embodiment as a paradigm for anthropology
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Embodiment as a Paradigm for Anthropology
(The 1988 Stirling Award Essay)
Thomas J. Csordas*
(Encarnamento, encarnação, incorporação) como um paradigma para a
Antropologia
O corpo humano além de ser um importante objeto para o estudo antropológico,
pode através do paradigma de embodyment servir para elaborar um estudo da
cultura e do self. A respeito do paradigma o autor fala de uma perspectiva
metodológica consistente que encoraja a reanalisar os dados existentes e
sugere novas questões para pesquisas empíricas. A abordagem então
desenvolvida, a partir da antropologia psicológica, inclina-se fortemente na
direção da fenomenologia. O postulado metodológico do embodiment é que
o corpo não é um objeto para ser estudado em relação à cultura, mas para
ser considerado como o sujeito da cultura ou em outras palavras como o
solo existencial da cultura.
O trabalho de A. Irving Hallowell (1955) como ponto de partida, articulação de
duas preocupações principais: percepção e prática. Percepção como elemento
chave na definição de consciência e autoconsciência, o reconhecimento de si
próprio como um “objeto no mundo dos objetos”. Ele vê a autoconsciência tanto
necessária para o funcionamento da sociedade, como um aspecto genérico da
estrutura da personalidade humana. Estudando o problema da percepção,
Hallowell prefigura uma crítica antropológica da distinção entre sujeito e objeto.
A partir de uma base inteiramente fenomenológica deve-se levar em conta
o decisivo degrau inicial com a experiência pré-objetiva e pré-reflexiva do
corpo, mostrando que o processo de auto-objetivação já é cultural
prioritariamente que (antes mesmo que) a distinção analítica entre sujeito e
objeto.
“Ambiente comportamental”, adotado da psicologia da gestalt de Kofka. Este
conceito faz mais do que colocar o indivíduo na cultura, ligando comportamento
ao mundo objetivo, mas também ligando processos perceptuais com restrições
sociais e significações culturais. Assim o foco da formulação de Hallowell era
“orientação” no que diz respeito ao self, objetos, espaço e tempo, motivação e
normas. É neste sentido que o termo prática é relevante para descrever o
interesse de Hallowell. “Ambiente comportamental” é um termo compósito que
representa o contexto no qual a prática é levada a cabo, e, portanto conta como
um meio de avanço teórico entre comportamento e prática. Isto é de particular
relevância para o presente argumento porque uma teoria da prática pode ser
melhor baseada no corpo informado socialmente.
Mauss no seu trabalho de 1938 sobre a pessoa sugere que todo ser humano
tem um senso de individualidade corporal e espiritual. Ele vê a pessoa como
associada à distinção entre o mundo do pensamento e o mundo material como
promulgado por Descartes e Spinoza (ver Lacan e thèse VEO, p. ), enquanto o
paradigma do embodiment tem como principal característica o colapso da
dualidade entre mente e corpo, sujeito e objeto. Apesar de falar dos temas
percepção e prática como domínios do self constituído culturalmente, ele não
pode ainda tratá-los juntamente.
Exame crítico de duas teorias do embodiment: Merleau-Ponty (1962), que
elabora o embodiment na problemática da percepção e Bourdieu (1977, 1984)
que situa o embodiment no discurso antropológico da prática. Csordas toma e
pensa essas duas teorias na sua própria pesquisa de linguagens de cura e
rituais num movimento religioso cristão contemporâneo.
Orientação metodológica para o embodiment
A problemática desses dois teóricos é formulada em termos da dificuldade das
dualidades. Para M.-Ponty no domínio da percepção a principal dualidade é a
do sujeito-objeto, enquanto para Bourdieu no domínio da prática, é aquela
estrutura-prática. Eles não tentam mediar essas dualidades, mas sim colapsá-
las, e o embodiment é o princípio invocado por ambos. O colapso (achatamento
conjunto das paredes de uma estrutura, do latim collapsus, caído juntamente,
arruinado, particípio passado de collabi, com + labi, cair com, escorregar) do
dualismo no embodiment requer que o corpo, como figura metodológica, tenha
que ser ele mesmo não dualístico, isto é, não distinto de ou em interação com o
princípio oposto da mente. Assim, para Merleau-Ponty o corpo é um “cenário
(um fundo) em relação com o mundo” e consciência é o corpo projetando
ele próprio no mundo; para Bourdieu o corpo informado socialmente, é o
“princípio gerador e unificador de todas as práticas”, e consciência é a forma do
cálculo estratégico fusionado com um sistema de potencialidades objetivas. É
possível elaborar resumidamente essas visões a partir do conceito de pré-
objetivo em M.-Ponty e de habitus em Bourdieu.
A constituição perceptual dos objetos culturais
M.-Ponty coloca a sua posição como uma crítica do empirismo. (Enquanto o
empirismo postula erroneamente um mundo de impressão e de estímulos em si
próprio, o erro antitético do intelectualismo postula um universo de pensamentos
determinativos e constitutivos. O intelectualismo ou racionalismo, Descartes o
exemplo ideal, confunde consciência perceptual com a forma exata da
consciência científica. Ambas as posições começam com o mundo objetivo,
mais do que aderirem fortemente à percepção, e nem um nem outro podem
expressar a “maneira peculiar na qual a consciência perceptual constitui seu
objeto”. O intelectualismo é enfraquecido por sua deficiência de “contingência
nas ocasiões do pensamento”, e seu requerimento de uma capacidade abstrata
de julgamento que transforma sensação em percepção. Merleau-Ponty,
Phenomenology of Perception, p.26-51). Merleau-Ponty examina a hipótese
constante que postula que desde que a percepção se origina em um estímulo
externo que é registrado por nosso aparelho sensorial, há uma “correspondência
e conexão constante, ponto por ponto, entre o estímulo e a percepção
elementar”. Experimentalmente isto não é verdade, argumenta ele, longe de ser
constante, a percepção é por natureza indeterminada. Há sempre algo mais do
que aquilo que o olho encontra e a percepção não pode nunca ultrapassar ela
própria e exaurir as possibilidades daquilo que ela percebe. Os exemplos de ver
um triângulo e a ilusão de ótica das duas linhas iguais. Para começar do ponto
de vista objetivo (o triângulo como um objeto geométrico e as linhas com um
comprimento objetivamente paralelo) e trabalhando analiticamente de trás para
frente para o sujeito percebente não captura acuradamente a percepção como
um processo constitutivo. Merleau-Ponty quer então que o nosso ponto de
partida seja a experiência de perceber em toda sua riqueza e indeterminação,
porque de fato nós não temos nenhum objeto antes da percepção... nossa
percepção termina nos objetos,... no nível da percepção nós não temos objeto,
nós estamos simplesmente no mundo. A pergunta do filósofo é onde a
percepção começa, a resposta é: no corpo. Ele quer andar retroativamente do
objetivo e começar com o corpo no mundo. Isto pode também ser possível para
o estudo do self concebido nos termos de Hallowell como um objeto entre outros
objetos.
Desde que a distinção sujeito-objeto é um produto de análise, e os objetos eles
próprios são resultados finais da percepção mais do que serem dados
empiricamente à percepção, é necessário um conceito que nos permita estudar
o processo encarnado, incorporado da percepção desde o início ao seu fim, ao
invés do reverso. Para este propósito Merleau-Ponty oferece o conceito de
pré-objetivo. Seu projeto é para “coincidir com o ato da percepção e parar com
a atitude crítica” que erroneamente começa com objetos. Fenomenologia é
uma ciência descritiva dos começos da existência, não um produto cultural
já constituído. Se a nossa percepção “acaba nos objetos”, a meta da
antropologia fenomenológica da percepção é capturar este momento de
transcendência no qual a percepção começa, e no cerne da arbitrariedade
e da indeterminação, constitui e é constituída pela cultura.
Pode-se objetar que o conceito de pré-objetivo implica que a existência
incorporada está fora ou é prévia à cultura. Esta objeção perde o que Merleau-
Ponty quer dizer por corpo como “um certo cenário em relação com o mundo” ou
“poder geral de habitar todos os ambientes os quais o mundo contem”.
Começando com o pré-objetivo, nós não estamos postulando um pré-cultural,
mas um pré-abstrato. O conceito oferece à análise cultural o processo humano
aberto da tomada e da habitação do mundo cultural, no qual nossa existência
transcende, mas permanece enraizada nas situações de facto.
Merleau-Ponty nos dá o exemplo de uma rocha, a qual já estava lá para ser
encontrada, mas só é percebida como um obstáculo até que esteja lá para ser
ultrapassada. A constituição do objeto cultural depende da intencionalidade
(o que faz com que alguém queira ultrapassar o rochedo?), mas também de uma
dada disposição da nossa postura ereta, a qual faz escalar o rochedo um modo
particular de negociar isto. Isto pressupõe objetivação de um particular espaço
do corpo entre os joelhos e os ombros, em conjunção com um modo particular
de deslocar os braços em relação aos ombros. É este processo de objetivação
para o qual MP chama a nossa atenção.
Habitus e o corpo socialmente informado
O objetivo metodológico de Bourdieu para a teoria da prática é delinear uma
terceira ordem de conhecimento para além tanto da fenomenologia quanto de
uma ciência das condições de possibilidade objetivas da vida social.
Paralelamente à meta de Merleau-Ponty de deslocar o estudo da percepção dos
objetos para o processo de objetivação a meta de Bourdieu é deslocar para
além da análise do fato social como opus operatum, para a análise do modus
operandi da vida social. Sua estratégia é colapsar a dualidade do corpo-mente e
signo-significância no conceito de habitus. Este conceito foi introduzido por
Mauss no seu ensaio seminal sobre as técnicas do corpo, para referir-se à soma
total dos usos do corpo, culturalmente padronizados em uma sociedade, apesar
de elaborado em apenas um parágrafo. Mesmo assim Mauss se antecipou como
um paradigma do embodiment, pode-se mediar dualidades fundamentais
(mente-corpo, signo-significância, existência-ser) no seu postulado que o corpo
é simultaneamente tanto o objeto original sobre o qual o trabalho da cultura é
executado, como a ferramenta original com a qual este trabalho é alcançado. Ele
é ao mesmo tempo o objeto da técnica, um meio técnico e a origem subjetiva da
técnica.
Bourdieu vai além desta concepção de habitus como uma concepção de
práticas, definindo-o como um sistema de disposições que perduram, o qual é
inconsciente, princípio coletivamente inculcado para a geração e estruturação de
práticas e representações.
“O corpo socialmente informado”; o locus do habitus de Bourdieu é a
conjunção entre as condições objetivas de vida e a totalidade das
aspirações e práticas totalmente compatíveis com essas condições. Com
este conceito, o sociólogo oferece uma análise social da prática como
“necessidade tornada uma virtude”, p.12
Dualidades colapsadas: explanações objetivistas da experiência religiosa. p.
31
A significância paradigmática do embodiment é então prover bases, substratos
metodológicos para uma identificação empírica (não empiricista) das instâncias
dessa alteridade e assim para o estudo do sagrado como uma modalidade da
experiência humana. p.34.
Dualidades colapsadas: antropologia psicológica e o corpo no mundo
No seu argumento inicial o autor reitera a preocupação de Hallowell com a
distinção sujeito-objeto e mostra que dentro do paradigma incipiente do
embodiment tanto Merleau-Ponty como Bourdieu requerem o colapso de tais
dualidades analíticas. Nas análises subseqüentes ele tenta desenvolver algumas
implicações do embodiment no domínio da experiência religiosa carismática. Ele
evita a assunção de que os fenômenos da percepção são mentalistas
(subjetivos) enquanto os fenômenos da prática são comportamentalistas,
abordando ambos dentro de um paradigma que questiona como objetivações
culturais e objetivações do self são alcançadas em primeiro lugar. Com Merleau-
Ponty ele tenta resistir analisar os objetos da percepção religiosa no sentido de
capturar o processo de objetivação, e com Bourdieu resiste a construir modelos
de ações religiosas no sentido de capturar a lógica imanente de sua produção.
O círculo hermenêutico deste argumento é completado com um retorno à
distinção sujeito-objeto, a qual na sua visão enquadra, emoldura a questão
metodológica central do embodiment.
Merleau-Ponty critica a análise da percepção como um ato intelectual de
compreender os estímulos externos gerados por objetos pré-dados. Sua objeção
era que o objeto da percepção teria que ser então possível ou necessário. De
fato ele não é nenhum dos dois, em vez disso, ele é real. Isto quer dizer que
“ele é dado como a infinita soma de uma indefinida série de visões
perspectivas em cada uma das quais o objeto é dado, mas em nenhuma
delas ele é dado exaustivamente”. Nesta análise o “mas” crítico requer que
a síntese perceptual do objeto seja concluída pelo sujeito, o qual é o corpo
como um campo de percepção e prática. Merleau-Ponty sentia que era
necessário retornar ao nível deste real, experiência primordial na qual o objeto é
presente e vivo, como um ponto de partida para a análise da linguagem, do
conhecimento, da sociedade e da religião. Sua análise existencial colapsa a
dualidade sujeito-objeto no sentido de mais precisamente colocar a questão de
como o processo reflexivo do intelecto elabora estes domínios da cultura a partir
da matéria prima da percepção.
As implicações do paradigma do embodiment se estendem a como os
antropólogos estudam a percepção como tal, ou seja, desimplicados das
práticas sociais. Dentro do paradigma do embodiment a análise deve se
deslocar das categorias perceptuais e das questões classificatórias e de
diferenciação para o processo perceptual e questões de objetivação e
atenção/apercepção, isto é, a análise apresentada pelo autor levanta
questões sobre a constituição perceptual do objeto.
Adotando o paradigma do embodiment, é crítico aplicar a análise do sujeito e do
objeto às nossas distinções entre mente e corpo, self e o outro, cognição
emoção, e entre subjetividade e objetividade nas ciências sociais,
particularmente na antropologia psicológica.
Se começamos com o mundo vivo dos fenômenos perceptuais nossos corpos
não são objetos para nós. Muito pelo contrário, eles são parte integrante do
sujeito perceptivo. Contrasta com isso a perspectiva de Piaget, “o corpo como
um elemento entre os outros”. Merleau-Ponty não negaria que nós construímos
um universo objetivo, nem que o desenvolvimento da capacidade para objetivar
é crítica para a nossa composição, mas não diria que um adulto completamente
desenvolvido se deslocando no mundo trata seu corpo como um objeto. Aceitar
o argumento de Piaget é aceitar a distinção mente-corpo como dada. O
argumento do autor tem sido que no nível da percepção não é legítimo distinguir
mente e corpo. Iniciando com a percepção, se torna relevante e possível
perguntar como nossos corpos podem se tornar objetivados através do processo
de reflexão. Este contraste é tão básico que nos faz pensar como boa parte da
antropologia psicológica tem sido influenciada por Piaget, e quão pouco por
Merleau-Ponty: o primeiro define o corpo como “um elemento entre os outros no
universo objetivo” e o segundo como “um cenário em relação com o mundo”.
Quando o corpo é reconhecido para aquilo que ele é em termos experienciais,
não como um objeto, mas como um sujeito, a distinção mente-corpo se torna
muito mais incerta. A Antropologia psicológica tem uma tendência a operar com
a dualidade mente-corpo, conceitualizada como a relação entre o domínio
mental subjetivo da realidade psico-cultural e o domínio físico objetivo da
biologia. A abordagem que o autor oferece não nega a problemática da biologia
e da cultura, mas por um deslocamento de perspectiva oferece uma
problemática adicional. Quando os dois pólos da dualidade são recolocados em
termos experienciais, o ditado da antropologia psicológica de que toda realidade
é psicológica, não carrega mais uma conotação mentalística, mas define a
cultura como incorporada de início.
Se não percebemos nossos próprios corpos como objetos, tampouco
percebemos os outros como objetos, conferindo a eles a dimensão de ser
intersubjetivo, e então oferecendo “a tarefa de uma verdadeira comunicação”.
Assim como é verdade para o corpo, outras pessoas podem se tornar objetos
para nós apenas secundariamente, como resultado da reflexão.
Embodiment tem também implicações paradigmáticas para a distinção
entre cognição e emoção. Esta tem atraído a atenção dos antropólogos, mas
permanece subordinada conceitualmente à cognição, através das escolhas
metodológicas. Rosaldo avança quanto a isso ao sugerir que emoções são um
tipo de cognição com um grande “senso de engajamento do self do ator [...]
pensamentos incorporados, pensamentos difundidos com a apreensão que ‘Eu
estou envolvido’”. Ainda assim, esta postulação preserva a dualidade
fundamental. Repensar a relação entre sujeito e objeto também tem implicações
para nossas concepções de objetividade como meta da ciência. Numa das sua
formas mais robustas a objetividade é dita ser alcançada através de um
processo de abstração cuja “meta é o mundo como descentrado, com o
observador como mais um dos seus conteúdos ...” Arriscando a superficialidade
o autor diz que arriscando-se a ser superficial, argumenta que a ciência não é
para ser desenvolvida como uma operação de desconto e que nós devemos
começar da pré-refletividade se queremos colocar questões sensíveis sobre a
aparência e a realidade. O colapso da distinção sujeito-objeto requer que nós
reconheçamos que se a “ciência dura” lida com fatos duros, eles são o resultado
de um processo pesado, um processo de objetivação. Objetividade não é uma
visão a partir de um lugar inexistente e desconhecido, mas uma visão de todo
lugar, de qualquer lugar onde o corpo pode adotar sua posição e em relação às
perspectivas dos “outros eu-mesmos”. Esta perspectiva não nega que os objetos
são dados, com o autor enfatiza através este trabalho, o corpo está no mundo
desde o começo. Não é verdade que a fenomenologia contemporânea
denega uma “realidade objetiva irredutível”, diferentemente, ela insiste em
uma “realidade objetiva indeterminada”.
Um princípio essencial de indeterminação na vida humana, tanto para Merleau-
Ponty como para Bourdieu. Merleau-Ponty vê na indeterminação da percepção
uma transcendência a qual não ultrapassa sua situação de embodiment, mas a
qual “postula mais coisas que apreende: quando eu digo que eu vejo o cinzeiro
lá adiante, eu suponho como completa o desenrolar de uma experiência a qual
pode continuar ad infinitum, e eu revelo todo um futuro perceptual”. Bourdieu vê
na indeterminação da prática que – desde que ninguém tem a mestria
consciente do modus operandi o qual integra os esquemas simbólicos e as
práticas – o desenvolvimento de seus trabalhos e ações “sempre ultrapassa
suas intenções inconscientes”. Essa indeterminação deve ser encarada de
maneira direta por conta do embodiment do sujeito dependente dos objetos
culturais que resiste isolando os sentidos um do outro e da prática social, em
cenários experimentalmente restritos. No estudo levado a cabo pelo autor
(rituais de cura e de linguagem), os selfs incorporados habitam um meio
ambiente comportamental muito mais abrangente que simples eventos. Se for
este o caso, então, a implicação paradigmática final é que o corpo não precisa
estar restrito a uma aplicação micro analítica, mas como Merleau-Ponty espera,
pode ser a fundação para as análises de cultura e historia. Liberar interpretação
de um evento era crítico para Bourdieu, mesmo para o seu estudo conduzido
dentro de uma sociedade tradicional estável; isto é ainda mais critico no tipo de
movimento religioso que o autor descreveu, colocado no mundo contemporâneo
onde o princípio da indeterminação tem uma influencia preponderante num mar
de opinião. Neste cenário, a prática religiosa explora o pré-objetivo para produzir
o novo, objetivações sagradas, e explora o habitus no sentido de transformar as
muitas disposições das quais ele é constituído. Para o autor o lócus do
sagrado é o corpo, pela razão que o corpo é o solo existencial da cultura.
Reprise
O argumento deste trabalho tem sido que o corpo é um ponto de início produtivo
para analisar cultura e self. O autor tentou mostrar que uma análise da
percepção (o pré-objetivo) e da prática (o habitus) fundados no corpo leva
ao colapso da distinção convencional entre sujeito e objeto. Este colapso
nos permite investigar como objetos culturais (incluindo o self) são constituídos
ou objetivizados, não no processo de ontogênese e da socialização da criança,
mas na contínua indeterminação e no fluxo da vida cultural adulta. Para ter
certeza, os exemplos empíricos que ele escolheu (espíritos demoníacos,
imagem multisensorial, glossolalia, profecia e “vegetando no espírito”) vêm de
domínios especializados da prática ritual. E, se ainda como ele suspeita, o
embodiment tem um alcance paradigmático, as várias análises de outros
domínios que começaram a ser publicadas na década passada (1970) partilham
aspectos comuns que podem ser elucidados em trabalho futuro. Isto é sugerido,
conforme ele argumentou, pelo modo como o embodiment coloca questões
adicionais sobre a experiência religiosa e a percepção para além daquelas
tipicamente levantadas na antropologia psicológica. Isto é mesmo mais
fortemente sugerido pela aplicação da análise sujeito-objeto para outras
dualidades (mente-corpo, self-outro, cognição-emoção, subjetividade-emoção)
que fundamentam grande parte do pensamento antropológico.
*Professor Titular de Antropologia e Religião do Departamento de
Antropologia da Case Western Reserve University (Cleveland , Ohio, USA)
Tradução do inglês por Vitória Eugênia Ottoni, Prof. Dr. do Departamento de
Neuropsiquiatria, Faculdade de Medicina da UFBA.