ensino fundamental de 9 anos - 1º ediÇÃo

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    Presidente da Repblica

    LUIZ INCIO LULA DA SILVA

    Ministro da Educao

    FERNANDO HADDAD

    Secretrio-Executivo

    JOS HENRIQUE PAIM FERNANDES

    Secretrio de Educao Bsica

    FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES

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    ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOSORIENTAES PARA A INCLUSO DA CRIANA

    DE SEIS ANOS DE IDADE

    B r a s l i a2006

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    Diretora de Polticas da Educao Infantil e do Ensino FundamentalJEANETE BEAUCHAMP

    Coordenadora Geral do Ensino FundamentalSANDRA DENISE PAGEL

    Organizao do DocumentoJeanete BeauchampSandra Denise PagelAriclia Ribeiro do Nascimento

    Projeto Grfico e DiagramaoEstao Grfica

    Impresso no Brasil

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    APRESENTAO

    Este governo, ao reafirmar a urgncia da construo de uma escola inclusiva, cidad, solidria e de qualidade social para todas as crianas, adolescentes e jovens brasileiros, assume,

    cada vez mais, o compromisso com a implementao de polticas indutoras de transforma-es significativas na estrutura da escola, na reorganizao dos tempos e dos espaos escolares, nasformas de ensinar, aprender, avaliar, organizar e desenvolver o currculo, e trabalhar com o co-nhecimento, respeitando as singularidades do desenvolvimento humano.

    O Ministrio da Educao vem envidando efetivos esforos na ampliao do ensino fundamentalpara nove anos de durao, considerando a crescente universalizao dessa etapa de ensino deoito anos de durao e, ainda, a necessidade de o Brasil aumentar o nmero de anos do ensinoobrigatrio. Essa relevncia constatada, tambm, ao se analisar a legislao educacional brasilei-ra: a Lei no 4.024/1961 estabeleceu quatro anos de escolaridade obrigatria; com o Acordo dePunta Del Este e Santiago, de 1970, estendeu-se para seis anos o tempo do ensino obrigatrio; a

    Lei no 5.692/1971 determinou a extenso da obrigatoriedade para oito anos; j a Lei no 9.394/1996 sinalizou para um ensino obrigatrio de nove anos de durao, a iniciar-se aos seis anos deidade, o que, por sua vez, tornou-se meta da educao nacional pela Lei no 10.172/2001, queaprovou o Plano Nacional de Educao. Finalmente, em 6 de fevereiro de 2006, a Lei no11.274,institui o ensino fundamental de nove anos de durao com a incluso das crianas de seis anos deidade.

    Com a aprovao da Lei no 11.274/2006, mais crianas sero includas no sistema educacionalbrasileiro, especialmente aquelas pertencentes aos setores populares, uma vez que as crianas deseis anos de idade das classes mdia e alta j se encontram, majoritariamente, incorporadas ao

    sistema de ensino na pr-escola ou na primeira srie do ensino fundamental.A importncia dessa deciso poltica relaciona-se, tambm, ao fato de recentes pesquisas mostra-rem que 81,7% das crianas de seis anos esto na escola, sendo que 38,9% freqentam a educaoinfantil, 13,6% pertencem s classes de alfabetizao e 29,6% esto no ensino fundamental (IBGE,Censo Demogrfico 2000).

    Outro fator importante para a incluso das crianas de seis anos na instituio escolar deve-se aosresultados de estudos demonstrarem que, quando as crianas ingressam na instituio escolar an-tes dos sete anos de idade, apresentam, em sua maioria, resultados superiores em relao quelas queingressam somente aos sete anos. A exemplo desses estudos, podemos citar o Sistema Nacional de

    Avaliao da Educao Bsica (Saeb) 2003. Tal sistema demonstra que crianas com histrico de

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    experincia na pr-escola obtiveram maiores mdias de proficincia em leitura: vinte pontos amais nos resultados dostestesde leitura.

    Para que o ensino fundamental de nove anos seja assumido como direito pblico subjetivo e,portanto, objeto de recenseamento e chamada escolar pblica (LDB 9.394/1996 Art. 5), fun-damental, nesse momento de sua implantao, considerar a organizao federativa e o regime de

    colaborao entre os sistemas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal. Deve-se ob-servar, tambm, o que estabelece a Resoluo CNE/CEB no 3/2005, de 3 de agosto de 2005, quefixa, como condio para a matrcula de crianas de seis anos de idade no ensino fundamental,que essas, obrigatoriamente, tenham seis anos completos ou a completar no incio do ano letivoem curso.

    Ressalte-se que o ingresso da criana de seis anos no ensino fundamental no pode constituir umamedida meramente administrativa. preciso ateno ao processo de desenvolvimento e aprendi-zagem das crianas, o que implica conhecimento e respeito s suas caractersticas etrias, sociais,psicolgicas, e cognitivas.

    Nesse sentido, o Ministrio da Educao, por meio da Secretaria de Educao Bsica (SEB) e doDepartamento de Polticas da Educao Infantil e do Ensino Fundamental (DPE), buscandofortalecer um processo de debate com professores e gestores sobre a infncia na educao bsica,elaborou este documento, cujos focos so o desenvolvimento e a aprendizagem das crianas deseis anos de idade ingressantes no ensino fundamental de nove anos, sem perder de vista aabrangncia da infncia de seis a dez anos de idade nessa etapa de ensino.

    Finalmente, informamos que este documento compe-se de nove captulos:A infncia e sua singu-laridade; A infncia na escola e na vida: uma relao fundamental; O brincar como um modo de ser eestar no mundo; As diversas expresses e o desenvolvimento da criana na escola; As crianas de seis

    anos e as reas do conhecimento; Letramento e alfabetizao: pensando a prtica pedaggica; A organi-zao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramento como eixos organizadores; Avaliao e apren-dizagem na escola: a prtica pedaggica como eixo da reflexo; e Modalidades organizativas do trabalhopedaggico: uma possibilidade.

    Fernando HaddadMinistro da Educao

    Francisco das Chagas Fernandes

    Secretrio da Educao Bsica

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    A infncia e sua singularidadeSonia Kramer

    A infncia na escola e na vida: uma relao fundamentalAnelise Monteiro do Nascimento

    O brincar como um modo de ser e estar no mundoAngela Meyer Borba

    As diversas expresses e o desenvolvimento da criana na escolaAngela Meyer Borba e Ceclia Goulart

    As crianas de seis anos e as reas do conhecimentoPatrcia Corsino

    Letramento e alfabetizao: pensando a prtica pedaggicaTelma Ferraz Leal, Eliana Borges Correia de Albuquerque, Artur Gomesde Morais

    A organizao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramentocomo eixos orientadores

    Ceclia Goulart

    Avaliao e aprendizagem na escola: a prtica pedaggicacomo eixo da reflexo

    Telma Ferraz Leal, Artur Gomes de Morais, Eliana Borges Correia deAlbuquerque

    Modalidades organizativas do trabalho pedaggico: uma possibilidadeAlfredina Nery

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    SUMRIO

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    INTRODUO

    Aimplantao de uma poltica de ampliao do ensino fundamental de oito para nove

    anos de durao exige tratamento poltico, administrativo e pedaggico, uma vez que oobjetivo de um maior nmero de anos no ensino obrigatrio assegurar a todas as crianasum tempo mais longo de convvio escolar com maiores oportunidades de aprendizagem.

    Ressalte-se que a aprendizagem no depende apenas do aumento do tempo de permanncia naescola, mas tambm do emprego mais eficaz desse tempo: a associao de ambos pode contribuirsignificativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais prazerosa.

    Para a legitimidade e a efetividade dessa poltica educacional, so necessrias aes formativas daopinio pblica, condies pedaggicas, administrativas, financeiras, materiais e de recursoshumanos, bem como acompanhamento e avaliao, em todos os nveis da gesto educacional.

    Nesse sentido, elaboramos este documentoEnsino Fundamental de Nove Anos: orientaes para aincluso das crianas de seis anos de idade, uma vez que a implementao dessa poltica requerorientaes pedaggicas que respeitem as crianas como sujeitos da aprendizagem.

    Em se tratando dos aspectos administrativos, vale esclarecer que a organizao federativa garanteque cada sistema de ensino competente e livre para construir, com a respectiva comunidadeescolar, seu plano de ampliao do ensino fundamental, como tambm responsvel por

    desenvolver estudos com vistas democratizao do debate, o qual deve envolver, portanto,todos os segmentos interessados em assegurar o padro de qualidade do processo ensino-aprendizagem.

    Faz-se necessrio, ainda, que os sistemas de ensino garantam s crianas de seis anos de idade,ingressantes no ensino fundamental, nove anos de estudo nessa etapa da educao bsica. Duranteo perodo de transio entre as duas estruturas, os sistemas devem administrar uma propostacurricular, que assegure as aprendizagens necessrias ao prosseguimento, com sucesso, nos estudostanto s crianas de seis anos quanto s de sete anos de idade que esto ingressando em 2006, bemcomo s crianas ingressantes no, at ento, ensino fundamental de oito anos.

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    A ampliao do ensino fundamental demanda, ainda, providncias para o atendimento dasnecessidades de recursos humanos professores, gestores e demais profissionais de educao paralhes assegurar, dentre outras condies, uma poltica de formao continuada em servio, o direitoao tempo para o planejamento da prtica pedaggica, assim como melhorias em suas carreiras.Alm disso, os espaos educativos, os materiais didticos, o mobilirio e os equipamentos precisamser repensados para atender s crianas com essa nova faixa etria no ensino fundamental, bemcomo infncia que j estava nessa etapa de ensino com oito anos de durao.

    Neste incio do processo de ampliao do ensino fundamental, existem muitas perguntas dossistemas de ensino sobre o currculo para as classes das crianas de seis anos de idade, entre as quaisdestacamos: o que trabalhar? Qual o currculo? O currculo para essa faixa etria ser o mesmo doltimo ano da pr-escola? O contedo para essa criana ser uma compilao dos contedos dapr-escola com os da primeira srie ou do primeiro ano do ensino fundamental de oito anos?

    Antes de refletirmos sobre essas questes, importante salientar que a mudana na estrutura doensino fundamental no deve se restringir a o que fazer exclusivamente nos primeiros anos: este o momento para repensar todo o ensino fundamental tanto os cinco anos iniciais quanto osquatro anos finais.

    Quanto s perguntas anteriores, lembramos que os sistemas, neste momento, tero a oportunidadede rever currculos, contedos, prticas pedaggicas no somente para o primeiro ano, mas paratodo o ensino fundamental. A criana de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nvel deensino no poder ser vista como um sujeito a quem faltam contedos da educao infantil ou umsujeito que ser preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do ensino fundamental.

    Reafirmamos que essa criana est no ensino obrigatrio e, portanto, precisa ser atendida emtodos os objetivos legais e pedaggicos estabelecidos para essa etapa de ensino.

    Faz-se necessrio destacar, ainda, que a educao infantil no tem como propsito preparar crianaspara o ensino fundamental, essa etapa da educao bsica possui objetivos prprios, os quais devemser alcanados a partir do respeito, do cuidado e da educao de crianas que se encontram em umtempo singular da primeira infncia. No que concerne ao ensino fundamental, as crianas de seisanos, assim como as demais de sete a dez anos de idade, precisam de uma proposta curricular queatenda a suas caractersticas, potencialidades e necessidades especficas.

    Nesse sentido, no se trata de compilar contedos de duas etapas da educao bsica, trata-se deconstruirmos uma proposta pedaggica coerente com as especificidades da segunda infncia e queatenda, tambm, s necessidades de desenvolvimento da adolescncia.

    A ampliao do ensino fundamental para nove anos significa, tambm, uma possibilidade dequalificao do ensino e da aprendizagem da alfabetizao e do letramento, pois a criana termais tempo para se apropriar desses contedos. No entanto, o ensino nesse primeiro ano ou nessesdois primeiros anos no dever se reduzir a essas aprendizagens. Por isso, neste documento deorientaes pedaggicas, reafirmamos a importncia de um trabalho pedaggico que assegure o

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    estudo das diversas expresses e de todas as reas do conhecimento, igualmente necessrias formao do estudante do ensino fundamental.

    Vale lembrar que todos ns professores, gestores e demais profissionais de apoio docncia temos, neste momento, uma complexa e urgente tarefa: a elaborao de diretrizes curriculares

    nacionais para o ensino fundamental de nove anos. Tendo em vista essa realidade, Ministrio daEducao e Conselho Nacional de Educao (CNE) j esto trabalhando para atender a essanova exigncia da educao bsica.

    Retomando as idias iniciais deste texto, preciso, ainda, que haja, de forma criteriosa, com baseem estudos, debates e entendimentos, a reorganizao das propostas pedaggicas das secretarias deeducao e dos projetos pedaggicos das escolas, de modo que assegurem o pleno desenvolvimentodas crianas em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual, social e cognitivo, tendo em vistaalcanar os objetivos do ensino fundamental, sem restringir a aprendizagem das crianas de seisanos de idade exclusividade da alfabetizao no primeiro ano do ensino fundamental de nove

    anos, mas sim ampliando as possibilidades de aprendizagem.

    Desse modo, neste documento, procuramos apresentar algumas orientaes pedaggicas epossibilidades de trabalho, a partir da reflexo e do estudo de alguns aspectos indispensveis parasubsidiar a prtica pedaggica nos anos iniciais do ensino fundamental, com especial ateno paraas crianas de seis anos de idade. A seguir, passamos a abordar alguns pontos especficos de cadaum dos textos que compem este documento.

    No primeiro texto, exploramosA infncia e sua singularidade, tendo como eixo de discusso as

    dimenses do desenvolvimento humano, a cultura e o conhecimento. Consideramos a infnciaeixo primordial para a compreenso da nova proposta pedaggica necessria aos anos/sries iniciaisdo ensino fundamental e, conseqentemente, para a reestruturao qualitativa dessa etapa de ensino.

    Logo em seguida, refletimos sobre a experincia, vivenciada por crianas, de chegar escola pelaprimeira vez, o que, sem dvida, um acontecimento importante na vida do ser humano. Por isso,elegemos o temaA infncia na escola e na vida: uma relao fundamentalpara conversarmos sobreo sentimento de milhares de crianas que adentram, cheias de expectativas, o universo chamadoescola. Precisamos cuidar para no as frustar, pois, por muitos anos, freqentaro esse espaoinstitucional. Optamos por enfatizar a infncia da criana de seis a dez anos de idade, partindo do

    pressuposto de que elas trazem muitas histrias, muitos saberes, jeitos singulares de ser e estar nomundo, formas diversas de viver a infncia. Estamos convencidos de que so crianas constitudasde culturas diferentes. Ento, como as receber sem as assustar com o rtulo de "alunos do ensinofundamental"? De que maneira possvel acolh-las como crianas que vivem a singular experinciada infncia? Como as encantar com outros saberes, considerando que algumas esto diante de suaprimeira experincia escolar e outras j trazem boas referncias da educao infantil? Essas soalgumas das reflexes propostas nesse texto.

    Partindo do princpio de que o brincar da natureza de ser criana, no poderamos deixar deassegurar um espao privilegiado para o dilogo sobre tal temtica. Hoje, os profissionais da docncia

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    esto diante de uma boa oportunidade de reviso da proposta pedaggica e do projeto pedaggicoda escola, pois chegaram, para compor essa trajetria de nove anos de ensino e aprendizagens,crianas de seis anos que, por sua vez, vo se encontrar com outras infncias de sete, oito, nove edez anos de idade. Se assim entendermos, estaremos convencidos de que este o momento derecolocarmos no currculo dessa etapa da educao bsicaO brincar como um modo de ser e estar no

    mundo; o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaos de debates pedaggicos, nosprogramas de formao continuada, nos tempos de planejamento; o brincar como uma expressolegtima e nica da infncia; o ldico como um dos princpios para a prtica pedaggica; a brincadeiranos tempos e espaos da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para conhecermais as crianas e as infncias que constituem os anos/sries iniciais do ensino fundamental denove anos.

    Mais adiante, convidamos cada profissional de educao, responsvel pelo desenvolvimento epela aprendizagem no ensino fundamental, para um debate sobre a importncia das Diversasexpresses e o desenvolvimento da criana na escolapor entendermos que, para favorecer a

    aprendizagem, precisamos dialogar com o ser humano em todas as suas dimenses. No com umsujeito que entra livre na escola e, de maneira cruel, limitado em suas potencialidades e reduzidoem suas possibilidades de expresso. Para tanto, a escola deve garantir tempos e espaos para omovimento, a dana, a msica, a arte, o teatro... Esse ser humano que carrega a leveza da infnciaou a inquietude da adolescncia precisa vivenciar, sentir, perceber a essncia de cada uma dasexpresses que o torna ainda mais humano. Portanto, necessrio rever o uso dessas expressescomo pretexto para disciplinar o corpo, como, por exemplo, a utilizao da msica exclusivamentepara anunciar a hora do lanche, da sada, de fazer silncio, de aprender letras, de produzir textos,de ir ao banheiro... Sem permitir que crianas e adolescentes possam sentir a msica em suasdiferentes manifestaes; sem dar a esses estudantes a possibilidade de se tornarem mais sensveisaos sons dos cantos dos pssaros, leveza dos sons de uma flauta, felizes ou surpresos diante doacorde alegre ou melanclico de um violo...

    Ao apresentamos, no quinto texto deste documento, a temticaAs crianas de seis anos e as reasdo conhecimento, objetivamos discutir essas reas e a relao delas entre si em uma perspectiva demenor fragmentao dos saberes no cotidiano escolar. Estamos diante de uma tarefa complexaque requer atitude de curiosidade cientfica e de reflexo, de investigao sobre o que sabemos arespeito de cada um dos contedos que compem essas reas, de inquietude diante de fazerespedaggicos cristalizados. Neste texto, procuramos explorar, mesmo que de forma mnima, cada

    uma dessas reas, na perspectiva de dialogar com o(a) professor(a) sobre as inmeras possibilidadespor elas apresentadas para o desenvolvimento curricular das crianas dos anos/sries inicias doensino fundamental.

    Outro tema de extrema relevncia nesse processo de ampliao do ensino obrigatrio a questoda alfabetizao nos anos/sries iniciais, por isso procuramos incentivar um debate sobreLetramentoe alfabetizao: pensando a prtica pedaggica. Assim, optamos por abordar alguns aspectos que devemser objeto de estudo dos professores: a importncia da relao das crianas com o mundo da escrita;a incoerncia pedaggica da exclusividade da alfabetizao nesse primeiro ano/srie do ensinofundamental em detrimento das demais reas do conhecimento; a importncia do investimento na

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    formao de leitores, na criao de bibliotecas e salas de leitura; e a relevncia do papel do professorcomo mediador de leitura. Este um momento adequado, tambm, para revermos nossas concepese prticas de alfabetizao. urgente garantir que os estudantes tenham direito de aprender a ler e aescrever de maneira contextualizada, assim como essencial buscar assegurar a formao de estudantesque lem, escrevem, interpretam, compreendem e fazem uso social desses saberes e, por isso, tm

    maiores condies de atuar como cidados nos tempos e espaos alm da escola.

    Organizar o trabalho pedaggico da escola e da sala de aula tarefa individual e coletiva deprofessores, coordenadores, orientadores, supervisores, equipes de apoio e diretores. Para tanto, fundamental que se sensibilizem com as especificidades, as potencialidades, os saberes, os limites,as possibilidades das crianas e adolescentes diante do desafio de uma formao voltada para acidadania, a autonomia e a liberdade responsvel de aprender e transformar a realidade de maneirapositiva. A forma como a escola percebe e concebe as necessidades e potencialidades de seusestudantes reflete-se diretamente na organizao do trabalho escolar. Por isso, vale ressaltar que,como cada escola est inserida em uma realidade com caractersticas especficas, no h um nico

    modo de organizar as escolas e as salas de aula. Mas necessrio que tenhamos eixos norteadorescomuns. Portanto, procuramos, neste momento de ampliao do ensino fundamental para noveanos, estar atentos para a necessidade de que aspectos estruturantes da escola precisam ser analisadose reelaborados. Por exemplo: como o projeto pedaggico da escola assegura a flexibilizao dostempos e dos espaos na lgica da diversidade, da pluralidade, da autonomia, da criatividade, dosagrupamentos e reagrupamentos dos estudantes com vistas a uma efetiva aprendizagem em todasas dimenses do currculo? Como a instituio escolar tem pensado a alfabetizao e o letramento,ao organizar e planejar tempos e espaos que assegurem aprendizagens para a formao humana?Com o objetivo de aprofundar o estudo sobre essas e outras questes que permeiam esse tema,elegemosA organizao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramento como eixos orientadoresumassunto relevante na reestruturao do ensino fundamental.

    Compreendemos a ampliao do ensino fundamental, tambm, como uma oportunidade de reverconcepes e prticas de avaliao do ensino-aprendizagem, partindo do princpio de queprecisamos, na educao brasileira, de uma avaliao inclusiva. Para isso, tornam-se urgentes areviso e a mudana de determinadas concepes de avaliao que se traduzem e se perpetuam emprticas discriminatrias e redutoras das possibilidades de aprender. Assim, no textoAvaliao eaprendizagem na escola: a prtica pedaggica como eixo da reflexo, tratamos da avaliao dandonfase escola que assegura aprendizagem de qualidade a todos. Ressaltamos a importncia de

    uma escola que, para avaliar, lana mo da observao, do registro e da reflexo constantes doprocesso de ensino-aprendizagem, porque no se limita a resultados finais traduzidos em notas ouconceitos. Enfatizamos a escola que, para avaliar, elabora outros procedimentos e instrumentosalm da prova bimestral e do exerccio de verificao, porque ela entende que o ser humano sejaele criana, adolescente, jovem ou adulto singular na forma, na "quantidade" do aprender eem demonstrar suas aprendizagens, por isso precisa de diferentes oportunidades, procedimentos einstrumentos para explicitar seus saberes. nessa perspectiva de avaliao que reafirmamos ummovimento que procura romper com o carter meramente classificatrio e de verificao dossaberes, que busca constituir nos tempos e espaos da escola e da sala de aula uma prtica deavaliao tica e democrtica.

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    Ao apresentarmos, no ltimo texto, algumasModalidades organizativas do trabalho pedaggico: umapossibilidade, partimos do princpio de que se faz necessrio apresentar, neste momento de ampliaodo ensino fundamental, algumas propostas de trabalho cotidiano. Entretanto, nenhuma delaster significado se o professor(a) no se permitir assumir o seu legtimo lugar de mediador doprocesso ensino-aprendizagem, se no as recriar. As atividades aqui apresentadas no foram

    elaboradas como modelos, mas como subsdio ao planejamento da prtica. Foram elaboradas,apostando na infinita capacidade criativa do(a) professor(a) de reinventar o j pronto, o j posto.Tais atividades tm como propsito encorajar o(a) professor(a) na elaborao de tantas outrasmuito mais ricas e de resultados mais eficientes para a aprendizagem dos estudantes; e forampropositadamente apresentadas para que o(a) professor(a) possa super-las no estabelecimento denovas referncias pedaggicas e metodolgicas com vistas a um ensino fundamental de qualidade.

    Finalmente, temos convico de que a tarefa que ns professores, gestores e demais profissionaisda educao temos em mos da mais profunda complexidade. Sabemos, tambm, que asreflexes e possibilidades apresentadas neste documento no bastam, no abrangem a diversidade

    da nossa escola em suas necessidades curriculares, mas estamos certos de que tomamos a decisotica de assegurar a todas as crianas brasileiras de seis anos de idade o direito a uma educaopblica que, mais do que garantir acesso, tem o dever de assegurar a permanncia e a aprendizagemcom qualidade.

    Jeanete BeauchampDiretora do Departamento de Polticas da Educao Infantil e do Ensino Fundamental

    Sandra Denise Pagel

    Coordenadora Geral do Ensino FundamentalAriclia Ribeiro do Nascimento

    Assessora da Coordenao Geral do Ensino Fundamental

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    Este texto tem o objetivo de refletir sobre a infncia e sua singularidade. Nele,a infncia entendida, por um lado,

    como categoria social e como categoria da his-tria humana, englobando aspectos que afe-tam tambm o que temos chamado deadolescncia ou juventude. Por outro lado, ainfncia entendida como perodo da hist-ria de cada um, que se estende, na nossa soci-edade, do nascimento at aproximadamente

    dez anos de idade. Pretendemos, com este tex-to, discutir a infncia, a escola e os desafioscolocados hoje para a educao infantil e oensino fundamental de nove anos.

    Inicialmente, so apresentadas algumas idias

    sobre infncia, histria, sociedade e culturacontempornea. Em seguida, analisamos ascrianas e a chamada cultura infantil, tentan-do refletir sobre o significado de atuarmos comas crianas como sujeitos. Aqui, focalizamos

    A INFNCIA E

    SUA SI NGUL ARI DADE1Sn i a Kr amer 2

    Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em

    casa dizendo que vira no campo dois drages-da-

    independncia cuspindo fogo e lendo fotonovelas.

    A me botou-o de castigo, mas na semana seguinte

    ele veio contando que cara no ptio da escola umpedao de lua, todo cheio de buraquinhos, feito

    queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez

    Paulo no s ficou sem sobremesa como foi proibido

    de jogar futebol durante quinze dias.

    Quando o menino voltou falando que todas as

    borboletas da Terra passaram pela chcara de Si

    Elpdia e queriam formar um tapete voador para

    transport-lo ao stimo cu, a me decidiu lev-lo ao

    mdico. Aps o exame, o Dr. Epaminondas abanou a

    cabea:

    - No h nada a fazer, Dona Col. Este menino

    mesmo um caso de poesia.

    Carlos Drummond de Andrade

    1 Texto escrito a partir de: KRAMER, S., Infncia, Cultura e Educao. In: PAIVA, A. , EVANGELISTA , A. PAULINO, G.,e VERSIANIN, Z. (Org.).No fim do sculo: a diversidade. O Jogo do Livro Infanti l e Juvenil. Editora Autntica/CEALE, 2000,p. 9-36; e KRAMER, S. Direitos da criana e projeto poltico-pedaggico de educao infant il. In: BAZILIO, L. e KRAMER, S.Infncia, educao e direitos humanos. So Paulo, Ed.Cortez, 2003, p. 51-81.2 KRAMER Snia. Professora da Pontifcia Universidade Catlica (PUC) do Rio de Janeiro, onde coordena o Curso de

    Especializao em Educao Infantil.

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    Num a sociedadedesi gual , as cr i anas

    desempenham, nosdi ver sos con t ex t os,papis diferentes.

    de infncia na sociedade moderna,sabemos que as vises sobre a in-

    fncia so construdas social ehistoricamente. A inseroconcreta das crianas e seus

    papis variam com as formasde organizao da socieda-de. Assim, a idia de infn-cia no existiu sempre e da

    mesma maneira. Ao contrrio,a noo de infncia surgiu com

    a sociedade capitalista, urbano-in-dustrial, na medida em que mudavam a inser-o e o papel social da criana na suacomunidade. Aprendemos com esses estudos:

    ( i)a condio e natureza histrica e social dascrianas; (ii)a necessidade de pesquisas queaprofundem o conhecimento sobre as crian-as em diferentes contextos; e (iii)a impor-tncia de atuar considerando-se essadiversidade.

    As contribuies do socilogo francs BernardCharlot, nos anos 1970, tambm foram fun-damentais e ajudaram a compreender o signi-

    ficado ideolgico da criana e o valor socialatribudo infncia: a distribuio desigual depoder entre adultos e crianas tem razes soci-ais e ideolgicas, com conseqncias no con-trole e na dominao de grupos. As idias deCharlot favorecem compreender a infncia demaneira histrica, ideolgica e cultural: a de-pendncia da criana em relao ao adulto,diz o socilogo, fato social e no natural. Tam-bm a antropologia favorece conhecer a di-

    versidade das populaes infantis, as prticasculturais entre crianas e com adultos, bemcomo brincadeiras, atividades, msicas, hist-rias, valores, significados. E a busca de umapsicologia baseada na histria e na sociologia- as teorias de Vygotsky e Wallon e seu debatecom Piaget - revelam esse avano e revolucio-nam os estudos da infncia.

    Numa sociedade desigual, as crianas desem-

    penham, nos diversos contextos, papis

    tambm interaes, tenses e contradi-es entre crianas e adultos, um gran-de desafio enfrentado atualmente.Por fim, abordamos o impactodessas reflexes, considerando os

    direitos das crianas, a educaoinfantil e o ensino fundamental.

    Infncia, Histria eInfncia, Histria eInfncia, Histria eInfncia, Histria eInfncia, Histria eCultura ContemporneaCultura ContemporneaCultura ContemporneaCultura ContemporneaCultura Contempornea

    Profissionais que trabalham na educa-o e no mbito das polticas sociais vol-tadas infncia enfrentam imensos desafios:questes relativas situao poltica e econ-mica e pobreza das nossas populaes, ques-

    tes de natureza urbana e social, problemasespecficos do campo educacional que, cadavez mais, assumem propores graves e tm im-plicaes srias, exigindo respostas firmes e r-pidas, nunca fceis. Vivemos o paradoxo depossuir um conhecimento terico complexosobre a infncia e de ter muita dificuldade delidar com populaes infantis e juvenis. Re-fletir sobre esses paradoxos e sobre a infncia,hoje, condio para se planejar o trabalho

    na creche e na escola e para implementar ocurrculo. Como as pessoas percebem as cri-anas? Qual o papel social da infncia nasociedade atual? Que valor atribudo cri-ana por pessoas de diferentes classes e grupossociais? Qual o significado de ser criana nasdiferentes culturas? Como trabalhar com ascrianas de maneira que sejam consideradosseu contexto de origem, seu desenvolvimentoe o acesso aos conhecimentos, direito social

    de todos? Como assegurar que a educao cum-pra seu papel social diante da heterogeneidadedas populaes infantis e das contradies dasociedade?

    Ao longo do sculo XX, cresceu o esforo peloconhecimento da criana, em vrios camposdo conhecimento. Desde que o historiadorfrancs Philippe Aris publicou, nos anos 1970,seu estudo sobre a histria social da criana e

    da famlia, analisando o surgimento da noo

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    diferentes. A idia de infncia moderna foiuniversalizada com base em um padro de cri-anas das classes mdias, a partir de critriosde idade e de dependncia do adulto, caracte-rsticos de sua insero no interior dessas clas-

    ses. No entanto, preciso considerar adiversidade de aspectos sociais, culturais e po-lticos: no Brasil, as naes indgenas, suas ln-guas e seus costumes; a escravido daspopulaes negras; a opresso e a pobreza deexpressiva parte da populao; o colonialismoe o imperialismo que deixaram marcas diferen-ciadas no processo de socializao de crianase adultos.

    Recentemente, outras questes inquietam osque atuam na rea: alguns pensadores denun-ciam o desaparecimento da infncia. Pergun-tam "de que infncia ns falamos?", uma vezque a violncia contra as crianas e entre elasse tornou constante. Imagens de pobreza decrianas e trabalho infantil retratam uma situ-ao em que o reino encantado da infnciateria chegado ao fim. Na era ps-industrial nohaveria mais lugar para a idia de infncia, uma

    das invenes mais humanitrias damodernidade; com a mdia e a Internet, o aces-so das crianas informao adulta teria ter-minado por expuls-las do jardim da infncia(Postman, 1999). Mas a idia de infnciaque entra em crise ou a crise a do homemcontemporneo e de suas idias?

    Estar a infncia desaparecendo? A idia deinfncia surgiu no contexto histrico e socialda modernidade, com a reduo dos ndicesde mortalidade infantil, graas ao avano dacincia e a mudanas econmicas e sociais.Essa concepo, para Aris, nasceu nas clas-ses mdias e foi marcada por um duplo modode ver as crianas, pela contradio entre mo-ralizar (treinar, conduzir, controlar a criana)e paparicar (ach-la engraadinha, ingnua,pura, querer mant-la como criana). A mis-ria das populaes infantis naquela poca e o

    trabalho escravo e opressor desde o incio da

    revoluo industrial condenavam-nas a noser crianas: meninos trabalhavam nas fbri-cas, nas minas de carvo, nas ruas. Mas athoje o projeto da modernidade no real paraa maioria das populaes infantis, em pases

    como o Brasil, onde no assegurado s cri-anas o direito de brincar, de no trabalhar.

    Pode a criana deixar de ser inf-ans(o que nofala) e adquirir voz num contexto que, por umlado, infantiliza jovens e adultos e empurrapara frente o momento da maturidade e, poroutro, os adultiza, jogando para trs a curtaetapa da primeira infncia? Crianas so su-

    jeitos sociais e histricos, marcadas, portanto,pelas contradies das sociedades em que es-to inseridas. A criana no se resume a seralgum que no , mas que se tornar (adulto,no dia em que deixar de ser criana). Reco-nhecemos o que especfico da infncia: seupoder de imaginao, a fantasia, a criao, abrincadeira entendida como experincia decultura. Crianas so cidads, pessoas deten-toras de direitos, que produzem cultura e sonela produzidas. Esse modo de ver as crianas

    favorece entend-las e tambm ver o mundoa partir do seu ponto de vista. A infncia, maisque estgio, categoria da histria: existe umahistria humana porque o homem tem infn-cia. As crianas brincam, isso o que as carac-teriza. Construindo com pedaos, refazendo apartir de resduos ou sobras (Benjamin, 1987b),na brincadeira, elas estabelecem novas rela-es e combinaes. As crianas viram as coi-sas pelo avesso e, assim, revelam a possibilidade

    de criar. Uma cadeira de cabea para baixo setorna barco, foguete, navio, trem, caminho.Aprendemos, assim, com as crianas, que pos-svel mudar o rumo estabelecido das coisas.

    As crianas e a cultura infantilAs crianas e a cultura infantilAs crianas e a cultura infantilAs crianas e a cultura infantilAs crianas e a cultura infantil

    Procurando entender a infncia e as crianasna sociedade contempornea, de modo quepossamos compreender a delicada complexi-

    dade da infncia e a dimenso criadora das

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    aes infantis, encontramos na obra de WalterBenjamin interessantes contribuies3. Mui-tos de seus textos expressam uma viso peculi-ar da infncia e da cultura infantil e oferecemimportantes eixos que orientam outra manei-

    ra de ver as crianas. Para nossa discusso, pro-pomos quatro eixos, baseados em Benjamin:

    a) A criana cria cultura, brinca e nissoreside sua singularidade

    As crianas "fazem histria a partir dos restos dahistria", o que as aproxima dos inteis e dosmarginalizados (Benjamin, 1984, p.14). Elasreconstroem das runas; refazem dos pedaos.Interessadas em brinquedos e bonecas, atra-das por contos de fadas, mitos, lendas, que-rendo aprender e criar, as crianas esto maisprximas do artista, do colecionador e do m-gico, do que de pedagogos bem intenciona-dos. A cultura infantil , pois, produo ecriao. As crianas produzem cultura e soproduzidas na cultura em que se inserem (emseu espao) e que lhes contempornea (deseu tempo). A pergunta que cabe fazer :

    quantos de ns, trabalhando nas polticas p-blicas, nos projetos educacionais e nas prti-cas cotidianas, garantimos espao para esse tipode ao e interao das crianas? Nossas cre-ches, pr-escolas e escolas tm oferecido con-dies para que as crianas produzam cultura?Nossas propostas curriculares garantem o tem-po e o espao para criar?

    Nesse "refazer" reside o potencial da brinca-deira, entendida como experincia de cultu-ra. No por acaso que, em diversas lnguas, apalavra "brincar" spillen, to play, jouer pos-sui o sentido de danar, praticar deporte, re-presentar em uma pea teatral, tocar uminstrumento musical, brincar. Ao valorizar abrincadeira, Benjamin critica a pedagogizaoda infncia e faz cada um de ns pensarnos:

    possvel trabalhar com crianas sem saber brin-car, sem ter nunca brincado?

    b) A criana colecionadora, d sentidoao mundo, produz histria

    Como um colecionador, a criana caa, pro-cura. As crianas, em sua tentativa de desco-brir e conhecer o mundo, atuam sobre osobjetos e os libertam de sua obrigao de serteis. Na ao infantil, vai se expressando, as-sim, uma experincia cultural na qual ela atri-bui significados diversos s coisas, fatos eartefatos. Como um colecionador, a crianabusca, perde e encontra, separa os objetos deseus contextos, vai juntando figurinhas, cha-pinhas, ponteiras, pedaos de lpis, borrachasantigas, pedaos de brinquedos, lembranas,presentes, fotografias.

    A maioria de ns adultos que estamos lendoeste texto tem tambm caixas e gavetas emque verdadeiras colees vo sendo formadasdia a dia, como partes de uma trajetria. Ahistria de cada um e cada uma de ns vaisendo reunida, e s pode ser contada por ns.

    Ns conhecemos os significados de cada umadessas coisas que evocam situaes vividas,conquistas ou perdas, pessoas, lugares, temposesquecidos. Observar a coleo aciona a me-mria e desvela a narrativa da histria.Quantos de ns estamos dispostos a nos desfa-zer de nossas colees, ou seja, de nossa hist-ria? "A rrumar signif icaria aniquilar", dizBenjamin. Quantos de ns estamos sempredispostos a arrumar as colees infantis? Como

    garantir a ordem sem destruir a criao?

    c) A criana subverte a ordem e estabele-ce uma relao crtica com a tradio

    Olhar o mundo a partir do ponto de vista dacriana pode revelar contradies e uma outramaneira de ver a realidade. Nesse processo, o

    3Benjamin viveu na Europa no incio do sculo XX e foi leitor de Marx, Freud, Proust, Kafka e Baudelaire, alm de interlocutor

    crtico dos pensadores da Escola de Frankfurt, de Bertolt Brecht, Chagall, Gershon Scholem.

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    papel do cinema, da fotografia, da imagem, importante para nos ajudar a constituir esseolhar infantil, sensvel e crtico. Atuar com ascrianas com esse olhar significa agir com aprpria condio humana, com a histria hu-

    mana. Desvelando o real, subvertendo a apa-rente ordem natural das coisas, as crianasfalam no s do seu mundo e de sua tica decrianas, mas tambm do mundo adulto, dasociedade contempornea. Imbuir-se desseolhar infantil crtico, que vira as coisas peloavesso, que desmonta brinquedos, desmanchaconstrues, d volta costura do mundo, aprender com as crianas e no se deixarinfantilizar. ser Conhecer a infncia e as cri-

    anas favorece que o humano continue sen-do sujeito crtico da histria que ele produz (eque o produz). Sendo humano, esse processo marcado por contradies: podemos apren-der com as crianas a crtica, a brincadeira, avirar as coisas do mundo pelo avesso. Ao mes-mo tempo, precisamos considerar o contexto,as condies concretas em que as crianas es-to inseridas e onde se do suas prticas einteraes. Precisamos considerar os valores eprincpios ticos que queremos transmitir naao educativa.

    d) A criana pertence a uma classe social

    As crianas no formam uma comunidade iso-lada; elas so parte do grupo e suas brincadei-ras expressam esse pertencimento. As crianasno so filhotes, mas sujeitos sociais; nascemno interior de uma classe, de uma etnia, de

    um grupo social. Os costumes, valores, hbi-tos, as prticas sociais, as experincias interfe-rem em suas aes e nos significados queatribuem s pessoas, s coisas e s relaes. Noentanto, apesar do seu direito de brincar, paramuitas o trabalho imposto como meio desobrevivncia. Considerar, simultaneamente,a singularidade da criana e as determinaessociais e econmicas que interferem na sua con-dio, exige reconhecer a diversidade cultural

    e combater a desigualdade de condies e asituao de pobreza da maioria de nossas po-pulaes com polticas e prticas capazes deassegurar igualdade e justia social. Isso impli-ca garantir o direito a condies dignas de vida,

    brincadeira, ao conhecimento, ao afeto e ainteraes saudveis.

    No contexto dessa reflexo, um paradoxo ficaevidenciado: as relaes entre crianas e adul-tos atualmente e sua delicada complexidade.Discutiremos esse ponto a seguir.

    Crianas e adultos:Crianas e adultos:Crianas e adultos:Crianas e adultos:Crianas e adultos:identidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade e

    autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?

    A histria humana tem sido marcada pela des-truio e pela barbrie. Mas, alm dos proble-mas econmicos, polticos e sociais que temosenfrentado, os quais no so de soluo rpi-da, os acontecimentos recentes e a guerra nosinquietam. Ao discutir infncia, creche e es-cola, importante tratar de temas como: di-reitos humanos; a violncia praticada contra/por crianas e jovens e seu impacto nas atitu-

    des dos adultos, em particular professores; asrelaes entre adultos e crianas e a perda daautoridade como um dos problemas sociaismais graves do cenrio contemporneo. Asrelaes estabelecidas com a infncia expres-sam a crtica de uma cultura em que no nosreconhecemos. Reencontrar o sentido de so-lidariedade e restabelecer com as crianas e os

    jovens laos de carter afetivo, tico, social epoltico exigem a reviso do papel que tem sido

    desempenhado nas instituies educativas. Namodernidade, a narrativa entra em extinoporque a experincia vai definhando, sendoreduzida a vivncias, em reao aos choquesda vida cotidiana. Experincia e narrativa aju-dam a compreender processos culturais (tam-bm educacionais) e seus impasses. Mais doque isso, esses conceitos contribuem para pr-ticas com crianas e para estratgias de forma-o que abram o espao da narrativa, para que

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    crianas, jovens e adultos possam falar do quevivem, viveram, assistiram, enfrentaram.

    Muitas iniciativas tm tentado resgatar hist-rias de grupos, povos, pessoas, classes sociais;refazendo as trajetrias, velhos sentidos so

    recuperados e as histrias ganham outras con-figuraes. Os conceitos de infncia, narrati-va e experincia fornecem elementos bsicospara pensar na delicada questo da autorida-de. Para Benjamin (1987a), o que d autori-dade a experincia: a proximidade da mortedava ao moribundo maior autoridade, deriva-da de sua maior experincia e de uma maisclara possibilidade de narrar o vivido, tornan-do-o infinito. A vivncia, que finita, se tor-na infinita (e ultrapassa a morte) graas linguagem: no outro que a narrativa se enra-za, o que significa que a narrativa fundamen-tal para a constituio do sentido decoletividade, em que cada qual aprende a exer-cer o seu papel. A arte de narrar diminui por-que a experincia entra em extino. Emconseqncia, reduz a autoridade constitudae legitimada pela experincia.

    No que se refere aos desafios das relaes con-temporneas entre adultos e crianas,Sarmento alerta para os efeitos da "convergn-cia de trs mudanas centrais: a globalizao so-cial, a crise educacional e as mutaes no mundodo trabalho" (2001, p. 16). Trata-se de um pa-radoxo duplo: os adultos permanecem cada vezmais tempo em casa graas mudana nas for-mas de organizao do trabalho e ao desem-prego crescente, enquanto as crianas saem

    mais de casa, sobretudo por conta da sua cres-cente permanncia nas instituies. "H, des-te modo, como que uma troca de posies entregeraes. Este um dos mais significativos efeitosgerados pelas mutaes no mundo do trabalho"(Sarmento, 2001, p. 21). Alm disso, a sociabi-lidade se transforma e as relaes entre adultos ecrianas tomam rumos descon-certantes. O dis-curso da criana como sujeito de direito e da in-fncia como construo social deturpado: nas

    classes mdias, esse discurso refora a idia deque a vontade da criana deve ser atendida aqualquer custo, especialmente para consumir;nas classes populares, crianas assumem res-ponsabilidades muito alm do que podem. Em

    ambas, as crianas so expostas mdia, vio-lncia e explorao.

    Por outro lado, o reconhecimento do papelsocial da criana tem levado muitos adultos aabdicarem de assumir seu papel. Parecem usara concepo de "infncia como sujeito" comodesculpa para no estabelecer regras, no ex-pressar seu ponto de vista, no se posicionar.O lugar do adulto fica desocupado, como separa a criana ocupar um lugar, o adulto preci-sasse desocupar o seu, o que revela uma distoroprofunda do sentido da autoridade. E comovalorizar e reconhecer a criana semabandon-la prpria sorte ou azar e sem ape-nas normatizar? Pergunto: como atuar, consi-derando as condies, sem expor e sem largaras crianas? Como reconhecer os seus direitose preserv-los? Na escola, parece que as crian-as pedem para o professor intervir e ele no o

    faz, impondo em vez de dividir com a crianaem situaes em que poderia faz-lo, e exigin-do demais quando deveria poup-la. A ques-to da sociabilidade tornou-se to frgil queos adultos professores, pais no vem aspossibilidades da criana e ora controlam, re-gulam, conduzem, ora sequer intervm, tmmedo de crianas e jovens, medo de estabele-cer regras, de fazer acordos, de lidar com ascrianas no dilogo e na autoridade. O equil-

    brio e o dilogo se perdem e esses adultos, aoabrirem mo da sua autoria (de pais ou profes-sores), ao cederem seu lugar, s tm, como al-ternativa, o confronto ou o descaso.

    No centro dessa questo parece se manifestaruma indisponibilidade em relao s crianas,uma das mais perversas mudanas de valoresdos adultos: perguntas ficam sem respostas;transgresses ficam sem sano; dvidas ficamsem esclarecimento; relatos ficam sem escuta.

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    Diversos fatores interferem nas rela-es entre crianas e adultos. Umaspecto se situa no centro daquesto: a indisponibilidade doadulto que parece impregnar

    a vida contempornea,marcada pelo individualismoe pela mercantilizao das re-laes. Com a perda da capa-cidade do dilogo namodernidade, as pessoas s con-versam sobre o preo das coisas; semo dilogo, sem a narrativa, ficam impossibili-tadas de dar ou de ouvir um conselho que ,segundo Benjamin (1987a), sempre a suges-

    to de como poderia uma histria continuar.Desocupando seu lugar, os adultos ora tratama criana como companheira em situaes nasquais ela no tem a menor condio de s-lo,ora no assumem o papel de adultos em situa-es nas quais as crianas precisam aprendercondutas, prticas e valores que s iro adqui-rir se forem iniciadas pelo adulto. As crianasso negligenciadas e vo ficando tambm per-didas e confusas. Muitos adultos parecem in-diferentes e no mais as iniciam. A indiferenaocupa o lugar das diferenas.

    Em contextos em que no h garantia de di-reitos, acentuam-se a desigualdade e a injusti-a social e as crianas enfrentam situaes almde seu nvel de compreenso, convivem comproblemas alm do que seu conhecimento eexperincia permitem entender. Os adultosno sabem como responder ou agir diante de

    situaes que no enfrentaram antes porque,embora adultos, no se constituram na expe-rincia e so cobrados a responder perguntaspara as quais nunca ningum lhes deu respos-tas. Alm disso, o panorama social e a con-

    juntura poltica mais ampla de banalizao daviolncia, valorizao da guerra e do confron-to, agresso, impunidade e corrupo geramperplexidade e o risco, que ela implica, doimobilismo. Sem autoridade (Sennett, 2001)

    e corrodos no seu carter (Idem,1999), os adultos tm encontra-

    do solues para lidar comidentidade, diversidade e paradelinear padres de autorida-

    de, ressignificando seu papel,na esfera social coletiva? Ouidentidade, diversidade e au-toridade esto em risco, agra-

    vando a desumanizao, se possvel usar essa expresso dian-

    te da barbrie que o sculo XX lo-grou nos deixar como herana?

    Direito das crianas,Direito das crianas,Direito das crianas,Direito das crianas,Direito das crianas,

    educao infantil e ensinoeducao infantil e ensinoeducao infantil e ensinoeducao infantil e ensinoeducao infantil e ensinofundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafios

    Aprendemos com Paulo Freire que educaoe pedagogia dizem respeito formao cultu-ral o trabalho pedaggico precisa favorecera experincia com o conhecimento cientficoe com a cultura, entendida tanto na sua di-menso de produo nas relaes sociais coti-dianas e como produo historicamente

    acumulada, presente na literatura, na msica,na dana, no teatro, no cinema, na produoartstica, histrica e cultural que se encontranos museus. Essa viso do pedaggico ajuda apensar sobre a creche e a escola em suas di-menses polticas, ticas e estticas. A educa-o, uma prtica social, inclui o conhecimentocientfico, a arte e a vida cotidiana.

    Educao infantil e ensino fundamental sofreqentemente separados. Porm, do ponto

    de vista da criana, no h fragmentao. Osadultos e as instituies que muitas vezesopem educao infantil e ensino fundamen-tal, deixando de fora o que seria capaz dearticul-los: a experincia com a cultura. Ques-tes como alfabetizar ou no na educao in-fantil e como integrar educao infantil eensino fundamental continuam atuais. Temoscrianas, sempre, na educao infantil e noensino fundamental. Entender que as pessoas

    Em con t ex t os emque no h gar an-

    t i a de di r ei t os,acen t uam-se a desi -gual dade e a i nj us-

    t i a social

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    so sujeitos da histria e da cultura, alm deserem por elas produzidas, e considerar os mi-lhes de estudantes brasileiros de 0 a 10 anoscomo crianas e no s estudantes, implica vero pedaggico na sua dimenso cultural, como

    conhecimento, arte e vida, e no s como algoinstrucional, que visa a ensinar coisas. Essareflexo vale para a educao infantil e o en-sino fundamental.

    Educao infantil e ensino fundamental soindissociveis: ambos envolvem conhecimen-tos e afetos; saberes e valores; cuidados e aten-o; seriedade e riso. O cuidado, a ateno, oacolhimento esto presentes na educao in-fantil; a alegria e a brincadeira tambm. E, nasprticas realizadas, as crianas aprendem. Elasgostam de aprender. Na educao infantil eno ensino fundamental, o objetivo atuar comliberdade para assegurar a apropriao e a cons-truo do conhecimento por todos. Na edu-cao infantil, o objetivo garantir o acesso,de todos que assim o desejarem, a vagas emcreches e pr-escolas, assegurando o direito dacriana de brincar, criar, aprender. Nos dois,

    temos grandes desafios: o de pensar a creche,a pr-escola e a escola como instncias de for-mao cultural; o de ver as crianas como su-

    jeitos de cultura e histria, sujeitos sociais.

    O ensino fundamental, no Brasil, passa agoraa ter nove anos de durao e inclui as crianasde seis anos de idade, o que j feito em vri-os pases e em alguns municpios brasileiros hmuito tempo. Mas muitos professores aindaperguntam: o melhor que elas estejam na

    educao infantil ou no ensino fundamental?Defendemos aqui o ponto de vista de que osdireitos sociais precisam ser assegurados e queo trabalho pedaggico precisa levar em contaa singularidade das aes infantis e o direito brincadeira, produo cultural tanto na edu-cao infantil quanto no ensino fundamen-tal. preciso garantir que as crianas sejamatendidas nas suas necessidades (a de aprendere a de brincar), que o trabalho seja planejado e

    acompanhado por adultos na educao infantile no ensino fundamental e que saibamos, emambos, ver, entender e lidar com as crianascomo crianas e no apenas como estudan-tes. A incluso de crianas de seis anos no

    ensino fundamental requer dilogo entre edu-cao infantil e ensino fundamental, dilogoinstitucional e pedaggico, dentro da escolae entre as escolas, com alternativascurriculares claras.

    No Brasil, temos hoje importantes documen-tos legais: a Constituinte de 1988, a primeiraque reconhece a educao infantil como di-reito das crianas de 0 a 6 anos de idade, de-ver de Estado e opo da famlia; o Estatutoda Criana e do Adolescente (Lei no 8.069,de 1990), que afirma os direitos das crianas eas protege; e a Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional, de 1996, que reconhecea educao infantil como primeira etapa daeducao bsica. Todos esses documentos soconquistas dos movimentos sociais, movimen-tos de creches, movimentos dos fruns perma-nentes de educao infantil. E qual tem sido a

    ao desses movimentos e das polticas pbli-cas nos municpios? Como tem sido a partici-pao das creches, pr-escolas e escolas? Asconquistas formais tm se tornado aes defato? Que impacto tais conquistas promovemno currculo? De que maneira a antecipaoda escolaridade interfere nos processos de in-sero social e nos modos de subjetivao decrianas, jovens e adultos? As escolas tm le-vado em conta essas questes na concepo e

    na construo dos seus currculos? Os sistemasde ensino tm se equipado para fazer frente smudanas?

    O tempo da infncia o tempoO tempo da infncia o tempoO tempo da infncia o tempoO tempo da infncia o tempoO tempo da infncia o tempode aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprender

    com as crianascom as crianascom as crianascom as crianascom as crianas

    As reflexes desenvolvidas aqui se voltampara uma perspectiva da educao contem-pornea, na educao infantil ou no ensino

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    Sem conhecer asinteraes, no h comoeducar cri an as e j ovens

    n um a per spect i va dehum ani zao necessri apar a subsidi ar pol t i cas

    pbl i cas e pr t i caseducat i vas sol i dr i as.

    fundamental, na qual o outro vis-to como um eu e na qual estem pauta a solidariedade, orespeito s diferenas e ocombate indiferena e

    desigualdade. Assumir adefesa da escola umadas instituies mais es-tveis num momento deabsoluta instabilidade significa assumir umaposio contra o trabalhoinfantil. As crianas tm odireito de estar numa escolaestruturada de acordo com uma

    das muitas possibilidades de organi-zao curricular que favoream a sua inser-o crtica na cultura. Elas tm direito acondies oferecidas pelo Estado e pela socie-dade que garantam o atendimento de suasnecessidades bsicas em outras esferas da vidaeconmica e social, favorecendo mais que umaescola digna, uma vida digna.

    Como ensinar solidariedade e justia social, e

    respeitando as diferenas, contra a discrimi-nao e a dominao? Esto nossas crianas ejovens aprendendo a rir da dor do outro, ahumilhar, a serem humilhadas, a no mais sesensibilizar? Perdemos o dilogo? Comorecuper-lo? As prticas, feitas com as crian-as, humanizam-nas? Nosso maior desafio obter entendimento e uma educao baseadano reconhecimento do outro e suas diferen-as de cultura, etnia, religio, gnero, classe

    social, idade e combater a desigualdade; viveruma tica e implementar uma formao cul-tural que assegure sua dimenso de experin-cia crtica. preciso compreender os processosrelativos aos modos de interao entre crian-as e adultos em diferentes contextos sociais,culturais e institucionais. O dilogo com vrioscampos do conhecimento contribui para agircom as crianas. Conhecer as aes e produes

    infantis, as relaes entre adultos ecrianas, essencial para a in-

    terveno e a mudana.

    Sem conhecer asinteraes, no h comoeducar crianas e jo-vens numa perspectivade humanizao ne-cessria para subsidiarpolticas pblicas e pr-ticas educativas solidri-as entre crianas, jovens

    e adultos, com aes cole-tivas e elos capazes de gerar o

    sentido de pertencer a. Que pa-pel tm desempenhado a creche, a pr-escola e a escola? Que princpios de identidade,valores ticos e padres de autoridade ensinams crianas? As prticas contribuem parahumanizar as relaes? Como? As prticas deeducao infantil e ensino fundamental tmlevado em conta diferenas tnicas, religiosas,regionais, experincias culturais, tradies ecostumes adquiridos pelas crianas e jovens no

    seu meio de origem e no seu cotidiano de rela-es? Tm favorecido s crianas experinci-as de cultura, com brinquedos, museus, cinema,teatro, com a literatura? E para os professores?Qual a sua formao cultural? E sua inserocultural? Quais so suas experincias de cultu-ra? Que relaes tm com a leitura e a escrita?

    Esses e muitos outros desafios so atualmenteenfrentados por ns. Ao considerarmos os pa-

    radoxos dos tempos em que vivemos e os va-lores de solidariedade e generosidade quequeremos transmitir, num contexto de inten-so e visvel individualismo, cinismo,pragmatismo e conformismo, so necessriascondies concretas de trabalho com quali-dade e ao coletiva que viabilizem formas deenfrentar os desafios e mudar o futuro.

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    A INFNCIA NAESCOL A E NA VI DA: UM A

    REL AO FUNDAMENTALAne l i s e Mon t ei r o do Nasci men t o1

    Este texto tem como objetivo contribuirpara o debate sobre o ensino fundamental de nove anos, tendo como foco a

    busca de possibilidades adequadas para rece-bermos as crianas de seis anos de idade nessaetapa de ensino. Para tanto, faz-se necessriodiscutir sobre quem so essas crianas, quaisso as suas caractersticas e como essa fase da

    vida tem sido compreendida dentro e fora doambiente escolar.

    Para superarmos o desafio da implantao de umensino fundamental de nove anos, acreditamos

    que so necessrias a participao de todos e aampliao do debate no interior de cada esco-la. Nesse processo, a primeira pergunta que nosinquieta e abre a possibilidade de discusso :quem so as crianas hoje? Tal pergunta fun-damental, pois encaminha o debate para pen-sarmos tanto sobre as concepes de infnciaque orientam as prticas escolares vigentes,

    quanto sobre as possibilidades de mudana queeste momento anuncia.

    Como vimos no primeiro texto deste caderno,os estudos de Phillipe Aris (1978) indicam que

    I nfncia

    Meu pai montava a cavalo, ia para o campo,

    Minha me ficava sentada cosendo.

    Meu irmo pequeno dormia.

    Eu sozinho menino entre mangueiras

    Lia a histria de Robinson Cruso

    Comprida histria que no acaba mais

    .......................................

    Eu no sabia que minha histria

    Era mais bonita que a de Robinson Cruso.2

    Carlos Drummond de Andrade

    1 NASCIMENTO, Anelise Monteiro do. Mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro,professora de educao infantil.2Robinson Cruso o personagem central do livro As aventuras de Robinson Cruso, escrito por Daniel Defoe. O livro contaa histria do naufrgio de um navio que levou seu nico sobrevivente, Robinson, para uma ilha desconhecida onde ele, solitrio,reconstruiu a vida longe da civilizao. Com suas prprias mos, fez uma casa, teceu roupas, preparou seus alimentos e enfrentou

    muitos desafios para sobreviver.

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    8 A famlia do artista - Renoir (1896)

    As meninas - Velsquez (1656)

    o conceito de infncia muda historicamenteem funo de determinantes sociais, culturais,polticos e econmicos.

    A literatura, as artes, a poesia e o cinema tmsido grandes aliados na percepo do modo

    como a sociedade v a infncia. Na pginaseguinte, encontram-se duas reprodues depinturas para refletirmos sobre como esse con-ceito socialmente construdo.

    Pensemos sobre a maneira como as crianas

    so retratadas pelos dois artistas. A criana doquadro esquerda o prprio Renoir que apa-rece como um beb recebendo os cuidados desua me. Sua vestimenta diferente da dosadultos. Na imagem, que retrata um epis-dio cotidiano do fim do sculo XIX, h umadistino entre criana e adulto. J obser-vando o quadro de Velsquez, pintado emmeados do sculo XVII, podemos dizer queessa distino no to explcita. O quemarca a diferena entre os adultos e as cri-anas nesse segundo quadro? O que pode-mos pensar sobre as concepes de infnciasubjacentes s obras?

    Agora, vamos ler o poema O Pirata, deRoseana Muray:

    O pirata

    Roseana Muray

    O menino brinca de pirata:sua espada de ouroe sua roupa de prata.A travessa os sete maresem busca do grande tesouro.Seu navio tem setecentas velas de panoe o terror do oceano.Mas o tempo passa e ele se cansade ser pirata.E vira outra vez menino.

    Quem o menino do poema? Sem dvida, ocontexto histrico-social em que foram produ-zidos os quadros e a poesia influenciado tan-to pelo conceito de infncia vigente, quantopelo olhar do prprio artista. A poesia desta-ca o papel que a imaginao desempenha navida da criana, as diversas possibilidades derepresentao do real e os modos prpriosde estar no mundo e de interagir com ele.

    Nos quadros de Velsquez e Renoir, embora

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    evidenciem diferentes maneiras de concebera infncia, esse olhar matreiro e curioso dacriana est ausente.

    Refletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidade

    da infnciada infnciada infnciada infnciada infnciaAo contribuir para desmistificar um conceitonico de infncia, chamando ateno para ofato de que existeminfnciase no infncia,pelos aspectos sociais, culturais, polticos e eco-nmicos que envolvem essa fase da vida, osestudos de Aris apontam para a necessidadede se desconstruir padres relativos concep-o burguesa de infncia. Esse olhar para ainfncia possibilita ver as crianas pelo que sono presente, sem se valer de esteretipos, idi-as pr-concebidas ou de prticas educativasque visam a mold-las em funo de visesideolgicas e rgidas de desenvolvimento eaprendizagem.

    No Brasil, as grandes desigualdades na dis-tribuio de renda e de poder foram respon-sveis por infncias distintas para classessociais tambm distintas. A s condies de

    vida das crianas fizeram com que o signifi-cado social dado infncia no fosse homo-gneo. Del Priori (2000) afirma que ahistria da criana brasileira no foi diferenteda dos adultos, tendo sido feitasua sombra.Sombra de uma sociedade que viveu quasequatro sculos de escravido, tendo a divisoentre senhores e escravos como determinanteda sua estrutura social.

    As crianas das classes mais abastadas, segundoa autora, eram educadas por preceptores parti-culares, no tendo freqentado escolas at oincio do sculo XX, e os filhos dos pobres, des-de muito cedo, eram considerados fora produ-tiva, no tendo a educao como prioridade.

    Vale lembrar que, no Brasil, ainda muito re-cente a busca pela democratizao daescolarizao obrigatria e presenciamos agoraa sua ampliao. Se j caminhamos para a

    universalizao desse atendimento, ainda te-mos muito a construir em direo a uma estru-tura social em que a escolaridade sejaconsiderada prioridade na vida das crianas e

    jovens e estes, por sua vez, sejam olhados pela

    escola nas suas especificidades para que a de-mocratizao efetivamente acontea.

    Nesse sentido, podemos ver o ensino funda-mental de nove anos como mais uma estrat-gia de democratizao e acesso escola. A Leino 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, assegu-ra o direito das crianas de seis anos educa-o formal, obrigando as famlias a matricul-lase o estado a oferecer o atendimento. Mas comoassegurar a verdadeira efetivao desse direi-to? Como fazer para que essas crianasingressantes nesse nvel de ensino no engros-sem futuras estatsticas negativas? Acreditamosque o dilogo proposto pelo Ministrio daEducao com a publicao deste caderno eos debates que devem ser promovidos em cadaescola podem auxiliar nesse sentido. Pense-mos: o que temos privilegiado no cotidianoescolar? As vozes das crianas so ouvidas ou

    silenciadas? Que temas esto presentes emnossas salas de aula e quais so evitados?Estamos abertos a todos os interesses das cri-anas? No poemaCertas Palavras, Drummondbusca o encontro com alguns sentimentos pr-prios da infncia:

    Certas Palavras

    Carlos Drummond de AndradeCertas palavras no podem ser ditasEm qualquer lugar e hora qualquer.

    Estritamente reservadasPara companheiros de confiana,Devem ser sacralmente pronunciadaEm tom muito especialLonde a polcia dos adultosNo adivinha nem alcana.Entretanto so palavras simplesDefinemPartes do corpo, movimentos, atosDo viver que s os grandes se permitem

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    E a ns defendido por sentenaDos sculos.

    E tudo proibido. Ento, falamos.

    Que espaos e tempos estamos criando para

    que as crianas possam trazer para dentro daescola as muitas questes e inquietudes queenvolvem esse perodo da vida? As peralticesinfantis tm tido lugar na escola ou somos so-mente a polcia dos adultos?

    A esttica dos espaos e as relaes que se es-tabelecem revelam o que pensamos sobre cri-ana e educao. Essas concepes estopresentes em todas as prticas existentes no

    interior da escola, deixando mais ou menosexplcitos os valores e conceitos dessa institui-o. Tomemos como exemplo os murais. Oque compem os murais? Por quem so orga-nizados? Costumam trazer as produes das cri-anas? So um espao de exposio em quepodemos acompanhar o desenvolvimento dascrianas? Os murais tm ocupado um espaode comunicao dos saberes das crianas?

    Refletir sobre a infncia em sua pluralidadedentro da escola , tambm, pensar nos espa-os que tm sido destinados para que a crian-a possa viver esse tempo de vida com todosos direitos e deveres assegurados. Neste texto,embora tenhamos como objetivo o debate so-bre a entrada das crianas de seis anos no en-sino fundamental, queremos pensar que ainfncia no se resume a essa faixa etria e pro-por uma reflexo sobre que aspectos tm ori-

    entado a nossa prtica. Quem sabe a entradadas crianas de seis anos no nos ajude a verde forma diferente as crianas que j estavamem nossas salas de aula? Est posto a um novodesafio: utilizar essa ocasio para revisitar ve-lhos conceitos e colocar em cheque algumasconvices. Esse um exerccio que requertanto uma tomada de conscincia pessoal,quanto o fortalecimento da organizao cole-tiva de estudo acerca desse tema, envolvendo

    professores, gestores, coordenadores e demais

    profissionais que atuam na escola. Propomosesse exerccio porque, ainda hoje, comumobservar atitudes de adultos, dentro e fora daescola, que desconsideram a criana como atorsocial e, assim, queremos chamar ateno para

    a necessidade de a escola trabalhar o sentidoda infncia em toda a sua dimenso.

    Diante disso, qual o papel da escola? Quaisas dimenses do conhecimento precisamosconsiderar? Se acreditamos que o principalpapel da escola o desenvolvimento integralda criana, devemos consider-la: nadimen-so afetiva, ou seja, nas relaes com o meio,com as outras crianas e adultos com quemconvive; na dimenso cognitiva, construindoconhecimentos por meio de trocas com par-ceiros mais e menos experientes e do contatocom o conhecimento historicamenteconstrudo pela humanidade; nadimenso so-cial, freqentando no s a escola como tam-bm outros espaos de interao como praas,clubes, festas populares, espaos religiosos, ci-nemas e outras instituies culturais; nadimen-so psicolgica, atendendo suas necessidades

    bsicas, como, por exemplo, espao para falae escuta, carinho, ateno, respeito aos seusdireitos (MEC, 2005).

    Cabe destacar que assumir o desenvolvimen-to integral da criana e se comprometer comele no uma tarefa s dos professores, mas detoda a comunidade escolar.

    Infncia nos espaos e osInfncia nos espaos e osInfncia nos espaos e osInfncia nos espaos e osInfncia nos espaos e osespaos da infnciaespaos da infnciaespaos da infnciaespaos da infnciaespaos da infncia

    A entrada das crianas de seis anos no ensinofundamental se faz em um contexto favor-vel, pois nunca se falou tanto da infncia comose fala hoje. Os reflexos desse olhar podem serpercebidos em vrios contextos da sociedade.No que diz respeito escola, estamos em ummomento de questionamos nossas concep-es e nossas prticas escolares. Esse ques-tiona-mento fundamental, pois, algumas

    vezes, durante o desenvolvimento do trabalho

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    Como reali zar umdi logo en t r e as

    vi vnci as dacr i ana dent r o ef or a da escola?

    pedaggico, podemos correr o risco dedesconsiderar que a infncia est presente nosanos/sries iniciais do ensino fundamental eno s na educao infantil.

    Nosso intuito provocativo no sentido da re-

    flexo e da investigao sobre quem so essascrianas que esto chegando s nossas salas deaula. De onde vm? J tiveram experinciasescolares anteriores? Que grupos sociais fre-qentam?

    Para considerar a infncia em toda a sua di-menso, preciso olhar no s para o cotidia-no das instituies de ensino como tambmpara os outros espaos sociais em que as crian-

    as esto inseridas. Em que atividades estoenvolvidas quando no esto na escola? Exis-tem locais de encontros com outras crianas?

    Ampliando o olhar, percebemos que no s aescola e a legislao tm voltado sua atenopara a criana. A mdia tambm encontrouna infncia um grande pblico consumi-dor. Hoje as crianas esto expostas acomerciais que buscam criar desejos

    e incentivar o consumo. Nos gran-des centros urbanos, vemos o ofe-recimento de um novo servioque so os cantinhos da crian-a. So espaos reservados, porexemplo, em supermercados, quese propem a oferecer um maiorconforto para as famlias e um atendi-mento ldico para a criana.

    Alm das diferentes apropriaes dos espaossociais, outro ponto que nos inquieta diz res-peito s condies de vida das crianas e sdesigualdades que separam alguns grupos so-ciais, numa sociedade marcadamenteestratificada. Crianas que vivem em situao depobreza, que precisam, muitas vezes, trabalharpara se sustentar, que sofrem a violncia do-mstica e do entorno social, que so ame-drontadas e amedrontam. Crianas

    destitudas de direitos, cujas vidas so pouco

    valorizadas. Crianas vistas como ameaas narua enquanto, na escola, pouco se sabe sobreelas. Como so tratadas, vistas e olhadas essascrianas que esto nas ruas, nas escolas, noslares e que sofrem toda sorte de opresso?

    Por outro lado, as crianas que vivem nas pe-quenas cidades tambm trazem desafios paraeste momento. Quem so essas crianas? Deque e onde brincam? Quais so os seus inte-resses? Como realizar um dilogo entre asvivncias da criana dentro e fora da escola?

    Ser que a busca por essas respostas pode fa-zer com que tornemos a sala de aula um espa-o mais dinmico? Ou ainda, ser que uma

    pesquisa sobre a realidade scio-cultural dascrianas nesses diferentes contextos poderiaabrir espao para um projeto que buscasse essedilogo?

    Ao nos propormos a receber a criana de seisanos no ensino fundamental, tenha ela fre-

    qentado, ou no, a educao infan-til, devemos ter em mente que

    esse o primeiro contato com

    o seu percurso no ensino fun-damental. Como fazer parareceb-la? O momento daentrada na escola um mo-mento delicado que merecetoda a ateno. Graciliano

    Ramos, na obraInfncia, nar-ra suas memrias de menino e

    conta como recebeu a notcia de queentraria para a escola:

    A notcia veio de sopeto: iam meter-me na escola. Jme haviam falado nisso,em horas de zanga, mas nunca meconvencera de que real izassem aameaa. A escola, segundo informaesdignas de crdito, era um lugar para ondese enviavam as crianas rebeldes. Eu mecomportava direito: encolhido e morno,deslizava como sombra. A s minhas

    brincadeiras eram silenciosas. E nem

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    me afoitava a incomodar as pessoasgrandes com perguntas.

    O que podemos pensar a partir da leitura des-se trecho do livro? Que escola est presenteno imaginrio do menino? O que estamos fa-zendo para receber a criana que estava emuma instituio de educao infantil e agoravem para o ensino fundamental? Como estnossa organiza para recebermo aquelas quenunca tiveram experincia escolar? Na pers-pectiva de refletirmos sobre essas questes, ve-

    jamos o relato a seguir:

    o primeiro dia do ano, a escola estpreparada para receber as crianas para

    mais um ano letivo. Para algumascrianas, essa juma rotina conhecida,mas para Luiza, que estindo para aescola pela primeira vez, no. Em seusolhos possvel notar um misto de medoe desejo. Ela chega acompanhada por suame. (...)

    A sineta toca e todos se dirigem para assalas. Mariza acompanha Luiza ato

    encontro com a professora. A escolaparece enorme aos olhos de Luiza. Aoencontrar com a professora, essa lhedirige a palavra, abaixa, ficando da suaaltura e diz:

    Oi Luiza, eu estava te esperando.Sabe, podemos fazer mui tas coisasdiferentes aqui na escola. Eu vou ser suaprofessora e ns vamos brincar muito

    juntas (Brasil/M inistrio da Educao,2005).

    A professora se coloca como mediadora entreas expectativas da menina e o novo mundo aser descoberto. O nome, a proximidade, oolhar, o toque, a proposta do brincar: elos queabrem possibilidades de continuidade, elemen-tos essenciais para a insero e o acolhimento.Se as aes de acolhimento e insero so fun-

    damentais, h, tambm, um outro ponto que

    merece ser destacado: como so organizadosos tempos e espaos escolares?

    Pensar sobre a infncia na escola e na sala deaula um grande desafio para o ensino fun-damental que, ao longo de sua histria, no

    tem considerado o corpo, o universo ldico,os jogos e as brincadeiras como prioridade.Infelizmente, quando as crianas chegam aessa etapa de ensino, comum ouvir a fraseAgora a brincadeira acabou!. Nosso con-vite, e desafio, aprender sobre e com as cri-anas por meio de suas diferentes linguagens.Nesse sentido, a brincadeira se torna essen-cial, pois nela esto presentes as mltiplasformas de ver e interpretar o mundo. A brin-cadeira responsvel por muitas aprendiza-gens, como se v no texto O brincar comoum modo de ser e estar no mundo.

    Faz-se necessrio definir caminhos pedaggi-cos nos tempos e espaos da escola e da salade aula que favoream o encontro da culturainfantil, valorizando as trocas entre todos osque ali esto, em que crianas possam recriaras relaes da sociedade na qual esto

    inseridas, possam expressar suas emoes e for-mas de ver e de significar o mundo, espaos etempos que favoream a construo da auto-nomia. Esse um momento propcio para tra-tar dos aspectos que envolvem a escola e doconhecimento que nela ser produzido, tantopelas crianas, a partir do seu olhar curiososobre a realidade que a cerca, quanto pelamediao do adulto.

    Infncia na escola e na vida:Infncia na escola e na vida:Infncia na escola e na vida:Infncia na escola e na vida:Infncia na escola e na vida:alguns desafiosalguns desafiosalguns desafiosalguns desafiosalguns desafios

    Como vimos, so muitas as questes relativas entrada das crianas de seis anos no ensinofundamental. No podemos fazer frente a essemomento somente considerando os aspectoslegais que o envolvem. O direito efetivo edu-cao das crianas de seis anos no acontece-r somente com a promulgao da Lei n

    11.274, depender, principalmente, das prticas

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    pedaggicas e de uma poltica da escola para averdadeira acolhida dessa faixa-etria na ins-tituio. Que trabalho pedaggico ser reali-zado com essas crianas? Os estudos sobreaprendizagem e desenvolvimento realizados

    por Piaget e Vygotsky podem contribuir nessesentido, assim como as pesquisas nas reas dasociologia da infncia e da histria. Esses,como outros campos do saber, podem servirde suporte para a elaborao de um plano detrabalho com as crianas de seis anos. O de-senvolvimento dessas crianas s ocorrer emtodas as dimenses se sua insero na escolafizer parte de algo que v alm da criao demais uma sala de aula e da disponibilidade de

    vagas. nesse sentido que somos convidados reflexo sobre como a infncia acontece den-tro e fora das escolas. Quem so as crianas eque educao pretendemos lhes oferecer?

    Os desafios que envolvem esse momento somuitos. Para algumas crianas, essa ser a

    primeira experincia escolar, ento, precisa-mos estar preparados para criar espaos de tro-cas e aprendizagens significativas, onde ascrianas possam, nesse primeiro ano, viver aexperincia de um ensino rico em afetividade

    e descobertas.Algumas crianas trazem na sua histria a ex-perincia de uma pr-escola e agora tero aoportunidade de viver novas aprendizagens,que no devem se resumir a uma repetio dapr-escola, nem na transferncia dos conte-dos e do trabalho pedaggico desenvolvido naprimeira srie do fundamental de oito anos.

    As crianas possuem modos prprios de compre-

    ender e interagir com o mundo. A ns, professo-res, cabe favorecer a criao de um ambienteescolar onde a infncia possa ser vivida em todaa sua plenitude, um espao e um tempo de en-contro entre os seus prprios espaos e tem-pos de ser criana dentro e fora da escola.

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    O BRI NCAR COMO UM MODO DE

    SER E ESTAR NO MUNDOn gel a Mayer Bor ba1

    Pipa, esconde-esconde, pique, passaraio,bolinha de gude, bate-mos, amarelinha, queimada, cinco-marias, corda,

    pique-bandeira, polcia e ladro, elstico, casi-nha, castelos de areia, me e filha, princesas,super-heris...2Brincadeiras que nos remetem nossa prpria infncia e tambm nos levama refletir sobre a criana contempornea: de

    que as crianas brincam hoje? Como e comquem brincam? De que forma o mundo con-temporneo, marcado pela falta de espao nasgrandes cidades, pela pressa, pela influnciada mdia, pelo consumismo e pela violncia,se reflete nas brincadeiras? As brincadeiras de

    outros tempos esto presentes nas vidas das cri-anas hoje? Diferentes espaos geogrficos eculturais implicam diferentes formas de brin-car? Qual o significado do brincar na vida ena constituio das subjetividades e identida-des das crianas? Por que medida que avan-am os segmentos escolares se reduzem osespaos e tempos do brincar e as crianas vo

    deixando de sercrianaspara seremalunos?A experincia do brincar cruza diferentes tem-pos e lugares, passados, presentes e futuros,sendo marcada ao mesmo tempo pela conti-nuidade e pela mudana. A criana, pelo fatode se situar em um contexto histrico e social,

    1BORBA, Angela Meyer. Doutora em Educao Professora da Faculdade de Educao da Universidade Federal Fluminense (UFF).2 Em diferentes regies, cidades e bairros, podemos encontrar diferentes denominaes para as mesmas brincadeiras. Por

    exemplo, amarelinhatambm pode sermacaca, academia, escada, sapata.

    [...] as crianas so inclinadas de modo especial a

    procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde

    visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas.

    Sentem-se irresistivelmente atradas pelo resduoque surge na construo, no trabalho de

    jardinagem ou domstico, na costura ou na

    marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o

    rosto que o mundo das coisas volta exatamente

    para elas, e para elas unicamente. Neles, elas

    menos imitam as obras dos adultos do que pem

    materiais de espcie muito diferente, atravs

    daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em

    uma nova, brusca relao entre si.

    Walter Benjamim

  • 7/22/2019 ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS - 1 EDIO

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    Que relaes temo br i ncar com o

    desenvolvimento,a aprendizagem,

    a cul t ur a e osconhecimentos?

    ou seja, em um ambiente estruturado a partirde valores, significados, atividades e artefatosconstrudos e partilhados pelos sujeitos que alivivem, incorpora a experincia social e cultu-ral do brincar por meio das relaes que esta-

    belece com os outros adultos e crianas. Masessa experincia no simplesmentereproduzida, e sim recriada a partir do que acriana traz de novo, com o seu poder de ima-ginar, criar, reinventar e produzir cultura.

    A criana encarna, dessa forma, uma possibi-lidade de mudana e de renovao da experi-ncia humana, que ns, adultos, muitasvezes no somos capazes de perceber,pois, ao olharmos para ela, quere-mos ver a nossa prpria infnciaespelhada ou o futuro adulto quese tornar. Reduzimos a crian-a a ns mesmos ou quilo quepensamos, esperamos ou dese-

    jamos, dela e para ela, vendo-acomo um ser incompleto e ima-turo e, ao mesmo tempo, eliminan-do-a da posio de ooutrodo adulto.

    Mas como podemos compreender a criananas suas formas prprias de ser, pensar e agir?Como v-la como algum que inquieta o nos-so olhar, desloca nossos saberes e nos ajuda aenxergar o mundo e a ns mesmos? Comopodemos ajudar a criana a se constituir comosujeito no mundo? De que forma a compreen-so sobre o significado do brincar na vida e naconstituio dos sujeitos situa o papel dos adul-tos e da escola na relao com as crianas e os

    adolescentes?Nesse contexto, convidamos os professores arefletirem conosco sobre essas questes tendocomo eixo alguns pontos: a singularidade dacriana nas suas formas prprias de ser e de serelacionar com o mundo; a funo humaniza-dora do brincar e o papel do dilogo entreadultos e crianas; e a compreenso de que aescola no se constitui apenas de alunos e pro-fessores, mas de sujeitos plenos, crianas e

    adultos, autores de seus processos de consti-tuio de conhecimentos, culturas e subjeti-vidades. Tendo em vista esses eixos,perguntamos: quais so as principais dimen-ses constitutivas do brincar? Que relaes tem

    o brincar com o desenvolvimento, a aprendi-zagem, a cultura e os conhecimentos? Comopodemos incorporar a brincadeira no traba-lho educativo, considerando-se todas as di-menses que a constituem?

    Infncia, brincadeira, desenvol-Infncia, brincadeira, desenvol-Infncia, brincadeira, desenvol-Infncia, brincadeira, desenvol-Infncia, brincadeira, desenvol-vimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagem

    A brincadeira uma palavra estrei-tamente associada infncia e s

    crianas. Porm, ao menos nassociedades ocidentais, ainda considerada irrelevante ou depouco valor do ponto de vis-ta da educao formal, assu-mindo freqentemente asignificao de oposio ao tra-

    balho, tanto no contexto da es-cola quanto no cotidiano familiar.

    Nesse aspecto, a significativa produo te-rica j acumulada afirmando a importnciada brincadeira na constituio dos processosde desenvolvimento e de aprendizagem nofoi capaz de modificar as idias e prticas quereduzem o br