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\*Eje 1. Consecuencias de la Crisis Mundial * -Europa, EE.UU, Asia: desenvolvimiento económico y tensiones. -¿Salida de la crisis en los marcos del capitalismo? -Derechos sociales y económicos. Socialización de pérdidas y ajuste contra los pueblos. -Acuerdos y organismos multilaterales, ¿cambios o más de lo mismo? Alternativas. -La nueva geopolítica mundial: poder económico y militar. Imperialismo, disputas hegemónicas y países periféricos.
EJE1 – Consecuencias de la Crisis Mundial
EJE1 – Artigo 02: Mercados Globais, Crise Mundial e América Latina: Da Inserção Subordinada à Integração Ativa?
RESUMO
A crise vivida pela economia mundial, particularmente no que se refere hoje à eurozona,
tem uma forte componente financeira, fruto da liberalização neoliberal iniciada nos anos
setenta/oitenta, da desregulação dos mercados e da denominada globalização. Na
verdade, este quadro teria como consequência um elevado aumento dos níveis de
instabilidade/volatilidade do sistema econômico internacional. Neste contexto têm-se
alterações de relevo a nível da configuração geo-econômica e da formatação geopolítica
da economia mundial, com os bem sucedidos processos industrializadores das nações
asiáticas e o posterior advento das economias ditas emergentes, com destaque para
Brasil, Rússia, China, Índia e África do sul (os BRIC), notadamente para os casos de
China e Índia. Para muitos autores/analistas, o eixo econômico, financeiro, industrial e
tecnológico do mundo estaria a transferir-se do Atlântico para o Pacífico, com o sistema
Ásia/Pacífico a se constituir em uma área sinérgico-virtuosa no âmbito da redefinição da
ordem hegemônica a nível da economia mundial. Portanto, a nova ordem geo-
econômica mundial, as ascenções chinesa e indiana e a recente crise européia abre
oportunidades para que a América Latina venha a conseguir um melhor nível de
inserção em termos do espaço econômico mundial, saindo de uma inserção claramente
subordinada e caminhando em direção à integração verdadeiramente ativa no cenário
econômico, geo-econômico e geo-estratégico mundial.
Palavras-Chave: Economia Mundial, Crise, América Latina
Introdução
A ascensão/hegemonia do paradigma neoliberal vem marcando, desde os anos
setenta/oitenta, a dinâmica da economia mundial através da financeirização da mesma,
da crescente liberalização/desregulação das economias/mercados e do próprio processo
de globalização, que só ganha sentido se assumido como estágio atual do capitalismo,
isto é, da economia capitalista sistema-mundo. Por outro lado, a ocorrência de crises de
carácter mundial a intervalos cada vez mais curtos traduz a presença de uma nova forma
de evolução da economia capitalista mundial. Neste ponto, cabe destacar a crise por que
hoje passa a Eurozona, na verdade, face da crise hoje vivida pela economia mundial. De
fato, a desregulação neoliberal, a hegemonia da grande finança e a dita globalização
teriam como consequência um elevado aumento dos níveis de instabilidade/volatilidade
do sistema econômico internacional.
Neste contexto têm-se alterações de relevo a nível da configuração geo-econômica e da
formatação geopolítica da economia mundial, com os bem sucedidos processos
industrializadores das nações asiáticas e o posterior advento das economias ditas
emergentes, com destaque para os países semiperiféricos emergentes, notadamente para
os casos de China e Índia. Para muitos autores/analistas, o eixo econômico, financeiro,
industrial e tecnológico do mundo estaria a transferir-se do Atlântico para o Pacífico,
com o sistema Ásia/Pacífico a se constituir em uma área sinérgico-virtuosa no âmbito
da redefinição da ordem hegemônica a nível da economia mundial. Portanto, a nova
ordem geo-econômica mundial, as ascenções chinesa e indiana e a recente crise
européia abre oportunidades para que a América Latina e o Caribe venham a conseguir
um melhor nível de inserção em termos do espaço econômico mundial, saindo de uma
inserção claramente subordinada e caminhando em direção à integração
verdadeiramente ativa no cenário econômico, geo-econômico e geo-estratégico mundial.
Contudo, os países periféricos/semiperiféricos necessitam transformar os seus
potenciais em vantagens efetivas, apostando firmemente na educação/capacitação de sua
mão-de-obra, o que parece claro que está a acontecer na China (e, de certa forma, na
Índia) e não no Brasil e restantes países da América Latina e do Caribe.
A Idéia de Globalização
Para HELD ET AL (2002, p. XXIX), a idéia de globalização deve ser buscada nos
textos franceses e norte-americanos da década de sessenta (2002, pp. XXIX) e embora
difundido nos mais diversos idiomas, o termo carece ainda de uma definição precisa. O
vocábulo globalização tem um significado amplo, de forma a abarcar praticamente
todos os fenômenos relacionados à sociedade contemporânea, desde os mercados
financeiros até à Internet, passando também pelos movimentos migratórios e ainda pelas
questões afetas aos investimentos, movimentos de capital, transferência de tecnologia
deslocamento industrial e desindustrialização. Apesar disto, o termo globalização
oferece muito pouca compreensão acerca da sociedade humana contemporânea. De fato,
em termos da compreensão comum, a palavra globalização refletiria a percepção (em
muitos casos preocupação) de uma acelerada mudança a nível mundial, com o mundo se
direcionando para se converter num espaço social constituído por forças econômicas e
tecnológicas e a presença de uma forte complementaridade/interação entre as
economias/países, de modo que a/o ocorrência/desenvolvimento de certas situações
numa determinada região do mundo, acabariam por ter consequências sobre áreas
situadas no outro extremo do planeta.
Para além disso, conforme assinalam HELD ET AL (2002, pp. XXIX e XXX), cabe o
registro de que a globalização, quer seja tomada como vocábulo quer seja considerada
como fenômeno, encontra-se também associada a um sentimento de fatalismo e de
insegurança (para muitos, de insegurança crônica), no sentido de que a
intensidade/velocidade que marcam a mudança social e o câmbio econômico da
sociedade contemporânea parecem superar largamente a capacidade/habilidade dos
governos nacionais e/ou dos cidadãos nacionais em opor-se ao mesmo, a exercer sobre
ele um certo nível de controle ou a ele opor resistência. Para esta visão, a dinâmica do
processo de globalização é marcada por uma intensidade tal que não permitiria nem um
debate profundo acerca do mesmo, como forma de melhor conhecê-lo e de delinear
estratégias/ações público-governamentais. Na realidade, a concepção fatalista face à
globalização aponta para a idéia de que as políticas nacionais estariam completamente
subordinadas e seriam forçosamente determinadas pela globalização. Por outro lado, à
retórica leiga sobrepõem-se as concepções analítico-investigatórias, de base acadêmica,
acerca da globalização enquanto constructo teórico-conceitual, de modo a
considerar/compreender as forças históricas que estão a configurar as realidades
sociopolíticas/sócio-econômicas do mundo contemporâneo.
De acordo com HELD ET AL (2002, p. XXX), o vasto material bibliográfico existente
(e em nítida expansão) sobre o tema globalização não consegue colmatar a falha da não
existência de uma teoria minimamente consistente/convincente sobre o mesmo, bem
como de uma análise sistemática das suas principais características. De outro modo,
apenas uma reduzida quantidade de estudos sobre a globalização apresenta um relato
histórico coerente que distinga os acontecimentos (transitórios ou imediatos) dos
desenvolvimentos que assinalariam o/a surgimento/edificação de uma nova forma a
nível da própria natureza e das perspectivas das sociedades humanas, ou seja, que
caracterizem a globalização como fenômeno simultaneamente histórico, político, social
e econômico. Neste sentido, caberia, antes de mais nada, promover a conceituação
rigorosa de globalização, no sentido fenomenológico e científico do termo, para depois
se observar que seria necessário a promoção de uma análise integral/global sobre o dito
processo de globalização, identificando-lhe as causas/origens e o descortinando como
fenômeno novo/inédito (ou não) na história da humanidade e mais especificamente na
história do capitalismo. Por outro lado, haveria que se buscar a relação entre a
globalização e o maior ou menor poder de ação/intervenção do Estado-nação (o
desaparecimento, o ressurgimento ou a transformação do Estado-nação?), bem como os
seus efeitos a nível político.
Consoante é registrado por HELD ET AL (2002, pp. XXX - XXXII), a globalização
pode ser pensada como o processo de ampliação, aceleração e aprofundamento de uma
interconexão mundial em todos os aspectos da vida social contemporânea, indo do
campo cultural ao criminal, da área financeira à da produção, da componente
tecnológica à sensibilidade espiritual, etc. A ideia central parece ser a da intensificação
real/aparente da interconexão (entre regiões/países de continentes distintos). Contudo, a
conceituação (ou uma melhor conceituação) de globalização, bem como a forma como
se deve pensar a sua dinâmica causal e o modo como se deve caracterizar o conjunto das
suas consequências estruturais (se as houver), encontram-se aquém do necessário. Na
verdade, o que se busca é o/a entendimento/compreensão da globalização enquanto
fenônemo complexo do ponto de vista econômico, social, político, cultural, etc.
Contudo, apesar das inúmeras concepções/colocações quanto à globalização, bem como
dos inúmeros trabalhos escritos sobre a mesma, seu conceito e definição, a mesma
continua a mostrar-se como categoria conceitual mal definida, ou seja, como fenômeno
complexo que não consegue encontrar uma definição minimamente correta/adequada
que nasça da tentativa bem sucedida de explicar sua dinâmica/complexidade.
Segundo o que é observado por HELD ET AL (2002, pp. XLVIII - LII), a globalização
pode ser entendida como uma categoria sócio-econômica, sócio-política e sociocultural
a envolver o processo de transformação da ordem espacial/temporal, de modo a vincular
a atividade humana de uma região para outra, de um país para outro e de um continente
para outro. Em outros termos, torna-se necessário referenciar estas amplas conexões
espaciais para se efetuar uma formulação clara/consequente acerca do termo
globalização. Assim sendo, a globalização ultrapassaria os limites de determinados
processos mais delimitados em termos espaciais (localização, nacionalização,
regionalização e internacionalização), o que as atuais concepções teórico-conceituais a
ela afetas mostram-se incapazes de ter em linha de conta. Por outro lado, ao contrário do
que advogam as posturas globalistas, hiperglobalistas ou neoliberais, o processo de
globalização não deve ser concebido/considerado como algo em oposição aos processos
espacialmente mais (de)limitados. A globalização, portanto, deve ser vista/considerada
como algo em interação dinâmico-complexa com esses processos. Por outro lado, o
estudo/análise da globalização deve também ser feito em termos históricos,
considerando-a, como um processo não inédito a apresentar características próprias e
escala/dimensão mais ampliadas a partir da década de setenta do século XX.
Entretanto, muitos autores consideram que a globalização não se constitui em fenômeno
dotado de total inedetismo, com HELD ET AL (2002, p. 515), por exemplo, a situá-la
em épocas anteriores ao surgimento do capitalismo. Já para WALLERSTEIN (1998, p.
18), o capitalismo seria um sistema social histórico que se configuraria na economia
sistema-mundo (economia sistema-mundo capitalista). Em outros termos, pela
concepção wallersteiniana, a economia capitalista teve sempre uma dimensão mundial
ou, no mínimo, para além-fronteiras. Neste sentido, aquilo que se convencionou
denominar atualmente de globalização, processo marcado pela desregulação, pela
desindustrialização de algumas áreas ou mesmo de alguns países e pelo liberalismo (em
certos casos pelo ultraliberalismo) e que se começa a firmar na década de setenta do
século XX, nada mais seria do que mais uma etapa na trajetória da economia-mundo
capitalista. Portanto, apesar de apresentar características próprias, uma dinâmica
específica e toda uma configuração idiossincrática, a globalização não pode ser tomada
como um fenômeno totalmente novo, antes vindo a se constituir em mais um estágio do
percurso do capitalismo-mundo.
Globalização e Economia
O conceito de globalização, muitas vezes incerto ou impreciso, outras vezes definitivo e
revestido de um forte teor de inevitabilidade, vem sendo utilizado para caracterizar o
conjunto de transformações ocorridas, a nível da economia mundial, desde o início da
década de setenta do século XX. Com visões extremamente otimistas (como a
concepção da Tríade, de Kenichi Ohmae) confrontando-se com perspectivas fortemente
críticas (ou mesmo céticas), como a que é partilhada por HIRST & THOMPSON (1998,
pp. 14 e 15), que contestam o fato da economia ser realmente global, pois os fluxos de
comércio, de investimentos e financeiros se concentrariam nos limites da Tríade
(Estados Unidos - Japão – Europa), a globalização, seu conceito e configuração não se
constituem em uma unanimidade.
Por outro lado, GRAY (1999, pp. 81 – 84) afirma que o processo de globalização
(difusão do capitalismo de mercado) poderia ser obstado por aspectos nacionais
(culturais) de modo que o capitalismo emergente da Rússia, a economia chinesa e as
corporações japonesas se constituem em entidades de caráter nacional (cultural)
específico, não sendo, portanto, passíveis de se diluírem em algum processo de
globalização que tome como bitola os padrões do capitalismo norte-americano. Por
outro lado, é WALLERSTEIN (1998, p. 18) quem frisa que o capitalismo é
essencialmente um sistema social histórico e que se configura na economia-mundo
capitalista, isto é, a economia capitalista teve sempre uma dimensão mundial (ou pelo
menos além-fronteiras).
O fato é que em razão das controvérsias e multiplicidades de visões e abordagens
quanto ao conceito de globalização, bem como do real significado que tal vocábulo
encerra, vale-se, aqui, do ponto de vista de ADDA (2004, pp. 102 e 103), segundo o
qual as empresas multinacionais, promotoras dos investimentos, operam em pólos
regionais (ainda que relativamente mais vastos), como parece ser o caso do conjunto
«Japão – Tigres Asiáticos – ASEAN 1 » para a maior parte dos investimentos das
empresas japonesas, que, aliás, dominam os fluxos de investimentos diretos estrangeiros
nessa área.
Portanto, a nível da estruturação do espaço econômico internacional, embora não
desprezando as aspirações a buscar blocos regionais mais amplos, cabe o registro de que
a instância nacional continua a ocupar um lugar essencial na economia mundial
contemporânea, não só em razão dos laços forjados pela cultura e pela história, como
também pela ação do Estado nacional. Este, é certo, encontra-se, muitas vezes, limitado
pela liberação e desregulamentação (que surgem, por sua vez, como subprodutos da
globalização). Assim, o Estado passa a atuar no sentido de promover a valorização dos
recursos humanos e do ambiente logístico das empresas, propiciando a ambiência
favorável ao investimento e à geração de empregos. Logo, não se pode pensar a
globalização como um estado, mas antes como um processo, que pode se deter a nível
da Tríade, mas também pode transcendê-la abarcando outras áreas da economia
mundial.
De outro modo, RODRIK (2010, pp. 275 2 e 276) entende a globalização como o
aumento da integração do comércio e das finanças. A globalização apresenta às distintas
economias tanto oportunidades quanto desafios. De acordo com este autor, o lado
positivo da globalização consiste no fato de que a expansão global dos mercados
promete uma maior prosperidade através da divisão do trabalho e da especialização com
base na vantagem comparativa. Este aspecto reveste-se de um maior grau de
importância e de especial significado para os países/economias da Periferia/
Semiperiferia, possibilitando-lhes o acesso a bens de capital e à tecnologia ao nível do
estado da arte.
Entretanto, segundo assinala RODRIK (2010, p. 276), a globalização limita a
capacidade dos Estados nacionais em levantarem instituições regulatórias e
distributivas. Contudo, por outro lado, a globalização irá exigir instituições nacionais
fortes. De fato, é bem provável que nunca antes fosse tão necessária a presença de
instituições nacionais fortes como na globalização. Na realidade, as políticas de carácter
social, as enormes capacidades dos intermediários financeiros em driblar toda e
qualquer regulação ou controle governamental e a gestão macroeconômica nunca foram
1 Associação de Nações do Sudeste Asiático.
tão necessárias, mas ao mesmo tempo tão difíceis de serem implementadas. Neste item
em particular, a tarefa é mais árdua para as economias periféricas/semiperiféricas,
detentoras de tecidos institucionais mais débeis.
Haveria, na verdade, como registra RODRIK (2010, p. 276), uma contradição surgida
no bojo do processo de globalização entre os mercados (tendencialmente globalizados)
e as instituições (vincadamente nacionais). Na verdade, tal corresponderia à relação
antagônica «Estado-nação X Mercados Globais», ou seja, ao acirramento das
contradições advindas/acirradas do processo de globalização e com os estados e as
economias nacionais a perceberem que necessitam manter um mínimo de controle sobre
a sua base produtiva, industrial e tecnológica, bem como sobre o seu arcabouço político-
institucional em termos de iniciativas de carácter regulatório e no contexto das políticas
públicas. Todas essas contradições, assim como o exacerbamento das mesmas,
provariam que o Estado-nação encontra numerosas áreas de justificação/legitimação
para a sua existência e ação, devendo-se fortalecer, justamente, no momento em que se
acirra a globalização, em função da sua capacidade regulatório-interventora e do seu
cariz eminentemente público-gestionário.
Para RODRIK (2010, pp. 277 - 279), a economia mundial está longe de ser um mercado
global sem fronteiras em que as mercadorias, serviços e ativos fluam através das
fronteiras nacionais sem qualquer tipo de restrição. Na verdade, até que ponto os
Estados-nação foram realmente despojados de todos os poderes e capacidades? De fato,
há que constatar que se está muito longe de um mundo em que os mercados de bens,
serviços e fatores de produção estejam perfeitamente integrados, basta citar que existe
uma elevada correlação entre as taxas de investimento nacional e a taxa nacional de
poupança, para além de uma grande dependência das primeiras face à esta última. Por
outro lado, registra-se uma forte ausência a nível das transações de bens de capital, isto
comprovando que a integração econômica tem ficado aquém dos níveis
previsionalmente apontados (em termos teóricos ou mesmo a nível de valores) pelos
globalistas mais eufóricos.
Por outro lado e levando-se em consideração as análises e comentários de Nouriel
Roubini em entrevista a FUCS (2009, s/p.), a crise iniciada em 2008 é a pior já vivida
pelos Estados Unidos da América e pelos demais países pertencentes ao «Núcleo
Orgânico Central» do capitalismo desde a Grande Depressão de 1929. Nesta, registrou-
se um encolhimento para 20% ou mais na economia. A crise atual não seria tão trágica.
Contudo, mesmo no contexto de uma recessão e de uma crise bancária que durem dois
anos, a crise será muito mais séria e longa que qualquer outra crise nos últimos quarenta
ou cinquenta anos. Os impactos ultrapassam o centro do capitalismo e podem chegar
aos países emergentes da Semiperiferia, mormente aos que compõem o grupo BRIC
(Brasil, Rússia, Índia e China), aumentando os riscos das economias emergentes
enfrentarem uma aterrisagem brusca e de se entrar, de fato, numa recessão global.
Entretanto, ROUBINI (2011, s/p.) aponta para o agravamento da crise na Eurozona, que
correria um sério risco de se desmantelar caso os problemas vividos por Espanha e Itália
viessem a se agravar. A concepção de ROUBINI (2011, s/p.) é que o pior só poderia ser
evitado através da adoção simultânea de três medidas, a saber: 1 - a entrada do Banco
Central Europeu (BCE) com uma política de empréstimos sem fim à vista, com fonte de
liquidez ilimitada e com juros nos 0%; 2 – a ocorrência de estímulos à economia alemã
(núcleo e motor da Eurozona) e 3 - os países com economias mais frágeis concordarem
em somar austeridade a mais austeridade. O fundamental seria recuperar a
competitividade externa e o crescimento económico, mas a Eurozona não tem
emprestadores credíveis.
Por outro lado, ROUBINI (2011, s/p.) observa que a Eurozona poderia sobreviver com
a reestruturação da dívida e a saída de um país com uma economia de porte reduzido
(Portugal ou Grécia). Contudo, se a reestruturação/saída envolver países como a
Espanha ou Itália, estará se gerando o desmembramento da Eurozona, desastre em
câmara lenta cada vez mais perto de ocorrer.
Entretanto, as eventuais soluções apontadas por ROUBINI (2011, s/p.) parecem
distantes do realizável. São elas, a saber: 1 - repor o crescimento e a competitividade
através de um euro mais fraco e de políticas de estímulo nos países centrais; 2 -
diminuir a inflação para os países periféricos; 3 - financiar os países mais pequenos
infinitamente. A alternativa à não implementação dessas medidas seria acabar com o
euro. Em outros termos, caso não se consiga desvalorizar o euro, nem crescer, nem
diminuir a inflação, a única solução seria abandonar o euro e regressar às moedas
nacionais.
Para ROUBINI (2012b, s/p), o agravamento da crise grega pode arrastar países como
Portugal, Espanha e Itália ou mesmo alcançando o core da União Européia, sendo
possível (e desejável) manter a Grécia na Eurozona ou assegurar-lhe uma saída gradual
(não dramática) do contexto da moeda única européia, o que significaria manter à ajuda
financeira à Atenas, ainda que o país regresse à sua antiga moeda (Dracma). O risco da
implosão da Eurozona é real e afetaria a Alemanha (o motor da Eurozona e da Europa),
uma vez que a Eurozona absorve 42% das exportações alemãs e a recessão das
economias europeias quase colapsadas prejudicaria enormemente a própria economia
alemã. De fato, de acordo com dados avançados, no início de Junho de 2012, pelo
Instituto Federal de Estatística (Destatis), registrou-se uma queda acentuada, no
primeiro trimestre de 2012, nas exportações da Alemanha para Espanha, Grécia, Itália e
Portugal. Na comparação entre o primeiro trimestre de 2012 com o período homólogo
do ano transato, o significativo recuo das exportações alemãs para cada uma dessas
economias foi o seguinte: Espanha (7,8%); Grécia (9,8%); Itália (7,6%) e Portugal
(14,0%).
Globalização e Estado-Nação
Em razão do que é apontado por HELD ET AL (2002, p. 18), O Estado moderno é, de
fato, o Estado-nação. Este, por sua vez, constitui-se em um aparato político que se
mostra distinto tanto do governante como do governado, exercendo a jurisdição
suprema sobre uma área territorial delimitada. O exercício desta, por seu lado, repousa
na exigência de um monopólio do poder coercitivo. Este aspecto faz com que o Estado-
nação passe a desfrutar de uma legitimidade, a qual, por sua vez, surge como resultado
de um nível mínimo de apoio/lealdade de seus cidadãos. Desse modo, o Estado-nação se
respalda não apenas no exercício do poder coercitivo (e na capacidade de o exercer),
mas também na legitimação junto aos seus nacionais. Assim sendo, o Estado-nação
moderno e suas implicações inovadoras (territorialidade, controle monopolizador dos
meios de coerção/violência, estrutura de poder impessoal e exigência particular de
legitimidade) marcam a fixação gradual das fronteiras e dão o mote para a constituição
da sociedade internacional de Estados (Estados-nação). A questão é saber se existe
alguma razão quanto ao discurso da débâcle do Estado-nação em razão da globalização.
Para além das pressões de ordem econômica/financeira e do seu relativo
enfraquecimento face à “nova” ordem econômica mundial, fruto muito mais da
desregulação neoliberal do que propriamente de um sistema mundial já existente
(approach wallersteiniano), estaria o Estado-nação condenado à extinção?
Para HELD ET AL (2002, pp. 544 - 549), a globalização contemporânea não implica,
necessariamente, na erosão do poder do Estado ou no desaparecimento do Estado-
nação, mas antes na sua transformação/reconversão. Na verdade, o argumento histórico-
globalista (que vê a globalização como um processo anterior à emergência do
capitalismo) assinala que assim como as primeiras formas históricas de globalização
associaram-se a formas particulares de formação/transformação dos Estados, na época
contemporânea os processos de globalização encontrar-se-iam também associados com
uma transformação/reconstituição dos poderes do moderno Estado-nação. De fato,
concebe-se o moderno Estado-nação em razão de elementos-chave a ele afetos, a saber:
funções, papel, autoridade, autonomia e soberania, com as pautas do atual processo de
globalização a implicar numa significativa renegociação dos elementos relacionados à
soberania/autonomia do Estado-nação. Isto implicaria em inovações institucionais, no
surgimento/recrudescimento da concorrência comercial a nível global e no
desenvolvimento de redes globais de produção, conduzindo ao
estabelecimento/fortalecimento do primado da competitividade e da consequente
necessidade de se fazer guiar a economia e a base produtivo-tecnológica nacional em
função da vantagem comparativa/competitiva no contexto de uma ordem econômica
global.
Isto, por conseguinte, consoante o alerta de HELD ET AL (2002, pp. 549 e 550),
conduzirá a uma preocupação muito mais intensa com relação à reorganização do
Estado (e não raras vezes à redefinição do seu papel/atribuição), à reestruturação das
instituições burocráticas domésticas e ao estabelecimento de um novo padrão de
eficiência económica nacional/ corporativa, assim como o surgimento de uma nova
Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Em razão destes aspectos, torna-se necessário
arquitetar/implementar novas modalidades de coordenação política e de organização
burocrática nacionais para administrar a internacionalização dos processos de tomada de
decisões. Tudo isto a contemplar a possibilidade de ocorrência de fraturas sócio-
políticas e sócio-econômicas, bem como de rupturas a nível da redefinição das divisões
sociais/políticas de poder (as correntes protecionistas X as correntes liberais em termos
de comércio internacional) e ainda em termos do surgimento de novas formas de
desigualdade ou outras que pareciam há muito superadas.
Estes aspectos impactariam principalmente as economias pertencentes ao «Núcleo
Orgânico Central» do capitalismo. Há, de fato, de acordo com o que é assinalado por
HELD ET AL (2002, pp. 550 e 551), uma reconfiguração/transformação a nível do
Estado-nação e, no interior deste, em termos do papel/redimensionamento do Estado
face à economia, à sociedade e ao mercado. O argumento que aqui se apresenta,
portanto, é de que a globalização econômica não está a enfraquecer o poder do Estado e,
logo, pondo em xeque o próprio Estado-nação. Contudo, na visão deste trabalho,
preocupa-se em salientar se a globalização não estaria a comprometer a
soberania/autonomia dos Estados nacionais, que são, por sua vez, as manifestações
máximas/inequívocas daquilo que se convencionou denominar de Estado-nação. A
questão que aqui se coloca é se a globalização não estaria a subverter a própria
soberania do Estado-nação, isto é, se os impactos a nível regional/mundial ou
regional/global estariam a definir, a nível supranacional, uma nova ordem com base
num sistema múltiplo de poder, na qual o Estado-nação assegurasse a sua soberania ou
se, pelo contrário, haveria riscos reais à soberania ou mesmo à sobrevivência do Estado-
nação.
Em outros termos, estaria o Estado-nação a passar por um processo de
transformação/redefinição a nível de suas funções/atribuições fundamentais? Por outro
lado, indagar-se-ia o seguinte: o Estado-nação não estaria a ser superado por novos
arranjos a nível político-institucional que se coadunariam melhor com o dito processo
de globalização? Por fim, ao tentar responder a essas duas questões lançar-se-ia uma
colocação alternativa, ou seja, de que em termos da relação entre o Estado-nação e o
denominado processo de globalização, haveria uma aparente contradição, a saber:
quanto mais intenso se mostrar o designado processo de globalização maior será a
necessidade de um Estado-nação forte, presente e atuante. De fato, como bem observa
RODRIK (2010, p. 276), o antagonismo entre os mercados globais e o Estado-nação
induz à necessidade premente das economias nacionais em manter um mínimo de
controle sobre a sua base produtiva, industrial e tecnológica, bem como sobre o seu
arcabouço político-institucional em termos de iniciativas de carácter regulatório e no
contexto das políticas públicas. A presença dessas contradições, bem como o seu
extremo acirrar, mostra que o Estado-nação encontra numerosas áreas de
justificação/legitimação para a sua existência e ação, devendo-se fortalecer, justamente,
no momento em que se acentua o nomeado processo de globalização, notadamente no
campo da regulação, coordenação e mesmo intervenção.
Na realidade, o que ocorre é que o designado processo de globalização, aqui visto como
algo despojado de ineditismo e como mais uma etapa do desenvolvimento do
capitalismo enquanto sistema histórico, ou seja, a economia sistema-mundo capitalista,
no contexto do approach wallersteiniano, se por um lado exerce pressões sobre o
Estado-nação e seu respectivo poder de ação/intervenção, por outro, exige uma presença
cada vez maior do mesmo a nível governativo-regulatório, nacional-desenvolvimentista
e estatal-planificatório. Na verdade, o Estado-nação, malgrado o peso enorme dos
impactos adversos oriundos do designado processo de globalização, não se parece
esboroar, quanto mais não seja enquanto idéia/conceito. A ocorrência do chamado
processo de globalização a nível da economia mundial torna o Estado-nação e todo o
seu manancial de ferramentas técnicas, institucionais, políticas e econômicas, tais como
as várias modalidades de políticas públicas, a saber: industrial, tecnológica e tarifária; a
estratégia de desenvolvimento e o planejamento estratégico estatal/governamental cada
vez mais necessários/precisos (com certeza mais do que antes) de modo a
buscar/promover a inserção ativa/dinâmica de um dado país/economia no contexto da
economia mundial capitalista, desta feita em plena etapa da nomeada globalização.
Portanto, ao contrário do que apregoam os ideais globalistas/liberais, o Estado-nação é
ainda necessário (na realidade, extremamente necessário), notadamente no que diz
respeito a promover a inserção ativa das economias, mormente as da
Periferia/Semiperiferia, no contexto da economia mundial (o capitalismo na etapa da
nomeada globalização), a alavancar processos de desenvolvimento baseados no
trinômio «Indústria – Inovação - Tecnologia», principalmente no que se refere aos
países periféricos/semiperiféricos, com destaque para os denominados emergentes e a
neutralizar os impactos adversos da globalização e dos mercados globais desregulados
sobre essas economias. Assim sendo, não se vê como se possa riscar da história o
Estado-nação, não apenas em razão do anteriormente escrito, mas também porque torna-
se necessária a definição de uma série de normas/regras a definir com clareza os papéis
a serem desempenhados pelos diversos agentes a nível da economia/institucionalidade
doméstica e internacional, bem como das possíveis redefinições em termos do aparelho
produtivo, da base tecnológica e do sistema de inovação. De fato, caso se venha a
pensar nas economias da Periferia/Semiperiferia, somente no âmbito de um Estado-
nação forte é que as mesmas conseguirão delinear/implementar projetos sustentados de
desenvolvimento.
Industrialização/Desindustrialização da Semiperiferia
De acordo com MOUHOUD (2007, pp. 2 - 3), os processos de deslocamento da
produção ocorrem fundamentalmente em razão da lógica de fragmentação dos processos
produtivos, fato, por exemplo, facilmente observável na indústria automobilística e no
ramo têxtil-vestuário, uma vez que as firmas, na realidade, raramente deslocalizam a
totalidade do seu processo de produção, mas de preferência apenas partes/módulos.
Neste ponto cabe registrar a ocorrência de mudanças significativas nestes últimos anos.
Assim, no que diz respeito à indústria automobilística, certas atividades até agora
reservadas à matriz, passam a ser progressivamente transferidas para as filiais, também
migrando da empresa montadora (matriz ou filial) para as empresas produtoras de
peças/componentes, notadamente com relação às atividades de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), de concepção e mesmo de design. Para o processo de
globalização compreenderia, para além de outros elementos, os fluxos tecnológicos e de
conhecimentos. Neste ponto cabe assinalar que ao contrário do que ocorria no passado,
as firmas, hoje, já não guardam sistematicamente as suas actividades de produção de
conhecimentos, baseadas em esforços de P&D, no seu próprio país, deslocando-os
quando isto se faz necessário.
Na realidade, conforme é apontado por MOUHOUD (2007, p. 3), no contexto da
globalização, a transnacionalização de empresas processa-se no âmbito da difusão das
tecnologias da informação e comunicação (TIC) e principalmente no domínio da
entrada das economias desenvolvidas no que se convencionou denominar de economia
do conhecimento (também dita economia do saber). Observa-se que até o final da
década de oitenta, as firmas/empresas desenvolviam as actividades de produção no
exterior, através da transferência de know how (acordos de joint-venture) e pela
concessão de licenças e o registo de patentes Contudo, as firmas/empresas mantinham
as suas actividades de inovação no seu país de origem e deslocavam somente as suas
outras funções, a saber: produção, montagem e distribuição.
De fato, de acordo com o que é assinalado por MOUHOUD (2007, p. 3), as empresas
transnacionais quando realizavam investimentos em P&D no exterior, faziam-no apenas
com o fito de melhorar os produtos a fim de adaptá-los às características/condições da
demanda local das suas filiais. As empresas transnacionais foram abandonando
progressivamente esta prática tradicional. Dito de outro modo, as empresas
transnacionais passariam a desenvolver novas estratégias Em razão disto a parcela das
actividades afetas à P&D instaladas além-fronteiras acelerou-se em finais da década de
oitenta. Logo, as empresas transnacionais tendem a organizar as suas actividades de
inovação num mundo transnacional/global. Contudo, esta evolução circunscreve-se ao
domínio das firmas/empresas de maior dimensão e a um número relativamente restrito
de domínios, beneficiando essencialmente os países pertencentes ao core da economia
sistema-mundo e também os grandes países emergentes da Semiperiferia, a saber: China
e Índia.
O Brasil, país emergente da Semiperiferia, economia do G-20 e tradicionalmente
situado entre as 10 principais economias industrializadas do mundo, assim como já
ocorreu ou vem ocorrendo com outros países semiperiféricos e com economias ligadas
ao «Núcleo Orgânico Central» do capitalismo, notadamente as economias mais débeis
do espaço europeu, como é o caso, por exemplo, de Portugal, vem também passando
por um processo de desindustrialização. De fato, conforme é observado por RICUPERO
(2007, s/p.), o Brasil estaria a passar pela desindustrialização precoce, ou seja, a variante
patológica da denominada desindustrialização positiva. Esta, por seu lado, ocorreria a
partir do momento em que a industrialização completara, de forma exitosa, o processo
de desenvolvimento, alcançando, em termos autosustentáveis, níveis elevados de renda
per capita. Quando isto ocorre, inicia-se o declínio relativo do setor industrial em
termos de proporção do produto e de emprego. A desindustrialização positiva ocorreria
num contexto de crescimento acelerado, pleno emprego e elevado nível de renda per
capita. Já a desindustrialização patológica estaria presentes em economias de reduzido
crescimento, desemprego em massa e reduzidos níveis de rendimento per capita.
Em outras palavras, antes de transitar para uma economia com um nível mais elevado
de desenvolvimento, dotada de um setor de serviços dinâmico e capaz de absorver a
mão-de-obra expulsa da indústria, já estaria a ocorrer o processo de desindustrialização.
Por outro lado, a desindustrialização patológica não seria um fenômeno exclusivo da
economia brasileira, ocorrendo, desde a crise da dívida externa dos anos oitenta, em
numerosas economias da África, América Latina e do Oriente Médio. Valendo-se do
Trade and Development Report da UNCTAD (2003), RICUPERO (2007, s/p.) observa
que haveria diversos grupos de países que poderiam ser considerados/arrolados com
relação ao processo de desindustrialização, dos quais destacar-se-iam, a título de
ilustração/comparação, apenas dois. Em primeiro lugar, destaca-se o grupo original e
mais avançado dos denominados Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e
Hong Kong), notadamente a Coréia do Sul e Taiwan, que já teriam alcançado um
adiantado nível da maturidade industrial por intermédio de uma série de evidências
(rápida acumulação de capital, crescimento do emprego em geral, aumento da
produtividade industrial, elevação do emprego na indústria e expansão das exportações
de bens industrializados).
Nessas economias, segundo registra RICUPERO (2007, s/p.), o percentual de
participação da produção industrial no total do PIB é bem superior ao que se encontra
nas economias industrializadas maduras, mas o rítmo da expansão da capacidade
produtiva e da produção no setor industrial desacelerou-se muito comparativamente ao
que se verificava em décadas passadas. Para além dessa categoria de países, há a
considerar também a daqueles que alcançaram um razoável nível de industrialização
mas, no entanto, se mostraram incapazes de assegurar, de forma sustentada, um
processo dinâmico de aprofundamento industrial num contexto de crescimento
acelerado. Este, por exemplo, seria o caso da Argentina e de modo muito menos grave,
o do Brasil. Na economia argentina e na brasileira verifica-se a ocorrência de uma série
de elementos que comprovam a fraca sustentabilidade industrial (o fraco desempenho
do investimento, a perda da importância relativa da indústria no emprego total e no
valor adicionado, o crescimento da produtividade resultou mais da redução da mão de
obra que da acumulação rápida e do progresso técnico, o upgrading industrial é ainda
limitado e as exportações continuam dominadas por produtos primários e manufaturas
de baixo valor agregado).
De acordo com o que é assinalado por RICUPERO (2007, s/p.), nas economias de
Argentina e Brasil, o avanço em certas indústrias (aeronáutica e automobilística, por
exemplo) não apresentou o nível necessário de vigor e o grau preciso de profundidade
para impactar o restante tecido industrial, de modo a que se pudesse estabelecer, no
domínio da indústria como um todo, um processo dinâmico de incorporação e de
difusão/disseminação de alta tecnologia na indústria. Na verdade, não é apenas a
acumulação de capital por si só que garante o êxito de uma economia, mas os ganhos de
produtividade a longo prazo. De fato, sabe-se que a acumulação de capital e o
crescimento sustentado encontram-se sempre associados a mudanças estruturais na
produção e no emprego, originadas quer pela expansão/diversificação das atividades
económicas (da agricultura à indústria e desta aos serviços) quer pela passagem para
atividades de maior valor adicionado no interior de cada setor, através da introdução de
novos produtos/processos. Entretanto, cabe observar que existem diferenças
significativas entre os vários setores no que diz respeito aos respectivos potenciais de
cada um deles em termos de progresso tecnológico e aumento da produtividade.
Logo, segundo observa RICUPERO (2007, s/p.), a indústria apresenta um grande
potencial no que diz respeito a promover um forte crescimento da produtividade e da
renda. A indústria, do lado da oferta, mostra propensão para o desenvolvimento de
economias de escala, para a especialização e o aprendizado, enquanto do lado da
demanda a indústria dispõe de condições globais de mercado/preços em geral mais
estáveis/favoráveis do que os produtos primários, sujeitos a frequentes oscilações e
apresentando uma certa tendência ao declínio a la longue. Assim sendo, existe uma
íntima relação entre industrialização/produtividade, com enormes vantagens em se
manter uma forte base industrial. Contudo, não foi isso que aconteceu com as
economias latino-americanas, principalmente a partir da crise da dívida da década de
oitenta. Em função disso, a América Latina reduziu significativamente o seu nível de
investimento e de formação de capital, ficando aquém do nível desejável para as
economias em estágio intermédio de desenvolvimento. Com essa situação, as
economias latino-americanas estavam mal preparadas para a liberalização e a integração
na economia global, com inúmeros setores industriais mostrando-se incapazes de reagir
à liberalização e à entrada de produtos importados (hegemonia absoluta do trading
sobre a produção doméstica), com reflexos claros sobre as baixas taxas de crescimento
do PIB.
De acordo com o que é assinalado por RICUPERO (2007, s/p.), o acirrar da
transnacionalização em razão do aprofundamento do dito processo de globalização, em
termos de mercados, empregos e tecnologia implicaria numa posição bastante
desfavorável para as economias latino-americanas. Por outro lado, este quadro, já em si
bastante adverso, foi profundamente agravado pelas privatizações de algumas (ou
diversas) empresas estatais, notadamente as que assumiam a responsabilidade (em
conjunto com universidades e instituições públicas) pela maior parte dos gastos em
pesquisa tecnológica em áreas como as telecomunicações e a energia (no caso do Brasil
o percentual era de 80%). Na realidade, a vertente «Liberalização-Privatizações-
Desestatização» conduziu à muita destruição e à muito pouca criação, o que desmente a
apropriação cínica e enganosa do conceito shumpeteriano de destruição criadora por
parte do pensamento neoliberal. Com isso. Assiste-se ao retrocesso na geração local de
tecnologia, com o consequente aumento da uma dependência tecnológica, dispendiosa e
comprometedora da própria soberania do Brasil e demais países da América Latina.
A consequência, para RICUPERO (2007, s/p.), é uma significativa alteração na
composição da produção e da própria pauta de exportações, que passa a se concentrar,
de uma forma mais notória do que no passado, em produtos originários de recursos
naturais (matérias-primas, produtos intermediários e mesmo bens de base primária),
passando a ficar longe dos produtos de maior valor agregado, mais elevado nível de
sofisticação tecnológica e com um maior potencial no que diz respeito ao crescimento
da produtividade. Em razão deste fato, países semiperiféricos a apresentar um nível
bastante razoável de industrialização, com uma significativa pauta
produtora/exportadora em termos de bens manufaturados/transformados e que outrora já
foram denominados de Novos Países Industrializados (NPI), como é claramente o caso
do Brasil, mostram uma oferta extremamente limitada face a bens de alta tecnologia e
de elevado valor agregado, que se apresentem como capazes de competir com os
produtos asiáticos em mercados altamente competitivos como a Europa e os Estados
Unidos da América, constituem-se em casos raros/pontuais. É exemplo disto a indústria
aeronáutica brasileira, surgida/desenvolvida como política de Estado e privatizada sem
alcançar os níveis básicos de maturação competitiva.
Considerações Finais A transnacionalização das empresas oriundas dos países pertencentes ao core do
capitalismo sistema-mundo, principalmente no que diz respeito a setores de elevado
nível de incorporação tecnológica, ocorrida no contexto da globalização, beneficiaria,
de certa forma, a industrialização e o uprade tecnológico-industrial de determinadas
economias semiperiféricas, com destaque para China e Índia. Tal o correu no que diz
respeito ao deslocamento da concepção e das atividades de P&D para a Semiperiferia
do capitalismo, conforme ocorreu em termos de diversos setores da indústria,
principalmente da automobilística. No caso específico da China, a acompanhar as novas
configurações assumidas pelo deslocamento das empresas transnacionais teve-se o
capital estatal chinês como sócio majoritário dos empreendimentos surgidos dos
investimentos diretos internacionais, a capacitação de mão-de-obra, a estratégia de
transferência/capacitação a nível de engenharia, organização e tecnologia, a
formatação/montagem de empresas nacionais olhando a parâmetros de ordem
tecnológica, produtiva e organizacional, a promoção de migrações de carácter
tecnológico e de know how para essas empresas, etc.
Contudo, no caso de outras economias semiperiféricas, o ocorrido ficaria muito aquém
da dinâmica citada no parágrafo anterior. No caso do Brasil e demais países da América
Latina e do Caribe (México e Argentina, por exemplo), as dimensões/possibilidades de
mercado e a inexistência de uma estrutura/ação de cunho estratégico-planificatório
arrefeceram substancialmente o ímpeto do processo de alavancagem industrial e
tecnológica verficado em economias semiperiféricas asiáticas (principalmente China e
Índia). Por outro lado, a ausência da componente nacional-estratégica e de uma
perspectiva de integração ativa na economia mundial, bem como de
reforço/complementação da base industrial, tornaria essas economias suscetíveis à
concorrência industrial de outros países, não apenas daqueles pertencentes ao «Núcleo
Orgânico Central» do capitalismo, mas também de outros países emergentes da
Semiperiferia, principalmente da China. Isto conduziria a processos de
desindustrialização via a impossibilidade de concorrência face os produtos chineses, que
se manifestaria em termos da quebra de empresas autóctones. O Brasil, por exemplo,
desde inícios dos anos noventa que passa por um processo de industrialização, que
implica na reprimarização da sua economia e da sua pauta de exportações, naquilo que
poderia ser tomado como um autêntico retrocesso.
Assim sendo, todo o contexto advindo do denominado processo de globalização traz
grandes desafios para os países periféricos/semiperiféricos. Se no caso dos países
emergentes da Semiperiferia houve aspectos positivos a se ter em linha de conta,
notadamente nos casos de Índia e China, em outros, pelo contrário, apesar dos sinais
aparentes de uma significativa prosperidade (assente no crédito e no consumismo), os
indicadores adversos preocupam muito mais. De fato, tomando-se como exemplo o caso
do Brasil, a desindustrialização é já notória, com algumas implicações que já se fazem
sentir e outras que só se farão presentes a médio/longo prazo. A desindustrialização, no
caso de uma economia não madura, de industrialização incompleta, a dispor de uma
base produtivo-industrial não articulada e com uma participação ínfima de setores com
elevado nível de incorporação tecnológica, não representa apenas o retrocesso, mas
antes a impossibilidade de promover novos processos de substituição de importações
que tomem como objeto a instalação, no País, de segmentos altamente sofisticados do
ponto de vista tecnológico, acentuando-se os elos entre industrialização e capacitação
tecnológica.
Por outro lado, ainda considerando o caso do Brasil e de muitos outros países
periféricos/semiperiféricos, como os da América Latina e Caribe, há que considerar a
questão da educação e da capacitação/qualificação da mão-de-obra. Na realidade,
construir uma economia industrial/tecnológica moderna implica em dotar o país e sua
base produtiva de uma mão-de-obra educada, capacitada e altamente qualificada. De
fato, ao apontar para o possível surgimento de novos/muitos motores da economia
global, ROUBINI (2012a, s/p), que tomava como exemplo certas economias da Ásia
Central, observou que se forem feitos os ajustes necessários em suas economias, esses
países terão um futuro muito longo, assim como a sua influência no contexto econômico
mundial. Contudo, destacaria que tais países necessitam de uma classe trabalhadora com
qualificações e com capacidade competitiva. Isto implica, como é óbvio, em
grandes/eficientes investimentos em educação, capacitação e qualificação. Esses
elementos, em conjunto, explicariam o porquê de certos países semiperiféricos terem
conseguido construir uma interação ativa a nível da economia mundial, edificando bases
industriais/tecnológicas modernas e mesmo avançadas (o caso dos Tigres Asiáticos e da
China), enquanto outros entram num processo de desindustrialização e reprimarização
da sua base produtiva e da composição de suas exportações (como parece ser o caso do
Brasil).
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