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EDUCAÇÃO E A ARTE: UMA REFLEXÃO DA ARTE DE BOSCH
DE ACORDO COM O PENSAMENTO DE HEGEL
NUNES, Meire Aparecida Lóde (UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (UEM/CNPq)
Introdução
Ao pensarmos na arte podemos entendê-la como um produto humano que
esteve presente desde as mais remotas civilizações, apresentando em todos os
momentos uma função, uma finalidade especifica. Essa finalidade pode ser
analisada sob vários ângulos, ou, de acordo com a área de quem realiza a análise.
Assim, delimitando a arte ao campo educacional, podemos identificá-la como um
elemento educacional, pois, para Hegel (1996, p. 5) a arte sempre foi um meio para
a “[...] conscientização das idéias e dos interesses mais nobres do espírito. Foi nas
obras artísticas que os povos depuseram as concepções mais altas, onde as
exprimiram e as conscientizaram”. Essa relação, entre a arte e a educação, ganha
proporções ainda maiores quando, o mesmo autor, menciona que tanto a
sabedoria como a religião concretizaram-se em obras de arte e, portanto, essa
forma de linguagem humana oferece-nos a chave para decifrarmos os segredos de
vários povos.
É buscando refletir sobre essa relação que procuramos construir esse texto.
Não pretendemos, nesse momento, adentrar na complexidade que se constituem
esses dois campos, arte e educação, temos a intenção de delinear um possível
caminho para nossos futuros estudos acerca desse assunto. Para pensarmos nessa
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relação temos que considerar duas possibilidades: a arte enquanto um elemento
que educa por si só; e a obra de arte enquanto um registro histórico, uma fonte de
pesquisa. Porém nesse momento delimitamos nosso estudo à primeira
possibilidade, deixando a segundo para um outro momento.
Para pensarmos sobre essa temática vamos nos pautar em algumas das
reflexões do alemão Hegel, que em sua obra Curso de Estética: O belo na arte,
discute, dentre outras questões, o fim da arte. Nossa atenção será focada na
tentativa de relacionar os apontamentos de Hegel sobre a arte com o que
entendemos sobre educação, cuja compreensão se estende ao campo da formação
humana. A educação no sentido de seus fundamentos, a nosso ver, só tem sentido
quando atua nos indivíduos de modo que esses possam melhorar seu convívio em
sociedade.
Para estabelecermos esta relação trazemos para a discussão o artista
Hieronymus Bosch (1450-1516), cujas obras são consideradas, por muitos
estudiosos de arte, como de estrema complexidade. Esse mestre da pintura
holandesa é reconhecido por retratar um embate entre a satisfação na vida terrena
e a busca pelo bem estar eterno, além da representação dos medos, angústias e
desejos do final da Idade Média
A opção por trabalhar com Hegel e Bosch, homens que estão separados por
aproximadamente duzentos anos, é justificada pelo fato de entendermos que a
arte, indiferente do momento histórico, é o resultado de uma ação humana e como
tal apresenta um conteúdo que se perpetua. As sociedades mudam, as
necessidades mudam, o contexto, como um todo, muda, mas o homem
permanece. É essa discussão acerca do homem, enquanto ser humano, ponto que
pretendemos evidenciar enquanto elo entre a arte e a educação.
1. Filosofia, arte e educação
Hegel, nosso teórico especial nesse texto, ao lado de Bosch, considera que o
termo estética pode ser substituído por filosofia, assim, a filosofia da arte é
entendida como uma ciência que se destina a estudar o belo. Vamos tentar
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apontar, portanto, o pensamento que nos levou a traçar o caminho que
pretendemos seguir.
Começamos pela filosofia. Rohden (2007) apresenta a filosofia como um
termo composto por dois outros de origem grega: philos, amigo; e Sophia,
sabedoria. Assim, o autor atribui à filosofia o significado de amor à sabedoria. A
busca pela sabedoria é uma constante ao estudarmos a história, indiferente do
período. Trazemos como exemplo à essa afirmação o pensamento de Epicuro (341-
270 a.C)
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz (EPICURO 2002, p. 21).
Assim, podemos entender que desde a Antigüidade até hoje, o homem vive
buscando conhecer a si mesmo e o mundo que o cerca e, dessa forma, a filosofia é
viva. Permanece como uma necessidade, pois ao buscar entender o universo como
um todo ‘uno’, torna-se um conhecimento indispensável para que os homens
consigam viver e se organizarem em sociedade. Contudo, da grande
complexidade que compõe a filosofia, pretendemos nos dedicar a uma pequena
parte: filosofia da arte. Sendo essa apresentada por Hegel (1996) como uma parte
do conjunto de possibilidade de estudo que compõe a filosofia como um todo e só
podendo ser entendida nesse contexto.
Só assim a sua existência é suscetível de demonstração e justificação, pois demonstrar algo é mostrar a sua necessidade. Esta demonstração, que viria a reconstruir a formação da filosofia a partir do seu conceito, não está nos nossos propósitos. Propomo-nos apenas considerar a filosofia da arte de um modo temático, que é o modo de considerar separadamente qualquer ciência filosófica. No seu conjunto é que a filosofia nos dá o conhecimento do universo como uma totalidade orgânica, totalidade que se desenvolve a partir do conceito e que, nada perdendo do que faz dela um conjunto, um todo cujas partes estão unidas pela
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necessidade, a si mesma regressa e no regresso a si mesma forma um mundo de verdade (HEGEL, 1996, p. 08).
Seguindo essa perspectiva, vemos a filosofia da arte como um meio para
pensarmos o homem, pois a arte, em suas diferentes formas de materialização, é
um objeto que faz parte da criação humana. Ela pode ser entendida como uma
forma de reflexo da sociedade, como uma forma de ensino, de doutrinação, dentre
várias outras formas que podemos lançar nosso olhar, mas, antes de tudo, ela
passa pelo humano, pelo aspecto mais interno que compõe o homem: o espírito. É
justamente esse o ponto que pretendemos apresentar enquanto elo entre a arte e a
educação, pois por educação entendemos um processo que pode ser entendido ao
analisarmos a discussão de Guizot (1907, p. 116) acerca da civilização, na qual
pontua duas partes que compõem esse processo: “[...] por uma parte, no
desenvolvimento do homem em si mesmo, do individuo, da humanidade, e pela
outra, no da sua condição aparente, da sociedade”. Diante desse preceito, Guizot
coloca que sempre que estivermos à frente de um acontecimento ou sistema
devemos questionar qual é sua atuação, tanto para o desenvolvimento como para
o não desenvolvimento do homem e da sociedade. É nessa perspectiva que nos
posicionamos diante da arte, ou seja, em que medida ela contribui para o
desenvolvimento do homem e da sociedade. Buscando entender essa questão,
então, nos deparamos com Hegel (1996, p. 33) que ao discutir o fim da arte coloca
que ela pode provocar em nós, o despertar dos sentimentos e a conscientização, é
o fator que torna a arte humanizadora, “[...] a arte cultiva o humano no homem,
desperta sentimentos adormecidos, põe-nos em presença dos verdadeiros
interesses do espírito”.
2. A Estética da Arte de Hegel vista nas obras de Bosch
A temática arte, dentro da filosofia, tem como ponto de partida o estudo da
representação, ou seja, a arte se efetiva de formas variadas: pintura, escultura,
literatura, teatro, etc, porém todas essas formas se constituem enquanto
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representações. Para que as representações se concretizem elas devem passar pelo
espírito humano, sendo esse o ápice da obra de arte. Hegel (1996, p. 9) pontua que
“Temos na arte um particular modo de manifestação do espírito; dizemos que a
arte é uma das formas de manifestação porque o espírito, para se realizar, pode
servir-se de múltiplas formas”. O espírito é o elemento que possibilita, dentro da
filosofia da arte, a discussão acerca do belo, esse apontamento é evidenciado nas
reflexões que distinguem o belo artístico do belo natural. Hegel explica que de
acordo com o pensamento corrente a beleza que provém da natureza é superior a
beleza artística, ele se contrapõe a esse pensamento afirmando que a produção
artística passa pelo espírito e tudo que passa pelo espírito é superior ao natural.
Mas, contra essa maneira de ver, julgamos nós poder afirmar que o belo artístico é superior ao belo natural por ser um produto do espírito que, superior à natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, á arte; por isso é o elo artístico superior ao belo natural. Tudo quanto provem do espírito é superior ao que existe na natureza (HEGEL, 1996, p. 4).
O autor explica que deve ser entendida a questão da superioridade, pois
esse termo esta relacionado à quantidade, porém ele pontua que a diferença entre
o belo natural e o artístico ultrapassa essa questão. A natureza é composta por
fenômenos belos, mas ao examinarmos a necessidade desses fenômenos eles
deixam de ser belos e passam a serem úteis, portanto, para tornarem-se belos
devem passar pelo espírito. Assim o belo natural é subordinado ao belo artístico,
que é uma produção que passa pelo espírito. Nesses termos, Hegel, elucidada que
no estudo da filosofia da arte a relação entre o belo artístico e o natural é uma
constante nas reflexões acerca das representações, bem como de seus conteúdos.
Com relação aos conteúdos da arte esses também se relacionam com a questão do
espírito, ou seja:
[...] compreende todo o conteúdo da alma e do espírito, que o fim dela consiste em revelar à alma tudo o que a alma contém de essencial, de grande, de sublime, de respeito, a experiência da vida real, transportando-nos a situações que a nossa existência pessoal
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não nos proporciona e nem proporcionará jamais, situações de pessoas que ela representa, e assim, graças à nossa participação no que acontece a essa pessoa, ficamos mais aptos a sentir, em pôr ao alcance da intuição, o que existe no espírito do homem, a verdade que o homem guarda no seu espírito, o que envolve o peito e agita o espírito humano (HEGEL, 1996, p. 32).
Desse modo, a arte age na profundidade dos sentimentos da alma humana
integrados aos campos da nossa experiência. Tudo isso pode acorrer, ou ser
despertado pela representação, como também pode se associar à uma questão
vivenciada na vida real. Constituindo essas possibilidades a grande importância
da arte. É diante dessas possibilidades que trazemos Bosch, um pintor do século
XV e XVI, cujas obras são entendidas como a representação de um momento em
que os homens viviam um embate entre dois períodos, o final da Idade Média e
início do Renascimento. Suas pinturas exprimem medo, angústias, temores de um
tempo que se desfacelava e também desejos e expectativas de um novo que vinha
se estabelecendo. De acordo com muitos estudiosos, suas obras tinham um caráter
crítico e tinha a possibilidade de despertar nos homens a reflexão. Essas
características são passiveis de serem observadas como pertencentes ao
pensamento de Hegel sobre a arte, para ele
Todas as paixões, o amor; a alegria, a cólera, o ódio, a piedade, a angustia, o medo, o respeito, a admiração, o sentimento de honra, o amor da gloria etc., podem invadir a nossa alma por força das representações que recebemos da arte. Tem a arte o poder de obrigar a nossa alma a evocar e experimentar todos os sentimentos, resultado este em que com razão se vê a manifestação essencial do poder e da ação da arte, se não, como muitos pensam, o seu último fim (HEGEL, 1996, p. 33).
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Figura 1: O Jardim das Delícias (tríptico)
Volante esquerdo: O Paraíso Terreno Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Hieronymus_Bosch_-_The_Garden_of_Earthly_Delights_-
_The_Earthly_Paradise_(Garden_of_Eden).jpg
Assim ao observarmos a obra mais famosa de Bosch, O jardim das delicias,
podemos experimentar todos esses sentimentos. Bosing (2006, p. 60) se refere a
esse quadro como “[...] a obra principal de Bosch. Ele não pintou outro quadro que
exprimisse a variedade de seus pensamentos de maneira tão clara”. O tríptico é
composto por um painel que representa o paraíso, no qual toda a beleza natural é
expressa por meio da beleza artística de Bosch, os sentimentos se misturam, assim
como as imagens. Ao mesmo tempo em que se vislumbra a perfeição do paraíso, a
apreensão se apresenta ao olharmos a obra toda, pois a mesma composição do
paraíso, um jardim, é visualizado no painel central, no qual o prazer carnal se
evidencia. Já o volante direito da obra, o Inferno, assim, também evidenciamos
elementos que nos remetem à um jardim, porém esse pode ser entendido como: o
jardim dos horrores. Essa forma da arte levar à sensibilidade é, para Hegel, uma
forma de completar as experiências reais, constitui-se como um meio de deixarmos
a sensibilidade aberta aos acontecimentos externos à nós. A representação do
Paraíso exprime um conteúdo que durante a Idade Média foi difundida como uma
verdade incontestável. Contudo esse conteúdo é alheio a vida real dos homens,
perpassa pelo imaginário dessa sociedade. Essa é uma das grandes questões da
arte, sua capacidade de penetrar no homem e nele realizar todo um movimento
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interior por meio de uma realidade exterior que na verdade, da realidade só tem a
aparência, nada mais. Hegel discute essa capacidade da arte apontando que a
[...] sensibilização é obtida pela arte não com o recurso a experiências reais, mas apenas como aparências delas, sobrepondo, por meio da ilusão, as produções artísticas à realidade. Esta ilusão da aparência é possível porque, no homem, toda a realidade tem de atravessar, para alcançar a alma e a vontade, o meio intermediário formado pela intuição e pela representação (HEGEL, 1996, 33).
Figura 2: O Jardim das Delícias (tríptico)
Painel Central Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/88/Hieronymus_Bosch_-
_The_Garden_of_Earthly_Delights_-_Garden_of_Earthly_Delights_%28Ecclesia%27s_Paradise%29.jpg
No painel central do quadro, Bosch traz o Paraíso Terrestre representando-
o por um jardim o qual é composto por muitas figuras inquietantes. Destacamos,
porém, o que percebemos como mais presente em todo o painel: homens e
mulheres nus em ações que nos remetem ao pecado da luxuria. Essa relação se
justifica pelo comentário de Bosing (2006) de que durante o século XV ocorreram
muitas críticas aos pecados da gula e da luxuria por esses serem entendidos como
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os mais corriqueiros dentro dos conventos. Assim a arte de Bosch apresenta um
contexto social e pode ser entendido como uma forma de desenvolvimento moral.
Hegel (1996, p. 35), ainda discutindo o fim da arte, traz a questão da moral
associada ao processo civilizatório, pontua que seria o destino da arte
[...] sobre tudo, l’adoucissement de la barbárie, e é certo que, para um povo que mal entrou na vida civilizada, esta suavização dos costumes constituiu, com efeito, o fim principal a que a arte se destina. Acima desse fim, situa-se o da moralização, que durante muito tempo se considerou como mais elevado
Na perspectiva de Hegel a arte pode suavizar a grosseria, disciplinar os
instintos, as tendências e as paixões e assim contribui para a civilização. O ser
primitivo se caracteriza pela indisciplina dos instintos, a busca pela satisfação dos
desejos, que torna o homem selvagem quando o toma por inteiro, “É isso a
selvageria, força e poder do homem dominado pelas paixões. Será ela suavizada
pela arte na medida em que esta represente ao homem as próprias paixões, os
instintos e, em geral, ele próprio tal como é” (HEGEL, 1996, p. 36). A arte atua
nesse processo porque pode levar o homem a ver o que é, em conseqüência se
conscientize do que deve ser, por isso a arte pode ser entendida como libertadora,
ao exteriorizarmos o que sentimos aliviamos esse sentimento.
Assim, para Hegel, a representação, já consiste em uma catarse, mas há a
necessidade de um conteúdo moralizador que dê à alma condições de combater e,
até mesmo, vencer as paixões, portanto a arte deve “[...] conter algo de tão elevado
que subordine tendências e paixões, precisa irradiar uma ação moral que encoraje
o espírito e a alma na luta as paixões” (HEGEL, 1996, p. 37-38). Contudo, o autor
menciona que essa questão foi muito criticada nos últimos tempos, por
acreditarem que esse não é o fim último da arte. Hegel, se opondo a essa critica,
pontua que a religião, a moral e os costumes já possuem um fim em si mesmo,
porém quando a arte reforça esses fins, mas elevada ela se torna. Dessa forma, a
arte vem educando vários povos. Entretanto, esse fator que constitui o conteúdo
da arte não pode ser seu fim, pois esse está reservado à forma da representação.
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As divergências continuam, pois admitindo a necessidade do valor moral na arte,
questiona-se: esse ensinamento deve ser implícito ou explicito na arte?
O ensino moral implícito é defendido para que não se afirme enquanto
doutrina. No geral, podemos aceitar que o ensino moral implícito se efetiva a
partir de uma dedução da representação, ou seja, ele é conseqüência da
interpretação. Esse argumento vem sendo usado para defender a imoralidade na
arte, ou seja, para chegar à moral é preciso conhecer o outro lado: o mal, o pecado.
Contudo o efeito pode ser contrario do esperado. Hegel (1996, p. 39), exemplifica
pontuando que “as representações de Maria Madalena, a bela pecadora, levaram
ao pecado mais homens do que quantos arrependidos provocaram; mas pode
haver arrependimento sem ter havido pecado? A exigência moral tem aqui um
caráter demasiado geral, demasiado vago [...]”. Já quando o ensinamento moral
esta explicito na obra não há esse risco. Quando está explicito o fato pode ser
entendido como a defesa de um pensamento, a qual Hegel evidencia como a lei.
Por correspondente a moral, na vida humana, à verdade em geral, pretendeu-se que a moralidade constituísse um aspecto essencial da arte. E a verdade, a lei da vontade e da consciência e, portanto, nela a arte deve inspirar todas as suas criações. Há, de um lado, a lei, há, do outro lado, as tendências, sentimentos e paixões, e entre estes e aquela situa-se o ponto de vista moral que obriga o homem a reconhecer e ter presente, sempre que age, o dever, para repelir os interesses egoístas (HEGEL, 1996, p. 40).
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Figura 3: O Jardim das Delícias (tríptico)
Volante Direito: O Inferno Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/17/Hieronymus_Bosch_-
_The_Garden_of_Earthly_Delights_-_Hell.jpg
Podemos entender então como moral, a conscientização das leis, as quais
subordinam a vontade natural e particular do homem “[...] a ação moral deve
combater permanentemente a vontade natural, que o moral, até por sua essência, é
uma luta travada para dominar, para vencer decisamente o natural” (HEGEL,
1996, p. 40-41).
Remetendo esses apontamentos ao terceiro painel do Jardim das Delicias, o
qual retrata o inferno na concepção de Bosch, fica evidenciado que o ensinamento
moral está representado de forma explicita. Os monstros que compõem a imagem
despertam temor, assim como a forma em que monstros e demônios castigam os
pecadores, causam terror e levam a conscientização de que as ações terrenas
devem seguir a lei. Assim, a representação, pode tornar presente o mal, o horror e
medo, experimentamos, pela arte, as emoções mais violentas, as quais podem ser
entendidas como uma forma de fortalecer a moral, um meio de oposição eficiente
as paixões.
Hegel elucida que o ponto de vista moral é uma oposição entre o espírito e
a carne, essa questão não é especifica de um determinado momento, ela sempre
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permeou a consciência da humanidade, mesmo que de formas variadas. O homem
vive oscilando em dois mundos,
[...] De um lado, o mundo verdadeiro e eterno das determinações autônomas; do outro lado, a natureza, as inclinações naturais, o mundo dos sentimentos, dos instintos, dos interesses pessoais e subjetivos. De um lado, deparamos com o homem sujeito à realidade vulgar e à temporalidade terrestre, atormentado pelas exigências e tristes necessidades da vida, amarrado à matéria, em busca de fins e prazeres sensíveis, vencido e arrastado por tendências e paixões; do outro lado, vemo-lo elevando-se a idéias eternas, ao reino do pensamento e da liberdade, sujeitando a vontade ás leis e determinações gerais, despojando o mundo de realidade viva e florescente para o resolver em abstrações, e condição esta do espírito que só afirma o seu direito e a sua liberdade quando a domina impiedosamente a natureza, como se quisesse vingar as misérias e violências que ela o obriga a suportar (HEGEL, 1996, p. 41).
Mesmo admitindo que essa oscilação sempre esteve presente na existência
humana percebemos essa questão muito forte na época de Bosch. Suas obras,
especialmente, O Jardim das Delícias mostra-nos, por meio da representação, a
batalha que o homem medievo travava nesse momento. A arte de Bosch ao
representar as paixões terrenas que deveriam ser vencidas, pois, se assim não
fossem, o horror do inferno seria eterno e o bem supremo jamais seria alcançado,
apresenta um conteúdo moral que proporciona aos homens a exteriorização de
seus sentimentos e, conseqüentemente, contribui com o processo de civilização.
Assim, na concepção de Hegel o fim da arte é: suavizar a selvageria.
Considerações Finais
A arte, em todas suas formas de concretização, constitui-se enquanto uma
linguagem humana que vem apresentando historicamente um papel social efetivo.
Diante desse contexto, fica-nos evidente sua atuação no processo educacional. Por
meio de uma breve reflexão a cerca da estética da arte apresentada por Hegel
pudemos verificar que a arte enquanto parte da filosofia participa do processo que
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busca refletir a totalidade do universo e neste contexto auxilia o processo
civilizatório da humanidade.
Ao encontro desse pensamento, pudemos situar as obras do pintor Bosch. A
obra aqui tratada, O Jardim das Delicias, nos levou a refletir o papel da arte na
educação dos homens. A sensibilidade que a arte proporciona leva a catarse, que é
aqui entendida como uma forma de purificação e de combater as paixões terrenas,
pois entendemos que para Hegel a arte possibilita o homem visualizar-se em
objetos que não são reais, mas assim o faz, como se fossem. Assim a arte tem um
conteúdo moralizador, o qual, está diretamente ligado ao processo de educação.
Dessa forma podemos evidenciar a relação entre essas duas áreas: arte e educação.
REFERÊNCIAS
BOSING, W. Hieronymus Bosch: cerca de 1450 a 1516. Entre o céu e o inferno. Paisagem, 2006.
EPICURO. Carta sobre a Felicidade a Meneceu. São Paulo: UNESP, 2002.
GUIZOT, F. História da civilização na Europa. Lisboa: Livraria editora e officina typographica e endadernação, 1907 .
HEGEL, G. W. F. Curso de Estética: o belo na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ROHDEN, R. Filosofia da Arte: a metafísica da verdade revelada na estética da beleza. São Paulo: Martin Claret, 2007.