entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

16
Volume 20 • nº 1 (2016) revista ISSN 2179-0892 Entre a metrópole e a cidade média: a complexidade das interações espaciais e das dinâmicas de centralidade da cidade de Castanhal, no nordeste paraense Willame de Oliveira Ribeiro UEPA p. 115-129 Como citar: RIBEIRO, W. O. Entre a metrópole e a cidade média: a com- plexidade das interações espaciais e das dinâmicas de centrali- dade da cidade de Castanhal, no nordeste paraense. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 20, n. 1, p. 115-129, mês. 2016. ISSN 2179-0892. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/geousp/article/ view/96710. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2179-0892. geousp.2016.96710. Este artigo está licenciado sob a Creative Commons Attribution 4.0 License.

Upload: others

Post on 16-Oct-2021

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

Volume 20 • nº 1 (2016)

revista

ISSN 2179-0892

Entre a metrópole e a cidade média: a complexidade das

interações espaciais e das dinâmicas de centralidade

da cidade de Castanhal, no nordeste paraense

Willame de Oliveira Ribeiro

UEPA

p. 115-129

Como citar:RIBEIRO, W. O. Entre a metrópole e a cidade média: a com-plexidade das interações espaciais e das dinâmicas de centrali-dade da cidade de Castanhal, no nordeste paraense. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 20, n. 1, p. 115-129, mês. 2016. ISSN 2179-0892.

Disponível em: http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/96710. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2016.96710.

Este artigo está licenciado sob a Creative Commons Attribution 4.0 License.

Page 2: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

115GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Entre a metrópole e a cidade média: a complexidade das interações espaciais e das dinâmicas de centralidade da cidade

de Castanhal, no nordeste paraense

ResumoA cidade de Castanhal, no nordeste do Pará, tem papéis de grande complexidade na rede urbana regional, pois está entre a realidade metropolitana e a centralidade de cidade média que exerce no nordeste paraense. Diante disso, este trabalho discute os papéis de Castanhal na referida região diante do processo de dispersão metropo-litana de Belém. A partir da construção de um referencial teórico, de levantamento documental e de levantamento em campo, se constatou que a complexidade das interações espaciais é uma das principais marcas de Castanhal, que se constitui como cidade híbrida, tendo uma dimensão metropolitana e uma dimensão de cidade média.

Palavras-chave: Metropolização. Dispersão metropolitana. Cidade média. In-terações espaciais. Centralidade.

Between the metropolis and the average city: the complexity of spatial interactions and central dynamics of Castanhal city in northeastern Pará

AbstractThe city of Castanhal, Northeast of Pará, has roles of great complexity in the regional urban network, due to its localization in the intermediation between the metropolitan reality and the centrality of an average city, exercised in Northeastern Pará. Therefore, this article aims to reflect on the following matter: What are the roles played by the city of Castanhal in Northeastern Pará State before the process of metropolitan dispersion of Belém? From the construction of the theoretical framework, documentary surveys and field surveys it was found that the complexity of spatial interactions is a major feature of Castanhal, which is constituted as a hybrid city, having a metropolitan dimension and an average city size.

Keywords: Urbanization. Metropolitan dispersion. Average city. Spatial interactions. Centrality.

Page 3: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

116GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

IntroduçãoCastanhal é uma das mais importantes cidades do Pará e a de maior porte e centralidade

do nordeste do estado. Cortada pela BR-316, tem sua dinâmica econômica diretamente atre-lada à rodovia, porém, como elucida Souza (2008, p. 75), a origem do núcleo urbano esteve relacionada “ao processo de colonização empreendido pela província do estado do Pará, entre 1875 e 1914, com o propósito de povoar a área” entre as cidades de Bragança e Belém e, assim, garantir o fornecimento de produtos agrícolas a esta última.

O processo de colonização do Nordeste Paraense, também conhecido como Região Bragantina, foi marcado pela instalação da Estrada de Ferro de Bragança, às margens da qual se desenvolveram diversos núcleos urbanos, como o de Castanhal e também de seu Distrito, a Vila do Apeú. Em 1965, já no âmbito da política nacional de implantação de rodovias no Brasil, a Estrada de Ferro de Bragança foi desinstalada e a partir de então a integração com Belém e demais áreas passou a ocorrer exclusivamente por meio da rodovia BR-316.

A partir dos anos 1990, aprofundaram-se as inter-relações entre Castanhal e Belém, o que também se expressou no eixo rodoviário, com a duplicação da BR-316 no trecho entre as duas cidades, e foi formalmente reconhecido por meio da inclusão de Castanhal na Região Metropolitana de Belém (RMB) em 2011. Nesse contexto, a cidade passou a desempenhar um papel muito complexo no âmbito da rede urbana regional, fazendo com que em alguns estudos, que valorizam a processo de metropolização do espaço ou a dis-persão metropolitana, seja vista como integrante da estrutura metropolitana de Belém e em outros, que dão ênfase ao papel regional e à centralidade da cidade na rede urbana, seja tomada como cidade média.

Este trabalho se coloca o desafio de pensar a cidade de Castanhal envolvida nessa complexidade de processos e lógicas e se norteia pelas seguintes perguntas: que papéis de-sempenha Castanhal na região nordeste do Pará diante do processo de dispersão metropo-litana de Belém? A partir de que vetores Belém se dispersa para Castanhal? Existe para a realidade estudada uma oposição entre a aproximação com a metrópole e a funcionalidade de cidade média? Como Castanhal pode ser classificada a partir de seus papéis na rede ur-bana regional?

As respostas a esses questionamentos foram buscadas mediante a adoção dos seguintes procedimentos metodológicos: construção de arcabouço teórico a respeito das concepções de rede urbana, metropolização do espaço, dispersão metropolitana, cidade média e intera-ções espaciais; levantamentos documentais voltados para compreender a formação histórica da cidade de Castanhal, da rede urbana do nordeste paraense e da RMB; e levantamentos documentais, tendo os Censos de 2000 e 2010 realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como fonte primordial, para se compreenderem as interações espaciais entre Castanhal e Belém, a hierarquia urbana e as dinâmicas de centralidade no nordeste para-ense e os vetores da dispersão metropolitana.

O texto está organizado em cinco seções além das considerações de início e de fim. Primeiramente, se contextualiza a realidade de Castanhal no âmbito dos processos de metro-polização e dispersão metropolitana de Belém, para logo em seguida se proceder a uma carac-terização da região nordeste do estado do Pará. O texto tem continuidade com a abordagem

Page 4: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

117GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

das interações espaciais entre Castanhal e Belém e logo em seguida se busca refletir sobre os vetores da dispersão metropolitana. E, por fim, se analisa a funcionalidade de Castanhal como cidade média, problematizando com sua dimensão metropolitana.

A metropolização e a dispersão metropolitana de BelémA discussão a respeito das realidades e das problemáticas associadas aos espaços urbanos

tem marcado grande parte da produção acadêmica atual e muitos conceitos têm surgido como instrumentos analíticos que visam melhor interpretar as novas e complexas realidades do mundo contemporâneo. A concepção de metropolização do espaço está inclusa neste contexto.

Os espaços metropolizados não se restringem às fronteiras das regiões metropolitanas instituídas pelo estado e não se confundem com a metrópole, têm amplitude maior. Segundo (Lencioni, 2013, p. 19), espaços metropolizados são aqueles que:

[...] assumem aspectos e características similares, mesmo que em menor escala, aos da metrópole, quer dizendo respeito aos investimentos de capital, ao desen-volvimento das atividades de serviços com sua correlata concentração de traba-lho imaterial; ou ainda, relacionados ao desenvolvimento das atividades de gestão e administração. Podem, também, apresentar outros aspectos, como a tendência ao desenvolvimento de vários centros comerciais e de serviços, a forma de con-sumir e viver semelhante a da metrópole, bem como uma densidade significativa de redes imateriais e a presença bastante visível dos socialmente excluídos.

Sendo assim, a metropolização é um processo bastante amplo, diretamente associado ao fenômeno da globalização e a suas consequências na modernização dos espaços, nas mu-danças dos modos de vida e dos costumes e na reorientação das estratégias de reprodução do capital. Esse entendimento permite reconhecer a metropolização em espaços fora das regiões metropolitanas e mesmo em áreas não diretamente subordinadas à metrópole, mas que têm outras dinâmicas de centralidade não metropolitanas, como no caso das cidades médias.

No caso de Belém, capital do Pará, o processo de metropolização que, na visão de Trin-dade Jr. (1998, p. 3), começa na década de 1960 e se consolida nas seguintes, “pressupõe a in-corporação de cidades e vilas próximas a Belém, definindo uma malha urbana única, ainda que fragmentada”. Segundo o autor, o processo de metropolização de Belém é marcado por dois momentos, que se revelam em duas formas diferentes: a urbana confinada e a urbana dispersa.

A primeira é caracterizada por uma expansão urbana restrita aos limites estabelecidos pelo chamado “cinturão institucional”, que, instalado no período da Segunda Guerra Mundial, consistia num conjunto de instituições públicas localizado nos limites da cidade e que passou a funcionar como um obstáculo à expansão urbana horizontal contínua. A ocupação das bai-xadas, o adensamento populacional e a valorização dos terrenos de topografia mais elevada foram as grandes marcas dessa forma confinada (Trindade Jr., 1998).

Já a forma dispersa se estabeleceu a partir da superação da barreira formada pelo cintu-rão institucional nos anos 1960 e a expansão da malha urbana para “localidades até então con-sideradas distantes, notadamente, para a rodovia Augusto Montenegro (eixo Belém-Icoaraci) e para a BR-316 (eixo Belém-Ananindeua)” (Trindade Jr., 1998, p. 104). A década de 1980 consolidou esses eixos de expansão e, por consequência, a forma urbana dispersa.

Page 5: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

118GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Os novos espaços de assentamento passaram a receber em grande escala a população pobre deslocada das áreas centrais, principalmente das baixadas, que vivenciaram um relevante processo de valorização a partir da realização de obras de saneamento. Com isso, esses novos es-paços de assentamento distantes do centro da metrópole adquiriram um forte caráter de periferia urbana, não só pela distância geométrica em relação ao centro da cidade, mas, como explicam Chaveiro e Anjos (2007, p. 183), em relação à definição de periferia, por ter “um cotidiano especí-fico, bem como uma modalidade de tempo social que define a vida dos sujeitos. Poder-se-ia dizer que é um lugar específico de dramas sociais, de problemas e vicissitudes humanas”.

Esse processo de produção de espaços periféricos se confundiu em grande medida com o próprio processo de metropolização de Belém, funcionando esses lugares como verdadei-ras “cidades dormitórios”,1* isto é, espaços de moradia para a população de baixa renda que, trabalhando na área central de Belém, precisava fazer um movimento pendular diário entre o trabalho e a casa.

A RMB foi institucionalizada em âmbito estadual em 19 de outubro de 1995, por força da Lei Complementar n. 027, sendo formada pelos municípios de Belém, Ananindeua, Mari-tuba, Benevides e Santa Bárbara (Pará, 1995). Pela Lei Complementar n. 072, incorporou-se à RMB o município de Santa Izabel do Pará (Pará, 2010) e, pela Lei Complementar n. 076, também o município de Castanhal (Pará, 2011).

Castanhal é parte do que neste texto se denomina região nordeste do Pará e tem com Belém uma relação diferente da tecida pelos demais núcleos urbanos metropolitanos, uma vez que sua formação e seu crescimento não resultaram da dispersão dos espaços de assentamen-to da metrópole e, portanto, a cidade não se constitui como periferia da RMB.

Sua própria inserção na RMB é questionável sobre certos aspectos, pois, como escla-recem Fernandes, Bitoun e Araújo (2009), no Brasil, a definição das regiões metropolitanas a partir da decisão dos estados tem sido marcada pela imprecisão conceitual – é comum que não coincidam a delimitação oficial da região metropolitana com a dinâmica e realidade de fato metropolitana.

Assim, apesar de Castanhal e também os demais municípios do nordeste paraense man-terem fortes relações com a RMB – o que acaba sendo esperado, já que todo o território pa-raense é área de influência de sua capital –, isso não chega a descaracterizar a diferenciação e a particularidade do nordeste paraense, que tem densidade técnica, econômica, populacional e de infraestrutura completamente distintas da RMB.

O nordeste paraense e a dispersão metropolitanaO recorte espacial que chamamos aqui de região nordeste do estado do Pará (Mapa 1)

não tem base em nenhuma regionalização oficial do governo estadual ou federal, mas foi es-tabelecido a partir da concepção da região como estruturada/estruturante por/de sua rede de cidades e tomou por base os dados do IBGE (2008), no estudo Região de Influência das Cidades 2007 para reconhecimento das centralidades e das áreas de influência dos centros urbanos.

1 * Essa expressão era muito usada para designar a relação das cidades de Ananindeua, Marituba e Benevides com o núcleo metropolitano, mas atualmente, diante da complexidade e das múltiplas direções dos fluxos, sua aplicação é questionável, mesmo para se referir apenas ao espaço metropolitano conurbado.

Page 6: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

119GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

A compreensão clássica da análise da região a partir da rede urbana esteve bastan-te atrelada às formulações de Walter Christaller, ou seja, de uma rede urbana conside-rada exclusivamente de um ponto de vista hierárquico, mesmo em autores sem filiação explícita ao modelo das localidades centrais. A definição de região dada por Rochefort (1998, p. 19) está em consonância com esse cenário: “espaço delimitado pela influência de uma grande cidade, dotada de uma gama suficiente de serviços para que os habitan-tes da zona possam evitar qualquer recurso generalizado a outra cidade mais importante e mais bem equipada do que ela”. Postulado semelhante se encontra em Beaujeu-Gar-nier e Chabot (1970, p. 530): “a região existente ao redor de cada cidade e que vive em simbiose com ela”.

Entretanto, o reconhecimento da região apenas a partir da área de influência de uma grande cidade se demonstra um tanto quanto reducionista diante dos múltiplos processos, dinâmicas e formas que hoje compõem as redes urbanas. Consideram-se aqui pelo menos três elementos na análise das regiões urbanas: as interações espaciais entre os diversos centros ur-banos, não necessariamente hierárquicas mas eventualmente cooperativas ou comple-mentares; a gênese e o processo de estruturação da rede de cidades; a particularidade da rede urbana e, por consequência, da região diante de uma totalidade, que pode ser um contexto regional mais amplo ou mesmo o próprio Estado-nação.

Mapa 1 – Região nordeste do estado do Pará

fonte: Willame de Oliveira Ribeiro, com base nos dados do estudo Região de Influência das Cidades 2007 (IBGE, 2008).

Page 7: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

120GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

A região nordeste do Pará, fundamentada nesta compreensão, abrange parte signifi-cativa do litoral paraense, estendendo-se, no sentido oeste-leste, do município de São João da Ponta ao município de Viseu e também parte da área interiorana denominada região Bra-gantina, isto é, a área compreendida entre as cidades de Belém, capital do estado do Pará e a cidade de Bragança. A extensão da Bragantina inclusa na região nordeste do Pará se estende de Castanhal às intermediações de Bragança e Viseu.

A população total da região nordeste do Pará é de 991.734 habitantes, distribuídos numa área de 28.656 km2; a densidade em torno de 35 habitantes por km2 é bastante superior a média do estado, de 6 hab/km2 (IBGE, 2015). A gênese da colonização da região teve dois momentos principais. O primeiro remonta ao próprio processo de colonização da região amazônica, no sécu-lo XVII, quando se estabeleceram os primeiros povoamentos litorâneos, como a atual cidade de Bragança; o segundo momento, e mais decisivo para a estruturação da rede urbana e da região, é o final do século XIX, quando da colonização da chamada região bragantina, para atender às necessidades criadas pelo desenvolvimento da economia da borracha na Amazônia.

Essa colonização teve como marcas principais a utilização dos migrantes nordestinos e a construção da Estrada de Ferro de Bragança – EFB. A ferrovia levou 25 anos para ser concluída, tendo início sua construção em 1883 e o término de sua construção apenas em 1908 (Leandro; Silva, 2012). Seus 220 km de extensão ligavam Belém e Bragança e, portanto, cortavam o nordeste do Pará, contribuindo decisivamente para a estruturação dessa região. Com sua extinção pelo governo federal em 1965 esse papel estruturador da região passou a ser desempenhado pelas rodovias (Siqueira, 2008).

Por sua proximidade com a RMB, a região nordeste do Pará passou a ser um espaço prioritário para a dispersão metropolitana de Belém, entretanto, esse processo implica grande complexidade e se faz a partir de determinados vetores, isto é, parcial e incompletamente. Por sua importância regional e pela proximidade com Belém, Castanhal é a cidade mais atingida pela dispersão metropolitana, no contexto do nordeste paraense, embora as marcas desse pro-cesso também se verifiquem nos demais centros de destaque da região, como as cidades de Bragança e Capanema.

Nesse texto, o processo de dispersão metropolitana será considerado mais a partir de seus rebatimentos sobre a cidade de Castanhal, porém, antes de passar diretamente a essa análise, é importante entender as interações espaciais entre Castanhal e Belém, a realidade que se cria a partir disso e como o fenômeno da dispersão compõe esse quadro de interações.

O aprofundamento das interações espaciais entre Castanhal e Belém: a

dimensão metropolitanaA análise das interações espaciais mostra a posição bastante complexa da cidade de

Castanhal, que, de um lado, é a principal centralidade do nordeste paraense, polarizando (como veremos) um grande número de cidades e aproximando-se da concepção de cidade média, e, de outro, aumenta suas inter-relações com as demais cidades da RMB, afirmando, em princí-pio, sua conformação de subcentralidade metropolitana. Essas duas lógicas são fundamentais para compreender os papéis de Castanhal na rede urbana regional.

Page 8: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

121GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Neste momento, as atenções se voltam para esse segundo aspecto, o aprofundamento da condição metropolitana de Castanhal, evidenciando um importante processo de metropo-lização de seu espaço. Na tentativa de compreender essa lógica, recorremos à ideia de intera-ções espaciais, que, na visão de Corrêa (1997, p. 279):

[...] constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico. Podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a frequência de ocorrência e, con-forme a distância e direção, caracterizar-se por diversos propósitos e se realizar através de diversos meios e velocidades.

A concepção de interações espaciais de Corrêa é bastante ampla, não apresentando restrição aos fluxos econômicos, mas abarcando dinâmicas essencialmente sociais, ao se referir aos deslocamentos de pessoas, cujas motivações podem ser as mais diversas, apesar do desta-que de atividades como trabalho e estudo. Camagni (2005, p. 79) faz uma caracterização das interações espaciais muito semelhante à definição dada antes.

Toda atividade localizada sobre o espaço físico, seja esta uma unidade de produ-ção, uma unidade demográfica ou uma cidade, desenvolve com o entorno que a rodeia uma complexa rede de relações bidirecionais que tem lugar em múltiplos níveis. Por um lado, ao redor desta atividade se materializa um complexo campo de forças de atração, de irradiação, de repulsão, de cooperação que fornece, por assim dizer, a energia de base para o funcionamento (e mesmo a existência) do sistema territorial. Por outro lado, todas as atividades localizadas no entorno exercem, por sua vez, uma influência sobre o primeiro centro através dos canais mais diversos.

A caracterização de Camagni frisa o caráter bidirecional das relações, a partir da con-sideração de um ponto específico, que, ao mesmo tempo é emissor e receptor de uma ação, uma vez que o entorno, que recebe a primeira ação, não é passivo diante dela, mas atua ge-rando uma resposta ao primeiro centro, configurando a realidade da interação. Outro aspecto a salientar nessa passagem de Camagni (2005) é a importância das interações espaciais na própria estruturação do espaço, ou do sistema territorial, como prefere o autor, considerando essas interações não como processos que se dão no espaço, mas como inerentes ao espaço, componentes de sua totalidade.

Desse modo, as interações espaciais funcionam como um importante indicador ao reco-nhecimento do espaço metropolitano, normalmente marcado por grande intensidade de inte-rações. Para o estudo das interações espaciais entre Castanhal e Belém se utilizaram os dados de deslocamentos por motivo de trabalho e estudo para o ano 2000 (IBGE, 2000) e também de deslocamentos por motivo de trabalho e de deslocamentos por motivo de estudos, vistos separadamente no censo de 2010 (IBGE, 2010) (Quadro 1).

Page 9: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

122GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Quadro 1 – Deslocamentos por motivo de trabalho ou estudo entre os municípios de Belém e Castanhal (2000 e 2010)

deslocamentos de Belém a Castanhal

deslocamentos de Castanhal a Belém

2000 (trabalho e estudo) 309 900

2010 (trabalho) 946 1.319

2010 (estudo) 266 1.130

fonte: IBGE (2000, 2010).

O primeiro elemento a destacar é que os deslocamentos entre Castanhal e Belém au-mentaram muito entre 2000 e 2010. Considerados conjuntamente os dados de trabalho e de estudo de 2010, nota-se que os deslocamentos de Castanhal a Belém mais que dobraram e os deslocamentos no sentido contrário, de Belém a Castanhal, quadruplicaram, sobretudo os motivados pelo trabalho.

Mas, em termos absolutos, os deslocamentos para Belém são muito mais expressi-vos, apesar de nos deslocamentos por trabalho em 2010 os números se aproximarem. De qualquer forma, no que importa para a presente análise, fica evidente a rápida ampliação das relações entre Castanhal e Belém, demonstrando, assim, uma tendência à incorpora-ção de Castanhal ao contexto metropolitano, o que justificaria sua incorporação à RMB em 2011.

Entretanto, o número de deslocamentos entre Belém e Castanhal é muito menor que entre Belém e os principais municípios de sua região metropolitana. Por exemplo, em 2010, ocorreram 65.621 deslocamentos de Ananindeua a Belém por motivo de trabalho e 22.745 por motivo de estudo (IBGE, 2010). De Marituba a Belém, ocorreram 10.879 deslocamentos por trabalho e 2.235 por estudo, números muito superiores aos registrados nos deslocamentos entre Castanhal e Belém (Quadro 2).

Quadro 2 – Deslocamentos por motivo de trabalho ou estudo para Belém com origem em municípios da RMB (2010)

deslocamentos por trabalho

deslocamentos por estudo

Ananindeua 65.621 22.745

Marituba 10.879 2.235

Benevides 3.827 1.156

Santa Bárbara do Pará 761 166

Santa Isabel do Pará 1193 470

fonte: IBGE (2010).

Page 10: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

123GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Observa-se no Quadro 2 que os deslocamentos de Ananindeua, Marituba e Benevides para Belém são muito mais intensos que os originários de Castanhal. Já os deslocamentos com origem em Santa Bárbara do Pará e Santa Isabel do Pará são mais fracos, o que já era esperado, por conta do porte desses municípios. Em 2010, Santa Bárbara do Pará tinha apenas 17.141 habitantes e Santa Isabel do Pará, 59.466 (IBGE, 2015).

Sendo assim, fica evidente o complexo papel desempenhado pela cidade de Castanhal, que, apesar de ter muitas interações com Belém, apresenta números bem mais modestos do que aqueles registrados nas interações entre os principais municípios da região metropolitana e a capital. Com isso, já começa a se delinear as diferenciações existentes entre a dinâmica socioespacial de Castanhal e a dos demais integrantes da RMB. Essas diferenças aparecem claramente no exame do processo de dispersão metropolitana de Belém.

Dispersão metropolitana de Belém para Castanhal: objeções e confir-mações

Como mostra Trindade Jr. (1998), a RMB se estruturou por meio de um processo de dispersão a partir de Belém, constituindo e/ou fortalecendo novos espaços de assentamento. É por este processo que se intensificou a ocupação do eixo definido pela rodovia Augusto Mon-tenegro, no próprio município de Belém; do município de Ananindeua, que, segundo o IBGE (2015), estima-se ter atingido a população de 499.776 habitantes em 2014; da área que hoje integra o município de Marituba, que também passa por um muito rápido processo de cres-cimento populacional, contando, de acordo com a estimativa do IBGE (2015), com 120.305 habitantes em 2014; e também de Benevides, que apesar de ser um município não conurbado com Belém, vivencia uma integração muito forte com o contexto metropolitano.

A cidade de Castanhal, apesar de oficialmente compor o quadro metropolitano e de, na realidade, ter uma inegável dimensão metropolitana expressa nos fluxos existentes entre a cidade e os demais centros que compõem a RMB, especialmente Belém; tem um processo de estruturação diferente das demais cidades da RMB, pois não resulta da dispersão da população pobre de Belém e da consequente instalação de assentamentos precários e de conjuntos habi-tacionais para abrigar essa população.

Os assentamentos precários e os conjuntos habitacionais estão presentes no espaço urbano de Castanhal, mas não resultam de uma dinâmica que parte do núcleo metropoli-tano. Estão muito mais ligados à centralidade de Castanhal numa vasta área do nordeste paraense e, portanto, à dimensão de cidade média, que também marca esse centro urbano, como veremos adiante.

O crescimento populacional de Castanhal e a produção do seu espaço urbano, diferen-temente do que acontece em outras cidades da RMB, não estão majoritariamente atrelados à dinâmica metropolitana, mas sim à centralidade regional exercida por Castanhal, o que não anula a participação da metrópole, especialmente a partir do fenômeno da dispersão metropo-litana de Belém. Um dado que ajuda a compreender essas lógicas diferentes e suas respectivas importâncias, é a imigração, ou seja, o deslocamento de pessoas para residir em Castanhal, neste caso, com origem no conjunto da RMB e na região nordeste do Pará.

Page 11: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

124GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Quadro 3 – Imigrantes de data fixa com destino ao município de Castan-

hal e com origem na RMB e na região nordeste do Pará (2005-2010)

origem dos imigrantes de Castanhal número de imigrantes

RMB 3.615

região nordeste do Pará 5.472

fonte: IBGE (2010).

Considerando o aspecto populacional da dispersão metropolitana de Belém e tomando como referência os imigrantes de data fixa no quinquênio 2005-2010 (IBGE, 2010), nota-se um movimento considerável para residir em Castanhal com origem na RMB (Quadro 3), mas o número de imigrantes na cidade com origem no nordeste do Pará é 51% maior, mesmo a po-pulação do conjunto metropolitano ser, em 2010, de 2.101.883 habitantes, 73% superior à do nordeste paraense, de 784.291 habitantes.

Já em relação aos imigrantes de data fixa, no quinquênio 1995-2000 (IBGE, 2000) com destino a Castanhal, foram reconhecidos 3.551 imigrantes originários da RMB e 5.443 advin-dos do nordeste paraense. Com isso, se percebe que não há tendência de fortalecimento da imigração com origem na RMB, ou seja, atrelada à dispersão metropolitana.

Sendo assim, apesar de ser uma realidade, a dispersão metropolitana para Castanhal precisa ser analisada com muita atenção, já que não consiste num processo completo e ab-soluto, muito menos o único a conferir dinamismo a Castanhal ou explicar seu crescimento e fortalecimento. A dispersão se efetiva mediante vetores, estando ausente ou sendo pouco importe em relação a certos setores econômicos ou dinâmicas sociais.

A indústria é uma dessas atividades cuja materialização em Castanhal não está relacio-nada à dispersão metropolitana de Belém. Ao estudar 10 das principais indústrias de Castanhal, Alves (2012) obteve, em entrevistas com seus representantes, a informação de que nenhuma dessas indústrias tem origem em Belém, que quase todos os funcionários são do próprio muni-cípio de Castanhal e que o mercado consumidor tem uma configuração regional e até mesmo nacional, ficando as relações com Belém restritas a trâmites burocráticos e, para o caso de uma indústria, ao uso do porto de Belém para receber matéria-prima.

Diante desse quadro, as indústrias de Castanhal tem sua lógica locacional definida pela centralidade de Castanhal no contexto regional e não pela dispersão metropolitana de Belém, a despeito de Alves (2012) ter concluído o inverso. O mesmo se pode dizer da compreensão da autora sobre a razoável expressão dos assentamentos precários e dos conjuntos habitacionais em Castanhal como um resultado da dispersão metropolitana de Belém, quando se sabe que Castanhal recebe muito mais população do nordeste paraense, como já mostrado.

Já com relação a outros vetores, como a produção imobiliária e o comércio varejista, a dispersão aparece mais claramente. No caso da produção imobiliária por parte de agentes privados, das seis empresas estudadas por Alves (2012), apenas uma é originária e mantém sua sede em Castanhal; as outras cinco estão sediadas em Belém. Isso evidencia um forte vetor de dispersão, neste caso, não da demanda por imóveis, mas da sua produção.

Page 12: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

125GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

O mesmo pode ser dito das redes varejistas de Belém, que atuam sob a forma de lojas de departamentos e/ou supermercados. As grandes redes de Belém, como Grupo Líder, Grupo Y. Yamada e Lojas Visão, atuam em Castanhal e têm grande importância no comércio local e re-gional, inclusive, competindo com redes originárias do nordeste paraense, como Grupo Ibaraki, Lojas Radisco e Lojas Marilar, configurando um conflito de lógicas territoriais pelo domínio do mercado consumidor do município de Castanhal e do nordeste paraense. A presença das grandes redes varejistas de Belém promove a modernização da paisagem e evidencia aspectos da metropolização do espaço e, portanto, se estrutura como um relevante vetor de dispersão metropolitana.

O fortalecimento de Castanhal devido a sua centralidade: a dimensão de

cidade médiaA natureza metropolitana resultante de um processo dispersor com foco em Belém,

tratado até então, não é definitiva nem completa na cidade de Castanhal, mas apenas parcial, em certos vetores, como as redes varejistas e a produção imobiliária privada. A maior metro-polização que se percebe na cidade deve-se a outras dinâmicas e se traduz num processo de modernização do espaço e da economia e pode se manifestar em pontos distantes de regiões metropolitanas.

No caso de Castanhal, essa modernização advém também da centralidade exercida pela cidade em relação a uma vasta região, o que lhe atribui certas características próprias da condição de cidade média. Características essas que vão muito além do porte demográfico, que se fosse o único critério adotado classificaria Castanhal como cidade média, já que seus 173.149 habitantes existentes em 2010 (IBGE, 2010) a situam entre os 50.000 e os 500.000 habitantes normalmente considerados para reconhecer cidades desse porte. Entretanto, esse critério populacional tem se demonstrado muito insuficiente para abarcar as características e as dinâmicas próprias das cidades médias.

Para Sposito (2004, p. 126), as cidades médias seriam não apenas aquelas que se enquadram no porte demográfico já citado, mas que também “desempenham claros pa-péis intermediários entre a(s) metrópole(s) e as pequenas cidades que compõem uma rede urbana”. Centros que se enquadram no critério populacional, mas que não apresentam a centralidade necessária ao exercício dessa intermediação entre as pequenas cidades e as metrópoles seriam apenas cidades de médio porte. Segundo a mesma autora, se enqua-dram nessa classificação “centros urbanos que compõem tecidos e organismos urbanos maiores, formadores de aglomerações urbanas metropolitanas ou não metropolitanas” (Sposito, 2004, p. 126).

Cidades como Ananindeua, conurbada com Belém se harmonizam bem com esta clas-sificação. Cidades cuja dinâmica não consegue se desatrelar do núcleo metropolitano, que, independentemente, não polarizam uma única cidade, cujos fluxos de pessoas, serviços, infor-mação, financeiros etc. só se compreendem no conjunto do quadro metropolitano.

Page 13: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

126GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Mapa 2 – Região nordeste do Pará – hierarquia urbana e redes de influência

fonte: IBGE (2008).

Apesar de, sob vários aspectos, também compor a RMB, Castanhal tem uma natureza muito diferente da descrita. O estudo Região de Influência das Cidades, implementado em 2007 e publicado em 2008 pelo IBGE, classifica a cidade como centro sub-regional A, a mais alta hierarquia da região nordeste do Pará.

Estão sob a influência direta de Castanhal 12 cidades (Mapa 2), situadas principalmente a norte/nordeste e a sul/sudeste de sua sede municipal. As cidades a oeste, como Santa Isabel e Santo Antônio do Tauá, que fazem fronteira com Castanhal, mesmo tendo razoável interli-gação com esse centro, têm relação mais direta com Belém e, portanto, não estão incluídas na área de influência direta de Castanhal.

No Mapa 2, fica claro o destaque de Castanhal no nordeste paraense, com uma centralidade muito mais expressiva que outros centros da região, como Capanema e Bra-gança. Apesar de a intensidade das interações de Castanhal ser maior com as cidades que compõem a região metropolitana, as de sua área de influência estão fora desse conjunto, o que demonstra a complexidade de seu papel. A área de influência direta de Castanhal tem 9.885,63 km2, com 435.758 habitantes (Quadro 4). Uma densidade de ocupação bem maior que a registrada na área de influência de Capanema e Bragança, que têm, respecti-vamente, 7.336,21 km2 e 9.032,82 km2 de área total sob influência direta, com 189.832 e 237.895 habitantes.

Page 14: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

127GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

Quadro 4 – Território e população de Castanhal e de sua área de influência

população do município

(2010)

área do território municipal

densidade demográfica do município

(2010)

área total sob influência da

cidade

população total da área de

influência (2010)

173.149 1.028,889 km2 168,29 hab/km² 9.885,63 km2 435.758

fonte: IBGE (2008; 2015).

Em termos de população, a cidade de Castanhal se destaca pelo maior contingente po-pulacional do nordeste paraense, totalizando, em 2010, 173.149 habitantes e com a estimativa de ter chegado a 186.895 em 2014. A urbanização da população também é muito expressiva, com 88,6% da população vivendo em área urbana em 2010.

Castanhal também tem a maior expressão econômica entre os municípios do nordeste paraense, com o maior produto interno bruto (PIB), da ordem de R$ 1.450.441.000 em 2010 (IBGE, 2015). Da mesma forma que os demais centros sub-regionais do nordeste paraense, Castanhal tem sua centralidade relacionada ao comércio e aos serviços, mas com uma maior densidade e qualificação. A dispersão metropolitana de Belém, cujos efeitos são evidentes em Castanhal, também concorre para qualificar as funções comerciais e de serviços já presentes na cidade, ou seja, concorre para fortalecer seu papel de cidade média.

Assim, por sua situação geográfica de entroncamento rodoviário que intermedeia as interações entre a região nordeste do Pará e a RMB e pela densidade de seu espaço urbano, Castanhal oferece serviços para todo o nordeste do Pará, apesar de não conseguir subordinar efetivamente Capanema e Bragança, mostrando grande correlação entre a realidade da cidade e a concepção de cidade média. Entretanto, uma outra dinâmica, relativa ao fortalecimento das interações com a metrópole de Belém e da dispersão metropolitana dessa cidade, foge à concepção de cidade média e aponta para a inserção de Castanhal na RMB.

Considerações finais – Castanhal, cidade híbridaA complexidade das interações espaciais é uma das principais marcas de Castanhal e de

sua funcionalidade na rede urbana regional, além de uma dimensão metropolitana, evidenciada na intensidade dos fluxos com a metrópole e nas marcas da dispersão metropolitana de Belém em seu espaço, e de uma dimensão de cidade média, representada por seu papel de principal centro do nor-deste paraense na oferta de comércio e serviços e materializada em sua região de influência.

Por essa condição, considera-se aqui que a expressão cidade híbrida é a que melhor ex-pressa a natureza de Castanhal e de seu papel na rede urbana regional. O hibridismo se deve ao entrecruzamento de lógicas diversas, dinâmicas de natureza e origem divergentes, mas que se articulam para compor determinada realidade. Numa rede urbana cada vez mais complexa, a simplicidade e a “pureza” das lógicas e dinâmicas é cada vez mais rara, o que dificulta a con-ceituação dessas realidades, impondo que concepções como a de metrópole e de cidade média sejam relativizadas ou integradas para se as interpretar.

Page 15: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

128GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

É importante destacar que essa realidade híbrida verificada na cidade de Castanhal cer-tamente se repete em outros pontos do Brasil, pois está muito associada a uma situação geo-gráfica de relativa proximidade entre cidades com expressão regional e a metrópole ou outros aglomerados urbanos expressivos, o que não é raro na realidade brasileira, como atestam os exemplos de Feira de Santana, na Bahia, e de Caxias, no Maranhão. Entretanto, a confirma-ção do hibridismo dessas e de outras cidades pressupõe o desenvolvimento de uma agenda de pesquisas, aqui considerada fundamental para revelar mais essa faceta da complexa rede urbana nacional.

Referências

ALVES, C. S. D. Formas espaciais recentes da urbanização na Amazônia: a dinâmica socioespa-cial do município de Castanhal em face do processo de dispersão metropolitana de Be-lém. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.

BEAUJEU-GARNIER, J.; CHABOT, G. Tratado de geografía urbana. Barcelona: Vicens--Vives, 1970.

CAMAGNI, R. Economía urbana. Barcelona: Antonio Bosch, 2005.

CHAVEIRO, E. F.; ANJOS, A. F. A periferia urbana em questão: um estudo socioespacial de sua formação. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia, v. 27, n. 2, p. 181-197, 2007.

CORRÊA, R. L. Interações espaciais. In: CASTRO, I. E.; CORRÊA, R. L.; GOMES, P. C. C. Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

FERNANDES, A. C.; BITOUN, J.; ARAÚJO, T. B. Tipologia das cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2009.

IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades [online], 2015. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>. Acesso em: 10 mar. 2015.

______. Censo Demográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

______. Regiões de Influência das Cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.

______. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demo-gráfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.

LEANDRO, L. M. L.; SILVA, F. C. A estrada de ferro de Bragança e a colonização da zona bragantina no estado do Pará. Novos Cadernos Naea, v. 15, n. 2, p. 143-174, dez. 2012.

LENCIONI, S. Metropolização doe espaço: processos e dinâmicas. In: FERREIRA, A. et al. (Org.). Metropolização do espaço: gestão territorial e relações urbano-rurais. Rio de Janeiro: Consequência, 2013.

Page 16: Entre a metrópole dinâmicas de centralidade da cidade de

RIB

EIR

O, W

.

129GEOUSP (Online), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 115 – 129, jan./abr. 2016

PARÁ (Estado). Lei Complementar n. 076, de 28 de dezembro de 2011. Altera a Lei Comple-mentar n. 027, de 19 de outubro de 1995. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém: DOE, 29 dez. 2011. Caderno 2, p. 8.

______. Lei Complementar n. 072, de 20 de abril de 2010. Altera a Lei Complementar n. 027, de 19 de outubro de 1995. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém: DOE, n. 31.656, 30 abr. 2010.

______. Lei Complementar n. 027, de 19 de outubro de 1995. Institui a Região Metropolitana de Belém e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém: IOE, n. 28.116, 22 dez. 1995.

ROCHEFORT, M. Redes e sistemas: ensinando sobre o urbano e a região. São Paulo: Hucitec, 1998.

SIQUEIRA, J. L. F. Trilhos: o caminho dos sonhos. Bragança: Tumas/Prefeitura Municipal de Bragança, 2008.

SOUZA, N. M. C. G. A trajetória da Companhia Têxtil de Castanhal: a mais pura fibra amazô-nica. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.

SPOSITO, M. E. B. Novos conteúdos nas periferias urbanas das cidades médias do estado de São Paulo, Brasil. Investigaciones Geográficas – Boletín del Instituto de Geografía-Unam, n. 54, p. 114-139, 2004.

TRINDADE JR., S.-C. C. A cidade dispersa: os novos espaços de assentamentos em Belém e a reestruturação metropolitana. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1998.