entrevista revista jovem cientista julho 2007

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Prezado professor Nilton, Sou da assessoria de imprensa do Prêmio Jovem Cientista, que neste ano tem como tema Educação Para Reduzir as Desigualdades Sociais. Nós estamos produzindo a newsletter de julho do PJC, que será publicada no site do prêmio e distribuída a pesquisadores de todo o Brasil. Gostaríamos de ter nesta edição uma entrevista sua. Envio abaixo algumas perguntas. Se tiver disponibilidade, até quando poderia nos responder? Atenciosamente, Assessoria de Imprensa do Prêmio Jovem Cientista - Quando e como começou o seu trabalho na área da educação? Agosto de 1969, no ensino médio, curso de contabilidade, aulas de Introdução à Economia. Era na escola técnica comercial São Jacó, na cidade de Novo Hamburgo- RS. Trabalhei até agosto de 1975 (fui diretor da Escola Pio XII que era comunitária, desde dezembro 1972, com 23 anos). Atuei também como professor de escola pública, quintas e sextas séries, como professor de ‘técnicas comerciais’ – minha formação é em Ciências Econômicas, depois Mestrado e Doutorado em Educação). - Como é o seu trabalho com a educação popular e ambiental? Trata-se de uma combinação entre dois campos do conhecimento que foram UNIDOS pela minha prática educativa de ‘intervenção social’ junto ao pessoal da reciclagem na periferia de Porto Alegre. Minha inspiração para isso vem desde minha tese de doutorado na qual estudei a ocupação urbana do bairro Santo Operário no vizinho município de Canoas (1980) e com a parceria do Irmão (Marista) Antonio Cechin. Considero como uma rara, exigente, necessária, solidária e afetiva possibilidade de produzir a relação fértil entre teoria e prática, tanto no plano da pesquisa (e aí a metodologia de campo é estratégica para a compreensão de quem é esse ‘outro’ que está ao nosso lado, tão vulnerável pela condição de reciclador/a). A aproximação entre educação ambiental e educação popular precisa, nestas concretas condições dessa população, de um cuidadoso movimento de ordem reflexiva em não querer imputar nomenclaturas onde talvez certas situações não estejam ocorrendo. Como exemplo lembro que ‘reciclagem de

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Page 1: Entrevista Revista Jovem Cientista julho 2007

  Prezado professor Nilton,  Sou da assessoria de imprensa do Prêmio Jovem Cientista, que neste ano tem como tema Educação Para Reduzir as Desigualdades Sociais. Nós estamos produzindo a newsletter de julho do PJC, que será publicada no site do prêmio e distribuída a pesquisadores de todo o Brasil. Gostaríamos de ter nesta edição uma entrevista sua. Envio abaixo algumas perguntas. Se tiver disponibilidade, até quando poderia nos responder?  Atenciosamente,Assessoria de Imprensa do Prêmio Jovem Cientista

 

  - Quando e como começou o seu trabalho na área da educação?Agosto de 1969, no ensino médio, curso de contabilidade, aulas de Introdução à Economia.Era na escola técnica comercial São Jacó, na cidade de Novo Hamburgo- RS.Trabalhei até agosto de 1975 (fui diretor da Escola Pio XII que era comunitária, desde dezembro 1972, com 23 anos). Atuei também como professor de escola pública, quintas e sextas séries, como professor de ‘técnicas comerciais’ – minha formação é em Ciências Econômicas, depois Mestrado e Doutorado em Educação). - Como é o seu trabalho com a educação popular e ambiental?Trata-se de uma combinação entre dois campos do conhecimento que foram UNIDOS pela minha prática educativa de ‘intervenção social’ junto ao pessoal da reciclagem na periferia de Porto Alegre. Minha inspiração para isso vem desde minha tese de doutorado na qual estudei a ocupação urbana do bairro Santo Operário no vizinho município de Canoas (1980) e com a parceria do Irmão (Marista) Antonio Cechin.Considero como uma rara, exigente, necessária, solidária e afetiva possibilidade de produzir a relação fértil entre teoria e prática, tanto no plano da pesquisa (e aí a metodologia de campo é estratégica para a compreensão de quem é esse ‘outro’ que está ao nosso lado, tão vulnerável pela condição de reciclador/a). A aproximação entre educação ambiental e educação popular precisa, nestas concretas condições dessa população, de um cuidadoso movimento de ordem reflexiva em não querer imputar nomenclaturas onde talvez certas situações não estejam ocorrendo. Como exemplo lembro que ‘reciclagem de lixo urbano, doméstico e seco’ e a geração de renda dessa população não significa – automaticamente – que estas pessoas estão agindo a partir de um ideário da educação ambiental ou alguma matriz ecológica.Por meio de uma pedagogia da aproximação entre saberes, não só meus, mas de todos aqueles que estão comigo nesse projeto, alunos, bolsistas, voluntários, profissionais diversos os quais conseguem, aos poucos e de forma homeopática, produzir um conhecimento relacional a partir da prática da educação popular e conectar isso com a perspectiva ambiental.No momento estamos experienciando uma sólida formação nesse sentido a partir de oficinas de gestão, horta ecológica, saúde, psi e nutrição, além de artesanato e informática.O ideário da educação popular dos anos 60 agora se refaz de forma menos ‘prescritiva’ do tipo ‘tem que conscientizar’ a qualquer preço em nome de um projeto de mudança social radical... Para um projeto do ‘possível’ e com muita escuta para que as pessoas mesmo consigam fazer as suas escolhas. Freire gostaria de ver isso porque estamos diante do belo momento do ‘agente’

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NOMEAR A SUA PALAVRA (e não ser empurrado para dizer algo de forma ventríloqua, repetindo palavras de ordem...).

- Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU de 2006, o Brasil é a 10ª nação mais desigual do mundo. Qual a relação desse quadro com a qualidade do ensino no país?

As relações entre a materialidade de uma sociedade e as condições concretas de uma vida de qualidade (saúde, habitação, alimentação, educação, emprego, etc.) são sempre importantes para serem fonte de interpretação para certas situações que observamos em nosso cotidiano. Assim que esta condição de 10ª nação mais desigual não pode ser descartada como algo que não afete o ensino em nosso país e em especial em nossas crianças filhas das classes populares, moradoras em periferias urbanas e em zonas rurais. Para tanto basta ver, com olhos de quem quer ver mesmo, as condições de muitas de nossas escolas públicas em nosso Rio Grande. Se somarmos a isso os eternos problemas de transporte escolar e ainda os salários e horários disponíveis para professores se atualizarem em cursos de formação então teremos quase um engessamento sobre ‘por onde começar’. No campo da pesquisa estamos muito, mas muito bem municiados de inúmeras produções de parte de nossos colegas, de todo o país e em especial de nossos programas de pós graduação. Além disso, há um ganho evidente no campo da legislação, por inúmeras conquistas (embora não todas equacionadas) sobre o ECA por exemplo e mesmo a última LDB. O que nos ressentimos é de aportes de recursos concretos, financeiros, nos cuidados com a escola, para oportunizar efetivas condições de trabalho aos professores. Nos municípios em que isso ficou quase totalmente resolvido se podem observar resultados dessa combinação entre formação de professores, base material (salários e plano de carreira do magistério) e as aprendizagens dos alunos por terem professores em atualizações e formações de qualidade.Isso não impede que muitas ações ainda sejam feitas por parte dos professores o que aumenta a dignidade desses profissionais abnegados (não se trata de enaltecer o ‘mártir’ mas sim reconhecer que o professor tem uma enorme dose de ‘entrega’ para com seus alunos e isto talvez não receba o devido reconhecimento das autoridades). - Como os programas de inclusão digital podem contribuir para a eqüidade social?A informação é uma ferramenta de matriz emancipatória considerando-se todos os recursos que se originam por meio da informática e também pela velocidade da informação que permite a criação de verdadeiras comunidades de todo tipo (vide os blogs e orkuts de nossa juventude).A equidade novamente se anuncia na medida em que a informação se ajusta ao CAPITAL CULTURAL que jovens, alunos, crianças se apropriam de toda essa tecnologia.Sem fazer panacéia de que TUDO será resolvido o que estamos dizendo é a condição de uso de uma ferramenta que oportuniza acesso à informação (com todos cuidados sobre os acessos livres...) e, ao mesmo tempo ‘forma’ essa faixa da população no sentido de terem (conquistarem) uma credencial neste mundo em que o trabalho/emprego precisa desse indispensável recurso.Diminui a desigualdade, mas não a elimina!

 - As cotas sociais ou raciais nas universidades ajudam a reduzir a desigualdade no Brasil?Sempre que a compreensão do verbo AJUDAR se tornar como possibilidade de superar os limites do momento, indo para um seguinte... Vale a pena apostar.Certamente que estamos diante de um quadro de nossas escolas que mereceria um investimento em larga escala e em todas frentes (espaço físico, formação professores, salários dos docentes, condições de bibliotecas, laboratórios informática, lazer, esporte, cultura, etc.). Entretanto teremos que ir ao encontro do possível e dentro dos tempos do ‘imediato’. O que pode ser feito?Neste momento considero que também o PROUNI se ajusta a esse tipo de medidas dentro do campo das políticas públicas.Vale investir também na ‘internalidade’ dessas medidas: procurar conectar as aprendizagens dos tempos ‘pré-universidade’ (nas escolas públicas) e ir aperfeiçoando os mecanismos de registros de

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aprendizagens ocorridas antes do ensino superior e também durante os cursos. Da mesma forma com as quotas raciais. No momento considero uma conquista da sociedade essa conquista e espero que se torne uma pista para aperfeiçoamento dos mecanismos de desempenho dos quotistas (claro que não só deles) em suas relações com o ensino médio e com as escolas desse nível de ensino. Repito que a idéia de ‘movimento’ e não de algo ‘encerrado’ deve ser o procedimento de todos envolvidos com esse momento que vivemos hoje (especialmente aqui na UFRGS).E que venham todas manifestações a respeito dessa conquista, prós e contras, para que seja oportunizada a sempre necessária força do contraditório e com ele a condição de superação por meio de argumentos sólidos de parte a parte.Vale também refletirmos sobre o campo do ‘simbólico’ desse tipo de movimento. Pensarmos em cores, sons, corporeidades, danças, etc. como algo que nos mostra a riqueza e complexidade da condição humana. Talvez estejamos vivendo algum anúncio para além do que ocorreu nesta semana passada.Não deixo de mencionar a INTRANSFERÍVEL e INDISPENSÁVEL responsabilidade para que a IMPLEMENTAÇÃO DAS QUOTAS não fique parecida com algumas experiências com as escolas que acolheram alunos com deficiências mentais e físicas. A conquista é festejada. Por todos.A implementação é desejada pelos ‘destinatários’ da luta, da conquista.A execução exige novas formatações de espaços pedagógicos, novas formações para os docentes... e aí... Parece que ‘arrefece’ a energia inicial. - Como o senhor avalia iniciativas como o Prêmio Jovem Cientista?O emergente sempre é desejado, pois oportuniza novas temáticas, novas metodologias e especialmente ‘ousadias’ em se correr riscos na produção de conhecimento.Premiar Jovem Cientista é, ao mesmo tempo, reconhecer a importância da ‘tradição’ na produção científica (as sempre necessárias ‘continuidades’) e o ‘desruptivo’ que o jovem se autoriza em anunciar, propor, provocar. Renovar, superar, ousar e ‘se anunciar’ é parte da construção de um estatuto científico. O contrário, como confinar, controlar, inibir... só pode produzir seres da ‘execução’, da repetição, da subordinação e da interdição da palavra.Jovem cientista ainda nos traz deslumbramentos.Em salões de iniciação científica pode se observar algumas feições de nossos alunos em que o ‘nervoso’ da situação é bem menor que o irrequieto do correr riscos.Temos aí um desafio, como pesquisadores e educadores: como não nos tornarmos seres de controle e sem fazer da ciência o ‘vale tudo’ como se produzir ciência não estaria vinculado diretamente com uma condição: o relacional do conhecimento, combinado com a informação, pode ser o instituinte da sabedoria (e isso revigora tanto as teorias!).

- Qual sua mensagem aos jovens que estão ingressando agora na pesquisa científica?

Uma sugestão: façam da ciência o exercício de dizerem a SUA PALAVRA. Corram os riscos da AUTORIA. Não sejam ventríloquos e sim SERES DE CRIAÇÃO.Ciência e Existência podem e devem ser conjugados com a rara oportunidade de fazer da CURIOSIDADE um instrumento lúdico de se ‘debruçar sobre o mundo’.A busca curiosa é um movimento da vida... Todas as pesquisas e temas merecem a inquietação e a ansiedade da descoberta. A opacidade não se esgotará nunca e isso é que faz de cada momento reflexivo um MOMENTO ÚNICO de deslumbramento, de ‘produzir eurekas’.A vida pulsa muito bem pela combinação entre esses elementos: curiosidade, deslumbramentos, sistematizações, riscos, buscas novamente.

Nilton Bueno Fischer, Uma sexta feira na hora do entardecer de inverno (quente), 6 de julho de 2007. 

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