efeitos cardiovasculares da testosterona

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644 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas e Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Correspondência: Otavio C. E. Gebara – InCor - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000- São Paulo, SP - E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 11/4/01 Aceito em 18/7/01 Otavio C. E. Gebara, Núbia W. Vieira, Jayson W. Meyer, Ana Luisa G. Calich, Eun J. Tai, Humberto Pierri, Mauricio Wajngarten, José M. Aldrighi São Paulo, SP Efeitos Cardiovasculares da Testosterona Atualização Com o envelhecimento há um incremento na prevalên- cia de doenças cardiovasculares 1 . Paralelamente, ocorre re- dução progressiva na concentração sérica dos hormônios sexuais masculinos, sendo que nas faixas etárias mais avan- çadas a testosterona é reduzida em, aproximadamente, 15 a 20% 2 dos indivíduos. Os receptores de androgênios distri- buem-se amplamente nos tecidos vasculares, como a aorta, vasculatura periférica e células atriais e ventriculares 3 . Des- sa forma, é possível supor que os hormônios sexuais no homem exerçam influência no desenvolvimento das doen- ças cardiovasculares. Fisiologia e farmacologia da testosterona - A testoste- rona, principal andrógeno da circulação, é responsável pelo desenvolvimento e manutenção das características sexuais masculina e do estado anabólico de tecidos. Biosíntese - A testosterona é sintetizada a partir do colesterol (fig. 1) por uma seqüência de cadeias enzimáticas dentro das células de Leydig, localizadas no interstício do testículo maduro 4 . O colesterol utilizado para a síntese de testosterona pode ser obtido pelas células de Leydig por síntese “DE NOVO”, predominantemente, através de este- res de colesterol armazenados na matriz intracelular ou a partir de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) colesterol extracelular 4 . A secreção testicular de testosterona é modu- lada, principalmente, pelo hormônio luteinizante e a conver- são de colesterol em pregnolona na mitocôndria das células de Leydig são feitas pelo complexo enzimático de clivagem da cadeia de colesterol do citocromo P450, localizado na membrana mitocondrial 5 . A alta concentração testicular promove uma elevada concentração local e um rápido tur- nover intracelular de testosterona 5 . Secreção - A testosterona é secretada durante três épocas da vida: 1) no primeiro trimestre da vida intra-uterina, transitoriamente; 2) na vida neonatal e 3) continuamente após a puberdade. O nível de testosterona produzido pode ser calculado pela depuração metabólica, pela média dos níveis de testosterona circulante, por diferença arteriove- nosa testicular ou pela taxa de fluxo testicular. Metabolismo - Uma pequena porcentagem da testos- terona é convertida em metabólitos, biologicamente ativos, em determinados tecidos; entretanto, a maioria é convertida em metabólitos inativos, excretados pelos rins e vias bilia- res. A testosterona é convertida, pela 5-alfa-redutase, em di- hidroepiandrosterona na próstata, mais efetivamente, e em menor extensão na pele e no fígado 6 . A dihidroepiandroste- rona é o mais ativo agonista dos receptores de testosterona, que por aromatização, é também convertida em estradiol em menor proporção. No cérebro, a aromatização da testostero- na em estradiol tem um importante efeito na regulação da secreção de gonadotrofina e na função sexual e, nos demais tecidos, a importância da aromatização na mediação do efei- to da testosterona ainda não esta claro. A inativação da testosterona ocorre predominante- mente no fígado. A rápida metabolização hepática da tes- tosterona leva a baixa biodisponibilidade oral e a curta dura- ção, quando injetada por via venosa. Regulação - A secreção testicular de testosterona é regulada, primariamente, pela secreção de hormônio luteini- zante pela pituitária, a qual estimula a esteroidogênese nas células de Leydig, aumentando o substrato para sua forma- ção e regulando o fluxo sangüíneo testicular. O hormônio do crescimento (GnRH) hipotalâmico é secretado episodi- camente, controlando a secreção de hormônio luteinizante, e a testosterona, por sua vez, exerce retro-alimentação (feed- back) negativa, inibindo a secreção de GnRH 6 . Envelhecimento e hormônios sexuais masculinos - Os níveis de hormônios sexuais masculinos sofrem altera- ções com o envelhecimento, independentemente da presen- Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 6), 644-9, 2002

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Efeitos Cardiovasculares Da Testosterona

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    Gebara e colsEfeitos cardiovasculares da testosterona

    Arq Bras Cardiol2002; 79: 644-9.

    Instituto do Corao do Hospital das Clnicas e Faculdade de Sade Pblica daUniversidade de So PauloCorrespondncia: Otavio C. E. Gebara InCor - Av. Dr. Enas C. Aguiar, 44 -05403-000- So Paulo, SP - E-mail: [email protected] para publicao em 11/4/01Aceito em 18/7/01

    Otavio C. E. Gebara, Nbia W. Vieira, Jayson W. Meyer, Ana Luisa G. Calich, Eun J. Tai,Humberto Pierri, Mauricio Wajngarten, Jos M. Aldrighi

    So Paulo, SP

    Efeitos Cardiovasculares da Testosterona

    Atualizao

    Com o envelhecimento h um incremento na prevaln-cia de doenas cardiovasculares 1. Paralelamente, ocorre re-duo progressiva na concentrao srica dos hormniossexuais masculinos, sendo que nas faixas etrias mais avan-adas a testosterona reduzida em, aproximadamente, 15 a20% 2 dos indivduos. Os receptores de andrognios distri-buem-se amplamente nos tecidos vasculares, como a aorta,vasculatura perifrica e clulas atriais e ventriculares 3. Des-sa forma, possvel supor que os hormnios sexuais nohomem exeram influncia no desenvolvimento das doen-as cardiovasculares.

    Fisiologia e farmacologia da testosterona - A testoste-rona, principal andrgeno da circulao, responsvel pelodesenvolvimento e manuteno das caractersticas sexuaismasculina e do estado anablico de tecidos.

    Biosntese - A testosterona sintetizada a partir docolesterol (fig. 1) por uma seqncia de cadeias enzimticasdentro das clulas de Leydig, localizadas no interstcio dotestculo maduro 4. O colesterol utilizado para a sntese detestosterona pode ser obtido pelas clulas de Leydig porsntese DE NOVO, predominantemente, atravs de este-res de colesterol armazenados na matriz intracelular ou apartir de lipoprotenas de baixa densidade (LDL) colesterolextracelular 4. A secreo testicular de testosterona modu-lada, principalmente, pelo hormnio luteinizante e a conver-so de colesterol em pregnolona na mitocndria das clulasde Leydig so feitas pelo complexo enzimtico de clivagemda cadeia de colesterol do citocromo P450, localizado namembrana mitocondrial 5. A alta concentrao testicularpromove uma elevada concentrao local e um rpido tur-nover intracelular de testosterona 5.

    Secreo - A testosterona secretada durante trspocas da vida: 1) no primeiro trimestre da vida intra-uterina,transitoriamente; 2) na vida neonatal e 3) continuamenteaps a puberdade. O nvel de testosterona produzido podeser calculado pela depurao metablica, pela mdia dosnveis de testosterona circulante, por diferena arteriove-nosa testicular ou pela taxa de fluxo testicular.

    Metabolismo - Uma pequena porcentagem da testos-terona convertida em metablitos, biologicamente ativos,em determinados tecidos; entretanto, a maioria convertidaem metablitos inativos, excretados pelos rins e vias bilia-res. A testosterona convertida, pela 5-alfa-redutase, em di-hidroepiandrosterona na prstata, mais efetivamente, e emmenor extenso na pele e no fgado 6. A dihidroepiandroste-rona o mais ativo agonista dos receptores de testosterona,que por aromatizao, tambm convertida em estradiol emmenor proporo. No crebro, a aromatizao da testostero-na em estradiol tem um importante efeito na regulao dasecreo de gonadotrofina e na funo sexual e, nos demaistecidos, a importncia da aromatizao na mediao do efei-to da testosterona ainda no esta claro.

    A inativao da testosterona ocorre predominante-mente no fgado. A rpida metabolizao heptica da tes-tosterona leva a baixa biodisponibilidade oral e a curta dura-o, quando injetada por via venosa.

    Regulao - A secreo testicular de testosterona regulada, primariamente, pela secreo de hormnio luteini-zante pela pituitria, a qual estimula a esteroidognese nasclulas de Leydig, aumentando o substrato para sua forma-o e regulando o fluxo sangneo testicular. O hormniodo crescimento (GnRH) hipotalmico secretado episodi-camente, controlando a secreo de hormnio luteinizante,e a testosterona, por sua vez, exerce retro-alimentao (feed-back) negativa, inibindo a secreo de GnRH 6.

    Envelhecimento e hormnios sexuais masculinos -Os nveis de hormnios sexuais masculinos sofrem altera-es com o envelhecimento, independentemente da presen-

    Arq Bras Cardiol, volume 79 (n 6), 644-9, 2002

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    a de doenas especficas 7. ainda controverso se essasalteraes hormonais correlacionam-se ao processo de for-mao de placas de aterosclerose. Embora a maioria doshormnios sofra alteraes com o processo de envelheci-mento masculino, alguns, como estradiol, cortisol/corticos-terides e a dihidrotestosterona no mostram qualquer osci-lao 7. Entretanto, os metablitos do dihidrotestosterona(androstanediol e androstenediona) apresentam-se reduzi-dos nos pacientes idosos 7.

    As concentraes sricas de hormnio luteinizante ehormnio folculo estimulante parecem se elevar com oavanar da idade 7. A prolactina, assim como, testosterona edehidroepiandrosterona, apresentam-se reduzidas, desco-nhecendo-se o motivo 7.

    Dentre os hormnios que sofrem alteraes com o en-velhecimento, deve-se enfatizar a diminuio das fraesisoladas de testosterona livre e total. Aps os 50 anos, aconcentrao srica de testosterona apresenta queda de1% ao ano (fig. 2) 2. Outros fatores como o gentico, o taba-gismo, a obesidade e o alcoolismo explicam tambm essaqueda 2.

    Deve ser ressaltado que com o processo do envelhe-cimento, o hipogonadismo relatado em 7% em homens commenos de 60 anos e 20% aps os 60 anos 2, mostrando, queas quedas de dihidroepiandrosterona e DHEAS no idososo ainda mais importantes que o prprio hipogonadismo,podendo atingir nveis menores do que 30% dos valoresbasais aps a quinta dcada de vida 2.

    Nem todas as alteraes metablicas de envelheci-mento decorrem isoladamente da reduo dos nveis hor-monais, mas tambm da diminuio do nmero de recepto-res, resultando em respostas inadequadas dos rgos al-vos. Alm do mais, a concentrao srica de testosterona,por exemplo, pode se associar a outros hormnios no sexuais,como a leptina e a melatonina, responsveis, respectivamen-te, pela distribuio de gordura pelo corpo e pelo sono 2.

    Efeitos da testosterona no sistemacardiovascular

    Funo ventricular - O efeito anablico do andr-geno no msculo esqueltico tambm evidente no cora-o. A relao da testosterona com a funo ventricular foisugerida em estudo experimental com ratos gonadectomi-zados 8. Aps a orquiectomia, observou-se reduo da massacorprea e do peso cardaco, alm de uma significante redu-o do dbito cardaco, da presso sistlica de pico, da fra-o de ejeo e do consumo de oxignio miocrdio 8. A alte-rao da funo cardaca associou-se reduo da ativida-de da miosina ATP-ase atribuda a uma deficincia de testos-terona 8. A resposta de cultura de micitos em contato comtestosterona foi a hipertrofia das clulas musculares mediadapor um receptor especfico de andrgeno 9. Outro estudomostrou que a administrao por trs meses de decanoato denandrolona em ratos, leva a uma diminuio da complacnciaventricular esquerda sem induzir hipertrofia 10.

    Anker e cols. 11 mostraram a importncia das mudan-as hormonais na caquexia cardaca em portadores de insu-ficincia cardaca, sugerindo que a sndrome da insuficin-cia cardaca progride para caquexia cardaca se o balanonormal entre o catabolismo e o anabolismo estiver alterado.Os portadores de caquexia cardaca tinham baixos nveissricos de dihidroepiandrosterona.

    Em estudo feito em portadores de insuficincia carda-ca classe funcional III e IV da New York Heart Association(NYHA), hospitalizados, observou-se que aps utilizaodo balo contrapulsor de aorta houve melhora da funocardiovascular acompanhada de melhora dos nveis sricosde testosterona, efeito esse abolido com a regresso na me-lhora da funo ventricular aps o uso prolongado do con-trapulsor 12.

    Funo vascular - A diminuio da formao de placasaterosclerticas na aorta devido ao da testosterona jfoi observada. Esse resultado sugeriu uma ao direta datestosterona no endotlio e em clulas musculares lisas devasos, levando ainda a relaxamento dos vasos por mecanis-mos endotlio-dependentes ou independentes 9. Alm disso,

    Fig. 1 Biosntese de testosterona. A testosterona sintetizada a partir do colesterolpor uma seqncia de cadeias enzimticas dentro das clulas de Leydig, localizadasno interstcio do testculo maduro.

    Acetato de

    Colesterol

    Pregnolona Progesterona

    17 hidroxipregnolona 17 hidroxiprogesterona 17a hidroxi. 20

    dihidroprogesterona

    dehidroepiandrosterona androstenodiona estrona

    androstenodiol testosterona 17 estradiol

    Fig. 2 Nveis sricos de testosterona livre em relao a idade. Observamos uma que-da gradativa dos nveis sricos de testosterona livre aps os 45 anos de idade.

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    vasodilatao tambm causada pela testosterona foi com-provada em pequenas artrias humanas 13. Ademais, estu-dos recentes em humanos mostraram que altas doses detestosterona endovenosa promovem aumento do fluxosangneo na artria braquial de pacientes com doena co-ronariana com baixos nveis de testosterona srica 14.

    Recentemente, Rosano e cols.15 apresentaram reduoda isquemia ao esforo aps administrao aguda de testos-terona endovenosa em pacientes com doena coronariana enveis baixos de testosterona (fig. 3). Em outro estudo, a ad-ministrao de testosterona por via transdrmica, por pero-do mais prolongado (12 semanas), manteve o efeito anti-is-qumico observado nos estudos agudos 16.

    Lpides - Existe controvrsia na literatura sobre osefeitos dos hormnios sexuais masculinos nos nveis delpides plasmticos. A maior incidncia de doena corona-riana no sexo masculino e a diminuio dos nveis de HDLcolesterol na puberdade masculina, induzem a classificaodo andrgeno como um fator de risco para as doenas car-dacas. Entretanto, existe uma clara discrepncia entre os re-sultados dos estudos de corte transversal e os estudosclnicos controlados, quanto associao dos nveis de an-drgenos e lpides. Dentre 30 estudos com corte transver-sal, 18 relataram reduo na concentrao de testosterona e/ou dihidroepiandrosterona(S) em pacientes coronariopatas,quando comparados com pessoas normais, 11 observaramnveis similares desses andrgenos em ambos os grupos eapenas um relatou nveis mais baixos de dihidroepiandros-terona(S) no grupo controle 17.

    A associao positiva entre nveis de testosterona eHDL colesterol tambm j foi comprovada em diversos estu-dos clnicos 18-20. No entanto, importante notar que tantoos nveis de HDL colesterol quanto os de testosterona po-dem ser influenciados por mltiplos fatores, tais comodoenas associadas, estilo de vida, e fatores como, ndicede massa corprea, distribuio de gordura e relao cinturaquadril 21. Geralmente, fatores que diminuem os nveis de HDLcolesterol tambm diminuem os nveis de testosterona 21.

    A terapia de reposio hormonal com andrgenos emidosos mostrou-se benfica em relao ao metabolismo delipdeos, devida diminuio dos nveis de colesterol totale LDL colesterol 22. Porm, nesse estudo no foram obser-vadas alteraes significantes nos nveis de HDL coleste-rol. Recentemente, um estudo demonstrou aumento dos n-veis de HDL colesterol aps injees endovenosa de tes-tosterona em um grupo de pacientes 23.

    Um possvel efeito inibidor da oxidao do LDL coles-terol, mediado por dihidroepiandrosterona, tambm poderepresentar um papel positivo do andrgeno na prevenoda aterosclerose 24.

    Dessa forma, conclui-se que a maioria das evidnciassuporta um possvel efeito benfico da reposio de andr-genos sobre os lpides plasmticos, com diminuio dosnveis de LDL colesterol e elevao de HDL colesterol.

    Hemostasia - H evidencias de que as doenas trom-boemblicas e infarto do miocrdio em homens com hipogo-nadismo so mediados por baixa atividade fibrinoltica 25. Atestosterona aumenta a atividade do sistema fibrinoltico e aatividade da antitrombina III 23. Baixos nveis de testostero-na srica esto associados a aumento nos nveis do inibidordo ativador tecidual do plasminognio 1 (PAI-1) em diver-sos trabalhos 25-27. A terapia com andrgeno nesses pacien-tes foi responsvel pela normalizao da hemostasia 28. Es-tudo recente relatou uma ao pr-coagulante da testoste-rona devido ao aumento da atividade dos receptores detromboxane A 23.

    Embora a maioria dos trabalhos citados atribua tes-tosterona um efeito anti-trombtico, o abuso de anabolizan-tes esterides pode levar a um predomnio do efeito trombo-gnico das plaquetas sobre o efeito fibrinoltico.

    Metabolismo de carboidratos - A associao entre an-drgenos e nveis de insulina e glicose no plasma foi avalia-da em diversos estudos. Dentre esses, trs relataram umaassociao inversa entre os nveis de testosterona total e aconcentrao de insulina 29-31. Entretanto, esses estudosapresentam limitaes, pois os nveis de testosterona totalno refletem sua atividade. Outro estudo relatou a associa-o negativa entre testosterona total, testosterona livre edihidroepiandrosterona-SO (4) em relao concentrao deinsulina em homens. A testosterona total e a livre tambm apre-sentaram relao inversa com a concentrao de glicose 32.

    A situao em modelos animais, usando ratos, menosclara. Ratos castrados apresentam aumento da resistncia insulina, que pode ser melhorada atravs da administrao debaixas doses de testosterona. Entretanto, o tratamento comdoses altas de testosterona piorou a resistncia a insulina 33.

    Teraputicas - O objetivo de terapia de reposio deandrgeno reproduzir aes fisiolgicas de testosteronaendgena, geralmente para o tempo de vida restante do pa-ciente, pois os distrbios produzidos so na maioria irrever-

    Fig. 3 - Efeito da terapia de reposio de testosterona sobre a isquemia miocrdicainduzida pelo esforo. Observa-se um aumento no tempo de exerccio, assim como dotempo para deflagrar uma depresso de um milmetro no segmento ST aps um esforo.

    Tempo at aDepresso(1mmST)

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    sveis. Esta terapia de reposio deve ser eficiente, segura,acessvel e barata.

    Indicaes - A principal indicao da reposio hor-monal o tratamento de hipogonadismo, com o objetivo derestaurar libido, funo sexual e bem-estar. O tratamento comandrgeno previne tambm osteoporose, melhora a acuida-de mental e restaura a nveis normais os hormnios de cres-cimento, especialmente em idosos 34. Alm disso, utilizadapara casos inespecficos como tratamento de anemia causa-da por insuficincia renal ou medular, cncer de mama posi-tivo para receptor de estrgeno, angioedema hereditrio edoenas musculares 35. Porm, a utilizao de testosteronapara esses tratamentos inespecficos considerada obsole-ta devido existncia de tratamentos mais especficos paraaquelas doenas 35.

    Preparaes de testosteronacomumente usadas

    Injetvel - As frmulas injetveis so feitas de baseoleosa, permitindo assim liberao lenta de testosterona, e abase de ster, que permite rpida liberao de testosteronalivre na circulao. Os andrgenos administrados por viaparenteral no mostram padres circadianos normais detestosterona srica 34.

    O cipionato de testosterona deve ser administrado acada 10 a 21 dias para manter nveis adequados 34. Nveissuprafisiolgicos so alcanados, aproximadamente, 72haps a administrao dessas frmulas 34. A queda de tes-tosterona continua por 14 a 21 dias, alcanando o nvelbasal, aproximadamente, no dia 21 34: a) cipionato de testos-terona - nome comercial: deposteron, testiormina, dose: 50-400mg a cada 2 a 4 semanas; b) etanoato de testosterone -no disponvel no Brasil; c) associao - nome comercial:durateston, dose: 1ml da soluo a cada 3 semanas.

    Oral - Estas frmulas so rapidamente metabolizadasno fgado, podendo no atingir e manter nveis sricos satis-fatrios de andrgeno. As frmulas disponveis no merca-do so altamente hepatotxicas. Alm disso, esses andr-genos alquilados podem causar aumento de LDL e diminui-o de HDL, reconhecidos fatores de risco para doenascardiovasculares.

    O undecanoato de testosterona no hepatotxico e eficaz para manter nveis sorolgicos de testosterona den-tro dos limites fisiolgicos. Porm, tem curta durao epode resultar em nveis suprafisiolgicos de dihidrotestos-terona e raramente efeitos colaterais gastrointestinais (nu-sea, vmito, diarria), tornando-a uma medicao de segun-da escolha, exceto nos casos em que as terapias parenteraisdevem ser evitadas.

    A metiltestosterona, uma medicao oral sintticano hepatotxica, mas raramente usada devido necessi-dade de mltiplas doses dirias, conhecimento farmacolgi-co insuficiente e potncia limitada 35. a) fluoximesterona: no disponvel no Brasil; b) metiltestosterona: no dispon-vel no Brasil; c) undecanoato de testosterona - nome co-

    mercial: androxon, dose: 120-160mg diariamente, durante 2a 3 semanas. A dose subsequente de 40 a 120mg/dia.

    Adesivo transdrmico de testosterona (ainda noest disponvel no Brasil) - A terapia com adesivo a maiscara, mas a mais prxima do nvel fisiolgico 34. Requer apli-cao diria e aumenta desproporcionalmente nveissangneos de dihidrotestosterona, devido reduo 5a detestosterona pelos folculos pilosos e fibroblastos durantea sua passagem transdrmica 35.

    Os adesivos transdrmicos aplicados na pele escrotaldevem ser grandes o suficiente para permitir a absoro, en-quanto os adesivos menores na pele no escrotal necessi-tam de reforos na absoro, que podem ser potencialmen-te irritantes 35. Os adesivos so colocados antes de dormircom o seu pico no comeo da manh. Os adesivos escrotaismantm nveis normais de testosterona e estradiol, mas altonvel de dihidrotestosterona, como resultado de alta con-centrao de 5-alfa-redutase na pele escrotal 34.

    Testosterona gel (ainda no est disponvel no Brasil) -O gel de testosterona usado na Europa e, recentemente,aprovado para uso nos EUA. eficiente, mas tem o risco detransferir andrgeno para as parceiras de pacientes. Repro-duz variaes fisiolgicas diurnas de testosterona observa-das em homens normais 35.

    A absoro de testosterona para a corrente sangneacontinua durante todo o intervalo de 24h e se aproxima deconcentrao srica estvel em 2 a 3 dias de dose 36.

    Quando o tratamento com o gel de testosterona in-terrompido aps atingir nvel estvel, a testosterona sorol-gica mantm-se nos nveis normais durante 24 a 48h, mas re-torna a nveis pr-tratamento aps 50 dias, contados a partirda ltima aplicao 36.

    A dose inicial recomendada de gel de testosterona 1% 5g (para liberar 50mg de testosterona) aplicada uma vezpor dia na pele limpa e seca dos ombros, braos e/ou abdo-me, no devendo ser aplicada nos genitais. Se a respostaclnica for insatisfatria com essa concentrao, a dosepode ser aumentada para 7,5 ou 10g 36.

    Efeitos colaterais - Os efeitos indesejados da terapu-tica de reposio andrognica se devem principalmente aouso inadequado e/ou a hepatotoxicidade.

    Uso inadequado - O abuso de andrgeno pode produ-zir distrbios de comportamento por sua ao estimulantesobre a atividade mental e fsica. Foram relatados casos deaumento incontrolvel de libido e de freqncia de ereo,alm de seborria, acne, ganho de peso por efeito anabo-lizante na massa muscular e reteno de fluido, ginecomastia,alopcia, aumento de plos no corpo, mudana de timbre devoz. Esses dois ltimos so efeitos irreversveis, enquanto osanteriores so reversveis com a suspenso de tratamento 35.

    Hepatotoxicidade - um efeito colateral incomumproduzido apenas por andrgeno 17--alquilados. As fr-mulas orais, drmicas e injetveis sem metiltestosteronaso seguras para o uso. Os tumores hepticos relacionados

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    ao uso de andrgeno incluem adenoma e carcinoma. Por-tanto, em tratamentos prolongados com andrgeno 17--al-quilado, so recomendveis exames clnicos regulares e mo-nitoramento de funo heptica 35.

    Doenas cardiovasculares - Acredita-se que nveisbaixos de testosterona esto associados a alteraes desfa-vorveis de triglicrides e colesterol HDL reconhecidos fato-res de risco para doenas cardiovasculares aterosclerticas.

    Prstata: A testosterona promove crescimento de ade-nocarcinoma estabilizado. Porm no se sabe se a testos-terona promove o desenvolvimento de cncer de prstata 34.

    Contra-indicaes e precaues:Contra-indicao absoluta: cncer de prstata e de

    mama 35.Precauo - Evitar andrgenos 17 alquilados orais por

    causa da sua absoro inadequada e toxicidade 35 em: homensidosos que so submetidos ao tratamento podem ter dis-funes sexuais intolerveis e aumento de obstruo pros-ttica 35; mulheres na idade reprodutiva, principalmente aque-las que necessitam de voz profissionalmente, pois essa altera-o irreversvel 35; pacientes epilpticos sensveis a este-rides sexuais 35; pacientes com insuficincia renal, cardacaou hipertenso grave 35; homens com apnia obstrutiva desono, porque pode piorar com a reposio de andrgeno 35,37-38;pacientes idosos tratados com andrgeno apresentam maiorrisco de desenvolver hiperplasia e carcinoma de prstata 35.

    Monitoramento - Os principais mtodos bioqumicosdisponveis para monitorar o tratamento incluem hemoglo-bina (aumenta de 1,0 a 2,0g/l quando a dose de andrgeno adequada), testosterona circulante e nveis de gonadotro-pina (em homens com hipogonadismo hipergonadotrpi-co), alm de controle lipdico e presso sangnea para evi-tar doenas cardiovasculares aterosclerticas 35.

    Perspectivas futuras - H vrias evidncias que levama crer que a terapia de reposio andrognica possa ser efe-tivamente usada em vrias condies para promover a sa-de e o bem-estar.

    As indicaes clssicas para essa terapia relacionam-

    se a casos de homens com hipogonadismo primrio ou se-cundrio, puberdade tardia, anemia aplstica e aquela se-cundria a insuficincia renal crnica, trauma, queimaduras,tumores e doenas infecciosas.

    Atualmente, as aplicaes inditas so voltadas aocombate de alteraes provocadas por envelhecimento eobesidade visceral associadas sndrome metablica 38.Alm disso, pode tambm ser empregado para contracep-o masculina, em que se usa um composto progestacional(para suprimir a espermatognese) e testosterona ( aplica-da atravs de implantes ou injees intramusculares), a fimde manter libido e funo de glndulas sexuais acessrias.Porm, alguns efeitos colaterais, como ganho de peso, gine-comastia e complicaes fisiolgicas limitam a dissemina-o do seu uso 39.

    Como os medicamentos atuais de testosterona produ-zem nveis de hormnio no fisiolgicos, tem sido feito esfor-o para desenvolver novos mtodos de tratamento, a fim deatingir nveis mais fisiolgicos de hormnio e promover maiortolerabilidade e intensidade de ao nos tecidos-alvo. Em al-guns pases, esses novos mtodos j esto disponveis 38.

    H novos avanos na terapia com adesivos de testos-terona. Com o objetivo de fornecer reposio fisiolgicapara mulheres com produo de testosterona diminuda, foidesenvolvido TMTDS (testosterone matrix transdermalsystem), que ainda continua em fase de aperfeioamento eavaliao clnica 40.

    Outros exemplos de novas aplicaes clnicas de tes-tosterona so: androderm (adesivo) no tratamento de ado-lescentes masculinos com beta-talassemia; androderm notratamento de homens HIV+; TMTDS no tratamento demulheres HIV+ 40.

    A utilizao da teraputica de reposio andrognicacom o potencial de preveno e tratamento de afeces car-diovasculares ainda est em fase inicial, com estudos mos-trando resultados promissores quanto ao metabolismo lip-dico e diminuio de isquemia miocrdica. Estudos clnicoscontrolados com nmero suficiente de pacientes so neces-srios para investigar sua promissora aplicao.

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