educando para a diversidade: o negro no imaginário social

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1 EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE: o negro no imaginário social e o ensino de História. Célia Regina Tokarski 1 RESUMO O presente artigo busca discutir as permanências do racismo no imaginário social brasileiro, suas influências no cotidiano escolar e as conseqüências na sala de aula. A partir de um referencial teórico buscou-se a construção de um projeto que contribuísse para a implementação da Lei 10.639/03 nas escolas públicas estaduais do Paraná, repensando o racismo evidenciado no discurso de docentes e discentes e na invisibilidade do negro na construção do nosso país, ainda presente nos materiais didáticos. Palavras-chave: Racismo. Imaginário social. Cotidiano. Preconceito. Abstrat This article aims to discuss the permanence of racism in Brazilian social imaginary, their influence in everyday school life and the consequences in the classroom. From a theoretical framework aimed to build a project to contribute to the implementation of the Law 10639/03 in public schools state of Paraná, rethinking racism evident in the discourse of teachers and students and the invisibility of blacks in the construction of our country, still present in materials. Keywords: Racism. Social Imaginary. Daily. Prejudice. 1 Professora de História da Rede Pública do Estado do Paraná, especialista em História e Cultura Afrobrasileira e Africana e ações afirmativas em educação. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná. [email protected] Orientador: professor Mestre Ivo Pereira de Queiroz - UTFPR

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Page 1: EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE: o negro no imaginário social

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EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE: o negro no imaginário social e o ensino de História.

Célia Regina Tokarski1

RESUMO

O presente artigo busca discutir as permanências do racismo no imaginário social brasileiro, suas influências no cotidiano escolar e as conseqüências na sala de aula. A partir de um referencial teórico buscou-se a construção de um projeto que contribuísse para a implementação da Lei 10.639/03 nas escolas públicas estaduais do Paraná, repensando o racismo evidenciado no discurso de docentes e discentes e na invisibilidade do negro na construção do nosso país, ainda presente nos materiais didáticos.

Palavras-chave: Racismo. Imaginário social. Cotidiano. Preconceito.

Abstrat

This article aims to discuss the permanence of racism in Brazilian social imaginary, their influence in everyday school life and the consequences in the classroom. From a theoretical framework aimed to build a project to contribute to the implementation of the Law 10639/03 in public schools state of Paraná, rethinking racism evident in the discourse of teachers and students and the invisibility of blacks in the construction of our country, still present in materials.

Keywords: Racism. Social Imaginary. Daily. Prejudice.

1 Professora de História da Rede Pública do Estado do Paraná, especialista em História e Cultura Afrobrasileira e Africana e ações afirmativas em educação. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná. [email protected] Orientador: professor Mestre Ivo Pereira de Queiroz - UTFPR

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Introdução

A legislação brasileira, mais especificamente a Lei 10.639/03, ressalta a

necessidade de se trabalhar a diversidade em sala de aula e, para mais além, no

espaço escolar. As situações de racismo vivenciadas por docentes e discentes no

cotidiano da escola e suas ações de enfrentamento aos preconceitos oriundos da

sociedade na qual estão inseridos é tema que preocupa os

educadores/pesquisadores interessados em promover uma educação de qualidade

para todos.

Diante dessa premissa buscou-se discorrer acerca do racismo como

construção de um imaginário estigmatizador em relação ao negro, intensificado no

final do século XIX, justamente no período em que se debatia o fim do regime

escravista. Essa construção no ideário nacional perpetuou-se através de décadas,

chegando aos nossos dias de uma forma velada, onde a maioria da população não

se considera racista, mas ao mesmo tempo, admite a existência do racismo.

A percepção das palavras e conceitos utilizados, muitas vezes, não é

percebida como sendo preconceituosa. Quantas vezes já utilizamos palavras que

nem percebemos o quanto estão carregadas de pré-conceitos concebidos no

imaginário social? Não o percebemos nas nossas ações porque ele está tão

impregnado no nosso cotidiano que já o internalizamos.

Nascimento (s/data) ao citar Castoriadis, afirma que “o imaginário social,

muito mais que imagem de, é potência criadora e força instituinte que circunscreve a

práxis social”. O imaginário social, antes de ser a representação de uma sociedade,

é a força que cria, que institue normas, valores e símbolos que passam a ser aceitos

como verdadeiros e que permitem a criação de “um projeto de sociedade”. Esse

projeto é antes de tudo político e permeia as relações sociais. E são nestas que as

relações de poder se evidenciam.

A escola, instituição muito importante na construção da identidade de crianças

e jovens, vivencia essas relações de poder e no seu interior transparecem os

conflitos decorrentes destas relações. Se a sociedade na qual está inserida for

racista, preconceituosa, que trata de forma diferenciada os seus vários segmentos,

então no espaço escolar veremos essa realidade refletida no discurso de docentes e

discentes e no currículo que privilegia uma cultura em detrimento de outras, no

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vocabulário utilizado, nas piadas nas brincadeiras, no silêncio dos oprimidos, na não

intervenção dos docentes quando o assunto é preconceito e discriminação.

Buscou-se, assim, com o presente trabalho verificar como esse imaginário em

relação ao negro está presente na Escola Estadual Guaraituba, do município de

Colombo e, em que medida as relações presentes no cotidiano escolar, através do

material didático utilizado e dos discursos dos docentes e discentes contribuem para

que este estereótipo, presente na sociedade, seja reforçado. Refletir sobre o racismo

e suas nefastas conseqüências, como a perpetuação das desigualdades sociais

entre brancos e negros nos leva a pensar estratégias que possam ser realizadas no

espaço escolar, visando a desconstrução das mesmas.

Ao provocar a reflexão sobre o racismo e o imaginário social em relação ao

negro, procurou-se abordar como esse estereótipo foi sendo construído

historicamente e como foi decisivo para a construção da sociedade brasileira da

atualidade. No segmento, desenvolvemos um trabalho com os sujeitos do “chão da

escola”, aqueles que no seu cotidiano vivenciam as relações discriminatórias no

espaço escolar.

Entender como estas representações do negro no imaginário social brasileiro

atuam no espaço escolar e quais as implicações no cotidiano da sala de aula e no

processo de ensino-aprendizagem é uma tarefa que se pretendeu abordar no

presente trabalho através do projeto desenvolvido no PDE (Programa de

Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná) que

permitiu um trabalho compartilhado com educadores e educandos de uma escola

pública do município de Colombo, Paraná. Além da implementação do projeto

buscou-se a elaboração de um OAC (objeto ambiente colaborativo), que se constitui

num material destinado a colaborar com o professor no desenvolvimento de sua

ação pedagógica em sala de aula. Este material discutiu, mais especificamente, a

participação do negro no processo da abolição, entendendo essa ação política como

fruto também da resistência negra ao escravismo.

Este trabalho atende ainda a uma demanda social disposta na legislação

brasileira que, a partir de uma série de ações do Movimento Negro, criou a Lei

10.639/03 alterando a Lei 9.394/96 que passou a vigorar acrescida dos artigos 26 A

e 79 B tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana

nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares.

Reafirmando o estabelecido nesta lei foram criados o Parecer 003/04 do Conselho

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Nacional de Educação e a Deliberação 04/06 do Conselho Estadual de Educação do

Paraná estabelecendo a necessidade de se buscar a igualdade entre as diferentes

etnias que compõem a nação brasileira e também a valorização de cada uma destas

que formam este emaranhado de culturas existentes no solo brasileiro.

1. Delimitação do estudo e fundamentação teórica

Ao trabalhar em História a construção do racismo brasileiro2 nos últimos anos,

a desconstrução da teoria de raças diferenciadas e ao mesmo tempo a sua

perpetuação no imaginário brasileiro optou-se pela abordagem da dimensão cultural

proposta nas Diretrizes Curriculares de História entendendo

esta dimensão perpassa desde a construção de símbolos até a sua apropriação pelos sujeitos em diversas sociedades ao longo do tempo. Por esse viés, podem-se decifrar os sentidos atribuídos às palavras, ações e relações entre os diversos atores sociais e os contextos históricos. (DCEs, 2006,35).

Dessa forma, trabalhar o racismo brasileiro e suas permanências na História

através da dimensão cultural permitirá uma abordagem que possibilite aos docentes

e educandos perceber as mudanças e permanências do racismo na história

brasileira e as novas formas de percepção deste fenômeno e suas conseqüências

nefastas para os educandos negros. Ao tratar da discriminação3 no ambiente escolar

pretendemos dar visibilidade a um problema (do grego pró+balos= avanço do dardo,

da flecha, aqui no sentido de inquietação filosófica enquanto condição para o avanço

do pensamento) que muitas vezes parece tão distante que nem percebemos o

quanto ele está próximo de nós. O que se pretende em suma é oportunizar a

reflexão e buscar a elaboração de estratégias pedagógicas de combate ao racismo

no ambiente escolar.

Para combater o racismo e toda forma de preconceito no espaço escolar

acreditamos que seja necessário, em primeiro lugar, entender como o mesmo foi

2 Racismo: prática que reproduz na consciência social falsos valores e falsas verdades e tornam o resultado da própria ação como comprovação dessas verdades falseadas. (CUNHA,in: CAVALLEIRO, 2000, p.22) 3 Discriminação racial é a manifestação comportamental, ou seja, a expressão materializada do preconceito. Podem ser práticas individuais ou institucionais ou ainda coletivas. (BORGES, 2006)

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sendo construído historicamente no imaginário popular brasileiro, levando os sujeitos

sociais a práticas excludentes tanto dentro quanto fora do espaço escolar.

As situações de preconceito vivenciadas por educandos negros são vistas

como uma generalidade, o que impede que percebamos como uma prática do

cotidiano, onde a discriminação é utilizada no jogo de poder nas relações entre os

sujeitos, entre estes e o grupo ou entre grupos, visando a manutenção da ordem

pré- estabelecida.

O racismo existente no imaginário social brasileiro atua no espaço escolar

através do discurso de docentes (quando ouvimos o professor dizer “aquele aluno é

negro, mas é limpinho”) e discentes (muitos alunos se referem às características

fenotípicas de seus colegas negros de forma pejorativa) e da utilização de material

didático que não ressalta a importância da participação do negro no contexto

histórico, social, cultural e econômico do nosso país.

Essa ação na formação de nossos educandos impossibilita àqueles que são

afrodescendentes o reconhecimento e a valorização de seu pertencimento étnico-

racial, além de suscitar nos demais uma imagem errônea da participação do povo

negro na nossa história e na construção do conhecimento desenvolvido pela

humanidade. Essa imagem errônea veio sendo construída ao longo da história

humana, mas é num determinado momento histórico que ela toma corpo.

Nas últimas décadas do século XIX, o Brasil presenciou um acirrado debate

sobre as diferenças raciais e suas conseqüências para o desenvolvimento da nação.

Nação esta que segundo Schwarcz (1993) era apontada como um caso único, onde

ocorria uma grande miscigenação racial. O conde Arthur de Gobineau4 deixou sua

impressão da população brasileira como sendo totalmente mulata e desprovida de

beleza. Além disso, a mestiçagem era retratada como a causa do atraso econômico

do país.

Mas de onde vinha esta teoria? Foi desenvolvida na Europa e EUA no século

XVIIII, mas é no século XIX que ganha força no Brasil com a entrada das idéias

evolucionistas e positivistas. Os jornais que divulgavam o escravizado enquanto

4 Joseph Arthur de Gobineau, diplomata, escritor e filósofo francês, autor do Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas. Este foi um dos primeiros ensaios sobre eugenia e racismo. SCHWARCZ, 1993).

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mercadoria passaram a retratar o negro como perigoso marginal. É interessante

perceber que:

Se na época próxima à Abolição poucos intelectuais buscaram defender a imagem do negro como bom e útil e condenar o racismo, já que não existia o cidadão brasileiro de sangue branco puro, esse quadro se modifica após a emancipação como se, vencido o perigo da revolta, coubesse colocar o negro no seu devido lugar. As teorias racistas ganham novo vulto. (SANTOS, 2005, p.129).

Assim a elite cultural brasileira, influenciada pelo pensamento dominante da

superioridade do branco europeu sobre as demais nações, passou a negar tudo e

todos que fossem diferentes, cultuando a idéia de miscigenação e assimilação

cultural como um meio de se aproximar do ideal de população de um país que

almejava alcançar o mundo do progresso e da ordem. Além da divulgação da

imagem estereotipada do negro, buscou-se o embranquecimento da população

através do incentivo da imigração européia e possível aumento da miscigenação que

em algumas décadas possibilitaria o desaparecimento dos traços negróides na

população brasileira. João Batista Lacerda5 afirmava que em quatro gerações o

Brasil seria branco. Podemos observar na afirmação abaixo, essa idéia em relação

ao negro:

A preocupação com o futuro do país, com um progresso que seria bem vindo, colocava em destaque as teses racistas de então, que, com todo vigor, tomavam as falas dos parlamentares e intelectuais brasileiros. Eles passavam a encarar o negro como signo de atraso do país e a considerar a imigração como única saída honrosa. (SANTOS, 2005, p.83).

Como afirma Marinho (2004), os filósofos iluministas receberam influência da

literatura de viajantes, que desde o período das grandes navegações, descobriram

povos que não estavam previstos pela teologia tradicional cristã. E estes povos não

foram vistos como semelhantes aos europeus. É a partir do seu olhar que os

europeus classificarão o “outro” numa divisão claramente preconceituosa, onde o

negro foi muitas vezes comparado a animais. Suscitou-se a discussão entre as

5 João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, afirmou em 1911 “que o Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução” (SCHWARCZ, 1993, p.11).

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teorias monogenistas e poligenistas, ou seja, de um lado teóricos influenciados pela

teologia cristã acreditavam na existência de uma só raça, mas com variáveis ou

subespécies e de outro lado aqueles que acreditavam na existência de várias raças,

sendo que a branca estaria no topo da hierarquia.

Se os filósofos iluministas receberam influência das descrições destes

viajantes, conseguiram aprimorar estes conceitos. Embora o século das Luzes tenha

sido o momento em que se declarou o direito universal dos homens: igualdade,

fraternidade, liberdade, esses direitos não eram iguais para todos, assim como se

definiu o ser universal, portador de direitos políticos iguais, “despido de qualquer

substância individual” (MARINHO, 2004) que fazia com que se parecesse com

qualquer pessoa de qualquer local do globo, se examinado mais de perto, revelava

uma especificidade: era branco, macho e europeu. Ou seja, os filósofos iluministas

pensaram um modelo de cidadão baseado em si, os direitos eram iguais para todos

desde que estes fossem europeus.

Os principais iluministas que se dedicaram a pensar o homem, sua essência

e, principalmente, identificando-o como destituído de qualquer traço ou influência

divina, procuravam na natureza a resposta para as diferenças encontradas entre os

seres humanos. Segundo Diderot e Voltaire, citados por (SANTOS), o homem não

se separa da natureza, portanto para pensá-lo é necessário que se utilize o mesmo

método usado para estudar todos os seres vivos. Nota-se assim, uma forte

influência da biologia onde ocorre a observação, experiência e descrição dos hábitos

do objeto de estudo, no caso específico, dos seres humanos. Mas quem é esse

homem?

Para Diderot, “o homem é um ser que sente, reflete, pensa, que passeia

livremente pelo planeta (...) vive em sociedade e inventou as artes, as ciências e as

leis e além disso teria uma bondade que lhe seria própria ( Diderot, 1778-1779, tomo

17, p.668, apud SANTOS, 2005, p. 25). Este autor ainda considera que o homem,

enquanto espécie apresenta variações de cor, de forma (dimensões do corpo) e de

diferenças que seriam naturais entre os diversos povos, como os costumes. Voltaire,

outro Iluminista, no seu Tratado de Metafísica, “expõe que nem os camponeses,

nem os ilustres filósofos conseguem expressar com clareza esta idéia” (VOLTAIRE,

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apud SANTOS, 2005, p. 27), mas quando se refere ao homem negro o compara aos

animais:

um animal preto, que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas patas, é quase tão destro quanto um símio, é menos forte do que outros animais de seu tamanho, provido de um pouco mais de idéias do que eles e dotado de maior facilidade de expressão. Ademais, está submetido igualmente às mesmas necessidades que os outros, nascendo, vivendo e morrendo exatamente como eles.

Já Diderot descrevia os habitantes do continente africano da seguinte

maneira: “Não somente sua cor os distingue, mas eles diferem dos outros homens

pelos traços de seu rosto, narizes largos e chatos, lábios grossos, lã no lugar de

cabelos, que parecem constituir uma nova espécie de homem” (DIDEROT, apud

SANTOS, 2005, p.32).

Podemos perceber a idéia de diferenciação entre os povos que eram

inerentes a estes iluministas e que ambos tentavam entender de onde provinham

estas diferenças. Outra observação que se faz é que o negro foi constantemente

comparado aos animais, sendo relegado a um patamar inferior, quando muito

tomado como representante de outra espécie humana, enquanto que os indígenas

eram tratados com certa condolência sendo retratados como iguais aos europeus,

porém num estágio menos avançado. É a teoria do bom selvagem de Rousseau,

outro iluminista. Para Marinho (2004), enquanto os iluministas se referiam ao

indígena com certa benevolência, tratando o fruto dos contatos sexuais entre estes e

os brancos europeus apenas como mestiços, enquanto que o filho de branco com

negro recebeu a alcunha pejorativa de mulato, que seria um ser híbrido resultante do

cruzamento de eqüino com muar.

Ainda para a mesma autora, o racismo contra os negros passou a existir a

partir do momento em que os filósofos iluministas voltaram seu olhar para a

escravidão. Se segundo suas concepções todos os homens nascem livres, com

direitos iguais, como poderiam pensar a escravidão moderna como legítima? A

saída para sua legitimação estava na diferença entre as raças, ou melhor, na

aceitação da teoria das raças humanas e de que existia uma hierarquia entre elas. O

branco estava no topo da mesma e o negro na camada inferior, por isso se

justificava sua escravização, uma vez que o branco o retiraria do seu estado de

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selvageria, dando-lhe a oportunidade de apreender os princípios de civilidade com o

trabalho forçado e a religião, cristã é claro, imposta aos africanos.

Os filósofos iluministas defendiam também a tese de que as desigualdades

sociais seriam naturais, uma vez que para existir progresso era necessário que

alguns estivessem a trabalhar para o bem de outros, que seria a minoria, como bem

aponta Voltaire:

O gênero humano, tal como na realidade é, não pode subsistir a menos que haja uma infinidade de homens úteis que nada possuam; porque, é mais do que certo, um homem que possua o suficiente e viva a seu bel-prazer não vai abandonar a sua terra para vir cultivar a vossa (...). Por isso, a igualdade é, simultaneamente, a coisa mais natural e mais quimérica que existe. (VOLTAIRE, apud SANTOS, 2005, p.42).

Resultado também do pensamento iluminista, o determinismo geográfico

exerce forte influência sobre as teorias racistas que estão se desenhando. Para os

pensadores do século das luzes as diferenças raciais poderiam ser explicadas pela

influência do clima e das diferenças geográficas como o relevo e o solo. Aqui a

noção de perfectibilidade do homem, de que todos podem chegar ao mesmo

estágio, ou seja, o do europeu que é tomado como o ideal, perpassa pela idéia de

que o meio natural em que o homem está inserido influencia a maneira como produz

cultura. Assim aqueles que vivem em condições geográficas consideradas mais

propícias desenvolveriam uma sociedade mais adiantada em relação àqueles que

vivem nas zonas tórridas do planeta.

No século XIX, as teorias racialistas que pensavam a existência de raças

como grupos de indivíduos com características próprias, continuavam divididos em

culturas diferentes que são transmitidas para todos dentro do grupo e que o

comportamento do indivíduo está atrelado ao do grupo étnico ao qual pertence e de

que existe um parâmetro único para avaliar essas culturas unem-se ao racismo que

prega a submissão das raças inferiores por aquelas consideradas superiores.

Encontra-se nas teorias racialistas a resposta para a prática de uma política

racista onde os povos asiáticos, africanos e indígenas, que agora estavam sendo

subordinados, eram concebidos como inferiores e desta forma a legitimidade do

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escravismo: “(...) a necessidade de teorizar as “raças”, como elas são, ou seja,

construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica erronea,

mas socialmente eficaz para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios”

(GUIMARÃES, 1999, p. 64).

Estas teorias são ressuscitadas no Brasil num momento específico, onde a

partir de 1871 encaminhava-se para o desmantelamento da escravidão e acenava

para o fim do regime monárquico. As idéias racistas européias chegam ao país e

aqui são reproduzidas de modo singular, sem nenhuma crítica mais apurada.

Absorver estas teorias que condenavam a miscigenação e ao mesmo tempo adaptá-

las a um país que se caracterizava pela mistura das raças foi um desafio para a elite

cultural brasileira. Corroborando esta tese SCHWARCZ (1993, p. 14) observa:

Paradoxo interessante, liberalismo e racismo corporificaram, nesse momento, dois grandes modelos teóricos explicativos de sucesso local, equivalente e, no entanto contraditório: o primeiro fundava-se no indivíduo e em sua responsabilidade pessoal; o segundo retirava a atenção colocada no sujeito para centrá-la na atuação do grupo entendido enquanto resultado de uma estrutura biológica singular.

Os intelectuais brasileiros, segundo a mesma autora, utilizaram dois modelos

teóricos completamente diferentes e até contraditórios. Do darwinismo social

utilizaram a idéia da diferença entre as raças e sua hierarquização (poligenismo)

sem, no entanto, discutir as implicações negativas da miscigenação propagada por

esta teoria. Do evolucionismo social utilizaram a noção de que as diferentes raças

passariam por uma evolução até chegar à mais perfeita, demonstrando o esforço em

adaptar à realidade brasileira as teorias estrangeiras. Aqueles que se enquadravam

no modelo menos evoluído tornaram-se objeto de estudos: negros, pobres e

escravizados passaram a ser encarados como perigosos, um dificultador para o

progresso da nação.

As antigas noções iluministas de perfectibilidade, do determinismo geográfico

e da poligenia (origens separadas das diferentes raças) somam-se às teorias

elaboradas a partir das ciências biológicas. Surge o darwinismo social6 que

6 O darwinismo social, teoria criada por Herber Spencer, foi influenciada pela teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Para os darwinistas sociais as características inatas ou herdadas têm uma influência muito maior do que a educação recebida pelo indivíduo. Os mais fortes e aptos estariam também mais desenvolvidos

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pressupõe a existência de espécies humanas separadas por estágios de evolução e,

portanto, em diferentes estágios culturais e de conhecimento. Passou-se a destinar

um lugar no mundo a cada povo de acordo com sua classificação evolucionista,

assim nada mais natural que o branco, por estar no topo da evolução, subjugasse os

demais, menos evoluídos. Os escritos sobre as diferenças entre os vários povos

impunham certa hierarquia, que através de uma explicação anatômica vinha tentar

explicar as mesmas. Dessa forma surgem as ciências da época como a frenologia, a

antropometria7 e a eugenia8, todas muito difundidas no Brasil de fins do século XIX e

início do XX. Assim o darwinismo social - com seu ideal de evolução das espécies,

que preconiza a existência de uma raça pura, mais evoluída e por isso vitoriosa, -

“vem coroar de êxito a teoria das raças que vinha se desenvolvendo por mais de um

século” (SANTOS, 2005, p.52).

Corroborando estas teorias, a ascensão da sociedade industrial com seu

elogio ao trabalho e ao sucesso pessoal, através do desempenho do mesmo, fez

com que os povos que não estavam neste “estágio de desenvolvimento”, como os

africanos e indígenas brasileiros, fossem considerados inferiores, incapazes de se

afeiçoar ao trabalho, de chegar a uma moral evoluída. Naturalizava-se a concepção

de inferioridade, de incapacidade mental, da falta de beleza e de senso moral destes

povos. Apenas o branco poderia chegar ao mais pleno desenvolvimento, tanto

material quanto moral e estético. Os teóricos brasileiros tentaram explicar as

diferenças e hierarquias sociais de modo bem particular. Enquanto as teorias

racistas eram contrárias à miscigenação por acreditar na degeneração das espécies,

no Brasil a elite cultural se atrevia a certos “rearranjos teóricos, pensando na

viabilidade de uma nação mestiça” (SCHWARCZ, 1993, p.65).

Esses teóricos inventam o “ser negro brasileiro” a partir da influência destas

teorias racistas e do liberalismo. Assim passam a condenar o negro, a sua religião, a

sua inteligência e capacidade para trabalhar e constituir família. Mesmo para alguns

abolicionistas era contundente a inferioridade do negro. Os estereótipos afirmavam a

incapacidade intelectual do negro, o que levava muitos deles a negarem sua

economicamente, justificando as desigualdades sociais existentes nas sociedades. Influenciou a eugenia e o nazismo. 7 Segundo SCHARCZ, p. 48, frenologia e antropometria são teorias que procuravam interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e a proporção do cérebro dos povos. 8 Para SANTOS, p. 51, é a crença de que existiria uma raça pura, mais forte e sábia que eliminaria as raças mais fracas, desenvolvendo o extermínio das mesmas.

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identidade negra. Foi o caso de André Rebouças, por exemplo, que sendo mestiço

de negro e branco, conseguindo circular nos meios brancos procurou negar de toda

forma sua ascendência africana. Somente mais tarde é que se engaja na campanha

abolicionista. Outro abolicionista, José Bonifácio, acreditava que o africano possuía

pouca capacidade mental, porém como afirma SANTOS (2005, p.105) “não se

negava a utilizá-lo como mão-de-obra livre para a efetiva ocupação do território e

progresso nacional”, já outro defensor da emancipação do negro escravizado, Cesar

Burlamarque (presidente da província do Paraná entre os anos de 1866 e 1867),

alegava a necessidade de devolver a todos para o solo africano, garantindo-se a paz

e a segurança para a população branca.

Joaquim Nabuco, importante abolicionista escreveu a obra “O abolicionismo”

em 1883 e teve grande influência sobre os militantes de então. Sua obra defendia a

necessidade de que o processo emancipatório corresse por vias legais, através da

Câmara e do Senado, jamais pelas mãos dos escravizados, ou seja, “tomar o

movimento das mãos deles e institucionalizá-lo como se fosse um presente, um

brinde aos cidadãos brasileiros” (SANTOS, 2005, p.122). Dessa forma pretendia-se

dar a impressão de que os negros foram passivos neste processo, necessitando da

bondade dos brancos para libertá-los do jugo da escravidão.

No mesmo contexto veremos que com o fim da escravidão, agora com os

negros libertos, era necessário pensar um ideal de sociedade onde todos tivessem

seu lugar definido. Não se poderia pensar a igualdade que as conquistas políticas

trouxeram para toda a população numa forma geral, a elite brasileira, então

ressaltou as idéias racistas para colocar brancos e negros em condições desiguais:

Finda a escravidão e instaurada a democracia por meio da República, toma força um discurso racial, tardio se comparado ao modelo liberal presente desde 1822. Ante a liberdade prometida pela abolição e a igualdade oferecida pela nova Constituição – que transformava todos em cidadãos-, parecia imperativo repensar a organização desse país (...). Transformada em utopia pelos cientistas nacionais, a igualdade conseguida mediante as conquistas políticas era negada em nome da natureza. (SCHWARCZ, 1993, p.241).

Iniciamos o século XX dentro deste contexto teórico que acabou por construir

no imaginário social a imagem estereotipada do negro. Entre os que discutiam essa

imagem distorcida está Nina Rodrigues que dizia “se um país não é velho para se

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venerar ou rico para se fazer representar, precisa ao menos tornar-se interessante”

(SCHWARCZ, 1993, p.239). Ser interessante neste momento era livrar-se do grande

problema que se apontava: o de ser uma nação mestiça! E este era um obstáculo

para o desenvolvimento e o progresso do país. Era uma constatação que gerava

desconforto. Para Nina Rodrigues, jurista afamado, “o convívio entre as raças

diferentes e uma forçosa adaptação imposta aos negros e índios criam tipos

anormais” (SANTOS p.2005, 144). Para ele, tanto os indígenas quanto os negros

não são completamente humanos, portanto não deveriam ter direitos iguais aos

brancos, porém não poderiam deixar de ser punidos pelos seus atos. Quando trata

do mestiço, leva seu preconceito às alturas, alegando que os mesmos já nascem

predispostos ao crime9. Aqui se evidencia o que os teóricos já preconizavam desde

o Iluminismo de que a mistura de raças distintas leva ao surgimento de seres

híbridos, sem moral, fadados ao fracasso.

Assim chegamos ao conceito de democracia racial10 preconizada por Gilberto

Freyre. Se de um lado vimos como se construiu o referencial para o imaginário

negativo em relação ao negro e à mestiçagem, com Freyre veremos que seria esta a

saída para afastar da população brasileira os traços fenotípicos e culturais e as

degenerescências próprias do africano. Somente com a mestiçagem chegaríamos à

redenção e, enfim a nação brasileira poderia adentrar no caminho da civilidade e do

ideal de sociedade preconizada pelos teóricos europeus.

A teoria freyriana levou a crer que justamente por sermos uma população

mestiça, em solo brasileiro ocorria o que se batizou de democracia racial.

Reconheceu-se a contribuição da cultura africana, porém enaltece o branco

português como o “colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças

chamadas inferiores. O menos cruel nas relações com os escravos (...) sempre

pendeu para o contato voluptuoso com mulher exótica para o cruzamento e a

miscigenação” (FREYRE, apud SANTOS, 2005, p.152). O escravocrata passa a ser

designado como bondoso e ávido por construir um bom relacionamento com os

escravizados. O estupro sistemático a que foram submetidas as mulheres africanas

9RODRIGUES Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1976. 10 Democracia racial: termo usado para designar uma imposição de que no Brasil não existe racismo, haja visto que até a escravidão foi branda(HASENBALG, in:MAIO)

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ao longo de todo o período da escravidão passa a ser relatado em suas obras como

encontro consentido e por elas desejado.

É nas palavras de Freyre que se constrói a idéia de escravidão branda e que

ainda hoje perpassa os discursos de muitos estudiosos brasileiros. Se não fez uma

apologia ao racismo, também não conseguiu se desvencilhar de suas amarras:

(...) se por um lado critica o arianismo e toda a teoria de superioridade racial, valoriza o branqueamento da pele como símbolo de desenvolvimento cultural. (...) Freyre separa os melhores negros (os de pele mais clara) dos piores negros (os de pele mais escura). Já se esboça assim toda a apologia do mulato e da mistura entre as raças para o embranquecimento redentor. Freyre desliza de um ponto a outro gerando novos mitos com o uso de velhos preconceitos. ( SANTOS, 2005,p.158).

Poderiam perguntar qual o problema de Freyre? O problema em sua apologia

à mestiçagem está justamente na negação do negro. O mestiço só tem mais

qualidades porque tem uma parcela de sangue branco correndo em suas veias. O

que ele faz é inventar outra forma de racismo, de preconceito, negando o racismo

que já existia e que foi desenvolvido no Brasil pela elite cultural impregnada de

conceitos racistas europeus. Portanto os fatos evidenciam que o Brasil foi fértil na

construção de preconceitos contra o negro ao longo de sua história.

Na década de 20 a educação brasileira foi sendo impregnada das idéias

racistas que condenavam o contágio entre pessoas de etnias diferentes e os

intelectuais brasileiros discutem as diferenças raciais propagadas pela ciência.

Como enfatiza a citação abaixo:

Se a abolição – 46 anos antes- tornou os negros “iguais”, buscou-se constituir argumentos que desprezavam essa condição baseados em abordagens científicas introduzidas no Brasil por vários intelectuais. (ROMÂO, 2002, p.25).

A pergunta que se fazia era: o que fazer com os negros? Se eram

considerados inferiores dentro da ideologia racista que se impregnou nas elites, era

necessário agir para minimizar o mal que propagavam existir. A educação passou a

ser um dos canais de ressocialização, levando aos negros e aos pobres os ideais da

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cultura europeia através da educação. Dessa forma o currículo escolar foi pensado

para compactuar com os ideais da elite dominante, norteados pelos referenciais da

cultura europeia em detrimento da cultura popular.

Ao longo das décadas seguintes não se possibilitou a discussão das

diferenças étnicas. Os governos, um após outro, lançavam programas visando a

unidade nacional, unidade esta que não permitia se pensar as diferenças. Indígenas,

negros e todas as outras etnias passaram a se constituir numa só nação. Una, logo

sem diferenças regionais ou étnicas que permitissem projetos que visassem atingir

particularidades culturais.

No período da ditadura militar a questão racial passa a ser proibida e figuras

de destaque dos Movimentos Negros são coibidas de expressarem suas idéias.

Segundo ROMÂO, o governo militar passa a cuidar do conteúdo da disciplina de

História que se torna um importante instrumento na constituição do Estado Nacional

que se pretendia. A participação do negro nas aulas de História é relegada ao

período escravista e nada mais.

Hoje, em pleno século XXI nos debatemos ainda com o preconceito em

relação ao negro. Se os teóricos hoje abominam todo e qualquer tipo de preconceito

e a legislação também o faz, temos um problema emblemático a resolver. O senso

comum persiste em reproduzir as teorias racistas que o movimento tanto procura

desmascarar. Se a genética nos mostra que raça não existe, no imaginário popular

ainda persistem representações que relacionam as pessoas à cor e estas à maior ou

menor capacidade intelectual, ideal de estética e de cultura.

Analisar como esse imaginário está presente nas relações sociais dentro do

espaço escolar se faz necessário para entender a ressignificação do conceito de

raça, agora utilizada de forma velada. É nas relações sociais que os sujeitos vão se

construindo enquanto pessoas. Tornam-se fortes ou vulneráveis a partir da ação de

outros agentes sociais, daí a importância de se discutir este assunto no ambiente

escolar.

As pessoas não herdam, geneticamente, idéias de racismo, sentimentos de preconceitos e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com seus pares, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. (LOPES, in: MUNANGA, 2005, p.188)

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Se o racismo e toda forma de preconceito não nascem na escola, é nela que

devemos discutir sua existência, educar de maneira que nossos jovens percebam

que somos todos iguais, apesar das diferenças que apresentamos e, portanto,

educar para a cidadania exige que professores e alunos compreendam que:

A sociedade brasileira é preconceituosa e discriminadora em relação à sua população. Em decorrência, o modelo de educação não tem sido inclusivo, ainda quando permita a entrada de todos na escola. Todos entram, ou a maioria entra, mas nem todos saem devidamente escolarizados, aptos a enfrentar a vida como verdadeiros cidadãos. A instituição escolar precisa desenvolver programas que, reconhecendo as diferenças e respeitando-as, promovam a igualdade de oportunidades para todos, o que se traduz pela oferta de escola de qualidade. (LOPES: 2005, p.187).

2. Metodologia e reflexões da ação pedagógica no espaço escolar

Pensando na oferta de uma escola de qualidade é que nos preocupamos em

desenvolver uma pesquisa que proporcione a leitura da realidade encontrada no

espaço escolar. E que essa leitura instigue educadores, comprometidos com sua

prática docente, a relativizar essa realidade, buscando novas abordagens e o

enfrentamento ao preconceito no cotidiano da sala de aula.

Ao propor a implementação do projeto do PDE (Programa de

Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado de Educação do Paraná) na

Escola Estadual de Ensino Fundamental Guaraituba, do município de Colombo,

pensamos em construir com os pares, que estão atuando no cotidiano escolar, uma

forma de abordagem da problemática discutida neste trabalho. Optamos, num

primeiro momento, trabalhar com todos os professores por compreendermos que

para a implementação do disposto na legislação brasileira e mais especificamente,

na Lei 10.639/03, necessitamos do engajamento dos docentes de todas as

disciplinas e também que a discussão deve permear o currículo escolar e não ser

apenas trabalhado em momentos específicos, de forma pontual, como no 20 de

novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) ou na Semana Cultural.

Direcionamos as discussões em momentos específicos como a Semana

Pedagógica no início do ano letivo e durante a hora atividade dos professores no

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turno da manhã e da tarde, no primeiro semestre de 2008. Num primeiro momento

os professores que se dispuseram a participar das discussões, responderam a um

questionário que serviu como parâmetro para observar o nível de conhecimento da

legislação brasileira que trata da diversidade e, principalmente, no que diz respeito à

Lei 10.639/03 que discorre sobre a obrigatoriedade do ensino de História e cultura

afrobrasileira e africana nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,

oficiais e particulares.

Todos os professores, de um universo de 10, responderam que tinham

conhecimento da legislação e que a escola trabalhava as questões da diversidade,

porém os alunos, segundo a fala de alguns destes professores, adotavam práticas

preconceituosas nos seus relacionamentos e que isso era evidente na forma de

tratamento, nas brincadeiras, piadas e nas expressões utilizadas pelos mesmos no

espaço escolar.

Essa observação dos professores fez com que optássemos por desenvolver

também um trabalho com os alunos, para entendermos esta contradição: se a

escola trabalha a diversidade em todas as suas nuances, o que direciona a prática

de atitudes preconceituosas pelos alunos de um modo geral? Sabemos que a escola

não está isolada na sociedade e que se o racismo e outras formas de preconceito

não nascem na escola, perpassam por ela. Na escola e nas suas ações, o combate

ao preconceito fica evidente ao se educar para a diversidade. Concordando com a

afirmação de que “o racismo é uma prática diária e difundida. Ele é onipresente e

forte” (SANT’ANA, 2005, p. 49), vimos a necessidade de buscar elementos que

evidenciassem essa atitude dos alunos observada por seus educadores.

Na busca pelo entendimento deste panorama trabalhamos com uma parcela

dos alunos da referida escola (438 de um total de 956) enquanto programávamos as

discussões com os professores procurando abordar historicamente a intensificação

do racismo num contexto mundial e principalmente a invenção do racismo brasileiro

onde se criou o mito da democracia racial brasileira que nega as relações

conflituosas entre as etnias que formam nossa população, exercendo a função

política de

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(...) apagar da memória coletiva as lembranças conflituosas do nosso passado escravocrata e apaziguar a relação racial entre o negro e o branco. Por exemplo, a história ensinada na escola é a versão do vencedor, mas do vencedor de uma luta que se travou em bases desiguais e injustas. (SANTOS:2002, p.73).

Ao trabalhar apenas a versão do vencedor a escola aumenta as

desigualdades sociais uma vez que contempla apenas um elemento da diversidade

étnico-racial presente na sociedade brasileira. Isso alimenta o racismo e suas

práticas preconceituosas, levando os alunos negros a não se enxergarem no

currículo escolar, o que contribui muitas vezes para aumentar a evasão escolar.

Procurando auxiliar o professor na implementação da Lei 10.639/03,

discutimos o Plano de Trabalho Docente e a inclusão da temática de história e

cultura afrobrasileira e africana no currículo das disciplinas de História, Língua

Portuguesa, Ciências e Artes. Os professores destas disciplinas procuraram

desenvolver no conteúdo programático ao longo de 2008, abordagens que

contemplassem o disposto na legislação.

Apesar do trabalho de implementação ter ocorrido todas as semanas, em

dias alternados, não conseguimos oportunizar a participação de todos professores

aos debates e ações junto aos educandos. Lembramos também que a participação

no projeto de implementação não era uma condição obrigatória e nem caracterizava

um curso com certificação, portanto os professores que participaram, assim o

fizeram por entender a necessidade do debate das relações étnico raciais no espaço

escolar.

Para realizar o trabalho junto aos alunos utilizamo-nos da pesquisa realizada

por Vera Moreira Figueira (in: SANT’ANA, 2005, p.51) que verificou a existência do

preconceito racial em escolas do Rio de Janeiro. Pelo número de alunos atingidos, a

metodologia que adotamos foi a de realizar trabalho em grupos, tanto para obter os

dados, quanto para observarmos as reações dos alunos no debate em grupo. As

questões utilizadas para a pesquisa encontram-se no anexo.

Com a participação de professores da disciplina de História, retiramos de

revistas, imagens de pessoas das diferentes etnias que compõem a sociedade

brasileira e agrupamos aleatoriamente em envelopes e, em seguida apresentamos

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19

aos alunos dizendo que aquelas imagens representavam a sociedade brasileira e

que, em grupo, deveriam escolher qualidades positivas e negativas para estas

pessoas. Comentamos que na nossa sociedade as pessoas são, muitas vezes,

julgadas por seu estereótipo, pela aparência e que esse fato implica em

discriminações.

Enquanto os alunos debatiam sobre suas escolhas, observamos muitas

frases preconceituosas como: “esse não pode exercer tal função porque é feio” ou

ainda “negro não pode ser um engenheiro civil” ou “este rapaz não pode ser

considerado bonito por causa do seu cabelo. Ele tem cabelo ruim”. Pelas falas dos

alunos pudemos perceber o quanto seu discurso estava impregnado de preconceitos

que foram internalizados, tanto que mesmo alunos negros não se viam como tal, o

que reforça o quanto o racismo brasileiro é cruel ao negar as suas vítimas o auto-

reconhecimento de sua identidade étnico racial.

As respostas foram agrupadas em dois blocos dispostos em tabelas com

qualidades positivas e negativas. Ao observar a resposta dos alunos nos quadros

abaixo podemos detectar que enquanto 67,12% escolheram um negro para ser seu

melhor amigo, para o quesito inteligência 83,56% escolheram um branco. Outro

dado que chamou a atenção é que 60,27% dos alunos consideraram os negros mais

simpáticos, enquanto que 64,38% escolheram brancos para a característica de

“estudioso”.

Percebemos que para as qualidades positivas mais contundentes foram

considerados os brancos, enquanto que para as características menos aceitas

socialmente os escolhidos foram negros. Em alguns momentos é explícito o racismo

embutido nas escolhas e no discurso dos discentes ao realizar a tarefa em grupo.

Quando apresentamos os dados notamos que os alunos ficaram espantados com o

resultado, pois não se percebiam preconceituosos.

Questionados acerca das suas escolhas percebemos que elas foram o

resultado da imagem que os alunos têm do negro na sociedade e isso mesmo

considerando que boa parcela destes apresenta características fenotípicas de

negros.

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Tabela 1 – Atribuição de características positivas e negativas

O terceiro quadro apresentado aos alunos faz relação com a mobilidade

ocupacional de negros e brancos. Mais uma vez notamos a existência do

preconceito marcado pelas escolhas dos alunos: quando para a função de

engenheiro apenas 12,33% determinaram que o engenheiro de sua empresa fosse

negro e para a função de médico 86,31% preferiram brancos.

Já para as funções que exigem menor qualificação os escolhidos foram

negros, sendo que para encarregado de limpeza a escolha foi de 41,10% para

brancos e 58,90% para negros o que corrobora o discurso dos alunos quando

realizavam o trabalho em grupo, demonstrando no seu discurso o preconceito

embutido nas práticas diárias.

Observarmos que para exercer a função de professor, 54,79% dos alunos

escolheram pessoas brancas o que nos leva a questionar o ideal de professor que

está incutido no imaginário destes alunos.

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Tabela 2 – Mobilidade Social percebida pelos entrevistados

Feita a devolução dos resultados da pesquisa para os alunos procuramos

discutir as relações de preconceito existente no espaço escolar e o que leva à

ocorrência do mesmo. Muitos alunos declararam que se sentem ofendidos quando

são chamados de “neguinho” pelos colegas. Uma aluna fez o depoimento de que

várias vezes, na hora do recreio, colegas se referiram a ela como “macaca”. Isso

surpreendeu os professores de História que estavam acompanhando o trabalho

junto com os alunos.

Indagamos se a escola tem trabalhado a participação do negro na história do

Brasil e quando. Segundo os alunos eles “estudam sobre o negro quando vêem o

período da escravidão” no Brasil e ficaram surpreendidos quando apresentamos

algumas invenções que foram realizadas por negros e que são utilizadas por todos

no dia a dia.

Procuramos então trabalhar com estes alunos alguns vídeos que mostravam

a escravidão nos dias atuais, debatendo com eles as permanências de um estado

de subordinação e de coisificação do ser humano que perdura até os dias atuais e,

ao mesmo tempo, as condições históricas que criaram o racismo e suas nefastas

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conseqüências para a sociedade, pois aos negros nega-se o acesso a melhores

condições de vida e de orgulho de seu pertencimento étnico racial, aos brancos

impede o conhecimento da história dos negros, dos indígenas e da diversidade

étnico racial como um todo.

O próximo passo para a desconstrução do imaginário em relação ao negro

constatado entre os alunos foi a exibição do documentário “Vista a minha pele” de

Joel Zitto, com duração de 20 minutos, onde o diretor debate as relações étnico

raciais no Brasil ao caracterizar uma sociedade onde o negro se sobressaía nos

programas de televisão, nas profissões mais conceituadas, nas melhores posições

sociais, na história do Brasil, onde foi o negro que escravizou o branco e o dilema

vivido pela personagem central que sonhava em ganhar um concurso mis

sinhazinha da escola e se sentia constrangida ao ver a história do branco ser

contada apenas enquanto escravizado.

O documentário proporcionou um longo debate com os alunos, pois ao

mesmo tempo em que muitos deles se sentiram desconfortáveis com a história

abordada, eles puderam relativizar suas ações no cotidiano e relacionar com o

racismo que ainda perdura em nossa sociedade. Foi gratificante ao final da

implementação perceber que muitos alunos nos procuravam para comentar dúvidas,

filmes sobre racismo e pedir sugestões de leituras sobre a para. Para complementar

esta ação junto aos alunos, trabalhamos o OAC construído ao longo do segundo

semestre do PDE, sob a supervisão do professor orientador que também

acompanhou e orientou a implementação do projeto na escola.

O OAC com título “O processo Abolicionista” procurou analisar o fim do

escravismo entendendo o papel dos Parlamentares, dos escravocratas, dos

escravizados e toda política econômica e social que estava se instituindo naquele

momento e que contribuíram para o desenrolar das ações que culminaram com a

abolição da escravidão no Brasil. Dessa forma os alunos perceberam que a abolição

do escravismo foi um processo de ação de sujeitos que, incógnitos ou famosos,

deixaram sua contribuição na história do país. Desconstruiu-se assim o mito de que

a abolição do escravismo tenha sido uma dádiva das elites dominantes do país.

Corroborando a tese de que o material didático utilizado em sala de aula

muitas vezes contribui para a perpetuação do racismo, analisamos o livro de História

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utilizado pelos professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Guaraituba,

durante o ano de 2008, quando foi objeto de implementação do projeto do PDE. O

livro didático de História utilizado no referido ano pelos professores de 6ª e 7ª séries

era História Temática: Diversidade Cultural e Conflitos – Cabrini, Catelli e Montellato.

São Paulo:Scipione, 2004

O livro da 6ª série, já nas primeiras páginas apresenta uma ilustração de

negros acorrentados e apesar de se intitular com uma proposta inovadora na

maneira de discutir a História, trabalha de forma tradicional a história da humanidade

vista através da história do continente europeu. Assim, América, África, Ásia e a

infinidade de povos que habitavam e que ainda habitam estes continentes

permanecem suspensos, como se interagissem com o continente europeu como

meros coadjuvantes da sua história.

De repente, sem contextualizar, lá pelo meio do livro, aparecem os africanos

no Brasil, já escravizados, sem uma contextualização que mostre aos alunos quem

eram esses africanos, suas culturas, idiomas, suas organizações sociais,

econômicas ou culturais no continente africano. Os grandes reinos africanos são

simplesmente ignorados. Vemos também ilustrações que representam o negro

brasileiro principalmente no capítulo em que explora as festas populares no Brasil

colonial.

Outro fator importante a ressaltar é que nas ilustrações que caracterizam o

trabalho pesado, portanto, menos qualificado, aparecem novamente os negros,

embora devamos salientar que o livro destaca um texto que trata da escravidão ao

longo da história da humanidade, mostrando aos alunos que não existiu apenas a

escravização do negro, mas que em determinados períodos, qualquer povo corria o

risco de ser escravizado por outro.

Depois de discorrer sobre todos os castigos infligidos aos escravizados, de

trabalhar a escravização dos povos africanos, já no final do livro, é dedicado um

espaço para se tratar da África antes da diáspora. Apesar do livro já conter alguns

avanços em relação ao trato da História e Cultura Afrobrasileira e Africana, nota-se

que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que não somente os brancos

europeus tenham sua história contada e recontada, mas que todos os povos possam

se ver contemplados nos materiais didáticos.

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No livro da 7ª série, pela temática desenvolvida, aparecem ilustrações que

contemplam os negros, mas sempre em situação de inferioridade, como por

exemplo, numa imagem que mostra moradores de rua. Não foi contemplada, por

exemplo, imagem de famílias negras, tratando de forma positivada a presença do

negro na nossa sociedade. Novamente a história do continente europeu é

privilegiada e quando se refere ao negro brasileiro, o faz apenas enquanto

escravizado. Mesmo quando trata das leis emancipacionistas, o faz de forma

superficial, sem abordar que estas leis não foram cumpridas e nem tampouco

criadas para serem efetivamente cumpridas. Ao tratar da questão da Guerra de

Canudos e do Contestado, dois importantes conflitos do início da República são

considerados apenas como resultado da questão fundiária injusta do nosso país.

O trabalho desenvolvido com os alunos caracterizou a necessidade de se

pensar a diversidade no currículo da escola, em todas as disciplinas, em toda ação

pedagógica desenvolvida no espaço escolar, pois acreditamos que isso tudo nos

mostra a urgência em debater as questões étnico-raciais na escola, promovendo

uma nova forma de pensar o currículo na amplitude de sua abrangência, ou seja, “na

totalidade das relações que se estabelecem no espaço escolar, independente de ser

sala de aula, quadra, atendimento na secretaria, sala dos professores ou horário de

recreio” (Rocha, 2005). Portanto, repensando o currículo sob outra perspectiva,

buscando uma educação que respeite as diferenças, que ajude a criar cidadãos

conscientes de que a diversidade não pode acarretar em desigualdades, procurando

uma democracia justa com direitos iguais para todos.

Percebemos, no decorrer do trabalho, na fala de alguns professores, a

perpetuação do preconceito em relação ao negro e muitas vezes, sem que

percebessem, o seu discurso deixava transparecer estereótipos já cristalizados no

senso comum. Ao referir-se a determinado aluno pela sua cor, de forma pejorativa

ou ao privilegiar determinados conteúdos onde a hegemonia do branco estava

presente reforçava a hipótese de que o imaginário social atua de forma decisiva na

formação de educadores e de educandos.

Uma vez que recebem uma educação que privilegia a cultura ocidental, o

cristianismo e a valorização do branco, ao não ver contemplada a participação

positivada do negro e do indígena na formação da nossa sociedade, os educandos

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acabam reproduzindo todos os estereótipos presentes na nossa sociedade. Assim

faz-se necessário pensar a educação por outro prisma.

Portanto, ao pensar a educação devemos propor um modelo que não seja

excludente, que realmente integre a todos em busca da valorização e dos direitos

sociais de todos os grupos humanos. Para nós educadores que queremos

questionar as desigualdades sociais e toda forma de discriminação no espaço social

e, principalmente no espaço escolar, promovendo a igualdade, construindo uma

escola em que haja um espaço democrático, humano, que eduque para a cidadania

plena de todos os indivíduos é:

(...) necessário buscar responder algumas questões básicas na educação: como corrigir as distorções educacionais? Qual o papel dos educadores no combate ao racismo? Ou, por que é tão difícil discutir práticas racistas no interior das escolas? (ROCHA, in: ROMÃO, 2005, p.203).

Outro fator importante a ressaltar é o silêncio que impera nos casos de

racismo que acontecem no espaço escolar. Não podemos continuar culpabilizando a

vítima da agressão, como se fosse de sua inteira responsabilidade o preconceito

que sofreu. Faz-se necessário que o professor, interessado em combater o racismo

e toda forma de preconceito no espaço escolar, esteja atento para a postura, para a

linguagem, aos textos e materiais didáticos utilizados em sala de aula para que

tratem de forma positiva a todas as etnias e todas as culturas que compõem este

emaranhado de culturas que é o Brasil.

3. Algumas Considerações:

Acreditamos que a ação de repensar as práticas pedagógicas deve estar

respaldada no Projeto Político Pedagógico da escola, pois só assim, efetivamente

ocorrerão mudanças que proporcionem a construção da alteridade de alunos negros

e brancos. Hoje a escola ainda é excludente, pois mesmo que se enalteça o mito da

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“democracia racial” ou que existam leis que condenem o racismo, o espaço escolar

continua excluindo, pois “além de discriminar não é capaz de promover a igualdade”.

(SANTOS in: CAVALLEIRO, 2001, p.98). Entendemos que

Ainda que a escola sozinha não seja capaz de reverter anos de desqualificação da população negra e supervalorização da população branca, a longo prazo ela pode desempenhar um importante papel na construção de uma nova cultura, de novas relações que vão além do respeito às diferenças. Possibilitando que todas as vozes possam ecoar no espaço escolar, chegar-se à consciência de que é na diversidade que se constrói algo novo. (SANTOS, in: CAVALLEIRO, p.102).

Entender desta forma que a escola e nós educadores temos um papel

importante na construção de uma sociedade justa e igualitária, onde nossa prática

pedagógica, enquanto professores, esteja voltada para repensar, o questionamento

constante do que é ser professor na atualidade. Não basta entrarmos em sala de

aula e simplesmente reproduzirmos o conteúdo do livro didático. É muito mais! É um

compromisso constante com o que ensinar e de que forma ensinar. Entender de que

forma este pode acontecer, e também

Fazer com que os alunos não só reconheçam preconceitos, mas compreendam seu desenvolvimento e mecanismos de atuação, para poder criticá-los com bases e argumentos mais sólidos. (apud PINSKI, in: KARNAL, 2005, 26)

O professor de História tem também que demonstrar aos seus educandos

que a história de um país não é resultado de figuras de destaque, dos grandes

heróis, mas se faz pela “construção consciente/inconsciente, paulatina e

imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou coletivos” (BEZERRA, in:

KARNAL, 2005, p.45). E é este o nosso papel, de sujeitos históricos, capazes de

mudar e transformar o que foi historicamente construído, no caso em destaque, o

racismo. Enquanto educadora consciente do seu papel na sociedade em que vive

“descubro-me no mundo e me reconheço com um único direito: aquele de exigir do

outro um comportamento humano” (FANON, 1983, p.187).

Nada mais natural, então, que o professor trabalhe em sua disciplina “a

inclusão dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (...) em todas

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as séries(...) ao longo do ano letivo”. (DCEs, História,2006, p.39) e o debate das

relações étnico-raciais no espaço escolar. A partir do trabalho desenvolvido na

implementação do Projeto do PDE vimos a necessidade de se reavaliar o material

didático utilizado pelos professores, uma vez que grande número deles continua

excluindo o negro do seu papel na construção do Brasil que temos hoje. Somente

com um trabalho pedagógico bem estruturado conseguiremos reverter o quadro de

exclusão social que ainda atinge parte da população brasileira, notadamente os

negros, que destituídos de seu papel de sujeitos atuantes da história do país, não se

enxergam no currículo escolar e nem no discurso de alguns docentes.

Entendemos também que muito se cobra do professor, exigindo-se que ele

dê conta de todo um trabalho pedagógico, para o qual, muitas vezes, não está

preparado para contemplá-lo, seja por falta de preparo ou de conhecimento que sua

formação não possibilitou ou, ainda, que as capacitações promovidas pela SEED,

embora sejam muitas, não conseguiram atingir a todos os professores da rede

pública estadual. Mas somente com estudo, muita vontade de aprender e de

partilhar seus conhecimentos com seus educandos é que possibilitaremos uma

educação que realmente prime pela qualidade e oportunidades iguais para todos.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo. São Paulo: ANNABLUMME, 2004. BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ : Vozes, 2004. BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: Conteúdos e Conceitos Básicos. In: KARNAL, LEANDRO (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 4. ed. – São Paulo: Contexto, 2005. BORGES, Edson. MEDEIROS, Carlos Alberto. D’ADESKI, Jacques. Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo, Atual: 2002. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília: Senado Federal, 2006.

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NASCIMENTO, Alexandre do. Raça e Democracia. [Acesso em 12/06/2009]. Disponível em http://www.alexandrenascimento.com OLIVEIRA, Iolanda de, PETRONILHA Beatriz Gonçalves e Silva e Regina Pahim Pinto(organizadoras). Negro e Educação: escola, identidades, cultura e políticas públicas. São Paulo: Ação educativa, ANPED, 2005. PINSKY, Jaime e PINSKI, Carla Bassanezi. Por uma História Prazerosa e Conseqüente. In: KARNAL, LEANDRO (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 4. Ed. São Paulo: Contexto, 2005,17 a 36. ROCHA, Lauro Cornélio da. A Lei 10.639/03: contextualização histórica. Jornal Gruhbas. Bolando aula, nº 70, junho de 2005. ROMÃO, Jeruse (ORG.) História da educação do Negro e outras histórias. Brasília: SECAD, 2005.

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ANEXOS

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ANEXO 1

PESQUISA CONCEITOS

O objetivo da pesquisa é perceber conceitos presentes na sociedade brasileira como beleza, honestidade, simpatia entre outros.

1ª Dinâmica: cada grupo receberá algumas imagens de pessoas famosas ou desconhecidas e deverá escolher uma pessoa para cada pergunta:

1- Entre estas pessoas que estão nas imagens observadas, qual você escolheria para ser seu melhor amigo(a). ( )

2- Quem lhe passa a impressão de honestidade? ( )

3- Qual destas pessoas aparenta ser a mais inteligente? ( )

4- Qual é o mais simpático para você? ( )

5- Qual deles você acha mais bonito(a)? ( )

6- Entre estas pessoas qual você classifica como feio(a)? ( )

7- Quem aparenta ser mais estudioso(a)? ( )

8- Quem aparenta ser rico? ( )

9- Quem aparenta ser desonesto? ( )

10- Quem você classificaria como uma pessoa que não gosta de limpeza? ( )

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ANEXO 2

2ª Dinâmica: Vocês farão o exercício de imaginarem-se como grandes empresários que precisam contratar profissionais para exercer várias atividades dentro da sua empresa. Já analisaram o currículo de vários candidatos e precisarão escolher também pela aparência de cada um. De acordo com as fotos que você tem no seu cadastro, escolha os profissionais para cada atividade a seguir:

1- Engenheiro (a) ( )

2- Médico (a) ( )

3- Secretário (a) ( )

4- Gerente ( )

5- Encarregado (a) ( )

6- Cozinheiro (a) ( )

7- Professor (a) ( )