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EDUCAÇÃO DO CAMPO EM LENTES MULTIFOCAIS: POLÍTICAS,
FORMAÇÃO E PRÁTICAS...
A educação do campo, fruto das pressões dos movimentos sociais, tem permeado as
pautas dos debates educacionais no Brasil principalmente no que tange às
reivindicações de melhores condições de vida, de educação, de sobrevivência e de
acesso aos bens culturais da população brasileira campesina. No intuito de fomentar
essas discussões, serão apresentados neste painel, artigos resultantes de pesquisas
desenvolvidas por mestres, doutoranda e doutora que dialogam sobre políticas públicas,
formação e práticas docentes de professores que atuam em escolas do campo, no estado
de Mato Grosso. As investigações tiveram como objetivo analisar e refletir sobre as
influências das atuais políticas públicas para a educação do campo, principalmente as
que se referem a formação de seus educadores, e se estas políticas têm impactado nas
práticas de seus professores nas salas de aula. De abordagem qualitativa as pesquisas
procuraram por meio de entrevistas, narrativas, análise documental, observação e
estudos bibliográficos responder às seguintes indagações: Quais são os impactos das
políticas públicas na gestão e no trabalho docentes nas escolas do campo? A formação
dos professores que atuam nas escolas do campo tem influenciado em suas práticas em
sala de aula? As práticas educacionais e as políticas de formação dos professores que
atuam na educação do campo têm respondido às expectativas de aprendizagem da
comunidade do campo? As investigações trouxeram como sujeitos, gestores,
professores, pais e alunos das escolas do campo. Os resultados apontaram que em Mato
Grosso repete-se a desvalorização da Educação do Campo do cenário nacional, uma vez
que as políticas pensadas e escritas não chegaram ao campo, ainda.
Palavras-chave: Educação do Campo. Políticas Públicas. Formação e Práticas Docente.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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PRÁTICAS DE ENSINO NA ESCOLA NO/DO CAMPO E POSSIBILIDADES
DE PESQUISA AÇÃO
Josenilde Paniago/SEMEC /MT [email protected]
Rosenilde Nogueira Paniago/IFGOIANO [email protected]
Resumo: A investigação que ora se apresenta foi realizada em uma escola do campo em
Mato Grosso com a intenção de buscar novas alternativas para a prática de ensino na
escola, utilizando a pesquisa ação como ferramenta pedagógica. De abordagem
qualitativa, foi desenvolvida por meio do estudo de referenciais que discutem a pesquisa
na formação, na prática docente, educação no/do campo e, da realização de projetos de
ensino e pesquisas pelos dez professores participantes, a partir dos espaços verdes
horta/viveiro e recomposição pelo sistema agroflorestal. Utilizou-se como instrumentos
de coleta de dados a observação em diário de campo e entrevistas com os dez
professores para avaliar os resultados. O trabalho possibilitou estreitar as relações entre
a escola e a comunidade educativa por meio das ações que envolveram as famílias e
ressignificar a prática de ensino por meio do trabalho com a pesquisa ação a partir de
situações vinculadas a problemáticas socioambientais do contexto em que vivem as
crianças, os jovens, os adultos, enfim as famílias do campo. Os resultados apontaram
ainda, a necessidade da formação contínua teórica-metodológica, o envolvimento
coletivo dos docentes e políticas públicas que favoreçam condições adequadas de
trabalho e valorização profissional para novas práticas de ensino na escola no/do campo
pelo viés da pesquisa. Não obstante, realça-se que o interesse dos professores para se
envolverem em práticas colaborativas de pesquisa na prática docente é outro elemento
fundamental para que esta atividade se concretize no ambiente escolar. Enfim, falar em
pesquisa na prática docente sem um cenário que a favoreça é mesmo uma pura falácia.
Palavras-chave: Prática de ensino no campo. Pesquisa ação. Vida no campo
Considerações iniciais
Esta investigação teve como objetivo buscar novas alternativas para a prática de
ensino na escola no/do campo utilizando a pesquisa como ferramenta pedagógica, a
partir do que os professores consideram como desafios enfrentados na atualidade. No
caso da escola no do campo, os desafios decorreram tal como de outras escolas, dos
acelerados avanços da ciência, da tecnologia, dos meios de informação e comunicação
(TIC), das novas relações que se estabelecem no cotidiano da escola, fruto da
diversidade, das relações singulares e heterogênea, como também das situações
singulares destas escolas que se traduzem pelo trabalho com turmas de diversos níveis,
da dificuldade de se concretizar a relação teoria e prática entre os conhecimentos
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indicados pelas diretrizes curriculares nacionais, dos sistemas de ensinos locais com as
questões socioculturais, ambientais, econômicas do cotidiano da comunidade educativa
escolar.
Realçamos que compreendemos a comunidade do campo na acepção de Caldart
(2004) ao se referir aos povos do campo, como a mulher, o homem, as famílias que
moram e sobrevivem, nos diferentes ambientes e ecossistemas que compõem esse
espaço. Ao utilizarmos o termo escola no/do campo, nos referimos a uma escola
localizada no campo, com uma proposta pedagógica específica que atenda aos aspectos
socioculturais, ambientais, econômico, as histórias de vida de quem vive neste espaço.
Não obstante, devemos ter em conta que a escola no/do campo, requer propostas
pedagógicas diferenciadas, metodologias e estratégias didáticas que contemplem e
valorizem esta diversidade, de tal forma como aponta as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica (2002) em seu Art. 5º: “As propostas pedagógicas das escolas do
campo [...] contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais,
culturais políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”.
Entretanto, a inclusão no planejamento escolar de elementos da vivência do
aluno, era para nós, um grande desafio e, nessa trama complexa, a pesquisa no cotidiano
escolar se configurou como uma possibilidade importante para o trabalho com o
processo ensino e aprendizagem do aluno do campo, como alternativa de mediação
entre os conteúdos conceituais e os seus saberes, enfim, como uma estratégia de
inclusão de elementos da vivência do cotidiano das crianças, do jovem, do adulto, de
forma a tornar a sua aprendizagem mais significativa.
O exposto justifica a realização da investigação em uma escola localizada no
campo, interior de Mato Grosso com a participação de 10 professores de diferentes
áreas de conhecimento, direcionada pelas seguintes questões: como trabalhar o processo
ensino e aprendizagem da escola do campo utilizando a pesquisa como ferramenta
pedagógica de ensino? Como envolver os professores em um processo coletivo de
pesquisa no cotidiano da escola do campo?
Metodologia
No estudo de abordagem qualitativa, procuramos envolver os professores desde
o início das atividades, tendo como princípio, de que o trabalho coletivo teria mais
significado, na acepção indicada por Alarcão (2011) ao defender o trabalho coletivo e
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uma escola reflexiva como comunidade de aprendizagem e local onde se produz
conhecimento acerca da educação. A ação inicial foi uma fundamentação teórica-
conceitual, nos momentos de formação continuada, durante os anos 2008 e 2009,
assentada em referenciais na literatura brasileira, que discutem a pesquisa na formação e
prática docente e educação no/do campo, e, em um segundo momento, adotando uma
metodologia baseada na pesquisa ação, na perspectiva apontada por Alarcão (2011), em
que a “pesquisa ação é uma metodologia de intervenção social cientificamente apoiada e
desenrola-se segundo ciclos de planificação, ação, observação”, incentivamos os
professores juntamente com os alunos a desenvolverem trabalhos por meio de projetos e
pesquisas na escola.
Utilizamos como instrumentos de coleta de dados a observação em diário de
campo e entrevistas com os professores para avaliar o resultado do trabalho. Serão
apresentadas neste texto, a fala de apenas 3 professores que serão identificados como
P1, P2 e P3, professoras que dentre o grupo, apresentaram pesquisas em eventos
científicos. A professora P1 e P2, pedagogas, trabalhavam com o 4º e 3º ano do Ensino
Fundamental respectivamente; a professora P3, licenciada em Ciências da Natureza e
Matemática na modalidade de EAD, atuava com o ensino de Ciências nas turmas dos
anos finais do Ensino Fundamental.
A interpretação e análise dos dados coletados por meio das entrevistas, foi feita
por meio de análise de conteúdo, o que Bardin (2013, 199) afirma ser: “ [...] um
conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimento relativo às condições
de produção/recepção destas mensagens”.
As práticas de ensino por meio de projetos e pesquisa ação na escola no/do campo
A pesquisa na formação e no trabalho é apontada por vários estudiosos como
importante e necessária, tais como Diniz-Pereira (2002), Demo (1998) Ludke (2001),
André (2001), Alarcão (2011), Zeichner (1993) dentre outros. É também um assunto
incluído em programas de formação docente, como apresentado no Parecer CNE/CP
009/2001 que trata das Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial
[...] a pesquisa constitui um instrumento de ensino e um conteúdo de
aprendizagem na formação, especialmente importante para a análise
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dos contextos em que se inserem as situações cotidianas da escola,
para construção de conhecimentos que ela demanda e para a
compreensão da própria implicação na tarefa de educar [...] (Parecer
CNE/CP 009/2001, p.36).
Nos estudos realizados encontramos em Schön (1983) uma fértil referência da
valorização dos profissionais da educação básica como produtores de conhecimento,
com fortes contributos para a disseminação desta perspectiva formativa, ao propor uma
epistemologia da prática a partir dos elementos: a reflexão-na-acção, a reflexão-sobre-a-
acção e o conhecimento-na-acção. Alarcão (2011) nos ajuda a explicar este processo, ao
dizer que, na reflexão na ação ocorre um diálogo na ação sem interrompê-la, embora
com certo afastamento, mesmo que breve. Já a reflexão sobre a ação implica em um
distanciamento da ação para sua análise. Agora, para que a reflexão tenha valor
epistêmico, com a produção de conhecimentos para serem utilizados em outras
situações, é importante que “esse processo seja acompanhado por uma meta-reflexão
sistematizadora das aprendizagens ocorridas. É o processo de metarreflexão de que nos
fala Schön, ao pôr em destaque a relevância da reflexão sobre a reflexão na ação” (ibid,
p.54). Reconhecemos, entretanto, as limitações das proposições de Schön (1983) em
não considerar a perspectiva da coletiva e avançamos nesta proposta para um trabalho
colaborativo na comunidade escolar por meio da pesquisa ação. Ancoramos também
nossas discussões em Zeichner (1993) ao propor uma perspectiva formativa em que a
prática reflexiva é a orientada pela pesquisa. Esse autor tem-se dedicado em seus
estudos e experiência ao trabalho com a pesquisa-ação como alternativa para preparar
professores que possam atuar ativamente no contexto em que convivem.
Na discussão que permeia a pesquisa na formação e prática docente, diferentes
termos são usados, para identificar essa prática, conforme Diniz-Pereira [...] (2002,
p.12), “pesquisa-ação, investigação na ação, pesquisa colaborativa e práxis
emancipatória”. Outros termos são dados à pesquisa como recurso didático na escola,
apontados por Preti:
[...] Pedagogia de projetos, que visaria, a “re-significação do espaço
escolar, transformando-o em um espaço vivo de interações, aberto ao
real e às suas múltiplas dimensões” (LEITE, 1996). Outros preferem
falar em Projetos de Trabalho, como Hernandez e Ventura, (1998),
uma proposta vinculada à perspectiva do conhecimento globalizado e
relacional ou em Projetos Curriculares Integrados (TORRES
SANTOMÉ, 1998) ou, simplesmente, em Pesquisa na escola
(BAGNO, 2000), (PRETI, 2002, p.9).
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Independente dos termos, processos e resultados, a nossa pretensão foi mobilizar
o trabalho com projetos e de pesquisa como uma ferramenta que permitisse articular os
saberes necessários para a solução dos problemas do ensino e aprendizagem de nossos
alunos e da comunidade educativa escolar, de modo a possibilitar um processo de ação,
análise, reflexão e intervenção na realidade. Desta forma, inicialmente dialogamos e
definimos a temática que nortearia o trabalho coletivo. Suscitamos os professores a
levantarem problemas que orientariam o trabalho, sendo apontando como tema
problema, na perspectiva socioambiental, a degradação da nascente que abastece a
localidade e a necessidade da construção de uma horta na escola para que a teoria fosse
concretizada de forma viva no ambiente escolar e que houvesse a incorporação dos
saberes dos alunos. Optamos então pela construção de um viveiro/horta na escola e a
recomposição da nascente com sistema de Agrofloresta. Segundo Armando (2003), a
Agrofloresta (SAF) é a um sistema de produção sustentável, que resulta em maior
segurança alimentar e economia, tanto para os agricultores, como para os consumidores.
A escola, campo empírico da pesquisa, possuía em 2008, 260 alunos,
distribuídos da Educação Infantil ao Ensino Médio, oriundos de dois projetos de
assentamentos, localizados em um município a aproximadamente 830 Km da capital de
Mato Grosso, Cuiabá. Alunos inseridos em uma realidade sociocultural, ambiental
diversificada, alguns com uma situação econômica favorável, outros com dificuldades
financeiras, de sobrevivência face aos desafios de residirem em propriedades de 60 a 70
há, com alto índice de improdutividade, solo árido, pedregoso e com falta de água
acessível ao consumo familiar e dos animais.
Nosso trabalho se situou, portanto, em um contexto de mobilização para discutir
a educação no/do campo e construção de novas práticas de ensino, fazendo parte de uma
luta por políticas públicas que atendam a realidade do campo, presente não somente em
Mato Grosso, mas em todo o Brasil, conforme o documento final da II conferência por
uma Educação do Campo (2004):
A nossa caminhada se enraíza nos anos 60 do século passado, quando
movimentos sociais, sindicais e pastorais passaram a desempenhar
papel determinante na formação política de lideranças do campo e na
luta pela reivindicação de direitos no acesso a terra, água, crédito
diferenciado, saúde, educação, moradia, entre outras. Fomos então
construindo novas práticas pedagógicas através da educação popular
que motivou o surgimento de diferentes movimentos de educação no
campo, nos diversos estados do país (2004, p.4).
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A discussão acerca da Educação no/do Campo chegou ao grupo de professores
da escola, campo empírico da presente pesquisa, no início de 2008, quando Paniago
(2008) apresenta sua dissertação de mestrado, fala dos princípios da educação do
campo, da pesquisa no cotidiano escolar e motiva a discussão na escola. Imbuídas,
portanto, do desejo de realizar novas práticas de ensino, e suscitar questionamentos e
reflexões acerca da realidade sociocultural e ambiental da comunidade educativa,
iniciamos a construção da horta em 2008. Dialogicamente foi construído um projeto
mãe/guarda chuva intitulado “Pedagogia na horta escolar” e, a partir dele, os 10
professores da escola, se engajaram em frentes de trabalho por meio de projetos. Para
ilustrar, os citaremos com respectivos objetivos: 1)Plantas Medicinais Caseiras –
investigar as plantas mais consumidas pela comunidade, verificar seu uso e cultivá-las;
2)Projeto Alimentação Alternativa e equilibrada - investigar o uso de alimentos
alternativos na comunidade e incentivar seu consumo; 3) Projeto Horta Orgânica
Escolar- estudar alternativas de combate aos invasores, realizar compostagem e
estimular o cultivo. Ao falar sobre o projeto Horta Escolar Orgânica a professora P2, se
manifesta:
Tivemos uma especial atenção pelo cultivo da horta orgânica na
escola. Todas as séries zelam de um a dois canteiros e cultivam mudas
no viveiro sob a orientação dos professores. Mas no trabalho com a
minha turma, além de cuidar do canteiro, trabalhar o ensino a partir da
horta, procuramos estudar, investigar maneiras de combater as pragas
com alternativas naturais e fazer a compostagem na escola.
Praticamente os alunos comeram legumes e verduras fresquinhas
durante este ano, além de que distribuímos para a comunidade a
produção excedente. (P2, entrevista 10/2009).
A professora P2, demonstra que o trabalho na horta não se ateve à mera
manutenção, para, além disto, preocupou-se com uma pedagogia na horta escolar,
envolvendo a aprendizagem de conteúdos conceituais, questões pertinentes ao uso das
substituições de agrotóxicos por produtos naturais, utilização das sobras da merenda
escolar por meio da compostagem e partilha do excedente da horta à família dos alunos.
Foi possível observar que a professora visitava as famílias durante a realização do
projeto, como sinaliza nosso diário de campo:
Meados de maio do ano de 2008, em visita a 3 famílias de alunos do
3º ano com a professora da turma, pudemos verificar que o trabalho
com a horta na escola, transcende os seus muros e atinge a
comunidade, na medida, em que as mães foram enfáticas em
afirmarem que estavam plantando a horta em casa por influência de
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seus filhos. Por estarem plantando na escola, achavam que também
tinham que cultivar em casa (Diário de Campo, 10/05/2008).
Conforme se observa, as intencionalidades pedagógicas do trabalho se estendiam
para além dos espaços físicos da escola, numa relação, análoga ao que pontua Brandão
(2005, p.25)“ Ao estender o” meu jardim” para além dos limites de minha propriedade,
eu estendi foi a minha própria vida e foi o meu sentido de vida até limites onde ela
própria sai de seus muros e se alarga a todo o mundo e a toda a vida que há nele [...]”.
Em 2009 foi construído o viveiro, dado continuidade ao trabalho da horta e,
replanejado o projeto mãe que foi intitulado “Pedagogia na Agrofloresta”. A partir dele
foram desenvolvidos os seguintes projetos com respectivos objetivos: 1)Sabores do
cerrado - investigar o valor nutritivo de algumas espécies nativas do cerrado; 2)
Medicina artesanal do Cerrado - investigar a utilidade medicinal e artesanal de espécies
nativas do cerrado; 3) Cantinho alegre na escola - criação de espaços ornamentais na
escola por alunos da Educação Infantil; 4) Recuperação de nascente com Sistema de
Agrofloresta - realizar a recuperação de uma nascente com plantas cultivadas no
viveiro. Os trabalhos foram sistematizados em relatórios e apresentados em mostras
culturais e cientificas, realizadas na comunidade educativa e município. Ao falar sobre
as atividades realizadas envolvendo o cerrado, as professoras afirmaram que:
No viveiro nós cultivamos algumas mudas de espécies ornamentais e
nativas. As nativas foram de sementes moles que não podem ser
conservadas, tipo mamacadela, cagaita e mangaba, pois as de
sementes duras, nós preferimos usar direto no plantio ao invés de fazer
muda no viveiro. Com a realização deste projeto que teve como
objetivo melhorar a qualidade do cardápio escolar procuramos
inicialmente buscar alternativas, estratégias para que os alunos e seus
pais percebessem a necessidade de terem uma alimentação saudável e
equilibrada sem deixar de lado o cuidado e o zelo pelo meio ambiente,
pois no projeto procuramos valorizar as riquezas do cerrado ( P1,
entrevista 11/2009).
Por essa ser uma região de assentamento agrário onde predomina o
cerrado, que está muito degradado [...] inclusive também as matas
ciliares e nascentes, nós vimos à necessidade de encontrarmos uma
forma de recuperar e preservar o cerrado de modo sustentável, ou seja,
uma alternativa em que as famílias de agricultores possam plantar para
o seu sustento e conservar a natureza [...] percebemos a necessidade
de fazermos um estudo sobre o pequizeiro, como alternativa
sustentável de produção, levando em conta também a necessidade dos
assentados se manterem economicamente (P3, entrevista 10/2009)
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As professoras sinalizam em seus depoimentos, as intencionalidades do papel da
escola, questões para além do ensino de conhecimentos conceituais, para conhecimentos
da vida, questões socioculturais, econômicas e ambientais, na medida, em que, além do
trabalho pedagógico vinculado ao ensino com a coleta dos frutos do cerrado, plantio de
mudas no viveiro.
A professora P1 se preocupa com a alimentação das crianças e respectivas
famílias e, para tanto, realiza oficinas de arte culinária na escola para o trabalho de
cardápios diferenciados com os frutos do cerrado. Nossos registros evidenciam o
trabalho da professora P1“[...] durante uma aula para coleta de frutos a professora
discutiu com os alunos a intenções da aula [...] destacou que não se tratava apenas de
um passeio, mas que coletariam sementes e frutos para estudarem, verificarem a época
certa da colheita e aproveitarem a polpa para a merenda da escola (Diário de Campo,
08/2008). Importa ainda salientarmos que a professora P1 sistematizou os trabalhos
realizados e apresentou os resultados em eventos científicos. Não obstante, recebeu
convites para realização de oficinas dos frutos do cerrado em municípios circunvizinhos
ao seu.
A professora P3, manifesta preocupação quanto a trabalho com o meio do aluno,
de questões econômicas de produção sustentável no campo, ao trazer o estudo das
utilidades do pequi como forma de manter o cerrado em pé em substituição da cultura
tradicional da derrubada do cerrado e matas para o cultivo de roças e criação de
bovinos. A professora P3 sob a nossa orientação teve seus alunos entre os vencedores da
Mostra Nacional de Ciências e Tecnologia em 2009, demonstrando que é possível fazer
pesquisa na escola do campo. Os professores participantes da investigação, ao falarem
sobre o trabalho com projeto e pesquisa na escola, assim manifestaram:
Trabalhar com projetos e com pesquisa significa aumentar nossos
conhecimentos, usar novas metodologias de ensino e aprendizagem
(P1, entrevista 11/2009).
O trabalho com pesquisa em sala de aula é importante, por oferecer ao
aluno uma nova metodologia, uma nova maneira de aprender,
buscando novos conhecimentos e promovendo a formação de um
aluno crítico, participativo e ativo (P2, entrevista 10/2009).
O trabalho com pesquisa é importante, pois ajuda a inovar a prática
pedagógica. Porque ao trabalhar a realidade do aluno, eles se sentem
mais motivados, tornando as aulas mais prazerosas (P3, entrevista
10/2009).
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As falas dos entrevistados sinalizam o olhar sobre o trabalho e estabelecem uma
relação entre o trabalho com projetos de ensino e pesquisa e a motivação do aluno
quanto à aprendizagem, tornando-a, mais significativa e prazerosa. Por se tratar do
trabalho com questões alusivas ao seu meio, o aluno do campo se envolve e encontra
sentido na aprendizagem dos conteúdos conceituais. Ocorre então uma educação, um
ensino e aprendizagem, conforme aponta Arroyo (2004), ao defender os princípios da
escola do campo:
Escola sim, mas vinculada ao mundo do trabalho, da cultura, ao
mundo da produção, vinculada à luta pela terra, ao projeto popular de
desenvolvimento do campo. Nós temos que recuperar os vínculos
entre educação e terra, trabalho, produção, vida, cotidiano de
existência; aí é que está o educativo (ARROYO 2004, p. 77).
Destacamos que nos estudos teórico-conceituais, durante a formação continuada,
trabalhamos os conceitos de projeto, na acepção de Pimenta e Lima (2011), em que
projetos são ações planejadas, que podem gerar invenções na realidade educativa e, por
conseguinte, se partir de um rigor metodológico, teórico-conceitual, pode gerar a
produção de conhecimento, caminho exigido pela pesquisa científica.
Nesta perspectiva, para além da produção do conhecimento, pretendíamos com a
realização dos projetos nos espaços verdes – horta/viveiro/jardim e recomposição com
sistema agroflorestal – sensibilizar os professores quanto à vinculação do trabalho em
sala de aula com as questões do campo, da vida social, da sustentabilidade, fato
expresso na fala de P1 ao falar sobre esta questão: “conseguimos ampliar nossos
conhecimentos para melhorar a nossa relação com a natureza e meios de
sustentabilidade” e P3 quando fala sobre este aspecto enumera as possibilidades do
trabalho com projetos e pesquisa na escola do campo: aquisição de novos
conhecimentos, trabalhar em conjunto com a comunidade, conhecer e respeitar a
natureza, buscar novas alternativas de sobrevivência sustentável”. Neste sentido,
corroboram Paniago e Rocha (2012, p.409), ao realizarem pesquisa focando o ensino da
Matemática, na referida escola, afirmam que:
A construção da horta e do viveiro foi uma ação extremamente
significativa, pois envolveu a comunidade escolar. Esses espaços,
além de terem sido, um laboratório vivo para as aulas de Matemática,
foram utilizados pelos demais educadores nas outras áreas de
conhecimento.
A realização das práticas de ensino nos espaços verdes horta/viveiro/jardim e
recomposição de nascente, possibilitaram o contato com diversos tipos de sementes,
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saberes e suscitou reflexão acerca dos aspectos biológicos e ecológicos do cerrado. Para,
além disso, foi possível trabalhar várias áreas disciplinares, valorizar os saberes dos
alunos do campo e, desenvolver pesquisa no cotidiano da escola, na medida, em que, de
alguns projetos, foram geradas pesquisas. Em 2008, dois alunos do 9º Ensino
Fundamental apresentaram a pesquisa intitulada “Agrofloresta e matemática: qual a
relação? Com a intenção de discutir o que poderiam aprender de matemática em um
sistema de agroflorestal; em 2009 outros dois alunos apresentaram a pesquisa intitulada
“O pequi: carne do cerrado para o pequeno produtor rural” com o objetivo de refletir
sobre a produção sustentável do Pequi na região. Os dois trabalhos são vencedores na
Mostra Nacional de Ciências e Tecnologia. Reafirmando que conforme Demo (1998,
p.44):
Pesquisar não é somente produzir conhecimentos, é, sobretudo
aprender em sentido criativo. É possível aprender escutando aulas,
tomando nota, mas aprende-se de verdade, quando se parte para a
elaboração própria, motivando o surgimento do pesquisador que
aprende construindo.
Os espaços viveiro, horta, jardim e a recomposição com sistema de agroflorestal,
se tornaram espaços vivos para a realização das aulas, estudo, análise, reflexão e
intervenção, ou seja, um processo de ação, reflexão na e sobre a ação, na perspectiva
apontada por Schön (1983). Assim, os professores colaborativamente experimentaram
várias situações de ensinar, aprender a elaborar e desenvolver projetos de ensino e
pesquisa a partir dos espaços verdes – viveiro, horta, jardim e recomposição com
sistema de agrofloresta.
Considerações finais
O trabalho com projetos de ensino e a prática de pesquisa na escola, são
alternativas valiosas para que os professores sejam questionadores, re(construam) novas
práticas de ensino e, suscitem nos alunos o prazer em problematizar a realidade vivida.
No caso da nossa investigação, o trabalho nos espaços verdes – horta/viveiro e
recomposição pelo sistema agroflorestal – foram fundamentais por se tratar de espaços,
situações vividas pelos alunos do campo e vinculadas à sustentabilidade. Sendo,
portanto, uma discussão atual e necessária para o homem, a mulher, o jovem, enfim as
famílias do campo. No caso dos professores do campo, oportuniza uma reflexão a
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respeito da escolha deste ou daquele conteúdo, da formação de pessoas com
posicionamento crítico e reflexivo e sobre o seu papel na construção de sua própria
identidade profissional e da identidade do povo de sua comunidade.
Entretanto, apesar, das possibilidades do trabalho com a pesquisa na escola
serem abundantes, os desafios também o são, alguns deles vinculados a formação
teórico-metodológica e das políticas públicas que não garante condições de trabalho
para os professores, condicionam suas práticas de ensino e conhecimentos a serem
trabalhados às políticas de avaliação local e nacional (prova Brasil, IDEB), dentre
outras.
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14
EGRESSAS DA LICENCIATURA SOB A LENTE DA COMUNIDADE DO
CAMPO
Suely Maria Pires/SEDUC/OBEDUC
Rosimeire Cardoso Correia/ SEMED
Eder Carlos Cardoso Diniz/IFRO
Resumo: O presente trabalho foi realizado com o apoio do Programa Observatório da
Educação/CAPES/INEP/SECADI, tendo em vista ser pesquisa que compõe o projeto
maior do OBEDUC. Este estudo tem como objetivo analisar os impactos das políticas
educacionais existentes no Estado de Mato Grosso, que tenham como centralidade a
formação de professores do e para o campo, investigando que percepções possuem,
gestão, pais e alunos em relação à docência de egressas das licenciaturas que atuam nas
escolas do campo. As questões que nortearam esse estudo foram: Em que contexto essas
egressas chegou à escola? Em quais políticas educacionais de formação se apoiaram?
Essas egressas receberam orientação ou formação sobre como trabalhar em uma escola
do campo? As práticas dessas egressas atendem às propostas da educação do campo?
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, teve como instrumento de coleta de dados às
entrevistas narrativas. O lócus da pesquisa foi uma escola estadual do campo, localizada
em um distrito no município de Rondonópolis Estado de Mato Grosso. A pesquisa
trouxe como sujeitos o gestor da escola lócus da pesquisa, dois pais e dois alunos do
ensino médio. O foco das análises são as práticas de duas professoras egressas na
educação do campo que vivem e moram na zona urbana que atuam em escolas do
campo na rede estadual de ensino. Os resultados apontaram que a ausência de uma
política de formação dos professores egressos das várias licenciaturas que se destinam a
docência no campo tem interferido para a não efetivação de uma docência de sentido
para os sujeitos que vivem, trabalham e estudam no campo.
Palavras chave: Educação do campo. Políticas Públicas. Formação de professores.
Introdução
A Educação do Campo é uma modalidade que tem ganhado espaço nos debates
educacionais nos últimos anos. Ela vem sendo escrita, discutida e debatida por teóricos,
estudiosos e pesquisadores na busca por um conjunto de políticas públicas significativas
que visem à formação humana dos sujeitos do campo em sua totalidade.
Essas discussões compreendem a Educação do Campo, como afirma Caldart
(2008) como àquela que se volta aos trabalhadores e trabalhadoras do campo, os quais
por sua vez, há muito tempo vem sendo vítimas no processo de exclusão e
empobrecimento no Brasil, por uma educação que lhes foi oferecida ao longo do tempo
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sem corresponder a sua realidade e que segundo Caldart (2008, p. 50) deve ser pautada
em “uma tradição que oriente a pensar a educação colada à vida real, suas contradições,
sua historicidade; a pretender educar os sujeitos para um trabalho não alienado; para
intervir nas circunstâncias objetivas que produzem o humano.”
Entretanto, apesar da significativa inserção da Educação do Campo nas
discussões educacionais, pouco se tem debatido sobre um ponto fulcral para a qualidade
desta, a formação de seus professores, pois, diante das atuais políticas para essa
modalidade no Brasil, há de se pensar uma formação específica para os docentes que
irão atuar no campo, seja este camponês ou da cidade.
Estudos têm demostrado o despreparo de professores oriundos das cidades que
vão trabalhar no campo. Embora o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) defenda que o professor do campo tenha que pertencer a este, isto ainda não se
faz presente na realidade das escolas inseridas nesse meio, uma vez que não há uma
política que assegure ao professor do/no campo a permanência em seu vínculo, que lhe
garanta uma estabilidade só pelo fato de pertencer ao campo.
Ante o exposto, o objetivo desse artigo é analisar os impactos das políticas
educacionais existentes no Estado, que tenham como centralidade a formação de
professores do e para o campo investigando que percepções possuem a gestão, os pais e
os alunos em relação à docência de egressas das licenciaturas que atuam nas escolas do
campo no Estado de Mato Grosso. O presente trabalho foi realizado com o apoio do
Programa Observatório da Educação/CAPES/INEP/SECADI e fez parte de uma
pesquisa de mestrado concluída que investigou a formação de professores do e para o
campo e sua fixação, incluindo egressas-iniciantes, bem como professores experientes
que atuam na escola do campo, no sentido de analisar como as políticas para a educação
do campo as (des)assistem em sua formação. As questões que nortearam este estudo
foram: Em que contexto essas egressas chegaram à escola? Em quais políticas
educacionais de formação se apoiaram? Essas egressas receberam orientação ou
formação sobre como trabalhar em uma escola do campo? As práticas dessas egressas
atendem às propostas da educação do campo? Esta pesquisa é de natureza qualitativa,
tendo como foco de análise as entrevistas narrativas. A pesquisa trouxe como sujeitos o
gestor da escola lócus da pesquisa, dois pais e dois alunos do ensino médio. O foco das
análises são as práticas de duas professoras egressas na educação do campo que vivem e
moram na zona urbana, mas que atuam em escolas do campo na rede estadual de ensino.
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A investigação procurou por meio das entrevistas narrativas apresentar as
percepções da gestão, pais e alunos acerca da formação e compromisso dessas egressas
para atuarem nas escolas do campo.
Os caminhos percorridos
O estudo ao qual nos propomos a desenvolver é de abordagem qualitativa, e tem
como instrumento de coleta de dados a entrevista narrativa. A escolha pela abordagem
qualitativa se deu pelo fato de que uma de suas características é que os pesquisadores
que adotam esse tipo de pesquisa estão mais preocupados com o processo que envolve
os fatos estudados do que simplesmente com os resultados ou produto de sua pesquisa.
Essa peculiaridade da pesquisa qualitativa é a que melhor contempla os estudos
desenvolvidos na área educacional conforme esclarece Lüdke e André (1986, p. 13) esse
tipo de pesquisa “vêm ganhando crescente aceitação na área de educação, devido
principalmente ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola. ”
A escolha pela entrevista narrativa como instrumento de coleta de dados
apoiou-se conforme Jovchelovitch e Bauer (2003, p. 93) na ideia básica de “reconstruir
acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto
possível.” Os autores salientam que, “as narrativas são infinitas em sua variedade, e nós
as encontramos em todo lugar”. Ainda ressaltam que “através da narrativa, as pessoas
lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram
possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem
a vida individual e social (2003 p. 91). ”
A investigação se desenvolveu em uma escola pública estadual do campo
localizada em um distrito no município de Rondonópolis Estado de Mato Grosso. Por
estar localizada bem próxima a cidade a mesma tem sido procurada constantemente por
professores em trânsito que fazem concurso para o norte do Estado e conseguem através
das políticas generalistas e de arranjos políticos se removerem para esta escola onde
ficam até conseguirem vaga em escolas em suas cidades. O critério de escolha por essa
escola se deu pelo fato dos grandes transtornos que alguns desses professores têm
causado na aprendizagem dos alunos do campo, uma vez que os mesmos ingressam
nessa escola sem formação nenhuma para atuarem nessa modalidade de educação.
Adotamos como sujeitos da pesquisa o gestor da escola, dois pais de alunos e
dois alunos do ensino médio. Tendo em vista a preservação das identidades dos mesmos
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os identificaremos como: GESTOR, pai do aluno do ensino fundamental (P1), mãe do
aluno do ensino médio (M2), aluno do ensino médio (A1) e aluna do ensino médio A2).
A intenção da investigação é analisar por meio da percepção desses sujeitos se as
políticas generalistas, a formação e o compromisso dessas egressas (egressas das
licenciaturas que atuam nas escolas do campo) têm impactado na aprendizagem dos
alunos do campo. Assim, trazemos para a discussão as narrativas desses sujeitos sobre a
docência dessas egressas. Para tal finalidade, tomamos como ponto de partida o que eles
destacam sobre a atuação profissional dessas egressas que moram na cidade e trabalham
no campo e que esperam uma vaga na cidade para pedirem nova remoção.
Para a intepretação dos dados, apoiar-nos-emos em eixos de análise, quais
sejam: Política pública para a docência do/no campo; Formação docente da Educação
do/no Campo e Práticas docentes da/na escola do campo.
A docência no campo...
As análises apresentadas neste artigo procurou proporcionar uma reflexão acerca
da formação para a docência no campo. Os dados foram extraídos de entrevistas
narrativas baseadas nas percepções de gestão, pais e alunos em relação à docência de
egressas das licenciaturas que atuam nas escolas do campo. As entrevistas foram
interpretadas em eixos de análises divididos em três momentos, sendo o primeiro o que
trata das Políticas Públicas para a docência do/no campo; o segundo que trata da
formação de professores que atuam nas escolas do/no campo e o terceiro eixo refere-se
às práticas educativas desses professores. Lembrando ao leitor desse artigo que ao se
referir as “egressas” estamos nos dirigindo a professores de diversas licenciaturas que
ingressam nas escolas do campo, que trabalham pela primeira vez nessa modalidade de
educação.
Passamos então neste primeiro momento as análises do primeiro eixo: Políticas
públicas para a docência do/no campo. Quando questionados sobre as políticas
públicas para a atuação nas escolas do campo os sujeitos assim responderam:
[...] eu desconheço qualquer política que nos favoreça enquanto
professor e morador do campo. Essas remoções que a escola vem
recebendo ultimamente só tem causado transtorno nas escolas do
campo. (Entrevista - GESTOR, abril 2014).
A professora nova tem causado muitos problemas na escola. Meu
filho não está aprendendo nada. Cada dia é um substituto. Eu
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enquanto mãe, estou cobrando da assessoria pedagógica uma solução.
Pois sei que foram eles que enviaram essa novata para cá. Não
podemos ficar de braços cruzados diante dessa bagunça causada por
essa professora sem compromisso. (Entrevista - M2, abril 2014).
Nossa esse ano tá tenso! Depois de mais de um mês que tinha
começado as aulas veio uma professora para nossa escola removida,
mas até agora ela não deu nenhum dia de aula, ou ficamos sem aula ou
colocam pessoas que só tem o ensino médio para dar aulas pra nós não
estou aprendendo nada. (Entrevista - A1 abril 2014).
O povo da escola quando não consegue ninguém para substituir as
professoras que faltam, colocam a gente na sala de informática e
tascam filme. Qualquer um, o último foi de terror, se chamavam
atividade paranormal. O pior é que nem gosto desse tipo de filme, mas
somos obrigados a assistir (Entrevista - A2 abril 2014).
O relato das entrevistas evidencia o transtorno que a ausência de formação e as
constantes faltas das egressas têm causado na escola nos últimos dias. Uma das egressas
(matemática) chegou à escola dois meses depois que as aulas tinham iniciado, removida
de uma escola urbana. Sua remoção aconteceu através de um arranjo político fato esse
ainda bem corriqueiro nas escolas do campo o que Arroyo (2007, p.14) chama de “jogo
de barganha política” burlando as leis para colocar seus protegidos em cargos. Nas
escolas urbanas é mais difícil esse tipo de barganha, então sobra para as escolas do
campo. O fato é que desde sua posse no dia 17 de março até o momento que essa
entrevista foi colhida já em abril a professora só apareceu na escola para apresentar
atestado médico para sair de licença.
Fatos como estes evidenciam o descaso do poder público com a qualidade da
educação oferecida aos alunos do campo, pois a assessoria pedagógica que representa o
estado mesmo sabendo que nas comunidades do campo raramente possuem professores
habilitados mandam para as escolas do campo professores que estão causando
transtornos na cidade retirando das salas de aulas professores habilitados,
compromissados com a educação do campo. Isso só comprova o que é colocado por
Arroyo quando argumenta que:
Em nossa história domina a imagem de que a escola no campo tem
que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai
não cai, onde uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a
não saber quase ler. (ARROYO, 1999, p. 11).
Ou seja, para os alunos do campo qualquer professor serve, nem precisa ter
formação específica na área onde atua muito menos ensinar de acordo com a realidade a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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qual o aluno está inserido. No passado a educação na zona rural foi estimulada para
controlar o êxodo rural e manter no campo sujeitos que poderiam provocar “desordem”
nas cidades. Hoje professores que tumultuam as escolas da cidade recebem o respaldo
da Lei para irem para as escolas do campo, pois para o poder público ainda somos um
povo ignorante e atrasado sendo assim para ensinar nossos filhos qualquer um serve.
Isso segundo Arroyo (2007, p. 160) “[...] põe em prática política para a sua negação (do
campo) e para a inserção da infância, adolescência e juventude nos centros e escolas
urbanas, para a sua socialização nos valores e na cultura urbanos. ”
Ainda nesse eixo temos as entrevistas dos pais que alegam que:
Hoje eu acredito que a escola não tá atendendo completamente a
proposta inicial por que têm as diferenças também educação do campo
e o que é proposto pela Seduc. Às vezes o pessoal do movimento
implanta uma coisa... Mas vem alguma portaria da Seduc que num
concordo então impede. [..]. Assim a Seduc às vezes atrapalha o
crescimento da educação do campo. (Entrevista - P1, abril 2014).
Hoje os professores já não são todos do campo por causa dos
concursos então vêm professores das cidades e têm os professores da
comunidade também. Como a gente não pode impedir os professores
da cidade de trabalhar na nossa escola eu acredito que esses
professores devam participar de mais qualificação, por que geralmente
se vem um professor que nunca esteve no campo ele não vai entender
a nossa realidade. ( Entrevista - M2, abril 2014).
O relato dos sujeitos demostram o quanto as políticas generalistas, impostas pelo
Estado sob a sombra da igualdade tem prejudicado o projeto de educação do campo no
país o que continua privando os sujeitos do campo ao acesso a uma educação de
qualidade garantida pelo estado brasileiro. Isso segundo Arroyo se deve ao fato de que:
Não temos uma tradição que pense em políticas focadas, nem
afirmativas para coletivos específicos. Nosso pensamento e nossa
prática supõem que as políticas devam ser universalistas ou
generalistas, válidas para todos, sem distinção. Nossa tradição inspira-
se em uma visão generalista de direitos, de cidadania, de educação, de
igualdade que ignora diferenças de território (campo, por exemplo),
etnia, raça, gênero, classe. (ARROYO, 2007, p. 160).
Outro fato levantado pelo sujeito M2 é sobre o egresso de professores da zona
urbana nas escolas do campo por meio de concursos públicos que também é uma
política generalista que não leva em conta a especificidade da atuação docente no
campo. A criação de um concurso específico para as escolas do campo constitui-se hoje
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numa das pautas principais defendidas pelo MST, como deixou muito claro o
coordenador estadual do Comitê Estadual de Educação do Campo num encontro com
professores do campo em uma escola do/no campo no interior de Mato Grosso. Isto
também faz parte de uma das propostas da 1ª Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo.
É por isso que o MST defende uma política de firmação do professor morador
do campo nessas escolas. Vander, coordenador estadual do Comitê Estadual de
Educação do Campo alegou em uma fala pública: “Não é que somos contra a inserção
do professor da cidade no campo, é que a história já nos mostrou que esses professores
por não conhecerem a nossa realidade, nossa causa não adquirem responsabilidades com
a causa do movimento”. (Dados extraídos da comunicação oral do coordenador estadual
do Comitê de Educação do Campo - no curso A conjuntura atual da Educação do
Campo no Estado de Mato Grosso. Rondonópolis 22 de junho 2013).
No intuito de verificar se a formação das egressas tem impactado na qualidade
da educação oferecida aos sujeitos do campo passamos agora para a análise do segundo
eixo – Formação docente da Educação do/no Campo. Para saber se as egressas
possuíam alguma formação para atuar na escola do campo questionei ao gestor, se no
momento de posse as mesmas demostraram algum conhecimento do que se tratava a
educação do campo e o mesmo respondeu que foi perceptível que as mesmas nunca
tinham ouvido falar sobre educação do campo. Os pais ao serem questionados assim
responderam:
Os professores da cidade que vinha trabalhar na escola não tinham
conhecimento nenhum sobre escola do campo [...] não foi oferecido a
esses professores nenhuma formação sobre educação do campo [...] O
estudo que eles receberam era para trabalhar na cidade e não aqui na
roça. Poucos professores que vem da cidade demostram compromisso
com a aprendizagem dos alunos do campo por que a maioria está aqui
só de passagem (Entrevista - P1, abril 2014).
O professor que vem lá da cidade ele vem da cidade já com o
pensamento de dar ali as quatro ou seis aulas dele e já voltar pra
cidade não tem interesse em permanecer na comunidade [...] ele não
tem aquele compromisso com a escola do campo por que ele tem
outro compromisso na cidade. Já o professor daqui não, ele vive aqui
faz parte da comunidade então está sempre presente junto de nós.
(Entrevista - P2, abril 2014).
Nossa, as diferenças entre as aulas dos professores daqui são muito
diferentes das dos professores da cidade. Os professores daqui dão
aulas de campo, falam de nossa realidade, fazem perguntas pra gente.
Já os professores da cidade ficam toda hora olhando no relógio, dão
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aulas o tempo todo sentado, não nos auxiliam só fazem cobrança.
(Entrevista - A1 abril 2014).
Assim, já tivemos professores de fora, que perguntavam as coisas pra
gente sabe? Tipo o que nós gostaríamos de estudar, mas estes últimos
além de faltarem muito, principalmente essa nova professora de
matemática, mal conversa com a gente só sabe fazer cobrança. A
professora de matemática mesmo passou quase um mês sem dar aulas
e quando voltou já lascou uma prova, sem que tivéssemos estudado
nada daquilo que ela pediu na prova. Foi um arraso todo mundo tirou
zero. Deu um tremendo BO. (Entrevista – A2, abril 2014).
Observa-se nos depoimentos acima o despreparo das egressas para a docência no
campo. O fato de não possuírem uma formação para a docência no campo somado ao
de não morar na comunidade, não conhecer a realidade onde trabalham traz obstáculos à
qualidade do ensino oferecido aos sujeitos do campo. Esse fato, segundo Arroyo (2007,
p.169) prejudica a aprendizagem dos alunos do campo visto que “A maioria das
educadoras e educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de lá volta a seu lugar,
a cidade, a sua cultura urbana. Consequentemente, nem têm suas raízes na cultura do
campo, nem criam raízes. ”
O fato de estarem nas escolas do campo só de passagem esperando por uma vaga
em sua cidade faz com que essas egressas não tenham compromisso com sua formação
como aponta o depoimento abaixo:
Cem por cento das egressas do último concurso não fizeram e nem
fazem sala de educador. Isso demonstra seu descompromisso com sua
formação para atuarem na educação do campo. No final do ano
passado uma dessas egressas ao preencher sua ficha de avaliação do
estágio probatório colocou no espaço reservado a sala de educador
100% de presenças, sendo que a mesma só participou de dois
encontros. Apesar da sala de educador ser uma política pública não há
nenhuma Lei que obrigue ao professor a frequentá-la. Assim sendo
quem frequenta a sala de educador acaba sendo o professor que mora
no campo, pois as egressas da cidade não têm tempo para essa
formação (Entrevista - Gestão, entrevista abril 2014).
Finalizando esse eixo de acordo com os dados das entrevistas acima se observa o
descaso dos órgãos públicos e dos próprios professores para com a formação dos
docentes que atuam nas escolas do campo. As políticas públicas universais e
generalistas que enviam ao campo um profissional da cidade, não se preocupam em
nenhum instante em oferecer a estes sequer uma formação inicial sobre como trabalhar
na realidade do campo. Alguns professores por sua vez também não se interessam pela
formação para a atuação do campo, pois esperam ansiosos por suas remoções para as
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cidades. No meio desse descaso todo estão às vítimas (os alunos) dessa negligência
assegurada pelas atuais e perversas políticas para as escolas do campo. (Grifo meu)
No terceiro e último eixo Práticas docentes da/na escola do campo - os
sujeitos relatam sobre as percepções que possuem sobre as práticas educativas das
egressas e seus impactos na qualidade da educação oferecida aos alunos do campo.
Nossa a professora de matemática até agora não deu as caras na
escola. A de português fica dentro da sala sentada e no facebook
quando não dá filme. Aulas mesmo só temos com os professores daqui
(Entrevista - A1, abril 2014).
Os professores que vêm da cidade não conhecem a gente. Muitas
vezes nós é que temos de ensinar alguns professores sobre as coisas
que gostamos de estudar (Entrevista – A2, abril 2014).
Pelo fato dos professores serem da cidade e trabalhar o modo deles
ensinar da cidade com os alunos, só serviu para afastá-los ainda mais
do campo [...] Esse modo de ensinar dos professores da cidade
atrapalhou muito a permanência deles aqui (Entrevista - P1, abril
2014).
O professor que é do campo ele é mais voltado pras coisa do campo,
agora aquele que é da cidade que não teve acesso ao campo aí já é
diferente, geralmente ele quer ensinar as coisas mais da cidade [...].
Como ele está acostumado lá com as coisas da cidade então ele quer
interagir mais com as coisas da cidade, se ele não tem o conhecimento
com o campo não tem como se interagir com a educação do campo. O
professor que está no campo ele é do campo não tem a dificuldade que
o professor da cidade tem pra chegar ao campo. O professor que é do
campo se interage mais com a comunidade por às vezes o professor
que mora aqui não tá junto de nós só na escola, às vezes tem uma
reunião ele está presente em outros momentos da comunidade.
(Entrevista - M2, abril 2014).
As práticas dos professores da cidade são totalmente urbanizadas. Não
existe uma lei que obrigue esse professor a desenvolver práticas
educacionais relativas ao campo. Esses professores demonstram um
imenso descompromisso com a qualidade da educação oferecida aos
alunos do campo, mal trabalham os conteúdos dos livros didáticos que
por sua vez também são bem descontextualizados da realidade do
campo. (Entrevista - GESTOR, abril 2014)
Os relatos acima demostram que as práticas educativas das egressas em
análise, são urbanas, descontextualizadas, fora da realidade dos educandos. Essa não
formação e o desinteresse para atuar na educação do campo são vistos por alguns
sujeitos como falta de compromisso do professor da cidade com a realidade do campo.
Para Caldart (2006, p.141) o educador do campo deve possuir um “vínculo direto com a
cultura camponesa” Só assim segundo a autora ”buscam um compromisso de trabalho
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com os sujeitos do campo, tanto nas escolas como na formação em diferentes espaços,
criados e dinamizados pela organização” (Caldart, 2006, p. 141).
A educação do campo precisa de professores que estejam inseridos na realidade
do campo como afirma Silva et.al (2006 p.145) “Ser educador dos movimentos sociais
do campo exige estar inserido em alguma atividade no movimento, se faz necessário
participar da vida da organização, no tempo real”. O professor para atuar no campo seja
este morador do campo ou da cidade, precisa assumir um compromisso de trabalho com
os educandos do campo. Precisa desenvolver uma educação contextualizada, pois na
Educação do Campo é o professor que deve se adaptar a metodologia de trabalho no
campo e não o aluno se adaptar a metodologia de ensino do professor.
Algumas considerações
Buscou-se com este estudo compreender com o auxílio da entrevista narrativa,
que percepções possuem gestão, pais e alunos em relação às práticas docentes de
egressas que atuam nas escolas do campo no Estado de Mato Grosso.
Cabe ainda neste estudo uma observação: não se trata nesse estudo de denegrir a
imagem do professor urbano, pois, alguns professores da cidade que vão para o campo,
tentam na medida de suas possibilidades desenvolverem uma docência voltada à
realidade na qual a escola está inserida.
Procuramos com essa investigação levantar os impactos que as políticas
generalizadas do Estado têm causado nas escolas do campo no que se refere à formação
desses docentes, tendo em vista que as secretarias de educação não se preocupam em
propiciar aos professores urbanos que são enviados ao campo, formação específica para
atuarem nessa área, sequer lhes questionam se possuem noção do que é trabalhar numa
escola do campo, impossibilitando assim uma maior identificação com sua nova
realidade.
Foi possível observar por meio dos relatos, que os arranjos políticos e a ausência
de uma política de formação dos professores egressos no campo têm se tornado um
gargalo na efetivação de uma política de qualidade para a população do campo.
Diante de tal perversidade sustentada pela ausência de políticas públicas
específicas para a docência no campo, fica muito difícil oferecer aos sujeitos que lá
vivem uma educação de qualidade, de sentido, pois estas escolas convivem diariamente
com uma intensa rotatividade de professores urbanos, que nada conhecem dessa
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realidade, oferecendo aos alunos do campo uma educação descontextualizada,
urbanizada, sem sentido.
As políticas públicas voltadas à formação e à permanência dos educadores que
vivem e trabalham nas escolas no/do campo são ainda escassas. É por isso que o MST
defende políticas de formação específicas, para os professores do campo assim como
suas permanências nele. Tais políticas devem ser efetivas assumidas pelo Estado, de
modo que afirmem uma visão positiva e não negativa do campo, isto é, políticas de
formação de professores do campo articuladas às políticas públicas que garantam
direitos a esses povos e que busquem afirmar as especificidades da vida no campo.
Enfim, ficou bem evidente nas análises das entrevistas que, uma das principais
fragilidades para a efetivação da política de educação do campo no Brasil diz respeito à
atenção dada à formação dos seus educadores a qual deveria, sobretudo, ser pautada na
realidade dos profissionais do campo e na dos seus educandos, para que ambos
pudessem ter acesso a uma educação de qualidade, que correspondesse às necessidades
dos sujeitos que vivem e se formam no campo. Historicamente o campo brasileiro e os
seus sujeitos foram sempre privados de seus direitos políticos, principalmente os
educacionais. Os mesmos modelos de educação foram ao longo do tempo sendo
implantados de cima para baixo sem levar em conta as especificidades dessa população
que sempre viu seus filhos serem educados fora da realidade de seu meio, uma educação
urbana sem sentido para os sujeitos do campo completamente desconexa de sua
cotidianidade. O pior disso tudo é o demostrado nas falas dos sujeitos que apesar de
todas as conquistas para a Educação do Campo no Brasil, ela continua com a ausência
de políticas específicas, sendo pensada ainda como uma educação para e não dos
sujeitos do campo.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10922ISSN 2177-336X
26
FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO EM MATO GROSSO NAS
DÉCADAS DE 1980-1990
Heloisa Salles Gentil/UNEMAT
Ilma Ferreira Machado/UNEMAT [email protected]
Resumo: Neste artigo analisamos como se configurava o processo de formação de
professores das escolas do campo do estado de Mato Grosso nas décadas de 1980 e
1990, procurando, concomitantemente identificar em que perspectiva os principais
programas/projetos de formação existentes à época atendiam às especificidades de uma
educação do campo. Utilizamos uma metodologia de pesquisa qualitativa, tendo como
instrumentos a identificação e estudo de dissertações, teses e artigos encontrados sobre a
formação de professores em Mato Grosso; a análise de documentos como Resoluções e
Pareceres, colhidos junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE); e entrevistas, que
foram realizadas com vinte e cinco professores que atuaram em sala de aula, assessoria
ou gestão pedagógica, contemplando as cinco mesorregiões do estado de Mato Grosso:
sudeste, centro-sul, norte, nordeste e sudoeste. O estudo valeu-se de aportes teóricos
produzidos a partir de pesquisas sobre formação de professores e educação do campo.
Foram encontrados poucos registros específicos sobre formação de professores do
campo no período em questão. Concluímos que houve no estado de Mato Grosso uma
oferta significativa de cursos de formação de professores nas décadas de 1980 e 1990,
pautados em diferentes perspectivas teórico metodológicas, entre os quais destacamos
os projetos Logos II, Homem Natureza, Inajá e Geração. Tais cursos foram ofertados
pela Secretaria de Estado de Educação, em parceria com municípios e/ou universidades;
muitos foram demandados pelos educadores e comunidades. Embora a maioria dos
cursos não abrangesse as especificidades do campo, contribuiu, mesmo em meio a
muitas dificuldades e contradições, para a habilitação e processo de profissionalização
de professores “leigos” do campo.
Palavras chave: Formação de professores. Educação do campo. Projetos.
Introdução
Desde a década de 1980, período de redemocratização do país, vêm se
ampliando os desafios e as exigências em relação à formação de professores: o processo
de ampliação de vagas para os anos iniciais de escolarização levou ao aumento do
número de estudantes e de escolas, o que gerou a necessidade de mais professores e, por
conseguinte, mais cursos de formação. Contudo, cabe indagar se os professores do
campo estavam incluídos nesse processo, uma vez que a história da educação no Brasil
é marcada por processos de dominação e exclusão dos sujeitos do campo. Durante
muito tempo a escola rural foi apenas um apêndice da escola urbana e funcionou nos
mesmos moldes, mas em piores condições, visto que só recebia o que sobrava da
cidade.
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10923ISSN 2177-336X
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Os anos de 1990 foram marcados pelos efeitos da promulgação da Constituição
Federal de 1988 e, especialmente, da LDB 9394/96, que determina um prazo para a
formação em nível superior de todos os professores da educação básica no país. Além
disso, aprovou-se a Lei 9424/96 (FUNDEF), que, com intuito de valorizar a profissão,
garantiu recursos para a formação, entre outras ações. Legislações que colocaram em
destaque a formação dos professores
Com a realização de diversas discussões e ações, a educação do campo ganha
visibilidade no início dos anos de 1990. A aprovação do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 1995, o I ENERA - Encontro Nacional
de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, em 1997 e a I Conferência Nacional
“Por uma Educação Básica do Campo”, realizada em 1998, podem ser considerados
marcos dessa trajetória (FERNANDES; MOLINA 1999). Essas discussões foram
acompanhadas de perto por educadores do estado de Mato Grosso, palco de inúmeros
conflitos de terra, tendo se constituído, nesse período, diversos acampamentos rurais,
vinculados aos movimentos sociais do campo. A pauta de reivindicação dos acampados,
além da terra, incluía, direito à educação, saúde, etc., pensado no âmbito de um projeto
de campo e sociedade antagônico ao projeto do capital.
Portanto, cabe considerar que, no período caracterizado neste artigo, educação
do campo era um conceito ainda em construção. Até então as políticas de educação se
pautavam no paradigma urbano ou apresentavam uma ideia generalista, conforme diz
Arroyo (2007). As lutas dos movimentos sociais populares por terra, trabalho e
educação levam ao rompimento com o paradigma de Educação Rural, configurando, a
partir da década de 2000, a concepção de uma Educação do/no Campo (LIMA, 2013).
O objetivo desse artigo é analisar como se configurava o processo de formação
de professores das escolas do campo do estado de Mato Grosso nas décadas de 1980 e
1990, identificando os principais programas/projetos de formação existentes nessa
época e em que perspectiva atendiam às especificidades do campo. A metodologia de
pesquisa consistiu-se de análise de documentos legais, estudo de dissertações, teses e
artigos científicos, além de entrevistas com 25 sujeitos, sendo 5 de cada mesorregião de
Mato Grosso (Norte, Nordeste, Sudoeste, Centro sul e Sudeste), que atuaram como
educadores ou formadores no período em questão, convidados para participar da
pesquisa, por meio de escolha intencional. Neste artigo, os sujeitos estão identificados
por letras seguidas da região de atuação.
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Projetos de formação de professores em Mato Grosso nas décadas de 1980 e 1990
Preti e Alonso (1997) realizaram um diagnóstico da situação educacional do
Estado de Mato Grosso na década de 1990. Em relação à titulação dos docentes os
dados indicavam:
- Em 1991, eram 28.458 professores que atuavam no primeiro e
segundo graus da rede pública além de 2.627 na pré-escola.
- Dos 20.657 que atuavam no 1º grau, 69,1% não possuíam formação
de 3º grau ou universitária.
- Na zona rural, essa situação era ainda mais grave: de um total de
4.403 professores que atuavam nas escolas municipais, 62,2% não
tinham nem sequer o 2 º grau, 33,3% tinham formação de 2º grau e
somente 4,59% tinham formação universitária (PRETTI; ALONSO,
1997, p.40).
Segundo Rocha (2010), a habilitação dos professores aumentou
significativamente nos últimos vinte anos e muito se deve a projetos e programas
implementados a partir de políticas educacionais do Estado, o que é corroborado pelos
depoimentos de professores e documentos analisados nesta pesquisa. Pode-se afirmar
que houve no estado uma oferta significativa de cursos de formação de professores nas
décadas de 1980 e 1990, ainda que houvesse descontinuidade entre governos e
interrupção de alguns projetos, como afirma Rocha (2010). Rocha destaca, ainda, que na
década de 1990, a formação em nível universitário cresceu, especialmente a partir do
PIQD (Programa Interinstitucional de Qualificação Docente), em vigor de 1995 a 2011,
envolvendo UFMT, UNEMAT e SEDUC, cujo objetivo era a profissionalização
docente, uma entre as metas do governo do Estado de Mato Grosso 1995-2006.
Nesta pesquisa, foram encontrados poucos registros específicos acerca dos
professores da zona rural no período em foco. Estes aparecem incluídos nos números
totais apresentados, como por exemplo, quando Rocha (2010, p.69) afirma que havia
aproximadamente 3.200 professores leigos no estado na década de 1990.
Os cursos neste período foram ofertados em diferentes modalidades: regulares,
organizados em funcionamento diário nas escolas em diversos municípios do estado;
supletivos modulares semipresenciais - caso do Projeto Logos II, e cursos em
modalidade diferenciada - caso dos projetos Inajá, Homem Natureza, GerAção e
Tucum. Esses cursos
[...] foram idealizados para Formação de Professores Leigos, em nível
de 2º grau, para atuarem no 1º grau, da 1ª a 4ª séries. E se
enquadravam na modalidade Suplência, [...] de modo a atender a
realidade das regiões contempladas, assim como possibilitar ao
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professor/cursista ausentar-se de seu trabalho para frequentar um
curso regular, sem causar prejuízos à sua comunidade escolar
(STRENTZKE, 2011, p.49).
A seguir, apresentamos uma síntese das informações encontradas a respeito de
três dos cursos citados anteriormente, conforme ordem cronológica de ocorrência,
especialmente com base em textos já publicados e nas entrevistas realizadas, visando
caracterizá-los segundo público, objetivos, fundamentos e/ou metodologia e relação
com o campo. Não trataremos do Projeto Tucum, considerando a especificidade da
educação indígena.
O Projeto Logos II foi um curso de magistério supletivo, modular e à distância
que visava formar professores em nível de segundo grau, implementado em vários
estados do Brasil. De acordo com André e Candau (1984), os resultados dos quatro
estados participantes da fase experimental foram considerados encorajadores pelo MEC:
85% de aprovação e 15% de desistência. E Silva (2006) afirma que este Projeto,
financiado pelo MEC e realizado em parceria com estados e municípios, atendeu em
torno de 50 mil professores leigos no Brasil, de 1977 a 1991.
Em Mato Grosso, o Projeto era ligado à CESU (Coordenadoria de Ensino
Supletivo) na Secretaria de Educação e a certificação do curso Magistério ficava sob a
responsabilidade do Centro de Ensino Técnico de Brasília (CETEB). Entre os
documentos analisados, encontramos quatro resoluções do Conselho Estadual de
Educação/MT (Res. 023/1980, Res. 042/1980, Res. 064/1980 e Res. 183/1986),
aprovando cursos de magistério por meio deste projeto na década de 1980, ainda que
fontes orais indiquem a existência de muitos outros neste período.
Os municípios, juntamente com o Estado, organizavam os Núcleos
Pedagógicos, espaços que deveriam contar com um ou mais Orientador Supervisor
Docente (OSD), professor, geralmente, cedido pela rede estadual. O OSD era
responsável por organizar todas as atividades de formação, orientar os estudantes, sanar
dúvidas, supervisionar a realização das provas, conferir com o gabarito pronto e dar
notas, chamá-los a fazer nova prova, caso não atingissem a média esperada, orientar os
estudos novamente, a fim de garantir sua aprovação; registrar o histórico escolar de cada
um e dar aulas quando necessário.
Informações mais detalhadas a respeito da organização, estrutura e
funcionamento deste Projeto podem ser encontradas nos estudos realizados por André e
Candau (1984), Oliveira (2010), entre outros. Uma entrevistada, que foi OSD, afirma
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que foi muito importante para a formação de professores da zona rural e urbana em
Mato Grosso e diz o seguinte sobre a oportunidade de estudo e troca de experiências:
Naquela época não tinha outros cursos, não tinha como participar todo
dia da faculdade. [...] Muita gente criticava [a metodologia], mas eu
sempre vi esse curso a distância, principalmente a formação de
professor, era muito bom porque eles estudavam, sempre estudaram
sozinhos, estudou sozinho, ai vinha para [...] fazer a avaliação, quando
tinham dúvidas ai se reuniam, tiravam as dúvidas. (MN, região norte,
2015).
Um professor que colaborou com a formação no Projeto na mesorregião oeste,
afirma a exclusividade dos professores leigos de zona rural no Projeto, ainda que em
outros municípios isso não se confirme, e descreve o modo de funcionamento:
[...] era exclusivo pra rede rural, para os professores leigos que já
estavam na prática do ensino, mas que não tinham formação. Então
esse curso era as diferentes disciplinas [...]. Mas, era assim: ler um
fascículo, ter umas aulas de tirar dúvidas e fazer prova, aquelas provas
de marcar X (MA, região sudoeste, 2014).
O OSD coordenava também as atividades de caráter mais pedagógico, a
exemplo do estágio supervisionado: “[...] professores se reuniam e trocavam as
experiências, aquela aula que ele preparava, que passava e dava aula naquele encontro
pedagógico, servia também para aqueles outros, né? [...]”. (MN, região norte, 2015).
Mas grande parte desistia devido às dificuldades de leitura, de estudar sozinho,
ao isolamento em que ficavam e, muitas vezes, às dificuldades de acesso ao Núcleo, no
caso dos professores que residiam na área rural. As pesquisas de André e Candau
(1984), realizada no Piauí, e de Oliveira (2010), realizada no Paraná, também
identificaram esses problemas e a primeira ainda detectou, a partir da análise dos
módulos de ensino, a falta de relação com a realidade dos cursistas e a quase
impossibilidade de estratégias diferenciadas de aprendizagem. Como afirma Oliveira, a
expansão industrial e o avanço do capitalismo permitiram que [...] a concepção
economicista (racionalização, planejamento e produção em massa) adentrasse aos meios
educacionais; que serviços de ordem pública tivessem uma organização de base fordista,
organização essa, racionalizada e em larga escala (2010, p.34).
Camargo afirma que o Logos não conseguia cumprir sua função de habilitar a
maioria dos professores da mesorregião nordeste e nem melhorava a qualidade da
educação, uma vez que: “grande parte dos professores o abandonava sem completar os
módulos de estudo e, portanto, sem se habilitar. Em 1984, em São Félix do Araguaia,
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por exemplo, foram 121 alunos matriculados, 52 desistentes, um transferido e 43
concluintes” (1996, p.21).
O depoimento a seguir evidencia algumas dificuldades dos cursistas, que
muitas vezes só tinham as primeiras séries do ensino fundamental, alguns haviam sido
estudantes da própria escola em que estavam lecionando e muitos eram professores de
turmas multisseriadas, como também constataram André e Candau (1984).
[...] eles recebiam os módulos das disciplinas, estudavam sozinhos,
reuniam suas listas de dúvidas e periodicamente vinham tirar dúvidas
e fazer prova no polo, [...] eu percebi que alguns deles [...] tinham
dificuldades em “o que que eu tenho dúvida”, porque eles tinham
grandes dificuldades de leitura mesmo [...] muitos tinham estudado
naquela escola; em função de ser o aluno que acabou de terminar a 4º
série e que dava aula naquela escola, ele era aluno então do Logos II,
para a formação dele como professor, [...] eu percebia que eles
tinham dificuldades de perceber qual era a dificuldade. (MA,
região sudoeste, 2014).
Mas, segundo uma professora entrevistada, alguns educadores conseguiam
driblar a rigidez da proposta, que não havia sido pensado em consonância com a
realidade dos professores locais:
Eu passei a inverter, [...], eles passavam a vir para a gente discutir o
módulo para eles levarem um roteiro de estudo e daí [...] num segundo
encontro, pra gente discutir as dúvidas, então eles já vinham fazer
provas caso tivessem condições. Mas pelo Logos II eles só podiam
fazer 2 provas, se não passasse na primeira só tinha mais uma chance.
Ai eu passei a fazer uma prova prévia, [...] eu criei provas curtas para
que eles pudessem passo-a-passo ir fazendo essas provas, inclusive,
em acertar o X no lugar certo porque era coisa básica ainda. (MA,
região sudoeste, 2014).
Ficam explícitas as dificuldades de leitura individual, sem acompanhamento;
de compreensão das questões de múltipla escolha e mesmo de conteúdos específicos;
além disso, havia a rigidez das provas prontas que não eram elaboradas sequer por quem
acompanhava os estudantes em seu processo.
Não é possível avaliar a dimensão real da contribuição deste Projeto para a
formação de professores e mais especificamente professores do campo no Estado, tendo
em vista não terem sido encontrados dados quantitativos sobre núcleos existentes ou
professores formados. No entanto, entre os 25 sujeitos entrevistados, oito (incluindo
representantes das cinco regiões do estado) foram cursistas do Logos II (entre eles, um
desistente); três foram coordenadores do Projeto em sua localidade e outros quatro
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fizeram alguma referência a ele durante a entrevista, tendo ouvido falar ou conhecido
alguém que tivesse cursado.
Ainda que visasse a habilitação de professores leigos no país – missão
parcialmente cumprida - e a maioria desses atuasse em escolas da zona rural, este
Projeto não se ateve às especificidades do campo. A ideia era a de uma educação em
perspectiva universalista; um curso modular e a distância, com fundamentos tecnicistas,
o ensino pautado na memorização e repetição, cujos conteúdos foram organizados sem
relação direta com nenhuma realidade concreta. Neste sentido, podemos dizer que, dado
o contexto da época, a intencionalidade da política de formação e a ainda frágil
organização em torno da ideia de uma educação do campo, um dos resultados foi a
ampliação do número de professores habilitados, mas não necessariamente preparados
para a atuação em seus espaços escolares.
O Projeto Inajá se desenvolveu na mesorregião Nordeste, ou como se dizia no
local, na região da Prelazia de São Félix do Araguaia. O Projeto consistia na formação
em nível de segundo grau com habilitação para o magistério, para professores em
exercício na rede pública de ensino, aprovado pelo Parecer nº 235/88 e Resoluções nº
309-A/88 do CEE. O Inajá contou com apoio da Secretaria de Estado de Educação e
especialmente da Prelazia de São Félix do Araguaia. Realizou-se em parceria com os
municípios envolvidos e professores da Unicamp, de 1987 a 1991, com uma segunda
edição no período de 1993 a 1996.
O modelo curricular do projeto Inajá estava calcado na própria história
das escolas: era baseado na construção do saber a partir do
conhecimento e da experiência de cada um e não na transmissão
pronta do saber universal. E o seu objetivo estava em sintonia com as
escolas da região: formar educadores que levem o aluno a
compreender a realidade, tornando-o capaz de criticar e interferir no
processo em que vive. A pesquisa e o desenvolvimento de projetos
eram os eixos metodológicos do projeto [...] (LEITE, 1993, p.29).
Um curso parcelado no tempo e de formação em serviço para professores da
zona rural e indígenas (ALBUQUERQUE, 1997), com uma proposta didático-
pedagógica fundamentada nas teorias construtivistas. Uma das professoras cursistas
explica que fazer o curso dava mais ânimo aos professores, da zona rural ou urbana,
[...] porque lá você tinha uma construção, nós não estávamos lá
para cópia, nós estávamos no Inajá para diálogo, construção. A
gente trabalhava muito, trabalhava a questão de dramatização,
trabalhava o concreto, o real, as pesquisas, não eram pesquisas
aleatórias em cima de coisas que você não a conhecia, o Inajá
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trazia nós para dentro da nossa realidade [...]. (MC, região
nordeste, 2015).
O curso realizava etapas presenciais simultaneamente em duas sedes (Santa
Terezinha e São Félix do Araguaia), com os cursistas dos municípios parceiros
(Ribeirão Cascalheira e Porto Alegre do Norte), incluindo os diversos distritos, vilas ou
comunidades. A variedade de comunidades participantes (posseiros, geralmente vindos
do nordeste; colonos, vindos do sul e indígenas tapirapé e karajá) trazia para o curso
uma diversidade de realidades, o que foi um grande desafio: “[...] exigia uma escola
diferente, que considerasse a diversidade cultural e as relações que os grupos sociais em
questão haviam estabelecido entre si”. (ZAMBONI e DE ROSSI, 1999, p.14).
No período letivo, os professores eram acompanhados em suas atividades por
monitores e nas etapas intensivas tinham aulas com os professores da UNICAMP e
outros, que se deslocavam até a região e trabalhavam com a colaboração dos monitores
(GENTIL, 2002). Dados oriundos das atividades de pesquisa realizadas nos municípios
no período intermediário eram trazidos para discussões e reflexões à luz dos conteúdos
estudados. Camargo (1996) argumenta ter sido uma experiência de educação formal que
fugia aos padrões convencionais de escola e valorizava a educação da/na região.
É possível afirmar que este Projeto, pautado em princípios da teoria
construtivista e utilizando uma metodologia de ensino aprendizagem que privilegiava a
pesquisa enquanto processo de conhecimento da realidade, a partir do qual se
expandiam os conhecimentos rumo ao saber acumulado e sistematizado, pôde contribuir
de modo mais concreto com a formação dos professores do campo. Albuquerque, uma
das elaboradoras da proposta, explica o pressuposto em que ela se sustentava:
[...] estratégias pedagógicas coerentes com a reflexão filosófica, sendo
a principal delas, a do Laboratório Vivencial, essa vizinhança do
observador onde estão contidos os fenômenos naturais e sociais; a
prática da observação e da experimentação era a marca do projeto.
(1997, p.16).
Professoras da zona rural, formadas pelo Inajá, relatam sobre o planejamento,
reafirmam o respeito ao conhecimento dos estudantes neste “laboratório”:
[...] você tinha uma orientação que você... uma sequência que ela
variava de acordo com a necessidade também dos nossos alunos, que
era essa a orientação do Inajá, você não tinha uma sequência
cronológica de seguir aquilo ali, não, você tinha uma orientação,
seguia a orientação, muitas vezes de acordo com a necessidade da
comunidade e dos alunos daquele local [...]. (MC, região nordeste,
2015).
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[...] era aquilo que a gente já vinha com o propósito da [...]valorizar
aquilo que também a criança tinha como conhecimento, não era
eu chegar com conteúdo e simplesmente empurrar o conteúdo
nele, eu até podia fazer o planejamento, só que o meu planejamento ia
depender de eu cumprir ele todo, se ele tivesse condizendo com que o
meu aluno queria no momento, porque abria-se um leque para ele, que
ele também poderia dar a sugestão [...] porque o nosso curso pedia
isso pra gente, que a gente valorizasse isso daí, na intenção de
criar um cidadão crítico e construtor do próprio conhecimento
dele (VS, região nordeste, 2015)
A problematização e a pesquisa sobre a realidade local a partir de curiosidades
e inquietações, a valorização do saber popular, o respeito à cultura de cada localidade
foram elementos importantes desta proposta diferenciada de formação. Neste Projeto
não se faz presente uma intencionalidade ou uma perspectiva específica de educação do
campo, tal como a que se concebe hoje, cujo fundamento são as relações específicas
com o trabalho no campo, contudo, é possível pensar que a pesquisa como eixo
metodológico tenha contribuído com os professores e alunos para a análise de suas reais
condições de vida.
O Projeto Homem Natureza foi um projeto de formação magistério, em nível
médio, para professores leigos de zona rural, coordenado pela SEDUC/MT e realizado
em parceria com 15 municípios, aprovado pelo Parecer e 259/91 CEE e Resoluções nº
309-A/88 do CEE. Inspirado no Inajá, fundamentou-se no construtivismo e também
contou com assessoria da Unicamp (MALUF, 2000; STRENTZKE, 2011).
Quatro dos professores entrevistados participaram como estudantes e duas como
professoras formadoras neste Projeto. “Naquela época a gente recebia a formação
através do projeto. Eu participei... a escola que eu trabalhava foi escolhida escola piloto,
foram escolhidas dez escolas na época pra ser piloto e eu fiz parte. (L., região sudeste,
2015).
O curso foi organizado em etapas intensivas de estudo, nos meses de férias
escolares e etapas intermediárias, que ocorriam durante o ano letivo, sem que o
professor precisasse abandonar o trabalho na sala de aula. Mais uma vez, uma proposta
de formação em serviço. Nesse sentido, “[...] o projeto HOMEM-NATUREZA foi
concebido, preferencialmente, para professores em exercício, na zona rural, mas era
permitida a participação de professores da zona urbana, local onde se concentrava o
maior número de professores leigos, em sala de aula” (STRENTZKE, 2011, p.58).
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Os encontros que reuniam todos os professores cursistas ocorriam uma vez em
cada município polo, em forma de rodízio. Para quem trabalhava quase isoladamente
este era um aspecto valorizado, além da metodologia da pesquisa:
Foi uma experiência assim maravilhosa porque estar lá na zona rural,
com as dificuldades de acesso, as dificuldades da secretaria para
apoiar a gente pela distância. Naquele período eles levavam até 3 a 4
meses para fazer uma visita pedagógica. Então assim, você tinha que
se virar para trabalhar. (C., região sudeste, 2015).
Nas etapas intermediárias eram realizadas atividades de pesquisa vinculadas a
temas geradores, estudos para aprofundamento de disciplinas e estágio, contando com
certo acompanhamento dos monitores.
[...] então era tudo o método da pesquisa, naquela época, esse Projeto
Homem Natureza, era a pesquisa (L., região sudeste, 2015).
[...] no Projeto Homem Natureza, com essa prática pedagógica era
voltada exatamente para a vivência do aluno naquele espaço escolar
ou no espaço da comunidade [...]. (Y, região sudeste, 2015).
[...] rompia (o Projeto) com aquela coisa encaixada, quadradinha, que
a secretaria de educação promove, promovia, na época [...] a forma de
registro, que não era aquela “formalzinha”, de formal com nota, com
prova, mas é um aproveitamento do professor, e a gente assim: “quem
é que vai ter que fazer um trabalho complementar? ”, então era o
monitor que acompanhava (M. A., região sudoeste, 2014).
Uma professora colaboradora de atividades neste Projeto, enfatiza a
importância do processo de capacitação dos profissionais que iriam trabalhar; uma
formação com base teórica, mas respeitando o conhecimento empírico e um
planejamento para todo o curso.
[...] nós tivemos capacitação para o professor e para o monitor [...]
Então, com essa vertente do etnoconhecimento que era como eles
trabalhavam, então, essa coisa da escuta sensível, das coisas do
lugar, para transformar isso em uma linguagem à luz da ciência
moderna sem que se negue este histórico anterior (MA, região
sudoeste 2014).
O Projeto Homem Natureza teve o objetivo de formar professores leigos da
zona rural e se pautou nos princípios do aprender pela pesquisa e no respeito à cultura e
conhecimentos locais. No entanto, não há uma explicitação de uma perspectiva alinhada
à educação do campo, proposta em construção no mesmo período, em nível nacional.
O Projeto GerAção teve início em 1997, foi desenvolvido pela SEE junto aos
municípios, contando com financiamento do PRODEAGRO/Banco Mundial. Buscava
suprir uma demanda de 5.000 professores leigos no Ensino Fundamental no estado e
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contou com a parceria de 49 municípios, habilitando 1.019 professores, com 03 anos de
duração, em seis semestres letivos (TEIXEIRA; NÉDER, 2006). No documento
intitulado “Avaliação final. Síntese dos relatórios parciais e final” do PRODEAGRO,
publicado em 2002, encontramos:
[...] verifica-se que dos cerca de 400 professores sem titulação que
deveriam ser treinados, 778 foram certificados, correspondendo a uma
efetivação positiva de 195%. [...] O projeto é digno de referência pois,
criou propiciou melhores condições aos professores, a melhoria da
qualidade de vida do educando, ingresso dos professores certificados
na carreira do magistério e a integração no plano de cargos e salários;
muitos professores, após certificados, deram continuidade e estão
cursando o nível superior. Esta ação proporcionou a formação de 46
professores no nível de pós-graduação (especialização)
(PRODEAGRO, 2002, s/p).
Como nenhum dos entrevistados nesta pesquisa cursou o Projeto Geração, nos
restringiremos a essas breves informações, cientes, porém, da importância desse projeto
para a formação de professores em Mato Grosso.
Considerações
A análise aqui apresentada não tem a intenção de ser conclusiva em relação à
política de formação de professores da zona rural de Mato Grosso nas décadas de 1980
e 1990. Os dados já analisados indicam que: a formação e habilitação de professores
tem sido uma preocupação dos governos neste estado e alvo de muitas propostas e
projetos; o atendimento aos professores do campo se deu com base nas demandas do
contexto econômico da época, na necessidade de melhoria da qualidade da educação e
na exigência da legislação no que diz respeito à formação necessária para a atuação
profissional, propiciando formação a um grande número de professores. Alguns, pelas
características de sua proposta teórico-metodológica, apresentaram fundamentos
tecnicistas e outro foram marcados pelo respeito ao conhecimento popular e relações
concretas com a realidade local, tomando-a como ponto de partida para acesso ao
conhecimento universal. Contudo, nenhuma das propostas contemplou a questão
considerada central pelos movimentos sociais populares para a educação do campo, que
é a relação trabalho/educação. Como já afirmou Arroyo (2007), a história mostra que
não temos uma tradição de formulação de políticas públicas de formação, no
pensamento e nem na prática, que focalize a educação do campo como preocupação
legítima, o que pode estar mudando nos últimos dez anos.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10933ISSN 2177-336X
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