elÊusis, um jogo que simula o mÉtodo cientÍfico€¦ · o juiz diz que o profeta está certo....

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ELÊUSIS, UM JOGO QUE SIMULA O MÉTODO CIENTÍFICO Gera/do F/orsheim Núcleo de História da Ciência e da Tecnologia Departamento de História. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo Sandra Monteiro Borges I nstituto Florestal Coordenadoria da Pesquisa de Recursos Naturais Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo o jogo aqui descrito, de simples aplicação, permite, através de vivência lúdica, a compreensão de um dos modelos do pro- cesso científico de melhor aceitação entre os cientistas: a for- mulação de uma hipótese testável frente a um problema, a de- dução de uma possível conseqüência passível de verificação experimental, e, baseado nessa, a realização de um experi- mento ou observação, resultando na rejeição ou confirmação da hipótese. Após a apresentação das regras do jogo, serão in- dicadas algumas analogias entre o jogo e esse modelo de mé- todo científico. Depois disso serão propostas sugestões práti- cas para a aplicação do jogo. o JOGO EL~USIS Em cada partida os jogadores devem tentar descobrir uma regra que orienta o jogo, a qual é conhecida apenas por um dos participantes; os jogadores ganham pontos em função da rapidez com que descobrem a regra. As cartas são dis- postas de modo a formar uma estrutura cons- tituída por uma fileira e por várias colunas de comprimento variável que se originam a partir de cartas situadas nas fileiras. Essa estrutura aumen- ta continuamente durante o jogo. As cartas da fileira representam as cartas "certas" segundo a regra utilizada no jogo, as das colunas represen- tam as cartas rejeitadas pelo participante que conhece a regra. Denominaremos esse jogador de "juiz"; os jogadores apresentam-lhe as cartas individualmente em seqüência; se ele declarar que a carta é correta segundo a regra, ela é colo- cada à direita da última carta da fileira; caso 46 contrário, ela é colocada abaixo da última carta jogada (esteja ela na fileira ou na coluna). A pri- meira carta é retirada do baralho pelo juiz. Como todas as outras cartas no jogo, ela é colocada na mesa com a face para cima; e constituI a carta inicial da fileira. Poderá acontecer que essa pri- meira carta seja inaceitável de acordo cúm a regra utilizada; deverá então ser recolocada no baralho e uma outra carta retirada. No exemplo ao lado, a carta colocada pelo juiz foi um três de paus. O primeiro jogador do círculo apresentou ao juiz um quatro de copas; o juiz declarou a car- ta correta e colocou-a ao lado do três de paus. O segundo jogador apresentou um dois de copas; o juiz declarou a carta incorreta; colocou-a abaixo do quatro de copas e deu a esse jogador duas cartas do baralho - como os jogadores fazem pontos desfazendo-se das cartas que têm na

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ELÊUSIS, UM JOGO QUE

SIMULA O MÉTODO CIENTÍFICOGera/do F/orsheim

Núcleo de História da Ciência e da Tecnologia

Departamento de História. Faculdade de Filosofia

Letras e Ciências Humanas

Universidade de São Paulo

Sandra Monteiro BorgesInstituto Florestal

Coordenadoria da Pesquisa de Recursos Naturais

Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

o jogo aqui descrito, de simples aplicação, permite, através devivência lúdica, a compreensão de um dos modelos do pro-cesso científico de melhor aceitação entre os cientistas: a for-mulação de uma hipótese testável frente a um problema, a de-dução de uma possível conseqüência passível de verificaçãoexperimental, e, baseado nessa, a realização de um experi-mento ou observação, resultando na rejeição ou confirmaçãoda hipótese. Após a apresentação das regras do jogo, serão in-dicadas algumas analogias entre o jogo e esse modelo de mé-todo científico. Depois disso serão propostas sugestões práti-cas para a aplicação do jogo.

o JOGO EL~USIS

Em cada partida os jogadores devem tentardescobrir uma regra que orienta o jogo, a qual éconhecida apenas por um dos participantes; osjogadores ganham pontos em função da rapidezcom que descobrem a regra. As cartas são dis-postas de modo a formar uma estrutura cons-tituída por uma fileira e por várias colunas decomprimento variável que se originam a partir decartas situadas nas fileiras. Essa estrutura aumen-ta continuamente durante o jogo. As cartas dafileira representam as cartas "certas" segundo aregra utilizada no jogo, as das colunas represen-tam as cartas rejeitadas pelo participante queconhece a regra. Denominaremos esse jogadorde "juiz"; os jogadores apresentam-lhe as cartasindividualmente em seqüência; se ele declararque a carta é correta segundo a regra, ela é colo-cada à direita da última carta da fileira; caso

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contrário, ela é colocada abaixo da última cartajogada (esteja ela na fileira ou na coluna). A pri-meira carta é retirada do baralho pelo juiz. Comotodas as outras cartas no jogo, ela é colocada namesa com a face para cima; e constituI a cartainicial da fileira. Poderá acontecer que essa pri-meira carta seja inaceitável de acordo cúm aregra utilizada; deverá então ser recolocada nobaralho e uma outra carta retirada. No exemploao lado, a carta colocada pelo juiz foi um três depaus. O primeiro jogador do círculo apresentouao juiz um quatro de copas; o juiz declarou a car-ta correta e colocou-a ao lado do três de paus. Osegundo jogador apresentou um dois de copas; ojuiz declarou a carta incorreta; colocou-a abaixodo quatro de copas e deu a esse jogador duascartas do baralho - como os jogadores fazempontos desfazendo-se das cartas que têm na

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mão, isso equivale a uma punição pelo errocometido. O terceiro jogador apresentou um oitode ouros, o qual também foi rejeitado, sendo por-tanto colocado abaixo do dois de copas; essejogador recebeu, igualmente, duas cartas idobaralho. O quarto jogador apresentou ao juiz umsete de espadas; a carta foi aceita, sendo coloca-da na fileira, ao lado da última carta correta, istoé, o quatro de copas. Note-se que quando o joga-dor acerta uma carta, o número de cartas que elepossui diminui. É fácil perceber nesse exemplo,que a regra secreta era: "após uma carta pardeverá vir uma carta ímpar e vice-versa, nãoimportando nem a cor, nem o naipe"

se a última carta correta foi de paus, jogueuma de espadas; se a última correta foi deespadas, jogue uma de ouros; se foi deouros, jogue uma de copas; e se foi decopas, jogue uma de paus.

- se a última carta da fileira for menor do quea carta anterior, jogue uma carta maior doque essa última carta; caso contrário, jogueuma carta menor. A primeira carta jogada écorreta a menos que seja igual à carta ini-cial.

-- a carta jogada deve ser par (ou ímpar, oupreta, ou vermelha, ou não poderá ser umafigura, etc)

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A regr.a utilizada, evidentemente, não mudadurante 6 jogo (é aconselhável que o juiz a tenhaescrito em um pedaço de papel para evitaralterações posteriores). Além disso, ela nuncaserá mencionada antes do término do jogo. Cadapartida terá uma regra e um juiz diferentes; esseúltimo não joga cartas, sendo sua função exclusi-va inventar a regra daquela partida e aceitar ourejeitar as cartas apresentadas pelos outros joga-dores. Ao final da partida ele poderá revelar aregra adotada. Os jogadores, por sua vez, tentamdescobrir a regra observando as cartas da fileira edas colunas. Quanto mais perto um jogador esti-ver de descobrir a regra, melhor ele jogará. Eisalguns exemplos de boas regras (isto é, nem mui-to difíceis, nem muito fáceis):

- se a última carta da fileira for preta, jogueuma carta maior ou igual a essa carta; se aúltima carta for vermelha, jogue uma cartamenor ou igual.

- a carta jogada deve ter um ponto a mais oua menos do que a última carta correta.

- se a última carta correta for ímpar, jogueuma carta preta; se a última carta for par,jogue uma carta vermelha.

- a carta jogada deve ser do mesmo naipe oudo mesmo valor que a última carta correta.

O número ideal de jogadores é de quatro aoito. Para grupos desse tamanho, normalmentetrês baralhos completos são suficientes, os quaisdevem ser bem misturados antes do jogo. Pode--se adicionar mais baralhos se houver necessida-de. Cada jogador começa com 14 cartas. Na suavez ,o jogador poderá jogar uma carta, como foiilustrado acima, ou uma seqüência de cartas.Nesse último caso até quatro cartas poderão serjogadas; se a seqüência estiver correta as cartasserão acrescentadas à fileira. É importante, noentanto, que a ordem em que as cartas foramapresentadas esteja também correta. Umaseqüência correta de quatro cartas será, na estru-tura do jogo, indistinguível de quatro lancescorretos de uma carta cada um. Se, no entanto, aseqüência estiver errada (e para isto basta queuma carta esteja incorreta ou que a ordem deapresentação das cartas seja inadequada), as car-tas serão colocadas parcialmente sobrepostasabaixo da última carta jogada. A sobreposição énecessária não s6 para mostrar que as cartasforam jogadas em seqüência, como também naordem que Ihes foi atribuída pelo jogador. Umjogador que tenha apresentado uma seqüênciainaceitável receberá do juiz um número de cartasigual ao do número de cartas da seqüência. Ojuiz não deve revelar qual carta ou cartas daseqüência estão erradas.

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Um jogador também poderá declarar que n"ãopossui cartas corretas para jogar; ele mostra ascartas que possui a todos os jogadores e o juizdecide se ele está certo ou não. Se ele estivercerto (isto é, ele realmente não poderia ter joga-do) e possuir apenas -quatro cartas ou menos,suas cartas são devolvidas ao baralho e o jogotermina. Se, por outro lado, o jogador estiver cer-to mas possuir cinco cartas ou mais, suas cartassão contadas e misturadas ao resto do baralho.

Ele recebe então novas cartas, em número dequatro a menos do que possui a anteriormente.Se, finalmente, o jogador estiver errado (ele pos-suia uma ou mais cartas que poderiam ter sidojogadas) o juiz toma uma de suas cartas corretase coloca-a na fileira à direita da última carta. Ojogador permanece com o resto de suas cartas,recebendo cinco cartas adicionais do baralho.

O jogo apresenta um recurso que visa favore-cer o jogador que acha que descobriu a regrasecreta; ele ganhará um maior número de pontosse conseguir prever corretamente o veredicto dojuiz. Para isso basta que ele se declare profete,após o que assumirá as funções do juiz. Um joga-dor só poderá se declarar profeta se tiver acaba-do de jogar (correta ou incorretamente). se ojogador seguinte ainda não tiver jogado, se nãohouver outro profeta, se ainda houver pelo menosdois outros jogadores (além do juiz) e se ele ain-da não tiver sido profeta naquela partida. Quandoum jogador se declara profeta ele coloca umamarca qualquer sobre a última carta jogada (istoé, a sua própria) e não mais faz lances, a menosque seja destituído, mas mantém suas cartasseparadas. O jogo prossegue normalmente.

Quando um jogador apresenta uma carta ou umaseqüência de cartas, O profeta decide se o lancefoi correto ou incorreto, em relação à regra queele acha que descobriu. Imeditamente o juizdeclará se o profeta acertou ou não. No primeirocaso a jogada se completará normalmente, o pro-feta colocando a carta na fileira ou em uma colu-na, conforme o caso, e dando ao jogador cartasdo baralho, se ele tiver errado. No segundo casoo profeta é destituído. A jogada é completadanormalmente pelo juiz, exceto que o jogador nãorecebe cartas como punição; isso visa estimularos jogadores a fazerem lances arriscados na ten-tativa de derrubar o profeta.

No caso de um jogador declarar que não temcartas para jogar e haver um profeta, quatro pos-sibilidades poderão ocorrer. No primeiro caso oprofeta confirma que o jogador não tem cartas eo juiz diz que o profeta está certo. Segue-se entãoo procedimento normal. No segundo caso o pro-feta diz que o jogador está certo, mas o juiz dizque o profeta está errado. Este último é entãodestituído, o juiz coloca na fileira uma carta do

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jogador, mas este não recebe punição. No ter-ceiro caso o profeta diz que o jogador está erra-do, mas o juiz diz que ele está certo; o profetatambém é destituído e o procedimento normal éseguido. No último caso o profeta diz que o joga-dor está errado e o juiz o confirma. O profetadeverá agora escolher uma carta correta do joga-dor e colocá-Ia na fileira; se ele fizer isto correta-mente, o jogador receberá as cinco cartas comopunição. Se, no entanto, o profeta se equivocarnessa etapa, ele é destituído. A carta incorreta édevolvida ao jogador e o juiz escolhe uma ~artacorreta para colocar na fileira; o jogador não épunido.

Quando um profeta é destituído. ele recebecinco cartas do baralho, às quais ele adiciona asuas cartas que estavam separadas, e continua ajogar normalmente. Sua marca é retirada da últi-ma carta que havia jogado antes de ter sedeclarado profeta.

Após uma partida ter se desenrolado durantealgum tempo os jogadores poderão ser expul-sos ao fazerem lances incorretos. Um jogador éexpulso se fizer um lance incorreto, se não houverprofeta e se houver 30 ou mais cartas na estru-tura antes de sua vez; ou ainda se fizer um lanceincorreto, se houver profeta e 20 ou mais cartasapós a sua marca. Mas não há expulsão quandoda destituição de um profeta. Ao ser expUlso. ojogador não participará mais daquela partida,mas receberá as cartas de punição para efeito decontagem de pontos. Note-se que, durante umapartida, períodos em que é possível haver expul-são e períodos em que não é, poderão se alter~nar. O jogo termina quando um jogador livra-sede todas as suas cartas, ou quando todos osjogadores (com exceção do profeta) forem expul-sos.

A contagem de pontos é feita da seguinte for-ma: inicialmente determina-se qual o jogador quepossui o maior número de cartas. Cada jogador,então, subtrai desse número máximo o seu nú-mero de cartas restantes. Caso um jogador tenhase livrado de todas as cartas, ele receberá umadicional de quatro pontos. O número de pontosadicional do profeta é igual ao número dp cartasda fileira após sua marca, mais duas vezes o nú-.mero de cartas das colunas, também apó~ suamarca.

AS ANALOGIAS ENTRE O JOGO E O Mt:TO-DO CIENTfFICO

Na medida em que o jogo consiste na procllrade relações ocultas, operacionalizada numa ativi-dade de tentativa e erro dos participantes, elecorresponde à atividade científica global. A tenta-tiva de descobrir a regra secreta pode, portanto,ser equiparada à investigação de leis naturais. Aocontrário do que acontece no caso real, no Jogo

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há alguém que conhece essa regra. Além disso,os jogadores têm a possibilidade de chegar auma "lei" de cuja veracidade têm praticamentecerteza. Pode-se aperfeiçoar aqui a analogia coma prática científica, formulando-se regras comple-xas constituídas de sub-regras relativamentesimples que possam ser descobertas pelos joga-dores. Esses terão, assim, a sensação de estarchegando cada vez mais próximos da regra,embora talvez nunca venham a decifrá-Ia porcompleto. Pode-se obter regras desse tipo combi-nando-se, por exemplo, duas ou mais das regrassugeridas anteriormente, tendo-se então a possi-bilidade de se trabalhar com diversas variáveissimultaneamente. Ou então pode-se estipular queo juiz não revela a regra no final do jogo.

Como na prática científica, segundo muitos -cientistas a entedem, o jogo é impelido por umproblema: o de se descobrir qual a regra queorienta a aceitação ou a rejeição de cartas pelojuiz. A fase inicial do jogo tem sido comparada àfase de "história natural"de uma disciplina científi-ca, na qual inexistem hipóteses sofisticadas e aprincipal atividade dos que a ela se dedicam é acoleta de dados. Com o crescimento gradual daestrutura do jogo, as características da atividadecientífica "madura" vão-se revelando. As cartasnão são mais jogadas de maneira fortuita (se éque o eram antes). como as observações e osexperimentos em uma pesquisa exploratória utili-zada na investigação de um fenômeno sobre oqual pouco se sabe. Presumivelmente as cartasapresentadas são agora escolhidas em função deuma hipótese pr,$yia que o jogador resolveu tes-tar. Acredita-se, cÔmumente, que uma caracterís-tica das hipóteses científicas é que elas sejamtestáveis; esse aspecto também é mantido nojogo: uma hipótese' não testável seria completa-mente inútil para o jogador.

É fundamental enfatizar-se o emprego doraciocínio dedutivo ao se escolher uma carta aser jogada. O processo mental envolvido nestecaso nada mais é do que a formulação "Se. . .,então. . ." do método experimental. A escolha dacarta é guiada pela predição deduzida da hipóte-se. Por exemplo, o jogador nQ quatro na figuráacima poderia ter raciocinado da seguintemaneira: "se a regra do juiz é 'após uma cartapar deverá vir uma carta ímpar e vice-versa, nãoimportando nem a cor, nem o naipe', então seum sete de espadas for jogado ele deverá seraceito".

A origem das hipóteses científicas é hoje umproblema amplamente focalizado em Filosofia daCiência, mas não há consenso quanto a suasolução. Parece inegável, todavia, ql.!e tantodados "positivos" (as cartas da fileira). Gomodados "negativos" (as çartas das colunas). são dealguma forma utilizadas na elaboração criativa de

hipóteses. A apresentação de uma carta (ou deuma seqüência) por um jogador equivale a pôr-seem prática a predição, ou seja. a um experimento.Antes disso a hipótese provavelmente já haviasido testada e aprovada pelo exame das cartasdispostas na mesa. ou seja. por observações.Muitas hipóteses são assim precocemente elimi-nadas. sem que sejam submetidas a teste experi-mental. Alguns cientistas e filósofos têm sugeridoque é possível refutar definitivamente uma hipóte-se científica. mas não confirmá-Ia. Segundo esseponto de vista, se uma carta for rejeitada (resulta-do experimental negativo). a hipótese sem dúvidaseria falsa, pois uma hipótese verdadeira nuncapoderia originar uma predição falsa. Se, por outrolado. a carta for aceita (resultado experimentalpositivo). o máximo que o jogador poderia dizer éque há certa probabilidade de a hipótese sercorreta. É fácil imaginar casos nos quais pre-dições verdadeiras derivam de hipóteses falsas.Na figura acima, o jogador nQ quatro poderiaobter a predição verdadeira "se um sete de espa-das for jogado deverá ser aceito" a partir da hipó-tese falsa "após uma carta vermelha deverá viruma preta e vice-versa". A aceitação da cartaapresentada não garantiria a veracidade da hipó-tese.

Além das analogias lógicas, as quais nos pare-cem as mais fortes, o jogo pode ser utilizado tam-

. bém para ilustrar aspectos psicológicos e socioló-gicos da prática do cientista. Aparentemente, porexemplo, a criatividade é o fator essencial que dis-tingue o bom jogador do mau. Embora o mesmoocorra, até certo ponto. na Ciência, essa faceta dapesquisa muitas vezes não é enfatizada no ensinode disciplinas científicas. o qual. em geral. reduz--se à transmissão dogmática de conceitos teqricosou dados empíricos. O jogo poderá ser utilizadopelo professor para ajudar o aluno a desenvolveruma concepção mais realista de Ciência. E, aocontrário do que é muitas vezes afirmado, a criati-vidade é importante não só na produção de hipó-teses. mas também na elaboração dos testesexperimentais. embora o jogo não simule bemesse segundo aspecto. Gostaríamos de alertar oleitor que a utilização do jogo para a detecção doperfil psicológico do futuro cientista, apregoadapor alguns autores. parece-nos grandementedesaconselhável. tendo-se em vista, além deoutros fatores. o estado primitivo dos nossosconhecimentos sobre a psicologia do cientista. Asanalogias psicológicas que. o jogo possa vir aoferecer devem ser manipuladas com grande cau-tela. .

Do ponto de vista sociológico. várias analogiasforam também propostas, como por exemplo queo profeta equivale ao cientista que publica e oprofeta destituído àquele que publicou cedodemais. Nessa área, em especial, o jogo mostra--

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se particularmente fértil e inúmeras analogiaspoderão ser descobertas pelos alunos. Cabe aoprofessor decidir sobre as vantagens de explorá--Ias.

ALGUMAS SUGESTOES PRATICAS

Baseados em-nossa experiência pessoal na apli-cação do jogo, damos abaixo algumas sugestõesde ordem prática que poderão tornar mais efi-ciente a utilização do Elêusis:. dar inicialmente apenas uma idéia geral do

jogo aos alunos e introduzir os detalhes aospoucos, preferivelmente à medida que osvários grupos se defrontarem com situaçõesque os exijam. Não esquecer que o jogo pare-ce complexo para quem o joga pela primeiravez; essa complexidade evidentemente decorreda tentativa do inventor do jogo (RobertAbbott) de aumentar as analogias entre o jogoe a prática científica.

. a melhor forma de se transmitir essa idéiageral do jogo é através de ilustrações, deexemplos concretos, como a figura anteriorExplicações abstratas doas regras dificilmenteserão entendidas.

. nas primeiras vezes fornecer as regras prontaspor escrito aos juízes; começar com regrassimples que utilizem apenas uma variável (co-mo cor ou naipe) e complicar gradativamente.Os principiantes tendem. a subestimar acomplexidade de suas próprias regras.

. não dar logo o sistema de contagem de pon-tos; reservar isso para grupos experientes.

. não chamar logo a atenção dos alunos para asanalogias com a prática científica que o jogooferece. Na medida do possível levá-Ios a des-cobrir essas analogias por si mesmos. Temosfeito isso através de um questionário que osalunos respondem enquanto jogam (mas oprofessor deverá proporcionar alguma formade vazão para as novas analogias que os alu-nos descobrirem; como foi dito acima, o jogoé rico e novas interpretações ocorrerão conti-nuamente). Seguem abaixo algumas das per~guntas que utilizamos no passado para esti-mular nos alunos uma reflexão sobre a lógicado jogo e prepará-Ios para a explicitação dasanalogias.

- quando você jogou a primeira carta daestrutura (logo após a carta inicial), comovocê escolheu?

- como você escolheu as outras cartas? Aoapresentá-Ias você esperava que seriamconsideradas corretas? Em caso afirmativo,o que levou você a ter essa expectativa?

- qual a maneira de jogar que você acha lhepermite descobrir mais rapidamente a regrasecreta?

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- a que correspondem as cartas da mesa naprática científica? E a apresentação de umacarta ao juiz?

- a que correspondem, na prática científica,a aceitação e a rejeição de uma carta?

- quando uma carta que você apresenta écolocada na fileira, você conclui que des-cobriu a regra secreta? Por quê? E quandouma carta sua é colocada em uma coluna?

- como você distribuiu as cartas na sua mão,aleatoriamente ou segundo uma ordem?Nesse último caso, como essa ordeminfluenciou o seu desempenho durante ojogo?

- você acha que durante o jogo se aproximouaos poucos da descoberta da regra?

- como você utiliza as cartas da mesa: passi-vamente, esperando que elas lhe reveleminformação sobre alguma regularidade daestrutura; ou ativamente, buscando nelasapenas informações específicas que sãoentão comparadas com idéias preconcebi-das? Você usa para isso todas as cartas, sóas corretas, ou só as incorretas?. aproveitar alunos que já tenham participado do

jogo, como monitores para orientação de gru-pos de principiantes-

. como jogar logo depois de um bom jogadorapresenta certas desvantagens, é recomendá-vel que os participantes mudem de posiçãoapós cada partida.

. é imprescindível que o professor jogue algu-mas partidas antes de aplicar o Elêusis.

CONCLUsAo

Existem várias propostas para se explicar o mé-todo científico- O jogo realça alguns aspectos quetêm sido enfatizados por vários cientistas que sepreocuparam com a explicitação da lógica de suaatividade. O método experimental. em particular,é bem ilustrado. É importante frisar, no entanto,que a própria prática científica é o árbitro final naavaliação de qualquer modelo que pretendadescrever a Ciência. Nenhum modelo até hojeproposto deve ser considerado definitivo e comotal imposto aos alunos. De qualquer forméJ,a utili-zação do jogo, seguida por uma discussão dasimperfeições da metodologia que ele ilustra,constitui excelente exercício pedagógico de aber-tura à experiência. E só essa abertyra poderá nosguiar enquanto jogadores, se compartilhamos dafantasia de Martin Gardner: "... Deus ou aNatureza talvez estejam jogando milhares, talvezum número incontável. de partidas simultâneasde Elêusis com inteligências espalhadas nos pla-netas do universo, sempre maximizando seu pra-zer através de uma escolha de regras que asmentes inferiores não achem nem muito fáceis,nem difíceis demais de descobrir, se Ihes for

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dado tempo suficiente" (Scientific American,outubro de 1977, p. 25).

SUGESTÕES PARA LEITURA

a) Obras em português que discutem a metodolo-gia da ciência

. J.J.W. Baker e G. Allen: O Estudo da Biologia.Editora Edgard Blucher, 1975. Capítulos 3 e4.

. M. Bunge Epistemologia. TA Queiroz, Edi-tor e Editora da Universidade de São Paulo,1980. Capítulo 2.. L. Hegenberg: Etapas da Investigação Cientí-fica. Editora Pedagógica e Universitária e Edi-

. tora da Universidade de São Paulo, 1976,dois volumes. .. G.F. Kneller: A Ciência como Atividade Hu-mana. Zahar 'Editores e Editora da Univesi-dade de São Paulo, 1978.

. K. Popper: A Lógica da Pesquisa Científica.Editora Cultrix e Editora da Universidade deSão Paulo. 1974.

. J. Ziman: Conhecimento Público. Editora Ita-tiaia e Editora da Univesidade de São Paulo.1979.

b) Livros de Popper traduzidos que tratam da,meto-dologia da ciência

. Conhecimento Objetivo. Editora Itatiaia e Edi-

tora da Univesidade de São Paulo, 1975.. A Lógica da Pesquisa Científica. Editora Cul-trix e Editora da Univesidade de São Paulo,prefácio do tradutor de 1974.

. Autobiografia Intelectual Editora Cultrix e

Editora da Univesidadede São Paulo, 1977. Conjecturas e Refutações. Editora Universi-dade de Brasília, prefácio do autor de 1980.

'c) Introdução ao pensamento de Popper

. B. Magee: As Idéias de Popper. Editora Cul-trix e Editora. da Universidade de São Paulo,1974.

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uso escolar: gavetas plásticas pa-dronizadas que podem ser unidaspara formar armários que se adap-tam a qualquer espaço disponí-vel e podem crescer com a adi-ção de novas unidades.

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