termos adlerianos, os quais, como o senhor diz, se interessam mais pela situação atual do paciente. No decorrer dos anos, obtive grande quantidade de material empírico sobre o modo peculiar como interatuam os conteúdos consciente e inconsciente. Pude fazer isso observando os indivíduos que estavam em tra- 114

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA tamento analítico. Há um momento em que se procura integrar os conteúdos inconscientes na consciência; ou colocamos o paciente que está mantendo uma definida atitude consciente em confronto com a atitude inconsciente que se está opondo àquela. Esse processo, evidentemente, perpetua a sua neurose e é como se outra personalidade, do tipo oposto, estivesse influenciando ou perturbando o paciente. Dr. Evans: Portanto, Dr. Jung, o senhor desenvolveu gradualmente, através das suas tipologias, uma espécie de teoria, uma psicologia de opostos, em que o consciente revela as qualidades de um tipo e o inconsciente revela as qualidades do outro tipo num determinado indivíduo. Isso constituiria, pois, um modo muito importante de o ajudar a analisar e compreender o indivíduo. Dr. Jung: Sim, de um ponto de vista prático, isso é muito importante para o diagnóstico. O ponto que eu queria elucidar é que, ao analisar um paciente, cria-se a expressão de experiências típicas durante o processo terapêutico. Existe uma espécie de modo típico em que tem lugar a integração da consciência. O modo corrente é que, através da análise de sonhos, por exemplo, acabamos por nos familiarizar com o conteúdo do inconsciente. Para começar, queremos conhecer todo o material pessoal, subjetivo, a respeito do indivíduo, que espécie de dificuldades o indivíduo encontrou ao adaptar-se às condições do seu ambiente etc. Ora, pode ser regularmente observado que, quando se fala com um indivíduo o teste nos proporciona uma introvisão dos seus interesses, preocupações e emoções íntimos ou, por outras palavras, nos comunica os seus complexos pessoais, colocamo-nos gradualmente, quer queiramos, quer não, numa situação de autoridade. Estamos de posse de todos os itens importantes no desenvolvimento de uma pessoa e convertemo-nos num ponto de referência, visto que estamos lidando com coisas que são muito importantes para a pessoa. Lembro-me, por exemplo, de ter analisado um político americano muito conhecido, o qual me 115

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG contou uma porção de segredos do seu ofício. De súbito, deu um salto e exclamou: — Meu Deus, o que foi que fiz! O senhor podia ganhar um milhão de dólares com o que lhe contei hoje! Eu respondi: — Não estou interessado. Pode dormir em paz que não o trairei. Esquecerei tudo isso em menos de quinze dias. Como vê, este episódio demonstra que as coisas que as pessoas comunicam não são, meramente, fatos indiferentes ou detalhes insignificantes. Quando se toca em algo que é emocionalmente importante, os pacientes expressam-no de moto próprio. Estão investindo no psicanalista grande valor emocional, exatamente como se lhe confiassem uma grande soma de dinheiro ou a administração de seus bens e propriedades; estão inteiramente em nossas mãos. Com freqüência, escuto coisas que poderiam arruinar essas pessoas, arruiná-las profunda e permanentemente, coisas que me dariam, se eu tivesse alguma propensão para a chantagem, um poder ilimitado sobre elas. O senhor pode perceber, é claro, que esse gênero de situação cria relações emocionais com o psicanalista e foi a isso que Freud deu o nome de ”transferência”, um problema central na Psicologia Analítica. É como se essas pessoas nos confiassem toda a sua existência e isso pode exercer efeitos muito peculiares sobre o indivíduo. Ou este nos odeia por isso ou nos ama; mas nunca será indiferente. Assim, é promovida uma espécie de relação emocional entre o paciente e o médico. Quando um paciente discute semelhante material, o seu conteúdo está associado a todas as pessoas importantes na vida desse paciente. Ora, as pessoas mais importantes são, usualmente, o pai e a mãe, quando se remonta à infância de um paciente. De modo geral, os primeiros conflitos e dificuldades são com os pais. Assim, quando um paciente nos confia as suas recordações infantis sobre o pai ou a mãe, ele também vê em nós, no psicanalista, a imagem desse pai ou dessa mãe. Tenho tido numerosos pacientes masculinos que me chamaram ”Mamãe Jung”, porque transferiram para mim a imagem de suas respectivas mães, por muito curioso 116

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA que isso pareça. Mas isso, evidentemente, nada tem a ver com a personalidade do psicanalista. Nesse caso, a personalidade do psicanalista é simplesmente ignorada. Funcionamos agora como se fôssemos a mãe ou o pai... a autoridade central. É a isso que se chama transferência; é uma projeção. Mas Freud não lhe cháma exatamente projeção. Chama-lhe transferência, o que é uma alusão a uma velha e supersticiosa idéia, segundo a qual, se temos uma doença, podemos transferir essa doença para um animal; ou podemos transferir um pecado para um bode expiatório, que o leva para o deserto e o faz desaparecer. Assim, os pacientes transferem-se, na esperança de que eu possa engolir todo aquele material e digeri-lo por eles. Estou in loco parentis e tenho uma grande autoridade. Naturalmente, também sou perseguido pelas correspondentes resistências, por todas as múltiplas reações emocionais que eles têm contra os pais. Assim, é essa a estrutura em que temos de trabaihar na primeira fase da situação analítica, porque o páciente em tais condições não é livre; é um escravo. Depende realmente do médico como um paciente com a barriga aberta na mesa de operações. Está nas mãos do cirurgião, para melhor ou para pior, até que a coisa toda acabe. Isso significa que temos de resolver completamente essa situação, na esperança de que o páciente chegue a uma condição diferente, na qual possa ver que não sou seu pai, nem sua mãe, que sou um ser humano comum. Ora, todos suporiam que tal coisa é possível, que o paciente poderá chegar mais cedo ou mais tarde a essa introvisão, desde que não seja um idiota completo, que poderá enxergar que sou apenas um médico e não a figura emocional de suas fantasias. Contudo, é muito freqüente que isso não ocorra. Tive certa vez um caso que envolvia uma mulher jovem e inteligente, uma estudante de Filosofia que tinha um espírito muito lúcido. Eu acreditaria facilmente que ela era capaz de se aperceber de que eu não era a sua autoridade parental; mas, para minha decepção, ela foi profundamente incapaz de sair dessa falsa crença. Em semelhantes casos, podemos sempre recorrer aos sonhos. Através do consciente, ela diz: ”É claro, sei 117

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG que o senhor não é meu pai, mas sinto desse jeito. É como se fosse o meu pai; dependo inteiramente do senhor.” Então eu digo: ”Bem, veremos agora o que o inconsciente diz.” A partir desse ponto, trabalhamos arduamente na análise dos seus sonhos e começo a ver que o inconsciente está produzindo um sonho em que assumo um papel muito curioso. Nos seus sonhos, ela é como uma criança pequena, sentada nos meus joelhos e eu a seguro nos braços. Converti-me num pai muito terno para a menina pequena. Cada vez mais os seus sonhos se tornam empáticos a esse respeito; a saber, tornei-me uma espécie de gigante e ela é uma criaturinha humana muito pequena e frágil, que se entrega confiante nas mãos de um ser descomunal. Ocorre então o sonho final da série. Nesse sonho, eu estava em pleno seio da natureza, no meio de uma seara de trigo, uma enorme seara pronta para a colheita. Eu era um gigante e segurava-a em meus braços como um bebê, enquanto o vento, soprando forte, varria todo o trigal. Ora, como o senhor sabe, quando o vento está soprando numa seara, o trigo ondula; e, ao sabor dessa ondulação, eu balançava, balançava, até que ela adormeceu. Ela sentia estar nos braços de um deus, da ”Deidade”. Pensei: ”Agora que a seara está madura, devo dizer-lhe”, de modo que lhe disse: ”Precisa compreender o que é que quer e está projetando em mim, inconscientemente: você está sentindo, sem ter consciência disso, a influência de uma deidade que não ”possui” o seu consciente; por isso está vendo-a em mim.” Isso foi como que um estalo, porque ela tinha uma educação religiosa bastante intensa, o que a habilitou a compreender. Claro, tudo isso se desvaneceu mais tarde e algo desapareceu do seu mundo. O mundo tornou-se meramente pessoal para ela e uma questão de consciência imediata. Aquela concepção religiosa do mundo deixou de existir para ela, evidentemente. Isso faz sentido, é claro, porque a idéia de uma deidade não é uma idéia intelectual. É um arquétipo, uma idéia arquetípíca, que se apossa do nosso inconsciente; e logo que ela pôde compreender isso conscientemente, o arquétipo deixou de poder controlá-la. 118

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA Com esse ou outro nome, encontramos praticamente em toda parte esse gênero de imagem arquetípica. Mesmo quando se manifesta na forma de ”maná”, possui um extraordinário efeito ou qualidade onipotente; não interessa se é pessoal ou não. No caso dessa moça, ela tornou-se subitamente cônscia de uma imagem inteiramente paga, uma imagem que promanava diretamente do arquétipo. Ela não tinha idéia de um Deus cristão, ou de um Jeová do Antigo Testamento, mas de um Deus pagão — um Deus da Natureza, um Deus da Vegetação. Ele era o próprio trigo. Era o espírito do trigo, o espírito do vento; e ela estava nos braços desse Pneuma. Eis a experiência viva, existencial, de um arquétipo. Quando a moça acabou por Compreender o que lhe estava acontecendo, isso causou uma tremenda impressão nela. Viu o que realmente lhe estava fazendo falta, aquele valor ausente que estava projetando em mim, fazendo com que eu lhe fosse indispensável. Depois, apercebeu-se de que eu não era indispensável, porque, como diz o sonho, ela está nos braços da idéia arquetípica. Isso é uma experiência de ordem pnêumica e o que as pessoas procuram, uma experiência arquetípica que é, em si mesma, um valor incorruptível. Enquanto não tiverem essa experiência e a entenderem, dependem de outras condições; dependem de seus desejos, de suas ambições. Dependem de outras pesoas, porque não possuem valores em si mesmas. São apenas racionais e não estão na posse de um tesouro que as tornaria independentes. Ora, quando essa moça pôde ter essa experiência, deixou de ter que depender. O valor passou a ser parte integrante dela própria. Tinha sido libertada e estava agora completa. Na medida em que pôde realizar essa experiência pnêumica, ficou apta e continuará estando apta a desempenhar o seu papel, a seguir o seu caminho — o da sua própria individuação. A glande só pode vir a ser um carvalho, e nunca um burro. A natureza seguirá o seu curso. Um homem ou mulher torna-se aquilo que ele ou ela é desde o princípio. Vi uma quantidade inumerável de tais casos, como aquele que acabei de citar. 119

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Evans: Como é que os sonhos e fantasias do paciente intervém no processo? Dr. Jung: Escrevi um livro sobre esses sonhos, como o senhor sabe; uma introdução à psicologia do inconsciente. * Nessa época, o meu material empírico era principalmente formado pela observação de lunáticos, casos de esquizofrenia, e eu tinha observado que, principalmente no começo de uma doença, dá-se uma invasão de fantasias na vida consciente, fantasias de um gênero inteiramente inesperado e que, para o doente, são sumamente perturbadoras. Ele fica muito confuso com essas idéias e entra numa espécie de pânico, visto que nunca pensara antes em tais coisas. Elas são muito estranhas tanto para ele como para o seu médico. Entretanto, o psicanalista fica igualmente perplexo diante do caráter peculiar dessas fantasias. Alguns dizem: ”Esse homem é louco. É louco por pensar tais coisas; ninguém pensa semelhantes coisas”. E o paciente concorda, o que o lança num estado de ainda mais pânico. Assim, como psicanalista, pensei que a tarefa da Psiquiatria consistia, realmente, em elucidar aquilo que tinha irrompido no consciente, as vozes e os delírios, as falsas crenças. Nesses tempos... refiro-me a quarenta ou cinqüenta anos passados, é bom que se diga... eu não tinha esperança alguma de poder tratar desses casos ou de ser capaz de curá-los, mas tinha uma enorme curiosidade científica, que me fazia querer conhecer a verdadeira natureza dessas coisas. Eu pressentia que esses fenômenos tinham um sistema próprio, que não eram, meramente, um material caótico e deteriorado, porquanto observava grande coerência em todas essas fantasias. Isso me levou a começar a estudar casos de doenças psicogênicas, como a histeria, o sonambulismo e * Jung refere-se a Uber die Psicologie dês Unbewussten. cuja primeira edição data de 1917, com outro título O título acima só foi adotado a partir da 5* edição (1942). Existe uma tradução portuguesa: Acerca da Psicologia do Inconsciente, EdHora Delfos, Lisboa, 1967, trad. de Ingrid Bauner Trindade. (N. do T.) 120

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA outras, em que o conteúdo que fluía do inconsciente se manifestava em condições legíveis e era suscetível de ser interpretado e compreendido. Então, apercebi-me de que, em contraste com os esquizofrênicos, os conteúdos mentais eram elaborados, dramáticos, sugestivos e insínuantes. habilitando a pessoa a construir uma sequnda personalidade. Ora, não é esse o caso da esquizofrenia Nesta, pelo contrário, as fantasias são anárquicas, assistemáticas e caóticas, de modo que é impossível formar uma segunda personalidade. Os casos são de uma natureza extremamente complicada. Eu precisava de um tipo mais simples, ou mais compreensível, para estudar Um velho professor de Psicologia e Filosofia da Universidade de Genebra publicou um caso a respeito de uma moça americana, no qual descreveu as suas fantasias meio poéticas, meio românticas. Publicou esse material sem comentários, dando-o como exemplo de imaginação criadora. Ora, quando li essas fantasias, percebi ser esse, exatamente, o gênero de material de que eu precisava. Eu estava sempre um tanto receoso de falar sobre as minhas experiências pessoais com os pacientes, porque achava que as pessoas poderiam pensar que havia uma excessiva dose de sugestão envolvida; mas, como não tivera participação alguma nesse caso, não poderia ser acusado de ter influenciado a paciente. Foi essa a razão por que analisei essas fantasias. O caso tornou-se objeto de um livro completo, a que dei o título de A Psicologia do Inconsciente. Procedi à sua revisão quarenta anos depois e intitula-se agora Simbolismos de Transformação (16). Em A Psicologia do Inconsciente (16), tentei demonstrar que existe uma espécie de inconsciente que produz, claramente, coisas que são históricas e não pessoais. Nessa época, chamei-lhe simplesmente ”o inconsciente”, não fazendo qualquer distinção entre os dois tipos envolvidos. Utilizando as fantasias da moça americana, tentei, pela primeira vez, apresentar um quadro do funcionamento do inconsciente, um funcionamento que apontava para certas conclusões, quanto à natureza do inconsciente. Escrever esse livro custou-me a minha amizade com Freud, porque ele não pôde aceitá-lo. Para Freud, o in- 121

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG consciente era um produto do consciente; o inconsciente continha, meramente, os resíduos da consciência; quer dizer, ele via o inconsciente como uma espécie de porão onde eram empilhadas e deixadas todas as coisas que eram rejeitadas ou descartadas da consciência. Por outras palavras, aceitei a existência do inconsciente como um fato real, um fator autônomo que era capaz de ação independente. Na minha opinião, isso era um problema psicológico de primeiríssima ordem e dediquei-me furiosamente a pensar nele, visto que toda a Filosofia, mesmo até hoje, ainda não reconheceu o fato de que temos um contrafator em nosso inconsciente. Ainda não foi reconhecido que existem em nossa psique dois fatores, dois fatores independentes, um representado pelo consciente e o outro, igualmente importante, representado pelo inconsciente. E o inconsciente pode interferir no consciente toda e qualquer vez que lhe apeteça. Então eu disse para mim próprio: ”Isso é muito incômodo. Acredito que sou o único dono em minha casa, mas, na realidade, tenho de admitir que existe outro dono, alguém que na minha casa é capaz de me pregar peças.” Tenho de lidar diariamente com pacientes que são as infelizes vítimas dessa interferência. Recordo, por exemplo, um caso que envolvia um jovem, um moço muito racional. Ele tinha uma porção de problemas pessoais, mas, finalmente, ampliaram-se de tal forma que o jovem viu-se envolvido em relações muito desagradáveis com todas as pessoas que o cercavam. Era um membro da sociedade, mas estava nas piores telações com as outras pessoas da sociedade. Realmente, era uma situação muito chocante e constrangedora. Ele começou a ter sonhos coletivos que me relatava. De súbito, sonhou coisas em que nunca pensara a vida inteira, motivos mitológicos, e pensou que estava ficando louco, pois era incapaz de compreender o que lhe acontecia. Era como se o mundo se tivesse repentinamente transformado. Observamos esse mesmo processo num caso de esquizofrenia, mas, no tocante a esse paciente, não se tratava de esquizofrenia. No seu caso, os sonhos coletivos estavam expressando os temas ou padrões mitológicos que havia no seu inconsciente. 122

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA Há numerosos exemplos disso nos sonhos coletivos que publiquei. Para deixar este ponto bem claro, vou contar uma longa história. O senhor poderá então ver como o sonho coletivo se ajusta a casos como o que citei acima. Já mencionei o caso de uma jovem intuitiva que, de súbito, declarou ter uma cobra preta na barriga. Bom, isso é um exemplo de um símbolo coletivo. Não é uma fantasia individual; é uma fantasia coletiva. Essa fantasia é muito conhecida na Índia. Ora, no começo, até pensei que ela pudesse estar louca, visto que, por todas as considerações de ordem externa, ela não tinha mais ligações com a índia do que eu. Mas, é claro, todos nós somos semelhantes em, pelo menos, um aspecto: todos somos humanos. Essa moça era intuitiva e estava orientada para um modo ”integral” de pensar, isto é, pensava sempre num contexto de totalidade ou integralidade, um modo de pensar que é conhecido e característico na Índia. Constitui a base de todo um sistema filosófico, o tantarismo, e esse sistema tem como seu símbolo Kucariní, a serpente. Isso só é conhecido de alguns especialistas; de um modo geral, desconhece-se que temos uma serpente no abdome. bom, isso é um sonho coletivo ou uma fantasia coletiva. Dr. Evans: Quando o indivíduo avança, dia a dia, ao longo da vida, é possível que as coisas que o perturbam e lhe causam tensão o levem à repressão? Dr. Jung: Ele não reprime sempre de um modo consciente. Essas coisas desaparecem, e Freud explica isso através da repressão ativa. Mas podemos provar que essas coisas nunca foram antes conscientes. Simplesmente, elas não aparecem, e não sabemos por que é que não aparecem. É claro, quando se manifestam mais tarde, é possível dar a explicação de que não apareceram antes porque estavam em discordância ou eram incompatíveis com as concepções e atitudes conscientes do paciente. Mas é depois que podemos dizer isso; não fomos capazes de prevê-lo. Assim, como vê, essas coisas que têm uma certa carga emocional são parcialmente autônomas. Podem aparecer ou não aparecer. Podem desaparecer quando 123

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG desejam, não pela vontade do sujeito, mas delas próprias; e também podemos reprimi-las. O mesmo ocorre com as projeções. Por exemplo, as pessoas dizem: ”Fulano faz projeções”. Isso é absurdo. Ninguém faz projeções; encontra-as. Elas já estão aí, já existem no inconsciente. Tudo o que se pode fazer é descobri las. E assim, esses desaparecimentos, ou as chamadas repressões, são como as projeções. Sem que tenhamos interferência alciuma nisso, elas já estão no inconsciente e dele fazem parte. Há casos, certamente, em que o consciente intervém, mas posso afirmar que a grande maioria dos casos é inconsciente. Esse foi, aliás o meu primeiro ponto de divergência com Freud. Eu tinha visto nos experimentos de associação que certos complexos não são reprimidos, em absoluto. Simplesmente, não aparecem. Isso é porque o inconsciente é real; é uma entidade; funciona por si mesmo; é autônomo. Dr. Evans: Assim, num certo sentido, considerando os chamados mecanismos de defesa, projeção, racionalização etc., o senhor diverge do ponto de vista psicanalítico ortodoxo, na medida em que não aceita que eles se desenvolvam como um meio de proteger o Ego. Pelo contrário, o senhor diria que eles já estão af como manifestações de padrões que já se encontram presentes no inconsciente. Dr. Jung: Exato. Veja, por exemplo, o caso da serpente. Isso nunca tinha sido reprimido, pois que, caso contrário, teria sido consciente para a moça. Mas, pelo contrário, era inconsciente nela e somente apareceu em suas fantasias. Surgiu espontaneamente. Ela ignorava como isso tinha aparecido. Ela dizia: ”Bem, eu a vi.” Dr. Evans: Alguns psicanalistas ortodoxos teriam dito: ”Isso é um símbolo fálico.” Dr. Jung: Cada um pode dizer o que muito bem quiser. Um poderá dizer que o campanário de uma igreja é um símbolo fálico, mas, nesse caso, quando alguém sonha com um pênis, isso é símbolo de quê? O 124

PRÁTICAS DE DIAGNÓSTICO E DE TERAPIA senhor sabe o que disse um dos ortodoxos um dos psicanalistas da velha guarda? A explicação dele para essa pergunta foi que, nesse caso, a censura não funcionou. O senhor chama a isso uma explicação científica? 125

9 Jung sobre os Problemas Psicológicos Contemporâneos Dr. Evans: O senhor está certamente familiarizado com a obra do Dr. J. B. Rhine, da Universidade Duke. Uma parte do seu trabalho sobre percepção extra-sensorial e clarividência, ou telepatia mental, parece-se muito com as pesquisas sobre a função intuitiva, uma fase de sua própria obra que já discutimos. Por exemplo, o senhor diria que uma pessoa dotada de clarividência é um tipo intuitivo, dentro do seu quadro de referência? Dr. Jung: É muito provável. Ou pode ser um tipo sensitivo, digamos, um extrovertido sensitivo, o qual é muito influenciado pelo inconsciente. Ele é dotado de uma intuição introvertida no inconsciente. Dr. Evans: Dr. Jung, o senhor fala de funções racionais e irracionais, sendo o pensamento e o sentimento racionais, a percepção e a intuição irracionais. Importar-se-ia de explicar mais detalhadamente essa concepção? ” Dr. Jung: Como o senhor disse, há dois grupos: o grupo racional e o grupo irracional. O primeiro consiste em duas funções, pensar e sentir. O ideal do pensamento é um resultado racional e o ideal do sentimento também é um resultado racional. Defendem valores racionais. A isso chamo o pensamento diferenciado. O grupo irracional é composto de sensação, isto é, a percepção sensorial, e a intuição. A sensação funciona de tal modo que não pode prejudicar os fatos; não prejudicará os fatos. Para o tipo sensitivo, a per- 126 ’

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS cepção ideal consiste em ter uma percepção aguda das coisas, tal como são, sem adições ou correções. Por outro lado, a intuição não vê as coisas como são. Isso é vedado à intuição. Esta vê rápida e superficialmente as coisas, tal como são, e trata logo, por um processo inconsciente, de enxergar coisas que ninguém mais verá. Dr. Evans: Assim, em termos da pessoa que é clarividente... Dr. Jung: Aquelas pessoas que obtêm os melhores resultados são sempre as introvertidas, em que a intuição introvertida intervém. Mas isso é um aspecto subsidiário que não se reveste de grande interesse. A outra questão é muito mais interessante, no que diz respeito aos termos que eles usam. O próprio Rhine os emprega: reconhecimento, telepatia etc. Eles nada significam. São palavras, mas ele julga que disse alguma coisa quando diz ”telepatia”. Dr. Evans: A palavra, em si, não é uma descrição do processo. Dr. Jung: Nada significa, absolutamente nada. Dr. Evans: Naturalmente, muitas coisas que o senhor esteve descrevendo são, na opinião de alguns cientistas, devidas ao acaso, a ocorrências fortuitas e fatores ocasionais. Eles insistem nisso e, em sua própria obra, Rhine usou os métodos da análise estatística de probabilidades. Relata ele, em seus estudos, que essas ocorrências se registram mais freqüentemente do que se poderia esperar como efeito do acaso. Dr. Jung: Bem, ele prova que é mais do que o acaso; prova que é estatisticamente plausível. Esse é o ponto importante que não pôde ser contraditado. Alguns trabalhos experimentais realizados na Inglaterra resultaram na acusação: ”Oh, Rhine, isso não passa de conjetura.” E é exatamente verdadeiro; é apenas conjetura. Entretanto, uma intuição é uma conjetura, mas uma conjetura definida. Tudo isso, realmente, nada quer dizer. 127

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG O ponto é que há mais do que uma mera probabilidade; está para além do acaso. Esse é que é o ponto essencial. Mas, como o senhor sabe, as pessoas detestam os problemas que não podem tratar concretamente. De fato, o próprio Rhme não entende com que freqüência os fenômenos extra-sensoriais realmente ocorrem, porque isso é uma revelação proibida nesses recintos sagrados, uma revelação de tempo e espaço através da psique. Esse é o fato; foi o que Rhme tornou evidente, mas fazer com que os cientistas digam: ”Essa eu engulo”, aí é que está a dificuldade. Dr. Evans: Poderíamos avançar um pouco mais, a propósito de algumas de suas obras recentes nessa área, que muitos consideram extremamente profundas, mas não são muito conhecidas entre a maioria dos nossos estudantes. Dr. Jung: Claro que não. No grande público, ninguém lê realmente essas coisas. Mas pelo menos meus livros são vendidos. Dr. Evans: Para ser mais específico, estou-me referindo a um conceito, a smcronicidade, que o senhor já discutiu e que me parece ser pertinente neste ponto da nossa conversa. Importar-se-ia de discorrer sobre a sincronicidade? Dr. Jung: Isso é terrivelmente complicado. Nem sei por onde começar. É claro, essa maneira de pensar principiou há muito tempo e, quando Rhine divulgou os seus resultados, eu pensei: ”Agora temos, pelo menos, uma base razoavelmente fidedigna para discussão.” Mas a discussão não foi compreendida porque é, realmente, muito difícil. Quando observamos o inconsciente, encontramos numerosos casos que apresentam um tipo muito especial de eventos paralelos. Por exemplo, tenho um certo pensamento sobre um determinado assunto definido que ocupa a minha atenção e o meu interesse; e, ao mesmo tempo, outra coisa acontece, de modo inteiramente independente, que retrata com exatidão esse pensamento. 128

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS Isso é um rematado absurdo, se o encararmos de um ponto de vista causal. Entretanto, que existe algo mais que não é inteiramente absurdo foi evidenciado pelos resultados dos experimentos de Rhine. Existe uma probabilidade; não é apenas por acaso que tal coisa ocorre. Nunca fiz experimentos estatísticos semelhantes aos de Rhine, exceto uma vez. Realizei-o com outra finalidade. Mas deparei com numerosos casos em que era verdadeiramente surpreendente descobrir que duas cadeias causais aconteciam ao mesmo tempo, mas independentes uma da outra, de tal modo que poderia ser afirmado que não tinham qualquer relação mútua. É realmente muito claro. Por exemplo, falo de um carro vermelho e, no mesmo momento, um carro vermelho aparece aqui. Ora, eu não tinha visto o carro vermelho porque era impossível; ele estava tapado por um edifício até ao momento em que, de súbito, apareceu. Ora, muitos diriam que isso é um exemplo de mero acaso, mas o experimento de Rhine prova que esses casos não são fortuitos. Ora, seria supersticioso e falso dizer: ”Este carro apareceu aqui porque foram feitos alguns comentários a respeito de um carro vermelho; o carro vermelho apa receu por milagre.” Ora, não se trata de milagre; é apenas acaso... mas esses acasos acontecem mais freqüentemente do que o acaso permite. Isso mostra que há alguma coisa por trás disso. Rhine dispõe de todo um instituto, muitos colaboradores, e não lhe faltam recursos. Não dispomos aqui dos meios para fazer tais experimentos; caso contrário, é provável que os fizéssemos. Aqui é fisicamente impossível, de modo que tenho de me contentar com a observação de fatos! Dr. Evans: Uma área interessante que está sendo muito discutida nos Estados Unidos, hoje em dia, e estou certo de que também será de seu interesse, diz respeito à Medicina Psicossomática, uma área que investiga como os componentes emocionais da personalidade podem afetar as funções do corpo. 129

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Jung: A título de exemplo disso, vi muitas e surpreendentes curas de tuberculose — tuberculoses crônica — efetuadas por psicanalistas; as pessoas aprendem de novo a respirar. A compreensão da natureza dos seus complexos foi o que ajudou essas pessoas. Dr. Evans: Quando foi que começou a se interessar pelos fatores psíquicos da tuberculose? Há muitos anos? Dr. Jung:: Para começar, eu era um psicanalista; era natural que estivesse sempre interessado. Talvez também pelo fato de compreender tão pouco esses fatores ou, o que é mais importante, ter percebido que intendia tão pouco. Dr. Evans: Para ampliar a minha pergunta anterior, estamos ficando agora cada vez mais interessados, nos Estados Unidos, em averiguar como os fatores, emocionais, inconscientes, da personalidade podem ter realmente, um efeito sobre o corpo. É claro, o exemplo clássico na literatura é a úlcera gástrica. Acredita-se que é um caso em que os fatores emocionais criaram realmente, uma patologia. Éssas idéias estenderam-se a muitas outras áreas. Acha-se; por exemplo, que onde já existe uma patologia esses fatores emocionais podem intensificá-la. Ou, por vezes há sintomas ou temores a respeito de uma doença, sem que exista uma verdadeira patologia, como nos casos de histeria ou hipocondria. Por exemplo, muitos médicos na América dizem que 60 a 70% dos seus pacientes não têm realmente qualquer anomalia somática, cientes (O contrário, sofrem de perturbações de origem psicossomática. Dr. Jung: Sim, isso é muito conhecido... há mais de cinqüenta anos. A questão é como curá-los. Dr. Evans: Falando de tais distúrbios psicossomáticos, como exemplo, as suas experiências e estudo sobre a tuberculose, o senhor tem alguma idéia 130

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS a respeito do que pode levar um paciente a selecionar esse tipo de sintomas? Dr. Jung: Ele não seleciona os sintomas; estes acontecem-lhe. Seria o mesmo que perguntar a alguém que está sendo devorado por um jacaré: ”Por que foi que você escolheu esse jacaré?” É absurdo, foi o jacaré quem escolheu a sua vítima. Dr. Evans: É claro, ”escolher” refere-se, nesse sentido, a um processo inconsciente. Dr. Jung: Não, nem mesmo inconscientemente. É um extraordinário exagero da importância do sujeito dizer que ele estava escolhendo tais coisas. Elas acontecem-lhe. Dr. Evans: Talvez uma das sugestões mais radicais, na área da Medicina Psicossomática, tenha sido a de que algumas formas de câncer podem ter componentes psicossomáticos como fatores causais. Isso o surpreende? Dr. Jung: Não, em absoluto. Sei disso há muito tempo. Há cinqüenta anos já lidávamos com casos desses: úlcera gástrica, tuberculose, artrite crônica, doenças de pele. Sob certas condições, são todos psicogênicos. Dr. Evans: Mesmo o câncer? Dr. Jung: Bem, eu não poderia jurar, mas o certo é que tenho visto casos em que pensei ou fiquei réfletindo se não haveria uma razão psicogênica para essa doença. Ela surgiu de um modo bastante conveniente. Muitas coisas podem ser descobertas a respeito do câncer, tenho a certeza. Sempre nos perguntamos como tratá-lo, pois qualquer doença possível tem sempre um acompanhamento psicológico. Tudo depende... talvez ; a própria vida dependa... de tratarmos um paciente, psicologicamente, da maneira adequada ou não. Isso 131

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG pode ajudar imensamente, mesmo que não possamos provar que a doença é, em si mesma, psicogênica. Num dado momento, a pessoa pode ter uma doença infecciosa, isto é, um achaque ou crise de natureza física, por ser particularmente vulnerável a infecções... ou talvez, por vezes, por causa de uma atitude psicológica. A angina é uma doença psicológica típica; entretanto, não é psicológica em suas conseqüências físicas. É apenas uma intecção. Então, o senhor perguntará: ”E o que é que, nesse caso, a Psicologia tem a ver com isso?” Porque talvez tenha sido um determinado momento psicológico que permitiu à infecção que se desenvolvesse. Quando a doença se instalou, vieram as febres e se formou um abscesso, não se pode curá-la pela Psicologia. Mas é muito possível que se possa evitá-la mediante uma ^atitude psicológica apropriada, Dr. Evans: Quer dizer, portanto, que todo esse interesse atual pela Medicina Psicossomática é história antiga para o senhor, Dr. Jung? Dr. Jung: Tudo isso já é conhecido aqui há muito tempo. Dr. Evans: E não esta surpreendido, em absoluto, pelos novos avanços... Dr. Jung: Não. Por exemplo, temos o aspecto tóxico da esquizofrenia. Publiquei um trabalho a esse respeito há cinqüenta anos... justamente há cinqüenta anos... e agora todo mundo o descobre. Vocês estão muito adiantados, na América, em assuntos tecnológicos, mas em questões psicológicas estão cinqüenta anos atrasados. Simplesmente, não entendem; é um fato. Não pretendo figurar numa declaração geral de reabilitação, mas, simplesmente, vocês ainda não estão cônscios da realidade. Existem muitas mais coisas, sobre as quais as pessoas não fazem sequer uma idéia. Conteilhe o caso daquele teólogo que nem sabia o que era o inconsciente; ele supunha que era uma aparição. Todos os que dizem que sou um místico não passam de idiotas. Eles não compreendem, simplesmente, a primeira palavra da Psicologia. 132

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS Dr. Evans: Nada há de místico, certamente, nas declarações que o senhor- acaba de fazer. Para dar prosseguimento à nossa conversa outro desenvolvimento que se enquadra em toda esta discussão sobre Medicina Psicossomática é o uso de drogas para tratar de problemas psicológicos. Historicanente, é claro drogas têm sido usadas por muitta gente para tentar esquecer suas dificuldades, aliviar dores etc. Contudo, um desenvolvimento específico foi o das chamadas drogas tranqüilizantes que não viciam. Tais drogas ganharam destaque na França com a clorpromazina. Seguiram-se drogas tais como a reserpina-serpentina e uma grande variedade de sedativos e tranqüilizantes mais modernos, conhecidos por nomes comerciais Como Valium, Equinal etc. Estão sendo atualmente ministrados livremente aos pacientes pelos clínicos gerais e nos hospitais. Por outras palavras, não só os tranqüilizantes mais são ministrados a pacientes mentalmente enfermos, como os esquizofrênicos, mas hoje, em grande escala, essas drogas estão sendo fornecidas quase tão livremente .e quanto a aspirina para reduzir tensões cotidianas. Dr. Jung: Essa prática é muito perigosa. Dr. Evans: Porque a considera perigosa? Supõe-se que essas drogas não viciarn. Dr. Jung: É idêntica à compulsão causada pela morfina e a heroína. Converte-se num hábito. A Pessoa não sabe o que faz quando usa tais drogas.; É como o abuso de narcóticos. Dr. Evans: Mas o argumento é que elas não se transformam em hábito; não criam uma dependência fisiológica. Dr. Jung: Oh, sim, isso é o que dizem. Dr. Evans: Mas o senhor acha que, psicologicamente elas viciam, apesar de tudo? Dr. Jung: Acredito que sim. Por exemplo, há muitas drogas que não se transformam em háb’tos, 133

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG o gênero de hábitos criado pela morfina; no entanto, tornam-se uma espécie diferente de hábito, um hábito físico, e este é tão nocivo quanto qualquer outro. Dr. Evans: O senhor teve realmente quaisquer pacientes ou manteve contato com indivíduos que tomassem essas drogas, os tranqüilizantes? Dr. Jung: Não posso dizer. Entre nós, por enquanto, ainda há muito pouco disso. Na América, abundam todos esses pós e comprimidos. Felizmente, ainda não chegamos aqui a esse ponto. A vida americana é, de uma forma sutil, tão desequilibrada e tão desenraizada, que vocês precisam ter alguma coisa com que compensar as carências na verdadeira natureza do homem. Têm de apaziguar o inconsciente o tempo todo, porque ele está no mais completo tumulto, na mais profunda desordem. A mais ligeira provocação, vocês têm logo uma grande rebelião moral na América. Vejam a rebelião da juventude de hoje, na América, e a rebelião sexual, e tudo o mais a que assistimos. Essas revoltas ocorrem porque o homem real, o homem natural, está em rebelião aberta contra a forma profundamente desumana da vida americana. De certo modo, os americanos estão completamente divorciados da natureza, e isso explica o abuso de drogas. Dr. Evans: Mas o que nos diz sobre o tratamento de Indivíduos portadores de grave doença mental? Temos o problema dos pacientes psicóticos hospitalizados. Por exemplo, certos esquizofrênicos são de tal modo retraídos, ensimesmados, que ó virtualmente impossível fnteratuar com eles em bases psicoterápicas; por isso é que, em muitos hospitais dos Estados Unidos, têm sido empregadas drogas como a clorpromazina, a fim de tornar esses pacientes mais acessíveis à psicoterapia. Não creio que a maioria dos nossos méd’cos e psicoterapeutas acredite que as drogas, por si mesmas, curem os pacientes, mas, pelo menos, fazem com que os pacientes se tornem mais acessíveis a uma psicoterapia. 134

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS Dr. Jung: Sim, a única questão é se tal acessibilidade é algo real ou apenas foi induzida pela droga. Estou certo de que qualquer espécie de tratamento sugestivo terá efeito, porque essas pessoas tornam-se, simplesmente, sugestionáveis. Qualquer droga ou choque causado na mente faz baixar a capacidade de resistência, tornando essas pessoas acessíveis à sugestão. Portanto, é claro, elas poderão ser conduzidas, poderão ser levadas a fazer o que se quiser, mas não é um resultado muito satisfatório. Dr. Evans: Para mudar de assunto, por um momento, Professor Jung. Sei que os nossos estudantes estão interessados em sua opinião sobre a formação e o adestramento que um psicólogo, uma pessoa que quer estudar o indivíduo, deve ter. Por exemplo, há os que afirmam que ele deve ser treinado, principalmente, como um rigoroso cientista, dominando instrumentos tais como a estatística e a construção de modelos experimentais. Entretanto, outros acham que o estudo das Humanidades também é importante para o estudante que quer estudar o indivíduo. Dr. Jung: Bem, é claro, quando se estuda Psicologia Humana, é impossível deixar de perceber que a psicologia do tiomem não consiste apenas nas ramificações do instinto em seu- comportamento. Há outras determinantes, muitas outras, e o estudo do homem somente^ através do seu aspecto biológico é, de longe, insuficiente. Para compreender a Psicologia Humana é absolutamente necessário que se estude também o homem em seu ambiente social e geral. Teremos de considerar, por exemplo, o fato de que existem diferentes espécies de sociedades, diferentes espécies de nações, diferentes tradições; e, no interesse dessa finalidade, é indispensável que se trate o problema da psique humana de muitos ângulos. Cada um é, naturalmente, uma tarefa considerável. Assim, depois dos meus experimentos de associação, quando me apercebi de que existia, obviamente, um inconsciente, a interrogação seguinte foi: ”bom, e agora o que é esse inconsciente? Consiste meramente 135

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG nos resíduos de atividades conscientes ou existem coisas que são eternamente inconscientes? Por outras palavras, o inconsciente é um fator em si mesmo?” E logo cheguei à conclusão de que o inconsciente deve ser um fator em si mesmo. Observei repetidamente, quando explorava os sonhos de pessoas ou as fantasias e delírios de pacientes esquizofrênicos, que eles continham motivos que não podiam, de forma alguma, ter sido adquiridos em seu meio ambiente. Isso, é claro, depende da convicção de que a criança não nasce como tabula rasa, mas, pelo contrário, como uma combinação definida de genes; e, embora os genes pareçam conter, principalmente, fatores dinâmicos e predisposições para certos tipos de comportamento, eles têm também uma tremenda importância para a organização da psique. Pelo menos, tal como essa organização se manifesta. Antes de podermos ver a psique, é impossível estudá-la, mas, uma vez que se manifeste, podemos ver que possui certas qualidades e um determinado caráter. Ora, a explicação disso deve, necessariamente, depender de elementos inatos na criança; os fatores determinantes do comportamento humano nascem com a criança e condicionam o seu desenvolvimento subseqüente. Ora, isso é um aspecto do quadro. O outro aspecto do quadro é que o Indivíduo vive em relação constante com outros indivíduos, em certos meios definidos que Influenciarão a combinação inata de qualidades. E isso constitui também um fator muito complicado, porque as influências do ambiente não são meramente pessoais. Existem numerosos fatores objetivos. As condições sociais, de um modo geral, leis, crenças, maneiras de encarar as coisas, de tratar das coisas; nada disso tem um caráter arbitrário. São fatores históricos. Existem razões históricas para que as coisas sejam como são. Existem razões históricas para as Qualidades da psique e a história da evolução do homem em eras passadas mostra, como uma combinação, que a verdadeira compreensão da psique deve consistir na elucidação da história da raça humana — a história mental por exemplo, tanto auanto os dados puramente biológicos. Quando escrevi o meu primeiro livro sobre a psicologia do inconsciente, eu já tinha for- 136

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS mado uma certa idéia quanto à natureza do inconsciente. Para mim, era então o remanescente vivo da história original do homem, do homem vivendo em seu meio. É um quadro deveras complicado. Assim, como vê, o homem não está completo quando vive num mundo de verdade estatística. Ele deve viver num mundo em que a ”totalidade” do homem, a sua história inteira, é o que constitui o interesse fundamental; e essa totalidade não nos é dada por meras estatísticas. É a expressão do que o homem realmente é e do que sente ser. O cientista está sempre procurando uma média. A nossa ciência natural converte tudo em média, reduz tudo a média; contudo, a verdade é que os portadores da vida são indivíduos, não números ou quantidades médias. Quando tudo é estatístico, todas as qualidades humanas são varridas e isso, evidentemente, é muito inconveniente. De fato, é anti-higiênico, porque, se varrermos a mitologia de um homem, toda a sua seqüência histórica, eie converte-se numa média estatística, num número; isto é, reduz-se a nada. Fica privado do seu valor específico, da experiência do seu próprio e singular valor. O problema é que, segundo parece, ninguém entende essas coisas. Acho muito estranho que ninguém veja o que uma educação sem Humanidades está fazendo ao homem. Ele perde suas ligações com a família, as suas ligações com todo o passado — todo o tronco, a tribo — aquele passado em que o homem sempre viveu. Hoje, acredita-se que nascemos tabula rasa, sem uma história, mas o homem sempre viveu no mito. Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasce cada dia. Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas. Se um indivíduo cresce sem ligação alguma com o passado, é o mesmo que se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. A Ciência Natural poderá dizer: ”Você não precisa de relações com o passado; pode varrê-las”. Mas isso é uma mutilação do ser humano. Ora, observei através da experiência prática que esse tipo de proce- 137

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG dimento tem um efeito terapêutico verdadeiramente extraordinário. Posso contar-lhe um desses casos. Havia uma jovem judia. Seu pai era banqueiro. Ela tinha sido educada mais de acordo com a experiência mundana e o formalismo, carecendo, definitivamente, de qualquer compreensão da tradição. Examinei a sua história mais a fundo e descobri que o avô dela tinha sido um ascético na Galícia. com esse dado, fiquei conhecendo toda a história e explicarei por quê. Essa moça sofria uma fobia, uma terrível fobia, e já estivera sob tratamento psicanalítico, sem qualquer efeito positivo. Ela era realmente flagelada por essa fobia, em estados de grande excitação etc. Observei então que ela tinha bloqueado influências significativas do seu passado. Por exemplo, o fato do avô ser um ascético, ter vivido no mito, era uma das influências que ela bloqueara. O pai também resistira a essa influência ascética. De modo que eu lhe disse, simplesmente: ”Você expulsará os seus temores se compreender, intimamente, o que perdeu ou aquilo a que está resistindo. O seu medo é o medo de influências do passado.” O efeito foi que, numa semana, ela estava curada de tantos anos de ansiedade, porque essa introvisão a traspassou como um raio fulminante. Eu pudera interpretar tão rapidamente a origem do problema porque sabia que ela estava completamente perdida. Ela pensava estar no meio das coisas funcionando bem, quando,” na realidade, estava — em certo sentido — perdida ou transviada. Dr. Evans: Que ensinamentos podemos colher desse notável caso, Dr. Jung? Dr. Jung: Esse caso ilustra que a nossa existência é absurda e incompleta quando somos apenas ”números médios”. Quanto mais fizermos das pessoas números médios, mais estaremos destruindo a nossa sociedade. O estado ”ideal” e o estado ”escravo” é assim que nascem. Se você quiser ser um ”número médio”, vá para a Rússia. Aí será maravilhoso; você pode ser um excelente número. Mas isso paga-se caro; toda a sua vida se converterá num inferno, como no caso da moça. Tenho numerosos casos de uma natureza análoga. 138

10 Introvisões Pessoais, Reminiscências e Experiências com Grandes Figuras Dr. Evans: Quando lemos suas obras, depreende-se que o senhor tem vastos conhecimentos de Ar queologia, Antropologia .. Dr. Jung: Bem, isso é verdade, tanto mais que uma boa parte da minha obra envolve essas disciplinas, mas, em contrapartida, não tenho dons matemáticos o que me prejudica um pouco. Não é possível adquirir um verdadeiro conhecimento ou compreensão da Física Nuclear sem um bom domínio da Matemática, da Matemática Superior. Só possuo uma certa relação com ela no tocante às questões epistemológicas. A Física moderna está, por assim dizer, entrando na esfera do invisível e do intanaível. Na realidade, é um campo de probabilidades o que é exatamente o mesmo que o inconsciente. Discuti freqüentemente isso com o Professor Scherrer. Ele é atualmente um físico nuclear e, para meu espanto descobri que eles têm termos que usamos também na Psicologia. Isso é, simplesmente, uma conseqüência do fato de estarmos ambos entrando numa esfera que é desconhecida. O físico penetra nela de fora e o psicólogo de dentro. Essa é a razão das negociações entabuladas entre a Psicologia e a Matemática Superior. Por exemplo, nós, psicólogos, usamos a expressão ”função transcendente”. Ora, a função transcendente é um conceito matemático, a função de números racionais e imaginários. Mas isso é Matemática Superior, com a qual nada tenho a ver. Mas chegamos à mesma terminologia. 139

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Evans: Quando o senhor falou com o Dr. Einstein, no seu primeiro encontro, ele quis mais ou menos submeter à prova algumas das suas idéias, cotejando-as com as do senhor. É verdade que o senhor, Dr. Jung, lhe fez ver a posbibilidade de que a teoria da relatividade se aplicasse às funções psíquicas? Isso foi discutido pelos dois? Dr. Jung: Bem, o senhor sabe como é quando um homem está tão concentrado em suas próprias idéias quanto o Dr. Einstein; e quando, ainda por cima, ele é um matemático de tamanho gabarito, o senhor pode estar certo de que não será bem recebido. Dr. Evans: Em que ano o senhor fez amizade com Ein stein? Dr. Jung: Eu não diria que éramos propriamente amigos. Fui simplesmente seu anfitrião. Tentei ouvir e compreender, de modo que houve pouca possibilidade de eu inserir algumas de minhas próprias idéias. Dr. Evans: Isso foi depois dele já ter formulado as suas teorias da relatividade ou antes? Dr. Jung: Ele estava justamente trabalhando nelas, em seus primórdios. Era um trabalho deveras interessante. Dr. Evans: Durante os seus encontros com o Professor Toynbee, o senhor interessou-se pelas idéias sobre a História que ele vinha formulando? Dr. Jung: Ah, sim, em particular as suas idéias sobre os ciclos vitais das civilizações e a forma como são governados por formas arquetípicas. Toynbee compreendeu o que entendo por funções históricas dos desenvolvimentos arquetípicos. É uma determinante poderosamente importante de todo o comportamento humano e pode abranger séculos ou milhares de anos. Expressa-se em símbolos, por vezes, símbolos em que jamais pensaríamos. Por exemplo, como o senhor sabe, a Rús- 140

EXPERIÊNCIAS com GRANDES FIGURAS sia, a União Soviética, tem aquele símbolo da estrela vermelha. É uma estrela vermelha de cinco pontas. A América tem uma estrela branca de cinco pontas. São inimigas; não podem combinar-se. Na Idade Média e durante dois mil anos, pelo menos, o vermelho e o branco formavam o par; estavam destinados, em última instância, a casar. Ora, a América é uma espécie de matriarcado, tanto mais que a maior parte do dinheiro está nas mãos de mulheres, e a Rússia é o país do ”paisinho”; é um patriarcado. De modo que são a mãe e o pai. Para usar a terminologia da Idade Média, são a mulher branca, a femina alba, e o escravo vermelho, o servus rubens. Os dois amantes estão brigados. Dr. Evans: Bem, Dr. Jung, o senhor respondeu pacientemente e de uma forma extremamente interessante e espontânea a todas as nossas perguntas, desde os sentimentos a respeito das idéias de Freud às reações à obra de Toynbee. Creio que não devemos abusar mais, desta vez, de sua extrema amabilidade. Espero, contudo, que os nossos estudantes sejam estimulados pelo que o senhor disse para se debruçarem de novo sobre a sua vasta obra. Afinal de contas, é essa a verdadeira finalidade destas entrevistas, postas à disposição dos estudantes: motivá-los para que leiam as obras originais das grandes figuras mundiais que mais contribuíram para a nossa compreensão da personalidade humana. Dr. Jung: Sim as pessoas têm que ler os livros, santo Deus, apesar de serem grossos. Lamento muito. 141

PARTE VI REAÇÕES DE ERNEST JONES A entrevista que se segue com o Dr. Jones fornece uma oportunidade de contraste ímpar entre Jung e Jones, tanto no que diz respeito às suas próprias idéias como em relação às suas respectivas opiniões sobre muitas das formulações teóricas de Freud. O Dr. Jones dedicou grande parte de sua vida à defesa dos pontos de vista de Freud, e a sua última contribuição de vulto, uma biografia de Freud em três volumes, representa um tributo ’maciço a Freud, o homem, assim como a Freud, o intelectual. Como as respostas do Dr. Jones indicam, ao longo da entrevista, ele é contundente, satírico e mostra-se decidido a defender até ao fim o seu mestre contra os seus críticos. O leitor notará, contudo, que, mesmo quando o Dr. Jones respondeu de maneira satírica ou muito veemente, jamais perdeu o seu pedantesco e muito britânico sentido ãe proporção.

Reações de Ernest Jones Dr. Evans: Dr. Jones, uma das questões que creio ser de enorme interesse para muitos dos nossos estudantes de Psicologia na América gravita em torno das suas próprias relações com o movimento psicanalítico. É claro, o senhor já debateu essa questão em outros lugares, mas ouvir pessoalmente, de viva voz, algo sobre o modo cono o senhor se alistou no movimento psicanalítico será sumamente interessante. Dr. Jones: Bem, também considero isso uma questão interessante, porque fui a primeira pessoa, fora dos círculos de Viena e Zurique, a fazê-lo. Por que eu? Bem, suponho que poderia remontar a impressões e estimulações infantis, o que nos levaria muito, muito longe; mas, historicamente falando, o que se passou foi o seguinte: Na minha adolescência, eu estava profundamente interessado, de um modo geral, nos problemas espirituais da religião, da sociologia, do socialismo, da filosofia; e ocorreu-me que a maneira mais fundamental de chegar às bases de todos esses problemas seria o estudo do sistema nervoso, o cérebro. Obviamente, eu estava elaborando num deplorável equívoco, mas, nessa época, ainda o ignorava. De modo que me tornei neurologista e realizei um considerável trabalho em Neuro logia, tendo publicado algumas pesquisas que ainda hoje estão de pé; e, naturalmente, deparei com numerosos pacientes que eram portadores do que hoje em dia se chama sintomas neuróticos. Isso é o que acaba acontecendo a todo e qualquer neurologista. Ele pensa que está estudando algo orgânico e defronta-se com esses casos. Foi assim que o meu interesse se deslocou do lado orgânico para o outro; e comecei a ler e a aprender tudo o que podia. Li toda a literatura francesa a res- 145

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG peito, sobre personalidade múltipla ou sobre aspectos dissociados da personalidade. Havia Janet; havia Breuer e Binet; e não faltavam diversos autores franceses, num período de cerca de cem anos, ocupando se especialmente do uso da hipnose. Bem, até aí, nada de mais: eu próprio estava utilizando a hipnose, tentando explorar e descobrir mais sobre o que se passava nos bastidores. Tornara-se-me evidente que, quando estamos diante de um simples sintoma histérico, existe algo muito mais complicado que não é visível. E era aí que eu queria chegar. Dr. Evans: Portanto, isso não foi muito depois da Interpretação de Sonhos (10), de Freud, ter sido... Dr. Jones: ... ter sido publicada. Mas não foi essa a primeira vez que eu ouvira falar a respeito de Freud. Através dos meus estudos neurológicos, eu já travara conhecimento com a sua obra de neurologia orgânica. Freud já publicara artigos até em revistas inglesas. .. em Brain, uma revista inglesa chamada Brain. Dr. Evans: Quer dizer que os trabalhos neurológicos do Dr. Freud já vinham despertando muita atenção, mesmo antes dele iniciar a sua... Dr. Jones: Oh, sem dúvida! Ele era um dos mais eminentes neurologistas na Europa. Ainda hoje, os seus trabalhos sobre paralisia infantil são livros clássicos na matéria, tal como os que realizou sobre a afasia e outras coisas. Nessa época, Freud era muito conhecido na Inglaterra como um destacado neurologista. Depois, tomei conhecimento de que ele estava realizando outro tipo de trabalho e publicara um caso a que chamou a ”análise de Dora”. Isso foi nos começos de 1905, e fiquei muito impressionado com o que li. Achava uma coisa tão surpreendente que existisse um homem disposto a escutar os seus pacientes... a ouvir o que eles diziam! Eu nunca tinha ouvido falar de alguém que fizesse isso e, realmente, foi essa a característica do seu trabalho que mais me impressionou. De modo, que resolvi começar também a escutar mais detalhadamente os meus pacientes do que antes. 146

REAÇÕES DE ERNEST JONES Dr. Evans: Então, o senhor teve inicialmente conhecimento da existência do Dr. Freud como um colega de Neurologia e só depoi se interessou pela outra fase dos seus trabalhos. Segundo parece, o senhor notara esses fatores psicológicos em seus próprios pacientes, mas aí estava um hornem que Os sondara muito mais profundamente. Foi então que o senhor decidiu ir a Viena, segundo creio. Dr. Jones: Três anos depois. Antes disso, eu estivera estudando no estrangeiro, em Paris e Munique, tanto Neurologia como Psiquiatria. Em Munique trabalhei durante meses com Kraepeiin. Dr. Evans: Quando teve o primeiro encontro com Freud, achou que a sua esperança de que isso desvendaria novos caminhos e novas fontes de compreensão estava sendo rapidamente concretizada? Por outras palavras, em suas primeiras discussões com o Dr. Freud, o senhor ficou convencido de que ^ Psicanálise seria algo, talvez, de interesse permanente? Dr. Jones: Oh, acho que isso aconteceu ainda antes de eu conhecer pessoalmente Freud... sim, foi antes. Conheci o Dr. Jung antes disso e numa época em que ele estava muito entusiasmado com a obra de Freud; e juntamos os nossos entusiasmos... Foi Jung quem me apresentou a Freud, quer dizer, que me apresentou pessoalmente. O encontro teve lugar no Primeiro Congresso Analítico, realizado em Salzburg em abril de 1908. Encontramo-nos aí, e o Dr. Jung apresentoume a Freud. Dr. Evans: Nessa época, o Dr. Adler já fazia parte desse grupo? Dr. Jones: Ah, sim, já fazia. Ele e stekel foram os dois primeiros, creio eu, que seguiram Freud. Desde 1902. Dr. Evans: Aprofundemos um pouco mais os seus sentimentos e opiniões pessoais sobre a obra do 147

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Freud e as suas relações com ele. Quando observamos o que é hoje a Psicologia, a psicanálise e a Psiquiatria, fere-nos a atenção o fato da contribuição do Dr. Freud parecer postular um forte padrão biológico, que ele sugere exercer um tremendo efeito sobre o desenvolvimento inicia! do indivíduo. Esses padrões biológicos, embora sejam modificáveis pelo meio ou a cultura em que o indivíduo vive, continuam, entretanto, orientando em grande parte o comportamento individual. Muito recentemente, como o senhor sabe, numerosas pessoas opinaram que talvez o Dr. Freud e a Psicanálise desse período tivessem enfatizado os fatores biológicos um pouco além da conta; que talvez a cultura em que vivemos, a nossa sociedade e os fatores ambientais, tenham tanta ou mais influência na formação do indivíduo que os fatores biológicos. O senhor importar-se-ia de comentar a esse respeito, em termos, primeiramente, de estarmos sendo injustos ou não ao sugerir que Freud exagerou a importância dos fatores biológicos? E, em segundo lugar, em função daqueles pontos de vista que realçam os fatores culturais, provenientes do chamado movimento ”neofreudiano”? Como teria Freud reagido a tudo isso? Dr. Jones: Não, não creio que seria justo dizer que ele exagerou a importância dos fatores biológicos. Não vejo como é que alguém poderia superestimálos. Freud e eu próprio partimos do princípio de que o homem é um animal. Por outras palavras, o homem está, biologicamente, numa linha de continuidade com o resto das criaturas vivas e é ativado por instintos e reações de uma espécie semelhante, embora mais elaborados, sem dúvida. Isso está na própria natureza das coisas, é a base do ser humano. O senhor pode, é claro, adotar um diferente ponto de vista e dizer que existe também uma parte espiritual que vem do céu e foi colocada por cima de tudo o mais; mas acontece que não compartilhamos dessa concepção. Parece não existir qualquer prova direta que a sustente. Não vejo como se possa superestimar a natureza do homem. Quanto às influências culturais, elas também são o produto de motivos biológicos; assim, aquelas nunca es- 148

REAÇÕES DE ERNEST JONES tão a mais de um passo destes. Veja, por exemplo, o complexo de Édipo, que consideramos muito fundamental e até, possivelmente, inato... ignoramos exatamente como, mas, seja como for, é uma tendência fundamental. Muito bem, vejamos agora o que se passa numa determinada sociedade, digamos, na sociedade alemã, onde o pai é muito importante, promulga as leis etc. É claro que o senhor esperaria encontrar aí o complexo de Édipo. Mas, e as outras sociedades onde o pai não tem tanta importância? Que dizer da América, onde a mãe é mais importante que o pai, onde a ”mamãe” é realmente a pessoa? Ou, mais ainda, que dizer das sociedades matrilineares, onde as mulheres ocupam uma posição tão elevada? Ou as sociedades primitivas, em que o pai não vive com a mãe e só a visita ocasionalmente, em que ela vive com o irmão, e o rapaz é criado por esse irmão, seu tio. O que acontece nesses casos ao cornplexo de Édipo? Bem, chamarão a isso uma influência ambiental, ou cultural. Está certo, podem chamar; mas isso causa, naturalmente, uma mudança na forma adotada pelas reações biológicas, é como uma pressão. No caso da última sociedade citada, por exemplo, o rapaz reagirá a seu tio comciúme, rivalidade, oposição, aversão e também com amor, como normalmente aconteceria no caso do pai. E o pai verdadeiro, que só aparece ocasionalmente, brinca com ele e é o seu camarada em jogos e divertimentos, mas não exerce qualquer autoridade sobre o menino; corresponderá aos nossos tios e avós, que estragam a criança com mimos. Por outras palavras, isso causa a tal mudança. Não altera, de forma alguma, o padrão biológico; apenas altera a forma que esse padrão assume. Dr. Evans: No que se refere ao padrão biológico no conceito de libido do Dr. Freud, em que ele parece aludir a uma energia psicossexual de natureza genérica, levanta-se uma questão sobre como devemos interpretar o termo ”sexo”. Estamos falando de sexualidade, numa acepção estrita, ou esse impulso sexual genérico de que Freud falou consiste, meramente, no envolvimento total de todos os impulsos biológicos? Por outras 149

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG palavras, aqueles que sugeriram que Freud tentou explicar tudo em termos de sexualidade reprimida foram injustos com ele? Dr. Jones: Tentar explicar tudo em termos de sexualidade reprimida? Acho que isso é ir longe demais, não lhe parece? Freud pensou que os impulsos libidinais faziam parte da herança biológica do homem, como outros instintos: a curiosidade, talvez a agressão etc. E comprovou, pela experiência, que isso entra freqüentemente em conflito com outros aspectos da personalidade, o que sabemos muito bem ser verdade e criar, por conseguinte, muitas dificuldades para as pessoas. Mas não vejo ... seria ridículo dizer que alguém explicou tudo em termos de sexo, pois se fosse assim tão simples, então o que aconteceria a toda a sua teoria de conflito? São necessários dois lados antagônicos para que haja conflito. Dr. Evans: Vejamos se isso é um enunciado justo da situação. corn os seus pacientes na cultura reprimida de Viena, o Dr. Freud viu, muito freqüentemente, que havia conflitos em torno da sexualidade. Portanto, nesses pacientes, ele considerou que os conflitos sexuais eram fundamentais em suas neuroses, o que pôde explicar, pelo menos em parte, a grande ênfase sobre a sexualidade como fator causativo, que se reflete em seus escritos. Na realidade, Freud não hesitaria em apontar outras causas subjacentes, se estas tivessem sido visíveis. Dr. Jones: Sim, creio que ele estaria disposto a ver qualquer coisa que realmente existisse. Dr. Evans: Isso, é claro, tem sido uma das bases para grande parte das críticas ao Dr. Freud. Dr. Jones: Sim, isso era de esperar, visto que, pela sua teoria, há uma grande dose de repressão da sexualidade e, naturalmente, se a pessoa denuncia isso, está fadada a incorrer na repressão, não é? Isso ilus- 150

REAÇÕES DE ERNEST JONES traria aquilo a que chamamos resistência, ou oposição, ou crítica, ou qualquer coisa desse gênero. Dr. Evans: Indo mais além, o interessante estudo de Freud sobre a psicopatologia da vida cotidiana * revelou como o Dr. Freud pôde, de um modo bastante engenhoso e brilhante, analisar numerosas situações específicas na existência cotidiana, ao perscrutar o funcionamento do inconsciente. Queria Freud dizer com isso que tudo o que fazemos é determinado dessa maneira? Poderemos alguma vez nos descontrair e supor que algumas coisas são feitas por mero acidente, ou teremos de admitir... Dr. Jones: O que é que o senhor quer dizer com ”por acidente”? Se alguma coisa cair do teto a seus pés, é um acidente. Dr. Evans: O Dr. Freud diria que as coisas que parece terem sido acidentais realmente não eram? Devemos admitir que existe sempre alguma determinante inconsciente? Dr. Jones: Ah. é muito simples. Freud disse que toda a nossa atividade espontânea é motivada, falando em termos gerais. Foi isso o que o senhor quis dizer? Não, nada é acidental. Pensar o contrário seria uma atitude nada científica. Dr. Evans: Passando agora a uma área multo diferente, Dr. Jones, um dos problemas que muito nos interessa atualmente nos Estados Unidos e o do excessivo conformismo do homem. Formulamos hoje perguntas como estas: Estaremos perdendo a nossa identidade individual? Será que o indivíduo está-se tornando, como disse um autor americano, ”alterdirigido”? Estaremos tão preocupados com o que a outra pessoa pensa que * Cf. Psicopatologia da Vida Cotidiana, Zahar Editores, 3* e<Tção, 1969, tradução de Álvaro Cabral. (N. do T.) 151

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG não desenvolvemos personalidades verdadeiramente individuais? Isso foi amplamente comentado por Otto Rank e Erich Fromm, os quais procuraram sugerir que talvez a verdadeira realização do homem seja o desenvolvimento de uma espécie de espírito criador; caso contrário, ficamos tão emaranhados nas pressões socioculturais que nos tornamos uma espécie de máquinas funcionando em cultura e, portanto, não indivíduos autênticos. O senhor acha que esse ponto de vista de, talvez, um importante setor de homens na sociedade ocidental é correto? Estará o homem se tornando... Dr. Jones: Bem, ignoro o que é que ele está ”se tornando” ou o que o homem virá a ser, mas parece-me que o estado de coisas que o senhor assinalou é universal e eterno; quer dizer, deve ter sempre havido um conflito entre o desejo do indivíduo de atuar livremente, sem levar em conta os demais, e a necessidade que ele reconhece de tomar as outras pessoas em consideração. Obviamente, uma comunidade seria impossível se cada um fizesse exatamente o que lhe apetecesse. Dr. Evans: Precisamos de alguma ordem, é claro, de alguma organização. Dr. Jones: Sim, é assim que, evidentemente, a civilização evolui. Aceito a idéia de que sempre existiu esse conflito entre os dois lados. Sir Herbert Spencer foi um homem que escreveu muito a esse respeito, o indivíduo versus o Estado etc. E o Professor Fluegel, um adepto de Spencer, escreveu alguns ensaios muito interessantes sobre o mesmo tema. Essencialmente, a obra de Freud também assinala esse estado de conflito entre o indivíduo e a sociedade. O seu livro sobre psicologia de grupo sublinha isso, para mencionar apenas um exemplo (7). Depois, o senhor pergunta: ”O homem está ficando mais conformista?” Não, acho que está ficando cada vez menos, porque, originalmente, ele deve ter sido muito conformista, se remontarmos ao homem primevo. Imã- 152

REAÇÕES DE ERNEST JONES gine agora quando o homem usou ferramentas pela primeira vez, digamos, utensílios de pedra. Batia uma pedra na outra para que ficassem lascadas, de modo que a coisa fosse cortante de um lado, e passou a usá-la. Foi preciso quase meio milhão de anos para que ele pensasse em polir esse pedaço de pedra, tornando-o mais afiado. Ora, desconfio que muita gente deve ter tentado o polimento como técnica de afiar durante esse meio milhão de anos, e foi morta por não se conformar ao padrão mais antigo. Assim, passaram milhares e milhares de anos até que, finalmente, a sociedade se tornou suficientemente livre para permitir aos seus membros oue afiassem um pedaço de pedra... bom, acho que, desse ponto de vista, estamos ficando cada vez mais livres. Temos certamente a liberdade de fazer muitas coisas que não eram permitidas na Idade Média ou, por exemplo, há apenas 120 anos. É claro, o grau em que o livre desenvolvimento da individualidade pode ter luqar deve variar em diferentes culturas e diferentes períodos e isso suscita o problema deveras interessante sobre o ”porquê”. Veja como, nos Estados Unidos, se queixam atualmente de que estão atravessando uma grave crise; quer dizer, não é permitido às pessoas que se desenvolvam livremente. Isso talvez seja verdade, até onde me é dado saber, mas o outro lado também tem seus problemas. Pensa-se, geralmente, que na França existe mais desenvolvimento Individual e menos conformismo; aí, creio que nem pagam com muita freqüência os seus impostos. Não conseguem ter um governo estável. Todo mundo quer agir por conta própria. Isso tem suas vantagens. sem dúvida, já que permite desenvolvimento mais livre do indivíduo, mas redunda em problemas e dificuldades concretas, de um ponto de vista social. Na América, não sei, realmente. Suponho que em cidades pequenas, lugares como os que Sinclair Lewis descreveu em Mafn Street e Babbitt, deve existir uma boa dose de conformismo. Eu diria que o fator óbvio para determinar em que lado se coloca o acento, digamos. no modo de vida francês versus o modo de vida americano, é uma questão, provavelmente, de restrições e penalidades sociais. Ora, se um homem na França 153

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG não se conforma, acontece-lhe alguma coisa terrível? Realmente, não. Entretanto, se um homem não se conforma na América, acontece-lhe uma porção de coisas incríveis. Perde o emprego e não lhe é permitido obter outro; é expulso da universidade. Tudo isso pode acontecer, o que aumenta a necessidade de se conformar. Dr. Evans: Num sentido, portanto, o senhor acha que as pressões sociais imediatas estão forçando o indivíduo a um comportamento conformista, mas, a longo prazo, numa perspectiva histórica, o homem está ficando cada vez mais livre, mais indivíduo. Essas pressões a que o homem está sujeito são apenas momentaneamente importantes. Dr. Jones: Sim, é isso. E acontece a mesma coisa em toda a Europa. Suponho que o lugar mais livre do mundo era a Rússia, nos tempos czaristas... desde que não se falasse de política. A pessoa podia ter idéias ou comportamento em qualquer direção que quisesse, do ponto de vista sexual ou qualquer outro Havia muita liberdade, mais do que em qualquer outro país da Europa, desde que não se tocasse em política nem se quisesse destronar o Czar. Agora, tudo isso mudou. Dentro de mais cem anos, porém, a volta completa terá sido realizada. Por outras palavras, todos os cinqüenta anos, mais ou menos, registra-se regularmente nos diferentes países, uma transformação completa. Dr. Evans: O senhor diria que o processo de Psicanálise, num sentido muito lato, tem alguma influência sobre isso? Por outras palavras, o senhor diria que um Indivíduo que perdeu a sua identidade pelo fato de se conformar e temer as pressões sociais, que se sente perturbado e infeliz, pode chegar, através da psicanálise, a perceber melhor as tendências individuais em si mesmo e a tornar-se, talvez, um indivíduo mais produtivo e criador? Dr. Jones: Isso tem fatalmente de acontecer. Não é essa a finalidade da psicanálise? A finalidade da psicanálise é tornar a pessoa mais ela própria; quer di- 154

REAÇÕES DE ERNEST JONES zer, fazer dela o seu ”eu total”, não só a parte visível, mas também a parte reprimida, a parte oculta, a parte em conflito. Todas essas partes da personalidade devem entrar em jogo e colocar-se sob um controle unificado, para que o indivíduo seja uma personalidade maior, mais rica e mais completa. Dr. Evans: Esse controle unificado de que o senhor falou não implicará, necessariamente, um controle de origem social? Dr. Jones: Não. Estou falando sobre a consciência da pessoa e esta é algo que só parcialmente se desenvolve a partir de fontes sociais, do controle social etc. Como o senhor sabe, isso começa muito cedo, e a consciência remonta, pelo menos, ao primeiro ano de vida. É possível descrever o seu início. Dr. Evans: O primeiro impacto da estrutura da microfamília sobre o neófito. Dr. Jones: Exato. E, possivelmente, até algumas tendências inatas. Dr. Evans: Qual é, exatamente, a natureza dessas tendências inatas que influem sobre a moralidade social, aquilo a que Freud chamou o ”Superego”? Devemos acreditar que o homem já nasceu com proibições inatas, em relação à sua existência social? Dr. Jones: É difícil provar ou demonstrar coisas desse gênero. Eu diria que é multo provável, pois não acredito que o superego resulte, em sua totalidade, da pressão anterior. Penso que uma parte provém de dentro. A criança nasce com impulsos muito mais indisciplinados do que temos depois de crescermos. Ela não só aprendeu a controlá-los e orientá-los em certas direções, por razões sociais, mas também por razões pessoais, porque alguns deles são muito nocivos e m0uito destrutivos para a própria criança ou prejudiciais a alguém que ela ama. Por outras palavras, há perigos que 155

ENTREVISTAS com CARL. G. JUNG tanto promanam de dentro como de fora; portanto, há a necessidade de controlar ou reprimir, ou de fazer alguma coisa sobre esses perigos internos. Parece-me muito provável que esse controle seja inato, por razões biológicas de sobrevivência. Dr. Evans: Em termos de um clima de conformismo, em oposição a um clima de maior liberdade, que efeito esses diferentes climas podem ter sobre a produtividade, a criatividade e talvez até sobre o gênio, numa determinada população? Pessoas como Beethoven, por exemplo, poderiam ter surgido num clima de conformismo? É possível que um Van Gogh pudesse ter surgido num clima de conformismo? Ou mesmo um Freud? Dr. Jones: Freud foi certamente criado num clima de conformismo, não lhe parece? Dr. Evans: Então, quais são os ingredientes que permitem a um indivíduo, criado num clima de grande conformismo, demonstrar uma Individualidade surpreendentemente ímpar, em seus esforços criadores? Este é o genêro de pergunta que envolve todo o problema de saber quais são, realmente, os ingredientes do gênio. Dr. Jones: Eu gostaria muito de saber isso. A questão tem dois aspectos. Vemos uma obra criadora ser produzida em condições manifestamente desfavoráveis, aquilo a que chamamos um ”ambiente conformista”; quer queiramos, quer não, a obra nasce. Certo! Entretanto, também vemos, por outra parte, que se torna muito mais freqüente em certos períodos. Veja, por exemplo, o período da Renascença italiana, quando houve grandes pintores e artistas, escultores, arquitetos que floresciam a torto e direito por toda parte. É lícito pensar que o clima de opinião deve ter sido então favorável a toda essa criatividade, muito mais que em outras épocas. Os tempos atuais são favoráveis, sem dúvida, às invenções e descobertas científicas. 156

REAÇÕES DE ERNEST JONES Dr. Evans: Assim, até o gênio criador individual deve surgir numa estrutura social favorável ao seu aparecimento. Por exemplo, no caso do Dr. Freud, o período era favorável aos trabalhos de alguns psiquiatras franceses. No caso de Freud, o senhor concordaria em que ele produziu a sua obra num período caracterizado por uma atmosfera científica que se prestava, facilmente, a essa expressão criadora? Dr. Jones: Não, não concordo. Acho que não foi esse o caso. A minha opinião é que Freud foi um daqueles casos raríssimos que surgem da maneira mais inesperada. Nada havia em Viena que pudesse favorecê-lo, absolutamente nada. Houve, dez anos antes, um pequeno episódio, quando Freud travou conhecimento com Herr Breuer e sua obra, mas creio que Freud já o esquecera, em grande parte, e que não tirara disso grande proveito. Mais tarde, ele lembrou-se e integrou-o na obra que estava realizando. Dr. Evans: Assim, ele não sentiu continuamente, ao que parece, o impacto de Breuer... Dr. Jones: Não, nenhum. Ele tomou conhecimento do caso de Breuer em 1882, mas Freud continuou neurologista até à década de 1890, antes de passar a dedicar-se aos aspectos psicológicos. Não, eu diria que Viena era um ambiente muito desfavorável, uma atmosfera extremamente conformista. Dr. Evans: Assim, de um certo modo, o senhor está sugerindo que a generalização, ”um grande gênio não pode emergir de um meio conformista”, é uma simplificação extrema e que não podemos falar significativamente em tais termos. Dr. Jones: Sim, de fato. Suponho que se trata de uma questão relativa. Podemos equacioná-la em termos de pressão. Se o impulso do gênio criador é suficientemente forte, impõe-se através e acima do conformismo; e se o conformismo não ó muito poderoso, 157

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG como na Itália renascentista, o gênio impor-se-á mais facilmente. É meramente uma questão relativa. Dr. Evans: Nessa área geral, lemos com grande interesse as suas análises de figuras literárias, como Hamlet na obra de Shakespeare. * Hegistrou-se uma tendência muito interessante, nos círculos literários, para aplicar a teoria psicanalítica a uma interpretação ou avaliação da grande literatura. Deveremos depreender daí que o jovem autor deve estudar teoria psicanalítica? ser-lhe-ia isso útil? Os críticos deveriam também familiarizar-se com essas idéias? Dr. Jones: Penso que existe uma nítida distinção entre o autor e o crítico. Eu diria ”não” para um e ”sim” para o outro. Creio que o autor seria prejudicado se tentasse colher benefícios através do conhecimento psicanalítico, pois nada ganharia com uma tentativa de tirar proveito de conhecimentos alheios ao seu mundo interior e aos seus conhecimentos pessoais sobre as coisas, quer se trate de ldéias políticas ou não; se o fizesse, estaria sacrificando os seus próprios impulsos espontâneos. Quanto mais espontâneo for, maior é um autor. A criação deve brotar ao intimo. Se ele se dedicar meramente a copiar, olhando para o que está nos livros e dizendo: ”Aqui está a coisa certa para ser dita”, então nunca produzirá realmente coisa alguma digna de apreço, fcstou convencido disso. Por outro lado, no que diz respeito ao crítico, esse aspecto íntimo do problema não é verdadeiramente importante. Dr. Evans: Quanto ao uso da teoria e interpretação psicanalítica, o senhor disse que, no caso do autor, isso pode ser, realmente, sufocante. Não lhe permitirá expressar a sua inidividualidade livremente, de uma forma adequada. Por outro lado, sugeriu que, no caso do crítico, a situação é diferente. *Cf. Ernest Jones, Hamlet and Oedipus, Victor Gollancz Ltd., Londres, 1949. Existe edição brasileira: Hamlet e o Complexo de Édipo, Zahar Editores, 1970, tradução de Álvaro Cabral. (N. do T.) 158

REAÇÕES DE ERNEST JONES Dr. Jones: Muito diferente. Mas deixe-me ser perfeitamente claro a respeito do que penso sobre o autor, antes de discutir o crítico. Eu não quis dizer que ser psicanalisado fosse prejudicial ao escritor, mas, antes, que 03 conhecimentos obtidos através da leitura de textos psicanalíticos seriam prejudiciais. Quero dizer que, se um autor for psicanalisado, será um autor mais livre, mais completo; será mais explícito e mais espontâneo. Com o crítico, porém, é diferente, repito, pois acredito que, ao invés do autor, tudo o que disser respeito a conhecimentos psicanalíticos pode ser útil à função do crítico. A missão do crítico consiste em avaliar tanto o aspecto estético da obra, que está comentando ou criticando, como o seu conteúdo intelectual. A avaliação estética depende, é claro, da sensibilidade do crítico, o que implica a necessidade de liberdade para os seus sentimentos; e, no que concerne à análise intelectual do conteúdo, creio que um conhecimento de Psicanálise é muito útil, habilitando a pessoa a avaliar mais rigorosamente até que ponto a produção é coerente. Veja, por exemplo, o caso do Hamlet; é uma obra suscetível de interpretação em muitos níveis. Provavelmente, contém referências à política do seu tempo, que hoje talvez já estejam esquecidas. Não escasseiam as alusões sociais ao período específico da peça, que as pessoas de então certamente puderam compreender; é possível que contenha também gracejos oportunos sobre certas personalidades contemporâneas da peça. Diferentes camadas, através das quais vamos penetrando cada vez mais fundo, até se chegar a uma concepção unificada da obra, à sua visão total. Ora, se qualquer produção for, lealmente, uma grande obra de arte, será coerente de uma ponta à outra; e quando digo coerente, quero dizer que será verdadeira em todos os seus níveis. É isso, creio eu, que um crítico deve estar apto a avaliar. Dr. Evans: Uma certa unidade intrínseca na análise global. Dr. Jones: Sim. 159

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Evans: Isso passou a ser um ”passatempo favorito” de alguns, observar os personagens literários dessa maneira. É claro, a minha opinião é que a sua contribuição tornou-se um foco pioneiro para esse tipo de pensamento. Dr. Jones: Sim, creio que sim. Entretanto, eles podem também errar quando se limitam, meramente, a traduzir. Eles transpõem o que eu disse para este ou aquele complexo, e não suponho que isso possa levá-los muito longe. Qualquer pessoa pode fazer isso. Dr. Evans: Será superficial demais. Dr. Jones: Quando a pessoa simplesmente aprende, obteve apenas um conhecimento superficial. Creio que é muito diferente de uma compreensão da dinâmica. Dr. Evans: Dr. Jones, uma questão muito interessante que me ocorreu depois de ler a sua biografia do Dr. Freud, diz respeito ao impacto da vida pessoal de um gênio sobre o que ele produz. Por exemplo, realizaram-se muitas pesquisas, em anos recentes, em que foram feitas certas tentativas para estudar a personalidade básica de indivíduos, na esperança de que possa ser determinado o que os leva a abraçar as várias profissões ou a realizar diversos esforços produtivos. De fato, o próprio Freud, com a sua análise de Leonardo da Vinci, * sugere que podemos, num tipo muito determinista de análise, compreender como um indivíduo é capaz de produzir os alicerces em que a sua produção assenta. Ora, no caso da vida pessoal de Freud, de que modo o senhor acha que ela influenciou o rumo das suas teorias psicanalíticas e as formulações delas decorrentes? Cf. ”Leonardo da Vinci e uma Lembrança da Sua Infância”, em Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigrmund Freod, Vol. XI, Editora Imago, 1970, trad. de Walderedo de Oliveira. (N. do T.) 160

REAÇÕES DE ERNEST JONES Dr. Jones: Bem, teremos de voltar a fazer aqui uma distinção. Penso que a principal direção em que ele foi influenciado deve ser encarada do ponto de vista do interesse; determinadas coisas levaram Freud a interessar-se por isto, aquilo ou aqueloutro. Isso é um primeiro aspecto da questão. Outra consideração implícita na sua pergunta diz respeito à formulação concreta das suas várias teorias científicas. E temos ainda um terceiro aspecto, isto é, em que medida as suas inclinações pessoais, a sua própria concepção geral da vida, exerceram uma influência mais ou menos marcada sobre ele. Temos, assim, três coisas distintas. Qual deveremos abordar primeiro? Eu diria que, em última instância, deve certamente existir alguma forma de curiosidade. Por que motivo a curiosidade adotaria essa direção determinada, depende, provavelmente, de influências infantis mais delicadas do que poderíamos hoje apontar com segurança. Mas, no que respeita a quaisquer influências pessoais que atuassem sobre as suas teorias, não tenho conhecimento algum disso. Eu diria que as suas teorias eram objetivas e originadas em conseqüência de suas experiências. Deparou com certos fatos e tentou agrupá-los, como qualquer cientista faz; tentou fornecer-lhes uma hipótese que os unificasse. Naturalmente, é óbvio que as suas experiências pessoais devem tê-lo influenciado muito, em sua concepção geral da vida. Por exemplo, Freud era ateu. Isso deve ter sido causado por algum fato ocorrido nos primeiros anos de vida. Não foi criado com uma forte influência religiosa, de modo que deve ter sido fácil para ele dispensar a religião. Que mais poderemos dizer? Dr. Evans: Bem, por exemplo, vejamos o fato de seu pai ser muito mais velho que a mãe. O senhor acha possível que essa diferença de idade seja discernível em algumas das formulações de Freud? Dr. Jones: Acho que isso lhe.tornou mais difícil reconhecer a situação edípica. Ele amava muito o pai e davam-se bem, pois eram de tipos mentais seme- 161

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Ihantes. O pai era um homem de mentalidade liberal, bem-humorado, espirituoso e livre-pensador, tal como o próprio Freud. Freud tinha um extraordinário senso de humor e adorava anedotas etc. A maior parte dessas qualidades foi herdada do’pai. Assim, descobrir que havia no seu íntimo uma aversão secreta ao pai deve ter sido extremamente difícil para ele. Dr. Evans: Alguns autores disseram que uma das razões pelas quais o Dr. Freud foi capaz de sondar tão profundamente a personalidade humana e ver o pior que havia no homem decorria do fato dele trazer no seu íntimo uma profunda aversão ao homem. Dr. Jones: Qualquer um pode formular um juízo e dizer: ”Bem, acho que o homem é uma criatura bastante mesquinha; ele tem este e aquele defeito”, fazendo, por assim dizer, um juízo intelectual. Isso é muito diferente de uma atitude emocional de que pudesse resultar uma afirmação como ”Odeio todos os homens” ou ”Amo todos os homens”. Acho que ambos esses extremos são anormais. Um homem que diz ”Detesto a humanidade toda” ou um homem que diz ”Amo todos os homens” deve ter alguma coisa errada, num caso ou outro. Por outras palavras, nada há de objetivo nessa espécie de avaliação emocional e não acho que Freud fosse carente de objetividade. Ele teve a mesma relutância que qualquer outro em aceitar algumas das coisas que estava descobrindo através da sua obra: o reconhecimento da sexualidade infantil, os complexos de Édipo etc. De fato, ele teve ainda mais relutância em ver essas coisas do que muitos, porque Freud era, como diria eu, uma pessoa muito respeitável, muito casto e puritano por natureza, ao longo de toda a sua vida. Ele logrou, sem dúvida, expressar mais tarde as suas idéias mais livremente, quando obteve um conhecimento mais completo e seguro da natureza humana. Sobre o amor, entretanto, havia algo de especial no que diz respeito a Freud, embora eu não creia que isso tenha influenciado muito as suas teorias. Ele era propenso a gostar das pessoas com quem travava conhe- 162

REAÇÕES DE ERNEST JONES cimento e a sua tendência era para esperar delas mais do que recebia; acreditava que cada nova pessoa que conhecia era uma excelente criatura, maravilhosa em todos os aspectos. Depois, é claro, quando as suas expectativas não eram correspondidas, ficava decepcionado e passava a ignorar o sujeito, podendo até mostrar-se desagradável com ele, em conseqüência da sua mágoa intima. Dr. Evans: Em resumo, uma espécie de desilusão. Dr. Jones: Sim, desilusão. Ele próprio preparava essa desilusão. Evidentemente, as suas relações com Jung são um exemplo óbvio. Ele tinha Jung no mais alto apreço, colocou-o nas alturas e só via no amigo qualidades e virtudes excelsas. Depois, veio a cesuusão. E Freud desmteressou-se completamente dele. Era uma peculiaridade de Freud, mas não creio que tenha influenciado as suas investigações ou teorias. Dr. Evans: O senhor acredita que ele era capaz de separar, realmente, o que era pessoal daquilo que era a sua obra? Dr. Jones: Sim, perfeitamente. Dr. Evans: Na opinião de alguns, Freud tornou-se, na fase final de sua obra, mais especulativo do que científico no exame de problemas tais como a religião e a guerra. O senhor acha que a obra de Freud poderia ser melhor compreendida se pudéssemos separar esse tipo de especulação das suas observações mais fundamentais? Dr. Jones: Sim, definitivamente. Dr. Evans: Quando podemos afirmar que a obra de Freud se tornou mais um reflexo de uma ideologia pessoal, em contraste com o período anterior, quando seus trabalhos podem ser descritos como mais científicos e objetivos? 163

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Dr. Jones: Penso que existe um ponto muito claro onde podemos estabelecer essa distinção: o ano seguinte ao final da Primeira Guerra Mundial, o ano de 1919, quando ele estava escrevendo o livro Para Além do Princípio de Prazer (8). Nesse livro, ele enveredou pela Filosofia, a respeito da sua concepção do instinto de morte. Supunha Freud que o instinto de morte é não só um atributo humano, mas um conceito que se aplica a toda a matéria viva. Há uma tendência inata para a autodestruição, não só em todos os animais, mas também nos vegetais. Ora, é preciso que se diga que isso não é uma concepção biológica e também deve ser dito que, estritamente falando, não é uma concepção científica. É uma idéia como qualquer outra idéia filosófica. Creio que esse período, na carreira de Freud, marca o início da expressão ideológica a que o senhor se referiu. É possível, depois disso, identificar vários elementos, mas estão todos misturados, não acha? Quero dizer, ele era um racionalista, o que significa que Freud tentava manter uma posição objetiva ao examinar isto ou aquilo, em vez de depender da intuição ou da emoção. Assim, no que diz respeito aos seus livros sobre psicologia de grupo, mesmo os que estão abrangidos naquele período, creio que é necessário levar em conta o aspecto racional, que é realmente a parte científica, assim como a sua perspectiva pessoal. Não é tudo meramente pessoal. Dr. Evans: Em algumas de suas últimas obras sobre telepatia mental, clarividéncia etc., poderia o conteúdo delas ser classificado no âmbito das suas pesquisas autenticamente empíricas? Dr. Jones: Não, em absoluto. Tudo isso foi puramente pessoal. Quer dizer, ele considerava, ou era a sua opinião, que havia suficientes provas para sustentar esta ou aquela convicção. Muito bem. Se consideramos ou não essas provas suficientes, num determinado caso, para extrair conclusões não pode, em última análise, ser inteiramente objetivo. Somos quase sempre influenciados pró ou contra por algum preconceito ou elemento emocional oriundo da nossa própria formação. No 164

REAÇÕES DE ERNEST JONES caso de Freud, existia uma tendência para acreditar e, ao mesmo tempo, uma tendência para duvidar. É muito interessante que, em seus diferentes enunciados, podemos observar claramente certas alternações. Havia em Freud uma atitude crédula que alternava com uma atitude cética. Ele alimentava ambas, sem dúvida. Dr. Evans: Ainda a propósito da influência da filosofia pessoal ou ideologia sobre a criatividade de uma pessoa, sabemos, é claro, que havia considerável anti-semitismo na área onde Freud vivia; e, em decorrência disso, há muita gente que tende a associar as teorias sexuais com o judaísmo. Dr. Jones: Como Hitler? Sim, creio que ele fez essa associação. Dr. Evans: Estava Freud cônscio do anti-semitismo, de um modo tão profundo que pudesse perturbá-lo? Dr. Jones: Sim, devo dizer que provavelmente estava. Eu não me atreveria a dizer que não. Encontrou-o de uma forma bastante violenta, em épocas diferentes. Durante anos e anos, não lhe foi conferido título algum na Universidade; todas as vezes que concorria era rejeitado. Em algumas das experiências mais antigas de sua vida, na infância e adolescência, de que tenho conhecimento, sei que se riam à custa dele, E Freud era, sim, creio que era um jovem muito sensível, dado a refletir muito e que, provavelmente, se perguntava: ”Por que tudo isto? O que é que há de tão peculiar a nosso respeito? As pessoas não costumam desfeitear as outras dessa maneira.” Esses sentimentos, naturalmente, levaram-no depois a escrever o seu último livro, Moisés e Monoteísmo (9). Versa sobre a natureza do judaísmo. Sim, creio que o senhor tem razão. Freud foi sensível ao anti-semitismo durante a vida toda. Dr. Evans: Para ir um pouco mais longe nesse problema geral, o senhor abordou um ponto que acho muito interessante. Pareceu-me ter sugerido que 165

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Freud provinha de um meio bastante puritano e que ele próprio era, numa acepção moral, acentuadamente puritano. Correto? Dr. Jones: Não, não é isso. Eu não me referia ao seu meio familiar ou à formação por ele recebida. O que eu disse foi que Freud era mais moralista e puritano do que o seu meio. Sua mãe era uma pessoa muito condescendente, muito acessível e despreocupada. Era uma criatura muito moral em sua conduta, sem dúvida, até onde me foi dado saber, mas eu não a qualificaria como uma pessoa puritana. Dr. Evans: É bastante estranho, a distorção que ocorre no ponto de vista de um homem e em suas teorias, quando são sujeitos a várias interpretações. Por exemplo, houve muita gente que ficou horrorizada com as teorias de Freud, porque acreditava que elas pregavam, mais ou menos, o amor livre e que a monogamia era incompatível com a doutrina psicanalítica, que não devíamos reprimir os impulsos sexuais para não ficarmos neuróticos e assim por diante. Freud estava a par dessas interpretações errôneas de sua obra? Dr. Jones: Claro que estava. E também sabia que muito do conteúdo de sua obra estava sendo atribuído à atmosfera local de Viena, o que ele considerava absolutamente idiota. Se era realmente verdade que, no seu tempo, o modo de vida vienense era mais livre... e isso ignoro... do que em outras grandes cidades, como Berlim ou Londres, então Viena seria o último lugar do mundo para se descobrir a repressão. Freud disse-me certa vez: — Sempre pensei que essa acusação deve encobrir outra; o que eles realmente querem dizer é o ambiente judaico, não o ambiente de Viena. Dr. Evans: Vamos pôr agora de lado esse problema geral da influência da filosofia pessoal sobre a sua obra para abordar uma questão que tem sido um centro de controvérsia, sobretudo nos Estados Unidos e, em certa medida, na Inglaterra; refiro-me ao grau de 166

REAÇÕES DE ERNEST JONES liberdade que deve ser concedido às crianças, à medida que crescem. Existem algumas posições extremas sobre essa questão. Temos a posição extrema que segue o critério disciplinar, aquele que, historicamente, foi parte integrante da maioria das nossas culturas. Utilizando essa abordagem, controlamos quase completamente a criança e damos-lhe muito pouca liberdade. Depois, é claro, o outro extremo foi um critério muito tolerante, em que se permite à criança que desenvolva a sua individualidade, não tentando impor-lhe quaisquer restrições nem a frustrando em suas exigências, sejam estas quais forem. Em conseqüência deste segundo critério, temos visto, em muitas famílias, as crianças comportarem-se de um modo destrutivo e anti-social, com os pais tolerando esse comportamento por temerem causar frustrações aos filhos. Infelizmente, sobretudo nos Estados Unidos, muitos indivíduos responsabilizaram por isso a Psicanálise... Dr. Jones: Por ambos os critérios? Dr. Evans: Não por ter sugerido o critério tolerante, a ausência de restrições. De fato, muitos leigos referem-se ao ”método psicológico” como um produto da obra de Freud. Gostaria que o senhor comentasse sobre o modo como Freud encarava, realmente, esse problema. Dr. Jones: Ele reconhecia que as frustrações são uma , parte inevitável da vida numa comunidade Tem de haver frustrações. Ninguém pode fazer tudo o que quer ou gosta. Não pode defecar na rua, e limitações como essa começam a ser impostas logo na infância. A criança tem frustrações externas, como só ter acesso no seio materno em determinadas ocasiões ou em certas horas. Tais frustrações são inevitáveis. A mãe não está sempre no mesmo quarto; por vezes, quando a criança chora, pedindo a presença da mãe, esta encontra-se ocupada em outro quarto, outra frustração inevitável. 167

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG Há também as frustrações inevitáveis na vida sócia*, com que um indivíduo tem de se defrontar, quer queira, quer não. Ora, o grau em que ele experimenta dificuldades com essas frustrações sociais depende, em minha opinião, da maior ou menor capacidade do indivíduo em tolerá-las. Abolir as frustrações não é a resposta; a pessoa deve aprender a tolerá-las. Dr. Evans: Assim, era o ponto de vista psicanalítico de Freud e é certamente o seu, também, que a criança em desenvolvimento, para que possa adquirir a tolerância à frustração, deve ser exposta a algumas frustrações. Dr. Jones: Bem, o senhor está exposto a elas, de qualquer jeito, e é muito fácil esquecer isso quando se discorre sobre liberdade. Dr. Evans: Ainda na mesma linha de idéias, um autor muito interessante, nos Estados Unidos, o Dr. David Levy, postulou a existência de uma infeliz propensão, por parte de um número cada vez maior de mães, para superprotegerem os filhos. Essa superproteção, que assume diversas formas, prolonga, essencialmente, o infantilismo da criança. O senhor diria, a esse respeito, que se trata, primordialmente, de um padrão cultural, um padrão que poderia ter decorrido, por exemplo, das características da cultura americana, não indicando, necessariamente, qualquer tendência inata na mãe? Ou diria, pelo contrário, que existe uma tendência Inata para a superproteção em todas as mães e em todas as culturas? Dr. Jones: Eu diria que existe uma tendência superprotetora em todas as mães. De fato, a mãe experimenta, por causa dessa tendência, uma certa soma de conflito, visto que, quando o filho atinge a idade adulta, não precisa mais desse gênero de proteção, forçando a mãe a renunciar a algumas manifestações dessa tendência. E isso nem sempre é fácil para ela. 168

REAÇÕES DE ERNEST JONES Dr. Evans: Portanto, trata-se de algo que, possivelmente, não é típico de qualquer cultura em particular? Dr. Jones: Certamente que não é peculiar nesta ou naquela cultura, mas é provável que varie em intensidade ou vigor em diferentes culturas. É claro que pode ser reforçada por certas atitudes sociais. Creio que essa tendência tem sido mais acentuada na América, por exemplo, do que na Alemanha; mas, repito, aquilo em que se baseia é biológico. Existe na pessoa; pode ser estimulado ou controlado, mas não pode ser criado por qualquer fator cultural. Dr. Evans: Muito bem, falemos agora do problema do tratamento das perturbações mentais. Além da técnica pioneira da Psicanálise, vários outros tipos de técnicas para tratamento dessas perturbações foram desenvolvidos. Entre eles, citaríamos a terapia de choque, a psicocírurgía, as variações da abordagem psicanalítica original etc. Um dos desenvolvimentos mais recentes foi o uso de drogas tranqüilizantes. De fato, a primeira delas, a clorpromazina, foi usada pela primeira vez aqui na França. Depois dela, numerosos tranqüilizantes mais suaves foram produzidos, os quais são receitados pelos médicos numa grande escala. Qual é a sua opinião sobre essa prática? Dr. Jones: É como Instalar uma válvula de segurança em uma caldeira a vapor. Claro que se pode fazer cair a pressão, dando saída ao vapor em excesso. Se o senhor quiser, pode ministrar uma droqa que ponha a pessoa inconsciente; dê-lhe bastante ópio e verá que a sua pressão cai a zero. O mesmo princípio se aplica na redução do grau de tensão com barbitúricos ou coisa parecida. O senhor reduzirá o grau de tensão no indivíduo, mas não estará mudando coisa alguma. Seja o que for que causou a tensão, ainda continua lá. Se suspender a droqa, ela voltará. Não creio que exista qualquer prova para demonstrar que uma droga, seja ela qual for, pode mudar a personalidade ou o conteúdo 169

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG de determinados conflitos ou idéias que perturbam o indivíduo. Dr. Evans: Há a opinião de que certos tipos de pacientes psicóticos seriamente doentes, como os esquizofrênicos, com quem o psicoterapeuta é, simplesmente, incapaz de comunicar, tornam-se mais acessíveis à terapia depois da aplicação de drogas. Em que condições acha que o uso de drogas é aceitável? Dr. Jones: Não, não acho que seiam muito úteis em caso algum. Há alquma utilidade em tornar o paciente mais acessível, diqamos. à terapia psicanalítica? Não. não o creio, poraue quando amortecemos as emoções dessa maneira, tornamos o paciente menos acessível à mudança; e, é claro, mudar o paciente é a nossa finalidade. Temos de dominar uma coisa antes de poder manobrá-la, antes de poder mudá-la. Ao abolir temporariamente essa coisa, não estaremos avançando nada Dr. Evans’ Por outras palavras, embora pareça ser um modo de tornar o paciente mais acessível, na realidade está fazendo com que ele seja menos, é isso? Dr. Jones: Correto, torna-o menos acessível. Dr. Evans: Claro, tudo isso é um reflexo dos novos desenvolvimentos no tratamento de pacientes muito mais gravemente perturbados, como os psicóticos. Dr. Jones: Tornou-se um recurso prático, equivalente às camisas-de-força dos velhos tempos... nada mais do que um meio prático de ”amarrar” o paciente. Dr. Evans: Outro problema importante, formulado ainda não faz muito tempo por Julian Huxley, refere-se ao conflito entre os proqressos extremos no desenvolvimento tecnológico do homem e o seu desenvolvimento psicossocial muito limitado. Por exemplo, foram criados meios tecnológicos que poderiam destruir a humanidade inteira, ao passo que o nosso desenvolvimento 170

REAÇÕES DE ERNEST JONES psicossocial, a nossa capacidade de relacionamento humano, não foi suficientemente longe para nos garantir contra tal evento. Dr. Jones: Sim, já escrevi alguma coisa a esse respeito. De fato. o terceiro volume da minha biografia de Freud termina com uma referência a isso. Permita-me que leia os parágrafos finais. Eles tratam daqueles dois instintos fundamentais em que Freud tanto trabalhou: o sexual e o agressivo: ”Quando consideramos as empolgantes realizações do homem na arte e na ciência, devemos pensar que não existem limites previsíveis em seu poder para alcançar a felicidade e a segurança. Mas essa visão é toldada por outra mais sombria e ameaçadora. Nela se distinguem três elementos básicos. Os progressos na Ciência Médica, que estão agora fadados a prosseguir rapidamente, combinados com o aumento da prosperidade geral, diminuíram a seleção natural da qualidade. Também provocaram um recrudescimento tão grande na quantidade da população que não pode estar longe o dia em que os recursos da Terra serão seriamente desgastados. Além disso, a ganância e a falta de previsão não só fracassaram na preservação desses recursos, sobretudo, o solo e os minerais da crosta terrestre, como ainda os dilapidaram e destruíram numa cadência verdadeiramente alarmante. Ainda mais grave é a observação de que os poderes destrutivos do homem foram de tal modo fortalecidos pelo conhecimento recém-adquirido de novas armas que está agora ao seu alcance efetuar uma destruição que suplantará os esforços de um Atila, de um Tamerlão ou de um Gêngis Cã, cujas façanhas, comparadas aos recursos atuais, não passaram de travessuras infantis. Agora, não é um massacre que nos ameaça, mas a possível extinção de toda a vida em nosso planeta. Basta que um louco se instale num cargo de autoridade, como presenciamos há pouco, para que se desencadeie o holocausto que tudo reduzirá a cinzas. Tampouco poderemos estar certos de que alguém menos louco não chegue ao mesmo resultado. ”No turbilhão de idéias conflitantes em que vivemos, nas esferas da arte, da ciência e, sobretudo, da política, 171

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG em que estadistas de tremenda importância podem exibir sua selvajaria, medo e irracionalidade, todas as piores características de uma creche indisciplinada, parece existir uma proposição que exige uma concordância quase universal: o controle que o homem obteve sobre a natureza ultrapassou de longe o seu controle sobre si próprio. A infelicidade do homem e as ameaças de hecatombe final que pairam sobre ele decorrem dessa inatacável verdade. O maior inimigo e a principal ameaça para o homem é a sua própria natureza indisciplinada as forças tenebrosas que se acumulam dentro dele. ”Se a nossa raça for suficiente afortunada para sobreviver mais mil anos, o nome de Sigmund Freud será recordado como o do homem que, pela primeira vez, Identificou a origem e a natureza dessas forças, e apontou o caminho para se realizar uma certa medida de controle sobre elas (15).” 172

PARTE VII CONCLUSÃO: ALGUMAS OBSERVAÇÕES GERAIS E TEÓRICAS SO BRE O CONTEÚDO DO DIÁLOGO Nesta seção, o autor tenta relacionar as contribuições de Jung e Jones com a corrente principal da ênfase teórica na teoria da personalidade. Também estabelece contrastes entre os pontos de vista dos dois homens e sublinha o que, em sua opinião, constitui as introvisões mais interessantes e particularmente originais fornecidas pelo conteúdo das entrevistas.

Conclusão A respeito de tudo o que foi escrito por e sobre os entrevistados que figuram no presente volume, seria comprovadamente difícil determinar se novas e significativas contribuições, não apresentadas em outra parte, foram aqui oferecidas ao leitor. De fato, os estudiosos de Jung ou Freud contestariam, provavelmente, qualquer declaração no sentido de que os esclarecimentos aqui apresentados constituem novidade... e talvez tivessem razão. com isso em mente, o autor decidiu compartilhar com o leitor aquilo que, pessoalmente, considera alguns dos pontos altos das respostas dadas por Jung e Jones às suas perguntas, sem se preocupar em saber se são ou não inteiramente ”novas”. Para ajudar a obter certa perspectiva, talvez valha a pena que o leitor explore as tendências gerais na teoria da personalidade, desde o começo do século, tal como são vistas pelo autor. É possível assinalar evidentes desvios das anteriores posições filosóficas, os quais variam no grau em que a responsabilidade é investida no indivíduo pelo seu próprio comportamento. A influência biológico-darwiniana sobre Freud, que o leitor notará ter sido claramente refletida na entrevista de Ernest Jones, levou ao desenvolvimento de uma teoria que explicava a maior parte do comportamento do indivíduo em função de determinantes históríco-biológicas. Mais especificamente, esse tipo de teoria postulou a existência de padrões de desenvolvimento dos impulsos biológicos que podiam ser identificados nos primeiros cinco anos de vida, para serem mais tarde interpretados em termos de uma sexualidade inconsciente e reprimida. Contudo, na fase final de sua carreira, até Freud (7) começou a reconhecer que ao meio social do indivíduo tinha de ser atribuído um papel mais importante na determinação do seu comportamento. Isso, é claro, tam- 175

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG bém foi sugerido na entrevista com Jones. As primeiras conceptualizações sociais de autores como Durkheim (3), Lazarus e Steinthal (20), LeBon (21) e Malmowski (24) começaram a ter um impacto crescente na teoria da personalidade, o que pode ser visto no desenvolvimento dos pontos de vista de psicólogos como Adier (1) e Rank (30). Eles, simultaneamente com outros, divergiram do extremo determinismo histonco-biológico de Freud e, na década de 1920, as posições do chamado movimento neotreudiano ganharam grande evidência. Horney (14), Fromm C11). Kardmer (18), Sullivan (33) e outros começaram a atribuir uma posição destacada, dentro de suas abordagens da personalidade, as influências situacionais, sociais e cunurais. A teoria do campo, de Lewin (23), representou um caso extremo de abordagem não-hisiónica, centrada no meio social. Assim, tornava-se cada vez mais evidente, na teoria da personalidade, uma clara mudança de enrase do determinismo biológico-histórico freudiano para o determinismo sócio-situacional. Tal como no caso do determinismo biológico de Freud, o determinismo social pragmático que começou a ser enfatizado na teoria da personalidade também foi rapidamente assimilado aos valores da sociedade americana. Entretanto, como é comum ocorrer, um foco de pensamento científico viu-se submetido a sérios exageros de interpretação. Depois disso, entretanto, tornou-se evidente uma nova guinada na teoria da personalidade, ainda noutra direção. Como uma formação de reação contra as anteriores posições deterministas, registrou-se um gradual, mas constante, desenvolvimento do interesse pelo indivíduo e seu lugar nesse ”atoleiro de forças e correntes formativas”. O que poderia ser chamado de ênfase sobre o autodeterminismo, ”eu individual” ou ”ego-autonomia”, tornou-se cada vez mais evidente. Os autores mais antigos, cujas idéias tinham sido virtualmente ignoradas, no começo, foram ”redescobertos”, como se verificou no renovado interesse pelos trabalhos de Lecky (22) e Angyal (2), suplementados por outros psicólogos da nomeada de Rogers (32), May (26), Frankl (6), McCurdy (27) e Maslow (25). A obra de Rank e Sullivan também foi 176

CONCLUSÃO reavaliada em função da ênfase no eu. Os filósofos fenomenológicos e existenciais, como Husserl, Kierkegaard, Sartre, Tillich e Heidegger, converteram-se num foco de interesse para os cientistas sociais. Essas mudanças do biológico para o social e deste para o autodeterminismo, como um meio para explicar n ”condição humana” — convém sublinhar aqui — é, realmente, uma questão de ênfase. Apesar das reivindicações dos paladinos radicais de cada uma dessas posições, é preciso reconhecer que, provavelmente, nenhuma concepção simples de determinismo, seja ele biológico, social ou partidário de uma radical responsabilidade individual, ditada pelo livre arbítrio, poderá explicar adequada e completamente o comportamento complexo do indivíduo ou do grupo. Contudo, a responsabilidade pessoal do indivíduo voltou a ocupar um lugar destacado na primeira linha, talvez com boas razões. É interessante lembrar que Jung reflete todas essas tendências em vários pontos da sua entrevista, manifestando certa tolerância em relação a uma combinação dessas influências. Por exemplo, é visível em muitas observações de Jung que as suas concepções são, em certos aspectos focais, inteiramente compatíveis com o determinismo biológico de Freud. Em outros aspectos, porém, quando tentamos determinar se Jung enfatizava, necessariamente, a importância da análise histórica para a compreensão do indivíduo, ele indicou que também era capaz de discernir as virtudes das análises teóricas não-históricas ou de campo. De fato, as respostas de Jung sugeriram uma aceitação surpreendentemente equilibrada da importância de ambos os tipos de análises. Isso é particularmente interessante, dada a prioridade que Freud outorgou às determinantes primordialmente históricas da personalidade, assim como as óbvias implicações histórico-deterministas do inconsciente coletivo ou racial junguiano. Em várias passagens do diálogo, a referência de Jung a determinantes culturais, e a sua compreensão a respeito destas, foram evidenciadas através das suas descrições de várias culturas por ele estudadas, se bem que 177

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG muitas de suas conclusões dificilmente sejam compatíveis com as idéias dos antropólogos culturais de hoje. É evidente que, para Jung, são compatíveis a teoria dos arquétipos universais, o inconsciente coletivo presente em cada indivíduo e as modificações de comportamento precipitadas pela diferenciação dos modelos ou padrões culturais. Talvez seja esta uma das mais interessantes introvisões que nos foram oferecidas nessas entrevistas. Finalmente, o seu interesse pela natureza de um eu intrínseco e pelo processo de individuação é certamente coerente com o interesse atual numa perspectiva autodeterminista, na teoria da personalidade. Isso poderá explicar o renovado interesse por Jung e sua obra em muitos setores intelectuais. Uma área de interesse para o autor envolveu as respostas de Jung e Jones às perguntas formuladas sobre as suas atitudes em relação ao uso de tranqüilizantes, a fim de tornar os pacientes ”fora de contato” acessíveis à comunicação terapêutica. Suas respostas foram semelhantes, na medida em que ambos opinaram que tais drogas meramente ”amortecem” as emoções dos pacientes e não acreditam que se possa esperar uma autêntica reorganização da personalidade do paciente, a partir de uma psicoterapia baseada no emprego de tais drogas. Essas respostas estavam, em sua maior parte, em concordância com as tradicionais reservas psicanalíticas a respeito da suplementação artificial do processo natural de psicoterapia. Por exemplo, os freudianos e junguianos têm sido, caracteristicamente, ainda mais hostis ao uso da terapia de choque e da psicocirurgia do que as reservas manifestadas por Jung e Jones, nessas entrevistas, em relação ao uso de tranqüilizantes como medida terapêutica suplementar. Muitos indivíduos ficaram surpreendidos ao descobrirem que Freud acreditava fortemente na presença da percepção extra-sensorial. É interessante notar, entretanto, a firmeza com que o Dr. Jones claramente depreciou, em resposta a uma pergunta nossa, os escritos de Freud nessa área, considerando-os um produto da filosofia de vida de Freud, refletida nos trabalhos do seu 178

CONCLUSÃO último período, não podendo ser confundidos com os anteriores pronunciamentos freudianos, estes, sim, vercadeiramente científicos. Por outra parte, nessa mesma área, Jung não só concordou em que as formas de percepção extra-sensorial são francamente compatíveis com a sua função intuitiva, mas pareceu afirmar, quando indicou a sua concordância com as conclusões estatísticas de J. B. Rhine, que esse fenômeno tem uma base científico-estatística. Ele deu até a entender que a sua teoria de sincronicidade, a qual abrange os eventos parapsicológicos, poderia ser algum dia corroborada por novas formas abstratas da Matemática. Quando Jung criticou os médicos americanos em seu despertar muito lento para uma compreensão da Medicina Psicossomática, havia um lampejo irônico em seus olhos que, é claro, não foi visível ao leitor. Contudo, a atitude algo jocosa que ele assumiu não obscurece o ftito de acreditar ele firmemente que os seus anteriores trabalhos com tuberculosos tinham demonstrado, há cerca de cinqüenta anos, a importância de se compreender as determinantes psicológicas de doenças físicas. Também foi divertido notar que tanto Jung como Jones refletiram uma velha concepção européia a respeito dos Estados Unidos, quando sugeriram que a juventude nesse país é extremamente rebelde e que a existência americana se caracteriza por um ritmo tão rápido que só o recurso a tranqüilizantes é capaz de abrandá-lo. As reações de Jung às nossas perguntas sobre aspectos específicos da teoria freudiana refletiram, freqüentemente, uma certa forma de condescendência, embora estivessem longe, certamente, da aceitação inequívoca e incondicional manifestada pelo Dr. Jones. Em vez de assumir uma atitude de clara discordância, Jung preferiu sugerir que Freud não tinha ido suficientemente longe ou que se ativera aos aspectos mais óbvios dos problemas. Por exemplo, para Jung, o complexo de Édipo é apenas um dentre uma quantidade infinita de arquétipos. Parece estar zombando de Freud por ter descoberto apenas esse arquétipo e supor que toda a humanidade gravitava em torno dele, ignorando completamente os outros arquétipos. Do mesmo modo, parecia 179

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG sentir que muitos detalhes do desenvolvimento psicossexuai, tal como Freud os descrevera, eram um tanto asnáticos. O sarcasmo, como o leitor recordará, acompanhou definitivamente as suas respostas às nossas perguntas sobre os níveis oral e anal do desenvolvimento, propostos por Freud. Não rejeitou essas idéias, mas sugeriu que eram por demais eficientes para que se revestissem de qualquer importância. Um interessante ponto de discordância entre Jung e Freud teve por fuicro a importância do motivo de poder. Como o leitor recordara, Jung afirmou que as concepções de poder de Nietzscne, embora conscientemente ignoradas por Freud, estavam disfarçadas, não obstante, em termos de sexo, nas teorias de Freud. Além disso, ele parecia considerar que a libido tinha um importante componente de poder, assim como abrangia outras necessidades do indivíduo, além do sexo. Insistiu em ver a concepção freudiana da libido como estando centrada na energia sexual. Contudo, a reação de Jones à nossa pergunta sobre a alegada preocupação de Freud com o motivo sexual dana a concepção treudiana da libido, em muitos aspectos, tanta amplitude quanto a concepção de Jung. De fato, em muitas ocasiões, Jung estava criando, provavelmente, uma espécie de ”espantalho” com respeito as idéias de Freud. É improvável que Freud tivesse alguma vez pretendido ser interpretado tão literalmente quanto Jung o interpretou, com freqüência, no decorrer das entrevistas. Entretanto, o autor deve confessar aqui que, provavelmente, prepaiou o palco para essas interpretações literais, por parte de Jung, por causa da necessidade de formular as perguntas de um modo simultaneamente claro e provocativo, se bem que Jung nunca tivesse contestado, virtualmente, as descrições não só literais, mas, com freqüência, necessariamente incompletas, que o autor fazia das concepções de Freud. Em seus esforços para ”desnudar” alguns aspectos essenciais da teoria da personalidade, de Jung, o autor apreciou o modo desconcertante com que Jung admitiu que certas idéias suas eram complexas ou difíceis de entender. Por exemplo, o autor achou um tanto vagas algumas conceptualizações de Jung ao descrever a sua 180

CONCLUSÃO função intuitiva. O leitor lembra-se-á que, em certa altura, em resposta a uma pergunta sobre o tipo introvertidointuitivo, Jung admitiu francamente que isso era muito difícil de explicar em poucas palavras. Passou então a fazer uma extensa descrição, envolvendo alguns casos extraordinariamente interessantes, como o da moça que tinha uma cobra na barriga. Sem dúvida, ele aceitou essa tarefa de explicação e a necessidade de esclarecer honestamente e sem afetação. Estou certo de que o leitor ficou tão encantado quanto este autor diante da tentativa de Jung de se assegurar de que havíamos entendido bem que ele não só ”inventara” os termos vulgarmente conhecidos ”introvertido” e ”extrovertido”, mas que o termo ”complexo” era igualmente de sua autoria. Uma vez mais, nesse episódio como em muitos outros, a cintilação peculiar nos olhos de Jung deixava claro ao autor que ele não estava empenhado em jactâncias gratuitas. Embora isso não fosse apresentado na parte filmada das nossas entrevistas, o autor estava vitalmente interessado na freqüentemente ouvida acusação de que Jung tinha sido simpatizante dos nazistas e talvez fosse até anti-semita. Em resposta à pergunta sobre esse ponto, Jung perdeu a sua calma habitual e negou veementete tais acusações. Na literatura junguiana não faltam as elaboradas discussões sobre os prós e os contras dessa questão, mas, nessa ocasião, Jung respondeu à nossa pergunta da seguinte maneira: Para ele, quando Freud e os outros fugiram do Terceiro Reich, havia o grande perigo de que a força do movimento psicanalítico diminuísse, visto que a Alemanha tinha sido um dos seus centros vitais. O fato de ter assumido a direção do jornal psicanalítico de Berlim foi, simplesmente, um meio que encontrou de manter ativo, pelo menos, esse centro intelectual do movimento. Ainda estava perplexo sobre como isso podia ser interpretado como prova de simpatia pelos nazistas. Reconhecia que Hitler era um fenômeno digno de estudo, mas tinha o mais completo desprezo pelo que ele representava e fazia, sob todos os aspectos. Citou experiência após experiência para ilustrar a natureza das suas 181

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG relações com indivíduos judeus ao longo de sua vida e assinalou que os próprios judeus que o haviam conhecido mais intimamente, alguns dos quais estiveram entre os defensores e intérpretes mais significativos de suas idéias, tomaram a peito contraditar e destruir o mito do seu anti-semitismo. Jung concluiu perguntando como é que alguém poderia verdadeiramente compreender a profundidade de suas teorias sobre a compreensão do indivíduo e acusá-lo de preconceitos contra os crentes de uma religião que reflete a sabedoria de longas eras. Outra área que parecia perturbá-lo, conforme se refletiu em suas respostas, dizia respeito à acusação de que era um místico. Não obstante o fato de que muitos de seus escritos, à parte as suas formulações respeitávies à personalidade que estão refletidas no presente volume, se ocupa de problemas metafísicos, transcendentes e francamente espirituais, Jung parecia contrariado pelo rótulo de ”místico”. Era como se Jung, o médico, psicólogo e cientista, estivesse desde há muito empenhado numa batalha com Jung, o filósofo e especulador. Nesse ponto, a interpretação do autor é que, quando Jung objeta a ser designado por místico, ele está sugerindo que formas superiores e mais complexas de inquérito científico acabarão, algum dia, por validar as suas conceptualizações menos concretas. Ele parecia acreditar que uma renovação criadora poderia alterar radicalmente o curso do que acreditamos ser o verdadeiro domínio da ciência. Seja como for, somos gratos ao Dr. Jung pela sua entusiástica disposição para desempenhar o papel de educador, na mais alta acepção da palavra, enquanto pacientemente respondia às nossas perguntas, hora após hora. Esperamos que as idéias aqui apresentadas proporcionem um vasto campo de comunicação de algumas conceptualizações fundamentais de Jung. Também esperamos que as reações de Ernest Jones o tenham apresentado não só a uma nova e interessante luz, quando comparado com Jung, mas o revelem também como um intelectual e erudito de primeira ordem. 182

APÊNDICE A Relatório sobre o Projeto de Filme Jung-Jones: Subm etido pela Universidade de Hotiston ao Fund for the Advancemen t of Education1 A hipótese básica do projeto foi que a filmagem, por comparativamente baixo custo, de depoimentos por grandes pensadores sobre o significado de suas obras poderia ser usada como fonte educativa primária, destinada à instrução em nível universitário. Essa hipótese implicou ainda que tais filmes seriam de extraordinário valor, tanto para fins didáticos imediatos como para acervo de arquivo, não sendo sua intenção substituir, mas suplementar, idêntico material em forma impressa. Como o Departamento de Psicologia, academicamente uma das áreas mais fortes da Universidade de Houston, estava interessado na hipótese básica do projeto e realizara anteriormente um extenso trabalho em filme e televisão, esse departamento foi convidado pelo Comitê Supervisor do Programa de Instrução Acelerada e Aperfeiçoada, encarregado do projeto, de selecionar uma área de instrução e propor séries específicas de filmes que fossem apropriados para testar a hipótese básica. O trabalho exploratório do Dr. Richard I. Evans, do Departamento de Psicologia, logo revelou a possibilidade de se produzir uma série de entrevistas filmadas, de uma hora de duração cada, com o Dr. C. G. Jung em Zurique, Suíça, e uma entrevista com o Dr. Ernest Jones em Paris, França. Foi planejado, finalmente, que I. Modificado pelo autor para o presente volume do relatório original preparado pelo Dr. John W. Meaney e o autor, corn a finalidade de enfatizar, particularmente, a versão filmada das entrevistas com Jung (5). 183

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG essas entrevistas ocupariam seu lugar num grupo maior de trinta filmes, cuja finalidade era servir como alternativas audiovisuais a uma parte das aulas de um curso que já faz parte do currículo do departamento de Psicologia e se intitula ”A Psicologia da Personalidade”. A idéia de usar a técnica de entrevista era garantir a espontaneidade nas declarações feitas pelos grandes pensadores, de modo que os depoimentos fossem endereçados diretamente a uma pessoa e não a uma câmera; e assegurar também que as perguntas respondidas pelos entrevistados seriam as mais apropriadas para inclusão no contexto de um determinado curso. O projeto foi aprovado porque parecia oferecer um modo particularmente notável de aplicar as vantagens das técnicas de cinema e televisão a um currículo estabelecido, tornando a instrução acessível não só a um maior número de estudantes, mas, o que é mais importante, introduzindo progressos qualitativos concorrentes na própria instrução. As entrevistas propostas foram filmadas em Paris e Zurique durante o final de julho e princípios de agosto de 1957. O entrevistador foi o Dr. Evans, e o trabalho de produção foi organizado e dirigido pelo Dr. John W. Meaney, Diretor do Centro de Rádio, TV e Cinema da Universidade de Houston. Um intensivo programa de experimentação, para testar um dos filmes no grupo, foi mais tarde instituído pelo Dr. Evans. Um completo script impresso do conteúdo do filme foi submetido a um grupo de estudantes, simultaneamente com meticulosos exames pré-realização e pós-realização, baseados no material. A um grupo acompanhante foi mostrado o próprio filme e administrado um exame semelhante. Os resultados revelaram que tanto o grupo do script como o do filme melhoraram significativamente os escores de aprendizagem, mas que a diferença no grau de aprendizagem entre os dois grupos não era significativa. Por outras palavras, o conteúdo do material comunicado pelos dois veículos, o filme e a imprensa, foi aproximadamente igual. Além disso, um experimento menos cuidadosamente controlado que tentou comparar a eficácia da aula normal com 184

APÊNDICE A a eficácia da entrevista filmada, sobre a mesma matéria de estudo, pareceu dar uma nítida vantagem ao filme. Experimentos adicionais, destinados a medir as mudanças nas atitudes dos estudantes em conseqüência de lerem visto o filme, as mudanças de atitudes em relação à técnica de entrevista filmada, em relação a C. G. Jung como pessoa e em relação a um grupo de conceitos teóricos de Jung, foram propensos a indicar que as entrevistas filmadas com pensadores importantes são comparativamente mais eficientes do que os métodos convencionais de ensino para ativar o interesse do estudante e para modificar as suas atitudes. Os comentários verbais, de natureza informal, dos estudantes, após assistirem à exibição do filme, incluíram observações como: ”Puxa, isso foi interessante”; ”Quando podemos ver o outro filme?”; ”Aprendi mais sobre a teoria de Jung do que com a leitura de qualquer dos seus livros”: e ”Nunca pensei que Jung fosse um indivíduo tão dinâmico”. Reações correspondentes não foram tão freqüentes por parte das pessoas que leram o script da entrevista sem ver o filme. Essas provas parecem indicar que tais filmes contêm uma promessa definitiva como recurso didático. Podem comunicar informação de uma forma tão eficaz, pelo menos em alguns casos, quanto os métodos convencionais de aula e conferências; e funcionam de um modo significativamente promissor para provocar o interesse do estudante — um fator crítico no processo educacional. Não devemos esquecer que esses experimentos envolveram apenas um filme, de uma série de cinco entrevistas filmadas, e que mesmo o grupo de cinco filmes tem o propósito de constituir apenas uma pequena parte de um grupo programado de trinta filmes, com o objetivo fundamental de constituir o equivalente das aulas convencionais num curso intitulado ”A Psicologia da Personalidade”. Quando projetados nesse âmbito mais vasto, os resultados desses experimentos sugerem a possibilidade de um progresso definitivo, qualitativo, no ensino, oferecendo aos estudantes motivação superior, estímulo e reforços periféricos de aprendizagem ocasiona- 185

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG dos pela sensação de um contato pessoal com um grande pensador. Em termos de espaço e tempo universitários, de recursos financeiros e administração, há outras e notáveis implicações. Uma vez em filme, essas entrevistas didáticas são acessíveis, mediante pedido, a grupos disseminados de estudantes e pessoas interessadas (por exemplo, através da televisão educativa), indivíduos residentes nas universidades ou adjacências em diversas cidades. O ensino em questão pode ser facilmente programado segundo esquemas da máxima eficiência ou em qualquer combinação de esquemas adequados para determinados grupos de estudantes. O tempo empregado na realização das entrevistas investido pelo Dr. Jones e o Dr. Jung, não foi uma dotação temporária que precise ser renovada em pessoa em cada semestre; ele facilitou uma realização permanente e, de fato, tanto num caso como no outro, definitiva. O Pr. Ernest Jones faleceu alguns meses depois da entrevista, conferindo a essa produção a estatura adicional de um dos registros finais da personalidade e pensamento do Dr. Jones; e, no caso do Dr. Junq, também já falecido, as entrevistas constituem o único meio viável de complementar as suas Idéias com o tremendo impacto da sua personalidade, certamente uma combinação desejável na apresentação das idéias de qualquer contribuidor importante. As reações às entrevistas filmadas foram quase universalmente favoráveis, tanto dentro como fora do meio universitário. Os estudantes nos grupos de teste, que não viram originalmente o filme, solicitaram depois a oportunidade de uma exibição. Até estudantes de outros cursos quiseram ver os filmes e ouvir episódios pessoais relacionados com as operações de produção. Os membros docentes de toda a universidade ficaram, segundo parece, favoravelmente impressionados tanto pelos frutos obtidos com a realização dos filmes como pela publicidade concomitante para a própria universidade. O Comitê de Educação do Instituto Americano de Ciências Biológicas estava, por coincidência, reunido no campus da Universidade de Houston durante o mês de 186

APÊNDICE A agosto de 1958 e para ele foram exibidos alguns trechos dos filmes. Os membros desse grupo ficaram muito impressionados e seus comentários foram altamente elogiosos. Algumas exibições dos filmes na estação de TV educativa da Universidade provocaram numerosos telefonemas e cartas entusiásticos. A tônica da reação pública local pode ser indicada por alguns comentários extraídos da coluna de David Westheimer, o crítico de televisão do Houston Post, publicada em 21 de maio de 1958: ”Na noite de segunda-feira, no Canal 8, uma das figuras lendárias do nosso tempo falou durante uma hora sobre um assunto de grande interesse geral e sobre o qual ele é considerado por muitos a maior autoridade viva do mundo. ”Conquanto houvesse uma certa soma de material, na entrevista de segunda-feira, de interesse primordial para o estudante ou professor de Psicologia, a maior parte do que o Dr. Jung teve a dizer foi inteiramente compreensível para o leigo e, surpreendentemente, tão recreativa quanto informativa. ”O próximo filme de uma hora de duração dessa série será exibido por volta de 9,30 horas da noite de sexta-feira, imediatamente após o programa do quinto aniversário da KUHT. Recomendo a todos que não percam a oportunidade de ver e ouvir uma das mais gigantescas figuras do nosso tempo.” Houve também uma favorável reação nacional de muitas fontes, depois do artigo que apareceu na revista Time de 19 de agosto de 1957. Esse artigo provocou inúmeras consultas sobre a disponibilidade de cópias dos filmes, algumas de tão longe quanto a Austrália. O interesse geral despertado pelo projeto em outras universidades e as discussões com muita autoridades sobre a hipótese básica e os métodos empregados indicam que existe uma vasta aplicabilidade para esse recurso didático em outros campos, além da Psicologia. 187

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG O apropriado procedimento administrativo para a ampliação do uso de filmes como fonte primária de material educativo teria de incluir, sem dúvida, um sistema de comitês consultivos nacionalmente representativos para selecionar áreas, métodos e pessoas. Tal sistema estabeleceria com a maior facilidade o programa num nível interuniversitário e nacional, dentro de cada disciplina. 188

APÊNDICE B Uma Investigação Exploratória do Impacto Psicológic o e Educacional de um Diálogo Filmado corn Carl Jung1 introdução A presente investigação foi uma tentativa exploratória que visou determinar a eficácia da técnica de entrevista filmada, no que respeita ao interesse e aprendizagem do estudante. Assim fazendo, estávamos não só interessados na realização acadêmica, mas também nos tipos de mudanças de atitudes que ocorrem como função das características de personalidade da amostra estudantil utilizada. O fundamento lógico do presente estudo é sugerido por certos relatórios prévios. Hite (13), depois de entrevistar 4.000 professores de escolas elementares e secundárias do Estado de Washington, concluiu que a falta de materiais apropriados era um dos importantes fatores que inibiam o uso educacional de filmes. Miller (28) também sublinhou que escasseiam os bons filmes que cumpram os objetivos anunciados. Também indicou a necessidade de novas técnicas nas demonstrações em filme. O presente estudo foi planejado para responder às seguintes questões: 1. Que efeito a entrevista filmada com um destacado contribuidor numa determinada disciplina tem sobre a aprendizagem nessa disciplina, em contraste com os modos de ensino mais convencionais? I. Apresentado como parte do Simpósio sobre ”Novos Veículos de Instrução”, em 4 de setembro de 1961, nas reuniões da American Psychological Association. Agradecimentos são devidos ao Dr. Larry Simkins, hoje na Universidade da Flórida, que nos assistiu nesta investigação. 189

ENTREVISTAS com CAEL Q. JUNG 2. Que efeito tem a técnica de entrevista filmada na determinação de: a) montante de mudança e b) direção de mudança (isto é, positiva ou negativa) nas atitudes dos estudantes em relação ao conteúdo que está sendo comunicado? Também foi considerado que o experimento poderia revelar, além disso, algumas das características da personalidade que estão correlacionadas com as mudanças de atitude, como função do conteúdo particular do filme. Plano Experimental Um dos filmes com as entrevistas de Jung, de aproximadamemte uma hora de duração, foi selecionado para esse estudo-piloto e, como controle, preparou-se um completo script impresso do seu conteúdo. 1. mudança de Realização. A primeira parte do estudo foi planejada de modo a determinar o efeito da forma filmada da entrevista sobre a aprendizagem do estudante, em contraste com a forma impressa. Os sujeitos foram escolhidos num grupo de estudantes semifinalistas que estavam fazendo um curso de Psicologia da Personalidade. Em meados do semestre, o experimentador ministrou um teste padronizado de pré-realização, baseado no conteúdo da entrevista com Carl Jung e na escala vocabular da Escala Wechsler de Inteligência. Os estudantes foram então divididos em dois grupos iguais, que se equiparavam na base de escores, de pré-realizaçào e inteligência. Aproximadamente seis semanas depois, um grupo assistiu à projeção do filme, enquanto que ao outro grupo só se permitiu a leitura da transcrição impressa do texto da entrevista filmada. No final da sessão experimental, o teste de realização foi novamente ministrado a ambos os grupos. Resultados Os resultados demonstraram que ambos os grupos, a que chamaremos ”grupo do filme” e ”grupo do script”, melhoraram significativamente em relação a seus escores no teste de pré-realização, mas a diferença em incrementos de aprendizagem entre os dois grupos não foi 190

APÊNDICE B estatisticamente significante. Isso é coerente com numerosos relatórios previamente publicados por outros investigadores (4, 19, 31) o que sugere que as diferenças nos veículos de comunicação per se não estão relacionadas, ao que parece, com os índices convencionais de aprendizagem (ver Quadro 1). QUADRO I Escores Médios Antes e Depois da Realização para os Grupos do Filme e do Script Filme Script Script Antes 9,4 9,5 Depois 17,5 20,1 Diferença 8,1** 10,6** ** Significante além do nível de confiança de 0,1. 2. Mudanças de Atitude e Atributos de Personalidade dos Sujeitos. Para a segunda parte do experimento, destinada a determinar a natureza das mudanças de atitude nos estudantes, como função de terem visto a entrevista filmada, e a determinar as características da personalidade que predisporiam os sujeitos a reagir favorável ou desfavoravelmente perante o filme, usamos a Escala Diferencial Semântica de Osgood, como instrumento para medir a mudança de atitude. Osgood (29) desenvolveu uma escala generalizada de atitudes, composta de uma série de adjetivos bipolares em que um indivíduo coloca um ”x” numa seqüência desses pares de adjetivos que corresponda aos seus sentimentos sobre um determinado conceito. Estudos de análise fatorial revelaram três dimensões principais: avaliação, potência e atividade. O experimentador escolheu o uso da dimensão avaliatória no presente estudo, visto que lhe pareceu prestar-se mais apropriadamente à medição das 191

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG atitudes em relação ao grupo de conceitos apresentados na entrevista. Estávamos interessados em três principais dimensões de atitudes: atitudes em relação à entrevista como recurso de ensino, em relação a Carl Jung como pessoa e em relação a um grupo dos seus conceitos teóricos. No início do semestre, um grupo de estudantes que freqüentavam os primeiros anos de um curso de Psicologia Experimental (N = 22) foi submetido ao teste da Escala de Osgood. Ao mesmo tempo, foi-lhe ministrada uma bateria de testes de personalidade, incluindo o Teste Gráfico de Frustração de Rosenzweig, a Escala de Ansiedade de Taylor, a Escala de Rigidez de Wesiey, a Tabela de Preferências Pessoais de Edwards, a Escala F, o Teste de Apercepção Temática e o Estudo de Valores Allport-Vernon. Aproximadamente dois meses depois, a entrevista de Jung foi exibida para esse grupo e voltou a ser ministrada a Escala de Atitudes de Osgood. Resultados Os resultados indicaram uma mudança altamente significante de atitude em todas as três dimensões (ver o Quadro 3). Assim, os estudantes, em conseqüência da entrevista, responderam mais favoravelmente em relação ao uso das entrevistas como técnica de ensino, em relação a Jung como pessoa e também em relação aos seus conceitos teóricos. Os testes de personalidade, embora um tanto limitados em sua utilidade produtiva, revelaram ainda interessantes resultados. Por exemplo, havia uma significativa correlação inversa entre a rigidez, medida pela Escala de Rigidez de Wesiey, e o montante de mudança de atitude. Isso tende a indicar que os indivíduos que podem ser designados como compulsivos, meticulosos ou relutantes em desviarem-se de certos padrões estabelecidos de comportamento são também menos propensos a mudar suas atitudes quando apresentados a esse novo recurso didático. 192

APÊNDICE B QUADRO 2 Escores Médios de Realização para os Grupos do Fi lme e do Script Montante Ganho em Realização Grupo do Script 10,6 Grupo do filme 8,1 Diferença 2,5 (não-significante) P 0,20 QUADRO 3 Mudança Média em Atitude, como Função do Filme Atitude em Relação à Entrevista como Técnica de Ensino Escore médio antes 31,3 Escore médio depois 34,2 Diferença 2,9** Atitude em Relação a Jung Escore médio antes 29,2 Escore médio depois 33,0 Diferença 3,8 Atitude em Relação aos Conceitos de Jung Escore médio antes 133,2 Escore médio depois 148,6 Diferença 15,4

• Sígnificante além do nível de confiança de 0,05. ** Significante além do nível de confiança de 0,01.

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ENTREVISTAS com CARL G. JUNG QUADRO 4 Correlações Significantes entre Variáveis de Pe rsonalidade e Mudança de Atitude em Relação a Jung: e (ou) Seus C onceitos A. Teste Gráfico de Frustração de Rosenzweig 1. Extrapunitividade 0,45 * 2. Impunitividade -0,55 ** B. Escala de Rigidez de Wesley -0,51 ** B. Estudo de Valores Allport-Vernon 1. Estéticos - 0,64*** 2. Sociais 0,68 *** D. Escala de Ansiedade de Taylor - 0,46 * * SIgnificante no nível da confiança de 0,05. ** Significante no nível de confiança de 0,02. *** Significante no nível de confiança de 0,01. O Teste Gráfico de Frustração de Rosenzweig indicou que a extrapunitividade estava positivamente associada e a impunitividade negativamente associada ao montante de mudança de atitude. O indivíduo extrapunitivo é aquele que reage à frustração de uma forma ego-defensiva, projetando a culpa ou a hostilidade em alguma pessoa ou obstáculo do seu meio. Está perfeitamente cônscio das pistas ambientais, a que reage prontamente. Num sentido limitado, manifesta tendências ”extrovertidas”, em contraste coM o indivíduo que é submisso, tímido e mais propenso à introspecção em suas relações com o meio ambiente. Jung, ao invés da crença popular (que se baseia no conteúdo de seus escritos), parece ser o protótipo do (segundo a sua própria expressão) extrovertido. Uma interpretação bastante genérica dos resultados do teste poderia ser esta: o indivíduo que manifesta reações ”extrovertidas” identifica-se com Jung e, portanto, está mais predisposto a reagir a ele favoravelmente. Por outro lado, o indivíduo impunitivo, 194

APÊNDICE B amiúde um tímido introvertido que se defronta com frustração, apressa se a negá-la, sendo a repressão o modo mais freqüente de defesa usado para enfrentar a ansiedade decorrente de tais incidentes. Portanto, na medida em que a pessoa impunitiva é incapaz de se identificar com o seu oposto, representado por Jung, também está predisposta a resistir a quaisquer mudanças em suas atitudes iniciais. Pareceu que o sistema de valores do indivíduo, tal como foi medido pelo Estudo de Valores Allport-Vernon, também envolvia importantes variáveis que influenciaram o montante de mudança. Assim, um indivíduo que confere grande ênfase às atividades sociais responde mais favoravelmente a Jung; ao passo que o indivíduo mais esteticamente inclinado tende a mudar menos. Isso não é incompatível com a hipótese de ”identificação extrovertido-introvertido” acima mencionada. Discussão Em face desses resultados, parece que o ensino através do diálogo foi muito eficaz em termos dos resultados obtidos nos exames de realização ou aproveitamento. Além disso, a presença de um grande contribuidor no filme constitui um fator de considerável importância para ativar o interesse do estudante e mudar as atitudes dos estudantes (em relação àquela presença) numa direção mais favorável. Outro resultado sugere que algumas características da personalidade dos sujeitos, conforme foram medidas por uma bateria de testes de personalidade, estavam relacionadas com a tendência para mudar de atitude em relação a Jung. As determinantes da personalidade para a mudança de atitude foram até agora amplamente negligenciadas nos estudos desta natureza. Os presentes resultados, embora um tanto limitados em seu âmbito, são elucidativos, não obstante, e devem estimular novas pesquisas dessa natureza. Seria interessante, por exemplo, aprofundar ainda mais a mudança diferencial em atitudes, evidenciada na investigação presente. Al- 195

ENTREVISTAS com CARL G. JUNG guns dos estudantes, embora mudassem muito favoravelmente em relação a Jung como pessoa, permaneceram neutros ou reagiram negativamente em relação aos seus conceitos teóricos. Outros estudantes reagiram negativamente aos seus conceitos teóricos. Ainda outros estudantes reagiram favoravelmente aos conceitos de Jung, mas permaneceram neutros no tocante a Jung como pessoa. Surge a questão de saber que espécies de distintas características da personalidade, no caso de haver algumas, são típicas desses dois grupos de indivíduos. Até que ponto a mudança de atitudes é atribuível a essas variáveis de personalidade per se? A metodologia utilizada na presente investigação oferece uma abordagem promissora, na base da qual é possível efetuar a avaliação de cursos completos, utilizando as entrevistas com proeminentes contribuidores como um recurso didático. Resumo Isso foi uma tentativa exploratória para determinar o impacto de uma entrevista didática com grandes contribuidores de uma disciplina sobre a realização e as atitudes dos estudantes, usando uma da série de entrevistas de uma hora de duração com Carl Jung como modelo. Também houve uma tentativa de apuração das determinantes da personalidade que estão associadas às mudanças de atitude. Verificou-se que os estudantes expostos à entrevista, em filme ou em forma impressa, aumentavam significativamente seus conhecimentos a respeito dos conceitos de Jung, tal como foi medido por um teste de realização. Houve mudanças significativas de atitude, numa direção mais favorável, conforme as medições pela Escala Diferencial Semântica de Osgood, em relação à entrevista como técnica de ensino e em relação ao próprio Jung e muitas de suas variáveis teóricas, que foram correlacionadas com a mudança de atitude. Essas correlações foram Interpretadas e fez-se um exame de sugestões para novas pesquisas. Pelo menos, foi apresentado um apoio experimental às hipóteses fundamentais implícitas na utilização de entrevistas filmadas com ”grandes mestres” como um recurso didático. 196

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