empoderando-se

78
Empoderando-se MAXWELL DOS SANTOS

Upload: maxwellon

Post on 28-Jan-2016

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Empoderando-se, a sétima obra do escritor Maxwell dos Santos, baseada no conto Débora, do livro Comensais do Caos, conta a história de Débora, uma jovem universitária às voltas com uma gravidez não planejada, decide parir em casa e sofre violência obstétrica por parte de uma médica descontrolada de um hospital.

TRANSCRIPT

Page 1: Empoderando-se

Empoderando-seMAXWELL DOS SANTOS

Page 2: Empoderando-se

Empoderando-se

Page 3: Empoderando-se
Page 4: Empoderando-se

Empoderando-se

Maxwell dos Santos

Page 5: Empoderando-se
Page 6: Empoderando-se

S237v Santos, Maxwell dos, 1986-Empoderando-se / Maxwell dos Santos. – Vitória: Do Autor,2015.

76p.; 12 x 18 cm.ISBN 978-15194634941. Ficcão. 2. Ficcão Nacional. 3. Romance.4. Romance Nacional. I.Título. II. Autor

CDD: B899.3

CDU: 82-311

Copyleft 2015 Maxwell dos SantosAlguns direitos reservados.

(27) 99943-3585(27)3100-8333

[email protected]

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação(CIP),

Ficha Catalográfica feita pelo autor

Page 7: Empoderando-se

Para Carolinie Figueiredo e Samara Felippo

Page 8: Empoderando-se
Page 9: Empoderando-se

Os braços de uma mãe são feitos de ternura e osfilhos dormem profundamente neles

Victor Hugo, escritor francês (1802-1885)

Page 10: Empoderando-se
Page 11: Empoderando-se

Capítulo 1

u, minha mãe e Pedrinho, meu irmão, fomosà Pizzaria Nonna Giovanna, na Mata daPraia, para comemorar meu aniversário de 21

anos. Falei com mamãe:E

– Mamãe, faz um tempão que eu não como pizza.– Jura, Débora?– É verdade. A última vez que fui comer uma

pizza foi no meu aniversário, no ano passado, numapizzaria em Bairro de Fátima, com meus amigos.

10

Page 12: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Cadê o Leonardo? Ele ficou de vir.– O Léo não virá. Ele me disse por mensagem que

tava agarrado no texto do TCC e precisava apresen-tá-lo ao seu orientador na faculdade ainda estasemana.

– Já reparou que ele tem dado várias desculpaspra não te encontrar? Concordo que às vezes, aagenda da gente seja apertada, mas deixar departicipar do aniversário da namorada, aí é demais.

– Mamãe, para de implicar com o Leonardo. Elesó tá atribulado nesse semestre por conta do TCC.

– O Leonardo nunca me inspirou confiança. Vocêé tão inocente…

– O que você tá insinuando, mamãe?– Nada, Débora. Só devaneios.O garçom trouxe a pizza maracanã de calabresa e

a Coca Cola de dois litros. Cortei uma fatia da pizzae servi a Pedrinho.

– Se quiser mais pizza, é só pedir pra mim, tá meubem? – falei.

11

Page 13: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Sim, Débora – respondeu Pedrinho, com apizza na boca.

Ao terminarmos a pizza, mamãe passou no caixa,pagou a conta e fomos para o carro. Voltávamos paracasa. Antes, paramos no Posto 3 Irmãos, próximo àUfes para abastecer. De repente, um Camaroamarelo e um Mustang vermelho, em altíssimavelocidade, invadiram o posto, atropelando eu,mamãe, meu irmão, que havia saído do posto deconveniência onde comprou guloseimas e PauloCésar, o frentista.

Com a violência do atropelamento, Pedrinho foiarremessado a uma distância de 5 metros do posto.O frentista, Paulo César, morreu na hora. Seu Ítalo, odono do posto, acionou o Samu, o Corpo de Bom-beiros e a Polícia Militar. Várias ambulâncias chega-ram ao local.

Eu, Pedrinho e mamãe fomos levados para oHospital Pedro Feu Rosa. Mamãe não resistiu aos fe-rimentos e morreu dentro da ambulância. Tive fratu-

12

Page 14: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

ras no braço esquerdo e a perna direita sofreu luxa-ção. Joelma, minha tia, me fez companhia.

– O que aconteceu? Por que eu tô aqui? – per-guntei, ainda um pouco tonta.

– Você, sua mãe e o Pedrinho foram atropeladosnum posto de gasolina – respondeu Joelma.

– Cadê mamãe e o Pedrinho? – perguntei.– Sua mãe está com o Senhor e seu irmão tá

internado em estado gravíssimo – respondeu Joelma,chorando.

– Meu Deus, por que fez isso comigo? Me tirou aspessoas mais caras da minha vida. Por que, meu Pai?Por quê? – gritei, pondo as mãos no rosto – Euqueria ter morrido junto com eles.

– Não fala isso nem de brincadeira, meu amor.Você é o meu tesouro. Eu te amo muito – disse tiaJoelma.

– Eu também te amo – respondi, abraçando tiaJoelma.

Horas depois, Pedrinho teve diagnóstico de morteencefálica. Eu e tia Joelma autorizamos a retirada dos

13

Page 15: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

órgãos para transplante. Os copos de mamãe e Pedri-nho foram velados na capela do Cemitério Além doRio Azul. O clima era de tristeza e revolta. Não saíado caixão onde estava mamãe.

– Mamãe, mamãe querida. Volta pra mim, por fa-vor – chorava, acariciando seu rosto gélido e inerte.

Janderson, meu ex-padrasto e pai de Pedrinho,apareceu de supetão e se aproximando de mim, disse:

– Débora, meus sentimentos.– O que você tá fazendo aqui? Peço, por favor, que

se retire daqui e respeite a minha dor – disse, su-bindo o tom da voz.

– Eu vim prestar minha solidariedade – res-pondeu Janderson, hipocritamente.

– Solidariedade? Alguma vez na sua vida, vocêsoube ser solidário com alguém? Desde que teconheço, sempre vi um homem egoísta, mesquinho eávido por dinheiro. Nunca amou mamãe, mas a vidacheia de luxos que ela te dava. Você ama coisas e usapessoas. Você discriminou e maltratou seu filho emeu irmão por ele ter Síndrome de Down e vem aqui

14

Page 16: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

dizer que é solidário com a minha dor? A quem vocêquer enganar, cara? Sai daqui agora, senão vouchamar o segurança – gritei.

– Eu tô arrependido – respondeu Janderson.– Qual foi a parte do sai daqui que você não

entendeu? Me deixa em paz! - gritei, empurrandoJanderson.

Às 14 horas, os corpos de Pedrinho e de mamãesaíram da capela e foram sepultados às 14:30. Oscaixões desceram sob aplausos.

Alguns dias depois, participei de uma caminhadacom meus parentes, os parentes do frentista PauloCésar e amigos, pedindo paz no trânsito e cobrandomais empenho nas investigações, pois sentíamos queestavam muito lentas e os assassinos, filhos defamílias abastadas, estavam soltos. A caminhada saiuda Rodovia Serafim Derenzi, em Joana D’arc, passoupela Avenida Maruípe e foi para a Avenida FernandoFerrari e lá fizemos orações.

Após isso, Viviane, a viúva de Paulo César fez umdiscurso:

15

Page 17: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Meu peito tá sangrando. Minha vida já não émais a mesma desde que o Paulo César morreu. Eu eminhas filhas passamos necessidades, o aluguel dacasa onde a gente mora tá atrasado e a dona me deuprazo até hoje pra quitar a dívida, senão vai botarnossas coisas no lado de fora. Ninguém do posto deuassistência. Ainda não pagaram pra gente os direitostrabalhistas do Paulo César. Ninguém da família dosatropeladores ou eles mesmos apareceu pra pergun-tar se a gente tá precisando de alguma coisa. Já fazmais de um mês da morte de três vidas nesse posto.As investigações não andam e os assassinos tãosoltos. São pessoas ricas e influentes. Se fosse oPaulo César que tivesse atropelado e matado essesdois rapazes, ele, coitado, já tava atrás das grades.

Eu também falei:– Saí há poucos dias do hospital. Tô aqui com o

braço enfaixado e de muletas. Nunca mais verei meuirmãozinho e minha mãe, que eu tanto amo. Duasvidas foram arrancadas daqui por causa do desejoegoísta de dois moleques que encheram a cara e

16

Page 18: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

pegaram seus carros e dirigiram perigosamente,assumindo consciente e deliberadamente o risco deproduzir o resultado. Nada vai trazê-los de volta. Ador é grande demais.

17

Page 19: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Capítulo 2

eu olhar ainda era triste e vazio. Estavavisivelmente arrasada. Ainda não meconformava com a morte de mamãe e

do meu irmão. Como terapia para tentar superar essador, me esmerava cada vez mais nos estudos, a fazerperguntas nas aulas e fora delas. Tudo que fazia,lembrava Pedrinho e mamãe.

MEra uma dor dif ícil de cicatrizar e que somente

Deus, com Seu bálsamo, poderia sarar. Quis jogartudo para o alto e desistir. Mas percebi que a vidacontinua, na esperança de rever os meus na glóriados céus.

18

Page 20: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Voltava do estágio na agência de publicidade Clioe Calíope, no setor de criação e naquela noite, fui meencontrar com Leonardo, moreno claro, olhosverdes, musculoso e careca, na Rua Constante Sodré,mas o vi agarrado aos beijos na portaria do prédioonde ele morava com uma loira alta e malhadachamada Tatiana, a quem julgava ser minha melhoramiga. Ao ver essa cena, comecei a chorar e saícorrendo. Leonardo, na maior cara de pau, foi atrásde mim, dizendo:

– Peraí, Débora! Eu posso explicar…– Eu vi tudo, Leonardo! – respondi, gritando e

chorando muito – Vai me explicar o quê? Bem queminha saudosa mamãe e minhas amigas falaram quevocê é um conquistador barato, um hedonista, maseu, idiota, tava apaixonada, eu te amava de verdade eé assim que você me retribui? Com uma traição? Porque não disse que não queria mais? Assim eu sofreriamenos. Seja feliz com ela, porque o amor entre nósdois acabou. Toma aqui o anel de compromisso faju-to e esquece que eu existo.

19

Page 21: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Volta aqui, Débora – falou Leonardo.– Vá pro inferno! – gritei.Será que eu, com 21 anos, cabelo ruivo e liso,

olhos verdes, busto generoso, rosto sardento, 65 qui-los distribuídos em 1,65 m, sou uma mulher feia? Oque amiga fura-olho da Tatiana tem o que eu não te-nho.

Há poucos dias, minha mãe e meu irmão morre-ram num acidente automobilístico provocado pordois moleques bêbados. A traição do Leonardo foioutro golpe para mim.

Chegando ao meu apartamento, na Rua AleixoNetto, na Praia do Canto, fui à despensa, peguei umagarrafa de Absolut e a tomei para esquecer o queocorreu e de tanto beber, desmaiei no chão.

No dia seguinte, acordei com uma ressaca terrível.Fui para a cozinha tomar o café e senti que ele não ti-nha gosto. Em meus olhos, havia uma nuvem delágrimas. Parecia que nada fazia mais sentido em mi-nha vida. Meu mundo caiu.

20

Page 22: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Mais tarde, liguei para minha melhor amiga ecolega de faculdade, Marianna, 21 anos, morenaclara, pequenininha (um metro e cinquenta e três),olhos e cabelos castanhos lisos, com franjinha edemonstrava sua empatia com as pessoas por sua vozdoce e melodiosa.

– Oi, Marianna. Que bom poder falar com você.– Oi, Débora. Por que você não foi à aula hoje?– Ontem, meu dia terminou péssimo. Flagrei o

Leonardo me traindo com a Tatiana na porta do pré-dio dele. Pra esquecer o que passou, tomei umagarrafa de vodca, capotei e acordei com uma ressacamonstra.

– Ai, meu Deus! O Leonardo sempre foi um gali-nha e nunca levou nenhum caso a sério. Ai, amiga, sevocê tivesse escutado meus conselhos…

– É verdade, Marianna. Eu tava cega de paixão,achando que por trás de seus toques, houvesse umrecalque seu ou um amor não correspondido poraquele cachorro. Me perdoa, amiga.

21

Page 23: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Imagina, meu bem. Já passou. Bola pra frente.Amanhã, quero te encontrar irradiando alegria, cor-rendo atrás de mim pra contar os bafões.

– Irei amanhã à faculdade. De hoje em diante, tôem hiato indefinido pro amor.

– Você vai encontrar um carinha que te mereça.– Deus te ouça.– Débora, eu tenho que desligar. Tô com sonho.

Um beijo.– Um beijo, minha linda.

22

Page 24: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Capítulo 3

o dia seguinte, fui à UniBraga (CentroUniversitário Rubem Braga), em JardimCamburi, onde fazia o sexto semestre de

Publicidade e Propaganda. Cheguei atrasada à aulade Produção Publicitária para Rádio, ministrada peloprofessor Daniel Barreto, que falava aos alunos:

N– Pra próxima aula, vocês vão trazer o roteiro de

um spot de 30 segundos numa folha à parte pra mim.Pode ser individual ou em dupla.

Eu era péssima em redação, mas no design gráfi-co, modéstia à parte, sou muito boa. Na turma, sótinha uma pessoa que poderia me ajudar: Fábio, 2123

Page 25: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

anos, com feições indígenas, 1,70 m, magrinho, olhoscastanhos e cabelos pretos e lisos. Ele é o crânio nostextos e é primo de Marianna. Nas horas vagas,gostava de escrever contos e crônicas. No corredorda faculdade, conversei com ele:

– Fabinho, meu anjo, preciso de um favor seu.– O que você tá precisando, Débora?– Vamos fazer o roteiro juntos? Não fui muito

bem na última prova e preciso tirar pelo menos setenesse trabalho pra não ficar de prova final.

– Topo fazer o trabalho com você. Onde a gentese encontra?

– Eu moro na Praia do Canto, na Rua Aleixo Net-to, Edif ício Michelangelo, apartamento 304. Passa láamanhã, às quatro e meia da tarde. Você me ajuda,lancha comigo e a gente vai junto pra faculdade. Nosvemos amanhã.

– Tá bom.Depois, fui à cantina, pedi pão de queijo e um

cappuccino. Vi Marianna, dei-lhe um beijo e co-meçamos a conversar:

24

Page 26: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Oi, Marianna.– Oi, Débora – respondeu Marianna, me abra-

çando calorosamente.– Vou fazer o trabalho do professor Daniel com o

Fábio. Ele é fera na produção de textos. Esse trabalhoé o meu garante pra passar direto na disciplina.

– E eu, que tenho um fichamento de um texto deAdorno pra entregar àquela benção da Miriam, quetá ministrando Antropologia Cultural. Pra variar, elaquer o trabalho manuscrito.

– Que horror! É um método antiquado. A Miriamtá tratando a gente como alunos de quinta série.

– Ela posa de moderninha e libertária, mas seusmétodos são da escola tradicional. Não aceita sercontestada em sala de aula, colocando-se como se-nhora absoluta das verdades. Cazuza já dizia: “tuasideias não correspondem aos fatos”.

– E manda a gente se recolher à nossa insigni-ficância de acadêmicos de Comunicação, porque elaé pós-doutora na Universidade de Paris. Grandesmerdas.

25

Page 27: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– De que vale ser pós-doutora e não dar bom diaao porteiro do prédio onde mora? Há testemunhas.

– Além de autoritária, Miriam nutre um discursode ódio à cultura de massa.

– Ela só gosta daquilo que é cult. Odeia tudo quetenha cheiro de manifestação popular. Deus me de-fenda!

– Queria pedir cancelamento dessa disciplina,mas já passou o prazo. Fiz a matrícula, porque oWellington, aquele monumento em forma de bofe,seria o responsável pela cadeira. Por causa de umabriga com a coordenadora do curso, ele foi demitidoe a jararaca da Miriam tá ministrando a matéria.

– É tenso, Débora.Na tarde do dia seguinte, Girlaine, a doméstica,

foi ao meu quarto e disse:– Débora, o Fábio chegou. Ele tá na sala.– Tá bom. Já tô indo.Saí do quarto e fui à sala. Fábio divertia-se com o

seu tablet Android, jogando Angry Birds, enquantome esperava. Me aproximei dele e disse:

26

Page 28: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Boa tarde, Fábio. Que bom que você chegou.Vamos pra cozinha?

– Vamos – respondeu Fábio, saindo do sofá.Entre um misto quente e outro, pusemos a cabeça

para funcionar. Fábio falou:– Débora, quando tava a caminho daqui, eu

pensei em fazer um spot do Franguinho da Tia Beth.– Como seria isso?– Um diálogo de amigas a respeito de comer

frango assado no almoço de domingo, mas não que-rem saber de cozinhar. Entra a intervenção dolocutor falando do Franguinho da Tia Beth e no fim,vem a assinatura com endereço e telefone.

– Perfeito! Eu adoro frango assado! A propósito,essa Tia Beth é real ou é produto de sua fértil ima-ginação?

– A Tia Beth é real, Débora. Ela tem uma lojinhaem São Cristóvão, onde eu moro. Tenho o cartãodela.

—Maravilha! Que vozes serão utilizadas na peça?

27

Page 29: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– No diálogo, duas vozes femininas. A inter-venção terá uma voz masculina.

– Na assinatura, é preciso incluir o nome damarca, slogan e telefone para pedidos. Abre seu lap-top e mete bronca nesse roteiro, gato!

Ao chegar à UniBraga, fui à coordenação deComunicação Social e coloquei o trabalho no es-caninho do professor. Depois, passe pela carteira deFábio e falei:

– Fábio, valeu mesmo pela ajuda. Você salvou aminha vida, cara. Você é o máximo!

Dei um beijinho no rosto de Fábio. Os colegasmais espirituosos fizeram gracejos. Aproveitei aoportunidade para transmitir um recado:

– Galera, domingo, vai rolar uma festa lá no meuapê. Open bar, uma ova! O lance agora é all inclusive!Comes e bebes à vontade. Vai custar R$ 70,00. Quemtiver afim, é só me dar o dinheiro até sexta-feira, va-leu?

28

Page 30: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Capítulo 4

hegou o dia da festa no meu apê. Entrei nobanheiro, tomei um banho, me enrolei norobe, fui para o quarto, tirei o robe, colo-

quei um vestido florido, calcei uma rasteirinha, memaquiei, pus meus brincos de argolas e muitaspulseiras e me perfumei com Biografia, da Natura.

CÀs 20 horas, os convidados chegaram. Os comes e

bebes rolaram como prometido: Red Label, Absolut,Big Apple, cerveja Budweiser, suco gummy, cai-pirinha, pau na coxa (vinho batido com leite conden-sado), enroladinhos, canapés, quibes, esfirras, pastei-

29

Page 31: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

zinhos, sem contar a tábua de frios, com vários tiposde queijos, presuntos, palmitos e azeitonas.

Mudei radicalmente meu comportamento apóster sido traída por Leonardo: abandonei a igreja,passei a me vestir de forma mais provocante e meenvolver em relacionamentos breves e tratarfriamente os homens, enxergando-os como objetosdescartáveis. Fiquei pessimista e cética diante detudo e de todos. Acreditava que menina boazinha sóse dava mal e que os homens eram todos canalhas.

Na festa, as pessoas bebiam por todos os lados,com copos espalhados por todo o apartamento.Formou-se uma rodinha de meninos e meninas. Euestava no meio dela, bebendo minha cerveja.Douglas, um colega de faculdade, moreno alto,musculoso e olhos verdes, se aproximou de mim edisse:

– E aí, Débora. Pode ser ou tá dif ícil?– Ah, Douglas, vai te catar! – disse, empurrando

Douglas.

30

Page 32: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Ô menina mal-humorada. Não sabe levar nadana brincadeira – protestou Douglas.

Leonardo, meu ex-namorado, entrou na festa debicão, aproximou-se de mim e tentou me beijar, maso empurrei e ele bateu contra a parede.

– Como você entrou aqui? Fora da minha casa,seu verme! – gritei.

– Vim aqui pra te pedir uma nova chance –alegou Leonardo.

– Acabou, Leonardo! Vai embora e não meprocure mais!– gritei outra vez, empurrando meu expara a porta.

Os convidados vaiaram Leonardo, que saiu domeu apartamento. O som alto tocava We found love,de Rihanna. Bebi cerveja, como se não houvesseamanhã. Daqui a pouco, estava bêbada e me insinueipara o Fábio, me sentando em seu colo:

– Fábio, meu tchutchuco, você tem namorada?– Não.– Você é virgem?– Sim.

31

Page 33: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Seu lindo! Vamos pro meu quarto, porque hojevou te fazer homem. Hoje, você vai ser meu e eu,serei sua.

Fomos para o quarto e tranquei a porta comchave. Ele disse:

– Espero que ninguém nos flagre.– Relaxa. A gente vai brincar um pouco – res-

pondi, com um sorriso malicioso.Fábio tinha uma respiração ofegante. Seu coração

parecia que saltaria a qualquer momento.– Nossa, como você tá vermelho – reparei,

beijando Fábio na boca.Tirei minha roupa, assim como Fábio tirou a dele.

Subi por cima dele e beijei sua boca. Nessa hora,nossos corpos interligados atingiram o prazer. Umdesejo incontrolável tomava conta da gente. Vimos océu, as estrelas, a Via Láctea e o Cosmos. Aquele mo-mento foi o melhor de nossas vidas. Tudo conspiravaa nosso favor: não havia ninguém para nosimportunar. Nos amamos intensamente em quatro

32

Page 34: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

paredes. A janela estava aberta e lá fora, a Lua estavacheia, sendo testemunha e cúmplice.

Conversei com Fábio:- Agora, ninguém mais vai duvidar da sua mas-

culinidade… meu garanhão.– É mesmo. Me sinto o cara mais sortudo do

mundo.– Você me promete duas coisas: A primeira é que

você vai se guardar só pra mim e a segunda, que vocênão vai contar pra ninguém o que ocorreu aqui, tá?

– Pode deixar, Débora.

33

Page 35: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Capítulo 5

or causa da bebedeira, perdi a hora de ir para afaculdade e dormi até o meio-dia.P

Fui para a cozinha comer um suculento filé comfritas acompanhado de arroz, feijão e salada. Girlainecomia comigo A caixinha de som, com um pendriveligado, tocava a música Princesinha, de Lucas Lucco.

– Girlaine, na boa, como é que você aguenta ouviruma música de tão mau gosto? São as mesmashistórias do homem que vai pra balada caçar umamulher. Parece aqueles documentários do AnimalPlanet, onde os leões caçam as zebras. Os refrõesgrudam que nem chiclete no ouvido da gente. Essas

34

Page 36: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

letras são machistas e tratam a mulher como objeto àsua disposição – falei, num tom de irritação.

– Débora, cada um tem o seu gosto e eu tenho omeu. Se você não gosta, não posso fazer nada – res-pondeu Girlaine.

– Como dizia Carlos Imperial, existe o meu gostoe o mau gosto – respondi.

– Você deveria ser mais tolerante com as escolhasdas pessoas, Débora – falou Girlaine.

Saí da cozinha deixando a doméstica no vácuo.Fui ao banheiro, escovei os dentes, limpei a boca,peguei a mochila que estava na cadeira e saí para aClio e Calíope.

No fim da tarde, mandei uma mensagem viaWhatsApp para Marianna, convidando-a para agente comer frango à passarinha e colocar a conversaem dia. Na cozinha, pus os pedaços de frango nafritadeira, enquanto aguardava Marianna. Empoucos minutos, ela chegou e bateu a porta. Abri aporta para atendê-la e disse:

– Oi, Marianna. Vamos entrar?

35

Page 37: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Tirei uma porção de frango da fritadeira e pusnum recipiente com papel toalha para que nóscomêssemos, enquanto colocava outra porção parafritar. Abri a geladeira e peguei a Fanta uva e a pus namesa.

– Débora, você tá melhor? - perguntou Mariana,afagando minhas mãos.

– Mari, eu tento levar a vida da melhor formapossível, tentando me manter sempre ocupada. Masnão consigo arrancar do meu coração a saudade quetenho do Pedrinho e da mamãe. Eu os amava muito –respondi, chorando no colo de Marianna.

– Não fica assim não, amiga. Um dia, vocês vão seencontrar – respondeu Marianna, me abraçando.

– Já superou a dor da traição do Leonardo?– Há um velho ditado que diz "águas passadas não

movem moinhos. Não consigo sentir raiva, mas penadele. Soube por alto que o relacionamento dele com aTatiana vai de mal a pior. Todo dia, eles brigam e osvizinhos não conseguem dormir. Tudo por causa do

36

Page 38: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

ciúme doentio dela e de seus ataques de histeria.Vamos comer o franguinho, senão ele esfria.

– Nunca vi uma mulher tão barraqueira como aTatiana. Mas Leonardo também colheu o que plan-tou, com aquela pinta de conquistador barato.

– Você sabia que a Tatiana tá grávida? O que maisme preocupa nela é o fato dela ter mais uma de suascrises de histeria e sofrer um aborto.

– Que horror, vira essa boca para lá, Débora.Deixa de ser recalcada. Isso não combina com você.Eu acho que você, por não ter se deitado comLeonardo, tá morrendo de inveja por não esperar umfilho dele e taí no recalque, né? Confessa, Débora,você tava louquinha pra ter uma noite de amor comLeonardo, ter um filho e se casarem, mas na hora H,você vacilou e ele foi procurar Tatiana e…bingo! Elaficou grávida.

– Eu quero ter uma noite de amor e dela gerar umnovo ser. Mas não agora. Cada coisa no seu tempo.Só depois do casamento. Leonardo sabia das minhasconvicções religiosas, mas não as levou a sério. O que

37

Page 39: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

quis dizer é que Tatiana tem que ter cuidado comessas crises de fúria nesses primeiros três meses degravidez, que são os mais críticos. Apesar de tudo, eutenho pena dela.

– Tô pensando em ir pro sítio dos meus avósnesse fim de semana e queria que você fosse juntocomigo. Já combinei com Fábio me levar de carro. Sófalta você.

– Claro que topo ir contigo. Você acha que eu vouficar aqui esperando a morte chegar? Preciso sair, mesocializar. É bom pra alma.

– Que bom, Débora. Vi que consegui levantar suaautoestima.

38

Page 40: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Capítulo 6

ui com Marianna para o sítio de seus avós emMarechal Floriano. Fábio veio conosco. Nosencantamos com a visão de vacas, bois e be-

zerros e cavalos pastando nas fazendas às margensda BR 262, entre Viana e Domingos Martins. Erauma propriedade de dez hectares, com vários pés demanga, cajá, maracujá, mamão, limão, um chiqueirocom dez porcos, um galinheiro com um galoreprodutor e quinze galinhas caipiras.

FEm poucos minutos, o carro dirigido por Fábio

chegou ao sítio de seu Genésio, o avô de Marianna. A

39

Page 41: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

alegria tomou conta daquele vovô quando viu suaneta.

– Marianna, que bom te ver de novo – disse seuGenésio, abraçando a neta.

– Eu também me sinto feliz de te encontrar, vovô.Vim aqui pra descansar alguns dias. Quando venhopro interior, me sinto no céu e me esqueço dosproblemas da vida e da rotina frenética da cidadegrande. Depois de operar a hérnia, o senhor já sesente melhor? – perguntou Marianna, afagando asmãos do avô.

– Sim, Marianna. Eu já me sinto melhor, comdisposição para o que der e vier – comentou seu Ge-nésio – Vamos entrar pra comer, Marianna. Daqui jásinto o cheiro da galinha ensopada.

Entramos na casa. Dona Zilmária, 70 anos,branca, baixa, um pouco acima do peso e avó de Ma-rianna, servia o almoço: galinha caipira ensopadacom batata e quiabo, macarrão, arroz, feijão e salada.Para refrescar, um suquinho de cajá. Quando viu aneta, fica contente e a abraçou.

40

Page 42: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Vovó, a senhora não tem noção de quantotempo esperei pra revê-la novamente e comer essagalinha caipira ensopada com batata e quiabo. Asenhora tem mãos divinas – disse Marianna, abra-çando dona Zilmária.

– Obrigada, Marianna. Quando a gente faz ascoisas pondo o coração, tudo fica melhor – res-pondeu dona Zilmária.

– Ai, vovó, galinha caipira é tudo de bom. É muitomais gostosa, porque é criada solta no terreiro nabase do milho, bem ao contrário da galinha degranja, em escala industrial é criada confinada erecebe horrores de hormônios pra ganhar peso e irpra o abate em menos tempo. É a lógica capitalistado resultado a todo custo – comentou Marianna.

– É vero, minha filha – respondeu dona Zilmária.Dona Zilmária serviu os pratos à Marianna, seu

Genésio e a si mesma. O almoço em família seguiuharmonioso, onde cada um se serviu com o que quis.Meu celular tocou e atendi:

– Ei, Mabel. Como é que você vai, minha flor?

41

Page 43: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Vou muito bem. Ganhei uma bolsa pra Jor-nalismo pelo ProUni na UniBraga.

– Que legal, Mabel! Parabéns.– Débora, você tá aonde?– Tô aqui acompanhando Marianna no sítio dos

avós dela, em Marechal Floriano. É um milagre quemeu celular esteja pegando na zona rural e vocêtenha conseguido falar comigo. Cheguei aqui e sóvolto domingo à noite.

– Aí, Débora, ficou sabendo que Leonardo eTatiana tiveram uma briga feia e por causa disso, elasofreu um aborto?

– Meu Deus, eu temia que isso pudesse acontecer.Como que foi isso, Mabel?

– Foi por causa dos ciúmes da Tatiana, que achavaque Leonardo tava lhe traindo. Quando ele chegouem casa, a briga começou, Tatiana fez um monte deacusações. Leonardo se defendeu. A briga pegoufogo quando Tatiana pegou um vaso e quis atirarcontra Leonardo, que se esquivou. Então Tatianapegou um punhal e foi detida por Leonardo. Então

42

Page 44: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

ela viu que seu vestido tava manchado de sangue. Elesaiu de casa e deixou Tatiana sozinha. Depois disso,Tatiana botou Leonardo pra fora de casa, jogando ascoisas dele no meio da rua.

– Sinto muito pela Tatiana. Ela deve tá muitoarrasada. Perder um filho nessa situação não ébrincadeira!

– Débora, meus créditos tão acabando, agoratenho que desligar. Um beijo.

– Outro, meu amor.De madrugada, eu e Fábio fomos ao paiol e

trancamos a porta. Eu disse:– Eu tenho uma surpresinha pra você.– O que é?– Tire as calças e a cueca e feche os olhos.– OK.Abaixei minha calcinha e subi por cima dele.– A primeira vez foi gostoso e decidi repetir a

dose. Você é bom no que faz – disse ao pé do ouvidode Fábio.

43

Page 45: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– É tão bom sentir o calor dos seus braços.Quando estou com você, me sinto no céu – res-pondeu Fábio.

– Eu te abri os portões do paraíso. Vamos viveresse momento intensamente – falei.

Mais uma vez, nossos corpos se uniram, numatroca de fluídos e carícias. A noite parecia que nãoteria fim.

44

Page 46: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Capítulo 7

ram dez horas da noite. Havia chegado deviagem após pegar um trânsito engarrafadona BR-262, em virtude de um protesto de

moradores de Nova Rosa da Penha por causa dosconstantes atropelamentos. Eu via debaixo dascobertas o filme Esporte Sangrento. O interfonetocou. Levantei, atendi o interfone, abri a porta,peguei o elevador e quando cheguei à portaria demeu prédio, vi um cenário digno de um filme deterror. Tatiana estava toda esfarrapada e en-sanguentada.

E

45

Page 47: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

- Tatiana! Quem fez isso com você? – pergun-tei, horrorizada

- Débora, por favor, me ajuda. O Leonardoquer me matar! Ele não se conforma com o fim donamoro e desde então, fica me perseguindo. Armouum escândalo na porta da minha casa, me chamoude piranha, que eu tinha uma coleção de homens.Não satisfeito em me expor ao ridículo com essasofensas, ele ameaçou expor fotos íntimas minhas nainternet, e afirmou com todas as letras que se eu nãofosse dele, não seria de mais ninguém. Me perdoapor ter te traído – disse Tatiana, desesperada.

Naquela hora poderia ter dito: “E eu comisso? Quero mais que você se exploda, sua cadela etalarica dos infernos. Por mim, você e Leonardodeveriam morrer abraçados”. Independente dosdefeitos da Tatiana, eu não suporto violência contra amulher. Aliás, não suporto nenhum tipo de violência.Estava reconstruindo minha vida e não fazia sentidoalimentar ressentimentos.

- Eu tô assustada com o que você me contou.

46

Page 48: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Hoje, dou graças a Deus por ter me livrado de ummonstro. Se quiser, pode ficar por uns tempos aquiem casa – falei, fazendo um carinho em Tatiana.

De madrugada, vi Tatiana desmaiada no tape-te da sala. Fui à cozinha e preparei uma água comaçúcar para Tatiana e lhe dei. Recomposta, Tatianacontou o que aconteceu:

- Meu tio ligou pra mim, dizendo que meuspais foram assassinados na porta da casa deles e queos corpos deles tão no DML pra eu reconhecer. Perdio meu chão, Débora. Não sei o que vou fazer daminha vida.

- Meu Deus, onde é que nós vamos parar? Eulamento muito pelos seus pais.

- Débora, o que eu vou fazer da minha vida?- Não fica assim não, amiga. Você perdeu

seus pais, mas eu vou ficar do seu lado pra sempre –falei, abraçando Tatiana e enxugando suas lágrimas.

Acompanhei Tatiana ao DML, localizado a al-guns quarteirões dali, no Barro Vermelho. Um deseus parentes contou à Tatiana que foi Leonardo,

47

Page 49: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

meu ex-namorado e ex dela, o autor do duplo ho-micídio. Ela se revoltou, gritando e debatendo-se nochão:

- Maldito! Desgraçado! Esse verme matoumeus pais. Por que não me matou? Porque tinha quematar as pessoas mais importantes da minha vida?Eu juro que eu vou matar ele!

Um investigador da Polícia Civil ouviu a con-versa e comentou:

- Leonardo morreu num acidente de moto naEstrada Laranjeiras/Jacaraípe. Ele bateu a moto numcaminhão. Eu acabo de chegar de lá. O corpo deledeve chegar daqui a alguns minutos.

- Se ferrou, otário. Quero mais é que ele ardaeternamente no inferno! Agora deve tá no colo docapeta, padecendo pelos erros que cometeu aqui naTerra. Essa praga não foi parida, foi chocada em umninho de abutres. Tá explicado porque ele tinha essegênio. Mas tudo que queria era ter meus pais devolta. Meu Deus, porque, meu Pai? - gritou Tatiana.

- Eu ainda custo a crer que Leonardo fosse

48

Page 50: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

chegar a esse ponto de matar. Nunca me simpatizeicom ele e sua conduta possessiva e controladora, masagora foi demais. Que situação! – comentei.

Em alguns minutos, chegou o rabecão da Po-lícia Civil trazendo o corpo de Leonardo, que foidireto para a geladeira. Os corpos de Orlandino eJaneide, os pais de Tatiana, estavam em macas se-paradas. Tatiana fez o reconhecimento dos corpos.

Horas mais tarde, ocorreu o velório deles.Havia uma multidão que estava ali para prestar aúltima homenagem. Tatiana não saía perto do corpode sua mãe. Ela não parava de chorar. Os corposforam enterrados no Cemitério de Santo Antônio.

No início da noite, tive ânsia de vômito e ton-tura ao sentir um cheiro de carne assada vindo doapartamento vizinho.

49

Page 51: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Capítulo 8

oda vez que eu sentia cheiro de fritura oualgum perfume mais forte, enjoava e vo-mitava. Meus seios aumentaram de tama-

nho e sentia formigamento neles, tinha manchas norosto e minha menstruação estava atrasada.

T Comentei isso com Marianna, num almoço aqui

em casa:– Marianna, a minha menstruação tá atrasada e tô

enjoada.– Você teve relações com alguém, Débora?

50

Page 52: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Transei com Fábio por duas vezes. A gente ficousem camisinha e me esqueci de tomar a pílula.

– Sua louca! Como é que você fica com o carinhasem camisinha? Você pode tá grávida!

– Eu não tô pronta pra ser mãe. Ainda tenhomuita coisa pra fazer, como me formar, conseguir umemprego, fazer uma pós, arrumar um cara legal, noi-var, casar e só depois, ter filhos.

– Procure sua ginecologista. Ela vai te indicar umexame de gravidez.

Após o almoço, escovei os dentes, limpei a boca,peguei a mochila que estava na cadeira e parti demoto para a agência. A todo momento, acariciava abarriga, num movimento inconsciente.

“Isso não pode tá acontecendo, não comigo”,pensei.

No fim da tarde, peguei o guia de meu plano desaúde e abri na seção de ginecologia e obstetrícia nacidade de Vitória. Apareceu no nome da Dra. ÂngelaCosta Cruz. Liguei para o consultório:

– Olá, boa tarde. Com quem eu falo?

51

Page 53: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Quem fala é a Juliane, do consultório da doutoraÂngela. Em que posso servi-la?

– Eu quero marcar uma consulta com a Dra.Ângela.

– Pra qual dia?– É possível pra amanhã?– Bem, ela tem horário disponível só às 19 horas.

Manhã e tarde estão lotados.– Pra mim tá bom. Pode marcar.– Está marcado.– Obrigada, viu? Tchau.– Disponha.No dia seguinte, eu estava no consultório da Dra.

Ângela, sentada na recepção, esperando ser atendida.Enquanto isso, lia A Guerra dos Tronos. As demaispacientes liam as revistas de fofocas. De repente,ouvi Juliane me chamar:

– Débora, a Dra. Ângela tá te aguardando.– Desculpe, é que eu tava distraída com a leitura

do livro.

52

Page 54: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Acompanhada de Juliane, fui até o consultório daDra. Ângela e nele entrou. Aparentava ter 30 anos,morena, cabelo preto preso com um coque, olhoscastanhos. Ela estava sentada me aguardando.

– Boa noite. Você que é Débora? – perguntouDra. Ângela.

– Sou eu, sim – respondi.– O que te traz aqui? – perguntou Dra. Ângela.– Doutora, a minha menstruação tá atrasada, fico

enjoada ao sentir cheiro de fritura ou um perfumemais forte e os meus seios aumentaram de tamanho– eu disse.

– Veja bem, com minha experiência em gine-cologia e obstetrícia, há fortes indícios de uma gesta-ção. Deite-se na maca, que eu vou fazer umultrassom pra constatar – respondeu Dra. Ângela.

Fiquei gelada. Perguntei a mim mesma como issopodia ter acontecido. Seguindo a orientação daginecologista, me deitei na maca. Dra. Ângela fez aultra em mim e disse:

53

Page 55: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

– Débora. Meu diagnóstico está correto. Você estágrávida de cinco semanas.

Nessa hora, entrei em desespero e chorei.– Meu Deus! E agora? - perguntei.– Agora, você vai ter que encarar a realidade.

Você vai ser mãe. Parabéns – respondeu a doutora.Tive outra crise de choro. Ângela ligou para

Juliane:– Juliane, por favor, faça uma água com açúcar

para a paciente Débora.– Sim, Dra. Ângela.Juliane foi à copa, preparou um copo de água com

açúcar e o deu para mim.Ao chegar, vi Fábio na portaria do meu prédio.

Quando o portão da garagem se abriu e eu entreicom minha moto, ele disse:

– Débora, Débora!– Oi – respondi Débora, asperamente – Eu tô

com pressa.Fábio tirou um buquê de flores, deu para mim e

falou:

54

Page 56: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Você é o amor da minha vida, o sol da minhamanhã, não sei viver sem seu calor. Aquele momentoque tivemos juntos foi maravilhoso. Fica comigo.

– O que rolou entre nós só foi um passatempo,um pente-rala. Tô arrependida de ter ficado comvocê. Eu nunca te amei. Só tive um desejo. Na real,eu tava chapadaça, não falava nada com coisanenhuma – respondi, falando alto e jogando as floresno chão.

– E o beijo que você me deu? E as carícias quevocê me fez? Eu tô apaixonado por você – respondeuFábio, desesperado.

– Eu não quero nada com você. Para com essacantilena de frases bregas parecidas com as músicassertanejas dos anos 90. Vai embora e me esquece, tá?- gritei.

55

Page 57: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Capítulo 9

ive um pesadelo terrível na noite passada,onde Fábio se atirou na ponte e se matou pordescreditar da vida e eu era um dos motivos.

Via várias pessoas me acusando e apontando o dedopara mim, me acusando de provocar a desgraça.

TMarianna, desesperada, me mandou mensagem:“Débora, pelo amor de Deus, vem pra Terceira

Ponte urgente. O Fábio tá ameaçando se jogar. Per-deu o emprego, o seu amor e o irmão dele foi assassi-nado por dívidas de drogas”.

56

Page 58: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Desesperada, peguei a moto e pilotei até o vãocentral da Terceira Ponte, gritei e puxei Fábio pelobraço:

– Fabinho, pelo amor de Deus, não faz isso. É umcaminho sem volta!

– Fábio, eu sei de tudo. A Marianna me mandoumensagem, dizendo que você queria se matar,porque te mandaram embora da empresa, seu irmãofoi assassinado por causa das drogas e eu tedesprezava. Se você se atirasse dessa ponte, o re-morso me atormentaria pelo resto da vida e umacriança ficaria órfã de pai – falei.

– Órfã de pai? – perguntou Fábio, ainda sementender nada.

– Eu vou ser mamãe e você vai ser papai. Simplesassim – disse, acariciando a barriga.

Vi descer uma cachoeira de lágrimas no rosto deFábio.

– Nunca vi ninguém me amar assim de verdadecomo você. Eu te peço perdão por ter ferido seus

57

Page 59: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

sentimentos. Quero ter você do meu lado – disse,chorando e abraçando Fábio.

– Na moral? – perguntou Fábio, ainda cético.– Claro, seu bobo. Nunca falei tão sério em minha

vida como agora. Você vai pra minha casa agora –respondi, dando um beijo na boca de Fábio.

Alguns motoristas ovacionaram e aplaudiram acena, mas um motorista do Transcol mal-humoradoreclamou:

– Até que horas vocês vão discutir a relação?– Até a hora que eu quiser – falei, levantando o

dedo para o motorista.No jantar, eu e Fábio conversamos:– Fábio, o que aconteceu com seu irmão?– Débora, meu irmão gêmeo, o Luan, era usuário

de crack desde os 16 anos. Repetiu de ano e largou aescola. Mamãe tava desesperada, porque ele tavaroubando as coisas dentro de casa e trocando porpedra. Além disso, o Luan cometia furtos navizinhança e devia mais de R$ 100 na boca de fumo.No auge do desespero, mamãe acorrentou meu

58

Page 60: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

irmão pra que ele não saísse pra buscar pedra. Aí, erapior, porque vinha a crise de abstinência e o Luanficava muito violento. Os traficantes deram o aviso:meu mano tinha até ontem pra acertar o que deviana boca, do contrário, o matariam. Ele não tinha odinheiro e pagou com a vida

– Vocês tentaram arrumar uma clínica pra ele?– A gente lutou pra que o Luan fosse internado,

mas ele não queria saber de clínica nenhuma. Sefalasse a respeito de internação, meu irmão explodiade raiva.

– Como ele entrou nessa vida?– Foi no tempo de escola. Luan foi na pilha de uns

amigos da onça e começou a usar fristo.– O que é fristo?– Mistura de crack com maconha. Depois, Luan

passou a usar o crack puro.– Você perdeu o emprego?– Sim, Débora. Após o almoço, Heron, o dono da

empresa, fez uma reunião com os funcionários. Elealegou dificuldades financeiras por causa da perda de

59

Page 61: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

várias concorrências públicas. O proprietário da lojahavia lhe pedido o imóvel, porque aluguel tavaatrasado e precisava ficar próximo da filha, que temleucemia. Disse que no dia seguinte, a loja seriafechada e estávamos despedidos.

– Que barbaridade! E seus direitos trabalhistas?– O Heron mandou voltar na segunda pra buscar

o dinheiro.– Tenho uma sugestão: pega esse dinheiro e

vamos juntos montar um bureau de design gráfico.– Vamos sim, Débora. Sempre tive o sonho de ter

um bureau. É o começo para montar uma agência depublicidade.

MESES DEPOIS, EU e Fábio abrimos um bureau dedesign gráfico numa loja perto do Triângulo dasBermudas. Estava com cinco meses de gestação. Felizda vida, deixamos cartões de visita do novo negócionas lojas da Praia do Canto. No meio da tarde,cheguei à loja e falei com Fábio:

60

Page 62: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Oi, meu bem. Eu tenho uma novidade pra você.Fiz a ultra agora há pouco e vai ser um menino.

– Um menino. Eu vou ser pai de um menino –disse Fábio, com a cabeça inclinada na minhabarriga.

– Sim, Fábio. Estamos grávidos de um menino –respondi acariciando a cabeça de Fábio.

– Qual é o nome que a gente pode dar pra ele? –perguntei.

– José, Augusto, sei lá – titubeou Fábio.– José Augusto é um nome bacana. Taí, o nome

do nosso menino vai ser esse – decidi.Decidi que faria parto normal e em casa, após ver

vários vídeos de partos humanizados no YouTube eouvir relatos de amigas e conhecidas que passarampor essa experiência.

61

Page 63: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Capítulo 10

inco horas e trinta minutos. Acordei para irao banheiro tomar uma chuveirada quentepara relaxar. Repentinamente, uma dor nas

costas me incomodou. As dores aumentaram, fizforça descomunal e agachei. Minha bolsa rompeu egritei:

C62

Page 64: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Fabinho, a bolsa estourou. O José Augusto táchegando ao mundo.

Eu estava com dilatação total. Uma força estranhaainda maior apoderou-se de mim. Às seis da manhã,dei à luz a José Augusto, no banheiro doapartamento, chorando fortemente. Fábio desabouno choro.

– Fabinho, eu sou a mulher mais feliz do mundo.Hoje, nasceu o fruto do nosso amor. Lindo,indiozinho igual a você – falou Débora, ama-mentando José Augusto.

– Meu filho é lindo, muito lindo – respondeuFábio, chorando e abraçando a mulher e o filho.

Contudo, a placenta não “nasceu” e acompanhadade Girlaine, fui ao Hospital Santo Amaro. Converseicom Luísa, a recepcionista:

– Eu pari em casa às seis da manhã. Meu bebê tácom meu marido, mas minha placenta não “nasceu”e preciso de ajuda pra removê-la.

– Nasceu em casa? Não sei se podemos te atender– disse Luísa, em tom alto e debochado de voz.

63

Page 65: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Procurei a Maternidade Maria Ortiz. Depois dealguns minutos, fui admitida no estabelecimento.

– Cadê o seu bebê? – perguntou Dra. Beatriz, aobstetra daquele plantão.

– Ficou em casa com meu esposo – respondi.– Eu quero ver seu bebê. Ou você traz seu bebê ou

eu chamo a polícia e abro um B.O contra você. Isso écrime, você e o bebê poderiam morrer. Você não saidesse hospital até ver esse bebê. Meu plantão acabaàs sete da noite e eu não vou sair daqui até ver essacriança – ameaçou Dra. Beatriz.

Fui levada para uma sala. A médica puxou aplacenta pelo cordão umbilical, enquanto apertava abarriga.

– Faça força pra sair – falou Dra. Beatriz.– Eu não aguento mais – gritei.– Eu vou te fazer uma curetagem no centro ci-

rúrgico pra tirar essa placenta – falou Dra. Beatriz.– Faça o que achar melhor – concordei.Quando me levantei da maca, vi uma poça de

sangue. Tive uma hemorragia.

64

Page 66: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

– Parto domiciliar é crime! Eu vou tirar o seuútero – gritou Dra. Beatriz.

A maca onde eu estava deitada e chorando passoupela recepção do andar, antes de chegar ao centrocirúrgico.

A médica gritou para quem quisesse ouvir, emtom professoral:

- Isso aqui é um parto domiciliar, viu? É isso queacontece.

Durante o procedimento de remoção da placenta,as portas do centro cirúrgico ficaram abertas. Todosque passaram pelo corredor me viram de pernasabertas. Fui mais uma vez humilhada pela Dra.Beatriz:

– Se seu parto domiciliar não deu certo, vocêdeveria se virar e levar um médico até sua casa pratirar a sua placenta e não trazer problemas pro meuhospital.

O que a doutora não sabia é que filmei todas asconversas com uma câmera escondida.

65

Page 67: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

SAÍ DO HOSPITAL com o desejo de esfolar viva edepois, trucidar a Dra. Beatriz com minhas própriasmãos, por todas as humilhações e ameaças feitas porela. Só ficou na vontade, porque não queria perderminha juventude numa cela fria e imunda, comdetentas com cara de poucas amigas, vestir aqueleuniforme de presidiária, apanhar das carcereiras ecomer marmita azeda.

Eu tinha um bebê que dependia de meus cui-dados, um esposo lindo e carinhoso e não queria mever longe deles por causa de um desatino.

No carro, eu e Fábio conversamos:– Que bom ter saído daquele hospital. Se tivesse

ficado mais um pouco, teria cometido umassassinato.

– Por quê, meu amor?– Aquela doutorazinha chamada Beatriz falou um

monte de idiotices e me humilhou na frente de todomundo naquele hospital. Ela ameaçou chamar apolícia, se eu não trouxesse nosso bebê, ameaçouarrancar meu útero e gritou que parto domiciliar era

66

Page 68: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

crime. Quando a digníssima médica removeu minhaplacenta, as portas do centro cirúrgico ficaramabertas. Todos me viram com as pernasescancaradas. Foi constrangedor demais.

- Miserável! Como ela pôde ser tão cruel?- Talvez pelo fato de considerar o parto como um

ato médico, quando na verdade, a mulher é dona doseu parto e protagonista deste processo. Ela táacostumada a lidar com o nascimento enquantoevento hospitalar, cheio de intervenções médicas emedicamentosas.

– Qual é nome do hospital que você foi?– Maternidade Maria Ortiz.– Há exatos dois anos, minha prima perdeu a

bebezinha dela nesse açougue chamado hospital. – Meu Deus! Como foi isso?– A Úrsula, minha prima, deu entrada naquele

maldito hospital, em trabalho de parto. Ela foiexaminada e lhe informaram que deveria aguardar aevolução do parto, mas não tinha dilatação. Oobstetra de plantão mandou fazer uma cesárea.

67

Page 69: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Contudo, não havia anestesista no plantão do dia. Elaesperou por oito horas pelo anestesista da noite.Quando fizeram a cesárea, já era tarde. O bebê, quese chamaria Adrian, nasceu morto.

– Quanto descaso! E o que aconteceu depois?– Nada. Tudo dantes no quartel de Abrantes. Os

processos que Úrsula moveu contra os médicos najustiça e no CRM tão parados. Ah, se fazem um troçodesses com uma filha de bacana.

– É babado e confusão, com uma gordaindenização por danos morais e os registros demédicos cassados. Doutora Úrsula e o hospital que secuidem. Isso não vai ficar assim. Eu vou buscar meusdireitos, custe o que custar!

Já no meu apartamento, amamentando JoséAugusto e vendo televisão, uma notícia no telejornaldas 19 horas me chocou deveras: uma menina de 16anos deu à luz na porta da Maternidade Maria Ortiz,após ter o atendimento negado por falta de vagas.

Ela ficou por uma hora e meia na calçadareclamando de dores. Infelizmente, a criança nasceu

68

Page 70: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

morta e os bombeiros que trouxeram a moça naambulância, indignados, deram voz de prisão à Dra.Beatriz por omissão de socorro. Bem feito para ela!

Desliguei a TV, peguei o celular e liguei paraMarianna:

– Ei, Marianna, boa noite.– Débora, meu amor, meus parabéns. Fiquei

sabendo que o José Augusto nasceu hoje em sua casa.– Obrigada, querida. Acordei pra tomar uma

ducha, senti uma dor nas costas, a dor foiaumentando, agachei e a bolsa rompeu. Em poucosminutos, meu príncipe havia chegado ao mundo.

– Que lindo!– O pós-parto não foi nada lindo. A placenta não

saiu e fui a um hospital pra removê-la, mas senegaram a me atender, porque dei à luz em casa. Fuiem outro estabelecimento, onde sofri humilhaçõesda obstetra de plantão, a Dra. Beatriz. Aquela vacaameaçou chamar a polícia, caso não trouxesse meubebê. Disse que parto domiciliar era crime. Ela me

69

Page 71: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

expôs ao ridículo, com as pernas escancaradas e aspartes íntimas expostas.

– Você tem que denunciar isso. Na faculdade, temuma professora que é âncora do Correio Notícias 1a

Edição? - Sim. Daqui a pouco, vai rolar uma defesade TCC e ela tá na banca. Posso falar com ela esugerir essa pauta.

– Pode falar com ela. Qualquer novidade, você mefala. O José Augusto tá querendo mamar. Quandopuder, venha nos visitar. Um beijo.

– Outro, Débora.

APÓS PASSAR A noite em claro amamentando eacalentando meu bebezinho, fui para a cama eusufruí o sono dos justos. Ao meio-dia, meu celulartocou. Com voz de sono, atendi:

– Alô, que fala?– Meu nome é Yuri Nogueira. Sou pauteiro do

telejornal Correio Notícias 1a Edição. Recebi asugestão de pauta pela apresentadora. Nosso objetivoé apresentar uma série de reportagens sobre as

70

Page 72: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

irregularidades da Maternidade Maria Ortiz.Queríamos fazer uma entrevista com você.

– Claro. Faço isso com o maior prazer.– Se você não quiser se identificar, a gente vai

respeitar.– Pra quê esconder o rosto? Eu tenho uma

denúncia grave contra uma das doutoras daqueleaçougue imundo e tenho as provas.

– Do que se trata?– Eu fui vítima de violência obstétrica pela Dra.

Beatriz, a obstetra daquele pardieiro. Meu crime:parir em casa.

– Então você teve um parto humanizado?– Sim, como eu havia planejado. Meu bebê nasceu

esbanjando saúde, mas minha placenta não saiu ebusquei atendimento naquele lugar. Aquela malucacom diploma ameaçou arrancar meu útero, gritouque parto domiciliar era crime e me expôs aoridículo diante de todos que passavam, deixando asportas do centro cirúrgico abertas, onde eu tava na

71

Page 73: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

maca de pernas abertas e minhas partes íntimasexpostas.

– Que provas você tem?– Vários vídeos com todas as humilhações da Dra.

Beatriz.– Maravilha! Você pode nos receber hoje às 16

horas?– Hoje não será possível, porque nesse horário,

vou levar o José Augusto ao pediatra pra fazer aprimeira consulta de rotina. Amanhã, no mesmohorário, posso recebê-los.

– De acordo. Amanhã, a equipe de reportagem vaià sua casa. Débora, muito obrigado pela atenção etenha uma boa tarde.

– Eu que agradeço. Até mais.Dito e feito, na tarde do dia seguinte, recebi a

equipe da TV Correio e relatei todas as humilhaçõessofridas na maternidade Maria Ortiz.. Entreguei àrepórter Tâmara Barbosa um pendrive com os vídeosdas agressões. A jornalista me disse que por

72

Page 74: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

determinação dos editores, a minha parte iria ao aramanhã.

73

Page 75: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

Epilogo

digníssima doutora vai me pagar 50 milreais de indenização por danos morais. Asentença saiu hoje e não cabe mais recurso.

Ela foi demitida do hospital, face à repercussão dasreportagens na televisão e corre o risco de ser presajunto a outros doutores, porque estes batiam oponto, saíam para suas clínicas particulares ecobravam por fora partos de mulheres atendidas peloSUS.

AO José Augusto está um rapazinho lindo e esperto

e estou muito feliz ao lado do Fabinho.74

Page 76: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Hoje em dia, trabalho como doula voluntária nomesmo hospital no qual fui humilhada pela médicapsicopata.

75

Page 77: Empoderando-se

MAXWELL DOS SANTOS

SOBRE O AUTOR

Maxwell dos Santos nasceu em Vitória/ES em 1986 emora na referida cidade, no Bairro da Penha. É jorna-lista (MTE/ES 2605), escritor e roteirista audiovisual.Em 2012, publicou seu primeiro livro impresso, As24 horas de Anna Beatriz. Em 2013, publicou os e-books Ilha Noiada e Melanie – uma história de amore superação e em 2014, publicou os e-books AmyltãoEscancarado e Comensais do Caos, lançado posteri-ormente em livro f ísico em janeiro de 2015. Em2015, lançou o e-book e livro #cybervendetta.

76

Page 78: Empoderando-se

EMPODERANDO-SE

Protagonismo feminino no parto versussupremacia do saber médico.

A obra, narrada em primeira pessoa, conta a história de Débora, uma jovem de 21 anos,estudante de publicidade que se vê às voltas comuma gestação não planejada e decide por um parto humanizado em sua casa. Contudo, ela tem complicações e busca atendimento em um hospital,onde sofre humilhações da médica plantonistapor sua decisão.