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Maria Luísa de Castro Vasconcelos Gonçalves Jacquinet DOS MONUMENTOS DO DESAGRAVO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO: ARTE, PODER E ESPIRITUALIDADE NO PORTUGAL DO ANTIGO REGIME Volume I Tese de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de História da Arte, orientada pelo Professor Doutor António Filipe Pimentel e pela Professora Doutora Maria Alexandra Gago da Câmara e apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Novembro de 2013

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Page 1: eg.uc.pt DOUT VOL I... · 2020. 5. 25. · IV ÍNDICE GERAL VOLUME I Agradecimentos..............................................................................................................VIII

Maria Luísa de Castro Vasconcelos Gonçalves Jacquinet

DOS MONUMENTOS DO DESAGRAVO DO SANTÍSSIMOSACRAMENTO: ARTE, PODER E ESPIRITUALIDADE NO

PORTUGAL DO ANTIGO REGIMEVolume I

Tese de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de História da Arte, orientada pelo ProfessorDoutor António Filipe Pimentel e pela Professora Doutora Maria Alexandra Gago da Câmara e apresentada àFaculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Novembro de 2013

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Maria Luísa de Castro Vasconcelos Gonçalves Jacquinet

DOS MONUMENTOS DO DESAGRAVO DO SANTÍSSIMOSACRAMENTO: ARTE, PODER E ESPIRITUALIDADE NO

PORTUGAL DO ANTIGO REGIMEVolume I

Tese de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de História da Arte, orientada pelo ProfessorDoutor António Filipe Pimentel e pela Professora Doutora Maria Alexandra Gago da Câmara e apresentada àFaculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Novembro de 2013

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IV

ÍNDICE GERAL

VOLUME I

Agradecimentos..............................................................................................................VIII

Sinopse................................................................................................................................X

Siglas e abreviaturas.......................................................................................................XIV

Introdução............................................................................................................................1

PARTE I

O NASCIMENTO DE UMA FAMÍLIA RELIGIOSA

1. Uma fundação num terreno fértil: a Venerável Maria do Lado.......................................7

2. Do desacato ao desagravo do Santíssimo Sacramento: contornos da piedade

eucarística...............................................................................................................20

3. Um longo processo fundacional.....................................................................................26

4. A Regra do Desagravo (O.S.C.)

4.1. Fontes normativas e textos legais....................................................................41

4.2. Regra e codificação material ..........................................................................50

PARTE II

O REAL MOSTEIRO DO LOURIÇAL: DO ESPÍRITO À MATÉRIA

1. Preexistências e substratos ............................................................................................59

2. O Mosteiro à época da fundação....................................................................................60

2.1. Perante o fato consumado ..............................................................................65

2.2. Um voto e uma obra alheia ............................................................................67

2.3. Um novo fôlego mecenático ..........................................................................71

2.4. Em busca de Manuel Pereira (C.O.), arquiteto .............................................79

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V

3. Arte e espiritualidade ....................................................................................................80

3.1. Expressões arquitetónicas

3.1.1. Entre interior e exterior ...................................................................90

3.1.2. O templo ..........................................................................................91

3.1.2.1. Coros ..........................................................................................102

3.1.3. Em torno do templo .......................................................................106

3.1.4. Espaços de devoção .......................................................................108

3.1.5. Espaços de sobrevivência temporal ...............................................111

3.1.6. O claustro.......................................................................................113

3.1.7. O exterior da clausura ...................................................................114

3.2. Programa artístico e património móvel ........................................................116

PARTE III

A DIFUSÃO DO INSTITUTO DO LOURIÇAL

1. O reinado de D. Maria I e a recuperação da causa de Maria do Lado .....................126

2. O Recolhimento do Desagravo de Montemor-o-Novo

2.1. Os primórdios ...............................................................................................146

2.2. Acertos e desacertos do destino ...................................................................148

2.3. Sob as atenções da Corte ..............................................................................154

2.4. Da decadência à extinção.............................................................................158

2.5. Um longo estaleiro de obras .........................................................................161

2.6. O recolhimento: arquitetura e património integrado

2.6.1. O templo ........................................................................................168

2.6.2. Coros .............................................................................................169

2.6.3. Em torno do templo .......................................................................172

2.6.4. Espaços de sobrevivência temporal .............................................174

2.6.5. O claustro ......................................................................................175

2.7. Programa artístico e património móvel ........................................................176

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VI

3. O Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira

3. 1. O Desagravo em Vila Pouca da Beira .........................................................179

3. 2. Genoveva Maria do Espírito Santo e a ideia de fundar ............................180

3. 3. Uma longa história fundacional ..................................................................190

3. 4. Da fundação ao ocaso: retalhos de uma vida breve e atribulada ...........195

3. 5. Entre hospício e mosteiro: duas obras, uma vocação? .............................200

3. 6. O mosteiro: arquitetura e património integrado ..........................................205

3.6.1. Templo ..........................................................................................205

3.6.2. Coros .............................................................................................206

3.6.3. Em torno do templo .......................................................................208

3.6.4. Capelas devocionais ......................................................................208

3.6.4. Espaços de sobrevivência temporal ..............................................209

3.6.5. O claustro ......................................................................................210

3.7. Programa artístico e património móvel ........................................................211

4. O “Conventinho”

4.1. Preexistências e passagens de testemunho ...................................................214

4.2. O Campo de Santa Clara: um retorno simbólico ........................................225

4.3. De beatério a Real Mosteiro .........................................................................227

4.4. Um percurso de acentuado declínio .............................................................237

4.5. Uma obra num tempo de mudança ..............................................................242

4.6. Etapas e intervenientes .................................................................................245

4.7. Em torno da autoria ......................................................................................253

4.8. O mosteiro: arquitetura e património integrado...........................................260

4.8.1. O templo ........................................................................................262

4.8.2. Coros .............................................................................................268

4.8.3. Espaços de sobrevivência temporal ...............................................270

4.8.4. O claustro ......................................................................................272

4.8.5. Espaços de contato com o exterior ..............................................273

4.9. Programa artístico e património móvel .......................................................275

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VII

PARTE IV

AS DERRADEIRAS FUNDAÇÕES DO DESAGRAVO

1. Do Pombalismo à República: apostas e desafios à vida regular..................................285

2. As Clarissas do Desagravo no contexto revolucionário .............................................286

3. A Casa do Desagravo da Cova da Moura ...................................................................301

4. O Colégio de Sanguedo ..............................................................................................305

5. Percursos de resistência...............................................................................................309

Considerações finais........................................................................................................316

Fontes e Bibliografia

1. Fontes...........................................................................................................................321

1.1. Fontes Manuscritas...................................................................................................323

1.2. Fontes iconográficas.................................................................................................336

1.3. Fontes impressas.......................................................................................................339

2. Bibliografia..................................................................................................................348

VOLUME II

REPERTÓRIO ICONOGRÁFICO

Nota introdutória.................................................................................................................II

Notas cronológicas.............................................................................................................III

Índice...................................................................................................................................X

Repertório iconográfico.......................................................................................................3

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VIII

AGRADECIMENTOS

O inevitável balanço de que se reveste a consumação de um trabalho académico

traduz o discernimento e a ponderação de mais e menos-valias científicas, mas, não

menos, de créditos e dívidas pessoais e institucionais, que, contrariamente aos que apenas

se reconduzem à expressão grafada de uma tese, não contabilizam senão a mais-valia

nem respondem senão com a gratidão.

Gratidão que, em primeiro lugar, manifestamos ao Prof. Doutor António Filipe

Pimentel e à Prof.ª Doutora Maria Alexandra Gago da Câmara, nossos orientadores, cujo

empenho e sabedoria se revelaram essenciais para a consecução do que agora damos à

colação.

Gratos nos reconhecemos, naturalmente também, à Fundação para a Ciência e

Tecnologia, cuja fiança em nós depositada constituiu a garantia material da

exequibilidade desta tese.

Reconhecimento devemos, por certo, a todos aqueles que nos dispensaram direto

auxílio, expresso seja em conselhos ou sugestões, seja no acesso a fontes ou na

disponibilização de informações: à Prof.ª Doutora Sandra Costa Saldanha, ao Dr.

Joaquim Caetano, a D. Tiago de Meneses, ao Dr. Gonçalo Nemésio, ao Prof. Doutor José

Pedro Paiva, ao Prof. Doutor Francisco Pato de Macedo e às irmãs Clarissas do

Desagravo, nas pessoas da Madre Maria do Lado (OSC), Madre Fátima (OSC) e Madre

Maria José (OSC).

Pelo aplanar de dificuldades inerentes ao labor arquivístico, a que extensamente

recorremos, agradecemos à Dr.ª Fátima Farrica, à Dr.ª Odete Martins, ao Dr. Paulo

Tremoceiro e ao Dr. José Marques.

Pelo atenuar, através de um empenho feito também de boa-vontade, do peso das

não menos fatigosas andanças burocráticas a que o nosso percurso obrigou, agradecemos

reconhecidamente à Dr.ª Manuela Saraiva e ao Prof. Doutor Rogério Leal.

Pela amistosa solicitude, expressa aos mais diversos níveis, reconhecemo-nos

amplamente devedores à Prof.ª Doutora Maria Filomena Andrade, à Prof.ª Doutora Maria

de Lurdes Craveiro, à Dra. Ana Isabel Líbano Monteiro, ao Professor Doutor Pedro Vilas

Boas Tavares, ao Rev.º P.e Doutor António de Jesus Ramos, ao Prof. Doutor Saul

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IX

António Gomes, ao Dr. Joaquim Eusébio, ao Prof. Doutor António Camões Gouveia e ao

Prof. Doutor Diogo Ramada Curto.

Especial reconhecimento devemos ainda ao Rev.º P.e António Maria Amaral (SJ),

pela sempre discreta e bondosa vigilância, aos amigos que de perto nos acompanharam, a

nossos sogros, Lucie Scheffen e Joseph Jacquinet, irmãos e a toda a nossa extensa

família, muito em particular a Maria Eduarda de Castro Vasconcelos, Alda Maria de

Castro Vasconcelos e Maria da Conceição de Castro Vasconcelos.

Àqueles a quem a gratidão não encontra em palavras fiel tradução, dedicamos o

presente trabalho: a nossos Pais, Maria de Fátima e Herculano, ao Marc, à Heloísa e à

Gabriela.

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X

SINOPSE

Conquanto tibiamente abonado pela fortuna crítica, o Instituto do Desagravo do

Santíssimo Sacramento prefigura um fenómeno de relevância histórico-patrimonial não

despicienda, ao participar, como parte mas também como agente, de um tempo longo

que, inapelavelmente perpassado pelo eixo que uniu religião e poder, assinalou a vida

religiosa, cultural e política do Reino ao longo da Época Moderna e alvores da

Contemporânea.

Canonicamente inserida na Primeira Regra da Ordem de Santa Clara, a

Observância, que tão-só Portugal terá conhecido, viria a materializar-se na fundação

sucessiva, de norte a sul do país, de uma rede cenobítica marcada por uma origem,

carisma e vocação comuns.

Bem que sucessivamente confrontado com conjunturas adversas ao florescimento

da vida clausurada, o novel instituto contabilizaria seis fundações entre a primeira metade

de Seiscentos e o último quartel de Oitocentos, dando testemunho de uma resistência

institucional sem paralelo - que a revalidação canónica, ocorrida décadas após a extinção

formal, e já em pleno século XX, haveria de sufragar.

Crismado na origem pelo sentido e contornos de uma profanação eucarística, e

profundamente infundido pelo quadro cultural e espiritual da época em que sobreveio,

assinalado pela intensa devoção à Eucaristia e à Paixão de Cristo, pela influência da

teologia mística e pela indelével presença da Ordem franciscana, o Desagravo instituir-

se-ia, na íntima ligação entre piedade eucarística e integridade pátria, como manifesto

reparatório não apenas do Santíssimo Sacramento ofendido, quanto de desacatos cujo

espectro semântico se alargaria, passando a evocar, para lá de um atentado sacrílego

dirigido ao Altar, uma irreverência contra os sustentáculos morais da monarquia.

Ao cristalizar um fenómeno que se convertera em argumento, a memória da

impiedade e da sua venerável vidente ver-se-ia sucessivamente reivindicada e apropriada

como instrumento de legitimação. Tão religiosa e eclesiástica quanto política, a Regra

não ficaria, pois, alheia às inflexões da vida da diocese, do exercício do poder real ou, em

suma, do percurso individual ou coletivo de qualquer dos seus fautores.

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XI

Instâncias privilegiadas de acolhimento deste particularíssimo "topos" devocional,

a arquitetura e a arte assumir-se-iam em parte como transposição material do carisma das

Clarissas da Adoração Perpétua. Não obstante o rigorismo doutrinal preconizado e a

natural diversidade do património material associável a cada um dos cenóbios, a

peculiaridade da enunciação estatutária refletir-se-ia numa não menos peculiar expressão

patrimonial. De recorte intrinsecamente programático, ficaria vertida na ideação do

espaço monástico, na incidência temática e no timbre devocional que crismariam o

recheio artístico, na criação, enfim, de uma iconografia eminentemente sui generis, que,

como matriz sigilar, cunharia cada monumento, conferindo-lhe simbolicamente

identidade e sentido de pertença.

Palavras-chave: Clarissas do Desagravo (OSC), Antigo Regime, devoção eucarística,

relações Igreja-Estado, património monástico, misticismo

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XII

ABSTRACT

Although little contemplated by historiography, the Institute of Reparation of the

Blessed Sacrament (Desagravo do Santissimo Sacramento) represents an very

important and historically relevant phenomenon, as it stands out as part and as an agent of

an extended period of time, that marked, in terms of religion and power, the religious,

cultural and political dimension of the Portuguese Kingdom during the Modern Era and

the beginning of the Contemporary Period.

Canonically embedded in the First Rule of the Order of St. Clare, the Rule, which

only existed in Portugal, materialized in the successive creation of establishments

throughout the country, as a network of monasteries sharing a common origin, charisma

and vocation.

Despite having been successively confronted with the occurrence of adverse

situations to the flowering of the cloistered life, the new institute came to have six

establishments between the seventeenth century and the first half of the last quarter of the

nineteenth century. Therefore, it testified institutional resistance, as the canonical

revalidation proves, decades after the formal demise, in the twentieth century. Baptized in

its origin by the meaning and contours of a Eucharistic desecration and deeply infused

by the cultural and spiritual context of the era in which it appeared, characterized by an

intense devotion to the Eucharist and the Passion of Christ, by the influence of mystical

theology and the important presence of the Franciscan Order,

the Reparation represented, within the intimate connection between Eucharistic piety and

homeland integrity, a manifesto to repair not only the offended Blessed Sacrament, but

also the semantic ungodliness, which range would widen, resulting in not only a

sacrilegious attack directed at the Altar, but also an attack against the moral

underpinnings of the monarchy.

By crystallizing a phenomenon that had been converted into an argument, the

memory of impiety and its venerable seer would be successively claimed and

appropriated as an instrument of legitimization. The Rule, being not only religious and

ecclesiastical but also political, would end up revealing the changes in the life of the

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XIII

diocese, the exercise of royal power or, in short, the individual or collective route of any

of its instigators.

As privileged ways to host this devotional "topos", architecture and art have taken

a partial place as the material representation of the charisma of the Poor Clares of

Perpetual Adoration. Notwithstanding the advocated doctrinal rigor and the diversity of

the material heritage associated with each of the monasteries, the specificity of the Rule

is also reflected in a particular patrimonial expression. Programmatic by nature, it

appears in the monastic space design, in the themes and devotions and in the filling and

creation of, in short, a sui generis iconography, which, as a seal, marked each

monument, giving it, symbolically, a sense of identity and belonging.

Keywords: Poor Clares of Reparation (OSC), Old Regime, Eucharistic

devotion, church-state relations, monastic heritage, mysticism

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XIV

SIGLAS E ABREVIATURAS

Siglas

AC - Arquivo das Congregações

ADL - Arquivo Distrital de Lisboa

ADLRA - Arquivo Distrital de Leiria

AHMF – Arquivo Histórico do Ministério das Finanças

AHMMMN - Arquivo Histórico Municipal de Montemor-o-Novo

AHMOPTC - Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Transportes e

Comunicações

AHPL - Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa

AHSCMMMN - Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo

AHSPL – Arquivo Histórico da Sé Patriarcal de Lisboa

AHTC - Arquivo Histórico do Tribunal de Contas

AML - Arquivo Municipal de Lisboa

ANTT - Arquivos Nacionais/Torre do Tombo

AUC - Arquivo da Universidade de Coimbra

BA - Biblioteca da Ajuda

BAC - Biblioteca da Academia das Ciências

BGUC - Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

BNP - Biblioteca Nacional de Portugal

BNRJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

BPE - Biblioteca Pública de Évora

CML – Câmara Municipal de Lisboa

DGEMN - Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

FBB - Fundação Bissaya-Barreto

GEO - Gabinete de Estudos Olisiponenses

IGP – Instituto Geográfico Português

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XV

MNAA - Museu Nacional de Arte Antiga

MNMC - Museu Nacional de Machado de Castro

MF - Ministério das Finanças

MNEJ - Ministério dos Negócios Eclsiásticos e Justica

MOPCI - Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria

MR – Ministério do Reino

RGT - Registo Geral de Testamentos

TSO - Tribunal do Santo Ofício

Abreviaturas

art. – artigo

cfr. – confrontar, conferir

cit. – citado(a)

col. (s) - coluna(s)

Cód. – Códice

coord. - coordenação de, coordenado por

cx. – caixa

dir. – direção de, dirigido por

doc. – documento

ed. – edição, editor

fig.(s) – figura(s)

fl.(s) – fólio(s)

fot. aut. – fotografia(s) da autora

Lv. – livro

Mç. – maço

mss. – manuscrito

n.º - número

op. cit. – obra citada

p. - página

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XVI

pp. – páginas

pref. – prefácio

s/d – sem data

s/l – sem local

ss. – seguintes

t. – tomo

trad. – tradução

v. - verso

Vd. – vide; ver

Vol.(s) – volume(s)

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1

INTRODUÇÃO

Concluíamos, em meados de 2008, a nossa dissertação de Mestrado, consagrada

ao estudo de um exemplar do património religioso da segunda metade de Setecentos até

então envolto em cerrada névoa: o Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento

de Lisboa, vulgo "Conventinho"1. No termo do longo percurso que trilhámos, fez-se-nos

claro que a expressão material cujo sentido procurámos restituir era fruto de um

processo multímodo onde variáveis artísticas, espirituais, culturais e mesmo políticas se

conjugavam. Imbricado em complexa tessitura conjuntural, o Conventinho emergiu

como pequena, embora significativa, parte de um todo mais amplo, representado por

uma rede cenobítica informada por uma mesma e particularíssima Regra, a qual o

estudo, porque de índole monográfica, não logrou senão devolver uma visão

panorâmica.

No final de um itinerário radica, pois, o início de um novo. Infundido por

precedentes e por eixos de continuidade, o trabalho que agora apresentamos conta não

somente com a orientação de quem, anos antes, orientara aquele outro, como com a de

quem fora parte essencial da sua avaliação - e que, antes disso ainda, nutrira, como nós,

a esperança de fazer do tema capítulo assinalado de um percurso académico.

Assumindo heranças, “Dos Monumentos do Desagravo do Santíssimo

Sacramento: arte, poder e espiritualidade no Portugal do Antigo Regime” não deixa,

porém, de reivindicar uma identidade própria ao ampliar o objeto de estudo, que agora

se estende à totalidade dos cenóbios da Regra, e ao propor uma revisão de pressupostos

e perspetivas, indispensável para dotar de pertinência e viabilidade a abordagem à

diversidade do lastro patrimonial e artístico de casas unidas "tão-só" pela pertença a

uma mesma família religiosa.

Exteriores à dinâmica estrita do trabalho académico, são vários os fatores que o

insuflam e robustecem. São disso exemplo as celebrações do tricentenário da fundação

1 Vd. Maria Luísa JACQUINET, Em desagravo do Santíssimo Sacramento: o “Conventinho Novo”.Devoção, memória e património religioso, 2 vols., Lisboa, s/n, 2008 [Dissertação apresentada àUniversidade Aberta para obtenção do grau de mestre em Estudos do Património; policopiado].

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2

do Mosteiro do Louriçal, cenóbio que instituiria a Observância sobre a qual versaremos,

a recente reabertura do processo de beatificação de Maria do Lado, sua fundadora

mística, a proposta de classificação institucional ou de reconversão funcional de dois

dos exemplares edificados por nós contemplados, e, ainda, as comemorações do

centenário da República Portuguesa - e, por elas, o reemergir do tema, já de si candente,

das relações Igreja-Estado, onde o património monástico-conventual inevitavelmente se

enquadra.

Além disso, o tratamento arquivístico dos fundos eclesiais e monástico-

conventuais e a organização e disponibilização de espécies documentais pelas entidades

eclesiásticas suas detentoras, o crescente interesse pela inventariação e proteção do

património, mormente religioso - que vem ultimamente empenhando instituições

públicas e privadas -, a inserção da variável de género no seio da historiografia - que

progressiva a consistentemente vem dando voz ao feminino no espaço religioso -, e a

atenção novamente dispensada ao Concílio de Trento, que no presente se comemora,

constituem créditos a favor do rumo que entendemos tomar. Rumo que, favorecido pela

amplificação do conceito de património2 - onde já não apenas cabem os monumentos

atestatórios de grandes marcos da História ou da Arte -, se ancora no interesse em fazer

luz sobre um tema só parcelar e superficialmente tocado pela historiografia.

O estudo dos mosteiros e recolhimentos do Desagravo e do património que lhes

é intrínseco ou anexo conta, é certo, com elementos a que pode atribuir-se um carácter

referencial. Para além das obras de índole corográfica, que reconhecemos no Portugal

Antigo e Moderno, de Pinho Leal3, no Mappa de Portugal4, do Padre Batista de Castro

ou nos vários volumes do Inventário Artístico de Portugal5, dado à colação pela

Academia Nacional de Belas-Artes, merecem relevo alguns estudos sobre várias das

casas que nos ocupam. Enquanto, sobre o Conventinho, nos permitimos remeter para a

já referida dissertação de nossa autoria, evidentemente tributária de um acervo de

2 Cfr. Françoise CHOAY, A alegoria do património, Lisboa, Edições 70, 2000, p. 14.3 Vd. Pinho LEAL, Portugal antigo e moderno. Diccionario Geographico, Estatistico, Chorographico,Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico de todas as cidades, villas e fregueziasde Portugal e de grande numero de aldeias, Vols. IV, V, XI, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira& Companhia, 1875-1886.4 Vd. Baptista de CASTRO de (padre), Mappa de Portugal, Vol. III, 3ª edição, Lisboa, Tipografia doPanorama, 1870.5 Vd. Vergílio CORREIA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Coimbra, Vol. II, ediçãoreorganizada e completada por A. Nogueira Gonçalves, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes,1952; ESPANCA, Túlio ESPANCA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora (zona Norte),Vol. I, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1975; Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventárioartístico de Portugal. Distrito de Leiria, Vol. V, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes, 1955.

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3

anteriores e alheios contributos, sobre Vila Pouca constitui referência a Notícia sobre a

fundação do Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento de Vila Pouca da

Beira, de Diamantino Amaral6 e, a respeito do Louriçal, mantém-se incontornável a

Historia da fundação do Real Convento do Louriçal, do oratoriano Manuel Monteiro7.

O Desagravo, contudo, não se reduziu aos exemplares enunciados, mas - ao que

apurámos - a seis distintas fundações, de que parte se encontra, senão por recensear,

pelo menos por desvelar em profundidade. E, mesmo no que toca ao Louriçal e Vila

Pouca, não totalmente desamparados de respaldo bibliográfico ou documental, cremos

justificar-se uma análise mais ampla e mais crítica, não tão fielmente axializada pelo

discurso produzido acerca das origens canónico-processuais da fundação.

No entanto, mais que com a exiguidade ou incompletude do pecúlio

bibliográfico em relação ao objeto em si mesmo, deparamo-nos com o tipo de

abordagem que sobre esse objeto tem incidido, marcada que está pelo carácter

essencialmente unidisciplinar e tendencialmente descritivo. Daí que se revista de

oportunidade e sentido um enfoque capaz de explicitar a complexidade da criação

artística no plano de um contexto em que participam, num tempo mais ou menos longo

e num espaço também diversificado, religião, política e cultura material.

Com efeito, intensamente focada nas origens, a história das casas do Desagravo

assoma como inferência quase unívoca da celebrada profanação eucarística que, no

longínquo ano de 1630, acometeu o templo lisboeta de Santa Engrácia. Mas assoma, por

outro lado, obscurecida e desfocada pelo protagonismo que a memória e a História

outorgaram ao sacrilégio, à visão mística do mesmo por Maria de Brito e às mitificadas

obras do templo vandalizado.

À centralidade das origens soma-se, concomitante, a centralidade do monumento

que representa a instituição da Regra, o Mosteiro do Santíssimo Sacramento do

Louriçal. Deste, por sua vez, soergue-se o benefício mecenático de D. João V,

subsumindo-se a identidade do edifício material e espiritual na ilustração da

magnanimidade do soberano - materializada, como sabemos, num vasto e opulento

acervo edificado, em cujo elenco o Louriçal por certo não sobressai.

O Desagravo não se consubstancia, ademais, apenas num edifício ou num grupo

de edifícios. Sem pretendermos uma subordinação da expressão material à Regra ou,

6 Vd. Diamantino Antunes do AMARAL, Notícia sobre a fundação do Convento do Desagravo doSantíssimo Sacramento de Vila Pouca da Beira, 1972.7 Manuel MONTEIRO, Historia da fundação do Real Convento do Louriçal de religiosas CapuchasEscravas do Santissimo Sacramento, Lisboa, Oficina de Francisco da Silva, 1750.

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indo mais longe, a subordinação casuística ou metodológica da Arte à História, não

deixamos de reconhecer a indissociabilidade de ambas na análise a que nos propomos.

Não apenas cada uma das fundações da Observância não representa uma aparição casual

e isolada, quanto, por outro lado, não objetiva, enquanto património, um fruto direto

seja da arte do seu tempo, seja, inequivocamente, da Regra professada.

Além disso, ao contrário de outras Ordens ou derivações de institutos regulares,

igualmente infundidas pelo carisma de Santa Clara e pela prossecução radical de um

ideário de pureza original - tal o caso das Coletinas e das Concecionistas de Santa

Beatriz da Silva -, cuja autonomia canónica é amplamente reconhecida, as Clarissas do

Desagravo parecem ainda gravitar num limbo de indefinição que, talvez mais que

institucional, seja essencialmente historiográfico, e que em tudo contradita o vigor do

seu itinerário.

Uma revisão da fortuna crítica representa, portanto, um primeiro passo no

sentido da visibilidade e da verosimilhança de um fenómeno que acreditamos até hoje

subavaliado. Os monumentos do Desagravo e o carácter eminentemente sui generis da

sua arte, reflexo da não menos peculiar Regra por eles observada, constituem, a nosso

ver, documentos de interesse maior para a compreensão do Portugal do Antigo Regime.

Na sua íntima ligação a estratégias espirituais da realeza e dos sectores tradicionais da

sociedade, o percurso desta declinação da Ordem Clariana caminhou pari passu com

momentos-chave da vida política e moral do país, de que foi tanto parte como agente.

Apesar dos tempos díspares das fundações e, por conseguinte, dos diferentes

contextos artísticos convocados, reputamos pertinente uma leitura transversal do

fenómeno criativo, que remeteríamos quer para a existência de uma regra comum, quer

para um também coerente meio de encomenda e de consumo estético, quer, ainda, para

a permeabilidade das comunidades religiosas à receção de influxos estéticos e artísticos.

Na busca de sentido da expressão material do Desagravo enquanto fenómeno

criativo complexo, resultante de um quadro histórico que ultrapassa o domínio do

estritamente edificado, privilegia-se, mais que o levantamento e inventariação do

património considerado, conformes a uma perspetiva essencialmente heurística, uma

abordagem analítica e interpretativa que permita compreender os cenóbios como objetos

integradores do todo – histórico-eclesiástico, ideológico e artístico - que enformou a sua

criação e existência. Daí que a reunião justaposta da história de cada um dos

monumentos ceda perante uma análise comparativa e crítica capaz de neles aferir uma

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intencionalidade, um espírito e uma forma que, na sua inerente intercomunicabilidade,

lhes confira significado.

A complexidade metodológica que facilmente se adivinha do acima exposto

refletir-se-á, naturalmente, numa abordagem interdisciplinar - onde múltiplas vertentes e

ramos do saber histórico se conjugam - e no concurso operativo da cripto-histórica da

arte - essencial na leitura de um património severamente truncado, quando não

inexistente.

Das fontes primárias, que nos merecerão particular relevo, destacamos,

localizáveis na Torre do Tombo ou nos arquivos distritais, os processos de extinção das

Ordens emanados pelo Ministério das Finanças, os pareceres do Ministério dos

Negócios Eclesiásticos e da Justiça, atos notariais e registos de testamentos. Não de

menor importância se revestem os livros de Décimas, à guarda no Arquivo Histórico do

Tribunal de Contas, os manuscritos da Biblioteca da Ajuda e da Biblioteca Nacional do

Rio de Janeiro, a documentação patente no Arquivo Histórico da Direcção-Geral do

Património e nas secções de Reservados, Iconografia e Arquivo Histórico da Biblioteca

Nacional de Portugal. Algum interesse complementar merece igualmente a consulta do

Arquivo Histórico da Caixa-Geral de Depósitos e da Casa da Moeda. Atente-se, ainda,

na documentação canónica emanada pelos órgãos de natureza eclesiástica com

jurisdição sobre cada uma das fundações, nos documentos à guarda das paróquias em

que cada uma se inseriu, no acervo conservado pela Ordem Franciscana e,

evidentemente, nos fundos monástico-conventuais transferidos, tais como parte

considerável dos diocesanos, para os arquivos distritais respetivos.

O preenchimento do carácter geralmente lacunar da informação veiculada pelas

fontes de primeira ordem e a abrangência contextual pretendida levam a requerer o

contributo de fontes secundárias - literatura parenética, hagiológios, constituições

monásticas -, bem assim, e naturalmente, de estudos e da bibliografia geral de

enquadramento.

Acompanhando a evolução da família religiosa, o trabalho apresenta-se, no

respeito pela ótica adotada - cujo eixo se define no tempo longo e denso do Antigo

Regime português -, como uma espécie de álbum cuja compartimentação obedece a um

princípio de identidade biográfica. As origens e fundamentos do Instituto, a sua inserção

na Ordem de Santa Clara e o seu enquadramento na História Religiosa de Portugal

preenchem a secção inicial. Assentando nela, propõe-se, como segunda etapa, a análise

crítica dos particulares da encomenda e da expressão material daquela que se assume

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como matriz do Desagravo, o Mosteiro do Louriçal. Os seus três primeiros frutos, as

circunstâncias que envolveram o seu nascimento e o seu significado histórico-artístico

reúnem-se, porque enquadrados numa mesma moldura ideológica e espiritual, na Parte

III. Significativamente inseridas no contexto da rutura secularizante que ditou a

supressão das Ordens Regulares no país, "As derradeiras fundações do Desagravo", com

que se põe fim à tese, assinalam o ocaso do Instituto tal como originalmente concebido

e revelam, em simultâneo, a sua capacidade de resistência moral e institucional. Ao

texto mencionado anexa-se, complementando e ilustrando o seu conteúdo e

sublinhando-lhe os contornos, um repertório iconográfico e, apensa, uma breve nota

cronológica.

O teor da perspetiva adotada, de par com a escassez bibliográfica e com a tibieza

dos vestígios materiais, coloca-nos perante um desafio tão estimulante quanto

arrevesado, tanto mais que enquadrado por um Doutoramento que, à História, pospõe a

especialidade em História da Arte.

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PARTE I

O NASCIMENTO DE UMA FAMÍLIA RELIGIOSA

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PARTE I

O NASCIMENTO DE UMA FAMÍLIA RELIGIOSA

1. Uma fundação num terreno fértil: a Venerável Maria do Lado

Ao revelar, na sua incontornável História da Fundação do real Convento do

Louriçal, os primórdios daquele cenóbio e, concomitantemente, a observância adotada

pelas Clarissas do Desagravo do Santíssimo Sacramento, o Padre Manuel Monteiro

(C.O.) não hesita em avançar como motivo primeiro da obra a visão mística, pela Serva

de Deus Maria do Lado, do desacato da Igreja de Santa Engrácia. Assim o diz:

o modo porque esta serva do Senhor deo principio ao Recolhimento teve o

motivo, que diremos agora: Corria o anno de 1630, e nelle na noite da terça

para a quarta feira do dia quinze para dezasseis do mez de Janeiro succedeo

que em Lisboa se arrombou a Igreja de Santa Engracia, e quebrandose as mãos

á Imagem de S. Fructuoso, que estava no Altar mór, se arrombraõ as portas do

Sacrario, e se levou de hum Cofre de tartaruga, guarnecido de prata, o numero

de vinte e cinco Fórmas consagradas, e huma Hostia, e de outro vaso mais

pequeno doze Fórmas, tambem consagradas, e huma Hostia; levando-se mais a

fechadura do Sacrario, a Cruz do remate do vaso, que quebraraõ, as cortinas

brancas do Altar mór, huma toalha do Altar da Rainha Santa, e huma cortina

azul do de Santo Antonio.8

Não renunciando liminarmente ao nexo proposto pelo autor, cremos, no entanto,

beneficiar o entendimento da fundação revendo o seu ponto de partida, que acreditamos

preceder tanto o desacato quanto a visão do mesmo, e fazendo-o primeiramente incidir

sobre a vidente, Maria do Lado de Jesus9. Acerca desta, batizada no século como Maria

8 Manuel MONTEIRO (padre), História da Fundação do real Convento do Louriçal de religiosascapuchas, Escravas do Santissimo Sacramento, Lisboa, Oficina de Francisco da Silva, 1750, pp. 6-8.9 O que, nesta primeira parte do trabalho, deixamos expresso sobre Maria do Lado, encontra-se de formamuito aproximada vertido no artigo, de nossa autoria, "Direção espiritual, experiência mística e destinohagiográfico: Frei Bernardino das Chagas e a Venerável Maria do Lado", A Santidade, dossiê temático da

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de Brito, nascida na Vila do Louriçal em 1605 e aí falecida em 1632, oriunda de uma

destacada família local, ligada por vínculos de amizade e serviço aos condes da Ericeira,

quase tudo o que se conhece interceta a biografia composta pelo seu confessor tendo

como pano de fundo a fecunda experiência da direção espiritual10.

Em qualquer das versões conhecidas de tal escrito ou de obras por ele

infundidas11, a vida da devota denuncia o ascendente referencial de um modelo de

santidade mística, feito da exploração do mundo interior através da prática continuada

da oração, meditação e contemplação e onde o maravilhoso, o sobrenatural, povoado de

êxtases, arrebatamentos, visões e profecias, prefigura a comunhão com o

transcendente12. Mas denota, mais que isso, o influxo de uma recomposição de

arquétipos e tendências, que casa mística e ascética, penitência e obras meritórias.

A renúncia ao mundo e o seguimento mimético de Cristo, caminho e espelho,

caminham pari passu com a procura d’Ele no recolhimento da alma e com o

cumprimento de uma missão gloriosa. São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila

erguem-se, naturalmente, como pontos de fuga deste quadro referencial, mas, na vidente

do Louriçal, a centralidade do Mistério Eucarístico conferirá, vê-lo-emos, uma

coloração muito própria à sua experiência devota13.

No relato que se nos apresenta perfila-se uma existência onde a virtude não é

somente um caminho, mas uma vocação que preexiste a qualquer opção da maturidade.

Desde a infância à morte, a vida de Maria do Lado é perpassada por uma linha de

coerência onde, ao longo de sucessivos patamares, se firma a aproximação à bem-

aventurança. E em nome dessa coerência, onde não há espaço a dúvidas ou inflexões na

revista Lusitania Sacra, Tomo XXVIII, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa/UniversidadeCatólica Portuguesa, julho-dezembro de 2013, pp. 75-95.10 Era filha de António do Rêgo e de Maria de Brito, pertencentes ambos à nobreza de província. Algunsdados biográficos respeitantes a Maria do Lado podem consultar-se em Fernanda FERREIRA (O.S.C.),Convento do Louriçal. Da profecia à actualidade, s/l, Edições de autor, 2001.11 A biografia original corresponderá à Relação e testemunho do pe spiritual da serua de Ds Maria deBritto. sobre o q sente de sua alma com licença da mesma serua do Snr (Cód. 90 da Biblioteca Nacionalde Portugal), manuscrito provavelmente de 1631 e à Vida de Veneravel Madre M. do Lado composta p.loM. R. P. Mestre Bernardino das Chagas seus Confessor Relig.º da ordem d N. P.e S. Francisco e nelleLente d’artes, e sagrada Theologia, (ANTT, Arquivo das Congregações, Livro n.º 1121). Tendo por baseos textos anteriores e o relato dos últimos meses de vida elaborado pelas irmãs de hábito da futuravenerável, nasceriam as versões oficiais da biografia de Maria de Brito, posteriormente impressas: a Vidada Veneravel Madre Maria do Lado; primeira instituidora do Convento do Louriçal, inserta na obra, jácitada, do padre oratoriano Manuel Monteiro, e o Compendio da Admiravel Vida da Veneravel MadreMaria do Lado, redigido pela então abadessa do Mosteiro do Louriçal e dado ao prelo em 176211.12 Cfr. Jose Luis SANCHEZ LORA, Mujeres, conventos y formas de la religiosidad barroca, Madrid,Fundacion Universitaria Española, 1988, pp. 199-211.13 Cfr. “Eucharistie” in M. VILLER, F. CAVALLERA; J. GUIBERT, op. cit., Tomo IV, Paris,Beauchesne, 1960, cols. 1553-1648. Sobre misticismo eucarístico, vd. cols. 1611-13.

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fé, a infância assume-se já como pré-anúncio de virtude e como garantia de

incolumidade ao pecado. Porque também o acidental deve ceder perante a providência,

Maria do Brito nasce em dia de S. João Batista, o “maior dos nascidos”14. Com nove

anos, idade em que comunga pela primeira vez, decide consagrar-se a Deus e, com

dezasseis, em que fica órfã de mãe, reforça a renúncia ao mundo - e, por essa via, o

crédito na virtude -, fazendo voto de castidade. Toda a infância e primeira juventude

surgem, de resto, assinaladas pela inclinação às boas obras e pela prática da oração e

penitência. No brio com que nisso se empenha trai a futura beata a inspiração

redundante dos inúmeros exemplos de santidade propostos à imitação por uma obra que

tem como referência, o Flos Sanctorum15. O rigor com que mortifica o corpo compõe o

quadro, tão caro à época, da apetência para o mimetismo de Cristo na Sua Paixão -

mistério, aliás, em que Maria de Brito usa longamente meditar. Além de rigorosos

jejuns e duras disciplinas, usa três cilícios de ferro, deita água e cinza na comida para

não lhe sentir gosto agradável e dorme no chão sobre uma trave de madeira tendo como

pedra um travesseiro. Todo o consolo só em Deus deve encontrá-lo: eis um percurso de

ascese capitalizado, neste como noutros casos, pela presença atemorizadora do demónio

e pela impreparação cultural da penitente – elementos que, pela ideia de suscetibilidade

que denotam, não deixam de poder ser considerados como um argumentum a contrario

da genuinidade da alma da devota e da grandiosidade da sua missão.

Quando, assinalando o início da idade adulta, confia a direção da alma a

Bernardino das Chagas, uma nova etapa se abre na vida da jovem louriçalense. Etapa

que, apesar de representar o suceder natural de uma experiência propedêutica, une

agora, indissoluvelmente, o maravilhoso e o sobrenatural à caminhada rumo à beatitude.

A definição desse rumo privado implica a definição pública de um estatuto

consentâneo: Maria do Lado faz-se terceira de São Francisco negando, muito embora,

envergar o hábito16. Passará desde então a mover-se no terreno híbrido e movediço das

beatas, entre século e religião, numa oscilação por vezes titubeante entre a autoridade

paterna e o ascendente moral e psicológico do diretor de consciência17.

14 Manuel MONTEIRO (padre), op. cit., p. 231.15 Desconhecemos qual a verão ou edição deste santoral que Maria de Brito teria por referência. Podemossupor tratar-se de uma tradução portuguesa do compêndio de Pedro de Ribadaneira, S.J. (1527-1611).16 No entanto, curiosamente, nega envergar o hábito, invocando não corresponder isso à vontade do pai.17 Cfr. Adriano PROSPERI, Tribunali della coscienza. Inquisitori, confessori, missionari, Turim, Einaudi,1996, p. 523. A respeito da especificidade da condição das terciárias na sua relação com a vida devota,veja-se também Pedro Vilas Boas TAVARES, Beatas, inquisidores e teólogos. Reacção portuguesa aMiguel de Molinos, Porto, CIUHE, 2005, especialmente as páginas 135-153.

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Convicto das qualidades da penitente - viria mesmo a dizer ter “achado uma das

Almas mais puras, e perfeitas, que hoje vivem no mundo”18 - Frei Bernardino apresta-se

a divulgar a sua convicção por vários cenóbios, como o de Santa Clara de Coimbra,

onde, aliás, pretende que a confessanda professasse para, admito-o sem reservas, “que

nele tivesse uma santa conhecida”19.

Encaminha-a de súbito para a via da oração mental, ao mesmo tempo que tenta

refrear-lhe os rigores da mortificação corporal. Sobre os resultados, tão evidentes

quanto imediatos, recordaria o religioso que, tendo-a instruído uma só vez na oração

mental, logo sentira ela os efeitos do que consistia a contemplação20. Na verdade,

prontamente “começou o Senhor a fazer-lhe grandes, e misteriosas mercês”, a primeira

das quais a visão “com os olhos da alma e do corpo”, de “Cristo com a cruz às costas

correndo-lhe o sangue pelo pescoço”21. A partir de então, a via do recolhimento

oferecer-lhe-ia um sem-número de favores, conduzindo-a, num aparente paradoxo,

através de revelações, visões e profecias, a desafiar as coordenadas do seu próprio agir,

lançando-a na esfera do outro, do tempo futuro, do espaço remoto.

Ao mesmo tempo que cultiva o fértil terreno da mística, o mestre intenta

direcionar as obras meritórias da beata, confiando-lhe a tarefa de as aplicar a três

grandes necessidades da Igreja: a libertação das almas do Purgatório, a salvação dos que

se encontram em pecado mortal e a exaltação do Santíssimo Sacramento. Numa

interessante concatenação entre boas obras e ascese, Maria do Lado decide por isso

colocar três diferentes espécies de cilícios e, à semelhança de São Francisco, repartir o

ano em quaresmas.

Uma missão gloriosa se confiava também à então ainda Maria de Brito, que o

mestre espiritual clamaria “ser uma das pedras fundamentais” em que Deus “quer

levantar novo edifício espiritual neste Reino para louvor e glória de seu santo nome”22.

18 ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2523, Breve recompilação da vida da serva do senhor, maria dolado composta pelo muito venerável padre frei bernardino das chagas, seu confessor, religioso da ordemdo seráfico padre são francisco e nela lente de artes [...],fl. inum.19 Ibidem.20 Ibidem.21 Ibidem.22 ANTT, Arquivo das Congregações, Lv. 1121, Rellação, e testemunho…inserto em Vida de VeneravelMadre M. do Lado composta p.lo M. R. P. Mestre Bernardino das Chagas seus Confessor Relig.º daordem d N. P.e S. Francisco e nelle Lente d’artes, e sagrada Theologia, Louriçal, Convento do SS.moSacrm.to, 1755, fl. inum.

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Teria por certo no horizonte Santa Teresa de Ávila e o “apostolado indireto” que, sem

renunciar à vida contemplativa, exerceu23.

Na jovem do Louriçal, tal investidura, que teria na mística um meio por

excelência, inicia-se significativamente com a visão do Anjo Custódio de Portugal. Em

semântica maniqueísta, o anjo revela-lhe, enlutado, dois diferentes cenários do reino,

um de miséria, outro de glória, enquanto uma segunda figura celeste a dirige para uma

igreja onde um grupo de religiosas, de que ela entende ser a prelada, reza em louvor do

Santíssimo Sacramento. Confiava-se a Maria de Brito uma missão salvífica: a glória –

ou resgate - de Portugal, garantida pela oração das monjas suas subordinadas, dela

dependia também.

O destino que se desenhava ganharia definição e consistência ao ritmo de

episódios sobrenaturais que, em catadupa, se sucederiam. É aqui que entra a revelação

da profanação eucarística ocorrida na noite de 15 de Janeiro de 1630 na igreja lisboeta

de Santa Engrácia. Num recolhimento, a jovem vê “junto a si o Cristo pregado em dois

madeiros, com uma corda ao pescoço […] e, com os olhos nela, muito sentido, e

magoado dizendo: Filha, compadece-te de mim, que agora me tornam a crucificar de

novo em Portugal”24. Coincidindo no tempo com o desacato de Santa Engrácia, Frei

Bernardino interpreta-a como visão do mesmo.

Uma motivação muito própria se adivinhava, porém, no ânimo deste frade

capucho, que, após ter pregado um inflamado sermão em desagravo do Santíssimo

Sacramento pelo atentado de Lisboa, fora impiedosamente atacado por um cristão-novo,

a quem o discurso, de timbre fortemente antijudaico, suscitara indignação25. Entretanto,

23 Na santa abulense, este apostolado, estribado num modelo porventura masculino de santidade heroica,traduziu-se numa militância evangélica contra a heresia exercida no respeito pela vivência claustral e pelavia da oração contemplativa, e exteriormente manifesta na reforma do Carmelo e na difusão dosmosteiros da Ordem. Cfr. Jodi BILINKOFF, “Woman with e Mission: Teresa of Avila and the ApostolicModel”, in Giulia BARONE, Giulia; Marina CAFFIERO; Francesco BARCELLONA, Modelli do santitàe modelli di comportamento. Contrasti, intersezioni, complementarità, 1.ª ed., Turim, Rosenberg &Sellier, 1994, pp. 295-305.24 Abadessa do Convento do Louriçal, Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria doLado, Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1762, p. 50.25 O sermão fora pregado em Maiorca, pequena localidade a escassos quilómetros da Figueira da Foz, decujo convento franciscano Frei Bernardino era religioso. Cfr. História da Fundação..., pp. 34-35. Veja-setambém António de OLIVEIRA, O motim dos estudantes de Coimbra contra os cristãos-novos em 1630,Outubro de 2002. O autor revela que a revolta estudantil está fortemente ligada ao desacato cometidonaquele ano, o qual terá inclusivamente condicionado o seu detonar. A incitar à revolta não terão deixadode indiretamente concorrer certas pregações e manifestações de zelo particularmente exaltadas da parte dealguns eclesiásticos, como terá sido o caso do sermão de Frei Bernardino. Uma consulta do Desembargodo Paço, datada de 11 de Abril de 1630, citada pelo autor supra, refere: “O dezembargador Vasco FreireFerreira que está na cidade de Coimbra em diligencias do servico de Vossa Magestade deu conta por suacarta de 2 do prezente, de como estando hum frade, capucho da Ordem de Santo António do mosteiro da

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a investida era espiritualmente revelada a Maria do Lado, por cuja intercessão o mestre

milagrosamente sobreviveria26.

Por outro lado, o fato de os pais de Maria do Lado terem contraído matrimónio

na paróquia de Santa Engrácia27, parece igualmente interpelar a casualidade desta

alocação do templo lisboeta no seio da remota vila louriçalense e a genuinidade e

espontaneidade do revelantismo que o caso enforma.

A via mística não deixaria, contudo, de orientar o percurso da beata, que,

também em espírito receberia a inspiração do modo de reparar a ofensa. A imagem de

dois anjos elevando aos céus um cálice e uma hóstia é lida pelo confessor como o

louvor e a honra que, no reino, da afronta haveria de resultar, pois, como sustenta,

“assim como da Sua Paixão e Morte tinham brotado todos os bens da humanidade,

assim, do ultraje recebido na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, adviriam muitas

bênçãos para os homens”28 (Fig. I.2.).

É nesta altura que os fenómenos do íntimo adquirem uma clara conformação

externa: Maria de Brito decide, acompanhada por cinco companheiras igualmente

terceiras seculares, instituir um lausperene em que, de contínuo, se haveriam de alternar,

decisão que é secundada por nova visão do Anjo Custódio de Portugal, que lhe inspira

ser a exaltação eucarística a mais digna forma de desagravar impiedades29.

Com a introdução do desacato no espetro místico de Maria do Lado, a primitiva

inspiração de um quadro de vida religiosa, entretanto consolidada por novas revelações

e enaltecida pelo incontornável lausperene, ganha renovado sentido e é catapultada para

o patamar do glorioso.

Denunciando a imbricação entre santidade e política que, em registo messiânico,

se vai aclarando, sobre Maria do Lado, escudo protetor perante as ameaças à integridade

Figueira, pregando na segunda dominga desta coresma, na villa de Maiorga, que he perto da dita cidade,dissera alguas couzas, sobre a perfidia dos judeos, e que hum da mesma nação, dos que estavão na igrejafoi esperar o pregador ao caminho, e o espancou por respeito do que disse, pondolhe a espada nos peitos,e dizendolhe alguas demazias [...]”. O episódio daria brado na própria corte, logo se justiçando oresponsável. Simultaneamente, porém, várias vozes se ergueriam na crítica à imprudência de certaspregações, ainda que bem-intencionadas.26 Cfr. Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, pp. 55-56.27 Ao contrário do que a bibliografia aponta, o casamento do pais de Maria de Brito não se celebrara naIgreja de Santa Engrácia, mas na Igreja de Santa Apolónia – pertencente, efetivamente, à paróquia deSanta Engrácia - como atestam os respectivos registos paroquiais. O assento tem a data de 24 deSetembro de 1604 e apresenta como testemunhos Francisco de Abreu, Pero da Costa, António deAlmeida, Gaspar Roiz e Aleixo da Fonseca. (ANTT, Registos Paroquiais de Lisboa, Santa Engrácia.Mistos, fls. 58-58v.).28 Compendio da Admiravel Vida…, pp. 92-93.29 Cfr. Irmãs Clarissas do Louriçal, Vida da Serva de Deus Madre Maria do Lado. Fundadora doMosteiro do Santíssimo Sacramento do Louriçal, Braga, Editorial Franciscana, 1981, p. 39.

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pátria30, recaem desígnios tão grandiosos quanto “as perdas de Castela o levantamento

deste Reino e as felicidades dele”, que por “obediência de Seu Confessor” profetiza31.

Evocando o poder da militância religiosa na legitimação de argumentos políticos, diria

anos mais tarde o Padre António Vieira serem os templos do Santíssimo Sacramento “as

mais inexpugnáveis fortalezas das Cidades, & dos Reinos.”32

Tendo por pedra angular a assim designada “Vida Revelada”, seriam por

enquanto apenas espirituais as estruturas desta nova fortaleza. Em linha com um

paradigma penitencial e cristocêntrico, a existência observada por estas “Custódias

vivas do Diviníssimo Sacramento”, significativamente em número de trinta e três, seria

uma evocação constante, intrínseca e irremediável da Paixão de Cristo. Espelhos de

penitência, trajariam hábito “pardo” e “vil”, sobre o qual cairia um véu azul celeste, e,

pendendo do escapulário, o cálice e a hóstia; dormiriam sobre “dois madeiros”, uma

tábua para o corpo, um cepo como cabeceira. Constantes também os jejuns, cilícios e

disciplinas. Tão solene quanto a renúncia e por ela garantida, emergia o lausperene de

exaltação eucarística que, ajoelhadas e de mãos levantadas, haveriam as religiosas de

cumprir todos os dias, de dia e de noite, até ao fim dos tempos33.

Ao ser-lhe revelado o sacrilégio e, mais tarde, a forma de o reabilitar, a vidente

fazia-se providencialmente participante de uma tarefa de cunho militante em prol da

ortodoxia e da moralidade e legitimidade do reino. Com efeito, enquanto afronta contra

a Eucaristia, atribuída intempestivamente a um cristão-novo, o caso adentrava-se no

contexto da afirmação doutrinária do dogma eucarístico, importante ponto de cisão em

relação ao protestantismo, e contendia com candentes dissensões sociais e políticas

ligadas, desde logo, à questão judaica e à política filipina, acusada de favorecer os

cristãos-novos34. E, cumulativamente, intercetava uma associação histórica entre

destinos do reino e intervenção providencial e sancionatória do Divino Sacramento35.

30 Cfr. Ronald CUETO RUIZ, “La tradición profética en la monarquia católica en los siglos15, 16, y 17”,AAVV, Arquivos do Centro Cultural Português, Vol. XVII, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982,p. 443.31 Decreto de comutação de licença para fundação (ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, Lv. 34, fls. 146 v.– 147 v).32 António VIEIRA (padre), Sermão do Santissimo Sacramento pregado em 1645, in António VIEIRA(padre), Sermões, Lisboa, Oficina de João da Costa, 1679, p. 135.33 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 190-198.34 Cfr. Paulo Varela GOMES, A cultura arquitectónica e artística em Portugal no séc. XVIII, Lisboa,Editorial Caminho, 1988, pp. 220-222. Retomando o autor citado, cfr. também Maria LuísaJACQUINET, Em desagravo do Santíssimo Sacramento: o “Conventinho Novo”. Devoção, memória epatrimónio religioso, Vol. I, Lisboa, s/n, 2008, pp. 19-22.35 Cfr. João Francisco MARQUES, A Parenética Portuguesa e a Restauração: 1640-1668. A Revolta e aMentalidade, Vol. I, Porto, INIC, 1989, pp. 106-107. O édito de graça de 1627, a ação dos prelados na

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O caráter teoricamente elaborado da “Vida Revelada” denuncia manifestamente

o influxo de Frei Bernardino. Pois se as visões, no seu sincretismo, se afiguram pouco

claras e por vezes semeadas de pormenores indecifráveis, é o confessor que, instigando

por obediência a penitente a novas revelações, busca a chave da sua inteligibilidade e,

nessa base, estrutura teologicamente uma Regra - que desde logo reclama para a Ordem

de São Francisco -, dotando-a de aceitabilidade canónica. Mas nesta tarefa, que

reconhece arriscada, de cunhar sem mais uma nova Regra, o religioso não está afinal só:

uma visão da confessanda, em que São Francisco entrega a Regra a Frei Bernardino,

parece legalizar misticamente o seu papel, o qual, sendo de mediação, não deixa

também de ser de protagonismo.

Interessa repisar que a inscrição do desacato na vida mística de Maria do Lado é

tão redundante quanto central. Com efeito, nas revelações da Monja de Carrião,

afamada visionária castelhana, ela estaria já predestinada à visão do atentado. Quando,

consumido pelo nefando sucesso, Bernardino das Chagas empreende uma jornada a

Castela no encalço da resposta para o destino das hóstias profanadas, Madre Luisa de

Colmenares36 revela-lhe que as partículas haviam sido levadas por anjos e comungadas

por Maria do Lado37.

Apesar de, em sede própria, o processo ter corrido célere38, o religioso não

demandaria as instâncias oficiais, mas, como se estivesse perante uma questão de foro

misto, a um tempo real e sobrenatural, interpela curiosamente a via mística. Se aqui

vemos a imersão, que este tempo tão bem conheceu, do maravilhoso na vida quotidiana

e o peso da tradição profética, certo é que a simples associação de Maria de Brito a

figuras virtuosas ou a “santas vivas”, corresponde a confirmá-la na virtude.

No leito recebe em comunhão não mental mas real, por mãos de São Francisco e

de São Boaventura - significativamente pilares da fundação da Ordem Franciscana -, as

partículas profanadas no desacato de 1630 e a revelação do destino que os hereges lhes

Junta de Tomar, em Maio de 1629, e o novo édito de graça de 17 de Novembro de 1629 - exarado aescassos dois meses do desacato -, terão agudizado a malquerença contra a gente da nação, instituindo-seem simultâneo, como provação à sustentabilidade do jugo castelhano.36 Da mesma forma que a sua santidade era invocada por Soror Luisa de la Ascensión no Convento deCarrião ou, em Portugal, por uma certa “serva de Deus de Lisboa”, a proximidade do orbe seráficoestreitava-se naturalmente no encalço de visões e profecias, nas quais privava com anjos, santos e mesmocom Cristo, e firmava-se ulteriormente no discurso do confessor, que a comparava a São Paulo, NossaSenhora, São João, São Bernardo, Santa Teresa. (Cfr. Manuel MONTEIRO, pp. 332-349)37 ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2523, Breve recompilação…, fl. inum.38 Cfr. Auto que se fez do caso de Santa Engrácia (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição deLisboa, proc. 15952).

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haviam dado39. Pese o que atestam os documentos - nem o desacato foi cometido pelo

seu alegado autor, o cristão-novo Simão Pires Sólis, por ele injustamente condenado,

nem as partículas saíram do Secreto do Santo Ofício, onde imediatamente após o

atentado foram arrecadadas40 -, a profecia da Monja de Carrião cumpria-se na mesma

dimensão – espiritual – em que fora invocada. Em consentâneo registo, e com claro

acento messiânico, desse leito de quase-morte anunciará Maria de Brito que “desta

Lusitânia há-de sair o Príncipe, que de novo a assenhoreie” e que “este Príncipe haja de

ser Português de nação”41.

Em estado de morte iminente, ungida por anjos, alheada de vontade, que

totalmente confia ao confessor, Maria de Brito é visitada por Cristo crucificado, que lhe

transmite da Chaga do Lado o copioso sangue que daí jorra, o qual ela recolhe,

estendendo-o por todo o mundo e cobrindo com ele os pecadores. Coroando esta

assunção radical, totalizadora, da Paixão, renuncia ao nome de batismo e, por

obediência do confessor, adota o de Maria do Lado42.

Procurando assumir plenamente o estatuto de que fora investida e, por certo, dar

disso exterior testemunho, emite votos em mãos de Frei Bernardino e dele recebe o

hábito da Ordem Terceira Franciscana, ao mesmo tempo que, com um grupo de beatas

igualmente confessandas do religioso, que só posteriormente tomarão hábito, institui, a

19 de março de 1631 um recolhimento em dependências da casa paterna43. Dando um

passo em frente no terreno institucional, e avocando a si a condição de prelada e mãe

espiritual, aceita como religiosas as demais beatas. Ratificando metaforicamente o

quadro composto, repetirá às companheiras ser o confessor a cabeça da Igreja, ela o

corpo e as suas irmãs de hábito os membros44.

Eis que uma vez mais se adverte o conflito entre vontade do céu e vontade do

Homem, entre oficial e oficioso, que o diretor reconhece, mas em relação ao qual ensaia

resposta: os votos não serão tão rigorosos quanto em religião, dirá, mas em causa está

39 Compêndio da Admirável Vida…, pp. 193-194.40 Certidão passada pelo notário, em virtude da ordem recebida dos senhores do Conselho Geral em lhesentregar o cofre - profanado na Igreja de Santa Engrácia, em 1630 - que se encontrava no Secreto daInquisição de Lisboa, ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 68, n.º 61.41 BNP, COD. 90, Relação e Testemunho…, fls. 67-68.42 Cfr. Manuel MONTEIRO (padre), op. cit. , pp. 44 - 45.43 Este recolhimento fundava-se, porém, com base numa forma de vida a que faltava ainda o necessárioreconhecimento e enquadramento canónico, como, aliás, Frei Bernardino não deixaria de reconhecer. (Vd.História da fundação...,, pp. 47 – 48). O Compêndio da admirável vida aponta como data da tomada dehábito o dia 13 de Abril de 1631.44 ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2523, Breve recompilação…, fl. 114.

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uma regra espiritual, da alma, a que todos podem aceder entregando o governo dela a

um pai espiritual45.

Entretanto, a 28 de abril de 1632, verifica-se o anunciado trânsito da Madre, que

receberá como mortalha o hábito que o confessor envergara quando atacado em Maiorca

por um cristão-novo. É após a morte que a ideia da fundação religiosa ganhará

densidade. Ao recolhimento já existente, embrião do futuro mosteiro, refere-se

significativamente o confessor como “casa que desejo perpetuada” e da qual se não

perca a memória “até ao fim do mundo”. Em carta às recolhidas alude mesmo a vendas

e permutas de terrenos e a obras que à data se fariam na capela, coro, altar e até

sepultura – de Maria do Lado, subentende-se46. Evidenciando o seu total envolvimento

no projeto, remata, numa tirada tão genuína quanto comovedora: “tenho já hábito novo

[e] sapatos, ontem me chegaram dois mil reis que o guardião me mandou para uma

túnica que hei de fazer para me vestir todo de novo quando abrir os alicerces a nossa

capela e lhe lançarem a primeira pedra.”47

No horizonte de Frei Bernardino estaria, presumimos, mais um monumento à

consagração da memória e santidade de Maria do Lado que uma casa destinada a

albergar uma observância vocacionada para o desagravo perpétuo do Santíssimo pelo

caso de Santa Engrácia, muito embora qualquer das ideações pudesse conduzir a um

mesmo resultado.

No entanto, qualquer intento de validação canónica da bem-aventurança da

Madre conheceria o desfavor da hierarquia eclesiástica: uma visita do Ordinário de

Coimbra atalharia cerce a aclamação de santidade, proibindo sob pena de excomunhão

que se falasse em público ou em privado das suas virtudes e dons sobrenaturais, ficando

a Maria do Lado vedada a comunhão diária e a escolha de confessor Em ação

conjugada, o comissário dos Terceiros retiraria àquela e suas companheiras o hábito da

Ordem Terceira que, é certo, oficiosamente envergavam. O juízo popular, esse, faria jus

à sua consueta volubilidade, julgando como simulação o que pouco antes proclamara

como manifestação da graça. Maria de Brito chegaria mesmo a ser comparada a

45 ANTT, Arquivo das Congregações, Lv. 1121, Vida de Veneravel Madre M. do Lado composta p.lo M.R. P. Mestre Bernardino das Chagas seus Confessor Relig.º da ordem d N. P.e S. Francisco e nelle Lented’artes, e sagrada Theologia, fl. 162.46 ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2523, op. cit., fl. inum.47 Ibidem.

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afamados embusteiros da época, como a freira da Anunciada, Inês da Gama ou

Domingos Velho48.

O primeiro núcleo de devoção, sediado ainda em propriedades do pai Maria do

Lado, não cessou quando, em 1631, as ações do visitador do bispado e do comissário da

Ordem Terceira Franciscana determinaram a cessação do culto e a proibição da

utilização dos hábitos e insígnias com os quais até então as recolhidas se

paramentavam49.

As diligências de que, em 1631, o caso foi alvo, seriam reforçadas, entre os anos

de 1633 e 1634, por parte do Cabido de Coimbra e da Inquisição50. Não tanto a

santidade enquanto experiência individual e íntima em relação a Deus estava em causa,

quanto a forma, não superiormente sancionada, que, como fato de domínio público,

configurava. Bastos argumentos teriam os custódios da ortodoxia para lançarem mãos

da sua autoridade: no Louriçal, viriam a encontrar uma casa religiosa não superiormente

aprovada, onde uma forma de vida – recordemos a Vida Revelada – que jamais

conhecera chancela eclesiástica era praticada por religiosas cuja profissão se fizera

também à margem dos cânones. Da mesma forma que os estatutos da casa, o hábito das

Escravas do Santíssimo Sacramento e a insígnia que ostentavam não conhecera superior

sufrágio. Ademais, dezenas de pinturas alusivas a êxtases, visões, morte e revelações da

fundadora espiritual distribuíam-se pelas divisões do recolhimento, no que poderia

entender-se como avocação indevida de um estatuto canónico de santidade. Com efeito,

o edifício temporal e espiritual que em torno da madre se erguia, continuava a enfermar

de um carácter putativo, desenvolvendo-se quase invariavelmente ao arrepio do

estritamente instituído.

48 Nas recomposições biográficas em análise, este episódio não é nunca ocultado, atribuindo-se-lhemesmo o valor de um elemento que sublinha, pelo seu contraste, a legitimidade da experiência devota quese entende enaltecer. Cfr., por exemplo, Compendio da Admiravel Vida…, p. 347. É significativo que ocontrolo sobre os sacramentos, neste caso a Eucaristia e a Penitência, servisse a um tempo comopenalização e como caução sobre a ortodoxia de uma existência mística.49 Veja-se o processo respetivo em ANTT, Inquisição de Coimbra, Livro nº 291 (Cadernos do promotor),fls. 830-940.50 AUC, Cabido da Sé de Coimbra, Cx. de documentos avulsos, Autos de Maria do Lado. A provisão quedeterminou a devassa do caso e a elaboração do sumário de testemunhas tem a data de 1 de Dezembro de1633 e é assinada pelo cónego António Álvares, pelo deão Bento Pereira de Melo, pelo chantre D. Jorgede Castro, por João de Figueiredo, Pêro Tavares e Francisco de Andrade. De 9 de Abril de 1634 é o autode execução, realizado pelo arcediago Bento de Almeida, provisor do bispado de Coimbra, da pastoralonde consta a decisão tomada pelo cabido com base nas averiguações ordenadas.

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E, nesta matéria precisa, as normas conheceriam importantes desenvolvimentos.

Se as Constituições Sinodais do bispado de Coimbra51 reservavam aos prelados a

aprovação em matéria de edifícios religiosos e o Concílio de Trento frisava a

necessidade da aprovação episcopal de manifestações de culto e veneração, o breve de

13 de Março de 1625 do Papa Urbano VIII interditava o culto e veneração de santo a

defuntos sem exame e inquirição do Ordinário e aprovação da Santa Sé. E sucessivos

decretos papais viriam entretanto sufragar a prerrogativa da autoridade eclesiástica em

matéria de santidade e precisar os termos da introdução das causas, considerando aí

como “obstáculo perentório” o “culto indebito”52.

Da devassa ordenada pelo Cabido de Coimbra resultaria, pois, o compulsivo

encerramento do recolhimento e a expulsão das recolhidas, além da proibição de

quaisquer manifestações de culto a Maria do Lado. Ordenada seria ainda a interdição de

publicações e a publicitação de fenómenos sobrenaturais, a retirada e parcial destruição

das imagens existentes no beatério, a entrega das insígnias, e, por fim, a remoção, do

túmulo da Venerável, de tudo quanto indiciasse uma veneração só aos santos devida.

Pelas presunções que deles resultaram contra Frei Bernardino, os autos seriam pouco

mais tarde remetidos ao Santo Ofício, não resultando porém em qualquer denúncia53.

Ocorreria perguntar se a rigidez da postura do Cabido de Coimbra, então sede vacante,

não seria porventura relacionável com a ausência da figura individual do antístite, cujas

orientações pastorais, devoções ou idiossincrasias poderiam eventualmente pesar sobre

a posição adotada.

51 Constituiçoens synodaes do bispado de Coimbra, feitas e ordenadas em synodo pelo illustrissimoSenhor Dom Afonso de Castelo Branco Bispo de Coimbra, Conde de Arganil do Conselho Del Rey N. S.[…] impressas em Coimbra, anno 1591, e novamente impressas no aano de 1730 […], Coimbra, RealColégio das Artes da Companhia de Jesus, 1731. p. 212 O Título XIX, relativo à "fundação e reparaçãode Igrejas, Mosteiros, e Ermidas, e da fábrica, e ornamento delas", refere, na sua primeira Constituiçãoque "não se pode edificar Igreja, Mosteyro, nem Hermida, nem levantar Altar sem licença dos Prelados,& sua aprovação." ( p. 212 da edição de 1731).52 Cfr. Giuseppe dalla TORRE, “Santità ed economia processuale. L’esperienza iuridica da Urbano VIII aBenedetto XIV”, in Gabriella ZARRI, Finzione e santità tra medioevo ed età moderna, Turim, Rosenberg& Sellier, p. 235.53 Vd. ANTT, Inquisição de Coimbra, Livro nº 291 (Cadernos do promotor), fls. 830-940.

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2. Do desacato ao Desagravo do Santíssimo Sacramento: contornos da piedade

eucarística54

A recensão, de que inicialmente partimos, da linearidade das origens

fundacionais do Louriçal proposta por Manuel Monteiro, não se traduz, evidentemente,

em descartar o papel catalisador da profanação de Santa Engrácia, mas tão-só em

redimensioná-lo, fazendo-o imergir no profícuo terreno espiritual assinalado pela

prossecução, por Maria de Brito, de um modelo de santidade claustral de perto

caucionada pela direção espiritual de Bernardino das Chagas.

Não podemos, com efeito, reservar ao desacato um valor casual ou meramente

episódico, pois que as suas aflorações e consequências virão a cruzar-se em

profundidade com a história da fundação monástica. Vejamo-lo um pouco mais de

perto.

De todos os atentados sacrílegos ocorridos em Portugal, foi talvez o de Santa

Engrácia o de que maior ressonância auferiu55. Entendido como manifesto da ira divina

pela impiedade dos homens56, dele sairia injustamente inculpado um certo Simão Pires

Sólis, cristão-novo57, intempestivamente condenado à morte de fogueira em sentença

que um erudito do tempo definiria como a “mais iniqua que se havia dado depois da

Paixão de Christo Nosso Senhor”58.

54 Parte do que analisamos neste ponto fora já antes tratado na Parte I da nossa dissertação, já aquireferenciada (Em desagravo do Santíssimo Sacramento: o “Conventinho Novo”. Devoção, memória epatrimónio religioso, Vol. I.).55 Frei João de S. Boaventura, na obra que ao tema especificamente dedica, demonstra ter sido amplo oseu espetro cronológico e vária a sua geografia. Ao primeiro desacato, ocorrido em 126655 na paroquialde Santarém, ter-se-ão seguido os de Coimbra (1362), Capela Real (1552), Porto (1614), Santa Engrácia,naturalmente, Odivelas (1671), Palmela (1779) e, já em Oitocentos, Montemor-o-Velho e Braga. Cfr.João de S. BOAVENTURA (frei), Breve noticia dos desacatos mais notaveis acontecidos em Portugaldesde a sua fundação até agora, e o Sermão do Desaggravo pelos ultimos, comettidos neste mesmo anno,Lisboa, Impressão Régia, 1825.56 Tendo ocorrido em noite de inclemente procela, o sacrilégio pareceu confirmar certas observaçõesmatemáticas segundo as quais o ano de 1630 se revelaria “fatal no mundo” e “prodigioso na terra” , sendopor isso entendido como castigo divino e, como tal, acolhido com redobrado terror. Cfr. Manuel ÁlvaresPEGAS, Tratado Histórico e Jurídico sobre o sacrílego furto, execrável sacrilégio que se fez em aParoquial Igreja de Odivelas, Termo da Cidade de Lisboa, na noite de dez para onze do mês de Maio de1671, Madrid, 1678, p. 33.57 A iniquidade da sentença viria pouco mais tarde a confirmar-se. Um condenado à morte em Orensepelo furto de alfaias numa igreja, terá confessado o crime e referido a inocência de Sólis. (Vd. RibeiroGUIMARÃES, Ribeiro GUIMARÃES, Sumário de vária história, Vol. I, Lisboa, 1872, pp. 82 – 83.)58 Por Acórdão da Relação de 31 de Janeiro de 1631. (Cfr. António Joaquim MOREIRA, Colecção dasmais célebres sentenças das Inquisições de Lisboa, Coimbra e Gôa, Vol. I, 1863, fls. 146 – 149v.). Atranscrição completa da sentença encontra-se ainda noutros escritos, como em Ribeiro GUIMARÂES,

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A culpabilização, célere e escorreita, de um cristão-novo, remete

inevitavelmente para a tensão que se fazia então sentir em relação à “gente da nação”.

Neste sentido, resumiria Freire de Oliveira que, naquela ocasião, todas as classes sociais

estavam “muito irritadas com os christãos novos, porque elles tinham tido recursos e

manha bastante para obterem d’el-rei D. Filippe a carta regia de 17 de Novembro de

1629, que era enormidade!”. Restabelecendo a livre saída do reino dos cristãos-novos,

medida já intentada em anterior édito de graça59, o diploma conheceria acérrima

oposição60. Não admira, portanto, que se tivessem acendido as iras dos povos, na

colorida expressão de Freire de Oliveira, e, simultaneamente, feito recrudescer a

acrimónia em relação ao governo de Castela, convertida agora em “profundo rancor e

em odio declarado”61.

Mais que a ordem instituída, o desacato atingiu em primeira mão o Santíssimo

Sacramento, não inocentemente instituído como intermediário do mal-estar geral. Em

causa estava a ofensa à divindade transubstanciada, cerne da devoção eucarística então

profundamente enraizada no reino e fora dele. Gozando de elevado favor muito antes de

Trento62, o culto do milagre eucarístico viu-se reafirmado e reavivado em consequência

das disposições exaradas por aquele concílio ecuménico, que, na sua sessão XIII,

estabeleceria a presença real de Cristo nas partículas consagradas (sub species),

decretando a legitimidade do seu culto e da veneração do Santíssimo exposto no

tabernáculo63. Tal premissa, importa repisar, fora amplamente contestada pelo

protestantismo durante o século XVI, representando um ponto fulcral de cisão em

relação à doutrina católica. A recuperação desse fundamento e o renovado alento

Summario de varia historia, Vol. I, Lisboa, 1872, pp. 79 - 84, ou nas já citadas obras de Álvaro Pêgas edo Padre Manuel Monteiro.59 O édito previa a livre saída dos cristãos-novos do reino e a possibilidade de habilitação para cargos ehonras seculares.60 Trata-se do édito de graça decretado por carta régia de 26 de Junho de 1627. A fação integristainterporia vigorosa resistência à aplicação do diploma. Ter-se-ia formado a partir do congresso realizadoentre maio a agosto de 1629 em Tomar (no Convento de Cristo), reunindo teólogos, bispos, juristas eletrados em torno do édito de 1627 e da questão dos cristãos-novos.61 Eduardo Freire de OLIVEIRA, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1.ª Parte, Tomo III,Lisboa, Tipografia Universal, 1887, p. 338.62 A festa do Corpo de Deus, por exemplo, fora instituída em 1246, em Liège, enquanto a devoção dasQuarenta Horas teve início em Milão, em 1527. A primeira irmandade do SS.mo foi criada em Roma naIgreja dominicana de Santa Maria sopra Minerva, sendo aprovada pelo papa Paulo III em 1539. (Cfr.JoãoFrancisco MARQUES, “A renovação das práticas devocionais”, in Carlos Moreira AZEVEDO (dir.),História Religiosa em Portugal, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 568).63Cfr. Alfonso Rodríguez G. de CEBALLOS, “Liturgia y configuración del espacio en la arquitecturaespañola y portuguesa a raiz del Concilio de Trento”, in AAVV, Aunario del Departamento de Historia yTeoría del Arte, Madrid, Universidad Autonoma de Madrid, Vol. III, 1991, p. 43. A sessão foi realizadaem 1551.

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insuflado ao culto e veneração eucarísticas devem ver-se, portanto, no quadro da

vocação disciplinar e catequética contrarreformista e da afirmação doutrinal do próprio

catolicismo.

Profundo e abrangente foi o alcance das decisões conciliares a respeito do

dogma eucarístico, e foi-o de tal forma que a piedade, as manifestações e a arte religiosa

acabaram por tomar daí em diante, e por vários séculos, caminhos diferentes64.

Capaz de orientar o culto e ritos da Igreja e a espacialidade dos templos, o

Milagre Eucarístico ergue-se, com o caso de 1630, como corolário de um sentimento

compósito que justificará a conversão do desagravo numa arma contra uma impiedade

cujo espetro ultrapassará a sindicância exclusivamente pastoral. Atingidos tinham sido,

portanto, dois inexoráveis sustentáculos do poder: a nobreza - que em parte se revia no

ideário integrista – e a Eucaristia – a que o Reino desde sempre dispensara uma devoção

de carácter verdadeiramente fundacional65.

A reparação da impiedade ficaria cometida à então criada Confraria dos

Escravos do Santíssimo Sacramento, composta por cem fidalgos pretensamente

representantes das mais ilustres famílias do reino. Em sermão pregado pelo caso de

Santa Engrácia, diria, a propósito, o Padre Diogo de Areda, que “esta obrigação [de

reparação] corre muy particularmente a nobreza deste Reyno, porque pello mesmo caso,

que avultaõ mais no poder, devem de avultar mais na piedade, & na Religiaõ.”66

O rei, naturalmente, não ficaria alheio a esta reunião de Grandes. Primeiro entre

pares, Filipe III de Portugal declara, por carta de 11 de julho de 1631, haver por bem

aprovar a ereção da confraria e assentar-se nela e tomá-la debaixo de sua proteção67.

Sob a égide do escravo protetor, que não deixou de se associar a um manifesto cujas

premissas em parte visavam a sua própria ação governativa, toda a ulterior realeza de

Portugal se alistou neste exército de desagravo ao Santíssimo Sacramento.

Ao longo dos tempos, pela Confraria passaram membros de casas tão sonantes

como, entre outras, as do Louriçal, Cadaval, Távora, Vila Nova de Cerveira, Angeja,

64 Cfr. Jean DELUMEAU, Le catholicisme, p. 50, apud João Francisco MARQUES, “A renovação daspráticas devocionais”, p. 563.65 Veja-se, a propósito, Atentados sacrílegos, devoção eucarística e afirmação do poder no Portugal doAntigo Regime. Os casos de Santa Engrácia, Odivelas e Palmela, texto que apresentámos ao Encontro deJovens Investigadores em História Moderna em 2009 (a publicar nas respetivas atas).66 Diogo de AREDA, Sermão que o Padre Diogo de Areda da Companhia de Jesu, fez na Igreja deSancta Justa na cidade de Lisboa, estando o Sanctissimo Sacramento em publico, pello caso que socedona igreja da sancta Engracia da mesma cidade, Lisboa, Oficina de Pedro Craesbeeck, 1630, fl. 12 v.Julgamos ser este o primeiro sermão do desagravo impresso pelo caso de Santa Engrácia.67 AHSPL, Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento, Livro do Acordos de 1631 (Lv. 55), fl.3v.

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Lumiares ou Barbacena. Não deixando de associar-se ao poder representado por esta

reunião grandes, figurariam inclusivamente nos assentos as assinaturas de Paulo de

Carvalho e Mendonça e de seu irmão, o Marquês de Pombal.

Com os Escravos, o desagravo tomaria uma feição celebrativa e laudatória que

viria a traduzir-se em duas realizações a vários títulos grandiosas: o Tríduo do

Desagravo e, mais tarde, as Obras de Santa Engrácia. Dos festejos, com assento nos

anais da história religiosa do país, realizados nos dias 16, 17 e 18 de janeiro para

expiação do desacato, oferece-nos o Anno Historico uma tão precisa quanto colorida

descrição:

Todos os annos [os Escravos do Santíssimo] o festejão trez dias, com

luzidissima pompa, […], e nelles, trazem publicamente sobre o peito, pendente

de hum listão encarnado, huma Medalha com os sinaes da sua escravidão, de

que muito de prezão, como devem. Neste primeiro dia, faz a festa a Capella

Real, com assistencia dos Reys, e Infantes; No Segundo, e terceiro, a fazem

varias Religioens por seus turnos, e quasi todas vão em comunidade adorar o

sacramento a diversas horas dos tres dias; Na tarde do ultimo, assistem outra

vez as Pessoas Reays, e na Procissão (com que se dá fim á festa), levam as

primeiras varas do Palio.68

Em 1632, porém, a incumbência da Confraria, até então circunscrita às

celebrações festivas, ao culto e adorno da capela-mor e ao provimento do prior69,

estender-se-ia ao domínio arquitetónico, passando a envolver a reconstrução da capela

profanada70. Talvez não seja descabido lembrar que 1632 corresponde à data do trânsito

de Maria do Lado e, concomitantemente, à construção e consolidação de uma memória

68 Francisco de SANTA MARIA, Anno historico, diario portuguez, noticia abreviada de pessoasgrandes, e cousas notaveis de Portugal, Vol. I, Lisboa, Oficina de Domingos Gonçalves, 1744, p. 103.69 AHSPL, Livro do Acordos de 1631 (Lv. 55), fl. 4.70 Lembramos que sobre os responsáveis pela derrocada impendeu o ónus da construção da igreja nova.Ora, figuram entre os oficiais que aí trabalhavam João Antunes, como mestre pedreiro, ao lado de ManuelPinheiro e António Pereira. Aires de Carvalho sublinha que D. Francisco de Sousa era irmão do arcebispoD. Luís de Sousa, embaixador de D. Pedro II em Roma, e preconizador da fação integrista. Esta novaigreja constituiria, pois, uma reafirmação da vitória do Santo Ofício sobre as pretensões dos cristãos-novos e uma continuidade simbólica do desacato cometido em 1630. (Cfr. Aires de CARVALHO, Asobras de Santa Engrácia e os seus artistas, pp. 36-38).

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por meio de uma obra arquitetónica. Na aparente coincidência, quem sabe não se

esconda um nexo de causalidade.

A ideia de dar expressão edificada à expiação de uma ofensa ao Santíssimo não

seria incomum à época, encontrando inclusivamente suporte na literatura. Refletindo, no

Capítulo IV da sua Historia Sacra del Santissimo Sacramento Contra las Heregias

destos tiempos, sobre as impiedades perpetradas contra a Eucaristia, Frei Alonso de

Rivera preconizaria “que se deve hazer alguna obra señalada y permanente, como

edificar algun templo en honra del tal desacato”, precisando mesmo

Que adonde se cometiô el delito ay sea la satisfacion. Y assi cõviene q. en

semejantes casos se haga una obra señalada, en honrra del sanctiss.

Sacramento, cõviente a saber un templo muy sumptuoso cõforme a la calidad de

la villa ô del lugar aonde sucedió el escandalo: por ser los t plos las obras

exteriores del culto y adoraciõ latria, devida totalmente a Dios. 71

Mas a extensão do desagravo conhecerá outra expressão ainda, protagonizada

por uma curiosa declinação feminina da irmandade dos cem nobres. As Escravas do

Santíssimo Sacramento, a quem nos referimos, surgiriam, não casualmente, por mão de

D. Isabel de Bourbon, primeira mulher de D. Filipe III, ele próprio irmão e primeiro

protetor da recém-criada Confraria dos Escravos, e compor-se-iam igualmente por

membros da mais distinta nobreza72. "Louvar e servir a Nosso Senhor Jesus Cristo

Sacramentado, em desagravo do sacrilégio que cometeram os hereges na Igreja de Santa

Engrácia”73 constituía a finalidade desta associação, sediada na Igreja do Mosteiro da

71 Frei Alonso de RIVERA, Historia Sacra del Santissimo Sacramento Contra las Heregias destostiempos, Madrid, Luis Sanchez Imprensa de su Magestad, 1626, p. 111. Frei Alonso era pregador geral daOrdem de S. Domingos. Vd. Paulo Varela GOMES, op. cit., p. 236.72 No momento presente, é Escrava Protectora D. Isabel de Herédia, representante da Casa Realportuguesa. Para além das rainhas, numerosas princesas e infantas pertenceram à irmandade, como refereRafael Marçal em “Um grande desacato cometido há mais de 300 anos e cuja lembrança perdura. Asobras de Santa Engrácia e a Instituição das Escravas do Santíssimo Sacramento”, Arquivo Nacional,Lisboa, Ano 10, Vol. 20, n.º 519, p. 813.73 Rafael MARÇAL, op. cit., p. 813. O autor cita o compromisso, possivelmente o primeiro, do qualpoucas outras notícias haverá. A irmandade reger-se-ia, mais tarde, pelos Estatutos reformados editadosem 1914.

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Encarnação das Comendadeiras de Avis, em Lisboa, e cujo primeiro compromisso data

de 165174.

Entre as festividades e devoções de que se incumbiam, salienta-se, pela

magnificência, um oitavário de desagravo ao Santíssimo Sacramento, com início na

tarde do dia de Corpus Christi75. Segundo a História dos Mosteiros, em cada dia da

festa ficava o “Senhor exposto das tres horas ate as seys, com muzica”, sendo “o ornato

da igreja […] o melhor que possa ser, no que as Irmãs porám todo o cuydado, nam se

izentando alguma de servir o melhor que poder”76. Celebrada com a mais fulgente

pompa, da festa faria também parte uma majestosa procissão que percorria os claustros

ao som de cânticos litúrgicos, precedida das recolhidas e das moças de coro, trajando

estas últimas, “uns mantos brancos dos quais se destacava a cruz floreteada da Ordem

de Aviz”77.

74 Interessa notar que o Mosteiro da Encarnação, depois de arruinado por um incêndio nos anos 30 deSetecentos, foi reedificado por D. João V. Veja-se, sobre o caso, António Caetano de SOUSA, HistóriaGenealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo VIII, Coimbra, Atlântida-Livraria Editora, Lda., 1951, p.137.75 Durval Pires de LIMA, História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa, Vol. II,Lisboa, Imprensa Municipal, 1972, p. 438. Os estatutos de 1914 referem que, dentro do Oitavário, é navéspera do dia de Corpo de Deus que realmente se comemora o desacato de 1630, sendo esta “a chamadafesta principal da Irmandade” (Vd. Estatutos reformados da Irmandade das Escravas do SantissimoSacramento do Mosteiro da Encarnação da Ordem Militar d’Aviz, Lisboa, Tipografia Pessoa, 1914, Art.º12, p. 11).76 Durval Pires de LIMA, op. cit., p. 438.77 José Pinto de AGUIAR, “Uma visita ao Convento da Encarnação”, Olisipo, ano XVII, n.º 67, Julho de1954, p. 124.

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3. Um longo processo de Desagravo: a fundação do Mosteiro do Louriçal

3.1. Os primórdios

Na existência de um "modo de vida" de feição monástica, de uma comunidade

observante e de uma sede física, assentavam, subordinadas à vocação específica da

fundação, encarnada por Maria do lado, as bases do Mosteiro do Louriçal. Sobre o local,

investido de natureza prodigiosa, onde a Venerável nascera, vivera e morrera se

ergueriam, qual extensão simbólica do seu próprio corpo, os fundamentos da novel

observância. Esclarece o Padre Manuel Monteiro que o templo terá ficado situado sobre

o local do nascimento da fundadora, posto que

Como aquelle sitio era o em que a serva de Deos nascera, pareceo justo que

assim como nelle dera principio á vida, e á regularidade, que nelle se

observada, se trasladasse para elle o seu corpo, o que se fez no dia 30 de Agosto

do anno de 1652.78

As adversidades canónicas e institucionais não lograriam inibir o fulgor do

projeto, mas talvez antes espicaçá-lo. Como vimos, a constituição desta nova "religião"

funcionava como atestado em favor da santidade da sua venerável fundadora.

Materialmente, o recolhimento lograria sobreviver graças aos bens deixados pelo

pai de Maria do Lado, por seus tios, Ana Cordeira e Afonso da Mota e pelas

contribuições que, em jeito de dote, seriam creditadas pelas primeiras recolhidas79.

Em 1638, Catarina do Sacramento, Filipa das Chagas e Maria Baptista, três das

beatas que haviam dado corpo à incipiente vida comunitária instituída em vida de Maria

do Lado, fundam uma capela pela qual se daria enquadramento legal à gestão do

património cenobítico80. A escritura correspondente revela abertamente que as

recolhidas

78 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 54.79 Veja-se a documentação relativa a propriedades e bens do Convento do Louriçal em ANTT, Arquivodas Congregações, mç. 32, mct. 10.80 Cfr. Parecer de João Lourenço de Almeida de Sousa sobre a obrigação de capela instituída porCatarina do Sacramento, Filipa das Chagas e Maria Baptista em 1638. O parecer tem a data de 1766.(ANTT, Arquivo das Congregações, mç. 32, mct. 10).

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Desejavão fazer neste Lugr. do Lourical hum Mostr. de Freiras, ou ao menos

hum Recolhimen.to, e q. p.ª esta obra tinhão feito doação entre vivos valedoura

de todos os seos bens, havidos, e por haver.81

Um mosteiro estava, portanto, no horizonte das religiosas e de Frei Bernardino -

a um tempo confessor e procurador daquelas e mentor, ele próprio, da obra. Ao

possibilitar-se, portanto, a receção de bens, provindos, neste caso, das doações

dispensadas pelas postulantes, não só se viabilizava a ampliação da comunidade, quanto

a ampliação do edificado. Vários são os documentos que o atestam. Em 1643, Maria da

Trindade, pretendendo ingressar no recolhimento e dedicar-se ao serviço de Deus,

assina escritura de doação, em nome da capela do Santíssimo Sacramento ereta no

recolhimento, de todos os seus bens presentes e futuros às três recolhidas acima

designadas e a todas as mais que lhes sucedessem por morte. A doação, com função e

natureza de dote, formalmente realizada na casa das “Donzellas Recolhidas

companheiras no serviço de Nosso Senhor”, teria como fim o sustento da candidata e o

aumento e assentamento das obras da casa. Seguir-se-lhe-iam, em idênticos moldes, as

doações de Sezília do Sacramento (julho de 1660), Serafina do Sacramento, meia-irmã

de Maria do Lado (março de 1665), Francisca do Espírito Santo e Catarina de Santo

António (dezembro de 1669). Mais tarde, em dezembro de 1704, não estando o

mosteiro ainda canonicamente fundado, assinam escritura de dote os pais da noviça Inês

Maria do Lado do Menino Jesus. O ato notarial tem lugar na "portaria" do recolhimento

e nele é já feita referência à figura da "madre regente", claros atestados do

robustecimento institucional do cenóbio82.

Objetivo e certeiro, o Padre Manuel Monteiro resume e complementa a

inventariação que ensaiámos. Dirá que as pessoas da localidade

naõ só concorreraõ com o que tinham para a nova fabrica, e sustentação della,

mas hum seu irmaõ [de Maria do Lado], que era o P. Francisco da Cruz […],

deo o que podia pertencer-lhe para o novo Recolhimento, cujo exemplo seguiraõ

81 Ibidem.82 Sobre os bens e propriedades do primitivo Recolhimento, vd. ANTT, Arquivo das Congregações, mç.32, mct. 10.

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as mais recolhidas, fazendo todas os seus bens comuns, como os fieis da

primitiva Igreja.83

Além deste concurso de bens provindos das recolhidas e de Francisco da Cruz,

informa ainda que, para o “novo edifício”, o jesuíta dará “grande calor, agenciando

esmolas, que com as que davão os moradores da Villa, naõ só se fez a Casa, mas a

Igreja.”84

Através de dotes, doações ou legados, o beatério sobreviverá materialmente,

numa primeira fase, graças à família de Maria do Lado. Na hierarquia de créditos,

António do Rego, pai da fundadora, assume-se como figura cimeira. A ele pertencia a

casa onde se instalou o recolhimento e, em grande parte, os créditos aí vertidos dele

derivavam, tendo presente que grande parte da sua descendência - e, por conseguinte, da

sua herança - viria a ingressar no novel recolhimento. As suas quatro filhas, nelas

incluída Maria do Lado, a segunda mulher, e algumas netas e bisnetas, terão garantido,

ao longo de largos anos, o funcionamento da casa, a que os filhos, Padres João Soares e

Francisco da Cruz terão aportado não só benefício material quanto espiritual85.

O limbo institucional que envolveu a alba do recolhimento, no tempo

coincidente com a vacância da Sé episcopal de Coimbra, conheceu uma substancial

alteração a partir do provimento daquela, efetivado em 1638, com o advento do bispo D.

João Mendes de Távora. Aos 28 de Abril de 1640, data aniversária da morte de Maria

do Lado, era solenemente colocada a primeira pedra da Igreja do Recolhimento. Não

casualmente dedicada ao Santíssimo Sacramento, ver-se-ia finalmente sagrada em

164686. Note-se, num aparte, e a acentuar a discutibilidade da eficácia do controlo

exercido pela autoridade eclesiástica, e, no seu reverso, a vitalidade desta fundação

espontânea, que Bernardino das Chagas já rezava missa no recolhimento e nele

instituíra como solene o dia das revelações do desacato87.

83 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 50-51.84 Idem, ibidem, p. 51.85 Veja-se o estudo de Sílvia ALEXANDRE, O Convento do Santíssimo Sacramento do Louriçal.Doações, compras, rendas (1630-1800), elaborado no âmbito do Seminário de Licenciatura emConservação e Restauro - Ramo de Arte Lusíada apresentado ao Instituto Politécnico de Tomar, Tomar,s/n, 2001. Vejam-se especialmente as páginas 6 a 14.86 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 51.87 ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2523, Breve recompilação da vida da serva do senhor, maria dolado composta pelo muito venerável padre frei bernardino das chagas, seu confessor, religioso da ordemdo seráfico padre são francisco e nela lente de artes [...], fl. inum.

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Mais tarde, a 24 de Janeiro de 1659, e provavelmente a instâncias do Padre

Francisco da Cruz, de reconhecida influência na corte pontifícia, o Papa Alexandre VII

(1655-1667) concede indulgência plenária à “irmandade, ajuntamento ou congregação

de Terceiras de S. Francisco do Louriçal”88.

Foram paulatinos, mas perseverantes, os passos dados no sentido da consecução

do almejado mosteiro e, concomitantemente, da consagração canónica da Regra. No

entanto, a um novo período de aparente estagnação, novamente coincidente com

vicissitudes inerentes à vida institucional da diocese, cuja sede vagara entre 1646 e

1668, e com o corte de relações entre Portugal e a Santa Sé, sucederia, assinalando-lhe o

termo, o governo pastoral de D. Frei Álvaro de São Boaventura89.

Nesta altura, um renovado alento insufla a história do recolhimento. A 18 de

agosto de 1673, um breve de Clemente X, concede a posse de sacrário à igreja do

recolhimento. Em 19 maio de 1674, D. Frei Álvaro coloca solenemente o Santíssimo na

igreja, em ato que seria tomado como providencial porque assertivo de uma profecia de

Maria do Lado, por Deus inspirada a ver

naquelle sitio huma Igreja feita para seu Senhor Sacramentado, muito armada,

e cheirosa, e que por hum especial Breve do Summo Pontifice vinha colloca

nella o Santissimo Sacramento hum bispo da Religioaõ Serafica, cujas feiçoens

descrevia com miudeza.90

Diz-nos ainda Manuel Monteiro que o bispo

favoreceo muito aquella Casa em quanto lhe durou a vida, porque comprou a

área para se lhe fazer huma bastante cerca, que murou toda á sua custa; e para

mayor largueza, tinha ajustado a compra da casa da Misericordia por huma

88 Meio-irmão de Maria de Brito, o padre jesuíta Francisco da Cruz viria a destacar-se pela erudição e agozar de amplo reconhecimento junto da Cúria Romana, na qual assistiu enquanto revisor dos livros daCompanhia de Jesus, e, não menos, junto da corte, como bem atesta o seu estatuto de mestre e confessorde D. João V. Viria a falecer em Lisboa, na Casa Professa de S. Roque, em janeiro de 1706. (Veja-se, apropósito, António FRANCO (SJ), Imagem da virtude em o noviciado da Companhia de Jesus no RealCollegio de Jesus de Coimbra, no qual se contem as vidas, e virtudes de muytos Religiosos, que nestaSanta Caza foraõ Noviços, Tomo II, Coimbra, Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1719, pp.679-681).89 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 58.90 Idem, ibidem.

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Escritura publica, que celebrou com o Magistrado da Vila, e com obrigação de

fazer outra, que he a que hoje existe, á qual tinha ja aberto os alicerces, quando

lhe sobreveyo a morte, que lhe impedio o designio de fabrica hum sufficiente

Convento.91

Importante avanço terá conhecido a construção em tempos de D. Frei Álvaro, de

forma tal que, ao falecer, em janeiro de 1683, a construção da Igreja da Misericórdia do

Louriçal, cujo primitivo edifício seria incorporado no perímetro monástico, começara já

então a erguer-se. De resto, uma escritura de 1682 relativa a casas de residência do

confessor das religiosas do Convento e, do ano seguinte, uma certidão de sisa, parecem

denotar uma franca progressão da empreitada92.

Não seria inusitado em D. Frei Álvaro o favor dispensado ao Louriçal. Da índole

benfazeja do antístite dá-nos o Padre Manuel Fialho viva nota:

Comprou o que chamavam paço do Conde e o deu para casa de convertidas.

Desde os primeiros fundamentos levantou o convento de Religiosas de

Sendelgas e grande parte do do Louriçal. No Santo retiro do Buçaco, dos

Religiosos Carmletias Descalços, fundou vinte ermidas e uma para si, tôdos com

seus retábulos e imagens da Paixão do Senhor; a todas ajuntou aposentos para

viverem Religiosos.93

Encantado com uma missa que dele ouviu, D. Pedro, ainda príncipe, nomeá-lo-ia

Bispo de Elvas. Depois de ter passado pela diocese de Viseu, e vagando o bispado de

Coimbra, foi prontamente feito seu prelado. O Padre Fialho adianta ainda ter executado

“muitas obras de ornato das casas de Deus”, orientando as obras da Sé de Coimbra,

levantando a Igreja da freguesia de S. João e beneficiando a construção da capela-mor

da igreja do colégio da Companhia de Jesus. “Em todos os Bispados", dirá "foi tido por

91 Idem, ibidem, pp. 58-59. Tais termos seriam na prática reproduzidos no Decreto de comutação delicença para fundação, ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, Lv. 34, fls. 146 v. – 147 v., que refere que obispo “fizera h a grande cerca bem murada, e tinha prometido acabar e dottar o convento e haver asLicenças, o que pela morte atalhou.”92 Certidão de sisa (1683), ADLRA, Convento do Louriçal, Certidões (ADRLA/Dep. VI/25/A/2).93 António FRANCO (padre; S.J.), Évora ilustrada. Estraída da obra do mesmo nome do P.e ManuelFialho, (publicação, prefácio e índices de Armando de Gusmão), Évora, Edições Nazaré, 1945, p. 200.

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homem Santo, grandíssimo esmoler, consigo tão parco, que de um capote que tinha 24

anos mandou fazer uns calções, achando que tirava aos pobres o que se gastaria em os

novos.” Não admira que, à morte do prelado, de cuja grandeza e extremada abnegação

correria a fama, vários prodígios se tenham registado94.

A D. Frei Álvaro, falecido a 19 de janeiro de 1683, sucederá na sede episcopal

de Coimbra D. João de Melo, que, segundo o Anno Historico, terá feito “grande parte

do mosteiro de Louriçal”, seguindo porventura, no todo ou em parte, as diretrizes do

anterior prelado. É sob o novo antístite que, 6 de janeiro de 1688, se concede licença

para a fundação monástica95.

Sabemos pela História da Fundação que, por Alvará de 16 de Agosto de 1688,

D. Pedro II atendera à pretensão, invocada por D. Fernando de Menezes, 2.º conde da

Ericeira, de converter em mosteiro o velho recolhimento das terceiras franciscanas. Para

tal, fora servido comutar a licença anteriormente dispensada ao fidalgo para a ereção de

um convento de Agostinhos na Ericeira, intento que, por alguma razão, ficara sem

efeito. Desejando “antes da sua morte fazer a Deos algum serviço”, e tendo em conta a

grande fé nos milagres e profecias de Maria de Brito, que deixara “declaradas por

obediencia de Seu Confessor as perdas de Castella o lovantamento deste R.no e as

fellicidades delle”, D. Fernando propunha-se retomar a obra meritória de D. Frei Álvaro

de São Boaventura que, à sua custa, “fizera h a grande cerca bem murada, e tinha

prometido acabar e dottar o convento e haver as Licenças, o que pela morte atalhou.”

Assim, e “por em todo aquelle Bispado nem os cercumvisinhos haver convento algum

da primeira Ordem e tendo este congrua para se sustentar” - para além da esmola

perpétua concedida pelo conde “todos os annos vinte e quatro mil rs. em dinheiro, hum

moyo de trigo outro de milho e meyo moyo de feyjões, e azeite p.ª a Lampada do

Santissimo Sacramento” -, o rei não hesitaria em subscrever o propósito do seu valido96.

Também a D. Fernando se deveria a construção da arca fúnebre destinada a

celebrar, na morte, a memória de Maria de Lado. Instalado sob a capela-mor da igreja

do antigo beatério, o monumento, destinado a conservar as cinzas da Venerável, exibia

o epitáfio que a devoção do conde fizera compor97. Teria este fidalgo larga motivação

94 Idem, ibidem, pp. 199-201.95 Manuel MONTEIRO, op. cit, p. 80.96 Decreto de comutação de licença para fundação, ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, Lv. 34, fls. 146 v.– 147 v.97 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit, p. 80. Para além de outros cargos, D. Fernando exerceu os de gentil-homem da câmara do infante D. Pedro, deputado da Junta dos Três Estados, vereador do Senado deLisboa, regedor da Casa da Suplicação e de conselheiro de Estado. Vd. Afonso Eduardo Martins

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para tais desempenhos, bastando para tal considerar as muitas profecias com que a

Madre agraciara alguns dos seus familiares. Sobre D. Henrique de Menezes, seu pai,

Maria de Brito vaticinara que “despois della morrer, havia [...] de entrar em artigo de

morte: e que por milagre, e intercessaõ sua havia de ser livre della.” Desta e “de muitas

outras mercês de Deos, que este Fidalgo recebeu por seus merecimentos, passou

certidaõ firmada com o seu nome.”

Além disso, à empresa aclamatória, glosada no profetismo de Maria do Lado,

estavam também intimamente ligados os Ericeiras. Frei Martinho do Amor de Deus

refere, a propósito, que D. Henrique e D. Fernando de Meneses "se haviaõ retirado"

para o Louriçal "com o sentimento de ver o Reyno de Portugal tyrannizado por

Castella". Mais tarde, porém,

Quando menos se esperava, chegou ao Louriçal a noticia da felice acclamaçaõ

delRey D. Joaõ o IV no primeiro de Dezembro de 1640, ordenando-se a D.

Fernando que fizesse acclamar ao novo Rey nos lugares circumvizinhos; o que

fielmente executou chegando a Lisboa no mesmo dia, em que os Reys tinhaõ

vindo de Villa Viçosa para a sua Corte.98

Já a D. Álvaro de Menezes, irmão de D. Fernando, a madre curara da iminente

cegueira, profetizando ficar “livre de todos os males” e “viver para fazer muitos

serviços” a Deus.99 Resta lembrar que, ao templo lisboeta de Santa Engrácia, e à

devoção que aí se celebrava se ligaram, por gerações sucessivas, os representantes de tal

Casa, que D. João V elevaria ao marquesado na pessoa de D. Luís de Menezes100. E é,

precisamente, no seio da nobre Confraria, das Obras de Santa Engrácia e de uma

fulgurante devoção eucarística que iremos situar D. Luís de Meneses em tão curioso

quanto elucidativo panegírico. Assim profere D. José Barbosa, autor do mesmo:

ZÚQUETE, Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. II, Lisboa, Representações Zairol, Lda., 1960, pp.560-562.98 Martinho do AMOR DE DEUS (O.F.M), Escola de Penitência, caminho de perfeição, estrada segurapara a vida eterna, Lisboa Ocidental, Oficina dos Herdeiros de António Pedroso Galrão, 1740, pp. 573-474.99 Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, pp. 477-478.100 Veja-se o Livro dos Acordaõs de 1761 (Lv. 58), conservado no AHSPL. Dos fls. 10 e 10v. consta,nomeadamente, uma listagem de irmãos mesários que, à época – compreendida entre 1653 a 1807 -,exerciam o cargo de Secretários de Estado.

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No anno de 1672 tocou ao Conde da Ericeira Dom Luiz de Menezes, como

Irmaõ novo, conforme o estilo daquella Real Irmandade, armar a Paroquia de

Santa Engracia, aonde a Nobreza de Portugal com o titulo de escrava do

Santissimo Sacramento celebrava naquelle tempo o desaggravo do mesmo

Senhor sacrilegamento roubado naquella Paroquia em a noyte de 16 de Janeiro

de 1630. Era taõ vasta, como nobre a idea do Conde, e para adornar a Igreja

descobrio huma novidade, que atè agora naõ teve semelhante. Mandou formar

no tecto da Igreja hum Firmamento com todas as Constellações, e Planetas,

representando tudo, como se vè no Globo, com ouro, e luzes furtadas. O Sol

encobria a Custodia com tal arte, que ao tempo de se expor o Senhor, se

começava a mover taõ regulada, e vagarosamente, que ao tempo de se encerrar

o Sacramento, que era perto da noyte, fechava o seu circulo no mesmo ponto,

em que lhe dera principio. Era geral em todos a admiraçaõ de taõ agradável

vista; mas ao Conde ainda se fez mais agradável o que no terceiro dia lhe disse

um Clerigo de conhecida virtude, chamado o P. Manoel Dias, porque lhe

prometeo da parte daquelle Sacramentado, e Desaggravado Senhor, a quem

servira com tanto obsequio, e com tanta despeza, hum filho no mez de Janeiro

seguinte. Para lhe dar credito o dezejo do Conde naõ era necessario, que fosse

tambem fundada no conceito commum de toda a Corte a opiniaõ daquelle

Sacerdote101

Parecendo acompanhar o processo de constituição da elite titular da dinastia de

Bragança - que, na análise de Nuno Monteiro, terá coincidido com a transferência das

respetivas residências para a corte e tido por base a remuneração dos serviços prestados

à monarquia, muitos dos quais ligados ao desempenho militar durante as guerras da

Restauração102 - o percurso dos representantes da Casa do Louriçal terá paralelamente

representado o estreitamento do elo entre a Corte e a vila do Louriçal, ao criar uma

apetência para a causa protagonizada pela Venerável Maria do Lado.

101 D. José BARBOSA, Elogio do Illustrissim. e Excellent. Senhor D. Francisco Xavier de Menezes IVConde da Ericeira, Lisboa, Oficina de Inácio Rodrigues, 1745, pp. 17-18.102 Cfr. Nuno Gonçalo Freitas MONTEIRO, Elites e poder. Entre o Antigo Regime e o Liberalismo,Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 111. Como vimos, tanto D. Pedro II como D. João V,ambos fundadores e protetores do novo mosteiro de clarissas, tiveram como nobres de seu grandevalimento D. Fernando de Menezes e seu descendente D. Luís, 1.º Marquês de Louriçal.

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Com D. Pedro II, este processo ganharia o vigor que não lograra alcançar nos

reinados precedentes, pondo fim a um hiato de cerca de meia centúria que suscitaria nos

mentores da causa o temor da inexequibilidade das profecias da Venerável. A mesma

meia centúria, aliás, a que correspondera a estagnação das obras de Santa Engrácia até

que o Pacífico desse expressão material à sua identificação com a causa103. É

interessante que, ao restabelecimento do Tribunal do Santo Ofício, a 22 de agosto de

1681, se sigue, a 31 de agosto de 1682, a colocação solene da primeira pedra da nova

Igreja de Santa Engrácia, projeto do arquiteto João Antunes.

Recorde-se que foi também este o monarca que, por decreto de 5 de junho de

1663, tomou o Santíssimo Sacramento como “protector das armas portuguesas” e, de

seguida, consignou a prestação anual, por um período de dez anos, de uma esmola de 4

mil cruzados para as obras da capela-mor do templo profanado104. Mais tarde, em 1699,

viria a instituir como protetor do "género do tabaco" o Santíssimo Sacramento da

freguesia de Santa Engrácia, para as obras de cuja paroquial passaria a fazer doação

anual de 100.000 réis daquele género105.

Nesta intrincada mas previsível teia, não deixariam também de marcar presença

as Escravas do Santíssimo Sacramento, a quem a fama de virtudes da serva de Deus

levaria D. Isabel de Castro106, comendadeira do Mosteiro da Encarnação, a solicitar a

Frei Bernardino uma relíquia da madre107. Em anexo à almejada relíquia, o frade

encarregar-se-ia de enviar, saída de seu punho, uma súmula biográfica da prodigiosa

confessanda108.

A devoção a Maria do Lado, a proximidade de D. Fernando e de D. Frei Álvaro

de São Boaventura constituirão seguramente parte do contexto que animou D. Pedro II a

assumir a direção dos destinos do recolhimento, propondo-se convertê-lo em mosteiro

clausurado, para além de beneficiar anualmente a construção com seis mil cruzados. De

modo tal que,

103 A capela-mor de Santa Engrácia encontrava-se em construção havia 41 anos - até que, em 19 defevereiro de 1681, na sequência de uma noite de violento temporal, acabaria por desabar, arrastandoconsigo a destruição de parte do templo.104 Por decreto de 7 de Junho de 1663. AHSPL, Livro do Acordos de 1631 (Lv. 55), fls. 76 – 77.105 Idem, ibidem, fl. 133 v. Contém a cópia do Alvará régio (de 10 de Dezembro de 1703).106 Julgamos tratar-se da mulher do 1.º conde da Ericeira, D. Diogo de Menezes, este último tio do 2.ºconde D. Fernando.107 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 330-331.108 Idem, ibidem, pp. 333 – 349.

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sem reparar em despesa, que certamente havia de ser grande, mandou ao

Louriçal o P. Francisco da Cruz, e com elle hum insigne Architecto daquelle

tempo, chamado Joaõ Antunes, que em muitos edificios sumptuosos desta Corte

tinha acreditado o seu nome com os primores da arte; e este, tomando as

medidas necessarias, fez a planta, e em fim se lançou a primeira pedra para a

obra no dia de Santa Francisca Romana a 9 de Março de 1690 […].109

Por breve de 24 de Maio de 1692, do Papa Inocêncio XII110, a primitiva casa de

terceiras franciscanas é elevada à regular observância. O documento dá resposta ao

pedido de Serafina do Sacramento (1634-1697), "Superiora, e mais donzelas do

Recolhimento das Virgens Seculares da Vila do Louriçal", para que o Santo Padre

aprove os estatutos do futuro mosteiro e nomeie as fundadoras - Soror Helena da Cruz,

do Convento da Esperança de Lisboa ou, na sua falta, Soror Cecília Sebastiana, do

Mosteiro da Conceição de Beja, ambas religiosas de Santa Clara, em conjunto com

outras duas ou três Irmãs da mesma Ordem e Instituto, a nomear pelo Núncio

Apostólico ou, na sua falta, pelo Bispo de Coimbra. Anuindo parcialmente à pretensão

das recolhidas, o Pontífice encarrega D. João de Melo de redigir os estatutos da casa,

determinando a sua sujeição canónica à Primeira Regra da Ordem de Santa Clara e às

Constituições de Santa Coleta e a especificidades regulamentares consentâneas com a

"Vida Revelada"111.

Apesar de substantivo, o impulso não garantiria a consumação da fundação,

como bem revela a Biblioteca Lusitana quando circunstanciadamente alude a esta fase,

em relato que espontânea a abertamente sublinha o quanto um processo de alcance

institucional se faz de estreitos contatos individuais. Assim o expressa:

Ultimamente quem com mayor empenho intentou concluir taõ gloriosa empreza,

foy o P. Francisco da Cruz Jesuíta, Mestre, e Confessor do nosso Sereniífimo

Monarcha D. Joaõ o V. o qual depois de ter collegido todas as noticias

dispersas pelas obras dos que lhe precederaõ neste assumpto, adquirio outras

muito copiosas na Curia Romana, quando nella assistio pelo espaço de sete

109 Idem, ibidem, p. 60.110 Prevê-se igualmente que a fundação seja feita por duas religiosas clarissas do Mosteiro da Conceiçãode Beja, passadas primeiro pelo Convento da Esperança, em Lisboa.111 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 80-81.

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annos com o lugar de Revisor dos livros da Companhia de JESUS. Naõ chegou

a concluir esta obra, porque a morte envejosa do applauso, que della lhe havia

resultar, o privou da vida na Casa professa de S. Roque a 29 de Janeiro de

1706. O ardente dezejo de que esta obra se continuasse, impellio ao

Excellentissimo Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes dignissimo

Censor da Academia Real, cujo nome serà sempre memorável nos Fastos da

erudição Sagrada, e profana para pedir instantemente aos Padres Jesuitas lhe

quizessem dar os M. S. do P. Francisco da Cruz, que benignamente concederão

por retribuição ao singular afecto, de que a Companhia era devedora a este

Cavalhero112.

A dilação temporal da empreitada concitaria, de fato, nova ação promotora do

Padre Francisco da Cruz, que, confessor do então ainda príncipe D. João113, convocou

sabiamente a santidade da irmã junto de quem poderia materialmente secundá-la,

apelando com êxito às instâncias próprias das construções votivas. Relata o Padre

Manuel Monteiro

succedeo que o Principe adoecesse gravemente, e que os Medicos nos 5 de

Fevereiro do anno de 1700 o mandassem sacramentar [...]. A ancia, com que [o

padre Francisco da Cruz] dezejava a sua melhoria, ou, o que he mais provavel, a

Providencia Divina lhe suggerio que desse a beber a Sua Alteza huma pouca de

terra da sepultura da serva de Deos sua irmãa [...]. Assim o fez, e dando

tambem a Sua Alteza huma Cruz, que fora da mesma serva do Senhor, Sua

Alteza bebeo a terra, beijou a Cruz, e pendurando-a á cabeceira fez juntamente

voto a Deos Nosso Senhor, e á sua serva, de que, livrando com vida, e saude

daquella doença, e chegando a tempo, em que o pudesse fazer, fundaria o

Convento, a que ella déra principio e o dotaria, e ornaria á sua custa.114

112 Diogo Barbosa MACHADO, Biblioteca Lusitana, Lisboa, Tomo II, Oficina de António Isidoro daFonseca, 1747, pp. 139-140.113 Idem, ibidem, pp. 61 e ss.114 Idem, ibidem.

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O voto, assinado pelo príncipe a 18 de Janeiro de 1702 – significativamente num

dos dias em que os Escravos, com o selo régio, celebravam o Tríduo do Desagravo em

Lisboa –, assumiu feição legal através do Alvará de 20 de Abril de 1707, pela qual se

estabeleceu igualmente a concessão pelo monarca de uma tença anual de 2400 réis, a

aplicar, enquanto dotação, tanto para a “fabrica delle, como p.ª o sustento das d.as

Religiosas”.115 O diploma refere a intenção de “acabar o convento” que se “principiou a

fundar”, e não a de o fundar ab initio, aspeto que, a vários títulos, mais adiante

explicitados, se nos afigura essencial. Estabelece ainda a lotação da casa, fixando em

trinta e oito religiosas o número máximo de religiosas, as quais entrariam sem dote,

posto que, declara o monarca, “sou obrigado a darlhes sustentação”116.

Mas D. João V proveria ainda de outra forma à fundação, dotando a casa com

várias alfaias litúrgicas minuciosamente anotadas em decreto de 18 de novembro de

1707117. Uma relação da Prata que o mesmo s.r mandou dar ao mesmo Convento do

Louriçal revela a doação de uma "custódia grande", dois cálices e respetivas patenas,

um vaso para a comunhão, uma porta para o sacrário, uma porta para o comungatório,

um Cristo crucificado, uma sacra, um evangelho e um lavabo, seis castiçais grandes

para o altar-mor, seis jarras com seus ramos, três lâmpadas, umas galhetas com seu

prato, um gomil, e prato de credência, um turíbulo e uma naveta, uma estante para o

altar-mor, uma caixa para hóstias, uma campainha e seis varas para o pálio. Já o Infante

D. Francisco ofereceria "quatro bons piveteiros", o Infante Dom António, uma boa

casula, o Infante D. Manuel, dois ciriais, e a Infanta D. Francisca, dois tocheiros.

A este, que constitui um valioso repositório de obras de arte sacra, o rei aduz

paramentos têxteis, supomos que de correspondente valia material, que constam da

listagem de Ornamentos que o mesmo senhor mandou dar para o mesmo Convento do

Louriçal118. A leitura do inventário devolve-nos textualmente: um ornamento de tela

branca com seu pálio, um ornamento de tela carmesim, cinco ornamentos de damasco

das cinco cores da igreja, a saber, branco com seu pálio, carmesim, verde, roxo, negro,

um cortinado de damasco franjado de ouro para as festas, um cortinado para o altar-mor

de damasquilho franjado de retros para o ordinário, e de ruão para os mais altares, seis

alvas boas com suas rendas, e amitos, doze toalhas para o altares, doze corporais, doze

115 BNP, Secção de Reservados, Mss. [cx.] 10, n.º1 – Collecção de cartas e outros papeis (D. João III aD. Pedro II), 55 v.116 Ibidem.117 Ibidem, 56 v.118 Ibidem, pp. 57-57 v.

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sanguinhos, doze toalhinhas de mãos, seis missais, livros para o coro das freiras, três

sinos e a alcatifa119.

O templo estaria, pois, disposto para, a 8 de maio de 1709, receber as quatro

fundadoras canónicas - Madres Arcângela dos Serafins Evangelista, Maria Teresa do

Sacramento, Maria de Jesus Evangelista e Maria de Santa Ana - que, no termo de longa

e morosa jornada iniciada no Mosteiro do Calvário de Évora, nele ingressavam

solenemente120. Não é casual esta proveniência eborense, já que tal cenóbio não só

pertencia ao padroado régio, quanto nele se professava a Primeira Regra da Ordem de

Santa Clara.

Primeiramente recebidas na Igreja Matriz por D. António de Vasconcelos e

Sousa, bispo-conde de Coimbra, as monjas, acompanhados pelo Cabido e músicos da

Sé, seriam encaminhadas para a portaria do mosteiro. Já na clausura, o prelado

procederia à Eleição da Abadessa e dos demais cargos conventuais e sufragaria a Regra

e constituições a observar. No noviciado, ingressariam entretanto as antigas beatas do

velho recolhimento: Francisca de Jesus, Mariana de Santa Clara, Inês Maria do Lado,

Josefa do Menino Jesus, Maria do Carmo e Domingas de Jesus. Pouco mais tarde, a 1

de junho, o monarca indigitava as três primeiras religiosas admitidas a tomar hábito:

Teresa de Jesus Maria, Cândida Maria e Inácia Teresa121. Com a definição deste

primeiro quadro institucional, dava-se mote à vida monástica.

Da busca do sentido desta recém-fundada derivação do sentimento religioso,

emerge também a presença da Ordem franciscana, cujo desenvolvimento em Portugal

foi crescente desde a sua medieva implantação122. Na verdade, se o desagravo girou em

torno da coroa e de seus mais próximos representantes e servidores, onde foi produzido

e cultivado, doutrinalmente foi assumido pela Ordem Franciscana, tão próxima, ela

mesma, daquele primeiro núcleo. Numa ocasião em que o zelo e a piedade se

mostravam particularmente acesos no todo dos cristãos, os franciscanos não deixariam

119 Ibidem.120 É interessante notar que estas religiosas passaram pelo Convento da Esperança, em Lisboa, antes deseguirem para o Louriçal. Pese a dotação concedida pela Infanta D. Maria, a comunidade religiosa doCalvário observava estritamente a primeira Regra de Santa Clara, renunciando, por isso, ao sustento a quea sua fundadora procurara prover. (Cfr. História da Fundação..., p. 87). Do mesmo convento lisboetasairiam também, quase oitenta anos mais tarde, algumas das madres fundadoras do Mosteiro doDesagravo de Lisboa.121 Curiosamente, só por Breve do Papa Clemente XI, de 27 de junho de 1715, é concedida a graça de orei e seus sucessores na Coroa nomearem as noviças.122 A propósito da evolução da Ordem no nosso país, veja-se Fernando Jasmins PEREIRA, “Implantaçãoe desenvolvimento da ordem franciscana em Portugal”, O Franciscanismo em Portugal. Actas, Conventoda Arrábida, 1994.

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de revelar protagonismo. De fato, a ofensa à Eucaristia contundia a intensa devoção

eucarística característica dos irmãos pobres, levando quantas vezes a práticas de

extremada crueza. Curiosamente, as partículas consagradas da profanação de Santa

Engrácia seriam dadas a Maria do Lado, já o vimos, por mãos franciscanas: por São

Francisco e São Boaventura, pilares da fundação da própria Ordem. Antes disso, porém,

já as recolhidas haviam abraçado, a instâncias de Frei Bernardino, a Ordem Terceira,

dentro da qual fariam mais tarde votos públicos, e a que se manteriam fiéis ao serem

integradas na sua segunda Ordem, que teve em Santa Clara um exemplo sublime de

devoção ao Santíssimo Sacramento123.

Oportunamente, Eugenio d’Ors faz notar “a influência franciscana, vasta e

intensa, iluminando toda a civilização portuguesa renascida, no que se refere às ideias,

como em todo o reportório das formas”124. Pondo o acento na ação de D. João V

enquanto mentor de tão larga influência, a Dedicatória do Claustro Franciscano de Frei

Cláudio da Conceição explicita:

He de V. Magestade tudo o de que se constitue este Claustro Serafico, não só

por edificado no seu Reyno, e Conquistas, como tambem pelo singular disvelo,

com que trata de sua conservação, e augmento; assim o publicão as grandiosas

esmolas, com que a todas as Casas da Religião socorre, jà para a reedificação

de humas, e jà para a nova erecção de outras, que a não ser isto a todas tão

comum, muito sufficiente prova erão desta verdade o Real Convento de Mafra, o

Mosteiro do Louriçal que àlem de o dotar com seis mil cruzados cada anno,

outras ponderaveis esmolas tem recebido, como de presente se vé na de

quarenta e cinco mil cruzados, que para complemento do seu Templo lhe

destinou [...]. Não só no material deste Claustro se conhece o vigilante cuidado,

com que o repára, mas juntamente no espiritual e muito, que atende a seu

mayor auge, e serviço de Deos. Não he menos attendivel o especialissimo amor,

com que sempre zeloso trata V. Magestade do explendor deste Serafico Edificio,

123 Santa Clara tem como principal atributo uma custódia, alusão ao milagre que obrou quando, fazendo-se acompanhar de um cofre com a Eucaristia, conseguiu afastar os sarracenos que se preparavam paratomar a cidade de Assis (ou, noutra versão, o Mosteiro de São Damião). Sobre este aspecto específico daiconografia de Santa Clara, vd. Rosa GIORGI, Symboles et cultes de l’Église, trad. de Chantal Moiroud,Paris, Éditions Hazan, 2005, p. 49.124 Eugenio d’ORS, O Barroco, trad. de Luís Alves da Costa, Lisboa, Vega, 1990, pp. 122-123. Colhemosinspiração do estudo de António Filipe Pimentel, que cita esta mesma passagem da obra do autor catalão.Cfr. PIMENTEL, Arquitectura e poder. O Real Edifício de Mafra, Lisboa, Livros Horizonte, 2002, p.122.

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porque são innumeraveis as graças com que o faz mais brilhante, e lustroso;

[...]; e sobre tudo o haver-se V. Magestade constituido, não só Patrono, àlem de

Senhor, porèm juntamente Filho Terceiro daquelle seu tão amado Pay, e nosso

Patriarca o Serafim humanado S. Francisco125.

Para a promoção do Instituto do Louriçal convergiria, naturalmente também, a

devoção régia consagrada ao Santíssimo Sacramento. Diria, a respeito, Manuel

Monteiro:

Naõ podia deixar de promover o Divino culto quem tanto ama a

Sabedoria, sabendo que toda a Sabedoria traz de Deos o seu principio, e

recebendo-a do Senhor della, recebeo a de o saber obsequiar: Escondido, e

invisivel no Sacramento, o adora, como se o vira, e o crê, como se o naõ vira,

Lynce para adorá-lo, cego para crê-lo, como hum processional triumpho

incomparável, e em nenhuma outra parte visto, acompanha este Augustissimo

Sacramento, julgando que pompa taõ magnifica, e decorosa ainda he pequena

para obsequio da Magestade Sacramentada; porque a mede pela grandeza

propria, e pela Divina.

Edificou no Louriçal hum Convento de Religiosas Capuchas, Escravas

do Santissimo Sacramento, e lhe consignou a renda necessária, para que livres

do cuidado das temporalidades, se applicassem aos Divinos louvores, que nellas

saõ perennes. Pareceo-lhe pouco honrar a virtude; quis fomentá-la para que

crescesse, sustentá-la para que subsistisse.126

125 Frei Apolinário da CONCEIÇÃO, Claustro Franciscano, erecto no Dominio da Coroa Portugueza, eestabelecido sobre dezeseis Venerabilissimas Columnas, Lisboa Ocidental, Oficina de António Isidoro daFonseca, 1740. O excerto apresentado foi extraído da Dedicatória (não paginada).126 Manuel MONTEIRO, Elogios dos Reys de Portugal do nome de Joaõ, traduzidos Na línguaPortugueza dos que compôs na Latina o Padre Manoel Monteiro, Lisboa, Oficina de Francisco da Silva,1749, pp. 121-122

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4. A Regra do Desagravo (O.S.C.)

4.1. Fontes normativas e textos legais

Sob o signo de devoções e afinidades espirituais reiteradamente seladas, o

Mosteiro do Louriçal assumiu uma Regra que, não obstante informada pelo carisma dos

frades menores, extraiu do contexto próprio em que emergiu e da renovação do

monaquismo feminino pós-tridentino uma importante condição de dinamismo e

originalidade.

O Desagravo surgiu, com efeito, num tempo longo e especialmente rico,

assinalado a montante pelo influxo renovador da Reforma Católica e, a jusante, pelo

ápice de um declínio que, desde meados de Setecentos, foi calando no seio da Igreja.

Ao impulso doutrinal e catequético tridentino, não ficaram evidentemente

alheias as Ordens femininas, sobre as quais aspetos candentes bastamente se

contemplaram na sessão XXV do Concílio. Impôs-se e generalizou-se a clausura,

redefiniram-se critérios de entrada em religião, estabeleceram-se limites de detenção de

propriedade e cometeu-se à autoridade diocesana a caução e vigilância da observância

do preceituado através da visita aos mosteiros. Ao incidir também sobre a veneração de

relíquias e imagens sagradas, sobre a prática sacramental e litúrgica, sobre a natureza

pedagógica da imagem e a expressão que a mesma deveria tomar, Trento logrou uma

penetração incontornável na vida regular, que o controlo exercido pelo corpo

eclesiástico e, internamente, pela hierarquia regular cumulativamente assegurou127.

Sob o espírito da Reforma Católica, várias casas e famílias religiosas nasceram e

várias outras se reformaram. No continente nacional, a vida de contemplação em

clausura e sine proprio terá ganho cerca de quarenta cenóbios, de que as Ordens

Franciscana, nas suas diferentes famílias ou jurisdições, Carmelita Descalça e

Concecionista reivindicam o protagonismo128.

Contudo, se Trento se impôs ao todo do universo cenobítico, não por isso

determinou a uniformidade do mesmo. E, à suposta heterogeneidade entre casas de

fundação anterior e posterior à Reforma, soma-se, em plano sincrónico, a diversidade

entre observâncias e entre casas de uma mesma Regra.

127 Vd., no que respeita à arte, José Fernandes PEREIRA, "O barroco do século XVIII", AAVV, Históriada arte portuguesa, vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 12-27.128 Vd., sobre o tema, o Capítulo IV ("Ordens Religiosas"; pp. 129-201) de Fortunato de ALMEIDA,História da Igreja em Portugal, Vol. II, Porto/Lisboa, Livraria Civilização Editora, 1968.

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É no seio desta diversidade que devemos avaliar o Desagravo, cuja identidade

resulta não tanto de cada um dos seus aspetos específicos, mas da peculiaridade do seu

conjunto. Esta especificidade, elemento certamente abonatório no contexto da afirmação

do Instituto no seio de uma Igreja reformada e, naturalmente, no quadro - competitivo -

das demais Ordens regulares, seria reivindicada pelas emergentes clarissas, que, no

Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, afirmam

claramente:

Posto que se professe aqui a primeira Regra de Santa Clara, os Estatutos sam

particulares, e mui distinctos dos que se observam nos mais conventos da

mesma Reforma. Temos huma Regra particular, que he a nossa vida, á qual

chamamos Vida Revelada.”129

Fator distintivo e legitimador da vida claustral, a "Vida Revelada" crismava a

identidade das monjas do Desagravo. Misticamente revelada à fundadora, a existência

observada por estas “Custódias vivas do Diviníssimo Sacramento”, significativamente

em número de trinta e três, seria uma evocação constante, intrínseca e irremediável da

Paixão de Cristo. Espelhos de penitência, trajariam hábito “pardo” e “vil”, sobre o qual

cairia um véu azul celeste, e, pendendo do escapulário, o cálice e a hóstia; dormiriam

sobre “dois madeiros”, uma tábua para o corpo, um cepo como cabeceira. Constantes

também os jejuns, cilícios e disciplinas. Tão solene quanto a renúncia e por ela

garantida, emergia o lausperene de exaltação eucarística que, ajoelhadas e de mãos

levantadas, haveriam as religiosas de cumprir todos os dias, de dia e de noite, até ao fim

dos tempos130.

Veiculado por Frei Bernardino, o carisma franciscano informava, como vemos, a

estrutura do novel Instituto. Com efeito, a vida das irmãs deveria

ter por regra as principaes couzas, q. N. P.e S. Franc.co tinha por devoção, q.

jejuaraõ as sete quaresmas como elle fazia naõ comendo ás sestas feiras, nem

129 O excerto consta de uma das notas introdutórias do Compendio da Admiravel Vida da VeneravelMadre Maria do Lado, Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1762.130 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 190-198.

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nos dias de jejum da Igr.ª q. padecesse morte, e chegasse a cozinha só tres dias

da quaresma131.

Esta forma de vida superiormente outorgada terá orientado a vida das beatas do

recolhimento nos primeiros tempos. Quando D. Frei Álvaro pretendeu reduzir o

recolhimento a casa clausurada, é provável que tenha pensado em converter esta

primária formulação em estatutos subordinados ao preceituado pelo Concílio de Trento

e pelas Constituições Sinodais aplicáveis132.

Segundo sabemos, os primeiros textos legais destinados ao cenóbio terão sido

elaboradas, por ordem episcopal, pelo Padre Francisco da Cruz (S.J.) 133, e, mais tarde

revistos pelo também jesuíta Padre Manuel de Oliveira. Assim refere António Franco,

dando largo ênfase ao protagonismo do meio-irmão da Venerável:

Porem a memoria mais ilustre, que de si deixou este Padre, foi o Convento do

Sacramento do Louriçal de Religiozas da primeira observância de Santa Clara,

sogeito ao Bispo de Coimbra. [...] Esta [Maria do Lado] vivendo ali com grande

exemplo, & retiro, foi ordenando suas cazas a modo de Convento, a que o Padre

Cruz assistia com esmolas, athe que o Serenissimo Rey Dom Joaõ Quinto se fez

fundador deste Mosteiro, por memoria, & honra do Padre Cruz seu Mestre, que

lho recõmendara. [...] O Padre lhe deixou feitas suas constituições, que depois

se approvaram, & porque se governam. […] Em 24 de Abril de 1711 fizeram

profissam as primeiras Noviças. Assistio o Bispo de Coimbra Dom Antonio de

Vasconcellos, entre outras pessoas de letras assistiram por petiçaõ do Bispo o

nosso Padre Manoel de Oliveyra. Lente de Prima de Theologia em o nosso

Collegio, & o Padre Antonio Galvam, Lente de Prima de Moral. Ao Padre

Manoel de Oliveyra cometteo o Bispo antes de as approvar, as constituições,

131 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 195.132 Vd. Constituiçoens synodaes do bispado de Coimbra, feitas e ordenadas em synodo pelo illustrissimoSenhor Dom Afonso de Castelo Branco Bispo de Coimbra, Conde de Arganil do Conselho Del Rey N. S.[…] impressas em Coimbra, anno 1591, e novamente impressas no aano de 1730 […], Coimbra, RealColégio das Artes da Companhia de Jesus, 1731.133 Sobre Francisco da Cruz, veja-se Constituições das Religiosas da primeira Regra de Santa Clara doConvento do Louriçal, mencionadas em Diogo Barbosa MACHADO e Bento José de Sousa FARINHASummario da Bibliotheca luzitana, Lisboa, Oficina de Antonio Gomes, 1786, p. 67. Tenha-se ainda emconta Diogo Barbosa MACHADO, Biblioteca Lusitana, Vol. II, pp. 139-140.

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que fizera o Padre Cruz, nellas somente pareceo cercear alguns preceitos, pera

livrar as Religiozas de escrúpulo.134

A aprovação canónica dos estatutos, cremos que os redigidos por Francisco da

Cruz - as Constituições das Religiosas da primeira Regra de Santa Clara do Convento

do Louriçal, a que se terá perdido o rasto135 -, ficaria garantida pelo breve de Inocêncio

XII de 24 de maio em 1692 e pela autorização episcopal de D. João de Melo. O

documento pontifício esclarece que o recolhimento “foi fundado com autoridade do

Ordinário, debaixo da Regra da Terceira Ordem de S. Francisco e de Sta. Clara”, que os

estatutos foram dados a ver e rever aos cardeais da Santa Sé e que, atendendo no seu

parecer e no “voto e resolução” do bispo de Coimbra, que remeteu aos ditos cardeais,

ficam os ditos estatutos, “revistos e aprovados pelo mesmo” cardeal Pedro Mateus,

confirmados e aprovados com autoridade apostólica, “ficando tudo o que se observa em

contrário, írrito nulo e inválido”.

Desta superior chancela terão saído as Constituiçoens e Leys porque se häo de

governar as Religiosas do Convento do Santíssimo Sacramento do Louriçal da

Primeira Regra de Santa Clara da Jurisdicçäo Ordinaria do Illmo. Sr. Bispo de

Coimbra136, documento manuscrito que terá inspirado as homónimas constituições,

editadas em 1822 e destinadas a cada um dos mosteiros da observância.

Contudo, a fundação canónica do Mosteiro, em 1708, irá refletir-se numa pelo

menos pretensa anulação, por provisão do bispo-conde D. António de Sousa Coutinho,

dos anteriores estatutos até que novos estatutos se redigissem. Uma provisão do bispo,

de 4 de março de 1709, assim estatui:

134António FRANCO (SJ), Imagem da virtude em o noviciado da Companhia de Jesus no Real Collegiode Jesus de Coimbra, no qual se contem as vidas, e virtudes de muytos Religiosos, que nesta Santa Cazaforaõ Noviços, Tomo II, Coimbra, Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1719 (sobre Franciscoda Cruz, pp. 679-681). Do mesmo teor que este texto, há, do mesmo autor: FRANCO, António (SJ), AnoSanto da Companhia de Jesus em Portugal. Nas memórias breves e ilustres de muitos homens insignesem virtudes com que Deus a enriqueceu, distribuídas pelos meses e dias de todo o ano, 1.ª ed., Porto,Biblioteca do “Apostolado da Imprensa” Editora, pp. 43-44.135 Cfr. Fernando Félix LOPES, Fontes Narrativas e Textos Legais para a História da OrdemFranciscana e Portugal, Madrid, 1949, p. 200). As Constituições e leis por que se hão de governar asreligiosas..., impressas em Coimbra em 1822, repetem-se para todos os mosteiros do Desagravo, sendotambém observadas nas demais casas não regrais inspiradas naquela observância.136 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Existe com a cota I-13,04,006 [000568].

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fazemos saber que se por nos constar, que as Constituições feitas, e aprovadas

por Autoridade de nosso antecessor o Ill.mo Sr. D. Joam de Mello que se

observarem no mesmo Conv.to dirigido por authoridade Ap.ca ordinária, e Real

se não poderiam inteiramente guardar por serem desuzas, e em parte

impraticaveis, o que se nos fez certo por votos de pessoas devotas e virtuozas e

pella deligencia, com que tambem as mandamos rever em nossa prezença;

portanto conformandonos Com Seu parecer nos rezolvemos a suprillas, e

recolhellas anos, emquanto não fazemos especiais Constituições, e estatutos p.ª

o dito Conv.to, em que logo que nos for possivel poremos em execução.137

O mosteiro ficará, pois, sujeito à Primeira Regra da Ordem de Santa Clara, às

Constituições de Santa Coleta e a especificações várias que remetem para a "Vida

Revelada", tais como a obrigação do lausperene de oração mental ou vocal diante do

Santíssimo no Coro e a dedicação, por uma religiosa ou noviça nomeada semanalmente,

de uma missa, coroa de Nossa Senhora ou disciplinas por intenção do monarca ou da

Casa Real.

Manuel Monteiro dirá, sem reservas, que a comunidade se rege por estatutos

dispostos por D. António de Sousa Coutinho,

que os consultou com muitas pessoas doutas, e virtuosas, e entre ellas com os

Padres Francisco Pedrozo, e Antonio de Faria desta Congregação [do

Oratório], cujas virtudes, e letras foraõ bem notorias; e dellas tinha Sua

Magestade taõ alto conceito, que para as suas Reaes determinaçõens se dignava

de os honrar, ouvindo o seu parecer, e muito especialmente no que pertencia a

esta fundaçaõ do Louriçal.138

137 Copia da Provizam, q. o Ill.mo Bispo Conde mandou passar sobre a Regra, e Constituições, que hamde guardar as Religiosas. A cópia, datada de 4 de Março de 1709, foi redigida por Francisco MacielMalheiro, da Câmara Eclesiástica de Coimbra. Encontra-se inserta no Auto de chegada das M.esFundadoras ao Convento do Sm.o Sacramento de V.ª do Louriçal, e Elieçam de Abb.ª que fés o Ill.moBispo Conde, de 8 de Maio de 1709. (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 546, fls. 143-146).138 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 141-142.

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Esta mudança - que parece insinuar certa transferência da influência dos jesuítas

em prol dos oratorianos - representa, cremos, não um voto a favor da cristalização da

matriz da Regra, emanada na "Vida Revelada", mas a necessidade de uma superior

adaptação a um registo plenamente institucionalizado e funcional. Tornava-se não só

urgente dotar de aceitabilidade canónica o viver das religiosas quanto também provê-lo

de exequibilidade, no respeito, contudo, pelo património espiritual da casa.

A Ordem de Santa Coleta seria, na altura, a que permitiria a melhor coordenação

entre o ideal originário das clarissas e a Primeira Regra de Santa Clara. Além disso, era

uma Regra que representava uma reforma dentro da Ordem de Santa Clara no sentido

do regresso à pureza das origens. Ivo Carneiro de Sousa faz notar, a propósito, a

importância de D. Leonor na introdução não só das Coletinas, como da própria 1.ª

Regra de Santa Clara (através da introdução da primeira). À rainha terá cabido obter do

Papa Alexandre VI a bula que novamente institucionalizou a opção pela Primeira Regra,

e permitiu fixar o número de religiosas em trinta e três139.

Nas Clarissas do Desagravo, a definição da vida claustral ficava complementada

pelo Manual de Ceremonias, de 1708, referente à “forma de lançar os Habitos,

Profissoens, Capitulos”, documento pela data corresponde aos primórdios da vida

monástica. O Compendio de Ceremonias, de 1736, de âmbito bem mais extenso, deverá

ter substituído aquele primeiro Manual, parecendo refletir o desenvolvimento dessa

mesma vida e corresponder, também pela sua datação, ao final das obras do cenóbio140.

O Compêndio, elaborado pelo então confessor das religiosas, revela igualmente o

respeito pelo substrato anterior de práticas e rituais. O seu autor dirá mesmo no Prólogo

que "Em tudo, o que escrevi, fiz particular estudo de me ajustar com os Cerimoniaes

mais reformados da nossa Ordem, e com os custumes santos, com que VV.RR. foraõ

educadas.”141

Apenas se conhece hoje a edição de 1822 do texto das Constituições, que repete

o mesmo conteúdo para os três mosteiros da mesma Ordem: Louriçal, Lisboa e Vila

Pouca da Beira. Estas normas constituirão seguramente uma reimpressão atualizada das

Constituições concebidas ou aprovadas por D. João de Melo e aprovadas em 1692,

sendo, no entanto, posteriores a 1715, data do breve de Clemente XI, nelas citado. Terão

139Trata-se de uma Bula de Alexandre VI datada de 3 de maio de 1501. Cfr. Ivo Carneiro de SOUSA, "Arainha D. Leonor e a introdução da reforma colectina da Ordem de Santa Clara em Portugal", AAVV, Lasclarisas en España y Portugal: Congreso Internacional, Salamanca, 20-25 de septiembre de 1993.Actas., Vol. II, pp. 1033-1071 (p. 1043).140 O Compendio é anterior a 1736, tendo sido formalmente aprovado a 10 de outubro de 1735.141 Compendio de Ceremonias, Prólogo.

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sido estas, portanto, que sairão da provisão de D. António Caetano de Sousa, podendo,

no entanto, ter integrado alterações entretanto sugeridas pelo bispo de Coimbra D.

Miguel da Anunciação nos anos 50 de Setecentos. É o que concluímos da existência,

anexa a uma cópia, datada de 1752, dos Estatutos assinados por D. João de Melo, de

documento de reforma dos mesmos elaborada por D. Miguel142.

Bem mais tardio, o Kalendario Geral Para o uso dos Religiosos Observantes, da

Santa Provincia de Portugal, e de todos aquelles, que usão do Kalendario da mesma

Provincia. Junta-se no fim o q. pertence ás Religiozas da Conceição, e do Desaggravo,

e mais algumas particularidades, manuscrito com data de 1858 de que poucas

informações detemos, reflete a adaptação das antigas Constituições a um período no

qual, em termos estritamente canónicos, estas não poderiam já ser observadas, ao

mesmo tempo que dá testemunho da manutenção, conquanto oficiosa, da vida religiosa

sob o carisma do Desagravo143.

Mosteiro da Contrarreforma, o Louriçal e, evidentemente, as casas afiliadas,

integra uma definição estrita de clausura, que em concreto remete para Constituição

Sacrosanctum do Papa Urbano VIII e para as Constituições de Gregório XIII144. Não

apenas vista como forma de controlo, a clausura assume-se como natural inferência de

uma absoluta e inapelável união com Deus, já que as religiosas "tanto mais vivirão

unidas com Deos, quanto se julgarem mortas para com o mundo”145.

Igualmente radical era a vivência da pobreza. O despojamento, que se refletia na

impossibilidade de ingresso com dote e de detenção individual de tenças, juros ou

esmolas, mas apenas na posse coletiva de bens a título exclusivo de esmola, bem assim

na inexistência de serviçais, tinha como reverso uma total dependência institucional em

relação a doadores e beneméritos146.

Já a ação cautelar e morigeradora sobre a vida religiosa no seu concreto derivava

da dependência jurisdicional em relação ao prelado diocesano, a quem se cometia a

execução de visitas pastorais e a implementação da confissão e direção espiritual.

142 "Uma reforma à luz dos estatutos, dada por frei Miguel, Bispo de Leyria". Este documento é anexo àsConstituições existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e tem a cota I-13,04,006 [000568].143 Kalendario Geral Para o uso dos Religiosos Observantes, da Santa Provincia de Portugal, e de todosaquelles, que usão do Kalendario da mesma Provincia. Junta-se no fim o q. pertence ás Religiozas daConceição, e do Desaggravo, e mais algumas particularidades, 1858. Existe na Biblioteca ProvincialFranciscana de Lisboa/Seminário da Luz.144 Constituições e leis, pp. 56-58.145 Idem, ibidem, pp. 60-61.146Idem, ibidem, p. 31.

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Mas, a estes que glosarão preceitos comuns a tantas outras casas regulares

imbuídas do espírito reformista, as recém-fundadas Clarissas do Desagravo aduziriam

substanciais particularidades, definidas, na sua essência, pelo percurso da sua própria

fundação. À intimidade, evidente e intrínseca, com o carisma franciscano, somava-se a

intensa ligação aos mentores históricos, aspeto com particular expressão no capítulo dos

sufrágios, que o mosteiro prometia dedicar à "Alma do Senhor Rei D. Pedro II e seus

Sucessores, que forem falecendo147.

Mas seria no capítulo da prática ritual e devocional que o novel instituto se

salientaria. À devoção a São Francisco, a Santa Clara, a Santo António, a Nossa

Senhora da Conceição, a São Miguel Arcanjo ou a Maria do Lado somava-se,

naturalmente a devoção ao Santíssimo Sacramento, que se revestia de aparatosos

contornos rituais. Além da prática do lausperene de Adoração148, merece destaque o

Tríduo do Desagravo que, festejado nos dias 16, 17 e 18 de janeiro, fixa a fidelidade à

memória do desacato de 1630. Contemplado no Compêndio de 1736, no capítulo

relativo às Procissões149, por ele tomamos conhecimento de que a comunidade religiosa

celebrava o tríduo e da forma própria que este deveria assumir. Nos dois primeiros dias,

havendo exposição do Santíssimo, era rezado o ofício divino “no Coro a Matinas, e

Vesperas, na mesma fórma, com que se costuma rezar nas Festas de primeyra Classe, e

com as mesmas Ceremonias, e numero de Cantoras”. De igual modo se cantava em

“todos dos tres dias o […] Te Deum laudamus” e se comemorava a Eucaristia “tanto a

Vesperas como a matinas” entoando-se a respetiva antífona “com toda a Solemnidade.”

A procissão tinha lugar no último dia, a 18 de Janeiro, aproximando-se, na sua essência,

da celebração do Corpus Christi150. Saía o cortejo da igreja e percorria, precedido pelo

padre confessor que, sob o pálio, levava a custódia, as ruas da vila, regressando

novamente ao templo. No seu interior, e no tempo em que durasse a procissão, a

cantora-mor recitava o Pange lingua. Antes do encerramento do Senhor, num gesto que

tanta comoção suscitava, o sacerdote benzia os fiéis com a custódia.

Enquanto festa religiosa, o tríduo reveste uma capacidade única de congregação.

Em torno do desagravo, que soleniza e comemora, une num mesmo tempo e sob uma

147 Idem, ibidem, p. 110.148Idem, ibidem, p. 78.149 Sobre o tríduo, vd. Valerio do SACRAMENTO (frei), Compendio de ceremonias escripto para o usodas Religiosas Capuchas do Real Convento do Santissimo sacramento do Louriçal, Coimbra, Oficina deLuís Seco Ferreira, 1736, pp. 149 - 150.150 A descrição da procissão encontra-se no parágrafo referente à celebração do Corpus. (Cfr. Valério doSACRAMENTO (frei), Compendio de ceremonias... pp. 143 - 144).

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mesma matriz contextos e vivências tão díspares como as que vemos associadas aos

Escravos do Santíssimo, nos grandiosos faustos que exibem na capital, às irmãs

Escravas, no recolhimento do Mosteiro da Encarnação e, por fim, na pungente

homenagem da comunidade clariana.

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4.2. Regra e codificação material

Na linha de Braunfels, segundo o qual numa instituição monástico-conventual a

Regra é, depois das Sagradas Escrituras, o mais importante objeto de meditação, e a arte

e o espaço do cenóbio combinam o mais puro idealismo com o mais estrito

funcionalismo151, não deixaremos de olhar o Desagravo como concreção material e

espacial do desagravo enquanto ideal evangélico e programa espiritual. E, como

interpretação da Regra de acordo com o espírito dos tempos152, vê-lo-emos também, na

sua intrínseca funcionalidade, como uma realidade mutável que busca adaptar-se a

realidades - ligadas a condicionalismos canónicos, económicos e inclusivamente

urbanísticos -, que a vivência comunitária passa sucessivamente a incorporar.

Ser a presença viva do divino sofrimento a fim de o reparar – fulcro do

desagravo do Santíssimo - é uma assunção radical que a arquitetura deve o mais

amplamente testemunhar. Cumpre-nos, pois, averiguar a transposição que o Desagravo

representa e o alcance da expressão que configura.

Conquanto informem a arquitetura e lhe infundam significado, os preceitos

regrais não por isso se instituem como premissas das quais, por si sós, se possa deduzir

a definição planimétrica e volumétrica do edifício, pelo que vários fatores e invariáveis

deverão ser também tomados como proposições na conformação de um tal resultado.

Apesar de indelevelmente informada pela observância, o templo, pela excelência

da sua função e, talvez também pela sua abertura ao culto público, revela maior

permeabilidade a condicionalismos vários, desde o gosto particular do fundador e

mentores da construção às correntes artísticas em presença e à complexa circunstância

da encomenda.

No entanto, as constituições são claras a respeito de certos aspetos relativos à

contenção decorativa, definindo-se o número de altares da igreja, estatuindo-se sobre a

sobriedade das vestes das peças de imaginária e proibindo-se taxativamente à abadessa,

sob pena de privação “de voz ativa e passiva para sempre”, despesas superiores a dois

mil reis anuais com imagens, capelas, sacristia e igreja153. Determina-se, na verdade,

que na "Igreja não haja mais de tres Altares, como está determinado nos estatutos

151Cfr. Wolfgang BRAUNFELS, Monasteries of de Western Europe. The architecture of the orders,Princeton, Princeton University Press, pp. 9-12.152Cfr. BRAUNFELS, op. cit., pp. 9-12.153 Cfr. Constituições e leis, p. 30.

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Collectaneos [Est. Sta. Colecta, cap. 2]; estes estejão sempre decentemente ornados e

paramentados, segundo as cores, que manda a Rubrica do Missal Romano.” Ademais,

as imagens de Cristo, Nossa Senhora e santos anjos não deverão expor-se “vestidas nos

hábitos de algumas Religiões, nem de outra fórma, que a que se estipula, por costume

antigo, usar na Igreja”. Proíbe-se ainda que “daqui em diante se não admittão no

Convento, ou na Igreja mais Imagens de vestidos.”154 Nas capelas interiores, na igreja e

sacristia deveria igualmente evitar-se "toda a superfluidade assim nos gastos como no

numero, e vestidos das Imagens.” Uma vez mais, sob pena de ficar “privada de voz

activa e passiva para sempre”, a abadessa deveria abster-se de consentir despesas com

imagens, capelas, sacristia e igreja, que ultrapassassem anualmente os dois mil réis155.

Enquanto dotados de carga simbólica, os elementos imagéticos deveriam

secundar a temperança das emoções e não suscitar indevidas sublimações, como os

estatutos bem reconhecem ao proibir às religiosas o cuidado das imagens ou de algum

altar por mais de um até dois anos, “para que a devoção continuada não venha a

degenerar em vicioso apego com distrahimento do espirito.”156

A separação entre comunidade e sacerdote e fiéis, decorrente do regime e voto

de clausura, implicou a existência de uma série de mediadores materiais cuja conceção

representa um discurso em si mesmo. Separados da "igreja de fora", desenvolviam-se,

em posição diametralmente oposta ao altar-mor, os coros, alto e baixo, que permitiam a

um mesmo espaço o acolhimento de vivências ancoradas em paradigmas

necessariamente dissemelhantes.

Referem as Constituições que a “Grade do Coro alto terá o comprimento e altura

necessaria, e será de ferro, e bastantemente apertada, e pela parte de dentro terá portas

com duas fechaduras, cujas chaves terá uma a Abbadeça, outra a Sacristãa, e só se

abriráo para os Officios Divinos.” Quanto às portas do mesmo coro, “terão duas rotolas,

ou gradinhas, para que estando fechadas, se possa ouvir Missa do Coro, e ver o que se

passa de noite na Igreja [e] entre as portas e grade haverá uma cortina preta, que tome

todo o vão, e só [se] poderá correr para ouvir Missa, ou Sermão, e quando o Santissimo

estiver exposto.” 157

Foi a emergência destes coros que levou à eleição do acesso lateral do templo

em detrimento da entrada axial, que naturalmente se manteve nas casas do ramo

154 Idem, ibidem, p. 29.155 Idem, ibidem, p. 30.156 Idem, ibidem, p. 29.157 Idem, ibidem, pp. 68-69.

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masculino da Ordem. Em abono da clausura, foi ainda criado um antecoro (presente,

neste caso, em ambos os coros) como meio de suavizar a transição entre espaços de

distintas naturezas.

Era neste “coro de cima”, em tempos chamado “igreja de dentro” - e que muitos

mosteiros conceberam, no quadro da importância que a época barroca dispensou à

liturgia, como “autênticas obras de arte total em que a arquitetura e escultura, a pintura e

outras artes se aliam para criar um conjunto unitário de exaltação da religiosidade da

ordem”158 –, que as religiosas, em absoluto recato, rezavam o ofício divino (sem, no

entanto, recorrerem ao cantochão ou ao órgão, proibidos pela Primeira Regra, mas

apenas ao rabecão, de acordo com o “modo capucho”). E era também aí que, revezando-

se, se devotavam “de joelhos, com as mãos levantadas” ao sagrado lausperene, a que

poderiam dedicar oração mental ou vocal, “conforme a sua devoção, ou conselho, que

tiverem do Confessor.”159

Testemunhando a mesma separação canónica que o seu homónimo do piso

superior, o coro baixo apresentar-se-ia igualmente cerrado por grade de ferro cujas

partes laterais eram providas interiormente por duas portas, fechadas estas a duas

chaves, e por “um encerado negro posto de tal arte, que possa levantar-se, ou tirar-se em

todas as funções, excepto á Communhao, que será só o que baste para este effeito.”160

Para além de acolher o comungatório, aberto de um dos lados do gradeamento, o

coro estava especialmente vocacionado para a receção e acolhimento de ocasiões

solenes ou de carácter extraordinário – cerimónia de profissão das noviças, práticas e

exortações das visitas canónicas, capítulos de culpas, eleições, discussão ou assinatura

de alguma informação quando não possível no confessionário ou locutório -, conquanto

pudesse prever algumas exceções desde que informadas pelos devidos rigores. Daí que

a possibilidade de falar abrindo a porta da grade só seria viável desde que o interlocutor

fosse “algum Principe da Igreja; quaes são os Senhores Bispos, Arcebispos Patriarchas e

Cardeaes"161.

Adstritos ao coro baixo e ao tipo de função que lhe fora consignado, situavam-

se, “abertos lateralmente à grade”, os confessionários, acerca dos quais a Regra comum

às várias casas do Desagravo ditara:

158 Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 55.159 Constituições e leis..., pp. 71-74.160 Idem, ibidem, pp. 70-71.161 Idem, ibidem, pp. 70-71.

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Haverá dois, ou tres Confessionarios na parte, que ficar mais commoda, e um

delles terá tambem commodidade para nelle se fazerem as visitas, dos quaes as

chaves da parte de dentro terá a Abbadeça, e da parte de fóra, de um delles, o

Padre Confessor, e dos outros a mesma Abbadeça162.

Participantes da sacralidade do todo, desenvolviam-se ainda, conexas à igreja,

dependências das quais, salvo a informação sobre a sua própria existência, pouco ou

nada nos chegou. A sacristia estaria também munida da respetiva roda163, que

fisicamente mediava a comunicação entre a sacristã do mosteiro e o sacristão ou, em

lugar deste, o padre, confessor ou capelão.

Da Sala do Capítulo, divisão normalmente dotada de um retábulo com a

representação dos patriarcas da Ordem164, apenas sabemos ser utilizada uma vez por

semana, salvo nos raros casos em que, por alguma razão maior, se convocava

extraordinariamente o capítulo. Aí se ouviam as culpas e acusações e se aplicavam os

castigos e penalidades. Era esse também o espaço em que se comemoravam os

benfeitores e se procedia às eleições.

A necessidade de comunicação entre a clausura e a realidade que lhe é exterior

justifica a solicitude da arquitetura monástica na criação de uma série de pontos

habilmente ideados a fim de proporcionar a abertura da claustra em salvaguardando a

observância dos preceitos regrais.

Corporizando esta ideia de abertura condicionada, surge-nos, em primeiro plano,

a portaria, significativamente desdobrada em “portaria de fora” e “portaria de dentro”.

Também designada como vestíbulo, este espaço funcionava, em certa medida, como

cartão-de-visita para quaisquer estranhos à clausura. Ao teor dos estatutos, a portaria

seria dotada de “duas portas, uma para a Cerca, outra para o interior do Convento”, para

além de uma outra porta que fechava “para o interior do Convento todas as casas da

Portaria, Grade e Roda”165. A portaria conduzia à casa da roda que, de forma controlada,

permitia a receção de objetos e bens provindos dessa outra dimensão do viver. Acerca

desta roda da portaria, postulam as Constituições dever ser feita de tal sorte que “não

caiba uma pessoa, nem de fóra se possa ver cousa alguma”.

162 Idem, ibidem, pp. 85-86.163 Idem, ibidem, pp. 130-131.164 Cfr. Nelson Correia BORGES, op. cit., pp. 52-53.165 Constituições e leis..., p. 47.

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Espaço exclusivo das casas religiosas femininas, o locutório, ou grade, estaria

munido de “grades de ferro, e pontas do mesmo para fóra, e por dentro [...] duas latas de

metal, ou folha de Flandres do mesmo tamanho, quasi unidas, com pequenos buracos

para passarem as vozes, em fórma que nada se veja por elles”. Haveria, ademais, “um

panno, ou véo pregado” a recobri-las, enquanto as latas estariam “tão fixas e pregadas

na parede", para que jamais se conseguissem tirar "sem artificio de pedreiro, ou

Carpinteiro”166. Mesmo no contacto com estranhos à comunidade, tornava-se assim

possível preservar e perseverar na clausura, até porque a conceção do locutório previa

um certo distanciamento entre ambas as grades, para além de que, por via de regra, as

visitas estavam limitadas aos pais e parentes próximos, sendo mesmo a estes interditas

em determinadas épocas do tempo litúrgico167.

Como modo complementar de controlar a comunicação, a arquitetura proveu-se

de uma cela contígua à roda e à grade, sobre a qual se determina “que de dia possão

assistir a Porteira, Companheira e Escuta da semana, de tal sorte, que estando nella,

possão ouvir e ver o que a Porteira diz e faz na Roda”168. A porta da clausura, por sua

vez, não deveria nunca ser aberta “antes de nascer o sol, nem depois de ser posto”. Só o

prelado, visitador, confessor, aliviador, médico e cirurgião poderiam ter-lhe acesso, mas

sempre na companhia da abadessa ou vigária e de duas discretas. De resto, quaisquer

assuntos a tratar com clérigos apenas teriam lugar no locutório, grade ou confessionário,

pois que todos os outros locais da clausura estavam sujeitos a preceitos especiais.169

Em consonância com os rigores praticados, estava também vedado o alívio que a

existência de um mirante poderia eventualmente proporcionar. De facto, nenhum

mosteiro de religiosas do Desagravo o haveria de possuir, preferindo-se remeter os

momentos de recreação e lazer ao espaço limitado pela cerca, onde o contacto com a

natureza propiciaria o necessário desanuviamento das monjas, evitando

simultaneamente expô-las à visão do mundo exterior.

Ainda assim, o tempo de recreação seria rigorosamente controlado, obedecendo

a um calendário próprio e a regras de conduta que incluíam a proibição de estar a sós, de

tocar ou cantar.170 Contrariando a tendência que se ia fazendo sentir desde o século

166 Idem, ibidem, p. 48.167 Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 44. O autor apresenta como exemplo a Quaresma e o Advento,épocas em que seria proibido qualquer contacto com o exterior.168 Constituições e leis..., p. 49.169Idem, ibidem, p. 50.170 Constituições e leis..., pp. 100-101.

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XVII, em que a vivência do rigor preconizado pela Reforma Católica conduziria ao

merecimento de uma certa aliviação, o Desagravo parece tê-la em grande medida

dispensado, revelando uma vivência muito própria do conceito de clausura.

Pode concluir-se, pois, que, no Desagravo, a abertura ao exterior – entendida

numa aceção ampla que contemplava o próprio recinto intramuros -, se assumiu como

cedência a uma estrita necessidade em relação à qual a arquitetura se dotou dos mais

habilidosos expedientes. Afinal, nem mesmo perante espaços quase exclusivamente

acessíveis às religiosas o mosteiro faria qualquer espécie de cedência, prevendo, para

além da dita roda a intermediar a cerca e o núcleo clausurado, a existência de grades de

ferro a cerrar todas as janelas que caíssem para o exterior do mosteiro171.

Integrariam o espaço da clausura trinta e três celas individuais pertencentes às

também idealmente trinta e três religiosas que comporiam a pequena comunidade das

Clarissas do Desagravo. Propiciadora do recolhimento, da meditação e do absoluto

silêncio, a individualidade das celas não representava qualquer negação ao ideal de vida

comunitária172, daí que as Constituições que, em relação ao tema, dedicam extensas

linhas do seu rigoroso clausulado, preconizem o regime de rotatividade na ocupação dos

cubículos, a possibilidade da sua abertura pelo exterior e a quase absoluta privação de

bens a que pudesse imputar-se qualquer apego pessoal173.

De seu, as religiosas teriam apenas roupa, livros espirituais (previamente

aprovados pelo confessor) e breviários, instrumentos de mortificação (umas disciplinas

e dois cilícios) e de lavor (penas, linhas, agulhas, dedal e tesoura) e, a insinuar um plano

mais intimista mas inteiramente controlado, uma “arquinha com chave”, onde poderiam

guardar papéis relativos à sua “consciência e espírito”, e cujas dimensões não

ultrapassariam os dois palmos de comprimento e um e meio de altura e largura.

Imagem de severidade, as celas compunham-se, de resto, por uma série de

objetos a todas comuns. Uma barra como cama, um cepo como cabeceira e dois lençóis

de estamenha (aos quais, em caso de necessidade, se juntaria um cobertor) formavam o

local de repouso, enquanto uma “banquinha tosca”, uma “gaveta aberta” destinada à

roupa e uma “cortiça, ou esteira grossa” como assento completavam o mobiliário do

171 Idem, ibidem, p. 59.172A adoção de celas individuais, que propicia o isolamento, o silêncio e a meditação, tornou-secanonicamente possível a partir de 1666, data da bula In Suprema do papa Alexandre VII. Apesar disso,já anteriormente várias casas haviam instituído tal prática. Diz-nos o autor que, apesar “de autorizadas ascelas individuais, nem por isso os dormitórios deixaram de ser espaços comuns. As divisórias das câmarasdeviam justapor-se de forma contígua, para que os preceitos da Regra pudessem ser bem observados.”(Cfr. Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 47).173 Sobre as celas, vd. Constituições e leis..., pp. 35-39.

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cubículo. Uma candeia, uma caldeirinha de barro ou estanho para água benta, uma cruz

de madeira, um crucifixo e uma pintura de Nossa Senhora - “devota, sem guarnição,

molduras, nem outro ornato algum precioso” - perfariam os objetos admitidos na singela

divisão. Por fim, e como garantia de uma utilização não desviante da estrita

funcionalidade prevista para tais dependências, destinadas acima de tudo ao repouso,

oração e exercícios espirituais, rematariam os pertences aí colocados uma vassoura e

“alguma cousa, em que por ordem da Abbadeça [as religiosas] se occupem no trabalho

das mãos”. Nestas celas, onde a individualidade está presente quase só na solução

arquitetónica adotada, dormiam, vestidas, as monjas do desagravo, fazendo sua a prática

comum das religiosas da primeira Regra de Santa Clara.

Como forma de salvaguardar a necessária distância entre estes dois patamares do

viver em religião, as noviças dispunham de instalações que quase lhes permitiam um

sustento autónomo. Dormitórios com celas individuais - pois que “a divisão das Cellas

conduz muito para a decencia e honestidade, e para que as noviças desde logo

apprendão a amar a solidão e retiro, meio muito conveniente para se darem melhor á

Oração, Lição espiritual, e Lavor de mãos”174 -, uma cozinha e um oratório ou altar

eram os espaços destinados àquelas que se preparavam para solenizar a pertença à

Regra175.Na noviciaria, espaço provisório e propedêutico - naturalmente proporcional às

dimensões da comunidade e à grandeza do mosteiro -, onde o ânimo para abraçar a

religião se construía dia-a-dia, nenhuma das professas estava igualmente habilitada a

entrar, exceção apenas feita à abadessa ou vigária176.

Conquanto previsse, através da sua específica orgânica espacial, os passos da

ascese moral e espiritual e do estatuto religioso, o mosteiro reconhecia a não linearidade

dos mesmos, dotando-se de espaços onde, no espetro oposto à observância, se

contemplava a infração e os seus diversos graus de gravidade. Para além da “casa da

penitência”, lugar especificamente destinado ao cumprimento das penas de reclusão,

uma outra cela ou “casa” podia afazer-se a finalidades corretivas, cuja aplicação,

definida normalmente pela abadessa, podia merecer, em casos particularmente gravosos,

o aval do prelado ou visitador177.

174 Idem, ibidem, p. 139.175Idem, ibidem, pp. 210-211. A independência da noviciaria e a evitação do contato com a restantecomunidade eram garantidas por espaços favorecedores de certa autonomia: celas, sala de estudo e aula,sala capitular, capela, cozinha, refeitório, instalações para a higiene individual – casa da água, lavatório esecreta. (Cfr. Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 50).176 Idem, ibidem, p. 65.177 Idem, ibidem, p. 182.

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Da mesma forma que a transgressão moral, o estado de doença encontrava

resposta na arquitetura do Desagravo que, para tal, se dotara de enfermaria e de

refeitório próprio. Na enfermaria firmava-se uma vez mais a separação entre professas e

não professas, já que só aí caberiam as religiosas, reservando-se às noviças o tratamento

nas dependências que lhes estavam destinadas178.

O mesmo rigor que orientava os passos das religiosas, fazia-se igualmente sentir

no refeitório e cozinha. Nesta última, todas se revezavam, sem qualquer hierarquia, nos

trabalhos respetivos, enquanto no refeitório as constituições postulavam que todas

comessem “sob igual tratamento”. Antes e depois das refeições seria rezado o salmo De

Profundis, que acreditamos tivesse lugar numa dependência específica anexa ou

contígua ao refeitório, a qual significativamente tirava do salmo a sua própria

designação.179

O calendário litúrgico e celebrativo das clarissas refletia-se também nas

dependências ligadas à alimentação – apelando à natural interdependência entre os

domínios espiritual e corpóreo –, onde a eminência de certas práticas impunha

alterações (feitas costumes através dos tempos) à rotina. Assim, nos quarenta dias

seguintes a 16 de Janeiro – dia em que, com toda a solenidade, era lembrado o desacato

de Santa Engrácia -, findo o jantar, as graças seriam concluídas no coro, Casa do

Capítulo ou no lugar a que estas clarissas designaram por “loginha do amor”. Já no

último desses dias, concluíam-se as graças no refeitório180.

Secundando o princípio segundo o qual todo o tempo que não fosse tomado com

a religião sê-lo-ia com o trabalho, já que este impedia o ócio a que tantos males

frequentemente se associavam, o mosteiro surge-nos dotado de um importante núcleo

oficinal ou, em linguagem contemporânea, ocupacional. O trabalho emergia

efetivamente como necessário contraponto de uma vivência desapiedadamente austera,

ao mesmo tempo que como garante da perseverança nessa mesma austeridade.

É neste sentido que devemos considerar a “casa do lavor” onde as religiosas, a

fim de evitarem “fazer fóra do Convento o que se puder fazer dentro”, se dedicavam ao

trabalho corporal, à leitura de livros espirituais, à reflexão sobre o exercício de alguma

virtude e a tarefas várias em prol de toda a comunidade181.

178 Idem, ibidem, p. 135.179 Idem, ibidem, pp. 102-103. O De Profundis poderia igualmente corresponder a um espaço próprio,anexo ou contíguo ao refeitório, onde tinham lugar orações próprias rezadas antes e depois das refeições.180Idem, ibidem, p. 97.181 Idem, ibidem, pp. 99-100.

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À leitura ou à simples guarda de livros, estaria ainda afeta a livraria, de cuja

supervisão ficava encarregue a vigária do coro. Pelo seu próprio teor em termos de

conteúdo bibliográfico, assim como pelos objetivos inerentes à sua utilização,

deveremos também atribuir-lhe um carácter de apoio e consolidação da vertente mais

estritamente espiritual da vida monástica, se é que qualquer espaço monástico,

entendido na sua relação com os demais, não conduz e se reconduz, ele próprio, para tal

fim.

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PARTE II

O REAL MOSTEIRO DO LOURIÇAL: DO ESPÍRITO À MATÉRIA

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PARTE II

O REAL MOSTEIRO DO LOURIÇAL: DO ESPÍRITO À MATÉRIA

1. Preexistências e substratos (Figs.II.2.-16)

Como um palimpsesto, a definição material do Mosteiro do Louriçal foi sendo

sucessiva e cumulativamente formada por acrescentos, aposições e aproveitamentos,

num processo que, admitamos descontínuo, se terá estendido por um século, desde os

anos 30 de Seiscentos aos anos 30 de Setecentos.

O primitivo recolhimento, instituído a 19 de março 1631, não mais seria que a

reverberação mnemónica da santidade de Maria do Lado, intermediariamente dotada de

corporeidade. Sobre o espaço de oração, mortificação e trânsito da beata se estabeleceu

a casa que haveria de crismar a autoridade canónica do emergente Instituto. A este

primeiro núcleo, materialmente assegurado pelo pai da fundadora, familiares e devotos

locais, Frei Bernardino das Chagas aporia os primórdios edificados de um templo,

preexistência possível daquele cuja primeira predra se lançava em 1650 e que, em 1646,

recebia consagração.

Ao assumirem simbolicamente a origem do Instituto, os espaços físicos da

Venerável determinariam a alocação do templo, axializado pela presença do túmulo da

celebrada fundadora. É, uma vez mais, a clareza e simplicidade de Manuel Monteiro

que nos revela os trâmites desta geografia alegórica:

Como aquelle sitio era o em que a serva de Deos nascera, pareceo justo que

assim como nelle dera principio á vida, e á regularidade, que nelle se

observada, se trasladasse para elle o seu corpo, o que se fez no dia 30 de

Agosto do anno de 1652.182

Os réditos garantidos por via dos ingressos de recolhidas, de doações e esmolas

terão garantido a manutenção do recolhimento e, porventura, a sua eventual ampliação

ou melhoramento. Haveria, no entanto, que esperar pela assunção de D. Frei Álvaro de

182 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 54.

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São Boaventura na sede episcopal de Coimbra para que as obras do edifício

conhecessem renovado influxo. Ao antístite se deverá, como vimos, uma substancial

ampliação do cenóbio, a execução da cerca e a incorporação, no perímetro cercado, da

antiga Igreja da Misericórdia183. À morte do sucessor de D. Frei Álvaro, D. João de

Melo - o qual, segundo o Anno Historico, terá feito “grande parte do mosteiro de

Louriçal” -, os trabalhos deveriam andar próximos do seu termo184.

O posterior patrocínio direto de D. Fernando de Meneses e de D. Pedro II

traduzir-se-ia arquitetonicamente na encomenda de uma nova planta a João Antunes,

planta essa que as fontes referem compreender a nova edificação monástica, sem no

entanto aludirem claramente à previsão de um templo. De monta e gabarito seria a obra

ideada, pelo menos a atentar no discurso enfático de Manuel Monteiro, para quem D.

Pedro,

sem reparar em despeza, que certamente havia de ser grande, mandou ao

Louriçal o P. Francisco da Cruz, e com elle hum insigne Architecto daquele

tempo, chamado Joaõ Antunes, que em muitos edificios sumptuosos desta Corte

tinha acreditado o seu nome com os primores da arte; e este, tomando as

medidas necessarias, fez a planta185.

Quaisquer que tenham sido, e qualquer que tenha sido o seu grau de abstração,

foram de Antunes os planos que presidiram ao edifício cuja primeira pedra solenemente

se lançava em cerimónia de 6 de março de 1690. A obra, porém, deverá ter conhecido

substanciais impasses, estando longe da concluída em 1700, como invoca, um tanto

dubiamente, a Crónica Seráfica, ao avançar que, “ainda assim naõ teve effeito esta

fundaçaõ até ao de 1700. Neste anno [1700, presume-se], se deo principio á fundação do

Mosteiro”186. Embora coubesse indagar o que entendia dizer o cronista ao referir-se a

fundação, não restam dúvidas de que, à data a que se reporta, o edifício careceria de

completude.

183 Idem, ibidem, pp. 58-59.184 Francisco de SANTA MARIA, op. cit., vol. II, p. 285.185 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 60.186 Jerónimo de BELÉM, Chronica Serafica da Santa Provincia dos Algarves…, Parte I, Livro III, pp.138-141.

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Vários personagens entram nesta primeira empreitada centrada no traçado

antuniano. Tirando partido de proximidades e não saindo senão de mãos religiosas, o

Padre Francisco da Cruz contrata como administrador D. Francisco de Lousada

Ribadaneira, a quem caberá importante papel na concretização do risco. Apesar de o seu

estatuto na obra se ter alterado a partir de 1708, a assistência à mesma prolongou-se

desde a última década de Seiscentos até, pelo menos, 1712.

Encontrava-se D. Francisco em Estremoz quando D. Pedro II o chamou a Lisboa

e, “pelo grande conceito, que delle fazia o Soberano, lhe entregou a administração do

Mosteiro do Louriçal, seis legoas ao Sudueste da Cidade de Coimbra, que intentava

fundar”187. Mas é D. Gastão José da Câmara Coutinho - com cuja "devota diligencia

negociou os melhores interesses daquella fundação, em que o piedoso Fidalgo teve

grande parte, pelo que a seu respeito obrou”188 - quem servirá de intermediário entre o

monarca, Francisco da Cruz e Francisco de Lousada189.

Não suscita estranheza a presença de D. Gastão José da Câmara Coutinho (1662-

1736), cortesão que, aos muitos cargos ocupados, posporia o de vedor da Casa da

Rainha D. Maria Sofia de Neuburg e de D. Maria Ana de Áustria, de quem fora também

estribeiro-mor190. Aos 34 anos, fez-se terceiro franciscano, consagrando-se por

confissão pública a Deus191. Notáveis seriam as suas virtudes, a justificar “aquella

continua assistência nos Conventos, sempre que se achava dezembaraçado, aquelle

grande conhecimento, e particular trato com todas as pessoas de virtude”192.

A figura de D. Francisco de Lousada não se oferece, contudo, a tão linear

recorte. Nobre galego de ilustre família, antes de ingressar na Ordem Terceira de São

Francisco, de que viria repetidamente a ocupar o lugar de Ministro, fora capitão da

Guarda dos Reis Católicos. Abandonara a Galiza na sequência de um crime que aí

cometera e que o incompatibilizara com a família, vindo a encontrar abrigo, em 1665,

ao serviço das armas portuguesas. Como capitão de infantaria, serviu no Alentejo nas

Guerras da Restauração, vindo aí a desempenhar “a esperança que prometera em se

187 Idem, ibidem.188 Idem, ibidem.189 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 68-69.190 Cfr. António Caetano de SOUSA, História genealógica da casa real portuguesa, Tomo X, Coimbra,Atlântida-Livraria Editora, Lda., 1953, p. 485.191 Cfr. António da GRAÇA (Frei), Oraçaõ fúnebre nas exéquias do Excelentissimo Senhor Gastaõ Jozéda Camara Coutinho, celebradas pela Veneravel Ordem Terceira da Penitencia no Real Convento de SãoFrancisco da Cidade de Lisboa Occidental em 25 de Setembro de 1736, Lisboa, Officina da Musica deTheotonio Antunes Lima, 1736, pp. 13-14.192 Idem, ibidem, pp. 32-33.

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offerecer a militar por esta Coroa.”193 Naturalizou-se português, casou e viveu em

Estremoz. As contradições que conhecera em vida teriam como reverso a exemplaridade

das virtudes e do desempenho profissional, o que talvez justifique a biografia que sobre

ele se escreveu e a animosa fiança nele depositada pelo monarca194.

No volteface existencial de D. Francisco, sobressai, uma vez ainda, a

atratividade da Ordem franciscana no acolhimento dos mais díspares percursos

existenciais, de que nos dá oportuna nota Franscico Pereira da Silva no seu Caminho

dos terceiros seráficos para a Celestial Patria. Aí refere o "sagrado empenho da Divina

Omnipotendia, em dignificar esta Terceyra Ordem, dando-lhe Santos celebres em todos

os estados, de que se compõem”. E exemplifica:

As classes de homens, que vivem fóra da Religião, hábeis para professar esta

Terceyra Ordem, se reduzem a Ecclesiasticos, casados livres; os estados das

mulheres se contam em casadas, viúvas, virgens, e livres. E para q. cada hum, e

cada hua, cada qual na sua classe, tivesse nesta Ordem hum espelho, e

exemplar de consumada perfeyçaõ, parece que fez empenho a Divina

Omnipotencia de dar logo algum Santo Canonizado, ou Beatificado pela sua

Igreja em cada hum dos sobreditos estados. […] em todo o grào, e jerarquia de

pessoas seculares lhe há dado tantos, e taõ celebres Santos, que pòde competir

nesta excelencia com muytas Religiões aprovadas de seculos inteyros de

fundação.195

Escassíssimas são as fontes conhecidas sobre o evoluir da obra no período

marcado pela administração de Ribadaneira. Em concreto, há registo de que, em 1704,

Francisco da Cruz, enquanto procurador das recolhidas, compra “três moradinhas de

casas huma de sobrado com seu quintal na rua do Castelo de fronte do Recolhimento”,

sendo que estas casas “davam da parte nascente com as casas de Manuel da Mota da

193 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 71.194 Uma religiosa da Ordem Terceira de Estremoz terá mesmo redigido a biografia de D. Francisco deLousada. Tê-la-á de seguida entregue a uma religiosa daquela Província, “mas depois de lida algumasvezes neste Convento de Xabregas, levou o mesmo caminho, que tem levado outras similhantesmemorias.” (Cfr. Jerónimo de BELÉM, op. cit., p. 139.)195 Francisco Pereira da SILVA, Caminho dos terceiros seráficos para a Celestial Patria, LisboaOcidental, Oficina da Música, 1736, pp. 76-78.

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Silva e do norte e poente com a rua pública”196. Procurar-se-ia terrenos para alargar o

perímetro do futuro mosteiro, adaptando-o às suas preanunciadas necessidades? É

possível. Estaria este contrato plenamente subordinado ao plano de João Antunes? Fica

a suposição.

Também em relação ao templo é pouco o que conhecemos, mas cremos,

contudo, poder hipotizar que, entre a data da sua dedicação e a do ingresso das

religiosas, tenha assistido a obras de melhoramento ou mesmo de ampliação. De forma

documentalmente sustentada, sabemos apenas que, em 1727, seria dotado de altar-mor,

de dois altares colaterais e de três capelas laterais197, uma delas dedicada a Santo

António a outra a Nossa Senhora da Conceição. Sob o altar-mor encontrar-se-ia, desde

1652, o corpo, depositado em campa rasa, da venerável fundadora198.

Frei Agostinho de Santa Maria refere, no Santuario Mariano, que, na primeira

igreja do mosteiro - aquela cuja primeira pedra fora lançada a 28 de abril de 1640 - “se

colocou logo huma devotíssima Imagem da Rainha dos Anjos Maria Santissima, a quem

derão o titulo de Sua Purissima Conceição”, precisando, à época em que escreve (i.e., c.

de 1712), que a mesma se encontra colocada “em hum Altar colateral da parte do

evangelho sobre uma repreza, porque ainda não tem retábulo”199. O fato de, naquela

data, os altares se encontrarem desprovidos de estrutura retabular parece conferir

oportunidade à futura intervenção joanina.

Estes breves dados não nos permitem avaliar as preexistências com que João

Antunes se terá deparado quando se debruçou sobre a obra, nem avaliar o plano que terá

riscado na sua integridade. O que foi complemento ou substituição, o que se terá

saldado por continuidade ou por rutura, cabe não tanto no domínio da tese quanto da

hipótese.

196 Trata-se de uma escritura de venda lavrada a 15 de maio de 1704. Nela, Francisco da Cruz assume opapel de procurador das recolhidas, sendo mencionado como “mestre dos senhores Prinsipes e m.e[morador] no seo Convento de sam Roque destta Cidade”. (ADLRA, Convento do Louriçal, Escrituras -Dep. VI/25/A/2).197 O documento especifica: “E continuando a vestoria, se achou que tendo a Igreja Altar Mor, e douscollaterais, e mais três Capellas” (AUC, Cabido de Sé de Coimbra, Processo de Non Cultu, fl. inum).198 Autto d’abertura da Sepultura da serva de deus, Maria do Lado, documento de 1651 inserto noProcesso de beatificação da Madre Maria de Brito ou Maria do Lado ” (AUC, Cabido da Sé de Coimbra,documentos avulsos).199 Cfr. Frei Agostinho de SANTA MARIA, Santuario Marianno e Historias das Imagens Milagrosas deNosso Senhora…, IV, pp. 661-663.

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2. O Mosteiro à época da fundação

2.1. Perante o fato consumado

A 8 de maio, dia da Aparição do Arcanjo São Miguel, “bem proprio na verdade

para tambem apparecerem naquele sitio huns espiritos todos Angelicos, pelo que tinhaõ

de candidos, e fervorosos”200, ingressavam solenemente no mosteiro as suas quatro

fundadoras canónicas, tendo a acolhê-las cerimónia barroca de obra de arte total. Pois se

as orações “costumadas em actos similhantes” recitadas pelo deão, oportunamente

paramentado com capa de asperges, “enternecia os ânimos”, já a igreja “attrahia os

affectos”. Seriam estas, sem dúvida, as legítimas expetativas do Magnânimo, como bem

anota Manuel Monteiro na preciosa e sedutora descrição que sobre o ato nos oferece:

Estava ella vistosa, e magnificamente armada, e o Throno, e Altar mór taõ rico,

como magestoso; porque El Rey nosso Senhor e Suas Altezas tinhaõ dado hum

grande numero de excelentes peças de prata, em que entravaõ muitas

sobredouradas, e quase todas com o escudo das Armas Portuguezas das

Sagradas Quinas. As paredes cobriã-se com admiráveis sedas, e armaçoens

preciosas, em que competia o vistoso com o magnifico, ardia no Throno, na

banqueta, e nos Altares muita cera; e as boninas, espalhadas pelo pavimento,

assimillavaõ huma bem matizada alcatifa, sobre as que Sua Magestade

mandara. Em fim os odoríferos perfumes elevavaõ as sentidos á contemplação

do Gloria, da qual a Igreja parecia uma representação na terra201.

Não seria esta, contudo, a igreja pretendida pelo rei, por muito que se lhe tivesse

associado ao acabar de fundar, dotar e ornar o novo cenóbio202. E, tal como o templo,

também o mosteiro enfermaria de um caráter contingente, atenta a necessidade de ser

“proporcionado ao Instituto que o havia habitar”, razão pela qual “se coarctou a

liberalidade Real, querendo que cedesse em veneração de pobreza a sua magnanimidade

200 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 108.201 Idem, ibidem, pp. 112-113.202 Idem, ibidem, pp. 61 e ss.

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generosa.”203 A transigência de D. João V perante o ideário regular não duraria, porém,

muito tempo. Apesar de a feição material da casa atingir foros de definitividade sob este

monarca, o início da caminhada da comunidade marcou também o início da obra régia

que, tal como a vida religiosa, contava com um estrato que a montante a ultrapassava e

que conheceria, a jusante, novos contributos. Como vimos, num processo que se terá

estendido por uma centúria, fazendo arco desde os anos 30 de Seiscentos aos anos 30 de

Setecentos, foi sendo paulatinamente sedimentado um substrato construtivo feito por

sucessivos acrescentos, aposições e aproveitamentos. E este, que foi um processo de

aglutinação e partilha de vontades e incumbências, traduziu-se naturalmente também na

partilha de atribuições de glória e de menções honrosas.

O templo que serve de palco à majestosa solenidade descrita é, provavelmente, a

velha igreja cuja primeira pedra fora lançada em 1640, dedicada em 1646, e onde,

entretanto, várias alterações se terão verificado204.

203 Idem, ibidem, p. 84.204 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 50-51.

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2.2. Um voto e uma obra alheia

Um inquietante embora breve interregno terá marcado os anos imediatamente

anteriores a 1708, data em que o “principal do edifício”205 se daria por concluído. Por

alturas da doença fatal de D. Pedro II, verifica-se um longo afastamento de D. Francisco

de Lousada, que, em virtude de prolongada enfermidade, se manterá em Lisboa206. A 29

de janeiro de 1706, falece o padre Francisco da Cruz e, a 9 de dezembro de 1706, partirá

o rei. Os infaustos acontecimentos darão moto e espaço à revivificação do projeto

monástico.

Firmando, uma vez mais, a sua condição de intermediário e de hábil negociador

de vontades, D. Gastão José apresenta a D. João V os documentos que, relativos à obra,

Francisco da Cruz por morte lhe confiara. Fosse pelo mérito da causa, fosse pelo do

intermediador, ou, o mais provável, pela conjugação de ambos, o jovem monarca

não só mostrou vontade de dar cumprimento ao seu voto, mas com efeito

mandou passar Alvará assinado de sua Real maõ, em que declarou, que tomava

debaixo da sua Real protecçaõ o Convento.207

Não se limitando a uma declaração de intenções, o rei ordenou a Ribadaneira

que “partisse logo para o Louriçal, e desse à obra o possivel calor, e para a sua

subsistência fez passar as ordens necessarias.”208 Tão pressurosa diligência alinhava-se

com um afã construtivo que percorreria todo o longo reinado do Magnânimo - no qual,

como nunca até então, se “apostaria na força dos meios visuais”209-, e inseria-se numa

lógica de afirmação e legitimação do poder real.

De fato, na primeira metade do século XVIII, assiste-se a uma intensa atividade

artística diretamente fomentada pela Coroa210, enquadrada num movimento mais amplo

de renovação cultural e largamente beneficiária da exploração aurífera brasileira211.

205 Jerónimo de BELÉM, op. cit., p. 140.206 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 73207 Idem, ibidem, p. 74.208 Idem, ibidem, pp. 70-72.209 António Filipe PIMENTEL, “Os grandes empreendimentos joaninos”, AAVV, Triunfo do Barroco,Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1993, pp. 31-37 (p. 31).210 Idem, ibidem.

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Sobrevinda no termo de um longo período de beligerância e de isolamento

cultural, a arte promovida por D. João V traduziria a aproximação à cultura das cortes

europeias, corporizando uma internacionalização resultante da importação e apropriação

de fórmulas do barroco erudito europeu. Parafraseando António Filipe Pimentel, “a

grande referência estética e mesmo psicológica do Magnânimo seria sempre a Roma

barroca e pontifícia.”212 A renovação artística então operada, consubstanciada, em

termos estritamente arquitetónicos, num ecletismo barroco de especial influxo italiano,

viria, no entanto, a casar-se com a tradição nacional, dando origem a “uma síntese

original.”213

Mas o fôlego régio cruzava-se com iniciativas outras, a que em larga medida se

associavam as Ordens Religiosas, e insuflava-se com a intensa renovação das práticas

litúrgicas e devocionais, com a afirmação de santos nacionais e com a própria

religiosidade do monarca, na sua fidelidade a heranças de patrocínio artístico. Várias

são as obras que o testemunham. De origem votiva e destinadas a corporações religiosas

que se entendia beneficiar, destacam-se a Igreja do Menino Deus, iniciada em 1711 para

as Mantelatas de S. Francisco de Xabregas, o Convento de Nossa Senhora e Santo

António de Mafra, mandado edificar na mesma data para os franciscanos arrábidos ou,

mais tardio, o Palácio-Convento das Necessidades, destinado aos oratorianos de Lisboa.

Na arte patrocinada pelo monarca, a existência de um substrato construído e de

práticas artísticas que os mestres, formados em período anterior, consigo transportavam,

traduziu-se em obras que, inevitavelmente, denunciam sínteses e tensões. A ideia de

transição a que este panorama apela acentua-se, além disso, com o desaparecimento, no

último quartel de Seiscentos, de muitos dos melhores artistas e engenheiros que haviam

participado em obras de vulto da capital, como a Igreja de São Vicente de Fora, os

conventos de Santo Antão, do Desterro, de São Francisco da Cidade, de Santos-o-Velho

ou a Igreja de Santa Engrácia214. Neste contexto de charneira deveremos, portanto, ler a

abordagem joanina ao Mosteiro do Louriçal.

É tíbia, no entanto, a intervenção régia nesta fase, que corresponde a uma

necessidade real e a uma incumbência de cunho hereditário infundida pela fidelidade a

211 Idem, ibidem.212 Idem, ibidem. p. 32.213 Idem, ibidem.214 Vd., sobre a questão, o já citado artigo de António Filipe PIMENTEL (“Os grandes empreendimentosjoaninos”, pp. 31-37) e o artigo de Ayres de CARVALHO, “A acção mecenática joanina e a Romapapal”, inserido igualmente em AAVV, Triunfo do Barroco, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1993, app. 71-95.

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um voto. Com efeito, a intervenção traduz o cumprimento exato dos termos da

promessa formulada em 1700 e ratificada sete anos depois215. Herdada a incumbência,

cunhada agora com o selo votivo, herdavam-se também os artífices. Se João Varela de

Abreu – que, por alvará de 29 de abril de 1708, substitui Ribadaneira na administração

da obra - escapa a este cenário, refiramos, para aí de novo o reposicionarmos, que foi a

impossibilidade do anterior agente a ditar o seu recrutamento e que a sua condição de

cortesão provinha do anterior reinado216. Apesar de não ter, ao que supomos,

introduzido inovações à construção, a intervenção do desembargador – que o rei

convocara por ser grande “a sua devoção ao Convento” e grande “a sua intelligencia da

Architectura” – revelou-se essencial, pois que “em breve tempo se pôs o edifício capaz

de ser habitado”217.

O diálogo entre a comunidade, agora canonicamente regida, e o espaço,

finalmente definido, que lhe fora destinado, revelou necessidades e reclamou

ajustamentos. Assim se justifica a queixa das religiosas perante a dificuldade em utilizar

água nas "oficinas"218. Foi breve, embora não imediato, o atendimento a tal apelo, como

se depreende das palavras do cronista, que naturalmente enfatiza a liberalidade régia: “e

este descómodo, que constou a Sua Magestade, quiz o dito Senhor obviar, naõ tardando

em remediá-lo, mais que aquelles anos, que tardou em sabê-lo.”219

É neste contexto que entra em cena o enigmático personagem Manuel Pereira,

arquiteto oratoriano de quem o rei se socorre a fim de resolver o problema de

abastecimento de água ao mosteiro. A ele se deverá o aqueduto do Louriçal, que de

pronto traçou e, mais tardia, a “obra nova" da casa220.

Tornar-se-ia previsível ver João Antunes de novo implicado nos trabalhos, mas,

para além de não sabermos precisar a sua cronologia exata – e, portanto, aferir a real

possibilidade de intervenção do arquiteto régio, que viria a falecer em 1712 -, cremos

ver na indigitação de Manuel Pereira, que mais à frente nos ocupará com o devido

cuidado, um voto de confiança na ainda pouco estudada tradição construtiva dos

215 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 61 e ss.216 Vd. ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 7, fl. 228 e ANTT, Registo Geral deMercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 16, fl. 356.217 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 82-83.218 Idem, ibidem, p. 206.219 Idem, ibidem.220 Idem, ibidem, p. 207.

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Oratorianos e em alguém que, parafraseando a lhaneza de Manuel Pereira, tinha

experiência do que era comunidade221.

Não sabemos se por ser grande o “descómodo” assinalado pelo cronista, se por

grande a liberalidade do rei ou o empenho do artista, a intervenção se saldou num

robusto aqueduto de arcarias que, ao longo de 350 metros, se estendiam desde uma

mina até à cerca do cenóbio, alimentando ainda um chafariz público localizado na

vizinha Rua do Castelo222. Certo é que a obra resolveu o problema das religiosas,

agradou ao rei e firmou o estatuto do arquiteto.

221 Idem, ibidem.222 Idem, ibidem.

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2.3. Um novo fôlego mecenático

As intervenções arquitetónicas que assinalaram os alvores da vida regular ter-se-

ão prolongado pelo menos até 1712, data em que na obra localizamos ainda, embora

formalmente desinvestido do estatuto que inicialmente lhe coubera, D. Francisco de

Lousada Ribadaneira223. E, muito embora no desconhecimento de melhores registos, é

de crer que, até 1734, em que nova empreitada terá lugar, trabalhos vários, de maior ou

menor monta, possam ter-se verificado.

Com efeito, o processo de beatificação de Maria do Lado, retomado em 1726, e

no âmbito do qual o cabido de Coimbra comete uma vistoria ao mosteiro224, deverá ter-

se refletido a nível construtivo, como a presença da data de 1726 no lavabo da sacristia

pretensamente indicia. A ideia de celebrar a memória da fundadora, em que se inscreve

o depósito no mosteiro dos restos mortais daquela, terá decerto implicado o repensar do

espaço monástico – ou, pelo menos, das divisões afetas ou anexas a uma veneração que,

se já previamente existente, ganharia agora todo um novo fôlego.

A data incisa naquele lavabo tem inspirado várias propostas de datação da igreja,

como a que apresenta o Inventário Artístico225 e os Tesouros Artísticos226, que a

estendem mesmo ao revestimento azulejar do templo. Embora crendo que a natureza

conjetural da hipótese deva ser realçada, é contudo de pensar que a encomenda do

lavabo - coincidente com data tão significativa para o Instituto – possa não ser vista

isoladamente. Seria estranho que, a ter existido, uma revivificação material do mosteiro,

alavancada pela retoma daquele processo de beatificação, tivesse legado tão ínfimo e

desgarrado testemunho material e que, só em 1734, a renovação se tivesse efetivado.

Sabemos, de fato, que a ideia de uma nova construção estaria no pensamento de D. João

V antes dessa data, atento o fato de, em 1733, a igreja se encontrar indisponível227.

Lembremos, no entanto, que o processo canónico não conheceu imediata

consecução. A documentação de que se constituía ter-se-á, ao que consta, estranhamente

223 As fontes não são consensuais em relação ao significado dos conceitos de superintendência eadministração e aos limites práticos avocáveis a cada um deles.224 Processo de beatificação da Madre Maria de Brito ou Maria do Lado AUC, Cabido da Sé deCoimbra, documentos avulsos.225 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Leiria, Lisboa,Academia Nacional de Belas Artes, 1995, p. 112.226 Cfr. José António Ferreira de ALMEIDA (coord.), Tesouros artísticos de Portugal, Lisboa. Selecçõesdo Reader's Digest, 1976, p. 374.227 AUC, Cabido da Sé de Coimbra, documentos avulsos, Inquirição da vida de Maria do Lado doLouriçal. Num documento de 1733, aparece referência a uma reunião feita na Igreja da Misericórdia e jánão na igreja do mosteiro, onde até então sistematicamente se realizava.

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perdido em Roma. Lembremos, bem assim, que esses foram anos de difícil

comunicação entre a Corte de Portugal e a Cúria Pontifícia, determinada pelo corte de

relações com a Santa Sé de junho de 1728228. Não vislumbramos, pois, qualquer

veleidade no aventar que um projeto de engrandecimento estivesse na mira do rei – e

das religiosas e de quem diretamente, como os Ericeiras, se revia na causa da Venerável

– e que, só nos anos 30, tenha encontrado condições para plenamente se realizar.

Sabemos mesmo que

No Claustro de 22 de Abril de 1728 se leo uma Carta de S. M., na qual

Ordenava á Universidade que escrevesse a S. Santidade, referindo-lhe as

virtudes, e acções heróicas em que floreceo a Venerável Serva de Deos Maria

do Lado, natural do Louriçal, pedindo-lhe instante, e humildemente se dignasse

deferir á sua Beatificação com toda a brevidade; e se assentou fizesse a Carta o

Padre Mestre Fr. José Caetano, Lente da Cadeira Pequena de Escritura.229

Uma nova obra emergiria, não já a finalização de algo idealizado por outrem.

Para o justificar, tomemos de empréstimo a súmula explicativa de José Fernandes

Pereira:

D. João V devia certamente ter presente os preceitos da ética aristotélica que

referem o seguinte: a magnanimidade mostra-se nas grandes coisas e o

magnânimo é incapaz de pequenas acções; a magnanimidade é inseparável da

grandeza e o mesmo se pode dizer da beleza que não se concebe senão num

grande corpo; o pequeno pode ser grandioso e bem proporcionado mas não

verdadeiramente belo.230

228 Cfr. Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. II, Porto/Lisboa, LivrariaCivilização Editora, pp. 345-349.229 Jornal de Coimbra, 1819, Lisboa, Impressão Régia, n.º 77, p. 192230 José Fernandes PEREIRA, "O barroco do século XVIII", AAVV, História da arte portuguesa, vol. III,Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, p. 52.

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A estas premissas acresçamos ainda o preceituado no Método Lusitano de Luís

Serrão Pimentel, que glosaria a “supremacia do novo (a obra feita de raiz) sobre o velho

(a obra transformada)” 231.

A nova empreitada entroncava com o influxo renovador em que se perfilavam,

em data próxima, significativas intervenções de renovação ou engrandecimento que

compreenderiam o Convento de Mafra, o Mosteiro de São Vicente de Fora, a Igreja do

Menino Deus, o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra, o Mosteiro das

Comendadeiras de São Bento de Avis e a capela-mor da Sé de Évora. E não esqueçamos

ainda que, em novembro de 1733, “El Rey tem resoluto acabar a Igreja de S.ta Engracia

com brevidade, e fazella mayor”, posto que não aprovava a “Igreja por pequena.”232

Aludindo à natureza do mecenato joanino, Francisco Xavier da Silva sintetiza,

eloquente: “a construção de hum Templo póde ser desejo de adquirir a gloria do

fundador, mas o edificar muitos, he evidencia e efeitos de culto”233. Nesta lógica de

glórias recíprocas, participa também o Louriçal.

Ao partilhar com tais obras o espírito da encomenda, o Louriçal com elas

partilharia alguns dos seus artistas e oficiais: António Andrade do Amaral trabalhara na

renovação do mosteiro de Santa Clara-a-Nova; aí estivera também, como arquiteto,

Carlos Mardel, que executaria, em São Vicente de Fora, a Capela das Onze Mil

Virgens; Bellini, por seu turno, colaborara nesta última obra com o mestre húngaro e,

igualmente, em Mafra. Da mesma forma, é do escultor paduano o retábulo pétreo da

Igreja do Menino Deus234.

A “igreja nova” e os demais espaços abraçados pela vaga de magnanimidade

joanina participariam, contudo, de um contexto artístico de coloração já diferente da que

timbrara as primeiras intervenções do reinado. Veiculado por uma nova geração de

artistas, o barroco internacional áulico impunha-se e, com ele, a estética italianizante235.

231 José Fernandes PEREIRA, “Arquitectura religiosa”, in, José Fernandes PEREIRA (dir.), Dicionárioda Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, pp. 43.232 Um plano, conquanto não executado, terá mesmo sido traçado. O autor refere, sem citar fontes, que oano de 1733, “segundo entrevemos nas notícias dum cronista anónimo e coevo, poderia ter sido o maisdanoso para a integridade do belo conjunto de Santa Engrácia, mas felizmente o plano nunca seexecutou”. Ayres de CARVALHO, Dom João V e a arte do seu tempo, Vol. I, Lisboa, Ed. do Autor,1962, p. 163.233 Francisco Xavier da SILVA, Elogio funebre e histórico de D. João V, Lisboa, Régia Oficina Silviana,1750, apud José Fernandes PEREIRA, "O barroco do século XVIII", op. cit., p. 51.234 Vejam-se os já referenciados artigos de António Filipe PIMENTEL, “Os grandes empreendimentosjoaninos”, pp. 31-37 e de Ayres de CARVALHO, “A acção mecenática joanina e a Roma papal”, pp. 71-95.235 Sobre o tema, vejam-se, entre outras, as referências citadas na nota supra.

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As obras de renovação do mosteiro serão, numa linha de continuidade,

adjudicadas a Manuel Pereira, mas nelas não divisamos já uma ação apenas de

mecenato, mas, pelo nível de personalização da comitência, de verdadeiro patronato. O

ajuste necessário que a ideia de “edificar nova Igreja, a qual fosse proporcionada em

tudo ao Convento”236 traduz, respeita menos à dissonância entre o templo e a casa

monástica que ao desajuste entre mentor e obra. Do intento, pois, de a fazer espelhar a

grandiloquência da vontade régia, resultou não apenas a substituição do templo, quanto

intervenções noutras partes do cenóbio, a reconfiguração urbanística da própria vila e o

aumento da côngrua do confessor.

De fato, o rei encontraria modo de contornar os entraves que, na primeira

intervenção, se haviam colocado à sua liberalidade. A vontade régia impôs-se sobre as

prerrogativas da Ordem Religiosa e tornou negociável o que por princípio não o é.

Processo semelhante se verificara em Mafra, onde as alterações ao plano primitivo,

contendendo com o modelo conventual havia muito tipificado pelos arrábidos, exigiram

a emissão de um parecer jurídico pelo arcipreste de Lisboa a fim de que os frades

aceitassem a obra que o rei pretendia consignar-lhes237. Ainda à semelhança de Mafra,

também no Louriçal se pretendeu beneficiar uma Ordem a que os monarcas se achavam

desde havia séculos ligados e que nunca a nível arquitetónico fora por eles

beneficiada238.

Para a nova fábrica, o soberano terá consignado quarenta e cinco mil cruzados,

supondo-se neles contemplada a igreja, torre do relógio, noviciado “e outras mais

porçoens do Convento”239. Mas também as religiosas e o confessor seriam beneficiados:

a 6 de novembro de 1733, um mandato da Junta da Casa de Bragança, oferecia

mensalmente às religiosas 150 000 réis por tempo de cinco anos a contar desde 1 de

Novembro de 1733240, enquanto, por alvará de 10 de junho de 1733, se aplicava

perpetuamente ao mosteiro um padrão de 90 000 réis anuais da Tesouraria dos Portos

Secos para aumento da côngrua do confessor, anteriormente cifrada em 150 000 réis241.

Pode considerar-se, face ao exposto, que as obras, iniciadas em finais de 1733,

estavam idealmente escalonadas, prevendo-se que terminassem em cinco anos, o que, de

236 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 208.237 O parecer teria data de 1730.238 José Fernandes PEREIRA, "O barroco do século XVIII", op. cit., p. 62.239 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 210.240 Mandato da Junta da Casa de Bragança a respeito do Convento (ADLRA, Convento do Louriçal,Decretos).241 Data de 6 de maio de 1733 a cópia do decreto pelo qual essa primeira consignação foi feita. (ADLRA,Convento do Louriçal, Decretos).

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fato, aproximativamente sucedeu, vindo a igreja, já completa, a ser benzida a 27 de

outubro de 1739242.

Um contrato celebrado a 19 de outubro de 1734 entre o mosteiro e a Câmara do

Louriçal243 abona, uma vez mais, em favor da fidedignidade histórica da obra de

Manuel Monteiro. A ideia de que o atual templo pudesse ser uma sobrevivência da

construção iniciada a 1640 é aqui rotundamente negada, o que, no entanto, não coloca

de lado a hipótese, que mais adiante avançaremos, de a planta ter colhido inspiração de

um eventual plano de João Antunes.

O acordo revela com clareza o teor das transformações. Registada ficaria a

demolição das “casas” do procurador do mosteiro, Rev.º P. António de Azevedo, de um

lagar pertença de Manuel da Mota da Silva, de uma casa que servia de estrebaria,

propriedade de Manuel Fernandes244, de várias construções incluídas na cerca monástica

– uma casa que servia de “Barrela”, um telheiro que servia de carpintaria e o mais que

fosse necessário das casas que serviam de palheiro. Mas as alterações exigiriam ao

mosteiro correlativas incumbências: a edificação de muros, o respeito pelo desafogo de

determinadas áreas, a construção de vias, etc.245

Mais que um jogo de contrapartidas e compensações pretensamente absolutas, as

obras significaram um novo diálogo com a ordem urbana e com a comunidade. Toda a

rua que ia do Padrão até à Misericórdia seria demolida pela abertura do novo

arruamento; um “rocio grande” seria construído defronte do templo “em ordem a ficar o

Convento de todo desafogado.” Era a igreja – e, por antonomásia, o mosteiro – que se

impunha sobre a vila, reivindicando um estatuto de axialidade que, até então, só

espiritualmente gozara.

Mas, se a bênção do templo data de 27 de uutubro de 1739, as obras só mais

tarde se darão por findas, como atesta um ofício de 14 de junho de 1741, enviado pelo

Cardeal da Mota ao Corregedor de Coimbra, pondo termo, em nome do rei, ao embargo

que a Câmara do Louriçal havia lançado sobre os trabalhos246. Seria o embargo

resultante de algum incumprimento? Seria resposta deslocada a contenda antiga?

Ignoramo-lo. Não era esta, porém, a primeira vez que a Câmara acautelava zelosamente

242 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 108. A 5 de novembro de 1739, o Doutor Manuel Pereira Rebelo,cónego da Sé de Coimbra e vigário capitular do bispado faz doação de 40000 reis ao mosteiro paracompra de bulas da cruzada a favor das religiosas. (ADLRA, Convento do Louriçal, Escrituras).243ADRLA, Convento do Louriçal, Escrituras.244 Ibidem.245 Ibidem.246 Ibidem.

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os seus direitos: o mesmo se passara, tantas décadas antes, em relação à sepultura de

Maria do Lado247.

No delineado contexto de encomenda, não suscitaria estranheza a escolha dos

artistas chamados a intervir. O Irmão Manuel Pereira, a quem ficaria cometida a planta

do templo, estivera já ligado ao Louriçal. Em seu abono diz Manuel Monteiro ser

“insigne na Arte da Arquitectura", pessoa "de quem Sua Majestade se fiava,

encarregando-lhe todas as suas Reaes obras, como lhe tinha encarregado a planta, e

medição desta”. Além disso, já o vimos, era grande a “experiência que o Arquitecto

tinha do que é Communidade”248. Como membro de uma Ordem Regular, seria,

portanto, um interlocutor particularmente destro das necessidades de uma comunidade

religiosa. Não era inusual, aliás, as Ordens disporem de membros versados em

arquitetura, a quem cometiam os seus trabalhos, o que naturalmente abonava em favor

da fidelidade da obra aos preceitos canónicos249.

Enquanto a Manuel Pereira coube o risco da igreja, ao desembargador António

Andrade do Amaral - que, em simultâneo, dirigia uma outra obra de cariz similar, a

renovação do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra - caberia, igualmente por

escolha régia, a superintendência da obra e, mais tarde, a finalização da empreitada250.

A obra dos retábulos e a escultura retabular, seguramente mais tardia que o risco

e construção do templo, seriam confiadas a Carlos Mardel e a António Bellini de Pádua,

ao tempo igualmente ligados a outros grandes empreendimentos régios251. A pintura

azulejar, por último, seria, ao que parece, dada a Valentim de Almeida, um dos

exponentes da azulejaria joanina252.

António Andrade do Amaral tem a maior importância neste todo, pois supomos

ser ele que, continuando a incumbência de Manuel Pereira, cujos planos acreditamos

anteriores a 1733, renova a feição do templo ao chamar Bellini e Mardel para a feitura

247 A sepultura de Maria do Lado havia ficado na Capela de Nossa Senhora da Graça, Igreja matriz doLouriçal, apenas a título de depósito e num prazo de vinte anos.248 Manuel MONTEIRO, op. cit., p 207.249 Como destaca Nelson Correia BORGES, «O barroco joanino», História da Arte em Portugal. Dobarroco ao rococó, Vol. 9, Lisboa, Edições Alfa, p. 34.250 Manuel MONTEIRO, op. cit., p 210.251 Veja-se, a propósito, Sandra SALDANHA (coord.), O Mosteiro de S. Vicente de Fora – Arte eHistória, Lisboa, Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, 2010, pp. 189-207.252 A atribuição foi feita pela primeira vez por José Meco e, no seu encalço, glosada por Joaquim VitorinoVideira EUSÉBIO, Les cycles d’azulejos de l’église du couvent de Louriçal (Portugal) attribués àValentim de Almeida (1692-1779), dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada àUniversidade de Monreal, 2010 e por Maria Luísa JACQUINET em O Mosteiro do SantíssimoSacramento do Louriçal: memória e comemoração, texto da conferência apresentada no âmbito dasComemorações do Tricentenário da fundação do Convento do Louriçal, Maio de 2010 [não publicado].

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dos altares. Em meados de Setecentos, época em que escreve Manuel Monteiro, estaria

a erguer-se, segundo risco de António Andrade do Amaral, a capela-relicário que

converteria a fim devocional a antiga “casa do amor”, divisão na qual Maria do Lado se

recolhia em mortificações. A data de ideação deste espaço poderá fazer-se coincidir

com a data que presidiu às intervenções dos anos Trinta. Na autoria de Andrade do

Amaral - “curioso de arquitectura”, neto de ourives253 e tendo no curriculum um longo e

intenso contato com a arquitetura monástica -, talvez possamos ver uma possível relação

com o Mosteiro conimbricense de Santa Clara-a-Nova, que, sob sua superintendência,

receberia uma capela-relicário dedicada à Rainha Santa.

Já completo, o mosteiro viria a receber benefícios menores cuja data e autoria

impossível se nos torna hoje precisar. Pelo significado do seu enquadramento na

estrutura espacial e devocional, salientemos duas peças oferecidas por D. José I: uma

imagem processional de Nossa Senhora da Boa Morte, uma das principais devoções da

casa e da vila do Louriçal, e uma pintura de Emanuel Alfani retratando Maria do Lado

destinada a cobrir “a boca da tribuna quando esta grande alma conseguir o culto dos

altares”254.

Conquanto a encomenda de D. José I traia o caráter hereditário que, em linha

direta, assinalou também a intervenção paterna, há, com o Magnânimo, um ensejo claro

de superação de preexistências, conseguido, em grande medida, pela substituição e

sobreposição do edificado e pela apropriação de referentes simbólicos.

No seio do que prefiguramos como um firme afã de mudança, vertido numa

série descontínua de campanhas de obras, ergueu-se um monumento que traduz a

interceção e o diálogo, mais harmonioso nuns casos e menos noutros, entre várias

correntes e gostos artísticos. Na difícil lisibilidade da obra, avultam elementos que

parecem assinalar os seus diferentes influxos: o frontão que encima o portal da portaria,

por muito que, ao ostentar a data de 1708, reivindique o investimento joanino, remete

para um vocabulário decorativo que dele se arreda e que tanto difere do portal da “igreja

nova”, fruto da segunda campanha promovida pelo rei. Igual considerando poderá

aplicar-se à planta poligonal do templo, cuja planimetria invoca, de facto, a obra de João

253 Segundo apurámos através da Diligência de habilitação de António de Andrade do Amaral a familiardo Santo Ofício (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 208 eANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 70, doc. 1391).254 A pintura consta do espólio do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra.

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Antunes255. Remetendo para plano anterior ao patrocínio do Magnânimo, anotamos

ainda o nicho que sobrepuja o arco cruzeiro e em que repousa uma imagem de um dos

guardiães do mosteiro, S. Miguel Arcanjo. A sua gramática parece, uma vez mais,

apelar ao risco antuniano e, no geral, a várias realizações seiscentistas. Por outro lado, e

independentemente da sua autoria ou datação, os azulejos que por completo revestem as

superfícies parietais do templo, em programa típico de pequena igreja monástica,

contrastam com a estética italianizante e erudita do sistema retabulístico dos altares de

mármore.

Somos tentados a admitir que a chamada igreja nova tenha sido fruto de um

tempo longo de gestação que acabou por integrar parte do risco de João Antunes,

alterações e aposições idealizadas pelo Irmão Manuel Pereira, e, sob Andrade do

Amaral, a decoração arquitetónica e escultórica dos altares.

Em suma, a obra do Louriçal, não obstante a coerência apostólica e a aparente

estaticidade inerentes à Regra observada, acusa, a nível arquitetónico, uma

multiplicidade de planos de que a análise das particulares circunstâncias da encomenda

favorece a desambiguação. No meio do que hoje se nos apresenta como um acervo por

vezes dissonante de espaços que denunciam o inexorável curso do tempo e o conflito

entre imperativos funcionais e a preservação material, soergue-se, como matricial fator

de coerência e continuidade, a memória indelével da veneranda fundadora.

255 Sobre João Antunes, veja-se a síntese de José Fernandes Pereira, que assina, no Dicionário da ArteBarroca em Portugal (José Fernandes PEREIRA (dir.), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa,Editorial Presença, 1989), a entrada relativa ao arquiteto (pp. 33-36).

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2.4. Em busca de Manuel Pereira (C.O.), arquiteto

Tornemos a Manuel Pereira e às múltiplas questões que a sua intervenção

oferece. Os méritos que o monarca lhe reconhecia justificariam a fiança que se lhe

depositava? Terá a sua intervenção sido subsidiária de uma suposta anterior planta saída

do punho de João Antunes? Em caso afirmativo, quais os limites da criação artística

consignáveis ao oratoriano? Tentemos respondê-lo aventando uma indagação sobre este

enigmático personagem.

À semelhança de várias personalidades da arquitetura da primeira metade de

Setecentos - e, evidentemente, não só -, cuja feição a historiografia não logrou ainda

resgatar da neblina do tempo, Manuel Pereira afigura-se-nos ainda hoje como um

mestre tão enigmático quanto - e porquanto - infimamente conhecido.

Reclamando de igual modo uma definição de contornos se encontram nomes

com os quais o percurso daquele arquiteto curiosamente se cruza: D. Francisco de

Lousada Ribadaneira, o Cardeal da Mota, António Andrade do Amaral ou, ainda, e

embora bem mais estudado, João Antunes, cuja biografia artística não deixa ainda hoje

de suscitar questões256.

É no desfasamento entre o teor das palavras que sobre o arquiteto oratoriano

versam e aquilo que, afinal, dele sustentadamente se conhece que assenta o que

designámos como "enigma". Ao que acrescem dados do labor historiográfico que, no

encalço de esclarecer atribuições, têm por vezes redundado na reformulação de dúvidas.

A questão é tão real quanto redundante. De fato, a imprecisão biográfica de

Manuel Pereira, ao tornar nebulosas atribuições de autoria, obscurece a análise do

objeto artístico e vicia a avaliação do mérito de eventuais obras a ele atribuídas ou

atribuíveis, condicionando, por essa via também, outras possíveis atribuições. A tanto

acresce a tendência para aglutinar, por similitude de nomes ou designações, figuras de

recorte identitário igualmente incerto, tal o caso do pintor de azulejos P.M.P. e do Padre

Manuel Pereira, capelão da rainha D. Catarina de Bragança257.

256 Veja-se, a propósito, o elucidativo estudo de Paulo Varela GOMES, Arquitectura, religião e políticaem Portugal no século XVII: a planta centralizada, Porto, Faculdade de Arquitetura, 2001.257 Salientamos o interesse dos contributos de Rosário Carvalho para o estabelecimento de um cuidadoso"ponto de situação" sobre a biografia artística de P.M.P. e, por associação, do Irmão Manuel Pereira. Vd.Maria do Rosário CARVALHO, A pintura do azulejo em Portugal (1675-1725): autorias e biografias.um novo paradigma, 2 vols., Lisboa, s/n, 2012 [Tese de doutoramento em História da Arte apresentada àFac. de Letras da Univ. de Lisboa], pp. 276-278.

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Enquanto até cerca de 1989258, a Manuel Pereira C.O. se associava tão-só a

intervenção no aqueduto e reformulação setecentista da igreja do Mosteiro do Louriçal,

mais recentes investigações alargariam o âmbito da sua atividade ao Palácio dos

Marqueses de Olhão, em Lisboa, à Capela da Rainha Santa Isabel, em Estremoz, ao

mosteiro lisboeta de Santa Marta, ao retábulo da Ermida de São Sebastião da Moita, ao

retábulo-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa ou, ainda,

ao portal da Igreja da Misericórdia de Torres Vedras.

Com efeito, até então, apenas uma fonte parecia consignar inequivocamente a

Manuel Monteiro a autoria de uma obra arquitetónica: a História da Fundação do Real

Convento do Louriçal, redigida pelo também oratoriano Padre Manuel Monteiro259.

Nela, porém, só aquele cenóbio de Capuchas emerge como fruto explícito do seu estro

criador. A investigação sucessivamente levada a cabo por Luísa Arruda assinalaria, com

base documental, a atividade do oratoriano no Palácio do Marqueses de Olhão entre

1717 e 1724, onde se encarregaria da medição das obras de carpintaria e pedraria260.

Conquanto não formalmente associado ao risco do edifício, Manuel Pereira, que num

dos documentos assina como “arquitecto das obras da Congregaçaõ do Oratório nesta

cidade de Lisboa", poderá, aventa a autora, ter tido responsabilidade na nova planta e no

desenho do portal do palácio261.

Mais se expandiria o espetro de ação do religioso ao propor-se a sua

identificação com o reputado pintor de azulejos conhecido pela sigla com que timbra os

seus trabalhos: P.M.P.262. É igualmente Luísa Arruda quem o sugere, fazendo notar a

presença de um azulejo deslocado da autoria do mestre monogramista no Palácio dos

Marqueses de Olhão263, circunstância que ganharia significado tendo em conta que, no

contexto da estreita ligação entre arquitetura e azulejaria, nos locais onde P.M.P. labora,

258 Socorremo-nos da data da primeira edição do Dicionário da Arte Barroca em Portugal (dir. de JoséFernandes PEREIRA, Lisboa, Editorial Presença, 1989), onde António Filipe Pimentel assina o verbetesobre Manuel Pereira (p. 350).259 Vd. Manuel MONTEIRO (padre), História da Fundação do real Convento do Louriçal de religiosascapuchas, Escravas do Santissimo Sacramento, Lisboa, Oficina de Francisco da Silva, 1750.260 Cfr. Luísa ARRUDA, “O Palácio de Xabregas. Do Legado do Tristão da Cinha às grandes obras doséculo XVIII, Claro-Escuro. Revista de Estudos Barrocos, n.ºs 6-7, Maio/Novembro de 1991, Lisboa,Quimera, pp. 151-161.261 Transcreve-se parcialmente um documento do Arquivo dos Marqueses de Olhão assinado em Lisboa24 de Setembro de 1724 (Idem, ibidem, p. 154).262 Cfr. Luísa ARRUDA; Teresa Campos COELHO, Convento de S. Paulo de Serra de Ossa, Lisboa,Edições Inapa, 2004, p. 38.263 Cfr. Luísa ARRUDA, Azulejaria barroca portuguesa: figuras de convite, Lisboa, Inapa, 1993, p. 90.

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se pressente "a presença de um arquitecto que alterou espaços ou que pretende

sensibilizá-los com a presença monumental dos painéis."264

Ganhava consistência a figura de Manuel Pereira, que a autora designaria como

"freire oratoriano e Capelão da Rainha", personalidade "de Arquitecto amador,

decorador e mestre pintor que colaboraria ou mesmo estaria associado a uma grande

oficina de azulejos de Lisboa" - hipótese, esta última, avançada por Vítor Serrão com

base em documentação que liga um sacerdote de nome Manuel Pereira ao ladrilhador

António Antunes e ao pintor de azulejos Dionísio Pacheco265. Na documentação notarial

identificada e analisada em primeira mão por Vítor Serrão, o sacerdote surgiria

referenciado, salienta Rosário Carvalho, como “clérigo do Hábito de São Pedro e

Capelão da Sereníssima Rainha da Grã-Bretanha” e morador na Rua de São José266.

Sobre o mestre que nos ocupa passaria, portanto, a convergir a condição de

capelão da rainha da Grã-Bretanha e a identidade do também enigmático P.M.P., num

espetro laborativo que se estenderia da arte azulejar ao desenho arquitetónico e à

superintendência de obras.

Paralelamente, enquanto arquiteto tracista, a sua atividade ganharia fôlego ao

atribuir-se-lhe o risco do claustro novo do Mosteiro de Santa Marta, executado entre

1701 e 1705 em suposta parceria com João Antunes267, o desenho do retábulo-mor da

Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, segundo contrato de 2 de

fevereiro de 1716268, o do portal da Igreja da Misericórdia de Torres Vedras269, datado

de 1718 e, enfim, o do retábulo da Ermida de São Sebastião da Moita, obra de 1725270.

Mas o alargamento do leque de atribuições estender-se-ia ainda à Capela da Rainha

264 Idem, Convento de S. Paulo de Serra de Ossa, p. 37.265 Idem, ibidem, p. 38. A autora remete para Vítor SERRÃO, História da Arte em Portugal - o Barroco,Lisboa, Editorial Presença, 2003, p. 221. As cotas dos documentos que, na investigação de Vítor Serrão,permitem esta associação são: ANTT, C.N.L., n.º 15 ofício A (antigo 7 ofício A), Cx. 83, Livro de Notasn.º 448, fl. 54v.-56 e ANTT, C.N.L., n.º 15 ofício A (antigo 7 ofício A), Cx. 84, Livro de Notas n.º 463,fl. ilegível (apud Rosário CARVALHO, op. cit., p. 276).266 Cfr. Rosário CARVALHO, op. cit., p. 276.267 Cfr. Vítor SERRÃO, O Arquitecto Maneirista Pedro Nunes Tinoco. Novos documentos e obras (1616-1636), Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III Série, n.º LXXXIII, 1977,Lisboa, pp. 25-27 e Vítor SERRÃO, História da Arte em Portugal - o Barroco, p. 177.268 Cfr. Manuel BRANCO; Paula CORREIA; Paula FIGUEIREDO; Filipa AVELLAR; Lina OLIVEIRA,“Igreja Matriz de Vila Viçosa/Igreja de Santa Maria do Castelo/Igreja de Nossa Senhora da Conceição”,Inventário do Património Arquitectónico, Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana,1993/2006/2007 (URL: www.monumentos.pt).269Cfr.Vítor SERRÃO, op. cit., p. 177.270 Cfr. Idem, ibidem, p. 177.

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Santa Isabel, em Estremoz. Já assinalada com base documental por Túlio Espanca271, a

informação seria retomada e desenvolvida por Maria de Lurdes Cidraes272, que

reformula a hipótese, avançada por Vítor Serrão, de que o oratoriano pudesse inclusive

ser o programador daquele pequeno templo273.

Seria sem dúvida sedutora esta amplificação de trabalhos adjudicáveis ao mestre

ao criar um aparentemente mais sólido enquadramento a qualquer das suas supostas

obras, não fosse assentar numa confusão identitária decorrente da homonímia entre o

irmão congregado e o sacerdote e oficial ou arquiteto do mesmo nome e da paronímia

(ou "pseudo-paronímia") entre aquele e o pintor de azulejos P.M.P. - credenciada, neste

último caso, por uma associação aproximativa.

Suscitar-nos-ia reserva a identificação do irmão leigo da Congregação do

Oratório – que, e porquanto tal, não deveria atribuir-se a designação de “padre” – com o

clérigo do Hábito de São Pedro (i.e., secular), capelão de D. Catarina, detentor do

mesmo nome. Motivados a uma indagação arquivística mais aprofundada, veio pois a

constar-nos que, deste eclesiástico, falecido a 10 de março de 1719274, nada há que o

associe ao Oratório e, de igual modo, a qualquer das obras mencionadas. E, muito

embora ligado ao Mosteiro de Santa Marta, a cujo confessor viria aliás a deixar vários

bens em testamento275 e em cuja paróquia seria sepultado, reputamos incerta, embora

possível, a sua associação às obras daquele cenóbio, como incerta, senão improvável, a

atribuição a Manuel Pereira (C.O.) da autoria da remodelação setecentista do claustro

monástico276.

Em relação ao mestre responsável pelas obras do Louriçal, assumimos trata-se

da figura localizada por Luísa Arruda na remodelação do Palácio dos Marqueses de

271 Cfr. Túlio ESPANCA, Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora (zona Norte), Vol. I,Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1975, p. 85. O autor refere o Códice CLXV – I – 8, fl. 40,guardado na Biblioteca Pública de Évora.272 Cfr. Maria de Lurdes CIDRAES, Os Painéis da Rainha, Lisboa, Edições Colibri/Câmara Municipal deEstremoz, 2005, p. 26.273 Cfr. Idem, ibidem, p. 26. Em nota, refere que Vítor Serrão sustenta a hipótese de que o religioso possaser também o autor da tradução anónima do Tratado de Pozzo, escrita em Santarém no ano de 1730.274 ANTT, ADL (Arquivo Distrital de Lisboa), Registos Paroquiais, Paróquia de São José, Óbitos, Cx. 22,Lv. O2, fl. 60 v.275 ANTT, RGT (Registo Geral de Testamentos), Lv. 159, fls. 62 -77 e 77-82 v. O testamento é de 20 deJunho de 1718, datando a sua abertura de 9 de março de 1719.276 Do fundo do Mosteiro de Santa Marta consta, conforme salientado por Vítor Serrão, um recibo deManuel Pereira relativo à obra de reconstrução do claustro. Este, porém, não certifica o mestre comoautor da obra, antes o coloca como mediador da execução da mesma. Vd, a propósito, Vítor SERRÃO, OArquitecto Maneirista Pedro Nunes Tinoco..., p. 26. O documento, uma nota de quitação de 15 desetembro de 1705, a que entretanto acedemos, é assinado por um "p.e Manoel Pereira", o qual não poderácorresponder ao irmão leigo do mesmo nome (cota atual: ANTT, ex-A.H.M.F., Cartórios dos Conventos,Convento de Santa Marta de Jesus, cx. 203, mç. 188, doc. 1).

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Olhão e por Túlio Espanca - e, no seu encalço, por Lurdes Cidraes -, nas obras da capela

estremocense da Rainha Santa Isabel277.

Pelas razões apontadas, a associação ao mestre azulejador apresenta-se-nos

questionável: Manuel Pereira não teria, repisamos, avocado a si a qualidade de professo

da sua Ordem, que o monograma P.M.P claramente reclama. Ademais, e bem que

reconhecendo o interesse e coerência dos argumentos avançados por Luísa Arruda, a

ligação do dito pintor ao Palácio de cujas obras o oratoriano foi medidor reveste-se de

caráter essencialmente especulativo.

Em concreto, apurámos documentalmente que Manuel Pereira ingressou como

noviço na Congregação do Oratório de Lisboa a 8 de setembro de 1689, tendo, portanto,

feito parte da primeira comunidade portuguesa de oratorianos cuja clausura em 1668 se

iniciava278. Como leigo, estado que jamais alterou, veio a falecer a 18 de julho de

1749279. Passado um ano do noviciado, trocou Lisboa por Estremoz, para onde terá sido

chamado, assim sustenta Lurdes Cidraes, a fim de integrar a comunidade afiliada que aí

então se fundava280.

No fundo documental do convento oratoriano de Nossa Senhora da Conceição

de Estremoz, que hoje se conserva na Biblioteca Pública de Évora, o nome de Manuel

Pereira surge várias vezes em registos de contas e encomendas. Com data de 2 de

Outubro de 1706, dá-se nota de que "enviou o Irmão M.el Per.ª a conta do azulejo do

Oratorio, das linhas de ferro da Casa da Rainha Sta., q. empregou com outras despesas

tocantes á Casa"281. De 1706 é um documento do próprio relativo ao "Azulejo q.

mandey fazer p.ª o Oratorio"282. Por fim, em registo de 1707 atesta-se que teria a haver

"pelo custo de duas pias de pedra da Arrabida p.ª a Igreja da Rainha Santa", de "duas

277 Cfr. Lurdes CIDRAES, op. cit., p. 26.278 ANTT, CORL, Casa do Espírito Santo, mç. 12, "Lista de Noviços e Congregados e datas de entradana Congregação". Na “Lista de todos os P.es e Irmaõs q. tem havido na Congregação e antiguid.e em q.entretaraõ”, incluída no maço anteriormente referenciado, faz-se menção a um “ir. Manoel Pereyra”, comindicação à margem de que é “Leygo”. É o único, aliás, desse nome.279 ANTT, CORL, Casa do Espírito Santo, mç. 12, “Noticia tirada do livro de Obitos dos dias em quemorreraõ os P.es e Irmaõs desta Congregaçaõ.”280 Cfr. Lurdes CIDRAES, op. cit., p. 26. A assinatura do irmão, sustenta, é uma das que constam do“Termo em que se declara a fundação do primeiro governo desta congregação”, registado no "Livro daseleições da Congregação do Oratorio da villa de Estremoz" (BPE, Lv. 2, 1697-1707, fls. 148).281 BPE, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 72.282 BPE, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 99 v. Manuel Pereiraterá encomendado ao oleiro Miguel de Azevedo azulejos de brutesco, 64 azulejos brancos e 24 alveares,tendo-os dado a pintar a Manuel dos Santos e encarregando, por sua vez, Braz Barradas "do corte q. fezem Lx.ª no azulejo".

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canastras de pedras de brurnir", de "dois sacos de pó de pedra" e de vários outros

materiais relativos a obras283.

O acrisolamento identitário que aventámos permite-nos, antes de mais, recentrar

a pesquisa sobre Manuel Pereira C.O. ao estabelecer limites para o que efetivamente lhe

é adjudicável, mas não por isso nos isenta de dificuldades. Com efeito, quer no Palácio

dos Marqueses de Olhão, quer no Oratório de Estremoz, quer, ainda, na Capela da

Rainha Santa, o arquiteto não surge formalmente como responsável por qualquer risco,

mas antes como medidor ou, de algum modo, como intermediário. Da mesma forma, e

apesar de supostamente autor das obras de renovação do Louriçal nos anos 30 de

Setecentos, é-nos difícil, face à complexidade da empreitada, avaliar a sua real

intervenção. Se, por um lado, a planta do templo parece remeter para o traçado do

primeiro arquiteto do mosteiro, João Antunes - no pressuposto de lhe pertencer o risco

da Igreja do Menino de Deus284-, por outro, os trabalhos iniciados por Pereira foram

concluídos pelo superintendente dos mesmos, o desembargador e "curioso de

arquitetura" António Andrade do Amaral285.

Além disso, e pese embora o respaldo referencial oferecido pelos trabalhos a que

podemos associar o irmão de São Filipe Néri, afigura-se-nos por ora difícil detetar-lhe

um cunho ou estilo próprio. Como vemos, os dados que, até ao momento e até certo

ponto, nos permitiram dá-lo a conhecer, não nos habilitam, porém, a torná-lo

reconhecível.

Mas algumas ilações podemos, seguramente, extrair deste ainda preliminar

rastreio. Firma-se-nos - além da relevância, óbvia, do clero regular para a arte

monástico-conventual -, a perceção da ligação de Manuel Pereira às empreitadas

arquitetónicas conduzidas pelos Congregados de Estremoz, bem assim a incidência,

essencialmente alentejana, da geografia da sua atividade. A reflexão tecida por Paulo

Varela Gomes a propósito da construção da igreja dos Congregados de Estremoz286

enriquece, sem dúvida, o significado deste ensaio de contextualização. Sublinhando o

relevo dos religiosos para a arquitetura alentejana, aventa o seu envolvimento em

“eventuais primeiros desenhos para a nova Capela-mor da Sé de Évora" e nos projetos

283 BPE, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 77 v.284 Reitera a dúvida de outros autores sobre a paternidade daquela obra Gabriel Jorge Andrade Costa em"Pintura e arquitectura: notas de leitura", ARQUIPÉLAGO. História, 2ª série, vol. 1, nº 1, Universidadedos Açores, 1995, pp. 333-350.285 Desenvolvemos a questão enunciada na tese de Doutoramento que de momento preparamos. Sobre oMosteiro do Louriçal, a já citada obra de Manuel Monteiro continua sendo a fonte mais rica e elucidativa.286 Cfr. Paulo Varela GOMES, “Fachadas de Igrejas Alentejanas entre os séculos XVII XVIII”, Penélope.Fazer e desfazer a História, n.º 6, 1991, pp. 2-40.

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de 1744 para a Câmara Municipal do Redondo. O fôlego dos religiosos iria, contudo,

mais além: a fachada (inconclusa) da Igreja dos Oratorianos de Estremoz ter-se-ia

mesmo inspirado na face ocidental do templo lisboeta de Santa Engrácia287, paradigma

do primeiro barroco de feição internacional em território português.

No percurso de Manuel Pereira, aduziremos ao teor daquelas reflexões o

benefício que D. João V dispensou ao Oratório, alinhado, sem dúvida, com a intensa

atividade artística que, diretamente fomentada pela Coroa, percorrerá todo o seu longo

reinado288. O Magnânimo, a quem ficará a dever-se a construção do Palácio-Convento

das Necessidades, destinado aos Oratorianos de Lisboa, terá, com efeito, beneficiado

significativamente a Capela da Rainha Santa, pertença dos Congregados, que

incorporou no real padroado e a que concedeu rendas e alfaias sumptuárias289.

O mesmo em relação ao Louriçal, que, como casa de sua especial estima e

proteção, o soberano (re)funda, dota, enobrece e arquitetonicamente afaz à sua

"magnanimidade generosa"290. Vislumbramos, pois, Manuel Pereira em ambiência

timbrada pelo influxo régio, o que certamente terá imprimido cunho próprio à sua

atividade, quer esta se tenha desenvolvido na Corte de Lisboa quer na periferia. Fosse

pelo mérito intrínseco da sua obra, fosse pela pertença a um instituto religioso

fortemente acarinhado pelo rei - ou, o mais provável, pela convergência de ambos os

fatores -, Manuel Pereira ver-se-ia, como vimos, incumbido da "planta e medição" da

obra de renovação do Louriçal (ou de parte desta), tal como antes o havido sido de todas

as mais obras joaninas291.

Iremos curiosamente localizar D. Francisco de Lousada Ribadaneira na

Congregação do Oratório de Estremoz, cruzando funções e incumbências com o Irmão

Manuel Pereira. Disso nos dão prova certos documentos do já citado fundo do Convento

de Nossa Senhora da Conceição. Numa conta de Manuel Pereira podemos ler: "Por

dinhr. q lhe mandey dar ao Irmão M.el dos Santos por letra de 13 de 8bro p.ª este o

enviar a D. Fr.º de Lousada Ribadaneyra."292 Outros assentos contabilísticos há, estes do

próprio D. Francisco, que claramente o assinalam como intermediário ou oficial das

287 Idem, ibidem, p. 33.288 Cfr. António Filipe PIMENTEL, “Os grandes empreendimentos joaninos”, in Centro Cultural deBelém (org.), Triunfo do Barroco, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1993, pp. 31-37 (p. 31).289 Cfr. Túlio ESPANCA, op. cit. p. 85.290Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 84.291 Idem, ibidem.292 BPE, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 72.

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obras levadas a cabo pelos oratorianos293. Igualmente curiosa é a presença de certo João

Antunes, canteiro, nas obras cujos registos em tal livro se anotam294. Mas, tornando a

Ribadaneira e ao traçado do seu percurso, em que Lisboa, Estremoz e Louriçal assomam

iniludivelmente como polos, caberia indagar de alguma sua eventual influência na

escolha, junto do rei, de Manuel Pereira para a obra do Louriçal.

À medida que nos aproximámos de Manuel Pereira, da sua obra e contexto

laborativo - e concomitantemente, de artistas, obras e contextos outros com os quais

aqueles se cruzam e/ou confinam - vimos possivelmente surdirem mais questões que

firmarem-se certezas.

Tal como o artista, também o contexto em que operou parece enfermar de algum

caráter de indefinição e/ou reclamar um delineamento, questão que, se a um tempo é

histórica, é-o outrossim historiográfica. A morte de João Antunes, em 1712, criara um

vazio no panorama arquitetónico oficial, onde gravitariam várias personalidades

artísticas menores295. Caberia a Manuel Pereira o papel de veículo de um “Barroco

nacional de resistências”, representado, na dinâmica síntese de Vítor Serrão,

maioritariamente por “padres-arquitetos”, desenvolvido à margem do eixo introduzido

por Antunes e seus seguidores e caraterizado pela fusão ou interceção mais ou menos

conseguida de invariantes vernaculares ou tradicionais296?

Mas a ligação do irmão néri a encomendas de índole cortesã e ao fulgor

mecenático do Magnânimo não levaria antes a inseri-lo no “centro” artístico do país,

quem sabe na dupla transição entre a arte patrocinada por D. Pedro II e a de seu herdeiro

e sucessor e, no interior desta última, entre as primeiras empreitadas régias e as

representativas de um Barroco Internacional mais assumido? Talvez neste panorama de

transição e de contornos ainda incertos tenha assento a personalidade, também ela em

construção, de Manuel Pereira (C.O), arquiteto.

293 BPE, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 73. Trata-se de umaconta de D. Francisco de Lousada Ribadaneira de 12 de outubro de 1703. Recebe dinheiro de um alfaiate.294 Refere o documento: "Por dinher.º q lhe mandey dar por letra a D.os da Silva recibido aqui de JoãoAntunes canteyro das nossas obras em 5 de Jan.ro de 1704." (BPE, Convento de Nossa Senhora daConceição de Estremoz, Cód. CII/1-24, fl. 72.)295 Cfr. Vítor, SERRÃO, op. cit., p. 185.296 Idem, ibidem, p. 177.

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3. Arte e espiritualidade

Enquanto, até aqui, a arqueologia das obras monásticas foi feita entretecendo

registos parcelares e inferências várias, sobre a configuração material do mosteiro,

podemos socorrer-nos novamente da descrição ensaiada por Manuel Monteiro cerca de

década e meia após o termo das obras principais. O edifício compor-se-ia, di-no-lo, de

um perfeito quadro [quadrado], com bastantes cellas para o numero de 33.

Religiosas de Coro, e mais algumas para as conversas, todas com luz suficiente;

com hum claustro espaçoso, com oficinas proporcionadas aos ministerios de

Religiosas Capuchas, com enfermaria, e refeitório nella, para as

convalescentes; e huma grande baranda, que cahe sobre a cerca, a qual tinha

abundancia de agoa, de arvores silvestre, e de fructa297. (Fig. II.I)

Objetivo e isento de requebros, o quadro traçado pelo cronista seria bem mais

elucidativo que o oferecido pelo delegado do Tesouro da repartição de Fazenda do

Distrito de Leiria, que, em ofício de 1 de fevereiro de 1911, refere, sobre o cenóbio, ser

“Mosteiro antigo e pesado como em geral eram todos”.298 Mas o relato de Monteiro

não apenas é mais completo, quanto sublinha um valor intrínseco a uma casa religiosa: a

funcionalidade. A chave da correta definição do espaço está, pois, na adequação entre o

espaço e as necessidades da comunidade que o habita.

Esta justeza não se bastou, naturalmente, com a mera concordância entre espaço

disponível e lotação da comunidade. A austeridade da vida impôs, por um lado, uma

sobriedade estética que se revela tanto externamente, nas fachadas do conjunto

monástico, quanto em grande parte do espaço interno, com exceção das zonas nobres

por excelência, como o templo, coros, casa do capítulo ou santuário. Já a exemplaridade

da casa na sua luta contra a heresia e a heterodoxia e no cumprimento das normas

conciliares, sublinhou, por outro lado, a expressividade dos mecanismos arquitetónicos

inerentes à clausura.

Além e aquém de tudo isso, o Louriçal foi obra também de preexistências. De

um substrato material, por um lado, patente nos vários estratos construtivos que

297 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 83.298 Ofício da Repartição da Fazendo do Distrito de Leiria, ANTT/AHMN, cx. 1939.

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converteram à estrutura clausurada o primitivo recolhimento de terceiras, naturalmente

vertidos em diferentes tendências e influxos artísticos. Por outro, de um substrato

humano que, formado por terceiras e professas, se traduziu na viabilidade física de

acolher a transição entre duas comunidades canonicamente díspares. Mas, ainda, de um

substrato simbólico, que fez da celebração da memória de Maria do Lado um eixo

identitário com iniludíveis repercussões imagéticas. Neste sentido, o mosteiro oferece-

nos redundantes invocações da fundadora mística, cuja memória se reivindica através da

marcação simbólica dos espaços da sua vivência física e espiritual, como bem o provam

as capelas construídas em lembrança de especiais benefícios divinos, ou a incorporação

da casa onde vivera e da quase anexa Igreja da Misericórdia, palco de tantos prodígios.

O cenóbio não se limitou, porém, a acolher espaços ou objetos, converteu-os

mesmo em matéria de culto: o túmulo da fundadora seria primitivamente instalado sob o

altar-mor e o seu oratório privado daria pretensamente lugar a uma capela-relicário.

Tirando partido do poder da imagem, a iconografia não ficaria alheia ao projeto de

reivindicação memorial, retomando imagens de visões e profecias, possivelmente muito

próximas às velhas pinturas destruídas por ordem eclesiástica.

Resultando, ainda, de uma confluência de vontades, refletidas em substituições,

aposições ou complementaridades, que em seu torno se aglutinaram, o Louriçal é, por

tudo, uma obra complexa cuja compreensão convoca um conjunto multímodo de linhas

de análise.

Oferecendo uma sugestiva imagem de austeridade, o edifício apresentava-se

exteriormente como uma mole pétrea de dimensão sóbria, assinalada pela simplicidade

de paredes planas pontuadas descontinuamente por janelas gradeadas de verga reta e por

portas desornamentadas, exceção feita à portaria e ao ingresso do templo.

A sul do conjunto, desenhava-se a fachada lateral da igreja, desenvolvida no

sentido poente-nascente, e parte do muro da cerca. Confinando com o extremo oeste do

templo, erguia-se a torre sineira, conferindo alguma imponência a um conjunto no geral

pouco expressivo. Uma sucessão de vãos outrora gradeados dava corpo à fachada norte,

em cujo extremo se abria, na perpendicular, uma vistosa portaria. Fechavam a nascente

o conjunto, prolongando-o a sul e norte, os elevados muros da cerca monástica.

Intercetam de algum modo a austeridade do todo a decoração profusa e pesada

do portal da portaria, onde avulta um denso frontão em que enrolamentos de volutas

enquadram as armas reais -, e a molduração, mais sóbria, do portal do templo, onde

centralmente emerge, relevado, o emblema sigilar do Instituto: a Exaltação do

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Santíssimo Sacramento. A par destes breves apontamentos decorativos, animava a

fachada o jogo dos volumes criado pela justaposição de espaços altimetricamente

dissemelhantes. Tirando partido de alguma transparência a estrutura interna –

promovida pela severidade decorativa das fachadas –, parece-nos, efetivamente, divisar

um conjunto formado pela articulação geométrica de diferentes blocos.

Eis, de relance, a imagem de uma instituição fechada, espacialmente centrípeta,

que, em certo sentido, se desenvolve sobre e para o interior de si mesma. E, se

considerarmos que o aqueduto, no termo de uma aparatosa travessia de 350 metros de

arcarias por entre a vila e terrenos circunstantes, entroncava com a mole ensimesmada

do cenóbio, teremos um impacte visual mais contundente ainda299.

Era no reverso destes muros que, sob o signo da clausura, se codificava o viver

cenobítico. As divisões, distribuídas por dois pisos, agregavam-se por núcleos

funcionais. No piso térreo, abriam-se a portaria com locutório e, em redor do claustro, a

cozinha, refeitório, capelas devocionais e salas atualmente inidentificáveis. A

hospedaria e casa do capelão situavam-se a norte do perímetro cercado e, a sul, o

templo, em torno do qual gravitava o confessionário, sacristia e sala do capítulo300. A

casa do confessor, independente do conjunto embora a ele contígua, prolongava a leste

o alçado da igreja e confinava com a cerca. Esta última, com capela, desenvolvia-se a

oriente do conjunto, abrigando, no seu interior, poço, horta e pomar. No piso superior,

percorriam o claustro as celas das religiosas. A poente, ficava o noviciado, com sua

capela, a casa do presépio, o cartório e o santuário. A enfermaria, a sul dos dormitórios,

abria para a cerca.

Em torno de dois núcleos – templo e claustro –, parece, pois, assentar a dinâmica

arquitetónica da casa. Os espaços adjacentes à igreja pública – coros, sacristias e

comungatórios – contatavam com a clausura através de um desdobramento de si

mesmos que assume também uma dimensão altimétrica. Coro alto e coro baixo,

antecoros, sacristia de fora e de dentro são exemplos de estruturas que servem o

mecanismo da clausura. Devemos, no entanto, apor aos anteriores um terceiro núcleo,

cujo valor simbólico assume, de algum modo, uma função distributiva: a antiga

residência de Maria de Brito. Se, por um lado, comunica com o coro baixo, por outro,

299 Sobre o aqueduto, veja-se Cecília MATIAS; Teresa FERREIRA (atualizações), "Aqueduto doConvento do Louriçal", 2008-2012(http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=26532)300 Primitiva sala do capítulo (hipótese em aberto).

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comunica com o claustro. Nenhuma das suas fachadas é exterior, antes se encontra

totalmente imersa no perímetro cercado da clausura.

3.1. Expressões arquitetónicas

Acolhendo perpetuamente a vida sob princípios e regras estritos, o mosteiro

codifica espaços definidos antes de mais pela funcionalidade. Assim, mais que um

itinerário que reproduza uma deambulação pelos espaços monásticos feita por um

inventariante externo, sigamos como critério a natureza do viver cenobítico, para

analisar, ancorando-nos pragmática e aproximativamente na tipologia proposta por

Nelson Correia Borges301: o espaço litúrgico e de oração, o claustro, os pontos de

contacto com o exterior, os espaços de recreação e lazer e os locais de sobrevivência

temporal.

3.1.1. Entre interior e exterior (Figs.II.17.-35.)

O regime de clausura compõe um vocabulário de uma impressividade quase

maniqueísta, subordinando o contato com o exterior a uma zelosa reserva em relação ao

mesmo. Se a clausura se justifica enquanto reverso do século, a arquitetura assegura o

cumprimento de tal nexo no recurso aos mais ardilosos expedientes.

Verdadeiro diafragma, a porta regular, ou da portaria, constituía o único acesso

entre mundo e religião. Aberta perpendicularmente à fachada norte do conjunto, dela se

destaca o portal, robusto, pesado, de aparência seiscentista. O lintel e ombreiras,

decorados por “dupla série de caixilhos retangulares e quadrados” dispostos em

alternância, perfazem a aparência mais sólida que elegante deste ingresso302.

Ornamentando o frontão, a data incisa (1709) e as armas reais invocam o início da vida

monástica e a proteção régia de que dependia. Hoje incompleta, à decoração primitiva

deveria faltará a coroa régia a encimar o escudo, dos anjos a ladeá-lo e, possivelmente a

sustentá-lo, uma cabeça de anjo alado. Não passando de uma reconstituição hipotética, o

301 Idem, ibidem, pp. 35-55.302 Cfr. Maria José Guerreiro CABRITA, O Convento do Santíssimo Sacramento do Louriçal. Os espaçostemporal e espiritual, Tese de Seminário da Licenciatura em História da Arte, Coimbra, s/n, 1993,policopiado, p. 19.

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conjunto aproximar-se-ia de outros do seu género - como, significativamente, o do

portal da igreja lisboeta de Santa Engrácia.

No interior da portaria, uma divisão retangular, coberta por abóbada de aresta e

decorada com silhar de azulejos, estabelece a comunicação com o interior do mosteiro

através da roda e da portaria de dentro, que, por sua vez, conduz ao locutório ou grade.

3.1.2. O templo (Figs.II.43-51)

Definindo, em certa medida, um contraposto em relação aos demais espaços

monásticos, timbrados pelo caráter funcional e pela correspondência estrita a uma Regra

que impunha o despojamento, o templo, espaço sagrado por excelência e corolário de

todo o programa espiritual da casa, apresentava um valor decorativo que não passaria

despercebido ao olhar pouco informado do inventariante de 1911, que a respeito

profere: “apesar da minha incompetencia, creio ser digna da melhor conservação tal é a

preciosidade dos seus mármores e azulejos que a reveste.”303 Talvez da convicção deste

delegado do Tesouro tenha origem a proposta de classificação do templo como

monumento nacional que, a 16 de maio de 1939, viria a efetivar-se304.

É este, efetivamente, o lugar onde a riqueza artística tem a primazia e onde a

casa revela particular permeabilidade a condicionalismos outros – correntes artísticas,

gosto particular do encomendante - que não a rigorosa obediência aos cânones rigoristas

do Instituto. Lugar que congrega a comunidade de fiéis leigos e a comunidade religiosa,

que reúne homens e mulheres, é também nele que se assiste ao Mistério da Palavra e da

Transubstanciação. Eis, por tudo, um espaço de comunhão e convergência em torno de

uma mensagem que encontra na expressão artística um veículo por excelência.

Construído posteriormente ao demais conjunto edificado, apresenta em planta

uma pronunciada rotação angular em relação aos eixos definidos pelo claustro – que

respeitam, aliás, o alinhamento viário em que igualmente se inscreve a antiga casa da

fundadora.

A entrada pública, como é usual em mosteiros femininos de clausura, faz-se

lateralmente, tendo a enquadrá-la um portal de molduração simples encimada no frontão

303 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal de Leiria, cx. 1939.304 Pelo Decreto n.º 29 604, Diário do Governo, 1.ª série, n.º 112, de 16 de maio de 1939, o imóvelconstituído pela "Igreja do Convento do Louriçal, com os dois coros da mesma e o claustro contiguo" éclassificado como Monumento Nacional.

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por um medalhão que glosa o tema da exaltação eucarística, reproduzindo as visões da

veneranda instituidora da casa.

É notória a diferença entre os dois portais do mosteiro, mas não podemos afastar

categoricamente João Antunes dos antecedentes da nova realização. De fato, o arquiteto

de D. Pedro II desenhara, em 1693, a fachada da Igreja do Santíssimo Sacramento, em

Lisboa, onde um medalhão de igual insígnia e recorte semelhante encima o portal

principal. Apesar de a peça que atualmente se contempla ter presumivelmente saído do

punho de Manuel da Costa Negreiros, parece-nos lícito supor ter-se inspirado na

primitiva criação antuniana que, em 1796, no contexto da reconstrução do templo após

o Terramoto de 1755, veio a substituir305.

Também em relação à planta do templo, a presença do arquiteto régio deve ser

equacionada. Um eventual traçado de Antunes poderá ter servido de fonte à igreja nova

de Manuel Pereira ou, em alternativa, partes da igreja antiga, hipoteticamente

resultantes de uma por enquanto ignota intervenção antuniana, poderão ter sido

reaproveitadas no novel edifício.

De fato, o novo espaço assemelha-se planimetricamente a várias das obras

riscadas por Antunes. As plantas poligonais, ou de ângulos cortados, já havia tempo

eram usadas. O modelo de nave que tipificam terá caracterizado as igrejas portuguesas

do último decénio de Seiscentos306, de que são exemplos a Igreja do Menino Deus,

riscada provavelmente por Antunes, assim como várias outras obras do autor, mas

também a Igreja de São João Batista de Campo Maior (1734), da autoria de João Soares,

projeto igualmente patrocinado por D. João V. Quem sabe a flexibilidade de um

eventual plano de Antunes ficasse a dever-se a uma também eventual abstração do

projeto, situação que, na obra do mestre, encontraria estreito paralelo com Santa

Engrácia307.

Aproxima-nos uma vez mais da obra do arquiteto de D. Pedro II o nicho, com

aletas e enrolamentos, que sobrepuja o arco cruzeiro da igreja, e onde pontifica a

presença guardiã de S. Miguel Arcanjo. Não obstante, a nave retangular não apresenta

um octógono perfeito, mas, pela presença do coro, na parte fundeira, um semi-octógono

305 A respeito da Igreja do Santíssimo Sacramento, poderá encontrar-se informação atualizada emhttp://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=4044, em resenha da autoria de TeresaVale, Carlos Gomes (1996) e atualização de João Machado (2005).306 Paulo Varela GOMES, op. cit., p. 302.307 Vd. a circunstanciada análise de Ayres de CARVALHO em As obras de Santa Engrácia e os seusartistas, Lisboa, 1971.

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conseguido pelo seccionamento dos dois vértices onde repousam os altares que

flanqueiam o arco triunfal.

O que se nos apresenta não é já o vasto salão com capelas superficiais e, no topo,

uma caixa como capela-mor, evolução do tipo “jesuíta”, de nave única, de capelas

intercomunicantes nas ilhargas, com ou sem transepto e cúpula, esquema este eleito

pelas Ordens religiosas desde o séc. XVI308. Dentro do padrão de nave única e

unificação espacial, a que apreciamos é uma igreja que parece acusar preferencialmente

uma influência mais erudita, provinda, quem sabe indiretamente, de São Vicente de

Fora. Esta última, de cruz latina, apresenta cabeceira em forma de cruz grega com

cúpula sobre pendentes fechando a capela-mor309.

Independentemente da sua filiação ou modelo de inspiração, a planta do Louriçal

reflete, sem dúvida, o desejo de criar um espaço unificado e intimista. O efeito

conseguido parece corresponder à junção de duas plantas: uma, de planta quase

octogonal, formando o corpo; a outra, de planta centrada, formando a capela-mor. O

transepto, inscrito e inserido na capela-mor, denota, com efeito, esse esforço de

unificação espacial. A capela-mor, encimada por cúpula, funcionaria quase como um

pequeno templo-santuário de função memorial: para além de espaço de celebração do

Milagre Eucarístico, assumir-se-ia como sede comemorativa da memória da fundadora,

cujo túmulo - significativamente em forma de altar - aí pontificava.

A respeito do modelo de cúpula hemisférica, neste caso decorada com caixotões

de cantaria, Nelson Correia Borges refere tratar-se de uma “solução adoptada em raros

exemplares nacionais, como na matriz de Penamacor ou na Misericórdia de Viana do

Castelo.”310 Nos anos 30 de Setecentos, porém, o modelo em causa havia já sido

ensaiado, e não apenas em espaços de planta centralizada, como Santa Engrácia, mas

noutros mais, como São Vicente de Fora311.

Coerente em termos estéticos e espirituais, a cúpula do templo clariano

apresentava, decorando os pendentes, a imagem pictórica dos quatro Apóstolos,

mensageiros da Palavra. No altar-mor, por seu lado, a tribuna abrigava um “panno de

camarim pintado a oleo representando a adoração do SS. Sacramento por duas

308 Nelson Correia BORGES, «O barroco joanino», História da Arte em Portugal – Do barroco aorococó, Vol. 9, Lisboa, Edições Alfa., p. 34.309 Cfr. Sandra SALDANHA (coord.), O Mosteiro de S. Vicente de Fora – Arte e História, Lisboa, CentroCultural do Patriarcado de Lisboa, 2010, p. 125.310 Nelson Correia BORGES, «O barroco joanino», op. cit., p. 34.311 Cfr. Sandra SALDANHA, op. cit., pp. 77-153.

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religiosas”312. A tela oferece-nos uma das poucas representações imagéticas das

Clarissas do Desagravo, que, com véu azul celeste e custódia no escapulário, aí se

encontram, não tanto em adoração eucarística, quanto participando da elevação da

custódia por dois anjos, no que constituíra a visão fundadora de Maria do Lado313.

Associando-se a este motivo central, um anjo eleva um ramo de açucenas, enquanto de

uma lamparina se eleva fumo que envolve a cena superior. No extremo direito da

composição, ergue-se a estátua de uma religiosa ostentando uma cruz. Tratar-se-á de

Maria do Lado, cuja profecia se rememorava e cuja autoridade, por conseguinte, se

sufragava? Estranhamente, a tela não corresponde à descrição da pintura de Emanuel

Alfani, que supostamente se destinaria ao mesmo local314.

As imagens escultóricas de dois serafins de grande dimensão ladeiam

simetricamente o altar-mor. Empunhando, numa das mãos, um escudo e, na outra, uma

lança, vigiam e custodiam alegoricamente o Altar. “Regem Angelorum Dominum” - eis

a inscrição que o escudo ostenta -, eles são, efetivamente, os mais habilitados dentro da

hierarquia celeste a atender a tal função.

Duas capelas laterais e duas colaterais abriam simetricamente ao longo da nave

da igreja. Muito semelhantes entre si e replicando, a pequena escala e de forma

simplificada, a estrutura retabulística proposta pelo altar-mor, apresentavam retábulo

polícromo - branco, preto, rosa e amarelo - de mármores provenientes de Lisboa.

Formado por arco de volta perfeita, interrompido na zona central, apresenta painel

ladeado por pilastras e, em frentes delas, por colunas de capitéis coríntios, que suportam

um frontão limitado por volutas, da autoria de Carlos Mardel, e composição escultórica

- os anjos dos acrotérios e os relevos de temática Eucarística dos tímpanos - de António

312 ADLRA, Convento do Louriçal, Relaçao das alfaias, vasos sagrados e mais objectos […] que em 23de maio de 1878 se começaram a avaliar.313 A tela, cuja descrição consta dos inventários relativos à supressão da casa, encontra-se ainda hoje nomosteiro.314 É pouco o que se sabe deste pintor, que nem Cyrillo nem Taborda referem. Nuno Saldanha anota a suaimportância para o “desenvolvimento da pintura ítalo-romana de Setecentos, nomeadamente no percursoestilístico que se desenha na transição dos classicismos das duas metades da centúria, ou seja, entre oclassicismo e o neoclassicismo dos finais do século XVIII”. Terá tido atividade em Portugal entre 1730 e1746. Tanto em Portugal como em Itália terá sempre estado associado a encomendas de envergadura,sendo em Roma muito conhecido. Em Portugal, esteve ligado a Mafra (convento) e à Catedral de Évora.A sua atividade no país deve ver-se no contexto da vinda de artistas italianos para Portugal a instâncias deD João V e, ainda, às obras do ciclo de Mafra. Poderemos, pois, associar a Alfani, Bellini e Mardel ummesmo veio estético e uma mesma motivação mecenático-artística. Cfr. “Emanuel Alfani (act. 1730-1746)”, Joanni V. Magnifico. A pintura em Portugal ao tempo de D. João V. 1706-1750, Lisboa, IPPAR,1994, pp. 397-400.

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Bellini de Pádua. O conjunto, cujo coroamento recorre ainda a enrolamentos, grinaldas

e festões, denunciaria, segundo Horácio Bonifácio, o influxo palladiano315.

Os altares laterais abrigariam as impressionantes imagens escultóricas dos

padroeiros da Ordem, São Francisco e Santa Clara316, enquanto os colaterais acolheriam

Nossa Senhora da Conceição, da parte do Evangelho, e Jesus Cristo, na da Epístola317.

Segundo Francisco Leite de Faria318, a santa de Assis poderia ter sido esculpida

no sul da Alemanha ou nos Países Baixos, ou, se em Portugal, por artista formado

nalguma daquelas regiões. Qualquer atribuição é, por enquanto, conjetural, mas o fato

de Cyrillo atribuir uma imagem de Santa Clara a Bellini e Fernandes Pereira consignar

ao mesmo mestre uma imagem de São Francisco, levaria a consignar hipoteticamente ao

escultor paduano a autoria dos dois seráficos fundadores319. Por extensão, também os

serafins do altar-mor poderiam ser obra de Bellini, muito embora a hipótese autoral aqui

aventada intercete necessariamente a heterogeneidade qualitativa bastamente

reconhecida ao percurso laborativo deste mestre320.

A disjunção que se afere entre a natureza do labor arquitetónico e escultórico dos

retábulos, e, com ela, a não coincidência das respetivas autorias não á clara aos olhos de

vários historiadores. Cyrillo refere que Bellini seria o único escultor naquele tempo em

Portugal capaz de trabalhar o mármore321. E, de fato, segundo Teresa Vale, que refere

que Bellini estaria a trabalhar nos retábulos do Louriçal entre 1737 e 1739, os trabalhos

do escultor “denunciam o domínio das duas linguagens artísticas, uma concepção

simultaneamente arquitectónica e escultórica” 322. A dupla formação, como escultor e

315 Horácio BONIFÁCIO, Polivalência e contradição: tradição seiscentista: o Barroco e a inclusão desistemas eclésticos no séc. XVIII: a segunda geração de arquitectos, Tese de Doutoramento em Históriada Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa,1990 [policopiado], p. 234.316 Atualmente constantes do acervo do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra.317 Hoje em dia, apresentam as imagens de São José e o menino e da Imaculada Coração de Maria e, dolado sul, o Sagrado Coração de Jesus e a Imaculada Conceição. O Inventário Artístico refere, no entanto,que os “dois altares colaterais são dedicados, um a São Francisco, e outro a Santa Clara”. (p. 112)318 Cfr. Francisco Leite de FARIA, Santa Clara e as Clarissas de Portugal, Lisboa, Instituto daBiblioteca Nacional e do Livro, 1994, p. 23 apud Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 42.319 Joaquim Eusébio refere tratarem-se possivelmente de obras de Bellini (Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op.cit., p. 42.)320 Idem, ibidem.321 Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 41.322 Teresa Leonor VALE, "João António Bellini de Pádua: a mobilidade de um escultor italiano emPortugal no século XVIII: parcerias artísticas e encomendadores", Artistas e artífices e a sua mobilidadeno mundo de expressão portuguesa, Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte, Porto, Faculdade deLetras da Universidade do Porto, 2007, p. 505 apud Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 41.

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arquiteto, fariam de Bellini um interlocutor particularmente eficaz para uma encomenda

que previa uma articulação íntima entre escultura e arquitetura323.

Várias obras dão, porém, testemunho de uma tal repartição de créditos e

autorias. A Capela do Cardeal da Mota, no Mosteiro de São Vicente de Fora, por

exemplo, que com o Louriçal apresenta evidentes similitudes formais, documenta a

mesma divisão de trabalhos324. Ademais, o labor de Bellini limitou-se, em vários casos,

à componente escultórica de um retábulo ou de um altar, como ocorreu no altar-mor da

Catedral de Évora, no da Igreja do Colégio de Santo Antão-o-Novo ou no retábulo-mor

da Igreja de S. Domingos de Benfica325. Curiosamente, e tal como Carlos Mardel,

interveio no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra326. Não nos parece, portanto,

infundada a fiança depositada na palavra de Manuel Monteiro, que atribui a Carlos

Mardel a arquitetura dos retábulos e a Bellini a sua decoração327.

A intervenção do escultor italiano tem, contudo, suscitado dúvidas mesmo no

que toca à obra do Louriçal. A propósito, Joaquim Eusébio sugere dever-se-lhe a

realização dos retábulos ou, na esteira de Fernandes Pereira, a direção da respetiva

empreitada, assumindo colaboradores menores a feitura das peças mais imperfeitas328.

Na verdade, as imperfeições anatómicas de certos anjos contrastariam com a excelência

da execução das imagens dos santos franciscanos329. À ausência de melhores

esclarecimentos, não podemos eximir à paternidade de Bellini a execução de trabalhos

de mais duvidosa mestria, situação, aliás, que não seria, como dissemos, inédita ao

conjunto da sua produção330.

O risco da capela-mor é, por certos autores, atribuído a Carlos Mardel, o qual,

como arquitecto do Sereníssimo Estado de Bragança a supervisionar obras na

vila de Ourém, daquele património, foi designado para intervir no Louriçal, não

323 Cfr. Teresa Leonor VALE, op. cit., p. 517, apud Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 42.324 Cfr. Horácio BONIFÁCIO, Polivalência e contradição…., 1990 [policopiado], pp. 352-3. O autorrefere o documento notarial patente em ANTT, Cartório Notarial de Lisboa n.º 11, lv. 548, fl. 70. Estarepartição de contributos foi também notada por Sandra Saldanha.325 Compôs, no entanto, a totalidade de vários retábulos: o da Capela da Quinta de Santa Bárbara, emConstância, o de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Santarémentre 1734 e 1739.326 Nelson Correia BORGES, «O barroco joanino», História da Arte em Portugal – Do barroco aorococó, Vol. 9, Lisboa, Edições Alfa., pp. 98-99.327 Cfr. Sandra SALDANHA (coord.), O Mosteiro de S. Vicente de Fora – Arte e História, Lisboa, CentroCultural do Patriarcado de Lisboa, 2010, p. 125.328 Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 42.329 Idem, ibidem.330 Idem, ibidem.

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muito distante daquela vila – constituindo, portanto, um dos seus primeiros

trabalhos ao sabermos que chegou a Portugal a 1733.331

Não poderemos secundar a afirmação sem reservas, nem mesmo após recurso a

aproximação formal, e estranhamos que Manuel Monteiro, que tão abertamente

mencionou autorias, não o tenha referido neste caso. No entanto, e pelo que acima

afirmámos, não afastamos o arquiteto húngaro da ideação do retábulo do altar-mor.

Numa perspetiva de conjunto, a teatralidade e a unificação espacial que

reconhecemos à igreja, afiguram-se-nos potenciadas pelo revestimento azulejar que, por

completo, recobre as paredes até ao arranque da cobertura. Mas a iluminação joga

também importante papel nesta que é, afinal, uma "unificação bipartida”. Na capela-

mor, a luz jorra da cúpula e da janela aberta sobre o braço sul do transepto. Na nave,

entra pelos vãos do lado do Evangelho, mas também pelos que se abrem sobre as

capelas colaterais, convergindo para o interior do templo.

Mas este é um espaço unificado também pela coerência do programa

iconográfico, de que o revestimento azulejar assume, pela sua extensão e substância, o

protagonismo. Tirando partido da sobriedade planimétrica, os painéis azulejares, da

provável autoria de Valentim de Almeida, dividem-se em dois planos pela cimalha,

apresentando-se como um eloquente discurso alegórico, no qual a figuração superior

parece sufragar e infundir sacralidade à que lhe é espacialmente inferior, estabelecendo

com ela um estreito e íntimo paralelismo.

Para a coerência – simbólica, narrativa, doutrinal -, concorre de forma cruzada e

cumulativa o tema, o lugar confiado aos painéis, a relação simbólica e hierárquica que

estabelecem entre si e com o crente presente no templo. E, ainda, o diálogo entre os

azulejos e outros elementos decorativos da igreja: a imaginária, a pintura do retábulo do

altar-mor e, evidentemente, a figuração que reveste a abóbada da nave única (Figs.II.52-

64).

Envolvidas por cercaduras de concheados, mascarões, guirlandas, pilastras e

capitéis, "putti" e serafins, as cenas compõem quatro ciclos narrativos divididos em

altura e segmentados longitudinalmente pela natural fronteira arquitetónica que separa a

nave da capela-mor. No primeiro, episódios da Paixão de Cristo - O lava-pés, A descida

331 Cfr. José de Monterroso TEIXEIRA, “O Sagrado e as Festas”, O Triunfo do Barroco… pp. 220-221.

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da cruz, A Flagelação, O coroamento de espinhos, Cristo com a cruz às costas, Cristo

na cruz332, sobrepujam cenas da vida de S. Francisco333 - O crucifixo fala a São

Francisco, A estigmatização, A aprovação da Ordem Franciscana, A última comunhão

de São Francisco, A fundação da Ordem Terceira por São Francisco, A tentação de

São Francisco, O Papa Nicolau V perante o cadáver de São Francisco. Medalhões com

emblemas da Ordem seráfica servem de rodapé aos painéis do primeiro registo,

enquanto outros representando as insígnias da Paixão suportam graficamente as cenas

do segundo nível.

Na capela-mor, episódios da vida de Nossa Senhora - A Apresentação da

Virgem, O Casamento da Virgem, A Visitação e A Anunciação, encimam narrativas da

vida de Santa Clara - São Francisco dá a Forma de Vida a Santa Clara; São Francisco

recebe Santa Clara; O lava-pés; Milagre da multiplicação dos pães; Santa Clara põe

em fuga os Sarracenos; Milagre do azeite. O mesmo jogo retórico entre narrativa e

simbólica que o revestimento da nave propõe é igualmente reiterado neste novo

discurso, que, de temática mariana e clariana, aparece pontuado não já com os atributos

da Paixão ou da Ordem de São Francisco, mas com os símbolos de Nossa Senhora: o

sol, a lua, o cipreste, a estrela, a rosa e o vaso de flores.

A circunscrição arquitetónica patente na relação entre nave e capela-mor – em

que assenta a divisão entre ciclos femininos e masculinos, na sugestiva adjetivação de

Joaquim Eusébio334 -, corresponde efetivamente à separação entre dois mundos, secular

e regular. Ao espaço público - a igreja de fora - corresponderia a iconografia masculina;

ao privado - a capela-mor -, e porque relativo a uma casa feminina, o ciclo

correspondente.

De fato, o estreitamento visual propiciado pela capelas colaterais e o arco

triunfal assegura intencionalmente a separação desses dois mundos e desses dois

distintos, embora interligados, pontos de vista335. Se o “século” tinha como ponto de

fuga o altar-mor e, a envolvê-lo, na mesma razão hierárquica, as figurações de Cristo e

de São Francisco, já as monjas, da tribuna do altar-mor, tinham perante si o altar-túmulo

dedicado a Maria do Lado, encimando pelas figurações da Virgem e, abaixo delas, pelas

332 Joaquim Eusébio refere que o imaginário da Paixão deve ter sido enriquecido pelas Revelações deSanta Brígida da Suécia (séc. XIV), que terão aportado detalhes de extremo dramatismo ao sofrimento deCristo, o que poderá corresponder à vontade, sentida pelo próprio artista, de melhor transmitir umamensagem (Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., p. 48.).333 As representações de São Francisco seguem alguns dos passos da Vida de São Francisco, embora apretensão de transmitir uma mensagem secundarize o valor da verosimilhança hagiográfica.334 Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., pp. 58-59.335 Idem, ibidem.

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de Santa Clara336. Em escalonamento hierárquico, enunciador da relação

humano/terreno e divino/celeste, se exibiam as padroeiras canónicas do mosteiro.

O programa azulejar tira, pois, claro partido de uma concatenação entrecruzada

de paralelismos. Cristo, na Sua Paixão, é exemplo para São Francisco, como bem ilustra

Joaquim Eusébio ao aproximar a Agonia no Jardim das Oliveiras da Agonia de

Francisco no Monte Alverne, ou o descimento da Cruz do corpo estigmatizado de São

Francisco337. Mas o santo de Assis é outrossim exemplo para Santa Clara. O mesmo

ascendente que em relação a ele tem Cristo, tem-no Francisco em relação a Clara. Tal

como Francisco escuta Cristo crucificado, Clara escuta Francisco. E é Francisco quem

dá a Regra a Santa Clara. Mas Clara toma também diretamente o exemplo de Cristo: tal

como Ele, lava os pés às demais discípulas, no que vemos a humildade e a assunção do

estatuto de prelada e, tal como Cristo, manifesta virtualidades taumatúrgicas338, na

multiplicação dos pães e no Milagre do Azeite339.

A coerência retórica deste discurso mais não faz que repisar a plena inscrição

canónica do percurso das clarissas. Significativamente, não são quaisquer passagens da

Vida de Cristo que inspiram o caminho dos santos franciscanos, mas apenas os da Sua

Paixão. Não apenas a hagiologia de São Francisco a isso apelaria, quando o carisma

espiritual da casa, devotada ao Sacramento do Altar. Cristo, através do Seu sofrimento

redentor, dá testemunho de santidade e funda a Igreja. Este caráter fundador está

igualmente presente nos relatos de vida dos dois santos franciscanos, incidentes

precisamente sobre a caminhada - não isenta de provações, como dão manifesto a

Tentação de São Francisco e A Tentação do Demónio - que ambos trilham desde a

decisão de assumir plenamente o testemunho de Cristo até à assunção do estatuto de

fundadores de um família religiosa340.

Com efeito, da relação mimética em relação a Cristo, os santos franciscanos

colhem a legitimidade e a santidade da sua caminhada, cujo corolário é, não tanto a

profissão religiosa, quanto a fundação de uma nova Ordem. Estribado numa relação

especular cujo vértice é, evidentemente, Cristo, Francisco assume um caminho cujo

336 Idem, ibidem.337 Idem, ibidem.338 Idem, ibidem, pp. 60-61.339 Presumivelmente evocativa das Bodas de Canaã (Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit. p. 61)340 As histórias dos dois santos franciscanos, na opinião de Joaquim Eusébio, seguem de perto os relatosdas principais etapas da sua vida, desde a tomada de decisão de se consagrarem a Deus, daí, por um efeitode mimetismo, aparecerem num mosteiro em que as monjas tomaram a mesma decisão. E, de fato, é aconsagração a uma causa perene, assumida como alter-Christus, que aqui está em causa e que, por seulado, a igreja consagra. (Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit. Anexo, p. LVIII)

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exemplo, por sua vez, transmite a Clara. Nesta, contudo, o testemunho deriva também

diretamente de Nossa Senhora, cuja vida totalmente se reconduz a Deus Encarnado.

O caráter fundacional do programa manifesta-se com particular clareza na

representação da génese da Ordem de São Francisco nos seus três distintos ramos341: a

Ordem dos Frades Menores (OFM) - Aprovação da Regra de Ordem Franciscana -, a

Ordem de Santa Clara (OSC) - São Francisco dá a Forma de Vida a Santa Clara, O

Papa Inocêncio III confirma a Regra da Ordem das Clarissas e Santa Clara recebe a

visita do bispo de Ostia - e a Ordem Terceira de São Francisco (OTSF) - Fundação da

Ordem Terceira por São Francisco342. A reiteração da presença da Ordem de Santa

Clara, bem assim a da ideia de uma chancela canónica da Ordem através das suas várias

instâncias de autoridade, parece invocar a história da fundação do Mosteiro do Louriçal

e das Clarissas do Desagravo e, por conseguinte, convocar a sua presença como

elemento para a compreensão do discurso iconográfico do templo.

Há, na verdade, componentes desta narrativa que, em lugar de expressos, apenas

se subentendem. É neles localizamos Maria do Lado e a Regra do Desagravo. Com

efeito, o paralelismo a que atrás aludimos perfaz-se, a nosso ver, com esta presença, que

constitui afinal o ponto de fuga do programa idealizado. Não estranhamos, portanto,

que, numa análise panorâmica ou simplesmente menos atenta, vários autores tenham

visto nos painéis do transepto cenas da vida da Venerável343. É ela, efetivamente, a

instituidora da família religiosa que a fundação do mosteiro representa; é a sua memória

que se cultua num altar-túmulo situado em plena capela-mor; são as suas visões que se

invocam na pintura do altar-mor.

Acreditamos, pois, ser a legitimação da nova observância capucha o eixo

temático da mensagem ideográfica do templo. De fato, a Vida Revelada a Maria do

Lado poderia perfeitamente corresponder ao discurso glosado pelos vários elementos

imagéticos do templo. Na revelação – convertida em documento canónico – , se refere

que a observância futuramente instituída derivaria das três Ordens de São Francisco –

que, efetivamente, se ilustram nos painéis. Por outro lado, a vida espiritual da Venerável

assenta primordialmente no seguimento de Cristo na Paixão, mas toma também como

341 Tal como bem refere Joaquim Eusébio. Cfr. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., pp. 60-61.342 Seguimos o esquema apresentado por Joaquim Eusébio na sua esclarecedora dissertação.343 Nos Tesouros Artísticos, diz-se que a decoração azulejar se prolonga pelo transepto em nova série quealude à vida da venerável Soror Maria do Lado (Cfr. José António Ferreira de ALMEIDA (coord.), op.cit., p. 374.) O Inventário Artístico assim o sustenta também, afirmando que, no transepto, “figuram-sepassos da vida da Venerável Maria do Lado […] em duas séries de painéis.” (Cfr. Gustavo de MatosSEQUEIRA, op. cit., p. 112).

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modelos a Virgem e os dois santos de Assis. Como São Francisco em relação a Santa

Clara, frei Bernardino das Chagas dera a Regra a Maria do Lado, assim como lhe

aceitara os votos e lhe cortara o cabelo. Tal como Santa Clara, cuja vida conheceria bem

pelo Flos Santorum e cuja devoção recomendou às companheiras, Maria do Lado

evidenciara qualidades taumatúrgicas conotadas com o milagre eucarístico: a visão do

desacato, a multiplicação dos cereais à hora do seu enterro. Por fim, definira-se como

custódia viva do Santíssimo, a exemplo de Nossa Senhora, recebendo por mão de santos

a sagrada comunhão344.

Mas a mensagem azulejar insere-se num discurso mais amplo ainda, composto

outrossim pelo aparato decorativo da totalidade da igreja. No altar-mor, ocuparia a

tribuna o quadro ou de Emanuel Alfani ou o da Exaltação do Santíssimo Sacramento

por duas religiosas, assim como as representações, de cunho fortemente milagroso, das

vidas consagradas da Virgem e de Santa Clara. Se, no corpo da igreja, as esculturas dos

dois santos franciscanos e de Cristo e Nossa Senhora ocupam os altares, na cabeceira, é

a invocação da fundadora a pontificar. Aí emerge a súmula conclusiva do programa

iconográfico: a consagração de uma nova família religiosa que tem Maria do Lado

como fundadora.

Sobre a nave abobadada ergue-se, metaforizando a esfera celeste, a composição

a fresco do teto. Envolvida por cercadura de cartelas e intercalada, de cada um dos

lados, pelo busto de quatro doutores da igreja - Santo Agostinho, São Gregório, São

Jerónimo e Santo Ambrósio -, dela sobressai o medalhão central. A custódia, ao centro,

elevada por dois anjos e ladeada por querubins, afigura-se superiormente enquadrada

pela Santíssima Trindade e, inferiormente, pelo seu suporte terreno: São Francisco, São

Boaventura e Santa Clara. Atrás da santa de Assis, vislumbram-se, quase ocultos, os

rostos de duas religiosas que, contrariamente a Clara, usam véu azul celeste e não

ostentam resplendor. As Veneráveis Maria do Lado e Maria Joana, as mais aclamadas

religiosas da casa e, portanto, as suas mais legítimas representantes, poderiam, quem

sabe, corresponder às diminutas figuras que timidamente assomam por detrás dos santos

de Assis.

Lembrando que as gravuras de Adriaen Collaert inspiraram parte da figuração

azulejar do templo345, não afastaríamos a hipótese de a composição do teto, de autoria e

344 Aludimos à passagem em que a Venerável recebe das mãos de S. Francisco e de S. Boaventura aspartículas do desacato de Santa Engrácia (Cfr. Compêndio da Admirável Vida…, pp. 193-194.)345 Vd. Joaquim EUSÉBIO, op. cit., passim.

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fontes de inspirações por ora ignotas, ter colhido influxo de alguma incisão do mestre

flamengo que, em data desconhecida, executa uma “Adoração do Santíssimo

Sacramento”, cuja composição central apresenta um esquema compositivo semelhante e

onde, outrossim, os Padres da Igreja – mas, desta feita, São Paulo, Santo Ambrósio,

Santo Agostinho e São Jerónimo - ocupam os quatro ângulos346.

Embora não saibamos precisar a data de realização da composição que vimos

analisando, podemos estabelecer similitudes formais com outras realizações associadas.

A nível estilístico, é notória a semelhança com o teto da Igreja do Menino Deus347,

muito embora não haja, no Louriçal, elementos de perspetivação arquitetónica. As

cartelas laterais, aliás, que recorrem a motivos rococó, poderiam remeter para trabalho

da segunda metade de Setecentos, aproximando-nos de algumas composições de Pedro

Alexandrino348.

É de estranhar que Manuel Monteiro, ao descrever minuciosamente a igreja, e

reportando-se a meados de Setecentos, não se tenha referido ao teto. Se a tanto

acrescermos que a Pedro Alexandrino foi incumbida a pintura dos tetos de várias

divisões do Conventinho do Desagravo, a que adiante aludiremos com a devida

circunstância, talvez nele possamos ver o possível pintor do teto da igreja do

Louriçal349.

3.1.2.1. Coros (Figs.II.65-77)

O coro alto prolongava a oeste a nave única do templo, com a qual comunicava

através de grade sobre cuja conceção e usos as Constituições minuciosamente

346 Biblioteca Real de Bruxelas (Albertine), Secção de Iconografia, S.I. 642, 4.º. Um referência e imagemda gravura pode encontrar-se em Ann DIELS; Marjolein LEESBERG (org.), The New Hollstein Dutch &Flemish Etchings, Engravings and Woodcuts 1450-1700. The Collaert Dynasty, Parte IV, Sound &Vision Publishers, 2005, p. 22. O mesmo tema, a Apoteose da Eucaristia com os Quatro Doutores daIgreja (Santo Ambrósio, São Jerónimo, São Gregório Magno e Santo Agostinho, se encontra representadona Igreja de Nossa Senhora da Pena, em Lisboa, obra atribuída a Jerónimo da Silva (at. 1700-1753). (Cfr.Vítor dos REIS, O rapto do observador: invenção, representação e percepção do espaço celestial napintura de tectos em Portugal no século XVIII, vol. II, Lisboa, s/n, 2006 [Tese apresentada à Faculdade deBelas-Artes da Universidade de Lisboa para obtenção do grau de Doutor em Belas-Artes (Teoria daImagem); policopiado], p. 130.347 A João Nunes de Abreu, discípulo de Baccherelli, se deve a autoria da composição pictórica, a qual, noentanto, não terá correspondido ao plano ideado por João Antunes.348 A respeito destas, veja-se a já citada tese de Vítor dos Reis.349 Foi-lhe cometida a execução do painel do teto da capela-mor e do teto da Capela do Senhor Morto.

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preceituavam350. No interior desta área retangular, de dimensões concordantes com a

lotação da comunidade e, portanto, necessariamente sóbrias, dispunha-se o cadeiral das

monjas, simples e sem espaldar. À simplicidade desde recheio apunha-se um denso

revestimento de azulejo azul e branco, que vestia de alto a baixo as superfícies parietais,

e sobre o qual se erguia, qual véu cerúleo, a cobertura abobadada de cantaria, finamente

pintada sobre fundo azul celeste.

Dois nichos se abriam frente a frente nas paredes. Acolhia, o da fundeira, uma

imponente imagem de madeira estofada e policromada de Nossa Senhora Prelada, oferta

de D. João V. Defronte desta e dir-se-ia espelhando-a, avultava Santa Clara, de menores

dimensões, em nicho trilobado sobre a grade. Não é difícil entender a presença destas

imagens: a Nossa Senhora fora concedido o estatuto de padroeira e prelada perpétua do

mosteiro351; Santa Clara, por seu lado, era a fundadora da Ordem professada.

Embora isento do fulgor artístico de outros exemplares da época352 e

postergando, uma vez mais, a representação pictórica, o coro alto do Louriçal apresenta

uma notável consistência na mensagem que propõe, e para a qual tira partido da

conjugação feliz dos elementos escultóricos, das representações azulejares, da pintura

do teto e mesmo do programa artístico apresentado pela igreja de fora, com a qual

inevitavelmente comunica.

O revestimento cerâmico centra-se em temática veterotestamentária, Êxodo e

Livro de Josué, culminando discursivamente na Conquista da Terra Prometida. As cenas

representam Abraão e Melquisedeque, ou os Pães da Proposição; a Batalha do Vale de

Sidim; Moisés e Séfora; Moisés fazendo brotar a água do rochedo; o Sacrifício de

Moisés no altar; A vinha miraculosa, ou Josué e Caleb353. No espaço que ocupa, o texto

azulejar evocaria talvez a origem da caminhada das religiosas, investidas, como Josué,

de uma missão radical assente num pacto com o Criador. Para além de “iniciático”, este

é também um espaço taumatúrgico e de oração, em torno, desde logo, do Santíssimo

Sacramento. O mistério pascal, presente nos episódios relativos à Páscoa judaica,

evocaria talvez a Ressurreição.

Sobre este cenário de índole pré-eucarística, ergue-se, completando-o, a mancha

azulada da cobertura abobadada, onde motivos fitomórficos estilizados ornamentam

350 Cfr. Constituições e leis..., pp. 68-69.351 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 153.352 Cfr. Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 55.353 Nem todos os azulejos são visíveis, sendo que parte está tapada por parte do cadeiral das monjas. Sãocertamente imagens tiradas de gravuras, possivelmente de Rubens.

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uma profusa composição alegórica de temática eucarística e mariana. Dividido em

quatro secções, a cada uma corresponde um atributo mariano - lua, arco-íris, estrela, sol.

Quatro outros, estes de índole eucarística são, por sua vez, contornados por oito

símbolos de temática ora eucarística ora mariana.

Os tons azulados e as linhas sinuosas e delicadas do teto, de par com o seu

intrincado simbolismo, onde até a aritmética parece entrar, e com a luz coada pelo

gradeamento férreo das janelas, participam na criação de uma atmosfera quase feérica.

Aí, incondicionalmente, tudo evoca Deus e apela ao testemunho pela santificação.

Mas, como referimos, a igreja de dentro é parte de um todo mais amplo. A

divisão dos ciclos azulejares presentes na igreja – entre registo franciscano/hagiográfico

e registo divino - reproduzem-se segundo a mesma lógica altimétrica nos coros, onde a

temática pré-eucarística, presente no coro alto, encima a temática antoniana do coro

baixo. A ele nos refiramos de seguida.

Justificando a plausibilidade do ingresso lateral do templo, o coro baixo, situado

na face diametralmente oposta à capela-mor, tendo de um dos lados o ante coro baixo e,

do outro, o confessionário, encontrava-se separado do templo – conquanto

planimetricamente o prolongasse - por grade de ferro provida lateralmente de portas.

Animava esta câmara retangular, iluminada por dois vãos rasgados na espessa

parede norte e encimada por cobertura de madeira pintada sem efeito de menção, um

rico conjunto azulejar que, por completo, lhe recobria as paredes. Enquanto extensão

planimétrica e funcional da igreja de fora, e não obstante o aparatoso diafragma que

dela o cindia, o coro baixo prolongava o recurso cerâmico da restante igreja,

comunicando com o todo em termos de formulário artístico.

Complexo, esse prolongamento integra não apenas o tipo de revestimento e a

gramática decorativa das cercaduras, quanto a divisão simbólica proposta na igreja de

fora, apresentando, no respeito pelo “registo hagiográfico” – aí representado por São

Francisco e Santa Clara - alguns milagres de Santo António. Figurava na parede sul o

Milagre da Mula e a Pregação aos Peixes; na parede este, O Manjar Envenenado; a

norte, A Cura da Criança e A Conversão dos Gentios; na parede fundeira, por fim, um

amplo nicho – outrora possivelmente um altar - exibia Santo António livrando o pai da

forca. A decoração cerâmica estendia-se ao intradorso das janelas, revestindo a base

com azulejo de padrão e as restantes faces por painel com vaso de flores ladeado

simetricamente por aves.

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Não é ocasional a escolha da temática azulejar. Exprime, como acima notado,

uma coerência semântica em relação ao sistema iconográfico dos restantes espaços da

igreja, não deixando, contudo, de revelar a especificidade desta nova divisão, reservada

à comunidade religiosa. Santo franciscano, António é também um santo português e

santo de que Maria do Lado era particularmente devota354 – tal como, aliás, D. João V,

que à sua menção hagiográfica dedicaria o Convento de Mafra.

Num espaço privado, a presença deste santo, ao refletir um ensejo de

proximidade, pareceria cunhar de timbre nacional a identidade franciscana da nova

Ordem, e, simultaneamente, infundir o seu exemplo taumatúrgico junto das religiosas.

Mas reflete igualmente a vivência do compartimento, sublinhando-lhe a eficácia

funcional: espaço de conversão e consagração onde dois sacramentos, comunhão e

profissão religiosa, tinham sede, o coro baixo acordava-se com os portentos do

retratado, capaz de interpelar as consciências e de desafiar até a morte e o limbo da

descrença em prol da exaltação da Fé.

O denso programa imagético da igreja criou um espaço fortemente proselítico

centrado na doutrinação através da mensagem figurada. Articuladas com os locais a que

se associam, as imagens respondem a diferentes perspetivas e propõem distintas

leituras, embora comunguem de um mesmo espírito e de uma mesma linguagem.

Embora não filiado no sistema decorativo que caracteriza grande número de

igrejas monásticas da época, idealmente “caracterizado pela conciliação entre o dourado

da talha, o azul e branco dos azulejos e os vermelhos e roxos das pinturas e panos”355, o

templo não desmerece em eficácia programática.

Não deixa de ser significativo o declinar do modelo das “igrejas de ouro” em

favor de um ecletismo que denuncia o influxo da Barroco internacional que as grandes

empreitadas joaninas consagram. Igualmente de monjas contemplativas da Primeira

Regra de Santa Clara, o Mosteiro da Madre de Deus de Lisboa, por exemplo, conjuga

em exuberância o azulejo, pintura e talha dourada. Da mesma forma, as obras de João

Antunes dedicadas a institutos regulares, como a Igreja do Menino Deus, articulam a

presença maciça do mármore com a talha e a pintura dos altares, e mesmo a única igreja

supostamente traçada por Manuel Pereira não dispensa, a pontuar um profuso

354 Existem várias referências à particular devoção antoniana de Maria do Lado, que ficará tambémmarcada pelos prodígios ocorridos na Ermida de Santa António. Aí terá tido, em êxtase, nova revelaçãorelativa à fundação do mosteiro. (Cfr. Compendio da admiravel vida da venerável madre Maria do Lado,p. 276).355 Nelson Correia BORGES, "Conventos", in José Fernandes PEREIRA (dir.), Dicionário da ArteBarroca em Portugal, pp. 133-136.

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revestimento azulejar, o concurso daqueles dois elementos. Mais que um acordo com o

carisma rigorista da observância, esta opção parece sobretudo traduzir a abertura à

novidade artística conseguida por via da encomenda régia.

3.1.3. Em torno do templo (Figs.II.78-89)

Adstrito ao tipo de função consignado ao coro, o confessionário abria-se

contiguamente à grade daquele, correspondendo a um pequeno compartimento separado

da igreja pública por porta munida de genuflexório e membrana metálica furada

permitindo a comunicação. De acordo com as Constituições, outros confessionários

haveria, em locais, porém, que nos são hoje desconhecidos. Em relação a qualquer deles

– como em relação a quaisquer outros espaços de confim entre mundo e clausura -, a

Regra glosava o costumado zelo, prevendo a existência de duas chaves: uma, que abriria

por dentro, detida pela abadessa; a outra, pelo lado oposto, de posse do padre

confessor356.

Os comungatórios desenvolviam-se, naturalmente, paredes meias com a igreja e,

seguindo a configuração daquela, no respeito pela dinâmica espacial da clausura,

abrindo-se ora no piso térreo, - na grade do coro baixo e numa das faces laterais da

capela-mor –, ora no andar superior, quase tangencialmente à tribuna da mesma

capela357. O acesso aos comungatórios, salvo o do coro baixo, era feito por um corredor

aberto paralelamente à parede norte do templo, do qual recebia luz, mas de cuja visão a

comunidade ficava vedada.

Enquanto os primeiros espaços se definiam unicamente pela pequena abertura

que caracteriza funcionalmente o comungatório, o último, a confirmar-se a identificação

que aventámos, corresponderia a um estreito e ínfimo mas interessante cubículo

totalmente revestido de azulejo. De estilo semelhante aos azulejos do templo, o

revestimento apresentaria cenas alusivas à Comunhão: de um dos lados, um sacerdote

dispensando as sagradas partículas a um grupo de mulheres, enquanto uma figura

masculina lê o que supomos tratar-se de uma passagem bíblica; do lado oposto, um

356 Cfr. Constituições e leis..., pp. 85-86.357 O comungatório do andar superior destinar-se-ia à comunhão das enfermas, segundo Maria JoséCabrita estando hoje transformado em sala de passagem que antecede o santuário. (Cfr. Maria JoséGuerreiro CABRITA, op. cit., p. 19.)

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eremita debruçando-se sobre um livro aberto, parecendo meditar sobre alguma

passagem358.

No topo da cabeceira, projetando a leste o perímetro sagrado, desenvolvia-se a

sacristia. A contiguidade funcional e orgânica com o espaço público redundou no seu

desdobramento em sacristia de fora e de dentro, esta última ligada diretamente à

clausura. O Santuário Mariano assim o confirma quando, aludindo à velha imagem de

Nossa Senhora da Conceição, diz ter esta permanecido milagrosamente imaculada,

muito embora sujeita ao fumo que provinha da cozinha quando se encontrava exposta

na sacristia que lhe era contígua359.

Seria provisória, como acima vimos, a permanência da portentosa imagem na

sacristia360, mas outras obras terão composto a ambiência deste espaço tradicionalmente

não isento de referentes artísticos. Em obra pictórica, aí estariam representados: D. João

V, Santa Maria Madalena, São José, Santa Rita de Cássia e Santa Teresa e várias

imagens de Nossa Senhora361.

Além disso, o revestimento azulejar do templo estendia-se a ambos os espaços

da sacristia, onde painéis de azulejo azul e branco de robusta e densa cercadura

enquadravam motivos de albarradas. Da sacristia de fora merece ainda nota o lavabo

pétreo onde, inscrita, figura a data de 1726 – o que, já o vimos, se tem prestado a várias

ilações. Numa sucessão de espaços comunicantes e de comunicações condicionadas,

desenvolvia-se, a leste, e ocupando o extremo nascente do conjunto, a casa do

confessor, de que pouco sabemos.

Utilizada uma vez por semana ou com caráter extraordinário, a Sala do Capítulo,

pela função a que se consagrava, revestia-se de solenidade, devendo por norma situar-se

nas imediações do templo. Identificar hoje o lugar que lhe correspondera àquele espaço

resulta, uma vez mais, num exercício de suposições em que a hipótese avançada por

Maria José Cabrita, porventura a mais credível, se enquadra: a sala do capítulo primitiva

situar-se-ia em divisão anexa ao antecoro-baixo, hoje totalmente descaraterizada e

358 As imagens, incompletas e, nalguns pontos, bastante entrecortadas e fruto, cremos, de acoplagens, nãonos permitem melhores conclusões.359 Cfr. Frei Agostinho de SANTA MARIA, Santuario Marianno e Historias das Imagens Milagrosas deNosso Senhora…, Vol. IV, fl. 663.360 A imagem, aliás, existia desde a construção da primitiva igreja do recolhimento (Cfr. Frei Agostinhode SANTA MARIA, op. cit., fls. 661-663).361 O inventário do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças refere um total de 8 painéis: um retratode D. João V, três de Nossa Senhora, Santa Maria Madalena, São José (ANTT, AHMF, Convento doDesagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal, cx. 1939). Já o inventário presente no ArquivoDistrital de Leiria dá conta de: um quadro de Santa Rita de Cássia, de Santa Teresa, São José, NossaSenhora, vários santos em meio corpo (ADRLA, Convento do Louriçal, Inventários).

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adaptada a sala de arrumações362. De igual modo, nada se sabe acerca dos valores

estéticos do compartimento que, nas casas monásticas, usualmente se dotava de retábulo

com a representação dos patriarcas da Ordem363.

3.1.4. Espaços de devoção (Figs. II.80-90)

Invocando a origem e fundamento do cenóbio, o local onde terá vivido Maria do

Lado e onde terá tido sede o primitivo recolhimento apresenta-se hoje como uma

pequena casa de dois andares composta, no andar inferior, por capela e, no superior, por

duas pequenas salas – que terão correspondido ao quarto e oratório de Maria de Brito -

sem iluminação direta, dotadas de altares de talha.

Provavelmente de decoração posterior ao trânsito da madre, ambas as divisões

apresentam teto de madeira pintada e painéis de azulejo revestindo as paredes. O teto do

oratório, de caixotões, exibe cartelas onde figuras mitológicas e elementos geométricos

e vegetalistas enquadram símbolos da Eucaristia: coração, pão, trigo e videira.

A capela de Maria do Lado, no piso térreo, primitivo espaço de oração e

mortificação, corresponde hoje a um pequeno compartimento sem luz natural, animado,

de um lado, por um altar e, de outro, por vitrinas modernas que servem atualmente um

propósito memorial e museológico onde, como relíquias, se expõem antigos pertences

da Venerável. Apelidada pelas religiosas como “Casa do Amor”, e descrita como

estância “mais retirada da familia”, foi incorporada no mosteiro e tomada como lugar de

culto, devoção e peregrinação364. Seria natural a conversão deste espaço em capela-

relicário, que, no entanto, viria a ser construída, possivelmente em virtude de desajuste

planimétrico, no andar superior365.

Sobre o santuário que efetivamente se construiu, composto de capela-relicário,

precedida de antecâmara, escreve sugestivamente Gustavo de Matos Sequeira:

tudo era pobreza no convento, salvo o riquíssimo santuário de preciosas e

insignes relíquias e imagens de escultura – as peças de escultura e pintura

362 Maria José CABRITA, op. cit., p. 82.363 Cfr. Nelson Correia BORGES, “Arquitectura Monástica Portuguesa na Época Moderna”, pp. 52-53.364 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 245.365 Segundo opinião, que nos parece defensável, da Madre Abadessa do Mosteiro de Clarissas doDesagravo de Montalvo, Madre Maria do Lado.

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seriam de uma religiosa habilidosa; já o risco arquitectónico seria de um

professor de Leis na Universidade e curioso da arquitetura.366

Conheceria certamente paralelo noutras capelas-relicários que, desde a segunda

metade de Seiscentos, se vinham instituindo, nomeadamente em espaços monástico-

conventuais367. Vejamos o que dela escreve Manuel Monteiro:

Actualmente [meados de Setecentos, presume-se] se está reduzindo a huma

Capella, que he architectura do Dezembragador Antonio de Andrade do

Amaral, de ordem Jonica, oitavada, com Capellinhas nos panos de cada oitavo,

e dentro de cada huma hum mausoléo, com Urna para relíquias, que fará hum

vistoso Pantheon.368

E era, efetivamente, um panteão que pretendia instituir-se. E, porque espaço

dedicado à celebração dos mortos, ligado simbolicamente a planta centrada. Capela

octogonal, coberta por cúpula oitavada fechada por florão, albergava sete diferentes

altares-relicário rematados por frontão interrompido formado por volutas. O conjunto,

de madeira pintada imitando pedra marmoreada e decorado com motivos de talha

dourada, remete já para o rococó. Talvez pudéssemos ver na Capela do Palácio de

Queluz algumas das soluções aqui delineadas – na cúpula, nos mármores fingidos, no

tipo de aplicação da talha.

Na divisão que servia como antecapela, várias peças de talha se dispunham, tais

como altares com maquinetas e berlindas envidraçadas, a imagem processional, em urna

vítrea, de Nossa Senhora da Boa Morte369, assim como “imagens conventuais (Meninos

Jesus revestidos, e outras), e quadros de caixilhos fundos, com flores doiradas e ramos

de papel, estampas coloridas de imagens”370.

366 A capela conservaria relíquias de São Bonifácio e de outros santos da Ordem. (Cfr. Gustavo de MatosSEQUEIRA, op. cit., p. 112.)367 É o caso do Mosteiro de Alcobaça, cuja capela, edificada entre 1669-1672, seria integrada na SacristiaNova, ficando localizada no respetivo topo.368 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 245.369 Não repugnaria pensar que a escultura tivesse saído do punho de Bellini, que, além das intervenções jáassinaladas no mosteiro, risca, entre 1738-1740, a capela da Boa Morte na Sé de Beja, como capelafunerária e muito semelhante às laterais do Louriçal.370 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 112

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É bem possível que a capela-relicário tenha sido pensada nos anos trinta, de

quando data a intervenção de Andrade do Amaral como superintendente das obras do

mosteiro. E é também possível que este estatuto não seja impermeável ao trabalho de

criação artística e que, desde o início, a vontade de Amaral tenha dialogado, no plano da

conceção artística, com a de Manuel Pereira. A dissemelhança estilística desta pequena

obra em relação aos valores plásticos que a observância vinha firmando não significará

a introdução de uma nota de descontinuidade se atentarmos na plasticidade e

permeabilidade da arquitetura monástica ao acolher trabalhos cronológica e

estilisticamente díspares e espaços com dinâmicas funcionais distintas.

Capelas, altares, e imagens sagradas distribuíam-se pela clausura, assinalando

devoções e secundando o registo espiritual da casa. Destas marcações simbólicas,

sobressairiam, naturalmente, as evocações da fundadora em “algumas Capellas

consagradas á memoria dos especiaes benefícios, que naquelles lugares recebera de

Deos Senhor Nosso esta sua serva”, que “teve sempre para a veneraçaõ esta Casa a

preferência”.371

Se hoje, pelas alterações que o tempo operou, nos é difícil rastrear os antigos

espaços de devoção, podemos, no entanto, e bem que de forma aproximada, ter noção

de alguns dos objetos de devoção. Igreja e capelas interiores acolhiam imagens sagradas

entre as quais se contavam, em elenco do último quartel de Setecentos372, o Senhor dos

Passos, o Senhor das Misericórdias, Soror Maria Joana, o Senhor da Vida, a Venerável

Maria do Lado, a Senhora da Boa Morte, o Senhor Menino do presépio, Santo António,

o Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora da Consolação. Algumas destas imagens

teriam capela própria, embora o documento em que nos baseamos apenas refira a do

Senhor dos Passos e a de Nossa Senhora da Consolação. Se o montante das esmolas

auferidas nos permite aferir da intensidade do culto, ficamos com a noção de que, com

larga distância das demais, teria a preferência o Senhor das Misericórdias, seguido da

Senhora da Boa Morte373.

371 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 245.372 ANTT, Arquivo das Congregações, liv. 424. O livro foi mandado rubricar pelo provisor e visitadorcomissário do bispo-conde, Manuel de Almeida de Carvalho.373 Fr. Manuel de S. Dâmaso escreve, em data a precisar, um opúsculo intitulado A imagem do SenhorJesus das Misericórdias. Portentoso e Raro Prodígio da Milagrosa Imagem do Senhor dasMisericórdias, do Real Mosteiro das Religiosas Filhas de S. Francisco e Servas do SantíssimoSacramento do Louriçal. A revista O Archeólogo português (Vol. 25, Museu Etnográfico Português,1921, p. 177) refere, a existência, no mosteiro, de um "Registo do Senhor Jesus das Misericordias e aveneravel Maria do Lado, Fundadora do Louriçal". A informação é reiterada por Luís Chaves emSubsídios para a História da Gravura em Portugal, Coimbra, s/n, 1927, p. 187.

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Patente ainda nos nossos dias, a Capela do Senhor do Passos, desembocando

diretamente sobre o claustro, corresponde a uma pequena divisão de planta

quadrangular, revestida nas paredes por azulejo de padrão e encimada por cobertura

abobadada profusamente pintada. Junto a uma das paredes está colocada a

impressionante imagem processional do Senhor dos Passos.

Apesar de atualmente muito retocada, a pintura do teto merece que se lhe faça

menção. Dividida em caixotões decorados por robustos motivos fitomórficos, exibe, em

pequenas cartelas circulares no centro de cada um, símbolos relativos ao Mistério Pascal

- coroa de espinhos, cruz, instrumentos da Paixão, cordeiro místico, chicote, cruz com

escada e cálice. Não só a iconografia se acordava com o sentido da imagem do Senhor

dos Passos, quanto, assim nos parece, a localização da capela, a dar diretamente para o

claustro, onde, no interior da clausura, serviria a procissão respetiva.

Não seria esta a única imagem monástica de Cristo em Passos de Sua Paixão,

mas de todas seria sem dúvida a mais significativa, tanto mais que mereceu condigno

acolhimento em capela apropriada. Ao Cardeal da Mota se deveu a iniciativa de todo o

conjunto arquitetónico e decorativo. O desconhecimento dos termos exatos em que se

terá verificado a intervenção de Pedro da Mota e Silva não constitui qualquer exceção à

dinâmica de créditos construtivos do mosteiro. Ignoramos, na verdade, se, do plano

arquitetónico, enquanto encomenda com caráter extraordinário, tenha ficado incumbido

o Irmão Manuel Pereira, responsável pelo traçado da igreja, mas, havendo lugar para a

dúvida, caberia lembrar que o Cardeal da Mota encomendava, em 1740, a Carlos

Mardel, a Capela de Santo António (ou das Onze Mil Virgens) no Mosteiro de São

Vicente de Fora e que Mardel trabalhava na igreja do Louriçal nos anos 30.

3.1.5. Claustro (Figs.II.36-42)

Supostamente situado no local de implantação da antiga Igreja da Misericórdia,

e incorporando a sua memória ao sobrepor-se-lhe arquitetonicamente, o claustro

apresentava uma dupla e cumulativa densidade simbólica. Quando, numa das biografias

de Maria do Lado, se escreve, em alusão a uma sua profecia que “a igreja da

Misericórdia, que então era, havia de ficar no coração do convento, como ficou na

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quadra do claustro”374, podemos concluir que a incorporação no claustro da dita igreja

corresponde ao avocar a si a sacralidade desse espaço, como se de espécie de chão

místico se tratasse, mas também ao cumprimento de uma profecia da fundadora cuja

verosimilhança pesava em favor da sua santidade.

Esta centralidade “canónica” confiada ao claustro acordava-se, efetivamente,

com o significado reservado a este espaço no conjunto monástico. Situado a noroeste do

templo, instituía-se, no seu apelo centrípeto, como polo organizador e aglutinador de

espaços - e também memórias -, que, em seu torno e em altura se distribuíam. A sul, a

Capela do Senhor dos Passos, o De Profundis, e, ocupando a quadra leste, o refeitório,

enquanto, ao longo do sobreclaustro avarandado, corriam as trinta e três celas destinadas

às professas. Para o centro da pequena área retangular do claustro, assinalado pela

volumetria radial da fonte, se abriam arcos de volta perfeita estribados em pilares

toscanos que abrigavam, no interior e a toda a volta, uma galeria de abóbada de aresta

com cinco tramos por ala.

Sóbrio nas dimensões e no aparato decorativo, o claustro exibia elementos de

interesse não despiciendo. Da fonte, de bacia octogonal formada pela interceção do

círculo e do quadrado, as faces planas eram paralelas às alas do claustro e as curvas aos

seus ângulos. Sobre uma base cuja secção replica exatamente a forma da bacia,

encimada por enrolamentos, se ergue uma espécie de obelisco, bojudo na base, de

quatro faces decoradas geometricamente em baixo-relevo, entre as quais assomam

quatro cabeças de anjo que dispensam a água. O jogo de elementos planos e curvos,

entre superfícies côncavas e convexas e em que se incluem figuras geométricas

compostas confere, juntamente com os elementos decorativos – anjos, volutas - graça e

dinamismo a esta peça central.

De gramática semelhante, inserida numa das paredes do claustro e com

comunicação com a sacristia, encontra-se instalado um lavabo de decoração geométrica

e vegetalista, encimado pelo que seria inicialmente um frontão com volutas ladeado nos

extremos por pequeno pináculo.

374 Compendio da Admirável Vida da Venerável Madre Maria do Lado, p 468.

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3.1.6. Espaços de sobrevivência temporal (Figs.II.94-96)

No primeiro piso, contornando a toda a volta a perímetro do claustro,

perfilavam-se, ao longo de um extenso corredor, as trinta e três celas individuais das

também idealmente trinta e três professas do Desagravo. Dando diretamente sobre a

galeria avarandada do sobreclaustro, daí recebiam iluminação e para aí, exclusivamente,

projetavam o olhar. Entendido como itinerário a ser vivido, pois que a consolidação na

fé se faz também no percurso, o corredor exibia em cada um dos seus quatro ângulos

altares com pinturas devocionais, hoje por extremo alteradas por sucessivas repinturas.

Paralelamente à ala nascente do claustro e correspondendo-lhe quase totalmente

em extensão, desenvolvia-se o refeitório monástico, ampla divisão retangular iluminada

por uma série de janelas abertas de um dos lados e encimada por firme cobertura

abobadada. Ao longo das paredes, distribuíam-se bancadas e mesas de mármore com

robustos pés configurando volutas, enquanto, num dos topos, se erguia um púlpito

igualmente marmóreo. Na parede confinante com a cozinha, abriam-se postigos ou

ministras para passagem dos alimentos. Na parede oposta, abria-se, por seu turno, o De

Profundis, sala ampla abobadada onde, antes e depois das refeições, eram rezadas

orações próprias375.

Em ordem a garantir o necessário afastamento daquelas que canonicamente

haviam abraçado a religião, a noviciaria – a que, à exceção da abadessa ou vigária,

nenhuma das professas poderia aceder376 - situava-se a certa distância dos cubículos das

professas, provendo-se de instalações capazes de garantir um sustento quase

autónomo377. Dormitório, refeitório e capela comporiam este conjunto funcional onde

certamente fruste seria a presença artística, havendo apenas notícia de um oratório de

madeira com um quadro a óleo de S. Francisco378.

A vida de clausura não se confinava, evidentemente, ao perímetro do mosteiro,

antes se projetava para um espaço exterior cuja exclusividade ou quase exclusividade de

acesso lhe garantia a natureza claustral. Referimo-nos à cerca, às “partes envolventes

375 Constituições e leis..., pp. 102-103.376 Idem, ibidem, p. 65.377 Constituições e leis..., pp. 210-211. A independência da noviciaria e a evitação do contacto com arestante comunidade eram garantidas por espaços favorecedores de certa autonomia: celas, sala de estudoe aula, sala capitular, capela, cozinha, refeitório, instalações para a higiene individual – casa da água,lavatório e secreta. (Cfr. Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 50).378 Cfr. Relação das Alfaias, vasos sagrados e mais objectos pertencentes ao Convento do Desagravo doSantíssimo Sacramento da Villa do Louriçal e que em 23 de Maio de 1878 se começou a avaliarADLRA, Convento do Louriçal, documentos avulsos.

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dos edifícios, mais ou menos vastas, isoladas do mundo exterior por meio de altos

muros”379. É pouco o que sabemos acerca deste local, seja pela escassez documental,

seja pela dificuldade de vermos na atual cerca um reflexo idóneo do seu passado, sujeita

que foi a múltiplas alterações que o terreno só longinquamente regista380. Prolongando a

leste o conjunto e delimitada exteriormente por vasta e alta superfície murada, a cerca

do Louriçal estender-se-ia primitivamente até à mãe-d'água, abrigando no seu interior,

pinhal, pomar, horta, pombal, moinho, celeiro, tanque, aviário e oficinas. A cerca não

garantia apenas sustento material ou corpóreo, prestando-se também a servir de

retaguarda espiritual, ao oferecer à comunidade a possibilidade de recreação e distração

e, não menos, de oração e meditação, como a existência de uma capela leva a concluir.

3.1.7. O exterior da clausura

Não pertencentes à clausura mas a ela anexas tanto espacial como

funcionalmente, várias estruturas se desenvolviam. Documentação oitocentista381 revela

a existência de um “colégio”, servindo para habitação de criadas, confrontando com as

ruas públicas e, a poente, com a habitação do capelão, sendo dotado de pátio e forno

próprios. Há igualmente registo de uma pequena casa para habitação dos pobres,

confinante com a rua pública e com propriedades particulares.

Documentos mais antigos dão conta de construções servindo de palheiro e

cavalariça, contíguas a propriedades pertencentes à Misericórdia da Vila, bem como da

existência de uma hospedaria e da casa de residência do confessor, situada esta a

nascente do antigo recolhimento. Seria dotada de quintal, tanque de água, pomar, pátio,

currais e abegoarias. Já a casa da residência do capelão, com pátio, confinaria de todos

os quadrantes com as ruas públicas382.

379 Nelson Correia BORGES, Arte monástica em Lorvão: sombras e realidade, Vol. I, Lisboa, FundaçãoCalouste Gulbenkian, 2002, p. 336.380 Diria Martin Curty que “não há arte mais efémera que a dos jardins, cuja traça pode desaparecer numcurtíssimo lapso de tempo, sem deixar o mais pequeno vestígio, como se nunca tivesse existido". (Jose A.MARTIN CURTY, Los Jardines Cerrados, Santiago de Compostela, 1987, pp. 9-10 apud BORGES, Artemonástica em Lorvão, p. 343).381 Cfr. Inventário de 13 de abril de de 1859 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do SantíssimoSacramento do Louriçal, cx. 1939).382 Vejam-se, designadamente, as escrituras de venda de 5 de maio de 1682 (ADLRA, Dep. VI/25/A/2) ea de 30 de agosto de 1691 (ADRLA, Dep. VI/25/A/2).

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Uma vez mais, as fontes em que nos apoiamos – tão parcelares quão

cronologicamente díspares -, de par com as alterações espaciais sofridas, apenas nos

permitem concluir da variedade espacial e funcional destas estruturas anexas ao viver

monástico e, eventualmente, da sua localização aproximada383.

383 A casa do confessor, construída na sequência das obras dos anos Trinta, mantém a mesma posiçãorelativa que a que tinha anteriormente.

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3.2. Programa artístico e património móvel

Incidente sobre a arquitetura e, anexamente, sobre o património integrado, o

itinerário até ao momento traçado incluiu, no entanto, pelo reconhecimento de valor

para a definição dos espaços do viver religioso, menção a parte do património móvel.

Mesmo considerando integrar uma dinâmica parcialmente alheia ao espírito da Regra,

cujas ressonâncias materiais nos propusemos em primeira linha explorar, o recheio

artístico merecer-nos-á, contudo, espaço próprio384. Como veremos, uma perspetiva

panorâmica lançada sobre o mesmo devolver-nos-á a imagem de um programa de

assinalável coerência.

No Desagravo, os textos regrais não se limitam, como é sólito suceder, a apelar

para a necessidade de uma contenção decorativa; a concordância entre o espírito do

lugar e a sua tradução material enquanto inferência do cumprimento dos estatutos é,

neste caso, tão contundente quanto explícita. Remetendo para considerações

precedentemente tecidas, lembremos que, versando sobre a pobreza e bens temporais, o

Capítulo V das Constituições estabelece o número limite de altares da igreja, estatui

sobre o ornamento das imagens e recomenda mesmo que as “imagens de Cristo, Nossa

Senhora e santos anjos” não devam expor-se “vestidas nos hábitos de algumas

Religiões, nem de outra fórma, que a que se estipula, por costume antigo, usar na

Igreja”385. Proíbe, ademais, que “se não admittão no Convento, ou na Igreja mais

Imagens de vestidos”, que nenhuma religiosa cuide das imagens ou de algum altar “por

mais de um até dois anos”, por forma a evitar “que a devoção continuada não venha a

degenerar em vicioso apego com distrahimento do espirito.” Nas capelas interiores,

igreja e sacristia, determina ainda que “se evite toda a superfluidade assim nos gastos

como no numero, e vestidos das Imagens.” À abadessa, sobre quem recai o espinhoso

ónus de zelar pela observância de todo este programa de restrição iconográfica e

evitação sensorial, cumpre interditar despesas com imagens, capelas, sacristia e igreja

extraordinárias ou superiores a dois mil reis anuais, sob pena de ficar “privada de voz

activa e passiva para sempre”386.

384 Cfr. Panayota VOLTI, Les couvents des ordres mendiants e leur environnement à la fin du MoyenÂge. Le nord de la France e les anciens Pays-Bas méridionaux, Paris, CNRS Éditions, 2003, pp. 252-255. A autora refere, a propósito, a influência da arquitetura monástica na conceção das igrejasparoquiais. Esta influência estaria ligada a um fator de proximidade, manifestando-se, por isso mesmo,sobretudo na arquitetura mendicante.385 Conforme determinação de Urbano VIII (Cfr. Constituições e leis..., p. 29).386 Constituições e leis..., pp. 23–32.

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Não implicando a impermeabilidade do recheio artístico a estilos e tendências

artísticas nem se traduzindo em termos de qualidade de execução, a Regra e as

Constituições não deixaram, porém, de condicionar a configuração da arte monástica

nas opções temáticas, no nível de ostentação, na quantidade ou mesmo em

particularidades formais.

Fiquemos com as notas que Manuel de Macedo Coutinho387, então diretor do

Museu de Arte Antiga, teceu acerca do recheio artístico do Louriçal388. O convento, dir-

nos-á, “é pobrissimo em mobílias, louças e outros valores sumpturarios”. Os quadros da

entrada contígua à portaria careceriam de qualquer importância, exceção feita a um

“Cristo pregado na cruz”, de grandes dimensões, que o diretor afirma ser o mais

importante quadro do cenóbio. Destituídas de valor, também as pinturas da sacristia.

Destas, o retrato de D. João V, muito embora devendo ser considerado "mais como

cópia que como original", mereceria ser arrecado no museu pelo seu "valor

documental". Quanto aos painéis existentes na clausura, "de baixíssimo valor", apenas

se salientariam pela qualidade um conjunto de quadros de pequena dimensão.

Também de boa qualidade seriam as pinturas sobre cobre representando S.

Pedro negando Cristo, Cristo exposto aos insultos da plebe e a Flagelação, colocadas

em nichos em substituição de outras obras subtraídas no tempo das Invasões Francesas.

Sobre a "grande tela representando duas freiras em oração e no alto da

composição uma gloria de anjos", que ocupava o camarim do altar-mor, dirá o

conservador: "Não me pareceu absolutamente destituida de merecimento; o colorido é

vigoroso e harmonico, desconfio no entanto que o quadro soffreu qualquer tentativa

barbara de restauração”.

A ourivesaria escaparia a este panorama de qualidades sofríveis e percursos

duvidosos. Relevo merecia a custódia, "de prata dourada, grande e rica em pedrarias",

que Macedo Coutinho revela ter sido "oferecida às freiras por famílias nobres do reino,

a fim de substituir uma outra menos rica materialmente, mas de maior valor artístico

que fora roubada pela soldadesca por ocasião da primeira invasão de Bonaparte."

387 Manuel Maria de Macedo Pereira Coutinho Vasques da Cunha Portugal e Menezes (1839 –1915) foiconservador do então Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia, futuro Museu Nacional de ArteAntiga, a partir de 1911.388 MNAA, Arquivo Dr. José de Figueiredo, Cx. 4, Pasta 3, doc. 7.6. O documento data de 26 de maio de1887. Macedo Coutinho assina como conservador e secretário do Museu.

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Com interesse estético, também, a cruz processional de prata, do tempo de D.

João V, e um cálice de meados do séc. XVIII, sobre o qual o diretor se detém,

descrevendo-o como

cálice, grande, de prata dourada, lavrado com ornamentação historiada de

figuras simbólicas, alternando com baixos-relevos de composição histórico-

religiosa e tendo em um dos lados da base, o escudo das armas de Portugal

encimado por uma corôa fechada.

Atestando o valor que lhe atribui, refletirá ser "deveras lastima que permaneça

discuramente desterrado e ignorado em localidade tão remota um objecto artistico que

deveria occupar logar condigno no museu."389

Não pondo de lado as apreciações, por certo abalançadas, de Macedo Coutinho,

procuremos olhar o Louriçal também para lá do valor estético e artístico consignável

aos seus bens, atendo-nos antes à relação dos mesmos com o espírito da encomenda.

No templo, acordavam-se ao programa iconográfico e espiritual as imagens, já

atrás aludidas, dos santos padroeiros da Ordem, S. Francisco e Santa Clara. Ocupando,

ao que se supõe, os altares laterais, estas imagens, quase de tamanho natural390, de

madeira de cedro estofada, policromada e dourada, avultariam pela qualidade e

expressividade barroca da sua pose (Figs.II.99-100). Destacar-se-iam ainda as figuras

dos serafins, imponentes e hieráticas, ladeando simetricamente o altar-mor; de São

Miguel Arcanjo, pontificando em nicho sobre o cruzeiro; de Cristo (ou do Coração de

Jesus) e da Imaculada Conceição391 - ou, à data do inventário de 1859, de S. Francisco

de Paula e S. Francisco de Borja392. Na "igreja de dentro", pontificavam as esculturas de

Nossa Senhora Prelada e de Santa Clara, estabelecendo uma ponte, invisível para a

Século, entre espaço de oração (o coro alto) e espaço de consagração (a capela-mor),

onde, em discurso azulejar, se desenvolviam os temas da Virgem e da santa de Assis.

389 Seguimos, até aqui, o documento acima referido (MNAA, Arquivo Dr. José de Figueredo, Cx. 4, Pasta3, doc. 7.6.).390 Relaçao das alfaias, vasos sagrados e mais objectos […] que em 23 de maio de 1878 se começaram aavaliar, ADLRA, Convento do Louriçal.391 Ibidem.392 Inventário de 1859 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal,cx. 1939).

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A imagem processional do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora da Boa Morte,

bem assim a imagem do Senhor das Misericórdias (Figs.II.81 e 88), do Senhor da

Vida393 (Figs.II.85-87), de São José394, uma Pietà e várias representações de Cristo

crucificado perfariam aquilo que, do espólio escultórico do Louriçal, nos informam os

registos textuais ou visuais. Não pecando certamente pela exaustividade, fornecem,

contudo, dados valiosos de que as peças em si mesmas são omissas. Das crucifixões

assinaladas, uma, seiscentista, de cerca de três metros de altura, formada por imagem de

estanho e cruz de madeira feita de troncos de árvores, teria um impacte visual sem

dúvida assinalável395.

Não abandonando a perspetiva meramente panorâmica – que outra aqui não

caberia -, verificamos a consistência da inserção da escultura no espaço, no interior do

qual complementa um programa iconográfico de que participam elementos vários,

assim como a sua correspondência a devoções que envolvem toda a comunidade local e

de que o mosteiro reivindica o estatuto de sede – o que, como vimos, ao convocar a

devoção dos crentes, refletir-se-ia positivamente nas receitas da casa.

Mesmo que a dinâmica gerada em torno das imagens pudesse eventualmente

contender com as exigências de rigor preconizadas pelos estatutos e caucionadas pela

sindicância avisada da abadessa, a função catequética adstrita à figuração estava

salvaguardada. Talvez por corresponder ao período da fundação da casa e,

simultaneamente, à sua época áurea, a escultura date quase exclusivamente de

Setecentos, dando testemunho de um elevado nível artístico que reflete a excelência dos

seus executantes e a autoridade dos encomendadores.

Particularmente sujeitas a deslocações e descaminhos mesmo antes da extinção

do cenóbio, as obras pictóricas de que temos conhecimento podem não espelhar

fielmente o conjunto daquelas que efetivamente terão partilhado o espaço monástico396.

Integradas na arquitetura, porque pinturas retabulares, contam-se a tela de Emmanuel

Alfani (c. 1720-1730) representando a Madre Maria do Lado e uma outra similar que, à

data do inventário de 1858, cobriria a tribuna do altar-mor, sendo descrita como “panno

de camarim pintado a oleo representando a adoração do SS. Sacramento por duas

393 Inventário de 1859 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal,cx. 1939).394 De algumas peças, tem-se notícia não pela sua descrição ou menção em inventários, mas pela listagem,nos mesmos, dos seus resplendores respetivos.395 Encontra-se no Museu Nacional de Machado de Castro.396 Várias pinturas e outros objetos haverá que não passaram pelo escrutínio de inventários nem seencontram em qualquer instituição museológica. Uma recente mostra de objetos, realizada no Mosteiro doLouriçal, comprova-o claramente.

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religiosas”397. De muito desigual qualidade, pelo menos na aparência, ter-se-ão

supostamente substituído no local a ambas destinado.

Exemplares de património integrado contam-se também os quatro painéis a óleo,

hoje em dia muito alterados, colocados nos nichos que assinalavam os ângulos do

corredor em que se abriam as celas das professas (Figs.II.12-13).

Na sacristia concentrava-se a maior quantidade de pinturas. Cruzando os dados

de dois inventários de data próxima, concluímos terem aí estanciado pelo menos oito

obras398: um retrato de D. João V, uma representação de Santa Maria Madalena –

possivelmente uma Santa Maria Madalena de Josefa d’Óbidos (1634?-1684) -, uma de

São José, de Santa Rita de Cássia, de Santa Teresa e três de Nossa Senhora.

Parte das obras mencionadas terá transitado, em início de Novecentos, para o

Museu Nacional de Machado de Castro, em cujos inventários se registam dezassete

pinturas provenientes do Louriçal: Nolle me tangere (séc. XVII); Adoração do Sagrado

Coração de Jesus (séc. XVIII), Anjos Músicos (1750-1796), Cabeça de São João

Batista (1625-1675), Cristo crucificado (séc. XVIII), Fuga para o Egito (sécs. XVI-

XVII), Madre Maria do Lado (1720-1730), Madre Maria do Lado/O Anjo e a Doadora

(1750-1799); Nossa Senhora do Rosário (sécs. XVII-XVIII), Purgatório (1826), S.

Francisco de Assis (1650-1699), Santa Quitéria (sécs. XVI-XVII) e quatro

representações da Virgem com o Menino, sendo uma de Luis de Morales (1515-1587), e

uma outra, setecentista, com invocação associada de Nossa Senhora da Guia399.

Uma relação da Academia Real de Belas Artes, assinada em 1887, noticia, por

seu lado, a transferência para tal entidade de várias das obras posteriormente dadas à

guarda do Museu Nacional de Arte Antiga, e sobre as quais incidira o olhar crítico do

Dr. Macedo Coutinho. Julgamos ver, nos quadros pintados sobre cobre, parte de uma

série dedicada à Paixão de Cristo, eventualmente inspirada em gravuras seiscentistas de

Hieronymus Wierix, por seu turno decalcadas de pinturas de Bernardino Passeri, que

sabemos terem pertencido ao mosteiro400.

Parte das reflexões tecidas a respeito do recheio escultórico adaptar-se-iam ao

breve panorama pictórico aqui parcelarmente esboçado, em que de igual modo

397 Relaçao das alfaias, vasos sagrados e mais objectos […] que em 23 de maio de 1878 se começaram aavaliar, ADLRA, Convento do Louriçal.398 Cfr. Relaçao das alfaias, vasos sagrados e mais objectos […] que em 23 de maio de 1878 secomeçaram a avaliar, ADLRA, Convento do Louriçal e o Inventário de 1859, integrante do processo deextinção do mosteiro, hoje patente em ANTT, AHMF, cx. 1939. Além destes, um inventário adicionalseria feito com data de 22 de maio de 1878 (ADRLA, Convento do Louriçal).399 Vd. Fichas técnicas do Museu Nacional de Machado de Castro.400 Documentos provenientes do Convento do Louriçal, BNP, Secção de Reservados, Cód. 8921.

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pressentimos, nalguns exemplares, o elevado nível de execução e um partido estético

que remeteria para os centros artísticos de então. Compreendendo um arco temporal

mais amplo, estendido desde o século XVI até à centúria de Oitocentos, a pintura regista

mesmo exemplares anteriores à fundação da casa - a apontar, embora não

necessariamente, para a existência de um espólio proveniente do antigo recolhimento.

O programa pictórico organiza-se em torno da temática da Penitência e do

sacrifício redentor de Cristo - expressa, nomeadamente, nas representações da Paixão e

de Santa Maria Madalena –, mas, não menos, ao redor dos grandes referentes

simbólicos do mosteiro: a Adoração do Santíssimo Sacramento, Maria do Lado como

fundadora espiritual e D. João V, fundador material.

Do elenco apresentado, vários são, não estranhamente, os quadros alusivos à

visão fundadora de Maria de Brito, que teria visto “dous Anjos mui formosos e

gloriosos, que iam levando da terra para o Ceo o Santissimo Sacramento”401. Não só

presente nas pinturas que retratam a Venerável, mas noutras, porventura menos óbvias,

como a de Pasquale Parente, identificada sob o título de Anjos Músicos, mas cujo tema

corresponderia mais exatamente à Exaltação do Santíssimo Sacramento por anjos

músicos.

Em versão mais ou menos essencial ou mais ou menos compósita, o tropo

iconográfico do Desagravo surge, aliás, não só na pintura nem mesmo só no mosteiro:

vemo-lo tanto no teto da igreja, quanto no medalhão que encima o portal da mesma,

quanto em peças de cerâmica onde serve de timbre identificativo, quanto em inúmeros

trabalhos conventuais, quanto, ainda, nas insígnias dos hábitos das monjas e nas

insígnias dos Escravos do Santíssimo de Santa Engrácia – que, no entanto, lhe associam

a evocação do desacato, conseguida pela figuração do sacrário arrombado402 (Fig. I.3).

Lembremos, a propósito, o substrato iconográfico do mosteiro, alimentado pela

reevocação sistemática do ascendente carismático de Maria de Brito. É certo que

muitas, senão a maioria, das figurações existentes no primitivo recolhimento não

401 Abadessa do Convento do Louriçal, Compendio da admiravel vida da Veneravel Maria do Lado,Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1762, p. 54.402 Cfr. Artur LAMAS, “O desacato na Igreja de Santa Engrácia e as insígnias dos” Escravos doSantíssimo Sacramento”, O Archeologo Português, Vol. X, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, p. 237. Noreverso, estava contida a inscrição: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento” (Fig. 3). Artur Lamas que aestes raros espécimes da medalhística dedica um interessante trabalho, reconhece que a sua iconografiareproduz as visões da Madre Maria do Lado cujas revelações do desacato de 1630 estão na génese dafundação do Mosteiro do Louriçal.

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lograram superar o escrutínio eclesiástico403, mas não por isso deixaram de ultrapassar o

crivo da memória. Também porque vertidas em fonte literária pelas biografias ou notas

biográficas que sobre a Venerável se compuseram, converteram-se em elementos

passíveis de sucessivas reapropriações.

Um nutrido repertório iconográfico, inspirado em episódios portentosos da vida

da fundadora, rechearia o pequeno beatério. Dados a pintar a Gaspar Barbosa, mestre

local, por Frei Bernardino das Chagas, os quadros representariam raptos - alguns dos

quais presenciados pelo próprio pintor -, e visões de Maria do Lado404.

A inquirição de Gaspar Barbosa, realizada no âmbito da ação preventiva

desencadeada pelo Cabido de Coimbra nos anos 30 de Seiscentos, reveste-se do maior

interesse. Por ela sabemos que, na câmara em que a beata falecera, sobrepujava um altar

um quadro representativo do seu trânsito. Dispunham-se, junto ao leito, várias pessoas

e, à cabeceira, o confessor. Já numa "loja escura", as paredes se mostravam preenchidas

de pequenos quadros representativos das mais diversas visões e episódios da vida da

fundadora. Num deles, figurava Maria do Lado cosendo uma almofada e tendo a sua

primeira visão: o aparecimento de Cristo num globo, episódio que assinalaria a sua

opção de renúncia ao mundo. Num outro, representava-se a visão da profanação

eucarística de Santa Engrácia com um grupo de homens armados. A representação de

Simão Sólis, suposto responsável pelo sacrílego atentado, ardendo em labaredas de

fogo, constituía mais uma das elucidativas pinturas do recolhimento, a que se somavam

a visão do confessor num púlpito com um grande sinal vermelho na face, e uma imagem

de São Pedro e São Paulo ostentando um cofre aberto, e dizendo a Maria do Lado que

dele não constava nenhuma das partículas furtadas porque ela as havia todas

comungado405.

A iconografia destes primórdios místicos do Desagravo viria a achar-se ainda na

casa do pintor, onde se conservava, talvez em execução, um painel representando Nossa

Senhora com os braços estendidos, cobertos por um manto, e debaixo dos quais

figuravam algumas religiosas, de que se destacava, ajoelhada, Maria do Lado,

ostentando no hábito, como insígnia, o cálice e a hóstia, e sobre cuja cabeça repousava a

403 ANTT, Inquisição de Coimbra, Lv. 291 (Cadernos do Promotor, 1.ª série, Caderno 6, 1601-1638), fls.830-940.404 Idem, fl. 846.405 Idem.

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mão de Nossa Senhora. Integravam ainda o quadro as significativas presenças de São

João Batista e do cordeiro406.

Acreditamos que a vigilância eclesiástica tenha condicionado a identidade

iconográfica do Desagravo. Não tanto pela imposição de modelos preconcebidos, mas

pela subordinação da expressão de certos temas aos limites da sua aceitabilidade

canónica e, de forma menos óbvia, pelo eventual escrúpulo gerado em torno do caso.

Bem que limitada à figuração de alguns - poucos - tropos, não podemos concluir que a

mensagem por eles transmitida não tenha gozado de difusão ou beneficiado de

tratamento criativo. Para além de que, como deixámos dito a respeito do programa

azulejar do templo, acreditamos existirem no Louriçal mensagens subliminares e o

recurso a meios sub-reptícios de as transmitir.

São parte de uma herança centenária de contornos místicos, a que

invariavelmente subjaz a radicação sacrificial da glória e a natureza redentora do

sofrimento, as insígnias usadas pelas religiosas no escapulário, as múltiplas

representações da Exaltação Eucarística e, não menos, da profanação de Santa Engrácia.

A iconografia compósita de desacato e desagravo surge, cremos que pela

primeira vez, nas celebradas insígnias dos Escravos do Santíssimo Sacramento, onde,

no anverso, figurava um sacrário arrombado ladeado por anjos, sobre o qual se erguia,

radiosa, uma custódia (ou cálice, consoante a versão) e, no reverso, a inscrição

“Louvado seja o Santíssimo Sacramento”407. Conhece-se mais que uma versão destes

raros espécimes da medalhística, que entre si apresentam pequenas variações. Só uma

reproduz com exatidão os termos da visão da madre do Louriçal, em que, sem adições

iconográficas, um par de anjos eleva para o céu o cálice com a sagrada hóstia408.

Num mosteiro do tempo Barroco, consagrado ao louvor, veneração e exaltação

da Eucaristia, não seriam inexpressivas as peças destinadas ao altar. Com uma

referência à custódia principal rematemos, pois, esta breve incursão pela arte do

Desagravo. Sem dúvida majestosa, sobre ela se debruçaram João Couto e António

406 Idem, fls. 924-925.407 Cfr. Artur LAMAS, “O desacato na Igreja de Santa Engrácia e as insígnias dos” Escravos doSantíssimo Sacramento”, O Archeologo Português, Vol. X, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, p. 237.408 Esta versão poderá corresponder a uma adaptação posterior da iconografia das medalhas motivada peloconhecimento da vida da beata ou da intensificação do interesse pela sua fama de santidade. Sobre avisão, veja-se Abadessa do Convento do Louriçal, Compendio da admiravel vida da Veneravel Maria doLado, Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1762, p. 54.

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Nogueira Gonçalves409 numa análise em tudo contrastante com o discurso insonso e

desencantado dos inventariantes, que tecnicamente identificam “uma custódia de prata

dourada ornada com diferentes pedras”410. Transferida para o Museu Machado de

Castro, onde hoje se encontra, corresponde a uma aparatosa composição formada por

base triangular profusamente decorada – com volutas, motivos vegetalistas, denticulado,

molduras enriquecidas com símbolos eucarísticos –, e ladeada simetricamente por dois

anjos orantes, sustentando uma haste decorada com motivos idênticos aos da base, sobre

a qual se ergue um hostiário em forma de sol radiado, ornado com cabeças de anjo e

coroado por cruz ponteada por pedras verdes, rosa e brancas411.

409 Cfr. João COUTO; António N. GONÇALVES, A ourivesaria em Portugal, Livros Horizonte, p. 169;António Nogueira GONÇALVES, Estudos de Ourivesaria, Paisagem Editora, 1984, pp. 260-264. O autorpropõe neste estudo que a autoria do trabalho tenha coincicido com a da custódia de Vila Pouca da Beira.410 Vd. Relação das Alfaias, vasos sagrados e mais objectos pertencentes ao Convento do Desagravo doSantíssimo Sacramento da Villa do Louriçal e que em 23 de Maio de 1878 se começou a avaliarADLRA, Convento do Louriçal, documentos avulsos, cx. 19G-5.411 Sobre a custódia, veja-se o estudo de António Nogueira GONÇALVES, António NogueiraGONÇALVES, Estudos de Ourivesaria, Paisagem Editora, 1984, pp. 260-264.

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PARTE III

A DIFUSÃO DO INSTITUTO DO LOURIÇAL

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PARTE III

A DIFUSÃO DO INSTITUTO DO LOURIÇAL

1. O reinado de D. Maria I e a recuperação do Desagravo

Corolário de um processo multímodo, em que aspetos doutrinários, espirituais,

culturais e mesmo políticos se conjugam, o Mosteiro do Louriçal não se esgota nem

reduz no êxito da sua própria caminhada individual; antes faz da consagração

institucional estímulo para a realização dos generosos ensejos de quem à causa se

associa - seja a comunidade religiosa que, no interior dos muros do cenóbio, lhe dá

corpo, seja de quem do exterior o ampara e dele recebe benefício.

Por mais que informado por um carisma doutrinário rigorista, que o faria

desaconselhado a pretendentes de condição física ou espiritual mais débil e pouco

atrativo aos olhos de muitas mulheres cuja vida devesse passar pela profissão religiosa,

o cenóbio continha em si a chave da sua própria difusão. Não se fundava com ele um

mosteiro, mas uma família religiosa, de que naturalmente se esperavam frutos e que,

dada a parca lotação prevista para cada casa e, muito especialmente, o impacte

carismático do Instituto, rapidamente converteria uma esperança ou expetativa numa

real necessidade.

Nos sonhos proféticos de Maria de Brito, vertidos mais tarde na Vida Revelada,

já essa pretensão se vislumbrava. De fato, "em notaveis, e mysteriosas vizões, e

revelado por muitos modos", se faria claro que, sendo a Regra confirmada no céu, o

seria também na terra, e que por ela "se havia de reformar toda a Igreja pouco a pouco, e

havião de resultar grandes bens a este Reyno"412. Mais tarde glosada no alvará de D.

João V, que formaliza o desejo de que “se multipliquem os lugares, em que

profundamente [o sacramento eucarístico] seja venerado”413, a intenção ganha em

projeção e exequibilidade - muito embora do texto legal não possamos inequivocamente

inferir um ensejo de multiplicação de casas do Desagravo, mas apenas de polos de

devoção eucarística de que o Louriçal se institui como arquétipo.

412 MONTEIRO, História da Fundação…., p. 198.413 Alvará, pelo qual o Senhor Rey D. Joaõ V tomou debaixo da sua Real protecçaõ o Convento doLouriçal, apud MONTEIRO, História da Fundação…., p. 78.

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Não será, contudo, tanto no contexto da fundação e dos trâmites que a

precederam que a ideia ganhará em consistência. É mais tarde que o que parece não

mais configurar que uma ténue enunciação de intenções se cristalizará e converterá em

mote, vindo a ser inclusivamente reinvocada já depois de consumada a instituição de

três cenóbios da observância. Em carta de 17 de maio de 1819, Frei Francisco da Cruz,

religioso do Convento de Santo António, solicitando a aprovação de uma nova

fundação, argumenta ser a mesma essencial

para se realizarem os ard.es desejos de sua pr.a Fundadora a Veneravel Maria

do Lado sobre a multiplicação das Cazas, ou Conv.tos do Dezagravo, e athe p.ª

se realizarem os seus annuncios propheticos sobre isto m.mo a resp.to da

felicid.e de Portugal quando as cazas do Desagravo se augmentassem414.

Se a ideia surdira confusamente dos assomos de presciência da fundadora,

assumiria a posteriori a forma de uma equação perfeita.

A difusão das casas do Desagravo seria, de fato, uma realidade, quer tenha

conhecido o concurso sobrenatural de uma profecia, quer tenha sido fruto de uma

necessidade histórica e da reunião, também histórica, de condições conducentes à sua

concretização. Duvidamos, no entanto, ter dependido, pelo menos exclusivamente, de

um surto revivificador sentido no seio da comunidade louriçalense, crendo antes estar

ligado a focos isolados de devoção para cujo robustecimento institucional a novel

observância viria a ser convocada pelo prestígio de que, mesmo nos mais recônditos

meios, passaria a auferir.

Do ponto de vista institucional, porém, só a partir dos anos Sessenta de

Setecentos, mas muito particularmente no último quartel daquela centúria, o dito

acréscimo viria a concretizar-se. Até à extinção - provisória415- da observância, sob o

regime liberal e, sucessivamente, sob a I República, várias casas se estabeleceriam: em

Montemor-o-Novo (1764?), em Lisboa (1783), em Vila Pouca da Beira (1791),

novamente em Lisboa, à zona chamada da Cova da Moura (1825) e, na tardia data de

414 Processo referente a representação das madres abadessas dos três conventos do Desagravo doSantissimo Sacramento a Sua Majestade…, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Divisão demanuscritos (I-32, 23, 004, n.º 9).415 A observância, uma vez extinta, viria a ser canonicamente revalidada em 1958. (Vd. António MontesMOREIRA, op. cit., p. 227).

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1875, em Sanguedo, Santa Maria da Feira. A recuperação tardia dos estatutos do

Louriçal e do ideário espiritual neles vertido seria tudo menos casual, como

procuraremos demonstrar.

Dificilmente uma Regra se expandiria sem dar mostras concretas da sua

robustez. E o Louriçal, que contava nos fundamentos fragilidades de monta, deveria

contrapor-se-lhes oferecendo compensatória e supletivamente provas de vitalidade e de

consagração. A ambiência religiosa do reino proporcionar-lhe-ia confortável respaldo.

Do contexto em que se implantara avulta, na verdade, o incremento das vocações

religiosas - praticamente contínuo até ao terceiro quartel do século XVIII -, resultante da

renovação das práticas religiosas propugnadas por Trento, do revigoramento das Ordens

antigas e da introdução de novas Ordens ou observâncias416. No terreno mais específico

da espiritualidade, registava-se, em traços largos, a permanência dos grandes eixos e

tendências que, a esse nível, haviam caracterizado os séculos XVI e XVII417.

Desenvolvia-se a vida monástica e a espiritualidade ascética, crescia a influência das

biografias de santos, monges, missionários mártires e fundadores de Ordens religiosas,

difundiam-se manuais e livros de oração e multiplicavam-se as publicações de caráter

devocional418. Mantinham-se os modelos e práticas de oração, o relevo da direção

espiritual e a incidência devocional, assinalada pela devoção ao Sagrado Coração de

Jesus, que passaria a dominar o século XVIII, a Nossa Senhora - nomeadamente sob a

invocação da Imaculada Conceição -, à Eucaristia, à Paixão de Cristo e às Sagradas

Chagas. Centrais e definidores da vida religiosa do Setecentos, emergiam, enfim, a

imitação de Cristo e o desprezo das coisas do mundo419.

Contudo, a adesão maciça aos caminhos da salvação não resultaria

necessariamente no aprimoramento geral da prática e do sentimento religioso.

Relaxação e superficialidade não deixariam de pontuar o reverso do panorama religioso

416 Cfr. José Pedro PAIVA, “Os mentores”, in Carlos Moreira AZEVEDO (dir.), Dicionário de HistóriaReligiosa de Portugal, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 201 – 202.417 Cfr. VILLER, M., CAVALLERA; F.; GUIBERT, J. de, Dictionnarie de spiritualité ascétique etmystique doctrine et histoire, Tomo XII, Paris, Beauchesne, 1986, “Portugal” (sécs. XVI-XVIII), cols.1958 a 1973. Cfr., em especial, o artigo de Maria de Lurdes Belchior e José Adriano de Carvalho, a cols.1968-9.418 Cfr. Idem, ibidem.419 Cfr. MARQUES, op. cit., p. 570. Em relação ao tema e, particularmente, à imagem de São Franciscocomo efígie de Cristo - “alter Christus” -, veja-se também Carlos Javier Castro BRUNETTO,Franciscanismo y arte iberica en Brasil, Santa Cruz de Tenerife, 1996. Na verdade, a contemplação dolado aberto de Cristo e o seguimento do exemplo d’Ele instituíam-se como vias para a conversão,redenção e aperfeiçoamento, ao mesmo tempo que conduziam à reflexão sobre as consequências dopecado e a importância da penitência.

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e moral de entre finais do séc. XVII e primeiras décadas da centúria sucessiva420. Será,

pois, na reação a um tal quadro que veremos emergir a Jacobeia e um dos seus mais

vigorosos sequazes, D. Miguel da Anunciação, bispo-conde de Coimbra (1741-1779).

Movimento e homem cruzam-se iniludivelmente com a história do Instituto do Louriçal.

Tomando de empréstimo as palavras de João Pimentel Lavrador, diríamos,

sobre a Jacobeia, tratar-se do

ideal da vida religiosamente perfeita no seu afastamento do mundo, comum a

ascetas e místicos de todos os tempos, que muitas ordens religiosas abraçaram e

que os jacobeus pretendiam, agora, difundir dentro da sociedade como meio de

regeneração e salvação.421

Insistindo nos fins últimos, na crença em Deus, na corrupção do homem, no peso do

pecado, na crítica à magnificência do culto, na desconfiança perante “violências

diabólicas” e perante a prática da comunhão frequente422, preconizava a oração, a

penitência, a confissão, a austeridade dos costumes e o regresso à mística clássica como

veículos de perfeição423.

Iniciado com os Eremitas de Santo Agostinho, o movimento expandir-se-ia a

várias outras Ordens ou setores da religião424, vindo a ser amplamente acolhido no

Convento do Varatojo no último quartel do Seiscentos, por obra de Fr. António das

Chagas. Na que chegaria a designar-se como “Jacobeia do Varatojo”, viria a merecer

inestimável relevo Fr. Gaspar da Encarnação (1685-1752), no século D. Gaspar

Moscoso da Silva, “que se tornou cabeça da jacobeia em sentido lato”425. De distinta

família, aparentado de D. João V e pessoa da estreita confiança e proximidade do

monarca, depois de acumular cargos e títulos vários - foi doutor em cânones em

420Veja-se, a propósito, João E. Pimentel LAVRADOR, Pensamento teológico de D. Miguel daAnunciação. Bispo de Coimbra (1741-1779) e renovador da diocese, 1.ª edição, Coimbra, Gráfica deCoimbra, 1995.421 Cfr. João E. Pimentel LAVRADOR, op. cit., pp. 122-123.422 Vd., a respeito dos caminhos da perfeição preconizados pela Mística Clássica, a súmula de PimentelLAVRADOR op. cit.. p. 126.423 Cfr. António Pereira da SILVA (OFM), A Jacobeia, movimento de renovação da Igreja em Portugalno século XVIII, Separata de Estudos Teológicos, s/n, 1964, pp. 5-7.424 Dele viriam a destacar-se, entre outros, Frei Francisco da Anunciação, Frei Gaspar da Encarnação e,ainda, D. Miguel da Anunciação.425 A respeito do Sigilismo, veja-se o estudo de António Pereira da SILVA, A questão do sigilismo emPortugal no século XVIII: história, religião e política nos reinados de D. João V e D. José I, Braga, Ed.Franciscana 1964.

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Coimbra e reitor daquela universidade, deão da Sé de lisboa, sumilher da cortina e do

conselho do rei - recolheu-se no Varatojo, onde, em 1715, tomou hábito e, um ano mais

tarde, professou. D. João V chamá-lo-ia para reformar o mosteiro conimbricense de

Santa Cruz. De missão em Coimbra, em 1727, influenciou vários crentes, levando-os a

optar pela vida religiosa. Encontrava-se entre eles o futuro bispo de Coimbra, D. Miguel

da Anunciação que, em 1728, ingressa na Congregação dos Cónegos Regrantes426.

Poderíamos, nestes pressupostos, aventar que duas vias de influência fariam

convergir o ideário jacobeu sobre os destinos do Louriçal: a jurisdição ordinária, pelas

mãos de D. Miguel da Anunciação e a jurisdição provincial, derivada da pertença das

clarissas à família franciscana e garantida pela ligação ao Convento do Varatojo. No

entanto, o papel do prelado conimbricense, pelo teor da ação reformadora que

empreendeu e pela natureza da dependência jurisdicional do mosteiro, merece ser

sublinhado.

Reformador e o impulsionador de uma nova espiritualidade, o antístite assumiu-

se igualmente como reformador da sua diocese. Visou responder à ignorância do clero e

à difusão do Iluminismo, criou o Seminário de Coimbra e os arciprestados427. Deu

especial atenção à direção espiritual e à oração mental como meios de formação

espiritual, cuja prática intensamente defendeu junto de conventos e paróquias428. O

magistério de D. Miguel ficará assinalado pela enérgica tomada de posição no contexto

de questões candentes como o Sigilismo, a influência dos autores afetos ao Iluminismo

e o poder absoluto do Estado429. No seu confronto "seja com o poder da Inquisição, seja

com o poder do Estado", visaria antes de mais a defesa da jurisdição episcopal430.

É sobre este pano de fundo, aqui traçado de forma porventura impressionista,

que emerge e se desenvolve a vida monástica do Louriçal, na qual as notas de vitalidade

genericamente se pressentem até finais do reinado de D. João V. Expresso, consoante já

notado, no domínio da arquitetura, manifestar-se-ia outrossim no terreno da devoção, da

prática religiosa, das vocações e dos recursos materiais.

426 Cfr. João E. Pimentel LAVRADOR, op. cit., pp. 463-466.427 Idem, ibidem, pp. 463-466.428 Idem, ibidem, pp. 455-457. Os autores espirituais em que se fundamenta são os nomes mais célebresda mística e dos tratados de espiritualidade do século XV e XVI: Santa Teresa de Ávila, São João daCruz, São Francisco de Sales, Fr. Luís de Granada, Fr. Manuel Bernardes, etc.429 Idem, ibidem, p. 459. O autor considera não existir “rasgo próprio em alguma questão controversa.” Sealgo de original houvesse, seria o de fomentar a Jacobeia, o que não deixa, segundo o autor, de estar nalinha da renovação espiritual empreendida por muitas outras personalidades.430 Idem, ibidem.

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As contradições sobrevindas na alba da vida regular não passariam, afinal, de

um percalço graças à animosa ação de D. António Caetano de Sousa431. O regresso de

duas das fundadoras canónicas ao seu mosteiro de origem, ao inviabilizar admissões e o

provimento de lugares, colocaria, de fato, no horizonte a ameaça do definhamento da

vida monástica, circunstância que imediatamente suscitou o zelo de prelado. Em carta

dirigida ao Padre António de Faria (CO), a quem consultava em matérias de gravidade,

haveria de relatar: "movido de superior impulso, fuy ao Louriçal, elegi Abbadessa,

professey Noviças, enchi o regimen temporal, e espiritual do Mosteiro"432. Destas

inspiradas diligências, inteirar-se-ia D. Gastão José da Câmara que, fazendo jus ao

estatuto de mediador que tão ciosamente assumiu, prontamente se encarregaria de as

transmitir ao rei433. Um período de vitalidade se iniciava no Mosteiro do Louriçal.

Enquanto o Livro das Fazendas da Capela registava o incremento das receitas

monásticas, o Livro em que se lançam os termos das entradas434 atestava o

robustecimento numérico da comunidade e assinalava o alargamento geográfico da

influência do Instituto, para o qual convergiam candidatas provindas não já das

imediações regionais da casa. O Liber Mortuorum435, por seu turno, revelava, dentro de

uma chave de leitura que interessar sublinhar, a progressão espiritual do cenóbio. Nela

nos detenhamos, embora não com a profundidade que em sede outra se reclamaria.

A notícia que acompanha o assento das religiosas falecidas não deixa

aparentemente dúvidas acerca da edificação da vida monástica. Do amplo rol de

percursos exemplares que o documento nos oferece, poucos foram aqueles que lograram

passar o crivo do tempo e os muros do convento. A alguns deles se refere o Padre

Manuel Monteiro na Memoria de algumas religiosas que falleceraõ no Real Convento

do Louriçal com opinião de virtude436 que acopla à sua História da Fundação437.

431 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 143-145.432 A carta, datada de 18 de maio de 1711, encontra-se inserta nas páginas 145-149 da História daFundação de Manuel Monteiro.433 Vd. nota anterior.434 Vd. Livro em que se lançam os termos das entradas das Noviças que tomam o hábito neste RealConvento do SS.mo Sacramento da Vila do Louriçal que começa a servir no princípio da sua fundaçãono ano de 1709, BNP, Secção de Reservados, Códice 11066.435 Vd. Liber Mortuorum, ANTT, Arquivo das Congregações, Livro 1103.436 Cfr. Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 360-509.437 Bem que numa leitura desatenta, os exemplos assinalados revelam os modelos ou critérios de virtudede quem lhes avaliou a existência monástica, mas também o sentido e limites da beatitude num mosteirode contemplativas de clausura. Ressuma claramente desta exposição de Manuel Monteiro uma intençãode enaltecer a fundação joanina e a Regra do Desagravo, associando-a a exemplos de vida gloriosa que,de algum modo, permitam sancionar a bondade do Instituto e dos seus diretos patrocinadores.

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Das dezasseis religiosas que, desde a fundação à data da redação da obra, são

merecedoras de homenagem, contam-se, como que a sublinhar a santidade da própria

casa, três das fundadoras canónicas - Arcângela dos Serafins Evangelista, Maria Teresa

do Sacramento e Maria de Jesus Evangelista - e a primeira das abadessas que àquelas se

seguiu, Maria Antónia de Jesus, que chegaria mesmo a despertar a devoção popular438.

Poucas seriam, contudo, pelo menos ao que sabemos, aquelas que viriam a beneficiar de

efetivos processos de beatificação ou canonização. Desafiariam a máquina da memória

e do esquecimento ou a volubilidade das devoções ou simplesmente a tibieza dos

empenhos, Maria do Sacramento, Maria Doroteia e Maria Joana.

Não se conhecendo qualquer processo relativo a Soror Maria do Sacramento,

conhece-se, no entanto, um manuscrito intitulado Vida e morte da Madre Maria do

Sacramento439. O assento que da sua morte se fazia revela abreviadamente os

predicados que a póstuma memória escrita lhe consignaria440. Nascida a 15 de Abril de

1708, de pais nobres, natural de Alverninha, Alcobaça, D. Maria Bárbara de Portugal,

seu nome no século, desde cedo mostrara desejo de prosseguir vida ascética e

despojada. Sabendo da virtude e rigores praticados no Mosteiro Louriçal por uns

comerciantes chegados ocasionalmente daquela vila, que lhe haviam dito que as “freiras

erao h mas Santas, que semper estavaõ em oraçaõ que faziaõ mtas esmollas que

ninguém as via nem lhes falavaõ e que eraõ m.to penitentes e observantes”, decidiu

ingressar no cenóbio, onde durante doze anos seria professa e onde revelaria rara

humildade e caridade, dons de profecia e desprezo de si e das coisas do mundo441. Viria

a falecer a 9 de abril de 1745. Manuel Monteiro, que com o seu nome termina o elenco

das merecedoras de timbre de santidade, dedica-lhe cerca de meia centena de páginas,

que remata significativamente impetrando que “nos façamos benemeritos destes seus

438 Viria a falecer a 2 de novembro de 1729. Foi a primeira abadessa depois das fundadoras. Exemplo devirtude, revelaria extremada obediência, paciência, humildade, caridade para com os necessitados e umtotal desprendimento de si. A paciência com que haveria de padecer a provação da doença e dasatribulações da alma, crismariam a santidade do seu percurso. De fato: “Purificou-a Deos Senhor N. nocrysol da tribulação, dando-lhe a padecer naõ só trabalhos exteriores, e do corpo, senaõ tambem unsinteriores, e do espirito: mas neste mesmo tempo lhe dava a conhecer o muito que a favorecia, porquepara todos a corroborava com huma constancia, e fortaleza, mayor que se podia esperar do seu sexo”(Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 410). Quando morreu, o seu corpo ficou totalmente flexível einexplicavelmente recoberto de estranhos sinais. A veneração que em seu torno se criou viria mesmo a serreprimida pela autoridade eclesiástica. Ficaria sepultada na campa n.º 2 do claustro monástico (LiberMortuorum, ANTT, AC, Lv. 1103). Vd., igualmente, Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 406-413.439 BGUC, Ms. 53. pp. 91-92. O documento não se encontra datado.440 Liber Mortuorum, ANTT, AC, Lv. 1103, fl. 10.441 BGUC, Ms. 53. pp. 91-92.

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[da madre] premios nesta vida, e dos que tem reservado para os escolhidos na sua

Gloria.”442

Interessante é também o caso de Soror Maria Doroteia ou, quem sabe, Doroteia

Maria443. Nascera em 1686, de pais nobres. Fora para a corte assistir o Infante D.

Francisco, que muito estima por ela nutria. Acesa a vocação religiosa, chegar-lhe-ia

informação sobre o Mosteiro do Louriçal,

de cuja observancia, e austeridade rigorosa chegava á Corte, e ao Paço a

noticia; e naõ só se ouvia com edificaçaõ, e assombro, mas se contava como

cousa rara, e sobre as forças da natureza: eraõ porém estes mesmos rigores,

que a todos causavaõ espanto, os que mais inflammavaõ o seu espirito, desejoso

de abraçar hum modo de vida, que considerava, quanto mais austero, mais

perfeito.444

Foi perfeita a sua vida de religiosa e portentosa a sua existência post mortem.

Não só manteve a aparência de vida uma vez falecida, como obrou copiosos prodígios,

relatados em fonte literária pelo confessor445. A esta religiosa cremos respeitar um

processo sobre a vida, graças e dotes sobrenaturais de que se encarregaria D. Miguel da

Anunciação446.

Depois de Maria do Lado, foi, contudo, Maria Joana a religiosa que mais

aclamação mereceu447. Viria a falecer em 25 de março de 1754, no termo de uma

existência marcada pela prática da mais extremada penitência. Dos muitos favores

divinos com que seria bafejada - e que por modéstia ciosamente dissimulava -, conta-se

a previsão mística do Terremoto de 1 de novembro de 1755, que por certo alimentaria a

pretensão de que viesse a ter assento no orbe seráfico. De fato,

442 Manuel MONTEIRO, op. cit., p. 509.443 Liber Mortuorum, ANTT, AC, Lv. 1103, fl. 32.444 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 433-434.445 Idem, ibidem, p. 434.446 Processo sobre a vida, graças e dotes sobrenaturais da madre Soror Maria Doroteia, inserto na pasta"D. Miguel da Anunciação e o Convento do Louriçal" (AUC, VI, 1E, 6, 3). A 1.ª sessão inicia-se a 21 dejunho de 1756.447 Memorias da vida e virtudes de Serva de Deus Soror Maria Joana, Religiosa do Convento doLouriçal, ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício, Lv. 62.

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em huma carta sua escrita talvez annos antes da sua morte, diz que o Senhor lhe

revelou confusamente o que succedeu neste Reino, e com maior catástrofe em

Lisboa, no primeiro de Novembro e mil Setecentos sincoenta e cinco. Vio com a

lus profetica obscura o successo, e com lus ainda mais clara vio a causa [...]448

Ao registar o seu trânsito no Liber Mortuorum, Soror Francisca Maria, escrivã, desvela

que o intento conhecia formulação prévia: “naõ me dilato com mais larga notissia", diz,

"q esperamos ver breve m.te dar-se a inpresa a sua prodegioza Vida"449. E, de fato, em

1762, dava-se ao prelo, novamente sob o magistério de D. Miguel da Anunciação e a ele

dedicada, a Memoria da vida, e virtudes da serva de Deus Soror Maria Joanna450, da

autoria do confessor, Frei José Caetano. Em escritos anteriores, porém, terá assentado a

obra editada: na Breve relaçaõ da vida, e morte prodigiosa da Madre Soror Maria

Joanna nossa irmã, que faleceu a 25 de Março deste presente anno de 1754 neste nosso

Convento de Louriçal451 e/ou nas Cartas que escreveu a seu confessor para noticia da

sua consciência, e por preceito do mesmo a Serva de Deos Soror Maria Joanna452.

No registo de exemplos de vida perfeita, emerge um paradigma de beatitude que

totalmente se alinha com o contexto espiritual da época e que o mosteiro zelosamente

reproduz. Desprezo do mundo e de si, humildade radical, perseverança na experiência

mística, mas, sobretudo, na ascese por meio da mais requintada penitência, são aspetos

que codificam o ideário de perfeição religiosa preconizada nas primeiras décadas de

vida da casa. Mas, nas entrelinhas do discurso, pressente-se também a intenção de

propor como paradigmáticos os exemplos aí apresentados, e, por sinédoque, de

apresentar o mosteiro, alfobre de virtudes, como modelo, ele mesmo, de santificação.

Difundir a opinião de virtude de uma religiosa convertia-se, pois, na creditação

do nome do Instituto, tarefa naturalmente propiciada pela natureza dos benefícios,

448 Frei José CAETANO, Memórias da vida e virtudes da serva de Deus Soror Maria Joana, Lisboa,Oficina de Miguel Rodrigues, 1762, p. 225.449 Liber Mortuorum, ANTT, AC, Lv. 1103, fl. 17.450 José CAETANO (frei), Memoria da vida, e virtudes da serva de Deus Soror Maria Joanna, Lisboa,Oficina de Miguel Rodrigues, 1762.451 Patente na Biblioteca da Ajuda e proveniente da Biblioteca dos Oratorianos das Necessidades. Editadoem Lisboa em 1754 pela Oficina de Manuel Coelho Amado (BA, 55-II-36, nº 10).452 Cada uma das 57 cartas faz-se acompanhar de um comentário possivelmente redigido pela abadessa.(BGUC, Ms. 1802). A fl. 1, enuncia-se como título: “cartas da Servade Deos Sor Maria Joanna p.ª o SeoConfessor”. Este livro é praticamente desconhecido, não constando, segundo nota à margem escrita alápis, nem da Biblioteca Lusitana nem do Dicionário Bibliográfico. O manuscrito 1592, não datado, ésemelhante ao 1802, embora mais incompleto. Dele não consta, estranhamente, a carta n.º 57 (Vd. BGUC,Ms. 1592).

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projetados no tempo e no espaço pela intercessão milagrosa das religiosas - que

sabemos terem sido pródigas em mediá-los - e capitalizados pelo peso social de muitos

dos agraciados453.

A par de outras vias, constituíam repositórios mnemónicos de excecional alcance

as biografias e apontamentos históricos. Em prol do Desagravo do Louriçal, e à parte as

obras já referidas, consideremos a já nossa familiar Historia da fundação do Real

Convento do Louriçal de religiosas Capuchas Escravas do Santissimo Sacramento, do

padre oratoriano Manuel Monteiro454 e o Compendio da Admiravel Vida da Veneravel

Madre Maria do Lado, redigido pela então abadessa do Mosteiro do Louriçal e dado ao

prelo em 1762455. E vários dados biográficos, quer de Maria do Brito456, quer de Maria

Joana, baseados naquelas obras, terão entretanto circulado em crónicas e hagiológios457,

garantindo-lhe ampla difusão.

Das muitas vidas referidas ou mesmo aclamadas como virtuosas, poucas viriam

a ser alvo de inquirição com vista à atestação de santidade. Mais estranho, contudo, é

que dos poucos processos de beatificação efetivamente iniciados, nenhum tenha

alcançado êxito, mesmo quando sucessivamente reativado. Partilha este panorama o

processo de Maria do Lado, cujo sucesso – ou falta dele – poderá ter pesado no

resultado de outras causas relativas ao mesmo mosteiro e/ou na decisão de as constituir

como expedientes supletivos.

Iniciado em 1633, mas atalhado no ano seguinte, o processo da Venerável Madre

ver-se-ia reativado em 1727 sob o sólido valimento de D. João V. Ironicamente, uma

vez enviada para a Cúria Romana e Sagrada Congregação dos Ritos, a documentação

processual perder-se-ia, acarretando a suspensão da causa por período não inferior a

duas décadas, no termo das quais - quem sabe se no encalço de prodígios ocorridos no

453 Manuel MONTEIRO, op. cit., pp. 350-358.454 A secção da História da Fundação dedicada à biografia de Maria de Brito situa-se entre as páginas231 e 331. (Vida da Veneravel Madre Maria do Lado; primeira instituidora do Convento do Louriçal).455 Baseado nos manuscritos de Bernardino das Chagas e nos relatos das beatas que com a Venerávelconviveram, por seu turno compilados neste Compendio da Admiravel Vida, viria a lume, em edição de1981, elaborada pelas irmãs clarissas do Louriçal, a Vida da Serva de Deus Madre Maria do Lado.Fundadora do Mosteiro do Santíssimo Sacramento do Louriçal.456 Estranhamente, da única obra que foge à autoria religiosa, não só se perdeu o rasto, como jamais éexplicitamente referenciada por qualquer das biografias citadas. Sairia da pena do fidalgo louriçalenseAmaro Vasques de Castelo-Branco Henriques sob o título de Breve e verdadeira Noticia da portentosavida, & admirável morte da Veneravel serva de Deos Maria do Lado & da Fundação do seu Convento doSantissimo Sacramento da Villa do Louriçal. A obra encontra-se referenciada por Barbosa Machado noSummario da Bibliotheca luzitana.457 Dados sobre a vida de Maria do Lado podem ver-se, por exemplo, na Crónica Seráfica de FreiFernando da Soledade, no Agiologio Lusitano de Jorge Cardoso ou, ainda, no Livro em que contem tudo oque toca à Origem, Regra, Estatutos, Ceremonias, Privilegios, & Progressos da sagrada Ordem Terceirada Penitencia de N. Seraphico P.S. Francisco de Frei Luís de São Francisco.

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mosteiro por intercessão de Maria do Lado na doença de uma monja, a 24 de maio de

1745 -, seria reativado, agora sob o magistério de D. Miguel da Anunciação. A 16 de

agosto de 1746 teria lugar a primeira de uma série de 50 sessões do processo de genere,

vita et moribus458. Três décadas passariam, no entanto, até que, em 1779459, novo alento

fosse impresso à causa. Até então, quaisquer ações eventualmente empreendidas não

lograriam concitar o anelado reconhecimento canónico. De pouco valeriam as

informações dos processos anteriores, a que agora deveriam apor-se argumentos sólidos,

tais como prodígios manifestados em data posterior aos anos 40 de Setecentos460.

Certamente contraproducente seria tomar como relevantes dados do primeiro

assomo processual de Seiscentos, contaminados, que estavam, de insanáveis vícios de

forma. Quando, no último quartel de Setecentos, a causa é reativada, o Promotor da Fé

sentencia

a fama de Santidade de Maria do Lado comessou tres annos antes de sua morte,

quando por uso e costume da Curia se requer ao menos o espaço de dez annos;

prova a sua pouca humildade [...] e provou tãobem que toda afama de Santid.e

saio de Fr. Bernardino das Chagas.

O dito promotor não poderia senão concluir que os ditos processos "pouco ou nada

fazem para o Cazo de que se trata."461 Mas mesmo o processo instaurado em 1727 e

retomado em 1747 por mão de D. Miguel da Anunciação não estaria isento de

fragilidades, chegando mesmo o relator de um sumário referente à causa a opinar:

458 Processo de beatificação da Madre Maria de Brito ou Maria do Lado, AUC, Cabido da Sé deCoimbra, documentos avulsos (III, 1.ª D, 7-2 [extremo direito] B). O processo seria levado por NicolaoPyaggio, “correyo a Seriço de Sua Mag.de Portugueza Natural da Cidade de Genova […] eu proprioespecialmente deputado p.ª Levar a Roma o transunto”. A causa é dita sempre, no âmbito destesdocumentos, como sendo de beatificação e canonização. Retomando não as diligências seiscentistas, onovo processo contaria com o suporte da documental que servira ao processo dos anos vinte deSetecentos, tendo implicado a extração servatis servandis e o traslado do Arquivo da Câmara Episcopalde Coimbra dos documentos originais, a que foram apostas algumas emendas.459 Processo de beatificação da Madre Maria de Brito ou Maria do Lado, AUC, Cabido da Sé deCoimbra, documentos avulsos (III, 1.ª D, 7-2 [extremo direito] A, Capilha 2).460 Os Autos de Deligencia assim o explicitam. A inquirição sobre a fama da Santidade deveria incidir“assim no tempo pasado como no prezente da Serva de Deus Madre Maria do Lado” e “ sobre algunsfactos prodigiozos que o mesmo Deus tenha obrado por intercessão da dita Sua Serva do anno de mil esete Centos e quarenta e oito em diante.” Vejam-se os Autos de deligencia feita p.ª o fim da Beatificaçãoda Madre Maria do Lado fundadora do Recolhimento do Villa do Louriçal que hoje he Convento deReligiozas professas da primeira Regra de Sta. Clara, com o tittulo do Santissimo Sacram.to, 7 dedezembro de 1779, patentes no processo de beatificação acima referido.461 Veja-se a nota anterior.

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e creio ser principalm.te deste processo [de 1727], que o Promotor da Fe forma

as suas advertencias e duvidas, ás quaes o Promotor da causa Thomas Maria

Salvatorio acha tanta força que confessa nao puder responder a algumas dellas

e aconselha que se desampare a causa.

Constantemente atualizada deveria ser a devoção e, a alavancá-la, os milagres.

Seria tão tíbia a devoção e tão frouxos os portentos a ponto de justificarem tão pertinaz

renitência? O que terá pesado em favor de tais impasses e dificuldades? Estar-se-ia

perante a conjuntura de crise que nos aparece invocada no registo de entrada da

postulante Maria do Carmo, em que a demora - de vários anos - da sua admissão,

verificada apenas em 1776, é justificada pelas " revoluções do Reino”? Ou, em sentido

inverso, seria antes a pretensão desajustada, por demasiado elevada, aos argumentos

apresentados? E, nesse caso, o que terá abonado em prol da defesa de algo

comprovadamente assente sobre tão frágeis alicerces?

Dificilmente não associaríamos ao reinado de D. José I e à governação

pombalina as dificuldades assinaladas, não refutando, muito embora, a continuidade da

ligação histórica entre a Coroa e o Desagravo, detetável na decisão régia de concluir as

obras de Santa Engrácia462, na oferta, pelo monarca, da imagem de Nossa Senhora da

Boa Morte e da pintura de Emanuel Alfani ao mosteiro ou, invertendo os sujeitos da

ação, na dedicatória ao rei, pelas religiosas, da biografia das Veneráveis Maria do Lado

e Maria Joana.

Em certa medida, e em termos genéricos, pode dizer-se que a política

prosseguida no reinado de D. José não favoreceu a consolidação e o enriquecimento da

complexa trama que teve o desacato como pretexto. Ao pretender consolidar e

robustecer o poder do Estado, na esteira do despotismo esclarecido e da doutrina

regalista, atingiu, de uma parte, a nobreza titular, que sabemos ter constituído a alma da

confraria dos cem nobres e, de outra, a classe eclesiástica, a quem condicionou e

subtraiu poder de ação. Foi no seio de uma tal lógica de ação que decorreu a prisão de

462 Embora tenha sido sob a égide de D. José I que a Confraria dos Escravos foi largamente admoestadapela gestão perdulária dos seus recursos. (Vd. “Avizo do secretr.º de Est.º Sebastião Joze de Carv.º eMello [...]”, in Miscellânea de varios papeis, Tomo I, fls. 88 v– 89, Academia das Ciências, Série Azul,n.º 307).

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D. Miguel da Anunciação, que há pouco vimos como intérprete da causa da madre do

Louriçal463.

Além do restabelecimento do beneplácito régio, decretado em 1765, da expulsão

da Companhia de Jesus e do Núncio Apostólico, do corte das relações com Roma,

verificado entre 1760 e 1770, da reconfiguração do mapa eclesiástico de Portugal, da

criação da Real Mesa Censória, que transferia a censura sobre o ensino e publicações do

pelouro da Igreja para o do Estado - que sumária e genericamente ilustram a política

pombalina no que toca à clerezia464 -, importa sublinhar certas medidas decretadas por

Pombal para a compreensão deste período de inexorável transformação da História da

Igreja em Portugal465.

Visando a reafirmação da soberania do Estado secular sobre a Igreja e da

soberania portuguesa face ao poder papal, a política religiosa do Marquês centrou-se,

em parte, na redução do peso económico da Igreja através da libertação da propriedade

dos ónus que sobre ela impendiam. Neste contexto se pode ler a legislação

desamortizadora e desvinculadora promulgada nomeadamente entre 1766 e 1770466.

Com efeito, se já então as leis civis proibiam ou limitavam a amortização eclesiástica, o

Concílio de Trento viria autorizar a posse de bens de raiz pelas Ordens religiosas. Como

é sabido, da propriedade vinculada dependia, em grande parte, o sustento material das

corporações de mão morta, que usufruíam, pela instituição de missas perpétuas, assente

na crença no Purgatório, um rendimento temporalmente ilimitado467. De fato, a gestão

patrimonial dos bens das almas escolhido por muitos fiéis corresponderia, precisamente,

ao "modelo organizacional que supostamente protegia, para a eternidade, o património

das grandes famílias: o do morgadio."468 Na súmula de Laurinda Abreu

463 A prisão do bispo foi motivada pela emissão de motu proprio de uma pastoral, sem submissão ao realbeneplácito. A pastoral foi exarada a 8 de Novembro de 1768 e, um mês depois, foi o prelado feitoprisioneiro em Pedrouços. (Cfr. José Pedro PAIVA, A Igreja e o poder, in Carlos Moreira AZEVEDO(dir.), História Religiosa de Portugal, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, p. 173). Focamos, emtermos próximos, este ponto, na nossa dissertação de Mestrado, já várias vezes citada, a pp. 74-75.464 Vd., a propósito, José Pedro PAIVA, “A Igreja e o poder”, in AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.),História Religiosa de Portugal, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 135-185). Vd., também,Laurinda ABREU, "As relações entre o Estado e a Igreja em Portugal na segunda metade do séculoXVIII: o impacto da legislação pombalina sobre as estruturas eclesiásticas", in Ana Leal FARIA, IsabelDrummond BRAGA, Problematizar a História. Estudos de História Moderna. Homenagem a Maria doRosário Themudo Barata, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2007, pp. 645-673. A questão, uma vez mais,encontra-se em registo próximo tratada em JACQUINET, Em desagravo do santíssimo Sacramento.., pp.74-75.465 Cfr. Laurinda ABREU, op. cit. pp. 645-673.466 Idem, ibidem.467 Idem, ibidem.468 Idem, ibidem.

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A eficácia com a que lei foi aplicada fez com que, em 1777, à morte de D. José I,

portanto, a estrutura patrimonial em que se erguera parte do poder económico

da Igreja, nomeadamente das ordens religiosas, paróquias e confrarias (de

leigos ou não) estivesse irremediavelmente minada.469

Entretanto, o reinado josefino presenciaria a destruição da capital pelo terramoto

e maremoto de finais de 1755, a justificar, por si só, a premência dada à reconstrução

das zonas afetadas em detrimento da fundação de novos edifícios, mormente de

natureza religiosa. Apontando no sentido do adiamento de qualquer outro projeto de

arquitetura religiosa não enquadrável no plano arquitetónico e urbanístico definido,

estaria, para além do peso económico da reconstrução, o arrastamento temporal das

obras e a paulatina insinuação dos ideais iluministas e, com eles, uma crescente

laicização470.

Invertendo a perspetiva de análise e olhando o Louriçal a uma escala

aproximada, apercebemo-nos sobremodo do peso de que se revestiu a ausência de D.

João V e da sua atenta vigilância; das consequências concretas do corte das relações

com a Santa Sé no que tange a processos dependentes da boa comunicação com a Cúria

romana; da perseguição movida contra os jacobeus; da prisão, a 8 de dezembro de 1768,

desse expoente da Jacobeia que foi D. Miguel da Anunciação - e que, até 1775, ficaria

praticamente incomunicável -; enfim, do destino da Casa dos Ericeiras-Louriçais, que,

em 1743, D. Francisco, segundo marquês, viria a achar "reduzida a tal consternação e

miséria que apenas sabia por hum Orçamento que as dívidas hereditárias chegavam a

trezentos mil cruzados"471.

No que respeita à nobreza, com efeito, e à sua constituição, interessa atentar nas

medidas, legislativas ou não, de limitação das regalias e a perseguição movida a certos

nobres conotados com a oposição ao poder de Pombal ou envolvidos no atentado a D.

José. Apesar de crescentemente relativizada, a atuação do pombalismo em relação à

469 Idem, ibidem, p. 650.470 Cfr. José-Augusto FRANÇA, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, Bertrand Editora, 1977. Oestilo pombalino, que reconhecemos nas chamadas igrejas da reconstrução, acabam efetivamente porespelhar o pragmatismo e racionalidade impressos no projeto de reconstrução.471 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, mç. 2064, n.º 21, apud Nuno MONTEIRO, O crepúsculo dosgrandes. A casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832), Lisboa, ImprensaNacional/Casa da Moeda, 1998, p. 375.

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nobreza não deixou de abalar profundamente, sobretudo no terceiro quartel de

Setecentos, o estatuto daquele grupo472.

Mas o que pareceria ser um contexto que não consente refúgio, viria,

naturalmente, a mostrar-se revisível. Com a subida ao trono de D. Maria I, a sorte de D.

Miguel da Anunciação alterar-se-ia radicalmente, permitindo a pressurosa recuperação

de causas asfixiadas sob o pombalismo. Nelas se inscreve, precisamente, a reativação do

processo de beatificação de Maria de Brito, que o antístite desencadeia enviando, em

1779, um requerimento a Roma.

Apelando novamente a um quadro de referência geral, notemos que o reinado

mariano, ao contrário do anterior, foi altamente propício à causa que nos ocupa. Os seus

primeiros anos terão mesmo configurado uma ação de desagravo a várias das medidas

tomadas pela governação paterna, e, bem que o alcance do conceito de “Viradeira”

tenha sido objeto de uma revisão historiográfica que implicou a relativização dos seus

termos e alcance, não é de excluir que uma reação efetiva tenha assinalado o exercício

de poder por D. Maria I, atingindo com particular acuidade o domínio social e religioso.

A esta luz pode ser considerado o processo de reabilitação de figuras e doutrinas

anteriormente visadas pela ação pombalina ou a assinatura de concordatas com Roma,

como a que estabeleceu o Tribunal da Comissão Pontifícia e Régia, a indiciar certa

recuperação do poder eclesiástico473.

À semelhança de D. João V, também D. Maria I daria bastas provas de

liberalidade em relação aos frades menores, como bem demonstra Frei Vicente Salgado

no Compendio Historico da Congregação da Terceira Ordem de Portugal, ao escrever:

Governando porém esta Ordem o R.mo Confessor do Senhor Infante, e Rei D.

Pedro III, e Ministro Geral Fr. José Maine, conseguiu do Santo Padre Pio VI, à

instancia da Piissima Rainha Reinante D. Maria I, izentar esta Congregação de

Portugal de ser sugeita aos Ministros Geraes da Observancia, pella Bulla,

Apostolicae fedis auctoritas, de 29 de Fevereiro de 1780, e pela Bulla Cum Nos

472 A respeito da evolução e constituição da nobreza neste período, vd. Nuno Gonçalo MONTEIRO, Elitese Poder. Entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, ICS, 2003, pp. 105 - 138 e, do mesmo autor,“Pombal e a aristocracia” in AAVV Camões. Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n.º 15-16, 2003, p.41. O autor apresenta uma súmula conclusiva da ação política de Pombal no que respeita à nobreza,debruçando-se não só sobre as disposições normativas que dele emanaram como de opções de diferentenatureza que igualmente afetaram o grupo social em questão.473 Cfr. José Pedro PAIVA, op. cit., p. 176. O parágrafo segue, em termos aproximados, o texto da nossadissertação, acima mencionada, a p. 75.

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hodie, do mesmo anno ordenou huma nova Regra tirada da que foi approvada

por Nicolau IV e Leão X, chamando a esta Provincia, Congregação da Terceira

Ordem Regular da Penitencia de Portugal [...].474

Mas a aproximação ao exemplar testemunho de D. João V no que tange ao

sentimento religioso encontrará outras ocasiões mais de se manifestar475. Lembremos a

profunda devoção eucarística do Magnânimo e a forma eloquente de que se revestiu no

quadro da profanação da igreja do convento jesuíta de Setúbal:

quando no anno de 1715, na Igreja do Collegio dos Padres da Companhia da

Villa de Setubal, succede o execrando desacato, que naquella Igreja se fez [...]

pertendeo logo desaggravar ElRey, vestindo-se de pezado luto com toda a

Familia Real, e Corte, e foy em Procissaõ no dia 15 de Abril da Sé de Lisboa,

acompanhado dos Infantes, do Nuncio do Papa, o Embaixador de França, e de

todo o Clero, e Religioens à Igreja de S. Roque com grande devoçaõ e

reverencia476.

Coincidindo com o fôlego insuflado à causa do Louriçal, novo atentado

sacrílego ressoa no reino: a 14 de maio de 1779, dia da Ascensão, a Ermida de São João

Baptista, então matriz da paróquia de Santa Maria, vila de Palmela, é impiedosamente

profanada477. Segundo noticia o Padre Clemente Monteiro Bravo, em carta dirigida a D.

Maria I, a igreja

474 Vicente SALGADO (frei), Compendio Historico da Congregação da Terceira Ordem de Portugal,Lisboa, Off. de Simão Thaddeo Ferreira, 1793, pp. 115 – 116.475 Frei António CORREA (O.S.A.), Oração do desaggravo do Corpo de Jesus Christo em Palmela,sacrilegamente ultrajado …, Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1780, p. 17. Curiosamente, e ainda quementora da comemoração, a Irmandade dos Escravos não financia o desagravo de Palmela, correndo afesta pela “Real Capella”. (BNP, Secção de Reservados, Coleção Pombalina, fls. 365 v. – 368.).476 António Caetano de SOUSA, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo VIII, Coimbra,Atlântida-Livraria Editora, Lda., 1951, pp. 138-139.477 Cfr. João de S. BOAVENTURA (frei), Breve noticia dos desacatos mais notaveis acontecidos emPortugal desde a sua fundação até agora, e o Sermão do Desaggravo pelos ultimos, comettidos nestemesmo anno, Lisboa, Impressão Régia, 1825, pp. 17-19.

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se achou roubada, segundo dizem, por tres ladrões, que espoliando-a quasi de

toda a prata, e alfaias, e por ella diffundindo os Santos Oleos, deixando as

Ambulas com as bôcas em terra, passárão ao horrendo attentado de abrirem o

Sacrario, donde levárã hum Cofre com huma Hostia, e cinco Fórmas

consagradas, nelle depositadas, e huma Pixide, com cento e tres Particulas

consagradas, deixando além disso muitas dispersas pelo Altar do mesmo

Sacramento.478

Atenta ao menor assomo de impiedade, a soberana, particularmente devota do Mistério

da Fé, deu solicitamente início às ações expiatórias, impondo um rigoroso luto de nove

dias e promovendo um “Triduo Solemnissimo, e Procissão digna da Real

Magnificencia, d'Adoração, e Desaggravo”, apenas comparável à celebração do Corpus

Christi479. Já em 1781, ordenará a celebração de uma missa anual em memória da

funesta ocorrência480.

Seria este o terceiro - e último - desacato a que se associariam os Escravos do

Santíssimo de Santa Engrácia, firmando, enquanto porta-vozes dos valores da coroa, a

relação entre política régia e devoção eucarística, entre poder e religião, que outras

profanações entretanto sobrevindas não terão logrado estabelecer ou sequer despertar.

Patrocinado, ao invés dos demais festejos, diretamente pela família real, o novo tríduo

seria, contudo, zelosamente organizado pela irmandade, que anualmente elegia os

procuradores e pregadores para cada uma das três celebrações a que diretamente se

ligava: Santa Engrácia, Odivelas e Palmela481.

478 Cfr. Idem, ibidem, p. 18479 António José Correia VELLEZ, Elogio Funebre da Fidelissima Rainha, e Senhora Nossa, D. Maria I.Prégado nas reaes exequias celebradas na Igreja Cathedral d’Elvas, em 13 de Agosto de 1816. Dedicadoá Magestade Fidelissima de Nosso Rei, e Senhor, D. João VI, Lisboa, Impressão Regia, 1817, pp. 16-17.Veja-se também o Aviso de 8 de Junho de 1780 (BNP, Secção de reservados, Coleção Pombalina, fl.365v. – 368).480 Cfr. João de S. BOAVENTURA (frei), op. cit., pp. 19-20. Igualmente prontas foram as diligênciastomadas no sentido de justiçar os responsáveis, Francisco Rodrigues, Manuel da Silva, João BaptistaCardoso e José António da Luz. Aos três primeiros, a sentença, ditada a 17 de Maio de 1780, reservaria amorte de garrote e cremação do cadáver, depois do costumado corte das mãos; ao último, cúmplice dodelito, caberia morte por enforcamento e posterior corte da cabeça, que seria exposta no local do crime.(p. 19)481 AHSPL, Livro dos Acordos, Tomo II, (Lv. 56), fl. 121. A organização da Festa do Desagravo dePalmela, embora imputada à Confraria dos Escravos, não chegou, ao que pensamos, a implicar aconcessão de qualquer esmola por parte dos mesários. Nos livros das pautas, estas festas não aparecemcontabilizadas. Da mesma forma se explicita, em relação a determinado ano, que a festa de Palmela“correu pela Real Capella” (Vd. também Lv. 59, fl. 28).

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Interessante é notar que, apesar dos diferentes contextos convocados e da

evolução da própria confraria e da condição da nobreza, o tributo legitimador do Divino

Sacramento a Portugal surge como um leitmotiv sistematicamente atualizável, como

bem revela a evocação contida num dos sermões pregados pelo infausto caso de

Palmela:

Não vos esqueçais de hum povo, que conserva a terna, e agradavel lembrança

da preferencia, que Vós no Campo de Ourique, pendente da Cruz, em seu

primeiro Monarca, e em seus Successores, como se fosse o vosso Israel

Christão, lhe destes sobre todos os póvos da terra482.

Da mesma forma, e dirigindo-se à nobreza - pois que, “quem he mais illustre,

deve ser mais Christão" -, Manoel de Macedo Pereira Vasconcelos clama do púlpito:

Em huns tempos, tristes tempos! Em que do Septemtrião se levanta huma nuvem

de chamados Filosofos, que ingratos ao leite, com que forão alimentados,

conspiraõ contra os nossos mais Sagrados Mysterios, querendo descobrir pela

razão o que he superior á razão: que obrigação vos [à nobreza] não corre, não

só de rebateres, mas que envergonhares esta raça infame de viboras com o

vosso exemplo, e igualmente com as vossas acções: este he o caracter, que

distingue sempre os Portuguezes, a fidelidade ao seu Deos, a fidelidade aos seus

Principes. Animados deste exemplo, lancámos fóra os Sarracenos das terras que

possuimos, erguendo sobre as despedaçadas luas Mahometanas o Trono, que

gloriosamente occupa e pia, e magnifica D. Maria Primeira483.

Sem podermos perentoriamente concluir que o caso esteja na origem do

movimento de recuperação a que nos vimos referindo, devemos pelo menos tomá-lo

482 Frei António CORREA (O.S.A.), Oração do desaggravo do Corpo de Jesus Christo em Palmela,sacrilegamente ultrajado …, Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1780, p. 26.483 Manoel de Macedo Pereira VASCONCELOS (padre), Sermão verdadeiro do Padre Manoel deMacedo no desaggravo do Sacramento, prégado na presença de suas Magestades, e Altezas na sua RealCapella de nossa Senhora da Ajuda em o anno de 1779, offerecido ao Ex.mo e Rev.mo Senhor D. JoséMaria de Mello, bispo confessor de Sua Magestade, e Inquisidor Geral do SantoOfficio, Lisboa, Oficinade Simão Tadeu Ferreira, 1791, pp. 19-20.

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como sua parte e agente, à vista do que parece ser a especial vocação e virtualidades dos

atentados sacrílegos enquanto sintomas e sinais que diagnosticam um mal que se faz

urgente reparar. Isso mesmo conclui insinuadamente Manuel Bernardes Branco quando,

após seriar os mais célebres desacatos em Portugal cometidos, e anotando com afetada

estranheza a ausência de semelhantes irreverências entre 1745 e 1779, equaciona:

O reinado de D. João V terminou em 1750. O de D. Maria I começou em 1777.

O intervallo entre estes dois é o reinado de D. José: repare-se para estas datas,

e para as datas da lista.484

Replicando o caso de Santa Engrácia, também Palmela concitaria o empenho

mecenático da família real, pelo menos a dar como certa uma novena de desagravo que,

sem requebros, assere:

o Senhor D. João V tanto apreciava o desaggravo do SS.mo Coração de Jesus,

que edificou no Louriçal um Mosteiro de Religiosas [...] e a Senhora D. Maria I

e D. Pedro III o Mosteiro e Magnifica Basilica do SS. Coração de Jesus [...]

sendo de muita edificação o sentimento, que mostrárão pelo desacato

commetido em Palmella em 1780, mandando vestir de pesado luto a Côrte e

Reino, e fazer uma solemnissima processão em desaggravo, que

acompanháraõ.485

Recorde-se que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que terá dominado o

século de Setecentos, e a cuja honra D. Maria I consagrou o Convento e Basílica da

Estrela, fora já cultivada no reinado de D. João V.486

484 Manuel Bernardes BRANCO, Portugal na Epocha de D. João V, 2.ª edição, Lisboa, Livraria deAntónio Maria Pereira, 1886, p. 116.485 Novena em reverente desagravo ao Sagrado Coração de Jesus pelos desacatos contra seu amor nosantissimo Sacramento da Eucaristia, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1838. A novena deveria serfeita uma vez por mês para desagravo pelos “ultrages, que no Santissimo Sacramento sóffre o amavelCoração de Jesus”.486 A intenção piedosa de D. Maria I terá sido amplamente secundada pelo seu confessor, Frei Inácio deSão Caetano, arcebispo de Tessalónica, o qual significativamente ao “Augustissimo Sacramento tributavaas mais reverentes, e cordeaes adorações, e sentia vivamente qualquer irreverencia que visse nosChristãos, ainda que fosse inadvertida. (Manoel da SANTO AMBROSIO, Epitome da vida doEscellentissimo e Reverendissimo Senhor D. Fr. Ignacio de S. Caetano, Lisboa, Regia Oficina

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Quando, no encalço das diligências carreadas por D. Miguel da Anunciação, D.

Maria I e D. Pedro III recebem carta da cúria pontifícia dando nota da necessidade de

"suprir a falta que nasce do lapso de tempo decorrido" desde a abertura do processo

"athe ao prezente” e de atestar que a fama de santidade de Maria do Lado se acha "athe

ao presente augmentada”487, interpelados na sua consciência, imediatamente se

associam à causa, beneficiando com a sua munificência a intensificação do culto e

expiação eucarísticos e o recrudescimento das sedes que os animavam.

E, se o processo de beatificação haveria de distender-se em sucessivas

irresoluções, parecendo enfermar do fatídico anátema que acometera as obras de Santa

Engrácia, medrariam contudo as fundações monásticas (ou para-monásticas), que,

aparentemente estribadas na autorização ultramontana de famas de santidade, acabariam

por dispensá-la, usufruindo apenas de um contexto a ambos os propósitos favorável. E é

num quadro em que o sentimento de impiedade se agudiza, e em que o Iluminismo, as

Invasões francesas e a insinuação das ideias liberais entram na mira da reação da Coroa

e da classe devotada ao seu serviço, que florescerá a família do Desagravo. Sobre ela

nos debruçaremos de seguida.

Tipográfica, 1791, p. 137.) A respeito do culto do Coração de Jesus durante o reinado joanino, veja-seMaria do Céu de Brito Vairinho BORRÊCHO, D. Maria I: a formação de uma rainha, Lisboa, s/n, 1993,p. 147 e ss.487 Processo de beatificação da Madre Maria de Brito ou Maria do Lado, AUC, Cabido da Sé deCoimbra, documentos avulsos (III, 1.ª D, 7-2).

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2. O Recolhimento do Desagravo de Montemor-o-Novo

2.1. Os primórdios

Por alvará de 27 de julho de 1749, D. João V deferia a petição apresentada por

Catarina de Cardenes Sotomaior, Maria de Atalaia e Sousa e Liz, Bernarda Maria da

Veiga Cidade, Catarina do Nascimento e outras religiosas terceiras do hábito de São

Francisco da Vila de Montemor-o-Novo488. Intentavam elas a fundação de um

recolhimento ou conservatório junto à Ermida de Nossa Senhora da Luz, em que

pudessem viver em comunidade segundo a Regra de Santa Clara tal como observada no

Mosteiro do Salvador de Évora489. A casa seria materialmente garantida e a construção

financiada pelas beatas, que se dispunham a "aplicar o que tinhão p.ª esta obra", e por

beneméritos; como igreja, as religiosas disporiam da Ermida de Nossa Senhora da Luz,

de que a irmandade aí estabelecida cedia o usufruto e administração; o recolhimento,

esse, seria erguido junto à ermida, em "pedaço de terra do rocio" cedido pelos oficiais

da Câmara. Sujeito a clausura, o cenóbio ficaria sujeito à real jurisdição e ao governo da

Misericórdia da Vila, devendo prestar contas à Provedoria da Cidade de Évora.

Reunidas estavam as condições para a exequibilidade da pretensão: comunidade,

estatutos, sede e sustento.

Animaria a demanda a vontade de regularizar e institucionalizar uma

organização de beatas que brotara supostamente de forma espontânea e cujas

motivações primeiras, por certo complexas, nos são hoje difíceis de precisar. Atentemos

nas Notícias sobre a fundação e história do Recolhimento, redigidas por Francisco

Inácio do Coelho Barbosa, mesário da Confraria da Luz.

No ano de 1742 h a Irmaã terceira profesa de S. Francisco natural da Cidade

de Évora e naturalizada por sua assistência de muitos anos nesta villa chamada

Catherina do Nacim.to intentando por serviço de D. fundar nella hum

recolhim.to ou Convento em q. o mesmo Sñr. fosse louvado de dia e de noute e

488 O alvará de D. Maria I, de 7 de Janeiro de 1779, confirma a mercê do avô, D. João V, de 27 de julhode 1749, pela qual se funda o recolhimento e se faz cessar a administração da capela pela Misericórdia.Vd. ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 80, fl. 150. Uma transcrição do documento pode encontrar-seem BNP, Secção de Reservados, mss. 237, n.º 39.489 O Mosteiro do Salvador seguia a Segunda Regra da Ordem de Santa Clara, de clarissas urbanistas.Veja-se, a propósito, o Livro em que se trata da fundação deste Convento do Salvador da cidade deÉvora, datado de 1674 e patente na BNP - Secção de Reservados, COD. 16.

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consultando com outras Irmaas o seu intento e com alguãs pessoas doutas, que

lho aprovaraõ, passou a Corte de Lisboa490

A impetração não conheceria, no entanto, imediato deferimento. Catarina do

Nascimento faleceria a 13 de março de 1748 sem ver concretizado o seu sonho

fundador491. Sem conhecermos a génese da motivação da beata, temos contudo a anotar

que a instituição de uma casa religiosa consagrada ao louvor perene do Santíssimo

Sacramento não constituía, à época, caso insólito. Não igualmente únicos eram os

exemplos de cenóbios femininos criados a partir de experiências religiosas individuais.

Recordemos, além disso, que em 1747 se reativava o processo de beatificação de Maria

do Lado do Louriçal, o que poderá ter favorecido seja a autorização régia da fundação

montemorense seja, e simultaneamente, o incremento da memória da Venerável.

Mas outros exemplos igualmente inspiradores poderiam ter infundido ânimo à

ação desta terceira eborense, e, desde logo, experiências geograficamente próximas,

como a de Violante de Jesus Maria, que viria a fundar ou beneficiar vários institutos

regulares do Alentejo e Algarve492. Ainda à semelhança de tantos outros casos, também

Catarina do Sacramento não agiu de forma completamente isolada, tendo recebido do

Padre Francisco Negreiros Alfeirão493, desembargador da Relação Eclesiástica e pessoa

da estima particular de D. Pedro III, não só a direção espiritual quanto um empenho

firme e ativo na concretização do seu intento494.

490 Vd Arquivo Municipal de Montemor-o-Novo, Recolhimento do Santíssimo Sacramento de NossaSenhora da Luz, Notícias sobre a fundação e história do Recolhimento, fl. 20.491 Cfr. Francisco LAMEIRA; Sílvia FERREIRA, “As diversas campanhas de obras retabulares da igrejada Misericórdia de Montemor-o-Novo, in Jorge FONSECA (coord. científica); Augusto MoutinhoBORGES (coord. artística), A Misericórdia de Montemor-o-Novo. História e Património, Montemor-o-Novo, Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo/Tribuna da História, 2008, pp. 147-172. A p.170, apresenta-se o “Retrato da Madre Catarina do Nascimento, reformadora do Hospício de NossaSenhora da Luz, pintura a óleo sobre tela, anónima, de meados do século XVIII, com a legenda: M.IRMAA CATHERINA DO NACIM. MORADORA EM A VILLA DE MONTEMOR O NOVO DEEDADE DE 60 ANNOSAQL FALLECEO EM LXª EM 13 DE MARSO DE 1748 ANNOS”.492 Cfr. Joaquim José da Rocha ESPANCA, Memórias de Vila Viçosa, ou Ensaio da História desta vilatranstagana, corte da sereníssima Casa e Estado de Bragança, desde os tempos mais remotos até aopresente, segundo o que pode coligir seu autor, Vila Viçosa, Câmara Municipal de Vila Viçosa, 1983, pp.69-73.493 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário artístico de Portugal, Vol. V, Lisboa, AcademiaNacional de Belas-Artes, 1955, p. 300. Vd., também, Pinho LEAL, Portugal Antigo e Moderno, Vol. V,Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1875, p. 497.494 Alberto Mendonça TAVARES, “Notas para o estudo do clero paroquial do arcebispado de Évora noano de 1755”, Revista de Ciências Históricas, Porto, Universidade Portucalense, Vol. I, 1986, pp. 261-288. Num Mappa dos clérigos que actualmente se achão pelo districto do Arcebispado de Evora neste

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2.2. Acertos e desacertos do destino

A morte da fundadora e irregularidades verificadas na gestão das obras do

cenóbio, cujos materiais em pouco tempo se reuniram, terão provocado um impasse

profundo na história do novo instituto, a que só nos anos Sessenta se imprimiria

renovado alento. A 16 de Junho de 1760, D. Inês Maria de Sousa Tavares Barreto,

mulher de José Luís de Vila Lobos e Vasconcelos, lançava a primeira pedra do

recolhimento de que se instituía como primeira benfeitora495.

Reativado o estaleiro, os trabalhos prosseguiam em setembro de 1763, altura em

que três beatas do Recolhimento do Redondo, que certo negócio conduzira a Montemor,

decidem indagar sobre as obras então em curso no sítio da Luz496. Esta passagem

encetará um novo capítulo na vida do cenóbio montemorense. Duas das ditas beatas,

Joana Rita Custódia do Sacramento, natural de Tavira, e Inês Catarina do Carmo, de

Évora, criada, esta última, sob a direção da Irmã Catarina do Nascimento, acabam por

permanecer no recolhimento e, mais tarde, por integrar o grupo das quatro fundadoras

canónicas de um novo claustro do Desagravo, o Conventinho de Lisboa497.

Especialmente preparadas em termos espirituais, por via da sua estadia no Convento da

Esperança de Beja, darão início à clausura voluntária no recolhimento sob o signo dos

estatutos do Mosteiro do Louriçal498. A elas se ficará também a dever o implemento das

obras, parte das quais consta que heroicamente executadas por suas próprias mãos.

Só após esta visita, tida não estranhamente como providencial499, o recolhimento

conhecerá existência institucional, sendo sua primeira regente uma das duas

"fundadoras ocasionais", Joana Rita Custódia. É também este o momento em que o

Instituto do Louriçal extravasa os limites jurisdicionais da diocese de Coimbra para se

implantar numa sede marcada por um contexto religioso seguramente distinto.

Primeiro cenóbio de clarissas da vila e segundo de religiosas, o recolhimento

representou a última casa regular acolhida por Montemor500. Neste cenário de sugestiva

anno de 1775 (Vol. I, p. 285) aparece referenciado Francisco de Negreiros Alfeirão, com a idade de 84anos, não estando, porém, “aprovado para confessar”.495 Notícias sobre a fundação e história do Recolhimento, fl. 23. (Arquivo Municipal de Montemor-o-Novo, Recolhimento do Santíssimo Sacramento de Nossa Senhora da Luz).496 Ibidem.497 Ibidem (nota à margem).498 Ibidem, fls. 23-24.499 Ibidem.500 Cfr. Pinho LEAL, Portugal antigo e moderno. Diccionario Geographico, Estatistico, Chorographico,Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico de todas as cidades, villas e fregueziasde Portugal e de grande numero de aldeias, Vol. V, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira &

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aridez, quem sabe o Convento das Beatas, como passaria a ser localmente conhecido,

não terá atendido a alguma carência espiritual ou mesmo social eventualmente sentida.

Com a sua fundação, porém, não só o beatério viria a inserir-se numa dinâmica que

extravasava o âmbito regional e o cunho quase individual do projeto primitivo, como

viria a integrar a vila em mais amplos circuitos de comunicação.

A aproximação ao Desagravo, veiculada pelas beatas do Recolhimento do

Redondo, denuncia a influência do Instituto mas também a capilaridade e plasticidade

destas instâncias congreganistas ainda institucionalmente embrionárias. A divulgação da

obra do Padre Manuel Monteiro e de Frei José Caetano, centradas na exemplaridade das

virtudes praticadas no Mosteiro do Louriçal e por ele representadas, terá conhecido

papel de indubitável relevo. Na decisão sobre a Regra a observar, o bom nome do

Instituto parece, de fato, ter superado o peso da austeridade em que os estatutos

inapelavelmente se concretizavam.

Para a compreensão da estagnação do recolhimento entre finais dos anos 40 de

Setecentos e 1760 e do impasse novamente verificado entre esta última data e 1763,

talvez não seja descabido reevocar os efeitos das medidas pombalinas sobre as

fundações religiosas, o corte de relações entre Portugal e a Santa Sé e, ainda, a

ocorrência da chamada Guerra Fantástica, que, no início dos anos 60, ameaçou o país501.

Uma vez findo este breve período de suposta beligerância, ter-se-á verificado um

movimento de reabilitação dos institutos regulares, que, em certos casos, terá ficado a

cargo de missões específicas protagonizadas por religiosas sob orientação dos

respetivos diretores de consciência ou dos superiores provinciais. O percurso de soror

Violante de Jesus Maria avulta, neste contexto, como caso ilustrativo. Ingressada no

Mosteiro da Esperança de Beja em 1750, daí sairia, sem jamais ter chegado a professar,

ao fim de seis anos por ordem do seu diretor de consciência, que a incumbira de fundar,

renovar ou organizar recolhimentos ou beatérios502. O Recolhimento do Redondo seria

um deles, outro, o de Montemor-o-Novo, o qual, porém, soror Violante não chegaria a

Companhia, 1875, p. 497. Montemor-o-Novo tinha dez ermidas, uma delas a de Nossa Senhora da Luz.Como conventos, contava com um de frades franciscanos, de frades domínicos (de Santo António dePádua), de frades agostinhos descalços, de frades de S. João de Deus, de eremitas descalços de São Paulo;de freiras domínicas (de Nossa Senhora da Saudação) e com o chamado Convento das Beatas.501 Nome pelo qual ficou conhecida a participação de Portugal na Guerra dos Sete Anos (1756-1763).Desenrolou-se entre 9 de maio e 24 de novembro de 1762.502 Cfr. Joaquim José da Rocha ESPANCA, Memórias de Vila Viçosa, ou Ensaio da História desta vilatranstagana, corte da sereníssima Casa e Estado de Bragança, desde os tempos mais remotos até aopresente, segundo o que pode coligir seu autor, Vila Viçosa, Câmara Municipal de Vila Viçosa, 1983, pp.69-73.

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visitar, por lhe ter sido entretanto ordenada a renovação de um conservatório de Tavira

que sofrera com o Terramoto503.

Pelo registo das suas fatigosas andanças, sabemos que o então arcebispo de

Évora, D. Frei Miguel de Távora, não se mostrava afeto à ideia da instituição de novas

casas regulares, tendo apenas anuído à renovação do beatério de Redondo, previamente

iniciada por certa terceira carmelita. Sabemos igualmente que Violante de Jesus se

dirigiu à capital a fim de pedir licença para a fundação, tendo aí ficado hospedada por

período de um ano em casa da Marquesa de Angeja504, à qual caberia a angariação das

esmolas necessárias à almejada fundação.

O contato com a Marquesa de Angeja, possivelmente D. Francisca de Assis,

coloca Soror Violante e os seus empreendimentos na esfera social da corte e, por seu

intermédio, quem sabe na da própria Coroa. Poderíamos perguntar-nos se não teria sido

a Marquesa de Angeja e os meios da capital em que, durante um ano, aquela religiosa

passaria a mover-se, a veicular-lhe o conhecimento do Instituto do Louriçal e a

sensibilizá-la para a causa do Desagravo, cujas anuais celebrações com tanta pompa se

comemoravam na capital.

Sem nos desviarmos do registo da suposição, diríamos que, ao regressar ao

Alentejo, Soror Violante terá instituído no Redondo a modo de vida observado no

Louriçal, por sua vez transmitido a Montemor pelas beatas que, vindas do Redondo, aí

se instalaram por fim. Lembremos, ainda, que à Marquesa de Angeja se irão dever os

primórdios da ereção do Mosteiro do Desagravo de Lisboa, cuja fundação contaria com

duas religiosas do montemorense Recolhimento da Luz. E lembremos, por fim, que

Soror Maria Joana, uma das mais aclamadas veneráveis louriçalenses era – como

Catarina do Nascimento - originária de Évora.

Também o Mosteiro de Louriçal se terá ressentindo, pelo menos no que respeita

à lotação da comunidade, deste quadro de instabilidade. Os documentos registam que,

em 1760, uma única noviça ingressou na comunidade e que nenhuma nova entrada se

verificou até 1764, ano em que quatro noviças tomam hábito. Pode isto ser uma

coincidência, mas pode também atestar tanto a dificuldade nos ingressos, quanto, a

partir de 1763, a saída de religiosas para a nova fundação de Montemor, onde, em 1764,

503 Idem, ibidem.504 Idem, ibidem.

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ingressavam cinco religiosas do Louriçal505. Curiosamente, em 1770, registava-se a

entrada da Irmã Catarina Clara de Assis, que viria mais tarde a fundar o “Recolhim.to

de S.ta Engracia” (i.e., o Conventinho)506.

A renovação empreendida pelas recolhidas do Redondo iria revelar-se rica de

implicações, seja espirituais, seja, no seu encalço, arquitetónicas e artísticas. Juntamente

com o primeiro grupo de ingressadas507, e após suplantadas iniciais dificuldades

logísticas, as beatas determinaram seguir os Estatutos do Louriçal, que, até então, só de

forma porventura incipiente observariam.508

Em 1764, de fato, só o primeiro dormitório se achava acabado, sendo o espaço

insuficiente para acolher as recolhidas postulantes. A partir de então, construíam-se

comungatório, cozinha, refeitório, despensa, casa da grade, casa da veleira, coro e

“portas para todas as oficinas”509. O acolhimento canónico da observância brotaria deste

acerto feliz de necessidades materiais e espirituais. Como tal

Vendoce com toda a comodidade pª os seos Exercicios e dezejando exercitarce

com mayor fervor no serviso de Deos dezejarão todas seguir os Estatutos do

Real Convento do Santissimo Sacramento do Louriçal, e sendo dificultozo o

poderemse alcançar, foi Deos servido dar meyos p.ª isso, e trasladandose lhe

ficou a Copia, q. arisca observão, sem a menor discrepancia.510

Seria grande a fama do Instituto, de tal modo que

de varias Provincias deste Reyno principiarão a concorrer pessoas q. com

notaveis empenhos dezejavaõ acompanhalas sem que as intimidace a aspereza

505 Os livros dos votos do Louriçal revelam o seguinte: apenas houve um ingresso em 1760; depois, só em1764, se registam ingressos, sendo de 4 noviças. Em 1764, ingressavam em Montemor 5 novas religiosas.(Cfr. Memória dos votos dos cinco e dos dez meses das aprovações ou reprovações das noviças doconvento, 1711/1843, ANTT, Arquivo das Congregações, liv. 1104).506 Idem.507 A 25 de julho de 1764, ingressam no recolhimento, já observando o novo regime, Bárbara Teresa deSanta Ana, em religião Bárbara Joaquina do Sacramento, a que se seguem, no mesmo ano, as profissõesde mais quatro recolhidas. Depois das fundadoras, entram Filipa Margarida de Cristo, de Montemor-o-Novo, a 2 de janeiro de 1764; entra depois, Joaquina Maria das Chagas, de Olivença, ainda em 1764; nomesmo dia, foi admitida a Rita de Cássia da Piedade, no século Tita de Cássia de Albuquerque, natural deLisboa. Elegeu-se como prelada Joana Rita Custódia do Sacramento. (Cfr. Notícias sobre a fundação ehistória do Recolhimento, fl. 24).508 Ibidem, fl. 24 v.509 Ibidem.510 Ibidem.

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da vida, o rigor das penitencias, e obrigação continua do Coro, o pouco

descanço sobre húa cortiça, e os ordinarios exercicios q. lhe são indespensaveis

como hé a abstinencia da carne em todo o anno, o jejum cotidiano, e todas

sestas feiras a pam, e agoa andarem descalças, e húa só tunica sem nunca a

despirem.511

Não só fecunda era a afluência e ampla a sua geografia de origem, quanto díspar

a sua extração social. Das poucas indicações conclusivas sobre as origens sociais das

postulantes, algumas há, contudo, que permitem concluir que a abnegação radical não

era repudiada por pessoas materialmente abonadas, como seria o caso de Josefa de

Jesus, ingressada em 1764, que tinha em Montemor "parentes de Nobreza distinta"512.

A atração exercida pelo Instituto suplantava, de resto, a consciência do seu teor

sacrificial, o qual não fugia nem mesmo aos olhos de contemporâneos. "Parece

incrivel", dir-se-ia, "q. segundo os Estatutos, q. as Irmãas recolhidas observaõ a risca no

seu Recolhim.to em q. se prohibe não possão entrar para elle pessoas de menos de

quimze nem mais de trinta annos tempo em q. mais convida o Mundo as creaturas com

a liberdade da vida" houvesse "tantas pessoas" a abraçar "huma vida táo austera, e

riguroza pera viverem a Divina Providencia sem poderem ter rendas, ou couza

propria"513. Mas quem sabe se o rigorismo, a "estética do sangue", não exerceria mais

fascínio que repulsa sobre o universo espiritual feminino514.

A nível local, a institucionalização do cenóbio entroncava com a dinâmica

específica de entidades centenárias às quais estava administrativamente ligado: a

Misericórdia da Vila, que o governava, e a Confraria de Nossa Senhora da Luz, em cuja

sede o templo monástico se sediara. Se, em relação à Misericórdia, a falta de autonomia

iria resultar em permanentes tensões a nível administrativo, no que toca à Confraria, a

interação, aparentemente pacífica, incidiria sobretudo na organização de espaços

comuns.

Quando, a 23 de março de 1769, as recolhidas fazem petição ao provedor e mais

mesários da Misericórdia a fim de ficaram a ser governadas pela Misericórdia, nada

511 Ibidem, fls. 24 v. - 25.512 Ibidem, fl. 25.513 Ibidem, fl. 26.514 Vd., a propósito, Jose Luis SANCHEZ LORA, Mujeres, conventos y formas de la religiosidadebarroca, Madrid, Fundacion Universitaria Española, 1988, p. 244.

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mais impetravam, afinal, que a observação de uma das cláusulas presentes do alvará de

D. João V que, em 1749, instituía o Conservatório. Esta situação expressaria

simplesmente que apenas em 1769 a vida comunitária se regulamentava e se constituía

em clausura. Na verdade, e segundo o alvará de fundação, a administração dos bens da

Confraria da Luz pelas recolhidas do Conservatório ficaria condicionada ao

cumprimento efetivo da clausura e ao caráter permanente do recolhimento - isto é, à sua

estabilidade institucional515.

No entanto, só por escritura de 16 de agosto de 1777, a Confraria da Luz cederia

a administração dos seus bens a favor da regente e recolhidas do Real Conservatório do

Santíssimo Sacramento e Luz516. A situação arrastar-se-ia ainda no tempo, vinda apenas

a ser legalmente solucionada por alvará de 7 de janeiro de 1779, em que a rainha, D.

Maria I, confirmava certas graças concedidas às recolhidas por D. João V no remoto

documento emitido três décadas antes517. Não obstante, e curiosamente, a quezília

administrativa só após a morte do juiz da confraria conheceria definitiva solução. Tal

juiz era, efetivamente, o confessor das recolhidas, circunstância que, alegadamente, as

impedia de assumir a administração. Assim, em Mesa de 13 de dezembro de 1809, e

perante a pretensão, avançada pela Confraria, de eleger novo juiz, as recolhidas

intercetam veementemente o projeto, alegando a obrigatoriedade de se observar a

vontade da soberana. A partir de então, assumiriam finalmente a administração518.

515 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 80, fl. 150 (Alvará de confirmação, 7 de Janeiro de 1779).516 Instrumento de cessão e desistência de administração com data de 16 de agosto de 1777 (BNP, Secçãode reservados, mss. 218, n.º 71).517 Até 1779, as recolhidas, por alguma razão, não teriam executado convenientemente as disposiçõescontidas no alvará de D. João V de 1749, que lhes permitia a administração da Igreja da Confraria da Luz.518Livro das ementas da Confraria de Nossa Senhora da Luz, fl. 38. A reunião da Mesa da Confraria datade 13 de dezembro de 1809 (AHSCMMN, Confraria de Nossa Senhora da Luz).

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2.3. Sob as atenções da Corte

A ação conjugada de D. Maria I e de D. Pedro III iria revelar-se a vários títulos

decisiva. Por ela se recuperava e atualizava a vontade manifestada em 1749 por D. João

V. Na verdade, o alvará mariano de 7 de janeiro de 1779 não mais fez senão tornar

exequíveis as disposições joaninas, o que passou também por contornar entraves

normativos entretanto sobrevenientes. Atendendo à proibição de retenção de bens de

raiz por corpos de mão morta, o provedor da comarca de Évora sequestrara, em nome da

Coroa, os bens da Misericórdia. Certeiro, o alvará mariano ordenaria à comarca a

restituição às recolhidas dos bens da capela administrada pela Misericórdia519.

Só também no reinado mariano, a observância do Louriçal se revestiria de

estatuto canónico, passando o recolhimento, sujeito até então ao governo da Santa Casa,

ao domínio da jurisdição ordinária520. Ainda assim, os vínculos com a Misericórdia

manter-se-iam, pelo menos no que respeita ao fornecimento de assistência médica. Uma

carta da regente e recolhidas explicita bem a complexidade institucional inerente seja à

existência canónica da casa, seja ao seu governo. Nela lembra que, em 1780, D. Pedro

III incumbira o senhor cardeal Cunha, arcebispo de Évora, de

tomar posse deste Recolhim.to sugeitando-nos a ele naõ já como Terceiras de S.

Franc.º, mas sim renovando os voctos, e com promeça de Clauzura, e observar-

mos a Regra Reformada de Sta. Clara na forma q. praticaõ as Religiozas da

Villa do Louriçal, e em consequência diso passo logo a dar-nos os mesmos

Estatutos do Louriçal q. actualm.te observamos afazer, e ordenar Actas

Capitulares, a Vizitarnos por Comissaõ q. deu ao Sr. Bispo de Villa Viçoza, por

naõ poder vir de Lx.ª dahi por diante todos os seus sussessores praticaraõ o

mesmo, ora vizitando-nos, Ora dando ordens, Ora Reformando abuzos, ora

emviando-nos as ordens q. S. Mage.te lhes invia diretam.te p.ª elles as

intimarem a esta caza, as quais todas temos recebido por esta via á excessaõ

das q. foraõ remetidas a Sta. Casa, p.ª continuar afazer-nos a esmola das

Diettas [...]521

519 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 80, fl. 150.520 BNP, Secção de reservados, mss. 239, n.º 63.521 Ibidem.

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Seguramente por via da ambiência cortesã de que passara a fazer parte, o

recolhimento viria a receber o apoio de D. Pedro Fortunato de Meneses, Principal da

Santa Igreja Patriarcal de Lisboa que, em 5 de agosto de 1779, fazia doação, a título de

esmola e obra pia, de 2 moios de trigo e 1 de cevada anuais, provindos da sua herdade

da Amoreirinha, termo de Montemor-o-Novo, para sustentação e alimento da

comunidade522. Na mesma linha se registavam impostos de herdades da Casa Real e do

falecido Marquês de Angeja523.

Recordemos ainda que, em 1779, o casal régio se dispunha a reiniciar a causa da

beatificação de Maria do Lado e que viveria com profunda compunção o desacato de

1779, tomando a iniciativa de reincentivar as devidas ações expiatórias. A recuperação

deste impulso devocional não passaria despercebida às recolhidas de Montemor que, em

documento não datado, enaltecem as virtudes da fundadora, que pretendem ver, através

da beatificação, alistada no “Cathálogo das Heroinas”524.

Mas o exemplo de D. João V iria mais longe em D. Maria I e D. Pedro III. Num

inventário de bens, deparamos com a “dotação de Sua Magestade o Snr. D. João VI” de

800.000 réis anuais e a administração de uma capela de que fez mercê a rainha D. Maria

I Nele se informa, além disso, que

o sñr. D. Pedro 3 q. completou as obras deste Ideficio e emquanto vivo deu as

[às] abitantes todo o necessario assim no sustento como […] nos mesmos

generos em q. se pedião e a sim o continuou a fazer Sua Magestade a Sñr. D.

Maria I. O Sñr D. João VI querendo continuar com os mesmos secorros na

subsistencia do Dito recolhimento e suas abitantes por sua ordem Mandou

sabre [saber] o q.to seria nesesario anualm.te p.ª sustentalas das Ditas abitantes

se conservarem na Regular Observancia. Mandando emtão assentar na folha da

Menza da Serenissima Caza do Infantado a mencionada quantia de 800000 por

522 BNP, Secção de Reservados, mss. 241, n.º 48. Trata-se de uma cópia de uma carta de confirmação einsinuação, de 25 de Janeiro de 1791, em que se confirma a doação, por escritura, do foro de dois moiosde trigo e um de cevada imposto na herdade da Moreirinha cita na freguesia de Santa Sofia, termo dacidade de Montemor-o-Novo. Foi doador o Principal D. Pedro Fortunato de Meneses. A escritura constadas notas do Tabelião António da Silva Freire, de 5 de Agosto de 1779, vindo a ser posteriormenteretificada em 14 de Dezembro de 1789, nas notas de Lucas Evangelista de Sousa Pereira Valente. Odocumento autêntico encontra-se nas Chancelarias Régias, Livro dos Ofícios e Mercês, fl. 74, Lisboa, 26janeiro 1791.523 Relação do Emventario q. se fes neste recolhimento..., BNP, Secção de Reservados, mss. 241, n.º 23.524 BNP, Secção de Reservados, mss. 241, n.º 70.

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anno sendo estes pagos, todos os tres mezes 20000 e nesta forma se recebe ate o

fim de Dezembro de 1831. 525

Mesmo indiretamente, o papel do rei consorte emerge: a lápide sepulcral de

Francisco de Negreiros Alfeirão, “fundador benéfico” do recolhimento, revela que este

foi, por suas virtudes, merecedor de “particulares estimações do piíssimo e fidelíssimo

rei D. Pedro III, que em memória do varão benemérito mandou pôr esta lápide”526.

A figura de Francisco de Negreiros não é ocasional e alguns dados da sua

biografia permitem situar melhor o recolhimento no contexto dos poderes em que se

movia. No seio “da atmosfera de ódio a Pombal” se integram certas ações de Negreiros

Alfeirão, nomeadamente uma conspiração contra o Marquês ou contra o próprio D. José

I. Opina António Ferrão que tal conspiração teria

ramificações várias pelo país desde o padre Malagrida até ao padre Iluminato,

padre Francisco de Negreiros Alfeirão – de Montemór-o-Novo, Francisco

Xavier Teixeira, o Harés, o abade de Pinheiro, Gonçalo Cristóvão “hum

Humburgues.527

É difícil, em face de tais argumentos, não entrever nas ações de Negreiros

Alfeirão o mesmo espírito conservador que informou o reinado da Piedosa. No plano

dos benefícios materiais dispensados ao Recolhimento, recairia, pelo menos

nominalmente, sobre D. Pedro III a maior parte das despesas feitas. Por disposição

testamentária528, o rei deixava dezassete mil cruzados para o fundo do pretenso mosteiro

e, para o mesmo, 6.800$000 réis a título de legado pio. Para obras, ornamentos da igreja

525 Relação do Emventario q. se fes neste recolhimento..., BNP, Secção de Reservados, mss. 241, n.º 23.526 Gustavo de Matos SEQUEIRA op. cit., p. 300. Por uma questão gráfica, optámos por transcrever ainscrição em cursivo e, por coerência, atualizámos também a grafia. Francisco de Negreiros Alfeirão foisepultado na nave da ermida Faleceria a 11 de fevereiro de 1778527 Cfr. António FERRÃO, O marquês de Pombal e os “meninos de Palhavã”, Coimbra, Imprensa daUniversidade, 1923.pp. 69-70. Os meninos de Palhavã, infantes D. José e D. António, seriam, segundo oautor, “os principais, senão únicos, chefes de tal conluio.”528 Testamento, inventário e partilhas dos seus bens aprovados por Decreto de 24 de Novembro de 1791;Autos do Inventario e Partilha dos Bens da Herança do Augustissimo S.or Rey D. Pedro o Terceiro.Dispozições Testamentarias com que faleceo o Aug.mo Sr. Rey D. Pedro o Terceiro no dia 25 de Mayode 1786, as quais foraõ aprovadas por Decreto da Raynha N. Snr.ª., ANTT, Gaveta 16, mç. 3, n.º 1.

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e vestuário, entre outros, legava um montante de 5073$885 réis, pago pelo Cofre da

Real Casa, pelo Cofre das Igrejas Vagas e pela Junta da Real Casa do Infantado529.

Com o tempo, porém, a sustentação da casa viria a reclamar o apoio régio, a que

a monarca anuiria através de provisão de 16 de julho de 1799, pela qual concedia

licença para que as religiosas pedissem esmola pelo reino, por mais um ano, a fim de

proverem a despesas de ornato e culto divino. Mas também as necessidades espirituais

das recolhidas encontraram na ação conjugada de D. Pedro III e D. Maria I uma sólida

garantia. Com a passagem à obediência ordinária, o arcebispo ficaria incumbido de

prover o lugar de confessor das recolhidas, além de que a comunicação institucional

passaria a ser feita entre Casa Real, arquidiocese e Recolhimento530.

529 Conta do que se tem Despendido Com as Obras do Recolhimt.º de MonteMor, desde 2 de Outubro de1783, athé o prezt.e,, documento de 11 de Agosto de 1791, assinado em Lisboa por José Coelho Barros.(ANTT, Gaveta 16, mç. 3, n.º 1).530 Fundação, e Regalias da Serenissima Casa, e Estado do Infantado dos Reinos de Portugal, eAlgarves, fl. inum. (ANTT, Ministério do Reino, Casa do infantado, Expediente da Casa do infantado,mç. 392).

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2.4. Da decadência à extinção

Não sabemos se, no ânimo das primeiras recolhidas, se contava a pretensão de

fundar um mosteiro de clausura, mas a clausura voluntária, adotada quando da chegada

das renovadoras do Recolhimento do Redondo, e mesmo a configuração arquitetónica

da casa religiosa resultante das obras supostamente iniciadas em 1760, levam a pensar

que o reconhecimento institucional proporcionado pela passagem de uma condição

putativa a uma condição efetiva de regular observância tenham persistentemente

animado as intenções das beatas do Desagravo e Luz.

Longo seria, porém, o processo, a justificar que, na já tardia data de 9 de maio de

1802, as regentes supliquem a D. João VI a conversão do conservatório em mosteiro,

pedindo para tal o aumento das rendas, a fim de perfazer o fundo tido como suficiente, e

a anulação da cláusula, contida em diploma de D. Maria I, que impedia tal conversão.

Num estranho longo prazo de irresolução se manteria questão igualmente

candente: a da administração dos bens. Até dezembro de 1809, o recolhimento não

detinha ainda a administração dos bens e rendimentos da Confraria da Luz, que

constava como condição no alvará joanino de 1747.

Por outro lado, arrastava-se também a fragilidade dos meios materiais ao dispor

da casa. Em atenção ao estado de indigência que se faria sentir, uma provisão e 27 de

setembro de 1811 permitia às recolhidas a detenção da renda anual dos 46 alqueires de

trigo deixados em testamento por certa Dona Maria Joaquina Antónia Semeda Telles531.

E o mesmo estado de depauperamento aparece invocado em provisão de 7 de novembro

de 1817, pela qual D. João IV permite às recolhidas, a fim de proveram a despesas com

ornato e culto divino, pedir esmola através de um donato por qualquer parte do reino532,

permissão que viria a ser reafirmada em alvará de 2 de dezembro de 1819533.

Até à extinção de fato, o ritmo e a premência das necessidades não abrandará. E

se outros elementos não houvesse, bastaria, a comprová-lo, ter em mente as disposições

que sobre o beatério incidiriam: a 7 de setembro de 1825, D. João VI ordenava que a

Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo socorresse as recolhidas na

doença; um alvará de D. Maria II, datado de 14 de fevereiro de 1849, concedia às

suplicantes a possibilidade de reterem os censos e pensões legados pelos testadores

531 BNP, Secção de Reservados, mss. 238, n.º 12. A certidão seria passada a 24 de Janeiro de 1812, tendopor base um documento do régio (ANTT, Registo Geral de Mercês, Lv. 10, fls. 229).532 BNP, Secção de Reservados, mss. 240, n.º 58.533 BNP, Secção de Reservados, mss. 242, n.º 22.

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Dona Maria Isabel da Paz e Fernando José Galego, pelo fato de as religiosas não

deterem os meios necessários de sustento534. Não só do domínio temporal, quanto

também espiritual, eram as necessidades da comunidade, que, a 16 de junho de 1831, a

roga o benefício da aliviação (confissão), de que havia muito estaria privada535.

A desventura seria, porém, compensada por algum alento, advindo,

nomeadamente, de legados, cuja receção os monarcas permitiram através da alteração

pontual do âmbito de aplicação de leis gerais. Um prenúncio de bonança parecia

adivinhar-se em 1840, ano em que as já quatro comunidades do Desagravo – Louriçal,

Montemor, Lisboa e Vila Pouca da Beira – dividem entre si 3000 cruzados, e, mais

tarde, quando voltam a repartir soma de idêntico valor536. Tardia, esta benéfica

circunstância já pouco afetaria o cenóbio, que, a 23 de novembro de 1858, regista a sua

derradeira tomada de hábito, a de soror Maria Teresa537. Nessa altura, a vida cenobítica

conhecia sério definhamento, sendo a casa ocupada por apenas sete religiosas538.

A decretada supressão ganhava fôlego: a 25 de outubro de 1866, era assinado o

auto de avaliação do edifício com todas as suas pertenças e, a 27 de Março de 1878, um

ofício da regente ao administrador do concelho anunciava o abandono do edifício, a

verificar a 1 de abril de 1878. Doravante, a história da Recolhimento do Desagravo e

Luz converter-se-ia na história de uma instituição passada, da mesma forma que a sua

estrutura física cederia perante finalidades e propósitos em tudo diferentes dos que a

haviam primariamente animado. O espaço claustral via-se agora disputado pela

Misericórdia da vila, que nele pretendia instalar um hospital e, simultaneamente, pela

534 Alvará de D. Maria dado a 14 de fevereiro de 1849, que, por sua vez, remete para decreto de 21 dejunho de 1848 (BNP, Secção de Reservados, mss. 205, n.º 46).535 Apetição da regente, de 16 de junho de 1831, seria positivamente atendida (BNP, Secção deReservados, mss. 238, n.º 59).536 Em 1840, dividiu-se pelas 4 comunidades do Desagravo 3000 cruzados, que, no entanto, não deveriamser gastos. Anos mais tarde, em 1863, repartiram-se os restantes 3000 cruzados (BPE, Convento doSantíssimo Sacramento. Montemor-o-Novo, Pasta VI, documentos avulsos).537 Registava-se a 23 de novembro de 1858, a última tomada de hábito, da Irmã Maria Teresa. Não serefere se chegou a professar, o que ainda acontecera com a Irmã Antónia Cândida, que ingressaria a 21 deNovembro de 1855 e no mesmo ano professaria (AMMN, Notícias sobre a fundação e história doRecolhimento, fls. 35 v.).538 Um relatório do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e Justiça, de dezembro de1858, regista a permanência de 7 religiosas, com 42, 48, 49, 50, 62 e 69 anos de idade. As despesas doconvento cifravam-se em 3.154$450 e os valores, com a inclusão de imóveis, ascenderiam aos40.306$200. (António Alberto BANHA DE ANDRADE, Subsídios para a História da Arte no Alentejo.Reconstrução da Matriz e construção das igrejas do Hospital Velho e da Misericórdia de Montemor-o-Novo, com o Roteiro da arte gótico e manuelina do Concelho, Caderno n.º 10, Lisboa, Edição do Grupodos Amigos de Montemor-o-Novo e da Academia Portuguesa de História, p. 18).

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Câmara. Com a extinção, o mundo secular impunha-se, inexorável, sobre as ruínas do

Convento das Beatas539.

A relação nem sempre harmoniosa com a Misericórdia terminaria com o

reconhecimento de mérito das pretensões desta última, que, por Lei de 6 de maio de

1879, assiste à cedência do edifício do Recolhimento para instalação de um hospital540.

À época, a casa parecia perfazer os requisitos de quem a reclama: “Está em estado de

ruínas, nada rende, consta ser foreira á Confraria do Santissimo da Matriz d’esta vila em

1:000 reis, que á annos não recebe por não haver rendimento”541. A 6 de agosto de

1882, inaugurava-se solenemente o novo Hospital de Santo André.

Os bens, avaliados primeiro542, seriam dispostos pouco depois. A 26 de

dezembro de 1878, assina-se o Auto de entrega das alfaias, vasos sagrados, paramentos

e mais objetos pertencentes ao culto, ficando os objetos de natureza cultual à guarda do

P.e João Joaquim de Sousa Romeiras543. Os objetos de uso comum seriam

arrematados544. Outros terá havido, vendidos com vista a angariar fundos para a

conversão do cenóbio em unidade hospitalar545.

539 A 1 de abril de 1878, verificava-se a extinção do recolhimento pelo abandono do mesmo por parte dastrês recolhidas que o habitavam. (Vd., BPE, Convento do Santíssimo Sacramento e Luz, Lv. 2).540 No Diário do Governo, n.º 180, de 13 de Agosto de 1881, é publicada a decisão da instalação dohospital no antigo recolhimento. Em ata de 14 de outubro de 1880, a casa é considerada pertença daMisericórdia, que imediatamente procede ao arrendamento da cerca. Veja-se, a propósito da reconversão,António Alberto BANHA DE ANDRADE, op cit., pp. 17-21.541 A decência do edifício à Misericórdia de Montemor-o-Novo é determinada por por Lei de 6 de Maiode 1879. Sobre as transformações efetuadas na consequência da reconversão do espaço, vejam-setambém, para as datas em questão, os Livros de Atas da Misericórdia de Montemor-o-Novo, conservadasno Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia daquela vila. Sobre a mesma matéria, tenha-se aindaem conta o Livro da conta geral de todas as receitas e despesas da obra do novo hospital no extinctoRecolhimento das Beatas d'esta Villa, de 1881, constante do mesmo arquivo.542 O auto de avaliação tem a data de 28 de maio de 1878. (Vd. BPE, Convento do Santíssimo Sacramentoe Luz, Lv. 2).543 Auto de entrega das alfaias, vasos sagrados, paramentos e mais objetos pertencentes ao culto (Vd.,BPE, Convento do Santíssimo Sacramento e Luz, Lv. 2).544 A 27 de abril de 1879, proceder-se-ia à arrematação dos objetos de uso comum do recolhimento. (Vd.,BPE, Convento do Santíssimo Sacramento e Luz, Lv. 2).545 Cfr. BANHA DE ANDRADE, op. cit., pp. 17-21.

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2.5. A obra

A obra de arquitetura, supostamente terminada em finais de Setecentos, será o

resultado da sobreposição de sucessivas campanhas onde se inscrevem múltiplas

vontades, propósitos e gostos, mas o resultado também da articulação de distintos

modos de conceber e utilizar um espaço - protagonizados pelas recolhidas do

Desagravo, nos seus diversos níveis institucionais, e pelos confrades de Nossa Senhora

da Luz - que as circunstâncias tornaram comum. À ambiência ou mesmo a contextos

artísticos diferentes, somam-se, pois, na definição espacial, funcionalidades distintas.

Ao implantar a sua igreja no templo-sede da Confraria, e não tendo isso

implicado a desafetação do mesmo, o Recolhimento da Luz encetou um diálogo não

apenas com o seu percurso histórico, quanto também com o da Confraria.

Tendo presente que o substrato material da edificação das beatas montemorenses

remonta a meados de Quinhentos, época em que, a cargo da Confraria, se levantou o

templo e seus anexos, encontramo-nos perante um tempo longo a nível de cultura

artística, que se estende entre meados da centúria de Quinhentos e finais da de

Setecentos.

À data da construção da primitiva ermida confraternal, Montemor-o-Novo

partilhava do contexto artístico de Évora, então importante centro artístico, ou, nas

palavras de Vítor Serrão, "centro aristocrático por excelência, enobrecido pelas estadias

da corte, com fortalecida produção humanística e literária, e toda uma série de

empreitadas realengas ordenadas com destino aos seus edifícios religiosos e civis"546. A

ambiência erudita, o desafogo económico, o mecenato, terão favorecido a presença de

grandes artistas, quer chamados de Lisboa, quer, mais tarde, naturais da região547, e o

influxo, mais ou menos pronunciado, das correntes e estilos artísticos em voga. Diz-nos

Vítor Serrão que, entre o reinado de Filipe III e Afonso VI, terão ascendido a cento e

cinquenta os artistas e artífices que exerceram a sua atividade em Évora548. Até ao

século XVII, pontificavam o Maneirismo e o tardo-maneirismo e, com a

Contrarreforma, o Maneirismo reformado - aquele que, infundido pela renovação

546 Vítor SERRÃO, A pintura proto-barroca em Portugal, 1612-1657, 2 vols, Dissertação deDoutoramento, 1992, Vol. 1, p. 491, apud Maria Isabel do Rosário VICENTE, “Pintura Mural da AntigaSala Capitular da Irmandade de Nossa Senhora da Luz de Montemor-o-Novo. Um breve estudoiconográfico e artístico”, Almansor. Revista de Cultura, n.º 14, Câmara Municipal de Montemor-o-Novo,2000, p. 107.547 SERRÃO, op. cit., p. 491, apud Maria do Rosário VICENTE, op. cit., p. 107.548 Idem, ibidem.

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estética derivada da doutrinação e catequização tridentinas, viria a redundar no

protobarroco549.

Evidentemente muito distinto é o panorama artístico em que a construção regular

se ergueu, o que remete para o complexo panorama plástico dos tempos do Marquês de

Pombal e da corte mariana, em que difícil se torna falar numa unidade estilística, tanto

mais a nível regional. Se, no plano europeu, domina o Rococó, que em Portugal viria a

manifestar-se de forma pouco consistente e assimilada a um plano meramente

ornamental550, assiste-se na capital ao perfilar de duas tendências antagónicas,

representadas, uma, pelo Palácio e Quinta de Queluz e expressão da vida e do gosto da

corte, e plasmada a outra na arquitetura da Lisboa do pós-terramoto, de cariz burguês e

utilitário, expressão assumida do pensamento iluminista que o marquês de Pombal terá

transporto e atualizado para a reconstrução setecentista da cidade551.

As principais obras marcadas pela iniciativa régia, em que devemos incluir a

última campanha de obras do Recolhimento de Montemor, surgem à margem da política

artística pombalina552, sendo em parte beneficiárias da herança construtiva dos tempos

de D. João V, que o período mariano procurou reabilitar. O Convento e Basílica do

Sagrado Coração de Jesus, obra emblemática do reinado da Piedosa, instalar-se-ia não

casualmente no Casal da Estrela, local já anteriormente visado para a construção do

majestoso Palácio-Convento de Mafra, de que a obra mariana colhe a grandiosidade, a

localização cimeira, importantes aspetos da forma e inclusivamente os artistas553.

Mas Montemor interseta, num plano mais reduzido de análise, o mecenato

artístico de D. Pedro III, pródigo na beneficiação de templos, conventos e palácios. Ao

tempo das obras do cenóbio alentejano, da Casa do Infantado saíam verbas para

trabalhos que então se realizavam no Palácio da Bemposta, no Palácio de Queluz, na

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, em Bucelas ou na Quinta de Caxias554.

549 Cfr. Vítor SERRÃO, op. cit., p. 161.550 Cfr. José Fernandes PEREIRA, “Rococó”, in José Fernandes PEREIRA (dir.), Dicionário da ArteBarroca em Portugal, pp. 416-421.551 Sobre o tema, vd. a obra de José-Augusto FRANÇA, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa,Bertrand Editora, 1977 e, do mesmo autor, A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, 3ªedição, Lisboa, Biblioteca Breve, 1989.552 Idem, ibidem, pp. 110-111.553 Cfr. António Filipe PIMENTEL, Arquitectura e poder. O Real Edifício de Mafra, Lisboa, LivrosHorizonte, 2002, p. 123.554 Relação dos Pagamentos feitos pela Thezouraria Geral da Serenissima Caza do Infantado, depois dedia 25 de Mayo de 1786, em que faleceo o Augustissimo Snr. Rey D. Pedro 3.º, por Folhas, Decretos, eMandatos da Junta da Serenissma Caza, pertencentes a Ordenados, Juros,Tensas, e Outras Dividas, quese estavão devendo athé ao dito dia. (ANTT, Gaveta 16, mç. 3, n.º 1). Conclui-se que Montemor-o-Novonão estaria incluído à data em tal orçamento.

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No seio deste quadro genérico, vejamos como se enquadra a obra da Luz.

Encomendado no último quartel do século XVI pela Confraria de Nossa Senhora da

Luz, instituída em 1578, o edifício só em 1597 passaria a servir-lhe como sede555. Os

primeiros contratos surgiriam a 10 de julho de 1585. A António Fernandes, canteiro,

seria adjudicada por 6500 réis a obra do portal principal da igreja, a executar em pedra

branca e brunida de Estremoz, enquanto a António Luís, pedreiro, e ao também pedreiro

João Gomes, se cometeria a construção do resto da igreja556. Por 40 mil réis, se

encomendaria a Ascenso Fernandes, entalhador de Évora, a feitura do retábulo do

altar557, e, por 70 mil réis, se ajustaria com Fernando Gomes, pintor régio, a pintura e

douramento do retábulo558. Templo e anexos dar-se-iam em breve por terminados, a

ponto de se inaugurarem a 29 de julho de 1597.

Só em 1643 se registam novidades referentes à obra, dando conta de um trabalho

de consolidação confiado a Francisco Fernandes Salgado559. Em 1685, 20 de janeiro,

Francisco Ferreira, pedreiro, compromete-se a construir o átrio da igreja, obra que

eventualmente refletiria o ensejo da confraria encomendante em projetar o relevo social

de que auferia560. Várias décadas mais tarde, em 1718, e traduzindo uma clara alteração

de gosto, é mandado fazer a Manuel de Araújo um novo retábulo, “de relevado” e sua

tribuna, obra que só terminaria em abril de 1739, contando com o contributo

complementar de José Gomes, dourador de Montemor-o-Novo, a quem se confiou o

douramento do retábulo e tribuna561. De fato, os irmãos foram de opinião de que o

“Altar da Snrã estava muito antíguo, e como tal menos vistoso e desejando pollo ao

moderno fazendo a Snrã em Lugar mais decente em q. estivera colocada”. Esta

alteração não resulta apenas de uma vontade renovadora isolada, mas também da

555 Cfr. Notícias sobre a fundação e história do Recolhimento, AMMN, Recolhimento do SantíssimoSacramento de Nossa Senhora da Luz, fls. 8 - 8v.556 Estes dois últimos eram de Montemor-o-Novo, mas António Fernandes vinha de fora. (Cfr. Notíciassobre a fundação e história do Recolhimento, fls. 15 e 16.)557 Cfr. Notícias sobre a fundação..., fl. 17.558 O último pagamento teria data de 29 de julho de 1597 (cfr. Notícias sobre a fundação..., fl. 17 v.).559 Ibidem, fl. 18.560 Ibidem.561 Até 1736 data, o retábulo encomendado a Manuel de Araújo não se encontraria ainda concluído,mandando-se, portanto, dourar e terminar o retábulo e tribuna. Em abril de 1739, a obra do retábulo eradada como acabada, contando com o contributo de José Gomes, dourador. (Notícias sobre a fundação...,fl. 19 v.).

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possibilidade concreta de a realizar. E sabemos, a propósito, que um certo João Ferreira

Cidade terá oferecido cem mil réis à Confraria a fim de beneficiar a dita obra562.

Novamente sobre altares e sob um propósito estético iria incidir a empreitada

sucessiva: em junho de 1746, determinava-se que os altares colaterais fossem postos “a

face” de modo a ficarem “sem os vaons abertos mas tapados”. E, na mesma data, fala-se

em finalizar o douramento do retábulo da capela-mor563.

Contígua à ermida pela parte norte e leste, erguer-se-ia o convento das beatas. A

marcação do terreno devolve-nos a imagem de um quadrilátero irregular de 40 varas por

64 e 29 por 32. Estabelecidos os limites, encetavam-se as encomendas. A Domingos da

Costa, canteiro, se dava a executar, em pedra branca de S. Tiago, os quatro portados,

lavrados e brunidos, da “casa da portaria”: porta principal, porta regular e, mais

pequenas, a porta da grade e a da casa da irmã veleira. A seu cargo ficaria ainda a

colocação das “pedras da roda”564 o lavramento e assentamento da cantaria de "pedra

parda" para cunhais, janelas, frestas, portados, degraus, lancil e enchelaria565.

Em menos de seis meses, noventa e seis moios de cal, os portados principais já

executados, mil e onze carretadas de pedra de alvenaria e “muita quantidade” de pedra

de cantaria parda estavam reunidos566. Embora prestes a iniciar, as obras ficariam

adiadas por conta de inusitadas ocorrências: vários materiais terão sido furtados e vários

outros, emprestados, não terão sido pagos ou tê-lo-ão sido muito tardiamente567. A

primeira pedra, só em 16 de junho de 1760 se lançava. A direção dos trabalhos e autoria

do risco caberiam a António Rodrigues, que contava com um certo José Rodrigues,

mestre alvanéu de alcunha “O Castelhano”, como colaborador568.

A obra terá começado pelo primeiro dormitório da parte ocidental, próximo da

portaria. À data de 25 de setembro de 1763, que assinala a chegada das três beatas do

Recolhimento do Redondo, os trabalhos prosseguiam, tendo ficado a cargo daquelas

parte do revestimento do chão do coro e do dormitório569. Até 1764, de fato, só o

562 A obra deveria estar finalizada até ao dia de Nossa Senhora da Luz de 1738, embora só o tenha ficadomais tarde, sendo para tal fixado outro prazo, o dia da Padroeira de 1740. (Cfr. Notícias sobre afundação..., fls. 9v. -10).563 Livro das ementas da Confraria de Nossa Senhora da Luz, fl. 11. O reunião da Mesa da Confraria datade 4 de junho de 1746. (AHMMN, Confraria de Nossa Senhora da Luz).564 Cfr. Notícias sobre a fundação..., fl. 22.565 Ibidem.566 Ibidem, fls. 22v - 23.567 Cfr. Notícias sobre a fundação..., fl. 23.568 Ibidem.569 Ibidem, fl. 23.

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primeiro dormitório, então composto de nove celas, se encontrava terminado, sendo o

espaço insuficiente para acolher as recolhidas postulantes570.

Porventura não tanto em obediência a uma planificação definida, mas a

necessidades sentidas na utilização concreta no espaço, as obras tenham avançado.

Assim se compreende que, perante "os grandes imcomodos que as Irmaãs recolhidas

padeciao em terem de hir comungar a Igreja em Comunidade, e a falta de Ofecinas

necessarias para a sua vivenda, se determinou continuar com ellas"571. Será, pois, desta

necessidade sentida internamente que se executarão o comungatório, cozinha, refeitório,

despensa, casa da grade, casa da veleira, portas para todos as oficinas e o ladrilho do

coro e todas as demais dependências. Às intervenções dos anos Sessenta se deverá, ao

que julgamos, a parte mais substancial da definição arquitetónica do cenóbio, no que

tange, pelo menos, à sua funcionalidade.

O processo de obras parece não ter contendido substancialmente com a dinâmica

da Confraria da Luz, cujas Atas não refletem preocupações de monta a tal respeito.

Apenas a 1 de março de 1767, uma reunião dos mesários noticia que Bernarda Maria da

Veiga Cidade doa à Confraria da Luz duas casas térreas situadas na frontaria do Rossio

para guarda dos materiais da obra do “recolhimento novo”572.

Entre 1783 e 1791, verifica-se nova campanha de obras, desta vez resultante da

vontade e patrocínio direto de D. Pedro III. Pretendia-se, assim o cremos, adaptar o

local ao seu novo estatuto canónico e simbólico que advinda do cumprimento, agora

institucional, dos Estatutos do Louriçal e da associação à família real e a figuras gradas

da nobreza e clero, de que se contam Negreiros Alfeirão, Vilalobos e Vasconcelos, D.

Pedro Fortunato de Meneses e os marqueses de Angeja-Vila Verde. Substanciais terão

sido os benefícios aportados pela munificência régia, traduzidos seja em obras e

ornamentos, seja na dotação da comunidade.

A 11 de Agosto de 1791, a Conta do que se tem Despendido Com as Obras do

Recolhimt.º de MonteMor, desde 2 de Outubro de 1783, athé o prezt.e573 indica que o

rei fez extrair do Cofre das Igrejas Vagas, dos rendimentos da Casa do Infantado e do

Cofre do Grão Priorado do Crato um total estimado de 5073$885 réis. A 27 de

novembro de 1783, o Cofre das Igrejas Vagas decreta a aplicação de certa soma para

570 Ibidem, fl. 25 v.571 Ibidem, fls. 24-24 v.572 Ibidem, fl. 28.573 Documento inserto em Relações feitas nos Contos da Seren.mo Casa do Infantado… (ANTT, Gaveta16, mç. 3, n.º 1).

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obras, o mesmo se verificando em 17 de março de 1784. A 24 de março de 1786 se faz

sair do Cofre do Grão Priorado do Crato determinado montante a aplicar ao mesmo fim.

Já a 8 de julho de 1784, novo decreto do Cofre das Igrejas Vagas consigna dinheiro para

ornamentos. Nesta passagem de verbas, terão funcionado como intermediários Frei José

Maine, Geral da Ordem Terceira da Penitência e confessor do rei D. Pedro III e Frei

António Baptista574.

Quando, à morte do rei, em 1786, se procede a indagações sobre o

recolhimento575, cremos, apesar de o resultado das mesmas nos ser estranho, que grande

parte da obra estivesse já executada. Com efeito, pela Relação dos Pagamentos feitos

pela Thezouraria Geral da Serenissima Caza do Infantado, relativos a data posterior a

25 de maio de 1786, conclui-se que Montemor-o-Novo não estaria já contemplado no

orçamento576.

Seria, no entanto, curta a vida do edifício cenobítico. A pretensão de converter o

seu espaço em unidade hospitalar, acarretou, evidentemente, substanciais alterações. Em

1881, a necessidade de financiar os trabalhos levou à praça vários objetos tanto do

recolhimento quanto do hospital. No lote de objetos vendidos, contam-se portas e

janelas, galerias, objetos de cantaria e madeira, lajes de granito, várias carretadas de

pedra, vergas de mármore para janelas, pedras, rótulas, uma barra de madeira, varões de

ferro, pedras e cachorros de cantaria.

Em contrapartida, as compras registam, entre outros, ladrilhos, mosaicos, grades

de ferro, ferragens de vários feitios, tijolos, camas de ferro, enxergões e travesseiros,

tábuas de casquinha em gesso, um fogão, um relógio de parede, várias barricas de gesso

e ventiladores de registo577. A reconversão era efetiva: entre 5 de novembro de 1881 e 2

574 É possível tratar-se do terceiro franciscano Frei António Baptista Abrantes, capelão da armada econfessor de D. Carlota Joaquina. Terá embarcado para o Brasil em 1807, com a família real, vindo afalecer no Rio de Janeiro em 1813.575 A fim de dar execução às disposições testamentárias de D. Pedro III e de lhes dar a melhor aplicação, éemanado, a 2 de outubro de 1786, um aviso dirigido ao juiz de fora de Montemor-o-Novo, ordenandoindagações pedidas pelo Infante D. João, futuro D. João VI, sobre o recolhimento. (ANTT, Casa doInfantado, Lv. 845, fls. 49-49 v.)576 Cfr. Relação dos Pagamentos feitos pela Thezouraria Geral da Serenissima Caza do Infantado, depoisde dia 25 de Mayo de 1786, em que faleceo o Augustissimo Snr. Rey D. Pedro 3.º, por Folhas, Decretos,e Mandatos da Junta da Serenissma Caza, pertencentes a Ordenados, Juros,Tensas, e Outras Dividas,que se estavão devendo athé ao dito dia (ANTT, Gaveta 16, mç. 3, n.º 1). O elenco dos pagamentosrefere-se a obras e serviços na Bemposta, Queluz, Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, emBucelas, Caxias e outros, mas não ao Conservatório da Luz.577 António Alberto BANHA DE ANDRADE, Subsídios para a História da Arte no Alentejo.Reconstrução da Matriz e construção das igrejas do Hospital Velho e da Misericórdia de Montemor-o-Novo, com o Roteiro da arte gótico e manuelina do Concelho, Lisboa, Edição do Grupo dos Amigos deMontemor-o-Novo e da Academia Portuguesa de História (Caderno n.º 10), 1980, p. 20.

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de agosto de 1882, eram colocadas portas e janelas novas, cantaria, soalho, ladrilho e

telhado novo e construídas duas enfermarias578.

No pálido vestígio do antigo recolhimento que atualmente apreciamos, reforça-

se a evidência do valor das fontes na restituição teórica e abstrata de um passado.

Precedendo em várias décadas o nosso olhar579, a Descrição do edificio do antigo

recolhimento de Nossa Senhora da Luz prefacia, reportando-se a 14 de agosto de 1940,

a índole das transformações cujo resultado nos é hoje dado observar. O documento

refere uma "Propriedade urbana situada na rua das Beatas da vila de Montemor-o-

Novo", constando de "altos e baixos e uma cerca". Sobre o espaço interno, informa:

No rez-do-chão tem 20 divisões e uma dependencia, pateo com cisterna e

uma cerca ou quintal murado; achando-se neste pavimento o vestibulo,

secretaria, casa do guarda-portão, cosinha, despensa, Banco, casas de banhos,

prisões, arrecadações, quartos particulares, dormitorio e refeitorio dos

LAZAROS, Farmacia e Laboratorios e duas capelas.

No 1.º antar tem 10 divisões que compreendem as enfermarias de cirurgia e

medicina, 1 quarto para Irmãos da Misericordia, sala de operações, dita de

observação, sala de aparelhos de Raios X, enfermaria da MATERNIDADE e

gabinete anexo.

No 2.º andar tem 5 divisões para alojamento das Irmãs Religiosas,

dormitorio das Empregadas e casa da Rouparia.

Tem agua e instalação electrica.

Tomando como pano de fundo a imagem impressiva que o documento reflete,

tentemos auscultar e, sempre que possível, analisar, a obra que o enigmático mestre

António Rodrigues580 pretendeu elevar, bem assim aquela que, querida pela Irmandade

da Luz, foi mais tarde assumida pelas religiosas do Desagravo.

578 AHMMN., Livro das Actas de 1872-1880, fls. 3 e 27 v.579 Descrição do edificio do antigo recolhimento de Nossa Senhora da Luz (Convento das Beatas), noqual está instalado desde o ano de 1882 o "HOSPITAL CIVIL DE SANTO ANDRÉ" da mesmaMisericordia, documento assinado da Direção-Geral da Fazenda Pública datado de 14 de agosto de 1949(Arquivo Histórico da Misericórdia de Montemor-o-Novo, Correspondência da Misericórdia, armárioXIII).580 Não poderá tratar-se de António Rodrigues, arquiteto ligado à Casa Real durante o reinado de D.Sebastião e parte da dinastia filipina. Poderíamos, no entanto, associá-lo ao risco da igreja encomendada

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2.6. O edifício (Figs. III.1.1.-4)

Ao olharmos hoje para o Recolhimento da Luz, deparamo-nos com um edifício

desarticulado e compositamente descaraterizado pelas alterações que sucessivamente

sofreu. Dando a sul e poente para o Largo das Portas do Sol e a norte e nascente para o

rossio da vila, o edifício apresenta, como tantos outros do seu género, fachadas

desornamentadas de que apenas se destacam as molduras, pouco trabalhadas, dos vãos,

os cunhais de pedra a contrastar com a restante superfície murada e o jogo dos volumes

arquitetónicos que perfazem o todo da mole edificada.

Da parte sul do conjunto, atualmente marcada por uma sucessão de quatro

alçados contíguos de altura crescente, destacava-se, mais elevada, a fachada da igreja,

aberta lateralmente por portal de molduração simples e sobrelevada pela pequena

escadaria que assinalava a entrada pública do espaço sagrado, projetando-a sobre o

largo. A parte oeste definia um corpo contínuo, desenvolvido na horizontal, de onde

apenas sobressaía o portal, simples, e hoje em dia renovado, da antiga portaria, erguido

por breve escadaria. A fachada norte oferece idêntico panorama, apenas se notando, na

diversidade das molduras dos vãos - umas mais trabalhadas ou mais antiquadas que

outras - as diferentes épocas e propósitos subjacentes às intervenções sofridas. Na

fachada oriental, em novo suceder de volumes e alturas, notam-se as diferentes

dimensões das janelas, inicialmente gradeadas, que se abrem ao nível do piso térreo.

Construções recentes apõem-se a este alçado, desfigurando-o, mas deixando muito

embora visível o que terá constituído parte da antiga cerca monástica.

O interior, a que dava acesso a portaria, desenvolvia-se maioritariamente em

torno do claustro. Ao nível do rés-do-chão, abriam-se, tornejando aquele largo central, a

casa de entrada (ou portaria), a casa da irmã rodeira, casa da roda, locutório, capelas

devocionais, cozinha, refeitório, casa do capítulo, despensa, celeiro (este com porta para

a cerca), casa de arrecadação e casa de amassaria. O claustro, para onde convergia a

maior parte das divisões, apresentava dois andares. De planta quadrangular, era formado

por quatro corredores abertos por arcaria sobre o jardim, onde um piso cimentado e os

vestígios de uma velha cisterna substituem hoje o espaço antes ocupado por diversas

árvores de fruto.

pelos Confrades da Luz no último quartel de Quinhentos, pressupondo, para tal, alguma imprecisãoinerente ao documento compulsado.

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No primeiro piso, por seu turno, dispunham-se "muitas pequenas Capellas com

imagens"581, quatro dormitórios abertos por portas e janelas para o sobreclaustro,

enfermaria e cozinha respetiva, arrecadações "com altares e formas d'igreja pelos santos

que continhão"582 e, naturalmente, dormitórios e "respectivas cellas"583.

O segundo piso albergava dois outros dormitórios e “casas” e nele se abriam

duas varandas, uma das quais comunicando com a torre sineira. As alas superiores das

faces nascente-norte terão sido, segundo o Inventário Artístico, bastante alteradas em

finais de Oitocentos com a construção de quartos e enfermarias584. Assim se terão

perdido os quatro dormitórios comuns, a enfermaria e cozinha privativa e, no segundo

andar, outros dois dormitórios e diversos gabinetes úteis que davam, todos, "para as

varandas corridas da quadra e possuíam alguns oratórios decorados por altares de

imaginária devocional"585. O perímetro cercado terá, por seu lado, acolhido cavalariças,

palheiro e terreno cultivável, parte do qual com árvores de fruto586.

O templo, contíguo à quadra sul do conjunto, constituía um núcleo funcional e

volumetricamente individualizável em torno do qual gravitavam, no plano inferior, a

sacristia e coro baixo e, ao nível de um primeiro andar, tribuna e coro alto.

2.6.1. O templo (Figs. III.1.5-14)

Antes das intervenções dos anos 60 e, evidentemente, antes também das

intervenções produzidas por vontade e a expensas de D. Pedro III, a igreja deveria

corresponder à descrição do pároco de Montemor-o-Novo, que dela informa ser um

templo magnifico asim no âmbito que ocupa, como na altura athé a abóboda,

he toda pintada do mesmo tempo por hum pintor de ElRey chamado Fernão

Coelho [Gomes?], e o mesmo dourou o retabolo da Capela mor, onde estava a

Senhora, que se conservou athé o ano de 1718 que estando muito arruinado

mandarão os oficiais da Confraria fazer outro, e dourar, onde se conserva hoje

581 "Auto de avaliação do Edificio do Convento das Recolhidas de Nossa Senhora da Luz, denominadoConvento das Beatas desta Villa, com todas as suas pertenças", BPE, Convento do SantíssimoSacramento. Montemor-o-Novo, Lv. 2, fls. inum.582 Idem.583 Idem.584 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit.,p. 301.585 Idem, ibidem.586 Idem, ibidem.

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a Senhora dentro de huma tribuna; tem mais dois altares hum da parte do

Evangelho onde se acha colocada a imagem de São Grigorio Papa, e o da parte

da Epistola se venera a de Santa Catherina, da mesma parte do Corpo da Igreja

está outro altar, todo de madeira liza porem pintado ao moderno onde

colocarão os moços solteiros desta villa huma perfeitissima imagem de Senhora

Santa Anna, que festejão no seu dia e véspera. No anno de 1685 mandarão os

Irmãos que servião fazer um átrio a porta da Igreja, para onde se sobe por

cinco degraós de pedra no comprimento de toda a frontaria que não só fás boa

entrada para ella, mas tão bem ficou dando gála, a mesma Igreja. Tem esta

Confraria hoje sete capelas com sete capelães que na dita igreja dizem missa

que pagos eles lhe fica de rendimento noventa e sinco mil reis, fora as esmolas

com que os fieis concorrem que são avultadas, que tudo se gasta no hornato da

igreja.587

No seguimento da intervenção régia de finais de Setecentos, o ingresso, que

originalmente deveria ter sido frontal – só assim se explica que os degraus que

antecediam a entrada ocupassem o “comprimento de toda a frontaria”588 –, poderá ter

dado lugar ao espaço do coro baixo e, por conseguinte, ter sido aberto ao nível do corpo

da igreja, como, aliás, se tornava corrente em casas femininas de clausura. O

pretensamente novo portal apresenta linhas sóbrias nos perfis moldurados e cornija reta,

assentando igualmente sobre pequena escadaria de seis degraus de mármore branco de

Estremoz. A janela que o sobrepuja será, segundo o Inventário Artístico, da reforma de

D. Maria I589.

A planta é retangular e a nave única, de dimensões sóbrias (13 por 7,95 metros)

e dividida “em quatro tramos engalanados com friso de tríglifos, métopas e pilastras de

enrolamento”590. De grande altura, o templo recebe discreta iluminação lateral, sendo

587 "O Concelho de Montemor-o-Novo nas Memórias Paroquiais de 1758. Descripção da Villa de MonteMor o Novo pello que partence a Igreja Matriz", Almansor, n.º 3, 1985, pp. 151-153 apud Maria Isabel doRosário VICENTE, “Pintura mural da antiga sala capitular da Irmandade de Nossa Senhora da Luz deMontemor-o-Novo. Um breve estudo iconográfico e artístico”, Almansor, n.º 14, 2000, pp. 101-208 (p.166).588 Idem, ibidem.589 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 299.590 Idem, ibidem.

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suportado por abóbada de meio canhão decorada com medalhões e tabelas florais de

estuque colorido591.

A cabeceira apresenta falso cruzeiro e três capelas de arcos semicirculares,

estando duas vazias à exceção da capela-mor. O altar-mor, com arco de volta perfeita,

tem retábulo de talha dourada com colunelos salomónicos e tribuna e trono "de

prospectos totalmente revestidos dos habituais elementos ornamentais de ensambladores

da escola portuguesa do tempo dos reis D. Pedro II-D. João V."592 O retábulo, iniciado

em 1718, terá substituindo um anterior, saído, como acima vimos, das mãos do pintor

régio Fernão Gomes.

Do lado do Evangelho, salienta-se um púlpito com dossel e baldaquino, de

“talha dourada, palmar e envieirada"593 e o altar do Calvário. Este último, que, em finais

de Setecentos, substituiu o primitivo altar de Santa Ana, apresenta retábulo de talha

dourada e marmoreada cujo tímpano exibe os atributos da Paixão594. Do lado da

Epístola, de data e estilo distintos do anterior, destaca-se, por sua vez, o altar a que

primitivamente terá pertencido uma pintura a óleo do Salvador do Mundo, de

"características setecentistas"595.

Sobre a cimalha - que Matos Sequeira descreve como sendo "decorada por

luneta de tabelas com albarradas flóricas, escaioladas, de nítida inspiração barroca,

italianizante, sotoposta pela pintura circular" da Virgem com o Menino596 -, ergue-se

um medalhão com o atributo do Instituto, a Exaltação do Santíssimo Sacramento. É de

crer, naturalmente, que seja resultante dos benefícios aportados por D. Pedro III, a quem

se deverão igualmente os painéis murais que figuravam lateralmente, representando o

Calvário e a Deposição de Cristo no túmulo.

Importante espólio iconográfico se acharia associado ao templo, pelo menos a

atentar no Inventário realizado à data da extinção do recolhimento597. Em imaginária

encontram-se recenseados São Francisco, Santa Clara, Nossa Senhora das Dores,

Senhora da Luz, São José, São Gregório, Santa Ana, Senhor das Chagas, Coração de

591 Idem, ibidem. O autor diz que essa decoração corresponderá a um arranjo de c.ª de 1790.592 Idem, ibidem.593 Idem, ibidem.594 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 299.595 Idem, ibidem.596 Idem, ibidem, p. 300. Segundo o autor, os frescos da cimalha da empena pertencerão ainda à primeiracampanha prévia à reforma de 1717.597 "Auto de avaliação do Edificio do Convento das Recolhidas de Nossa Senhroa da Luz, denominadoConvento das Beatas desta Villa, com todas as suas pertenças", BPE, Convento do SantíssimoSacramento. Montemor-o-Novo, Lv. 2, fls. inum.

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Jesus, Nossa Senhora das Brotas, Santa Luzia, Santa Gertrudes e São Francisco de

Paula. Curiosamente, as obras pictóricas aí presentes não foram alvo de inventariação

ou, pelo menos, deste processo específico de recenseamento patrimonial. Seriam em

parte mantidas in loco, porquanto parte de uma estrutura que não fora desativada.

A antiga vida monástica não mais aflora senão como enviesada reminiscência: as

grades dos coros foram tapadas598, enquanto para a parte fundeira do templo foi

deslocado o cadeiral que anteriormente pertencera ao coro alto.

2.6.2. Coros (Figs. III.1.11 e 13)

Enquanto a existência de coro baixo, ocupando o espaço supostamente reservado

a uma antiga galilé599, subsiste como hipótese, a presença do coro alto não suscita

dúvidas. A ele pertenceriam, à data do documento que elenca o seu espólio material,

uma estante de coro, vinte e dois retábulos, dois crucifixos, um crucifixo grande, uma

imagem de Santo António, de São Pedro, de São Domingos, do Senhor dos Passos e

várias imagens de Nossa Senhora600.

2.6.3. Em torno do templo (Figs. III.1.24-29)

Por detrás da cabeceira do templo abria-se a sacristia e, contígua a ela, o que

suporíamos tratar-se da sacristia de dentro. É pouco o que conhecemos destes espaços

de sacralidade anexa e de dimensão exígua, não obstante o inventário da extinção do

cenóbio601 nos devolva uma noção do seu recheio artístico, que contaria com um quadro

598 Gustavo Sequeira refere que haveria pinturas a tapar a grade: uma Última Ceia, com data provável de1700 e uma efígie de Catarina do Nascimento. Em relação a esta, esclarece ter sido oferecida ao Museuda Vila de Montemor-o-Novo em 1932, "pelo solicitador Fontes, que o possuía no seu escritório daCidade de Évora." (Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 299.) No presente, existe um retrato dafundadora no dito museu, embora um outro, semelhante - admitimos que reprodução - continue a exibir-se no parede sul do templo.599 Ibidem.600 Um dos inventários refere, sem as especificar, a existência de 4 imagens de Nossa Senhora, enquantoum segundo elenca uma imagem de Nossa Senhora e uma outra de Nossa Senhora da Soledade. (Cfr."Auto de entrega [...] das alfaias, vasos sagrados e mais objectos [...]", BPE, Convento do SantíssimoSacramento. Montemor-o-Novo, Lv. 2).601 Idem, ibidem.

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representando Santa Catarina602, um outro a Verónica, avaliado em mil réis, o Calvário

(da igual valia) e, por fim, quatro quadros "com coroas", avaliados no seu conjunto em 4

mil réis.

Comummente designada como casa ou sala do capítulo603, a pequena divisão

anexa a um dos lados da cabeceira da igreja, dando para o claustro, poderá, no entanto,

corresponder ao resultado da reconversão de uma antiga estância da Confraria da Luz,

quem sabe a Casa do Despacho, em comungatório. A janela que se abre na parte leste,

tapada posteriormente pela aposição contígua da cozinha, daria primitivamente para o

exterior, de onde receberia iluminação natural. Segundo o Inventário Artístico, uma

grade intermediaria a comunicação com o templo, de cuja dinâmica litúrgica e

sacramental não deixaria, portanto, de participar604.

Desta pequena divisão, é-nos dado apreciar a cobertura abobadada, de dois

tramos nervurados, inteiramente revestidos de pinturas a fresco, de intenção clássica,

onde se exibem grinaldas de flores, açafates, querubins, brutescos, cariátides, sagitários,

faunos e centauros, separados por rosetas e pingentes605, e onde, centralmente pontifica

a insígnia JHS. No pano central, figura uma pomba, representação do Espírito Santo,

rodeada de putti e de motivos vegetalistas. Nos panos triangulares da abóbada, em

número de seis, veem-se motivos zoomórficos, ferroneries e decoração vegetalista com

elementos de grotesco. A conjugação de elementos sacros e profanos, porém, traduziria

"um certo direccionamento para o brutesco", típico de finais de Quinhentos e

consentâneo com o "maneirismo reformado" de recorte tridentino606.

Igualmente decorados são os panos da cimalha, que ostentam painéis pintados a

fresco, estes de temática exclusivamente religiosa, novitestamentária: São Gregório607,

as Tentações de Jesus608 - que aqui surgem de forma compósita num só painel -, a Cura

602 Idem, ibidem.603 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 299.604 Idem, ibidem.605 Idem, ibidem.606 Maria Isabel do Rosário VICENTE, op. cit., p. 149. Dada a relevância dos elementos vegetalistas e aimportância relativa dos motivos pagãos, que tendem a ficar remetidos a uma mera função decorativa.607 Vítor Serrão e João Santos sustentam tratar-se de S. Pedro. Já Túlio Espanca defende ser S. GregórioPapa (Cfr. VICENTE, op. cit., p. 129.) Atendendo ao fato de que os atributos representados podem,segundo Maria Isabel Vicente, corresponder indistintamente a ambos, inclinamo-nos para que seja S.Gregório, já presente em imagem na igreja, no altar lateral da parte do evangelho e, por certo, santo dadevoção local ou dos encomendantes. Além disso, após o Concílio de Trento, S. Gregório tornou-se opatrono das confrarias piedosas.608 Ativemo-nos ao trabalho mais recente, já várias vezes aqui referenciado, de Maria do Rosário Vicente,op. cit., pp. 132-133.

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do paralítico em Betsaida609, Jesus e a Samaritana, Milagre de Santo António610. No

topo da sala, contornando o que outrora terá correspondido a pequena janela, vê-se São

João Evangelista em Patmos611.

É-nos difícil encontrar unidade nos temas representados não obstante a sua

sistemática incidência crística e o seu comum acento taumatúrgico. Os santos

prefigurariam uma espécie de alter-Cristos pelo mimetismo - no milagre da cura e na

tentação do deserto - do exemplo d'Ele. S. Gregório, por seu turno, patrono das

confrarias, representaria o timbre devocional da irmandade. Maria do Rosário Vicente

anota, com interesse, que as cenas correspondem, qualquer delas, a "curas espirituais

e/ou físicas bem a propósito das funções de uma Irmandade, a assistência física e

espiritual."612 A composição, pobre e algo primária no seu conjunto, tem sido atribuída

a Fernão Gomes613, a quem se cometera a pintura e douramento de um dos retábulos da

igreja, e, nesse entendimento, deverá ser naturalmente datada de cerca de 1590.

2.6.4. Espaços de sobrevivência temporal

Contígua a este peculiar compartimento, situava-se a cozinha, hodiernamente

por completo transfigurada, mas que, segundo o Inventário Artístico614, seria ainda do

período seiscentista e corresponderia a sala dividida por coluna granítica da ordem

toscana, com pavimento de laje, poço e pias de blocos de mármore branco615.

Contíguas, e dando também para o claustro através de portas, situavam-se a

despensa, a casa da amassaria e o celeiro, que estranhamente se interporiam entre duas

divisões normalmente contíguas, a cozinha e o refeitório, ou o que cremos dele restar.

Supostamente localizado na ala oriental do claustro, este último apresentava planta

retangular e cobertura abobadada. Matos Sequeira reconhece-lhe o habitáculo da irmã

609 A identificação desta cena não é consensual. J. Santos refere tratar-se de uma cena caritativa demisericórdia (1996, p. 117), enquanto Serrão (1982) a identifica com "Noli me tangere". (apud Vicente, p.134). Também Vicente sustenta que a cena não está totalmente de acordo com a sagrada escritura, nãodeixando, porém, de lhe atribuir o tema em questão.610 Cena cuja iconografia não corresponderia também integralmente à história do santo.611 Diferente é a leitura de Matos Sequeira, que refere: a Ressurreição de Lázaro, a Boa Samaritana, S.João Evangelista em Patmos, São Gregório e Cristo tentado pelo Demónio na figura de santo eremita.(Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 301).612 Maria Isabel do Rosário VICENTE, op. cit., p. 150.613 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 301. O autor data-a de cerca de 1590.614 Idem, ibidem.615 Idem, ibidem.

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leitora assim como a existência, no chão, desirmanadas, de "várias placas de mármore

com algarismo árabes (até ao n.º 14)", que o autor aventa ser "talvez marcação antiga de

lugares das religiosas."616 Sem termos tido oportunidade de as visualizar, perguntamo-

nos, muito embora, se não seriam antes lápides sepulcrais anteriormente existentes no

claustro e posteriormente convertidas à funcionalidade própria de um pavimento de

refeitório.

2.6.5. O claustro (Figs. III.1.15-19)

Sobre este último617, cuja configuração terá advindo das primeiras obras dos

anos Sessenta de Setecentos, é de salientar a sobriedade clássica das linhas e o aspeto

despojado que percorre o que nos é dado ver como um espaço constituído por pátio

central, antigo jardim, assinalado centralmente pelos vestígios de uma cisterna, e

contornado por dois pisos de galerias, hoje fechadas por portas e janelas vítreas e

encimadas por terraço. A galeria inferior, coberta por abóbada de cinco tramos

suportados em pilastras, abria-se sobre o pátio por arcos de volta perfeita isentos de

qualquer elemento ornamental.

616 Idem, ibidem, p. 301.617 Matos Sequeira refere pertencer "às empreitadas decretadas pelo desembargador da RelaçãoEclesiástica dr. Francisco de Negreiros Alfeirão, c.ª 1760" (Idem, ibidem, p. 301).

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2.7. Programa artístico e património móvel

Necessariamente superficial e inacabada por via do teor inconsistente dos

vestígios e da índole compósita da obra, a análise da arte deste recolhimento alentejano

conduz-nos a anotações imprecisas e inconcludentes.

Os efeitos, mais ou menos impressivos, das alterações institucionais e da

sucessão de etapas de encomenda convocam a questão da dinâmica regional da

produção artística, da articulação de diversas matrizes de gosto e, num outro plano, da

plasticidade de uma casa monástica para o acolher. Se, a nível arquitetónico, a questão

parece mais facilmente evidenciável, tentemos auscultar as inflexões que o recheio

artístico, localizado designadamente no templo, sacristia e casa do capítulo, nos permite

detetar a fim de averiguarmos os termos e limites de uma "arte do Desagravo" em

Montemor-o-Novo.

A concentração de obras de arte patente no coro alto aproxima o recolhimento de

tantos outros espaços tipologicamente semelhantes da Modernidade618, embora

evidentemente nada nos diga da sua eventual coerência programática, que o

desconhecimento completo de informações sobre os vinte e dois retábulos619 que terão

decorado as suas paredes e sobre algum eventual património integrado não ajuda por

certo a clarificar.

Seria, contudo, de supor tratar-se de um programa coeso, próprio de um espaço

que não terá traído a sua vocação primária. Para tal nos aponta a imaginária, incidente

em parte sobre a temática da Virgem, adequada certamente a um espaço monástico

feminino e à devoção a Nossa Senhora, sobremaneira cultivada na Época Moderna620. A

presença, por outro lado, de Nossa Senhora da Soledade e do Senhor dos Passos, quem

sabe se de forma associada, remete para o temário da Paixão, igualmente não estranho à

época em apreço e à Regra do Desagravo. O mesmo se diria a respeito de Santo

618 Vd. Natália Marinho Ferreira ALVES, “A Apoteose do Barroco nas Igrejas dos Conventos FemininosPortugueses”, separata da Revista da Faculdade de Letras, 2.ª série, Vol. IX, Porto, Faculdade de Letras,1992, pp. 369-383.619 Expõe-se atualmente, ao longo das paredes do templo, um conjunto de telas de igual dimensão, quedeverão ter constituído uma série subordinada à mesma temática. Podemos também supor teremcorrespondido ao recheio pictórico anteriormente constante do coro alto.620 Cfr. VILLER, M., CAVALLERA; F.; GUIBERT, J. de, Dictionnarie de spiritualité ascétique etmystique doctrine et histoire, Tomo XII, Paris, Beauchesne, 1986, “Portugal” (sécs. XVI-XVIII), pp.colunas 1958 a 1973 (artigo de BELCHIOR, Maria de Lurdes; CARVALHO, José Adriano de). (Cols.1968-9).

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António, santo nacional e franciscano, a que o Mosteiro do Louriçal dedica a

iconografia do seu coro baixo.

Análise semelhante poderá aplicar-se à sacristia, cujo espólio identificado, de

caráter essencialmente pictórico, assenta na temática da Paixão, bem patente na

Verónica e em quatro representações do Calvário. A presença de Santa Catarina, a quem

o templo consagrava um altar, introduz um elemento de coerência, quer tenha ou não

derivado de encomenda da Confraria da Luz.

Já a igreja oferece um panorama híbrido, que reflete a conjugação de duas

lógicas de utilização e de um suceder de campanhas de obras. As esculturas dos

padroeiros da Ordem, São Francisco e Santa Clara, substituíram intencionalmente as de

São Gregório e Santa Catarina. Ignoramos se esta última terá sido inicialmente querida

pela Confraria da Luz, se colocada posteriormente após a autorização de fundação do

cenóbio concedida por D. João V. Neste último caso, poderíamos ver em Santa Catarina

uma alusão hagiológica à fundadora, Catarina do Nascimento.

Apesar desta substituição de referentes simbólicos, a presença de uma fase pré-

monástica é notória. Ela não foi, aliás, negada, antes apenas e em parte deslocalizada.

São Gregório consta do inventário de bens da igreja, da mesma forma que Santa Ana, de

antiga devoção local dos rapazes solteiros da vila e cujo retábulo foi substituído pelo do

Calvário. A escultura de Nossa Senhora da Luz, que reporta diretamente à invocação do

templo-sede da Confraria do mesmo nome, aí consta também. E Nossa Senhora das

Brotas é santa de devoção regional621.

Já as representações escultóricas do Sagrado Coração de Jesus, de Nossa

Senhora das Dores e do Senhor das Chagas remetem claramente para as beneficiações

de D. Pedro III e para a consagração do Instituto. Sublinha-se o carisma sacrificial

caraterístico desta família religiosa e o acolhimento de uma devoção particularmente

querida do rei e de D. Maria I, que em Lisboa erguia o primeiro templo da Cristandade

consagrado ao Coração de Jesus622. O mesmo se diga a respeito do altar do Calvário,

com seu retábulo de talha dourada e marmoreada exibindo no tímpano os símbolos da

Paixão, e dos painéis representando o Calvário e a Deposição de Cristo no túmulo. Por

621 O culto nasceu em Mora, onde se construiu um templo com a menção hagiográfica de Nossa Senhoradas Brotas, o qual se converteria em importante centro de peregrinação. (Vd. Túlio ESPANCA,Inventário Artístico de Portugal, Vol. IX (Distrito de Évora, Zona Sul), Lisboa, 1978.622 Referimo-nos à Basílica da Estrela. Uma vez que não conhecemos a imagem em si nem a invocaçãoprecisa que se esconde sob a designação de "Santa Gertrudes", ficamos na dúvida de saber se a presençado Coração de Jesus se poderá articular com a figura de Santa Gertrudes.

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fim, a Exaltação do Santíssimo Sacramento, lema e atributo do instituto religioso623,

consagraria, coroando a cimalha, a nova intencionalidade artística e religiosa aposta ao

templo dos Confrades da Luz.

623 O Inventário chama-lhes “veneração” (op. cit. p. 300).

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3. O Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira

3. 1. O Desgravo em Vila Pouca da Beira

Com a fundação do Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira, o Instituto

do Louriçal, se a um tempo se expandia, a outro credenciava a sua presença na diocese

de Coimbra, cuja jurisdição eclesiástica abraçava ainda aquela remota vila da Beira

Alta. Não abandonaria, de igual modo, a condição periférica, parecendo prefigurar uma

corrente de piedade que, por circuitos próprios, ganhava forma nas faldas dos centros

urbanos e dos grandes polos de decisão e poder - dos quais, no entanto, se alimentava.

À semelhança das casas anteriormente criadas, também a de Vila Pouca

conheceria na origem uma vontade fundadora individual, que, inflada de zelo, se

sentiria interpelada pela ideia de instituir um modo de vida próprio de cariz

eminentemente rigorista. À semelhança, também, das suas precedentes, a fundação

arrastar-se-ia longamente, devendo esperar pelo auxílio de um monarca ou de um

prelado para lograr instituir-se num tempo adverso ao recrudescimento da vida

monástica. E, da mesma forma que o Mosteiro do Louriçal, a nova fundação nasceria,

pelo menos no discurso que sobre ela versa, do afã de desagravar o Santíssimo

Sacramento ofendido em novel atentado sacrílego624.

Mas os paralelismos não se opõem à unicidade nem evidentemente limitam o

interesse em dá-la a conhecer. Sobre a casa que, hodiernamente, e após alterações

funcionais de monta, acolhe uma unidade hoteleira, não abundam os estudos, mas estes,

embora escassos e fragmentários na perspetiva que adotam, são contudo precisos e

elucidativos, merecendo-nos, portanto, indúbia referenciação625.

624 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v – 257.625 Vd. Vergílio CORREIA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Coimbra, Vol. II, ediçãoreorganizada e completada por A. Nogueira Gonçalves, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes, 1952,pp. 184-185. Veja-se, também, o estudo de Diamantino Antunes do AMARAL, Notícia sobre a fundaçãodo Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento de Vila Pouca da Beira, 1972. Mais recente, olaborioso trabalho da Fundação Bissaya-Barreto na coleção e tratamento de fontes, das quais em parteficou depositária, deve ser justamente destacado.

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3. 2. Genoveva Maria do Espírito Santo e a ideia de fundar

Nascia em abril de 1732 Genoveva Maria do Espírito Santo, filha de Maria

Viegas e de João de Abrantes ou Abranches. A 1 de maio daquele ano era batizada na

Igreja de São Sebastião de Vila Pouca da Beira626. Descrita invariavelmente como

pessoa rústica, a Genoveva se deveria não só a iniciativa da fundação, quanto a garantia

da sua sustentabilidade material. António de Vasconcelos, na sua Árvore Franciscana,

sumariza enfaticamente:

Uma pobre pastora de Vila-Pouca, analfabeta, rústica e boçal, mas inflamada

em amor de Deus e animada por inspiração do alto, foi o instrumento de que

nosso Senhor se serviu para realizar essa obra.627

E prossegue:

De que meios dispunha ela para realizar a sua obra? Nenhuns. Sem ter um

palmo de terra sua, sem possuir dinheiro algum, sem instrução, mal sabendo

falar a linguagem rude da região, passava a vida com a roca à cinta a fiar,

guardando ao mesmo tempo algumas ovelhas.

Quanto à forma de angariar fundos, esclarece:

Deambulou por todo Portugal, e ela, a pobre pastora, que até ali não sabia

exprimir-se senão com grande rudeza, apresenta-se em toda a parte, em todos

os meios, inclusive na côrte pedindo e obtendo audiência da rainha, falando

com os magnates, e a sua palavra tinha a virtude de convencer, de persuadir, de

obter esmolas, algumas avultadas.628

626 Cfr. Diamantino Antunes do AMARAL, op. cit., pp. 21-28.627 António de VASCONCELOS, "A árvore franciscana plantada e frutificando na Diocese de Coimbra",Coimbra, 1926, Estudos, nº. 5, 1926, p. 404.628 Idem, ibidem, pp. 404-405.

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Não de diferente teor são as palavras do Abade de Miragaia que, destacando

Genoveva Maria do Espírito Santo como uma das mais notáveis figuras da vila,

refere629:

Sendo uma pobre e analfabeta pastora, resolveu fundar um convento, e tanto

lidou que percorreu grande parte do nosso País esmolando. Foi inclusivamente

ao Rio de Janeiro duas vezes, quando ali se achavam D. João VI e a família rela

portuguesa; mas teve a satisfação de ver o seu tão querido convento feito, com

uma majestosa igreja e uma linda cerca.630

Mas o que terá movido Genoveva Maria a empreender este curso aparentemente

contínuo - embora não inglório - contra obstáculos de difícil superação? Qual a essência

do seu heroísmo? As referências conhecidas, de autoria maioritariamente eclesiástica,

apontam para um eixo definido, por um lado, pelo desígnio divino e, por outro, e a

desencadear o primeiro, pela ocorrência de um desacato na igreja paroquial de São

Sebastião, de que Genoveva, contando à época somente onze anos de idade, se terá

fortemente ressentido. Sem pôr em causa a verosimilhança de um influxo superior,

questionamo-nos, no entanto, sobre a univocidade da ligação que entre o sentimento

despertado pela profanação de setembro 1743 e a empresa fundacional se estabelece631.

Ela aparece-nos enunciada pela primeira vez na provisão régia que autoriza a fundação

e que, com base numa simples aposição de circunstâncias, justifica a anuência à

pretensão. Diz, pois,

que naquela vila, no mês de Setembro de mil setecentos quarenta e três, um

sacrílego ladrão cometera o horroroso desacato roubando o sacrário da Matriz,

tratando irreverentemente as sagradas formas que nele se achavam632

629 Augusto PINHO LEAL, Portugal antigo e moderno. Diccionario Geographico, Estatistico,Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico de todas as cidades,villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias, Vol. XI, Lisboa, Livraria Editora de MatosMoreira & Companhia, 1886, p. 911.630 Idem, ibidem.631 O desacato de 1743 não parece ter tido qualquer ressonância longinquamente próxima da que foiauferida pelos casos de Santa Engrácia, Odivelas, Palmela ou outros mais. Desconhecemos mesmoqualquer sermão do desagravo que ao episódio respeite ou qualquer nota bibliográfica que lhe tenha sidodedicada.632 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v – 257.

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e, seguidamente, que

junto à mesma vila, em muito pequena distância, havia uma pequena capela de

Jesus, Maria e José, de grande e antiga devoção com um bom rossio e adro da

mesma capela e junto a esta se acham umas propriedades compradas com

esmolas, com o intento de se fundar nelas um convento de religiosas do mesmo

instituto do Real Convento do Santíssimo Sacramento da vila do Louriçal, na

qual se empregassem trinta e três religiosas continuamente em Lausperene na

presença do Santissimo Sacramento da vila do Louriçal, no qual se

empregassem trinta e três religiosas continuamente em Lausperene na presença

do Santissimo Sacramento, rogando ao mesmo Senhor pelos que estão em

pecado mortal, pelas almas do Purgatório e pela minha real vida, saúde e

prosperidade do meu Reino.633

Mais que uma relação direta, que poderá até ter existido, parece-nos ver na

referência a este desacato um argumento cuja eficácia ia sendo creditada pelo êxito de

casos semelhantes. Lembremos apenas que, a 14 de maio de 1779, antecipando um ano

a provisão, se dava em Palmela a profanação da ermida de São João Baptista, episódio

que despertou fortemente a comoção da rainha. Além disso, só cerca de trinta anos após

o episódio de Vila Pouca, Genoveva Maria - contando já quarenta anos - terá revelado

abertamente a intenção de fundar um convento onde se praticasse o lausperene

eucarístico634. Não lhe seriam estranhos, nem aos que a rodeavam, seja o fervor

eucarístico, seja os desacatos, seja a paixão por eles provocada, seja, ainda, a forma

tradicional de os reparar, que incluía desde cerimónias de louvor e expiação à edificação

de locais de culto e devoção.

Que a ideia existisse já, subliminar, no ânimo da devota e que, entretanto, se

fosse robustecendo com a idade e o itinerário religioso, e por via, também, do prestígio

633 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v – 257.634 No início dos anos Setenta de Setecentos registam-se já documentos relativos à aquisição depropriedades pela devota. Vd. AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados certidões de missas, provisões régias, testamentos,arrendamentos, certidões de pagamentos de sisa, etc. (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).

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auferido pelo Instituto do Louriçal - pertencente, aliás, à mesma diocese - e da crescente

veneração à madre sua instituidora, é hipótese não negligenciável. Por muito que

Genoveva Maria não tivesse sido, como Maria do Lado, vidente do sacrilégio, mas

apenas sua expetadora passiva, a superveniência da profanação de 1743 colocava-a no

encalço da beata louriçalense, cuja imagem não deixara seguramente de se lhe perfilar

no horizonte. E, por mais que a instituição de uma família religiosa não estivesse

inscrita nos seus confessos ensejos, ao fundar uma casa do Desagravo, fazia-se fiel

continuadora da obra da Venerável.

Conquanto fundadora, Genoveva não chegou nunca a professar ou, assim se crê,

sequer mesmo a emitir votos simples. O seu mérito não tem fiel expressão no estatuto

que passaria a auferir. Como zeladora do mosteiro, coube-lhe dar todos os passos

tendentes a garantir a fundação, traduzidos estes na angariação de verbas para a

construção do edifício e para a constituição de um fundo monástico adequado à lotação

e condições de vida da comunidade. À falta de outros meios, não mais lhe restaria que

recorrer a esmolas dispensadas pela boa vontade alheia. Terá começado a esmolar “de

porta em porta e de aldeia em aldeia”635, chegando mesmo a interpelar a Corte, então

refugiada no Brasil, aonde se terá dirigido e de onde terá regressado com joias doadas

por D. Carlota Joaquina636. António de Vasconcelos dá viva nota do intrépido percurso

da beata.

Dirigindo-se no Porto a um comerciante rico, mas avaro, pediu-lhe uma esmola

para a construção do convento, que se propusera erguer. O comerciante achou

graça ao sonho pueril e irrealizável da pobre mendiga, e, para a despedir,

serviu-se duma fórmula que afinal correspondia a uma recusa: prometeu-lhe

que, quando ela tivesse o seu convento concluido de paredes, lhe daria toda a

telha necessária para a cobrir. Agradeceu, muito satisfeita, esmola tão

generosa, e disse que lhe viria dar aviso, quando tal ocasião chegasse.

Decorreram anos, e eis que um dia, não cogitando o comerciante em tal, nem

sequer se lembrando já do episódio da mendiga fundadora, lhe aparece esta a

participar que as paredes do convento estavam concluidas, e por isso lhe

lembrava a promessa feita. De bôa ou má vontade, cumpriu hornadamente a sua

635 Diamantino Antunes do AMARAL, op. cit., pp. 21-28.636 Vergílio CORREIA, Inventário Artístico..., Vol. II, p. 184. As joias doadas por D. Carlota Joaquinaterão, de acordo com o Inventário, sido aplicadas na execução de uma valiosa custódia. (Vd. A. NogueiraGONÇALVES, A Custódia de Vila Pouca da Beira, Porto, 1948).

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palavra, e deu esmola muito avultada, que chegou para os telhados de todos os

edifícios.

Quando o convento já funcionava, havia bastantes anos, precisou ela de

dinheiro para completar e adornar a magnifica igreja conventual: mais uma ve

resolve recorrer à côrte. Mas esta havia-se refugiado no Brasil: não hesita, vai

a Lisboa, consegue embarcar em um navio que se dirigia às terras de Santa

Cruz, apresenta-se ao príncipe regente D. João e à princesa D. carlota

Joaquina, que muito a estimaram, e regressa com largos donativos, entre os

quais algumas joias da princesa, a fim de serem aplicadas a uma custódia, para

as exposições do Santíssimo.637

Este relato de registo quase efabulatório parece, no entanto, não trair a realidade.

Em 1774, a beata compra as primeiras terras, cujos rendimentos dirige à fundação

monástica. No documento notarial, em que se diz moradora na cidade de Coimbra,

refere ter adquirido

duas terras no sitio de onegas, mais outra no citio das tigeirinhas, mais outras

duas a S. Joze mais outra no sitio do dospinheiro a Bernardo de Masedo mais

outra a sua cunhada Izabel no mesmo sitio mais dois olivais na corte sarrana,

mais outro no val do coval, mais outro no sitio das barrocas, hum soito no sitio

dado barqueiro, mais outro o asude Mendes mais outro no sitio do val do gogão

cujas confrontasoins constarão dos titulos que tenho no meu poder.638

Quanto à proveniência do dinheiro, esclarece ter provindo de

dinheiro que derão certas pesoas e aplicaraõ o dito dinheiro e as ditas

propriedades e os seus rendimentos para se dar prinsipio a um recolhimento

637 António de VASCONCELOS, "A árvore franciscana plantada e frutificada na Diocese de Coimbra",Coimbra, 1926, Estudos, 5, 1926, pp. 405-406.638 AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Escrituras de Capitais mutuados certidões demissas, provisões régias, testamentos, arrendamentos, certidões de pagamentos de sisa, etc.. A escritura,autógrafa, é de 21 de Outubro de 1774.

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que do instituto do Lourisal se pertende fazer na mesma minha terra de Vila

Pouca ou nas suas vezinhansas.639

Especificamente para as obras terão sido canalizados capitais provindos de "João

Luiz do Porto e as mais esmollas certas que vinhão de Lixboa Coimbra e mais partes

para ellas." João Luís seria, concluímos, o reticente mas benfazejo comerciante

portuense a cuja caridade Genoveva apelara640.

Mas o empenho da zeladora terá ido mais longe, assim como os seus frutos.

Genoveva terá comprado bens e juros para o convento a partir de doações de dinheiro e

de bens de raiz. Várias são as declarações que o atestam, referindo a posse de terras,

soutos, tapados, chãos, partes de soutos, entre outros641.

Uma vez erigido canonicamente o mosteiro, todos os bens arrecadados por

Genoveva transitariam para a abadessa. Uma declaração de 13 de junho de 1793 afirma,

com efeito, que Genoveva Maria

como Zeladoura que tem sido e he da obra do Convento do desagravo do

Santissimo Sacramento desta Villa tem feito varias compras e dado dinheiro a

Rezam de Juro com as esmollas e promessas que tem dado varias pessoas fieis

devotos pera a mesma obra os quais fazendas e juros ella dita Ginuveva Maria

do Espirito tem ademenistrado como Zeladoura do mesmo Conventoe por não

terem vindo as Relegiozas e agora como se acham no ospicio lhe emtregua

todos os bens a comunidade e Abadesa por seu procurador per a

ademenistrarem por suas pessoas do seu Procurador. 642

Pelo mesmo ato, a beata desiste da administração dos bens e, pouco mais tarde,

fica desobrigada dos encargos relativos à obra, que transitam para as religiosas. A

639 Idem, ibidem.640 Uma nota não assinada na declaração de Genoveva assim o diz, esclarecendo ainda que "depois que asreligeozas vieraõ que foi em 1791 a Genoveva naõ se metia com as obras nem pagava aos officiaes: massim as Religeozas pelo Procurados e Capellao o Pe. Joao Lopes".641 AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitaismutuados certidões de missas, provisões régias, testamentos, arrendamentos, certidões de pagamentos desisa, etc. (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).642 Idem.

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Genoveva Maria e a sua irmã, Josefa Maria Viegas, caberá, como contrapartida, o

usufruto perpétuo de determinadas propriedades643. Fica-nos a impressão de que o

protagonismo de Genoveva radique essencialmente no caráter mediador da sua ação. A

propósito, refere António de Vasconcelos:

Entretanto a bôa Genoveva, a santa e corajosa fundadora do mosteiro, vivia

pobre e humildemente abrigada à sombra da árvore que plantara, passando os

dias na igreja a assistir aos ofícios litúrigos e a rezar, ou sentada à portaria do

mosteiro a fiar na sua roca.644

Mas, diversamente do que expressa o autor, Genoveva Maria não terá ficado "à

sombra da árvores que plantara", pelo menos a atentar num pedido que dirige ao rei a

fim de estabelecer uma casa de educação em Vila Pouca da Beira. A provisão régia de

28 de setembro de 1818645, que autoriza a fundação, não esclarece, porém, o estatuto da

suplicante nesta nova empresa, mas não nos repugna pensar que tenha sido, uma vez

mais, de mediação646.

Por certo no afã, bem que legítimo, de enaltecer autor e obra, e na necessidade

de dar sentido a um fenómeno marcado por importantes lacunas de informação

histórica, se tenha incorrido num discurso que explora a polarização entre a

precariedade dos meios e a grandiosidade dos fins. Não se interpondo, como vimos,

totalmente à realidade, o relato anda longe, contudo, de a esgotar.

Impõe-se, antes de mais, esclarecer que a carência cultural da beata poderá ser

uma realidade, mas não o seu analfabetismo, como prova uma declaração em que de seu

punho assina, já que, confirma-o o tabelião, sabe ler e escrever A sua pobreza e

desproteção social são igualmente fictícias. Pertenceria, ao que consta, a família de

643 É procurador do convento Gaspar Afonso da Costa. O anterior tinha sido João Lopes da Costa, capelãodaquela comunidade. 28 de Outubro de 1794. A 28 de outubro de 1794, emite-se uma outra declaração (a4.ª) feita após provisão do bispo-conde, que ordena ao Cónego José Simões de visitar o ainda entãohospício das religiosas. (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).644 António de VASCONCELOS, op. cit., pp. 407-408.645 ANTT, Registo Geral de Mercês, D. João VI, liv.13, fl.97v. A casa ficaria sujeita à administração doProvedor da Comarca da Guarda e, a 26 de abril de 1826, por portaria régia, submetida à jurisdição dobispo de Coimbra646 A provisão é precedida pela portaria régia de 22 de agosto de 1818.

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grandes proprietários da vila, detentores, alguns deles, de elevados cargos na Igreja,

Justiça, Administração concelhia, e mesmo no serviço régio647.

O conhecimento, tão acidental quanto feliz, das Memorias da Fundação do

Recolhimen.to e Convento do Dezagravo do Santissimo Sacramento de Vila Pouca da

Beira, manuscrito de arquivo privado datado de 1792, permitem-nos uma mais fiel

aproximação aos primórdios da fundação. Com base nele, várias ilações pudemos

extrair, atenuando, pelo menos em parte, as inconsistências que ressumam das

informações até hoje coligidas648.

A ligação de Genoveva Maria ao Mosteiro de Vila Pouca e a sua opção pela vida

religiosa será tudo menos espontânea e taxativa. Acometida de inexplicável inquietação

e insatisfação interior, abandonará a casa paterna com destino a Coimbra, onde será

hospedada pelo Reverendo Dr. Maurício Dias de Matos. Contaria, na altura, cerca de

vinte anos. No dia em que soa o desacato de Vila Pouca, encontra-se em Coimbra, o que

nos leva a duvidar da justeza da data apontada para a ocorrência do sacrilégio, 1743 e,

simultaneamente, da agudeza do sentimento que a jovem consta ter experimentado.

É invariavelmente em ambiente piedoso que em Coimbra se move: no Mosteiro

de Santa Clara tomará contato com o seu primeiro confessor, um religioso franciscano

que aí pregava na sequência do Terramoto de 1755. Será ele quem lhe diz: "E porque se

não recolhe? Se não tem meios, fale ao Senhor Bispo."649

Passará, mais tarde, à direção espiritual de D. José Sexto, cónego regrante de

Santo Agostinho do Mosteiro de Santa Cruz, falecido em odor de santidade. Por

intermédio de um padre do Seminário de Coimbra, conseguirá do bispo D. Miguel da

Anunciação a licença para ingressar em qualquer dos conventos da diocese.

Aspirando, no entanto, a vida penitente e despojada, é aconselhada pelo

confessor a recolher-se no Isento do Mosteiro de Santa Cruz, onde virá a permanecer

cerca de três ou quatro anos. Pelo mesmo confessor é incumbida de encontrar um local

647 Cfr. António Correia GÓIS; Francisco GÓIS (co-aut.), O Convento do Desagravo do SantíssimoSacramento (1780-1889), Vila Pouca da Beira, Junta de Freguesia de Vila Pouca da Beira, 2012, p. 79.648 As Memorias da Fundação do Recolhimen.to e Convento do Dezagravo do Santissimo Sacramento deVila Pouca da Beira, da autoria do Desembragador Francisco António Duarte da Foncesa MontenhaOliveira e Silva, cavaleiro professo na Ordem de Santiago, encontram-se anexas à obra supracitada deAntónio Correia Góis, a pp. 262-272. Sobre este documento, sem dúvida precioso, António Góis refereter sido "cedido por gentileza de Monsenhor Leal Pedrosa, Dr. Luís Batista, e convento do Louriçal." (Vd.GÓIS, op. cit. p. 82, nota 37).649 Memorias da Fundação do Recolhimen.to, fl. 7 v.

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para instalação de uma casa religiosa que um grupo de homens pretendia instituir para,

assim se escreve, "applacar a Ira de Deos"650.

Até ao momento, não se lhe pode assinalar qualquer ideário de vida comunitária

e, tanto menos, consignar-lhe qualquer iniciativa onde a Ordem a observar estivesse

longinquamente prevista. Aliás, esta última virá a ser explicitamente sugerida ao

confessor de Genoveva por um lente de Cânones, Dr. António José Correia. Diria o

próprio que "convinha tratar de huma Fundação com o Instituto do Louriçal onde se

choracem as maldades do mundo"651. Recordemos, uma vez mais, que naquele mosteiro

vivera Soror Maria Joana, a qual, pouco antes de morrer, vaticinara o Terramoto de

1755 e que a diocese de Coimbra se empenhava à época na beatificação desta e de uma

outra religiosa da casa, assim como na reabertura do processo de beatificação da

fundadora mística da Regra, Maria do Lado.

Na fundação proposta a Genoveva Maria, serviria de intermediário junto do

bispo o carmelita descalço Frei José Caetano, o mesmo que, nos anos 20 de Setecentos,

fora instituído como mediador entre D. João V e o Papa no âmbito da reativação do dito

processo canónico.

Genoveva terá estado 19 anos entre o Isento de Santa Cruz e o seu retiro de Vale

de Mó, próximo do Bussaco, aonde se dirigia pela Quaresma e Advento. Ao longo deste

período, conhecerá a perseguição do pároco do local, que inclusive a denunciará ao

Santo Ofício e, da mesma forma, a hostilidade de certa mulher, que ameaçaria mesmo

acusá-la ao Marquês de Pombal como fanática e embusteira.

A ideia do mosteiro parece, portanto, alheia às suas prioridades, vindo apenas a

ser considerada de forma consistente quando a beata torna a Vila Pouca, e,

curiosamente, não de forma espontânea, mas por sugestão de outrem, certo Roque

Eduardo de Abreu Castelo Branco, capitão-mor da vila. Genoveva concordará na

instituição de um recolhimento, para cuja construção destina o lugar de S. José, em

parte confinante com terrenos de que é proprietária. O assentimento de D. Miguel da

Anunciação não se faria, naturalmente, esperar. Preparado no campo religioso, o terreno

desbravava-se agora no plano material. Genoveva iniciaria então o processo de

angariação de fundos, seguramente mediado e aplanado pelos contatos que a longa

estadia em Coimbra lhe terá proporcionado. De fato, o retorno à terra natal não

significou a quebra de laços com Coimbra e com a ambiência religiosa que aí pulsava,

650 Ibidem, fl. 9 v.651 Ibidem, fl. 10.

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destacando-se no favorecimento desta continuidade Fr. Inácio de S. José, natural de Vila

Pouca da Beira e anteriormente residente em Coimbra652. Sobre ele recaíram as

primeiras diligências com vista à fundação, o estabelecimento de uma comunicação

privilegiada com D. Miguel da Anunciação e, inclusive, a escolha do arquiteto

responsável pelo risco do edifício monástico, Fr. Francisco de Jesus Menino, irmão

leigo do não longínquo convento franciscano do Senhor Santo Cristo da Fraga.

Ignorada pelo pecúlio bibliográfico até agora oficial está também a mística que

envolveu grande parte destes antecedentes fundacionais, onde natural e sobrenatural

caminham novamente lado a lado. Dos muitos exemplos que caberia enunciar, citemos

apenas dois: estando Genoveva em Coimbra, encontra inesperadamente certa quantia de

dinheiro no chão da casa que habita. A conselho do confessor, doa-a aos pobres. A

soma, porém, mesmo que distribuída com a maior liberalidade, acaba por sobrar,

permitindo a compra do terreno da casa. Já em Vila Pouca, o licenciado João Viegas,

presbítero secular e parente da beata, sendo grande devoto de umas imagens da capela

sobre a qual se viria a edificar o cenóbio, terá muitas vezes anunciado à população que

aí se dirigia: "Vocês ahinda hãode ver aqui couzas grandes!"653.

O itinerário da devota e, por ele, os destinos do mosteiro, encontram-se

fortemente entretecidos pela conjuntura moral e política do reino de que emerge,

evidentemente, a Jacobeia. Foi no seio desta reforma, da prisão do bispo de Coimbra,

enfim, da turbulência religiosa que acompanhou o governo do Marquês de Pombal, que

vemos surdir a identidade religiosa de Genoveva. E, nesse contexto, coube-lhe um papel

ativo, não apenas pelas iniciativas que, de motu proprio, empreendeu, quanto pelas

missões de que foi investida.

Obra de vários autores, fruto da convergência de várias vontades e de diferentes

motivações, o Mosteiro de Vila Pouca não deixaria de ser devedor a Genoveva Maria,

cuja memória não parece, estranhamente, ter ecoado substancialmente no interior da

fundação, onde a aparente ausência de referências ou representações imagéticas da beata

assinala uma truncatura num discurso que se pretenderia coerente.

652 Será este o primeiro confessor do mosteiro.653 Memorias da Fundação do Recolhimen.to fl. 6 v.

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3. 3. Uma longa história fundacional

Quando surge, em ou através de Genoveva Maria, a intenção de fundar, de que

beneficiaria Vila Pouca da Beira? Pequena freguesia do concelho de Oliveira do

Hospital, distrito e bispado de Coimbra, situada em local isolado, entre as Serras da

Estrela e do Açor, Vila Pouca seria destituída de qualquer visibilidade654. Fá-lo

inclusive notar o autor do Portugal Antigo e Moderno, que refere exclamativamente que

"Na Chorographia Portugueza, na Geographia Historia de Lima e no Por. S. e Profano

nem o titulo d'esta parochia se encontra!" Na mesma linha, prossegue: "O Flaviense

deu-lhe 126 fogos em 1852 - e J. A. d'Almeida 131 em 1866."655

As memórias paroquiais referem não existirem conventos na freguesia, nem

tampouco Misericórdia. Como templos, contar-se-ia apenas a igreja paroquial, "pequena

e humilde", uma capela pública da invocação de S. Miguel e uma outra particular656. O

mosteiro instituído por Genoveva instalar-se-ia, portanto, em terra de erma periferia.

Não cremos ter sido fruto de uma necessidade coletiva ou geral emitida por uma voz

individual, o que, no entanto, não desmerece o valor moral e social de que viria a

usufruir. De fato, a dar como certa a opinião de Pinho Leal, a casa passaria a representar

um marco da identidade local, que ficaria irremediavelmente associada à figura

veneranda de Genoveva Maria e à dinâmica impressa pelo cenóbio. "O edificio mais

notavel d'esta parochia é o convento" ditará o autor, anotando ainda ser a igreja "ampla,

majestosa e muito bem tractada"657.

Quando, em dezembro de 1779, a Câmara, Nobreza e Povo de Vila Pouca da

Beira requerem à rainha licença para a fundação monástica, a maior parte dos bens

necessários estaria certamente já arrecadada. Na autorização de D. Maria I, dada em

documento de finais de 1779 e ratificada por provisão de 24 de Fevereiro do ano

seguinte658, fica claro estarem reunidas as condições necessárias à fundação. Não só o

654 Pinho LEAL, op. cit., p. 910. Em 1840, pertencia ao concelho de Avô, extinto em 1855, vindonovamente a passar ao de Oliveira do Hospital. A povoação estava na margem direita do rio Alva.Banhavam-na três pequenos ribeiros: Cal, Corga e Pombal.655 Diccionario geographico das provincias e possessóes portuguezas no ultramar; em que se descrevemas ilhas, e pontos continentae que actualmente possue a corôa portugueza, e se dão muitas outrasnoticias dos habitantes, sua historia, costumes, religião e commercio, Porto, Tipografia de Sebastião JoséPereira, 1852, p. 249.656 Pinho LEAL, op. cit., p. 910.657 Idem, ibidem.658 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v – 257.

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motivo e a bondade da pretensão estavam satisfeitas, quanto o plano material

assegurado. Oferecia-se, pois,

a capela, o seu adro e rossio que serviam para a área do convento e igreja; que

mais se ofereciam as propriedades a ela contíguas, para a cêrca, hortas e

pomar com bastantes águas para os ministérios do convento e cêrca.

Além disso, a obra beneficiaria de avultadas ofertas. De fato, para a

fatura da mesma obra se ofereciam todas as madeiras de graça, como também

de graça todo o carreto da pedra que se achava no mesmo sítio; e para a

manufactura da obra se ofereciam muitas e avultadas esmolas que se achavam

prometidas de pessoas pias e abonadas que estavam prontas para as entregarem

havendo licença minha para se fazer a obra.

Quanto ao fundo, que poderia ser futuramente aumentado, oferecia-se, para o

iniciar, treze mil e quinhentos cruzados "em fazendas e dinheiro". E, para a sustentação

das irmãs, davam-se "côngruas vitalícias que as mesmas deviam levar de suas casas" e

uma "esmola de cincoenta mil reis para os gastos da igreja e sacristia."659

O processo parecia correr célere. Embora a vida em comum remontasse a 1777,

conforme uma relação dos gastos do cenóbio leva a concluir660, a 5 de maio de 1780,

uma escritura consagrava a "doação irrevogável que fazem a Câmara, Nobreza e mais

Povo deste concelho de Vila Pouca, da cedência da Capela de São José, com suas áreas

e mais pertences, móveis e terreiro, na mão de Genoveva Maria do Espírito Santo."661 A

18 de agosto de 1780, o bispo-conde concedia licença para que se desse início à obra

segundo planta previamente aprovada662. Pouco depois, a 6 de outubro do mesmo ano,

659 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v – 257.660 Diamantino AMARAL, op. cit., p. 23.661 Escritura de doação que faz a Câmara, Nobreza e Povo de Vila Pouca da Beira, na mão da ZeladoraGenoveva Maria do Espírito Santo, para o Convento a fundar naquela vila. (AUC, Convento doDesagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados certidões demissas, provisões régias, testamentos, arrendamentos, certidões de pagamentos de sisa, etc.).662 Provisão de 18 de agosto de 1780 (AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados certidões de missas, provisões régias, testamentos,arrendamentos, certidões de pagamentos de sisa, etc.).

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lavrava-se escritura de arrematação e fiança da obra do convento entre Genoveva Maria

e o mestre de obras João da Silva e seus companheiros663. Entretanto, uma concessão

régia permitia o noviciado de recolhidas de Vila Pouca no Mosteiro do Louriçal, "para

nele se educarem no costume da religião"664.

Contudo, entre este primeiro surto de diligência e a ereção canónica do cenóbio

cerca de uma década mediaria. Com efeito, só a 27 de maio de 1791 uma provisão do

bispo-conde D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho autorizava, a fim de dar

início à fundação de Vila Pouca, a saída do Mosteiro do Louriçal de Soror Maria

Bárbara, Soror Maria do Lado, Soror Maria da Sagrada Família, Soror Maria de Santa

Rita e de quatro noviças. Madre Maria Bárbara era nomeada fundadora e as noviças -

Mariana do Lado, Maria do Sacramento, Maria do Coração de Jesus e Maria de Nossa

Senhora -, admitidas a tomar hábito. A 29 de setembro de 1791 tem início a vida

clausurada, embora não ainda no edifício monástico, que não se encontraria terminado,

mas num hospício provisório.

Uma petição, certamente antecedente da dita provisão, que a Câmara e Nobreza

de Vila Pouca da Beira dirige ao bispo, esclarece que

para as Religiozas habitarem emquanto senão completa o dito Convento, [se]

tem preparado hum bom Hospicio, com sua Capélla, e Cerca murada com todos

os trastes necessarios, assim para os cultos Divinos, como par aa comodidade

temporal das Religiozas com toda a decendia, e resguardo, como consta da

revista, que no mesmo Hospicio se mandou fazer pelo Juizo Ecleziastico.665

Os entraves que o processo fundacional conheceria não estão relacionados com a

vontade régia, mas, curiosamente, com a avaliação episcopal. A ele cabia, de acordo

com o Concílio de Trento e com as constituições sinodais do bispado de Coimbra aferir

da exequibilidade da fundação, que, aliás, iria caber no âmbito da jurisdição diocesana.

663 AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitaismutuados certidões de missas, provisões régias, testamentos, arrendamentos, certidões de pagamentos desisa, etc.664 Idem, ibidem, p. 18665 Petição da Camara e Nobreza de Vila Pouca da Beira ao Bispo, s/data (AUC, Convento do Desagravode Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados...)

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O acordo que, num primeiro momento, D. Francisco de Lemos Faria Pereira

Coutinho concedeu foi estranhamente seguido pela reserva de quem o viria a substituir.

Reserva essa que, de igual modo, parecia pôr em causa a ascendência decisória da

rainha, que havia autorizado o estabelecimento e que, por beneplácito, nomeara as suas

canónicas fundadoras666.

O processo de avaliação das condições de fundação mereceria parecer favorável

do promotor João António de Sousa Negrão, que em relatório informará que as

"suplicantes satisfizeram todos os requisitos faltando o risco da obra que está sendo

elaborado"667. É na passagem dos autos para a Câmara Eclesiástica que se verificará o

embargo. Duas circunstâncias poderão estar na base desta inflexão: o bispo-conde

delega no Doutor Manuel de Jesus Pereira, provisor do bispado, a resolução dos

assuntos relativos à fundação e o promotor João António de Sousa Negrão é substituído

no cargo que ocupa pelo Desembargador Bernardo Pessoa Varela de Faria668.

Em causa estava a sustentação do mosteiro, que dos autos resultava instável ou

deficitária. À circunstância de se tratar de uma comunidade feminina, somava-se a

distância de núcleos populacionais que pudessem prover-lhe ao sustento. Toda a sorte

de incongruências processuais, e outras, seria destacada. Do aturado escrutínio

exercitado pelo cabido, salientava-se a incoerência entre a revisão de receção de dotes e

a obediência a uma Regra que à partida os dispensava. A questão era, efetivamente,

pertinente: as religiosas não pretendiam apenas construir um convento, mas sustentar

também a sua comunidade, o que contrastava com a anunciada pretensão de fundar um

instituto em altíssima pobreza, onde não houvesse bens em comum ou nem rendas

vitalícias, mas apenas as esmolas dos fiéis669.

Entretanto, D. Maria I reveria a cláusula, contida na provisão de licença para

fundação, segundo a qual o fundo do mosteiro deveria converter-se em padrões de juro

reais ou na construção de casas nas ruínas de Lisboa, permitindo, por provisão de agosto

666 A 24 de julho de 1780, a Câmara pede a nomeação de uma terceira fundadora, Soror Maria do Lado.Nessa altura, as obras do hospício já se encontram realizadas, dispondo o mesmo de condições paraclausura.667 Relatório do promotor, que refere que os "suplicantes satisfizeram todos os requisitos faltando o riscoda obra que está sendo elaborado". (AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados...).668 Em outubro de 1782, o promotor João António de Sousa Negrão seria substituído no cargo peloDesembargador Bernardo Pessoa Varela de Faria. Como faz notar Diamantino Amaral, "com a mudançadas pessoas que haviam de resolver os assuntos, mudou também o modo de apreciar as questões."(AMARAL, op. cit., p. 23).669 Diamantino AMARAL, op. cit., p. 101 e ss. Remete para Relação dos Título juntos aos inquérito de13 de maio de 1783 (AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Documentos diversos).

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de 1783, a manutenção de tal fundo em bens de raiz670. No entanto, o desbloqueio da

situação dar-se-ia apenas em 1791, novamente por mãos de D. Francisco de Lemos, que

autorizaria o ingresso das fundadoras mesmo antes de perfeito o fundo monástico671.

670 AMARAL, op. cit., pp. 27-28. A licença para a fundação, transcrita na obra referenciada, consta daChancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v - 257.671 A provisão do bispo-conde D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, deferindo o ingresso dasreligiosas no Hospício de Vila Pouca, tem a data de 27 de maio de 1791 (AUC, Convento do Desagravode Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitais mutuados...).

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3.4. Da fundação ao ocaso. Retalhos de uma vida breve e atribulada

A 29 de setembro de 1791 dava-se início à vida comunitária com o ingresso das

religiosas no hospício que, até 3 de maio de 1801, data em que transitariam para o novo

edifício, lhes terá precariamente servido como sede672. Já nas instalações provisórias se

denunciavam, porém, dificuldades internas acentuadas. Não por outra razão, a então

abadessa, Soror Maria Bárbara, pede para que as noviças que aí se encontram possam

professar aos seis meses de noviciado, já que, para além de si, se contavam apenas três

outras religiosas professas, e

porque as ditas Religiozas são poucas, e já de idade avançada, e com alguns

achaques que as impocibilitaõ para idoniamente suprirem os Cargos, e

Ministérios da Religião no que padecem graves imcomodos assim no temporal

como prejuizos e decadencia no espiritual, e observancia das Leys prescritas.673

O pedido seria deferido pela Câmara Eclesiástica. Da mesma forma, e ao

contrário do que rezavam os Estatutos, as religiosas entravam com dote674.

Aos rigores materiais far-se-iam corresponder os rigores ditados pela obediência

às Constituições, como bem refere o bispo-conde de Coimbra, D. Manuel de Bastos

Pina, que, a respeito da visita pastoral realizada em 1875, não se coíbe de desabafar:

Assim, pois, n’estes tempos de frio egoismo, e quási só de gozos e prazeres

materiaes e de interesses mundanos, são summamente consoladores,

enternecem e edificam tamanhos prodigios de abnegação, de caridade e de

heroismo, que só a religião sancta de Jesus Christo é capaz de inspirar: e nós

damos a Deus muitas graças por nos conceder a mercê de termos nas terras da

Beira, que constituem a parte maior do nosso Bispado, um convento tão

venerado pelos Fieis, e que é um verdadeiro modelo na perfeição da vida

672 Termo da Mudança e Tresladação das Religiozas (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).673 Aprezentação de hum indulto Apostolico, para no Convento de Vila pouca da beira poderem professaraos seus mezes de Noviciado as Noviças declaradas na Supplica, debaixo da condição do mesmo Indultoexpreça, 26 de março de 1792. (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).674 Conta dos dotes q. se tem recebido das Relig.as q. vierão p.ª esta Fundação (AUC, III, 1D, 10, 1, 23).

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religiosa e na practica das virtudes christãs, cuja fragrancia se derrama por

todos aquelles contornos, com proveito assás conhecido para a conservação dos

bons costumes, para o bem dos proximos e para a salvação das almas.675

Faz ainda notar, sublinhando a "abnegação e dedicação sublime e quase sobre-

humana" da comunidade, que

não se compreende nem se acredita hoje no século que estas senhoras, quase

todas velhas, e com quatro doentes e de todo impossibilitadas, levem a

abnegação e a piedade a ponto de cumprirem com o máximo rigor as

obrigações todas do seu santo instituto [...]. Para descansarem e se confortarem

de tantos trabalhos, fadigas e vigílias têm apenas para habitação uma casa em

um país frio, exposta aos rigores do norte, húmida, muito velha, crivada de

buracos e sem conforto de qualidade algum [sic], a não ser a enfermaria; para

a alimentação, comida de magro todo o ano, jejum quase sempre e pão e água

para a ceia, para vestuário, um hábito de burel sobre o corpo, atado na cinta

com um cordão de S. Francisco e um pano preto por cima da cabeça e da cara,

tanto de Verão como de Inverno; para dormida uma pequena cela com uma

grande cruz de madeira, algumas tábuas nuas postas sobre dois bancos, uma

coberta de burel e um cepo com uma cavidade no meio, onde reclinam a

cabeça; e para recreio e distração, a penitência e o silêncio contínuos.676

Aparentemente anacrónicas, as condições extremas descritas seriam, afinal, o

melhor argumento contra o estiolamento moral do tempo, revestindo-se, por isso

mesmo, de eminente utilidade. Assim o lemos no discurso do antístite, que exclama ser

o convento

675 Carta citada por Pinho LEAL, Portugal Antigo e Moderno, Vol. XI, Lisboa, Livraria Editora de MattosMoreira & Companhia, 1886, pp. 910-913.676 A carta do bispo-conde encontra-se transcrita por Pinho LEAL, op. cit., pp. 910-913. Veja-se também,sobre a mesma, António de VASCONCELOS, A árvore franciscana plantada e frutificada na Diocese deCoimbra, Coimbra, 1926, Estudos, n.º 5, 1926, pp. 385-440 e RAMOS, António de Jesus RAMOS, Obispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1995, pp. 304-307.

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tão venerado pelos fiéis e que é um verdadeiro modelo na perfeição da vida

religiosa e na prática das virtudes cristãs, cuja fragrância derrama por todos

aqueles contornos, com proveito assaz conhecido para a conservação dos bons

costumes, para o bem dos próximos e para a salvação das almas.

Querido pelo povo, o mosteiro beneficiaria outrossim da estima dos bispos de

Coimbra e de pessoas de elevada condição. A D. Francisco de Lemos se deve a doação

de grande parte do vestuário litúrgico e de várias alfaias, entre as quais um inventário

elenca: um cálice de prata, um turíbulo de prata com naveta e colher, duas chaves de

prata do sacrário, uma coroa de prata da Senhora do Patrocínio, uma banqueta de

madeira dourada, um Cristo de Marfim e seis castiçais de casquinha branca677.

Sucedendo a D. Francisco na sede episcopal, D. Manuel de Bastos Pina irá

suceder-lhe, senão exceder-lhe, no zelo por aquela casa religiosa. Chegará a invocar

haver "declarado a estas religiosas que elas nunca teriam fome enquanto o seu pastor

tivesse alguma coisa"678. É ele quem oficia ao Ministério dos Negócios Eclesiásticos

dando conta da situação a que as religiosas se encontravam reduzidas e que se bate por

que o governo garanta às freiras um subsídio anual "com que pudessem atender às suas

necessidades sem precisarem de esmolas"679. Em carta ao cabido de Coimbra, refere

mesmo que

Todas estas coisas referimos e expusemos nós ao ministro dos Negócios

Eclesiásticos, e tencionamos chamar em tempo oportuno a atenção [...] para

esta casa religiosa, que, embora um pouco mais remediada hoje, ainda vive de

esmolas, e em tempo já chegou a tais apuros, que as religiosas se alimentavam

de leitugas e saramagos!

Da esfera cortesã, não menores foram as atenções. Começariam com D. Maria I,

como acima deixámos dito, e prosseguiriam com D. Carlota Joaquina, que ao mosteiro

677 Fundação Bissaya-Barreto, Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Arrolamento e Inventáriodos Bens da Igreja da Paróquia de Vila Pouca da Beira. Concelho de Oliveira do Hospital. Distrito deCoimbra., doc. de 6 de dezembro de 1915., p. 2 e pp. 6-7.678 Cfr. António de Jesus RAMOS, O bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina, Coimbra,Gráfica de Coimbra, 1995, p. 306.679 Cfr. Idem, ibidem.

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deixaria algumas das suas joias para serem aplicadas na custódia principal680. Não

cessando com o decreto liberal de extinção das Ordens Religiosas, teriam ainda

expressão no alvará de 16 de Junho 1840, em que D. Maria II toma debaixo da sua real

e imediata proteção o cenóbio de Vila Pouca.

Possivelmente não isolado no seio da nobreza cortesã, foi o caso de D. Joana

Bernarda de Sousa Lencastre e Noronha, 11.ª Marquesa das Minas, a expensas de quem,

supõe-se que em cumprimento de um voto, no "exemplarissimo Convento de Villa

Pouca da Beira se faziaõ cinco festas annuaes de Desaggravo"681.

Mas a estima que uns dispensavam, mesmo que revestida de amplo poder

temporal e espiritual, não logrou vingar sobre o efeito, adversativo, das medidas

governamentais de feição anti-congreganista. O mosteiro seria fruto e presa das

contradições do seu próprio tempo.

Antes ainda da legislação liberal, e cerca de uma década passada sobre o início

da vida comunitária no novo edifício monástico, a comunidade será fortemente abalada

pela Invasões Francesas. Significativamente, será a partir de então que os registos

paroquiais assinalam o enterramento na igreja monástica de pessoas que não apenas

confessores, capelães e sacristãos do cenóbio. Um dos livros de óbitos da freguesia de

Vila Pouca da Beira regista, com data de 31 de janeiro 1852, uma sepultura no

"Cemiterio do Convento deste Lugar"682.

Sem possibilidade de se renovar em virtude da inibição de emissão de votos,

decretada em 1833, a comunidade extinguia-se a 2 de Julho de 1889683 na sequência do

falecimento da sua última professa. Desafetado, o espaço monástico seria ampliado e

adaptado a hospital civil. Mais tarde, por volta de 1928, nele se instalaria o Posto

Agrário do Alto Mondego, que, porém, em 1935 se extinguia. Após um incêndio que

viria a afetar parte da antiga estrutura monástica e da igreja, o espaço acolheria um

680 Vergílio CORREIA, op. cit., p. 184. As joias doadas por D. Carlota Joaquina terão, de acordo com oInventário, sido aplicadas na execução de uma valiosa custódia. (Vd. A. Nogueira GONÇALVES, "ACustódia de Vila Pouca da Beira", Porto, 1948).681 Fortunato de SÃO BOAVENTURA, Oração sagrada nas exéquias da Sra. D. Joana Bernarda deSousa Lencastre e Noronha, Lisboa, Tipografia de Bulhões, 1827, p. 32, nota de rodapé. Numa oraçãofúnebre pregada no Conventinho Novo de Lisboa, onde seria sepultada, fica patente a sua dedicação aosmosteiros desta observância. Diz-se, pois, que “No exemplarissimo Convento de Villa Pouca da Beira sefaziaõ cinco festas annuaes de Desaggravo, á custa da Excellentissima Sra.ª Marqueza, que pedia humsegredo inviolável, que forçosamente se revelou depois da sua morte [...].”682 A 21 de junho de 1812 é sepultado na Igreja do Convento das Religiosas João de Abranches (AUC,Registos paroquiais, Mistos, Lv.2, Vila Pouca da Beira, 1812, fl. 56 v.). Mesmo anteriormente, em 21 defevereiro de 1804, José Inocêncio Soares de Brito é enterrado na igreja das religiosas (AUC, RegistosParoquiais, Mistos, Lv. 2, Vila Pouca da Beira, 1804, fl. 49).683 Cfr. Diamantino Antunes do AMARAL, op. cit., p. 49.

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colégio de religiosas doroteias que, encerrado em julho de 1939, daria lugar, poucos

anos mais tarde, a um recolhimento de religiosas dominicanas contemplativas. Em

1952, o edifício dava sede à colónia de férias "Ar e Sol"684, passando no presente, e

após vicissitudes outras, a albergar uma unidade hoteleira inserida na rede Pousadas de

Portugal, integrando o grupo das Pousadas Históricas685.

684 A Fundação Bissaya-Barreto aí se instalaria entretanto.685 A respeito das alterações mencionadas, veja-se a documentação patente na Fundação Bissaya-Barretorelativa ao mosteiro.

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3.5. Entre hospício e mosteiro: duas obras, uma vocação?

A configuração definitiva do mosteiro espelha, de forma mais ou menos direta

ou mais ou menos verosimilhante, o processo histórico da sua fundação, embora a sua

reconstituição teórica venha antes de mais interpelar as transformações aportadas pela

sua supressão e desafetação. É, portanto, na leitura do vestígio/fragmento e da nota

história e documental - também ela fragmentária e residual - que tentaremos responder

ao que foi e ao que quis ser o Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira.

Sobre a planta que, em agosto de 1780, a provisão do bispo-conde D. Francisco

de Lemos de Faria Pereira Coutinho considerava aprovada, poderemos aventar tratar-se

do risco presumivelmente executado por Frei Francisco de Jesus Menino, embora não

possamos asseverar ter sido esse suposto traçado a presidir ao edifício cuja primeira

pedra em maio de 1791 se lançava. Seja ou não assim, quando, a 3 de maio de 1801, as

religiosas ingressaram no mosteiro, as obras estariam por concluir, como afere a

visitação então realizada686. Espaços inconclusos e provisórios seriam ainda notados em

visita pastoral de 24 de agosto de 1815687, que anota não estar ainda pronto o

comungatório da capela-mor e dever ser alteado em "cinco palmos" o muro da botica

que, considerado baixo, não propiciaria a correta observância da clausura688. Já na alba

da extinção, em cerca de 1885, o abade de Miragaia noticiava que, apesar da sua

amplitude, suficiente para "numerosa comunidade", o "edifício ficou incompleto"689.

Não só ficou incompleto o edifício, como não foi o único a cumprir as funções

de cenóbio das religiosas do Desagravo. Com efeito, a vida cenobítica iniciara-se antes

mesmo de 1780 no assim designado hospício onde o Instituto do Louriçal terá quase

desde o início servido de Regra. Nele ingressariam, a 29 de Setembro de 1791, oito

religiosas provenientes do mosteiro louriçalense, instituindo supostamente a vida

monástica em moldes estritamente canónicos. Diferentemente informadas pelo padrão

de vida regular, hospício e mosteiro constituem porventura interpretações de um ideário

espiritual em evolução.

686 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).687 AUC, Convento de Vila Pouca da Beira, Livro dos Capítulos das Visitas no Convento do Desagravodo Santissimo Sacramento de Vila Pouca da Beira, 1815.688 AUC, Convento de Vila Pouca da Beira, Livro dos Capítulos das Visitas no Convento do Desagravodo Santissimo Sacramento de Vila Pouca da Beira, Visita de 24 de agosto de 1815.689 Pinho LEAL, op. cit., p. 910.

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Enquanto recolhimento provisório, o hospício terá ficado à margem do circuito

artístico que, tendo por eixo a Corte, passaria, de algum modo, a unir as diversas

fundações da observância. No entanto, ao sediar a vivência da Regra, passou a dar dela

legitimador testemunho. No espetro oposto, o mosteiro alinhou-se com as correntes

artísticas de finais de Setecentos, na charneira entre Rococó e Neoclássico, e à estética

cultivada no reduto cortesão. Mas enquadrou-se também numa diocese onde a arte

monástica de clarissas pontificava em mosteiros como Lorvão, Ceiça, Santa-Clara-Nova

e Louriçal. E, por outro lado, entroncou com a arte praticada na região que, não

oferecendo uniformidade nem sendo atribuível a "uma única lareira", nas palavras

vivazes de Túlio Espanca, seria "aquecida principalmente pelas chamas do foco

coimbrão", e simultaneamente acalentada por "outros fogos da ambiência beiroa."690

O hospício, tornando a ele, tem interesse não apenas porque local de

acolhimento de uma experiência comunitária, mas também porquanto preexistência de

uma experiência que viria posteriormente a constituir-se, por muito que em diferente

sede. A visita que, em 22 de agosto de 1782, o comissário do bispado efetua ao local

oferece-nos uma eloquente descrição daquele que qualificaríamos como sucedâneo

provisório do Desagravo de Vila Pouca.

Aberto por porta pública, o oratório, "pequenino", encontrava-se bem "forrado e

caiado". No seu interior, o altar apresentava frontal de madeira entalhado e dourado "de

huma parte com pinturas de festa, e da outra pintado de cor roxa para o tempo do

Advento, e Quaresma". Esse mesmo altar teria banqueta de talha dourada, sobre a qual

estavam o sacrário, píxide, castiçais pequenos, dois de lata amarelos novos e dois de

estanho já usados, uma imagem de Cristo crucificado "mui devota com seu Resplendor

de prata", de São João Batista, de São Vicente Ferreira e uma, de menores dimensões,

representando Nossa Senhora da Conceição. A mesma banqueta servia de suporte a

duas "laminas primorozas", uma representando a Virgem e a outra a Verónica. Sobre a

dita banqueta abria-se um nicho, "sufficientemente guarnecido, e pintado", onde

assentavam as imagens, também "mui devotas", estofadas e encarnadas, de Jesus,

Maria, José. De ambos os lados do nicho, abria-se um outro mais pequeno, a que faltava

ainda a pintura, e onde figuravam as imagens de São Francisco, do lado do Evangelho, e

de Santo António, da parte da Epístola, "bem estufadas, e encravadas". Entre as alfaias

litúrgicas e objetos de culto que a descrição engloba, refiramos uma "Custodia de prata

690 Vergílio CORREIA, António Nogueira GONCALVES, Inventário Artístico de Portugal, Distrito deCoimbra, 1953, p. 11.

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profumada de ouro feita á Romana, e primorozamente lavrada" e - curioso pela

evocação do cofre de prata de Santa Engrácia, de tão semelhante descrição - "hum cofre

piqueno de tartaruga fina por fora exarvado cor de pérola por dentro com sua chave, e

fechadura de prata". Ao oratório não faltava comungatório e "hum raro" para

confessionário. A comunicação como uma incipiente clausura seria feita por vão onde

"ficam os crivos que hão de servir de grades do coro". Talvez anexa à capela, ficaria

uma "cazinha pequenina" para aí "se comfessarem, e comungarem as religiozas", e

outra, contígua, servindo de sacristia. Próxima à mesma capela e separada desta por

"raros, ou crivos", uma outra divisão se desenvolvia.

Doze celas, refeitório, cozinha com chaminé, despensa, casa da roda e "casa de

commuas" compunham, de resto, o modesto hospício, a que não faltava uma pequena

cerca tapada com "bons muros, fortes e altos" que albergava no interior duas casas

térreas boas para acomodação de víveres691.

O estado da casa que, durante cerca de três décadas serviu de habitação

provisória às religiosas, legitimaria, na descrição que dele se faz, a pretensão das

religiosas a uma radical mudança de instalações. No decurso da visita pastoral realizada

ao novo mosteiro, a 13 de abril de 1801, o primitivo cenóbio é dado como espaço

lúgubre, onde as irmãs vivem em "grande consternação", porquanto "parte delle se acha

arruinado, e em outros sitios ameaçando grave ruina"692.

Apesar de argumentar a favor da mudança, a ruína, em si mesma, não a terá

implicado. O edifício, conquanto configurasse uma casa de clausura, fora concebido

como provisório, além de que, pelas próprias dimensões - lembremos a lotação da

comunidade -, não se poderia adequar à vivência dos Estatutos do Louriçal, nem poderia

reivindicar, pela sua pobreza material, o estatuto de casa de proteção régia que timbrava

as fundações do Desagravo. O seu recheio, além disso, não nos permite estabelecer um

nexo consistente com a espiritualidade específica da observância, por mais que a

imagem de São Francisco possa denunciar a ascendência franciscana e o cofre de

tartaruga indiciar hipoteticamente uma evocação do desacato de 1630.

O hospício instituído por Genoveva Maria mostrava-se, contudo, consentâneo

com os objetivos para que havia sido criado e, assim nos parece, com o contexto em que

se inseria. Talvez não casualmente tenha acolhido no nicho central do altar-mor do

691 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).692 Ibidem, fl. 2.

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oratório, as imagens de Jesus, Maria, José, evocando uma antiga devoção local - a qual

aliás, o mosteiro haveria igualmente de secundar.

É incerto o destino desta sede provisória. Ao referir-se à empresa construtiva,

António de Vasconcelos refere:

A construção ia-se fazendo pouco a pouco, à medida que as esmolas o

permitiam. Edificou-se primeiro uma casa, que havia de servir para residência

do capelão e para hospício ou hospedaria; e entretanto iam subindo

morosamente as paredes das casas destinadas à clausura. Decorria então o

último quartel do século XVIII.

Pouco depois, esclarece:

Cêrca de dez anos se conservou a comunidade na instalação provisória do

hospício. A primeira admissão de noviças, feita já na casa própria, foi a 29 de

junho de 1801. A mudança pois realizara-se entre o meados de 1799 e o meado

de 1801. 693

Esta reconversão do hospício em hospedaria, estrutura ainda hoje materialmente

identificável, não parece levantar dúvidas. Sabemos, contudo, que Genoveva Maria

instituiu em 1818 uma casa de educação em Vila Pouca da Beira. Teria ela aproveitado

a antiga construção, auspicando aumentá-la? Uma visita pastoral realizada a 27 de

janeiro de 1835 dá conta de que a casa tinha dívidas, estava em muito mau estado e não

se encontrava sequer acabada. A capela não conheceria "estado de nella se cellebrar o

Santo Sacrificio da Missa", o segundo piso, estaria apenas "meio solhado" e o fumo da

cozinha devassava quase todas as divisões. O primeiro andar, ainda que dispondo de

693 António de VASCONCELOS, A árvore franciscana plantada e frutificada na Diocese de Coimbra,Coimbra, 1926, Estudos, 5, 1926, p. 406.

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"boas grades de ferro", não tinha vidros nem compartimentos. E, enfim, o que estava

feito era "hum terço da obra que se tinha em vista fazer".694

694 "Auto de Vezitação da Caza d'Educação de meninas de Villa Pouca da Beira na forma da ordem daIllustrissima e Reverendissima Junta, ao diante junta" (AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca daBeira, Livro dos Capítulos de Visitas no Convento do Desagravo do Santissimo Sacramento de VilaPouca da Beira, 1815; AUC, III, 1D, 10, 1, 21).

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3.6. O mosteiro: arquitetura e património integrado

Diferente seria a configuração do mosteiro, já erguido sob o influxo da proteção

régia e do empenho firme do episcopado. Surgiria no sítio chamado de S. José, em

terrenos onde anteriormente se situara uma capela de antiquíssima devoção local da

invocação de Jesus, Maria e José, e sobre áreas com ela confinantes - adro, rossio e

várias outras propriedades - que, no seu todo, permitiriam a construção da cerca e a

existência, no seu interior, de uma horta e pomar695.

As obras, supostamente iniciadas em 1791 a partir de um traço cuja autoria

poderia eventualmente dever-se a um certo mestre João da Silva, referido em

documento de 1780696, e talvez jamais finalizadas, resultariam num conjunto formado

por igreja, dependências conventuais e, no interior da cerca murada, por quinta e

hospedaria.

O edifício compunha-se de dois andares, articulando-se a planta em torno de um

claustro quadrangular aberto por arcaria. Das fachadas quase nuas da igreja e da

portaria, situada perpendicularmente à primeira, apenas se destacam, avivando as

superfícies parietais, os portais cuja decoração aponta para finais de Setecentos. Aberto

lateralmente, o portal da igreja, de linhas retas e ladeado por pilastras, era inicialmente

coroado por medalhão com o emblema eucarístico, sobre o qual se erguia, por sua vez,

um amplo janelão flanqueado simetricamente por um nicho. Perpendicularmente à

fachada do templo, abria-se a portaria, de onde avultava um pesado portal ladeado por

pilastras e sobrepujado por frontão curvo, em "estilo regional do fim do período

setecentista."697

3.6.1. Templo

O templo monástico, cuja planta longitudinal a fachada reflete, abria

lateralmente para a via pública. No interior, a nave única apresentava cobertura

abobadada de volta perfeita, primitivamente pintada, de madeira assente em sanca de

695 Cfr. Provisão de licença para fundação, ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 14, fls. 256 v - 257.696 AUC, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Genoveva-Declarações, Escrituras de Capitaismutuados certidões de missas, provisões régias, testamentos, arrendamentos, certidões de pagamentos desisa, etc.697 Cfr. Vergílio CORREIA, op. cit. p. 185.

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cantaria698. Dominava a igreja o altar-mor, de onde sobressaía um retábulo de talha

branca e dourada com tribuna e trono do Santíssimo Sacramento ladeado pelas estátuas

dos fundadores da Ordem, S. Francisco e Santa Clara.

Cada um dos lados do arco cruzeiro alojava um robusto altar colateral de

decoração semelhante ao altar-mor. Do lado da Epístola, figurava a imagem de Santo

António e, do lado do Evangelho, a da Sagrada Família - a invocar a antiga capela de

Jesus, Maria e José699.

Diferentes configurações terá conhecido a igreja que, à data da extinção, exibia

no altar principal a imagem da Sagrada Família, ladeada pela de São Francisco e Santa

Clara, e, no altar colateral do lado do Evangelho, uma imagem da Senhora das Dores e,

no da Epístola, a imagem de Santo António700.

Um púlpito de madeira entalhada animava, de cada um dos lados, as paredes

desornamentadas da nave, onde se abriam também duas janelas gradeadas por onde a

luz jorraria abundante701. No Inventário de 1858, a igreja seria avaliada em 5.200$000.

Ainda que persistindo na incerteza relativa ao autor do risco, parece-nos de

assinalar a semelhança formal entre o trabalho arquitetónico dos altares do templo do

Convento de Fraga e os do Mosteiro de Vila Pouca, no que poderá entender-se como

indício em favor de uma atribuição de autoria.

3.6.2. Coros

Na parte fundeira do templo localizava-se o previsível coro baixo, divisão com

bastante luz, separada da chamada "igreja de fora" por grade de ferro miúda com

espigões para fora e pano preto por dentro onde se abria pequena janela servindo de

698 O forro (teto) é de volta perfeita, e, na opinião do visitador, "está muito bem pintado e decente." (Vd.Visita de 1801, AUC, III, 1D, 10, 1, 21).699Baseámos estas breves notas sobre o edifício na descrição apresentada no já várias vezes referenciadoInventário Artístico (pp. 184-185).700Auto de deposito, 16 de agosto de 1889, fl. 6 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo de Vila Poucada Beira, cx. 1893).701 Fundação Bissaya-Barreto, Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira, Arrolamento e Inventáriodos Bens da Igreja da Paróquia de Vila Pouca da Beira. Concelho de Oliveira do Hospital. Distrito deCoimbra., doc. de 6 de dezembro de 1915, p. 2. São Francisco, Santa Clara, São Sebastião, São Lourenço,Nossa Senhora das Dores, Santo António, Sagrada Família (Jesus, Maria, José), outra Sagrada Família,São Bento, Senhora do Patrocínio, Senhor dos Passos e Senhor Morto.

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comungatório702. Um crucifixo sobre a porta e, de um dos lados desta, um quadro

representando o Nascimento do Salvador e, do outro, a Adoração dos Reis Magos,

perfaziam o que conhecemos da decoração deste espaço.

Sobre ele, abria-se o coro alto, igualmente comunicante com o templo por grades

de aparato semelhante às do seu correspondente altimetricamente inferior703. Acedido

pelo interior, antepunha-se-lhe, contígua, uma pequena estância, ou antecoro, com

oratório contendo um crucifixo de marfim e uma imagem de São Bernardo, figura que,

pela tradicional associação à devoção às Sagradas Chagas, se enquadraria perfeitamente

num espaço preparatório do louvor perene do Santíssimo Sacramento704.

No interior, os "bancos de encosto pintados", peças essenciais à prática religiosa

adstrita a este espaço, surgiam acompanhados por recheio decorativo de evidente

aparato e impacte cénico. A um oratório com quadro da Anunciação de Nossa Senhora,

"pintura muito perfeita", somava-se um altar de talha dourada onde figuravam as

imagens de Santa Rosa, Santo António e São Sebastião, e "todo cheio de Relíquias

preciosas e de baixo da Urna huma perfeita Immagem do Senhor Morto"705 e um outro

altar com imagem da Senhora do Patrocínio.

A presença daquele primeiro trio de imagens sacras não será casual, podendo

remeter, de algum modo, para a matriz identitária do cenóbio: a São Sebastião era

dedicada a igreja cujo altar fora em tempos profanado, argumento, afinal, da fundação;

Santa Rosa - supomos que de Viterbo -, terceira franciscana contemporânea dos

fundadores da Ordem, seria eventualmente figura inspiradora para a comunidade,

também nascida no seio daquela observância; Santo António, por fim, não deixaria de

constituir um importante referente simbólico enquanto santo franciscano português

amplamente acarinhado e fortemente ligado ao Mosteiro do Louriçal. Compunham o

recheio artístico treze pinturas de diferentes santos, uma delas, um óleo representando

Nossa Senhora do Pranto. Por fim, sobre o arco do coro, assomava a imagem de Cristo

crucificado706.

702 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).703 As janelas do coro eram gradeadas, assim como as dos "topos do Refeitorio e todas as mais doConvento tem grades de rotola miúda, e vidraças." (Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de VilaPouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).704 Ibidem.705 Ibidem.706 A auto de vistoria refere a existência, sobre o arco do coro, de um oratório com Cristo Crucificado.

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3.6.3. Em torno do templo

Adjacente ao templo e à sua sacralidade, a sacristia, pequena estância retangular

situada por detrás da capela-mor, albergava um arcaz, um oratório com crucifico de

madeira, seis "pequenos quadros encaixilhados"707, uma imagem de Nossa Senhora da

Conceição, relíquias, duas banquetas e alfaias litúrgicas várias708. Enquanto espaço de

comunicação, daria, por um lado, acesso ao claustro e, por outro, à torre sineira.

3.6.4. Capelas devocionais

Não apenas ao templo se confiava culto e devoção, mas também a capelas,

altares e oratórios que, de forma mais ou menos previsível e mais ou menos móvel,

pontuavam o espaço cenobítico e a experiência religiosa, individual e coletiva. Além

das peças que assinalámos enquanto parte de divisões específicas, os inventários

registam duas capelas devocionais formando divisões autónomas, consagradas uma ao

Senhor das Misericórdias e, a outra, ao Senhor dos Passos709.

Da primeira, destacar-se-ia o altar com crucifixo pequeno representando o

Senhor das Misericórdias, uma imagem de Nossa Senhora em marfim, uma de São

Domingos e uma outra de Nossa Senhora da Apresentação. Um oratório de madeira em

talha dourada, contendo as imagens dos Apóstolos assistindo à morte da Virgem,

comporia, por fim, o recheio daquele espaço.

A segunda capela, por seu lado, acolheria uma imagem do Senhor dos Passos

com a cruz às costas. É significativa a temática referida que, glosando temas fortemente

acarinhados pelo Mosteiro Louriçal, extraem legitimidade da ligação simbólica que

desta forma robustecem com a casa-mãe.

707 Auto de entrega dos bens da igreja da freguezia de Vila Pouca da Beira, à comissão encarregada doculto católico da mesma freguezia, 6 de julho de 1930 (Fundação Bissaya-Barreto, Convento de VilaPouca da Beira).708 Auto de deposito, 16 de agosto de 1889, fl. 4 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo de Vila Poucada Beira, cx. 1893).709 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).

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3.6.5. Espaços de sobrevivência temporal

Disposta perpendicularmente à fachada da igreja, a portaria, enquadrada por

portal de saliente verga curva, conduzia ao interior da clausura monástica, composta por

refeitório, cozinhas, cartório, enfermaria, botica, dormitórios, sala do capítulo, casa do

noviciado e outras dependências. Como espaço de charneira entre o mundo e a clausura,

a portaria mostrava, na sua complexidade e robustez, a garantia de uma permeabilidade

intrinsecamente condicionada. Dividia-se em portaria de fora e portaria de dentro,

comunicando esta última com o locutório, munido de grade de ferro miúda com pontas

para fora e por dentro uma lata picada e pano710. A roda, de que se dotava, estabelecia

também a cega comunicação pretendida. Campainha e sino para tocar as horas

canónicas perfariam o aparato da divisão, ornada artisticamente com três quadros de

elucidativo temário de matriz crística e sacrificial: Nossa Senhora da Piedade,

Circuncisão e Santíssimo Sacramento711.

Do interior clausurado, a tibieza das fontes não nos permite um inventário, mas

tão-só uma breve e incompletíssima enunciação. No piso térreo, situavam-se, talvez de

forma contígua, a cozinha, com seu fogão e ministra, o refeitório, com nove bancadas

compridas de pinho712, e o De Profundis. No primeiro piso, abriam-se trinta e sete celas

individuais com janelas de vidro e grades férreas, em cujo interior apenas caberia "huma

pobre barra, hum sépo a cabeceira e humas mantas, huma Cruz, e hum Excabello."713

Neste andar, ainda, situava-se a enfermaria, com oratório e duas pinturas a óleo, uma de

S. José, outra de Santo António. O edifício compor-se-ia, além disso, de uma casa de

lavor e de recreação, de cárceres "e todas as mais offecinas necessarias a huma Caza

Regular." No exterior, abria-se uma cerca "para desafogo das religiosas, cercada de

muros muito altos, e fortes, que dificultozamente por elles se pode violar a clauzura."714

Separado das dependências conventuais, ficaria a hospedaria, ligada por muro e

portão ao alinhamento da igreja, formando o largo interior da torre do templo, que

acolhia o tanque ainda hoje aí existente.

710 Cfr. Ibidem.711 Cfr. Ibidem.712 Inventario addicional dos bens pertencentes ao Convento do Desaggravo de Villa Pouca da Beira,1889 (ANTT, AHMF, Convento de Vila Pouca da Beira, cx. 1893).713 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca, fls, 1v. AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).714 A pequena cerca que, em 1801 o visitador, descrevia "a seu tempo se há de formar maior, segundo asbalizas, que agora se achão dispostas".

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3.6.6. Claustro

Articulando a disposição dos espaços da clausura, que em seu redor e ao nível

dos seus dois pisos se desenvolviam, o claustro, de minuta dimensão, formava um

"quadro perfeito" composto por em arcada simples, apilastrada, de quatro arcos por

lado, atualmente envidraçados e sobreposta por galeria avarandada, ou sobreclaustro715.

As colunas da ala nascente, que hoje lhe vemos, refere o autor do Inventário Artístico,

não serão originais, mas "da obra hospitalar"716.

Tal como outras partes do mosteiro, também o claustro não estaria completo à

data da trasladação das religiosas. A visita efetuada a 13 de abril de 1801 assinalava

que, estando já os arcos formados, a varanda não se achava feita por falta de tijolos para

a construção das abóbadas que a suportariam. Curiosamente, ao preconizar o ingresso

da comunidade no novo mosteiro, o visitador desvaloriza a incompletude da obra, a

qual, em sua opinião, "se pode concluir independentemente da parte que ocupão as

religiozas, por não terem necessidade de servidão por aquele sitio e ficarem separadas

delle"717.

715 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).716 Cfr. Vergílio CORREIA, op. cit. p. 185, p. 184.717 Cfr. Auto de Vestoria no Convento Novo de Vila Pouca (AUC, III, 1D, 10, 1, 21-2).

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3.7. Programa artístico e património móvel

O teor das reflexões propostas a respeito do sistema iconográfico do Louriçal e

de Montemor-o-Novo não difere substancialmente do que a análise histórico-artística do

mosteiro de Vila Pouca da Beira suscita, o que, uma vez mais, firma a legitimadora

aproximação à matriz institucional da observância.

Os temas da Vida, Paixão e Morte de Cristo assumem um papel destacado na

representação pictórica e escultórica, e não apenas pela quantidade das peças a que se

associam, mas também pelo relevo simbólico de que elas se revestem pela sua ligação

intrínseca a espaços "maiores" de veneração - como, a propósito, o Senhor dos Passos, o

Senhor Morto e o Senhor das Misericórdias bem o atestam.

Igualmente sobressalientes são os santos fundadores da Ordem franciscana e os

seus referentes maiores, como, e antes de mais, Santo António. Sob diversas

invocações, Nossa Senhora aparece como tema recorrente, previsível tendo em conta o

culto mariano que marcou esta e outras épocas, mas, não menos, a sua inserção numa

casa religiosa feminina cuja sede instituíra a Virgem como padroeira. Da mesma forma,

Nossa Senhora da Conceição estabelece um nexo direto com a primeira fundação, cuja

prelada mística recomendara o seu culto. E as diversas Piedades sublinham, ligando-se

ao tema-chave do sofrimento redentor de Jesus, a tónica sacrificial do Desagravo.

A apropriação de referentes mnemónicos ligados à particularidade do contexto

de fundação da casa deteta-se outrossim em Vila Pouca. São Sebastião, padroeiro da

paróquia profanada, e Jesus, Maria, José, figuras de devoção local junto de cuja ermida

o mosteiro se instalou, pontificam, não casualmente, na igreja monástica.

Uma representação pictórica do Santíssimo Sacramento aparece referenciada

numa listagem de bens datando de 1889718. Não sabemos a que espaço terá pertencido,

embora creiamos que a igreja pudesse tê-la acolhido com superior propriedade. Não

seria esta a única alusão figurativa à invocação do Instituto, que encontra sede até em

peças de cerâmica de uso comum onde o símbolo eucarístico pontua como timbre de

pertença719.

718 Auto de deposito, 16 de agosto de 1889, fl. 5 (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo de Vila Poucada Beira, cx. 1893).719 Inventario addicional dos bens pertencentes ao Convento do Desaggravo de Villa Pouca da Beira,1889. Com o n.º 38, são elencados quarenta vasos de louça Vandeli, alguns com o Emblema doSantíssimo Sacramento (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, cx. 1893).

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Várias são as representações que faltaria identificar. Na verdade, a rarefeita

perceção que hoje temos da iconografia da casa parece destacar a ausência da figuração

dos seus benfeitores. Retratos das pessoas régias a quem créditos seriam legitimamente

devidos, assim como de Maria do Lado e Genoveva Maria do Espírito Santo fazem-se

presentes pela ausência As pinturas da igreja e os trezes quadros de santos do coro alto

mereceriam, neste contexto, atenta indagação.

Nesta breve incursão pelos significados da representação imagética não

deixaremos de incluir a alusão a uma peça a vários títulos axial, onde simbolicamente se

cristaliza e acrisola o sentido da espiritualidade do cenóbio: a custódia principal. Não

passaria ela despercebida ao olhar apurado de Nogueira Gonçalves, mas nem tampouco

ao rastreio, por certo de bem menos douto registo, de um inventariante oficial, que, com

despretensiosa precisão, elenca uma

custodia de prata dourada, cravejada de differentes cores, com um topazio

grande na base e na parte superior um laço de pedras brancas de maior valor

do que as disseminadas por toda ella, e dentro tem um semicirculo, cravejado de

pedras brancas preciosas, ás quaes se attribue muito valor720

A peça não constaria do inventário elaborado à data da extinção da casa, em

1858, mas de um elenco de Bens subtrahidos ao Inventário organisádo em 1870721,

onde, com o n.º 19, aparece "Uma custodia de prata de grande valor". Esse valor,

evidentemente não só monetário, mas também estético, justificaria a musealização do

objeto, hoje patente no Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra. E, se é a

"institucionalização" da peça que nos permite hoje conhecê-la, é o valor cultual e

simbólico primitivos que nos devolve o seu verdadeiro sentido.

No elucidativo artigo que à custódia consagrou, Nogueira Gonçalves esclarece

que o recurso ornamental às pedras preciosas se reveste de "duplo carácter",

confirmando o que identifica como "tradição das religiosas."722Sem elementos para

resgatar concetualmente tal tradição, podemos tentar aproximar-nos dela considerando

720 ANTT, Auto de deposito..., O auto de depósito dos bens, datado de 16 de agosto de 1869, fl. 4.721 Trata-se de um inventário adicional realizado em 1870. Bens subtrahidos ao Inventário organisádo em1870. A custódia é descrita mas não avaliada.722 Cfr. A. Nogueira GONÇALVES, "A Custódia de Vila Pouca da Beira", Ourivesaria portuguesa.Revista Oficial do Grémio dos Industriais de Ourivesaria do Norte, Porto, s/n, 1.º trimestre de 1948, p.13. Veja-se, na mesma linha, Vergílio CORREIA, op. cit., Vol. II, p. 184.

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que as joias foram oferta da rainha D. Carlota Joaquina e que, aplicadas à custódia,

cumprem uma missão a um templo decorativa e, a outro, simbólica, de consagração de

uma ligação histórica entre a Coroa e o Instituto do Desagravo.

As gemas, com efeito, terão sido apostas a uma peça que, em princípio, não

estaria concebida para as enquadrar. O seu grande número, sustenta Nogueira

Gonçalves, poderá corresponder à quantidade oferecida A denunciar também o caráter

quase votivo da encomenda, a parte cimeira e a inferior do hostiário ostenta "joias ou

elementos inteiros de joias correntes, de adorno feminino." Da mesma forma, certos

elementos seriam de origem brasileira, como o "grande topázio da base e os numerosos

rubis-balais do hostiário."723

Mas a ideia de uma "tradição das religiosas" parece insuflar-se perante a

coincidência não só da época de fabrico quanto ainda do mestre das custódias do

Louriçal e de Vila Pouca, ambas executadas em cerca de 1810-18 por um ourives

possivelmente do Porto, identificado pelas letras MS da punção724. Apesar das

dissemelhanças, as peças comungam certos aspetos, como a base triangular, a irradiação

solar do hostiário e a aposição sonante de pedras preciosas.

Em termos formais, Nogueira Gonçalves refere tratar-se de obra de estilo

neoclássico, encontrando-se "naquela fase de evolução em que desapareceram os

ornatos concheados e seus naturais companheiros, para se manterem, dentro das novas

linhas clássicas, certos recortes de inspiração anterior."725 Admite que certos aspetos da

decoração, como as cabeças de querubins, sejam posteriores, e que o corpo do hostiário,

onde anteriormente "se entrançavam espigas de trigo e parras ou querubins brincavam

em massas de nuvens, ficou espesso, só rebordado de linhas curvas". Contudo, diz ainda

o mestre, "apesar das "indecisões na compreensão das novas formas e da ligação com os

temas antigos, a custódia saiu elegante."726

723 A. Nogueira GONÇALVES, op. cit., p. 13.724 Idem, ibidem, p. 12.725 Idem, ibidem.726 Idem, ibidem, p. 13.

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4. O “Conventinho”727

4.1. Preexistências e passagens de testemunho

Sob o contexto favorável que, ao longo do último quartel de Setecentos, deu

forma aos mosteiros de Montemor-o-Novo e Vila Pouca da Beira, ergue-se em Lisboa,

no local onde cerca de século e meio antes ocorrera o desacato de Santa Engrácia, um

novo monumento ao Desagravo. Passaria o vulgo a designá-lo “Conventinho Novo” ou,

mais correntemente ainda, “Conventinho”, no que, vislumbrando a referência a um

edifício modesto, subentendemos o cotejo com um outro que, na mesma altura, se

erigia: o monumental conjunto da Estrela.

O novel cenóbio erguia-se canonicamente em 1783, por mãos da Infanta D.

Maria Ana Francisca Josefa (1736-1813), secundogénita de D. José I e de D. Mariana

Vitória. Não diferindo da história das demais casas da observância até agora analisadas,

também ele conheceu um substrato fundacional complexo, erguendo-se sobre as

preexistências de um beatério onde as Constituições do Louriçal já oficiosamente se

praticavam.

Em 1781, uma carta enviada ao Papa Pio VI impetrando a fundação leva-nos a

supor ser antiga a pretensão enunciada728. O documento revela, com efeito, que até ao

“anno de 1781 ainda se não conceguio fundar similhante Conv.º de dezagravo no

mesmo Lugar onde em Lisboa se cometteu o mencionado delicto.” Não seria

naturalmente alheia a este afã a reativação do processo de beatificação de Maria do

Lado, como o atesta, aliás, um documento ao arguir que “desde a compilação do

Processo tem passado perto de 50 anos”, pelo que urgia “suprir a falta que nasce do

lapso de tempo decorrido desde a d.ª compilação athe ao presente.”729

Mas a carta enviada ao pontífice esclarece também que uma casa do Desagravo

havia já sido criada. De fato,

727 Parte substancial do conteúdo desta secção, relativa ao Conventinho, é inspirada na nossa dissertaçãode mestrado, ao longo do texto várias vezes referenciada. Contudo, o que de momento apresentamosreflete, evidentemente, o resultado do trabalho de que, no âmbito da preparação do Doutoramento, fomosrealizando, plasmado seja em novos dados, seja na maturação da análise de conteúdos, seja, ainda, naadoção de diferentes perspetivas de abordagem.728 Cfr. Petição dirigida ao Papa Pio VI solicitando autorização para a fundação da Convento de santaEngrácia ao Cpo. de Santa Clara, Arquivo da Universidade de Coimbra, Colecção Jardim de Vilhena,Cartas diversas, Cx. XII, capilha 223.729 O documento citado faz parte dos Autos de Maria do Lado conservados no Arquivo da Universidadede Coimbra, AUC, Cabido da Sé de Coimbra, Cx. de documentos avulsos AUC, III, 1.ª D-7-2).

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a piedade Real, e Christaã, e de pessoas dos prim.os grandes da Corte, tem

ideado, e principiado hum Conv.º Similhante ao do Louriçal da mesma Regra,

Instituto, e Observancia, Aonde haja o mesmo continuo dezagravo ao SS.mo

Sacram.º, e com effeitto se acha a obra já com bastante aumento, e vivem dentro

dos seus muros alguãs Donzellas em Clauzura, exercitando o mesmo modo de

Vida do Convento do Louriçal.

O recolhimento passaria quase despercebido pela bibliografia, seja porque a sua

existência foi efetivamente breve, institucionalmente precária e materialmente pouco

expressiva, seja pelo parco relevo que a historiografia usa conceder aos antecedentes

das fundações monásticas.

A mais antiga referência histórica ao edifício, patente nos Monumentos sacros

de Gonzaga Pereira, não assinala a “proto-fundação” a que o documento alude, antes

informa perentoriamente que a criação do mosteiro se verificou em data muito posterior

ao terramoto de 1755, segundo projeto riscado em 1766 por Reinaldo Manuel dos

Santos730. Mais ou menos fielmente, a referência seria retomada pela maior parte dos

textos posteriores731.

Manuel Bernardes Branco732, em breve nota histórica inserta em 1866 n’O

Panorama733não oblitera, contudo, a memória do pequeno beatério, cuja fundação diz

corresponder ao cumprimento de um voto a favor da saúde da marquesa de Angeja.

Sabemos, efetivamente, que D. Francisca de Meneses, casada em segundas núpcias com

o 3.º Marquês de Angeja, padeceu de uma enfermidade cuja gravidade é evocada em

curiosa correspondência endereçada por Manuel Joaquim, médico, a D. Pedro José de

Noronha. Nela se refere a “doença espasmódica” da paciente que, em certo episódio, a

levaria a estar "32 horas sem engolir" e "mais de 40 sem falar"734.

730 Cfr. Gonzaga PEREIRA, Monumentos sacros de Lisboa em 1833, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1927,p. 309. Esta referência é repetida, como que à laia de mote, por quase toda a bibliografia consultada.731 Veja-se, por exemplo, Norberto de ARAÚJO, Peregrinações…., pp. 83-84, ou Manuela BIRG,“Convento do Desagravo”, in SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo (dir.), Dicionário da Históriade Lisboa, Lisboa, 1994, pp. 331-332.732 Vd. do mesmo autor, a Historia das Ordens Monasticas em Portugal, Vol. I, Lisboa, Livraria Editorade Tavares Cardoso & Irmão, 1888, pp. 122-124.733 Cfr. Manuel Bernardes BRANCO, “O Conventinho de Desagravo de Lisboa”, O Panorama, Vol. XVI,Lisboa, 1866, pp. 409-410.734 BNP, Secção de Reservados, Cód. 1467, Correspondência de Francisco António Ferreira da Silva[manuscrito por Ordem dos Frades Menores], fls. 2-2v. A carta não está datada, mas depreende-se que,

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A investigação arquivística confirma a menção de Bernardes Branco e sublinha-

lhe o interesse. Dá-se, pois, notícia de que, a 17 de Outubro de 1778, o Marquês de

Angeja, por intermédio do arquiteto Mateus Vicente de Oliveira, seu procurador,

compra a Bartolomeu de Aranda e Angelina Maria Riba uma propriedade no Campo de

Santa Clara735. Desse primeiro contrato não muito tempo decorrerá até que D. Pedro

José de Noronha Camões doe “vocalmente” às religiosas do Mosteiro do Louriçal a dita

propriedade onde, entretanto, várias benfeitorias haviam sido feitas736. Pelo contrato de

ratificação da doação, de 22 de Março de 1790737, concluímos que a cedência oral terá

tido lugar pouco antes da morte do marquês, que sabemos ter ocorrido em Março de

1788, data em que o recolhimento se havia já convertido em casa clausurada738. O

contrato informa, de fato, que

dispois passando o mesmo Marquez […] a formar no mesmo predio hum

recolhimento, com sua Irmida, em que se fez grande despeza com essas

bemfeitorias proprias da sua fazenda, duou tudo vocalm.te ás dittas

Religiozas.739

A fundação e dotação terão, contudo, sido iniciativas de D. Francisca de Assis, a

quem o Cardeal-Patriarca D. Fernando de Sousa e Silva concede, por documento datado

de 23 de Abril de 1779, licença para a ereção de um recolhimento e ermida no Campo

de Santa Clara740. A visita canónica ao local, cometida ao Beneficiado Caetano Alberto

pelas datas dos documentos que a antecedem e a subseguem, deva ser do início de 80 de Setecentos.Sabe-se que também D. Pedro José sofria, pela mesma altura, de uma grave moléstia que o levaria àmorte em 1788.735 ANTT, Cartório Notarial de Lisboa n.º 5 A, Lv. 53, fls. 9 v. – 10 v.736ANTT, Cartório Notarial de Lisboa n.º 11, Lv. 711, fls. 13v-14v. Trata-se de um instrumento deratificação da doação. Assina-o o Marquês de Angeja, D. José de Noronha, D. Francisca de Almada, suamulher, e D. Francisca de Assis, mãe do primeiro.737A mesma doação é ainda confirmada em documento de 26 de Junho de 1790, por carta de confirmaçãode doação de D. Maria I. Às destinatárias da doação cabem as propriedades compradas, já elas combenfeitorias, como todas as benfeitorias mandadas realizar por D. Pedro José de Noronha, 3.º marquês deAngeja. (ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 35, fl. 283).738 No Inventario dos bens pertencentes ao supprimido convento do Dessaggravo, elaborado em Abril de1911, aparece listada uma “escriptura de venda feita ao Marquez de Angeja d’umas casas no Campo deSanta Clara”, com data de 17 de Outubro de 1778. Surge-nos ainda, com data de 22 de Março de 1790,uma “escriptura de doação do edifício do recolhimento do Desaggravo celebrada pelo Marquez de AngejaDom Jose de Noronha a favor da Abbadessa e mais religiosas do convento”. IANTT, AHMF, Inventáriodos bens pertencentes ao supprimido convento do Desaggravo, vulgo o Conventinho, situado no Campode Santa Clara, fls. 77-78.739 ANTT, Cartório Notarial de Lisboa n.º 11, Lv. 711, fl. 14.740 AHPL, Registo Geral, Lv. 377, fls. 160-161.

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Duarte, concluiria que a ermida se encontrava "nos termos de se poder no ditto logar

celebrar o santo sacrificio da Missa”. Do documento que lhe correspode, consta, na

verdade, que

ella [D. Francisca de Assis] tem huma propriedade de cazas junto a incompleta

Igreja de Santa Engracia, huma das quais dezeja por Sua devocão aplicar para

o culto divino pois pella Sua forma já feita tem capacidade para Ser Ermida,

com porta publica aonde se possão ajuntar os Fieis a toque de Camp.

[campainha] para assistirem ao Santo Sacrificio da Missa; e por. q. esse fim tem

frontaes, vestimentas, e todo o precizo para na mesma Ermida se celebrar,

pertende q. V. Em.ª Mande examinar, e vezitar a ditta casa, e os paramen.tos e

achando se tudo decente, haja a mesma Caza por Ermida erecta, p.ª o dote da

qual obriga a Sup.e a Sua caza a quatro Mil reis por anno como pella

constituição se requer741

A nova comunidade de terceiras franciscanas nascia a 2 de Maio de 1779 com o

ingresso das quatro primeiras recolhidas, que imediatamente dariam início ao

lausperene, aberto com a luzida celebração de D. Manuel, irmão da fundadora.

Sustentadas sobretudo graças a esmolas dos fiéis, viriam, com o tempo, a totalizar o

número de 15742.

Não vemos na fundação em si mesma deste beatério caso assinalável pela

especificidade. Nem a origem votiva nem a conotação social ou a incidência devocional

suscitam estranheza. De resto, a escolha dos Estatutos do Louriçal e o local de

implantação são entre si consentâneos, como possivelmente o são em relação à

promessa de D. Francisca, cujo restabelecimento poderia mesmo dever-se à intercessão

milagrosa da Venerável Maria do Lado - o que seguramente abonaria em favor da causa

da beatificação desta última743.

741 Idem, ibidem.742 Cfr. Manuel Bernardes BRANCO, O Panorama, Vol. 16, 1866, p. 409. Vd., também, DiárioIllustrado, Ano II, n.º 191, 9 de Janeiro de 1873.743 Autos de Maria do Lado AUC, Cabido da Sé de Coimbra, Cx. de documentos avulsos (AUC, III, 1.ªD-7-2). A somar a tantas outras graças que, pela mesma altura, lhe foram atribuídas e de que adocumentação não deixa de dar amplo testemunho.

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Cabe, antes de mais, considerar que a construção firma o registo relacional que

ligava a Irmandade dos Escravos e o templo profanado e que unia os claustros do

Desagravo aos seus mentores, protetores e fundadores744. Quando o marquês adquiriu as

propriedades do Campo de Santa Clara auferia de um estatuto social e político

altamente favorável, tendo passado a assumir, sob D. Maria I, uma posição cimeira na

governação do Estado. Substituiria, juntamente com D. Tomás Xavier de Lima,

visconde de Vila Nova de Cerveira, o Marquês de Pombal na pasta do Reino, assumiria

a presidência do Real Erário e uma série de outros cargos, de entre os quais o de gentil-

homem da real câmara e de deputado da Junta dos Três Estados, do conselho da rainha

D. Maria I e do conselho da guerra745.

A sólida inserção na elevada esfera dos negócios do reino encontra reflexo na

partilha de práticas e de valores em que vemos enquadrar-se o culto protagonizado pela

irmandade dos nobres de Santa Engrácia. Ora, sabemos terem sido vários os membros

da casa de Angeja a integrar, ao longo de décadas, a associação dos cem fidalgos. E

sabemo-los igualmente pertencentes, pelo menos nalguns anos, à elite dos doze

mesários encarregues da direção da Irmandade. Entre 1773 e 1790, os Angeja/Vila

Verde746 seriam por seis vezes contemplados com o lugar de tesoureiro. D. Pedro José

assumi-lo-ia em 1773 e 1781, e D. José de Noronha em 1776, 1782, 1784 e 1790747.

O empenho afincado que tal casa dispensara à causa de Santa Engrácia,

particularmente expressivo no último quartel de Setecentos coincide temporalmente

com o processo de criação do Recolhimento do Campo de Santa Clara.

Desconhecemos se no horizonte de D. Francisca de Assis estava a conversão do

recolhimento em mosteiro, mas o Instituto do Louriçal e a memória do desacato de 1630

não lhe seriam por certo estranhos. Lembremos também que a Marquesa de Angeja

hospedara na capital, por período de um ano, Soror Violante de Jesus, figura

indiretamente ligada à fundação do Recolhimento de Montemor-o-Novo, de onde viria

744 No caso do mosteiro do Desagravo, nem sempre o estatuto social das fundadoras espirituais coincidiucom a nobreza de corte. No entanto, o sucesso das fundações ficou a dever-se, em grande medida, aopatrocínio que o instituto passou a auferir e de onde avultam as pessoas reais e outras próximas ou mesmoligadas ao serviço régio. (Vd. Exame de religiosas de vários conventos de Lisboa, 1753-1793, AHPL,mss. 571).745 Cfr. Afonso Eduardo Martins ZÚQUETE, “Angeja (Marqueses de)”, Nobreza de Portugal e do Brasil,Vol. II, Lisboa, Representações Zairol, 1960-1989, pp. 281-284. Na pasta do Reino, substituiu o marquêsjuntamente com D. Tomás Xavier de Lima, visconde de Vila Nova de Cerveira.746 Em 1779, era tesoureiro Francisco Xavier de Menezes Breyner e escrivão o Conde de Tarouca(Recibos da Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento de Santa Engrácia, GEO, MS-Mç1012/1017).747 Como testemunham os documentos existentes no arquivo da Sé Patriarcal.

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mais tarde a sair soror Catarina Clara de Assis com vista a integrar o grupo de

fundadoras do Conventinho de Lisboa748.

Não restam dúvidas de que D. Maria Ana Josefa se tenha associado ou

sobreposto à incumbência da marquesa quase no dealbar do pequeno recolhimento, o

que coincidiria, aliás, com a morte de D. Francisca de Assis. Não repugna vislumbrar,

por detrás desta convergência de vontades, a profanação eucarística de Palmela, que

cunharia também a origem do Convento do Sagrado Coração de Jesus à Estrela.

A existência de um Recolhimento do Desagravo no mesmo local onde pouco

depois se fundaria o mosteiro do mesmo nome, aparece inequivocamente documentada

num conjunto de manuscritos avulsos relativos à construção do cenóbio, com datas

compreendidas entre 1780 a 1804749. Por eles sabemos que, em finais de 1780, se

trabalhava ainda na edificação do beatério, a que se refere uma “conta e recibo de

Mateus Vicente de Oliveira”, de 9 de dezembro aquele ano, respeitante à “obra do

Recolhimento do Desagravo do SS. Sacramento sito no Campo de Santa”. Os Livros de

Décimas da cidade de Lisboa permitem-nos, por outro lado, revalidar a preexistência do

recolhimento, fornecendo-nos adicionalmente indicação sobre a data da sua edificação,

compreendida, ao que apurámos, entre 1778 e 1779750.

Eram múltiplas, ao templo, as obras pias que absorviam as atenções da corte

mariana, intenta a dotar os palácios da fé751 de uma expressividade consentânea com o

teor do seu arraigado sentimento religioso. Não só ocupava a soberana a intervenção em

grande número de casas religiosas danificadas pelo Terramoto de 1755 e ainda não

totalmente reconstruídas, quanto a fundação de novos claustros para o clero regular. Se,

de todos eles, é a Igreja e Convento do Sagrado Coração de Jesus a obra mais

emblemática, merecem também destaque, pelo seu número e pelos pressupostos da sua

difusão, os monumentos ao desagravo do Santíssimo.

Considerado apenas como fruto da piedade da Marquesa de Angeja, o

recolhimento não nos suscita questões maiores, mas enquanto antecedente direto do

748 Curiosamente, em 1770, ingressa a Irmã Catarina Clara de Assis, que viria mais tarde a fundar o“Recolhim.to de S.ta Engracia”.749 BA, 54-X-17, fls. 124-202 e BA, 54-XI-38, fl. 40.750 O edifício apenas aparece registado em 1779. No entanto, posto que os dados remetem para o início doano civil a que o livro diz respeito, é natural que a construção estivesse já em curso no ano anterior, nãosendo porém abrangida pela décima. A partir de 1779 a propriedade, nas Décimas da Cidade, passa a serdesignada como “Propriedade em que se acha fundado o Recolhimento do Desagravo do Smo.ºSacram.to”. (AHTC, Livros de Décimas. Cidade de Lisboa, Lv. 432 AR de 1779, fl. 46)751 Esta mesma expressão é usada por Germain BAZIN na sua obra Les palais de la foi. Le monde desmonastères baroques. Italie, Pays Ibériques, France, Friburgo, Office du Livre/Paris, Ed. Vilo, 1981.

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Conventinho, apresenta-nos várias interrogações. Como articular aquele empenho com a

intenção de D. Maria Ana? Que significado teve este pequeno beatério como

preexistência do mosteiro que sobre si se instituiria? Qual o significado e a natureza da

transição que se operaria entre as duas entidades? Ensaiemos de seguida uma resposta

tentando precisar os particulares desta fundação.

É difícil saber se a infanta tirou partido de uma conjugação favorável de

circunstâncias, se, ao invés, a sua condição de fundadora foi o resultado dessa mesma

conjugação. De igual modo, desconhecemos se ao fundar, dotar e ornar o Conventinho,

ela o fez em primeira mão, se como intermediária de uma intenção que transcendeu o

espetro da sua vontade individual.

Ao salientar as figuras de D. Maria Francisca, futura rainha, e de D. Maria

Benedita, futura princesa do Brasil, a historiografia confia a D. Maria Ana um papel

inevitavelmente secundário. Além disso, o que a infanta artisticamente nos legou,

sempre no âmbito estrito da ambiência palaciana, fê-lo as mais das vezes de forma

conjunta, em regime de coesa solidariedade familiar752. A tanto acresce que, de qualquer

das irmãs, seria fisicamente a menos abonada753. Piedade e apetência para as artes são,

no entanto, notas que qualquer dos autores - biógrafos da coroa, estrangeiros mais ou

menos íntimos da corte e outros mais - lhe acentuam. Henrique de Campos Ferreira

Lima, em Princesas artistas encomia o estro criativo da princesa, reproduzindo mesmo

várias das suas obras754. José da Cunha Taborda diria, por seu turno, que “honrava os

pinceis com grande credito”755, enquanto o Marquês de Resende faria elegantemente

notar que, “em vez das graças exteriores do corpo reluziam a bondade interior da alma,

e um grande talento para a pintura e para a musica”756. E, na linha, Joaquim de

Vasconcelos informava que a infanta deixara nome “como artista amadora muito

distinta nas artes do desenho e da musica.” 757

752 Aludimos, a título de exemplo, às pinturas executadas para a capela do Palácio de Queluz ou às queornam um dos altares laterais da Basílica da Estrela. Qualquer destas obras teve a participação conjuntadas filhas de D. José.753 BA, 51-X-31, fls. 153-154. Por carta de 9 de Outubro de 1736, dirigida pelo jesuíta João BaptistaCarbone a Manuel Pereira de Sampaio, dava-se “noticia do feliz parto da Sñra Princeza, q. succedeo namesma menhãa [de 7] do corrente p.las 3 horas e meia depois da meya noite”. O acontecimento, porém,não era merecedor de “gosto completo porq. não foi filho varão, como se desejava”.754 Vd. Henrique de Campos Ferreira LIMA, Princesas artistas. (As filhas de El-rei D. José), Coimbra,Imprensa da Universidade, 1925.755 José da Cunha TABORDA, Regras da arte da pintura, Lisboa, Imprensa Régia, 1815, p. 249.756 Marquês de RESENDE, “Descrição e recordações históricas do Paço e Quinta de Queluz", Panorama,série 3, Vol. IV, n.º 27, Lisboa, 1855, pp. 211.757 Joaquim de VASCONCELOS, “Arte decorativa portuguesa”, in AAVV, Notas sobre Portugal, Vol. II,Lisboa, 1908, p. 204.

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Apenas afloradas nos dados de carácter biográfico, as virtudes morais e

religiosas de D. Maria Ana não seriam alheias à sua produção artística. Frei Francisco

da Mãe dos Homens, na Oração fúnebre que em sua memória compôs, refere

justamente o fecundo casamento entre o sentimento religioso e a produção estética,

anotando

o enthuziasmo poderizissimo da verdade, a vivissima paixão de se enriquecer

das qualidades do espirito, que a fizerão entregar á meditação, que a

exercitarão com tão feliz rezultado no desenho, na pintura, na muzica, e nos

lavores, obras primas de gosto.758

Manuel Bernardes Branco afirma que também a encomenda de D. Maria Ana

terá correspondido ao cumprimento de um voto feito em razão da cura de grave

enfermidade759. Sabemos, efetivamente, que a violenta epidemia de gripe que em 1782

grassou no reino, atingiu fortemente D. Maria Ana, assim como parte da família real760,

mas não deixamos de acusar com estranheza as semelhanças, flagrantes, entre este e o

caso da Marquesa de Angeja. A propósito da fundação, o mais avultado

empreendimento da Infanta D. Maria Ana, diz-nos ainda Frei Francisco da Mãe dos

Homens:

o nosso século reunindo em si todo o veneno da impiedade antiga, e moderna,

ampliando o Apostolado de huma filosofia impudente, e mizeravel, soltou os

diques á maldade, e offereceu monstros, que ouzarão atentar contra a Pessoa,

Corpo, Sangue, e Divindade de Jezus Christo, [...]. Palmella, Santa Engrácia, e

outros templos havião dado rebate á piedade, que o Pão dos Anjos, o Augusto

758 Frei Francisco da Mãe dos HOMENS, Oração fúnebre que nas exequias da Serenissima SenhoraDona Maria Anna..., Rio de Janeiro, Impressão Regia, 1813, pp. 28-29.759 Cfr. Manuel Bernardes BRANCO, O Panorama, Vol. 16, 1866, p. 410.760 Cfr. Caetano BEIRÃO, D. Maria I. 1777-1792. Subsídios para a revisão da história do seu reinado,2.ª edição, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1934, p. 49. O autor faz menção, em nota, a váriascartas da rainha remetidas para a infanta D. Maria Ana, qualquer delas conservada no Arquivo Geral deSimancas. O seu estado despertou inclusive o cuidado da rainha, como o atestam várias cartas escritas nodecurso de 1782 à própria infanta, e outras de 1783 e 1784 enviadas a D. Pedro III e a sua prima D. MariaJosefa, em que agradece o interesse manifestado pela saúde da irmã, cuja recuperação não se havia aindaentão verificado. (Cfr. Caetano BEIRÃO, op. cit., pp. 49, 433 e 436).

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Sacramento dos nossos altares fora confundido com o pó do pavimento,

aggravado, e insultado por mãos sacrilegas761.

Perante tal, prossegue o orador:

Faltão-me expressões para vos figurar o zelo, que roía as entranhas da

Sereníssima Senhora Infanta com estas considerações. Lagrimas de sangue

eram pequeno desafogo á sua religiosa ternura: orações proprias não

satisfazião o dezejo, que ella tinha de ver desaggravado o objecto da sua maior

devoção.762

Em resultado, escolhe a infanta:

Imitar o plano, que a piedade do Senhor Rei Dom Pedro III, havia executado em

Montemor o Novo, sacrificar seus apanágios, suas posses, levantar hum

Mosteiro, hum templo, em que até á consumação dos séculos se desaggravasse

o Augusto Sacramento Eucarhistico: eix-aqui, como se satisfaz o amor, a

devoção da Sereníssima Senhora Infanta763.

A natureza supostamente votiva do primeiro momento criador assimila-se agora

à grandeza moral do argumento. Numa alusão precisa às convicções da infanta, os

Elogios que no faustosissimo dia em que cumpre annos informam que:

O espirito de novidade, espirito perigoso, como o detesta? Naõ se alucinando

V.A. com as brilhantes côres, com que esses chamados filosofos enfeitando os

seus escriptos tem maculado a maior parte de nossos dogmas, querendo com a

razaõ as mais das vezes escurecida com as suas preocupações dilacerar [...].

761 Frei Francisco da Mãe dos HOMENS, na Oração fúnebre..., p. 24.762 Idem, ibidem.763 Idem, ibidem, pp. 24-25.

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Volteres, Rossóz, mil outros por mais que com o verníz de huma locução amena

doireis o mortifero veneno, vos estais proscriptos da livraria de S.A764.

Ante as investidas cada vez mais cerradas contra os valores em que se escorava a

monarquia, o Conventinho assumiu-se como expressão de uma necessidade de

ressarcimento e, por isso mesmo, simultaneamente como testemunho de uma

inadimplência. Resta saber por que não reivindicou a rainha tal manifesto de desagravo,

imbuído, para mais, de tão substantivo interesse simbólico. A essa invocação em parte

terá correspondido ao consagrar a sua munificência à grandiosa obra da Estrela,

contemporânea do pequeno cenóbio clariano.

Para além de substanciar a instituição de uma nova devoção765, a Basílica

representou o favor da rainha pela Ordem do Carmelo - mendicante, tal como a de Santa

Clara - e pelo seu convento, de que o arcebispo de Tessalónica, D. Frei Inácio de São

Caetano se assumiria como elo privilegiado. Curiosamente, e à semelhança do

Conventinho, representou também, num tempo adverso de encruzilhada, a retoma de

uma herança centenária - note-se que a intenção da construção de um convento à Estrela

remonta ao reinado de D. João V, assim como o Recolhimento de Montemor-o-Novo766

- e a retórica afirmação de uma vivência evangélica cada vez mais anacrónica. E, tal

como o Conventinho, ideado certamente muito antes, a Basílica e o beatério, cuja

construção nascera de um voto realizado em 1760 e pouco depois satisfeito, teve de

esperar o final do consulado pombalino para se erguer numa área e segundo um estilo

que abertamente repudiavam o ideário urbanístico preconizado pelo marquês e as

conotações ideológicas que lhe subjaziam767.

Seja tanto fruto de um contexto quanto de uma intenção individual, D. Maria

Ana dedicou-se à obra como casa de sua especial devoção. Uma carta enviada do Rio de

Janeiro a 22 de Maio de 1813 deixa-nos, não obstante o caráter quase oficial do

conteúdo, uma súmula interessante. Diz-se, pois, que

764 Elogios que no faustissimo dia em que cumpre annos a Serenissima S.ra Infanta D. Maria Anna...,Lisboa, Oficina de Antonio Gomes, 1789, pp. 13 – 14.765 Sobre o tema, vd. Nuno SALDANHA, “A «Quinta Chaga» de Cristo - A Basílica das CarmelitasDescalças do Coração de Jesus à Estrela”, in AAVV, Monumentos, n.º 16, 2002.766 A respeito desta ideia em particular, vd. António Filipe PIMENTEL, Arquitectura e poder. O RealEdifício de Mafra, Lisboa, Livros Horizonte, 2002, p. 123.767 Esta perspetiva é exaustivamente tratada em José-Augusto FRANÇA, Lisboa Pombalina e oIluminismo, Lisboa, Bertrand Editora, 1977.

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A morte da Senhora Infante Dona Mariana foi a todos geralmente sensível, e a

todos foi bem patente a sua exemplar e edificante Virtude: muitos dias antes de

falecer fez as suas últimas Disposições, em que ao depois se viu a ternura do

Seu Coração a benfício de quantos e quantas participavam das Suas esmolas.

Deixou todos os Seus Criados e Criadas no mesmo arranjo, e gozando dos

mesmos interesses, como se estivesse viva. Deixou todas as suas jóias, vestidos e

galas às suas Freiras de Santa Clara de Lisboa, assim como a Sua grande

Quinta de Corroios, e todo o mais dinheiro, que se lhe achasse por sua morte.

Às 9 1/2 horas da noite expirou, assistida do Seu Confessor e Caeplão, que eram

os Padres Manzzoni e Joaquim Dâmaso.768

768 SANTOS MARROCOS, Luís Joaquim dos, Cartas do Rio de Janeiro. 1811-1821, Biblioteca Nacionalde Portugal, Lisboa, 2008, p. 188.

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4.2. O Campo de Santa Clara: um regresso simbólico

Ao instalar-se no Campo de Santa Clara, o Instituto do Louriçal desagravou uma

memória que, pelo menos no plano arquitetónico, à míngua se alimentava do empenho

inconsistente da Irmandade dos Escravos de Santa Engrácia. De fato, o local de

implantação é tudo menos casual: aí, paredes meias com a paroquial profanada, haviam

sido encontradas as partículas do desacato de 1630. O valor simbólico desta espécie de

chão místico reacendia-se agora com o desacato de Palmela, a cujo desagravo os

Escravos do Santíssimo significativamente se associaram.

Secularmente animado pelos festejos de Janeiro, a que a presença da família real

emprestava o mais soberano tom, e pela presença imponente da inacabada Igreja de

Santa Engrácia, o Campo de Santa Clara contaria com uma valência social e urbanística

que cabe assinalar. De feição arrabaldina, definindo, desde os primórdios, o limite

oriental da urbe, o sítio ficaria marcado pela presença do medievo Mosteiro de Santa

Clara769 e pelo cunho aristocrático impresso pela iniciativa da Infanta D. Maria,

fundadora da paróquia de Santa Engrácia. Até ao século XVIII, e sobretudo neste,

registar-se-ia um contínuo desenvolvimento a que a dimensão e projeção social das

obras da paroquial acentuara o cunho de nobreza. Várias foram as construções que,

entretanto, ratificariam tal carácter, instituindo-se em simultâneo como presenças de

incontestada valia arquitetónica: o Palácio Barbacena, da autoria de Manuel da Costa

Negreiros, o Palácio Lavradio, pertença do primeiro patriarca de Lisboa, D. Tomás de

Almeida770, o Palácio Resende, o Palácio Sinel de Cordes ou ainda, um pouco mais a

sul, o dos Teles de Melo771.

769 O mosteiro foi fundado em 1292 por D. Inês Fernandes na zona da Trindade, sendo transferido doisanos mais tarde para o Campo de Santa Clara, então um descampado designado “Campo da Forca”.Desde os seus primórdios, o mosteiro - de clarissas urbanistas ou da segunda Regra de Santa Clara -, foragrandemente beneficiado pela coroa e papado, possuindo, ao mesmo tempo, inumeráveis riquezas. (Vd.Durval Pires de LIMA, História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa, Vol. II, Lisboa,Imprensa Municipal, 1972, pp. 231 - 258).770 José Fernandes PEREIRA, “O barroco do século XVIII”, in PEREIRA, Paulo (dir.), História da arteportuguesa, Vol. III, Lisboa, Temas e Debates, 1995, p. 151. O autor refere mesmo que estes doisprimeiros palácios, Barbacena e Lavradio, “consagravam definitivamente o Campo de Santa Clara comouma zona residencial da nobreza”.771 Vd., a propósito, Irisalva MOITA, “Campo de Santa Clara” in ALMEIDA, Fernando (dir.),Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa, Vol. V, Tomo II, Lisboa, Junta Distrital de Lisboa,1975, pp. 179-183.

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Ao irromper do terramoto de 1755 e, ao invés de extensas áreas da cidade, parte

do largo não sofreu danos significativos772, ficando inclusivamente intacta a

problemática Igreja de Santa Engrácia, de cuja solidez tanto se duvidara. O cataclismo

terá mesmo beneficiado o desenvolvimento urbano do local, que acabaria por servir

como refúgio a muita da população que ficara desprovida de habitação ou de meios e

para quem a instalação provisória foi dando lugar à definitiva. Cumprida a profecia de

soror Maria Joana773, temia-se, logo após, o cumprimento de novo vaticínio segundo o

qual o 1.º de Novembro de 1756 aportaria devastações semelhantes às verificadas no

ano imediatamente anterior774.

Em 1779, data em que o Recolhimento do Desagravo se instalou em terrenos de

Bartolomeu de Aranda, das ruínas do velho Mosteiro de Santa Clara, desmoronado com

o Terramoto de 1755, não sobravam senão longínquos vestígios775. A destruição de uma

casa de culto com o peso que tivera Santa Clara leva a que o Conventinho, também de

clarissas, ainda que de diferente regra, possa ser olhado como resposta supletiva ao

vazio espiritual originado por tal perda. Ainda que espacialmente, e contrariamente ao

que vulgarmente se invoca, não tenha substituído o vetusto mosteiro, há que notar que,

em consequência do terramoto, as casas religiosas da zona oriental da cidade ficaram

seriamente afetadas, tal o caso do Mosteiro de Santa Apolónia e do da Madre de Deus,

para só citar os cenóbios de clarissas776, circunstância que poderia pesar em favor da

necessidade da criação de um novo espaço cultual e litúrgico. Se a tal acrescermos que a

Ermida de Nossa Senhora do Paraíso que, desde 1630, servia de paroquial à freguesia,

sofreu danos com o terramoto, e que o templo inacabado em pouco beneficiava, pelo

menos diretamente, a prática religiosa, devemos reconhecer a existência de uma

situação ou sentimento de carência que, nesse plano, o Conventinho tenha vindo bem

que tardiamente suprir.

772 Já o Mosteiro de Santa Clara ruiu quase por completo, vitimando centenas de pessoas, como descreveo Padre Baptista de Castro no Mappa de Portugal, Vol. III, p. 275. Diz, a respeito: “O seu famosoTemplo, que era hum monte de ouro, e na grandeza excedia a todos os dos mais Mosteiros, ficoutotalmente prostrado [...]. O Coro de cima, que era hum Paraiso na terra, tambem se abateo”.773 Cfr. José CAETANO (Frei), Memórias da vida e virtudes da serva de Deus Soror Maria Joana, pp.224-225.774 Cfr. Pinho LEAL, op. cit., p.169775 Cfr. Irisalva MOITA, op. cit., pp. 179-183. s ruínas tinham já dado lugar a instalações fabris denatureza militar, fundadas por Pombal, restando apenas parte de um arco da antiga igreja e a lembrançaplanimétrica do claustro, cujos eixos a estrutura usineira parcialmente respeitou. Em terrenos que lhespertenciam foram também edificados, no extremo poente do Campo, a Fundição de Cima, no topo de cujoportal se exibe a data de 1762.776 Cfr. Joaquim Moreira MENDONÇA, Historia universal dos terremotos que tem havido no mundo deque ha noticia, desde a sua creação até o seculo presente..., Lisboa, Oficina de António Vicente da Silva,1758, p. 139.

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4.3. De beatério a Real Mosteiro

Ao avocar a si a incumbência de fundar o mosteiro, D. Maria Ana passará

também a prover-lhe ao sustento. A somar a outros favores materiais, ao Conventinho

serão aplicados os rendimentos da chamada “Quinta d’Água”, propriedade rústica sita

em Corroios, adquirida justamente no ano, 1790, em que se dera forma legal à

propriedade das religiosas do Desagravo sobre o edifício do antigo recolhimento.

Em resposta à carta de 1781777, que exortava ao estabelecimento, no local do

desacato, de um monumento ao seu desagravo, o Papa Pio VI emite, com data de 15 de

Janeiro de 1782, o breve reconhece autoridade apostólica ao novel mosteiro, estabelece

a transferência de quatro religiosas778 provindas do Louriçal e determina a observância

dos mesmos estatutos que regiam este último779. Eis, em excerto, os termos em que o

faz:

Mariannae Infantis in es ipsomet Loco ubi delictum [...] fuit commissum novum

erigatur Monasterim, hinc a praedicto monasterio de Louriçal dilectas in

Christo Filias Mariam de Jesu, Mariam de Nostra Domina, Mariam Candidam,

et Mariam de Sacra Familia Moniales expresse professas discti Monasterii ad

hoc novum Monasterium in Civitate Ulisiponensi erectum seu erigendum una

cum iisdem statutis ac Legibus alias ut probatur Apostolica Autorictate

confirmatis transferri summo pare desiderit. Nobis propterea humulitater

supplicari fuit, ut in praeminis opportune providere, et, ut infra indulgere de

Benegnitate Apostoloca dignaremur. [...] Datum Romae apud S. Petrum Sub

Annelo Piscatoris diae XV. Jannuarii. MDCCLXXXII. Pontificatus Domini Anno

Septimo780.

777 Cfr. Petição dirigida ao Papa Pio VI solicitando autorização para a fundação da Convento de santaEngrácia ao Cpo. de Santa Clara, Arquivo da Universidade de Coimbra, Colecção Jardim de Vilhena,Cartas diversas, Cx. XII, capilha 223.778 Num Termo de Obediência, de 23 de Outubro de 1783, é pormenorizadamente descrito o cerimonialde prestação de obediência das quatro irmãs transferidas do Mosteiro do Louriçal a fim de fundarem onovo mosteiro. (Vd. José do Nascimento BARREIRA (padre), Breve história do Convento do Desagravo.O “Conventinho” de Lisboa, Lisboa, Editorial Franciscana, 1965, p. 34).779 Cópia deste documento encontra-se no Arquivo do Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, emLisboa, instituição herdeira do Conventinho (José do Nascimento BARREIRA (padre), op.cit.).780 Breve do Papa Pio VI para fundação do Mosteiro do Desagravo de Lisboa, fl. 1. Arquivo do Mosteirodo Imaculado Coração de Maria de Lisboa. (O texto completo do breve corresponde ao Doc. V do Anexodocumental).

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Por se achar “acabado de edificar” e a fim de “ser povoado de Religiosas, que

professem por Principal Instituto o Culto do [...] Santíssimo Sacramento”, D. Maria I,

pelo decreto de 28 de julho de 1783, autoriza a fundação do mosteiro, declarando ter

sido erigido com aprovação e licença régias781. Por decreto de 20 de outubro se

determina a posse da Coroa sobre o mosteiro e o direito de padroado perpétuo782.

Ficaria deste modo garantida a proteção régia e “todas as Regalias Prerogativas, e

Preminencias, e mais qualidades de que por direito gozão os Padroados da Coroa”783.

A 21 de Outubro de 1783, um decreto do cardeal-patriarca consagra

canonicamente a fundação. Nele se especifica que:

Por estar completo o Conv.to do Dezaggravo do SS.mo Sacramento fundado no

Campo de S.ta Clara desde Cid.e, e serem transferidas p.ª o mesmo Conv.to

algumas religiozas p.ª fundadoras do Mostr.º do Louriçal no Bisp.º de Coimbra,

por Autoridade Apostolica, e visto q. o n.º das d.as Religiozas não he sufficiente

p.ª se proceder a Elleição canonica da prelada, e mais officiais triennaes, e por

ser da Nossa Jurisdição o mencionado Conv.to novam.te edificado conforme as

Constituições por q. se governão as mesmas Religiozas. Nomeamos para Abb.ª a

M.e Maria Cândida, p.ª porteira a Marianna de Jezus, p.ª Mestra das noviças a

M.e Maria da Sagrada Família: cujos cargos servirão por tempo de trez annos,

na Conformid.e das Referidas Constituições: E mandamos ás Religiozas lhes

obedeção nos seus respectivos empregos.

Dando expressão ao processo acima descrito, entrariam solenemente no

mosteiro, acompanhadas de seis noviças, as fundadoras canónicas, soror Maria Cândida,

781 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, Mç. 2167, doc. 105. Entretanto, umaprovisão do cardeal-patriarca D. Fernando I, assinada a 19 de outubro de 1783, atesta a visita canónica àigreja, mosteiro, clausura e demais dependências - espaços que considera estarem conformes àsdeterminações do Concílio de Trento e Mandato Apostólico -, e concede licença para o ingresso dasfundadoras. (AHPL, Lv. 13, fls. 26 v-27.).782 BA, 54-X-7, fl. 126. Uma provisão régia de igual conteúdo guarda-se no ANTT, Chancelaria de D.Maria I, Lv.24, fl.67.783 Auto de posse, fl. 252, ANTT, Gavetas, Lv. 50, cx. 33.

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soror Maria de Jesus, soror Mariana de Jesus784 e soror Maria da Sagrada Família785.

Sobre o percurso de receção das fundadoras, vale a pena atentar na circunstanciada e

colorida notícia publicada n’O Seculo de 17 de Janeiro de 1905:

Pouco depois de terminar a sua construcção [do Conventinho] parte das

recolhidas do Louriçal installaram-se n’elle, sendo transportadas em coches da

casa real e acompanhadas até Lisboa por damas da côrte e por tudo quanto

havia de mais distincto no clero e na nobreza. Foi um verdadeiro

acontecimento. O apparatoso cortejo poz-se a caminho para Lisboa,

descançando na primeira noite de viagem em Leiria, onde houve grandes

festejos. A segunda noite foi em Torres Vedras, na quinta do sr. marquez de

Penalva786, onde foram recebidas com grandes demonstrações de regosijo,

mandando aquelle titular collocar na capella do seu palacio uma lapide

commemorativa da passagem por ali das recolhidas, as quaes no dia seguinte

entraram em Lisboa, alojando-se nas dependencias do convento. Na capital

foram recebidas pela nobreza, clero e povo e no dia immediato tomaram posse

do convento, onde houve grandes festas, a que assistiram o rei e a côrte. As

referidas festas foram feitas com a pompa usual d’aquellas epocas, não se

falando durante muito tempo n’outra coisa.

A estes dados, acrescenta a Gazeta de Lisboa que, à entrada das madres do

Louriçal, “vierão assistir SS.MM. e AA. celebrando pontificalmente o Excellentissimo

Principal Mello na nova Igreja que havia sido benzida, e se tinha celebrado nella pella

primeira vez no dia 20” do mesmo mês787.

A vida da nova comunidade regral ficou em primeira linha marcada pela herança

do Mosteiro do Louriçal e pela Regra que aí se cumpria, formal e textualmente

plasmada nas constituições que o regiam, mas também pelas circunstâncias próprias da

sua fundação e pelo contexto oferecido pela sua implantação - que não apenas

784 O breve de fundação do Papa referenciava, em lugar do nome de soror Mariana de Jesus, o de Mariade Nossa Senhora.785 Supplemento á Gazeta de Lisboa, n.º XLII, 24 de Outubro, 1783.786 Em 1795, o Marquês de Penalva assumia o cargo de escrivão da Irmandade dos Escravos doSantíssimo Sacramento, sendo tesoureiro D. Antão de Almada. (Cfr. Recibo da Irmandande do Escravosdo Santíssimo Sacramento de Santa Engrácia, CML/GEO MS-Mç 858).787 Supplemento á Gazeta de Lisboa, n.º XLII, 24 de Outubro, 1783. A chegada das religiosas ter-se-ádado, segundo a notícia, no dia 22 de Outubro, e a entrada no mosteiro, no dia seguinte.

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significou uma reconciliação com a história do local, quanto uma abertura à receção de

manifestações a posteriori dessa mesma história.

Ao período de assunção das comemorações públicas deverá referir-se uma

notícia do Diário Illustrado de 9 de Janeiro de 1873, segundo a qual “em tempos mais

antigos saía da egreja d'este Convento uma procissão á meia noite de 16 de janeiro, em

desagravo do Sacramento ultrajado nos sitios de Santa Engracia”788. Esta prática seria

mais tarde abandonada. Reportando-se a 1861, Manuel Lopes de Fernandes, precisa que

“hoje [em vez dos antigos festejos] sómente se faz a commemoração, estando o Sagrado

Lausperene na igreja das freiras de Santa Clara."789 A este modelo de comemoração,

onde a exuberância primitiva dá lugar à solenidade do ofício e liturgia, alude O Século

de 17 de Janeiro de 1905:

A festa do Desaggravo, que hontem se realisou na egreja do convento do mesmo

nome, ao Campo de Santa Clara assistiram numerosos fieis, tendo começado a

missa solenne ao meio dia, a qual foi celebrada pelo rev. Affonso Alves de

Sousa, acolytado pelo rev. Pompeu e pelo sr. Joaquim Eloy da Silveira. Ao

Evangelho pregou o rev. conego Conceição Borges; de tarde, ás 6 horas, houve

sermão e terço de Bemditos. O templo achava-se magnificamente ornamentado

com plantas, flores e grande profusão de lumes. As festas continuam hoje e

amanhã790.

No quadro deste complexo processo de receção e apropriação de um passado,

deparamo-nos com a curiosa notícia contida num Aviso da Intendência Geral de Polícia

dirigido a 11 de Janeiro de 1833 à Irmandade dos Escravos. À margem do documento,

aparece manuscrito o destinatário: “Ill.mo e Ex.mo Sr. Juiz e mais Mesarios do

Irmandade do [sic] Escravos do Santissimo Sacramento do Convento do

788 Cfr. Manuel Bernardes BRANCO, “Conventinho de Desagravo em Lisboa”, Diário Illustrado, Ano 2,n.º 191, 9 de Janeiro de 1873, Lisboa, 1873, p. 14.789 Manuel Lopes de FERNANDES, Memória das medalhas e condecorações portuguezas e dasestrangeiras com relação a Portugal, Lisboa, Tipografia da Academia das Ciências, 1861, p. 11.790 O Século, n.º 8280, Terça-feira, 17 de Janeiro de 1905. O Século, n.º 8280, de 17 de Janeiro de 1905.A notícia que reportamos, intitulada "A festa do Desaggravo", não faz menção de autoria.

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Desaggravo”.791 Estranhamente, reportando-se à data em que redige os seus

Monumentos Sacros, Gonzaga Pereira reflete:

Neste templo [do Conventinho] não ha Irmandades, e seria muito proprio aver

huma Irmandade d'Escravos do Santissimo, para quoadjuvar a conservação do

devino culto, pois que sem religião não pode nenhum ente gozar da perfeita

felecidade.792

Mais adensa as incertezas a referência a uma “Irmandade dos Escravos do Santíssimo

Sacramento do desacato de Odivelas”, que teria igualmente sede no novo templo

clariano, como refere um alvará de D. João VI. Ignoramos estar ou não perante a mesma

irmandade, mas lembramos que o desacato de Odivelas não tem expressão nas

celebrações organizadas pelas religiosas793.

Herdeiras históricas do desagravo pela profanação de Santa Engrácia, as

religiosas do Conventinho e, em primeiro lugar, a Infanta D. Maria Ana, instituíram-se

igualmente herdeiras e depositárias de objetos simbólicos, dos quais se destaca o

famoso cofre de tartaruga que, assim como as partículas consagradas, a tradição rezava

haverem sido escondidas no local onde mais tarde se erigiria o mosteiro794. Neste

sentido, um documento inserto no Inventário da fábrica do Santíssimo Sacramento de

Santa Engrácia , informa que:

A abbadeca do Convento do Dezaggravo do SSmo Sacramento [...] sitto no

Campo de Sta Clara [...] certifico como recibi da Irmandade do SSmo.

Sacramento da fregª de Sta Engracia h cofre de tartaruga chapeado de prata

que he o mesmo em que estavão as particulas, quando se fez o rroubo e o

horrivel Sacrilegio, e a dª Irmandade mo entregou e de-o por lhe constar com

certeza ser esta a vontade de S. Mag.de e da Serenissima Infanta D. Maria

Anna, e por ser o convento erigido em Desaggravo do mesmo sacrilegio [...] e S.

791 O documento encontra-se anexo ao Livro dos Acórdãos […] que tem principio em dous de Novembrode 1761 (AHSPL).792 Gonzaga PEREIRA, op. cit., p. 310.793 Não nos surge, com data de Maio – recorde-se que as festas de Odivelas eram celebradas a 11 destemês - qualquer referência festiva no Kalendario de 1858.794 Miguel de Azevedo EBORENSE (frei), Jesus Christo no Santissimo Sacramento da Eucharistia...,Tomo I, p.198, apud Arthur LAMAS, op. cit., p. 234.

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Alteza em recompensa deo a Irmandade outro cofre de prata doirado por dentro

[...]. Lx ª Convento do Desaggravo do SSmo Sacram.to. 16 de Janeiro de 1785

Sor. Maria de Jesus Abbª. 795

Pinho Leal viria mais tarde a confirmar que “o cofre onde estavam as particulas,

que era de tartaruga, cintado de prata [...], ainda existe no convento do Desaggravo”796.

Aludindo ao cofre cedido pela Infanta como contrapartida direta da solicitude

dos irmãos, o Inventário dos bens daquela Irmandade dá-nos, no entanto, a perfeita

noção do valor simbólico da peça original.

Parece trabalho de Macau. Foi offerecido á Irmandade pela Princesa D. Maria

Anna, filha d'El-Rei D. José, em troca do cofre de tartaruga, em que se

commetteu o celebre desacato de Santa Engracia a 15 de janeiro de 1630. O

cofre pertencia á Irmandade; esta reclamou e a Princeza, que construiu o

convento do Desaggravo, vulgo Conventinho, para desaggravo do desacato,

pediu para que elle ficasse no convento. A Irmandade concordou. Quando ha

pouco acabou o Convento a Irmandade pediu ao governo o cofre para o

conservar na egreja como reliquia historica; o governo concedeu, mas a

commissão respectiva não o entregou por não saber, onde este estava!797

No interessante processo negocial que envolveu o advento, afirmação e

permanência do Conventinho no âmbito da paróquia de Santa Engrácia reconhecemos,

em maior ou menor grau, a presença e peso da Coroa. O vínculo estabelecido entre a

realeza e as clarissas - que vimos remontar às origens do próprio Instituto do Louriçal e

que, portanto, reconhecemos aprioristicamente estabelecido -, e o jogo de contrapartidas

que daí adviriam, alicerçou-se diretamente, no caso específico do Conventinho, no

estatuto de fundadora e protetora auferido por D. Maria Ana, e na incorporação do

795 Arquivo Histórico da Paróquia de Santa Engrácia, Inventário da fábrica do Santíssimo Sacramento deSanta Engrácia, Lv. 3, fl. 13, nota à margem. Quanto ao centenário cofre de tartaruga, muito mais haveriapara dizer, pois longa e atribulada foi a sua história. Crê-se ser este o cofre que actualmente se encontraarrecadado numa das dependências da Igreja Paroquial de Sta. Engrácia.796 Pinho LEAL, Portugal antigo e moderno, Vol. IV, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira &Companhia, 1874, p. 213.797 Inventário dos bens da Irmandade do SS. Sacramento da freguesia de Santa Engracia, 1917, Arquivoda Paróquia de Santa Engrácia, Lv. 5, fl. 8.

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edifício no real padroado. Quanto à liberalidade da fundadora, a Oração fúnebre

pregada em sua memória oferece-nos interessantes esclarecimentos:

como não quer edificar sobre area, volta-se a sua Augusta Irmã [...] para que

lhe conceda empregar suas preciozidades em obzequio do seu Deos. [...]: forão

joias, que excedião oito mil e mais cruzados, com que ella annualmente acudia

a todas as precizões daquellas Religiozas: forão outros socorrros, que a sua

religioza emulação não consentia prestassem alheas mãos: forão as immensas

sommas empregadas na fabrica, utensilios, e adornos do templo, e do convento.

[...] E quando os direitos da fundação, as suas liberalidades, a sua piedade, a

sua Regia qualidade a autorizavão ao Padroado, cede-o ao Throno, entrega o

seu governo espiritual ao Ordinario, e só reserva para si tudo, o que podia ser

objecto da sua cordeal caridade798.

Apesar de todo o crédito merecido, materialmente traduzido nas jóias e

rendimentos e dispensados pela infanta, na esmola régia e em legados pios799, a

subsistência da comunidade acusaria, logo após o falecimento da fundadora, a 16 de

janeiro de 1813, uma inquietante instabilidade. Assim se explica que, no ano seguinte, a

abadessa e religiosas do mosteiro requeiram a satisfação dos trinta alqueires de trigo

concedidos de ordinária, a par de oito moios de milho, por D. Maria I, alegando que

“precizão a continuação desta esmola”800. Seguramente no intuito de atenuar a opressão

sentida pela comunidade, D. João VI, ainda príncipe regente, toma diligências, por

decreto de 22 março de 1814,

798 Francisco da Mãe dos HOMENS, Oração fúnebre pregada por Fr. Francisco da Mãe dos Homens,pp. 26-27.799 D. Joana Berarda, 8.ª marquesa das Minas e 11.ª Condessa do Prado, foi uma das benfeitoras nãoapenas no mosteiro de Lisboa (onde seria sepultada) como também do seu congénere de Vila Pouca daBeira. Isto mesmo nos indica Fortunato de São Boaventura na Oração sagrada nas exéquias da Sra. D.Joana Bernarda de Sousa Lencastre e Noronha, Lisboa, Tipografia de Bulhões, 1827: “Naõ foi debaldeque a ditosa Marqueza das Minas preterido o jazigo do seus maiores, pedia o mais humilde de vossaIgreja, e vos amou com tal extremo, que muitas vezes repetio naõ haver no mundo lugares que pudessemagradar-lhe, senaõ dous a saber o deserto dos Antões, e Arsenios, e os Conventos do Desaggravo.”800AHPL, Manuscritos avulsos (sobre conventos.). A esmola dos oito moios de milho, concedida pelarainha, foi determinada pelo Alvará de Ordinária de 31 de Agosto de 1787. (ANTT, Chancelaria de D.Maria I, Lv. 32, fl.).

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não só para que [as religiosas] possão perpetuamente reter, e incorporar no seu

Patrimonio os Bens de raiz, Apolices, e Padrões de Juro Real, que já possuem

[...] mas tambem os que houverem de adquirir com o produto das Joias que pela

mesma Infanta lhes forão doadas no valor de desoito contos quatro centos

desaseis mil trezentos e sessenta reis.801

Instituindo-se agora, para além de usufrutuárias, como proprietárias dos bens e

rendimentos que a infanta lhes destinara – através de um expediente que lhes permitiu

contornar o preceito canónico de renúncia à propriedade -, as religiosas passaram a

enfrentar diretamente a decadência geral da vida monástica, deixando de poder contar

com o valimento firme dos agentes que até aí vinham provendo à sua sustentação.

Receberiam ainda, em legado testamentário, os 480 réis deixados por morte de D. Maria

Benedita, a mais elevada soma que a princesa deixaria a um convento, apenas

equiparada à dispensada com o Mosteiro da Madre de Deus802.

A indiciar a pobreza que se insinuava, e a enunciar o efeito perverso da

dependência em relação à Coroa, lê-se, numa relação de bens e dívidas de 1830, que

"Este Mosteiro prezentemente tem m.to diminutos rendimentos por q. o seo forte foi

estabelecido do Erario e da hi coazi nada recebe prezentemente”803. Apesar da

precariedade económica e do decréscimo paulatino das vocações804, a perfeição da vida

religiosa não terá sido afetada, como faria notar um parecer emitido em março de 1823

pela Comissão Eclesiástica:

A Commissão quando contempla a dignidade e Perfeição com que neste

Convento se dezempenha a vida Religioza não pode deixar de dizer, que sem

duvida he huma das Corporações Religiosas, que mais digna se torna da

Contemplação dos Fieis, pelo respeito que lhes infunde, em huma vida tão

edificativa, e não duvida manifestar a maior satisfação quando vê que se

801 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, Mç. 2184, cx. 2011. Do mesmo teor que odecreto mencionado é a provisão de 26/11/1820 (ANTT, Chancelaria de D. João VI, Lv. 35, fls. 6 v. – 7).802 ANTT, Gavetas, gaveta 16, mç. 3, n.º 10. A abertura do testamento data de 18 de Agosto de 1829.803 Segundo um documento que contém uma relação de bens, rendimentos e dívidas do Conventinho.(AHPL, Documentação avulsa relativa a conventos, Relação de todas as religiosas...).804 Em 1830, a comunidade já não perfazia o número de trinta e três (Cfr. AHPL, Documentação avulsarelativa a conventos, Relação de todas as religiosas... ).

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conforma com a Ley, em dizer que este Convento deve ser conservado. V.ª Ex.ª

porem mandará o que foor mais justo805.

A somar ao crédito que a coroa lhe manifestava, o mosteiro foi igualmente

beneficiário do reiterado favor dos sumos pontífices, os quais, por intermédio de

sucessivos breves, em muito contribuíram para lhe firmar o estatuto de monumento de

excelência ao culto e desagravo do Santíssimo Sacramento. Neste sentido, pouco após a

fundação, um breve de Pio VI, de 14 de dezembro de 1784, concede a graça de altar

privilegiado às missas celebradas três vezes por semana no altar da Sagrada Família do

mosteiro, sendo as segundas, quartas e sextas-feiras a favor de qualquer sacerdote aí

celebrante806. Mais tarde, o mesmo pontífice concede, por breve de 24 de janeiro de

1786, indulgência plenária a todos os fiéis que, devidamente preparados, orassem

durante algum tempo perante o Santíssimo exposto às quintas-feiras na igreja.

Enfatizando o relevo simbólico de tal dia, a Cúria romana concede, pouco depois, por

breve de 11 de fevereiro de 1786, aos mosteiros do Louriçal e de Lisboa, licença para

que o ofício e celebração litúrgica do dia do Corpo de Deus possa ser dito e celebrado

todas as quintas-feiras do ano, exceto nos dias de II classe ou duplex maius. Permite,

igualmente, que nos dias do Tríduo do Desagravo - 16, 17 e 18 de janeiro - se possa

recitar o ofício e celebrar a Santa Missa sob rito duplex.

Além de outras graças entretanto concedidas, uma impetração da abadessa e

demais religiosas conduziria ao breve de Leão XII de 21 de janeiro de 1829, pelo qual

seria dada indulgência plenária a todos quantos visitassem, em qualquer sexta-feira da

Quaresma ou na primeira sexta-feira de cada mês, questão que ficava ao arbítrio do

ordinário, a imagem de Jesus das Cinco Chagas, orando perante ela durante algum

tempo807.

Mais que pela exuberância arquitetónica, o Mosteiro do Desagravo impôs-se

pela índole comemorativa das ações de culto e devoção que promoveu, acolhendo,

dilatando e fazendo sua uma herança de mais de século. Perseverante no seu propósito,

805 ANTT, Ministério dos Negócios Eclesiásticos e Justiça, Convento do Desagravo, Mç. 268, n.º 4, 6 deMarço de 1823. Trata-se de um parecer emitido em resposta a uma Portaria da Secretaria dos Negócios[Eclesiásticos e] da Justiça, de 5 de Dezembro de 1882.806 Cfr. José do Nascimento BARREIRA, Breve História do Convento do Desagravo. O “Conventinho”de Lisboa, pp. 28 – 31.807 Cfr. Idem, ibidem.

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atravessou a extinção das Ordens religiosas masculinas, em 1834 - e, com ela, a

supressão do vizinho Convento de S. Vicente de Fora -, a deslocação, em 1835, do

centro nevrálgico da paróquia de Santa Engrácia, cuja matriz ficaria sediada na igreja do

extinto Convento dos Barbadinhos, e a sua própria extinção, em 1902, enquanto casa

religiosa. Quanto à celebração do tríduo, só terá deixado de realizar-se, quando a igreja,

aberta ao culto mesmo após a supressão do claustro, cerrou de todo as suas portas.

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4.4. Um percurso de acentuado declínio

Ao decréscimo dos rendimentos e, inevitavelmente, do número de professas,

somavam-se e sucediam-se, paralelas, as pressurosas manifestações de interesse da

Fazenda Pública pelo património monástico. Daí que, com a data de 1856, nos surja

uma primeira relação de bens, pessoal, dívidas, propriedades e foros808, orientada

seguramente para a previsão do ocaso da comunidade e, consequentemente, para a

preparação atempada da execução das disposições aplicáveis.

Acelerando os passos da supressão, em 1897, quando a casa não mais contava

que com um número ínfimo de religiosas – excluídas do cômputo as chamadas pupilas,

impedidas que estavam de tomar hábito809 -, o edifício do Conventinho seria provisória

e precariamente cedido às Irmãs Hospitaleiras810. Pouco antecipava, na verdade, o dia

12 de Dezembro em 1901811, data do falecimento da derradeira professa. Imediatamente

extinto pela aplicação da Lei de 4 de abril de 1861, os bens do mosteiro passariam, a 16

de Dezembro de 1902, para o domínio da Fazenda Pública.812

Não resultando imediatamente na apropriação pelo Estado do edifício ou na

desamortização, a extinção daria antes lugar à ocupação precária e provisória do mesmo

por instituições de índole para-religiosa. O primeiro passo seria dado a favor da

Associação das Servitas de Nossa Senhora das Dores813, cuja sede - o Recolhimento do

Rego - fora apropriada pelo Ministério da Fazenda. A concessão, inicialmente

808 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento de Lisboa, cx. 2009.809 Acerca do conceito de “pupilas”, diz-nos o Padre Nascimento Barreira tratar-se do “nome com queeram apelidadas as pequenas admitidas como auxiliares nos deveres conventuais, como trabalhosdomésticos e mesmo canto do ofício divino, sem que pudessem professar, a teor das leis vigentes”.(BARREIRA, Breve História do Convento do Desagravo. O “Conventinho” de Lisboa, p. 31.)810 Sobre o percurso das Irmãs Hospitaleiras e sua passagem pelo Mosteiro do Desagravo, vd. HenriquePinto REMA (OFM), Crónica do Centenário da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras daImaculada Conceição. 1876-1976, Das origens até à República (1871-1910), Parte II, 1979.811 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 2, IV/A/52/5,1909.812 Ficando fechados numa caixa todos os papéis do cartório, enquanto os bens mobiliários seriamdepositados em nome da pupila D. Emília Rosa de Figueiredo.813 A Associação das Servitas de Nossa Senhora das Dores ficou instalada no Conventinho em 1901,embora tal data não corresponda à sua real fundação. Por decreto de 29 de Maio de 1848, seria unida aoRecolhimento de Nossa Senhora do Rosário (do Rego), ficando, no ano seguinte, submetida à Regra deSanto Agostinho. (Cfr. Regra de Santo Agostinho e estatutos para o governo de Nossa Senhora dasDores, Lisboa, Imprensa Silviana, 1849). Em relação ao período em que a associação fica sediada noConventinho, vd. ANTT, AC, Relação dos bens immobiliarios da associação das Servitas de N. S. dasDores, erecta no Convento do Desaggravo, Lv. 875 e ANTT, AC, Matricula. Livro para nelle selançarem o nome das associadas Servitas de Nossa Senhora das Dôres, Lv. 876.

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provisória, preveria não só o edifício como todos os seus pertences, mas cedo a

associação, interpondo contra o Governo uma ação de manutenção de posse, lograria,

em 1903, a cedência definitiva do mosteiro - povoado, na altura, por cerca de 154

asiladas, pertencentes à dita associação. e por uma outra associação designada das

Escravas do Santíssimo Sacramento e Desagravo e, eventualmente, também por

pupilas814.

Em ordem a arrolar os bens do suprimido mosteiro, o Ministério das Finanças

faz constar, em carta de 1902, ao então inspetor da Academia Real de Belas Artes:

Tendo fallecido a ultima religiosa do convento do Desagravo do Santissimo

Sacramento, vulgarmente denominado o Conventinho, sito ao Campo de Santa

Clara, digne-se V. Ex.ª nomear pessoas idoneas para procederem à escolha dos

objectos que, pelo seu valor artistico ou archeologico, mereçam ser guardados

por deposito no museu nacional, excepto aquelles que desconcertem a harmonia

de um todo inamovivel e que devam conservar-se in loco pelo seu interesse

artistico ou archeologico. A fim de se conhecer se o templo, o edificio ou parte

d’elle merecerá considerar-se monumento nacional, V. Ex.ª dignar-se-há a

recomendar que a relação dos objectos escolhidos seja precedida de um

pequeno relatorio em que se resumam as linhas geraes e se opine sobre o seu

valor e antiguidade815.

Na sequência de tal solicitação, a Academia de Belas Artes elaboraria um elenco

dos objetos merecedores de depósito no Museu Nacional de Belas Artes e

Arqueologia816, enquanto, pari passu, seria executado um exaustivo Inventário dos bens

pertencentes ao suprimido convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento817. Só

quase no termo do primeiro decénio de Novecentos se daria por findo o suceder

aliterativo de inventários, que englobaria a Relação dos Quadros remetidos para o

814 Sobre as associações religiosas constituídas na esteira da legislação de Hintze Riberito, vd. ArturVILLARES, As congregações religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian, 2003.815 Carta da Repartição Central, ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx.2009, capilha 2, IV/A/52/5, 1902.816 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 2, IV/A/52/5,1902.817 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, 10 de Marçode 1902, fls. 5 - 104.

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DLEC818, a Relação dos objectos procedentes do convento do Desagravo que deram

entrada no Museu Nacional de Arte Antiga, de 1912 819 e o elenco de Objectos de valor

artístico existentes no ex-convento do Desagravo, a Santa Clara (este, de 1919)820.

Mais que a ocupação do edifício por entidades que lhe eram alheias, bem que de

cariz religioso, foi a supressão do mosteiro enquanto tal que verdadeiramente favoreceu

reiteradas transformações de ordem institucional e, em consequência, de ordem

funcional e patrimonial. Foi aí que teve início a deslocação e dispersão de parte

substancial do recheio do Conventinho, como bem indicia a multiplicidade de

inventários que sobre ele incide.

O destino do espólio remanescente ficaria dependente, numa primeira fase, da

solicitação de objetos por parte das paróquias e de outras entidades públicas ou

privadas821. Sob esta modalidade, um dos três sinos do suprimido mosteiro seria cedido

ao Asilo da Ajuda, assim como, passados anos, os dois restantes viriam a servir à

fundição da estátua do Marquês de Pombal.

Com a República, teria início o segundo grande momento da história custodial

dos bens do mosteiro, que culminaria com a incorporação no atual Museu Nacional de

Arte Antiga de boa parte do recheio artístico inventariado, com a indissolúvel

desvirtuação da estrutura edificada, com a dispersão e descaminhos dos bens da igreja.

A Lei da separação do Estado das Igrejas, de 1911, levou ao compulsivo

abandono do edifício por parte da Associação das Servitas de Nossa Senhora das Dores

e, em 28 de julho de 1919, à incorporação do edifício e casa anexa nos Próprios da

Fazenda Nacional.

Se, até à República, o espaço litúrgico logrou manter a sua "armação interior", a

partir de então, a transfiguração do edificado tomará a forma completa de

dessacralização. Um despacho ministerial de 17 de novembro de 1914 autorizaria a

cedência provisória do templo ao Depósito Central de Fardamentos, organismo

dependente do Ministério da Guerra822. Chegado ao edifício, o novel inquilino revelaria

desígnio de bem mais abrangente tombo: não somente requeria a imediata desmontagem

da grade do coro baixo e a abertura dos confessionários situados lateralmente à dita

grade, como a posse de todo o mosteiro a fim de nele instalar oficinas de calçado, de

818 BNP-Arquivo Histórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05 –02.819 MNAA, Livro de Incorporações, 1912, pp. 35-48.820 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1,s/d. [1919]. Vd. Doc. 12 do Anexo documental.821 O próprio decreto de maio de 1834 assim o determina.822 Lavrava-se a 2 de Dezembro o respetivo termo de entrega.

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formas e outras congéneres823. Só depois da elaboração, em 1918, de um novo

inventário dos bens e do abandono do edifício pelo referido Depósito, a 27 de novembro

de 1919, o mosteiro seria definitivamente incorporado nos Próprios da Fazenda

Nacional824.

À margem de todo o nexo com o património edificado em si, o poder

eclesiástico empenhava-se – ao abrigo do favor auferido nos alvores do Estado Novo -,

por restituir a vida da extinta comunidade de clarissas, alcançando, por carta da Sagrada

Congregação dos Religiosos, datada de 2 de Maio de 1927, que o cenóbio fosse

considerado não extinto825. A Sagrada Congregação dos Religiosos estabelecia, de fato,

que "depois de examinadas todas as circunstancias", o Mosteiro "não debe, perante a

Igreja, considerar-se extincto", e conferia faculdade apostólica ao Cardeal-patriarca para

que reabilitasse canonicamente a vida das Clarissas do Desagravo826.

A cedência, em 1932, do templo à Direcção-Geral de Assistência para ampliação

do Asilo de Santa Clara, então sediado no antigo mosteiro, daria início a um novo

capítulo da história do edifício – mas já não da comunidade que lhe dera vida, que

haveria de trilhar, em paralelo, um caminho separado. Deve assinalar-se, ainda assim,

que a cedência da igreja foi de imediato precedida pela retirada do seu património

integrado, parte do qual aplicado na paroquial de uma pequena vila do concelho de

Pombal827.

A necessidade constante de adaptações funcionais do Asilo de Santa Clara

ditaria, de resto, a rápida transformação do edifício828. Sobre a desfiguração e a

823 Na altura, estavam instalados em Santa Engrácia as oficinas de calçado e anexos, mas em máscondições. ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1,IV/A/52/1, doc. 30.824 Desocupado e desinvestido, até 1932, de qualquer finalidade específica, o templo conseguiria, aindaassim, prolongar a incolumidade do seu património imóvel.825José do Nascimento BARREIRA (padre), Breve História do Convento do Convento do Desagravo. O“Conventinho” de Lisboa, pp. 33-37. Totalizavam o número de quatro as pupilas expulsas do mosteiroem 1911. Duas delas, Maria da Encarnação e Maria Clara da Eucaristia, noviciariam entretanto emCiudad Rodrigo. Considerado não extinto, ao mosteiro voltaram as professas que aí se juntaram àsrestantes recolhidas a fim de restaurarem a vida em comunidade. Passariam, em 1941, para o asilo deSanta Teresa de Carnide e, no ano seguinte, para Laveiras. Ocupam hoje o n.º 15 da Rua da Estrela emLisboa, sob a invocação do Imaculado Coração de Maria.826 Carta remetida pela Sagrada Congregação dos Religiosos a 3 de Maio de 1927 (Arquivo das IrmãsClarissas de Lisboa, Documentos avulsos sobre a fundação do Mosteiro do Desagravo).827 Trata-se da Igreja de Nossa Senhora da Graça, paróquia de Almagreira. Norberto de Araújo refere, nassuas Peregrinações, que os objectos passaram para uma “igreja de província”. Cfr. Peregrinações emLisboa, Vol. VIII, Lisboa, 1938, p. 83.828 Aspeto facilmente apreciável no espaço correspondente ao antigo templo, onde uma laje a dividir o pédireito dá existência a dois pisos: o superior, onde se instalariam camaratas, e o inferior, destinado arecreio. Até 1938, data em que os trabalhos de reconversão se dariam por terminados, os painéisazulejares que recobriam parte das paredes seriam retirados e enviados para a referida matriz de

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dessacralização haveria ainda de pairar o espetro do desaparecimento, a partir do

momento em que dois planos de urbanização da zona de proteção das Igrejas de S.

Vicente e Sta. Engrácia, datados de 1939 e 1941, preveem a demolição do Asilo de

Santa Clara829.

Já em 1970, a alteração profunda da antiga cozinha e refeitório acarretaria a

demolição da chaminé monumental, enquanto a instalação, transcorridos poucos anos,

da Casa Pia de Santa Clara, viria dar continuidade à anterior vaga de transformações, de

que resultaria, com o passar do tempo, a quase completa transfiguração. Mais

recentemente, um aviso do Ministério das Finanças e da Administração Pública, de 18

de Junho de 2008, colocaria à venda o antigo edifício monástico, para, em março de

2013, ser votada a sua conversão em escola básica e jardim-de-infância830.

Almagreira, enquanto a porta da igreja se veria entaipada e as cantarias e degraus de acesso arrancados. Ainformação do autor corresponde a um ofício enviado à DGEMN a 4 de Novembro de 1938 que, semdúvida, lhe terá servido de base (Vd. Arquivo da DGEMN, Processo relativo à Casa Pia de Santa Clara).Cfr. Norberto de ARAÚJO, Peregrinações em Lisboa, Vol. VIII, Lisboa, 1938, p. 83.829 O projeto de 1941 fora apresentado pelo arquiteto Benavente, que refere que a zona de proteçãodefinida “atinge completamente o prédio onde está instalado o Asilo de Santa Clara.” (Vd. Arquivo daDGEMN, Processo relativo à Casa Pia de Santa Clara). O projeto, no entanto, não conheceria execução.830 Cfr. Aviso n.º 17950/2008, de 18 de Junho de 2008, Diário da República, n.º 116, Parte C.

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4.5. Uma obra num tempo de mudança

A identidade e personalidade plástica do Conventinho ficam, antes de mais,

definidas pela adoção das Constituições do Louriçal e pelo complexo panorama plástico

da corte mariana. Embora, enquanto Presidente do Real Erário, o Marquês de Angeja

tenha determinado a cessação das obras de reconstrução da capital831, o reinado de D.

Maria I não deixou de assistir ao arrastar de um longo labor reconstrutivo, que assinala

o termo das igrejas da Madalena, Mártires, Santo Estêvão, São Nicolau ou Santo

António. O impulso dado à arquitetura religiosa, porém, incluíra não apenas a

continuidade da reedificação de certas casas, quanto igualmente a edificação de outras

cuja conceção não coubera no âmbito do plano e da política pombalina. Tal foi o caso

da Igreja e Convento do Sagrado Coração de Jesus, à Estrela e, da mesma forma, o

Conventinho.

Nem mesmo no âmbito circunscrito das realizações pombalinas, a coerência

formal está garantida, o que se revela particularmente manifesto no campo da

arquitetura sacra, já que é nesta que o prospeto do Marquês permite uma maior

liberdade de conceção832. No enorme estaleiro levantado na imediata sequência do 1.º

de novembro de 1755, sob as ideias matrizes de racionalidade, funcionalidade e

estandardização, a arquitetura manifesta, afinal, obediência a mais que um princípio de

ação. É desta forma que, como faz notar Raquel Henriques da Silva, um mesmo

arquiteto nos surge ao serviço de encomendantes representativos de gostos em tudo

dissemelhantes, como Reinaldo Manuel dos Santos ou Mateus Vicente de Oliveira, que

tanto vemos associados ao Passeio Público como às igrejas da Baixa, e tanto a estas

como à Basílica da Estrela833. Da mesma forma, os estilos adotados durante tal período

traduzem opções artísticas também intimamente contrastantes, de onde o vivo

contraposto verificado entre a estética de Reinaldo Manuel - a quem ficará a dever-se a

tradução mais acabada do pombalino na arquitetura sacra - e a que Joaquim de Oliveira

e Mateus Vicente traduziria respetivamente na Igreja das Mercês (1760-1777) e na de

831 Cfr. Joaquim Veríssimo SERRÃO, História de Portugal, Vol. VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1982,pp. 265-300.832 As casas religiosas correspondiam à categoria arquitetónica que gozava de maior liberdade deconceção, ficando-lhe atrás os palácios e os prédios de rendimento. Cfr. José-Augusto FRANÇA, Areconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, 3ª edição, Lisboa, Biblioteca Breve, 1989, pp. 65-68.833 Raquel Henriques da SILVA, “Arquitectura religiosa pombalina”, in AAVV, Monumentos, n.º 21,Lisboa, Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 2004, pp. 110-112.

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Santo António (1767-1812), onde se torna evidente o influxo do Barroco de Borromini

e do Rococó de Queluz.

Mas mesmo dentro da malha ortogonal da “cidade baixa” emergem influências

transversais aos estilos da época, tornando-se detetáveis tanto a herança da arquitetura

militar, do estilo chão e da aprendizagem de Mafra, como prenúncios de neoclassicismo

ou mesmo laivos de romantismo834. Para o ecletismo que se enuncia contribui também a

diferença de formação dos arquitetos, que tinham como centros o Palácio-Convento de

Mafra, a Aula da Fortificação e a Aula dos Paços da Ribeira835. Não obstande as

diferentes aprendizagens e meios de encomenda, os principais tracistas da Reconstrução

- Mateus Vicente, Reinaldo Manuel, Manuel Caetano de Sousa, Francisco António de

Sousa, entre outros – souberam notabilizar-se tanto no terreno do Barroco Joanino de

Mafra, quanto no bem menos opulento estaleiro da reconstrução pombalina, quanto,

ainda, no domínio restrito e seletivo de Queluz ou da Estrela.

Foi efetivamente à margem da política artística pombalina que se situam as

principais obras assinaladas pela iniciativa da realeza836. Corporizando um contraposto

de acentuados contornos políticos e doutrinais, tais realizações acabam por substanciar

uma clivagem estética igualmente pronunciada837. O caso do Palácio de Queluz surge-

nos, neste sentido, como paradigmático, uma vez que, ao exprimir o gosto de uma corte

que parecia querer alhear-se da realidade sócio-urbanística e arquitetónica da capital,

contrapõe à sobriedade, estandardização e empirismo da Baixa, que reclama já o

neoclássico, o requinte e a riqueza dos pormenores decorativos de feição

assumidamente rococó e o intimismo dos ambientes que espelham os tempos da

vivência cortesã.

Pelo teor da sua fundação e pelo percurso da sua vocação, não é difícil

adivinhar-se que o Conventinho tenha comungado o mesmo espírito que subjazera às

construções régias do seu tempo: à semelhança do empreendimento de D. Maria I, e

sobretudo deste, o Desagravo teve de atravessar um reinado para alcançar existência

material; tal como aquele, partilhou de um mesmo fervor religioso e de um mesmo afã

de recuperação de uma herança aparentemente ameaçada; e, como a Basílica, contou

834 Raquel Henriques da SILVA, op. cit., pp. 110-112.835 Idem, ibidem.836 Idem, ibidem, pp.110-111.837 José-Augusto FRANÇA, A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, p. 78. O autor refere,a propósito, que o programa de Queluz exprime um contraste estético em relação ao programa de Pombal“pela sua utilização à margem dos interesses maiores da nova sociedade que se criava”.

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com o valimento das mesmas personalidades e a participação dos mesmos atores –

desde logo o 3.º Marquês de Angeja, o arcebispo de Tessalónica, D. Frei Inácio de São

Caetano e Mateus Vicente de Oliveira, arquiteto e procurador do Marquês de Angeja.

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4.6. Etapas e intervenientes

O edifício que as religiosas do Louriçal iriam receber por doação de Pedro José

de Noronha Camões838, construído, por seu turno, sobre “casas” pouco antes adquiridas

a Bartolomeu de Aranda839 correspondia, relembrando as palavras do visitador

canónico, a "caza quadrada de pedra e cal com porta para a rua tendo somente

comunicação com huma casa propria para Coro Sem sobrado algum sobre a mesma

Ermida, e com Campa Levantada", tendo o espaço litúrgico altar "de Madeira e pedra de

Ara no logar porporsionado."840

Avaliar esta construção enquanto antecedente ou preexistência do Conventinho

não é por certo fácil. A Gazeta de Lisboa, ao noticiar, reportando-se ao dia 22 de

Outubro de 1783, a chegada a Lisboa de “quatro Religiosas Recoletas do Convento do

Louriçal com seis Noviças, para serem fundadoras do novo Convento no Campo de

Santa Clara”, especifica que as mesmas “pousarão no Recolhimento contíguo ao novo

Convento”. A disjunção invocada sugere a existência de dois diferentes corpos

edificados e/ou de duas entidades organicamente distintas. Parece-nos, contudo, que tal

como a antiga comunidade de terceiras, também o seu recolhimento se tenha totalmente

incorporado no mosteiro, mantendo, muito embora, marcas desse processo de transição,

operado através de adaptações planimétricas e funcionais841.

Com efeito, inversamente ao que, de certo modo, indicia a Gazeta, a fundação de

D. Maria Ana pôs definitivamente termo à existência institucional do recolhimento, e a

atestá-lo está, em primeiro lugar, a doação do Marquês de Angeja, bem como toda a

documentação que regista, a partir de 1783, somente a presença do Conventinho

naquela área de implantação. Os livros das décimas da cidade, onde o “Recolhimento do

838 ANTT, Cartório n.º 11, Lv. 711, fls. 13 v. – 14 v839 ANTT, Cartório n.º 5 A, Lv. 53, fls. 9 v. – 10 v. Note-se que foi procurador do marquês nesta comprao arquiteto e sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira.840 AHPL, Registo Geral, Lv. 377, fls. 160-161. Beneficiado Caetano Alberto Duarte, a quem incumbe avisita canónica ao recolhimento, realizada no seguimento da licença para fundação concedida em 23 deAbril de 1779 pelo Cardeal-Patriarca D. Fernando I.841 Tal como fizemos notar no capítulo anterior, as idades de ingresso da religião poderão indiciar teremsido várias as recolhidas a tomar hábito após a construção do mosteiro, situação que poderia corresponderdesde o início ao seu intento. (Vd. Exame de religiosas de vários conventos de Lisboa, 1753-1793, AHPL,mss. 571.)

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Desagravo” é substituído, em 1784, pelo “Convento do Desagravo”842, não deixam

dúvidas em relação a isso.

Por outro lado, o fato de acolher recolhidas e religiosas, bem assim a

possibilidade de transição de um para outro estado, terá representado um necessário

enquadramento arquitetónico tendente a definir no espaço o âmbito da vida interna e

externa à rigorosa clausura, a sugerir, portanto, a ampliação das dependências e

estruturas anexas843.

Num outro plano, a elevação a real mosteiro terá emprestado à adaptação do

edifício o carácter também de engrandecimento material. É neste sentido que deverá ler-

se a edificação de um novo espaço litúrgico sobre a pequena ermida primitiva, ou, em

alternativa, a hipotética conservação desta última e o seu eventual aproveitamento para

uma função simbolicamente menos nobre. Nenhuma adaptação que consideremos

poderá, contudo, ter sido tão ampla a ponto de perfazer mais de quatro anos de

execução, pois que, se o recolhimento estava levantado em abril de 1779, o mosteiro

estava-o em outubro de 1783.

A inexistência de documentação cartográfica consistente não abona o

esclarecimento da questão. De apenas uma planta que pudesse corresponder à

configuração inicial do edifício instituído por devoção de D. Francisca de Assis temos

conhecimento. Não datada, apresenta-se identificada como sendo da vizinha Igreja de

Santa Engrácia (Fig.III.3.5.)844. Nela vemos uma representação planimétrica

sumariamente legendada da suposta casa - ou apenas do seu piso térreo - das Clarissas

do Desagravo. A legenda referencia uma série de espaços - nem sempre associados à

projeção gráfica do edifício -, próprios, no seu conjunto, de uma casa de clausura: para

além da capela, sacristia, coro e cómodos do donato e do capelão, são também

referenciados o refeitório, cozinha, despensa, comua, casa de provisão e casa de lavor,

bem como a porta de acesso à portaria, a portaria propriamente dita, a casa da veleira,

842 AHTC, Livros das Décimas. Cidade de Lisboa, Arruamentos, Lv. 436, fl. 40. A data de 1784 indicaque o mosteiro tem data anterior, uma vez que os livros se reportam a Janeiro do ano indicado.843 O documento, já citado, de 1830, mostra claramente que o Conventinho acolhia não apenas acomunidade regral, e, por isso, que o mesmo espaço, no seu todo, seria partilhado por mais que um tipode função e de vivência. (Relação de todas as religiosas..., AHPL, Documentação avulsa relativa aconventos).844 AHMOPTC, Desenhos avulsos, Igreja de Santa Engrácia, D1C. Acreditamos que a planta se refira emprimeira mão ao Convento ou Recolhimento do Desagravo, ainda que a sua identificação, feita aposteriori, indique a vizinha paroquial, apenas esquematicamente delineada mas contudo maisidentificável que o Conventinho, cuja memória deveria ter-se já esvaído à data do tratamento documentalda espécie cartográfica.

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casa da porteira, casa da grade das visitas, grade onde as religiosas recebem as visitas e

os cubículos, estes em número de treze.

A atentar nas diversas plantas de Lisboa levantadas a partir de cerca de 1785845,

e, em último caso, no texto dos inventariantes que, em 1902, descreveram o Mosteiro do

Desagravo e seus pertences no contexto da sua supressão846, é significativa a distância

orgânica e funcional entre este e o edifício sobredito. No entanto, não deixamos de notar

que a implantação do claustro - e celas, ao seu redor -, e de um espaço sagrado, não

legendado, correspondem aproximadamente à implantação dos mesmos na construção

posterior, em que vemos igualmente mantida a disposição relativa das duas estruturas.

Sobre estas bases, conquanto hipotéticas, se levantaria a nova fábrica, num

processo que, até a Rainha decretar a conclusão, por decreto 28 de julho de 1783, não

mais duraria que quatro anos. Ao período compreendido entre 1780 e finais de 1783 se

reportam, na verdade, parte de um conjunto avulso de contas, hoje conservadas na

Biblioteca da Ajuda, que assinalam, passo a passo, o evoluir da construção.

A teor das mesmas, os trabalhos terão arrancado em outubro de 1780, data do

primeiro “Rezumo do q’ emportão as folhas dos jornaes” pertencentes à obra do ainda

designado “Recolhim.to do Dezagravo do SS.mo Sacramento. Q’ se fás no citio do

Campo de S.ta Clara”847, cujo recibo traz a assinatura de Mateus Vicente, arquiteto que

aparece em várias outros documentos de despesa até meados de 1781, ao que tudo

indica na direção da própria obra848.

No dealbar dos trabalhos o cenóbio era ainda designado como “Convento do

Louriçal do Campo de Santa Clara” ou inclusive “Recolhimento do Desagravo”. Para aí

foram encomendadas cargas sucessivas de materiais. Até 1782, foi a madeira -

tabuinhas, casquinha dobrada, vigamentos de castanho - a principal encomenda, sendo o

grosso do trabalho desenvolvido por carpinteiros e desentulhadores. Neste período, a

obra esteve sob os auspícios de Mateus Vicente, sendo financiada por intermédio de

Frei Bernardino de Nossa Senhora do Carmo, certamente procurador das religiosas ou

845 Planta topographica da cidade de Lisboa: comprehendendo na sua extenção a beira mar da ponted'Alcantara até ao convento das Commendadeiras de Santos … [178-], IGP.846 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, 10 de Marçode 1902, fls. 101-104.847 BA, 54-XI-38, n.º 40 – 21.848 Um outro conjunto de contas, “assinadas por José António Monteiro” assinala, em relação à semanafinda em 21 de Outubro de 1780, a “Despesa que se fez com os oficiais de carpinteiros, que trabalharamna obra do Recolhimento do Desagravo do SS.mo Sacramento, que se faz no sítio do Campo de Sta.Clara, que mandou trabalhar o Sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira por ordem que p.ª isso tem”.(BA, 54-X-17, 178 c – g).

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da Infanta D. Maria Ana, como indicam vários recibos assinados por aquele arquiteto,

entre os quais surge uma declaração, com data de 9 de dezembro de 1780, “de como

recebeu de Fr. Bernardo do N. Sr.a do Carmo a quantia da conta acima”. O aporte de

madeiras e o seu trabalho é assegurado por José António Monteiro, que, na mesma

altura, se encontrava a trabalhar como carpinteiro no Convento da Estrela849.

Entre dezembro de 1781 e março de 1782, em contas relativas à aquisição de

madeiras, aparece como intermediário Francisco António. Assim o testemunham os

vários carregamentos que ao mosteiro chegaram “por ordem do S.r Francisco

António”850, da mesma forma que a “Conta da despeza q’ se fés na obra do Conv.to do

Dezagravo no Campo de S.ta Clara q’ he da Sereníssima Snr.a Infinta [sic]. E foi

Administrador M.e Francisco António”851, datada de Novembro de 1782.

Este mestre aparecerá mais tarde como administrador da obra numa breve e

quase isolada intervenção de 1798852, como elucidativamente documenta a conta “da

obra que se fez no Convento do Desagravo no Campo de St.ª Clara [...]. Incumbida a

dita obra, e pela d.ª Sereníssima Sr.ª ao mestre Francisco António.”853 O oficial estaria

efetivamente ligado à Casa de Bragança, como adiante veremos, marcando também

presença em intervenções ocorridas na Quinta da Água, em Corroios, propriedade de D.

Maria Ana.

Uma nova fase de obras terá lugar, consolidados os primeiros trabalhos. Nesta,

regista-se uma maior variedade e especificidade dos materiais encomendados e uma

também maior especialidade dos ofícios envolvidos. É, na verdade, em 1782, sobretudo

em finais, que o trabalho de carpintaria – diretamente ligado à aquisição de vigas,

pregos, madeira, fasquiado, fios de tábuas de casquinha – vai cedendo lugar ao trabalho

dos empreiteiros no aparelhamento de soalhos e forros ou no serramento de vigas854 e

ao de outros ofícios a cujo grau de especialidade corresponde uma maior visibilidade

dos seus executantes. É o caso de entalhadores e pintores, em relação aos quais a

documentação nos devolve nomes consagrados como os de Silvestre de Faria Lobo ou

de Pedro Alexandrino. De igual modo, é esta a fase que nos permite indexar a obra e

849 José António Monteiro encontra-se, pela mesma altura, a trabalhar como carpinteiro na obra daBasílica do Coração de Jesus.850 Há registo de tais remessas em Dezembro de 1781, 22 de Março e de 12 Abril de 1782. (BA, 54-VIII-50, n.º 140).851 BA, 54-X-17, n.º 124.852 BA, 54-X-6, n.º 9.853 BA, 54-X-6, n.º 9. A conta respeita ao intervalo compreendido entre os meses de Setembro eNovembro de 1798.854 BA, 54-VIII-50, n.ºs 120-125.

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seus agentes a espaços e áreas específicos e avaliar, portanto, o grau e tipo de

intervenção efetivamente realizada.

Até ao termo da empreitada, cuja data não terá ultrapassado o mês de dezembro

de 1783855, o edifício toma corpo num suceder de tarefas cuja perceção se faz

progressivamente mais palpável. Assim, entre uutubro e novembro de 1782, são

entalhados o “teto do ante coro e os florois da Caza Grd.e”, é executado com casquinha

e entalhado o “teto da tribuna”, sendo pago, pouco depois, o “Frete de duas Fragatas q.

trouceraó a madeira de bordo do hiate”, adquiridas as “pranchas de amarello p.ª o

Coro”856. Entre novembro e dezembro, o intenso labor dos carpinteiros, na serragem de

“mais fios de tabua”, anda a par com a pintura dos “Payneis do teto do Coro” e a

execução das duas “Capellas Colaterais q. tinha ajustado Matheus Vicente com o

intalhador Silvestre de faria” [Silvestre de Faria Lobo]857.

As obras do primeiro trimestre de 83 abrem sob o fôlego das do ano precedente,

registando, logo em janeiro, a execução de “cinco vaõs de caixilhos de pedraria”, o

trabalho do carpinteiro António Lobo e de seus companheiros, que “fasquiaraõ quarenta

e quatro sellas”, o forro e aparelhamento de vinte e cinco celas, o forro de “quatro

payneis do corredor q. entra p.ª o antecoro”, o assentamento de “treze vaos de janellas

da frente do mar” e a execução de “sinco vaos de portas de entremeio”, “16 vãos de

portas das selas” e “7 vãos de portas das selas” 858. Até fevereiro de 1783, Francisco

França e seus companheiros aparelham e forram onze celas, os painéis do dormitório

ladrilhado e as celas do noviciado e corredor.

Entretanto, os espaços sagrados continuam em execução, e novamente Francisco

França é chamado a forrar a aparelhar a “Caza do Comungatorio e o corredor, q. vai do

encorpo [sic] p.ª a d.ª Caza, e a sacristia do dito”, assim como a aparelhar e guarnecer

“mais dez alizares”. Executam-se ainda “treze vãos de portas, dois vãos de janelas do

coro de cima, mais os ditos dois vãos para a capella do Senhor morto”, “2 vãos s/

postigos, 1 vão de portas para o Comungatório, três vãos de janelas do Noviciado, 5

vãos também para a noviciado”. É ainda a Francisco França que incumbirá aparelhar e

forrar a “caza deperfundes” [De Profundis], bem como aparelhar e forrar a “despensa

855 Curiosamente, as contas da cera lavrada têm início em Janeiro daquele ano, facto que sugere acontinuidade da existência da comunidade terciária e a provável transferência da imputação das despesaspara quem proveu igualmente ao pagamento da obra.856 BA, 54-X-17, 184.857 BA, 54-X-17, 185.858 BA, 54-X-17, 179.

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de cima e casa de Agra”, da mesma forma que a António Lobo e seus companheiros é

dado fasquiar “quatro Capellas nos tetos”.

Neste afanoso estaleiro, encontra-se pela mesma altura a trabalhar Pedro

Alexandrino de Carvalho, a quem se dá “por pintar o paynel do teto da Capella mór, e

mais o teto do Senhor morto”, numa encomenda orçada em 30.000 réis859. Enquanto

isso, a igreja monástica vai sendo provida das respectivas alfaias e demais elementos

indispensáveis ao culto e à prática litúrgica, como atesta um recibo assinado por

António Lopes da Silva onde se dá conta da compra de “uma urna dourada com seus

casticais e huma cruz e dois evanjelhos e huma salva tudo dourado, e pedra dara [pedra

de ara] por 96$000”860.

Assegurada a definição e funcionalidade dos espaços, consumada no período

mais substantivo das obras, acima considerado, ter-se-á sucedido uma fase de arranjos

em dependências eventualmente não especificadas e, naturalmente, de acabamentos, o

que justifica as cargas de madeiras e de toda uma sorte de fechaduras, “fixas”,

parafusos, trancas e “tranquetas”, cuja última remessa surge documentada por conta de

22 de Outubro de 1783. Até ao último momento, portanto, se prepara a vinda das

religiosas do Louriçal, que aportam em Lisboa a 22 de Outubro de 1783, no termo de

uma descida paulatina em direção ao Tejo861.

Novos espaços vimos surgirem, certamente acréscimos ou remodelações dos

espaços preexistentes: celas, capelas, a capela do Senhor Morto, Casa Grande, tribuna,

comungatório, igreja, casa de agra, despensa, De Profundis, noviciaria, sacristia, coro

alto, coro baixo, tribuna, comungatório.

A documentação não menciona a totalidade dos espaços monásticos ou porque

estes haviam já sido construídos - lembremos a cozinha, despensa, refeitório e casa de

provisão, assinaladas na planta a que atrás nos referimos -, ou porque o foram

posteriormente ou porque, por algum motivo, não couberam na sindicância dos

documentos de contabilidade ou daqueles por nós consultados.

Só quinze anos mais tarde novas intervenções são noticiadas. Respeitam

somente ao ano de 1798, aparecendo ligadas à já referida conta cometida “pela d.ª

Sereníssima Sr.ª ao mestre Francisco António”862. Em torno do trabalho de pedreiros,

859 Ibidem.860 Ibidem.861 Pernoitariam, já o vimos, no “recolhimento contíguo” ao Convento, mas onde entretanto váriasbenfeitorias haviam já sido efetuadas.862 BA, 54-X-6, n.º 9. A conta respeita ao intervalo entre os meses de Setembro e Novembro de 1798.

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funileiros, carpinteiros, mestres vidraceiros e pintores, a braços com remessas de cal,

areia, madeira, pregos, rede, telhas, tijolos ou caixilhos, se consumou a brevíssima

intervenção de 1798, prontamente finda em Novembro do mesmo ano. Obras

possivelmente associadas ao provimento de um sistema de canalização, como parece

indiciar a encomenda de umas “tarrachas p.ª o aqueduto dos Banhos, q. fes o Cp.am

Mateus”863 [Mateus Vicente de Oliveira].

Novas obras se registam entre 1803 e 1804, envolvendo, desta feita, o trabalho

de pedreiros, carpinteiros e trabalhadores não especificados e, paralelamente, a

aquisição de telhas, areia, cal, pregos do telhado, pregos, tintas e madeiras (paus de

castanho, fios ao alto, fios ao baixo, folhas de casquinha, tábuas de casquinha,

casquinha dobrada). Aventamos poder tratar-se de obras de reparação, remodelação,

beneficiação ou mesmo de finalização de alguma ou algumas das divisões.

Complementam e, de algum modo, precisam as contas no rastreio do evoluir da

configuração do mosteiro, alguns elementos cartográficos. É nas Viagens a Portugal, de

James Murphy, num plano de Lisboa em 1785 que encontramos a primeira

representação gráfica do mosteiro (Fig.III.3.2.) 864. Apesar da imprecisão de contornos e

limites, devolve-se-nos a imagem de um conjunto unitário em cujo formato trapezoidal

se inscreve, a leste, a igreja, e, extremo oposto, uma área não edificada, conquanto

circunscrita. O claustro, elemento essencial e por norma graficamente assinalado, não

consta desta esquemática planta, o que naturalmente não implica a sua inexistência.

Muito semelhante ao de Murphy e igualmente impreciso é o espaço assinalado

como “Real Convento do Desagravo” na Planta topographica da cidade de Lisboa:

comprehendendo na sua extenção abeira mar da ponte d'Alcantara até ao convento das

Commendadeiras de Santos, traçada possivelmente nos anos 80 de Setecentos (Fig.

III.3.1.) 865. Aqui já se apresenta o claustro, situado a norte da igreja866.

Nenhuma alteração significativa avulta nos limites do conjunto edificado entre

as representações iniciais e as que se reportam ao século XIX ou mesmo a inícios do

século XX. No entanto, nalgumas plantas que entre estes limites temporais se

intercalam revelam curiosas transformações. A Carta topografica de Lisboa e seus

863 Ibidem.864 James MURPHY, Viagens em Portugal, trad., pref. e notas de Castelo Branco Chaves, Lisboa, LivrosHoizonte, 1998 [Tít. original Travels in Portugal, 1795].865 Planta topographica da cidade de Lisboa: comprehendendo na sua extenção abeira mar da ponted'Alcantara até ao convento das Commendadeiras de Santos … [178-], IGP, CA356.866 Ainda sem o Parque de Artilharia construído - sê-lo-ia sensivelmente no local onde se encontrava odestruído mosteiro medieval de clarissas urbanistas, a leste do Campo de Santa Clara.

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suburbios, levantada em 1807867, revela a existência de uma construção contínua a

murar toda a fachada norte do edifício, o que poderia tanto corresponder a um muro de

sustentação de terrenos como a parte do edifício principal868. Mais curioso é que o

edifício monástico surge confinado à superfície edificada imediatamente fronteira à

então Igreja de Santa Engrácia, situação que nos levaria a pensar que o lugar onde se

situa a igreja possa ter correspondido à implantação do primitivo recolhimento, e que o

edifício localizado a oeste daquele primeiro núcleo tenha tido início posterior - o que

vem, afinal, contrariar as “alusões” da planta que fizemos corresponder ao antigo

beatério.

Não duvidamos da existência de alterações ao edificado ou seus limites, embora,

no período a que os elementos cartográficos acima remetem, os creiamos

essencialmente referentes ao traçado da cerca. Para tal aponta um requerimento, com

data compreendido entre 1778 e 1790, feito pelas religiosas do mosteiro ao Senado da

Câmara de "cedência gratuita de um terreno, junto ao dito mosteiro e igreja e a quitação

dos seus direitos."869

Finalmente, a planta de 1858, traçada por Filipe Folque (Fig. III.3.3.), parece

praticamente corresponder à Planta Topográfica de Lisboa levantada por Vieira da

Silva em 1909-1911 (Fig. III.3.4.). E nem uma nem outra distam substancialmente das

primeiras representações dos anos 80 de Setecentos. A leitura de uma planta de inícios

de Novecentos870 – estando já o edifício ocupado pelo Asilo de Santa Clara - permite

detetar a “casa do capelão”, construção adossada e justaposta à parte leste do conjunto,

que, no entanto, desde o início deveria existir.

Como vemos, a abordagem aos primórdios materiais do Conventinho revela uma

construção faseada e pautada por adaptações e sucessivos reajustes, envolta no mesmo

caráter de imprecisão de que enferma, se vista no seu conjunto, a documentação que no-

lo revela.

867 Levantada pelo Capitão Eng. Duarte José Fava e estampada em 1831 pela Casa do Risco das ObrasPúblicas.868 Podemos inclusivamente imaginar que, a uma eventual paredão preexistente (não seria o único noCampo de Santa Clara), se tenham anexado várias dependências entretanto construídas (cozinha,refeitório, etc.).869 "Consulta sobre o requerimento da madre abadessa e mais religiosas do Real Mosteiro do Desagravodo Santissimo Sacramento", Arquivo Municipal de Lisboa -Núcleo Histórico, Chancelaria Régia, Livrode Consultas do Ano de 1790 de D. Maria I, f. 182 a 211 (Data(s): 1778-10-16 - 1790-09-20).870 As sucessivas alterações introduzidas à feição original do edifício acabarão por conferir à planta umaspecto de manta de retalhos verdadeiramente labiríntico.

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4.7. Em torno da autoria

Ficava em 1833 estabelecida a autoria e datação do conjunto monástico desde

que Gonzaga Pereira, nos seus Monumentos sacros, referiria que a igreja do

Conventinho fora “projectada em 1766 por Reinaldo”. À guisa de fonte primária, o

texto inspirou, ainda no século XIX, Manuel Bernardes Branco871 e, no início de

Novecentos, Gomes de Brito872. Mais recentemente, a referência de Gonzaga Pereira

seria assimilada por Norberto de Araújo, que, em processo metonímico, toma a autoria

da igreja pela do conjunto monástico e a data do projeto de arquitetura pela data da

fundação. Informa-nos, assim, ter sido “esta Casa franciscana fundada [...] pela Infanta

D. Maria Ana, filha do rei D. José, em 1766”, segundo projeto de Reinaldo Manuel dos

Santos.873 Instituídas, por seu turno, como matriz, às Peregrinações em Lisboa se

reportam, não sem o contributo conjugado dos Monumentos Sacros, alguns textos mais

recentes que mantêm a consignação àquele arquiteto da autoria do Desagravo874.

E, conquanto a questão venha até hoje carecendo do necessário aprofundamento,

não é efetivamente de estranhar a atribuição do traçado a Reinaldo Manuel, seja pelo

caráter matricial das fontes apontadas, seja pela biografia artística do arquiteto. Figura

assinalada do seu tempo, Reinaldo Manuel (1731-1791) exibe no currículo a nomeação

para arquiteto das Obras Públicas, a direção das obras de reconstrução pós-terramoto de

Lisboa enquanto arquiteto da Casa do Risco das Obras Públicas, ou o traço da Igreja dos

Mártires ou de São Nicolau, em Lisboa. Pertence-lhe também a construção, em

colaboração com Mateus Vicente de Oliveira e após a morte deste, da Basílica da

Estrela, bem como a ideação do Passeio Público e do pedestal da estátua de D. José,

concebido em parceria com Machado de Castro.

Sabemos, no entanto, que o mosteiro ou parte dele não conheceu qualquer

realização datável de 1766. E, caso existisse um plano da altura, hipótese não de todo

descartável, teríamos que concluir, com Maria Marques Calado, que o autor o teria

concebido enquanto “simples arquiteto da Casa do Risco das Obras Públicas, na época

871 Manuel Bernardes BRANCO, “O Conventinho do Desagravo de Lisboa”, O Panorama, Vol. XVI,Lisboa, 1866, pp. 409-410 e, do mesmo autor, Historia das Ordens Monasticas em Portugal, Vol. I,Lisboa, Livraria Editora de Tavares Cardoso & Irmão, 1888, pp. 122-124.872 Gomes de BRITO, Os itinerários de Lisboa, s/n, s/d, pp. 77.873 Cfr. ARAÚJO, Peregrinações..., Vol. VIII, p. 84874 Veja-se o artigo de Manuela Brig sobre o Mosteiro do Desagravo no Dicionário da História deLisboa, pp. 331-332.

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em que lhe foram entregues os primeiros trabalhos de responsabilidade”875, o que, à

partida, não parece consentâneo com a índole do empreendimento. Recordando, no

entanto, que a Estrela, pensada nos anos 60 de Setecentos apenas se iniciou quase duas

décadas mais tarde, o Conventinho poderia igualmente ter sido pensado décadas antes, o

que justificaria um projeto eventualmente preterido - ou não - em favor de outro

posterior. Além disso, os manuscritos da Ajuda não referem jamais Reinaldo Manuel,

antes assinalando claramente a intervenção de dois outros imponentes mestres do

tempo: Mateus Vicente de Oliveira e Francisco António (de Sousa ou Cangalhas).

O nome do sargento-mor Mateus Vicente (1706 – 1786) aparece em várias,

conquanto escassas, contas e recibos respeitantes ao início da obra do Conventinho,

deixando repentinamente de figurar a partir de então. Documentada entre outubro de

1780 e julho do ano seguinte, da sua presença fala, em primeiro lugar, uma conta de 21

de outubro de 1780, onde se contabiliza a despesa “que se fez com os oficiais de

carpinteiros, que trabalharam na obra do Recolhimento do Desagravo do SS.mo

Sacramento, que se faz no sítio do Campo de Sta. Clara, que mandou trabalhar o

Sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira por ordem que p.ª isso tem”876. De 9 de

dezembro é também um recibo autógrafo em que o arquiteto declara ter recebido “de Fr.

Bernardo do N. Sr.a do Carmo a quantia” respeitante a determinada conta877. Das mãos

de Frei Bernardo haveria ainda de constar receber, a 8 de Julho de 1781, a quantia de

176$260 reis para José Ventura da Costa, “apontador dos desentulhos do Convento

novo das Religiosas do Louriçal, os distribuir pelos ribeirinhos que tiram os ditos

desentulhos”878.

Nenhum destes documentos comete, em definitivo, a Mateus Vicente o traçado

da obra, antes apenas lhe assaca a direção ou administração da mesma. Ao encontro

desta conclusão está um documento transcrito por Sousa Viterbo no seu Diccionario

histórico e documental. Trata-se de um recibo assinado por Vicente em data ainda

anterior a julho de 1780. Constante, segundo se dá a entender, dos Manuscritos da

Ajuda, diz o mesmo:

875 Maria Marques CALADO, Reynaldo Manoel dos Santos. Um arquitecto português do século XVIII,Vol. I, Lisboa, 1973, p. 93.876 BA, 54-X-17, n.º 178 c.877 BA, 54-XI-38, n.º 40.878 BA, 54-X-17, n.º 178.

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Recebi do Ex.mo e R.mo Senhor Arcebispo d’Tezellonica, D. Ignacio; oito

centos mil reis, para entregar ao empreiteiro Antonio dos Santos, por conta da

obra que está fazendo do seu Officio no Campo d'Santa Clara, para novo

convento das Relligosas do Louriçal: e por ter recebido a d.ª quantia, pacei o

prezente: Lx.ª. 3. d’Junho d’: 1781: - O Sargento Mor Matheus Vicente de

Olivr.ª879

No momento em que lhe foram solicitados os serviços, Mateus Vicente era,

desde 1778, arquiteto supranumerário das obras dos Paços Reais, bem como arquiteto

da Casa do Infantado e do Senado da Câmara, do Priorado do Crato e da Santa Igreja

Patriarcal. Formara-se na Escola de Mafra, onde fora aprendiz de Ludovice, tendo

trabalhado mais tarde para este880.

É insofismável a intervenção direta do arquiteto nas obras do mosteiro, mas o

mesmo não podemos dizer a respeito da autoria do traçado. Tal como ele, que assinou

várias contas e recibos e prestou contas aos pagadores do mosteiro, vários outros houve.

Da mesma forma que D. Frei Inácio de S. Caetano, arcebispo de Tessalónica foi um dos

vários intermediários entre dotadores, comunidade religiosa e oficiais contratados - tal

como o foram Frei Bernardo de Nossa Senhora do Carmo, D. João Mazzoni, arcebispo

879 Recibo de Mateus Vicente de Oliveira, 3 de Junho de 1781, BA, Colecção de Manuscritos, apud SousaVITERBO, Diccionario historico e documental dos architectos, engenheiros…Vol. II, Lisboa, ImprensaNacional, 1904, p. 223. Não obstante a consulta exaustiva da documentação da Biblioteca da Ajuda, foi-nos impossível encontrar o documento citado. Viterbo especifica que o mesmo lhe foi dado a conhecerpelo seu “saudoso amigo Rodrigo Vicente de Almeida”, antigo bibliotecário da Ajuda. Baseando-secertamente nesta passagem, Nuno Saldanha afirma que o Mosteiro do Desagravo deve o seu projeto aMateus Vicente. Diz, a propósito, que o arquiteto “permaneceria ainda ligado aos patrocinadores daEstrela, refletindo o favor que desfrutava na corte mariana, num trabalho que executou a pedido de FreiInácio de S. Caetano em 1781, pouco antes da sua morte, para o Convento das Religiosas do Louriçal noCampo de Santa Clara, onde já existia um convento de clarissas. Trata-se talvez do antigo Convento doDesagravo do Santíssimo Sacramento, chamado Conventinho Novo, mandado erguer por vontade dainfanta Dona Maria Ana, irmã da rainha, de quem Frei Inácio era confessor.” (Nuno SALDANHA, “ABasílica da Estrela”, in MOITA, Irisalva (dir.), O Livro de Lisboa, p. 399, nota 4. Vd., do mesmo autor, a“A “Quinta Chaga” de Cristo. A Basílica das Carmelitas Descalças do Coração de Jesus à Estrela”, inAAVV, Monumentos, n.º 21, 2004, p. 15, nota 11). Oferece-nos dúvida que a empreitada tenha sidonecessariamente executada “a pedido” do arcebispo de Tessalónica, já que este poderia simplesmenteestar a assumir-se como intermediário, entre vários outros que sabemos ter havido. Por outro lado, orecibo autógrafo de Mateus Vicente, implicando-o muito embora nas obras, não lhe concede liminarmentea autoria do projeto. Por último, o “novo convento” das religiosas, na citação supra, terá induzido àhipótese da existência anterior de outra casa religiosa no local. Na verdade, cremos que o termo adjetivepreferencialmente a construção de que iriam ser fundadoras as religiosas do Louriçal e menos o edifícioprojetado em relação a alguma construção preexistente (recolhimento, aliás, e não convento).880 Cfr. Sousa VITERBO, Diccionario historico e documental dos architectos, engenheiros…, pp. 222-226.

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da Baía e o Padre João Pedro Patroni, também confessor de D. Maria Ana881 -, Mateus

Vicente surge como um de vários nomes - Francisco António, José da Mota e Francisco

Xavier da Graça - por ordem de quem foi sucessivamente dependendo o andamento dos

trabalhos.

Pareceria plausível reconhecer a Mateus Vicente um papel no traçado da igreja

ou mesmo da totalidade da parte construída. A sua ligação à Basílica da Estrela, cujo

projeto gizou e a que esteve ligado desde 1779, e onde trabalharam vários oficiais

igualmente participantes na obra do Conventinho, coloca-o no contexto de uma

encomenda informada por um mesmo registo social e artístico. Registo cuja comunhão

se vê capitalizada pela ligação do arquiteto ao Infante D. Pedro, que lhe cometera as

obras do Palácio de Queluz, e que considerámos ser um dos grandes preconizadores da

causa do desagravo do Santíssimo Sacramento – de que resultaria o Recolhimento do

Desagravo de Montemor-o-Novo.

Aos dados de contexto vêm somar-se os aspetos de análise formal no reforço da

suposição de que a estreita relação entre o citado triângulo monumental tenha

igualmente contemplado a partilha do seu arquiteto. Não nos surpreende, portanto, a

semelhança que se regista entre o recorte e decoração dos vãos exteriores da parte

construída por Mateus Vicente em Queluz, onde trabalhou de 1752 a 1784, e os

mesmos, também de Vicente, pertencentes à face lateral do Convento do Sagrado

Coração de Jesus. O portal da igreja do Conventinho (Fig. III.3.8.), único vão decorado

de todo o conjunto, dir-se-ia análogo ao do portal lateral da fachada principal do

Convento da Estrela, que igualmente se repete na fachada norte do conjunto. O frontão,

abaixado e sem retorno, sobrepuja, com a sua cornija particularmente projetada, o vão

lateralmente definido por lintéis simples e retilíneos.

Em relação ao interior da pequena igreja, o paralelo com a Estrela882 cede,

contudo, perante o exemplo da Capela Real do Palácio de Queluz, onde certos

pormenores ornamentais, como a moldura das capelas e o carácter requintado e ligeiro

do todo revelam alguma proximidade com o pouco que conhecemos da igreja do

Conventinho. A ligação que, anos antes, se estabelecera entre Mateus Vicente e

Silvestre de Faria Lobo, autor da obra de talha da dita capela, surge-nos agora

881 Tal como atestam os documentos da Biblioteca da Ajuda.882 concebida na linha da grandiosidade e magnificência de Mafra e do ciclo do Barroco Internacional quetal obra introduz. Cfr. Paulo Varela GOMES, O essencial sobre a arquitectura barroca em Portugal,Lisboa, INCM, pp. 32-41.

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transferida para o estaleiro do templo das monjas clarissas, para o qual o mestre

conceberia, sob o juízo daquele arquiteto, as duas capelas laterais883.

A Mateus Vicente, que verificamos ter estado ligado à parte mais significativa

da conceção do novo mosteiro, seguiu-se a direção ou administração de Francisco

António. A referência à intervenção de Francisco António afigura-se-nos bem mais

explícita que a relativa ao mestre seu antecessor. Não só por sua “ordem” chegam

materiais ao estaleiro, registadas em contas assinadas em Dezembro de 1781, março de

1782 e abril do mesmo ano884, como em novembro de 1782 é mencionado como

“administrador” da obra e, em maio de 1798, se diz ter-lhe sido “incumbida” a obra pela

infanta fundadora885.

A definição do efetivo papel de Francisco António na obra do Conventinho tira

partido do carácter balizador da intervenção de Mateus Vicente, a quem por certo o

primeiro sucedeu por presumível impossibilidade do segundo, empenhado à época na

construção da Basílica da Estrela e na obra de Queluz, que então prosseguia. A

Francisco António poderá dever-se a definição dos trabalhos de 1798 e de inícios de

Oitocentos - época, este última, em que, porém, o seu nome não consta da

documentação. Na direção ou fiscalização das obras estava, nesta última fase, Francisco

Xavier da Graça, de que desconhecemos qualquer papel na conceção de um eventual

projeto relativo aos anos de 1803 e 1804, onde, segundo a documentação, apenas

“consertos” terão sido executados.

Uma vez mais que se nos coloca a dúvida sobre a identidade do arquiteto

sistematicamente mencionado como "Francisco António". Dois mestres cremos poder

corresponder-lhe: Francisco António de Sousa, filho do arquiteto Manuel Caetano de

Sousa, e Francisco António Ferreira Cangalhas, filho do também arquiteto João Ferreira

Cangalhas. O primeiro, Francisco António de Sousa, terá estado implicado na

edificação do Hospital dos Inválidos de Runa, fundado por vontade de D. Maria

Benedita, irmã de D. Maria Ana886. A confiança da princesa no mestre ultrapassaria a

obra de Runa, como revela uma conta de finais de 1798, relativa ao que “importou a

883 Uma alusão a Silvestre de Faria Lobo e à obra que realizou encontra-se, por exemplo, em IlídioSALTEIRO, “Lobo, Silvestre de Faria”, in PEREIRA, José Fernandes (dir.), Dicionário da Arte Barrocaem Portugal, pp. 262-263.884 BA, 54-VIII-50, n.º 140.885 BA, 54-X-6, n.º 9.886 BA, 54-X-17. n.º 162. O recibo traz a data de 18 de Maio de 1804. tal como indica um recibo assinadopelo Beneficiado Henrique António João de Sousa enquanto “procurador de Joaquina Maria daConceição, viúva de Francisco António, da consignação para continuação da obra do Hospital dosInválidos de Runa”.

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obra do conserto das casas de Simão José de Azevedo, mandada fazer pela Sereníssima

Senhora Princeza Viúva, debaixo da inspecção e incumbência do mestre Francisco

António”887. Nas obras do Palácio de Queluz regista-se, sob o nome de “Francisco

António”, a intervenção, em 1764, de um empreiteiro e, em 1784, de um pedreiro,

enquanto, em 1802, a direção dos trabalhos aparece vinculada a Francisco António,

arquiteto888.

Estaríamos, pois, também perante o autor da decoração efémera executada por

ocasião das exéquias de D. Maria na Basílica da Estrela, em 1816, perante o diretor,

desde 1802, das obras de Queluz e, bem assim, perante um arquiteto da Casa do

Infantado, da Casa de Bragança, da Santa Igreja Patriarcal, da Basílica de Santa Maria

Maior e das três ordens militares, cargos em que sucedeu ao Pai889. Tratando-se este

mestre da figura identificada nas contas do Conventinho, concluímos que, até àquela

data, nenhuma obra de relevo lhe havia sido confiada.

A atividade exercida nos mais importantes estaleiros não significaria, aliás, para

o artista, o necessário reconhecimento, já que a prisão e o desterro, decretados por

suspeita de envolvimento na conspiração de Gomes Freire de Andrade, lhe ditou o

precoce afastamento de uma carreira artística supostamente promissora890. Não

obstante, vemos no registo familiar que unia os estaleiros em que operou uma nota em

favor da verosimilhança desta identificação.

Não menor coerência, porém, vislumbramos na identificação do enigmático

"Francisco António" com Francisco António Ferreira Cangalhas, cuja se obra

desenvolve essencialmente na segunda metade de Setecentos. Está documentada a sua

atividade como ajudante da Casa do Risco, arquiteto geral da cidade, das Obras Livres,

enquanto diretor da então recém-criada Inspeção do Plano para a Reedificação da

887 BA, 54-X-6, n.º 10.888A operar sobretudo na segunda metade de Setecentos esteve também Francisco António FerreiraCangalhas, filho de João Ferreira Cangalhas e irmão de João Ferreira Cangalhas. Trabalhou na Casa doRisco e nas obras do Aqueduto enquanto ajudante de Reinaldo Manuel, assim como na Igreja de S.Francisco (cfr. José Manuel PEDREIRINHO, Dicionário dos arquitectos..., p. 80).889 Cfr. Sousa VITERBO, Diccionario...., “Sousa, Francisco António”, Vol. I, pp. 150-153 e Vol. III, pp.71-72. Era filho e neto de arquitetos, respetivamente de Manuel Caetano de Sousa e de Caetano Tomás deSousa.890 José Manuel PEDREIRINHO, “Sousa, Francisco António de”, Dicionário dos arquitectos activos emPortugal do século I à actualidade, Porto, Edições Afrontamento, 1994, p. 233. Veja-se também SousaVITERBO (coord.), Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e ConstructoresPortuguezes, Vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1922, pp. 71-72 (verbete: "Sousa(Francisco Antonio de)").

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Cidade891, arquiteto interveniente nas obras da Igreja de S. Francisco e autor do plano da

Igreja da Conceição Velha892.

Cada vez mais apartados da figura de “Reinaldo”, bem que numa época em que

este continua a dominar o cenário da arquitetura na capital893, é Mateus Vicente de

Oliveira quem, de fato, emerge como o mais credível ideador do mosteiro de D. Maria

Ana. É difícil, no entanto, não considerar que, seja Mateus Vicente, seja "Francisco

António" - sobretudo se Francisco António de Sousa -, seja Reinaldo comungam, mais

ou menos direta ou convictamente, a formação em Mafra, a atividade em Queluz e na

Estrela, a proximidade da Casa do Infantado e a proximidade do núcleo de encomenda

mais arraigadamente cortesã e mariana. A cada um, tais estações marcaram o percurso e

definiram o espírito das intervenções.

891 Cfr. Walter ROSSA, "CANGALHAS, Francisco António Ferreira", Dicionário Barroco, p. 108.892 Cfr. Sousa VITERBO (coord.), "Cangalhas (Francisco António Ferreira)", op. cit., Vol. I, Lisboa,Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1899, pp. 162.893 Além das vários intervenções em Lisboa, é do arquitecto o plano de reconstrução de Vila Real deSanto António, igualmente assolada pelo terramoto de 1755.

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4.8. O mosteiro: arquitetura e património integrado

A elevação do Recolhimento à regular observância e ao real padroado significou

a abertura a uma herança construtiva e artística que remontava às demais casas do

Desagravo894, assim como importou, ao acolher recolhidas e religiosas, a viabilidade

material de transição entre uma comunidade terciária e uma comunidade clausurada.

O desenho da expressão material do Conventinho (Figs. III.3.8-11), ficaria,

contudo, maiormente assinalado pelo teor da sua própria investidura simbólica. Quase

paredes meias com a mole impositiva de Santa Engrácia, subordinar-se-ia aos

constrangimentos de um terreno marcado por um decline acentuado e pelo acanhamento

espacial, que ditaria a configuração retangular e estreita do conjunto. Uma modesta

cerca envolvia parte do edifício, cintando internamente hortas, pomares e jardins.

Apenas a fachada sul da igreja e a contígua casa do capelão logravam ter expressão

exterior.

Registos iconográficos oitocentistas e mesmo posteriores refletem do mosteiro

uma imagem de severa pobreza. Exíguas as dimensões, constrito o espaço de

implantação, fruste o impacto visual do conjunto, comprometido pelo perfil sobranceiro

da vizinha paroquial, de que um estreito corredor tão-somente separa.

O interior, a atentar na descrição contida num inventário de bens elaborado em

1902895, no contexto da supressão do mosteiro, desvela-nos, no itinerário quase

labiríntico por entre escadas, vãos e corredores, uma estrutura funcional e

organicamente complexa. Aberta a nascente, perpendicularmente à fachada da igreja, a

portaria de fora marcava a comunicabilidade entre século e clausura. Instância de uma

mediação complexa, o ingresso integrava o locutório e a “portaria de dentro” e, abrindo-

se à sua direita, a “casa da roda”. A portaria conduzia a corredores em cuja correnteza se

distribuíam celas e “casas” que ora comunicavam com o claustro, ora conduziam à

“cerca de baixo”. Num dos corredores deste piso térreo abria-se o antecoro, que, por sua

vez, levava ao coro-baixo, e à “tribuna de baixo” ou “comungatório”.

894 Tenha-se em consideração o Mosteiro do Louriçal, que passou, aliás, por várias alterações ao longodos tempos, e as casas da mesma observância que, mais ou menos pela mesma época, se iam erguendopor terras de Portugal.895 Esta descrição, apesar de oferecer uma visita perfeitamente labiríntica ao Mosteiro do Desagravo - emque avulta um confuso entrecruzar de corredores desenvolvidos em todos os quadrantes, e uma profusãode “casas”, pátios e escadas –, tem a virtualidade de designar algumas das antigas divisões e de destacar oacesso e comunicação entre os vários espaços.

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O vestíbulo, espaço de charneira, abria para a “segunda parte baixa”, bem assim

para o piso superior, a que se acedia pela escadaria principal. Era no primeiro piso que,

ao longo de um vasto corredor que voltejava toda a estrutura, se distribuíam as trinta e

três celas individuais que, por sua vez, se abriam para o sobreclaustro. Do lado nascente,

despontava a “casa do presépio” e, contíguos a esta, o antecoro e coro alto e a “tribuna

grande da capela-mor da igreja”. Várias dependências e oficinas, o refeitório e a cozinha

distribuíam-se igualmente ao longo desta extensa passagem onde, na quadra poente, se

situava a noviciaria e respetiva cozinha e capela. Na quadra sul, tinha lugar a enfermaria

com seu refeitório próprio.

Neste primeiro piso, abria-se ainda a “cerca de cima”, onde um poço coberto - já

entulhado em 1902 -, dois lagos de cantaria, terreno destinado a horta, parreiras e

algumas árvores de fruto assegurariam parte do sustento material da comunidade. Uma

escada interior comunicava com a “tribuna de baixo” ou “comungatório” e com uns

pátios intermédios do edifício.

Contígua à igreja, ocupando o extremo nascente do conjunto, e confrontando-se

a norte, sul e nascente com o Campo de Santa Clara, situava-se a casa do capelão,

construção independente mas ligada interiormente ao templo. Compunha-se por dois

edifícios, correspondentes às dependências do espaço litúrgico e às moradias do

sacristão, um deles, e do capelão, o outro.

A análise do discurso técnico e descritivo do inventariante permite-nos

identificar certos eixos estruturadores e distribuidores de espaços consoante a sua

função e hierarquia896. A nascente, a igreja surgia acompanhada pela sala do capítulo,

santuário e sacristia, dotando de sacralidade e estendendo a sua posição hierárquica aos

espaços que lhe eram funcionalmente adjacentes. Configurando uma situação típica, os

locais de comunicação com o exterior - portaria, locutório, casa da roda - desenvolviam-

se perpendicularmente ao templo. O claustro, por seu turno, situado a poente da igreja,

organizava em seu redor as divisões destinadas a celas e dormitórios, à noviciaria,

enfermaria e ao refeitório e cozinha, estes últimos com planta projetada a nascente. O

terreno cercado limitava as restantes áreas de trabalho e de sobrevivência corporal e

material que a sul do claustro se desenvolviam897.

896 Cfr. Susana Gonçalves Cacela MATIAS, O espaço conventual nas ordens mendicantes. O Conventode Nossa Senhora dos Mártires do Alvito, Vol. I, 2001, pp. 181-182.897 Seguimos, nesta descrição, assim como na análise do espaço conventual, a terminologia e contributode Nelson Correia BORGES, “Arquitectura Monástica Portuguesa na Época Moderna”, Museu, IV Série,n.º 7, 1998.

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O caráter funcional do espaço impôs, por outro lado, uma disposição altimétrica

das divisões. Os dormitórios - celas e dormitório do noviciado - situavam-se no

primeiro piso, com comunicação para o sobreclaustro, enquanto algumas celas,

possivelmente de recolhidas ou de pessoal alheio à profissão religiosa, se dispunham no

piso térreo, dando diretamente para o claustro.

O terreno de implantação revelar-se-ia determinante para a organização espacial

do mosteiro. Certamente em virtude da diferença de cotas verificada entre a parte sul e

norte do conjunto, cozinha e refeitório situavam-se não no piso térreo, mas no primeiro.

Este último, de fato, correspondia, na parte do terreno situado a norte, a um piso térreo,

por onde era feito o abastecimento de víveres e produtos afins898.

Podemos supor que esta disposição tenha, no essencial, correspondido ao plano

primitivo do mosteiro. Se, por um lado, estão aí presentes as estruturas definidoras da

sua própria existência, por outro, o terreno disponível não deveria favorecer alterações

substanciais na disposição relativa desses mesmos espaços, pelo que as alterações

deverão ter-se verificado sobretudo no plano da função atribuída a cada uma das

divisões e à reformulação da sua importância relativa, e ter decorrido de acrescentos a

partir de então realizados.

Depois da análise da organização e distribuição espacial do mosteiro, impõe-se

atentar na vivência dos espaços definida pela Regra, práticas e devoções - que, sendo

gerais em relação aos vários mosteiros, tornam-se específicas em relação aos demais.

Procuremos sublinhar as coordenadas espaciais atrás assinaladas, seguindo uma vez

mais a grelha proposta por Nelson Correia Borges899. Sobre o claustro, espaço litúrgico

e de oração, pontos de contacto com o exterior, espaços de lazer e locais de

sobrevivência corporal focaremos, pois, de seguida, a nossa análise.

4.8.1. O templo (Figs. III.3.26.-36)

Sem se projetar da linha contínua que compõe a quase totalidade da extensão da

fachada sul do complexo monástico, o templo, que diríamos esteticamente fundir-se

898 Esse mesmo desnível possibilitava a existência, na quadra sul, de um piso inferior onde se situavamdependências ligadas à exploração agrícola.899 Idem, ibidem, pp. 35-55.

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com os panos murários dos espaços que interiormente lhe são contíguos, apresenta-se

radicalmente desornamentado, rasgado por uma sucessão monótona de vãos de verga

reta, de onde apenas ressalta o portal de gosto tardo-barroco que, aberto a meio da nave

do templo, lhe assinala o ingresso900. A fachada, chã, reflete a estruturação interna dos

espaços, assinalando as suas divisões verticalmente pelas pilastras, horizontalmente pelo

nível das cimalhas e pela disposição e dimensão das janelas. Igreja de fora e coros, alto

e baixo, transparecem do exterior. Volumetricamente alheia às demais, e de altura

consideravelmente inferior, desenvolvia-se, no extremo nascente, a casa do capelão.

A meio desta fachada, abria-se o reduzido templo de planta longitudinal,

retangular, coberto por nave única abobadada, onde, na parte fundeira, se situavam os

coros, alto e baixo, e, no extremo oposto, a capela-mor orientada, em cujos flancos se

desenvolviam duas capelas laterais. A iluminação, lateral, era unicamente assegurada

pelos elevados janelões rasgados nas paredes.

Não seria grande o impacte do conjunto, invariavelmente descrito num apelo às

notas de simplicidade, acanhamento espacial, contenção decorativa e, inclusivamente,

gosto discutível. Na súmula de Manuel Bernardes Branco, a “egreja e convento são mui

pequenos e pobres, e nada offerecem de notavel, nem digno de especial menção”901,

enquanto Gonzaga Pereira a qualifica como “pequena e sufrivel de gosto”, podendo

“acomodar 300 fieis ao serviço da Igreja Romana”902.

Ainda que a exuberância não constasse dos predicados que lhe foram apontados

por aqueles que sobre ela se debruçaram, a igreja não seria de todo desprovida de

elementos de interesse ornamental, não lhe faltando a talha, painéis azulejares, pinturas

e estuques decorativos. Dos espaços visíveis pelos fiéis, destacava-se o altar-mor,

verdadeiro ponto de fuga do cenário litúrgico, onde o trono eucarístico e o sacrário se

soerguiam perante o olhar dos fiéis. Transposto o portal e o guarda-vento, de onde

pendia um reposteiro “de baeta encarnada, com guarnição de galão de retroz

amarello”903, para lá se dirigia a atenção dos crentes. Todos os ângulos do templo

900 O facto de a fachada não ser axial alude à necessária existência, nos mosteiros femininos, dos coros,alto e baixo, situados opostamente ao altar mor. Vd., a título de exemplo, Paulo Varela GOMES, “Afachada pseudo-frontal nas igrejas monásticas femininas portuguesas”, in Virgínia FRÓIS (coord.),Conversas à volta dos conventos, Évora, Casa do Sul Editora, 2002, 229-242.901 Manuel Bernardes BRANCO, Diário Illustrado, n.º 191, 9 de Janeiro de 1873. Num outro texto domesmo autor, a Historia das Ordens Monasticas em Portugal, Vol. I, p. 124, refere-se, em igual registo,que o “templo é muito pequeno e escuro, e em quanto a bellas artes nada alli se encontra digno deespecial menção.”902 Luis Gonzaga PEREIRA, Monumentos sacros de Lisboa em 1833, pp. 309-311.903 Inventário dos bens…fl. 33.

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deveriam propiciar a visualização do sacrário – “grande de madeira entalhada e

dourada, e respetiva chave de prata com laço de fita de seda vermelha”904 - exposto no

topo da estrutura piramidal do trono.

Duas colunas com capitel e entablamento dividiam o corpo da igreja da capela-

mor, bem assim uma “teia de madeira do Brasil com ornatos em talha”, anteposta

perante o altar-mor e os colaterais905. O retábulo, elegante, no dizer do autor do

Monumentos Sacros foi, tal como alguns azulejos que revestiam as paredes do templo,

algumas alfaias e parte do aparato decorativo que recobria a nave do templo, trasladado

nos anos trinta de Novecentos906 para a Igreja de Nossa Senhora da Graça, paroquial de

Almagreira, concelho de Pombal907.

Do teto, que exibia o painel dado a pintar, em 1783, a Pedro Alexandrino, parece

ter-se-lhe perdido o rasto. Na mesma situação se encontram os painéis de azulejo que

ornavam o registo inferior das paredes da capela-mor, cuja execução seria semelhante

aos da nave mas retratando alegorias sacras908.

Recortado por forma a ser inserido na capela principal de Almagreira, e

restaurado, ao que se pensa, em meados do século - operação que lhe terá

completamente alterado a tonalidade original - o retábulo do Desagravo é de madeira

pintada com ornatos de talha909, era dominado pela tribuna, ladeada por dois nichos

dedicados, de acordo com a tradição da Ordem, aos santos seus fundadores. Encimada

por uma profusão de cabeças de anjos entremeadas por rebuscadas grinaldas e

contornada, a toda a volta, por motivos flamejantes - a remeter para a decoração dos

medalhões da capela de Queluz -, a tribuna abrigava, qual radioso resplendor o

904 Inventário dos bens..., fl. 32 v.905 Segundo o Inventário de 1902. Na relação de peças enviadas para o então Museu de Arte eArcheologia, assim como no respectivo relatório existente no MNAA, faz-se referência à teia do altar-mor e dos dois altares laterais.906 Norberto de ARAÚJO diz, a respeito, que os “belos azulejos foram arrancados em 1932 - o que lherestava - e levados para uma igreja da província”. Estes dados não constam, porém, da documentação daDGEMN também consultada pelo autor, mas são, no entanto, operações a que certamente “assistiu”, jáque suas contemporâneas. (Cfr. ARAÚJO, Peregrinações..., Vol. VIII, p. 84).907 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário artístico de Portugal, Vol. V, Lisboa, AcademiaNacional de Belas-Artes, 1955, pp. 110-111.908 Segundo o Inventário dos bens de 1902, a igreja seria “guarnecida por um lambri de azulejo de bonitodesenho e valor artistico, allegoricos ao desacato de Santa Engracia, isto no corpo da igreja, porque naCapella mór tem a mesma decoração mas alludindo assumptos religiosos”. (Inventário dos bens..., fl. 103,ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, capilha 1, 10 deMarço de 1902).909 Em relação a este ponto, explica José Fernandes Pereira que a talha esteve “ausente das grandes obrasreais do século XVIII”, tal como Mafra, Estrela ou nas paroquiais pombalinas, prova de que a “suamissão foi, de facto, a de dinamizar espaços exíguos”. (Cfr. PEREIRA, Arquitectura barroca emPortugal, 1.ª edição, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Ministério da Educação eCultura/Biblioteca Breve, 1986, pp. 147 – 148).

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imponente trono eucarístico. Da mesma madeira pintada, era este composto por degraus

e decorado com ornatos de talha. No topo, ficaria exposto, de forma canonicamente

calendarizada, o Santíssimo no interior de uma custódia que, nas cerimónias mais

importantes, deveria corresponder à valiosa peça que um inventário de bens do mosteiro

descreve como custódia de trabalho antigo, em prata dourada cravejada com toda uma

sorte de crisólitas e guarnecida de topázios de apreciáveis dimensões910.

Os nichos, elegantemente desenhados pelo trabalho sóbrio da talha e coroados

por um complexo e dinâmico frontão em dossel abundante de volutas e do jogo de

côncavos e convexos, abrigariam as estátuas dos santos da Ordem, “muito bem

palpadas”, no dizer de Gonzaga Pereira. Seriam estas, aliás, as únicas peças escultóricas

do templo, as quais poderão corresponder ao que o Inventário de 1902 sumariamente

assinala como um São Francisco e uma Santa Clara de madeira, ambos de cerca de um

metro e vinte de altura, cujo valor é superior a qualquer dos demais objetos escultóricos

- todos eles, aliás, de menores dimensões911.

As peanhas que as sustentavam, novamente pejadas de dinâmicos enrolamentos,

apresentavam-se decorativamente ligadas a portas abertas inferiormente. Destas, merece

realce o remate simultaneamente elegante e rebuscado, onde avulta um frontão de tripla

curvatura que, uma vez mais, confina com os vãos rasgados da capela do Palácio dos

Senhores do Infantado.

No seu conjunto, a decoração do retábulo, harmoniosa apesar dos elementos

complexos a que recorre, remete claramente para o rococó no tipo de motivos e, mais

ainda, na aplicação eminentemente ornamental que lhes empresta. O concheado, as asas

de morcego e os motivos florais compõem os fantasiosos ornatos que pontuam, aqui e

ali, a estrutura afinal lisa do retábulo.

Decorariam possivelmente o altar-mor, a urna e castiçais dourados adquiridos

durante a primeira campanha de obras do edifício.912 Depositário da reserva eucarística,

o tabernáculo apresenta a forma de templete, sustentado por colunas compósitas e

910 Ainda que conste do documento de Livro de Entradas do MNAA, a peça, como a própria relação deobjetos refere, não deu entrada no museu, tendo antes recolhido à Caixa Geral dos Depósitos. (Vd.“Relação dos objectos do extincto Convento do Desagravo que foram recolhidos no Museu Nacional deArte Antiga” MNAA, Objectos provenientes de conventos e igrejas, 1912, pp. 35-48.).911 Para além de não poder naturalmente ser vista em termos absolutos, a formação mesma daqueles aquem é cometida a tarefa de inventariação impõe cumulativas reservas que, mais uma vez, pedem algumarelativização na leitura dos resultados. (Sobre a importância da formação – ou não – dos inventariantes,vd., Raquel Henrique da SILVA, “A extinção dos conventos e a elaboração da Lisboa burguesa”, Olisipo,Série 2, n.º 2, 1996, pp. 43-48).912 BA, 54-X-17.

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coroado por cúpula bolbosa rematada nos ângulos por uma série de caprichosas volutas

curvadas e contracurvadas. No topo, um pelicano coroa o conjunto, enfatizando a

natureza sacrificial do mistério que a peça custodia.

Dispostas ou nos ângulos de interseção da nave única com a superfície parietal

do arco da capela-mor, ou em ângulo reto em relação à mesma capela, as duas colaterais

– as mesmas que haviam sido “ajustadas” por Mateus Vicente ao entalhador Silvestre de

Faria Lobo, e de que desconhecemos qualquer registo iconográfico - exibiam também

retábulos “reservados com as devidas têas de madeira do Brazil”913, e decorados, cada

um deles, por um quadro representando alegorias sacras devido ao pincel da infanta

fundadora. Um dos dois, refere G. Pereira, havia sido gravado por Carneiro da Silva,

professor da infanta e de suas irmãs914.

O corpo do templo, marcado verticalmente por pilastras e pelas colunas da

capela-mor, era decorado, no nível inferior das paredes, por painéis azulejares de

indeclinável valor simbólico, alusivos ao desacato de Santa Engrácia. Estes painéis que,

nas Peregrinações915, Norberto de Araújo diz terem sido levados em 1932 para uma

igreja de província, encontram-se na Igreja paroquial de Nossa Senhora da Graça de

Almagreira. Matos Sequeira, no seu Inventário Artístico, refere-se igualmente à

deslocação de um silhar de azulejos “de pintura azul sobre esmalte branco, com

alegorias, a verde, castanho e amarelo”916. Seria estes os painéis da capela-mor?

Atualmente, em Almagreira apenas aí se encontram dois, colocados, na sequência de

uma campanha de obras realizada em 1955, na frontaria do templo. Retrata um o furto

da custódia, o outro, um aspeto da captura do réu. Assim os descreve Santos Simões:

Têm ambos 8x17 azulejos e são azuis figurados, enquadramento rococó, tendo

ao centro duas cenas do “desacato”, ou seja, do lado direito o Roubo da

913 Inventário dos bens..., fl. 103.914 Cfr. Princesas artistas. O autor dos Monumentos Sacros adianta ainda que, para além destes quadrosda igreja, outros haveria feitos pela mão da mesma infanta. De um único temos porém conhecimento:trata-se de um “Senhor da Agonia” pintado a pastel, cuja qualidade é indubitavelmente questionável. Daigreja faria ainda parte um quadro representando o “Senhor preso à Coluna”, com caixilho dourado, deque igualmente se desconhece o trajetória. (Cfr. Relação dos Quadros remetidos para o DLEC)915 Norberto de ARAÚJO, Peregrinações em Lisboa, Vol. VIII, Lisboa, 1938, p. 84.916 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário artístico de Portugal, Vol. V, Lisboa, AcademiaNacional de Belas-Artes, 1955, p.110.

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Custódia e, do lado esquerdo, o ladrão preso enquanto um dos personagens

traz a Custódia apreendida. Os azulejos serão de cerca de 1760. 917

Oferece dúvida a datação avançada pelo autor, tendo presente a cronologia da

conceção e construção do conjunto cenobítico. Já as cenas representadas, curiosamente

de temática não sagrada, não deveriam resumir-se aos dois exemplares que atualmente

ornamentam a fachada do templo de Almagreira, seja pela área que os mesmos

deveriam supostamente preencher, seja pela incompletude discursiva que, no seu

conjunto, denotam.

Bem que a notória desarticulação dos motivos da cercadura possa relacionar-se

com a deslocação e reimplantação das peças, o discurso figurado oblitera parte da

compreensão do desagravo enquanto programa sublimatório e laudatório, que nos

levaria a solicitar a presença de outros momentos da trama, centrados no protagonismo

de Maria do Lado e na exaltação do Santíssimo Sacramento. Convém recordar, no

entanto, que o programa iconológico do templo se completava com a figuração azulejar

da capela-mor, que apenas sabemos alusiva a "alegorias sacras". Apenas parcialmente

visível pelos fiéis, já que as colunas ocultariam o que poderia formar um eventual

transepto inscrito, era, contudo, globalmente abarcada pela visão das monjas a partir da

tribuna lateral. Tendo presente que os restantes azulejos consagravam a iconografia do

desacato de Santa Engrácia, poderíamos supor que a capela-mor consagrasse a

iconografia que considerámos passível de completar este discurso simbólico de suporte

azulejar. Adensando suposições, verificaríamos, como no Louriçal, uma disjunção entre

o timbre - se não masculino, pelo menos não sagrado - das representações da parte

"pública" da "igreja de fora" e o da figuração, mais intimista, da capela-mor. Coroando

este quadro hipotético, coroaríamos também o altar cm a composição pictórica do

Triunfo do Santíssimo Sacramento, que sabemos ter pertencido ao Conventinho.

Da escassa iconografia que acreditamos existir de profanações eucarísticas,

presta-se a comparação o memorial erguido em cerca de 1744 pelo Desacato de

Odivelas - ocorrido, curiosamente, em data muito anterior, 1671. Também neste, a

figuração se centra na ação do réu, em torno e a pretexto da qual se tece um discurso

que aprofunda o nexo de causalidade entre crime e castigo. O valor do objeto ultrajado,

917 Santos SIMÕES, Azulejaria em Portugal no séc. XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979,pp.173-174.

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motivo da expiação, emerge antes de mais da exploração dramática dessa relação lógica.

Mais que o caso de Odivelas, as próprias visões de Maria de Brito, vertidas iconográfica

e bibliograficamente, poderão, quem sabe, ter servido como fonte ao mestre responsável

pelos painéis do Convetinho.

Aqueles azulejos não foram, porém, os únicos objetos transferidos para

Almagreira. A par deles, foram-no outrossim, informa o Inventário Artístico, outros

“motivos decorativos da igreja", a “talha dos altares colaterais”, peças de talha que

passariam a servir de enquadramento a quatro janelas e, ainda, “dois capitéis doirados,

serrados pelos fustes, que sustentam duas figuras alegóricas, de madeira” e um elegante

tocheiro de talha dourada918.

O teto, dado a pintar a Pedro Alexandrino, soma-se aos elementos que não

deixaram rasto material.

4.8.2. Coros (Figs. III.3.37.-40)

Na parede fundeira da igreja, em posição diametralmente oposta ao altar-mor,

abriam-se os dois coros, alto e baixo, implicando, como já notado a respeito de qualquer

das casas do Instituto, o acesso lateral do templo.

Cada um dos coros era precedido pelo antecoro, que introduzia na clausura uma

mediação ao espaço sagrado. Unindo a intermediação física à valência simbólica e

mística, o antecoro do coro alto do Conventinho acolhia significativamente um

“Crucifixo de Marfim, com emblemas da Paixão”919.

Do coro, onde a arte se faria por certo representar, temos apenas notícia de parte

de um cadeiral - que hoje nos é dado contemplar na capela das Albertas, incorporada no

atual Museu Nacional de Arte Antiga -, de uns “paineis pegados no [tecto do] coro

representando varios objectos” da autoria de Pedro Alexandrino, cuja “collecção

completa” seria enviada para o Depósito das Livrarias do Extintos Conventos (DLEC),

918 Cfr. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário artístico de Portugal, Vol. V, Lisboa, AcademiaNacional de Belas-Artes, 1955, p.110.919 Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, Arquivo Histórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05–02, doc. 54.

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e de um quadro, de “boa Escola”, representando o “Snr.e prezo a Coluna”, com

“caixilho dourado, e lavrado”920.

O coro baixo, que, a 3 de Janeiro de 1822, receberia com a maior solenidade os

restos mortais da Infanta D. Maria Ana921, igualmente separado do restante espaço do

templo por grade de ferro, acolhia o comungatório, aberto de um dos lados do

gradeamento e, “abertos lateralmente" a este, os confessionários.

A decorar as paredes revestidas de “mármore de boa qualidade”922, avultava um

não reduzido número de pinturas, cuja qualidade levaria à sua integração no espólio do

DLEC, a funcionar, à época, no Convento de São Francisco da Cidade. Deste todo, e

segundo o inventário das peças para aí transferidas, figuravam vários “paineis em páo,

de largura de quatro palmos e sete de altura” assinados por “Vasco” e representativos do

Mistério da Anunciação, da Descida do Espírito Santo, de São João no deserto, de

Santa Catarina e de Santo António. Referenciados como “Obra prima de Vasco em

páo” constam também uns "Caixilhos com moldura de prata, com dois palmos de altura

e hum e meio de largo, reprezentando hum Sto. Agostinho e S. Jeronimo, e outro S.

Bruno”. Apontadas como sendo de “boa escola”, aparecem ainda um “Quadro com hum

Sto. Dominicano de dois palmos de altura e hum e meio de largo”, um “Painel do

Misterio do Natal, de cinco palmos de altura e sete de largo” e outros painéis “de tres

palmos de largo, contendo huma imagem de Nossa Snr.a, e outro huma cabeça de S.

João”.923

No Conventinho, ao contrário do Louriçal, não temos a presença do azulejo, mas

a pintura parece, pela sua quantidade, dotar os coros de abundante iconografia sacra.

Não nos é fácil discernir uma narrativa coerente no conjunto figurativo do coro baixo,

onde, no entanto, a temática crística e novitestamentária tem sólida presença. Mas,

chamando a cotejo os cenóbios afiliados, notamos que Santo António, Nossa Senhora e

a Cabeça de São João Batista estão também presentes no Louriçal, assim como Santa

Catarina em Montemor-o-Novo e a Natividade em Vila Pouca da Beira. Para lá da ideia

de coincidência ou coerência temática que a situação suscita, poderíamos aventar a

920 Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, Arquivo Histórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05–02, doc. 54.921 Cfr. Manuel Bernardes BRANCO, “O Conventinho do Desagravo de Lisboa”, O Panorama, p. 410.922 Com vista a “estabelecer a comunicação entre o corpo da egreja e o mesmo côro”, o Depósito deFardamentos que, em 1914, ocupava a igreja do mosteiro, solicita a abertura “dos confessionáriossituados lateralmente à grade do côro inferior na igreja”. (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo doSantíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1, doc. 30, 1914).923 Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, Arquivo Histórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx.05–02, doc. 54.

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transferência de algumas peças das referidas casas para o Conventinho, a última das

casas de fundação setecentista a cerrar de todo as suas portas.

Da “Casa da Tribuna do Santuário” - local de guarda e veneração de relíquias a

que normalmente se associava um inestimável valor artístico -, e da “Casa Grande”, a

que as Constituições não fazem qualquer referência, somente conhecemos o elenco das

muitas obras pictóricas que as integravam, quase todas representativas de santos e de

passos da vida e Paixão de Cristo, e referenciadas como obras de “boa escola”, de “bom

autor” ou, uma delas, inclusivamente como “obra prima”924.

À Sala do Capítulo, por sua vez, pertenceriam vários quadros e peças dos quais

apenas nos chegaram informações relativas a um Painel de Santo António, “de cinco

palmos de altura e sete de largo”, de Escola Romana, e um painel da Sagrada Família

“com caixilho dourado”, mencionado como “de boa escola”925.

4.8.3. Espaços de sobrevivência temporal (Figs. III.3.12.-13 e Figs. III.3.41.-51)

Ao longo de um extenso corredor aberto no primeiro piso, alinhavam-se, uma

após outra, as trinta e três celas individuais pertencentes às também idealmente trinta e

três religiosas que compunham a pequena comunidade lisboeta das Clarissas do

Desagravo926. Respondendo ao apelo centrípeto do claustro, circundavam-no

superiormente, dando diretamente sobre a galeria avarandada que o sobrepujava, o

sobreclaustro, de onde recebiam iluminação. Imagem de severidade, o interior das

pequenas celas definia-se pela estrita funcionalidade.

A poente deste núcleo que gravitava em torno da órbita do claustro desenvolvia-

se, quase paredes meias, a noviciaria. A proximidade que ligava ambos os espaços,

onde, de um lado, estavam as noviças e, de outro, as professas, não significava a

inexistência de barreiras arquitetónicas que, neste caso, se davam através de acessos e

924 Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, Arquivo Histórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx.05–02, doc. 54.925 Idem. O quadro foi mais tarde integrado no MNAA (Vd. “Relação dos objectos do extincto Conventodo Desagravo que foram recolhidos no Museu Nacional de Arte Antiga” MNAA, Objectos provenientesde conventos e igrejas, 1912).926 Os documentos que consultámos não nos permitiram confirmar se a comunidade logrou algum diaperfazer o número estipulado. A sua instituição tardia e o rigor dos seus estatutos não terão convidado aoacolhimento de novas vocações. Talvez por isso, o Exame de religiosas de vários conventos de Lisboa(Vd. AHPL, Livraria n.º 5, mss. 571), que mais atrás considerámos, tenha revelado profissões dereligiosas com bem mais que trinta e mesmo quarenta anos.

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de salas intermédias. Eis o que diz o Inventário de 1902: “No corredor referido, do lado

do poente existem sete cellas e uma cosinha, que anteriormente era denominada de

noviciado, e bem assim uma casa intermediaria que lhes dá ingresso e uma para a

capella.” 927.

Ainda no primeiro piso, as celas da noviciaria dariam, assim nos parece, para a

chamada “cerca de cima”, situada a norte da área cercada e em plano superior à “cerca

de baixo”. A esse mesmo nível encontravam-se a enfermaria e seu refeitório próprio, em

localização isolada em relação às restantes dependências pelo patamar que bifurcava o

acesso ao amplo corredor que, de um lado, abria para as celas e noviciado e, do outro,

conduzia a dependências projetadas sobre a cerca de baixo. Na enfermaria firmava-se

uma vez mais a separação entre professas e não professas, já que só aí caberiam as

religiosas, reservando-se às noviças o tratamento nas dependências que lhes estavam

adstritas928.

Numa curiosa implantação que contraria o modelo amplamente seguido pela

organização planimétrica monástico-conventual929, a cozinha e refeitório do Desagravo

aparecem-nos na ala nascente do conjunto, em situação paralela à igreja. Entre o

prosaísmo deste espaço da mais crua sobrevivência corpórea e a sacralidade do templo,

apenas se interpunha uma estreita escadaria interior e um pequeno pátio. Situados,

também curiosamente, no primeiro piso, dada a forte inclinação do terreno de

implantação, estes espaços definiam - bem que acessíveis pelo amplo corredor que

contornava todo o andar e dava acesso às demais dependências aí instaladas - um núcleo

bastante próprio com visível projeção planimétrica a nascente.

O refeitório, a sul da cozinha e, portanto, mais próximo da igreja, formava um

amplo retângulo encimado de firme cobertura abobadada. Entre o refeitório e a cozinha

abriam-se, na parede comum, dois postigos, ou ministras, para passagem dos alimentos.

A meio da cozinha, de planta quadrangular, colocara-se uma “mesa de pedra da

Arrabida”, conforme o Inventário citado, ainda visível na planta do 1.º piso levantada

em inícios de Novecentos. Do exterior, estes espaços são indelevelmente assinalados

927 Inventário dos bens..., 1902, fl. 101 v.928 Ibidem, p. 135.929 Cfr. Susana Gonçalves Cacela MATIAS, O espaço conventual nas ordens mendicantes. O Conventode Nossa Senhora dos Mártires do Alvito, Vol. I, pp. 181-2.

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pela presença imponente da chaminé, quantas vezes reveladora da dimensão e

importância de uma casa monástica930.

Próximo do refeitório ficaria o De Profundis - lembremo-nos, a próprio, da “casa

deperfundes” aparelhada e forrada pelo mestre Francisco França -, na qual antes e

depois das refeições seria rezado o salmo respetivo (De Profundis).931 “Casa do lavor” e

livraria seriam outros dos espaços não dedicados à contemplação.

4.8.4. O claustro (Figs. III.3.14.-25)

Situado a noroeste da igreja, rodeado por dependências monásticas e permitindo

a sua intercomunicabilidade, o claustro do Conventinho revela, na pequenez das suas

dimensões, um interesse estético incontestável. Conformando-se com as contingências

da implantação, apresenta-se como um pequeno retângulo definido por uma sólida

arcada de arcos de volta perfeita, sustentada por uma sucessão de pilares robustos e

desornamentados. Em cada um dos seus ângulos chanfrados, espreita um pequeno óculo

elipsoidal. Torneja-o em todos os quadrantes uma estreita galeria abobadada, que

outrossim sustenta o sobreclaustro, dotado de varandim.

Remetendo para o formato da galeria e para o ligeiro movimento que insinua,

abre-se, ao centro, um lago cujo recorte ovalado resulta da interceção de linhas elípticas

e circulares. No seu ondear suavemente barroco, não deixamos de lhe notar uma

delicadeza que conduz ao rococó, ao mesmo tempo que se afasta da dureza

desornamentada da arcada circundante.

Na quadra norte, acompanhando os tramos, recorta-se uma série de seis painéis

representativos de episódios da Paixão de Cristo: a Oração no Horto, O Beijo de Judas,

Cristo perante Caifás, Flagelação, Coroação de espinhos, Ecce Homo, Cristo a

caminho do Calvário (e a Verónica) e Cristo na Cruz932. Emoldurados por um nicho

cavado na própria estrutura mural que descreve superiormente um arco de volta perfeita,

930 Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 51. A chaminé do Conventinho foi destruída já no século XX,mais exatamente em 1970.931 Constituições e leis..., pp. 102-103. O De Profundis poderia igualmente corresponder a um espaçopróprio, anexo ou contíguo ao refeitório, onde tinham lugar orações próprias rezadas antes e depois dasrefeições.932 Seguimos, embora não na totalidade, a designação proposta por Maria do Rosário Salema deCARVALHO, “Convento do Desagravo do SS.mo Sacramento”, in AAVV, Relatório “Os Conventos deLisboa”, Lisboa, Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002-3[a publicar], p. 30.

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decorado com moldura azulejar dourada, apresentam-se como uma espécie de telas

cerâmicas colocadas sobre uma figuração igualmente azulejar de frontais de altar,

compostos por motivos fitomórficos azuis e brancos atravessados a certa altura pela

franja dourada do galão do tecido representado. Enquadrar-se-ão estilisticamente no tipo

de produção cerâmica característico da segunda metade do século XVIII, de azulejo

azul e branco.

Altares devocionais, estas estruturas integrariam vivências próprias do mosteiro

na assunção da sua tão singular espiritualidade933, servindo de enquadramento não só à

oração e meditação como eventualmente à realização de procissões e atos penitenciais.

De fato, o tratamento do tema da Paixão enquanto ciclo e discurso temático legitima

uma vivência configurada num percurso plasmado também em termos corpóreos, num

percurso que poderia envolver vários espaços do mosteiro. Lembremos, a propósito,

que, no Louriçal, a Capela do Senhor do Passos, que guardava a imagem processional

da mesma invocação, se abria sobre o claustro, favorecendo a recitação devocional que

em torno da imagem se realizava.

Cumprindo a aliteração compassada que o itinerário dos altares assinalava, as

Clarissas do Desagravo fariam seus os passos da penitência redentora de Cristo,

dirigindo-se, tal como Ele, para o paroxismo da última estação onde se erguia, solene, a

imagem da Crucifixão.

4.8.5. Espaços de contato com o exterior

Aberta perpendicularmente à igreja, a portaria, ou vestíbulo correspondia a uma

divisão relativamente ampla, de cobertura abobadada onde, à data da elaboração do

Inventário, um quadro representando Tobias e Anjo, de Pedro Alexandrino, e de um S.

Pedro, “de Escola romana”934, se apresentariam aos visitantes externos à clausura.

Conduzindo à portaria interior, dava acesso ao parlatório e ao interior da

clausura, abrindo a comunicação com a parte inferior do edifício, que levava à “cerca de

933 Nelson Correia BORGES, op. cit., p. 40. Em relação à utilização e significado dos claustros, o autorrefere que a “piedade barroca desenvolveu formas de misticismo, por vezes exacerbadas, sobretudo emmosteiros femininos, que tiveram no claustro um dos cenário mais adequados à sua expressão”.934Cfr. Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, Arquivo Histórico,BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05–02.

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baixo” e ao andar superior, cuja comunicação se fazia pela escada principal, “toda de

cantaria e revestida a azulejo antigo que não tem valor artístico”.

Dispensando o mirante, da mesma forma que as demais casas da observância, o

Conventinho confiou os momentos de recreação e lazer ao espaço limitado pela cerca

onde o contacto com a natureza, oferecido através de hortas, pomares e lagos935,

propiciaria o desanuviamento das monjas, evitando simultaneamente expô-las à visão

do mundo exterior.

935 De acordo com o Inventário dos bens, a fl. 102, na cerca existia, em 1902, “um poço coberto masentulhado, dois lagos de cantaria, terreno destinado a horta, parreiras e poucas arvores de fruto.” (ANTT,AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, 10 de Março de 1902).

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4.9. Programa artístico e património móvel

Concebendo a arte enquanto expediente rememorativo ao serviço de um

programa espiritual específico, o Conventinho centrou figurativamente a atenção no

tema do sacrifício redentor de Cristo, na representação dos santos da Ordem e de temas

ligados a devoções específicas, de entre as quais a do Sagrado Coração de Jesus. Neste

contexto, sobressaem, seja pelo espaço que ocupam – o claustro e a igreja – seja pelo

suporte em que assentam – o azulejo -, as séries da Paixão de Cristo e do Desacato de

Santa Engrácia. Se na igreja se expõe a razão da fundação do mosteiro e do carisma da

Ordem perante todos quantos a visitem, já no claustro, essa razão, plenamente

interiorizada pelas monjas, converte-se num ato de meditação penitente alimentado

passo a passo pelo percurso cadenciado das estações da Paixão de Cristo.

Além desta utensilagem simbólica, a que já anteriormente fizéramos referência,

várias outras obras consolidam iconograficamente o ideário do mosteiro. Na pintura,

quase na sua totalidade de Setecentos, merece relevo uma série alusiva à Paixão de

Cristo, composta pelo Beijo de Judas, Flagelação, Coroação de espinhos, Ecce Homo,

Cristo a caminho do Calvário e Cristo na Cruz. Do conjunto, datado do século XVII,

desconhece-se quer o autor, quer a proveniência, quer ainda a localização atual936. O

Inventário de 1902 dá conta de uma outra série de quinze quadros evocativos da Paixão,

de que igualmente se ignora o paradeiro, bem como de um conjunto de sete telas

figurativas dos Passos do Senhor937.

Elencadas no mesmo documento estão várias outras pinturas que, não

constituindo séries, enfatizam a atenção dispensada àquela temática. Entre outras, um

Senhor preso à coluna938, dois quadros de Cristo no Calvário, dois relativos ao Senhor

dos Passos, três de Cristo crucificado (um deles sob a invocação do Senhor das

936 Muito embora conste nas listagens do Museu de Arte Antiga, para onde foi levado após a extinção domosteiro, a sua localização é ainda hoje desconhecida. O inventário do museu especifica, no entanto, quetais obras foram transferidas para a sede a Confraria de S. Vicente de Paulo, sita na Rua do Norte, emCarnide a 7 de Novembro de 1945, no espaço que antes pertencera ao Convento de Santa Teresa de Jesusda Ordem Carmelita.937 Inventário dos bens..., fls. 39v.-40 v. Estas telas não foram incorporadas no MNAA nem passaramtambém ao DLEC.938 O quadro seria transferido para o DLEC. O documento que se lhe refere agrupa-o nas obraspertencentes ao coro alto do mosteiro (Cfr. Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BNP, ArquivoHistórico, BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05 –02, doc. 54).

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Misericórdias e outro da provável autoria de Roque Vicente - Fig. III.3.54.), dois

Descimentos da Cruz e duas Verónicas (Fig. III.3.56.)939.

Vista no seu todo, bem que no desconhecimento do espaço que ocuparia, a obra

de gravura sublinha outrossim a linha temática referida. Serão disso exemplo, entre

outros, um Ecce Homo, assinado por “Queiroz” 940 em 1839, e um conjunto de gravuras

representando a Via Sacra, que o Livro de Incorporações do MNAA, de 1912, descreve

como:

Quatorze gravuras e molduras, representando trêze, a Via Sacra. A décima

quarta representa o Cristo carregando com a cruz, a caminho do Calvario, é de

menores dimensões é de formato disproporcionado à moldura, e foi colada

sobre uma pintura a oleo, representando o mesmo assunto mas sem valôr

artistico.941

O temário enunciado reconhece-se, por fim, em grande número de pinturas,

gravuras e obras de imaginária que contemplam outros episódios da vida de Cristo,

embora, na sua maioria, remissíveis ao Mistério Pascal. É o caso da Ceia de Cristo em

Emaús, assinada por Pedro Alexandrino942 e, do mesmo artista, de um Cristo repartindo

o Pão (Fig. III.3.59.) 943 e de um Tobias e o Anjo (Fig. III.3.58.) 944. Qualquer das telas é

de grandes dimensões e revela um valor artístico, pelo menos as duas últimas, únicas

conhecidas, não só atestado pelo montante que lhe foi atribuído, como pela consistência

do seu tratamento plástico e equilíbrio compositivo.

De algum modo consonantes com as figurações de Cristo, e porque centradas

n’Ele, surgem representações da Sagrada Família, da Fuga para o Egipto, da

Anunciação e, sobretudo, da Virgem, de entre as quais uma Virgem com o Menino, do

939 Inventário dos bens..., fl. 41 v.940 Acreditamos tratar-se de Gregório Francisco Queirós. Foi discípulo de Joaquim Carneiro da Silva, esteúltimo mestre de desenho das filhas de D. José I, entre as quais D. Maria Ana. (Vd. Henrique de CamposFerreira LIMA, Princesas artistas. As filhas de El-Rei D. José, Coimbra, Imprensa da Universidade,1925).941 “Relação dos objectos do extincto Convento do Desagravo que foram recolhidos no Museu Nacionalde Arte Antiga” MNAA, Objectos provenientes de conventos e igrejas, 1912, pp. 35-48.942 O quadro foi remetido para o Depósito das Livrarias (DLEC), estando avaliado em 60.000 reis. (Cfr.Inventário..., fl. 39 v.).943 Cfr. Objectos de valor artístico existentes no ex-convento do Desagravo, a Santa Clara (ANTT,AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1, s/d (1919),fl. 5 v.).944 Vd. MNAA, Inventário de pintura, Lv. 11, s/d.

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século XVIII, e uma não menos graciosa Virgem com o Menino e São João, da mesma

data. Das muitas obras pictóricas que poderíamos aqui mencionar, destacamos, porém, a

Nossa Senhora da Conceição, com a visão do Padre Eterno ao fundo, de Domingos

António Sequeira, e a Nossa Senhora da Agonia (Fig. III.3.57.), uma das obras que a

Infanta D. Maria Ana dedicou à casa de sua fundação, um pastel de pequenas dimensões

cuja qualidade em tudo contradiz o zelo que acreditamos ter posto na sua execução945.

A imaginária, por seu lado, reitera a incidência temática ao contemplar um sem-

número de imagens de Cristo crucificado de dimensões, materiais e pormenores

decorativos variados. À margem deste conjunto, certamente distribuído um pouco por

todo o cenóbio, avulta uma imagem do “Senhor dos Passos, de madeira, tunica de

gorgorão de seda roxa, e resplendor de prata” que, avaliada em 200.000 reis946, deveria

assumir o protagonismo do espaço a que se achava destinada. A mesma reflexão deverá

aplicar-se a uma imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, de madeira com vestes de

seda, “encerrada em uma urna de casquinha dourada e vidro, com ornatos de talha

dourada em alto-relevo”947. A propósito, não é despiciendo notar que o Mosteiro do

Louriçal, no quadro de uma devoção profunda à Senhora da Boa Morte, guardava uma

valiosa imagem dessa invocação cuja descrição em muito se aproxima da peça que

pertencera à casa lisboeta948, assim como guardava uma imagem, de igualmente

próxima descrição, do Senhor dos Passos.

Muitas outras alusões – a santos e santas, a Nossa Senhora, sob diversas

invocações949, e a vários eclesiásticos - integram o repertório iconográfico do mosteiro.

Dos poucos exemplares de escultura de certas dimensões, avultam as imagens de São

Francisco e de Santa Clara, ambas de um metro e vinte de altura e avaliadas no mesmo

montante, que julgamos terem sido destinadas a ocupar os nichos laterais do retábulo-

mor da igreja monástica950.

945 Este quadro consta presentemente do acervo do MNAA.946 Inventário dos bens..., fl. 21. Ao teor da avaliação feita às demais peças do mosteiro, o valorassinalado seria considerável, apenas igualando a avaliação do eminente presépio do Desagravo.947 Ibidem, fl. 19 v.948 A imagem de Nossa Senhora da Boa Morte fora oferecida ao Mosteiro do Louriçal pelo rei D. José.Quanto à de Lisboa, pouco ou nada se sabe. É apenas um entre tantos outros exemplares do patrimóniodeslocado do Conventinho que, à semelhança da série da Paixão ou da imagem do Senhor dos Passos,deveria auferir de indubitável interesse simbólico e, eventualmente, também artístico.949 Encontram-se representações de Nossa Senhora das Dores, das Necessidades, da Boa Morte (járeferida), da Soledade, etc.950 Inventário..., fl. 22. Também destes santos se perdeu até hoje o rasto, não tendo sequer chegado aoMNAA, para onde, aliás, poucas obras de imaginária foram transferidas.

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A coroar o programa iconográfico ao serviço do desagravo emerge o Triunfo do

Santíssimo Sacramento, ponto fulcral que confere sentido à diligência expiatória a que a

comunidade devotamente se entregava. Acerca desta tela, que apenas sabemos ser de

grandes dimensões e ter sido avaliada em 100.000 réis, tudo o mais se ignora, desde o

caminho percorrido desde a extinção do mosteiro ao espaço em que nele se inseria. Não

nos repugna, no entanto, pensar que a sua autoria se tivesse devido a Pedro Alexandrino

de Carvalho, a quem tantos outros trabalhos pictóricos se confiaram e a quem coube a

execução, destinada à contemporânea Basílica da Estrela, de uma "Adoração do

Santíssimo Sacramento".

Com o mesmo carácter de corolário programático consideremos também a

valiosa custódia que o altar-mor ostentaria durante as exposições eucarísticas e que a

listagem de 1902 descreve como peça de prata dourada, de trabalho antigo, dividida em

dois corpos - peanha e parte superior, sendo esta última totalmente cravejada de

crisólitas e guarnecida com cinco topázios grandes. A meia-lua, informa o documento,

ostentaria vinte e sete brilhantes, dois vidros no centro e mais um num dos extremos. De

peso teria 7080 gramas e de valor monetário 1000.000 réis, sendo a peça mais valiosa

de todo o espólio951. Desta que, segundo parece, poderia ser uma obra-prima da

ourivesaria, também nada ficou para além da informação da sua transferência, em 1912,

para a Caixa Geral de Depósitos, não sem que antes tivesse dado entrada no Museu de

Arte Antiga.

Ironicamente, e por certo não ciente da sua valia memorial, eis que o

inventariante se depara com um cofre de tartaruga “com guarnição de prata” e “pavilhão

dourado”, a que atribui tão-somente o valor de 6.000 réis. Era este, estamos em crer, o

célebre cofre do desacato doado às religiosas pela Irmandade do Santíssimo de Santa

Engrácia em atenção à “vontade de S. Mag.de e da Serenissima Infanta D. Maria Anna,

e por ser o convento erigido em Desaggravo do mesmo sacrilegio”952.

Da mesma forma que em relação à arquitetura, parece-nos legítimo enquadrar o

recheio artístico do Conventinho na mesma linha de gosto, consumo e partido estético e

artístico que associamos a Queluz e à Estrela. Na verdade, e tendo em conta o âmbito

951 Inventário dos bens..., fls. 12-12v. Esta peça consta também da listagem dos objectos realizada em1902 pela Academia Real de Bellas Artes, a Relação dos objectos do espolio do supprimido convento dodesagravo de Lisboa (ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009,capilha 2, IV/A/52/5).952 Arquivo Histórico da Paróquia de Santa Engrácia, Inventário da fábrica do Santíssimo Sacramento deSanta Engrácia, Lv. 3, fl. 13. É significativo que esta doação tenha sido feita a 16 de Janeiro (neste caso,de 1785), num dos dias, portanto, em que se celebrava o Tríduo do Desagravo.

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restrito da sua importância relativa, o pequeno claustro parece ter mais refletido do que

criado ou recriado a arte do meio e época em que se inseriu, fazendo depender a sua

originalidade mais do ideário espiritual prosseguido que da criatividade dos artistas que

nele trabalharam e que, à exceção dos presépios, merecem destaque face às demais

obras do tempo.

O contributo de Domingos António de Sequeira, de Roque Vicente, Pedro

Alexandrino, Silvestre de Faria Lobo ou mesmo de Machado de Castro e da Infanta D.

Maria Ana, apelam a uma realização que remete para um núcleo de encomenda cortesã

e que, quase em simultâneo, agrupa os mesmos artistas. Esta convergência, que, de uma

parte, pode perversamente traduzir-se na ofuscação da arte criada pelo Conventinho,

pode, de outra, fazê-la imergir como elemento a considerar na compreensão da

produção artística a que intrinsecamente se liga.

Mas o Conventinho não foi uma obra totalmente subsumida noutras. A

originalidade dos painéis azulejares do templo dá-nos disso imediata conta, assim como

no-la dão os presépios do Desagravo (Fig. III.3.60.). Atribuídos a Machado de Castro,

imediatamente suscitam um paralelismo em relação à Estrela, onde na mesma data o

escultor trabalhava num monumental presépio953. O elenco de 1902 é inequívoco, ainda

que extremamente sucinto, na menção aos presépios do Desagravo ao trazer à colação,

em primeiro lugar, um presépio

grande em forma de semi circulo, medindo seis metros approximadamente, e

que tem a altura, tambem approximada, de tres metros. Este presepio é fixo, e

resguardado por uma espécie de camarim envidraçado que acompanha a toda a

altura da sala. O referido presepio é feito de cortiça e papelão, e representa

uma grande gruta, onde na parte superior se veem nove anjos em barro e muitas

figuras allegoricas tambem de barro, e na gruta, existem, quasi de tamanho

natural, as imagens de Nossa Senhora, S. Jose e o Menino; a virgem e S. Jose

tem vestes de seda e são de roca.

953 O inventário actualizado do MNAA atribui a maior parte destas peças a Machado de Castro, emboraalgumas (poucas) continuem sem menção a autoria.

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No encalço deste primeiro, o inventário cita dois outros, “pequenos, com as

imagens do Menino Jesus”954. Não é difícil constatar que o citado presépio de estrutura

semicircular seja aquele a que o mosteiro destinou uma dependência própria, a “Casa do

presépio”, cuja localização sugere, pela proximidade do antecoro e coro alto e, por outro

lado, também das celas, a partilha de um mesmo percurso vivencial. A prática

devocional não estaria, pois, alheia àquele espaço, a que sabemos ter pertencido uma

imagem de Nossa Senhora das Felicidades (Fig. III.3.53.)955.

A presença deste modelo de representação escultórica não é naturalmente

apanágio do Conventinho, verificando-se igualmente em várias outras casas regulares,

como o Mosteiro do Louriçal, o da Madre de Deus, o Convento da Cartuxa de Laveiras

ou o já referido Convento da Estrela956.

Embora tenham sido inventariados três exemplares no mosteiro do Campo de

Santa Clara, Diogo de Macedo refere-se apenas a dois trabalhos, que designou como

“presépio grande do Desagravo” e “presépio pequeno do Desagravo”, cujas peças

informa terem passado às Janelas Verdes957. Em relação ao primeiro, assume ter-se

ficado a dever a António Ferreira, autor dos presépios da Cartuxa de Laveiras, do

Mosteiro da Madre de Deus e do Mosteiro da Conceição de Jesus958.

por ser êste, entre todos quantos houvemos com dotes capazes, quem maior

número de razões e parentesco possuia, para ter inventado as pouquissimas

figuras que dêle restam. É que se não foi António Ferreira o seu autor, então

Portugal teve um outro barrista de génio, que influiu em muitos presépistas,

ensinou segredos a quási todos e ficou oculto na história, ingratamente.

954 Inventário dos bens..., fls. 31 v - 32. O presépio de maiores dimensões foi avaliado em 200.000 reis eos demais em 700 (cada um).955 BNP, Secção de Iconografia, Registos de Santos, Lvs. 8, 10, 12, desenho n.º 02491.956 O tema dos presépios foi amplamente estudado por Alexandre Nobre Pais em Presépios portuguesesmonumentais do século XVIII em terracota, 2 vols, Dissertação de Mestrado em História da Arte (área deArte Moderna) apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, UNL, 1998. Sobre acriação das primeiras representações da Natividade, veja-se a pág. 183 do Vol. I.957 Diogo de MACEDO, Em redor dos presépios portugueses, Lisboa, 1940, pp. 28-29. No Livro deIncorporações de 1912, existente no MNAA, encontra-se a Relação dos objectos procedentes doconvento do Desagravo que deram entrada no Museu Nacional de Arte Antiga, onde, a se faz menção aestas peças (pp. 35-48).958 Vd., a propósito, João BARREIRA, “Os presépios de barro”, Serões, Revista mensal ilustrada, 2.ªsérie, Vol. I, n.º 6, Lisboa, 1905.

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Um das peças que sugeriria tal atribuição seria o tocador de sanfona (Fig. 109),

cujo busto "foi lição e foi modêlo para tantos outros que tentaram aproximar-se-lhe".

Porém, é o mesmo tocador de sanfona a suscitar dúvidas no que respeita à autoria, facto

que leva Diogo de Macedo à seguinte reflexão:

O busto citado do tocador de sanfona, modelado em planos angulosos que o

correr das dedadas marcou, obra capital entre tantas conhecidas, com traços e

modelados excelentes, dum realismo muito perfeito, se não tem parentesco com

a mesma figura do presépio da Madre de Deus, em compensação, foi imitado,

repito, copiado mesmo em pormenores, como o braço e a mão da manivela, no

presépio de S. Vicente de Fora. Seria o mesmo grande artista que colaborou

uma vez com Machado de Castro?

Perante o mistério da paternidade deste “presépio grande”, questão que

considera fundamental, o autor exclama: “Que estranho mestre seria aquêle, que a

injustiça dos seus contemporâneos não distinguiu, nem a voz do povo aclamou!”. E

remata, alegando que o desconhecimento do autor do “estupendo presépio do

Desagravo” é caso para lastimar, “visto obras de tal mérito a história não se honrar com

o desleixo do seu anónimato.”959

Já o “presépio pequeno do Desagravo”, Diogo de Macedo não hesita em assacá-

lo a Machado de Castro pelas semelhanças que deteta em relação ao conjunto de S.

Vicente, obra do escultor de Coimbra960.

Considerando que o "presépio grande" reproduz algumas das peças do de São

Vicente de Fora e que três dos presépios de Machado de Castro estariam na posse da

família real e uma no Convento da Estrela, quem sabe não poderíamos outorgar também

ao escultor a autoria daquele primeiro exemplar961.

A reflexão sobre a arte do monumento ficaria incompleta se não contemplasse a

herança que, neste plano, D. Maria Ana dedicou à casa de sua fundação, a qual

naturalmente reveste uma natureza também ela fundacional. Não seria, aliás, o

959 Diogo de MACEDO, Em redor dos presépios portugueses, Lisboa, s/n, 1940, p. 39.960 Uma das figuras mais passivelmente remissíveis à assinatura do artista é a imagem da Virgem,semelhante, segundo Diogo de Macedo, a todas as demais modeladas ou concebidas por Machado deCastro.961 Cfr. Diogo de MACEDO, op. cit., p. 39.

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Conventinho o único monumento do círculo mariano a merecer a atenção da infanta,

que se estendeu, como anteriormente assinalámos, à Capela do Palácio de Queluz, para

onde pintou um Coração de Jesus, e à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, para a qual,

em parceria com D. Maria Benedita, realizou uma tela de grandes dimensões

representativa do Coração de Maria e Anjos962. No seu mosteiro, contudo, preferiu

deixar um contributo único, os retábulos das capelas laterais onde, sob o supedâneo, se

guardavam relíquias de dois santos963.

Apesar de o tributo pictórico da infanta não se ter limitado às telas da igreja, o

quadro representativo da Senhora da Agonia964continua sendo, até hoje, a única pintura

de que temos conhecimento, a qual, já pelas pequenas dimensões, já pela qualidade

duvidosa, não deveria corresponder a qualquer das obras que guarneceriam os altares

laterais.

Independentemente da sua amplitude e qualidade, ou mesmo do conhecimento

exato que hoje dele possamos ter, o legado de D. Maria Ana oferece-se-nos como

reflexo de uma firme motivação religiosa que tirou largo partido da esmerada e intensa

educação artística recebida no seio da corte de D. José e de D. Mariana Vitória. Não

sem razão Henrique de Campos Ferreira Lima apelida como “Princesas Artistas” as

filhas de D. José, dedicando-lhes inclusivamente a obra homónima em que, integrando

contributos de vários autores, revela e enaltece o estro destas princesas. Não o nega

Volkmar Machado, perentório ao afirmar que o “estudo da Pintura foi um dos

principaes objectos, na educação das Augustas Princezas suas filhas [de D. José]”.965

Domingos da Rosa e José da Rosa, seu filho, Domingos António de Sequeira e Joaquim

Carneiro da Silva assegurariam, por seu turno, a instrução das princesas nas áreas da

pintura e do desenho, a ponto de este último ter gravado várias das estampas e quadros

962 Segundo inscrição contida no próprio painel, o lado esquerdo ficara a cargo de Princesa Viúva e odireito da fundadora do Conventinho. LIMA, Princesas artistas…, pp. 12-14. Em relação à capela doPalácio de Queluz, o quadro a óleo representando o Salvador do Mundo ficou a dever-se à futura rainhaD. Maria I, um S. José à Infanta D. Maria Francisca Doroteia, um Coração de Jesus a D. Maria Ana e umSanto António a D. Maria Benedita. Ao ocupar-se, no seu Dictionnaire, da figura de D. Maria Benedita, oconde de Raczynski não poupa críticas à obra por ela realizada na Basílica, que considera inclusivamente“peu digne d’occuper cette place”. O nome de D. Maria Ana e de suas outras irmãs não figuram sequer noafamado dicionário. (Cfr. Athanase RACZYNSKI, Dictonnarire histórico-artistique du Portugal, Paris,Jules Renouard et C.ie, 1847, p. 26)963 Gonzaga PEREIRA, Monumentos sacros de Lisboa em 1833, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1927, pp.310-311. Pelo inventário dos bens do mosteiro, somente um quadro nos aparece atribuído a D. MariaAna, facto que não deverá, no entanto, significar a inexistência de outros executados por suas mãos.964 Este quadro consta presentemente do acervo do MNAA.965 João Pedro BELLORI, As honras da Pintura, Escultura e Architectura. Tradução do italiano;Ilustrado e anotado por hum dos Pintores de S.A.R. o Principe Regente Nosso Senhor, Lisboa, ImpressãoRégia, 1815, p. 109.

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da invenção das mesmas, entre os quais, juntamente com Manuel Salvador Carmona, se

incluem as referidas pinturas das capelas laterais da igreja. 966

Sobre a secundogénita do monarca, a apetência e talento para as artes da música,

pintura e desenho, predicados com que desde cedo terá sido conotada, corporizaram-se

em obras várias, sempre ou quase sempre de temática sacra, das quais destacamos uma

estampa desenhada a lápis, realizada em 1773, representando S. Miguel prostrando

Lúcifer (levada inclusivamente a uma exposição realizada no Porto em 1807), um

Coração de Jesus, de que apenas se conhece uma gravura de Carneiro da Silva, e um

quadro a óleo representando Nossa Senhora do Amparo dos Pescadores, pertencente a

uma das capelas da Sé de Évora, de que se conhece também uma gravura de Carmona e

de Manuel da Silva Godinho967.

Da mesma forma que os préstimos artísticos de D. Maria Ana podem ser

entendidos no plano do enriquecimento patrimonial do Conventinho e da valorização do

seu significado enquanto monumento, a expressão material que este assume representa

também um tributo direto ou indireto à dotação da fundadora. Não é, portanto, com

estranheza que assinalamos a presença de um retrato da infanta968, pintura de autor

desconhecido, no espólio do mosteiro reportado pelo Inventário de 1902, a lembrar

aquela a quem tanto ficou a dever-se. Ou que associemos o coro baixo, cuja conceção

previra a deposição póstuma dos restos mortais da fundadora, a um preito de

homenagem à sua memória. Foi efetivamente para aquela que deveria ser a sua última e

definitiva morada que, pelas 11 horas da noite de 3 de Janeiro de 1822, foi conduzido o

seu féretro, numa cerimónia que contou com a presença de “D. João VI, acompanhado

da infanta D. Isabel Maria, do infante D. Miguel, e D. Sebastião, da Hespanha, e duma

numerosa e luzida côrte” e com os “responsos cantados pelos frades do convento da

Graça”.

966 A referência a Domingos António de Sequeira como mestre das princesas, embora previsível, não seráde todo inquestionável, sendo abordada por toda a bibliografia como hipótese não confirmada. (Vd., apropósito, LIMA, Princesas artistas. As filhas de El-Rei D. José, p. 3).967 Seguimos as informações fornecidas e exaustivamente documentadas por Henrique de CamposFerreira LIMA em Princesas artistas. As filhas de El-Rei D. José, Coimbra, Imprensa da Universidade,1925, pp. 5-7.968 Inventário dos bens... Existe um outro quadro representando uma monja do mosteiro, parecendo-noshaver a intenção de que as figuras mais eminentes do Conventinho fossem relembradas como verdadeirasfundadoras.

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Mas já antes disso, e dispensando qualquer presença corpórea, o mosteiro

celebrara com solenes e rutilantes exéquias969 a partida da sua instituidora, ocorrida no

Palácio do Rio de Janeiro a 16 de Maio de 1813, mas de cuja notícia só em Julho

tomaria conhecimento970.

969 Segundo se lê em Bernardes Branco, que refere terem sido feitas “solemnes exequias, e com grandepompa, concorrendo com toda a despeza João Baptista, homem muito rico.” (BRANCO, “O Conventinhodo Desagravo de Lisboa”, O Panorama, p. 410).970 A respeito da notícia da morte e trasladação dos restos mortais de D. Maria Ana, veja-se o Termo deentrega do Cadaver da Serenissima Senhora Infanta, Dona Maria Anna (ANTT, Gaveta 16, Mç. 3, doc.4) e o Termo da entrega do Corpo da Serenissima Senhora Infanta Dona Maria Anna na Igreja doConvento das Religiosas de Nossa Senhora da Ajuda desta Corte do Rio de Janeiro (ANTT, Gaveta 16,Mç. 3, doc. 2).

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PARTE IV

AS DERRADEIRAS FUNDAÇÕES DO DESAGRAVO

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PARTE IV

AS DERRADEIRAS FUNDAÇÕES DO DESAGRAVO

1. Do Pombalismo à República: apostas e desafios à vida regular

Se entraves ou dificuldades fizeram desde sempre parte da fundação e vida dos

cenóbios até agora considerados, o propósito propagativo das Clarissas do Desagravo,

inscrito na sua própria memória identitária, não claudicaria perante os novos desafios

que, no plano religioso, entre o consulado pombalino e a Implantação da República, se

lançaram. E, bem que o reinado mariano e, com ele, a Viradeira, tivesse registado uma

inversão na atitude e intenções no que tange a questão religiosa, pelo menos na

aparência e à falta de evidências maiores, pode concluir-se que, em termos práticos,

eram efetivos os efeitos da secularização.

A árvore clariana sob a seiva do Desagravo não deixaria, contudo, de frutificar.

Fá-lo-ia, por certo, contornando entraves e suplantando reveses, na lógica própria do

lema espiritual do Instituto, que das impiedades extrai renovado vigor e legitimidade. E

o tempo a que agora nos referimos não poderia senão convocar uma reação reparadora.

Vejamo-lo com Frei João de S. Boaventura, que, após um elenco dos mais celebrados

desacatos ocorridos em Portugal desde as origens até 1825, data em que redige, reflete:

Não he possivel na brevidade do meu intento dar ao publico huma exacta

noticia de todos os desacatos comettidos neste Reino desde 1779 até ao

presente; porque tem sido tantos, e tão frequentes, que por si somente farião

hum grande volume. Mas não deve admirar-se, se nos recordarmos que tudo

isto são effeitos da primeira explosão da impedade no Reino de França. As

doutrinas anti-religiosas e anti-sociaes, que tanto se tem propagado, a

desmoralisação dos povos, e o fanatismo da liberdade, são a origem funesta de

tantos crimes, e tão horrendos attentados contra a Religão e contra aquillo que

nella ha de mais sagrado.971

971 João de S. BOAVENTURA (frei), Breve noticia dos desacatos mais notaveis acontecidos em Portugaldesde a sua fundação até agora, e o Sermão do Desaggravo pelos ultimos, comettidos neste mesmo anno,Lisboa, Impressão Régia, 1825, p. 20.

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É claro, para o autor, o motivo dos sacrilégios e claras, também, as suas

consequências. Mais argumentos e discursos, igualmente eloquentes, secundariam a

causalidade enunciada. Quando, por ocasião das festividades realizadas pela

Restauração do Reino, em 1808, o Senado da Câmara de Lisboa, pretendendo dar

testemunho da sua gratidão pelo beneficio que esta capital em particular, e o

Reino em geral acabava de receber do Deos dos Exercitos, que muito

particularmente manifestou a sua Divina predilecção por este seu Reino,

escolhido na sua venturosa Restauração, determinou na sua caza do despacho

da mesma Real Igreja, que em Dezagravo do SANTISSIMO SACRAMENTO,

muito principlamente Offendido na invasão do Exercito Francez neste Reino,

pelos insultos por elle perpretados, contra o mesmo Augustissimo Sacramento,

se Celebrasse hum Triduo naquella Real Igreja, fazendo voto de celebrar

perpetuamente no dia 15 de Setembro a mesma Acção gratulatoria, com

Procissão Solemne, que sahirá da Bazilica de Santa Maria, para a mencionada

Igreja de S. Antonio.972

À ameaça jacobina e à devastação produzida pelas Invasões Francesas acrescia,

na impetração de um desagravo, a penetração efetiva do Liberalismo na ideologia

política portuguesa. Não se bastando com o brado indignado, a parenética une-se à

propaganda política. Em plenos conflitos liberais, Frei José de Santa Rita de Cássia,

legitima a sucessão de D. Miguel I e exorta ao seu apoio em sermão pregado em

Outubro de 1827973. Defendendo a vinda de D. Miguel, profere:

segue-se finalmente, como legitimo corollario, que esta horrorosa malvada

Seita contra o Altar, e contra o Trono, a que se chama vulgarmente Maçoneria,

Carbonaria, ou, chamem-lhe lá como quizerem, he inventada pelo diabo, sustida

972 Desagravo ao Santíssimo Sacramento e acção de graças pelos benefícios da restauração da pátria edo restabelecimento do Governo do Príncipe Regente promovido pelo Tribunal do Senado da Câmara,s/d., p. 2.973 José de SANTA RITA DE CÁSSIA (frei), Sermão em acção de graças ao archanjo S. Miguel pelasfaustas noticiais da suspirada vinda do regio, magnanimo jovem, o Senhor Dom Miguel pregado em 28de Outubro de 1827, Lisboa, Impressão Régia, 1827.

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pelo diabo, por meio dos seus agentes, e satellites, dos quaes, como filhos

primogenitos de tal pai, e fieis discipulos de tal mestre974

E prossegue:

Nesses papeis chamados Periodicos públicos, publicamente vomitadas as mais

horriveus blasphemias contra o Sanctissimo Sacramento do Lausperenne,

contra a Mãi de Deos, principalmente nessa milagrosa Imagem de Nossa

Senhora da Conceição Apparecida, que se venera, e respeita na Sé desta

Capital!975

Num outro sermão, pretendendo novamente concitar o favor público em torno da

sucessão de D. Miguel I, evoca o milagre de Ourique:

não há huma Nação mais estimada, querida, e abençoada por Deos como he a

Nação Lusitana; porque o mesmo Deos quis que o estandarte da sua Religião,

que he o Mysteiro da Cruz, fosse o mesmo do Reino de Portugal […]; porque o

mesmo Deos chama a este Reino de Portugal seu Reino: este Reino he meu, diz

o Senhor, puro na fé, sanctificado, e com piedade amado, e quero que seja em

meu Nome governado por ti, e pelos teus descendentes; sendo logo o nosso

Augusto, Amado Rei o Senhor D. Miguel I. legitimo Descendente do primeiro

Fundador, a quem o Senhor fallou.976

974 Sermão em acção de graças ao archanjo S. Miguel pelas faustas noticiais da suspirada vinda doregio, magnanimo jovem, o Senhor Dom Miguel pregado em 28 de Outubro de 1827 [na Igreja de SantoAntónio dos Capuchos, na festividade que ali fez celebrar uma ilustre corporação dos empregados de SuaMagestade], Lisboa, Impressão Régia, 1827, p. 10.975Idem, ibidem, pp. 11-13.976 José de Santa Rita de CÁSSIA, Sermão que no dia natalicio de Sua Magestade Fidelissima o SenhorDom Miguel I. em mil oitocentos e vinte e oito por motivo da solemnissima bênção da bandeira do corpomilitar de Malta pregou na Real Capella da Bemposta Fr. José de Sancta […], Da Provincia de SanctoAntonio de Portugal, Lente Jubilado de Filosofia e Theologia, Prégador Regio, e da sobredicta RealCapella, Lisboa, Impressão Régia, 1829, p. 11. O sermão foi rezado na Capela da Bemposta. É dedicadoà benção da bandeira e coincide com o aniversário de D. Miguel I.

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Pondo de lado a rica exegese que os textos oferecem e que a sermonária

produzida neste contexto em sede própria reclamaria, vejamo-los apenas como

discursos com interesse para a contextualização história cujos eixos evidenciam.

Já seriamente afetado, como vimos, pela medidas postas em ato nas três últimas

décadas de Setecentos, os conventos ver-se-iam novamente alvo de um escrutínio cuja

origem paulatinamente se deslocava para a esfera jurisdicional de um Estado

pretensamente secular.

A criação da Junta do Exame do Estado Atual e Melhoramento Temporal das

Ordens Regulares, por decreto de 21 de outubro de 1789, e a consequente elaboração de

um "Plano e Regulamento das Religiosas", representaria já a insinuação da

secularização na vida religiosa, assim como a relativização da autonomia das

comunidades e Ordens regulares977. O próprio texto claramente o manifesta:

Para que as Religiosas se tornem tanto mais benemeritas da Igreja e do Estado,

e cooperem para a prosperidade publica, sera conveniente determinar-se que

em todos os Conventos se destine huma ou mais Religiosas, que a par da

competente instrução Christãa. ensine á gente moça do seu sexo as prendas e

Artes que lhes são proprias, mandando-se construir em todos os Conventos

(cujos Estatutos particulares não offerecem attendivel incompatibilidade) huma

casa de tal maneira, que, sem alterar as Leis da Clausura, possão as Religiosas

ensinar todas as Raparigas que da parte de fora concorrerem; applicando-se a

beneficio dos Conventos pobres o Ordenado que se costuma dar ás Mestras

Seculares.978

Ao procurar, no quadro ideológico esboçado, a exequibilidade da vida regular, o

Plano propunha medidas e definia critérios. Entre outros, proibia a manutenção de casas

religiosas com menos de doze religiosas; defendia que a lotação deveria ficar

condicionada à capacidade de sustento; determinava a reversão para os benfeitores e

doadores, dos fundos e rendimentos da casa por morte das religiosas; proibia a ingresso

977 Cfr. Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. III, pp. 135 - 138. O autor sustentaque a intervenção da Junta terá favorecido não o melhoramento das Ordens mas a sua própria ruína, tendomesmo acentuado a “desordem económica” em que aquelas previamente se encontravam. O organismoviria a sucumbir por ordem de D. Miguel I, em 1829, para mais tarde ser novamente restaurado.978 Vd., sobre o Plano e as resoluções da Junta, ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx. 216.

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com menos de 15 anos. Por outro lado, alargava ao século e a outras instâncias

eclesiásticas - que não apenas representadas pelo prelado diocesano ou regular - a

jurisdição sobre a vida monástica: as religiosas passariam a apelar diretamente para o

soberano ou mesmo para a Santa Sé; as acusadas de ofensas graves, quando

ultrapassados os limites da simples correção a exercer no interior do convento,

poderiam recorrer a um advogado e a todos os meios legais disponíveis.

Mais efetivas terão sido, no entanto, as medidas que determinaram a união dos

mosteiros considerados inviáveis à luz dos critérios vigentes, ou a união, perante essa

mesma inviabilidade, dos cenóbios de uma mesma observância, ou, ainda, e

precedendo-a, a transferência de rendimentos dentro de um mesmo instituto a fim de

beneficiar as casas menos abonadas.

Já antes delas, um breve do Papa Bento XIV, exarado a 23 de Agosto de 1756,

no rescaldo do Terramoto, estabelecia a “suppressão, união, e incorporação de todos os

Mosteiros de Freiras, […], que por arruinados, ou por faltos de rendas, ou por

nimiamente endividados não podem subsistir”979. Escudada posteriormente no Decreto

quam maxima de 15 de novembro de 1791, de Pio VI980, a ação da Junto do

Melhoramento viria a resultar na elaboração de relatórios ou mapas onde se aferia do

"estado" dos conventos com base em indicadores como rendimentos, encargos, número

de religiosas, despesas de sustento, vida comum, dívidas, doações régias, reversão ou

ensino público. Uma sucessão de resoluções e ordens régias enviadas à Junta

testemunham a sistematicidade do escrutínio exercido sobre a vida cenobítica981. Os

pareceres emitidos, se, por um lado, puseram a nu o cenário não raro deplorável da vida

claustral, revelaram outrossim os casos felizes de obediência à Regra, exceção em que

se incluíam as religiosas capuchas982.

979 Breve do Santissimo Papa Benedicto XIV ..., Lisboa, Regia Oficina Tipográfica, 1771.980 O documento procedia ao restauro da disciplina regular em todos os conventos de um e outro sexodentro e fora do Reino, confirmando todas as faculdades concedidas, e particularmente autorizando parareduzir o número de missas de legados pios, transferência, etc. (Vd. ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx.216.).981 "Relaçaõ das Resoluções e ordens régias que tem baixado a esta Junta do Exame do Estado actual eMelhoramento temporal das Ordens Regulares e que tem execução permanente", maço 270, doc. 58.Terão lugar em 1800, 1804, 1823 e 1829 .982 Fortunato de Almeida refere que, de acordo com “um breve pontifício, desde 1756 pedia El-Rei aoSanto padre providências sobre o deplorável estado a que se encontravam reduzidas, na maior parte, osmosteiros de freiras, tanto de Lisboa como de todo o reino, exceptuando os das franciscanas capuchas”.(Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. III, p. 135). O termo “capuchas”, comoexplica Montes Moreira, designa as clarissas que seguiam a primeira Regra de Santa Clara,diferentemente das “urbanistas” (que viviam de acordo com a formulação da Regra feita pelo PapaUrbano IV). As religiosas capuchas distinguem-se também das chamadas “capuchinhas”, estas últimasfruto da reforma coletina aprovada em 1538.

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A 5 de agosto de 1822, no encalço da Revolução Liberal983, são tomadas as

primeiras diligências pelas Cortes Constituintes preanunciando as medidas que, nos

anos trinta, se efetivariam. Quando, em data precisar, se redige o "Rezumo das

Consultas especiaes da Junta do Melhoramento das Ordens regulares, sobre as diversas

Corporações, assim de Religiozos, como de Religiozas"984, estar-se-ia já na alba do

decreto de Extinção das Ordens e Corporações religiosas - o qual, porém, em nada

parece refletir a leitura cuidada daquele documento985.

Determinada, pois, pelo regime saído da Revolução Liberal, a extinção dos

Institutos regulares acarretou profundas alterações temporais e espirituais que haveriam

de sufragar o ideal de uma sociedade laica e de responder à necessidade eminentemente

prática da sustentação política e material do Liberalismo.

Pelos decretos de 5 e 9 de Agosto de 1833, de José da Silva Carvalho, eram

interditadas as admissões de noviços, ordenada a expulsão dos existentes, e proibida a

emissão de votos religiosos: truncava-se, por outras palavras, os fundamentos da

preservação das casas regulares. Mas o decreto de 28 de Maio de 1834, de Joaquim

António de Aguiar, iria bem mais longe em termos de radicalismo: por ele se

extinguiam todas as casas de religiosos de quaisquer Ordens e se decretava a

nacionalização dos seus bens986.

Se, no caso das Ordens e Congregações masculinas, o decreto de 1834 conheceu

inexorável aplicação, em relação às comunidades femininas, muito embora dependentes

dos decretos de 1833, dilatava-se o prazo do seu anunciado ocaso, que passaria a

corresponder, nem mais, ao óbito da última religiosa professa. Nem o restabelecimento

das relações com a Santa Sé, em 1841, nem a Concordata de 1848, que previa o não

983 A 15 de outubro de 1821, determinavam-se os quesitos a que as Ordens deveriam responder, tal comoexpresso na "Relação das Corporaçoens Religiosas que tem respondido aos Quezitos determinados naOrdem das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza".(Vd. ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx.216.).984 Vd. ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx. 216. Veja-se a exaustiva análise crítica de Laurinda ABREU em"Um parecer da Junta do Exame do Estado actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares nasvésperas do decreto de 30 de Maio de 1834.", in AAVV, Estudos de Homenagem e Luís António deOliveira Ramos, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, pp. 117-130.985 Sem termos dados para uma inequívoca asserção, parece-nos estar perante uma movimento inexorável,que dispensou a atuação da Junta no que respeita a grande parte das conclusões e à enunciação desoluções. Aquele organismo elabora, de fato, um relato do estado dos mosteiros, apresenta soluçõesconcretas e, em relação a grande número de casas, preconiza a manutenção. Os pareceres da Juntaparecem, com efeito, ter sido olhados pelo crivo do argumento que se pretendia fazer valer.986 Cfr. Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. III, Porto, Livraria CivilizaçãoEditora, pp. 145-146.

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impedimento, pelo governo português, das profissões religiosas, seriam capazes de

suspender a aplicação da anterior disposição987.

Coincidindo, qual irónico contraponto, com o regresso de algumas das Ordens

entretanto expulsas e/ou com a instalação no país de Ordens novas988, o epílogo das

comunidades era diligentemente preparado através do escrutínio da situação material

dos mosteiros, proporcionado por uma série de minuciosos inventários, mandados

elaborar por portaria de 20 de Julho de 1857, e legalmente ratificados por Lei de 4 de

Abril de 1861989.

A continuidade, bem que inquieta, da vida cenobítica, acompanhou,

efetivamente, as várias desinências da vida política, mas a razão inversa também e

naturalmente se verificou. De tal modo que, face à efetiva subsistência da vida regular,

que incluía noviciados e profissões religiosas, Hintze Ribeiro, por decreto de 18 de

Abril de 1901, decide sancionar a existência legal de Ordens e Congregações quando

afetas a fins educativos e de beneficência, muito embora impondo-lhes, como

contrapartida, a secularização990.

Enquanto, no campo de reflexão vertente, a monarquia representativa elegera

como alvo as Ordens regulares, a República alargaria o seu espectro de ação crítica ao

clero no seu todo e à própria religião católica, assumindo a passagem do

anticongreganismo ao anticlericalismo991.

Foi pressurosa a ação legal republicana no rebatimento do poder da Igreja. Por

decreto de 8 de Outubro de 1910, ratificava-se a vigência das anteriores normas

pombalina e liberal a respeito da extinção das casas de regulares e determinava-se o

arrolamento e avaliação dos seus bens, a incorporar, salvo exceções, na Fazenda

987 Cfr. João Francisco MARQUES, "Ordens e sociedade portuguesa entre o Liberalismo e a I República",Luís Machado ABREU; José Eduardo FRANCO (coord.), Ordens e Congregações Religiosas nocontexto da I República, Lisboa, Gradiva, 2010, pp. 45-65.988 Ao abrigo de argumentos assistenciais ou a pretexto da missionação no ultramar, regressariam váriasOrdens, outras se instalariam de novo no país, nacionais ou estrangeiras e novas congregações sefundariam (sendo disso exemplo as Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, a Congregação dasFranciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, a Congregação de Jesus, Maria, José e aCongregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias). Veja-se, sobre o tema, o artigo.acima citado, de João Francisco Marques.989 João Francisco MARQUES, op. cit., pp. 45-65.990 Segundo o estudo de Artur Villares, entre 1901 e 1910, registavam-se em Portugal 56 associaçõesreligiosas, legalizando 30 ordens e congregações existentes, 21 femininas e 9 masculinas. (Vd. ArturVILLARES, As congregações religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian, 2003, p. 181.)991 Cfr. António ARAÚJO, "As Ordens e Congregações religiosas e o Direito Republicanas", LuísMachado ABREU; José Eduardo FRANCO (coord.), Ordens e Congregações Religiosas no contexto da IRepública, Lisboa, Gradiva, 2010, pp. 83-90.

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Nacional. Entretanto, a Lei da Separação do Estado e da Igreja, promulgada a 20 de

Abril de 1911, ratificaria nalguns pontos o decreto de 8 de Outubro e consignaria o

arrolamento e a inventariação de todos os bens da Igreja Católica, coordenados pela

Comissão Central de Execução da Lei de Separação, no âmbito do Ministério da Justiça

e Cultos992.

Sobre o património, posteriores normas haveriam de dispor no sentido de

precisar e regulamentar a sua gestão, a qual viria a articular-se com o funcionamento de

depósitos destinados à recolha de objetos de valor histórico-artístico e documental, -

como a Academia de Belas Artes de Lisboa e sua congénere portuense e o Arquivo das

Congregações -, e com a criação de museus nacionais e regionais. A alienação em hasta

pública de bens móveis comuns, a distribuição de bens cultuais por juntas de paróquia e

a concessão de imóveis para serviços de interesse público constituiriam a face visível do

percurso do património, doravante desafetado e desfuncionalizado, das antigas

instituições regulares993.

992 Sobre o tema, vd., por ex., João SEABRA, A Lei Portuguesa da Separação do Estado das Igrejas de20 de Abril de 1911, Lisboa, Centro Cultural Pedro Hispano, 2008.993 Seguimos de perto a letra do artigo, de nossa autoria, "O património monástico-conventual e aRepública: o caso singular das Clarissas do Desagravo", Cadernos do Museu da Presidência daRepública, Vol. III (Outras vozes na República. 1910-1926. Atas do Congresso Nacional de História eCiência Política), Lisboa, Museu da Presidência da República, 2012, pp. 641-651.

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2. As Clarissas do Desagravo no contexto revolucionário

O quadro contextual traçado com recurso à enunciação de medidas ou

circunstâncias que contundiram o destino das Ordens Religiosas conheceu uma

aplicação que, se não linear, foi contudo real e efetiva994. Sê-lo-ia também no caso do

Instituto do Desagravo, não obstante a firme resistência interposta pelas comunidades e

pelas dioceses a cuja jurisdição pertenciam. Da ação dos prelados de Coimbra, exemplar

a tal respeito, caberia aqui invocar o documento enviado por D. Frei Joaquim de Nossa

Senhora da Nazaré, bispo-conde de Coimbra e partidário de D. Miguel, à Junta do

Exame do Estado Atual, no que poderíamos ver uma autêntica contraproposta ao Plano

de Regulamento apresentado por aquele organismo995.

Múltiplas e díspares eram, efetivamente, as perspetivas e perceções sobre a vida

monástica, muito embora nem todas refletidas no campo da decisão política, neste

contexto protagonizada pelos representantes da hierarquia eclesiástica e, do lado oposto,

pelos arautos do Estado Secular. Perpassando a sociedade no seu todo, a questão da

clausura feminina não deixaria de dividir as próprias mulheres, como, quem sabe de

forma inusual, o expressa, significativamente em diário, certa D. Maria Ana, nascida no

dealbar de Oitocentos. "As ordens religiosas", escreve,

fizeram seu caminho pela fome e pela sede, até se negarem, até instaurarem o

reino da injustiça. Irmãs Clarissas do Desagravo, holocausto de mulheres que

há séculos desagravam, noite e dia, a profanação dumas hóstias. Não foram as

hóstias feitas para desagravar a profanação das pessoas?996

994 Da aplicação dos decretos de feição anticongreganista, embora incidentes sobre período um poucoanterior, nos dá conta Laurinda ABREU, "As relações entre o Estado e a Igreja em Portugal, na segundametade do século XVIII: o impacto da legislação pombalina sobre os estatutos eclesiásticos", Ana Leal deFARIA; Isabel Drummond BRAGA (coord.), Problematizar a História. Estudos de História Moderna emhomenagem a Maria do Rosário Themudo Barata, Lisboa, Caleidoscópio/Centro de História daUniversidade da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007, pp. 645-673.995 Vd. ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx. 216.996 Maria Isabel BARRENO; Maria Teresa HORTA; Maria Velho da COSTA; Ana Luísa AMARAL,Cartas portuguesas, 9.a ed. anotada, Alfragide, Dom Quixote, 2010, p. 81 ("Extractos do diário de D.Maria Ana, descendente directa de D. Mariana sobrinha de D. Mariana alcoforado, e nascida por volta de1800").

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Não seria este, certamente, o sentir das religiosas da Adoração Perpétua, nem

daqueles que dariam voz à exemplar resiliência por aquelas demonstrada perante os

sucessivos reveses que afligiriam o monaquismo.

Antes ainda da investida liberal, as clarissas eram fustigadas pelas Invasões

Francesas. Em Outubro de 1810, o exército francês invadia e vandalizava o Mosteiro do

Louriçal, obrigando as religiosas a abandoná-lo. Viriam mais tarde a refugiar-se em

Lisboa, aonde chegariam a 4 de Janeiro de 1811, sendo acolhidas da D. Maria da Glória,

3.ª Marquesa de Louriçal, mulher de D. Henrique de Meneses. O regresso ao mosteiro

só em 1813 se verificava.

A passagem dos soldados pelo Louriçal revestiu contornos a um tempo místicos

e tenebrosos. Na sua investida, os invasores terão desacatado o Santíssimo Sacramento

da Igreja matriz de São Tiago. Das formas consagradas, 45 seriam encontradas e

zelosamente confiadas às irmãs clarissas, então em pleno êxodo. Exacerbada a piedade

dos fiéis, dir-se-ia mesmo que a imagem do Senhor das Misericórdias, pertencente ao

mosteiro, teria chorado aquando da funesta ocorrência.

A Breve memoria dos estragos causados no bispado de Coimbra pelo exercito

francez tece um quadro elucidativo: no Louriçal "não existe a terça parte da população";

os sacrilégios, esses, "forão tão geraes, e são tão conhecidos por obra de similhantes

monstros, que basta dizer: que por toda a parte onde acháraõ o Sacrario sem o Vaso

Sagrado, lhe lançavão o fogo, ou escavacavão.”997

Vila Pouca não escaparia tampouco às ofensivas militares. Em 1810, à passagem

do exército pela vila, as religiosas abandonam o mosteiro, refugiando-se nas montanhas.

No ano seguinte, seriam vítimas de nova investida, optando uma vez mais por dispersar.

O cenóbio, contudo, não seria poupado, vendo-se queimada e roubada grande parte dos

seus bens móveis.

Sucessivas decisões régias viriam em auxílio das religiosas no sentido de atenuar

o seu estado de indigência e depauperamento material. Em 1814, o fututo D. João VI,

ainda então príncipe regente, toma diligências

não só para que [as religiosas do Conventinho] possão perpetuamente reter, e

incorporar no seu Patrimonio os Bens de raiz, Apolices, e Padrões de Juro Real,

997 Breve memoria dos estragos causados no bispado de Coimbra pelo exercito francez, commandadopelo general Massena. Extrahida das informaçõe sque derão os reverendos parocos. E remettida á Juntados Soccorros da Subscripção Britanica, pelo Reverendo Provisor, Governador do mesmo Bispado,Lisboa, Impressão régia, 1812, p. 13.

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que já possuem [...] mas tambem os que houverem de adquirir com o produto

das Joias que pela mesma Infanta lhes forão doadas no valor de desoito contos

quatro centos desaseis mil trezentos e sessenta reis998.

A 15 de maio de 1815, uma provisão régia atende ao pedido das religiosas de

Vila Pouca da Beira, que requerem a ampliação do fundo monástico em bens de raiz até

à quantia de vinte e cinco mil cruzados a fim de “restabelecer tudo o que haviam

perdido e concluir umas obras que eram indispensáveis”999.

Em Montemor-o-Novo, não menores eram as agruras materiais, a que uma

sucessão de diplomas régios tenta diligentemente pôr cobro. A 27 de setembro 1811,

uma provisão permite às recolhidas a posse da renda anual dos 46 alqueires de trigo

deixados em testamento por Dona Maria Joaquina Antónia Semeda Telles. A 7 de

novembro de 1817, o rei concede às recolhidas, a fim de se prover a despesas de ornato

e culto divino, a graça de pedir esmola durante um ano através de um donato. A 2 de

dezembro de 1819, nova licença de esmolar será data, desta vez apenas válida por seis

meses. A 7 de setembro de 1825, por fim, D. João VI ordena que a Mesa da Santa Casa

da Misericórdia de Montemor-o-Novo socorra as recolhidas na doença1000.

Por seu turno, a comunidade do Louriçal definhava: em 1815, a abadessa

solicitava ao Príncipe Regente D. João o provimento dos 5 lugares de professas que

então vagavam. A 22 de outubro de 1845, as religiosas apelavam à 4.ª Marquesa do

Louriçal, rogando a manutenção das prestações em género que os antepassados de seu

marido anualmente dispensavam à comunidade. Em maio de 1852, a comunidade

solicita à rainha o necessário apoio para a conservação da casa. Lamentando a condição

em que encontram, alegam que “só pela Divina Providencia se tem podido acudir” à

conservação do culto divino e do edifício e de outras despesas indispensáveis. Evocam

mesmo, apelando a contrapartidas por satisfazer, o sazonado alvará de D. João V, que

estabelecia as obrigações da comunidade: “encomendarem a Deos Nosso Senhor a

998 Por decreto de 22 março de 1814 (ANTT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, Mç. 2184,cx. 2011). Do mesmo teor que o diploma mencionado é a provisão de 26 de novembro de 1820 (ANTT,Chancelaria de D. João VI, Lv. 35, fls. 6 v. – 7).999 Veja-se a Provisão régia de 15 de maio de 1815, que atende ao pedido das religiosas de ampliar ofundo do mosteiro em bens de raiz até à quantia de vinte e cinco mil cruzados a fim de “restabelecer tudoo que haviam perdido e concluir umas obras que eram indispensáveis”.1000 Por cópia de uma carta de 7 de Setembro de 1825 enviada ao corregedor da comarca de Évora, emque o rei, partindo de um requerimento das irmãs do Real Recolhimento, ordena que a Mesa da SantaCasa continue a prover ao socorro das suplicantes no que toca a enfermidades. BN/RES, mss. 238, n.º 13.

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Conservação da Caza Real, o augmento do Reino, e impetrarem luz superior p.ª

Conseguir os acertos no governo delle”1001.

O bispado de Coimbra, por seu lado, continuaria a fazer jus à sua tradicional

vigilância ao garantir o cumprimento estrito da Regra - e, por conseguinte, evitando

uma avaliação desfavorável pelas entidades seculares a tal adstritas. Após a emissão, a

12 de agosto de 1791, de carta pastoral de D. Francisco de Lemos Faria Pereira

impondo a revisão do exercício de práticas religiosas1002, seguir-se-ia, com data de 22

de abril de 1825, carta pastoral de D. Joaquim de Nossa Senhora da Nazaré. Nesta, que

regularizaria em diversos capítulos a disciplina monástica, se glosa, uma vez ainda,

aquela que parece ter sido a bondade intrínseca do Instituto1003.

Sim Amadas filhas em Christo muitas graças Temos que dar ao Deos que vos

inspira, e que vos mantem no Sto. propozito de fugirdes á corrupçaõ do mundo

enganador p.ª aromatizardes com o bom cheiro de vossas virtudes e austerid.es

hum claustro que a piedade edificou p.ª servir de baluarte contra as settas dos

ímpios, q. a religiaõ tem deffendido com o manto da inocência, e q. o Corpo e

sangue de J.Christo Sacramentado deffenderá perpetuam.te da peste dos

vícios.”

Formalmente, o Desagravo parecia estar em posição de enfrentar a indagação

que o Estado impunha. Não parece casual a publicação, em 1822, em plena ofensiva

liberal, do texto das Constituições dos vários mosteiros, texto esse comum a qualquer

das três casas da Regra1004. Julgamos, efetivamente, corresponder à necessidade de

demonstrar a regularidade da organização da vida do Instituto, embora não saibamos se

tenha antecedido ou antes sucedido alguma diretiva no sentido da sua elaboração.

Os documentos consultados, atualmente pertencentes ao fundo do Ministério dos

Negócios Eclesiásticos e Justiça não parecem sufragar qualquer tentame de extinção das

casas em apreço. Não obstante, uma Relação dos Conventos de Religiozas, que existem

1001 ANTT, AC, 32, 10.1002 Carta Pastoral, porque V. Ex.ª he Servido prescrever a Ordem, que a Religioza Communidade doConvento do SSmo Sacramento do Louriçal deve observar nos Officios Divinos, emais Exercicios, eActos de Religiaõ, na forma, que nella se contem. (ANTT, AC, Lv. 1136).1003 Carta pastoral e exortativa pela qual V. ex.ª R.ma Há por bem regularizar a desceplina do RealConvento do Desaggravo do S.mo Sacramento da Villa do Louriçal, ANTT, Arquivo das Congregações,liv. 1140.1004 As já referidas Constituições e leis por que se hão de governar as religiosas....., Coimbra, Imprensada Universidade, 1822.

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na Cidade e Bispado de Coimbra, documento de 30 de dezembro de 1822, dirá que

"Sendo necessario suprimir alguns dos Conventos das Religiozas ou pela falta de

numero legal, ou por outra razão", as "Religiozas de Cellas, facilmente se podem

transferir para Lorvão, por serem conventos, não distantes, e do m.mo Instituto", da

mesma forma que "as de Villa Pouca para o Louriçal, por serem do mesmo Instituto, e

por que, segundo o Instituto, não lhes sendo permittida comida senão de peixe, o

Louriçal está proximo do Már, no que náo he proprio do local de Villa Pouca."1005

Pragmáticas e consonantes com o espírito das diretivas vintistas que lhes davam

forma, estas propostas não viriam, contudo, a repercutir-se em posteriores pareceres ou

a culminar diretamente em qualquer processo de supressão. Em documento de 2 de

março de 1830, refere-se que nenhum dos cenóbios da jurisdição do Patriarcado de

Lisboa ou da Jurisdição da diocese de Coimbra deveria extinguir-se1006. No que respeita

ao Conventinho, considerava-se mesmo a conservação como devida, "sobretudo

attendida a veneração que a todos os Fieis merece pela sua exemplarissima

observancia"1007. O mesmo se concluía, aliás, do "Rezumo das Consultas especiaes da

Junta do Melhoramento das Ordens regulares, sobre as diversas Corporações, assim de

Religiozos, como de Religiozas." Nesta súmula, não datada, mas possivelmente

próxima da 18341008, todas as casas de religiosas do Ordinário de Lisboa, Coimbra e

Évora, para além de tantas outras, deveriam subsistir. Curiosamente, a condescendência

que daqui parece ressumar não anuncia a ofensiva governamental que, logo após, os

decretos de 1833 e 1834 virão pôr em ato.

Considerados no seu conjunto, os sucessivos reveses que afligiram o Desagravo

refletiram-se não apenas na progressiva atrofia dos recursos materiais e humanos da

comunidade, quanto num movimento de resistência orientado para a sobrevivência da

observância, objetivo em muito creditado pelo funcionamento reticular das

comunidades, o qual, no período em questão, amplamente se catalisou. Ao promover o

trânsito e comunicação entre casas, a estrutura em rede permitiu não só a possibilidade

de acolher religiosas em particulares apuros - vimo-lo a respeito das Invasões Francesas

-, quanto a agilização da distribuição e gestão de recursos.

1005 ANTT, MNEJ, mç. 268, n.º 2.1006 ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx. 216, doc. 36. Parecer sobre o Desagravo. Lisboa, 2 de Março de1830.1007 ANTT, MNEJ, mç. 270, n.º 1, cx. 216), Doc.33. Parecer sobre o Mosteiro do Desagravo de Lisboa, 2de março de 1830.1008 ANTT, MNEJ, Mç. 270, n.º 1, cx. 216.

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A recuperação do processo relativo a Maria do Lado merece, neste contexto,

indubitável atenção. Para Roma parte, elaborado pelo padre da Congregação da Missão

Michele Andrea Biancardi, o Ristretto della vita della venerabile serva di Dio Maria

del Lato dedicata al Santissimo Padre Pio VII, que sumariza o Compendio da

Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, redigido pela então abadessa do

Mosteiro do Louriçal e dado ao prelo em 17621009. Infundindo a causa, Biancardi

invoca, na Conclusão,

os inúmeros ultrajes, e horríveis agravos feitos a Sua Divina Majestade nos

sacrílegos roubos das Sagradas Píxides, e no desacato das Hóstias

consagradas, cometidos pelos sequazes de Napoleão em quase todas as Igrejas

de Portugal, onde só na Província do Minho foram roubadas mais de duzentas

Igrejas1010. [tradução nossa]

Em 20 de julho de 1829, inspirando-se na argumentação de Biancardi, as

religiosas dos quatro cenóbios, Conventinho, Louriçal, Montemor-o-Novo e Vila Pouca

da Beira dirigem ao Sumo Pontífice um requerimento em que invocam que a Revolução

Francesa suspendera a causa da beatificação de Maria do Lado, a que no reinado de D.

Maria I e sob o pontificado de Pio VI se dera início. Alegam ainda a generalização de

desacatos sacrílegos contra Cristo sacramentado, que, especificam, terão ocorrido

“principalmente neste Reino de Portugal desde o anno de 1809, até o prezente de

1827”1011.

Congregando significativamente Invasões Francesas e Revolução Liberal, este

intervalo sacrílego demandaria, naturalmente, um ato expiatório que a autorização

canónica da santidade de Maria de Brito deveria proporcionar. A atentar numa nota de

despesas feita por Tommaso Maria Salvatori, promotor da causa, o processo ter-se-á

1009 Baseado nos manuscritos de Bernardino das Chagas e nos relatos das beatas que com a Venerávelconviveram, por seu turno compilados neste Compendio da Admiravel Vida, viria a lume, em edição de1981 elaborada pelas irmãs clarissas do Louriçal, a Vida da Serva de Deus Madre Maria do Lado.Fundadora do Mosteiro do Santíssimo Sacramento do Louriçal.1010 Ristretto della vita della venerabile serva di Dio Maria del Lato dedicata al Santissimo Padre PioVII, da um prete della Congregazione della Misssione (ANTT, Arquivo das Congregações, mç. 28, mct.3).1011 ANTT, Requerimentos de beatificação de Maria do Lado, Arquivo das Congregações, mç. 11, mct. 4.

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efetivamente desencadeado, muito embora, uma vez mais, não viesse a conhecer

êxito1012.

Se a conservação do Instituto beneficiaria, no plano moral e institucional, da

consagração definitiva da fama de virtudes da fundadora, lucraria, no campo material,

com o legado testamentário do benfeitor António Pereira Caldas1013. O testamento que

lavrou em Dezembro de 1811, a escassos anos da morte, é expressão da estima que a

forma de vida abraçada pelas Clarissas do Desagravo lhe merecia. De tal modo que viria

a destinar-lhes a terça parte dos bens, que a abadessa do Louriçal passaria a gerir

aplicando-a “para alguma nova Fundação […] do dito Instituto” ou “repartindo […] do

referido convento para outro convento, ou conventos, ou Recolhimento do sobredito

Instituto.”1014

Em face das necessidades temporais sentidas, compreende-se que as religiosas

tenham optado por distribuir pelas quatro comunidades clausuradas os 121.660 réis que

perfaziam o montante total do legado, vindo cada uma a beneficiar de 30.415 réis1015.

Já de posse de uma “morada de cazas cita na Rua do Barão na Cidade de Lisbôa,

havidas por legado deixado á Communidade em 4 de Dezembro de mil oito centos e

onze pelo Padre Antonio Pereira Caldas de Lisboa” 1016, as clarissas deverão ter-se

pressurosamente aprestado a dar execução aos desígnios do testador.

1012 Arquivo das Congregações, mç. 28, mct. 3. A causa estaria parada porque as religiosas não haviamrespondido a várias questões provindas de Roma; não havia milagres grandes a considerar; o confessorera pessoa particular, singela, e a forma como tinha escrito a vida da confessanda suscitava reservas.Além disso, Maria do Lado teria dito, em artigo de morte, quando questionada sobre se queria confessar-se, que não tinha de quê confessar-se.1013 Breves notas biográficas sobre António Pereira Caldas podem ver-se em Innocencio Francisco daSILVA, Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomos I Lisboa, Imprensa Nacional, 1854, pp. 231-232.São contudo destacadas as informações relativas à obra literária do religioso, ficando na sombra aspetosdo seu atribulado percurso a que certamente ficarão a dever-se decisões tão relevantes como a queconcerne o legado a que nos referimos. A respeito do percurso de António Pereira Caldas até à profissão,religiosa, vd. António Pereira Sousa Caldas, [doc. electrónico: http://www.biblio.com.br/conteudo/SousaCaldas/ SousaCaldas.htm].1014 O testamento do Padre Caldas está inserto no Processo referente a representação das madresabadessas dos três conventos do Desagravo do Santissimo Sacramento a Sua Majestade […], BibliotecaNacional do Rio de Janeiro - Divisão de manuscritos (I-32, 23, 004, n.º 9).1015 BPE, Convento do Santíssimo Sacramento. Montemor-o-Novo, Pasta VI (documentos avulsos).Correspondência avulsa. Interessantes duas cartas enviadas pelo Louriçal às recolhidas de Montemor-o-Novo. Referem-se ao legado do benfeitor P.e Caldas e à dificuldade na distribuição atempada dosdinheiros. Carta da abadessa do Louriçal à regente de Montemor-o-Novo sobre a gestão do legado dobenfeitor P.e Caldas, 25 de dezembro de 1863.1016 ANTT, AHMF, Processo relativo ao Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal,cx. 1939, IV/I/45 (9)., fls. 1-1v. Constatámos, com efeito, que, na Rua do Barão, existiam váriaspropriedades pertencentes a uma certa "Viúva Caldas" entre 1821 e 1822, pelo menos. (Vd. AHTC,Décimas da Cidades, Freguesia de Santa Maria Maior, Prédios, 1821 e 1822 e AHTC, Décimas daCidades, Freguesia de Santa Maria Maior, Arruamentos, 1821-1822).

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3. A Casa do Desagravo da Cova da Moura

A revivificação do Instituto do Louriçal transcenderia a consolidação das

estruturas monásticas existentes. Das impiedades perpetradas em tão nebulosos tempos,

as religiosas extrairiam, com efeito, um estímulo acrescido de veneração do divino sob a

forma da criação de novas comunidades cenobíticas. Assim o confirma Frei José de

Santa Rita de Cássia, religioso franciscano e pregador régio, que acima vimos como

arauto do Miguelismo. A ele, não casualmente, ficará a dever-se a redação do

Regulamento da Casa do Desagravo da Cova da Moura, cuja Introdução retoricamente

invoca:

He não menos constante, como desde a invasão do Francezes neste Reino de

Portugal se tem perpetrado, e tantas vezes repetido os mais horrorosos, os mais

infames, e até os mais sacrilegos desacatos; desacatos, que, além da sua

reiterada repetição, e pelos seus modos ultrajantes, maneiras escandalosas, e

circumstancias aggravantissimas, fazem horror á mesma natureza, e cuja só

narração tristissima he bem capaz de fazer estremecer os pios corações dos

Filhos da nossa Sancta Igreja Lusitana! E Deos, que, segundo a fraze de Sancto

Agostinho, costuma fallar não menos com palavras do que pelas suas obras,

deixará de exigir de seus filhos, os fieis Portuguezes, o devido tributo de amor,

para que, á imitação dos seus ascendentes, lhe fação erigir novos Monumentos

em Desaggravo do seu Sactissimo Corpo, Sangue, e Divindade?! Nada mais

proprio á fé, lealdade, e bem conhecida Religião deste Fidelissimo Reino de

Portugal!1017

A fundação, em 1825, deste novo monumento à fé ficaria, no entanto, sujeita às

limitações então institucionalmente impostas às Ordens Regulares. Em lugar de um

1017 José de Santa Rita de CÁSSIA (frei), Regulamento para a Casa do Desagravo do SanctissimoSacramento da Eucharistia novamente erecta em Lisboa, Lisboa, Impressão Imperial e Real, 1826. ABNP dispõe de dois distintos exemplares do texto, embora de conteúdo em tudo igual: um, de 1826, ooutro, de 1833.

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mosteiro de clausura, o Conservatório, como passaria a designar-se, assumiu-se como

recolhimento de valência essencialmente educacional, refletindo uma adaptação

pragmática aos condicionalismos legais. O texto do Regulamento não deixa de lhe fazer

eco ao invocar que a fundação, "longe de servir de pêso, póde servir de muita utilidade

ao Estado, ensinando pelo amor de Deos a mocidade pobre; e tanto mais segundo a

singelesa, e simplicidade, com que se pertende erigir”1018.

Significativamente, são de diferente teor os argumentos que, a 17 de Maio de

1819, Frei Francisco da Cruz, como procurador das religiosas, redige ao rei, que

precedentemente anuíra à fundação. Além de advogar a sustentabilidade temporal da

casa, para cuja construção havia já sido doado o terreno, argumenta que a mesma seria

essencial

para se realizarem os ard.es desejos de sua pr.a Fundadora a Veneravel Maria

do Lado sobre a multiplicação das Cazas, ou Conv.tos do Dezagravo, e athe p.ª

se realizarem os seus annuncios propheticos sobre isto m.mo a resp.to da

felicid.e de Portugal quando as cazas do Desagravo se augmentassem1019.

Não é difícil reconhecermos nesta alegação um interessante e poderoso conjunto

de argumentos: não só a fundação estava inscrita num desígnio superior, como a

felicidade do Reino lhe seria inclusivamente tributária. À data da redação dos estatutos,

uma outra condição acrescia em seu abono: o sucesso dinástico de D. Miguel, em 1823,

a que Frei José de Santa Rita de Cássia aparece ligado enquanto partidário do

Miguelismo e pregador régio1020.

Versando sobre as boas obras, o art.º 20º do Regulamento oferece uma súmula

da vocação da casa, retomando argumentos amplamente glosados no contexto da

implementação de novas fundações ou na retoma da causa de beatificação de Maria do

Lado:

1018 Idem, ibidem, p. 5.1019 Processo referente a representação das madres abadessas dos três conventos do Desagravo doSantissimo Sacramento a Sua Majestade…, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Divisão demanuscritos (I-32, 23, 004, n.º 9).1020 José de Santa Rita de CÁSSIA, Sermão que no dia natalicio de Sua Magestade Fidelissima o SenhorDom Miguel I …, Lx, Impressão Régia, 1829.

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As obras meritorias em fim desta Casa do Desaggravo, segundo o seu instituto

primitivo, devem ser applicadas pelo nosso muito Amado, e Augusto Rei, e por

toda a Familia Real, pelas Almas do Purgatotio, pelos que andão em peccado

mortal, e pela felicidade de Portugal; felicidade, que a já dicta Verenavel Maria

do Lado, por Deos illustrada, a este mesmo Reino cada vez mais promette,

quando nelle se augmentarem as Casas do deu Desaggravo.

O processo arrastar-se-ia até finais de 18251021, data da provisão de D. João VI a

favor de D. Maria José Rosa do Coração de Jesus, a quem o rei concede licença para o

estabelecimento de h a Caza q. ella Sup.te, e suas Companheiras em numero

de dez pertendem erigir nesta Corte com o Titulo do Dezagravo ao Santissimo

Sacramento, e na qual, mediante o Instituto, ou Norma da Veneravel Maria do

lado, sejão educadas meninas, e admitidas gratuitamente as q. forem pobres1022.

Pobre na aparência e nos meios, pois que às “pedras materiaes, grandes,

polidas”, preferiu edificar-se “sobre pedras espirituaes vivas”1023, o Conservatório,

flexão possível de um pretenso mosteiro, ver-se-ia, pouco depois de instituído, em

estado de acentuada decadência. Por não terem “outros meios de prover a sua

sustentação alem daquelles, que lhe proporciona a Caridade dos Fieis, e o zello do seu

fundador”, as suas religiosas rogam ao soberano, a 11 de setembro de 1832, a

possibilidade de perpetuamente deter os cinquenta alqueires de trigo de que as instituíra

herdeiras D. Mariana Bárbara do Menino Jesus e Carvalhais1024.

1021 Ainda que no ano de 1825 se tenha igualmente verificado o desacato da Igreja de S. Lourenço, emLisboa, não é de crer que a criação da Casa do Desagravo lhe esteja associada, até porque os trâmites dafundação remontavam a data anterior.1022 ANTT, Chancelaria de D. João VI, Lv. 45, fl. 38 v - 39. Documento de 3/11/1825 – remete tb para aconsulta do DP de 22 de Setembro de 1825 e para a provisão de 24 de Outubro de 1825. A Casa doDesagravo foi efetivamente erigida em 22 de Setembro de 1825, por resolução do monarca em consultado Desembargo do Paço (Vd. ANTT, Desembargo do Paço, Maço 1585, n.º 23).1023 José de Santa Rita de CÁSSIA (frei), Regulamento para a Casa do Desagravo, 1826, p. 5.1024 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, mç. 1585, n.º 23. Doc. de 11 de Setembrode 1832. Trata-se de um pedido da superiora e demais Escravas do Desagravo do SS. Sacramento parapossuírem o foro de 50 alqueires de trigo deixado por Marianna Bárbara do Menino Jesus e Carvalhaisem testamento. O documento remete para a consulta do Desembargo do Paço de 22 de Setembro de 1825e para a provisão de 24 de Outubro de 1825.

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Deste monumento do Desagravo não resta, ao que apurámos, memória ou fonte

literária. A documentação, também escassa, atesta a sua implantação na atual freguesia

lisboeta dos Prazeres, no que anteriormente era a freguesia de Santos-o-Velho1025, em

lugar então denominado Campo da Moira.

A propriedade ter-se-á estabelecido no ano de 1825, por arrendamento do n.º 35

do Campo da Moira, à época pertencente à viúva de Sebastião Pedro1026. Em 1826, os

Livros de Décimas da Cidade de Lisboa registam que os arrendatários daquele prédio -

neste caso, o Recolhimento - pagavam 6000 réis aos herdeiros de Sebastião Pedro. E, à

margem, anotam: “Por pagar o Quinto deste foro, por ser de Bens da Corôa, e como tál

isempto de Décima”1027. Com o tempo, a propriedade ter-se-á estendido a terrenos

contíguos, passando, entre os anos de 1828 e 1829, a representar os números 31 a 35 e a

corresponder, pelo menos até 1833, à designação de "casa e quintal"1028.

Em relação à vida religiosa e, sobretudo, à estrutura arquitetónica e ao recheio

artístico, as questões, muitas, afloram: como se terá organizado, face dos Estatutos, a

casa que cremos corresponder aos números 31 a 35 do antigo Campo da Moira, prédio

urbano sem qualquer indício externo de sacralidade1029 (Figs. IV.1-2)? Como seria o

espaço litúrgico? Haveria claustro? Qual a expressão material das devoções praticadas e

eventualmente herdeiras do histórico Instituto do Louriçal?

Seria tentador preencher as lacunas de informação com suposições, mas, face à

carência de fontes e à natureza do presente trabalho, teremos que declinar tal pretensão.

Não cremos, no entanto, que o Conservatório pudesse representar estética e

artisticamente um interesse assinalável. A sua localização, contudo, pela notória

proximidade do Palácio das Necessidades, poderia, quem sabe, denotar a proximidade

da Coroa, de cuja proteção o Desagravo desde sempre beneficiara.

1025 Vd., a propósito, Francisco SANTANA, (recolha e índices), Lisboa na 2.ª metade do séc. XVIII(plantas e descrições das suas freguesias), Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, s/d.. Sobre afreguesia de Santos, vd. p. 20, pp. 40-41 e p. 151.1026 AHTC, Décimas da Cidade, Santos, DC1079P, 1825. fls. 292-292 v.1027 AHTC, Décimas da Cidade, Santos, DC1080P, 1826, fl. 292.1028 AHTC, Décimas da Cidade, Santos, DC1082 P, 1827, fl. 293 v.; AHTC, Décimas da Cidade, Santos,DC1082 AR, 1829, fls. 445v.446; AHTC, Décimas da Cidade, Santos, DC1083 P, 1829; AHTC,Décimas da Cidade, Santos, DC1087 P, 1833, fls. 290v. – 291; AHTC, Décimas da Cidade, Santos,DC1087 AR, 1833, fl. 412 v.1029 Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo Fotográfico, ref.º PT/AMLSB/ARM/S02730 (disponível emlinha).

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4. O Colégio de Sanguedo

O percurso acidentado do Desagravo por terras nacionais encontrou no último

quartel de Oitocentos um reduto mais de implantação. Em cerca de 1785, a vila de

Sanguedo, concelho de Santa Maria da Feira, bispado do Porto, acolheria os desígnios

prescritos pela Venerável do Louriçal.

Sobre o Colégio de Sanguedo, designação que viria a adotar, modestas são as

informações disponíveis, embora não tão ínfimas quanto as que respeitam ao

Conservatório da Cova da Moura1030. Surgindo extemporaneamente, em época em que a

simples entrada em religião se tornara legalmente impraticável, revestir-se-ia

institucionalmente de vocação educacional.

A casa, porém, não apenas surgia em condições adversas, quanto em resposta a

adversidades. Frei Ladislau Toghetti da Canepina assim o assinala na Introdução dos

Estatutos e Constituições que para as clarissas de Sanguedo redigiu:

Desejando portanto, que as Religiosas d’este collegio de Sanguedo sejam

sempre animadas do mesmo espirito de perfeição, e de reparação aos muitos

ultrages que em o S.S.mo Sacramento diariamente se fazem a N. S. Jezus

Christo, se estabelecem e formulam para regulamento das mesmas, as seguintes

Constituições ou Estatutos [...].1031

Os reveses do tempo aportariam adaptações ao próprio regulamento e, por

conseguinte, também à dinâmica do viver comunitário, como fica expresso numa nota

ao art.º 10.º do Cap. 4.º das Constituições, em que se prevê a exceção, condicionada ao

1030 Encontramos informação sobre os estatutos do Mosteiro em Fernando Félix LOPES, FontesNarrativas e Textos Legais para a História da Ordem Franciscana em Portugal, Madrid, 1949, p. 203.Vd., também, António Montes MOREIRA, “A Restauração da Província franciscana de Portugal em1891”, separata do Archivo Ibero-Americano, Tomo 42, 1982, n.ºs 165-168, p. 544.1031 Ladislau da CANEPINA (frei), Estatutos e Constituições pelas quaes devem dirigir-se e governar-seas Religiosas Clarissas do Desagravo do SS.mo Sacramento em o Collegio de Sanguedo, Diocese doPorto, s/d, fls. 2-3. O manuscrito encontra-se na Biblioteca Provincial de Lisboa/Seminário da Luz. Osestatutos têm 32 capítulos e 195 artigos, sendo portanto menos extensos que os originais do Louriçal edos demais mosteiros do Desagravo de fundação setecentista.

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arbítrio da madre abadessa, discretas e prelado, de ingresso em religião com idade

superior a 30 anos, “considerados os desgraçados tempos em que vivemos”1032.

Contudo, enquanto adaptação das Constituições do Louriçal, o regimento do

colégio pressupunha a transmissão de uma herança moral e devocional e propiciava a

sobrevivência da mesma. No capítulo das celebrações, assume o protagonismo, como

seria de esperar, o Tríduo do Desagravo, no decurso do qual haveria exposição solene

do Santíssimo (art. 75.º, cap. 12.º) e sermão (art. 76.º, cap. 12.º). Fecharia a cerimónia, a

18 de Janeiro, uma procissão realizada na Igreja, a que as religiosas assistiriam do coro

(art. 76.º, Cap. 12.º) 1033.

O registo de continuidade a que nos referimos inscreve-se, com efeito, nos

particulares da fundação deste novo cenóbio. A iniciativa da sua criação terá cabido, ao

que se supõe, a Rosa de Jesus Tavares - em religião, Soror Maria de Jesus Tavares -

professa do Conventinho de Lisboa, de onde, por alegadas razões de saúde, terá saído

rumo a Sanguedo, na provável companhia de Maria de Santa Rita e Maria do Desagravo

Rodrigues, ambas igualmente professas do Desagravo lisboeta1034. Terão aplanado o

propósito da fundadora o acordo do bispo do Porto e o auxílio dos fiéis da

localidade1035. A 15 de janeiro de 1875, o Colégio recebia as suas primeiras

postulantes1036.

Aparentemente inusitada nas suas coordenadas temporais e espaciais, a fundação

levanta inúmeras questões perante as quais não nos encontramos, uma vez mais,

habilitados a responder. Contudo, o fato de o colégio ter surgido num território da

periferia nortenha, sob a jurisdição do bispo do Porto, leva-nos a pensar que essa remota

geografia pudesse oferecer condições de abrigo à iniciativa encabeçada por Madre

Maria de Jesus. Pequena vila do concelho de Santa Maria da Feira, Sanguedo terá

acolhido a ideologia miguelista, pelo menos a atentar nos sufrágios pela alma de D.

1032 Estatutos e Constituições pelas quaes devem dirigir-se e governar-se as Religiosas Clarissas doDesagravo do SS.mo Sacramento em o Collegio de Sanguedo, Diocese do Porto, fl. 9. O manuscrito fazparte do espólio da Biblioteca Provincial franciscana de Lisboa/Seminário da Luz.1033 Ibidem, fls. 38-40.1034 Presumíveis fundadoras que assinam as atas das primeiras noviças e professas de Sanguedo, em livrode atas iniciado a 6 de Julho de 1876. Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Exame de religiosas devários conventos de Lisboa. 1753-1793, Lv. 571.1035 António Montes MOREIRA, “A Restauração da Província franciscana de Portugal em 1891”,separata do Archivo Ibero-Americano, Tomo 42, 1982, n.ºs 165-168, p. 544.1036 Data da primeira admissão. As candidatas tinham uma média de 17/18 anos e foram mesmo admitidaspostulantes de 15 anos. Vd. Arquivo da Paróquia de Santa Eulália de Sanguedo, Livro em que se registamos nomes das Postulantas da Tomada de habito e da Profissão ordenado pelo P. Ladislao Toghetti Min.Ref. Da Provincia Romana, fl. inum.

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Miguel que pelo reino se realizaram e que, em Lisboa, não deixariam de incluir o

Conventinho e, fora da capital, a longínqua Sanguedo1037. Podemos paralelamente

aventar a suposição de um contato prévio entre alguma das religiosas de Lisboa e

Sanguedo.

Por outro lado, pressentia-se iminente a extinção das Clarissas do Desagravo: a

27 de março de 1878, a regente do Recolhimento de Montemor-o-Novo oficiava ao

administrador do concelho informando da saída das religiosas, que de perto se

avizinhava, vindo a efetivar-se a 1 de Abril de 1872; em 2 de julho de 1889, a

comunidade de Vila Pouca da Beira capitularia definitivamente por óbito da última

professa; a 11 de março de 1878, o mesmo se verificaria no Louriçal. Das demais casas

da Ordem, talvez só a de Lisboa reunisse condições para dispensar religiosas a quem

cometer uma nova fundação.

O novel beatério, instituído sob a designação de “colégio”, conheceria

clandestinas tomadas de hábito e votos monásticos, totalizando 37 profissões até ao ano

de 19021038. Em 1901, aí viveriam 20 recolhidas, seguidoras da Regra do Desagravo, em

número que rivaliza com a lotação registada em vários períodos da vida de cada uma

das casas afiliadas1039.

Interpondo-se à extinção da observância, Sanguedo proveria mesmo à sua

ampliação. Não muito tempo sobreviveria, porém, à sua própria fundação, vindo a ser

entregue a 9 de janeiro de 1915, pela repartição local da Comissão Jurisdicional dos

Bens das Extintas Ordens Religiosas, ao Ministério da Justiça a fim se ser incorporado

nos Bens Próprios da Fazenda Nacional, estando já a sua parte rústica arrendada desde

19051040. O ano de 1907 terá sido o último em que a comunidade residiria

conventualmente. A 20 de julho desse ano, registava-se o assento de óbito da sua última

religiosa1041.

1037 Cfr. Armando Barreiros Malheiro da SILVA, Miguelismo: ideologia e mito, Livraria Minerva, 1993,pp. 284-268.1038 A 25 de Fevereiro de 1902, tinha lugar a última profissão, da noviça Soror Maria da Cruz. (Vd.Arquivo da Paróquia de Santa Eulália de Sanguedo, Livro em que se registam os nomes das Postulantasda Tomada de habito e da Profissão ordenado pelo P. Ladislao Toghetti Min. Ref. Da Provincia Romana,fl. inum.).1039 Cfr. VILLARES, op. cit..1040 ANTT, Ministério da Justiça e Cultos, Direção Geral da Fazenda Pública, Processo n.º 487, Livro 1.apud, "O Colégio do Desagravo de Sanguedo", AAVV, Revista Comemorativa dos 300º aniversário daFundação do Convento do Louriçal, p. 135. Não encontramos, na documentação compulsada, odocumento que a obra referencia.1041 Idem, ibidem.

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Verifica-se em Sanguedo o que notáramos a respeito da Cova da Moura: a ideia

quase inexistente da expressão material e artística. Apenas sabemos que, situado no

lugar de Aldeia Nova, o cenóbio se compunha de igreja, "recolhimento" contíguo e casa

do capelão, esta última ainda hoje existente, conquanto bastamente alterada. No seu

conjunto, a propriedade corresponderia a um grande retângulo com claustro arborizado

e ajardinado1042 (Figs. IV.3-7).

Em 1915, o edifício, compreendidas as partes urbana e rústica, era vendido em

hasta pública em Lisboa1043. Quanto aos bens móveis, mais tarde nacionalizados, seriam

arrematados por Quintino Ferreira da Costa, natural de Sanguedo1044. A demolição do

putativo edifício conventual teria início logo após. A pedra terá sido vendida a fim de

servir à construção do Colégio dos Carvalhos, de Vila Nova de Gaia, e Casa de

Sanguedo dos Crastos, na Castanheira, assim como ao emparedamento de poços da

freguesia e ao fecho do tanque da Aldeia Nova, atualmente Rua do Colégio, em

Sanguedo. O púlpito terá ido para Cortegaça e as imagens dos santos, vendidas a

antiquários1045.

1042 Cfr. António Ferreira da SILVA, Livro com a história genealógica da minha família, s/n, s/d[documento policopiado] apud "O Colégio do Desagravo de Sanguedo", AAVV, Revista Comemorativados 300º aniversário da Fundação do Convento do Louriçal, p. 137.1043 Idem, ibidem.1044 Idem, ibidem.1045 Idem, ibidem.

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5. Percursos de resistência

Dentro do contexto específico que enformou o percurso dos institutos femininos

de vida consagrada desde o Liberalismo à I República, o caso das Clarissas do

Desagravo afigura-se-nos particularmente ilustrativo, já que o todo da sua ação ao longo

daquele período parece ter sido pautado por um propósito firme de resistência moral e

institucional. Resistência - lenta, silenciosa e sub-reptícia - que converteria a Ordem

numa das mais florescentes do tempo presente em Portugal e capaz, pela sua

visibilidade, de sublinhar aqueles que foram os grandes vetores da então candente

“questão religiosa”.

Quando o peso da normativa liberal começou a impender de forma mais

substantiva sobre a vida monástica, a reação das clarissas não se fez esperar:

contrariando o disposto no decreto de 1833 a respeito da proibição de emitir votos,

Soror Maria do Nascimento professa solenemente no Mosteiro do Louriçal, no ano de

1843. Seriam, neste mosteiro, os últimos votos solenes emitidos.

Por outro lado, o notório desfasamento entre a lei civil e a vida claustral, de par

com a agonia moral e material sentida, levaria as clarissas a recorrer não poucas vezes

ao auxílio daqueles que, à época, estavam habilitados a dispensá-lo: ao Cardeal

Patriarca, a fim de poderem sepultar na igreja monástica o confessor; ao bispo-conde de

Coimbra, com o propósito de sepultar no claustro as religiosas falecidas, mesmo depois

de emanadas as Leis da Saúde de Costa Cabral; aos frades franciscanos do Convento do

Varatojo, impetrando auxílio espiritual; à Casa de Louriçal, lembrando dívidas por

satisfazer; a D. Maria II, que tomaria debaixo de sua proteção o Mosteiro de Vila Pouca

da Beira; a D. Pedro V, que prorrogaria a favor do Louriçal a fruição das propriedades

necessárias à sobrevivência; ao Sumo Pontífice, por fim, a quem se rogaria preces e

proteção à vista da galopante decadência1046.

A indagação da vida monástica que a inventariação dos bens e rendas

determinou, preanunciando a aprazada desamortização, encontrou sérias reservas na

comunidade de clarissas, que nem sempre se mostraram afeitas a franquear o acesso ao

conhecimento dos seus pertences. Acrimónia, desconfiança mútua e desconhecimento

da realidade monástica sobressairiam como notas fortes deste processo.

1046 Veja-se, sobre os particulares mencionados, Maria Luísa JACQUINET, "O património monástico-conventual e a República: o caso singular das Clarissas do Desagravo", Cadernos do Museu daPresidência da República, Vol. III, . 641-651.

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No Louriçal, as fontes revelam desde entraves à elaboração dos autos de

avaliação de bens, à ocultação de peças dos inventários1047. Em Lisboa, a extrema idade

da Abadessa seria impeditiva da transmissão de várias informações aos delegados da

Fazenda e, em Vila Pouca, a subtração de vários objetos a um primeiro inventário, de

1858, daria origem a intensa troca de correspondência entre os serviços competentes e à

elaboração de três inventários adicionais, onde a existência de um conjunto de valiosas

peças viria a ser sucessivamente posto a descoberto. Fora de qualquer listagem ficaria,

para estranheza do delegado da Fazenda, uma preciosa custódia de prata realizada com

joias doadas por D. Carlota Joaquina, a qual, por alguma razão, só constava da relação

dos bens que deveriam ficar à guarda de certo sacerdote1048.

Com o ocaso no horizonte, pela escassez de professas e a proximidade do seu

fim, a comunidade, unida, terá encarado o repto recorrendo a novo expediente. Pouco

antes da extinção do Mosteiro do Louriçal, cumprido a 11 de Março de 1878, far-se-ia,

como acima vimos, nascer uma nova casa religiosa em Sanguedo.

A aplicação da lei de 4 de Abril de 1861, parece ter tido, até à supressão formal,

uma expressão relativamente fruste. Dos casos vertentes, e conforme referido, só Vila

Pouca da Beira interrompeu a vida claustral por morte da última professa. O edifício

seria pouco depois cedido à Câmara Municipal de Oliveira do Hospital para instalação

de um hospital, enquanto a igreja, torre, relógio e sinos passariam para a Junta da

Paróquia. A reconversão do edifício, porém, ver-se-ia em muito diferida, já que a

Câmara não lhe dera a aplicação invocada. Só em 1928 se verificava a sua sucessiva

ocupação por uma entidades várias, culminando o processo com a venda à Fundação

Bissaya-Barreto, que recentemente o adaptou a unidade hoteleira. Apesar de não ter tido

o destino inspirado das suas congéneres, não podemos contudo afirmar ter havido

passividade por parte das suas pupilas, que podem, por hipótese ainda não confirmada,

ter permanecido no mosteiro ou ter recolhido a alguns dos demais Desagravos enquanto

educandas ou servitas.

No plano material, as fontes atestam a arrematação de muitos dos bens móveis

de natureza não sagrada, embora grande número de objetos cultuais e de valor artístico,

1047 Sobre a supressão do Mosteiro do Louriçal, veja-se ANTT, AHMF, Convento do Louriçal, cx. 1934.A questão chegaria a motivar uma queixa dirigida pelo Diretor-Geral do Próprios Nacionais ao delegadodo tesouro de Leiria, admoestado por “não terem sido cumpridas n’aquelle Concelho as diligencias quepor repetidas vezes, tem ido ordenadas por esta Repartição […]".1048 A respeito do processo de extinção em causa, veja-se ANTT, AHMF, Convento do Desagravo de VilaPouca da Beira, cx. 1893.

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dados à guarda do arcipreste, tenham cabido na administração da Junta da Paróquia, que

os custodiou e manteve ao serviço da igreja matriz. Parte destes seriam mais tarde

adquiridos pela Fundação, que hoje os conserva tanto no templo e antiga clausura,

quanto em depósito particular. Das várias obras de arte de que um ofício recomendava o

depósito no então Museu de Artes e Arqueologia, só afinal a custódia, que tanta tinta

fizera correr, terá conhecido como destino o Museu Nacional de Machado de Castro.

Bem diferente seria a realidade configurada por Lisboa e Louriçal, cujo trajeto

viria a ser intercetado pelo decreto ministerial de Hintze Ribeiro. No mosteiro lisboeta,

formalmente extinto em 16 de Dezembro de 1902, registar-se-ia a Associação das

Servitas de Nossa Senhora das Dores1049, “legalizando” a antiga comunidade monástica.

As admissões a esta associação, num total de 49 entre 1851 e 1910, corresponderiam,

segundo Artur Villares, a efetivas admissões de religiosas1050.

Já o Louriçal, suprimido a 11 de Março de 1878, via garantida a continuidade da

vida claustral das 22 pupilas que aí permaneciam, usufruindo ainda de rendas e

propriedades monásticas. Mais tarde, lançando mão do decreto de Hintze Ribeiro,

registava-se também, com sede no mosteiro, a Associação de Socorros aos Pobres de

Nossa Senhora da Boa Morte.

Sob um manto de legalidade ficaria igualmente encoberto o Colégio de

Sanguedo, onde viria a instalar-se, ao abrigo do decreto de 1901, a Associação de Santa

Clara, que à data do seu registo, contava não menos que vinte recolhidas.

A subsistência da existência monástica cessaria, contudo, abruptamente com a

implantação da República. Não só as comunidades se viriam coagidas a dispersar, como

os edifícios a que ainda estavam ligadas seriam desafetados e parte dos seus bens

dispersos. Ainda assim, coroando todo um percurso de resiliência, Louriçal e Lisboa

dariam mostras de que nem a exclaustração nem a espoliação redundariam

necessariamente na definitiva anulação da Ordem.

No caso do Conventinho de Lisboa1051, com o compulsivo abandono do edifício

pelas assim designadas “senhoras congreganistas”, o edifício, exceção feita à igreja,

1049 ANTT, AC, Relação dos bens immobiliarios da associação das Servitas de N. S. das Dores, erecta noConvento do Desaggravo, Lv. 875 e ANTT, AC, Matricula. Livro para nelle se lançarem o nome dasassociadas Servitas de Nossa Senhora das Dôres, Lv. 876.1050 Cfr. Artur VILLARES, op. cit., p. 181.1051 Vd., a propósito do Conventinho e do período concreto que aqui abordamos, Maria LuísaJACQUINET, Em desagravo do Santíssimo Sacramento: o “Conventinho Novo”. Devoção, memória epatrimónio religioso, Vol. I, pp. 127-134.

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coro e recheio mobiliário, seria cedido à Direção-Geral da Assistência Pública, para

instalação de um colégio1052. Derradeiro reduto de sacralidade, o templo, apesar da

oponência interposta, não haveria igualmente de escapar à ofensiva republicana.

Tentando dar execução ao ofício que decretava a posse da igreja, o inspetor José Cabral,

não só não lograria encontrar quem estivesse de posse das chaves do templo, como seria

informado de que estariam sendo “retirados em carroças os objectos da egreja não se

sabendo para onde nem por ordem de quem.” No ano seguinte, as mesmas chaves não

tinham ainda sido encontradas. Mas, não obstante o zelo conservador que se adivinha

por detrás do estranho sumiço da chave e da diligente partida dos objetos da igreja, esta

seria cedida, acusando os tempos de beligerância, ao Depósito Central de Fardamentos,

dependente do então Ministério da Guerra, que só em 1919 abandonava o espaço1053.

Após este período de cedências provisórias, e já incorporado nos Próprios da Fazenda

Nacional, o antigo espaço sacro resistiria uma vez mais às pretensões do Tesouro, não

conseguindo ser vendido em hasta pública por ter sido oferecida quantia inferior a

500$000 réis, facto que levantaria nos oficiais da Fazenda a suspeita de um “conluio

entre arrematantes.”1054

Sucessivamente ocupado por instituições de ensino e beneficência, a última das

quais a Casa Pia de Lisboa-Secção de Santa Clara, o conjunto monumental desfigurou-

se irremediavelmente. Um dos três sinos seria destinado ao Asilo da Ajuda, para

construção de uma torre na sua ermida e os dois outros seriam fundidos com destino à

estátua do Marquês de Pombal. Perante a eminência da dessacralização do templo, parte

do seu património móvel e integrado foi transferida para a Igreja paroquial de Nossa

Senhora da Graça de Almagreira, Pombal. Aí se contemplam o retábulo-mor, algum

mobiliário e os azulejos que recobriam as paredes do templo lisboeta – e que agora

adornam a fachada do edifício, flanqueando a entrada principal. Número considerável

de peças de valor artístico, outras mais de natureza cultual e religiosa, de mobiliário e de

uso comum, deram entrada na actual Museu Nacional de Arte Antiga, tendo-se algumas

dispersado, como a custódia, que apenas sabemos ter transitado para a Caixa-Geral de

Depósitos para fins de avaliação. Quanto a documentos, constam alguns, poucos, do

1052 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1,1912.1053 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1,doc. 30.1054 ANTT, AHMF, Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento, Cx. 2009, capilha 1, IV/A/52/1,doc. 8.

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Arquivo das Congregações, do Arquivo da Universidade de Coimbra e dos cartórios das

irmãs clarissas.

A dissipação do património monástico não implicou, como se disse, a dissolução

da comunidade, que saberia esperar pelos alvores do Estado Novo para alcançar a

restauração da vida religiosa. Contornando a impossibilidade de emitir votos no país, fá-

lo-iam as clarissas do Conventinho fora dele, no Mosteiro clariano de Ciudad Rodrigo,

e, uma vez considerada a casa não extinta à luz da Igreja, por carta da Sagrada

Congregação dos Religiosos de 2 de Maio de 1927, a ela regressariam para refundar o

antigo cenóbio. Abandonado, anos mais tarde, o local da fundação, e após várias sedes

provisórias, ocupam hoje o n.º 15 da Rua da Estrela em Lisboa, sob a invocação do

Imaculado Coração de Maria1055.

No Louriçal, nem a compulsiva expulsão, verificada a 14 de Outubro de 1910,

conseguiria ser totalmente eficaz, já que soror Maria da Cruz, no século Joaquina Nunes

das Neves, se recusar a sair, permanecendo no edifício, então ocupado pelo Regimento

de Infantaria de Aveiro, e gozando do respeito de todos os noveis inquilinos, até 11 de

Janeiro de 1911, data em que viria a falecer1056. Uma vez colocado à venda, depois de

albergar um posto da Guarda-Nacional Republicana, as antigas pupilas apresentar-se-

iam em hasta pública e arrematariam o edifício conventual. A 18 de Dezembro de 1927,

recuperava-se, pela quantia de sessenta e cinco mil e duzentos escudos, o monumento e,

a 14 de Janeiro de 1928, as antigas pupilas restauravam a vida monástica entretanto

suspensa1057.

Deixando de sofrer as inclemências que normalmente se associam a uma

reconversão funcional, o Louriçal vem sofrendo, no entanto, alterações correspondentes

à assunção de necessidades próprias à vivência comunitária1058. Parte do mobiliário,

património integrado, bens cultuais e outros de valor artístico permaneceram - ou, quem

sabe, retornaram - ao mosteiro, enquanto várias peças de arte, como a custódia

1055 Totalizavam o número de quatro as pupilas expulsas do mosteiro em 1911. Duas delas, Maria daEncarnação e Maria Clara da Eucaristia, noviciariam entretanto em Ciudad Rodrigo. Considerado nãoextinto, ao mosteiro voltaram as professas que aí se juntaram às restantes recolhidas a fim de restaurarema vida em comunidade. (Vd. Arquivo das Irmãs Clarissas de Lisboa, documentos avulsos sobre afundação do Mosteiro do Desagravo).1056 Segundo informações veiculadas pelas Irmãs Clarissas do Louriçal.1057 A revalidação canónica da comunidade pela Santa Sé verificar-se-ia, contudo, apenas a 24 de Marçode 1958.1058 Refletindo a assunção de preocupações de natureza patrimonial, claustro e templo foram classificadospelo Estado e procedeu-se, por parte das religiosas, à musealização dos espaços evocativos do itineráriomístico de Maria do Lado.

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principal, esculturas e alguns quadros foram distribuídos ora pelo Museu Nacional de

Arte Antiga ora pelo Museu Nacional de Machado de Castro.

Entre documentos e livros, identificámos vários no Arquivo das Congregações,

no Arquivo da Universidade de Coimbra, na Biblioteca Geral da Universidade de

Coimbra e Arquivo Distrital de Leiria. Em mãos particulares, finalmente, encontra-se

uma importante série de objetos da mais variada natureza e valor. Em hipótese, fica a

distribuição de peças por paróquias menos abonadas ou mesmo a transferência para o

Colégio de Sanguedo ou para qualquer dos outros Desagravos.

Na esteira da reabilitação do papel da Igreja que o Estado Novo promoveu, a

restauração do Instituto do Desagravo – atualmente parte integrante da Federação das

Clarissas Portuguesas1059 -, foi apenas o marco de uma revivificação mais ampla que o

converteria numa das mais florescentes ordens femininas do país. Em 1965, o Mosteiro

do Louriçal fundava o Mosteiro de Santa Clara e do Santíssimo Sacramento em Monte

Real e, em 1980, o de Nossa Senhora da Boa Esperança, em Montalvo1060. O

Conventinho, por seu turno, daria origem, em 1969, ao Mosteiro de Nossa Senhora do

Rosário, em Fátima e, em 1971, ao do Santíssimo Sacramento de Sintra. São 12,

atualmente, os cenóbios da Ordem de Santa Clara, cinco deles de Clarissas do

Desagravo1061.

No quadro temporalmente dilatado em que se operou a extinção das casas

religiosas, as Clarissas do Desagravo revelaram uma exemplar capacidade de

resistência, tirando sabiamente partido das inflexões políticas e lançando mão de uma

série de expedientes com vista à conservação da vida cenobítica e dos bens materiais

que, afinal, assinalavam a sua própria identidade. Agiram na observância das leis,

contornando muito embora o seu espírito, mas agiram também ao arrepio da sua letra,

sempre que tal lhes foi possível. A estrutura em rede, a condição periférica e até rural, o

recurso a grandes mentores históricos, a forte implantação social e, quem sabe, uma

aprendizagem centenária de agir “na sombra”, que prefiguramos tão própria a uma

instituição feminina, tanto mais que mendicante e de clausura, terão ditado o êxito da

instituição, que o recente florescimento tão bem patenteia.

1059 A Federação das Clarissas terá sido criada em 22 de Agosto de 1967. Veja-se, a este respeito, adocumentação patente no Arquivo do Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, de Lisboa e noSeminário Franciscano de Lisboa (fundo "Irmãs Clarissas - Ordem de Santa Clara).1060 Ereto canonicamente a 1 de Janeiro de 1981. Veja-se, a propósito das mais recentes fundaçõesinspiradas no Instituto do Louriçal, CLARISSAS ADORADORAS DO MOSTEIRO DE SÃO JOSÉ, AOrdem de Santa Clara em Portugal, Braga, Editorial Franciscana, 1976.1061 Cfr. Idem, ibidem.

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Ao prescindir de grande parte do suporte material da sua existência – que

haveria, ele próprio, de trilhar caminho paralelo –, as clarissas sublinharam o peso dos

fatores imateriais e, em último termo, a presença estruturante da Igreja na sociedade

portuguesa. Mas, se essa renúncia não obstou à reabilitação canónica da Ordem, não

pode de todo alhear-se da construção da memória histórica, a qual, não podendo eximir-

se ao conhecimento do património material, implicou um longo e minudente percurso

pelos meandros de um sinuoso e arrevesado extratexto custodial.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao virar a última folha do álbum que nos propuséramos inicialmente compilar,

fechámos não a história de uma família, mas a de um período essencial da identidade da

mesma, cujo epílogo tomámos como meta. Prescindindo in extremis de um património

material acumulado ao longo de décadas ou mesmos séculos, o Desagravo alcançaria

restabelecer-se, conquanto sob nova configuração canónica, em pleno século XX. Mas a

sua afirmação não deixaria de convocar a reevocação legitimadora dos seus referentes

identitários. A conversão da antiga casa da instituidora mística em núcleo museológico,

a reabertura do processo de beatificação daquela e a visibilidade creditada ao Instituto

pelas comemorações tricentenárias da sua fundação, constituem manifestos de uma tão

glosada quanto intrínseca relação entre património, memória e identidade.

Embora animado por distintos propósitos, não foi diverso o caminho que

prosseguimos. Teríamos gostado, no seu termo, de oferecer ao olhar experimentado do

público e ao juízo abalançado de conservadores, uma peça de museu, acabada e

definitiva, por muito que construída a partir de um conjunto disperso e desarticulado de

fragmentos das mais diversas origens e dimensões. E teríamos igualmente gostado de a

apresentar secundada de legenda e texto, por forma a dar-lhe o enquadramento ideal.

Tão ideal que, na mente de cada um, a fizéssemos renascer. Não o lográmos, por certo.

Perante uma construção histórica, com tudo o que lhe é próprio, e perante um labor a

todos os títulos contingente - bem que estruturalmente sustentado em fontes e na crítica

das mesmas -, tal não passaria de um sofisma. Não existe, no que agora damos à

colação, qualquer assomo de proporção áurea.

Olhada a certa distância, reconhecemos, retomando a primitiva metáfora, que,

desta genealogia, talvez o tronco, mais que os ramos, tenha sobressaído pela nitidez.

Subsistem nestes, com efeito, elementos desfocados, imagens de recorte indefinido,

percursos individuais truncados, que as fontes aparentemente não rastreiam. Se, acerca

de uns, abundam as informações, sobre outros, elas são declaradamente escassas.

Aplicar uma mesma grelha de análise a cada um dos elementos, dispensar-lhes o mesmo

espaço e repartir a herança segundo uma lógica de rigor aritmético é pretender ver

igualdade e unidade onde elas supostamente nunca existiram, e pressupor abandonar a

perspetiva que até aqui nos conduziu e pela qual ganhou sentido tomar a Regra como

tronco e os cenóbios como ramos.

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A perceção daquelas disparidades não foi, seguramente, óbvia e imediata, e

obrigou-nos a um ajuste dialético entre pressupostos e resultados. Da mesma forma que

a análise do conjunto resultou por vezes no abdicar do escrutínio do pormenor. Não

damos, contudo, por inglória a travessia. Como não o foi a da família religiosa fundada

sobrenaturalmente por Maria de Brito, cuja história, conhecendo, muito embora,

acentuadas inflexões, não deixou nunca de se pautar por um firme propósito de

resistência, cujos frutos podem ainda hoje ser contemplados.

Participante de marcos essenciais da vida religiosa, espiritual, cultural, política e

artística do país, e inapelavelmente perpassada pelo eixo que uniu, ao longo da Época

Moderna e alvores da Contemporânea, religião e poder, a história do Desagravo não foi,

porém, feita de protagonismos inequívocos, de decisões puras e definitivas. Escrita a

várias mãos e em diferentes registos, ela foi, mais que tudo, o produto de pontes e

convergências onde se cruzaram destinos individuais e destinos coletivos.

Crismado na origem pelo sentido e contornos de uma profanação eucarística, o

Instituto do Louriçal instituir-se-ia, na íntima ligação, que João Francisco Marques tão

agudamente explora, entre piedade eucarística e integridade pátria, como manifesto

reparatório não apenas do Santíssimo ofendido, quanto de desacatos cujo âmbito

semântico se alargaria, passando a evocar, para lá de um atentado sacrílego dirigido ao

sacramento do Altar, uma irreverência contra os sustentáculos morais da monarquia.

Não a despropósito, Frei José de Santa Rita de Cássia haveria de pregar, em sermão

dedicado a D. Miguel I, que na veneração eucarística residia o firmíssimo sustentáculo

do trono e da monarquia portuguesa. Da mesma forma, aliás, que, também do púlpito, o

Padre António Vieira preconizara, tempos antes, serem as igrejas do Santíssimo os mais

fortes muros e as mais inexpugnáveis fortalezas das cidades e dos reinos. Ao cristalizar

um fenómeno que se convertera em argumento, a memória do desacato de Santa

Engrácia e da sua venerável vidente, Maria do Lado, ver-se-ia sucessivamente

apropriada como fonte e instrumento de legitimação.

O sentido da Observância não o encontramos tanto em 1709, data da sua

fundação canónica, ou no empenho mecenático de D. João V, mas em pleno século de

Ouro da Mística, onde tantos caminhos de perfeição se trilharam tomando a via

contemplativa como rota e Cristo crucificado como ponto de fuga e onde monjas

visionárias eram consultadas por monarcas em assuntos de primeira grandeza.

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No seio de um ideário de santidade claustral e de uma tradição de santas

fundadoras, de que Teresa de Ávila se ergue como exemplo autorizado, se inscreve o

sonho fundacional de Maria do Lado, escudo protetor contra a heresia e profeta -

portuguesa - das perdas de Castela e da felicidade do reino.

Convertido em encomenda por parte de quem nesse ideário se revia, do ensejo

incipiente da madre nasceria, envolto em piedade, votos e portentos, o Real Mosteiro do

Louriçal. Nele teriam assento não apenas o Magnânimo ou os condes da Ericeira, cujo

espetro a historiografia há já muito anota, mas figuras outras, porventura menos

salientes ao olhar contemporâneo e ao esquema discursivo de sólito aplicado ao tema da

encomenda artística. Vários bispos de Coimbra, D. Gastão da Câmara Coutinho, o

Padre Francisco da Cruz, as devotas fundadoras - cujo papel quantas vezes se reduz à

voz longínqua que se lhes reserva e se reconduz a um discurso alheio e estereotipado -

são apenas alguns dos protagonistas que o Desagravo, no seu todo, não pode doravante

obliterar.

Neste reivindicar de créditos e protagonismos, tecidos no entrecruzar de vozes e

silêncios, de estatutos e papéis, destaque merecem, outrossim, as Ordens Regulares: os

franciscanos, desde logo, no zeloso e espontâneo acolhimento dos mais díspares

percursos existenciais, mas também os jesuítas e oratorianos, na formulação canónica da

vida cenobítica, na concetualização de uma causa e na convocação de circunstâncias

àquela favoráveis.

Tão religiosa e eclesiástica quanto política, a Regra não ficaria alheia às

inflexões da vida da diocese e dos seus vários mentores, aspeto particularmente notório

no reinado de D. José, onde a implementação das medidas pombalinas que

promoveriam o enfraquecimento da existência congreganista, coincidiram com a

suspensão da sempre almejada difusão do Instituto. Uma vez revertido o panorama, sob

o influxo da Viradeira, da Jacobeia, de D. Miguel da Anunciação e, como não, de um

novo desacato e da revivificação do processo de beatificação de Maria de Brito, veriam

a luz, em data próxima, três novos cenóbios da Observância - daquela, como diria com

acerto o erudito Dr. António José Correia, onde efetivamente se choravam as maldades

do mundo.

Superando impedimentos institucionais que o século de Oitocentos interpôs,

num ato a um tempo de reação - associado ao partido legitimista de D. Miguel e

igualmente envolto em impiedades e na reiterada reconsagração da santidade da beata

louriçalense -, e, a outro, de resiliência, motivada pela iminente extinção da Regra, duas

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novas casas nasceriam. Nelas, parece já diluir-se o cunho identitário da expressão

material até então indexada às religiosas capuchas da Adoração Perpétua.

É certo que o património artístico que criaram não se afaz a uma estrutura rígida

e unifacetada. Com efeito, bem que no pressuposto de uma relação estruturante entre

Observância e cultura material, que viria a dar sentido à abordagem diacrónica, não

podemos concluir pela unidade formal das representações produzidas. O Desagravo não

criou um estilo ou uma corrente artística e o património de cada uma das suas casas não

é padronizável nem replica o da casa-mãe. Não há qualquer gemelaridade na família de

que vimos tratando, nem igualdade na repartição de heranças, como os Inventários

rapidamente desvelam. Que sentido, então, falar numa arte do Desagravo? A aplicação

do conceito é porventura falível. Mais que unidade, há diversidade nas expressões

artísticas que estudámos. O que não implica a inexistência de coordenadas comuns, de

eixos temáticos, de um sistema de símbolos que, se não ditam a unidade, legitimam pelo

menos a união.

Na sua militância pós-tridentina, as Constituições do Desagravo contemplaram

ao pormenor aspetos maiores da configuração arquitetónica, que os vários cenóbios do

Instituto deveriam canonicamente observar. O número de celas, a pobreza material, o

número de altares do templo, o aparato específico dos mecanismos de clausura terão

constituído elementos informadores não só da vida das religiosas quanto do labor

criativo ou instrumental de projetistas e oficiais.

Por outro lado, a evolução do Instituto definiu um perfil de encomenda, a que

associámos a corte e a nobreza sua adjacente, e que evidentemente se refletiu no

domínio plástico, vertido na matriz do gosto e no nível de execução técnica.

Mais que isso, contudo, enquanto fruto de uma intencionalidade espiritual e

religiosa específica, a Regra projetou-se num património de acentuada feição

programática, estribando-se numa simbologia que poderia, essa sim, avocar a si um

estatuto de peculiaridade. A iconografia concebida a partir das visões da fundadora,

instituída como matriz sigilar, serviu de estribilho a um sem-número de representações

cuja presença perpassou qualquer dos cenóbios do Desagravo. As insígnias dos

Escravos do Santíssimo Sacramento, a pintura do teto da Igreja do Louriçal, as

incontornáveis figurações azulejares do desacato que revestiram as paredes da igreja do

Conventinho, o emblema eucarístico que encimava o portal do templo de Vila Pouca e a

cimalha do interior da igreja da Luz, os hábitos das irmãs do Desagravo, que até mesmo

o Colégio de Sanguedo viria a adotar, são sinais, quaisquer deles, de pertença e, porque

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transversais às várias casas, de pertença a algo que ultrapassa a esfera da estrita

individualidade.

Independentemente do grau de fidelidade a um suposto perfil genético, não

podemos negar interesse ao património criado individualmente por cada casa, nem, tão-

pouco, negar interesse em dá-lo a conhecer. O impacte de certas obras no contexto da

arte do seu tempo parece indiscutível. Lembremos os soberbos presépios do

Conventinho, as imagens de São Francisco e Santa Clara, do cenóbio louriçalense, as

preciosas e originais peças de ourivesaria sacra ou, ainda, a tão fulgurante quanto subtil

expressividade da narrativa visual proposta no templo da casa-mãe. Ademais, artistas de

gabarito pontificaram nos estaleiros do Desagravo: João Antunes, Bellini, Carlos

Mardel, Mateus Vicente de Oliveira, Silvestre de Faria Lobo, Pedro Alexandrino e

outros mais. Assim como a biografia destes mestres ficará incompleta se omitir as obras

em que eles laboraram, será igualmente difícil dissociar o Conventinho da Estrela, ou

disjungir o Louriçal do estaleiro de Mafra, do Menino Deus, das obras de Santa-Clara-a-

Nova de Coimbra e, evidentemente também, das obras de Santa Engrácia.

O Desagravo, por fim, e porquanto alvo da estima e proteção diretas de D. Pedro

II, da Infanta D. Maria Ana e do rei consorte D. Pedro III - personalidades cuja relação

às artes fica inelutavelmente comprometida pela adjacência de D. João V e de D. Maria

I -, quem sabe não poderá favorecer, admitimos que modestamente, uma revisão

biográfica que, neste ponto, talvez fosse de reclamar.

Fundada na diferença de jurisdições eclesiásticas, locais de implantação, épocas,

intermediários e preexistências materiais ou institucionais, a arte das clarissas fez-se no

diálogo que, com um contexto e substrato específicos, cada casa encetou e de que

resultou um discurso indubitavelmente ímpar. Em Montemor, as esculturas dos

padroeiros da nova Ordem, São Francisco e Santa Clara, substituíram intencionalmente

as de São Gregório e Santa Catarina, pertencentes ao velho templo da Irmandade da

Luz, mas contudo não as elidiram. E, em Vila Pouca, a imagem da Jesus Maria José, de

antiga devoção local, muito embora ladeada pelas esculturas dos dois fundadores da

Ordem seráfica, não deixaria de avultar no altar-mor, ao mesmo tempo que uma

imagem Nossa Senhora, prelada perpétua do Instituto, passaria, à semelhança do

Louriçal, a pontificar no coro alto.

Esta, que foi uma arte de compromissos, foi-o também de cruzamentos entre

centro e periferia, entre modelos eruditos e expressões vernaculares. Não tanto no

Louriçal e no Conventinho, dependentes de um mesmo polo e matriz, mas de forma

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indelével em Vila Pouca e, sobretudo, em Montemor. Assinado também entre Ordens e

mecenas ou encomendadores, este compromisso refletiu-se em ajustes de poder e em

mútuas cedências, de que o templo do Louriçal é exemplo acabado, mas também na

relevância do clero na formulação não só canónica dos cenóbios, quanto na sua ideação

arquitetónica. Lembremos, a propósito, o Irmão Manuel Pereira, D. Francisco de

Lousada, Fr. Francisco de Jesus Menino, mas também Frei Bernardino das Chagas ou

D. Frei Álvaro de São Boaventura.

Feita outrossim de mestres por descobrir, de contributos cujas margens se

diluem sob as designações anódinas de superintendente, diretor ou administrador de

obras, a arte do Desagravo foi, enfim, a arte que cada um dos Desagravos pôde e soube

construir. Assumindo cá e lá os contornos indefinidos dos seus fautores, deixou

segmentos por unir e limites por sublinhar, no termo de um percurso que, como o nosso

também, foi marcado tanto pela contingência quanto pela perseverança.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

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323

1. Fontes

1.1. Fontes Manuscritas

Arquivo do Cabido da Sé de Évora

Cabido e freguesia do Alto Alentejo (Montemor-o-Novo e Pavia), Pasta n.º 37, docs. 51,

58, 59

Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças

Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais:

Proc. 11045, L. 13, Fl. 210

Proc. 12186, L. 13, Fl. 439

Proc. 27, l. 44, Verba 18250/125

Direção-Geral da Fazenda Pública:

Proc. 1075, L. 3

Proc. 3F-LFA-d-2

Proc. 8201, L. 2

Proc. 1073, L. 3

Proc. 1311, L. 3

Proc. 4111, L. 4

Proc. 4112, L. 4

Arquivo Histórico Municipal de Montemor-o-Novo

Recolhimento do Santíssimo Sacramento de Nossa Senhora da Luz:

Notícias sobre a fundação e história do Recolhimento (D1S1)

Termos (D1S2)

Confraria de Nossa Senhora da Luz:

Ementas (D2S1)

Arquivo Municipal de Lisboa

Arquivo Histórico:

Chancelaria Régia, Livro de Consultas de D. Maria I, de 1805, fl. 159

Chancelaria Régia, Livro de Consultas de D. Maria I, fls.182 a 211

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Chancelaria Régia, Livro III de Consultas e Decretos de D. Maria I, fl. 108

Chancelaria Régia, Livro IV de Consultas e Decretos de D. Maria I, fls. 156-

156v.

Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo

Livro de Atas, 1872-1880

Livro das Atas, 1881-1887

Arquivo Histórico da Paróquia de Santa Engrácia

Inventário da fábrica do Santíssimo Sacramento de Santa Engrácia, Lv. 3, fl. 13

Inventário dos bens da Irmandade do SS. Sacramento da freguesia de Santa Engrácia,

Lv. 5, fls. 7-8

Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa

Documentação avulsa sobre Conventos: Conventos do Patriarcado, 1876

Documentos da Livraria: Lv. 5, Doc. 12

Registo Geral da Câmara Eclesiástica de Lisboa: Lv. 440, fl. 5; Lv. 470, fl. 30

Registo Geral da Câmara Patriarcal: Lv. 13, fls. 26 v – 27; Lv. 377, fls. 160-161; Lv.

346, fls. 197-197 v.; Lv. 403, fls. 132, 146 v., 156, 158; Lv. 298, fls. 26 v-27

Exame de religiosas de vários conventos de Lisboa. 1753-1793, Lv. 571

Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

Correspondência a respeito de obras no Mosteiro do Desagravo, 1849-1850, Ministério

do Reino, 2.ª Divisão, 1.ª Repartição [MR 2 D 1 R 2], Lv. 7, n.º 179

Igreja de Santa Engrácia, Desenhos avulsos, D1C

Arquivo Histórico do Tribunal de Contas

Décimas da Cidade – Lisboa

Freguesia de Santa Engrácia (Arruamentos): Lv. 430; fl. 41-41v.; Lv. 431, 1778, fl. 39-

39v.; Lv. 432, fl. 46; Lv. 433, fl. 42; Lv. 434, fl. 41; Lv. 435, fl. 44; Lv. 436, fl. 40; Lv.

436, fl. 46

Freguesia de Santa Engrácia (Propriedades): Lv. 431, fl. 32; Lv. 431, fls. 30-31

Freguesia de Santos (Arruamentos):

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325

Lv. 1082, fls. 445v.-446; Lv. 1087, fl. 412 v

Freguesia de Santos (Propriedades): Lv. 1079, fls. 292-292 v., Lv. 1080, fl. 292., Lv.

1082, fl. 293 v.; Lv. 1087, fls. 290v. – 291

Arquivo da Igreja de Nossa Senhora da Graça, Almagreira

Almagreira [monografia da paróquia; dactilografado]

Extracto do Inventário dos bens da Fábrica da Igreja Paroquial de Almagreira

[dactilografado]

Arquivo do Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, Lisboa

Documentos avulsos relativos à fundação do Mosteiro do Desagravo do Santíssimo

Sacramento de Lisboa

Arquivo do Mosteiro do Santíssimo Sacramento, Louriçal

SILVA. António Ferreira da, Livro com a história genealógica da minha família, s/n,

s/d [documento policopiado]

Arquivo da Paróquia de Santa Eulália de Sanguedo

Livro em que se registam os nomes das Postulantas da Tomada de habito e da

Profissão ordenado pelo P. Ladislao Toghetti Min. Ref. Da Provincia Romana, s/d

[manuscrito]

Arquivo da Universidade de Coimbra

Arquivos monástico-conventuais:

Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira (III-1D-10-1):

Livro dos Capítulos de Visitas no Convento do Desagravo do Santissimo

Sacramento de Vila Pouca da Beira;

Livro de descrição de bens do Convento do Santíssimo Sacramento de Vila

Pouca da Beira;

Inventario dos bens e rendimentos pertencentes ao Convento de Villa Pouca da

Beira, 1870;

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326

Livro dos Capítulos de Visitas no Convento do Desagravo do Santissimo

Sacramento de Vila Pouca da Beira;

Câmara Eclesiástica de Coimbra:

Documentos diversos relativos ao Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da

Beira (III, 2.ª D, 21, 2)

Cabido e Mitra da Sé de Coimbra:

Documentos relativos ao Convento do Louriçal (III, 1D, 6, 2, 2)

Documentos avulsos, Autos de Maria do Lado (III,1D, 7, 2)

D. Miguel da Anunciação e o Convento do Louriçal (VI, 1E, 6, 3)

Arquivos Paroquiais:

Informações paroquiais de 1721, Louriçal (capa 143);

Registos paroquiais de Vila Pouca da Beira, óbitos, 1837, fl. 18; 1824, fl. 63 v.;

1812, fl. 56 v.; 1804, fls. 48 v. - 49; 1853, fl. 23; 1852, fl. 20 v.; 1843, fl. 3 v.

Coleção Jardim de Vilhena, Cartas diversas, cx. XII

Documentos relativos às Invasões Francesas:

Breve memoria dos estragos causados no bispado de Coimbra pelo exercito

francez, commandado pelo general Massena. Extrahida das informaçõesque derão

os reverendos parocos. E remettida á Junta dos Soccorros da Subscripção

Britanica, pelo Reverendo Provisor, Governador do mesmo Bispado, Lisboa,

Impressão régia, 1812 (Dep. IV, 1ª E, 4, 2, 1,13)

Arquivo Histórico da Sé Patriarcal de Lisboa

Fundo relativo à Confraria dos Escravos do Santíssimo Sacramento de Santa Engrácia

[composto por vários livros e caixas]

Biblioteca da Academia das Ciências

Miscellânea de varios papeis, Tomo I, fls. 88 v-89, Série Azul, n.º 307

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Biblioteca da Ajuda

Coleção de Manuscritos avulsos:

Documentos relativos à obra do Mosteiro do Desagravo de Lisboa: 54-IV-52,53; 54-VI-

12, 52, 53; 54-VIII-42, 48, 49, 50; 54-IX-25; 54-X-6-7; 54-X-17; 54-XI-38-39

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

Miscelâneas:

Louvado seja o Santissimo Sacramento. Breve relação da vida, e morte prodigiosa da

madre soror Maria Joanna nossa irmã, Que faleceo ao 25 de março deste presente

anno de 1754. Neste nosso Convento do Louriçal, Lisboa, Oficina de Manoel Coelho

Amado, 1745, pp. 1 a 12 (Misc. 34, n.º 797)

Manuscritos:

Louvado seja o Sanctissimo Sacramento. Cartas que escrevei a seu confessor para

noticia da sua consciência, e por preceito do mesmo a Serva de Deos Soror Maria

Joanna, s/d (Ms. 1802)

Vida e morte da Madre Maria do Sacramento, s/d (Ms. 43)

Espelho Limpo para compor a ele suas acçoens Huma Religioza do Convento do

Santissimo Sacramento do Louriçal// Segundo suas occupaçoens e Oficios. Offerecido

pelas mãos da su R. M.e Abbadeça a cada huma Por hum Religiozo da mesma ordem,

s/d. (Ms. 1252)

Auto de chegada das M.es Fundadoras ao Convento do Sm.o Sacramento de V.ª do

Louriçal, e Elieçam de Abb.ª que fés o Ill.mo Bispo Conde, 8 de Maio de 1709. (Ms.

546, fls. 143-146)

Biblioteca Nacional de Portugal. Arquivo Histórico

Relação dos Quadros remetidos para o DLEC, BN/AC/INC/DLEC/15/cx. 05 – 02, doc.

2/55

Inventários das Preciosidades, que existem no Convento de Religiosas do Desaggravo

de Lisboa; doc. 54

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Biblioteca Nacional de Portugal. Secção de Reservados

Auto da chegada das M.es Fundadoras ao Conv.to do SS.mo Sacram.to da V.ª do

Louriçal, e Eleição da Abb.ª […], cx. 236, n.º 52;

Auto de posse do Mosteiro do Desagravo do Santissimo Sacramento, Cód. 11210;

Correspondência de Francisco António Ferreira da Silva [manuscrito por Ordem dos

Frades Menores], Cód. 1467;

Relação e testemunho do p.e spiritual da serua de D.s Maria de Britto sobre o q. sente

de sua alma com licença da mesma serua do Snhor, Cód. 90

Collecção de cartas e outros papeis (D. João III a D. Pedro II), Mss. [cx.] 10, n.º1

Documentos provenientes do Convento do Louriçal, Cód. 8921

Documentos relativos ao Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, Montemor-o-Novo:

mss. 205, n.º 17, mss. 205, n.º 32, mss. 205, n.º 46, mss. 218, n.º 72, mss. 226, n.º 41,

mss. 215, n.º 22, mss. 215, n.º 24, mss. 226, nº 41, mss. 241, n.º 23, mss. 215, n.º 22,

mss. 218, n.º 70, mss. 237, n.º 39, mss. 238, n.º 10, mss. 238, n.º 13, mss. 238, n.º 58,

mss. 238, n.º 59, mss. 239, n.º 59, mss. 239, n.º 63, mss. 240, n.º 22, mss. 240, n.º 71,

mss. 240, n.º 58, mss. 241, n.º 23, mss. 241, n.º 48, mss. 241, n.º 70, mss. 242, n.º 22,

mss. 242, n.º 8, mss. 242, n.º 28, mss. 242, n.º 33

Livro da Criação dos Irmãos da Confraria dos Escravos do S.mo Sacramento cita na

Igreja de S. Engrácia […], Cód. 170, fls. 22 - 31 v.

Coleção Pombalina:

Avizo p.ª o Cardeal Patriarcha obrigar todos os Ecleziasticos Regulares e Seculares de

Lx.ª e sem alguma excepção sahirem a accompanhar a Segundo porsição de

Dezaggravo do Sacrilego roubo feyto na Matriz da I.ª de Palmella, 8 de Junho de 1780,

fls. 365-368.

Documentos relativos à Congregação do Oratório:

Mss. 3, n.º 4, Mss 45, n.º 18 e 19, Mss 74, n.º 47, Mss 83, n.º 13, Mss 92, n.º 3, cx. 69,

nºs 6 e 7

MOREIRA, António Joaquim, Colecção das mais celebres sentenças das Inquisições

de Lisboa, Coimbra e Gôa, Vol. I, 1863 [manuscrito]

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Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Convento do Desagravo do Santissimo Sacramento, I-32, 22, 001, n.º 2

Instituição do que se pode praticar no desagravo do novo sacrilégio e herético roubo

do Santissimo Sacramento [...], I-32, 29, 015

Processo referente a representaçäo da abadessa e religiosas do Real Convento do

Desagravo do Santíssimo Sacramento de Lisboa a Sua Majestade pedindo que o

convento receba a herança deixada pela infanta D. Mariana, Lisboa, 22/03/1814,

I-32, 24, 002, n.º 3

Processo referente a representação das madres abadessas dos três conventos do

Desagravo do Santíssimo Sacramento a Sua Majestade pedindo a confirmaçäo do

testamento do padre Antônio Pereira Caldas, sub-diácono da cidade Lisboa,

Louriçal, s/d, I-32, 23, 004, n.º 9

Biblioteca Provincial Franciscana (Seminário da Luz)

Kalendario Geral Para o uso dos Religiosos Observantes, da Santa Provincia de

Portugal, e de todos aquelles, que usão do Kalendario da mesma Provincia. Junta-se

no fim o q. pertence ás Religiozas da Conceição, e do Desaggravo, e mais algumas

particularidades, 1858 [manuscrito]

Biblioteca Pública de Évora

Congregação do Oratório de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz

Convento de Nossa Senhora da Conceição de Estremoz, Lvs. 2 , 9, 10

Casa Forte, Mss. inéditos:

Documentos sobre a fundação e confirmação do Recolhimento de Montemor-o-

Novo, cod. CX/2-19, n.º5

Mappa dos rendimentos das confrarias do Arc. de Évora, cod. CIX/2-10.

Mappa das igrejas, benefícios e conventos da jurisdição do Arcebispado de

Évora, cod. CIX/1-8

Estatísticas eclesiásticas do arcebispado de Évora, cod. CIX/2-12; CXXIX/2-

11, n.º 3

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330

Apontamentos históricos e estatísticos do bispado de Leiria, cod. CIII/2-22; fl.

82

Cessão e desistência da administração de bens da confraria de Nossa Senhora da

Luz, 1777, cod. CX/2-18

Provisão do bispo D. José, Inquisidor-geral – 1798, cod. CXI/1-16

Summa da vida que se observa n’este recolhimento de Nossa Senhora da Luz de

Montemor-o-Novo, cod. CII/1-5, n.º 6

Fundo do Convento do Santíssimo Sacramento. Montemor-o-Novo:

Convento do Santíssimo Sacramento. Montemor-o-Novo, Lv. 1

Convento do Santíssimo Sacramento. Montemor-o-Novo, Pastas 2, 3, 4, 5 e 6

Câmara Municipal de Lisboa. Gabinete de Estudos Olisiponenses

Parecer de Gonçalo Pires de Carvalho, 1632

Pella receita e despesa da Irmand.e dos Escravos do Santissimo Sacram.to de St.a

Engracia, Lisboa, 1795

Recibos da Irmandade de Santa Engracia, Lisboa, 1767-1786

Casa Pia de Lisboa. Colégio de Santa Clara

PINHO, Maria Isabel Chaves, Memória descritiva e justificativa. Convento do

Desagravo/Colégio de Santa Clara da Casa Pia de Lisboa. Obras de renovação.,

s/d

PINHO, Maria Isabel Chaves, Monografia do Colégio de Santa Clara, s/d

Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

Casa Pia de Santa Clara/Convento do Desagravo: processo de obras [documentação

escrita]

Arquivos Nacionais/Torre do Tombo

Arquivo Distrital de Lisboa

Cartório Notarial de Lisboa:

Cartório n.º 11, Lv. 711, fls. 13 v. – 14 v.

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331

Cartório n.º 5 A, Lv. 53, fls. 9 v. – 10 v.

Registos Paroquiais de Lisboa:

Santa Engrácia, Mistos, fls. 58-58v.

Sé, Óbitos, n. º 2 , cx. 15, fl. 43 v. e fl. 57 v.

São José, Óbitos, Cx. 22, Lv. O2, fl. 60 v.

Arquivo das Congregações

Documentos relativos à história das Clarissas do Desagravo:

Livros:

Lv. 309, Lv. 424, Lv. 426, Lv. 931, Lv. 875, Lv. 876, 938, Lv. 1086, Lv. 1042, Lv.

1103, Lv. 1121, Lv. 1136, Lv. 1140

Maços:

Mç. 10, mct. 6; mç. 11, mct. 4; mç. 12, mct. 6; mç. 28, mct. 3; mç. 31, mct. 17; mç. 32,

mct. 9; mç. 32, mct. 10; mç. 32, mct. 11; mç. 33, mct. 3; mç. 33, mct. 5, nº 4

Arquivo Histórico do Ministério das Finanças

Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento de Lisboa, cx. 2009

Convento do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal, cx. 1939

Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira, cx. 1893

Convento de Nossa Senhora da Esperança de Beja, cx. 16

Convento de Santa Marta de Jesus, cx. 203

Chancelarias régias

D. Sebastião e D. Henrique: Lv. 27, fl. 170

D. Filipe II: Lv. 3, fl. 146 e fl. 244 v.

D. Filipe III: Lv. 29, fl. 32 v ; Lv. 21, fl. 234 v.; Lv. 24, fl. 145

D. João IV: Lv. 16, fl. 300 v

D. Afonso VI: Lv. 17, fl. 242 v

D. Pedro II: Lv. 34, fl. 146 v.; Lv. 59, fl. 18 v; Lv., 63, fl. 54 e fl. 85 v

D. João V: Lv. 2, fl. 37; Lv. 48, fl. 272; Lv. 65, fl. 249 v.

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332

D. José: Lv. 61, fl. 73; Lv. 65, fl. 249 v., Lv. 96, fl. 194 v.

D. Maria I: Lv. 1, fl. 21; Lv. 14, fls. 256 v - 257; Lv. 24, fl. 67; Lv. 26, fl. 260 v.; Lv.

32, fl. 60 v.; Lv. 35, fl. 283; Lv. 73, fl. 330; Lv. 80, fl. 150; Lv. 80, fls. 373 v. –

374; Lv. 82, fls. 220 v. – 221

D. João VI: Lv. 6, fl. 190; Lv. 19, fl. 8, fl. 145 e fl. 235 v.; Lv. 22, fls. 166 v.-167; Lv.

35, fls. 6 v. – 7 e fls. 149 v.-150 v; Lv. 39, fl. 330 v.; Lv. 40, fl. 205 v.; Lv. 41,

fls. 1-1v.

Congregação do Oratório de Lisboa

Casa do Espírito Santo, mç. 12, Lista de Noviços e Congregados e datas de entrada na

Congregaçaõ

Casa do Espírito Santo, mç. 12, Noticia tirada do livro de Obitos dos dias em que

morreraõ os P.es e Irmaõs desta Congregaçaõ

Desembargo do Paço (Corte, Estremadura e Ilhas)

Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento: Mç. 2167, Mç. 2184, cx. 2011, Mç.

2154, n.º 117, Mç. 1408, n.º 21

Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento sito na Cova da Moura, Mç. 1585,

n.º 23

Desembargo do Paço (Beiras)

Religiosas do Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira: Mç. 226, n.º 15316; Mç.

255, n.º 2, n.º 18166; Mç. 350, n.º 26582

Religiosas do Convento do Louriçal: Mç. 134, n.º 10105; Mç. 254. n.º 1, n.º 18129; Mç.

347, n.º 26299; Mç. 377, n.º 28397; Mç. 379, n.º 28520

Gavetas

Auto de Posse do Mosteiro do Dezaggravo do Santissimo Sacramento, sito no Campo

de Sta. Clara para as Religiozas do Instituto do Louriçal; e do seu Padroado

para a Corôa Real, Feito a 20 de Outubro de 1783, Gaveta 20, Mç. 9, n.º 12

Autos da Herança da Serenissima S.ª Princeza D. Maria Francisca Benedita, 24 de

Dezembro de 1831, Gaveta 16, Mç. 3, n.º 10

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333

Mosteiro do Desagravo. Auto de posse, que tomou o procurador da coroa, tanto do

edifício novo, como do direito de padroado, Lv. 50, cx. 33, fls. 251-253 v.

Termo de entrega do seu cadaver no mosteiro do Desagravo em lisboa, 3 de janeiro de

1822, Gaveta 16, Mç 3, n.º 4

Termo de entrega do seu cadaver, no Convento de S. José de Riba-Mar, 7 de Julho de

1821, Gaveta 16, Mç. 3, n.º 5

Termo de entrega do seu corpo no mosteiro de Nossa Senhora da Ajuda do Rio de

Janeiro, 19 de Maio de 1813, Gaveta 16, Mç. 3, n.º 2

Autos do Inventario e Partilha dos Bens da Herança do Augustissimo S.or Rey D.

Pedro o Terceiro, Gaveta 16, mç. 3, n.º 1

Manuscritos da Livraria

Ms. n.º 2542; Ms. n.º 2523; Ms. n.º 167

Ministério dos Negócios Eclesiásticos e Justiça

MNEJ, mç. 268, n.º 2; mç. 270

Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria

Processo relativo a obras no Convento do Desagravo, Mç. 1081, processo n.º 58

Processo relativo a obras no Convento do Desagravo, Lv. 327, fl. 193

Ministério do Reino

Negócios diversos, mç. 2078

Recolhimento do Desagravo do Santissimo Sacramento de Nossa Senhora da Luz, na

vila de Montemor-o-Novo, 4.ª Repartição, Mç. 2078, n.º 604

Registo de ordens sobre diversos funerais régios, Lv. 1341, fls. 73-75

Caso do Infantado, Expediente da Casa do infantado, mç. 392

Casa do Infantado, Lvs. 581, 823, 824

Registo Geral de Testamentos

Lv. 159, fls. 62 -77 e 77-82 v.

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334

Tribunal do Santo Ofício

Memoria dos autos de Fé que tem havido publicos, e particulares na Inquisiçam de

Lisboa [...] , Lv. 45, fls. 67 – 67 v.

Caderno das certidoes que do Sto Officio de Lx.ª das pessoas que saem confiscadas

condenadas [...], Lv. 12, fl. 110 v.

Inquisição de Lisboa: proc. 15952; proc. 15947; mç. 68, n.º 61; Liv. 160, fls. 193-193v.

Inquisição de Coimbra: Livro nº 291 (Cadernos do promotor), fls. 830-940

Conselho Geral: Habilitações, mç. 70, doc. 1391; doc. 208

Fundação Bissaya-Barreto - Centro de Documentação

Listagem de bens da Igreja realizada pela Fundação Bissaya-Barreto;

Arrolamento e inventário dos Bens da Igreja da Paróquia de Vila Pouca da Beira, 6 de

dezembro de 1915;

Livro do Tombo da freguesia de Vila Pouca da Beira;

Documentos vários relativos à freguesia de Vila Pouca da Beira;

Auto de entrega dos bens da igreja de Vila Pouca da Beira à comissão encarregada do

culto católico da mesma freguesia, 6 de Julho de 1930;

Relato de Acontecimentos na Igreja do Convento de 1935 a 1966;

Inventário das alfaias e roupas da igreja da freguesia de Vila Pouca da Beira;

Atas da Junta de Província da Beira Litoral;

Livro de Atas da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, 1914-1924;

Inventário das peças de arte. Pousada do Convento do Desagravo, Junho de 2010;

Inventário. Igreja do Convento do Desagravo

Museu Nacional de Arte Antiga

Conventos. Requisições

Conventos Extintos (Lisboa). Móveis e afins

Inventário geral do MNAA

Inventário de Pintura, Liv. 9

Inventário de Pintura, Lv. 11

Livro de Entradas. Objectos procedentes de conventos e igrejas, n.º 1, s/d

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335

Livro de incorporações, 1912

Conventos. Requisições, Lv. 47

Arquivo Dr. José de Figueiredo:

Cx. 1, Pasta 1, doc. 12

Cx. 4, Pasta 2, doc. 19;

Cx. 4, Pasta 3, doc. 6.2;

Cx. 4, Pasta 3, doc. 7.6;

Cx. 4, Pasta 4, doc. 2;

Cx. 4, Pasta 13, doc. 1;

Cx. 5, Pasta 1, doc. 1.2;

Cx. 5, Pasta 3, doc. 9

Seminário Franciscano de Lisboa

Irmãs Clarissas - Ordem de Santa Clara, Caixa II - b, n.º 196:

Carta de Consciência da Madre Maria da Purificação Godinho [dactilografado]

Decreto de Renovação da Fundação e erecção canónica do Mosteiro de Clarissas do

Desagravo da Cidade de Lisboa [minuta, dactilografado]

Estatutos da Federação [dactilografado]

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336

1.2 Fontes Iconográficas

Biblioteca Nacional de Portugal. Secção de Iconografia

Registos de Santos:

Igreja do Real Convento do Louriçal, R.S. 02121

Nossa Senhora das Felicidades, R.S. 02491

Santa Clara, R.S. 02204, 04594, 0493 - 04953, 05891

Santa Engrácia, R.S. 04990, 04991

Gravuras:

A serva de D.s Maria do Lado, vio em spirito dois anjos levarem ao céo o ss. sacram.to

(de Domingos Sequeira, 1800)

Arquivo Municipal de Lisboa

Arquivo Fotográfico: ref.ª PT/AMLSB/ARM/S02730

Arquivo Intermédio (Arco do Cego):

Plantas do Campo de Santa Clara, Lisboa (séc. XIX):

Plantas 10/P, 7469; 5/SGO, 5824, 5839; 9/P, 7326; 9/P, 7328; 9/P, 7329; 10/P,

7516; 6/OP, 11031; 11/OP, 11221

Biblioteca Municipal de Montemor-o-Novo

Planta da Vila de Montemor-o-Novo, 1827

Câmara Municipal de Lisboa. Gabinete de Estudos Olisiponenses

“Conventinho do Desagravo”, Album de Bilhetes Postaes: vistas de Lisboa, Vol. II, p.

48, n.º 96 [postal]

“Conventinho do Desagravo”, Album de Bilhetes Postaes: vistas de Lisboa, Vol. VIII,

p.10 A, nº 39 [postal]

Carta topográfica de Lisboa, levantada sob a direcção de Filipe Folque, 1858

Carta topográfica de Lisboa, 1901

Câmara Municipal de Lisboa. Museu da Cidade

Igreja do Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento, DSCN5351

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337

Medalhas da Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento, MC-MED-3940,

MC-MED-3972

Biblioteca Real de Bruxelas (Albertine). Secção de Iconografia

S.I. 642, 4.º¸S.I. 642; S.I. 1187 (Gravuras de Jean Adriani Collaert)

S.I. 28985 (Gravura de Rubens)

S.III (litografia anónima)

Casa Pia de Lisboa. Arquivo de Centro Cultural Casapiano

Fotografias do antigo Mosteiro do Desagravo e do Colégio de Santa Clara

Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

Casa Pia de Santa Clara/Convento do Desagravo: processo de obras [documentação

iconográfica]

Convento do Santíssimo Sacramento do Louriçal [documentação iconográfica]

Convento do Desagravo de Vila Pouca da Beira [documentação iconográfica]

Fundação Bissaya-Barreto - Centro de Documentação

Plantas do edifício do antigo Mosteiro de Vila Pouca da Beira:

FBB/OBRS/PLAN/AScx4

FBB/OBRS/AS/cx1g

Instituto Geográfico Português

Carta topographica da cidade de Lisboa e seus arredores, redigida e gravada na

Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos, 1879

Carta topografica de Lisboa e seus suburbios, Lisboa, Casa do Risco das Obras

Públicas, 1831

Plano da cidade de Lisboa reduzido e gravado por J. J. F. de Sousa, Lisboa, Arquivo

Militar, 1835

Planta de Lisboa com os melhoramentos feitos e projectados na cidade, coordenada e

desenhada por José Vicente de Freitas, Lisboa, ca. 1910

Planta topographica da cidade de Lisboa: comprehendendo na sua extenção abeira

mar da ponte d'Alcantara até ao convento das Commendadeiras de Santos, [178-]

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338

Museu Nacional de Arte Antiga

Imagens de peças provenientes do Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento de

Lisboa ("Conventinho") e do Mosteiro do Santíssimo Sacramento do Louriçal

Museu Nacional de Machado de Castro

Imagens de peças provenientes do Mosteiro do Santíssimo Sacramento do Louriçal e de

Mosteiro do Desagravo de Vila Pouca da Beira

Fotografias

- da autora: relativas aos diversos mosteiros e recolhimentos do Desagravo do

Santíssimo Sacramento;

- disponibilizadas pelas irmãs Clarissas do Desagravo e pelo Dr. Joaquim Eusébio:

relativas ao Mosteiro do Louriçal

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339

1.3. Fontes Impressas

Abadessa do Convento do Louriçal, Compendio da Admiravel Vida da Veneravel

Madre Maria do Lado, Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1762

Almanach de Lisboa para o anno de 1782, Lisboa, Oficina Patriarcal, 1782

ALMEIDA, Cristóvão de (frei), Sermam do Desagravo de Christo Sacramentado na

Solennissima Festa que no mês de Janeiro lhe faz todos os annos a Nobreza de

Portugal na Igreja de Santa Engracia, 2.ª impressão, Lisboa, Oficina de João da

Costa, 1671

AMOR DE DEUS, Martinho do (frei), Escola de Penitencia, caminho de perfeição,

estrada segura para a vida eterna, Lisboa Ocidental, Oficina dos Herdeiros de

António Pedroso Galrão, 1740

ARCHANJOS, António dos (frei), Sermam de Sancta Clara em o seu Convento de

Lisboa, estando o santissimo Sacramento exposto, Lisboa, Oficina de Domingos

Carneiro, 1664.

AREDA, Diogo de, Sermão que o Padre Diogo de Areda da Companhia de Jesu, fez na

Igreja de Sancta Justa na cidade de Lisboa, estando o Sanctissimo Sacramento

em publico, pello caso que socedeo na igreja da sancta Engracia da mesma

cidade, Lisboa, Oficina de Pedro Craesbeeck, 1630

BARBOSA, D. José, Elogio do Illustrissim. e Excellent. Senhor D. Francisco Xavier de

Menezes IV Conde da Ericeira, Lisboa, Oficina de Inácio Rodrigues, 1745

BELÉM, Jerónimo de (frei), Chronica Serafica da Santa Provincia dos Algarves, Parte

I, Lisboa, Oficina de Inácio Rodrigues, 1750

BELLORI, João Pedro, As honras da Pintura, Escultura e Architectura. Tradução do

italiano; Ilustrado e anotado por hum dos Pintores de S.A.R. o Principe Regente

Nosso Senhor, Lisboa, Impressão Régia, 1815

Breve do Santíssimo Padre Benedicto XIV expedido a XXIII de Agosto de MDCCLVI

para a suppressão, união, e incorporação de todos os Mosteiros de Freiras (…),

Lisboa, Oficina Tipográfica, 1781

BRITO, Gomes de, Os itinerários de Lisboa, s/n, s/d

CANEPINA, Ladislau da (frei), Estatutos e Constituições pelas quaes devem dirigir-se

e governar-se as Religiosas Clarissas do Desagravo do SS.mo Sacramento em o

Collegio de Sanguedo, Diocese do Porto, s/d

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340

CAETANO, José (frei), Memorias da vida e virtudes da serva de Deus Soror Maria

Joanna, religiosa do Convento do Santissimo Sacramento do Louriçal, Lisboa,

Oficina de Miguel Rodrigues, 1762

CARDOSO, Jorge, Agiologio Lusitano dos Sanctos, e varoens illustres em virtude do

Reino de Portugal, e suas conquistas, Tomo II, Lisboa, Oficina de Henrique

Valente de Oliveira, 1657

CÁSSIA, José de Santa Rita de (frei), Regulamento para a Casa do Desagravo do

Sanctissimo Sacramento da Eucharistia novamente erecta em Lisboa, Lisboa,

Impressão Imperial e Real, 1826

_______________________________, Sermão em acção de graças ao archanjo S.

Miguel pelas faustas noticiais da suspiradas vinda do regio, magnanimo jovem,

o Senhor Dom Miguel pregado em 28 de Outubro de 1827, Lisboa, Impressão

Régia, 1827

_______________________________, Sermão que no dia natalicio de Sua Magestade

Fidelissima o Senhor Dom Miguel I, Lisboa, Impressão Régia, 1829

CASTRO, Baptista de (padre), Mappa de Portugal, Vol. III, 3ª edição, Lisboa,

Tipografia do Panorama, 1870

CASTRO, Henrique José de, Sermão do Desaggravo do Sanctissimo Sacramento por

occasião do desacato perpetrado na Parochial Igreja de S. Lourenço de Lisboa,

Lisboa, Impressão Régia, 1825

CÉSAR, Diogo (frei), Sermão da solemnissima festa, e desaggravo, que se fez ao

sacriligo desacato, que no templo e igreja de S. Engracia, se fez. Pregado na

dita Igreja de S. Engracia em 16 de Janeiro de 1653 em presença do

Serenissimo Principe de Portugal, Nobreza do Reyno, & mais Estados delle.

Dedicado a Illustrissima, e Clarissima Nobreza do Reyno de Portugal, Lisboa,

Ant. Alz. Impr. del Rey N. S, 1653

CONCEIÇÃO, Apolinário da (frei), Claustro Franciscano, erecto no Dominio da

Coroa Portugueza, e estabelecido sobre dezeseis Venerabilissimas Columnas.

Expoem-se sua oridem, e estado presente. A de seus Conventos, e Mosteiros,

annos de suas fundações [...], Lisboa, Oficina de António Isidoro da Fonseca,

1740

CONCEIÇÃO, Cláudio (frei), Gabinete histórico que a sua Magestade fidelíssima o

senhor Rei D. João VI [...], Lisboa, Impressão Régia, 1818

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341

CONCEIÇÃO, Cláudio da (Frei), Memoria dos Escravos do Sanctissimo Sacramento

do Convento da Mealhada, Freguezia de Sancta Maria de Loures; e o Sermaõ,

que no dia 22 de Novembro de 1826 pregou, Lisboa, Impressão Régia, 1827

Constituições e leis por que se hão de governar as religiosas do Convento do SS.

Sacramento de Lisboa, da primeira regra de Santa Clara, da jurisdicção

ordinaria do Ex.mo Senhor Cardeal Patriarca, Coimbra, Imprensa da

Universidade, 1822

Constituições e leis por que se hão de governar as religiosas do Convento do SS.

Sacramento do Louriçal, da primeira regra de Santa Clara, da jurisdicção

ordinaria do Ex.mo Senhor Bispo de Coimbra, Coimbra, Imprensa da

Universidade, 1822

Constituições e leis por que se hão de governar as religiosas do Convento do SS.

Sacramento de Villa-Pouca da Beira, da primeira regra de Santa Clara, da

jurisdicção ordinaria do Ex.mo Senhor Bispo de Coimbra, Coimbra, Imprensa

da Universidade, 1822

CORREIA, António (frei), Oração do desaggravo do corpo de Jesus Christo em

Palmela, sacrilegamente ultrajado, Lisboa, Regia Oficina Tipográfica, 1780

______________________, Sermão do Desaggravo de Christo Sacramentado, no caso

de Odivellas, logo q. succedeo. Em o Octavario, que na Sè de Lisboa mandou

fazer o Serenissimo Princepe D. Pedro nosso Senhor, depois que com as

Religio s todas, assim Monachaes, como Mendicantes, & Capuchas

acompanhou com sua Real pessoa, seguindo-o a Corte toda, a Procissão de

preces por toda a Cidade, 1671

CORREIA, João Tomás, Diario ecclesiastico historico, e astronomico para o reino de

Portugal. Lisboa Occidental, Oficina da Congregação do Oratório, 1733

COSTA, Carvalho da (padre), Corografia portugueza e descripçam topografica do

famoso reyno de Portugal, Tomo III, 2.ª ed., Braga, 1869

CRUZ, Lourenço da (frei), Sermam da Solemnissima Festa, e desagravo que se fez ao

sacrilego desacato na Igreja de Udivellas, em que de roubou o divinissimo

Sacramento. Prégado no Templo de Santa Engracia, em o qual se avia

commetido o mesmo sacrilegio: estando presente o sereniss.mo Princepe de

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342

Portugal D. PEDRO, & mais Nobreza do Reino, Lisboa, Oficina de João da

Costa, 1661

Desagravo ao Santíssimo Sacramento e acção de graças pelos benefícios da

restauração da pátria e do restabelecimento do Governo do Príncipe Regente

promovido pelo Tribunal do Senado da Câmara, s/d.

Elogios que nos faustissimo dia em que cumpre annos a Serenissima S.ra Infanta D.

Maria Anna, lhe consagrão o Capitam João Dias Talaya, e sua filha D.

Francisca Benedicta Talaya Collaço de Castello-Branco, Lisboa, Oficina de

António Gomes, 1789

ESPERANÇA, Frei Manuel da, História Serafica da Ordem dos Frades Menores de S.

Francisco, Parte I, Lisboa, Oficina Craesbeeckiana, 1656

Estatutos reformados da Irmandade das Escravas do Santissimo Sacramento do

Mosteiro da Encarnação da Ordem Militar d’Aviz, Lisboa, Tipografia Pessoa,

1914

FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes de, Memória das medalhas e condecorações

portuguezas e das estrangeiras com relação a Portugal, Lisboa, Tipografia da

Academia das Ciências, 1861

FERREIRA, Manuel de Oliveira, Compendio geral da Historia da Veneravel Ordem

Terceira de S. Francisco, Porto, Oficina Episcopal do Capitão Manuel Pedroso

Coimbra, 1752

FIGUEIREDO, José de (padre), Desaggravo Eucaristico do Santissimo Coração de

Jesus, Coimbra, 1757

FRANCO, António (SJ), Imagem da virtude em o noviciado da Companhia de Jesus no

Real Collegio de Jesus de Coimbra, no qual se contem as vidas, e virtudes de

muytos Religiosos, que nesta Santa Caza foraõ Noviços, Tomo II, Coimbra, Real

Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1719

Gazeta de Lisboa, Lisboa, Oficina Pascoal da Silva, 1715 – 1814

GRAÇA, António da (Frei), Oraçaõ fúnebre nas exéquias do Excelentissimo Senhor

Gastaõ Jozé da Camara Coutinho, Lisboa, Oficina da Música de Teotónio

Antunes Lima, 1736

GUIMARÃES, J. Ribeiro, Sumário de vária história, Vol. I e IV, Lisboa, 1874

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