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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS
SEMIÁRIDOS – PPGESA
NEILA CRISTINA NASCIMENTO RAMOS
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS
JUAZEIRO 2016
NEILA CRISTINA NASCIMENTO RAMOS
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS
Dissertação apresenta ao Programa de Pós-graduação – Stricto Sensu – Mestrado em Educação, Cultura e Territórios (PPGESA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos. Linha de Pesquisa - Educação Contextualizada para a
Convivência com o Semiárido Brasileiro.
ORIENTADOR: PROFESSOR DR. JOSENILTON NUNES VIEIRA
JUAZEIRO 2016
_________________________________________________________________________
Ramos, Neila Cristina Nascimento
R175d Educação Contextualizada no cenário das avaliações padronizadas / Neila Cristina
Nascimento Ramos. -- Juazeiro, 2016.
218 f
Orientador: Prof. Dr. Josenilton Nunes Vieira
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento
Ciências Humanas. Campus III. 2016.
1. Educação Contextualizada 2. Avaliação Padronizada 3. Semiárido
I. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas CDD 370
__________________________________________________________________________
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que na minha subjetividade é real. Tenho a certeza de
que “tudo posso naquele que me fortalece!”;
Aos meus pais e à minha irmã, os quais sempre acreditaram em mim. Vocês
são o meu alicerce e segurança; à minha pequena flor, Ana Vitória. Obrigada por
perfumar e colorir o meu jardim, especialmente, no processo de produção;
À UNEB-DCHIII, através do PPGESA – Mestrado em Educação Cultura e
Territórios Semiáridos – que nos acolheu, nos inquietou e nos lançou ao desafio e
aventura da pesquisa;
Aos meus queridos educandos e amigos de profissão, os quais foram minha
fonte de inspiração e inquietude, na escolha do objeto desta pesquisa;
Ao meu professor e orientador Drº Josenilton Vieira, pela troca de saberes,
confiança e excessiva paciência, diante dos conflitos, medos e incertezas;
Ao professor e Coordenador do PPGESA, Drº Edmerson Reis, pelo estímulo,
socialização do seu saber e disponibilidade em ajudar, sempre que necessário, e aos
Professores Dr. José Roberto, Drª Talamira Taíta e Drº Josemar Martins (Pinzoh)
pelas excelentes contribuições dadas a este estudo;
Aos alunos do 8º período do curso de Pedagogia da UPE, os quais a partir de
suas experiências cotidianas, me ajudaram a ampliar o debate em torno da Avaliação;
Ao meu amado e gracioso grupo “Coleguinhas”. Em especial, Rosiane, Antônio,
Michelle, Manuella, Sayonara e Delza, pelo compartilhar de ideais, conflitos,
sugestões de leituras e, sobretudo, incentivo e apoio;
A Harisson Souza, pela preocupação, pelo colo nas horas de angústia e choro,
pelo estímulo e alegria que me proporciona;
A Rafael Alves, pela linda amizade, companheirismo e preocupação com a
tessitura dessa escrita;
A Sandra Oliveira, amiga para todas as horas. Obrigada pela paciência em
ouvir os relatos de passo a passo desta construção; às amigas Cristocarmen, Carliane
e Soraya, pelos momentos de debates e enriquecimento pessoal e profissional;
A todos os docentes os quais emprestaram-me suas vozes para construção
deste trabalho;
Enfim, a todos que muito me ensinaram e ainda ensinam, durante a labuta
diária, nos diversos espaços por onde marcamos nossos passos. Muito obrigada!
RESUMO
Este trabalho resulta de uma pesquisa sobre os desafios da Educação Contextualizada, no cenário das avaliações padronizadas, tendo como ponto de partida, a seguinte questão: Quais são os desafios no desenvolvimento da Educação Contextualizada, na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro-BA, tendo em vista o cenário das avaliações padronizadas, na versão da Prova Brasil? Embora os estudos e pesquisas educacionais atuais venham se direcionando à defesa de processos educativos pautados na complexidade, religação dos saberes e no diálogo entre as pautas locais e globais, as políticas educacionais brasileiras têm sido direcionadas a partir da política neoliberal, que coloca a educação a serviço do mercado, tornando-a o principal veículo de reprodução das desigualdades, essência do capitalismo. Nesse sentido, escolhemos para o desenvolvimento desta pesquisa, elementos de natureza fenomenológica, com referencial metodológico que contempla, também, técnicas da etnografia. Para construção das informações, realizamos a observação participante das Formações Continuadas e entrevista semiestruturada com docentes do 5º ano; de modo que nossas análises se desenvolveram por meio da triangulação de dados e elementos da análise do conteúdo. Assim, desvelamos que os organismos internacionais que financiam as reformas da educação brasileira determinam critérios de empréstimo e financiamento, estabelecendo metas padronizadas a serem cumpridas através da educação, as quais são verificadas a partir de uma matriz curricular homogênea e universal que seleciona e determina os saberes a serem avaliados. Esta pesquisa investigou, especificamente, a Prova Brasil (financiada pelo Banco Mundial), cujo discurso oficial oculta-se sob a justificativa de ser uma inovação que visa a diagnosticar a qualidade do ensino oferecido nas escolas brasileiras, a qual é expressa pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com o propósito de orientar as políticas públicas educacionais. E o que esta investigação nos apontou foi o fato de que este processo “avaliativo” que se baseia na homogeneização, fragmentação disciplinar, responsabilização vertical, competitividade, ranqueamento e publicização dos resultados, tem influenciado diretamente na política de formação continuada dos professores, no estreitamento do currículo vivenciado nas escolas e na autorresponsabilização dos docentes, os quais pressionados a alcançarem as metas postas, se veem encurralados e terminam por limitar o trabalho pedagógico às estratégias que auxiliam a “treinar” os alunos para os testes, ampliando ainda mais, a descontextualização do ensino e a anulação das realidades locais, em detrimento do currículo hegemônico que orienta os testes. As avaliações padronizadas se constituem, pois, como forte elemento de colonização e dificultador do desenvolvimento da Educação Contextualizada, uma vez que apresentam princípios opostos.
Palavras-chave: Educação Contextualizada. Avaliação Padronizada. Semiárido.
ABSTRACT
This paper has resulted from research about the challenges of Contextualized
Education in the standardized assessment scenario, and it has began with the
following question: What are the challenges in Contextualized Education development
in the Prova Brasil, in the Municipal Teaching Network of JuazeiroBA, considering the
standardized assessment scenario? Although current educational studies and reseach
have been defending the educational processes guided by the complexity,
reconnection of knowledge and dialogue between local and global schedules, Brasilian
educational policies have been directed by the neoliberal policy, which puts education
at market disposal and transforms it in the main vehicle of inequality, this is the essence
of capitalism. In light of this situation, we have chosen elements of phenomenological
nature with methodological referential that also contemplates ethnographic technique.
In order to compilate information, we performed the participant observation of
Continued Formation and half structured interview with fifth-year teachers.The analysis
were developed by data and elements of content analysis triangulation. Therefore, we
unveiled that the international agencies that finance Brasilian education reform
determine loans and financing criteria, stablishing standardized goals which must be
accomplished through education and verified based on a homogeneous and universal
curricular matrix that selects and determines the knowledge that will be evaluated. In
this research we have investigated, specifically, the Prova Brasil (financed by the
World Bank), that officially claims being an innovation that plans to diagnose the quality
of the teaching offered at Brasilian schools. This quality is mesured by the Basic
Educatin Development Index (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB), which aims to guide educational public policies. This research has showed us
that this “evaluation” proccess based on the results homogenization, discipline
fragmentation, vertical accountability, competitiviness, ranking and publication has
directly influenced the continued formation policy, the curriculum narrowing seen at
schools and the teachers self-accountability. When the teachers are obliged to reach
the gols, they are not able to see a way out and end up limiting the pedagogical work
to strategies that support students “training” for the exams, what make teaching
decontextualisation and local realities annulment increase in order to benefit the
hegemonic curriculum that guides the exams. The standardized assessments are
strong colonization elements and Contextualized Education development complicator,
since they present opposite principles.
Key words: Contextualized Education, Standardized Assessment. Semiarid.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ANA - Avaliação Nacional da Alfabetização
ANEB - Avaliação Nacional da Educação Básica
ANRESC - Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
DCH III - Departamento de Ciências Humanas
DPP - Diretrizes Político Pedagógicas
DTCS - Departamento de Tecnologias e Ciências Sociais
ECSAB - Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro
EFEJ - Escola de Formação de Educadores de Juazeiro
ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
ILCA – Instituto de Cooperação para a Agricultura
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio computador
difícil d Teixeira
IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação
OP - Observação Participante
OPC - Observação Participante Completa
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola
PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
RESAB - Rede de Educação do Semiárido Brasileiro
SAB - Semiárido Brasileiro
SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SAEJ - Sistema de Avaliação Educacional de Juazeiro
SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público
SEDUC - Secretaria Municipal de Educação
SIEM - Sistema de Informação da Educação Municipal
UNEB - Universidade do Estado da Bahia
Sumário
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
1. 1 Na Trilha Educacional: O começo de mim mesma........................................... 13
1.2 Da Universidade à noção de Contextualização ................................................. 16
1.3 Da Universidade à Escola. Da Escola à Pesquisa - Conflito entre a noção de
Contextualização e o cenário das Avaliações Padronizadas ................................. 24
1.3.1 INTENÇÕES QUE NORTEARAM O CAMINHO DESTA PESQUISA
.................................................................................................................................28
1.4. Breve revisão de estudos produzidos em torno do tema investigado .............. 29
1.5 Situando o Município em que se desenvolveu a pesquisa ................................ 35
1.6. Organização do estudo .................................................................................... 39
2 DA ERA DOS EXAMES À AVALIAÇÃO EDUCACIONAL.................................... 41
2.1 A Educação na perspectiva do paradigma moderno, no Brasil ......................... 41
2.1.2 A CULTURA DA PROVA - AVALIAÇÃO COMO PRÁTICA A SERVIÇO DA
SELEÇÃO................................................................................................................44
2.1.3 NA TRILHA DE UMA NOVA COMPREENSÃO: AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA
APRENDIZAGEM....................................................................................................50
2.2. Ampliando horizontes: O Sistema Nacional de Avaliação e seus imperativos...55
2.3 O Sistema Nacional de Avaliação – Questões implícitas e explícitas ............... 57
2.3.1QUESTÕES EXPLÍCITAS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
.................................................................................................................................57
2.3.2 AS INTERFERÊNCIAS INTERNACIONAIS E O SISTEMA NACIONAL DE
AVALIAÇÃO - QUESTÕES IMPLÍCITAS?...............................................................71
3 SUPERANDO OS MUROS DA EDUCAÇÃO PADRONIZADA RUMO À
PERSPECTIVA CONTEXTUALIZADA ..................................................................... 82
3.1 Transição paradigmática e a necessidade de novos rumos na educação ........ 82
3.2 A Educação na perspectiva da Contextualização ............................................. 88
3.3 Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido .................... 96
4 O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR - PERCURSO METODOLÓGICO .......... 110
4.1 A autoridade positivista na produção do conhecimento .................................. 110
4.2 Pesquisa qualitativa: Ultrapassando os limites positivistas na pesquisa
educacional .......................................................................................................... 113
4.3 Trajetória, abordagem e procedimentos da pesquisa ..................................... 115
4.3.1 A TRILHA FENOMENOLÓGICA – ELEMENTOS CONTRIBUINTES
....................................................................................................... ..............116
4.3.2 O FENÔMENO INVESTIGADO E AS CONTRIBUIÇÕES DE ELEMENTOS DA
ETNOGRAFIA........................................................................................................117
4.4 Procedimentos metodológicos para construção de “dados” ............................ 119
4.4.1 INSTRUMENTOS..........................................................................................119
4.4.2 SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA...................................................124
4.5 Procedimentos de análise ............................................................................... 126
5 INICIANDO APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................ 128
5.1 A transição entre o ano letivo de 2014 a 2015 ................................................ 128
5.2 Avaliação Padronizada: Um cenário fixo e aparentemente oculto .................. 134
5.2.1 O ANO LETIVO “ÍMPAR” E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO..............134
5.2.2 DESCREVENDO O PERCURSO DAS FORMAÇÕES CONTINUADAS.....138
5.2.3 IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS (Prova Brasil), NA
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES...............................................154
6 DESCORTINANDO VOZES: O QUE DIZEM OS PROFESSORES? .................. 165
6.1 Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas da Prova
Brasil .................................................................................................................... 166
6.1.2 DOCÊNCIA COMPARTILHADA...................................................................166
6.1.3 DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS NA ROTINA ESCOLAR
...............................................................................................................................166
6.1.4 SIMULADOS, AULÕES E GINCANAS.........................................................172
6.1.5 NA VOZ DOS PROFESSORES: O QUE PODE SER FEITO PARA AMENIZAR
A TENSÃO EM ANOS DE AVALIAÇÃO PADRONIZADA?...................................176
6.1.6 O PROJETO EDUCAÇÃO NOTA 10............................................................179
6.1.7 NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS: O QUE SENTEM OS
DOCENTES E O QUE DIZEM SOBRE AS POSSIBILIDADES DE
CONTEXTUALIZAÇÃO?........................................................................................186
CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS ......................................................................... 195
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 206
APÊNDICES ........................................................................................................... 217
Desconfiei no mais trivial, na aparência, no mais singelo. Examinei, sobretudo, o que parece trivial. Suplicamos expressamente: Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem social, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.
(Bertold Brecht)
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1 INTRODUÇÃO
Os estudos em avaliação deixam para trás o caminho das verdades absolutas, dos critérios objetivos, das medidas padronizadas e das estatísticas, para alertar sobre o sentido essencial dos atos avaliativos de interpretação de valor sobre o objeto da avaliação, de um agir consciente e reflexivo frente às situações avaliadas e de exercício do diálogo entre os envolvidos (HOFFMANN, 2001, p 15-16).
Poderíamos iniciar esta pesquisa partindo da premissa de Hoffmann (2001), a
qual contraria o paradigma1 tradicional que ainda está fortemente presente no
processo de avaliação educacional e que tem sido alvo de outros diversos estudos
que envolvem a complexidade do Sistema de Avaliação, no país.
No entanto, optei por iniciar este trabalho, trazendo algumas memórias que
esclarecem ao leitor, os elementos que despertaram o meu interesse em estudar o
universo epistemológico complexo que permeia o tema em estudo, os quais passaram
a constituir e a ampliar o meu olhar de pesquisadora, transpassando-o não só sobre
minha trajetória acadêmica, mas, sobretudo, pessoal e profissional.
E, neste esforço que empreendemos em construir e delimitar o nosso objeto de
estudo, como nos disse Freire (1989, p.9), “me vou entregando, recrio, e revivo, no
texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra”.
1. 1 Na Trilha Educacional: O começo de mim mesma
Escrevendo este trabalho, percebi-me relendo e revivendo memórias
essenciais de minhas experiências formativas. Permitam-me compartilhar flores e
pedras encontradas no meu caminho, desde a infância, as quais revelam a leveza e
os percalços percorridos até a construção e desenvolvimento desta pesquisa que foi
se constituindo.
1 Refere-se a modelo ou a padrões compartilhados que permitem a explicação de certos aspectos da realidade. É mais do que uma teoria, implicando uma estrutura que gera novas teorias, segundo o filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn (1994).
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Hoje, sou levada a crer, se possível for, que não fui eu quem escolheu o tema,
mas sim, ele quem me escolheu. Minha relação com a escola iniciou-se antes mesmo
de minha inserção legítima neste espaço. Quando ainda pequenina, costumava pegar,
folhear e ficar maravilhada com as imagens e escritas contidas nos livros que a minha
irmã mais velha manuseava com frequência, devido aos exercícios escolares. Era
uma experiência sempre maravilhosa e eu vivia a contar os anos que faltavam para
que eu pudesse, de fato, também ir à escola.
Enfim, prestes a completar seis anos de idade, fui matriculada na Escola
Municipal Aprígio Duarte, na época, localizada no bairro Horto Florestal, em Juazeiro-
Ba. E, no mesmo ano, transbordaria em mim, na professora e em meus pais, a alegria
compartilhada da beleza que é poder vivenciar e acompanhar a leitura e a escrita das
minhas primeiras palavras, entre tantas outras que estariam por vir.
Lembro-me, pois, com doçura, da cartilha utilizada e de tia Gel, primeira
professora da minha vida escolar e um dos poucos nomes que jamais consegui
esquecer. A cartilha era a bíblia de meu pai, de tia Gel e, consequentemente, minha
também. Cada letra estudada correspondia a uma parte da cartilha, que trazia a letra,
uma imagem e uma série de outras palavras que começavam com o mesmo símbolo.
Todos os dias, o meu pai me colocava para ler a lista de palavras da letra
estudada, várias vezes. Somente quando não errava nenhuma delas, é que eu estava
liberada para brincar. O resultado disso era que eu sempre apresentava excelentes
resultados nas avaliações baseadas nos ditados e nas “chamadas orais” de leitura.
Nunca vi muito sentido em ler e reler aquele amontoado de palavras, mas achava
normal, talvez, não ver significado no que estudava, devia ser coisa de criança, que
ainda não entendia muito da vida.
No entanto, não tenho lembranças ruins referentes ao uso da cartilha. Lembro-
me, também, perfeitamente, de uma experiência que Tia Gel desenvolveu conosco.
Ao estudarmos algum conteúdo referente aos vegetais, ela juntou todos nós alunos e
nos levou à UNEB- DTCS (em Juazeiro Bahia), para nos mostrar como se dava o
plantio e a produção de mudas, no viveiro que até hoje, há na universidade. Era a
primeira vez em que saíamos da sala de aula e íamos a campo, ver de perto, uma
atividade que acontecia em nosso entorno.
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E, a única certeza que tenho após a vivência de minha vida acadêmica, é que
aquela minha professora, há cerca de 20 anos, já trazia em sua prática provavelmente,
inconscientemente, alguns elementos de contextualização tão discutidos nos últimos
anos. Só não me recordo como essas vivências foram e se foram incorporadas aos
processos avaliativos.
Tendo estudado apenas no primeiro ano escolar com Tia Gel e passados
alguns anos, chegamos ao Ensino Médio. Estudamos numa escola pública de
Juazeiro, considerada modelo a ser seguido. Refletindo sobre esta instituição, hoje,
compreendo que o processo de ensino-aprendizagem que a permeava era pautado,
insistentemente, no vestibular. Líamos livros literários diversos, produzíamos textos,
fazíamos operações matemáticas variadas e debatíamos, tendo sempre em vista um
bom desempenho no vestibular e no ENEM. Logo, a escola a qual nos referimos
reproduzia, cotidianamente, atividades que seguiam os mesmos modelos de questões
e conteúdos a serem cobrados nos exames.
Portanto, ensinar para o vestibular era a função que concebíamos para a
escola e assim, os índices de aprovação dos alunos desta instituição eram sempre
uns dos mais significativos entre as escolas públicas de Juazeiro. O que aumentava
o seu perfil de modelo a ser seguido e intensificava a disputa dos pais por vagas para
os filhos, cuja crença e justificativa eram baseadas na ideia reduzida de que escola
boa é escola com índices elevados.
E, se todo o conhecimento construído nesse período não foi muito pautado no
“chão em que pisávamos”, nem contribuiu necessariamente para que
problematizássemos e conhecêssemos as potencialidades e adversidades locais,
mas sim, internalizássemos a lógica da competitividade e da ideia de superioridade
em relação ao outro (que passou da categoria de colega à categoria de concorrente),
o fato é que, de certa forma, aquele processo educativo atendeu à emergência de um
contexto específico: A necessidade de inserção na vida acadêmica e a possibilidade
de melhoria na vida profissional. Motivo pelo qual, podemos agora, refletirmos sobre
o tema proposto, numa visão de pesquisadora e, inclusive, compreendermos o nosso
próprio processo formativo.
Durante este período em que fui aluna do nível básico, inquietei-me bastante
com as práticas educativas pautadas exaustivamente nesses exames, mas não tinha
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como isentar-me dos seus imperativos, afinal, havia também, a cobrança social e da
família, onde a aprovação no vestibular parece ser o caminho para a felicidade e as
pressões diárias nos coagem a encontrarmos, o mais rápido possível, este caminho.
Então, a única saída foi abrir mão de outros interesses e idealizações presentes
no cônscio típico de um adolescente e focar nos conteúdos que seriam cobrados nos
exames. Os frutos foram colhidos. Tendo sido aprovada num total de 06 cursos
universitários bem variados (Pedagogia, Letras, Ciências Sociais, Psicologia,
Administração e Dança), em Universidades Estaduais, Federais e particulares (como
bolsista do Prouni2). Dediquei-me, no entanto, com maior fervor e interesse, àqueles
que de fato, representavam os meus anseios, as minhas inquietações. E, por isso,
escolhi a área de educação, mais especificamente, os dois primeiros.
E, vivenciando estes cursos, sobretudo, o de Pedagogia, adentramos nos
discursos tradicionais e nos ditos “contemporâneos” em relação à área educacional,
sendo sempre levada a refletir sobre práticas vivenciadas na infância e na
universidade, enquanto aluna, e práticas vivenciadas, hoje, como educadora.
1.2 Da Universidade à noção de Contextualização
Ingressamos no Ensino Superior no ano de 2008. Desde lá, começamos a
problematizar e a entender que sob o pretexto de “neutralidade”, a educação brasileira
camuflou a política da despolitização, tornando-se uma das principais vias utilizadas
para a difusão de ideias e concepções de mundo baseadas, especialmente, nas
visões elaboradas pelos grupos dominantes. Sobretudo, ao vivenciarmos o contexto
da ideologia neoliberal3, o viés da Economia, em que a educação sofre diretamente
os impactos, e os padrões de formação são baseados nas competências necessárias
ao mercado produtivo e à empregabilidade.
2 Criado pelo Governo Federal em 2004, o Programa Universidade para Todos – Prouni – é um programa do Ministério da Educação, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação a estudantes brasileiros. 3 Segundo Galvão (1997), o centro de toda prática neoliberal é o mercado e o consumo. No discurso neoliberal, a educação deixa de ser parte do campo político e social, para ingressar no mercado e funcionar a sua semelhança.
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Nesse sentido, predomina a lógica do capitalismo avançado, cujo parâmetro
que define o padrão a ser alcançado é exatamente o nível econômico; critério este
que permite a classificação de superioridade e dominação de uns sobre outros. Assim,
nossas escolas tendem a reproduzir o discurso da homogeneidade e o domínio das
perspectivas de determinados grupos culturais em detrimento da população excluída
à margem da sociedade do capital, disseminando a partir dos processos educativos,
ideais e modelos de identidades “universais” a serem seguidos. Portanto, como afirma
Martins (2006, p.47), é possível constatar que “a educação escolar que se dirige aos
vários pontos da imensidão do território brasileiro, é uma educação
descontextualizada e, por sê-lo, é também colonizadora”; uma vez que se trata de
universalizar “um local”, uma determinada concepção de mundo, uma realidade
hegemônica.
Vale destacar, segundo o autor, que no Brasil, as narrativas consideradas
socialmente válidas e legítimas são aquelas produzidas no Sul e Sudeste urbano do
país, onde se concentram, inclusive, as grandes editoras de materiais didáticos e
paraditáticos que circulam nas distintas regiões e contextos brasileiros, e que pouco
ou nada dizem sobre a diversidade e tantos outros modos de vida que se operam em
outros contextos; sobretudo, no Semiárido Brasileiro, o qual sempre foi violentado,
estigmatizado e historicamente marcado por representações unilaterais que
disseminam perspectivas de inferioridade e “envergonhamentos”, no território
nacional.
No Brasil, Paulo Freire (1921-1997) foi um dos principiantes a defender um
processo de ensino baseado na crítica à “Educação Bancária” e à negação do
contexto; trazendo importantes contribuições ao compreender que a educação deve
ser construída a partir do saber do povo e com o povo, sendo necessário ler a
realidade a partir da ótica do oprimido, indo além das letras, numa constante relação
social e histórica.
Assim, convidou os indivíduos, mais especificamente, os oprimidos e
invisibilizados a dizerem “a sua palavra”, reapropiando-os da voz, historicamente,
negada. Para ele, a conscientização se dá no envolvimento da ação, o que exige a
necessidade de se apossar dos diversos ângulos da realidade: “estou absolutamente
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convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento,
uma aproximação crítica da realidade” (FREIRE, 1980, p. 25).
Desse modo, em Pedagogia do Oprimido (1987, p.36), o autor concebe a
Educação Bancária como aquela que apresenta uma falsa visão dos homens tendo
em vista que sugere a dicotomia (inexistente) entre o mundo e os sujeitos, onde estes
são colocados como espectadores e não recriadores do próprio mundo. Nessa
perspectiva, a consciência é considerada como uma parte mecânica, vazia e passiva
que fica “dentro” dos sujeitos, e que quando “aberta” ao mundo, será preenchida de
verdades, recebendo depósitos arbitrários que vão se tornando seus conteúdos.
Transformando assim, o educando em recipiente, controlando seu pensar, o seu agir,
anulando as significações e as leituras do seu contexto.
Logo, essa concepção de educação inibe o poder de criação e atuação social,
levando os homens a se ajustarem e se adaptarem ao mundo, numa visão mágica em
detrimento da visão crítica. Todavia, Freire (1989, p.11) nos diz que “A compreensão
do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre
o texto e o contexto”. Na mesma direção, Morin (2000, p.36) nos aponta que “Para ter
sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do
contexto no qual se anuncia”.
Portanto, podemos encontrar em ambos os autores, que o conhecimento
isolado é insuficiente. Para que o conhecimento seja pertinente e adquira sentido, é
preciso situar as informações no contexto.
Nesse sentido, Silva (2010) nos ajuda a sintetizar essa discussão, ao afirmar
que:
Leis universais homogeneizaram, descontextualizaram as realidades locais. Com a matematização do universo e da vida, o que não pode ser quantificado não existe, não é verdade ou não é relevante. Os saberes, paixões, experiências, desafios, aspirações, frustrações, desejos, histórias, significados, sonhos e potencialidades locais eclipsaram sob o efeito homogeneizador/descontextualizador de modelos globais dominantes em todos os campos do conhecimento, inclusive, no da educação (SILVA, 2010, p.5).
Diante desse cenário, as questões inerentes à educação caminham cada vez
mais para a necessidade de contextualização, em que se propõe a superação da
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política de compartimentalização e descontinuidade, em defesa de uma proposta
educacional holística, que contraponha o paradigma positivista da Ciência Moderna.
Defender a política da contextualização é colocar-se contrário aos ideais positivistas
alicerçados nos princípios da universalidade, neutralidade, fragmentariedade,
incontestabilidade e absolutismo de um dado conhecimento, os quais inviabilizam a
relação entre currículo e contextos, camuflando a base colonialista e excluindo as
dizibilidades e narrativas que se distanciam daquelas consideradas ideais e oficiais.
Assim, uma Educação que se diz Contextualizada está “apta a referir-se ao
complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global”
(MORIN, 2000, p. 39). Compreende o sujeito como um ser indiviso que se utiliza da
razão, emoção e intuição, na construção do conhecimento. Logo, um ser que
necessita de um processo educativo em que palavras, conteúdos desenvolvidos e
ações pedagógicas dialoguem com os elementos do cotidiano, dos saberes locais,
das questões sociais, culturais e ambientais e que sejam carregados de sentido e
pertinência, reintegrando-o à sociedade, ao mundo e à natureza do qual é parte.
Na concepção de Freire (1996), é preciso apostar numa educação cuja base
seja o diálogo, onde todos tenham o direito à voz e possam se educar mutuamente.
Assim, educandos e educadores poderão ter os seus saberes, história e cultura
reconhecidas; aspectos estes que por muito tempo foram negados no contexto
escolar. E, sendo capazes de compreender as particularidades das suas identidades
culturais, as desigualdades que os oprimem, percebendo que estão “presos”, à
margem dos privilégios dos grupos que têm a posse do poder de dominação,
precisarão empoderar-se4 da leitura de suas experiências, relacionando esses
saberes junto ao conhecimento tido como científico.
Contextualizar, nesse sentido, é problematizar a realidade dos educandos, a
partir do currículo, tendo como finalidade a pertinência da compreensão de sentidos,
a conscientização e intervenção no mundo, buscando o fim da opressão. Para tanto,
faz-se necessário deixarmo-nos confrontar e interrogar nossas crenças, e concepções
4 Utilizamos o termo, na perspectiva do pensamento freiriano, em que o empoderamento implica na “libertação do oprimido”, na conquista, avanço e superação da opressão por parte de quem se empodera.
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de realidade. Enfim, interrogar nossas certezas e interpretar o outro a partir de seus
termos próprios, ou seja, interpretar como um “outro” legítimo e não marginalizado.
No que se refere à necessidade de a escola contemplar, valorizar e
problematizar as experiências que o sujeito tem com o seu mundo, cabe aqui destacar
a boniteza da afirmativa de Freire (1989, p.11): “Na medida, porém, que fui me
tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na ‘leitura’
que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo”. Assim, ao despertarem a
consciência crítica e o pensar reflexivo sobre os problemas sociais, educador e
educando entenderão o que acontece socialmente e o porquê acontece, podendo
assim, vislumbrarem condições de libertação das cadeias opressoras, buscando
participação ativa na construção de uma sociedade mais equânime.
Nesse sentido, essas discussões foram se ampliando e se constituindo como
essência do nosso cenário formativo, na Universidade. Descolonizar o currículo,
contrariando a perspectiva do pensamento simplificador5, da unidimensionalidade, da
demasiada abstração e repetição de conceitos desprovidos de sentido e isolados dos
contextos em que se produz a existência humana foi se tornando uma discussão cada
vez mais fomentada e considerada necessária por todos que se colocam contrários à
educação como prática da dominação, a qual reduz os homens a meras coisas; e
contrariando esta prática, defendem o desenvolvimento de uma educação como
prática para a liberdade, a qual estimula e anima o homem a refazer-se, refazer o
mundo e torná-lo mais humano (FREIRE, 1987 p. 38).
No entanto, desenvolver uma prática educativa contextualizada não é algo tão
simples e repentino, numa realidade onde o paradigma tradicional ainda demonstra
está tão enraizado no cônscio dos indivíduos e das instituições. Os textos que
constituem nossos currículos não são apenas textos, mas sim, textos de poder, os
quais são pensados para produzirem e legitimarem identidades homogeneizadoras
(branca, machista, heterossexual, urbana, entre outras) significando assim, a
existência humana, a partir de aspectos culturais dominantes (SILVA, 2004).
5 Para Morin (2000), o pensamento simplificador orienta-se pelo paradigma cartesiano e adota os modelos disciplinares de acesso ao conhecimento, sendo, portanto, um pensamento reducionista. Esse tipo de pensamento fragmentado, isolado e simplificador é, de acordo com Morin, a barbárie do pensamento.
21
O currículo, nesse sentido, contribui para a dominação e exclusão dos grupos
sociais minoritários destituídos de estruturas de poder, os quais têm suas narrativas
silenciadas. No belíssimo escrito A Poética e a política do currículo como
representação, Tomaz Tadeu da Silva (2004) nos diz que as narrativas que permeiam
os currículos escolares “dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais
formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é bom e o que é mau, o que
é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não são” (SILVA, 2004,
p.193). Portanto, permitam-se repetir, contextualizar perpassa sobre a descolonização
dos currículos; tornando-se necessário revertermos o modelo de educação
monorreferencial no que se refere ao saber, de modo a garantir, inclusive, a história
dos povos e sua relação com o meio em que têm intimidade, o que exige partir da
valorização da “leitura de mundo”, tão evidenciada nas obras de Paulo Freire.
Todavia, outro fator que se apresenta como problema a ser resolvido são os
materiais didáticos os quais, historicamente, não asseguram a pluralidade cultural e
as especificidades potenciais das diversas regiões do Brasil. Logo, esses
instrumentos trazem em si, as concepções que norteiam o currículo oficial, os quais
ao serem relacionados à precariedade da formação docente, como nos diz Martins
(2006) terminam por definir o percurso vivenciado durante todo o ano letivo.
Os professores vítimas de um processo educativo descontextualizado acabam
por adotar o livro como trilha a ser seguida e tendem a reproduzir práticas arraigadas,
perpetuando assim, “o velho ensino” e “otimizando o péssimo”. Desse modo,
Segundo Moraes (1997), continuamos a preservar e a expandir o velho modo pelo
qual fomos educados, sem refletir acerca do significado de uma nova prática. Práticas
essas que precisam encontrar lugar para reflexão e superação, nos espaços
formativos.
No entanto, há um importante fator que reúne e enfatiza a presença marcante
das questões supracitadas, mas que pouco tem sido alvo das discussões que
envolvem os desafios da contextualização do ensino. Estamos nos referindo à
Avaliação Nacional de Rendimento Escolar – ANRESC, também denominada e mais
conhecida como Prova Brasil/2005. A Prova Brasil é um dos principais instrumentos
que compõem o Sistema Nacional de Avaliação Básica– SAEB, o qual de acordo com
Bonamino (2002) é uma política pública derivada das exigências advindas com a
globalização e a competitividade econômica, em que os representantes estatais
22
buscam alianças e elaboram estratégias homogeneizadoras orientadas a partir da
avaliação.
A emersão das ideias neoliberais repercute diretamente na política brasileira e
tendo em vista que o estado investe bastante dinheiro nas universidades e escolas,
começa-se a questionar sobre a função destas instituições no que se refere ao
crescimento da economia. Nessa perspectiva, a partir da década de 1980, amplia-se
a discussão sobre a avaliação da qualidade do ensino, como importante fator para
reorientação das políticas educacionais e investimentos da educação. Nesses termos,
Libâneo (2004, p.241) nos ajuda a sintetizar este cenário, afirmando que: “A ordem é
sintonizar os sistemas educacionais ao modelo neoliberal”.
Inicia-se, pois, a necessidade de aferir os resultados e controlar a educação
oferecida em nossas escolas, por meio da coleta, análise e divulgação dos resultados.
Práticas essas que passam a ser prioridade não apenas no Brasil, mas antes,
também, no cenário internacional. No Brasil, os instrumentos para este controle
compõem o SAEB – que, no Ensino Fundamental, tem a Prova Brasil como um dos
instrumentos que têm ganhado cada vez mais espaço nas escolas e nas discussões
que envolvem o campo de pesquisa na área de educação.
Sendo composto por instrumentos padronizados, o Sistema Nacional de
Avaliação apresenta uma matriz curricular específica que referencia a elaboração dos
testes, estabelecendo, portanto, um padrão de aprendizagem no contexto nacional.
Apresenta assim, uma lógica universalista e fragmentária. Neste último caso, apenas
as áreas de Língua Portuguesa (Leitura e compreensão) e Matemática (Resolução de
problemas), norteiam a elaboração da prova. O que também o caracteriza, como um
Sistema de Avaliação que apresenta fortes características positivistas.
Portanto, para além da coleta de dados que deveria servir para a reformulação
e monitoramento das políticas públicas voltadas para a educação básica, o SAEB e
seus instrumentos avaliativos podem fomentar um currículo centralizado, o qual acaba
se tornando o currículo vivenciado nas escolas dos “quatro cantos do país”; tendo em
vista o fato de que existe uma matriz que referencia a construção das questões
presentes nas provas e que não deixa de trazer em si, uma concepção particular de
educação.
23
Desde o ano de 1990, as discussões em torno da avaliação educacional
ganharam ênfase nos debates pedagógicos e políticos tanto nacionais, quanto
internacionais, aumentando, inclusive, os discursos que defendem a importância dos
instrumentos avaliativos, como suporte da gestão da educação básica.
Principalmente, os exames nacionais em larga escala, uma vez que lhes é atribuído o
objetivo de representar, quantitativamente, a qualidade da educação ofertada no
Brasil. Observamos aqui, a instituição de uma “cultura da prova” que tende a enaltecer
o aspecto técnico da avaliação e reduzi-la a números, médias e estatísticas.
Diante disso, percebemos o fortalecimento de um cenário que torna ainda mais
dificultoso, o desenvolvimento de uma educação integral, multidimensional e
multirreferencial nas escolas. Vale destacar que esses exames podem fomentar, nas
salas de aula, o uso intenso de materiais didáticos elaborados sob a mesma
perspectiva curricular que norteia a elaboração dos exames padronizados. Uma
pesquisa que relaciona o uso de sistemas de ensino à melhoria no desempenho da
Prova Brasil, liderada pela pedagoga Paula Louzano, em parceria com Francisco
Soares, da UFMG, reforça essa questão, ao analisar os resultados de 291 municípios
paulistas.
A pesquisa patrocinada pela Fundação Lemann, a qual apóia estudos e
pesquisas sobre diferentes aspectos da gestão educacional, divulgou em 2011, no
endereço eletrônico da Revista Educação, bem como, em sites na internet, que nas
edições da Prova Brasil realizadas entre os anos de 2005 e 2007, os alunos que
estudaram com os materiais apostilados apresentaram uma média de 5 pontos a mais
nas escalas das disciplinas avaliadas nos testes, em relação aos alunos que não
utilizaram esses materiais.
Sendo assim, com as demandas das avaliações nacionais, a realidade posta
nas salas de aula, tende a ir ao encontro dos instrumentos avaliativos, podendo se
distanciar das múltiplas realidades vividas pelos alunos. E os instrumentos básicos
utilizados para “medirem” a qualidade do ensino estão ainda mais estranhos à
compreensão dos mesmos. O caso tende a agravar-se ainda mais, no contexto do
Semiárido Brasileiro, uma vez que as editoras destes mesmos materiais continuam a
impregná-lo de representações simbólicas coletivas que insistem em significá-lo como
o lugar da seca, improdutivo, estático, rural, sem possibilidades viáveis de existência
e apenas dotado de adversidades que impossibilitam uma vida possível e estável.
24
Torna-se, pois, cada vez mais necessário um processo educativo que promova
a indignação e a percepção dos problemas sociais que por tanto tempo foram
naturalizados. Portanto, a discussão da Contextualização do ensino não pode se dar
na ausência da discussão referente ao atual Sistema Padronizado da Avaliação
Nacional e os fatores que determinam a sua existência. Uma vez que, ao se propor
uma contra-hegemonia ao currículo instituído, bem como, uma reinvenção no trabalho
pedagógico vivenciado nas instituições de ensino, não podemos perder de vista que
a escola que temos hoje foi criada num formato baseado no paradigma da
modernidade, para cumprir com os imperativos da sociedade capitalista iniciada no
séc. XVI e revitalizada no séc. XIX.
E, como tal, a cultura que a mantém reproduz a mesma lógica da sociedade
que a estabelece, inclusive nas suas próprias contradições e antagonismos, de modo
que a mesma escola criada para adestrar sujeitos para o projeto do capital/trabalho,
gesta nesta mesma estrutura dialética, possibilidades de gerar sujeitos que tenham
consciência sobre si e este mundo. Sendo assim, discutir a função social da escola
perdendo de vista o projeto de sociedade a qual ela está a serviço, fortalece as
expectativas do capitalismo que “aposta na descontextualização da realidade escolar
e no predomínio da ideia de que sua função é para a lógica do mercado” (COSTA,
2007).
1.3 Da Universidade à Escola. Da Escola à Pesquisa - Conflito entre a noção de
Contextualização e o cenário das Avaliações Padronizadas
É exatamente diante deste cenário de avaliação nacional anunciado
anteriormente, que surge o conflito que deu origem às inquietações que fomentaram
esta pesquisa. Durante o Curso de Pedagogia iniciamos as discussões relacionadas
à necessidade de descolonizar o currículo e contextualizar o ensino, buscando
possíveis rupturas do paradigma que tanto norteou a Pedagogia Tradicional. No
entanto, no mesmo período em que concluíamos a graduação, nos inserimos na Rede
Municipal de Ensino de Juazeiro-BA, como professora efetiva do Ensino Fundamental
I. E foi exatamente ao ingressar na sala de aula (no que, definitivamente, é possível
chamar de campo prático), que houve o primeiro choque entre os conceitos
construídos na academia e o modo como a realidade de fato se opera, nas instituições
escolares.
25
Enquanto na Universidade discutíamos sobre a contextualização do ensino e
uma relação de horizontalidade na construção dos saberes; ao chegarmos à escola,
na primeira semana de planejamento, recebemos o programa de ensino já pronto,
organizado e elaborado por “superiores anônimos”, o qual deveria ser a nossa bússola
no processo de orientação das atividades a serem desenvolvidas no cotidiano escolar.
Segundo os gestores, o programa recebido continha os conteúdos necessários
a serem apreendidos pelos alunos e que seriam cobrados na avaliação externa ao
final do ano. Fazia-se, portanto, necessário segui-los; afinal, considerava-se que
alunos com aprendizagem satisfatória seriam aqueles capazes de atender ao
programa estabelecido, apresentando bom desempenho nos resultados. E, naquele
momento, pela primeira vez, me percebi diante de uma realidade extremamente
dialética, no conceito moderno do termo, o qual de acordo com Konder (1981, p.7) “é
o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a
realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação”.
E foi, então, nesse dilema e contraste entre os conceitos discutidos durante a
formação acadêmica e os imperativos já postos no Sistema Educacional, a partir das
avaliações padronizadas, que as inquietações aumentaram. A Universidade em que
estudei se localiza no mesmo município em que iniciei a experiência da docência, e a
primeira impressão que me veio à mente foi a de que ambas “não falavam a mesma
língua”.
Sendo assim, o grande conflito, a pouca experiência e ainda insuficiente
compreensão desse cenário prático educativo nos levaram à obediência daquilo que
já se apresentava posto, definido e prescrito, nos levando a deixar adormecido as
possibilidades e tentativas significativas de contextualização, sobretudo, porque
nesse mesmo período, não sentimos ou percebemos a gestão educacional do
município muito preocupada com essa possibilidade. As preocupações giravam
sempre ao redor do alcance do IDEB.
Nesse sentido, no ano de 2013, o fato de estarmos inserida nos diversos
espaços planejados pela SEDUC de Juazeiro, como por exemplo, as formações
continuadas, lidando com um grupo bem amplo de professores, nos permitiu
acompanhar a angústia de muitos educadores os quais, por vezes, conversavam entre
si sobre a pressão que sofriam em relação ao alcance das metas quantitativamente
26
esperadas, no desempenho dos alunos, na Avaliação Nacional do Rendimento
Escolar.
No entanto, apesar de se sentirem incomodados, jamais utilizaram de suas
vozes para questionarem nesses espaços, o que são essas avaliações, por quais
teorias são influenciadas, onde são elaboradas, por que realizá-las, o que significam,
qual o retorno e colaboração para a prática educativa elas têm ou podem ter. A falta
de resposta ou a não elaboração destas perguntas, podem, portanto, contribuir para
uma maior ausência de intencionalidade e clareza no direcionamento do currículo
vivenciado em nossas escolas. Finalizado o ano de 2013, ou seja, mais um ano em
que foram realizadas as avaliações externas e, neste caso, nos referimos
especificamente à Prova Brasil, iniciamos o ano de 2014 com uma nova perspectiva.
Tendo em vista a efervescência intelectual que tem impulsionado pesquisas
diversas sobre os variados aspectos que influenciam o processo de ensino e
aprendizagem, as quais apontam para a necessidade de se desenvolver uma prática
educativa contextualizada, em que a escola se aproxime da vida e que, como defende
Silva (2010), os currículos vivenciados permitam a problematização e a vinculação
dos conteúdos às concretudes que os sujeitos envolvidos vivenciam, diariamente; no
ano de 2014, a Secretaria Municipal de Ensino de Juazeiro BA, iniciou o ano letivo
com uma Jornada Pedagógica, propondo o debate e a discussão em torno da
Proposta da Educação Contextualizada Para a Convivência com o Semiárido
Brasileiro.
Trazendo palestrantes e estudiosos da região para ampliarem a discussão em
torno da proposta, enfatizando a necessidade que as escolas têm de ressignificarem
identidades, concepções e práticas de ensino que, por muito tempo, foram
colonizadoras e disseminadoras de visões distorcidas acerca do Semiárido. Com este
propósito, a SEDUC em parceria com o IRPAA, construiu, inclusive, suas diretrizes
municipais - um documento orientador chamado de Diretrizes Político-Pedagógicas
(DPP/SEDUC) do município de Juazeiro/BA (ainda não publicado) que tem por
objetivo traçar os pilares conceituais e políticos que estruturam e norteiam o fazer
pedagógico que se propõe contextualizado, defendendo a urgência em reinventarmos
outro Semiárido possível, descolonizando a educação.
27
As diretrizes foram assim, organizadas enquanto grupos temáticos: Currículo
Contextualizado, Formação Continuada, Gestão Educacional e Material Didático.
Buscando fomentar essa proposta, a SEDUC fez uma parceria com o IRPAA visando
à inserção de materiais contextualizados nas instituições de ensino: os Livros
“Conhecendo o Semiárido 1 e 2”; numa espécie de projeto piloto, em que foram
distribuídos em 58 escolas municipais, atendendo aproximadamente cerca de 3.654
estudantes entre as turmas de 4º e 5º anos. A proposta inicial era de que os
educadores participariam de formações mensais com pautas sobre a contextualização
e as possibilidades do uso dos livros didáticos, no mínimo, até o final do ano de 2015.
Ainda em 2014, diversas experiências de contextualização foram ensaiadas no
contexto municipal, umas mais acertadas, outras mais fragilizadas, mas na tentativa
de dar os primeiros passos. Ao final do ano, muitas escolas expuseram as
experiências vivenciadas e assim, alguns grupos de professores mais animados e já
apresentando uma compreensão um pouco mais clara sobre a contextualização,
começaram a elaborar projetos pedagógicos para auxiliarem no desenvolvimento da
proposta no ano seguinte (2015).
Chegado o ano de 2015, eis que no primeiro encontro formativo, gestores,
coordenadores e professores foram recebidos, novamente, com informações
referentes às avaliações padronizadas, em específico, à Prova Brasil. Observamos o
ano de 2015, iniciando a princípio, nos mesmos rumos do ano de 2013, deixando para
trás, a discussão da Educação Contextualizada, iniciada em 2014, ano em que não
houve a realização da Prova Brasil, já que esta acontece apenas bianualmente.
É exatamente nesse ponto, que o nosso objeto toma forma mais explícita. E
parafraseamos Konder (1981) ao citar Montaigne, em suas reflexões sobre a dialética
no século XVI, refletimos sobre as contradições vividas inicialmente e percebemos
que a Educação Contextualizada a qual em 2013 não era prioridade, mas que em
2014 estava começando a ser, já não mais o era em 2015; “ou já estava começando
a morrer antes de ter sido” (KONDER, 1981, p.15).
Assim, como parte integrante do corpo docente da Rede Municipal de Ensino
de Juazeiro e amiga de professores que vivem situações bem semelhantes nos
municípios vizinhos, me inquieta a necessidade de compreender os desafios em torno
da defesa da contextualização do ensino, frente às dificuldades encontradas no
28
cenário vivenciado em torno das avaliações padronizadas. Partindo dessa inquietação
e das discussões expostas até aqui, construímos um projeto de pesquisa a ser
desenvolvido como dissertação do Mestrado.
1.3.1 INTENÇÕES QUE NORTEARAM O CAMINHO DESTA PESQUISA
O objeto foi se clareando e, enfim, nos propusemos a entender o cenário até
aqui descrito a partir do seguinte questionamento: Quais são os desafios no
desenvolvimento da Educação Contextualizada, nas Escolas da Rede Municipal de
Ensino de Juazeiro BA, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas, na
versão da Prova Brasil?
Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho buscou compreender os desafios
da Educação Contextualizada, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas,
na versão da Prova brasil, realizada com os alunos do Ensino Fundamental I, na Rede
Municipal de Ensino de Juazeiro BA.
Nosso engajamento na Rede Municipal de Ensino tem nos possibilitado
perceber a influência que a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar pode exercer
dentro das nossas escolas. E isso nos gerou outras tantas indagações: De que modo
as Avaliações Padronizadas podem ser um fator que desafia a vivência de uma
Educação Contextualizada? Em qual perspectiva a Prova Brasil (re)orienta as
formações continuadas destinadas aos professores da série final do Ensino
Fundamental I? Quais as possíveis interferências da Prova Brasil na organização
curricular das nossas escolas? Como esta avaliação padronizada pode determinar o
trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas, em turmas do 5º ano? O que os
docentes pensam sobre a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar e as
possibilidades de contextualização?
Nesse sentido, para respondermos à questão central, contemplando as
questões secundárias que nortearam o percurso dessa investigação, elegemos os
seguintes objetivos específicos:
Aprofundar os estudos sobre as concepções epistemológicas que norteiam as
Avaliações Padronizadas e a Educação Contextualizada;
29
Identificar se as formações continuadas de professores do 5º ano apresentam
um enfoque baseado na contextualização do ensino ou se há apenas um
enfoque que atenda às demandas da Avaliação Nacional do Rendimento
Escolar;
Descrever o cenário das avaliações padronizadas, a partir das estratégias
utilizadas na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro BA, tendo em vista a
realização da Prova Brasil, com alunos do Ensino Fundamental I;
Analisar, nas falas dos docentes do 5º ano, as sensações expressas em
relação ao contexto escolar vivenciado em anos de edição da Prova Brasil e as
possibilidades de contextualização;
Apresentar os desafios da Educação Contextualizada, no cenário das
Avaliações Padronizadas.
1.4. Breve revisão de estudos produzidos em torno do tema investigado
Tendo definido estas intenções, nos lançamos ao desafio de investigar o tema
numa pesquisa exploratória, buscando discussões teóricas já desenvolvidas em torno
da história, dos conceitos, de causas e consequências da avaliação e a relação destes
com Sistema Nacional de Avaliação, mais especificamente, a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar, a conhecida Prova Brasil, bem como, sua relação com as
concepções epistemológicas que norteiam a Proposta de Educação Contextualizada.
Durante o percurso desta revisão bibliográfica, identificamos a produção de
artigos, dissertações, teses e livros que apontam perspectivas distintas sobre essa
questão, que vão desde a análise da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar como
um instrumento que tem fomentado a melhoria da prática docente e a qualidade do
ensino oferecido nas escolas brasileiras (sobretudo, nas áreas de Língua Portuguesa
e Matemática); até pesquisas que trazem uma análise desse modelo de avaliação
oficial como uma prática hegemônica, de controle e fiscalização do trabalho
pedagógico vivenciado nas nossas escolas.
Para este estudo, não encontramos pesquisas que explicitem claramente a
intenção de discutir os processos de contextualização do ensino, nesse cenário de
avaliação padronizada. Por isso, aqui, nos interessou particularmente, as pesquisas
30
que trazem em si, análises que ao nosso olhar, se aproximam de uma possível relação
entre a discussão do Sistema Nacional de Avaliação e, nesse contexto, os elementos
que se aproximam de alguns empecilhos ao desenvolvimento de uma Educação
Contextualizada. É válido reforçar que o SAEB teve sua primeira edição em 1990 e a
Prova Brasil só foi incorporada a este Sistema de Avaliação no ano de 2005. Logo, o
campo de pesquisa sobre esse fenômeno ainda é recente e apresenta-se pouco
analisado em seus limites e diversidade.
No entanto, escolhemos alguns artigos, bem como, buscamos dissertações e
teses obtidas no banco de Dissertações e Teses da CAPES (www.capes.gov.br), os
quais serão apresentados numa abordagem geral, tendo em vista que os escolhemos,
por julgarmos ter maior aproximação com o nosso objeto de estudo.
No artigo “Os Reformadores Empresariais da Educação: Da desmoralização
do magistério à destruição do sistema público de educação”, Freitas (2012), faz um
comparativo entre o movimento coordenado pelos Reformadores Empresariais da
Educação nos Estados Unidos (os quais defendem a organização privada como
proposta mais adequada para redefinir e fortalecer a educação americana de modo a
garantir sua competitividade no cenário internacional) e o movimento coordenado por
empresários na área de educação no Brasil, conhecido como “Todos pela Educação”.
Segundo o autor, coloca-se o foco numa educação pautada no ensino por resultados,
os quais promovem o controle dos processos vividos no interior das escolas, de modo
que as aprendizagens passam a ser medidas por meio de testes padronizados, em
larga escala, originando a perspectiva de responsabilização e com isto a divulgação
pública dos desempenhos das escolas, rankings e recompensas, desviando o foco da
discussão em torno das diferenças sociais e desigualdades que dão origem às
distinções dos resultados, fomentando a pressão e a competitividade, no âmbito das
instituições e os sujeitos que a compõem. O autor aponta várias críticas em relação à
política neoliberal e seus impactos no sistema de avaliação nacional, concluindo que
ainda há tempo de rever essas políticas e buscar saídas que possam garantir a
formação plural e multidimensional da nossa juventude.
No trabalho “O Sistema de Avaliação Brasileiro”, Pestana (1998) apresenta o
surgimento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB - e os
fatores que impulsionaram sua institucionalização. Aponta que o nosso Sistema
31
Nacional de Avaliação nasce da necessidade de articular e construir tomadas de
decisões sobre os rumos da Educação no Brasil e reafirma a necessidade de verificar
se os investimentos educacionais feitos pelo governo estão contribuindo para a
melhoria do sistema, alcançando a garantia da qualidade, da equidade e eficiência,
permitindo o monitoramento das Políticas Educacionais Brasileiras. Nesse sentido,
adentra nas características do nosso Sistema Avaliativo, discutindo o surgimento da
inserção da ideia de produto (neste caso, o desempenho do aluno) no campo da
educação e sob quais aspectos esse produto seria observado. Ao descrever o
Sistema Nacional de Avaliação nos dias atuais, explicita que o desempenho dos
estudantes sofre múltiplos condicionamentos, inclusive, dos próprios contextos em
que se dá o processo de ensino e aprendizagem, bem como seus insumos6 e afirma
que os instrumentos do SAEB não são capazes de medir a complexidade desses
fatores. Porém, a autora conclui, apontando princípios e diretrizes que sustentam o
SAEB, como importante instrumento para o desenvolvimento da educação brasileira.
Já o artigo nomeado “Sistema nacional de avaliação da educação básica e sua
expressão na Rede Municipal de Ensino de Curitiba: primeiras aproximações”, escrito
por Both et al. (2007), os autores explicitam os impactos causados pela publicização
dos resultados da Prova Brasil no que se refere à organização pedagógica e curricular
nas redes municipais de ensino. Concluem que esses impactos são observáveis na
dimensão curricular, no que se refere às distinções entre a concepção de ensino que
norteia a Rede Municipal de Ensino e a que norteia as avaliações nacionais
padronizadas na gestão escolar, uma vez que a autonomia das instituições fica
limitada ao currículo homogêneo, representado pela Matriz de Referência para
elaboração da Prova Brasil e na formação docente que assume um ideal mais técnico,
invisibilizando sua natureza política e pedagógica.
Bonamino e Souza (2012), no artigo “Três gerações de avaliação da educação
básica no Brasil: interfaces com o currículo da/na escola”, analisam as avaliações em
larga escala, no Brasil, durante três gerações e suas consequências no currículo
escolar. A primeira faz referência à avaliação diagnóstica da qualidade educacional,
sem que sejam atribuídas consequências diretas para as instituições e o currículo
6 A autora usa o termo para se referir a um conjunto de fatores, tais como: Infraestrutura da escola (adequação, manutenção, conservação), espaço físico e instalações, equipamentos e materiais didáticos.
32
escolar. A segunda e a terceira consistem na articulação dos resultados das
avaliações em larga escala às consequências simbólicas ou materiais para os sujeitos
escolares e à política de responsabilização. Na segunda geração, as consequências
são simbólicas, a partir do momento em que há uma devolução dos resultados à
escola e a divulgação dos mesmos é apropriada pelos pais e pela sociedade, os quais
passam a pressionar as instituições de ensino. A terceira geração se caracteriza como
uma forte política de responsabilização que geram remunerações e recompensas
explicitadas, a partir das metas atingidas. Assim, as autoras caracterizam o SAEB, a
Prova Brasil, concluindo que a primeira versão do SAEB (1ª geração), por ser apenas
amostral, apresenta baixa interferência na vida e no currículo escolar. As duas últimas
gerações consistem na inserção da Prova Brasil a qual é censitária e contribui para a
construção do IDEB, o que passou a fortalecer, à medida dos anos, a
responsabilização direta, levando gestores e professores a educarem para o teste.
Na dissertação de Mestrado intitulada “O papel dos dispositivos de controle
curricular: avaliando a Prova Brasil”, Vieira (2011) analisa de que modo o Currículo
oficial tem controlado e padronizado a prática curricular nas salas de aula, a partir da
implementação da Prova Brasil, numa cidade do interior do estado de Alagoas. Nesse
sentido, a autora argumenta que o discurso sobre a qualidade do ensino tem sido
utilizado para justificar a política da padronização, a qual apresenta-se subjacente às
orientações da política governamental, manifestando-se através dos materiais
didáticos e dos descritores da Prova Brasil, os quais são fundamentados nos PCN’s.
Ela conclui afirmando que os processos de avaliação têm sido um instrumento de
controle curricular e que agem como legitimadores de determinados saberes, uma vez
que, atualmente, nenhuma escola pública tem escapado de alinhar-se às matrizes que
referenciam este sistema nacional de avaliação, em particular, a Prova Brasil.
Na pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação, Oliveira (2011) verifica
as implicações da Prova Brasil na formação continuada de professores do Ensino
Fundamental, tomando o caso da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Os
resultados de seu trabalho apontam para o fato de a Secretaria de Educação
supervalorizar e utilizar os resultados do desempenho da Prova Brasil como definidor
da formação continuada dos professores da rede, tendo em vista que este é
considerado um dos principais fatores geradores do baixo desempenho dos alunos
33
nesta avaliação externa. Desse modo, as formações tendem a ser consideradas como
solução da melhoria dos indicadores de qualidade, tendo em vista que levam os
educadores a adequarem sua prática às exigências da Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar, desconsiderando outros fatores que interferem no processo
educativo, tais como, os contextos diversificados em que as escolas estão inseridas.
Outro estudo significativo é a Tese de Doutorado de Anadon (2012), intitulada
“Prova Brasil, uma estratégia de governamentalidade”. A autora analisa os efeitos
dos discursos que buscam convencer a sociedade sobre a necessidade da
institucionalização da Prova Brasil, como pressuposto para melhoria da qualidade na
educação brasileira, bem como, os efeitos deste exame no cotidiano do trabalho
escolar de docentes e gestores, num município no Rio Grande do Sul. Segundo ela,
os discursos tendem a enfatizar a necessidade de se reverter os índices de fracasso
da educação do país, o que só se torna possível a partir da justificativa de um
acompanhamento intenso das práticas e atuação dos sujeitos escolares, por meio dos
dispositivos de avaliação nacional. Portanto, o discurso da ineficiência educacional
busca convencer sobre a necessidade de aplicação dos testes, os quais a partir dos
resultados, propiciam o surgimento de novos discursos que disseminam “verdades” e
apresentam a baixa qualidade da educação como um problema cuja solução está no
aumento da regulação, realizada a partir de novos processos avaliativos, que
realimentam a necessidade de buscar sempre a “melhoria” do desempenho de cada
escola, professor e aluno. Na perspectiva da autora, essas práticas avaliadoras
controlam o trabalho interno da escola, configurando-se como práticas produtoras de
novos modos de ser e agir de docentes, alunos e gestores, assim como, na forma
como a sociedade entende o papel e a ação desses sujeitos. Conclui que as
avaliações padronizadas, portanto, são um exercício de poder, na medida em que
encerram um instrumento, um modo de governar não só os sujeitos escolares, mas
também, demais cidadãos e sua relação com os sistemas de ensino.
Em sua tese de doutorado “Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica: situando olhares e construindo perspectivas”, a partir de uma pesquisa
qualitativa teórica, Santos (2007) emite fortes críticas, evidenciando que uma política
como o SAEB apresenta um enorme atraso no que se refere aos avanços teóricos no
campo que envolve a avaliação educacional, uma vez que ao servir-se de
34
instrumentos com a justificativa de diagnosticar a qualidade da educação brasileira,
apresenta de modo oculto a ênfase na quantificação e simplificação dos processos
educativos, fortalecendo uma perspectiva positivista da realidade que tem sido alvo
de vários questionamentos e dúvidas no que se refere à melhoria da qualidade
educacional. O que se configura como um fator preocupante, uma vez que esse
sistema tem influenciado cada vez mais, nas políticas avaliativas estaduais e
municipais. Conclui, portanto, que a perspectiva do exame tem se fortalecida a cada
dia, demandando uma necessidade de problematização, reflexão e ação em defesa
de processos que considerem a complexidade do processo avaliativo; ou então,
poderemos nos enveredar por trilhas de acomodação, controle e domesticação.
Nesse sentido, os estudos acadêmicos encontrados cujas temáticas são
possíveis de relacionar ao objeto desta pesquisa, caminham na direção das
discussões presentes nos trabalhos aqui sintetizados. Em tais estudos, não
encontramos uma pesquisa diretamente relacionada à discussão sobre a
contextualização do ensino e de seus desafios, a partir da existência das avaliações
padronizadas, como a Prova Brasil.
Sobretudo, nos referenciais teóricos construídos por estudiosos vinculados à
UNEB, onde se concentra um número razoável de pesquisadores que têm se
debruçado em problematizar as pautas da Educação Contextualizada, tais como Reis
(2009), Martins (2006), Lins (2011), Carvalho (2010), Pimentel (2002) entre outros. A
constatação dessa ausência ampliou e tornou ainda mais significativo, o nosso
interesse na necessidade da realização deste trabalho, uma vez que as avaliações
padronizadas podem servir como um mecanismo de supervalorização e
homogeneização de um currículo específico, de forma que ao refletirmos, usamos as
palavras de Lins, Pereira e Souza (2006, p.116), ao afirmarem que a homogeneização
alimenta “a cultura de colonialismos, onde valores, gostos, gestos, linguagens,
sentimentos se sobrepõem a outros”.
Portanto, o presente estudo trata sobre a avaliação educacional enquanto uma
política de Estado, na sociedade brasileira, e os desafios da contextualização do
ensino mediante o cenário específico na Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(ANRESC) / Prova Brasil, partindo do contexto vivenciado no Ensino Fundamental I,
na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro BA.
35
1.5 Situando o Município em que se desenvolveu a pesquisa
Juazeiro é um importante município localizado no norte do estado baiano,
ocupando uma área de 6.500,520 km². Situado à margem direita do Rio São
Francisco, destaca-se na agricultura irrigada, firmada exatamente, devido às águas
do Velho Chico e juntamente com a cidade vizinha, Petrolina-PE, compõe o maior
aglomerado urbano do Semiárido Brasileiro.
No que se refere às instituições de ensino, a cidade dispõe tanto do sistema
público, quanto privado, atuando nos diversos níveis, desde a Educação Infantil, até
o Ensino Superior. Segundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação
(SEDUC), em Juazeiro-BA há 128 escolas municipais (incluindo as creches). Esse
número já inclui tanto o contexto urbano quanto o rural; de modo que 39 escolas estão
localizadas na zona urbana e 89 encontram-se na zona rural. Mas, o fato que leva o
número de matrículas ser maior na zona urbana, apesar de o maior número de escolas
se concentrar na zona rural, deve-se à realidade em que, nesta última, há um número
intenso de escolas isoladas, muitas delas funcionam com apenas uma sala de aula, o
que ainda leva à permanência de um número elevado de classes multisseriadas.
A gestão atual, liderada pelo Prefeito Isaac Carvalho desde o ano de 2009,
durante o período desta pesquisa, afirma haver projetos que visam à melhor
estruturação e distribuição de algumas escolas na zona rural, a partir da junção de
algumas instituições já existentes. Nesse sentido, o Secretário de Educação (2016)
afirma que o planejamento gira em torno de algumas estratégias, entre elas, a de
“pegar, por exemplo, duas escolas próximas (cada uma que tenha apenas uma sala)
e transformá-la em creche. E outra escola próxima à mesma comunidade, que tenha
apenas duas salas, por exemplo, transformar em Ensino Fundamental”.
Nesse sentido, a ideia é garantir tanto a oferta da Educação Infantil, quanto a
do Fundamental, em comunidades próximas, diminuindo também, a organização em
multisseriação.
Segundo as justificativas dos atuais representantes educacionais desta gestão
(2009-2012/ 2012-2016), a Secretaria de Educação de Juazeiro (SEDUC) tem
desenvolvido uma política educacional alicerçada na valorização e capacitação do
professor, aprendizagem do aluno e gestão democrática. Para atingir esses objetivos,
36
alguns dos pontos que a gestão considera significativo e têm como desafios a serem
superados são os que se referem à questão salarial, infraestrutura, materiais
pedagógicos, imóveis e questões de investimento.
Nesse sentido, no ano de 2015, foi aprovado o Plano Municipal de Educação,
que nos próximos 10 anos, irá reger a educação municipal e norteará o cumprimento
das metas para a educação, entre elas, construções de creches, reajuste salarial,
reformas, construção de quadras, formação de professores, entre outros.
De acordo com o atual Secretário de Educação, neste percurso, a SEDUC
construiu a Primeira Proposta Curricular da Rede Municipal, fez cumprir a Lei da
Gestão Democrática, passando a eleger os Diretores e Vice-diretores a partir de
Eleição Direta, construiu a Primeira Escola de Formação dos Educadores de Juazeiro
(EFEJ), espaço destinado aos encontros formativos de professores, gestores e
coordenadores pedagógicos.
Atualmente, o município vivencia Projetos Pedagógico, tais como: Projeto “É
Hora de Ler”, o qual já distribuiu mais de 40 mil livros paradidáticos, bibliotecas
móveis, bebetecas (livros para a Educação Infantil, de fácil manuseio e que podem
ser molhados), buscando assim, incentivar o despertar para a leitura desde a
Educação Infantil, até o Ensino Fundamental. Há também o “Musicalização na
Educação Infantil”, promovendo o prazer de ouvir música, desencadeando
habilidades; bem como, “Rádio Escola”, que tem como justificativa utilizar o rádio
como ferramenta para entretenimento, elaboração de projetos de cidadania e melhoria
da comunicação. Atualmente, foi lançado o Projeto “É Hora de Ler Professor” que visa
o incentivo à leitura pedagógica, de modo que os professores após a leitura devem
preencher fichas com comentários sobre a obra lida, ação esta considerada por alguns
docentes, como parte da burocracia a que estão submetidos.
A gestão educacional municipal acredita na ideia de que quanto mais
investimento, melhores os “resultados” no processo de ensino-aprendizagem, e
consequentemente, no desempenho das avaliações internas e externas. O fato é que,
assim como a educação brasileira, se os índices numéricos, realmente, forem os
fatores mais significativos de tradução desse bom desempenho, ainda temos um
longo caminho a ser percorrido.
37
Sendo assim, no último Censo Escolar, em 2013, os índices de reprovação e
abandono em Juazeiro englobaram cerca de 34,8% dos estudantes. Dentre estes, 29,
2% dos alunos foram reprovados nas séries iniciais (Ensino Fundamental I/primário)
e finais (Ensino Fundamental II/ginásio) e 5,6 % abandonaram a escola. Além da
Educação Infantil, que no ano de 2014, teve um índice de abandono de 2,91%.
A partir dos dados gerenciados e armazenados pelo SIEM (Sistema de
Informação da Educação Municipal), temos os quadros a seguir:
Quadro 1 Taxa de reprovação em Juazeiro – BA
Fonte: (SEDUC, 2015).
Quadro 2 Taxa de abandono em Juazeiro-BA
Fonte: (SEDUC, 2015).
Quadro 3
Taxa de abandono em Juazeiro-BA/ Educação InfantiL
Fonte: (SEDUC, 2015).
Os dados presentes nos quadros I e II estão numa escala evolutiva, desde o
início da atual gestão. De acordo com os seus representantes, outra preocupação é o
fato de que esses índices refletem, também, no IDEB. Sendo assim, é válido observar
a evolução dos indicadores em nosso município, a partir do quadro abaixo:
38
Quadro 4 Evoluçaõ do Ideb em Juazeiro-BA
Fonte: (SEDUC, 2015).
A análise do último quadro acima nos esclarece que desde o primeiro ano de
realização da Prova Brasil (2005), junto ao fluxo escolar (quadro I e II), o IDEB em
Juazeiro-Ba, apresenta-se de modo crescente, havendo uma queda apenas nas
séries finais, na última edição. Embora contribua, não podemos afirmar se essa queda
pode ter tido como influência maior, o percentual de reprovação e abandono nas séries
finais, que em 2013, também, aumentou.
No entanto, identificamos que no ano de 2015, período em que mais uma vez,
houve a edição da Prova Brasil que contribuirá na construção dos índices, a Secretaria
Municipal de Educação passou a investir em Projetos que buscaram acompanhar
mais de perto o desempenho dos estudantes ao longo do ano, como foi o caso do
Projeto: “Juazeiro, Educação nota 10! Toda criança na escola”, o qual teve como
objetivo melhorar, prioritariamente, os indicadores educacionais das escolas
municipais, tendo em vista a redução da evasão e das taxas de reprovação e
abandono escolar a 0% em todos os níveis, até, no máximo, o ano de 2016.
Temos, pois, começado a analisar, que durante os anos em que acontecem as
avaliações externas, a Rede Municipal de Ensino de Juazeiro Bahia tende a construir
uma dinâmica que se diferencia em relação aos anos em que não há a realização
dessas avaliações. No caso do nosso lócus de pesquisa, embora o estudo dos
capítulos posteriores nos mostre que esta não é uma experiência específica a este
município, percebemos o aumento exacerbado de testes e simulados que têm
invadido a rotina das escolas, dos professores e dos alunos, tendo em vista a
realização das avaliações em externas (em larga escala).
Assim, nos sentimos encorajada a compreender os desafios da
contextualização nesse cenário.
39
1.6. Organização do estudo
Este trabalho está organizado em sete capítulos:
No primeiro capítulo, fazemos a introdução, trilhando os percursos formativos
que despertaram o nosso interesse pela pesquisa. Assim, construímos e delimitamos
o objeto, o problema e os objetivos deste trabalho; iniciando uma breve discussão em
torno das noções que orientam a Educação Contextualizada e as Avaliações
Padronizadas, na versão específica da Prova Brasil, bem como, situamos o município
em que será desenvolvida a investigação.
No segundo capítulo, trazemos uma discussão em torno do paradigma
epistêmico positivista, os quais influenciam as perspectivas de educação e avaliação
da aprendizagem. Assim, adentramos na discussão em torno das avaliações
padronizadas, mais especificamente, do SAEB/Prova Brasil, trazendo informações em
torno das concepções e finalidades que permeiam esse sistema de avaliação.
No terceiro capítulo, adentramos na discussão em torno do paradigma da
complexidade, o qual nos leva à necessidade de repensar a educação, o lugar da
escola e da avaliação educacional, no percurso formativo dos sujeitos. Aprofundamos
nesse sentido, as reflexões em torno da Educação Contextualizada, como
possibilidade de redescoberta dos significados da educação, adentrando na
especificidade da Contextualização para a Convivência com o Semiárido;
No quarto capítulo, descrevemos o percurso metodológico e os sujeitos
envolvidos na pesquisa.
No quinto capítulo, Apresentamos a discussão dos resultados, descrevendo o
processo de formação continuada destinada aos professores do 5º ano, levantando
discussões referentes à relação entre as demandas da Prova Brasil e os rumos da
Formação docente, no município lócus desta pesquisa. Trazemos, também, as vozes
dos professores entrevistados, descrevendo as sensações vivenciadas por eles em
anos de avaliação padronizada, bem como, as estratégias e dificuldades encontradas
no processo formativo dos educandos, tendo em vista este cenário;
40
No sexto capítulo, apresentamos algumas considerações sobre o estudo
realizado e conclusões inacabadas referentes ao complexo fenômeno investigado.
41
2 DA ERA DOS EXAMES À AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
O presente capítulo tem como objetivo central aprofundar os estudos sobre as
concepções epistemológicas que norteiam as Avaliações Padronizadas, discorrendo
sobre a perspectiva do paradigma moderno o qual promove a lógica da cultura da
prova e do exame como instrumento de seleção e exclusão. Nesse sentido,
adentramos, também, na discussão em torno do surgimento de uma nova
racionalidade que concebe a avaliação como um instrumento que deve estar a serviço
da inclusão e da aprendizagem; concluindo o capítulo, a partir de um aprofundamento
sobre o Sistema Nacional de Avaliação, trazendo uma reflexão baseada nos discursos
oficiais explícitos, bem como, uma discussão em torno de elementos que tendem a
ficar ocultos nos discursos oficiais aos quais a população tem fácil acesso.
2.1 A Educação na perspectiva do paradigma moderno, no Brasil
Concordamos com a premissa de Ruth Benedict (1972) e parafraseando-a,
entendemos que ‘cada indivíduo vê o mundo com as lentes de sua cultura’. Portanto,
discutir educação, os elementos que lhes são inerentes e como ela se concretiza exige
de nós pensá-la e repensá-la a partir das intencionalidades e racionalidades vigentes;
sendo assim necessário, analisá-la a partir dos paradigmas que estruturam a ação
educativa.
Os Paradigmas orientam a observação, compreensão, caracterização de
problemas e suas possíveis soluções; norteando as propostas educacionais, a partir
da relação entre o que se pensa e o que se faz a partir do que é pensado. O movimento
na educação se dá sob a perspectiva do conhecimento e os encaminhamentos dos
processos educativos permeados pela reflexão que esclareça quais são os
paradigmas orientadores e por qual motivo o são. Daí, a necessidade de
compreendermos quais concepções permeiam as configurações escolares e o
momento em que se configuram.
No entanto, é válido ressaltar que não há uma linha pedagógica exclusivamente
original, uma vez que a educação tem como uma de suas características, a
diversidade teórica, rica em múltiplas possibilidades de conceitos e práticas.
Consequentemente, esses conceitos e vivências vão sendo observados, discutidos,
42
praticados e tendem a ser síntese de muitas outras experiências que foram sendo
dialeticamente construídas. Como nos leva a refletir Marques (1993, p. 104):
Os paradigmas básicos do saber, que se sucederam interpenetrados e que continuam em nossa cultura e em nossas cabeças, necessitam recompor-se em um quadro teórico mais vasto e coerente. Sem percebê-los dialeticamente atuantes, não poderemos reconstruir a educação de nossa responsabilidade solidária.
Originais são, pois, as releituras feitas e as possibilidades de adequações que
atendam à realidade e à prática escolar almejada. Nesse sentido, os debates atuais
emanados nos congressos, seminários, escolas, colóquios e universidades têm se
pautado fortemente numa proposta educativa que busque contrapor as influências do
Paradigma Moderno, cuja visão newtoniana-cartesiana proporcionou uma
supervalorização do racionalismo, incontestabilidade, absolutismo e
fragmentariedade, como parâmetros hegemônicos na produção do conhecimento
seguro e verdadeiro.
Baseado na separatividade, determinismo e mecanicismo, esse modelo
propunha a interpretação do mundo como uma metáfora da máquina, em que os
fenômenos e a realidade dos fatos eram descritos de forma objetiva, independente do
observador, e deveriam ser reduzidos em partes (engrenagens) para análise e
compreensão do funcionamento do todo. Sendo considerado o “Pai do Racionalismo
Moderno”, afirmava Descartes que “nem a fé, nem a tradição, nem mesmo o
conhecimento sensível, aquele que os sentimentos nos fornecem, são dignos de
crédito absoluto”, restando-nos por isso, apenas a razão (LARA, 1991, p. 36).
Assim, na Idade Moderna, o Paradigma Cartesiano nos ensinou a conceber o
universo sob uma visão dualista, de modo que passamos a dividir os diversos
elementos: a razão da desrazão, a razão do mito, a ciência da arte, o subjetivo do
objetivo, homem e natureza, a literatura do conhecimento científico, o concreto do
abstrato, o sujeito do objeto e outras separações diversas que ainda hoje se fazem
tão acentuadas nos variados âmbitos da sociedade (BEHRENS; OLIARI, 2007).
Nessa perspectiva, a educação é compreendida como um processo externo,
em que prevalece a transmissão de um conhecimento não sujeito às variações ou
dependência de contextos específicos. Assim, a escola estava centrada numa
formação intelectual e formal que focava na reprodução inquestionável de um
43
conhecimento tido como absoluto, de modo que a ‘avaliação da aprendizagem’
voltava-se para o resultado, o produto final e não no processo de construção. Os
conteúdos estavam distantes dos problemas sociais e da vida do indivíduo, além de
que, não havia espaço para tratamento individual e todos os alunos eram colocados
num padrão único a ser seguido.
Vale destacar, que embora se afirme que tal concepção predominou entre o
final do século XIX e início do século XX, esse modo hegemônico de conceber a
escola, perdura com fortes influências até os dias atuais.
Esse modo de conceber a educação trouxe a nosso ver, graves consequências
sociais (a competitividade, a falta de valores morais, o intenso individualismo e
descaso com o bem coletivo) uma vez que, trata-se de uma concepção em que
educadores e educandos são considerados partes da engrenagem e vistos como
máquina, proporcionando significativas perdas dos processos de humanização. Paulo
Freire, no Livro Educação e Mudança (1995), descreve claramente esta prática que
ele denominou de “Consciência Bancária da Educação”:
O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim, seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua criação (FREIRE, 1995, p. 20).
Percebemos, pois, um sistema educativo que impossibilita a habilidade de
criação e reflexão crítica sobre a sociedade. Sendo assim, o Positivismo – corrente de
pensamento que tem suas bases concretas instauradas na Idade Moderna – constitui-
se enquanto umas das fortes características do pensamento desenvolvido na Europa
e exerce grande influência sobre os intelectuais brasileiros ao final do século XIX. O
Positivismo comteano encontrou maior fertilidade em países caracterizados como de
menor tradição cultural e carentes de ideologia no que se refere aos anseios de
desenvolvimento. Logo, percorreu a América do Sul e, sobretudo, o Brasil.
O contexto histórico que marca esse percurso é o do Capitalismo e a
constituição da classe burguesa a qual, fazendo convergir interesses políticos,
econômicos e ideais de racionalidade, lutava para manter-se no poder de um lado,
enquanto do outro, tinha-se a aristocracia, representante do Antigo Regime;
44
constituindo uma luta entre o Velho Regime e a Nova Ordem social instituída. Nesse
sentido, havia uma intenção explícita, na manutenção da sociedade capitalista, a partir
da burguesia no poder.
Em tal contexto, a educação influenciada pelo positivismo passa a exercer
papel indispensável na reorganização da sociedade capitalista, sobretudo, no que se
refere à ordem (fator fundamental na sociedade), para o alcance do progresso. No
Brasil, vemos esse lema estampado na nossa bandeira. Para tanto, torna-se resultado
social necessário, formar uma ativa moral universal sólida, em que se prescreva aos
agentes coletivos ou individuais, as regras de conduta mais conformes aos
fundamentos da harmonia.
Trata-se, com efeito, de assegurar convenientemente a todos, primeiro, uma educação normal, depois trabalho regular. Tal é, no fundo, o verdadeiro programa social dos proletários. Desta forma, substitui a ideia de direito natural para o de dever ser educado. Uma vez que as leis são imutáveis, cabe aos indivíduos aceitá-las, não questioná-las (COMTE,1978, p. 211, grifo nosso).
Percebemos, pois, que a educação se torna o apêndice da sociedade e sob a
influência do positivismo, as instituições escolares buscam a disseminação dos ideais
da burguesia industrial, visando à garantia de sua consolidação como classe
dominante. O que, para nós, explicita a defesa da sociedade de classes.
Dessa forma, para que a escola atenda ao propósito acima referido, deverá se
organizar com base em uma estrutura formal, prescritora das normas institucionais,
nas quais se baseiam a gestão, o currículo, os conteúdos a serem ensinados e
aprendidos, os procedimentos pedagógicos, os saberes didáticos e as práticas de
avaliação. Com base nesse modelo, a escola assume o papel selecionador dos
indivíduos que ocuparão as posições mais privilegiadas na sociedade, para tanto, a
avaliação assume uma importância capital, conforme veremos nas próximas seções
deste texto.
2.1.2 A CULTURA DA PROVA - AVALIAÇÃO COMO PRÁTICA A SERVIÇO DA
SELEÇÃO
Para iniciarmos a compreensão em torno do controle e vigilância que ainda hoje
permeiam os processos avaliativos, lembremos que no ambiente escolar, ao citarmos
45
o ato de avaliar, geralmente, não apenas os educandos, mas também, educadores e
familiares, o associam às ações ligadas a dar “ou receber notas, fazer provas, exames
ou passar de ano” (CATANI; GALLEGO, 2009, p.10). Se nos restringirmos ao sujeito
avaliado, as sensações tendem a ser representadas pelo medo, frio na barriga,
tensão, nervosismo, tremedeira, suor frio nas mãos, crise de choro, entre outras desta
ordem, as quais embora (na concretude aparente) não se constituam como castigos
corporais, aprisionam os estudantes em suas emoções e, neste caso, como nos diz
Luckesi (2011, p.230), os processos emocionais se dão no corpo e, portanto, estes
também, são castigos corporais.
Essas associações e sensações são fruto de concepções específicas que
nortearam a construção de uma “Cultura da Prova e exame”, na Escola Moderna,
durante o processo de emergência da sociedade burguesa e que trazem consigo um
emaranhado de intencionalidades e significados que foram se consolidando e
impregnando as práticas educativas. Assim, o momento da prova é concebido como
o momento privilegiado para “provar” quem é ou não capaz de continuar a rota das
normas postas pelos sistemas de escolarização e, assim, é concebido como um
instrumento autoritário de poder, camuflado sob a aparência pedagógica.
Embora a burguesia tenha se mostrado revolucionária ao se unir às camadas
mais pobres visando lutar contra as regalias e privilégios do clero e da nobreza, ao
chegar ao poder e com o objetivo de garantir os benefícios econômicos e sociais que
havia conquistado, tornou-se conservadora e reacionária. Logo, o modelo de
sociedade que temos hoje e suas influências nas práticas educativas, bem como, a
avaliação, são derivados do entendimento liberal que orientou a revolução da
burguesia e que defende que a partir da garantia de igualdade e liberdade posta na
lei, cada sujeito, com seu próprio esforço, deve buscar a realização e mérito pessoal:
“consequentemente, a avaliação educacional no geral, e da aprendizagem em
específico, contextualizadas dentro dessas pedagogias estiveram e estão
instrumentalizadas pelo mesmo entendimento teórico-prático da sociedade”
(LUCKESI, 2008, p.30).
O uso dos exames teve seu ápice, quando a burguesia se consolidou no poder.
Afinal, como sua ascensão não era advinda de herança familiar ou privilégios de
descendência da aristocracia; para ascender socialmente, era preciso recorrer à
46
formação acadêmica e profissional. A admissão para o serviço público passa, pois, a
acontecer por meio da introdução dos exames, configurando-se numa perspectiva de
sociedade altamente meritocrática (CHUEIRI, 2008, p. 54).
Caro leitor, para compreendermos melhor o cenário das práticas avaliativas do
nosso tempo, é imprescindível retomarmos o contexto do surgimento da educação
escolar sistematizada nos princípios da Idade Moderna, uma vez que a escola tal
como conhecemos hoje é a escola desse período, pensada para atender a um número
de educandos em larga escala. Até o final da Idade Média, segundo Luckesi (2011,
p.233), o ensino institucionalizado se dava na relação entre “um mestre e um aprendiz
ou entre um mestre e poucos aprendizes”. Todavia, com o advento da modernidade e
suas necessidades emergentes, esse modelo de escola já não dava mais conta de
suprir as demandas de uma sociedade que emergia alicerçada nas exigências do
capital e do mercado econômico, que exigia cada vez mais padrões novos de
formação cultural.
Logo, “A leitura e a escrita precisavam ser disseminadas em larga escala, assim
como o cálculo e o trato das habilidades do ‘saber fazer’. (...) fato que exigiu o modelo
do ensino simultâneo” (LUCKESI, 2011, p. 233, grifo nosso). Nesse modelo de
ensino, um professor ensina a vários educandos, simultaneamente. Assim, de acordo
com Perrenoud (1999, p.9), a avaliação nasce nos colégios, no século XVII e torna-se
indissociável “do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com a
escolaridade obrigatória”.
Catani e Gallego (2009), no livro “Avaliação”, afirmam que no Brasil, por
exemplo, instituiu-se os grupos escolares em São Paulo, os quais oficializaram a
seriação, a organização em salas por idade e nível de conhecimento, onde o docente
poderia trabalhar o conteúdo ao mesmo tempo com toda a classe. Assim, as crianças
“passam a ser organizadas em classes, que se desejavam homogêneas, depois de
verificado seu ‘grau de adiantamento’ nos estudos. A partir daí, os exames integram
cada vez mais a cultura escolar”, tendo em vista que passam a ser o instrumento
usado para aprovar os que acompanham o desenvolvimento esperado da classe e
reprovar aqueles que, atestados pelo exame, demonstraram não acompanhar
(CATANI; GALLEGO, 2009, p. 29-30).
47
Nesse contexto, gradativamente, a escola vai aperfeiçoando seus modos de
selecionar os melhores, classificando, medindo, estabelecendo notas que promovem
a exclusão daqueles que não se enquadram nos padrões escolares. Os exames se
tornam assim, cada vez mais, um mecanismo de poder que alimenta as desigualdades
no interior da escola, já que com a democratização do ensino a partir de 1970, o índice
de reprovação das crianças de nível socioeconômico mais baixo tende a alcançar
patamares crescentes e expressivos (CATANI; GALLEGO, 2009, p.32).
Os sujeitos, nesse sentido, competiriam em condições “iguais” no sistema de
ensino e os que se destacassem a partir de dons individuais, seria justo avançar na
carreira escolar e ocupar posições superiores na hierarquia social. Fatores estes, que
mais tarde, diante das falsas promessas em prosperar social e economicamente, a
partir da escola, traria frustração aos jovens das camadas populares e médias.
A “avaliação” é nesse sentido, um instrumento de seleção e controle, em que o
educador e a escola tornam-se isentos da responsabilidade em relação à
aprendizagem dos estudantes.
A escola não se sentia responsável pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveitá-la. A noção de desigualdade de oportunidades não significou até um período recente, nada além disto: que cada um tenha acesso ao ensino, sem entraves geográficos ou financeiros, sem inquietação com seu sexo ou sua condição de origem (PERRENOUD, 1999, p. 14).
Inclusive, a classe política e a burguesia empresarial estiveram sempre à frente
das políticas educacionais, defendendo a preparação para o trabalho: “Especialmente,
a partir dos anos de 1930, podemos perceber que a questão da educação e,
sobretudo, do treinamento e qualificação para moldar e ‘fabricar’ os trabalhadores é
algo que preocupa as lideranças políticas e empresariais” (FRIGOTTO, 2010, p. 161).
Analisando esse cenário, Saviani (2003) nos ajuda a refletir que, nesses
termos, a escola cumpre com êxito, a função para a qual foi criada:
(...) enquanto as teorias não-críticas pretendem ingenuamente resolver o problema da marginalidade por meio da escola sem jamais conseguir êxito, as teorias crítico-reprodutivistas explicam a razão do suposto fracasso. Segundo a concepção crítico-reprodutivista, o aparente fracasso é, na verdade, o êxito da escola; aquilo que se julga ser uma disfunção é, antes, a função da própria escola. Com efeito, sendo um instrumento de reprodução das relações de produção, a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a
48
dominação e a exploração. Daí seu caráter segregador e marginalizador. Daí sua natureza seletiva. A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência (SAVIANI, 2003, p. 29-30).
Tendo em vista fatores como as influências e determinações socioculturais,
distribuição de renda e políticas públicas, os exames contribuem grandiosamente,
para a exclusão educacional e aqui, podemos nos remeter à discussão de Bourdieu
(1998) ao compreender que a cultura escolar socialmente legítima e considerada
válida, universalmente, apresenta um código próprio de comunicação: O código das
classes dominantes.
Nesse caso, de acordo com Perrenoud (2000), o fracasso escolar é resultado
de normas postas e instituídas pela cultura escolar, cuja execução traz em si
arbitrariedades que definem e incidem sobre a progressão ou reprovação discente.
Compreender, pois, as manifestações práticas da “avaliação” é, paralelamente,
entender aquilo que nela se encontra oculto.
Assim, para que o aluno consiga um bom desempenho é preciso que ele decifre
e domine esse código pedagógico que é comunicado na escola, de modo que os
estudantes que estão inseridos numa cultura que é bastante próxima da cultura
escolar, com certeza, não encontrarão dificuldades em compreender os códigos
linguísticos e referências culturais que permeiam os processos educativos. Nesse
sentido, ao analisar as contribuições de Perrenoud, Catani e Gallego (2009, p.53)
enfatizam que “nas relações intraescolares há uma produção de saber que lhe é
específica e constitui um ‘sistema de verdades’”, que se repercute como sendo o único
modo possível de conceber a realidade.
Logo, quando a cultura legítima da escola está muito distante da cultura de
origem do aluno, aquela passa a ser considerada “estrangeira” e ao transmitir a
mensagem de modo único, como se todos tivessem posse dos mesmos instrumentos
de codificação, o professor atribuiria ao educando, a responsabilidade pelas distinções
no desempenho escolar, enquanto na verdade, o que há é uma grande distância entre
a cultura que é familiar ao estudante e a cultura escolar.
Bourdieu (1998) analisa essa questão como uma constante reprodução das
desigualdades sociais, uma vez que, ao tratar todos de modo igual, quem traz consigo
uma bagagem privilegiada continuaria progredindo com êxito e quem já traz consigo
49
um capital cultural, econômico e familiar mais fragilizado continuaria presente na lista
dos inferiores, menos inteligentes e menos capazes. Nas palavras do sociólogo:
Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais (BOURDIEU, 1998, p. 53).
Logo, os exames com sua preocupação em termos quantitativos polarizam a
todos e trazem algumas consequências no âmbito pedagógico, psicológico e
sociológico. Pedagogicamente, por estarem focados em resultados pontuais e finais,
não há nenhuma colaboração no acompanhamento para a melhoria da aprendizagem
dos educandos. Psicologicamente, desenvolvem sujeitos cujas personalidades
tendem a ser submissas, sobretudo, com a violência simbólica gerada pelas
constantes ameaças e, portanto, causadoras de medo. E, sociologicamente, tendo em
vista o fato de que em muito contribuem para o processo de seleção social,
distinguindo os competentes dos não competentes, os aprovados e os reprovados, os
incluídos dos excluídos (LUCKESI, 2008).
Nessa perspectiva, a prática de exames predominante no sistema escolar
apresenta-se como uma compreensão teórica de que a educação é um meio de
reprodução da sociedade. E, sendo o autoritarismo inerente à conservação deste
modelo, este irá também se manifestar nos exames, utilizados como instrumento na
luta pelo poder dos grupos dominantes que tinham como propósito consolidar seus
ideais de organização política, econômica e social.
No interior das escolas, temos assim, uma profunda associação entre o ato de
“avaliar” e medir. No Brasil, a teoria da avaliação educacional teve forte influência dos
estudos realizados pelo pensamento positivista do educador norte americano Ralph
Tyler. Sobretudo, a partir de 1960, quando sua proposta conhecida como “avaliação
por objetivos” passou a ser divulgada. Sua concepção de avaliação tem o enfoque
comportamentalista, em que de acordo com Hoffmann (2013, p.51) “resume o
processo avaliativo à verificação das mudanças ocorridas, previamente delineadas
em objetivos definidos pelo professor”, cuja preocupação manifesta-se em verificar se
o alcance dos objetivos comportamentais dos estudantes estava ocorrendo e em qual
50
velocidade ocorria. Tinha-se assim, um instrumento para regular e controlar os
comportamentos desejados.
A Avaliação educacional é, pois, expressa a partir da otimização da função da
escola para atender aos imperativos da sociedade industrial, sendo considerada um
instrumento que possibilita a regulação do conhecimento dos estudantes, controlando
se as metas estabelecidas estavam sendo cumpridas, tendo em vista o fato de que
ao sair da escola, deveriam estar aptos a responderem às expectativas da sociedade.
Desse modo, restringe-se ao momento terminal, finalístico, com foco no
produto e no juízo de valor do produto, sendo reflexo da sociedade liberal e capitalista.
E assim, a avaliação deixa de ser vista apenas como medida, pois seu foco agora é
operacional. Compreender, pois, a herança histórica desses pressupostos é
indispensável para que possamos entender os fatores que fomentaram a concepção
reducionista que ainda hoje se faz presente nas nossas escolas e nas iniciativas
políticas educativas governamentais.
2.1.3 NA TRILHA DE UMA NOVA COMPREENSÃO: AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA
APRENDIZAGEM
Embora os processos avaliativos que visam à classificação, ao caráter
meramente quantitativo da obtenção de notas desintegrada de um acompanhamento
da aprendizagem do educando ainda estejam fortemente presentes nas instituições
de ensino, essa concepção vem sendo alvo de muitas críticas, desde o século XX,
entre as décadas de 70 e 80 e, sobretudo, em 1990, a partir “especialmente, das
disposições legais que tentam romper com alguns paradigmas presentes na cultura
escolar” (CATANI; GALLEGO, 2009, p.10). Na verdade, em 1960, já repercutiam
críticas a esse caráter seletivo que permeava as provas e exames, ampliando-se
assim, a defesa em relação aos aspectos epistemológicos e éticos da avaliação
qualitativa da aprendizagem (SAUL, 1998).
Segundo Gatti (2002), nesse mesmo período, um alto número de estudantes
brasileiros não obteve sucesso nos exames e foi reprovado no vestibular. Este fato
gerou bastantes questionamentos, todavia, ainda não havia muitas discussões nesta
51
área. Assim, já por volta da década de 80 é que os debates em torno da avaliação
começam a se expandir e a ser questionada a partir de uma nova perspectiva.
Busca-se, então, estabelecer uma perspectiva de avaliação que vai além da
noção quantitativa, ampliando esse processo para uma dimensão qualitativa,
formativa. Assim, atribuem a inserção do termo “Avaliação Formativa”, no Brasil
(década de 70), a Michael Scriven, um dos mais renomados estudiosos no campo da
avaliação, que defendia a relevância de se acompanhar todo o processo avaliativo a
partir de etapas parciais que formariam um conjunto de informações a serem
analisadas.
Segundo os preceitos da avaliação formativa, a escola deve disponibilizar aos pais e aos órgãos de supervisão os resultados obtidos ao longo do processo, o que não significa simplesmente mostrar as notas ou menções, mas sim, apresentar considerações sobre suas dificuldades, seu desempenho em relação aos objetivos propostos, seus progressos e as providências adotadas pelo estabelecimento na busca de se sanarem as dificuldades identificadas (CATANI; GALLEGO, 2009, p.39).
Logo, a avaliação formativa é discutida como uma avaliação contínua que tem
como função acompanhar e “contribuir para melhorar as aprendizagens em curso,
qualquer que seja o quadro e qualquer que seja a extensão concreta da diferenciação
do ensino” (PERRENOUD,1999, p.78), ajudando assim, o educando a aprender e a
se desenvolver. Pois, uma avaliação que se diz formativa é essencialmente
acompanhada por uma intervenção diferenciada, que vai desde os termos de ensino
até radicais transformações das estruturas escolares.
Por isso, o autor considera mais viável nomeá-la de Observação Formativa,
tendo em vista que a avaliação costuma ser associada às classificações e medidas
de boletins. Enquanto, “observar é construir uma representação realista das
aprendizagens, de suas condições, de suas modalidades, de seus mecanismos, de
seus resultados” (PERRENOUD,1999, p.104).
No entanto, somente com a aprovação da LDB 9.3947, de dezembro de 1996,
é possível perceber uma sistematização de uma concepção de avaliação que se
7 Segundo Catani e Gallego (2009, p.38), alguns pesquisadores consideram que a LDB 5692/71, já antecipava em seu texto, alguns princípios que se pode relacionar à Avaliação Formativa e ao privilégio dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. No entanto, na prática, não foram implantadas integralmente e em muitos casos, foram incompreendidos.
52
distancia do caráter meramente classificatório e seletivo até então predominante.
Como podemos ver, mais especificamente, nos artigos 23 e 24 que estabelecem:
Art.23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Art.24. V – A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. (...) e) Obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.
Logo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define avaliação como
um processo contínuo cuja maior preocupação deve centrar-se no aspecto qualitativo
da aprendizagem, o que, teoricamente, retira o caráter meramente classificatório e
excludente do centro, dando ênfase a um instrumento cuja função é diagnóstica, uma
vez que ao perceber as fragilidades, não se dá o processo como acabado, mas sim,
como possibilidade de investimento na aprendizagem daqueles que, por ventura,
ainda não tenham alcançado os objetivos avaliados.
Portanto, avaliação deve se desenvolver tendo em vista a formação e a
aprendizagem dos educandos, que não ocorrem de forma linear e homogênea sendo
preciso, pois, acompanhar e zelar pelo direito de aprendizagem e de medidas de não
exclusão através do sistema escolar.
Nesse sentido, faz-se necessário uma posição de intervenção que possibilite
ao educando progredir. Entre as possíveis intervenções, Perrenoud (1999, p.105) cita
algumas, tais como: Explicar de forma diferenciada, mais lenta e simples se preciso
for; oferecer possibilidades diferentes de envolvimento nas atividades propostas;
perceber a angústia e ajudar no desenvolvimento da autoconfiança; focar nas causas
da dificuldade e não prender-se aos “sintomas”; valorizar o erro e interpretá-lo como
forma de entender as representações dos estudantes; considerar o contexto e as
condições de vida e de trabalho que ocorrem fora da escola, bem como, as dinâmicas
53
que envolvem afetividade e relacionamentos no processo de desenvolvimento
cognitivo.
O que termina por apresentar uma perspectiva distinta dos exames positivistas,
tendo em vista que na avaliação formativa é construída uma compreensão
cooperativa, em que a hipótese que rege o ensino é a de que os estudantes querem
aprender e para tanto, a avaliação serve para ajudar a eles e ao professor a
alcançarem este fim. Daí o motivo pelo qual ela deve ser considerada, também, como
um mecanismo de individualização dos percursos formativos e diferenciação nas
intervenções pedagógicas, passando da lógica de avaliação como seleção à avaliação
a “serviço da aprendizagem”.
Para Cagliari (1999), a avaliação precisa considerar as particularidades de cada
sujeito. Assim, o seu progresso só poderá ser realmente percebido não a partir da
comparação com aquilo que está prescrito como ideal, mas sim, a partir da
comparação consigo mesmo, de modo a revelar: “Como o educando estava? Como
ele está?”.
A avaliação é sempre uma atividade voltada para cada indivíduo de maneira específica, porque cada um é diferente dos demais, cada um tem uma história de vida diferente e apresenta uma realidade escolar peculiar. O progresso de um aluno não precisa ser igual ao de outro. O importante é que todos cresçam, trabalhando e fazendo o que tem de ser feito (CAGLIARI, 1999, p. 68).
É necessário, pois, compreendermos que o educando não é apenas o ponto de
partida, mas, sobretudo, o ponto de chegada (HADJI, 2001). Nesse sentido, ao avaliar
o estudante, o professor está também, se auto avaliando. O trabalho docente é assim,
uma prática do professor com o aluno e não o trabalho do professor consigo mesmo.
Segundo Freire (1996, p. 38) “esta avaliação crítica da prática vai revelando a
necessidade de uma série de virtudes ou qualidades sem as quais não é possível nem
ela, a avaliação, nem tampouco o respeito do educando”.
Jussara Hoffmann (2013) contribui conosco argumentando que a avaliação é
uma atividade investigativa permanente na prática educativa, cujo objetivo é
acompanhar o processo de aprendizagem numa constante reflexão, problematização
e ação, para que seja possível reorientar o trabalho pedagógico, visando à melhoria
do desempenho do aluno. Para Perrenoud (1999, p.16), a avaliação assume o seu
54
sentido numa perspectiva de estratégias pedagógicas de luta contra o fracasso
escolar e contra as desigualdades.
A avaliação é reflexão transformada em ação. Ação essa que nos impulsiona para novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre a realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento (HOFFMANN, 2013, p. 24).
Só é possível falar em avaliação, quando na intenção, estiver implicada a busca
pela melhoria do ser. A avaliação não pode continuar sendo confundida como uma
ameaça a quem a ela se submete e muito menos, uma tirania da prática pedagógica:
A avaliação da aprendizagem, por ser avaliação, é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que não são amorosos, são excludentes, não são construtivos, mas classificatórios. A avaliação inclui, traz para dentro; os exames selecionam, excluem, marginalizam (LUCKESI, 2000, p. 01).
A avaliação está, portanto, diretamente ligada ao ato de acolhimento do sujeito
avaliado, sem julgamentos prévios, buscando apenas investigar como ele está, para
que a partir daí, haja uma tomada de decisão. Acolher, nesse sentido, anula a
possibilidade de exclusão, pois traz em si o aspecto dialógico, construtivo e amoroso.
Sem o acolhimento, pode acontecer a recusa, que impossibilita qualquer vínculo de
trabalho educativo na busca de ajudar o sujeito recusado. Portanto, para que
realmente, seja possível falar em construção do saber, é preciso incluir o educando
no processo de aprendizagem, favorecendo meios para que ele também seja incluído
na sociedade.
O ato de avaliar implica assim, em acompanhar e reorientar permanentemente
a aprendizagem, e se desenvolve a partir de um ato rigoroso e diagnóstico de
reorientação, tendo em vista o alcance dos melhores resultados possíveis dos
objetivos que se tem à frente. Se avalia para melhorar; assim, toda avaliação é
diagnóstica, inclusiva, democrática e dialógica, prevalecendo então, uma aliança entre
educando e educador, pois, conforme nos diz Luckesi (2008), a avaliação tem como
finalidade possibilitar a qualificação do educando e não sua classificação. Para tanto,
a mudança não está necessariamente no instrumento utilizado. Segundo Luckesi
(2004) podemos nos servir de todos os instrumentos técnicos disponíveis, porém, a
leitura e a interpretação dos dados apresentados é que devem se dá numa perspectiva
de avaliação, ou seja, de diagnóstico e não classificação.
55
O que, de fato, distingue o ato de examinar e o ato de avaliar não são os instrumentos utilizados para a coleta de dados, mas sim o olhar que se tenha sobre os dados obtidos: o exame classifica e seleciona, a avaliação diagnostica e inclui (LUCKESI, 2004, p.4).
Compreendendo que as práticas avaliativas estão diretamente atreladas ao
papel que as instituições de ensino ocupam tanto na sociedade quanto no mercado
de trabalho, justifica-se a imensa necessidade de se ter clareza a serviço de quê e de
quem as propostas educativas estão. Afinal, a avaliação não se dá num espaço
conceitual vazio, é dimensionada por um modelo teórico de mundo e educação, o qual
é traduzido numa prática pedagógica. Portanto, não se trata de uma prática ingênua,
mas sim, que está a serviço de um modelo teórico de educação e sociedade
(LUCKESI, 2008, p. 28).
Trata-se, pois, da necessidade de se pensar estratégias que provoquem e
possibilitem compreender o educando e os modos como ele constrói sua
aprendizagem, visando ações que favoreçam seu desenvolvimento, transformação do
saber e reflexão, em atitudes e práticas. Para Sacristán (1988, p.295): “Estudar a
avaliação é entrar na análise de toda a pedagogia que se pratica”, uma vez que seus
significados e usos explicam as concepções práticas que orientam o fazer pedagógico
e as quais desencadeiam outros diversos fenômenos no contexto das instituições
escolares e das pessoas ligadas a elas.
2.2. Ampliando horizontes: O Sistema Nacional de Avaliação e seus imperativos
Até aqui, situamos nossa discussão voltada para a compreensão dos rumos
que envolvem a avaliação escolar. No entanto, a avaliação educacional está ligada a
outras tantas possibilidades que integram o contexto de ensino-aprendizagem
vivenciado nas instituições escolares. Avaliação educacional será considerada neste
trabalho, a partir da definição realizada por Horta Neto (2013, p. 22): “Significa ir além
das medições ou da apresentação de resultados e envolve a definição de políticas
educacionais e de estratégias governamentais, levando ao aperfeiçoamento
institucional e com capacidade de influir, inclusive, no processo de ensino-
aprendizagem”.
Para Vianna (2005, p.12), a avaliação educacional é uma área que envolve
muitos pólos, tais como: “sistemas, instituições, cursos, currículos, programas,
56
materiais, professores e, por fim, alunos, nas dimensões cognitiva e não cognitiva”. E,
segundo Oliveira (2011), tendo em vista o foco de interesse, a avaliação educacional
pode ser classificada como interna ou externa. A avaliação interna refere-se àquela
que é realizada pelos sujeitos que compõem a instituição avaliada (professores,
alunos, coordenadores, gestores). É restrita ao âmbito interno da instituição.
Já a avaliação externa é formulada e realizada por agentes que não integram
o grupo profissional da instituição avaliada. Como nos diz Sacristán (1998),
Caracteriza-se por ser realizada por pessoas que não estão diretamente ligadas com o objeto da avaliação, nem com os alunos (as), com o objetivo de servir ao diagnóstico de amplas amostras de sujeitos ou para selecioná-los. Costuma centrar-se na comprovação de competências muito delimitadas (SACRISTÁN, 1998, p. 318).
Partindo dessa compreensão e tendo em vista o recorte do nosso estudo,
iremos aqui, focalizar e ampliar as discussões referentes à avaliação externa,
situando-a no âmbito dos sistemas nacionais de avaliação, empreendida pelo SAEB
e mais, diretamente, pela Prova Brasil que nele se insere.
No percurso aqui desenvolvido, percebemos que a avaliação educacional ao
longo do tempo, passa a ter como princípio a possibilidade de tomada de decisão para
a transformação e melhoria da realidade investigada. Em contrapartida, à medida em
que a avalição passa a ser concebida a partir dessas novas finalidades e percepções,
Catani e Gallego (2009), nos ajudam a compreender que nas últimas décadas, o Brasil
tem demonstrado seguir os rumos de outros tantos países, que buscam uma lógica
de avaliação baseada em torno da necessidade obsessiva de medir os resultados dos
investimentos financeiros, tendo como finalidade explícita, a obtenção de dados
referentes à educação e à melhoria da qualidade do ensino.
Podemos dizer, que tanto a comunidade escolar quanto a sociedade passaram
a se ver envolvidas em “novos” modos de avaliação, já que a divulgação pública dos
exames realizados pelos educandos de níveis de ensino distintos passou a ganhar
repercussão na mídia, justificando-se como uma necessidade de prestar contas à
sociedade, no que se refere aos resultados da educação.
No contexto industrial, a avaliação sofre transformações que lhe conferem
distintas funções e maior complexidade. Para Afonso (2005), ela se torna um
57
instrumento essencial dos governos, a serviço de seus incontornáveis esforços de
implementar uma cultura fiscalizadora e gerencialista. Assim, segundo Santos (2007)
temos percebido certo retrocesso em relação às discussões que atrelam a avaliação
à emancipação, uma vez que, desde a segunda metade dos anos de 1990, a avaliação
tem sido considerada o centro das políticas educacionais e, portanto, caracterizada
por testes e provas em larga escala os quais, ao final, resultam na classificação das
unidades escolares e sistema de ensino, fomentando assim, os aspectos burocráticos
em detrimento dos aspectos pedagógicos.
Desse modo, os governos federais, estaduais e municipais têm atribuído
significativa importância às avaliações externas em larga escala, no cenário da
educação brasileira. Sendo esta uma tendência que tem sido bastante fomentada no
Brasil e que apresenta uma característica diretamente ligada ao viés classificatório,
na qual o Estado assume a função de avaliador. Logo, o governo importa para o
domínio público, modelos de gestão privada, admitindo a lógica do mercado com
ênfase nos produtos finais dos processos educativos (AFONSO, 2009, p. 49).
Portanto, desde o fortalecimento dos exames, a avaliação tem sido um forte
elemento de conformação do modelo atual de avaliação nacional.
2.3 O Sistema Nacional de Avaliação – Questões implícitas e explícitas
2.3.1 QUESTÕES EXPLÍCITAS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
De acordo com Catani e Gallego (2009, p.42), na década de 1990, as
avaliações externas passaram a ocupar um lugar privilegiado no campo educacional
e a maioria dos países da América Latina instituiu um sistema nacional de avaliação
do rendimento escolar. Essas avaliações tornaram-se instrumentos que avaliam não
apenas alunos da Educação Básica (SAEB e ENEM) e do Nível Superior (ENADE),
mas também, os professores, a gestão e a coordenação.
No Brasil, a proposta de instituição de um sistema de avaliação surgiu durante
o processo de redemocratização do país (1985/1986), quando segundo Pestana
(1998), vivenciávamos o início da Nova República e discutia-se a redefinição das
atribuições e funções dos diferentes níveis de governo no Brasil, inclusive, no que se
refere à articulação, integração, cooperação e parceria entre as instâncias do governo.
58
Nesse sentido, “o debate sobre o processo de democratização do país refletia-se,
portanto, na educação como discussão sobre a democratização do ensino”,
compreendendo a necessidade das distintas instâncias governamentais tomarem
decisões coletivas, em relação aos rumos da educação nacional (PESTANA, 1998,
p.66).
No período de 1980, o Projeto Edurural – Projeto de Educação Básica para o
Nordeste Brasileiro – financiado com recursos do Banco Mundial e pelo MEC, foi
implantado e estava em desenvolvimento. Os objetivos deste projeto eram ampliar o
acesso escolar às quatro primeiras séries, a redução da evasão e da reprovação, bem
como, melhorar o rendimento dos estudantes.
Para acompanhar e verificar o alcance da última meta, nos anos de 1981, 1983
e 1985, foram desenvolvidos três estudos, onde se realizaram testes com os alunos
da antiga 2ª e 4ª séries, envolvendo 03 estados, 60 municípios, 600 escolas e 6 mil
alunos. Essa foi uma das primeiras ações que inspirariam a criação do Saeb (HORTA
NETO, 2013, p.107).
Vale pontuar, que um dos aspectos que ganharam relevância nas discussões
em torno da redemocratização do país, foi o que diz respeito ao acesso à escola.
Embora fosse explícito que o Brasil tivesse conseguido ampliar o número de
estudantes no sistema de ensino, ainda não se tinha uma “medida” que demonstrasse
se os resultados gerados eram satisfatórios; e a impressão que se tinha era
exatamente o contrário.
Logo, os investimentos empreendidos na construção de instituições escolares,
material didático e formação de professores, além de não serem ações articuladas
entre si, ao final dos projetos e programas, não havia dados que pudessem traduzir
se o sistema de ensino havia melhorado e de que modo cada uma dessas ações
poderia ter efetiva responsabilidade sobre os resultados. Desse modo, surgiu a
necessidade de implementação da qualidade do sistema educacional.
De acordo com os estudos de Oliveira e Araújo (2005), no Brasil, o termo
qualidade teve vários significados, os quais lhe foram sendo atribuídos ao longo do
tempo. Nesse sentido, destacam-se três momentos. O primeiro, refere-se à noção de
qualidade associada à ampliação de oferta de vagas. O que proporcionou desde 1940,
59
o aumento na construção de escolas. Todavia, com a inserção dos mais pobres e
marginalizados nas instituições de ensino, vale destacar que as diferenças culturais e
a necessidade de um atendimento diferenciado não foram levadas em conta, isso
acarretou em grandes empecilhos para o prosseguimento dessas populações na
escola e refletiu numa alta queda no fluxo escolar.
No segundo momento, entre os anos de 1970 e 1980, a qualidade passou a ser
associada à permanência do estudante na escola, com sucesso. Então, estimulou-se
campanhas contra a reprovação, programas de aceleração da aprendizagem, entre
outros. As taxas de reprovação diminuíram, porém, não havia indícios de melhoria da
aprendizagem. Assim, no terceiro momento, a partir de 1990, a qualidade passa a ser
diretamente associada ao desempenho cognitivo dos estudantes, o qual poderia ser
medido a partir da aplicação dos testes avaliativos.
A qualidade do ensino passou a ser, então, o segundo aspecto mais discutido
no debate em torno da educação e redemocratização, compreendendo assim, que o
sistema de avaliação deveria, entre outros fatores, examinar a qualidade do ensino.
Percebemos, pois, que nos dois primeiros momentos referentes à noção de qualidade,
embora de modo limitado, o poder público realizou ações que buscavam ampliar a
garantia do direito à educação. Já no terceiro momento, o foco passa a ser os testes
avaliativos e a fixação de metas de desempenho.
Dessa forma, passou-se a entender que através de um sistema nacional de
avaliação, seria possível obter informações úteis, tais como: onde, quando, como, o
que estava sendo gerado e quem era responsável pelo produto obtido no setor
educacional, o que seria exposto publicamente. Portanto,
Foi dessa forma que surgiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), como uma atribuição do Ministério da Educação e do Desporto, com o objetivo de coletar informações sobre a qualidade dos resultados educacionais, sobre como, quando e quem tem acesso ao ensino de qualidade (PESTANA, 1998, p.66).
Nessa justificativa, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –
SAEB8 – surgiu com a proposta de articular os diversos fatores (construção de
8 Segundo Santos (2007), somente em 1991, o sistema passou a ser denominado de SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. A princípio, em 1988, quando o MEC solicitou a
60
instituições escolares, material didático e formação de professores), buscando a
possibilidade de determinar a evolução da qualidade do sistema a partir deles, já que,
raramente, um único aspecto isolado poderia responder pela mudança no campo da
educação (PESTANA, 1998).
De acordo com Santos (2007) o processo de avaliação em escala nacional deu-
se no ano de 1987, a partir do convênio entre o Ministério da Educação (MEC) e o
Instituto de Cooperação para a Agricultura (ILCA). O MEC, através do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), efetivou um contrato com a
Fundação Carlos Chagas a qual ficou responsável para validar instrumentos de
verificação da aprendizagem. A validação se deu por meio de pesquisas que
buscaram avaliar o rendimento escolar de aproximadamente 28.000 (vinte e oito mil
estudantes), em 60 (sessenta) e (08) oito municípios de distintos estados. Assim, tanto
os resultados obtidos, quanto a análise de programas de ensino e livros didáticos
utilizados nas escolas, contribuíram para se estabelecer um sistema de controle
baseado nos conteúdos mínimos e padrão de qualidade do ensino.
Em 1988, o MEC solicitou a implementação do sistema de avaliação no país,
surgindo, pois, o SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público, o qual, foi realizado
primeiro no Paraná e no Rio Grande do Norte, como um Projeto Piloto. Após essa
experiência, reformulações no instrumento e procedimentos foram realizadas,
estando pronto para ser desenvolvido em âmbito nacional.
Nesses termos, de acordo com Altmann (2002), o SAEP foi implementado
somente em 1990, quando foi realizada a primeira aferição nacional. E, segundo
Santos (2007), em 1991, o MEC passou a denominá-lo de SAEB, o qual a partir dos
dados coletados no site do INEP, tem como objetivo principal:
Realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino (INEP, 2014).
implementação do sistema de avaliação no país, a denominação dada foi de SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público.
61
Sendo assim, de acordo com Bonamino (2012), atualmente9, o Saeb é
realizado, bianualmente, com a participação amostral de estudantes matriculados nas
turmas de 5º e 9º anos (antiga 4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental e no 3º ano do
Ensino Médio, em instituições públicas e privadas localizadas, na área urbana e na
área rural. De acordo com a autora, esta versão do Saeb é a proposta mais apropriada
para diagnosticar e monitorar a qualidade da educação básica nas regiões geográficas
e nos Estados brasileiros.
Nesse formato que faz referência a um resultado amostral do total de alunos,
o desempenho é “divulgado por rede de ensino com agregação nacional, regional e
estadual, não permitindo levantar resultados nem por escolas nem por municípios”
(BRASIL, 2011, p.9); percebemos assim, que esta primeira versão amostral do Saeb
estava voltada para a obtenção de dados sobre o sistema educacional no qual as
escolas estavam inseridas e não havia preocupação com o ranqueamento ou
classificação das unidades escolares ou federações. Todavia, Horta Neto (2013) nos
diz que por ser um instrumento político, este formato do Saeb já enfatizava o resultado
em detrimento do processo educacional, o que, paulatinamente, levou os processos
de aprendizagem vividos na escola a permanecerem fora das prioridades postas nos
relatórios elaborados pelo INEP.
Inicialmente, era realizado de modo mais descentralizado, incluindo a
participação significativa das secretarias estaduais de educação. Mas para Altmann
(2002) esse era exatamente um ponto que gerava divergência entre o MEC e o Banco
Mundial (Financiador do Saeb) o que levou, inclusive, ao não financiamento da
avaliação, durante os anos de 1990 e 1993.
Sendo assim, na edição de 1995, o Sistema de Avaliação foi coordenado por
técnicos da Fundação Carlos Chagas em parceria com a Fundação Cesgranrio
9 Entre os anos de 1990 e 1993, o SAEB foi realizado com a participação amostral de escolas que ofereciam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas urbanas. Os estudantes eram avaliados em uma das áreas de conhecimento entre Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Porém, nas 5ª e 7ª séries realizam, também, uma redação. Em 1995, as escolas da rede privada foram incluídas e definiu-se que apenas as etapas finais do ciclo de escolarização seriam avaliadas. Já em 2001, o Saeb passou a avaliar apenas Língua Portuguesa e Matemática, a partir de questões de múltipla escolha e em 2005, os alunos passaram a responder questões referentes às duas áreas do conhecimento. Este formato permanece até os dias atuais.
62
juntamente com o INPE/MEC. Nesse período, algumas inovações metodológicas10
foram introduzidas e permanecem até hoje, na configuração atual.
Desde as primeiras aplicações, passou-se a constantes revisões e busca pelo
aprimoramento dos ciclos de avaliação do Saeb, entre algumas já citadas (nota de
rodapé 5), houve também, em 1997, a construção de uma Matriz de referência11 para
o Saeb, com a descrição das competências e habilidades que passariam a ser
testadas em cada série avaliada, o que possibilitou uma maior precisão técnica na
construção dos itens presentes no teste, bem como, na análise dos resultados.
De acordo com o PDE - “Plano de Desenvolvimento da Educação: razões,
princípios e programas” (conjunto de ações e programas voltados para a educação
básica e superior, publicado pelo MEC em 2008) – no ano de 2001, a Matriz foi
revisada, tendo em vista o fato de que o MEC passou a disseminar os Parâmetros
Curriculares Nacionais, sendo necessário comparar a Matriz de Referência ao
currículo utilizado a partir dos PCN’s, os quais passaram a ser a referência básica
para a elaboração da Matriz. Segundo Horta Neto (2013) esta foi a última alteração
realizada.
Nesse cenário de reorganização, em março de 2005, o SAEB foi
reestruturado12 e passou a ser composto por outras duas avaliações:
A Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb): Que manteve os
procedimentos da avaliação amostral (atendendo aos critérios estatísticos de
no mínimo 10 estudantes por turma), das redes públicas e privadas, com foco
na gestão da educação básica que até então vinha sendo realizada no Saeb.
10 De acordo com Bonamino (2012, p.376), em 1995, o SAEB introduziu as seguintes modificações: i) inclusão da rede particular de ensino na amostra; ii) adoção da Teoria de Resposta ao Item (TRI), que permite estimar as habilidades dos estudantes independente do conjunto específico de itens respondidos; iii) opção de trabalhar com as séries conclusivas de cada ciclo escolar (4ª e 8ª série do ensino fundamental e inclusão da 3ª série do ensino médio); iv) priorização das áreas de conhecimento de língua portuguesa (foco em leitura) e matemática (foco em resolução de problemas); v) participação das 27 unidades federais; vi) adoção de questionários para os alunos sobre características socioculturais e hábitos de estudo. 11 De acordo com o Inep, para elaborar as Matrizes de Referência de Língua Portuguesa e de Matemática da Prova Brasil, o Inep tomou por base os Parâmetros Curriculares Nacionais e uma consulta nacional aos currículos propostos pelas Secretarias Estaduais de Educação e por algumas redes municipais. Também foram consultados professores regentes das redes e, ainda, examinados os livros didáticos mais utilizados para os anos avaliados. 12 Foi reestruturado pela Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005.
63
Devido aos procedimentos mantidos, a Aneb permanece sendo conhecida
como Saeb.
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc): Também conhecida como
Prova Brasil, devido a seu caráter universal e que tem a finalidade de “avaliar
a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas”. É aplicada em
todas as escolas públicas do país, sendo seus resultados mais detalhados que
a Aneb, tendo como foco as unidades escolares que têm no mínimo, 20 alunos
matriculados nos 5º e 9º anos nas redes públicas municipais, estaduais e
federais e cujas secretarias estaduais e municipais de educação fizeram
adesão a esse Sistema Avaliativo (INEP, 2015).
As médias no desempenho da Aneb e do desempenho na Prova Brasil são
utilizadas para calcular o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o
qual é um indicador criado pelo Inep em 2007 que vai de zero a dez e permite
acompanhar o cumprimento das metas da qualidade da educação básica, postas no
PDE, do Ministério da Educação. A meta é que a média evolua de 3,8 registrada em
2005 nas séries inicias, para o alcance da média 6,0 no IDEB, até o ano de 2022;
média que corresponde a uma qualidade de sistema educacional comparável a dos
países desenvolvidos no que se refere aos resultados obtidos pelo Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).
Sendo assim, a média da Prova Brasil é utilizada no cálculo do IDEB dos
municípios e das escolas, e a média da Aneb é usada para calcular o IDEB dos
estados e o IDEB nacional. É importante destacar que as médias nestas provas,
combinado com os índices de aprovação, repetência e evasão escolar (informada
pelas redes de ensino através do Censo Escolar) também são utilizadas para calcular
o IDEB. Nessa lógica, periodicamente, o IDEB é calculado e divulgado (INEP, 2015).
As metas intermediárias de cada município e Estado são diferentes. Aqueles com Ideb mais baixo terão que fazer maior esforço para chegar mais próximo da meta nacional. Aqueles com Ideb mais alto deverão superar a meta para o Brasil. Nesse quadro, cada município e estado deve ter um desempenho que, em conjunto, leve o Brasil a atingir a meta nacional proposta e a reduzir a desigualdade entre as redes (INEP, 2015, grifo nosso).
64
Logo, independente do contexto e das condições que interferem nos processos
educativos, é o IDEB quem passa a traduzir a qualidade do ensino vivenciado nas
escolas brasileiras, sendo, pois, o indicador que orienta as políticas públicas para a
Educação Básica, com vistas à melhoria da qualidade das instituições públicas. E,
portanto, acaba se tornando necessário e imperativo, empreender esforços para o
alcance das metas estabelecidas.
Segundo Fernandes (2007 apud HORTA NETO, 2013, p.165) este índice de
qualidade passa a ser sugerido como uma ferramenta necessária no direcionamento
do financiamento educacional para as instituições que apresentaram piores
desempenhos, bem como, poderia ser utilizado para monitorar os desempenhos
obtidos, definindo condições para a liberação de recursos. Ideias estas que
apresentam uma convergência em relação à lógica empresarial, em que o incentivo
material é usado como alicerce para o avanço.
Mais recentemente, no ano de 2013, foi incorporada ao SAEB (pela Portaria nº
482, de 7 de junho de 2013), a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA); cujo
objetivo é “avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa,
alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes
públicas”. A ANA envolve alunos do 3º ano do Ensino Fundamental e sua aplicação
se dá, anualmente. Logo, podemos perceber que as avaliações externas em larga
escala, estão cada vez mais, sendo implementadas de forma precoce nas primeiras
séries do Ensino Fundamental I.
Portanto, atualmente, podemos observar a composição do SAEB, a partir do
seguinte esquema:
Figura 1 - Avaliações que compõem o Saeb
Fonte: Inep/2015
65
De acordo com Plano de Desenvolvimento da Educação (2008):
O SAEB, inicialmente, não permitia uma visão clara da realidade de cada rede e menos ainda de cada escola que a integra. A Prova Brasil deu nitidez à radiografia da qualidade da educação básica. A percepção que se tinha anteriormente era de que nenhuma escola ou rede pública garantia o direito de aprender – um clichê injusto imposto à educação básica pública como um todo. A Prova Brasil revelou que isso não era verdade. Confirmou, sim, a existência de enormes desigualdades regionais, muitas vezes no interior do mesmo sistema. Mas, ao mesmo tempo, revelou boas práticas de escolas e redes de ensino que resultam em aprendizagem satisfatória (MEC, 2008, p.20).
Até 2003, o Saeb divulgava informações apenas por estados, regiões e para o
Brasil. Com a implementação da Prova Brasil, em 2005, foi possível obter e divulgar
informações sobre cada município e cada uma das escolas públicas avaliadas.
Inclusive, na justificativa do MEC (2007), as informações produzidas pela Prova Brasil
“Expõem à sociedade os resultados gerais de sua avaliação e coloca administradores,
gestores, professores, diretores de escolas, alunos e especialistas informações que
permitem um olhar mais qualitativo sobre as redes e cada escola”.
Assim, com a criação do Ideb, se tornou corriqueiro a partir dos rankings
divulgados pelo INEP, a identificação e classificação das escolas consideradas
“melhores” e “piores”. O que na visão de Catani e Gallego (2009, p.56) parte-se da
crença de que a publicidade negativa pode acabar estimulando todos a se dedicarem
ao ensino com maior esforço, utilizando-se inclusive, de “sanções econômicas,
políticas e regulamentares como incentivos13”.
A Prova Brasil surge assim, como um instrumento que possibilita verificar se o
direito ao aprendizado está sendo garantido a todos os alunos do nosso país,
especificamente, no que se refere às competências leitoras e matemáticas, as quais
de acordo com o PDE, são responsabilidades da escola e esta, por sua vez, deve
responder majoritariamente pelos possíveis fracassos nessas competências básicas
e gerais (PDE, 2011, p.11). Percebemos aqui, uma lógica de responsabilização.
Aprender é um direito e se não for garantido, neste caso, a escola e os seus
agentes devem se responsabilizar por isso. Logo, a Prova Brasil fixa parâmetros para
13 (Idem).
66
classificação e comparações entre os desempenhos, promovendo a
responsabilização das instituições pelo êxito ou fracasso nas avaliações.
Para concretizar seu objetivo, no que se refere à metodologia desenvolvida, a
padronização e a medida são os dois elementos que definem e que apresentam
extrema pertinência para a Prova Brasil. Uma vez que a defesa desses dois elementos
gira em torno da necessidade de as competências cognitivas serem garantidas a
TODOS de forma equitativa. E, embora diversos fatores possam influenciar no
domínio dessas competências, é indispensável que mesmo havendo níveis distintos,
todos os alunos apresentem o domínio dos níveis considerados adequados. Logo, só
é possível avaliar e comparar, caso o “instrumento verificador do direito seja o mesmo,
no caso brasileiro, a Prova Brasil” (PDE, 2011, p.12).
A metodologia baseia-se na aplicação de testes padronizados e questionários
contextuais. Os testes são elaborados tendo em vista as áreas de Língua Portuguesa,
com foco na leitura, e em Matemática, na resolução de problemas. Os questionários
contextuais são direcionados aos alunos, professores e gestores das séries avaliadas.
Há, ainda, um questionário referente às particularidades da escola, este é preenchido
pelo aplicador do teste.
Os questionários contextuais são usados para coletar informações sobre o contexto socioeconômico e as características de alunos, professores, diretores e escolas, bem como sobre as condições em que ocorrem os processos de ensino e aprendizagem. Os questionários dos estudantes coletam informações sobre aspectos de sua vida escolar e familiar, condições socioeconômicas e culturais, hábitos de estudo, etc. Os questionários dos professores e diretores incluem também informações sobre sua formação profissional, práticas pedagógicas, formas de gestão da escola, tipos de liderança, clima escolar, recursos pedagógicos disponíveis na escola, entre outras (CADERNO DA PROVA BRASIL, 2013, p.15).
No ano de 2013, pela primeira vez, o Inep divulgou dois indicadores de
contexto: O nível socioeconômico e formação docente, para auxiliar na leitura e
interpretação das médias. Um ponto destacado por Santos (2007) é que,
tendencialmente, esses indicadores contextuais passam a ser diretamente
relacionados ao rendimento dos alunos, o que pode sempre justificar o baixo
rendimento às desigualdades “naturais” as quais os estudantes estão submetidos.
Este fato, segundo Catani e Gallego (2009), pode demonstrar “perversos mecanismos
67
de exclusão” num contexto social em que os alunos bons existem devido às suas
“condições sociais privilegiadas”, acabando por atribuir ao aluno e seu contexto, a
responsabilidade pelas possíveis habilidades e competências que os testes julgarem
possuir.
No que refere aos testes, segundo o MEC/Inep, como nem todos os conteúdos
poderiam ser avaliados, foi realizado um recorte do currículo, de modo a definir o que
de fato seria avaliado em cada área do conhecimento, bem como, em cada etapa de
ensino avaliada. Por isso, foi construída uma Matriz de Referência14. Esta Matriz
apresenta os conteúdos (tópicos ou temas) e as descrições das habilidades
(descritores) que se espera que os alunos tenham desenvolvido até o 5º e 9º anos do
Ensino Fundamental (Prova Brasil), bem como, do 3º ano do Ensino Médio (Aneb).
Segundo Santos (2007, p. 95), os descritores apresentam uma relação entre o objetivo
curricular e o conteúdo, ou seja, a operação mental que deve ser realizada por cada
estudante, a partir do conteúdo.
Os testes são assim, compostos por itens (questões). Cada item é elaborado
para avaliar um único descritor, habilidade descrita na Matriz de Referência. Os testes
são de múltipla escolha, contendo quatro alternativas, das quais apenas uma é
correta. A montagem dos cadernos da prova é realizada a partir da metodologia dos
Blocos Incompletos Balanceados (BIB), que tem como objetivo, possibilitar que um
número grande de itens (questões) seja aplicado ao grupo de estudantes avaliados,
sem que cada aluno precise responder a todas as questões cobradas na Matriz de
Referência.
Nesse sentido, na avaliação do 5º ano, para cada área do conhecimento, são
montados 7 blocos contendo 11 itens cada, totalizando 77 itens (questões). A
combinação dos blocos resulta em 21 cadernos de prova diferentes. Cada caderno é
organizado em quatro blocos: dois blocos de Língua Portuguesa e dois blocos de
Matemática, cada um contendo 11 itens, totalizando assim, um total de 44 itens
(questões). Isso significa que no dia da realização da Prova Brasil, dificilmente, dois
estudantes terão acesso ao mesmo caderno de prova.
14 A Matriz de Referência é um documento que contém o conjunto de habilidades de cada série e disciplina e que podem ser mensuradas por meio das questões da prova.
68
Figura 2 - Prova Brasil: Estrutura do caderno de provas
Fonte: Inep/2013
Nesse sentido, para verificar se os estudantes realmente estão aprendendo, foi
construída uma escala, denominada de “Escala Saeb”. Assim, por exemplo, se ler é
um direito, o que define que uma criança de 5º ano sabe ler, adequadamente? Sendo
assim, considerou-se que o uso da escala é extremamente importante, pois ela serve
para situar o aprendizado nas competências de leitura e interpretação, bem como, na
resolução de problemas matemáticos, presentes na Matriz de Referência. A escala é,
portanto, uma espécie de “termômetro”, em que o resultado do educando é
representado em números e permite a comparação entre instituições e entre as
edições anteriores da prova, pois todas as escolas e todas as edições da Prova Brasil
utilizam a mesma escala.
O comitê científico do movimento Todos pela Educação (composto por
especialistas em educação) indicou a partir de qual pontuação deve-se considerar que
o educando demonstrou o domínio da competência avaliada. Os resultados de cada
escola, município e estado do Brasil também podem ser acompanhados mais
detalhadamente, através do Portal QEdu15, o qual é uma iniciativa recente, construída
entre os anos de 2011 e 2012, desenvolvida pela Meritt e Fundação Lemann, que
buscaram estratégias que pudessem facilitar à sociedade, a compreensão sobre as
informações produzidas na Prova Brasil.
15 http://www.qedu.org.br/
69
A escala da Prova Brasil vai de 0 a 500 pontos16, de modo que cada intervalo
representa os níveis de proficiência. Esses níveis são restritos e cumulativos, ou seja,
são distribuídos do menor até o maior nível, o que significa que partindo da premissa
de que o conhecimento é cumulativo, um aluno do 9º, por exemplo, além de dominar
as habilidades descritas à série em que se encontra, possivelmente, domina também,
as habilidades anteriores da escala, ou seja, as que são direcionadas ao 5º ano. Logo
abaixo, segue um recorte da escala, com as habilidades descritas para o 5º ano. O
QEdu a dividiu em quatro níveis, os quais são: Insuficiente, Básico, Proficiente e
Avançado. Considera-se ainda que o aprendizado adequado se encontra entre esses
dois últimos níveis.
Quadro 5 Níveis de Proficiência da Prova Brasil – 5º ano
Fonte: Prova Brasil 2013/ Organizado por Meritt.
Assim, a partir da pontuação da Prova Brasil, é possível verificar quantos
alunos ficaram em cada um desses níveis de proficiência, seja no âmbito municipal,
estadual, ou por unidade escolar. Além de ser possível comparar o desempenho geral
entre os mesmos, indo do mais local ao mais global.
16 Ver escalas de Língua Portuguesa e Matemática em: http://provabrasil.inep.gov.br/escalas-da-prova-brasil-e-saeb
70
Portanto, os resultados da Prova Brasil dão origem às informações de modo
geral, sobre o desempenho dos educandos de escolas públicas, fornecendo a cada
instituição:
A distribuição percentual dos alunos avaliados pelos níveis das escalas
de proficiência;
As médias de proficiência da escola nas áreas avaliadas;
Uma síntese do desempenho do grupo “Escolas Similares17”;
Indicadores contextuais: o indicador de nível socioeconômico e o
indicador de formação docente
Tendo em vista todo este cenário e as justificativas presentes em documentos
como o Plano de Desenvolvimento da Educação, Lei de Diretrizes e Bases, Caderno
da Prova brasil, dados coletados no site do MEC/Inep, a concepção de Horta Neto
(2013) é a de que esse contexto de reformas educacionais pós-burocráticas, termina
por tirar o sentido da avaliação como instrumento de prática pedagógica. A avaliação
nesse sentido, “apequena-se”.
Nesse sentido, ao considerar que no Brasil há um Sistema de Avaliação
Nacional, torna-se importante recordarmos o termo Sistema como nos remete Cunha
(2005). Segundo a autora, compreender a avaliação como um sistema é ter a clareza
de que ela assume a sua complexidade como parte integrante da sua gênese: “A
avaliação como sistema significa compreender que se trata de uma dinâmica
multifacetada, procurando apreender o fenômeno educativo através de diferentes
dimensões” (CUNHA, 2005, p.202).
Essa consideração nos remete à noção de complexidade tão defendida por
Edgar Morin e significa nesse sentido, que um sistema de avaliação precisa
ultrapassar a lógica da percepção fragmentada e parcial da realidade, lógica esta que
exige a necessidade de irmos além da aferição do resultado do desempenho em
conteúdos específicos de Português e Matemática e taxas de aprovação, como
julgamento da qualidade da educação no Brasil.
17 Esses dados sintetizam os resultados de um grupo de escolas com características semelhantes às da sua escola, ou seja, que pertencem à mesma microrregião geográfica, à mesma localização (urbana ou rural) e que possuem valores do Indicador de Nível Socioeconômico (Inse) próximos.
71
Para Catani e Gallego (2009, p.62), é exatamente algumas dessas questões
que incomodam os estudiosos que pesquisam as avaliações externas, pois percebem
uma incoerência entre as concepções que têm sido defendidas, que é a de avaliação
da aprendizagem como um processo formativo e inclusivo, a favor do
desenvolvimento do estudante, e o modo como os testes padronizados têm sido
desenvolvidos.
Assim, Libâneo (2006) afirma que:
A sociedade brasileira tem acompanhado, nos últimos anos, discursos que defendem a aplicação de testes educacionais unificados nacionalmente, com o objetivo de aferir o desempenho dos alunos nos diferentes graus de ensino, para controlar a qualidade do ensino ministrado nas escolas brasileiras. Entretanto, a determinação de critérios de avaliação revela a posição, as crenças e a visão de mundo de quem a propõe. Os exames nacionais em vigor enfatizam a mediação do desempenho escolar por meio de testes padronizados, o que os vincula a uma concepção objetivista de avaliação. (LIBÂNEO, 2006, p.205)
Assim, os processos avaliativos refletem uma concepção particular de
conhecimento, de educação e da função dos profissionais que integram as instituições
de ensino. Portanto, é essencial que possamos desvelar os fatores que determinam
as concepções no âmbito global e no interior das escolas, desvelando os reais
objetivos e pondo em “xeque”, os elementos que definem o quê, para quê e como se
avalia.
2.3.2 AS INTERFERÊNCIAS INTERNACIONAIS E O SISTEMA NACIONAL DE
AVALIAÇÃO - QUESTÕES IMPLÍCITAS?
De acordo com Catani e Gallego (2009, p.42), diversos especialistas têm
emitido pareceres referentes às avaliações externas, afirmando que estas têm
assumido um papel cuja “eficácia é discutível”; porém, têm sido defendidas a partir do
argumento baseado na necessidade de um rigoroso controle dos resultados dos
investimentos feitos na educação. Diante dessas divergências, é indispensável a
necessidade de conhecermos os fundamentos da política de avaliação, antes de nos
limitarmos aos discursos ideológicos, tidos como inovadores e facilitadores de
avanços educacionais.
72
Vivemos numa avalanche neoliberal onde os organismos internacionais
estabelecem as condições de participação no mundo globalizado. O pensamento
mundial em torno do desenvolvimento tem fortalecido cada vez mais a lógica de que
é preciso educar para o mercado, para o capital. Educar para o desenvolvimento
econômico. De acordo com Perrot (1994) o desenvolvimento tem sido considerado
como uma esperança, uma promessa para o futuro, uma necessidade a ser alcançada
por todos. Assim, disseminou-se uma colonização pela ideologia desenvolvimentista,
a qual inculca em nós que esta é o remédio da sociedade moderna.
Nesse cenário, a educação é vislumbrada como o caminho para se alcançar o
tão sonhado desenvolvimento, e os processos educativos precisam se organizar para
que todas as suas ações estejam pautadas e direcionadas a este fim. No entanto, a
educação que preza pelo desenvolvimento dos países do Sul deve estar focada numa
preparação que tem a Europa Central e a América do Norte como modelos a serem
seguidos. Fortalecendo assim, as relações de dominação em busca de um ideal que
leva à imobilização de culturas, a fim de que possam estar abertos à “cultura do
desenvolvimento”.
A educação para o desenvolvimento tende a se limitar à transferência de
valores e técnicas determinadas, marginalizando as práticas locais e a significação
que os sujeitos dão a elas. E é nesse mundo globalizado que surgem os testes
padronizados, as avaliações em larga escala que buscam aferir a qualidade da
educação de um país, a partir da medição cognitivo-quantitativa dos educandos.
Essas avaliações têm como um dos principais financiadores, o Banco Mundial.
Segundo Altmann (2002, p.8), O Banco Mundial “defende explicitamente a
vinculação entre educação e produtividade, a partir de uma visão economicista”. E
segundo a CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – é preciso
tornar os países da América Latina mais competitivos internacionalmente, de modo
que se tenham talentos para “difundir o progresso técnico e incorporá-lo ao sistema
produtivo”. E como alcançar este patamar? Através da educação. Portanto, um dos
setores bastante influenciado pelo Banco Mundial, na política macroeconômica
brasileira, é o setor de educação. Assim, os últimos anos têm sido de mudanças na
política dos organismos internacionais.
73
Estas mudanças estão descritas no documento Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento-BIRD: Estratégias de Parcerias com o Brasil.
Segundo Silva e Coelho (2014, p.3) nele, pode-se observar que o propósito do Banco
Mundial é elevar o país nos seguintes campos: “equidade (campo educacional),
sustentabilidade (questões ambientais), competitivismo (educação para inovação e
crescimento) e profissionalização, fomentando a regulamentação internacional”.
Podemos reforçar assim, que as Políticas Públicas Brasileiras seguem a lógica
do mercado e estão direcionadas para os interesses dos Organismos Internacionais.
Vale ressaltar, que esses investimentos não são sinônimos de doações. Muito pelo
contrário, o “pagamento” da dívida se dá com o retorno do capital humano a partir dos
processos educativos.
(...) O fortalecimento do capital humano é essencial para a agenda de crescimento, em termos de desenvolvimento de uma força de trabalho mais qualificada, saudável e ágil, capaz de inovar e se adaptar às novas tecnologias para aumentar a produtividade total dos fatores (BANCO MUNDIAL E CFI, 2008, p. 53).
Assim, os saberes divulgados e ensinados nas escolas são definidos tendo em
vista sua operacionalidade. Logo, muitas das reformas ocorridas na educação
coincidem com as propostas dos investidores. Afinal, o BIRD tem como uma de suas
principais finalidades, garantir a estabilidade econômica dos países que estão em
desenvolvimento, declarando o combate à pobreza (CORRAGIO, 1996).
No entanto, José de Souza Silva nos alerta para a necessidade de
percebermos certas mentiras que nos impõem como verdades. Entre elas, está a
finalidade do Banco Mundial, o qual desde o ano de 1970 prometeu que alcançaria
até o ano de 2000, o fim da pobreza “trabalhando só com os pobres, sem enfrentar a
opulência, fingindo que a pobreza é um fenômeno natural, como se não derivasse do
fenômeno mais amplo e desigual da produção e apropriação da riqueza” (SILVA,
2014, p.2).
De acordo com o autor, esta é mais uma mentira sedutora que tenta camuflar
e evitar que o capitalismo seja visto como fonte alimentadora das desigualdades,
ocultando assim, a fome insaciável que devora a mão de obra barata e os mercados
cativos, nos mantendo reféns do modelo desenvolvimentista.
74
Nessa lógica, o saber tende a ficar subordinado ao poder, havendo um grande
casamento entre educação e negócio. Então, não é de se estranhar que embora cada
país apresente suas particularidades, as reformas educativas propostas pelo BIRD
sejam únicas, as quais estão presentes no relatório “Prioridades e estratégias da
educação” – 1995 - tendo como justificativa a busca da melhoraria da qualidade e o
acesso à educação, englobando elementos como, educação básica como prioridade;
melhoria da qualidade dos resultados que só podem ser aferidos no rendimento
escolar; padrões fixados; monitoramento do desempenho escolar; Impulso para o
setor privado e organismos não-governamentais como agentes ativos no terreno
educativo, tanto nas decisões como na implementação (ALTMANN, 2002).
A defesa na ênfase da educação básica, segundo Fonseca (1998), é justificada
pelo Banco Mundial e os financiadores, tendo em vista que esse nível de
escolarização (amparando-se na lógica do capital humano) está mais propenso à
formação de novos valores e comportamentos necessários ao trabalho. O que nos
demonstra um movimento em busca da produção de uma nova educação política, cuja
pretensão é a difusão de ações que possam consolidar um “padrão de sociabilidade”
alinhado às necessidades contemporâneas do capitalismo.
Assim, o relatório propõe a padronização do rendimento da aprendizagem e
atenção aos resultados. Logo, tendo sido estabelecidos os padrões observáveis de
rendimento e as metas, tornou-se necessário criar os mecanismos capazes de
verificar se as mesmas estão sendo alcançadas. E é daí, que surgem os sistemas de
avaliações distintos, tanto internacionais, quanto nacionais, como o PISA, ENEM e
SAEB (a exemplo da Prova Brasil).
Para Altmann (2002), em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) se
apresentava como candidato à presidência, sua proposta de governo já se direcionava
para estas perspectivas na educação, pois acreditava que os maiores empecilhos na
escola brasileira, eram os desperdícios financeiros utilizados no combate às altas
taxas de fracasso escolar. Durantes os 8 anos de governo de FHC (1995-2002), era
explícito o total alinhamento estratégico entre o MEC e o Banco Mundial, de forma que
nesse período, os principais representantes da educação brasileira já tinham
participado das agências que compõem o Banco Mundial.
75
Logo, na década de 1990, o fomento à avaliação nacional tornou-se
fundamental na política da educação. Podemos observar isto na própria LDB n.
9.394/96, no artigo 9º, inciso VI, na qual estabelece a necessidade de “Assegurar
processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio
e superior, em colaboração com os sistemas de ensino objetivando a definição de
prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” (BRASIL, 1996, grifo nosso).
Podemos ressaltar, que há uma flexibilidade em termos de autonomia no
planejamento, inserção de elementos regionais e particulares locais (artigo 26),
porém, o controle passa a não ser mais no que se refere à carga horária, currículo
mínimo ou qualquer outro fator. O controle se manifesta, fortemente, centralizado no
processo de avaliação.
Aqui no Brasil, de acordo com Freitas (2012) o “Todos pela Educação”, criado
em 2005, é um dos movimentos que tem coordenado a ação dos empresários na área
de educação e que apresenta bastante semelhança em relação à proposta que os
reformadores empresariais têm desenvolvido nos Estados Unidos, numa justificativa
de “consertar a educação americana” a partir, sobretudo, de quatro componentes
essenciais: padrões estaduais, testes estaduais, as sanções e a transformação dos
programas de formação de professores.
E, de acordo com Martins (2008), entre as metas propostas para a educação
pública no nosso país, encontra-se:
Meta 3 – Qualidade: “Até 2022, 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a sua série”. Ficou definido, então, que 70% dos alunos da 4ª e 8ª séries18 do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio do conjunto de alunos das redes pública e privada deverão ter desempenhos superiores a respectivamente 200, 275 e 300 pontos na escala de Português do SAEB, e superiores a 225, 300 e 350 pontos na escala de Matemática (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2007, p.4 apud MARTINS, 2008, p. 10).
Desse modo, segundo Figueiredo (2009, p.6), uma das “lições aprendidas” pelo
Banco Mundial foi a de que um dos fatores que fundamentam o sucesso de um projeto
18 No atual regime de 09 anos, a 4ª e 8ª séries correspondem ao 5º e 9º anos, respectivamente.
76
“é o sistema de programação, monitoramento e avaliação”; condição que justifica a
implementação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
Assim, “os projetos financiados para o ensino fundamental brasileiro
contribuíram para a implementação da política de avaliação, bem como incentivaram
a concorrência entre os estados, as instituições escolares e os integrantes nelas
envolvidos” (FIGUEIREDO, 2009, p.7). Nesse sentido, a avaliação torna-se um
mecanismo capaz de promover a “qualidade”, já que possibilitaria nessa lógica, a
supervisão e o controle público dos resultados daquilo que é ensinado nas escolas.
Logo, um ponto que é prioritário no movimento “Compromisso Todos pela
Educação” é o que diz respeito às avaliações externas:
Toda reforma ou movimento em favor da educação que não chegar à sala de aula e não alterar para melhor o que ali acontece, simplesmente, não merece existir. Em razão disso nossa preocupação básica é com a melhoria do processo aprendizagem-ensino, traduzido em resultados mensuráveis, obtidos por meio de avaliação externa (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006).
O movimento enfatiza assim, que as avaliações externas serão os instrumentos
cujo fim será o de medir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, o que
segundo Horta e Neto (2013) demonstra uma visão simplista e limitada da educação,
uma vez que se destaca a medida e o resultado, e não a avaliação como processo.
No entanto, a qualidade educacional vai além de uma variável quantificável
traduzida pelos índices oriundos das avaliações em larga escala. A qualidade envolve
outros fatores, tais como, a desigualdade social, a concentração de renda, a garantia
do acesso à educação, condições de trabalho docente, gestão do processo educativo,
entre outros. Contudo, os resultados das avaliações padronizadas assumem o “status
de tradutores da qualidade”, na medida em que se atinge o índice desejado como
sinônimo de melhoria educacional (SCHNEIDER e NARDI, 2013). Por isso, vale
destacar que:
A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como é a rede(...) e sobre como deveria ou poderia ser (BONDIOLI,2004, p.14).
77
Portanto, a qualidade da educação está além da imposição de padrões e de
políticas públicas verticalizadas, nas últimas décadas, que não levam em
consideração as particularidades dos grupos avaliados.
Lauglo (1997, p.6) argumenta que no relatório “Prioridades e Estratégias da
Educação”, o Banco Mundial descreve que “as habilidades as quais as escolas devem
focalizar são aquelas concernentes à linguagem, à ciência, às matemáticas e,
adicionalmente, aquelas habilidades problemáticas na área de comunicação”. A Prova
Brasil, nesse sentido, já prioriza Língua Portuguesa e Matemática e o Inep em 2013,
já apresentou um documento com a pretensão de inserir Ciências. A introdução das
avaliações externas parte, pois, “do princípio de que uma força de trabalho educada
é essencial para possibilitar a competição econômica, elevando a produtividade e a
capacidade de adaptação às rápidas mudanças nos mercados internacionais”
(BARRETO, 2001, p.57 apud CATANI E GALLEGO, 2009, p.56).
É preciso atentar-se ao fato de que, ao financiar nosso sistema de avaliação, o
Banco Mundial tem a liberdade de estabelecer critérios para investimentos, de modo
que os grupos detentores do poder econômico acabam contribuindo na modelagem
dos currículos e dos objetivos das instituições públicas de ensino, já que é preciso
garantir na educação, objetivos que sejam observáveis.
Temos assim, de acordo com Dale (2004, p. 454), uma “cultura educacional
mundial comum” – CEMC – onde se busca o desenvolvimento de um currículo e dos
sistemas educacionais dos Estados a partir de elementos universais para educação,
estado e sociedade, em detrimento dos fatores nacionais. Há, nesse contexto a noção
de uma falsa democracia, que é a democracia do capital, da produtividade e dos
resultados. E Martins (2008, p.13), mais uma vez reforça a tese de que o “Todos pela
Educação” e suas propostas de alcance de metas, entre as quais, está a avaliação,
se materializa como um organismo a serviço de estratégias pautadas nos interesses
da hegemonia da classe burguesa, que luta para restringir as perspectivas de
educação para os trabalhadores brasileiros.
Juan Casassus (2009), portanto, faz críticas a estas avaliações padronizadas,
denominando-as de Provas Estandartizadas de Medição que trazem graves
78
consequências sociais, sobretudo, no que se refere às desigualdades existentes entre
as escolas carentes e as mais equipadas.
Os resultados das provas indicam-nos que no extremo dos “burros” e das baixas pontuações se encontram os pobres, e que os ricos se encontram no extremo dos “inteligentes” e com pontuações altas. (...) Um sistema meritocrático numa democracia formal, ou seja, uma democracia que não toma em consideração a desigualdade de condições e os contextos de pobreza, que nos diz que há uma razão de ser para os burros serem pobres: é porque são burros. Assumir isto é esquecer um ponto crucial: os efeitos negativos que a pobreza tem na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo dos alunos (CASASSUS, 2009, p. 76).
Desse modo, baseando-se na defesa e esforço de extinguir a pobreza e ajudar
para o bem da nação, na verdade, tem-se uma estratégia inovadora para se obter
“consenso para o exercício da dominação” e legitimação do modo de produção
capitalista. Para garantir o controle dos processos, visando aos resultados definidos
que devem ser medidos através dos testes padronizados, estruturam-se três
categorias, das quais Freitas (2012) destaca: A responsabilização, a meritocracia e a
privatização.
A responsabilização se dá na combinação entre testes, divulgação pública e
recompensas. Estas duas últimas originam a meritocracia. Ou seja, segundo o autor,
meritocracia e responsabilização estão diretamente relacionadas; de modo que estas
duas últimas criam o ambiente para a privatização do sistema público de educação,
de forma que o público tende a ser administrado pelo privado.
Portanto, ainda de acordo com Freitas (1992), o controle por meio dessas
avaliações padronizadas coloca o sistema educacional a serviço do mercado e
desmistifica a hipocrisia existente no “todos juntos pela educação”, pois, na concepção
dele, nunca estaremos juntos, uma vez que “os interesses hegemônicos dos
empresários limitam a educação a produzir o trabalhador que está sendo esperado na
porta das empresas” (FREITAS, 1992).
(...) não podemos esquecer que, na realidade, a avaliação é um mecanismo privilegiado para garantir a função seletiva da escola na sociedade capitalista e, como tal, está atrelada à contradição básica da sociedade. Os procedimentos de avaliação (como toda didática) respondem à organização global do trabalho pedagógico na escola,
79
organização que é produto das expectativas que a sociedade capitalista tem da escola (FREITAS, 1990, p.28).
Percebemos assim, que epistemologicamente, as avaliações padronizadas e
especificamente, a Prova Brasil, apresenta uma vertente objetivista baseada do
Positivismo, que prioriza o alcance de resultados quantificáveis, promovendo, pois, a
preocupação com técnicas avaliativas baseadas em exames e questionários
padronizados que buscam a classificação, a partir da mensuração de critérios e
escalas de valores estabelecidos. Considera-se verdadeiro e tido como adequado
aquele que pode ser matematicamente visibilizado, manipulado e comprovado.
Isso, segundo Colombo (2015), gera uma excessiva preocupação com a
transmissão de informações que devem ser repassadas de forma generalizada a
todos os estudantes, excluindo nitidamente, suas distintas realidades, inclusive,
realidades sociais. Observamos o caráter tecnoburocrático e de controle exercido por
essas avaliações, cujo avaliador insiste em assumir uma posição de neutralidade
diante daquilo que é observado nos alunos. Todavia, o conhecimento é permeado por
interesses externos, logo, não se processa na lógica da neutralidade.
O controle é, portanto, uma das vias essenciais no que se refere às avaliações
padronizadas em larga escala e às políticas educacionais. Nesse sentido, Dias
Sobrinho (2004) relaciona as políticas de cunho neoliberal ao aspecto técnico de tais
avaliações:
A avaliação fundada na epistemologia objetivista diz-se eminentemente técnica. Seu objetivo principal é prestar informações objetivas, científicas, claras, incontestáveis, úteis para orientar o mercado e os governos. Justifica-se pela ideia de que os clientes ou usuários da educação têm individualmente o direito de saber quais são as boas escolas, os bons professores, quem oferece os melhores serviços, segundo parâmetros prévios e objetivamente estabelecidos e levando em conta a relação custo-benefício. Esses parâmetros, normas e critérios, supostamente objetivos, ideais e abstratos, quase sempre se utilizam de procedimentos de quantificação de produtos, dada a necessidade de comparações e rankings, e estão voltados ao controle da qualidade dos serviços e produtos educacionais, à semelhança do que ocorre no mundo dos negócios. O controle nessa perspectiva, efetua-se conforme a crença de que a avaliação seria neutra e objetiva, dado seu suposto caráter técnico (DIAS SOBRINHO, 2004, p.712).
80
Logo, compreendemos que embora haja um movimento intelectual que vem
tentando ampliar as discussões e buscar novos caminhos em relação à avaliação
enquanto um processo dinâmico, que envolve a complexidade , o respeito à
diversidade, autonomia e afirmação da identidade, ao contrário dos aparatos que a
tornam linear, simplista e reducionista, as avaliações padronizadas, com destaque
para a Prova Brasil, ainda se apresenta num molde de pensamento que fragmenta,
reduz e simplifica o processo educativo.
Isso significa que a avaliação se desenvolve num cenário permeado por
antagonismos do sistema educativo, de modo que na sua concretização, ora
reconhece e ora nega as desigualdades existentes, a partir das intencionalidades que
a orienta.
No que se refere à Prova Brasil, é possível relacioná-la a algumas
características que se assemelham bastante às avaliações tradicionais, entre outras
já citadas, enfatizamos a criação de hierarquias, a partir dos níveis da escala de
proficiência, em que não só educandos são comparados e classificados a partir de um
padrão de referência, mas também, escolas, municípios e estados. Uma ação que era
restrita à sala de aula, toma agora proporções globais e pública.
O que para Santos (2007, p.176) ainda “compromete também, o
desenvolvimento de uma perspectiva multirreferencial para a avaliação, elemento
fundamental para um entendimento mais significativo do processo avaliativo” e,
consequentemente, do processo de ensino-aprendizagem. Contudo, Perrenoud
(1999) nos estimula, afirmando que apesar das contradições, a avaliação numa
perspectiva mais formativa tem ganhado cada vez mais espaço e pouco a pouco as
denúncias em relação aos limites impostos pela lógica da seleção têm repercutido
com maior força.
Quase todos os sistemas educativos modernos declaram avançar para uma avaliação menos seletiva, menos precoce, mais formativa, mais integrada à ação pedagógica cotidiana. Pode-se julgá-los pelo distanciamento entre essas intenções e a realidade das práticas. Pode-se igualmente salientar que tais intenções são recentes, que datam de meados dos anos 1970-80. Portanto, o período de transição está apenas começando (PERRENOUD, 1999, p.18)
81
As formas de educar e de avaliar que terminam por enclausurar a escola e os
seus agentes num circuito fechado e limitado estão, cada vez mais, sendo
encurraladas a superarem o aprisionamento ao passado que desvinculam as
situações de aprendizagem das situações que apresentam pertinência cotidianas.
E esta tem sido uma das lutas pela defesa de uma Educação que se diz
contextualizada. Uma educação a qual nos remetendo a Maturana (1997, p.40),
entende que o ser humano não é independente do seu meio, afinal, “se alguém viaja
ao Pólo Norte, tem que levar o meio consigo, leva a temperatura, leva uma série de
artefatos que constituem o seu meio. Se viajar à Lua, terá que ir em uma capsula, em
algo que conserve seu meio. Portanto, não é independente do meio”
(MATURANA,1997).
82
3 SUPERANDO OS MUROS DA EDUCAÇÃO PADRONIZADA RUMO À
PERSPECTIVA CONTEXTUALIZADA
O presente capítulo tem como objetivo central discutir os pressupostos teóricos
que orientam a defesa de uma educação que se diz contextualizada. Para tanto,
iniciamos uma breve discussão que perpassa sobre o paradigma positivista e suas
consequências nocivas para o campo educacional, adentrando assim, na necessidade
de construir outra racionalidade, a qual tem a efetivação da Educação Contextualizada
como uma das vias propulsoras de contra-hegemonia e rompimento com a escala
universalista que silenciou e invisibilizou os saberes regionais locais, ou seja, os
saberes existenciais e pertinentes.
3.1 Transição paradigmática e a necessidade de novos rumos na educação
Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos (Rubem Alves).
Considerarmo-nos humanos é não abrir mão da certeza do inacabamento, de
uma realidade que nunca está pronta ou concluída. É entender que é possível inserir
vírgulas, reticências e até pontos continuativos, mas nunca um ponto final. É um
constante fazer-se e ser no mundo, sendo com os outros, numa dinâmica contínua de
desenvolvimento que acolhe o intelectual, o moral, o afetivo, os medos, conflitos,
anseios, perspectivas pessoais e coletivas.
Nesses termos, uma educação que “desencaixote” essas dimensões humanas
é a que almejamos. Uma educação que ressignifique os sentidos da existência
humana e que acolha nas nossas escolas, as impressões diárias que alegram,
agonizam e todos os dias estão presentes no cotidiano dos sujeitos envolvidos; que
ponha um ponto final nessa cultura do silêncio, que há muito abafa as vozes dos
sujeitos que integram nossas instituições de ensino em detrimento da voz e
protagonismo de uma “cultura da prova” que se limita insistentemente em priorizar o
que está prescrito no programa e que será, pois, objeto da “avaliação” educacional.
Todavia, ainda vivenciamos, hegemonicamente, práticas educativas baseadas
nos princípios da abstração, redução, disjunção e padronização, o que se encaixa no
que Morin (2001, p.16) nomeou de ‘Paradigma da simplificação”. A partir do
pensamento da simplificação, reduz-se o complexo ao simples. O conhecimento tem,
portanto, o seu rigor bem como, sua operacionalidade, baseado em medidas e
83
cálculos, de forma que “cada vez mais, a matematização e a formulação
desintegraram os seres e os existentes, para apenas considerarem como únicas
realidades, as fórmulas e equações que governam as entidades quantificadas”
(MORIN, 2001, p.17-18).
O paradigma positivista que controla o pensamento ocidental desde o século
XVII trouxe, de acordo com Morin (2001), consequências nocivas as quais só
começaram a ser percebidas a partir do século XX. Ao considerar o homem como
maior grandeza do universo, a educação positivista contribuiu para o imenso
afastamento entre o indivíduo e a natureza que o cerca. Desde que hiperbolizou-se o
uso da razão como a forma mais eficaz de explicar as coisas, o homem passou a ver
a natureza como algo a ser descoberto, revelado e isso nos afastou dela, de modo a
não haver mais segredo, misticismos ou algo de sagrado.
Logo, com a velocidade do avanço das tecnologias da informação que têm sido
fortemente utilizadas pelos interesses capitalistas, percebemos a disseminação de
informações e imagens que tendem rapidamente a manipular e estimular no
imaginário coletivo, a ideologia neoliberal. A qual segundo Lima (2006, p.10) tem a
pretensão de controlar não só o mundo financeiro e o mercado, mas, manipula
também, maneiras de “pensar, sentir e agir das pessoas”, conduzindo-as a um
processo de dominação.
Segundo o autor, vivemos um neoliberalismo em que a globalização camufla a
sua essência que é a dominação. De maneira que “tudo foi transformado em
mercadoria que coloniza tudo, da natureza ao inconsciente” (COSTA, 2006 apud
Lima, 2006, p.11). Historicamente, nós seres humanos somos, portanto, construídos
a partir de mecanismos de poder.
Diante desses procedimentos, diversos têm sido os sinais de fragilidade e
limitação que o mundo natural também tem demonstrado. Vale destacar, que embora
os discursos divulguem uma defesa ambiental de mudanças de atitudes, isso fica
muito restrito ao campo subjetivo, ao campo das ideias; uma vez que as políticas
públicas também estão enraizadas na perspectiva de dominação.
E, enquanto essas ideias não forem desconstruídas dentro de cada ser, as
civilizações continuarão a transformar a natureza em mercadoria e objeto, ganhando
e perdendo cada vez mais, com as consequências dessa fragmentação dos
84
elementos que compõem a totalidade. Sendo assim, Moraes (1997) contribui com
nossa reflexão, ao afirmar que:
Na realidade, é o ser humano que se apresenta dividido, dissociado em suas emoções e afetos, com a mente técnica e o coração vazio, compartimentalizado em seu viver/conviver e profundamente infeliz. Em toda esta caminhada, o ser humano foi se esquecendo de sua multidimensionalidade, da importância do corpo como organizador de suas relações com o tempo, com o conhecimento, com a vida, com o cosmo. Esqueceu-se de si mesmo, do outro, da natureza e do sagrado. Como humanidade, nos sentimos perdidos no meio do caminho e não dá para retroceder e nem dar uma voltinha atrás. Mas, por outro lado, é também preciso reconhecer que não se muda um paradigma educacional da noite para o dia, apenas colocando uma nova roupagem ou camuflando velhas teorias (MORAES, 1997, p. 09).
Assim, quando os fenômenos vivenciados passam a não mais se encaixar
dentro dos modelos estabelecidos, surgem as anomalias, as “crises” as quais gerando
caminhos em busca de revoluções científicas, levam a outras propostas e descobertas
que podem ocasionar o surgimento de um novo paradigma (KUHN, 2001).
E, tendo a clareza de que um paradigma não é rompido instantaneamente, ao
analisar o processo histórico, percebemos que entre os séculos XIX e XX,
principalmente com as descobertas da Física Quântica, o modelo newtoniano-
cartesiano que até então vigorara como modelo único de ciência, passou não só a ser
questionado, mas a perder a força e influência teórica diante da compreensão dos
fenômenos naturais.
A teoria quântica proporcionou novos modos de interpretação da realidade,
entre eles o início de uma percepção ampla e total do conhecimento, numa
perspectiva multidimensional do ser humano. Assim, entendeu-se que não somente a
razão e a objetividade poderiam ser consideradas, mas, sobretudo, as emoções, as
experiências, o senso comum, os problemas sociais e individuais, sujeito e objeto
como elementos indissociáveis; enfim, a emergência de um novo paradigma trouxe
em si o princípio de que a compreensão do mundo só pode se dá numa visão integral
entre as partes que constituem a realidade, sendo, por isso, indispensável encontrar
o sentido da totalidade.
Enquanto a ciência moderna considerava o mundo físico a partir da disjunção
e isolação dos seus elementos, a ciência quântica concebe este mesmo mundo como
85
uma constituição de elementos em constante interação, interconexão e
interdependência, onde tudo está conectado. Não havendo possibilidades da
separatividade mecanicista; muito pelo contrário, todas as relações são advindas
duma totalidade, o que exige um constante diálogo entre os elementos que a
modernidade fragmentara (MORAES, 2004, p. 27-83).
Este paradigma emergente traz, portanto, uma urgente necessidade de
mudança no Sistema Educativo, entre eles, a reformulação de um saber que não é
mais possível ser considerado de modo reduzido, simplificado e desconectado um do
outro e das realidades. A partir desta concepção, considera-se, nas palavras tão
certas de Moraes (2004), um importante aspecto que deve orientar as práticas
pedagógicas:
O reconhecimento de que o sujeito aprendiz participa do seu processo de construção do conhecimento com toda a sua inteireza, com toda a sua multidimensionalidade, ou seja, com todos os seus sentimentos, emoções e afetos. Enfim, ele participa também com toda a sua história de vida impregnada em sua corporeidade, em sua memória, e sem separar o mental do físico, o fato da fantasia, a razão da emoção, o passado do presente e do futuro (MORAES, 2004, p. 41).
Temos a partir dessa compreensão, um sujeito que não apenas acumula e
reproduz o conhecimento, mas que constrói, participa e se relaciona com o saber em
toda a sua complexidade, fazendo o uso não apenas da razão, mas de todos os outros
aspectos que constituem a condição humana, tais como, emoção, criatividade, dúvida,
interação, medos, entre outros. Nesse paradigma, tem-se a essência do pensamento
complexo, o qual tem como princípio a articulação entre as diversificadas formas do
pensar e a integração dos movimentos que tecem a realidade da vida (MORAES,
2004, p. 45).
A Física Quântica contribui ainda com a educação, ao nos trazer a importância
do contexto, concebendo a existência duma intensa conexão entre o homem e o seu
meio. Havendo assim, uma interdependência entre ambos, onde os elementos
presentes no meio fluem para o pensamento através dos sentidos, bem como, o
pensamento colabora na moldagem desse meio, tanto natural, quanto social, cultural,
temporal, político.
Tendo em vista esta transição paradigmática, fica claro inclusive, que a função
da escola tende a se modificar. O foco já não mais deve estar na reprodução de um
86
conteúdo sem pertinência, mas exatamente na sua construção, no que e como o outro
aprende; na ideia do conhecimento como algo efêmero e não mais absoluto e
inquestionável.
Logo, diante das necessidades que agonizam os distintos campos sociais, a
educação passa a ter outro importante papel na vida dos cidadãos, devendo
possibilitar, desde a mais tenra idade, meios pelos quais os sujeitos possam buscar e
ter acesso a uma visão ampla política e crítica dos discursos e fatos postos no meio
em que constroem a existência.
Nessa perspectiva de totalidade está, pois, inserida não a universalização do
saber, mas também, o diálogo e interconexão com a leitura dos contextos em que se
dá o processo educativo. Porém, tendo em vista as limitações do paradigma científico
moderno, é preciso ampliar o olhar para a epistemologia da complexidade, como um
novo rumo para a construção do conhecimento e superação dos “equívocos”
produzidos pela ciência moderna.
Como alerta Morin (2000, p. 21): “A educação deve se dedicar, por conseguinte,
à identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras.” Essas mudanças são
relevantes para ultrapassar a noção utilitarista e mecanicista do mundo e do homem
e reconfigurar os modos de pensar e produzir conhecimento.
Na perspectiva de Morin (2007), a percepção simplificadora do mundo nos
desarma diante da complexidade das novas demandas planetárias e seus problemas.
Nesse sentido, é preciso que nos rearmemos intelectualmente, a partir de uma
reforma do pensamento. Essa reforma consiste na substituição de um pensamento,
historicamente desmembrado, por um pensamento que está ligado, buscando,
constantemente, a inseparabilidade entre os fenômenos e seu contexto e deste último
com o contexto geral, planetário.
O pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo: ou ainda unifica abstratamente ao anular a diversidade, ou, pelo contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade. Assim, chega à inteligência cega. A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetos daquilo que os envolve. Não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. As realidades chaves são desintegradas. Passam pelas fendas que separam as disciplinas. As disciplinas das ciências humanas já não têm mais noção de homem” (MORIN, 2001, p.16).
87
É preciso compreender e reorganizar as ideias a partir do complexo,
ressuscitando assim, a relação intrínseca entre a natureza, o ser humano, o cosmo e
a própria realidade. Os processos educativos devem, pois, priorizar o preparo para
Civilização da religação. Nas palavras de Moraes (2004):
A civilização da religação é aquela que compreende a educação como realidade em movimento e a escola como o lugar onde se valoriza a inclusão e não a exclusão, onde os diferentes talentos e inteligências são reconhecidos; o lugar onde se respeita a vida, o desenvolvimento individual e coletivo, bem como os direitos de todos (MORAES, 2004, p. 32).
Logo, há uma urgência em se religar a cultura das humanidades à cultura
científica. Esta última, por muito tempo, apresentou-se inacessível ao cidadão comum
e a qualquer outro especialista de uma área distinta de determinado saber. Fechou-
se em si mesma focando apenas num único fragmento que compõe o real, tornando-
se assim, incapaz de reconhecer a humanidade, a vida concreta, os problemas
humanos, a infelicidade, mesmo diante de todo o trajeto da ciência. Enquanto a cultura
das humanidades baseadas na literatura, arte, poesia e filosofia possibilita a reflexão
sobre o saber, integrando-o à vida e ampliando o conhecimento sobre si mesmo. Daí
a necessidade de aproximá-las, de religá-las (MORIN, 2007).
Considerando que o homem é o sujeito do processo educativo e não seu objeto,
pensar ações educativas exige refletir não apenas sobre o homem, mas também,
sobre suas condições biológicas, emocionais, culturais, espaciais e temporais. E, para
que realmente assuma o lugar de sujeito, faz-se indispensável inseri-lo nas suas
condições de tempo-espaço e, pois “quanto mais ele refletir sobre sua
situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais emergirá dele
conscientemente carregado de compromisso com a sua realidade” e por entender-se
sujeito e não mero expectador, passará a intervir cada vez mais (FREIRE, 1995, p.
35).
Não estamos aqui defendendo a superação da Educação Tradicional porque
simplesmente tem sido considerada do “passado”, ultrapassada. Não é repelir o
“antigo” por simples questão de cronologia e muito menos aceitar “novas” perspectiva
por simplesmente serem “novas”. Aqui, em nada se encaixa a ideia de modismo. Mas
sim, por entender que o momento histórico é outro e que sendo novo, exige um ideal
88
pedagógico que atenda aos novos anseios, cujos ideais positivistas já não são
suficientes e nem correspondentes aos problemas atuais, os quais se apresentam
numa perspectiva multidisciplinar, multidimensional e global.
A escola deve, nesse sentido, ser o local onde se produz conhecimentos, onde
se aprende a conviver com a pluralidade cultural. Deve ser o espaço não de ensinar,
mas de inserir os sujeitos numa dinâmica contínua de “aprender a aprender”. O tempo
atual exige de nós a pensar, sobretudo, em como se aprende, o quê se aprende e
para quê se aprende.
Por isso, a educação precisa desenvolver-se num processo dialético com o
contexto do meio ao qual se destina. A epistemologia da complexidade apresenta,
então, a necessidade de relacionar a educação à cultura, meio ambiente e sociedade,
integrada às dimensões políticas no processo de argumentação convergente às
questões humanas, locais e globais.
E é dessa necessidade que a proposta de Educação Contextualizada ganha
vida e causa para luta, uma vez que os princípios da divisão, fragmentação, redução
e simplificação tem como consequência uma ação pedagógica descontextualizada.
3.2 A Educação na perspectiva da Contextualização
A diversidade foi tomada como o grande empecilho, o grande entulho, contra o qual a própria escola e toda a ideia de escolarização se colocavam contra. (...). A escola foi, inicialmente, esta empresa de homogeneização (MARTINS, 2010, p.138).
A lógica do Sistema Capitalista é desenvolver-se produzindo as desigualdades.
As sociedades que se dizem “avançadas” precisam colonizar mentes que passem a
se sentirem “atrasadas” e, portanto, subalternas, com o dever da obediência.
Dornelas (s.d, p.1), em seu artigo “Modernização agrícola no Brasil e
Colonialidades, utiliza-se dos estudos de Walter Mignolo (2007) para nos esclarecer
o fato de que ao final do século XV e início do século XVI, dá-se início à invenção de
um novo continente: A América Latina. Mas, o que se convencionou a ser chamado
de América Latina pelos europeus, já era um território de existência habitado por
89
povos de outras culturas, anterior ao século XV. No entanto, o encontro entre essas
culturas deu-se a partir de relações verticais e desiguais, uma relação de
colonialidade, indispensável para o projeto moderno.
Não precisamos de grandes esforços, para lembrarmos que no Brasil, algo
muito semelhante ocorreu por aqui. Portanto, a colonialidade é parte vital da
modernidade: “A modernidade é o nome do processo que a Europa começou a
caminho da hegemonia e seu lado obscuro é a colonialidade; o capitalismo, tal como
o conhecemos, está na essência da noção de modernidade e de colonialidade”
(DORNELAS, s.d, p.3).
A colonialidade, face oculta da modernidade, moldou valores e saberes os
quais foram naturalizados como absolutos e normativos. Logo, de acordo com Gallo
(2000) e Ribeiro (2014), a racionalidade moderna é marcada pelo paradigma arbóreo.
O Paradigma arbóreo consiste na hierarquização dos saberes. A frondosa árvore
representa os saberes e suas especializações ou subespecializações fragmentadas
(galhos) e hierarquizadas, advindas de um mesmo tronco.
Os galhos (saberes) não conseguem comunicar-se entre si, se não passarem
pelo tronco. Para Gallo (2000, p.30), com este paradigma tem-se uma forma de
classificar e regular o conhecimento de modo que seja possível determinar a estrutura
de novos conhecimentos a serem criados. O que na concepção de Ribeiro (2014,
p.70), invisibilizou realidades que não cabiam na lógica hegemônica, fortalecendo a
distinção e dominação, a partir da razão moderna dualista, tal como: colonizador-
colonizado; norte-sul; cultura-natureza; homem-mulher; rico-pobre; ocidente-oriente.
A razão moderna impede, pois, a compreensão dessas diferenças como uma
totalidade relacionada entre si, e que não poderia ser simplificamente definida tendo
em vista um pólo dominante. Portanto, a lógica moderna concretiza-se no desprezo
pelas diversas formas de viver, de saber e de ser, de modo que tudo isso é vivenciado
durante o processo de uma educação colonizadora e descontextualizada, que além
de ser domesticadora, produz dicotomias de dominação, dividindo a humanidade em
primitivos-civilizados; desenvolvidos-subdesenvolvidos; inferior-superior; entre outros
binômios.
Sendo assim, Silva (2011, p.4) afirma que a “ (neo) colonização cultural
esteriliza a diversidade do pensamento crítico e local e semeia o pensamento único,
90
universal, do dominador (grifo nosso). Os discursos legitimadores de escolhas
políticas, econômicas e ideológicas tornaram como padrão inconteste e universal,
uma experiência particular de modernidade.
Predomina assim, uma educação colonial cuja concepção, currículo e saberes
disseminados, baseiam-se na versão autorizada do mais forte. Os interesses
hegemônicos transformam-se em conhecimentos únicos e verdadeiros. E é
exatamente com a finalidade de se estabelecer uma contra hegemonia em relação às
leis universais, que desconsideram os saberes locais, homogeneízam as realidades,
instituem um único modelo de ser e estar no mundo, que se discute cada vez mais, a
necessidade de efetivação da Educação Contextualizada, como uma das vias
propulsoras em busca do rompimento com a lógica da reprodução de saberes
alicerçados em outras culturas e a negação de conhecimentos a partir de um contexto
opressor que nega, intencionalmente, determinados conhecimentos, a partir das
relações de desumanização e opressão estabelecidas.
O processo de contextualização dá concretude ao que Boaventura Santos
(2004, p.246) nomeou de Sociologia das ausências, a qual consiste em mostrar que
o que não existe foi produzido socialmente para ser considerado como tal. O objetivo
dessa sociologia é transformar o que é tido como impossível em possível e com base
nisso, transformar as ausências em presenças.
Fomenta-se, pois, a necessidade de se conceber as coisas não a partir da
hierarquia de um pólo sobre a negação do outro, mas sim, das possibilidades. Então,
ao invés de limitarmos nossa visão à noção de que o Nordeste é o lugar da seca e o
Sudeste é o lugar da fartura, por exemplo, precisamos redimensionar nossos olhares,
questionando: O que é que tem no Nordeste, independente de sua relação com o
Sudeste? Tornando visível o que a hierarquia construída sempre ocultou. Como nos
diz Boaventura Santos (2004):
Há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível. O que une as lógicas de produção da não-existência é serem todas elas manifestações da mesma monocultura racional (SANTOS, 2004, p. 246, grifo nosso).
91
As lógicas que produzem essas inexistências, de acordo com Santos (2004),
são cinco, as quais compõem juntas, a monocultura racional. Para situar o leitor,
sintetizaremos brevemente, cada uma delas.
Monocultura do saber e rigor do saber: Baseia-se exclusivamente na ciência
moderna e nos seus critérios científicos de verdade que tornam inexistente
qualquer outro conhecimento que o cânone não legitime. Tudo que foge a
esta lógica é tida como incultura, ignorância.
Monocultura do tempo linear: Sustenta-se na ideia de que a história segue
um sentido e direção linear, de modo que os países centrais do sistema
mundial então à frente do tempo. Tudo que foge a esta lógica temporal é
considerado atrasado. Daí a existência do primitivo e civilizado, do
desenvolvido e subdesenvolvido
Lógica da classificação social: Essa lógica naturaliza as diferenças,
distribuindo populações por categorias hierárquicas. A exemplo disso pode-
se citar a classificação racial e sexual. Nessa perspectiva, a dominação é
uma relação de consequência e como tal, direito dos grupos considerados
superiores, já que os demais são naturalmente inferiores.
Lógica da escala dominante: Consiste em duas formas essenciais:
Universal e Global. O universalismo vigora sobre os contextos específicos.
A globalização privilegia as realidades no âmbito global. A produção da não-
não-existência, nessa lógica, é produzida sob a forma de realidades
particulares e locais, as quais não são credíveis diante dos modos universal
e global.
Lógica produtivista: Consiste nos critérios de produtividade capitalista. O
crescimento econômico é inquestionável e os critérios de produtividade
também. E isso aplica-se tanto à natureza quanto ao trabalho humano que
maximiza a geração de lucros. A não-existência é produzida, nessa lógica,
a partir do improdutivo, o qual referente à natureza é esterilidade e referente
ao trabalho humano é desqualificação ou preguiça.
Essas formas sociais de inexistências subtraem a realidade e a compreensão
do mundo em sua diversidade. Nesse sentido, os sujeitos que estão na posição
“subalterna”, sem direito de vez e voz, são levados a partir de uma educação
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descontextualizada, a pensarem e desejarem a ser como “eles”, os sujeitos-modelo
universal dominante; ou quando não, a escola cumpre o papel de formar sujeitos
conformados com a condição em que se encontram e que tendem a aceitar as
desigualdades como naturais.
Sem história nem contexto, sem sonhos nem emoção, nossa educação forma receptores de valores, conceitos, teorias e modelos criados longe de nossa realidade e sem compromisso com nosso futuro. Somos formados como “inocentes úteis” que assumem todas as formas de desigualdades como “naturais”, para o que a escola nos prepara para sermos receptores de ideias, conceitos, teorias, paradigmas e modelos, cuja adoção exige apenas imitar, nunca criar nem criticar, porque para ser como Eles devemos apenas pensar como Eles (SILVA, 2011, p.5).
É exatamente nesse contexto que reafirmamos a necessidade da sociologia
das ausências, da qual fala Boaventura Santos, como meio de identificar e libertar as
vivências produzidas, porém, negadas e consideradas inexistentes. E é a busca pela
superação dessas lógicas de produção da não-existência que também se alicerça a
proposta de uma educação que se diz contextualizada. Uma proposta construída fora
dos centros hegemônicos e que contempla outras narrativas de mundo e outros
discursos por muito tempo considerados não-existentes.
Assim, conforme afirma Santos (2004, p.249): “Tornar-se presentes significa
serem consideradas alternativas às experiências hegemônicas, a sua credibilidade
poder ser discutida e argumentada” de forma que suas relações junto às experiências
hegemônicas possam também ser objeto de disputa política. Portanto, como diz
Martins (2006, p.50) “A contextualização é, antes, um problema de descolonização”.
Utilizando dos argumentos de Ribeiro (2014, p. 72) “Falamos aqui de justiça cognitiva,
na qual se sustenta a razão decolonial”.
A contextualização é, assim, uma questão de contra-hegemonia, de
rompimento com a escala universal dominante que deu o “atestado de óbito” às
escalas regionais locais, negando estas existências pertinentes e reais, secularmente.
Trata-se de compreender que o local é global e vice-versa, imperando a necessidade
de interagir com esses mundos e tornar audíveis vivências e populações que foram
emudecidas.
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Apoiando nossa discussão nos estudos de Martins (2006), podemos afirmar
que contextualizar, portanto:
É esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre tecer o movimento de uma rede que concentre o esforço em soerguer as questões “locais” e outras tantas questões silenciadas na narrativa oficial, ao status de “questões pertinentes” não por serem elas “locais” ou “marginais”, mas por serem “pertinentes” e por representarem a devolução da “voz” aos que a tiveram usurpada, roubada, negada historicamente (MARTINS,2006, p.53).
Compreender que a educação se dá num contexto amplo é, sobretudo,
entender que há um contexto específico que o integra e que, portanto, precisa ser
ligado e relacionado ao global, visualizado, discutido, problematizado e integrado às
narrativas e políticas educacionais. Maturana (1997, p.21) nos diz que “conhecer é
viver, e viver é conhecer. [...]. No momento em que o ser vivo perde a congruência
com sua circunstância, no momento em que perde seu conhecimento, ele morre. ”
Essa distância entre conhecer e viver foi e ainda é a responsável por grande
número de “mortes” (e não vemos exagero em usar este termo) causadas por nossas
instituições de ensino, as quais ao perpetuarem uma cultura escolar alicerçada nas
narrativas hegemônica, padronizada, europeia, capitalista, branca, urbana,
racionalista e tantos outros modelos colonizadores e estranhos aos sujeitos
aprendizes, os matam de fome interior, todos os dias, uma vez que sob a justificativa
de “ser para o próprio bem e para o bem da sociedade”, são obrigados a frequentarem
escolas e a se “alimentarem” de elementos que não saciam a sua fome; muito pelo
contrário, os mantêm enfadados e enjoados por precisarem ingerir algo cada vez mais
distante dos sabores que suprem suas necessidades e os quais experimentam fora
da escola, cotidianamente.
Por não ser atrativo o conhecimento oferecido na escola, o que não faltam são
razões para se ter aversão e recusa a ela. Nesse sentido, Perrenoud (1999, p.14)
afirma que “a instrução é, para uma fração de alunos, uma forma de violência”,
violência que segundo ele não se restringe aos castigos físicos e punições
humilhantes para quem não consegue obter êxito em relação ao que é ofertado na
escola, mas vai além, se traduzindo como obrigatoriedade escolar, na qual um
significativo número de educandos precisa passar horas e horas, anos e anos,
concentrados num espaço, acumulando saberes que são abandonados exatamente
no momento em que põe os pés fora dos muros da escola.
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Compreendemos, pois, que o conhecimento construído a partir da intimidade
com as particularidades locais, culturais, histórica e políticas, apresenta pertinência e
enchem de sentido as práticas vivenciadas nas escolas; uma vez que atende à
necessidade de se conectar o ensino com a vida do educando, como já defendia
MORIN (2000, p.61). Se conhecer é viver, é preciso um contato íntimo, uma
observação detalhada e atenta daquilo que é vivido.
É na convivência que se revela a interconexão entre os saberes culturalmente
produzidos nos contextos de vivência, aos saberes científicos, os quais ao serem
confrontados e problematizados, permitem ao sujeito olhar para seu contexto com um
olhar menos ingênuo e com uma percepção mais consciente e crítica. Logo, se a
natureza do sujeito é respeitada, o trabalho com os conteúdos ensinados jamais pode
ocorrer alheio à formação moral do aprendiz.
Paulo Freire (1996, p.17) já reafirmava a necessidade de se estabelecer “uma
intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência
social que eles têm como indivíduos”. O que traduz a proposta de contextualização
do ensino. Sendo assim, por exemplo:
Por que não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Porque não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? (...). Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? (FREIRE, 1996, p.17).
Compreendemos, nesse sentido, a educação como prática da liberdade, a qual
constitui-se como um ato de conhecimento, que proporciona a aproximação crítica da
realidade. Discutir a contextualização, sobretudo, a partir das contribuições freireanas
é compreender que o homem é um ser concreto e assim sendo não está no vazio.
Cada sujeito está situado em um espaço-tempo, vivendo num lugar preciso, numa
época precisa, “num contexto social e cultural preciso”. Portanto, para que a educação
seja válida, é preciso que ela considere a vocação ontológica do homem, o qual tendo
a vocação de sujeito, a educação deve considerar “as condições em que ele vive: em
tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto” (FREIRE,1980, p.19).
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A Educação Contextualizada nessa perspectiva é uma educação para a
libertação do oprimido, o qual quanto mais conseguir refletir e ampliar sua percepção
sobre a realidade a qual está submetido, mais consciente e comprometido estará com
a intervenção social e a possibilidade de mudá-la.
Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças a qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promovê-lo em sua própria linha (FREIRE,1980, p.19).
Nesse sentido, a realidade proposta a partir da contextualização se aproxima
do paradigma rizomático. Esse paradigma segundo Gallo (2000, p.30), rompe com a
hierarquização, tanto no que se refere ao poder e à importância, quanto na prioridade
de circulação.
A metáfora do rizoma, segundo Ribeiro (2014), subverte a metáfora arbórea
“tomando como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais,
formado por uma miríade de pequenas raízes emaranhadas em meio a pequenos
bulbos armazenatícios”, de forma que há uma relação intrínseca entre os diversos
saberes, os quais são representados pelas variadas linhas fibrosas de um rizoma, que
os mantêm entrelaçados, construindo um complexo conjunto no qual cada saber é
próprio, mas todos interagem e se comunicam.
Assim, a partir dos seis princípios19 que regem esse paradigma rizomático, o
conhecimento pode ser abordado e transitado por diferentes possibilidades. Entre
elas, a partir da transversalidade, a qual “atravessa diferentes campos de
conhecimento, sem identificar-se necessariamente com apenas um deles” (GALLO,
19 Princípio de conexão, em que um ponto do rizoma pode estar ligado a qualquer outro; princípio
da heterogeneidade, de modo que a partir das conexões, tem-se uma heterogeneidade e não homogeneização; princípio de multiplicidade, uma vez que o rizoma é múltiplo e não pode ser reduzido à unidade; princípio de ruptura-significante, já que é sempre um rascunho, um constante devir, a ser traçada sempre, embora esteja organizado está sujeito às linhas de fuga; princípio de cartografia, uma vez que o rizoma apresenta múltiplas entradas e pode ser acessado de pontos variados; princípio da decalcomania, no qual colocando o mapa sobre a cópia, ou seja, o rizoma sobre a árvore, possibilita novas multiplicidades, novos territórios (GALLO, 2000).
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2000, p.33). A transversalidade leva ao abandono não somente dos verticalismos,
mas também, dos horizontalismos, dando lugar a um fluxo que se movimenta em
qualquer direção. As implicações desse paradigma na educação significam o fim da
compartimentalização e hierarquização dos saberes.
É preciso “derrubar” as grades da escola e levá-la até as ruas, praças,
comunidade, enfim, apresentá-la à vida e aos sujeitos que a compõem direta e
indiretamente. Quanto maior for seu distanciamento dos problemas sociais, menores
serão as possibilidades de mudança das políticas dominantes que a rege e,
consequentemente, mais distantes estarão os processos que visam à transformação
social.
Reis (2009) nos diz que a educação deve pautar-se na extrapolação dos
saberes que têm como base o mundo vivido pelos sujeitos.
É preciso que avancemos nessa perspectiva - de tocar naquilo que é essencial – e, assim, realizarmos, de fato, uma educação contextualizada comprometida com o processo de emancipação humana (REIS, 2010, p.119).
Na perspectiva freireana, isso significa que, se a escola desenvolve um trabalho
tendo em vista as relações que o homem estabelece com o seu mundo, oportuniza o
sujeito a desnaturalizá-lo, de modo que ele vai criando, recriando, decidindo e
dinamizando, tornando-se, também, autor do mundo, e não apenas receptor.
3.3 Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (...). Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os
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calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável (CUNHA, 1984, p.51, grifo nosso).
Desgracioso, desengonçado, torto, feio, fraco, abatido, deprimente e ridículo
são apenas alguns adjetivos encontrados num único parágrafo retirado da Obra “Os
Sertões” de Euclides da Cunha, entre tantos outros que foram e ainda são utilizados
para se referirem e descrever o Sertão e os grupos humanos que aqui habitam e
constroem a sua existência.
Associado a isto, podemos ainda relembrar, a imagem da seca, da fome, do
chão rachado, do gado morto, da casa de barro e de tantos outros estigmas e
“envergonhamentos” que foram e ainda são disseminados através das artes, da
literatura, música, cinema, pintura, bem como, dos meios de comunicação de massa,
currículos e materiais didáticos, os quais repercutem a imagem de um Semiárido
estéril, sem bonitezas, sem avanços, sem contradições e que parou no tempo, não
indo além desse cenário “problema”, construído e propagado nos distintos cantos do
país.
Historicamente, o Semiárido Brasileiro foi e ainda continua permeado por uma
escola alheia a sua diversidade contextual, que potencializa o discurso da adversidade
e produz a não-existência das potencialidades locais. Segundo Reis (2010, p.112), “a
imprensa nacional e os que escreveram sobre esta região, tendo como parâmetro
apenas uma época do ano, ou apenas um ângulo da região, não perceberam a sua
complexidade”. E essa imagem negativa foi absorvida por nós, os quais também,
passamos a proliferá-la, a partir do que disseram que nós somos.
Ainda que as adversidades sejam constantemente emergidas, os processos
educativos aqui vivenciados não partem do ato de levar os sujeitos a observarem,
tomarem consciência e posse dessa realidade “problema”, compreendendo e
denunciando a estrutura desumanizante e buscando o anúncio de possibilidades de
uma estrutura humanizante. Afinal, como disse Freire (1984, p.89): “Seria uma atitude
muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de
educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de
forma crítica”.
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O que ainda predomina é uma educação descontextualizada que impõe
padrões e modelos globais ancorados em outras culturas hegemônicas, alicerçadas
na ciência moderna, de forma que como nos diz Silva (2010, p.20), “Nós vamos à
escola aprender sobre nossa inferioridade e a superioridade do Outro”, incorporamos
a lógica que divide os países e suas regiões em inferior-superior.
É válido, pois, ressaltar, que uma das maiores contribuições da sociologia das
ausências é exatamente esta, a percepção de que as monoculturas racionais
estabelecem princípios de seletividade que vão originar a inclusão ou exclusão de
experiências sociais. No nosso caso, os discursos incluídos e que nos são impostos
são aqueles elaborados nas perspectivas dos grandes centros urbanos, “reforçado
pela concentração da indústria editorial e dos chamados centros de excelência, no
sudeste do país, sabidamente no Rio de Janeiro e em São Paulo” (MARTINS, 2006,
p.46).
Conseguimos estabelecer uma relação entre Contextualização, Sociologia das
ausências, bem como, com a sociologia das emergências, discutida por Boaventura
Santos (2004). A Sociologia das emergências atua tanto sobre as potencialidades –
possibilidades, quanto sobre as capacidades.
Ela “substitui a ideia de determinação pela ideia axiológica do cuidado. (...). É
exercida em relação às alternativas possíveis” (SANTOS, 2004, p.257). Seu horizonte
está, pois, nas possibilidades e sua tarefa cognitiva é a de investigar, ampliando as
alternativas concretas de futuro nos sujeitos, nas práticas e saberes que se
encontravam ocultos devido à racionalidade conservadora.
As expectativas legitimadas pela sociologia das emergências são contextuais porque medidas por possibilidades e capacidades concretas e radicais, e porque, no âmbito dessas possibilidades e capacidades, reivindicam uma realização forte que as defenda da frustração. São essas expectativas que apontam para os novos caminhos da emancipação social, ou melhor, das emancipações sociais (SANTOS, 2004, p.258).
A partir da sociologia das emergências, vislumbramos as possibilidades como
um modo de superar os determinismos e fatalismos que nos foram colocados como
mecanismos de poder, nos mantendo no conformismo diante das forças que nos
oprimem. Assim, as adversidades e os obstáculos vistos como impossibilidade de
buscar melhores condições de vida dos sujeitos que habitam este Semiárido (lócus
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desta pesquisa) dão lugar ao exercício da liberdade como uma possibilidade de ser
alcançada a partir de ações nas realidades que permeiam o contexto concreto. Nesse
sentido, ratificamos o que disse Sartre (apud Chauí, 2012, p.289): “O que importa não
é saber o que fizeram de nós e sim o que fazemos com o que quiseram fazer conosco.”
E é na decisão de romper com a continuidade do que fizeram conosco, de
sairmos da inexistência, da marginalização, da unilateralidade, desmistificando que os
baixos índices educacionais, sociais e humanos não são fatalidades causadas pela
seca e fator climático, mas sim pela ausência de políticas públicas que não nos
favorecem, e da necessidade de buscar um outro Semiárido possível, o qual vive
contradições, transformações e riquezas que ainda não são representadas nos
discursos oficiais, da mídia e dos materiais didáticos, que emerge a necessidade de
Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido. Afinal, estas
problemáticas não têm sido discutidas nas nossas salas de aulas, nem em boa parte
de outros âmbitos sociais.
De acordo com Reis (2010, p.113), quando a questão é política de
desenvolvimento e educação, tivemos sempre propostas generalizantes, universais,
que desconsideraram as especificidades e diferenças dessa região e priorizaram o
desenvolvimento dos eixos sul e sudeste do Brasil; acentuando assim, as imensas
desigualdades explícitas, existentes entre as regiões do país.
Precisamos, pois, de uma proposta de educação que se vincule aos problemas
e aos modos de vida tecidos neste contexto, pensando um currículo escolar articulado
com as questões histórico-sociais, políticas e culturais, que promova uma ruptura da
negação da diversidade e dos conhecimentos elaborados e vivenciados aqui, onde o
educando possa se tornar sujeito autor de suas narrativas e não um mero porta-voz
das narrativas alheias. Uma educação que ajude os sujeitos, seja ele criança, jovem
ou adulto, a pensarem sobre o mundo e o local em que vivem de forma não ingênua,
refletindo, inclusive, sobre seus próprios preconceitos, originários de uma educação
normativa, padronizada.
100
Embora a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB20) já seja um
exemplo concreto e consistente, que vem ampliando e ajudando a solidificar este
paradigma na nossa região, o que ainda prevalece na maior parte das instituições é a
descontextualização. Portanto, a luta pela contextualização é a luta pelo rompimento
com uma educação colonizadora, é uma luta pelo poder de representação de nós
mesmos, tendo em vista o fato de que a educação no Semiárido nunca esteve
comprometida com a possibilidade de melhoria desse contexto e da vida das pessoas
que aqui habitam.
Assim, “nossa crença é a de que a escola possa lidar com outros saberes,
especialmente que ela possa dar sua contribuição para a melhoria das condições de
vida do sertanejo” (MARTINS, 2007, p.119). As discussões referentes ao acesso a
água, aos latifúndios, ao financiamento de pequenas empresas, de pequenos
agricultores e produtores, não podem ser excluídas da escola, uma vez que esta
também, precisa buscar problematizar questões concretas de superação da pobreza
e, portanto, de emancipação humana (REIS, 2010, p.119).
Isso significa que a contextualização é um processo complexo e assim deve
ser compreendida, para que não haja uma simples troca de termos e inserção de
temas locais na escola, camufladas por práticas que continuam reducionistas e
excludentes. Não é dizer que Dona Maria comprou uma dúzia de umbus ao invés de
dizer que ela comprou uma dúzia de maçãs; nem trocar o pé de algaroba pelo
mandacaru; ou inserir o vaqueiro e o índio no dia do Folclore, muito menos, limitar as
discussões referentes às relações étnico-raciais no dia 20 de novembro. Isso seria
apenas tomar um elemento local para trabalhá-lo, superficialmente, de modo festivo,
proporcionando apenas uma apreciação, sem o despertar de um sentimento de
pertencimento.
De acordo com Lima (2010, p.164) insere-se a cultura popular, no ambiente
escolar, mas “de forma momentânea, como algo exótico que precisa ser apreciado e
conhecido pelos alunos, sem a menor preocupação em construir uma reflexão ampla
sobre o papel e o significado daquela cultura para a vida e a história das pessoas”.
20A RESAB tem o “intuito de elaborar propostas de políticas públicas no campo educacional e desenvolver ações que possam contribuir com a melhoria da qualidade do ensino e do sistema educacional do semiárido brasileiro”. Para maior contato referente às contribuições da RESAB, ver Martins (2006).
101
Porém, como afirma Lins (2010, p.105) “não se trata do elemento em si, mas como
ele se contextualiza e produz história e cultura num determinado território”.
A complexidade da Educação Contextualizada para a Convivência com o SAB
tem a dimensão climática como tônica principal, todavia, dá-se também, na
interconexão dos aspectos culturais, ambientais, políticos, econômicos,
antropossociais. O que está em jogo é o sentido que tais elementos têm no âmbito
local. Assim, não basta trabalhar as finalidades e as características da água, por
exemplo, é preciso ampliar, desvendar o que está oculto:
(...) as limitações de chuva não é porque Deus não quer (...) é preciso saber por que é que chove irregularmente aqui, porque chove pouco, mas não tão pouco assim, porque a irregularidade de chuva aqui, o que acontece pra que aqui seja uma região diferenciada das outras regiões úmidas (OLIVEIRA, 2002 apud LINS, 2010, p.108).
Adentrando, pois, no ciclo e distribuição da água, no mapa e nas chuvas no
Semiárido, bem como, em outras regiões, medir quantidade de chuvas, resolver
situações problemas, discutir sobre as enchentes que sempre desabrigam muitas
famílias e os prejuízos causados com isso, situações das quais muitas se encontram
no Livro Conhecendo o Semiárido 2 21. Desse modo, chega-se a uma nova vertente
de que no Semiárido, o problema não é apenas a falta de água, como a grande mídia
e materiais impressos costumam veicular, mas também, a presença dela e junto com
ela, a falta de infraestrutura adequada, tanto em tempos de seca quanto em tempos
de chuva, e o cidadão precisa ter clareza disso, para inclusive, cobrar medidas
interventivas do poder público.
Relacionar as práticas e conteúdos vivenciados às questões inerentes ao
Semiárido, não tem dia para iniciar e findar. É uma proposta política de vida, de
educação, de disputa pelo poder e de contra-hegemonia, e que por sê-lo, deve
permear a educação, cotidianamente. Porém, essa falta de compreensão oferece um
risco:
No momento em que se parte para o ensino público, cai-se no risco de a temática do semiárido virar um conteúdo específico, uma espécie de tema transversal, algo a que se reserva um dia da semana para falar daquilo, e ainda permanece como ‘alternativa’, um apêndice, que às
21 Materiais Didáticos produzidos a partir de experiências coletivas da RESAB. Incluindo também, o Livro Conhecendo o Semiárido 1. Ambos trazem uma perspectiva contextualizada com o Semiárido Brasileiro.
102
vezes vira uma apendicite, e o resto permanece do mesmo jeito (MARTINS, 2007, p.117).
A contextualização para a Convivência com o Semiárido, portanto, não pode
em qualquer circunstância, ser produtora de novas excludências, como Reis (2005)
nos ajuda a refletir e ratificar. Logo, não se trata de fragmentar a discussão em torno
de uma temática, ou separar a aula em dois momentos, um momento para se discutir
as realidades inerentes ao Semiárido, no qual logo após, fecha-se a “gaveta” e passa-
se para o segundo momento, em que serão discutidos os conteúdos de ensino
presentes na matriz curricular hegemônica.
Não se trata de um processo educativo extra, se trata de um processo educativo
essência, que tem como “ponto de partida e chegada” o contexto, todavia, não se
limita e não se aprisiona a ele. É válido repetir: trata-se de problematizar o objeto de
estudo, a partir do conteúdo. Então, o umbu não é só um substantivo masculino,
concreto, classificado como dissílaba que pode dar origem a um substantivo derivado
como, por exemplo, umbuzada; mas é também, um fruto local advindo do umbuzeiro
que está em vias de extinção, que é nativo do bioma caatinga (bioma rico em
diversidade e não homogêneo como costumam dizer), serve como fonte de renda e
alimentação, é típico do Semiárido e vem sofrendo um processo de degradação
ambiental intenso (...).
Essa seria uma discussão improvável de acontecer em outros contextos, até
mesmo porque muitos consideram a Caatinga como uma vegetação sem vida, ou
quando não, limita o debate sobre a degradação ambiental, relacionando-o a biomas
como a Mata Atlântica, que precisa, pois, ser protegido. O mesmo discurso de
proteção não é direcionado à Caatinga.
Logo, da palavra geradora umbu, vão sendo geradas tantas outras
possibilidades de discussões que não estão restritas ao local, mas também, dialogam
com os saberes universais, numa relação que envolve a interdisciplinaridade e
complexidade, numa perspectiva multirreferencial, em que um saber vai se
entrelaçando ao outro sem hierarquias, mas sim, como base para se fazer
compreender a amplitude em torno do objeto estudado.
103
A contextualização para a convivência, portanto, não se preza a “reduzir a ação
pedagógica ao localismo. Isso seria não só um erro, mas um crime! ” (MARTINS, 2007,
p.119).
A contextualização é um processo facilitador da compreensão do sentido das coisas, dos fenômenos e da vida, enfatizando informações que o estudante tem e, encorajando a busca de novas informações a partir dessas. Enfim, contextualizar implica problematizar o objeto em estudo a partir dos conteúdos, dos componentes curriculares, fazendo a vinculação com a realidade, situando-os no contexto e retornando com um novo olhar (SILVA, 2010, p. 24).
A base epistemológica da contextualização sustenta-se no paradigma
rizomático, possibilitando a discussão de conteúdos e temáticas a partir de sua
complexidade e da multiplicidade de referências que ajudem a problematizar e a
compreender o fenômeno em estudo. E eis que pensamos em um dos desafios dessa
concepção de educação: não transformar a proposta de contextualização em pacotes
prontos, superficiais, pensados e elaborados isoladamente por alguns grupos e
distribuídos nas escolas, para que os professores a “executem”. Pois, já nos dizia
Freire (1995): “O homem é sujeito de sua própria educação, não pode ser objeto dela”.
O Semiárido precisa, pois, de uma educação sem estereotipias, onde a única
hegemonia seja a da aceitação das diferenças. É preciso conhecermos e
aprendermos a viver com as condições peculiares à semiaridez, compreendendo
inclusive a existência de uma dívida social e histórica desde o período imperial, que
diz respeito a falta de investimento em saúde, produção, transporte, lazer e,
principalmente, educação. E somente conseguiremos isso, quando os currículos que
permeiam nossas escolas, incluírem as pautas locais, de modo a estabelecer um
diálogo entre estes e os saberes construídos historicamente. Nossa pretensão é a de
uma educação que promova mais escutas entre os sujeitos.
Necessitamos de uma perspectiva educacional que compreenda o Semiárido e
suas gentes como um composto diverso. Um chão que não é apenas bucólico,
inocente, ingênuo, lugar da seca, da cisterna, do caatingueiro sofrido e ‘parado no
tempo’. É válido reforçar que os aspectos e problemas urbanos também são questões
inerentes à contextualização do ensino, bem como os dos caatingueiros, dos povos
indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, entre tantos outros povos que aqui
constroem seus modos de vida.
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Surge daí, a demanda em se desenvolver um processo educativo que ao
contrariar o paradigma da universalidade, não nos leve a singularizar nossa própria
diversidade, que também, é permeada por violência que a cada dia se torna
alarmante, por adultos e crianças inseridas no mundo do crime e das drogas, da
prostituição, do trabalho infantil, das tecnologias, dos tablets, do WhatsApp, das redes
sociais, dos engarrafamentos, da corrupção, dos Shoppings, dos carros e motos, do
consumo, do Movimento LGBT, dos protestos, do Movimento negro, dos paredões
pagodeiros. Enfim, dum semiárido fluido em constante fazer e refazer-se, de
potencialidades e problemas os quais precisam ser objeto de estudo e intervenção
contextualizada, de uma educação cuja proposta é ser problematizadora das questões
sociais.
A contextualização para a convivência é assim, uma recusa ao universalismo e
uma ênfase à máxima que diz que “ao se negar as diferenças é que se produz a
exclusão” (HOFFMANN, 2008, p.74). Exclusão esta que percebemos todos os dias,
desde a ausência de políticas educacionais e de desenvolvimento que promovam e
potencializem a vida dos sujeitos. A contextualização é esse processo de inclusão
ultimamente tão defendido, mas pouco efetivado. Inclusão do “outro” (que estava de
fora) com toda a sua diferença.
Inclusão dos sujeitos considerando sua “cultura, visões de mundo,
pertencimento, escolhas pessoais” (MARTINS, 2010, p.147). E o desafio encontra-se
exatamente em fazer uma educação que dialogue com essas diferenças legítimas que
por muito tempo estiveram presentes na escola, mas de foram excluídas e ignoradas
dos processos educativos.
Falar em contextualização exige, pois, falar em investimento na formação
docente, uma vez que são os professores que estão à frente da concretização das
políticas educativas. É certo que a maioria dos professores que atua hoje no Semiárido
foi vítima dum processo educativo descontextualizado. Somos prova concreta deste
fato. Durante a vida estudantil, as poucas vezes que ouvimos falar em Nordeste, por
exemplo, foi a partir das calamidades, inviabilidades, desemprego, ruralidade. Diante
da representação desse cenário, nunca nos sentimos parte dele, pois tendo sempre
vivido na zona urbana não reconhecíamos nosso território a partir dessas descrições.
105
Com certeza, centenas de outras pessoas que hoje atuam na educação,
também vivenciaram experiências bem semelhantes. E, não reconhecendo, nem
legitimando este território como alicerce da nossa existência, passamos a apontá-lo
como “lá”, um lugar distante, o lugar do “outro”. Portanto, é preciso uma desconstrução
das não-ausências socialmente construídas. E, como afirma Reis (2010, p.120),
mesmo a melhor proposta, dificilmente se concretizará se os educadores se opuseram
a ela, ou não a compreenderem a sua essência.
Há, também, a necessidade de se ampliar a valorização desses profissionais,
bem como, seu “universo cultural”. É preciso, pois, renovar as mentes. Reformar o
modo pensar, para que a educação contextualizada não se torne um simples faz-de-
conta. Reforma esta cujo sentido é o de reaprender a pensar e, consequentemente,
reaprender e ressignificar a ação.
É válido ressaltar, que os debates em torno da contextualização ganham força
de institucionalização a partir da construção de documentos orientadores pedagógicos
que objetivam estabelecer os pilares tanto conceituais quanto políticos que estruturam
a educação cuja proposta é a contextualização. Desse modo, a RESAB, responsável
por mobilizar ações e debates referentes a este novo modo de conceber a educação
no Semiárido, articulada com outras instituições representadas pelos 11 estados do
SAB, no ano de 2006, realizou a I Conferência Nacional de Educação para a
Convivência com o Semiárido (CONESA) com 340 participantes.
Essa conferência contou com a divisão de 05 eixos temáticos, onde, cada eixo
elencou encaminhamentos que foram direcionados como Diretrizes da Educação
Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro (DECCS). A publicação
de tais diretrizes simboliza a luta pela consolidação tanto pública e gratuita quanto de
qualidade, para o povo do Semiárido. Os eixos contemplados são os seguintes:
Gestão da educação: Pauta-se na defesa de uma gestão que deve respeitar a
realidade local (urbana e rural), tendo em vista o desenvolvimento sustentável da
região. Para tanto, estima-se algumas iniciativas: aproximação com as
universidades para construção do currículo que atenda às realidades locais; o
compromisso com a oferta de formação docente (inicial e continuada)
contextualizada; firmar parcerias com o propósito de articular o saber popular ao
saber científico; garantir o processo eletivo de gestores e um projeto que considere
106
a perspectiva da contextualização; garantir o acesso às tecnologias e capacitação
para o uso adequado das mesmas, entre outras, que buscam garantir a melhoria
e a qualidade da educação.
Currículo contextualizado: Este eixo propõe a construção de um currículo que
extrapole conteúdos e metodologias e integre as intenções em torno do projeto de
escola e sociedade que se deseja, pautando-se no desenvolvimento da pesquisa
como produção do saber, na relação entre as comunidades e suas lutas sociais
locais, buscando assim, a construção de novas narrativas e novos documentos
curriculares, nos quais todos que compõem a escola e o sistema de ensino devem
se envolver, dos professores e alunos aos especialistas e representantes da
comunidade. A proposta é a de que o currículo contextualizado deve relacionar a
diversidade de realidades e heterogeneidades dos sujeitos envolvidos,
“contemplando as dimensões de gênero, geração, raça e etnia”; numa perspectiva
“interdisciplinar, transversal e multidimensional, incluindo a diversidade cultural e
o conhecimento universal”, assegurando assim, a função social dos conteúdos,
metodologias e avaliação, num viés democrático que considere as distintas formas
de aprendizagem.
Formação de professores: Propõe, essencialmente, que os currículos que
norteiam as formações dos professores, tanto inicial quanto continuada, devem
contemplar as discussões em torno das especificidades e dos saberes inerentes
ao Semiárido e sua realidade histórica, nas múltiplas dimensões, para que os
docentes possam ter qualificação adequada para ajudar na transformação social
e efetivação da educação para a Convivência com o Semiárido. Devendo-se partir,
assim, de uma formação que leve os educadores a viverem experiências in loco,
priorizando a ação-reflexão-ação, tendo em vista a relação entre as necessidades
locais e globais, bem como, as demandas apresentadas pelos docentes.
Protagonismo Infanto-Juvenil: Tem como defesa assegurar a participação de
crianças e jovens em ações de cidadania que vão além do lócus escolar e que
podem prepará-los para protagonizar a luta a favor de uma sociedade mais
inclusiva. Entre algumas ações postas nas diretrizes, entre outras, destacam-se:
Criação e incentivo à arte, cultura contextualizada, esporte e lazer para crianças, jovens e adolescentes assegurando materiais didáticos, paradidáticos e espaços públicos, a exemplo dos centros de apoio infanto-juvenis, para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Construção e manutenção, pelo poder público, de
107
Centros de Apoio infanto-juvenis, objetivando a intervenção das atividades jovens; Inclusão de jovens em projetos de geração de renda com capacitação e apoio à atuação, potencializando os recursos existentes em sua comunidade (...) (RESAB, 2006, p.17).
Educação, gênero, etnia e raça: Quando os demais eixos discorrem sobre a
necessidade dos processos educativos se pautarem na diversidade,
pluralidade e heterogeneidade que permeia o Semiárido, compreendemos que
este eixo perpassa sobre os demais. No entanto, isso não impossibilitou a
criação desse eixo específico, o qual tem como proposta ampliar e qualificar
tais discussões no contexto Semiárido, articulando os diferentes movimentos,
tais como: indígenas, negros, quilombolas, mulheres e tantos outros que
precisam ser representados na educação para a convivência. As ações a
serem realizadas não constam nas diretrizes, provavelmente, porque se dará
num processo de construção coletiva com os movimentos articulados.
Material didático para o Semiárido: Discorre sobre a necessidade de materiais
contextualizados com o Semiárido, para que os educandos possam se sentir
representados e protagonistas na construção da identidade. Logo, tendo em
vista que estes materiais ainda se apresentam descontextualizados
(produzidos no Sul e Sudeste), uma das ações propostas pelo eixo é a
elaboração desses materiais didáticos e paradidáticos que contemplem os
estados do Semiárido e que sejam apropriados para a zona urbana e rural;
buscando inclusive, incorporá-los às políticas de educação do MEC. Tais
materiais devem contemplar o enfoque crítico, garantindo o saber científico e a
realidade diversa do Semiárido. Como exemplo dessas ações já citamos os
Livros “Conhecendo o Semiárido, volumes I e II”, bem como, “Conhecendo o
Semiárido Piauiense” (material próprio do Piauí). Além de livros, entende-se
como materiais didáticos, vídeos, jogos, revistas, entre outros.
Essas Diretrizes da Educação para a Convivência com o Semiárido foram
aprovadas pelos representantes que estiveram presentes na I CONESA (2006), os
quais firmaram comprometimento com a luta pela efetivação das mesmas, uma vez
que fundamentam as políticas públicas educacionais para o Semiárido Brasileiro
(RESAB, 2006, p.19).
Descolonizar o currículo exige a descolonização de todo um conjunto de ideias
que estão arraigadas nos sujeitos que fazem a educação e na estrutura do próprio
108
sistema. Entre estes fatores, acrescentaríamos o repensar da política de avaliação
que aparece rapidamente no eixo “currículo contextualizado”, porém, sem ser
problematizada e sem apontar possíveis estratégias para se desenvolver uma
“avaliação democrática” e inclusiva.
No segundo capítulo deste trabalho, já discorremos sobre o quanto a avaliação
pode ser um instrumento de dominação e poder. Pontuamos a necessidade de ampliar
também, as reflexões sobre a política de avaliação nacional, a qual por trazer
características de universalidade, fragmentariedade, objetividade, currículo
padronizado, utilizando-se de mecanismos de competitividade e exposição dos
sujeitos, já se distanciam e contradizem as diretrizes nas quais se fundamenta a
Educação Contextualizada, seja ela no Semiárido, ou em qualquer outra região do
Brasil.
A educação oferecida para as populações do Semiárido (...) ainda hoje se propõe a ensinar a ler, mas não ensina a fazer a leitura de mundo, não desenvolve o senso crítico das pessoas, não ensina a pensar; muito menos leva os cidadãos e cidadãs a conhecerem os seus direitos para, assim, transformarem a sua realidade, o mundo em que vivem. Este é um desafio a ser enfrentado (SILVA e SILVA, 2010, p.227-228).
Promover uma Educação Contextualizada que ultrapasse as grades as quais
ainda aprisionam os processos educativos vivenciados nas nossas instituições de
ensino às práticas e aos discursos imperativos do modelo tradicional de ciência e de
escola, demanda, também, uma desconstrução da “cultura da prova” herdada da
escola tradicional, cujas concepções são traduzidas em modos de padronização,
fragmentação, seleção, inquestionabilidade e autoritarismo.
Afinal, como já discutimos no capítulo anterior e conforme reforça Villas-Boas
(1998, p.21): "as práticas avaliativas podem, pois, servir à manutenção ou à
transformação social". Segundo Álvarez Méndez (2002), a avaliação educacional não
é apenas técnica e muito menos neutra. Está, desse modo, diretamente relacionada
à natureza do conhecimento. Portanto, para que haja uma convergência
epistemológica, necessitamos reconhecer e relacionar a avaliação a esta natureza.
Falar, pois, no desenvolvimento de uma Educação Contextualizada nos exige
processos avaliativos que dialoguem com seus princípios.
109
A rigidez do currículo e dos procedimentos avaliativos podem dificultar, retardar
ou até impedir possibilidades de mudanças nas práticas pedagógicas desenvolvidas
nas escolas. E embora se discuta a descolonização dos currículos e das práticas de
ensino como meio de promover mudanças na avaliação, ocorre um movimento
exatamente ao contrário, em que a avaliação nacional tende a nortear o currículo
vivenciado nas instituições. Portanto, de acordo com Perrenoud (1999, p.76) a
“avaliação tradicional é uma amarra importante, que impede ou atrasa todo tipo de
outras mudanças. Soltá-la é, portanto, abrir a porta a outras inovações”.
A avaliação vista restritamente como um produto final, classificatório, constitui-
se como diz Luckesi (2000, p.35) num “instrumento estático e frenador do processo
de crescimento”, o que torna os sujeitos e as instituições estigmatizadas, sobretudo,
no modelo nacional vigente, no qual se divulga publicamente, informações, registros
e índices de desempenhos individuais os quais ficarão em arquivos
permanentemente, se transformando em documentos legalmente definidos.
A supervalorização das avaliações externas, que padronizam e supervalorizam
saberes hegemônicos universais, nesse sentido, contrariam os conteúdos
contextualizados. De modo que as dificuldades na contextualização do currículo
tendem a agravar-se ainda mais, à medida que as secretarias municipais de educação
optam em levar ao extremo, a burocratização do ensino, do trabalho docente e da
avaliação interna, a serviço de tais processos “avaliativos” externos, os quais
terminam por reduzir o “conteúdo programático” do ano letivo, aos conteúdos
necessários ao bom desempenho nestas provas.
Defender um processo educativo e avaliativo que problematizem os conteúdos
a partir dum contexto espacial e temporal, é corroborar com Saviani (2000, p.41), ao
afirmar que o caminho para o conhecimento encontra-se na cultura e na cotidianidade
do educando, de modo que o mais relevante não é aprender ou ensinar um dado
conhecimento, mas sim, concretizá-lo no cotidiano, problematizando, interrogando,
refletindo, respondendo e avaliando, num trabalho em que os indivíduos constroem o
mundo por si mesmos. Enfim, é traçar estratégias educativas que contribuam para o
desvelar da realidade social de opressão.
110
4 O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR - PERCURSO METODOLÓGICO
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc. Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
(Manoel de Barros)
4.1 A autoridade positivista na produção do conhecimento
Não falamos todos do mesmo lugar. Diante dos fenômenos e dos eventos da
realidade que nos cercam, reagimos de modo distinto, a partir das circunstâncias, do
histórico de vida, limitações, desafios e possibilidades.
Temos, pois, em nossas ações, o reflexo das intenções e dos conhecimentos
construídos aos quais tivemos acesso ao longo da existência. E, ter clareza das
particularidades de nossa posição, sobretudo, enquanto sujeitos cognoscíveis, é
indispensável na compreensão dos caminhos e esforços emitidos na construção do
conhecimento, afinal, é como Vanessa da Mata (2002) diz na música Onde Ir: “cada
um sabe dos gostos que tem, suas escolhas, suas curas, seus jardins”.
Nesse sentido, compreendemos a pesquisa como uma atividade investigativa
dotada de possibilidades de produzir e oferecer um “novo” conhecimento, a respeito
de um fenômeno ou área, sistematizando-o e indo além daquilo que já se sabe sobre
estes (LUNA, 1988). E, embora não haja um consenso sobre como o homem conhece,
o conhecimento é um esforço de compreensão não somente da realidade natural e
social, mas também, uma tentativa de compreensão de si mesmo.
Vale ressaltar, que a ciência é uma forma particular de se conhecer o mundo,
caracterizada por padrões de observação, investigação experimental, descrição e
explicação teórica dos fenômenos. Logo, sendo método científico engloba técnicas
sistemáticas, objetivas e exatas. Trazemos, pois, uma breve discussão sobre a
produção do conhecimento científico.
O modelo de racionalidade que determinou a ciência moderna, desde o século
XVI, desenvolveu-se no domínio das ciências naturais e estendeu-se às ciências
111
sociais, por volta do séc. XIX. Desconfiando das experiências imediatas, do
conhecimento vulgar e considerando que tais evidências são ilusórias, a ciência
moderna separou a natureza do ser humano, de modo que aquela passou a ser
considerada como um mecanismo capaz de ser desmontado e relacionado sob a
forma de leis que podem ser controladas e dominadas pelo homem.
O positivismo foi, nesse sentido, o construtor do critério de verdade e
autoridade, no qual, qualquer saber que não se edificasse a partir de seus princípios
não poderia ser legitimado e reconhecido como científico. Assim, Macedo (2000)
enfatiza os pressupostos desse paradigma:
O cultivo à neutralidade, ao distanciamento no processo de conhecer; a busca de regularidades e leis extraídas da realidade; o gosto pelo controle, pela mensuração, pelo pensamento nomoético e monorreferencial, pelo conforto da previsibilidade; a dedicação quase louvação pela lógica algorítmica e por um método objetivista; o fechamento nas certezas construídas pela inflexível objetividade e o culto ao progresso ordenado do saber dito científico (MACEDO, 2000, p.37).
Essas perspectivas constituíram-se como fontes de militarismo, rigor e uma
espécie de fanatismo, em que a ciência (inspirada pela filosofia positivista) caminha
na busca incessante por uma só norma e uma só concepção de mundo, baseadas
nas argumentações objetivas e desvinculadas dos sabores e saberes antropossociais.
Os influxos dessa Revolução Científica desconsideravam qualquer outra forma de
conhecimento que não estivesse pautada nas regras metodológicas e princípios
epistemológicos das ciências naturais. Assim, sob a defesa de neutralidade da
ciência, busca-se estudar “os fatos para conhecê-los e tão somente para conhecê-los,
de modo absolutamente desinteressado. [...] Seu papel é exprimir a realidade, não
julgá-la” (TRIVIÑOS, p.37, 1987).
Esse princípio se traduziu, na ideia de que a realidade pode ser compreendida
sem se considerar o observador, bem como, anulou a perspectiva de que a ciência
poderia estar a serviço dos problemas práticos e das necessidades humanas.
Segundo Edgar Morin (2000, p.199), O homem, portanto, visa conhecer à natureza
para controlá-la e dominá-la.
A formulação do conhecimento é, pois, baseada na ideia de ordem e
estabilidade do mundo, as quais são uma condição prévia de transformação
112
tecnológica do real e, sobretudo, um indício da ascensão da burguesia de origem
europeia.
Essa ciência se ajusta, pois, a uma sociedade moderna que vislumbra o
“progresso produtivo, voltada para a utilidade e para a explicação” (MACEDO, 2000,
p.37). Baseado nestes pressupostos, de acordo com Boaventura de Sousa Santos
(2008, p.26), o conhecimento científico “avança pela observação descomprometida e
livre, sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais”.
O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. Portanto, “conhecer significa
quantificar. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas”
(SANTOS, 2008, p.28), imperando, portanto, as quantidades que podem ser
traduzidas. Isso significa que o positivismo reduz a complexidade, ao considerar que
a mente humana não pode compreender um processo por completo, sendo
necessário, pois, separar, classificar, formular leis perante as regularidades
apresentadas, visando à previsão do comportamento futuro de determinados
fenômenos.
Nesse paradigma, ainda que as diferenças existentes entre as ciências sociais
e as ciências naturais sejam grandiosas, há sempre a possibilidade de estudar as
primeiras do mesmo modo como se estuda estas últimas. Nessa perspectiva, os fatos
sociais são tratados como coisas e para estudá-los, é necessário reduzi-los às suas
dimensões externas, passíveis de observação e mensuração.
Todavia, a não observação de certos fatores implica na simplificação de leis e,
consequentemente, na arbitrária simplificação da realidade, minimizando o horizonte
do conhecimento e fechando as portas para outros muitos saberes que regem o
mundo. Porém, para Santos (2008), a ciência vive um período de transição entre um
modelo de racionalidade quantificável, testável, previsível, para outro paradigma que
se aproxima do senso comum e do local, se enquadrando no imprevisível, na
desordem e no acaso, sem que perca de vista o discurso científico e global.
Segundo Morin (2003, p. 52), o pensamento complexo se apresenta como um
novo paradigma que diz respeito a uma epistemologia geral e não engloba somente a
ciência, mas também, aspectos da sociedade, da ética e da política. Nesse sentido,
argumenta que a complexidade do pensamento aspira a um saber que não é dividido,
parcelado e reducionista, defendendo a extrema relevância em se captar os processos
113
a partir de suas inúmeras interações, multidimensionalidade e solidariedades. “Daí
decorre que o pensamento complexo respeita o concreto, não na antiteoria, mas na
complexidade teórica” (MORIN, 2003, p. 57).
4.2 Pesquisa qualitativa: Ultrapassando os limites positivistas na pesquisa
educacional
Partindo do pressuposto de que o comportamento humano é subjetivo e que
uma mesma ação externalizada pode apresentar sentidos bem diferentes, não é
possível explicar e descrevê-lo a partir de características externas e objetivas, tal
como as ciências da natureza.
Um esforço notável dos positivistas foi a busca por resultados que pudessem
ser generalizáveis, na pesquisa social. Buscavam, assim, uma linguagem comum e
unilateral para toda a ciência, partindo do princípio de unidade entre as ciências
naturais e sociais e investindo em técnicas como tratamentos estatísticos e estudos
experimentais, controlados severamente.
No entanto, a invariabilidade da conduta humana, de seus valores históricos e
culturais, atrelado ao fato de que numa pesquisa social, como nos diz Triviños (1987,
p.38), o investigador e o sujeito investigado participam do processo com os seus
valores, visões de mundo, significados, teorias, entre outros, essas condições não
permitiriam chegar a conclusões acerca da realidade, com o mesmo nível de
objetividade que se apresenta num estudo das ciências da natureza.
As ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam captar pela objetividade do comportamento; as ciências sociais não são objetivas porque o cientista social não pode libertar-se, no ato de observação, dos valores que informam a sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de cientista (SANTOS, 2008, p. 36).
114
Daí, temos a necessidade de um estatuto metodológico próprio para a ciência
da sociedade, já que essa redução em termos quantitativos e estatísticos, quando se
trata das Ciências Sociais, dificilmente seria feita sem distorções bruscas dos fatos.
Desse modo, as pesquisas poderiam até ser desenvolvidas com êxito, no
âmbito da universidade; todavia, fora dela, sem uma reflexão compreensiva acerca
dos dados estatísticos e sem possibilidades de interpretações profundas sobre a
realidade estudada, os pesquisadores se sentiriam “a naufragar”, diante da realidade
escolar nacional, por exemplo. O conhecimento em pesquisa não é algo pronto a ser
apreendido pelo investigador, mas sim, uma produção humana. Logo, não é uma
realidade ordenada a partir de categorias universais. É nessa perspectiva, que se
torna importante uma epistemologia qualitativa:
A Epistemologia Qualitativa enfatiza princípios gerais da produção do conhecimento. Ela defende o caráter construtivo e interpretativo do conhecimento, o que de fato implica em compreender o conhecimento como produção e não como apropriação linear de uma realidade que nos apresenta (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 5).
Essa epistemologia está diretamente ligada aos processos de afirmação e
negação e, portanto, garantem uma continuidade no processo de construção do
conhecimento. Como afirma Macedo (2000, p.72): “todo novo momento do
conhecimento representa uma afirmação, que simultaneamente gera novas
interrogações que estão na base de sua continuidade” e, portanto, nessa
epistemologia, o conhecimento não pode se dá numa lógica regular, ordenada, com
regras únicas e fixas. Logo, um olhar qualitativo convive com a curiosidade,
criatividade, desejo, desordem, esperança, conflito, incertezas e imprevistos, de forma
que o conhecimento nunca está acabado.
No processo de investigação, o pesquisador qualitativo tem, pois, a
preocupação com a hermenêutica, seus estudos baseiam-se na interpretação real do
mundo e das experiências dos sujeitos humanos, já que nas ciências sociais e
humanas o objeto de estudo são as pessoas e suas respectivas atividades, e estas
são “não apenas agentes interpretativos de seus mundos, mas também compartilham
suas interpretações à medida que interagem com outros e refletem sobre suas
experiências no curso de suas atividades cotidianas” (MOREIRA, 2002, p.50).
115
Intencionamos até aqui, esclarecer que a pesquisa qualitativa nas ciências
humanas justifica-se como uma resistência e alternativa frente aos reducionismos
matemáticos e rígidos impostos no conhecimento das realidades antropossociais, já
que as dimensões quantitativas só podem ganhar sentido, quando organizados
interpretativamente na configuração de fatores diversificados. Logo, uma abordagem
qualitativa consiste num conjunto de práticas tanto materiais quanto interpretativas
que dão visibilidade e localizam o observador no mundo:
Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).
4.3 Trajetória, abordagem e procedimentos da pesquisa
- Não temos outro dicionário, Pai? Esse é uma porcaria! Diz que mundo vem do latim mundus. - E daí? - O que interessa saber não é de onde vem, mas para onde vai! (Mafalda, Quino)
Definir rotas e caminhos a serem seguidos não nos foi uma ação tranquila e
tampouco reconfortante. O desconforto surgiu desde uma angústia e inquietação
excessiva em torno de fatores que nos incomodava enquanto docente e que jamais
daríamos conta de investigar a partir de um único problema e, sobretudo, numa única
dissertação. Logo, a partir de leituras, rabiscos, reformulações e recortes, chegamos
a uma inquietação que nos mostrou ser prioritária e correspondente aos nossos
conflitos.
Assim, com a finalidade de proporcionar à nossa pesquisa, uma qualidade que
congregasse o desafio de responder “Quais são os desafios no desenvolvimento da
Educação Contextualizada, nas Escolas da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro
BA, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas, na versão da Prova
Brasil?”, fizemos a escolha pela abordagem de cunho qualitativo com alguns
elementos de natureza fenomenológica, tendo em vista que a partir dessa perspectiva,
116
o pesquisador tem como ponto de partida um problema que lhe faça sentido, que
deseje compreender e cuja origem se dá no desconforto da experiência vivida.
4.3.1 A TRILHA FENOMENOLÓGICA – ELEMENTOS CONTRIBUINTES
Para a fenomenologia, a realidade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. Não havendo uma só realidade, mas tantas quantas forem suas interpretações e comunicações, a realidade é perspectival (MACEDO, 2000, p. 47).
Embora a fenomenologia considere que a verdade não seja fixa e acabada,
mas sim, perspectival, é válido enfatizar que esta percepção não se dá num vazio. O
pesquisar fenomenológico é um “ir às coisas mesmas”, abrindo-se ao fenômeno, o
qual de acordo com Bello (2006, p.17) significa “aquilo que se mostra” e buscando
compreendê-lo da forma mais autenticamente possível, sem utilizar-se de conceitos
prévios, os quais podem limitar e direcionar o que deve ser percebido. As experiências
já vividas pelo pesquisador devem ser suspensas e somente retomadas a posteriori.
Compreendemos, pois, por fenomenologia o que diz Rezende (1990, p. 29): “a
fenomenologia não é um discurso em evidência, mas da verdade em todas as suas
manifestações”. De modo que, enquanto pesquisadores, temos a necessidade de
“suspensão” de nossas crenças e teorias, deixando temporariamente os
conhecimentos a priori, os preconceitos e hipóteses. A fenomenologia é, pois, uma
“reflexão sobre um fenômeno ou sobre aquilo que se mostra” (BELLO, 2006, p. 18).
Ou seja, é preciso deixar suspenso o conhecimento das coisas do mundo
exterior, visando à concentração exclusiva no fenômeno em foco, para que ele possa
se mostrar tal como se apresenta nas experiências vividas, sem que tenhamos
interpretações e conclusões apressadas. Justifica-se assim, o exercício da “redução
fenomenológica”, na qual aproximando-se do fenômeno investigado, a partir de um
processo de inclusão e exclusão de conteúdos, pode-se objetivar aquilo que se
pretende conhecer a respeito (MACEDO, 2000).
É como afirma Macedo (2000, p. 44), estudando a realidade “o pesquisador,
inspirado na fenomenologia, procura ir às coisas, analisar contextual e
interpretativamente, recomendação clássica dos etnopesquisadores de ir a campo
para compreender de forma situada”. Nesse sentido, não se pode partir da percepção
117
imediata que o investigador tem a respeito do fenômeno, uma vez que a descoberta
de sua essência só é possível na interpretação das aparências observadas na
coletada dos dados (GAMBOA, 2008).
Portanto, foi na interação com os sujeitos envolvidos nesta pesquisa que
buscamos compreender e nos pusemos a descrever a experiência vivida,
interpretando-a.
4.3.2 O FENÔMENO INVESTIGADO E AS CONTRIBUIÇÕES DE ELEMENTOS DA
ETNOGRAFIA
Partindo do esclarecimento de que esta perspectiva de investigação diverge da
atitude positivista que parte da explicação, afirmação e generalização, diante da
realidade estudada, nós percorremos um caminho contrário. O nosso pesquisar foi
direcionado com a preocupação de interrogar os sujeitos envolvidos nesse estudo,
como uma possibilidade de dar-lhes voz para expressarem as sensações e as
experiências vividas durante os anos de realização da Prova Brasil.
Assim, a descrição dessas vozes se constituiu para nós, como textos que
expressam e revelam os significados atribuídos às experiências vivenciadas.
Buscamos durante esse processo uma constante relação dialógica com os sujeitos
pesquisados, o que possibilitou o desvelar de elementos ocultos e significados para a
compreensão do fenômeno. Afinal, para um fenomenólogo,
Sua interrogação é a atitude básica, dirigida às pessoas e suas relações comunicadas, seu instrumento é a disposição para interpretar antes de tudo. Emerge desta disposição, deste labor, o recurso da hermenêutica. E, nesta modalidade, a interrogação é: qual o significado destas ações e expressões? (MACEDO, 2000, p. 49 apud FINI, 1994).
Os nossos procedimentos de estudo contemplaram, também, uma perspectiva
etnográfica, sobretudo, porque as características da etnografia, de acordo com André
(apud MATOS et al, 2002, p.50) são:
O uso da observação participante, da entrevista intensiva e da análise de documentos; a interação entre pesquisador e objeto pesquisado; a flexibilidade para modificar os rumos da pesquisa; a ênfase no processo, e não nos resultados finais; a visão dos sujeitos pesquisados sobre as suas experiências; a não intervenção do pesquisador; a coleta dos dados descritivos, transcritos literalmente para a utilização no relatório [...].
118
A princípio, tivemos receio de assumir contribuições dessa natureza, afinal, o
fato de estar implicada no campo de investigação atrelado à nossa inserção na Rede
Municipal de Ensino de Juazeiro, enquanto professora que leciona em turmas que
vivenciam a avaliação padronizada a qual investigamos, nos fez sentir insegurança,
tendo em vista que, nas pesquisas qualitativas, o envolvimento subjetivo pode colocar
o conhecimento produzido e sua objetividade em risco.
Todavia, ao ter contato com a sensibilidade do texto de Álamo Pimentel (2009,
p.127), nos deparamos com uma situação que até então, havíamos deixado
adormecer e cuja leitura nos oportunizou despertar para a nossa dupla condição: A
condição de pesquisadora e de educadora. Contemplando assim, a afirmativa do
autor, ao dizer que a perspectiva metodológica etnográfica aplicada à educação
“antecede às formalidades constitutivas dos procedimentos de pesquisa, quando o
lugar do pesquisador é também o lugar do educador”. Álamo Pimentel complementa
seu pensamento, afirmando que “uma das condições fundamentais para o trabalho da
etnografia é a intensidade e extensividade da participação do pesquisador no seu
campo de investigação” (PIMENTEL, 2009 p.130).
Logo, nossa inserção como docente da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro,
desde 2012, possibilitou que estivéssemos participando constantemente das jornadas
pedagógicas, das formações continuadas promovidas pela Secretaria de Educação
(SEDUC), das reuniões, dos planejamentos e de outras tantas demandas surgidas em
relação ao exercício da profissão, neste município. Esta condição de implicada,
permitiu-nos uma maior aproximação do fenômeno a ser estudado.
Logo, a escolha por procedimentos de pesquisa baseados na etnografia,
tornou-se absolutamente legítimo, sobretudo, porque os espaços e o tempo de
vivência com o universo investigado nos autorizaram a esta opção, de modo que a
experiência vivenciada em campo possibilitou a autenticação dos conceitos e dos
métodos de trabalho. No entanto, tivemos sempre a clareza da necessidade de não
perdermos de vista, o estranhamento e o distanciamento com o fenômeno observado.
Como é possível refletir na assertiva: “tal condição exige certa maturidade do
pesquisador para assumir uma dupla posição: ser implicado para ver, ouvir e analisar
o fenômeno em sua profundidade; ao mesmo tempo distanciar-se para não perder a
objetividade dos fatos” (VIEIRA, 2009, p.24-25).
119
Acreditamos que a compreensão em torno dos desafios da contextualização,
no cenário das avaliações padronizadas, exigiu de nós a descrição deste cenário e
seu fenômeno. A partir desse processo, os detalhes foram se revelando, saindo do
oculto e na medida em que observávamos, dialogávamos com as diversas vozes dos
sujeitos envolvidos que se tornaram autores na tessitura desta pesquisa.
4.4 Procedimentos metodológicos para construção de “dados”
4.4.1 INSTRUMENTOS
Para nos auxiliar na construção desta pesquisa, recorremos a alguns
procedimentos metodológicos para levantamento de dados, entre os quais
destacamos:
Estudo bibliográfico:
Realizamos uma revisão da literatura acerca das teorias essenciais que nortearam
este trabalho, buscando descobrir o que já havia sido produzido, cientificamente, no
que se refere às discussões voltadas para as avaliações padronizadas,
especificamente, no que refere à Prova Brasil, (buscando encontrar os fatores
explícitos e os ocultos, no que se refere à existência deste exame), bem como, à
Educação Contextualizada. Esse tipo de pesquisa, conforme Gil (2008), é
desenvolvido a partir de material já elaborado por outros pesquisadores e, como nos
diz Bocatto (2006, p. 266), trouxe subsídios para conhecermos o enfoque e as
perspectivas pelas quais “o assunto” já havia sido tratado na literatura científica.
Nesse sentido, o estudo bibliográfico permeou todo o processo deste estudo, desde a
coleta às análises dos dados.
Portanto, utilizamos livros, artigo científicos, dissertações de mestrado e teses de
doutorado, cujas fontes foram todas citadas no corpo deste trabalho.
Análise documental:
Para complementar as informações obtidas a partir de outras técnicas, bem como,
desvelar novos elementos (LUDKE; ANDRÉ, 1986), nos debruçamos sobre algumas
fontes documentais. Dentre as quais encontram-se: A Matriz que referencia a
120
elaboração da Prova Brasil destinada aos alunos do 5º ano, e a Matriz Curricular que
orienta o trabalho desenvolvido nas turmas de 5º ano, no município de Juazeiro.
Esta necessidade surgiu ao longo das entrevistas realizadas com os professores,
os quais apontavam o conflito entre a matriz curricular das avaliações padronizadas e
a proposta da rede municipal de ensino. Logo, como de acordo com Le Goff (1996),
todo documento é um produto da sociedade e, como tal, não são produções ingênuas,
traduzindo assim, o jogo de força, as leituras e interpretação daquilo que é vivido por
determinados grupos que detêm o poder num momento espacial temporal. Assim,
buscamos analisar quais os distanciamentos ou aproximações existentes entre a
seleção de conteúdos e descritores presentes em ambas as matrizes. Analisamos
ainda, o Plano de desenvolvimento da Educação e suas metas referidas ao Ideb, bem
como, o Caderno da Prova Brasil (2013) o qual traz sua justificativa, importância, seus
objetivos, metodologia e escala de proficiência.
Analisamos, também, as Diretrizes da Educação Contextualizada para a
Convivência com o Semiárido Brasileiro (DECCS), buscando compreender os pilares
conceituais e políticos que norteiam a Educação Contextualizada, bem como, as
Diretrizes Político-Pedagógicas da Educação Contextualizada na perspectiva da
Convivência com o Semiárido Brasileiro (DPP/SEDUC) de Juazeiro Bahia (ainda não
publicado).
Buscamos também, dados oficiais disponíveis nos documentos publicados no
site no site do INEP e do MEC, bem como, informações disponibilizadas pela
Secretaria Municipal de Educação de Juazeiro, tendo em vista a obtenção de
informações em torno das estatísticas e dos níveis de desempenho nas avaliações,
bem como, o fluxo escolar e o Ideb do município, os quais foram organizados em
quadros, distribuídos ao longo do texto.
Paralelo a este processo, nos inserimos no campo de pesquisa, de forma que a
construção dos dados empíricos se desenvolveu no contato direto com o trabalho de
campo. Nesse sentido, utilizamos para a coleta de dados, o uso da observação
participante (das formações continuadas), diário de campo (registros) e entrevistas
semi-estruturadas (com os sujeitos investigados).
121
Observação Participante (OP):
Partimos da afirmativa de Macedo (2000, p. 151), compreendendo que a
experiência direta é “sem dúvida, o melhor teste de verificação da ocorrência de um
determinando fenômeno”. Logo, a nossa condição de professora da rede de ensino
de Juazeiro Bahia, lócus desta pesquisa, naturalmente, nos assegurou o
desenvolvimento da observação participante completa (OPC), enquanto
pertencimento original, na qual segundo Macedo (2000, p.157) “o pesquisador emerge
dos próprios quadros das instituições e dos segmentos da comunidade, recebendo
destes, a autorização para realizar estudos em que a realidade comum é o objeto de
pesquisa”.
Nesse sentido, naturalmente, foi possível vivenciarmos as 09 formações
continuadas direcionadas aos docentes do 5º ano, ocorridas entre os meses de março
e novembro, no ano de 2015. Nosso propósito foi o de identificar qual o enfoque das
formações desenvolvidas em anos de avaliação padronizada. Portanto, sempre
acompanhada do diário de campo, registramos e descrevemos os processos
vivenciados em cada uma delas, para somente então, buscar interpretar e identificar
se apresentavam um enfoque baseado na contextualização do ensino, ou se o
enfoque era restrito às demandas da Prova Brasil. Nesse processo de observação,
cada gesto, troca de olhares, sussurros, tom de voz, inquietações e silêncios foram se
fazendo muito significativos, ajudando-nos a revelar e dar sentido ao que se colocava
diante de nós.
Na condição de implicada, foi preciso estabelecermos um envolvimento junto aos
agentes e à situação de pesquisa, percebendo a realidade de forma mais complexa,
com maior possibilidade de captação dos conflitos existentes. No entanto, nunca
perdemos de vista o distanciamento necessário destes cotidianos, no que se refere à
perspectiva epistemológica analítica, para que fosse possível conhecer seus
interstícios.
Entrevistas Semi-estruturadas:
Foram realizadas junto ao Secretário de Educação do Município de Juazeiro e aos
10 (dez) docentes que integram o grupo investigado. Sendo a entrevista, de acordo
com Ribeiro (2008, p. 141) uma técnica relevante quando o pesquisador se propõe à
obtenção de informações as quais possibilitam o conhecimento de atitudes,
122
“sentimentos e valores subjacentes ao comportamento, o que significa que se pode ir
além das descrições das ações, incorporando novas fontes para a interpretação dos
resultados pelos próprios entrevistadores”; a partir desta técnica, foi possível
mergulharmos com maior profundidade, na coleta de informações tendo em vista
descrever mais consistentemente, o modo como cada um dos sujeitos, a partir do
lugar que ocupam, percebem e significam o cenário das avaliações padronizadas,
bem como, os desafios na contextualização do ensino.
Fizemos, pois, o uso da entrevista semi-estruturada, a qual é norteada por um
roteiro de questões a partir de uma problemática, que possibilita uma flexibilidade na
organização e, à medida que as informações são fornecidas pelos respondentes, é
permitida a ampliação dos questionamentos. Para Minayo (2005), esse tipo de
entrevista combina perguntas tanto abertas quanto fechadas, onde o entrevistado
pode discorrer sobre a temática em foco, sem ficar preso à interrogação proposta. O
que nos exigiu, sobretudo, cuidado e atenção para que nossos respondentes não
fugissem e se distanciassem do tema.
O roteiro foi organizado, antecipadamente, considerando o problema e os objetivos
desta pesquisa, buscando, sobretudo, nas falas dos entrevistados, as impressões e
sensações expressas em relação ao contexto escolar vivenciado em anos de Prova
Brasil e as possibilidades de contextualização. As entrevistas foram agendadas, de
acordo com a disponibilidade e escolha de cada entrevistado.
Assim, uma entrevista foi realizada em dupla e todas as outras foram realizadas,
individualmente. No que se refere ao ambiente, três entrevistas aconteceram no
mesmo local em que ocorriam as formações continuadas; três nas escolas em que
cada docente trabalhava e quatro nas residências dos respectivos professores. As
entrevistas realizadas nas residências dos professores foram as que contribuíram com
a profundidade de detalhes mais ocultos em relação a algumas questões vividas nas
escolas. Julgamos que isso deve-se ao fato de que os entrevistados tinham ali, a
certeza de que estavam à vontade e de que ninguém estaria a ouvir seus
depoimentos.
A entrevista com o Secretário de Educação do Município ocorreu no seu
gabinete.
Como instrumentos de registro, utilizamos:
123
Diário de Campo:
O diário de campo, ao longo deste percurso, foi o nosso companheiro inseparável,
tendo em vista que é um importante instrumento de registro e descrição minuciosas e
densa das experiências vivenciadas in lócus, assim como, um modo de reafirmar o
nosso papel de “ator/autor”, em que à medida que refletíamos e escrevíamos as
narrativas cotidianas, estávamos também, num processo auto-formativo. Para
Macedo (2000, p.195):
ao narrar despojada e minuciosamente seu vivido de pesquisador, o sujeito se performa também, daí a pertinência formativa do diário de campo, que aliás, em alguns centros formadores, toma feições que transcendem a pesquisa, transforma-se num instrumento generalizado de auto-formação.
Logo, o diário de campo nos acompanhou durante as observações das
formações continuadas, durante as entrevistas e conversas realizadas com os sujeitos
que ajudaram a construir este estudo. Foi um dos instrumentos que,
independentemente da ocasião, se fez presente na nossa bolsa, buscando garantir o
registro de detalhes, comentários ou qualquer outro dado que pudesse ocorrer,
também, em momentos informais.
Câmera fotográfica e gravador de áudio:
Utilizamos a máquina fotográfica durante as observações vivenciadas nas
formações continuadas e o gravador de áudio, durante das entrevistas realizados com
o grupo investigado. Nesta última, foi possível captarmos elementos como entonação
de voz, mudança de humor, pausas reflexivas, entre outras situações que nos
ajudaram a rememorar o que foi dito e como foi dito, nos auxiliando na compreensão
das informações dadas pelos entrevistados.
Rojas (1999) reforça esta ideia, ao indicar que o uso do gravador pode
preservar a originalidade dos dados coletados, uma vez que registra distintos
elementos manifestados na fala e que, não seriam possíveis de serem captados
apenas no registro escrito das informações dadas, justificando, pois, nossa escolha
em ter tais instrumentos como aliados, no decorrer da pesquisa.
É válido pontuar, que entre o Secretário de Educação e os 10 (dez) professores
entrevistados, apenas 03 docentes não tiveram suas entrevistas gravadas. Todas as
demais tiveram o consentimento dos envolvidos. As entrevistas não gravadas foram
cuidadosamente registradas e sistematizadas no diário de campo.
124
4.4.2 SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA
Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto,
às pontas dos dedos um objeto – é para lá que eu vou.
Clarice Lispector (1980, p.95)
Emprestaram-nos suas falas, 10 professores. A escolha foi baseada a partir do
próprio interesse e disponibilidade que esses sujeitos demonstraram pela pesquisa
em desenvolvimento. Durante os intervalos das formações continuadas, fomos
estabelecendo algumas conversas, expondo a alguns docentes as etapas da pesquisa
que estávamos desenvolvendo, bem como, seus objetivos. Nesse sentido, instigados
pelo problema que norteou este estudo, tivemos a adesão desse quantitativo de
professores.
É válido destacar que este grupo apresenta grande diversidade, pois integra
professores que estão na rede municipal de ensino lecionando em turmas de 5º ano,
há 15 anos, bem como, professores novados na rede de ensino, outros, pela primeira
vez, estavam com turmas de 5º ano, professores que atuam no centro da cidade,
outros na periferia, ou seja, sujeitos que vivem e trabalham em contextos escolares
distintos, cujas narrativas a partir dessa diversidade, trouxeram maior riqueza de
possibilidades de aproximação com a realidade e detalhes vividos por todos eles, no
que se refere às avaliações padronizadas e os desafios da contextualização, tendo
em vista esses contextos variados que constituem o município de Juazeiro Bahia.
Quadro 7 Perfil dos professores entrevistados
125
Fonte: entrevistas individuais com os professores que participaram da pesquisa.
Além dos professores, o Secretário de Educação do Município integra o nosso
grupo de sujeitos participantes da pesquisa. É importante pontuar aqui, que cada uma
das falas ecoa a partir do lugar de onde se fala, da posição que se ocupa. O que nos
levou a perceber aproximações e, às vezes, distanciamento entre as falas originárias
de posições diferenciadas.
Vale destacar, que além das contribuições dos professores entrevistados,
durante o nosso processo de observação das formações, as falas e questionamentos
de alguns professores ganharam espaço e significado, e, embora tais profissionais
não fizessem parte do nosso grupo entrevistado, trouxemos algumas dessas vozes
que nos ajudaram a pensar e compreender o objeto estudado.
Além disso, trouxemos, também, contribuições nascidas a partir de conversas
informais com amigos professores, os quais sendo pessoas do meu convívio, durante
muitos momentos se sentiam à vontade para desabafar e expressarem suas
impressões e concepções referentes ao fenômeno investigado. Sendo assim,
elaboramos siglas para diferenciarmos as referências feitas a cada um dos sujeitos
contribuintes, conforme o quadro abaixo:
Quadro 8 Siglas de representação das falas dos sujeitos investigados
Quadro construído pela autora.
126
4.5 Procedimentos de análise
Não nos é alheio que conforme afirma Macedo (2000, p.202): “a análise é um
movimento incessante do início ao fim”. Logo, a fase em que procedemos com a coleta
das informações não impediu o tratamento dos dados obtidos.
Todavia, ao finalizarmos a coleta de dados e aproximando-se o tempo
estabelecido para a conclusão desta pesquisa, a construção analítica se tornou
demasiadamente mais intensa, acelerando e dando corpo ao conhecimento
produzido, cujo final ainda está inconcluso. Portanto, nesta etapa, partirmos da
redução fenomenológica.
Aqui se determina e se seleciona as partes da descrição que são consideradas “essenciais”, e aquelas que, no momento, não sejam avaliadas como significativas. (...). Consiste em refletir sobre as partes da experiência que nos parece possuir significados cognitivos, afetivos e conotativos, e, sistematicamente, imaginar cada parte como estando presente ou não na experiência. Neste processo de filtragem contextualizada e encarnada, o pesquisador se capacita em reduzir a descrição para chegar à consciência da experiência (MACEDO, 2000, p.203).
Esse foi um dos momentos mais empolgantes e exaustivos. Uma constante ida
e vinda aos objetivos aos dados, às descrições, buscando garantir o alcance das
metas propostas. Tendo em vista o esforço que empregamos para entender e
explicitarmos o fenômeno estudado, após iniciarmos a interpretação dos dados
primários, optamos pelo pluralismo metodológico, o qual é uma perspectiva que nos
permite ver a realidade investigada a partir de diferentes ângulos e abordagens.
E a triangulação, sem dúvida, é uma dessas perspectivas no âmbito
metodológico, já que ao se obter dados de fontes distintas e analisá-los a partir de
estratégias diversificadas, ver o objeto e iluminá-lo sob diversas possibilidades e
ângulos, a probabilidade de nos aproximarmos da validade dos resultados é maior.
Assim, de acordo com Minayo (2010), o procedimento de triangulação está presente
no processo de análise, a partir da articulação de três aspectos, no nosso caso,
destacamos: as narrativas dos sujeitos participantes da pesquisa; os dados coletados
durante a observação participante e o diálogo com os teóricos que discutem a temática
em foco, o que nos assegurou uma compreensão mais aprofundada acerca do
fenômeno.
127
Nos baseamos, pois, em elementos da análise do conteúdo proposta por Bardin
(2009), que enquanto método utiliza procedimentos objetivos e sistemáticos de
descrição do conteúdo de mensagens, tornando-se, pois, um conjunto de técnicas de
análise das comunicações. Ou seja, refere-se ao tratamento das informações
presentes nas mensagens.
Sendo assim, partimos de uma primeira leitura, uma pré-análise das
observações e entrevistas, sistematizando as ideias iniciais, num primeiro contato com
o texto, buscando elementos recorrentes nos dados coletados e delimitando o que
seria de fato analisado, a partir dos objetivos norteadores da pesquisa. Num segundo
momento, realizamos uma nova leitura, com o objetivo de confirmar os elementos
identificados a priori, partindo, então, para a codificação, na qual segundo a autora,
consiste na exploração do material e transformação dos dados brutos do texto, a partir
da agregação, enumeração e recortes significativos que possibilitaram uma
representação do conteúdo expresso e que nos levaram à categorização, a partir das
frequências confirmadas. A categorização, segundo Bardin (2009, p.117), diz respeito
à:
[...] classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos, sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos.
Sendo assim, estabelecemos categorias que pudessem agrupar o material
coletado, a partir de uma rede de relações entre si. As categorias construídas foram:
Implicações das avaliações padronizadas (Prova Brasil), na formação continuada de
professores; Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas
da Prova Brasil e o que sentem os docentes e o que dizem sobre as possibilidades de
contextualização em anos de avaliação padronizada. Estas foram subdivididas em
tópicos, aprofundadas nos capítulos seguintes.
A partir de então, intensificamos a fase de interpretação, inferências e tessitura
do texto, cuja prioridade foi o detalhamento, a descrição, para que a partir dela,
pudessem ser reveladas as descobertas e, então, chegássemos às conclusões (não)
finais.
128
5 INICIANDO APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Buscando atender ao que estabelecemos nos objetivos desta pesquisa e
descrevermos os dados de modo que se tornem claros ao leitor, optamos por dividir
as observações e as escutas em seções, embora isso não signifique que tais
momentos e vivências se deram de forma desintegrada e isolada. Muito pelo contrário,
em muitos momentos, as observações realizadas nos levaram às escutas dos sujeitos
participantes deste estudo e vice-versa.
O tópico a seguir teve como objetivo identificar se as formações continuadas
dos professores do 5º ano, no município de Juazeiro Bahia, apresentam um enfoque
baseado na contextualização do ensino ou se atendem, apenas, às demandas da
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar. Para tanto, descrevemos as prioridades
postas nas pautas formativas em anos em que há a edição da Prova Brasil e em anos
em que não há a realização desta.
Nesse sentido, fazemos uma descrição de todas as formações continuadas
observadas durante o período de investigação desta pesquisa, de modo que o cenário
das avaliações padronizadas e as estratégias utilizadas na Rede Municipal de Ensino,
tendo em vista a realização da Prova Brasil, vai se revelando a partir das próprias
orientações e experiências vivenciadas ao longo das formações.
5.1 A transição entre o ano letivo de 2014 a 2015
Na introdução deste trabalho situamos, brevemente, os cenários22 vivenciados
na rede municipal de ensino de Juazeiro, nos anos de 2013, 2014 e 2015. E, nesse
sentido, já pontuamos que em 2014, ano em que não aconteceu a Prova Brasil, o
cenário que se construiu foi a de uma tentativa de fomentar e ampliar a discussão e o
experimento com materiais didáticos23 contextualizados com o Semiárido Brasileiro.
Para tanto, as formações continuadas oferecidas na rede municipal de ensino
contemplaram sempre as discussões em torno das especificidades e dos saberes
22 A partir da página 22. 23 Neste caso, já esclarecemos que no ano de 2014, o município de Juazeiro adotou os Livros Conhecendo o Semiárido I e II, bem como, as escolas tiveram acesso a outros tantos materiais produzidos pelo IRPAA.
129
inerentes ao Semiárido e sua realidade histórica, assim como, o estudo e estratégias
de trabalho com os Livros produzidos pela RESAB, direcionados aos alunos do 4º e
5º anos.
Durante este processo, a Secretaria de Educação Municipal de Juazeiro/BA
(SEDUC) contou com a parceria constante do IRPAA24 e da RESAB. Construindo,
também, as Diretrizes Político-Pedagógicas (DPP/SEDUC) do município de
Juazeiro/BA, as quais foram fundamentadas na proposta de Educação
Contextualizada para a Convivência com o Semiárido e que a partir dos eixos: I-
Gestão Educacional, II- Formação Continuada, III- Currículo Contextualizado e IV-
Material Didático contextualizado, tinha-se a perspectiva de serem a base do trabalho
a ser desenvolvido por toda a comunidade escolar municipal.
No entanto, essas diretrizes não chegaram a ser socializadas com os,
aproximadamente, 2.000 (dois mil) profissionais do magistério, entre professores
gestores e outros, que atendem nosso sistema de ensino. Além disso, até o mês de
junho do ano de 2016, as diretrizes não foram publicadas. Ainda no ano de 2014,
analisamos este documento e verificamos que embora não contemple um grupo
temático específico que promova o debate acerca da avaliação, esta é contemplada
no grupo temático referente à Gestão Educacional, no qual se estabelece como uma
das ações: “Implantar um Sistema de Avaliação e Monitoramento pautado nos
princípios da Educação Contextualizada” (SEDUC, s.d, p.80).
Todavia, o referido documento não prevê os procedimentos e/ou mecanismos
que tornarão concreto esse sistema de “avaliação contextualizada”. E, além da falta
de clareza em relação à proposta de avaliação, as observações feitas durante os
encontros de formação continuada em 2014, nos mostraram que não houve uma
ênfase referente a tal discussão.
Paralelo à efervescência dessas discussões em torno do fazer pedagógico
contextualizado, já durante o mês de setembro, observamos também, a ansiedade e
a movimentação da gestão educacional do município, das escolas e dos professores,
na expectativa da divulgação dos resultados do IDEB, referentes ao ano de 2013, ano
de edição da Prova Brasil. E eis, que durante os últimos meses que precediam o fim
24 Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada
130
do ano letivo, a discussão em torno da contextualização começa a perder espaço para
os comentários, comparações, comemorações de uns e lamentações de outros,
diante do índice obtido pelo município e suas respectivas instituições de ensino.
Este cenário coincide com a fase exploratória desta pesquisa, na qual
buscávamos através de leituras e observações, uma maior familiaridade, para que
pudéssemos melhor compreender a dinâmica deste fenômeno, objeto de estudo no
presente trabalho. Conforme já nos referimos anteriormente, o processo de
observação contou com a facilidade de sermos parte integrante desta rede de ensino.
E, até certo ponto, um dos atores/atrizes estudadas nesse processo de pesquisa. Esta
implicação com o objeto de estudo nos possibilitou acompanharmos a dinâmica desse
processo de implantação de uma proposta de Educação Contextualizada no Sistema
Municipal de Ensino de Juazeiro-BA. Permitiu-nos ver, ouvir e sentir as tentativas, os
avanços e os recuos da citada proposta.
Vale destacar, que entre os muitos reveses na implementação da proposta de
Educação Contextualizada, algumas ações chamaram a nossa atenção. Entre elas, a
divulgação dos índices de desenvolvimento da educação básica, em que alguns
professores, coordenadores e escolas as quais alcançaram um resultado considerado
positivo no desempenho da última edição da Prova Brasil, utilizaram as redes sociais
para divulgarem seus resultados, como uma forma de prestarem contas e dizerem
“nós alcançamos a meta”, ensino de qualidade “a gente vê por aqui”.
Nesse mesmo processo, uma lista com os nomes de todas as escolas e seus
respectivos Ideb, começou a circular, o que fomentou ainda mais as lamentações dos
sujeitos cujas instituições não se encontravam na lista das “boas escolas” (leia-se:
com um bom Ideb).
131
Figura 2 Figura 3
Fonte: (Facebook, 09/09/2014). Fonte: (Facebook, 05/09/2014).
A materialização visual dos resultados, através da publicização, pressiona e
leva a comunidade escolar e a sociedade, a exigirem sempre as melhores
classificações possíveis, ainda que não haja por parte dos agentes externos à escola,
uma compreensão clara acerca de quais competências são exigidas do aluno e qual
matriz curricular orienta estes exames. Além disso, conseguir garantir uma boa
classificação implica, também, em adquirir o reconhecimento e o respeito não só dos
grupos gestores, mas de toda uma sociedade que considera como coerente, a
“verdade” expressa nos números.
O que leva em alguns casos, inclusive, a enfatizarem e atribuírem o “bom”
resultado de uma turma, ao esforço próprio e dedicação de sujeitos específicos, e não
de uma coletividade que compõe o sistema de ensino (figura 1), deixando
subentendido, que o não alcance da meta pode estar diretamente ligado à falta “de
esforço, dedicação e estudo” de determinados sujeitos considerados como
“responsáveis” pela má “qualidade” do ensino, que ora pode ser o professor, ora o
gestor, o coordenador ou o aluno.
Tendo, pois, sido divulgados os resultados da Prova Brasil e alguns inícios de
sua repercussão, o ano letivo de 2014, finalizou com a realização de algumas mostras
de trabalhos desenvolvidos por algumas instituições de ensino, a partir da proposta
de contextualização para a convivência com o Semiárido. Todavia, não houve mais
132
nenhuma reunião com os representantes da SEDUC ou formação continuada, para
discutirem os possíveis rumos, continuidades ou desvios que seriam realizados no
ano seguinte. Fato este que levou muitas escolas, antes das férias, a adiantarem o
planejamento pedagógico do ano de 2015, baseando-se na proposta de Educação
Contextualizada para a Convivência com o Semiárido. E assim, o ano letivo concluiu-
se.
Embora as escolas tenham entrado em recesso e a Secretaria de Educação se
volte para o seu planejamento interno, a repercussão dos acontecimentos vivenciados
durante o ano letivo, em muitas situações, sempre embala os assuntos e esquenta o
debate entre os professores, mesmo em situações de informalidade. Estas se repetem
de diversos modos, principalmente, nas confraternizações realizadas para comemorar
o curto intervalo de “descanso”. Em dezembro de 2014, por exemplo, durante uma
comemoração entre amigos professores, numa conversa informal, entrou em pauta a
“Prova Brasil/Ideb”, tema que ganhou força e voz, abafando e emudecendo o som que
animava aquele encontro. O fato é que um dos meus amigos e professor que
trabalhava numa escola situada na zona rural de Juazeiro, desabafou:
A minha diretora está lá revoltada. Soltando fogo pelas “ventas”, porque a escola não ficou com o Ideb alto. Ela quer que a gente faça mais o quê? Porque aula boa a gente tá dando, não é pra contextualizar? Até me embrenhar no mato, eu me embrenhei este ano, pra conhecer o lugar que os meninos moram e poder discutir mais com eles. Vocês viram as fotos, né? Depois, discutimos e fizemos várias produções sobre aquela experiência e fizemos uma exposição na escola, que ela no dia, ficou toda orgulhosa. E agora, por causa do Ideb quer dar a entender que a gente não tá fazendo o trabalho bem feito? Tenha santa paciência, com essa contradição (A1, 2014).
Complementando a discussão, outra professora que fazia parte da conversa
relatou que a gestora da escola em que trabalha (localizada na sede), assim que teve
acesso ao índice da instituição, ficou bem frustrada porque não estava entre as
primeiras, com as maiores notas. À medida em que fazia esta declaração, a professora
confessava que no presente ano (2014) havia desenvolvido um trabalho bastante
significativo com as crianças, a partir das discussões em torno da Educação
Contextualizada. Mas, apesar de gostar de trabalhar com turmas do 5º ano, já estava
decidida a pedir para mudar, pois, preferia trabalhar de modo mais tranquilo,
preocupando-se com o aprendizado das crianças, e não com a tensão causada em
133
torno da Prova Brasil, que atinge bastante as turmas do 5º ano e a qual ela já havia
vivenciado no ano de 2013.
Analisando estas questões, observamos uma exploração de aspectos
competitivos em relação aos resultados. Competição esta de essência meritocrática,
que tornou-se um dos motivos de estresse no sistema educacional, inclusive, no
município lócus desta pesquisa. Embora se perceba que determinadas experiências
realizadas fora da escola e trazidas para dentro dela são significativas para os
educandos, e promovem possibilidades de aprendizagem pertinentes, pautadas no
reconhecimento do lugar em que vivem, se os números do Ideb não corresponderem
às expectativas impostas pelo MEC/Inep, todo o trabalho realizado tende a ser visto
como vão, sem relevância social, como é possível perceber no desabafo de “A1”.
Até mesmo porque, como nos afirmam SOUSA (1994 apud CATANI E
GALLEGO, 2009, p.62), as comparações entre as escolas por meio do desempenho
dos alunos tendem a aumentar, também, a discriminação, pois “além dos alunos
‘fortes’ e ‘fracos’, passa-se também a ter escolas ‘fortes’ e ‘fracas’” e professores
inseridos nesta mesma classificação.
Observamos, assim, que a avaliação padronizada traz consigo um dos maiores
problemas, que é o de “impor para todos os alunos padrões de desempenho, à revelia
das diferenças. Espera-se que todos tenham, no caso ideal, o mesmo desempenho
máximo, quando isto não é real e muito menos pedagógico” (DEMO, 2004, p. 119).
Pois bem, trouxemos esses primeiros elementos, apenas para situar melhor o
leitor, sobre o processo vivenciado no ano de 2014, até adentrarmos, de fato, em
2015, ano em que nos pusemos em campo, com a perspectiva de viver e coletar dados
que estão tecendo esta produção.
Após respirarmos a proposta de contextualização do ensino, eis que se inicia o
ano de 2015, e com ele, o ano letivo da rede municipal de Juazeiro Bahia. Ao invés
de acontecer a conhecida Jornada Pedagógica coletiva, já esperada por todos, os
professores, coordenadores e gestores foram recebidos com formações continuadas
específicas. No entanto, tendo em vista a nossa proposta de estudo, traremos
descrições e reflexões referentes às formações destinadas aos professores do 5º ano,
que será o foco da seção seguinte.
134
5.2 Avaliação Padronizada: Um cenário fixo e aparentemente oculto
5.2.1 O ANO LETIVO “ÍMPAR” E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO
Tendo em vista que a Prova Brasil ocorre bianualmente e sabendo que sua
primeira edição se deu em 2005, compreendemos que a realização deste exame se
dá sempre nos anos ímpares. Logo, ao iniciar o ano de 2015, já sabíamos a qual
sistema, as escolas de todo o país seriam submetidas.
Constatando esta afirmação, o ano letivo do município de Juazeiro iniciou-se
no mês de fevereiro, recepcionando a todos com a pauta da Prova Brasil. Apesar de
não ser novidade, para quem já é veterano na rede, este fato causou estranhamento,
pois, do primeiro momento até o final da recepção, as formadoras, assim chamadas
as profissionais que estão à frente das discussões e orientações pedagógicas do
município, não pronunciaram nenhuma questão que fizesse referência à proposta
fomentada no ano anterior e par (2014), ou sequer algum termo que se relacionasse
à contextualização.
A recepção se deu com as boas-vindas, com algumas oficinas lúdicas, entre
elas, a produção de jogos e brincadeiras e, em seguida, alguns comunicados sobre a
sistemática referente ao calendário das formações. Assim, os docentes tomaram
conhecimento de que as formações no presente ano, seriam norteadas pela matriz
curricular que orienta a ANRESC/Prova Brasil, pois havia muita coisa a ser feita e para
que fosse possível executá-las, todas as datas já estavam previstas no calendário
letivo. Finalizando assim, a recepção dos professores do 5º ano, nível em que focamos
o nosso estudo.
À medida em que os professores iam saindo das salas de formação, se
deparavam com mesas onde estavam distribuídas coleções e livros diversos a serem
vendidos. E um emaranhado de braços, de mãos, de vozes, emitiam esforços para
conseguirem adquirir a coleção referente à Prova Brasil e ao Saeb, coleção composta
por um Livro de Português e outro de Matemática, todos trazendo exercícios e
questões baseadas nos descritores e nos modelos cobrados neste exame.
Embora o valor da coleção fosse, naquele período, de R$ 200,00 à prazo e R$
180,00 à vista, percebemos o significado atribuído pelos docentes a estas coleções
135
que priorizam a Prova Brasil, uma vez que, mesmo que tenhamos escutado muitos
deles reclamando do valor, o fato é que no momento em que estas coleções se
esgotaram, o barulho aumentou, uma espécie de desespero tomou conta de alguns
professores, os quais aos gritos, gostariam de saber como adquirir o material. De
forma que o vendedor tomou nomes, telefones endereço pessoal e profissional, se
comprometendo a levar até cada um desses sujeitos, o material alvo de desejo.
Alguns mais ansiosos e se considerando mais espertos, saíram pesquisando
quem dava aula de apenas uma disciplina, propondo assim, a compra da coleção em
dupla, de forma que o professor de Português ficasse com o seu livro, seguindo a
mesma lógica para o professor de Matemática. Quando essa alternativa repercutiu,
os nomes presentes na lista do vendedor reduziram-se razoavelmente e o barulho que
até então predominava, também.
Percebemos que os sistemas de ensino apostilados, as coleções padronizadas
contendo atividades-modelo se tornam assim, vislumbradas como uma espécie de
amuleto da sorte para os bons desempenhos. O que é um fator que precisa ser alvo
de nossas preocupações, uma vez que o comércio de material didático é um
fenômeno que tem se consolidado na área educacional, assumindo conotações
mercadológicas que se afastam cada vez mais da relação entre conteúdo pedagógico
e contexto escolar.
Sob a justificativa de ajudar a melhorar a “qualidade” e oferecer possíveis
caminhos que ajudem a comunidade escolar a cumprir as metas e alcançar os índices
esperados, professores e gestores se tornam alvo fácil das editoras e das grandes
indústrias de material didático, cuja principal intenção é a mercantilização da
educação, o lucro, a ideologia capitalista. Vendem-se tais produtos como se fossem
uma receita que traz os ingredientes e o passo a passo de como fazer “bons alunos”.
E os “bons alunos” daí produzidos surgem numa proposta educativa
descontextualizada, alheios aos significados e às reflexões que lhes possibilitem
pensar sobre o mundo e a localidade em que vivem, o que tende a fortalecer o estigma
da colonização que permeia as narrativas abstratas e homogêneas, excluindo as
pluralidades de perspectivas.
136
Esses materiais padronizados acentuam uma prática escolar que leva
professores e alunos a discutirem e a resolverem “problemas que só existem nos
Livros Didáticos, e relacionamos muito pouco com o nosso cotidiano, com nossa
história, com nossa cultura” (LINS, 2011, p.99), se apresentando assim, como um
dificultador da contextualização do ensino e fomentando um ritual já naturalizado,
onde o desenvolvimento das aulas se limita à lição da página 1, lição da página 10 e
assim, sucessivamente. Enquanto, na verdade, a lição que cada menina e menino do
Semiárido aprende, todos os dias, é que no ‘chão da escola’ não cabe o ‘chão do seu
mundo’.
A concepção limitada e unilateral presente nos materiais didáticos associada à
existência dos materiais apostilados referenciados nos exames nacionais
padronizados, os quais focam numa base curricular considerada “comum” a todo o
território nacional; em geral, é reproduzida pelas escolas cotidianamente e leva os
alunos, todos os dias, a vivenciarem um currículo descontextualizado, no território
onde tecem a sua condição de existência.
Nessa perspectiva, isso tende a tornar-se ainda mais preocupante, quando
pensamos no Semiárido Brasileiro. Se analisarmos que a Região Nordeste foi sempre
representada nos discursos considerados legítimos que permeiam o currículo
hegemônico, a partir de uma representação limitada, estereotipada, fragmentada,
tendo sua cultura, identidade e história extremamente homogeneizadas,
entenderemos que nossa concepção de realidade, nossas vozes de nordestinos estão
desautorizadas de representações, a partir das concepções particulares instituídas no
currículo dominante. Logo, tornando-se “alienígena ao Semiárido Brasileiro; as
escolas deixam de realizar a sua função social pertinente aos povos do Semiárido,
negando às crianças o direito de compreender o universo do qual fazem parte” (SILVA,
2011, p. 33).
O que nos remete à urgência de se ampliar e estabelecer lutas contra a
produção desses materiais universais hegemônicos que se operam “de fora” para
“dentro”; uma vez que para Reis (2010, p.122): “A universalidade não considera o
contexto, a particularidade, não dialoga com os atores sociais e com os seus saberes,
porque estes são considerados menores e não devem entrar na escola”.
137
Portanto, pensar numa educação contextualizada é também pensar na dialética
existente entre a repercussão desse paradigma educacional e o modo como os
materiais didáticos universais produzidos também têm se fortalecido e conquistado
ainda mais espaço nas nossas escolas, a partir das exigências de um sistema nacional
de avaliação padronizado cuja função tem sido a de modelagem do “cidadão”
necessário à sociedade globalizada.
Nesse sentido, buscando captar outras impressões daquele primeiro momento
observado, nos dispusemos a caminhar pelos corredores da escola onde se deu esta
primeira “formação” de boas-vindas. Próximo a uma mesa, vimos alguns olhares de
estranhamento, de dúvidas e de incompreensão diante do que acabara de acontecer.
Sentamos numa cadeira, para observar melhor aquela dinâmica, e visualizamos um
grupo de três professores que lanchavam e comentavam a vivência daquela manhã.
E a colocação feita por uma delas, talvez, traduzisse a lacuna que havia ficado
na compreensão de todos os outros professores, ou senão, de boa parte deles. Ela
dizia não entender onde “foi parar a contextualização”. E as outras duas mostravam
concordância, balançando a cabeça e revirando os olhares.
Retomando às nossas anotações, encontramos o trecho referente à fala desta
professora:
Pra que foi mesmo aquele alvoroço todo de contextualização feito ano passado? Eu imaginei que as coisas fossem tomar um rumo; pois aqui, todo ano é uma invenção nova, muda tudo. Só não muda em ano de Prova Brasil que a gente sabe né, como é que funcionam as coisas? Lembra de 2013? Vai começar tudo de novo (PROFESSORA A, 2015).
Notamos, que os anos letivos representados por números ímpares trazem
consigo uma representação diferenciada dos anos que são pares. A partir da fala
dessa professora, compreendemos que estes últimos demonstram anos de outras
possibilidades, de outros caminhos, de outras dinâmicas, tal como o investimento
numa proposta de educação contextualizada que aparenta, nesta fala, ter sido
interrompida por uma dinâmica que se mostra imperativa, forte e fixa durante os anos
ímpares, a exemplo de 2013 e 2015.
Ao mesmo tempo, emerge o fato de que não há, efetivamente, um princípio
básico que rege as formações continuadas, anualmente, pois como podemos ver na
138
colocação acima, “todo ano muda tudo”; com exceção dos anos em que há a Prova
Brasil. Ou seja, esse trecho revela que os únicos anos em que não acontecem
mudanças, ou “inovações” nas formações, são os anos em que se realizam a Anresc,
pois, nesse contexto, já se tem as prioridades e o currículo formativo a ser vivenciado.
Para ampliar nossos dados e compreender as nuances desse processo,
consideramos essencial descrever e problematizar a formação vivenciada pelos
docentes no ano de 2015, buscando analisar se no decorrer dessas formações, há de
algum modo, um enfoque na contextualização do ensino, ou apenas um enfoque que
atenda às demandas do Sistema Nacional de Rendimento Escolar.
5.2.2 DESCREVENDO O PERCURSO DAS FORMAÇÕES CONTINUADAS
No ano de 2015, acompanhamos 09 formações continuadas promovidas pela
SEDUC e destinadas, especificamente, aos professores do 5º ano. E, tendo em vista
o modo como foi nomeada: “Formação da Prova Brasil”, já é possível que o leitor tenha
alguns indícios sobre a natureza desse processo.
Inicialmente, as formações foram organizadas durante dois dias, nos turnos
matutino e vespertino, com duração de quatro horas. Num dia (em ambos os turnos)
acontecia a formação de Língua Portuguesa e no outro dia, ocorria a formação de
Matemática. Assim, os professores poderiam se organizar observando o horário mais
adequado à sua ausência na escola, e as instituições cujos professores fossem de
disciplinas específicas, não sofreriam com a ausência de muitos docentes, já que os
momentos formativos se davam durante a semana, em paralelo ao horário de aula.
Para tanto, foram organizadas quatro turmas, duas destinadas aos professores
de Língua Portuguesa e duas destinadas aos professores de Matemática. Para dividir
os docentes de modo a não superlotar e esvaziar nenhuma das salas, no primeiro dia
de formação, passou-se uma lista de frequência em cada turma, e a partir daí os
professores foram divididos e fixados em turmas específicas. Os docentes que
trabalhavam apenas com uma disciplina iam apenas um dia, num único turno, já os
docentes que trabalhavam tanto com Português, quanto com Matemática, precisavam
ir para as formações, durante os dois dias, para garantirem o estudo dos conteúdos
discutidos em ambos os componentes.
139
A princípio, a nossa pretensão era participar tanto das formações de Língua
Portuguesa quanto de Matemática. Mas, para isso, teríamos de estar disponível os
dois turnos. No entanto, nossa condição de implicada na rede municipal de ensino,
como professora efetiva, dificultou a nossa liberação da sala de aula por duas vezes
numa mesma semana, pois isso significaria nos mantermos ausente durante 08 horas,
por 09 dias (quantidade de formações), o que totalizaria uma ausência de 72 horas.
Como esta não foi uma possibilidade bem aceita, decidimos focar nossas
observações apenas nas formações de Língua Portuguesa, disciplina que lecionamos
e que, portanto, teríamos o direito de nos ausentarmos da sala de aula. Esta
reorganização não se tornou nenhum empecilho e nem trouxe lacunas para a
compreensão desse processo, uma vez que, pudemos acompanhar com intensidade
este movimento com o mesmo grupo de professores e com a mesma formadora, de
modo que em cada encontro, todos se mostravam com menos timidez e mais à
vontade para fazer certas colocações, expor certos conflitos e posturas. Assim,
buscamos entender a dinâmica vivenciada nas formações de Matemática, a partir das
conversas informais e entrevistas realizadas com os professores.
Descreveremos, a partir de agora, os encaminhamentos dados em cada uma
das formações observadas.
1ª formação: 10/03/2015
Cheguei ao local da formação uns 10 minutos após o horário marcado. Senti um clima meio “pesado”, uma sensação de que as coisas estavam meio obscuras, uma tensão no “ar”. Um grupo de professores falava em tom meio alto, enrugando a testa, outro grupo apenas observava com olhares ansiosos, como quem quer saber logo o desfecho do dia. Nesse clima, sentei-me de posse do meu diário de campo e dispus-me a observar e a ouvir (DIÁRIO DE CAMPO, 10/03/2015).
A primeira formação iniciou-se com as boas-vindas e a exibição de um vídeo,
cuja temática foi relacionada à avaliação da aprendizagem. Logo após, foi travada
uma breve discussão, em que apenas dois, dos vinte e dois professores presentes na
turma, fizeram suas colocações em relação ao conteúdo exibido. O grupo estava meio
inquieto, alguns olhares desatentos ao vídeo, conversas paralelas, olhares de
ansiedade.
140
Aparentemente, todos estavam esperando um comunicado “oficial” da
formadora no que se refere aos boatos que surgiram ainda no início do ano letivo,
sobre uma possível “revolta” e desentendimentos que tinham ocorrido entre os
membros da SEDUC, após a divulgação do Ideb.
Segundo as informações repassadas entre os diversos grupos de professores,
estariam acontecendo atitudes de responsabilização, em que durante uma reunião
geral, teriam dito que a superintendência pedagógica não estaria cumprindo sua
função com excelência; outros teriam “repassado a bola” para as formações
continuadas, as quais não teriam conseguido atingir seus objetivos; outros já tentavam
responsabilizar os índices, a partir do alto número de professores contratados na rede
municipal, enfim, essas foram informações que estavam sendo repassadas de “boca
em boca” e que não se sabe ao certo até que ponto iria o teor da verdade. O fato é
que todos estavam ávidos por uma possível discussão relacionada a estes
comentários.
Sendo assim, após a conversa sobre o vídeo exibido, a formadora deu
continuidade, socializando a pauta do dia e esclarecendo alguns pontos que iriam
estimular todo o processo formativo no ano de 2015, adentrando sutilmente, na
discussão que todos queriam ouvir. E, neste momento, toda a sala silenciou. Nas
palavras dela:
Bem, este ano, precisamos alcançar o que não alcançamos em 2013. Nosso resultado do Ideb foi apenas dois décimos acima do esperado, é pouco demais. Esses dois décimos preocuparam muito o nosso Secretário de Educação, pois em 2013, tivemos uma quantidade boa de formações e o resultado ter sido esse? Inclusive, ele já fez alguns pronunciamentos, e este ano, serão muitas formações. Precisamos evoluir (FORMADORA, 2015, grifo nosso).
No que se refere às médias referidas, é válido retornar ao quadro 4, na
introdução. A formadora se refere ao fato de que no ano de 2011, o município atingiu
a média 4,0 e no ano de 2013, atingiu 4,2, ultrapassando apenas dois décimos.
Em seguida, expôs na lousa interativa, alguns dados já demonstrados nos
quadros disponibilizados no primeiro capítulo. Enfatizou junto aos professores, a
necessidade de se ter o cuidado com a reprovação do aluno e a evasão. Pois esses
elementos são indispensáveis no cálculo do Ideb. Assim, de acordo com os dados
141
divulgados pelo Inep, no ano de 2013, ano em que foi calculado o último índice, até
então, nas séries iniciais, o total de reprovações havia sido de 1.946 (mil, novecentos
e quarenta e seis), o equivalente a 12,4% dos estudantes, o que significa dizer que a
cada 100 (cem) estudantes, 14 (catorze) foram reprovados.
Após divulgar esses valores, a formadora prosseguiu dizendo que este era um
dado muito estranho, pois os alunos tinham se saído melhores na Prova Brasil e piores
nas avaliações internas realizadas nas escolas. E este fato se traduzia no número de
reprovações. Logo, esta ação precisava ser revista, repensada, pois, “a avaliação
externa demonstra que eles estão aprendendo. Então, será que a gente tá avaliando
bem os nossos alunos? Essas taxas de rendimento contribuem bastante com os
nossos índices. Vamos ter mais cuidado! ” (FORMADORA, 2015).
Diante disso, observamos que o que estava sendo colocado, na verdade,
demonstrava pouca preocupação com o aprendizado real e significativo das crianças
e mais preocupação com os números e com o que eles podem representar. Era
preciso ter cuidado com as reprovações porque elas interferem diretamente na
construção do Ideb e não na vida pessoal e na cidadania de cada criança. Essa última
foi a mensagem que permaneceu oculta. Em seguida, destacou os nomes das escolas
que tinham alcançado o 1º e 2º lugar no melhor Ideb em Juazeiro.
A lógica que o MEC/Inep segue é a seguinte: Quanto maior a nota na Prova
Brasil, maior o aprendizado. Quanto maior o valor da taxa de rendimento, significa que
maior é a aprovação. Portanto, aumentando o desempenho na Prova Brasil junto ao
número de aprovações, maior será o Ideb. Foi assim, desvendado o mistério que a
maioria dos professores que ali estava não tinha conhecimento. Muitos, inclusive,
demonstraram bastante surpresa.
Após a exposição de todos esses números, sentimos uma certa tensão, tanto
por parte dos docentes, quanto por parte da formadora. Era uma espécie de pedido
de socorro, para que todos juntos, pudessem fazer a sua parte buscando a melhoria
urgente nos desempenhos no ano de 2015. Alguns professores se colocaram,
afirmando que, infelizmente, havia um “peso” muito grande nas costas dos
profissionais que lecionam nas turmas de 5º ano, pois, os meninos chegam a esta
série mal alfabetizados e “os professores desta turma é que têm de fazer milagre? É
142
um absurdo! A Prova Brasil e o Ideb deve ser uma preocupação e responsabilidade
de todos, desde o 1º ano” (PROFESSORA B, 2015).
Depois desse desabafo, a formadora concordou que toda a escola deve está
unida em benefício do bom desempenho, que os professores precisam se preocupar
desde as séries iniciais, para que os alunos não encontrem as dificuldades que
encontram ao chegarem a esta turma. E, logo em seguida, põe-se a esclarecer o que
é o SAEB, quais seus objetivos, as diferenças entre o SAEB e Prova Brasil, como é
composta esta última, apresenta também, a escala de proficiência (medidas e
habilidades a serem desenvolvidas) e como são elaborados os itens que compõem a
Prova Brasil.
Assim, para finalizar esta primeira formação, os educadores responderam a um
simulado, individualmente, o qual deveria ser preenchido com o nome completo e
nome da escola em que trabalhavam. O simulado seria corrigido pela formadora,
devolvido e comentado na formação seguinte. Ao anunciar que todos nós
realizaríamos este procedimento, a maior parte estranhou, perguntou para que serviria
e a formadora respondeu que era para termos um contato com o formato da avaliação
padronizada. Alguns professores, mesmo acreditando em outras intenções (a de que
seria, na verdade, uma avaliação do professor) não se opuseram a realizar. Desse
modo, encerrou-se a Primeira Formação continuada.
2ª formação: Dia 24/03/2015
Após acolhida e boas vindas com a exibição de um vídeo cuja proposta foi a de
discutir a necessidade do planejamento tanto na vida pessoal, como na vida
profissional e, neste caso, no trabalho a ser desenvolvido com os alunos, a formadora
conversou sobre a necessidade de cada professor traçar um planejamento,
estabelecendo as metas a serem atingidas em um determinado período de tempo.
Como a matriz de referência da Prova Brasil é composta por 15 descritores em Língua
Portuguesa e 28 de Matemática, a sugestão era de que pudesse seguir uma lógica
semelhante às formações, dividir os descritores e ir trabalhando aos poucos um
conjunto deles, atentando-se ao tempo, para que não se corresse o risco de o aluno
não ter acesso a todos.
Após este primeiro diálogo, a formadora socializou a pauta do dia e expôs, na
lousa interativa, um gráfico demonstrando o desempenho dos professores no
143
simulado realizado na formação anterior. Cada coluna do gráfico representava a
quantidade de professores que havia acertado o gabarito de cada questão. Segundo
ela, dos 22 docentes que se encontravam naquela sala, somente 03 tinham “fechado
o simulado”.
Dando continuidade à pauta do dia, realizou a correção de cada questão com
os docentes, esclarecendo qual descritor e habilidade leitora estava sendo “cobrada”
em cada uma daquelas questões, incentivando os professores a terem muita clareza,
para que pudessem, também, elaborar questões que contemplassem aqueles
mesmos elementos discutidos na formação. Em nenhum momento, os docentes
expuseram dúvidas ou discordâncias no que se refere ao gabarito trazido pela
formadora. Em seguida, foi comunicado que havia sido criado um email, em que as
formadoras estariam alimentando com os materiais trabalhados nas formações e
sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos, entre outros, o qual
todos os professores poderiam ter acesso.
E à medida em que ela ia estabelecendo algum diálogo ou comentário com a
turma, buscava sempre dar algumas sugestões, das quais podemos destacar:
É bom todos vocês terem uma pastinha para colocar apenas os materiais da Prova Brasil. Vocês precisam discutir na escola, ações para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, onde todas as disciplinas poderão realizar atividades voltadas para as habilidades que caem na Prova Brasil. Outra sugestão é que vocês estejam sempre vendo questões anteriores, ou questões que tenham o mesmo formato, e já irem realizando com os alunos (FORMADORA, 2015).
Esclareceu, também, que todos os simulados trabalhados com os professores
durante as formações seriam sempre enviados às escolas, para que pudessem ser
resolvidos com os alunos. Além isso, a SEDUC enviaria para as escolas, um simulado
a ser realizado em cada unidade letiva, cujas informações deveriam ser devolvidas
com o número total de estudantes que dominam cada descritor presente no simulado.
Antes de finalizar o dia, a formadora propôs uma roda de diálogo fazendo o seguinte
questionamento: “A Prova Brasil já é algo que está na rotina da escola e no seu
planejamento? ”.
Muitos professores disseram que sim, que já estavam trabalhando junto a
outros colegas para que todos pudessem elaborar suas atividades no mesmo formato
do exame. Em seguida, ela sugeriu, inclusive, que os professores das demais
144
disciplinas pudessem ter contato com os descritores da Prova Brasil, para terem maior
clareza em como elaborar as atividades. Sugeriu também, que os professores que
trabalhavam tanto com Língua Portuguesa como com outros componentes, pudessem
explorar os mesmos procedimentos, a partir dessas outras áreas do saber, citando
até exemplos: “Em história, por exemplo, você pode explorar um determinado texto
pedindo que o aluno identifique qual é a linguagem usada, pode pedir para ele localizar
uma informação explícita e assim, por diante” (FORMADORA, 2015),
Continuando as orientações, afirmou que a intenção da formação é, inclusive,
fazer com que os docentes pudessem sair desses momentos com um banco de dados
de atividades, a partir da matriz de proficiência que referencia a elaboração Prova
Brasil, para que eles pudessem realizar com os estudantes; afinal, esta “é a bússola
que orienta o que deve ser dominado pelo aluno” (FORMADORA 2015).
A formadora continuou reafirmando a necessidade de observar atentamente os
gêneros textuais que estão presentes na escala de proficiência, pois os educandos
deveriam ter contato com todos eles. O mesmo servia para Matemática.
Nesse momento, um professor que demonstrava uma aparência meio inquieta
sussurrou próximo a mim: “ Agora, só vamos priorizar a Prova Brasil. É isso que eu
estou entendendo”. Possivelmente, a formadora tenha escutado o comentário ou
notado certo incômodo por parte do professor pois, imediatamente, se colocou:
“Gente, vamos lembrar que não podemos negligenciar a matriz curricular no município
e focar apenas na Prova Brasil. Vamos ter isso em mente” (FORMADORA, 2015).
Todavia, este comentário foi bastante sem força, tendo em vista todas as outras
orientações que vinham sendo dadas desde o início da formação.
A partir desse diálogo, outra professora sugere que para conseguir atender à
proposta curricular da rede e a matriz de referência do exame era só separar alguns
dias da semana para trabalhar apenas os descritores da Prova Brasil e não arriscar
que alguns deles não fossem contemplados. Retornou-se mais uma vez, à matriz de
referência da Prova Brasil, esclarecendo como interpretá-la e o que deveria ser
trabalhado com os alunos.
Finalizou-se assim, a segunda formação.
Hoje, nos chamou bastante atenção o fato de que apesar de alguns professores (nos bastidores) se colocarem contrários à burocratização do
145
trabalho docente e ao engessamento de atividades que tenham como prioridade, os conteúdos da Prova Brasil, poucos expõem suas impressões, diante deste cenário e muitos são os que ficam atentos a cada informação “dada” pela formadora, para que possam passar adiante, as práticas vivenciadas durante as formações. Penso que há muita repetição e pouca problematização, pouca reflexão (DIÁRIO DE CAMPO, 24/03/2015).
3ª formação: Dia 13/04/2015
Após acolhida com um vídeo e a crônica “O homem nu”, de Fernando Sabino,
a formadora reservou um tempo para discussão sobre ambos e logo em seguida,
apresentou a pauta.
Esclareceu algumas questões, entre elas, um novo procedimento a ser
realizado apenas nas turmas dos 5º e 9º anos. A SEDUC disponibiliza no diário do
professor, uma planilha onde encontram-se distribuídas algumas habilidades de
escrita, produção de texto e leitura, de modo que a cada unidade é realizado um
diagnóstico para dar subsídio ao preenchimento dessas planilhas que são enviadas
para a SEDUC, a qual acompanha o nível dos alunos das escolas municipais,
transformando esses diagnósticos em dados que permitem julgar se os estudantes
estão evoluindo ou não.
Como o foco da Prova Brasil é apenas leitura, a formadora comunicou que a
partir de então, a planilha de leitura das séries já citadas seriam substituídas, por uma
planilha que contemplaria os procedimentos de leitura que são avaliados pela Prova
Padronizada. Assim, os professores poderiam continuar preenchendo a planilha
anterior, porém, os únicos dados os quais seriam enviados para Secretaria de
Educação eram os específicos da planilha que contemplava a Prova Brasil.
Entendemos, pois, que este foi um mecanismo criado, para que a secretaria pudesse,
de fato, garantir que os descritores da matriz de referência fossem trabalhados por
todos os docentes das séries avaliadas, afinal, eram eles que seriam utilizados como
diagnóstico.
Outra novidade apresentada nesta formação foi o fato de que o formato das
formações seria modificado. Ao invés de serem realizadas em dois dias, seriam
realizadas apenas num único dia, duas turmas de Português e Matemática pela
manhã e pela tarde. A justificativa foi a de que em algumas escolas onde os
146
professores eram polivalentes, estavam encontrando dificuldades para pagar
substitutos.
Além disso, a alternativa de deixar algum funcionário da própria escola
desenvolvendo “alguma” atividade com os alunos não funcionava em escolas de porte
grande, e como o município não estava se responsabilizando pelo pagamento que
pudesse cobrir os momentos em que os professores estavam em formação, os
recursos próprios das escolas também estavam limitados e não poderiam ser
utilizados para isso. Outro problema era o enfrentado por professores que moram na
zona rural, os quais tiravam o pagamento da passagem do próprio bolso e estava
ficando “pesado” para custearem dois dias de formação (Português e Matemática),
então, a solução encontrada foi esta já apresentada.
A sugestão foi a de que os professores que davam aula tanto de Português
quanto de Matemática fizessem uma alternância. Numa determina formação ficasse
na sala de Português, na outra formação já iria para a turma de Matemática. Tendo
concluído a discussão sobre essas mudanças, a formadora deu continuidade,
afirmando que neste dia, o foco das atividades seria a discussão em torno dos gêneros
textuais que são cobrados na Prova Brasil, mas que não estão presentes na proposta
pedagógica do 5º ano, da rede municipal de ensino, a exemplo da Crônica e da
Anedota.
Nesse momento, uma fala nos chamou atenção. Foi a fala de uma professora
da escola que alcançou o maior Ideb, no ano de 2013, no município de Juazeiro. Ela
expôs para a turma, que os alunos dela não sentiram tanta dificuldade, porque ela
havia trabalhado “praticamente, todos os textos que caíram na Prova Brasil, ou pelo
menos, textos bem semelhantes” (PROFESSORA C, 2015), afirmando que não se
podia perder tempo trabalhando tantos outros gêneros.
Após isso, a formadora enfatizou que “Não precisa passar muito tempo
trabalhando um gênero textual que não esteja na escala de proficiência, pois significa
que não será cobrado” (FORMADORA 2015). A ênfase deveria, pois, recair sobre os
gêneros presentes na matriz da Prova Brasil. Em seguida, entregou um material
xerocado, contendo questões para que os docentes pudessem responder e identificar
quais descritores estariam sendo cobrados em cada um dos itens analisados. A
147
intenção era que os docentes pudessem entender em quais formatos, os itens da
Prova Brasil vêm organizados, ao se avaliar determinados descritores.
Um fato que nos chama a atenção, é o de que sempre que algum professor
durante algum comentário, utilizava a palavra “treinar”, como numa colocação feita
por um deles ao afirmar “É, tem que treinar bastante a leitura desses meninos”, a
formadora intervia afirmando que não se deveria negligenciar a matriz curricular mais
ampla e focar apenas na Prova Brasil. Nesse momento, ela mostra certo contraste,
suas orientações em tudo, demonstram um direcionamento exclusivo para a Prova
Brasil, porém, em alguns momentos, percebemos certo conflito de modo muito sutil,
como se suas concepções se distanciassem, de certo modo, daquilo que o cargo que
ela ocupava lhe exigia orientar professores de um modo determinado e específico.
Começamos a perceber aqui, certo esvaziamento. Nesta terceira formação, se
fizeram presentes apenas 15 professores. Ao final, foram corrigidas e esclarecidas
cada uma das questões. Finalizando assim, a terceira formação.
4ª Formação: 11/05/2015:
Percebi que um número expressivo de professores também passou a chegar após o horário acordado para o início da formação. Alguns já chegaram perguntando a hora em que a turma seria liberada, outros justificaram que precisariam sair mais cedo. Certo esvaziamento passou a ser observado durante os encontros. Poucos professores se envolveram nas discussões, pouquíssimos questionaram ou tiravam dúvidas. A maior parte demonstrava sempre uma atitude de ansiedade, como uma criança que na escola, conta os segundos para o horário do recreio e o horário de ir embora. Alguns diziam que além de tirar o sossego na escola, durante a semana, a Prova Brasil, agora, havia acabado com o sossego aos fins de semana. Sensações estranhas estas, que a nosso ver, passaram a tornar a formação um processo dolorido (DIÁRIO DE CAMPO, 11/05/2015).
O quarto encontro iniciou-se com uma acolhida intitulada “Ginástica cerebral”,
cujo vídeo representava um cérebro malhando. Logo em seguida, foi desenvolvida
uma dinâmica do abraço e foram feitos alguns comentários breves, no sentido de levar
o professor a compreender a necessidade de estimular as crianças a desejarem
aprender. Sobretudo, naquele período em que os mesmos tinham tantos conteúdos e
descritores para “darem conta”.
148
Continuando, abriu-se espaço para os relatos de experiências, em que mais
uma vez, os docentes deveriam socializar o que estavam fazendo nas suas escolas,
em relação ao trabalho com os conteúdos da Prova Brasil.
Após este momento, a formadora comunicou que naquele dia, em grupos, os
professores iriam elaborar atividades que ao final, seriam colecionadas de modo que
todos tivessem um banco de dados com sugestões de atividades a serem
desenvolvidas e ampliadas em sala de aula, visando a um bom aproveitamento no
Exame Nacional/ Prova Brasil. Desse modo, cada grupo recebeu uma folha xerocada
com alguns textos e, em seguida, foram sorteados alguns descritores. A intenção era
que cada grupo ficasse com descritores diferentes. Sendo assim, deveriam elaborar
um banco de itens (de questões) utilizando os elementos que tinham em mãos.
Observamos certa dificuldade por parte de muitos grupos ao criarem estas
questões, uns reclamavam dos textos que não contemplavam os descritores, outros
diziam que era importante ter em mãos os modelos dos itens da Prova Brasil. E a
inquietude em torno dessa proposta foi significativa.
Somente quando o horário começou a acelerar, os professores querendo “se
livrarem” do dever, encontraram alguma forma de produzir o que havia sido solicitado.
No entanto, as questões foram entregues diretamente à formadora, não houve
socialização. Alguns docentes comentavam baixinho que essa dinâmica deveria ser
uma avaliação, para saber se os professores estariam conseguindo elaborar
atividades ou não, baseadas no formato da Prova Brasil.
Antes de finalizar, a formadora sugeriu também, a ideia de os professores
baixarem atividades sobre a Prova Brasil, encontradas na internet e salvarem no
laboratório de informática, para que as crianças pudessem acessar este outro espaço
para ampliar o contato com atividades baseadas nos descritores cobrados.
5ª Formação: 25/05/2015
Hoje, tive a impressão de que a escola não tem vida, não tem gente, não tem cor, não tem sonhos, medos, curiosidades, anseios. Parece-me que este ano, a vida dos sujeitos escolares deu um “stop”. A única possibilidade de play dada aos sujeitos, diz respeito ao que está ligado à avaliação externa. Já é previsível as pautas na formação dos professores e na dos alunos (DIÁRIO DE CAMPO, 25/05/2015).
149
Neste dia, os professores foram acolhidos com a dinâmica “Bola de Assopro”.
Todos ficaram organizados em círculos, e à medida que a bola ia passando de mão
em mão, no momento em que a música ao fundo parasse, o professor que estivesse
segurando a bola, deveria estourá-la, ler a questão surpresa e responder.
Todas as “questões” eram referentes aos descritores da Prova Brasil. Os
professores deveriam saber dizer qual o descritor era referente aos códigos “D1, D3,
D10, D13, D15, entre outros”. Cada bola trazia um código diferente.
Ou seja, cada descritor presente na Matriz de referência da Prova Brasil é
identificado por um número. Por exemplo: O D13 (descritor 13) de Língua Portuguesa,
diz que o estudante deve saber “Identificar efeitos de ironia ou humor em textos
variados. ”, assim, cada descritor tem uma descrição específica. E a função da
dinâmica era exatamente que os docentes respondessem a qual descritor se referia
cada código.
Segundo a formadora, cada professor deveria ter a clareza de quais são os
descritores que orientam a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar. O que na
nossa compreensão, a dinâmica se constituía como uma espécie de treino
desnecessário, pois todos os docentes tinham acesso impresso a esta matriz, bem
como, ela se encontra disponível na internet. O professor não precisa passar horas
numa formação, para memorizá-los.
Após concluir a dinâmica, todos os professores foram organizados em fila, para
responderem a mais um simulado que deveria ser entregue à formadora, para que ela
fizesse a correção. Finalizou-se assim, a 5ª formação.
Percebi um incômodo dos professores, ao terem de resolver o simulado. Os olhares eram tanto de reprovação, quanto de insegurança. Discordavam da prática, utilizando o argumento de ser controle e fiscalização do professor, mas ao mesmo tempo, apresentavam receio em não conseguirem dar conta de responder, corretamente, aquilo que tendem a “ensinar” a seus alunos (DIÁRIO DE CAMPO, 25/05/2015).
150
6ª Formação: 13/08/2015
Após acolhida dos professores, a formadora devolveu os simulados aos
professores e realizou a correção das questões, apontando o gabarito correto. No
entanto, não houve discussão sobre o motivo que levaram as demais alternativas
estarem incorretas, os docentes também não questionaram, não tiravam dúvidas.
Percebemos que certa fadiga começava a ser demonstrada na postura de
muitos professores, menos disposição, mais preocupação com o horário. Inclusive,
num momento em que um dos docentes fazia um sinal de que queria fazer um
questionamento, outra professora fez um sinal de silêncio, comentando que era bom
não atrapalhar, porque senão, o horário da formação iria se estender.
Em seguida, cada professor recebeu uma folha xerocada contendo várias
questões, as quais deveriam responder e identificar a qual descritor da matriz de
referência da Prova Brasil, cada uma das questões contemplava. Ao final da
resolução, as questões foram corrigidas, juntamente com a identificação dos seus
respectivos descritores e discussão sobre o modo como esses descritores costumam
ser cobrados na Prova.
Dando continuidade, a formadora trouxe alguns itens construídos pelos grupos
de professores, durante a 5ª formação. Primeiramente, as questões foram entregues
numa folha xerocada, para que os grupos avaliassem as produções de outro grupo
distinto, no intuito de manter ou reelaborar o item produzido. No geral, cada grupo
identificou fragilidades nas atividades analisadas e, logo após, a formadora exibiu, na
lousa interativa, alternativas que poderiam melhorar a elaboração das questões
produzidas.
Após a socialização, a formação finalizou-se, de modo que cada professor saiu
com mais alternativas de atividades a serem realizadas com seus alunos, seguindo o
padrão da Anresc.
7ª Formação: 12/09/2015
Os professores foram acolhidos com uma questão de raciocínio lógico. A
finalidade, segundo a formadora, era despertar e estimular o cérebro a pensar.
Exercício que os professores deveriam levar, com frequência, para a sala de aula.
151
Continuamos a observar que o início das formações começou a se dar com
certo atraso, um número significativo de professores deixou de chegar no horário
exato e outros passaram a sair mais cedo, com a justificativa de precisarem ir resolver
algum problema na rua, outros de pegarem o ônibus, entre outros. Desse modo,
pegavam a “papelada” que seria discutida ao longo do dia e retornavam a seus
“outros” compromissos.
Neste dia, a formadora informou que os simulados da unidade tinham atrasado,
porém, brevemente, chegariam às escolas. Logo após, aconselhou os professores a
prestarem muita atenção aos descritores que ainda não tivessem sido trabalhados
com os alunos.
Nós, nas formações, estamos mais lentos, pois elas acontecem aproximadamente, a cada 15 dias. Mas, na escola, vocês devem acelerar. Tem gêneros textuais que estão na matriz da Prova Brasil, mas não estão na proposta curricular da nossa rede. Por isso, é preciso que vocês olhem a escala de proficiência e vejam quais são cobrados e quais ainda não foram trabalhados (FORMADORA, 2015).
Em seguida, entregou um bloco de atividades xerocadas, para que os docentes
pudessem responder e, mais uma vez, analisar os descritores que “estavam por trás”
de cada item. Fez a correção, avaliando que muitos professores ainda apresentavam
dificuldades no domínio de elementos que envolvem aspectos de coesão e coerência,
tais como: conjunções, advérbios, entre outros. Por isso, reservou um tempo para
ampliar essa discussão e revisar tais conteúdos com os docentes.
Ao final, questionou quais ações interventivas poderiam ser realizadas para
apropriação desses descritores por parte dos alunos. Retomando a algumas ações já
propostas em formações anteriores, finalizando assim, a formação. Um aspecto
curioso é o fato de que, neste dia, apenas 12 professores permaneceram até o final.
8ª Formação: 13/10/2015
A acolhida aconteceu com uma dinâmica intitulada “Encontrei uma nova
profissão”. Cada professor sorteou uma plaquinha que continha uma profissão
inexistente e deveria dizer se aceitaria ou não trocar de profissão. Um exemplo dessas
profissões era “Cortador de unha de elefante”, entre tantas outras mais exóticas.
Sendo assim, nenhum professor aceitou trocar a sua profissão por uma das que
estavam presentes na placa sorteada.
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Ao final da dinâmica, a formadora prosseguiu dizendo que precisamos nos
convencer de que há profissões muito mais complicadas, que o professor precisa se
valorizar, deixar de fazer piada com sua profissão, mostrar ânimo, disposição. E, caso
não deseje mais continuar, deveria fazer um concurso e atuar em outra área. Se esta
dinâmica não surtiu efeito por um tempo prolongado, pelo menos, funcionou até o final
desta formação. Embora tivessem apenas 16 professores, todos ficaram até o final.
Os encaminhamentos do dia se limitaram ao comunicado de que um grupo de
articuladores de tecnologia do município havia criado um programa com banco de
questões da Prova Brasil e que seria instalado em todas as escolas, para que os
alunos pudessem ficar tendo acesso às atividades distintas baseadas nos descritores
cobrados.
Os professores realizaram mais um simulado, porém, este foi corrigido
coletivamente, sem precisar devolver à formadora. Em seguida, ela orientou os
professores a trabalharem o livro infanto-juvenil “E pele tem cor? ”, pois seria cobrada
no próximo diagnóstico enviado pela SEDUC. Apesar de ser um livro muito bonito e
que traz uma abordagem referente às questões étnico-raciais, não houve discussão
ampliada e debates sobre o conteúdo da obra.
Ao final, a formadora orientou os professores a trabalharem antecipadamente
com os alunos, os questionários sócio-culturais, que acompanham a Prova Brasil.
Segundo ela, seria importante que os estudantes já se familiarizassem com as
questões presentes no questionário, além de terem ainda, maior contado com o
gabarito, para que no dia da prova já estivessem habituados: “Vocês podem fazer
mais de uma vez. Já vai fazendo um treinamento” (FORMADORA, 2015). Logo após,
os professores resolveram mais um bloco de questões, identificaram os descritores e
após a correção, a formação encerrou-se.
9ª Formação: 06/11/2015
Nomeada de Planejamento Formativo, a última formação realizada pela rede
municipal de ensino não teve um foco diretamente ligado à Prova Brasil.
Durante a acolhida, foi exibido um vídeo que abordava a Pedagogia do Afeto
e, em seguida, a formadora discorreu sobre a necessidade de se valorizar e ouvir o
aluno, não o deixando invisível. Pela primeira vez, diga-se de passagem, e já no mês
153
de novembro, quase ao final do ano letivo, a formação possibilitou uma reflexão que
pusesse os educandos na condição de sujeitos que precisam de voz. Pois até então,
todas as ações estavam voltadas para aquilo que os professores deveriam levar para
a sala de aula, no que se refere às questões técnicas do ensino e aprendizagem, para
o Sistema Nacional de Avaliação.
Após esta primeira conversa, os professores foram surpreendidos ao
receberem numa folha xerocada, uma rotina a ser seguida pela turma do 5º ano. De
acordo com a formadora, a rotina não estava “acabada”, mas sim, “semi-pronta”, de
maneira que os professores poderiam fazer as adaptações necessárias. A rotina
entregue trazia uma divisão de horários e uma sistematização, contendo o que deveria
ser realizado ao longo do tempo em que os alunos estivessem em aula.
Estabelecendo assim, uma estimativa de tempo para a acolhida, chamada,
correção da atividade de casa, discussão de conteúdo, gêneros textuais, entre outros;
enfim, organizando as ações a serem executadas durante a semana, a partir de cada
disciplina.
As formadoras não fizeram nenhum comentário em relação a esta questão,
porém, muitos professores falavam que os gestores de algumas escolas ficaram
sabendo que os representantes da Superintendência Pedagógica do município não
estavam satisfeitos com os resultados dos últimos simulados da Prova Brasil,
realizados com os alunos do 5º ano.
Passou-se, pois, a acreditar no fato de que a apresentação dessa rotina, a qual
é válido destacar, todas as turmas do Ensino Fundamental I receberam, tenha sido
uma forma de controlar e garantir que os professores pudessem trabalhar a partir das
orientações dadas nas formações. Nesse sentido, a formadora destacou que mesmo
se aproximando o fim do ano letivo, nunca seria tarde para revermos nossas práticas,
nossas ações, nossos planejamentos. “É sempre tempo de mudar”.
Ao ouvir isto, uma professora expressou baixinho: “Ô, amada, mas diga assim:
professores do 5º ano, depois da Prova Brasil, vocês começam a trabalhar essa rotina.
Pois agora, a gente só pensa nisso” (PROFESSORA D, 2015).
154
Para finalizar a última formação do ano letivo, a formadora faz uma
retrospectiva, relembrando os caminhos já percorridos durante alguns anos. De
acordo com ela, no ano de 2013, as formações discutiram a questão da
interdisciplinaridade, a partir inclusive dos trabalhos a serem desenvolvidos com o
Projeto “É Hora de Ler25”, orientando como era possível trabalhar as obras literárias,
a partir das várias disciplinas. Um fato que é preciso destacar é o de que esta
perspectiva de formação era oferecida aos professores de 1º aos 5º anos, todavia,
atrelado a isso, professores de 5º e 9º anos, tinham formações específicas para a
Prova Brasil.
Em 2014, “falamos sobre contextualização, discutimos a importância de se
partir do nosso contexto, trouxemos palestrantes e nem por isso deixamos de discutir
o Projeto É Hora de Ler. No ano de 2015, foi tudo isso que vocês vivenciaram”
(FORMADORA, 2015).
Em 2015, percebemos nitidamente, a restrição das formações às pautas da
Prova Brasil. A observação ao longo das formações foram revelando o quão distante
se apresentavam dos contextos das escolas, dos professores e dos alunos. Todas as
orientações dadas se davam em pacotes a serem desenvolvidas em todas as
instituições, não importando se estava localizada em zona urbana ou rural, localizada
no centro ou na periferia, em áreas de vulnerabilidade social ou não. Não havia lugar
para diferenciação, escuta da diversidade e particularidades das instituições.
5.2.3 IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS (Prova Brasil), NA
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Até o ano de 2015, vivenciamos apenas 6 (seis) edições da Prova Brasil,
ocorridas nos anos ímpares (2005, 2007, 2009, 2011, 2013 e 2015), quantidade
suficiente para ganhar atenção nos debates referentes à qualidade do ensino público
e, sobretudo, espaço nas pautas estratégicas das gestões municipais, no que se
refere ao alcance dos indicadores de qualidade das instituições de ensino. O uso
público dos resultados leva à propaganda das escolas com bons resultados, e à
25 O projeto tem o objetivo de desenvolver nas crianças o gosto pela leitura e exercitar a produção textual.
155
responsabilização de sujeitos e grupos pelo baixo desempenho de algumas
instituições.
Torna-se uma verdadeira “caça ao tesouro”, em que o tesouro é o “culpado”
pela pouca qualidade do ensino. Assim, ao longo das observações, posturas e escutas
vivenciadas, percebemos que tentou-se atribuir o “problema” à superintendência
pedagógica que transfere a responsabilidade ao grande número de professores
contratados, ora atribui-se à formação continuada, que já repassa a bola para os
professores, acusando-os de não terem cuidado com a avaliação interna e a
reprovação; enquanto os gestores escolares tendem a desconfiar do trabalho
desenvolvido pelos docentes (a exemplo do depoimento de A1) e estes, por sua vez,
responsabilizam os alunos os quais não chegam ao 5º ano preparados, não sendo,
portanto, possível se “fazer milagre” (PROFESSORA B); chegando até mais longe,
culpando as famílias consideradas “desestruturadas” e sem compromisso com a vida
escolar dos filhos.
Esses são alguns dos conflitos gerados quando “retoma-se à ideia de uma
avaliação cuja função é a de classificar ou de hierarquizar” (CATANI E GALLEGO,
2009, p.58). E, nesse processo de responsabilização, o peso costuma recair sobre as
escolas e sobre a formação continuada dos docentes, que passa a ser considerada
uma das principais estratégias de investimento para a melhoria dos indicadores.
Nesse sentido, é importante analisarmos a afirmativa: “A gente precisa investir mais
no aluno. Mas a gente investe no aluno, investindo no docente, e nisso, temos a
formação continuada do professor. Pois, tendo um bom professor, nós teremos bons
resultados” (C. A, 2016). Em síntese, a solução está nas mãos do docente.
A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar e a busca pela melhoria dos seus
resultados passam, então, a serem a “bússola orientadora” e a maior preocupação
das formações continuadas destinadas aos profissionais do magistério. O que a nosso
ver tende a significar uma desqualificação do corpo docente, tendo em vista que a
ideia intrínseca é a de que o problema nos desempenhos está, exclusivamente, na
formação dos professores.
A formação continuada não é para corrigir falha de formação inicial, não. No entanto, hoje ela existe mais para esse fim porque a gente também não pode fechar os olhos para a realidade, então, não é raro, você já deve ter testemunhado isso, a gente faz formação da Prova
156
Brasil, o que é que a gente vai trabalhar na formação da Prova Brasil, os conteúdos exigidos e as habilidades exigidas na Prova Brasil, porque o professor não sabe e aí, é preciso trabalhar coisas que são elementares que ele não tinha (C.A, 2016).
A partir da justificativa em relação às fragilidades na formação inicial , vimos
que as formações continuadas direcionadas aos professores do 5º ano, podem ser
sintetizadas, essencialmente, em três momentos: O momento em que os professores
eram solicitados a responderem simulados ou bloco de atividades elaborados pelas
formadoras, contemplando os conteúdos e o formato da Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar; o momento reservado para a correção dessas atividades
realizadas pelos professores, e o momento destinado a orientar e a ouvir o que estava
sendo inserido na rotina escolar das escolas, no que se refere à Prova Brasil.
Ou seja, ensinava-se ao professor aquilo que ele deveria ensinar aos seus
alunos e, para certificar-se se o professor estava ou não “aprendendo a lição” alguns
simulados só eram devolvidos depois de a formadora tabular quem havia acertado ou
errado as questões propostas; somando-se a isto, a constante insistência em levar os
professores a socializarem as experiências que estavam sendo desenvolvidas em
suas escolas, para auxiliar no preparo para o exame; tornando professor um mero
operacionalizador de um currículo determinado prescrito.
Nesse contexto de avaliação padronizada, as formações continuadas tendem
a promover, conforme entende Esteban (2003) a homogeneização do conhecimento
e do trabalho escolar, de forma que a autoridade que lhes é conferida na orientação
pedagógica dos docentes, possibilita a ação legítima na formatação dos currículos
vivenciados nas instituições de ensino.
O que se espera é que a partir das formações, os docentes e,
consequentemente, as escolas, consigam melhorar suas ações pedagógicas,
contribuindo com a “aprendizagem” dos alunos, resultando em índices de bom
desempenho. Isso pode ser percebido numa das falas pronunciadas, durante a
primeira formação observada, quando ao afirmar que o pouco acréscimo do Ideb (de
4,0 para 4,2) de Juazeiro, teria preocupado bastante o Secretário de Educação, uma
vez que “tivemos uma quantidade boa de formações e o resultado ter sido esse?
Inclusive, ele já fez alguns pronunciamentos, e este ano, serão muitas formações”
(FORMADORA, 2015, grifo nosso). Observamos excessiva preocupação da SEDUC
157
com os indicadores e, especialmente, com o destaque da formação continuada como
a principal estratégia para a melhoria dos índices obtidos. A lógica utilizada, nesse
sentido, é a de que, quanto maior o número de formações oferecidas, melhores serão
os resultados numéricos.
Esta é uma compreensão que representa uma concepção de formação
extremamente reducionista e simplificadora, uma vez que exclui o fato de que os
professores são agentes na construção de seus saberes e atuam de modo particular
sobre eles, além disso, oculta-se a multidimensionalidade e as experiências subjetivas
que permeiam o fazer docente, entre eles, os distintos contextos locais, características
de cada escola, comunidade escolar e suas demandas, diferenças culturais que
circundam o ambiente de trabalho, experiências vivenciadas, nível de contentamento
com a profissão, nível de instrução, expectativas, valores e significados atribuídos à
formação, entre outros. Enfim, para Tardif (2007, p.36), o saber docente é “um saber
plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”.
No entanto, coloca-se o futuro dos resultados da Prova Brasil, sob
responsabilidade das formações continuadas “em detrimento de outras variáveis
importantes, como as condições de trabalho, análise das características das redes de
ensino, o perfil socioeconômico dos estudantes” (OLIVEIRA, 2011, p.27). Logo, o
enfoque direcionado à matriz curricular da avaliação nacional, implica no fato de que
o planejamento e a vivência das formações destinadas aos docentes se deem de
modo desintegrado dos contextos em que escolas, professores e alunos estão
inseridos.
Observamos que as formações continuadas englobam professores veteranos,
novatos, que atuam em bairros de grande vulnerabilidade social, outros que atuam no
centro da cidade, professores da zona urbana, rural, professores que já têm
experiência na turma que lecionam e professores que ainda não têm, entre tantas
outros. Porém, as formações ignoram esta diversidade, partindo, trilhando o mesmo
caminho e chegando ao mesmo ponto de modo unilateral, a todos esses sujeitos. A
padronização das avaliações tem gerado, também, uma formação padronizada, afinal,
o objetivo tem sido um só: “Bater a meta”. Se a meta é a mesma, entende-se que o
caminho percorrido, independente de onde se esteja, também deve ser o mesmo.
158
Portanto, enquanto o paradigma da contextualização e, neste caso,
enfatizamos também, a convivência com o Semiárido, atribui ao professor a função
de construir uma educação que acolha a diversidade, problematizando e provocando
a compreensão em torno da possibilidade de se ter diversos modos de agir, sentir e
construir, ou seja, uma educação para as diferenças, buscando um novo modo de ver
e ser no Semiárido, a partir dos conteúdos vinculados às múltiplas experiências aqui
vividas relacionando-as às vivências globais, no cenário das avaliações padronizadas,
temos um movimento formativo que contraria esse processo e homogeneíza tudo,
desconsiderando as necessidades e as práticas docentes como ponto de partida,
inserindo tudo num mesmo pacote a ser desenvolvido em contextos distintos,
resumindo tudo e todos em “farinhas do mesmo saco”.
Imbernón (2009, p.10) ratifica que “tudo o que se explica não serve para todos
nem em todo lugar”, e é exatamente esta máxima que, possivelmente, tenha levado
muitos professores a começarem a atrasar o horário de chegada, a silenciarem mais
nos momentos de formação, a ficarem cada vez mais ansiosos pelo término da mesma
e a se ausentarem para resolver suas demandas exatamente no momento de
formação. É preciso ater-se ao fato de que nem sempre “quem cala consente”. O
silêncio e a ausência podem, também, ser modos de resistência às práticas
estrangeiras aos nossos contextos, como nos disse uma professora entrevistada:
No começo eu até ia com mais vontade, mas, depois, fui percebendo que não tinha novidade, era só pra gente ir responder simulado, “tarefinha”, pegar o gabarito e voltar pra sala, praticamente, implorando para que os meninos prestassem atenção. Eles queriam lá saber de Prova Brasil. Quem aguenta isso direto, me diga? Com tanta coisa pra fazer. Por isso, eu deixei de ir e outra amiga repassava o material para mim. Dava no mesmo e eu ainda ganhava tempo (PROFESSORA 1, 2015).
Esse depoimento em que a professora justifica as suas ausências, para nós, é
uma resistência, uma recusa a continuar indo às formações para “ver mais do mesmo”,
o que reafirma a necessidade de contextualização dos saberes, uma vez que segundo
Imbernón (2009, p.14), tanto a educação quanto as formações docentes necessitam
de uma ruptura com o pensamento que analisa a educação de modo linear “sem
permitir a integração de outras formas de ensinar, de aprender, de organizar-se, de
ver outras identidades sociais, outras manifestações culturais e ouvir-se entre eles e
ouvir outras vozes, marginalizadas ou não”. Para que essa dinâmica de formação
159
possa ocupar espaço, precisamos de mais resistências, de mais recusas àquilo que
nos é imposto, arbitrariamente, sem nos perguntarem se nos servem, se nos
representam.
Após a finalização das observações realizadas, durante uma entrevista com o
representante da Secretaria de Educação do município, questionamos o motivo pelo
qual a formação continuada tende a assumir, anualmente, enfoques distintos. Ora,
pautada na contextualização, ora pautada na Prova Brasil e, assim por diante.
Na verdade, eu acho que foi um erro estratégico por que assim, não era para necessariamente mudar o enfoque, a gente trabalha os descritores da Prova Brasil, pensando no currículo da Rede Municipal, então, a gente tem que continuar trabalhando. Mas a gente fez a formação dos nossos formadores com o IRPAA, que era para que eles entendendo esses princípios, contextualizassem no processo de formação continuada. E era isso que os formadores passavam para gente, por exemplo: Que eles trabalhavam os descritores da Prova Brasil de forma contextualizada, com fatos da região, histórias daqui de Juazeiro, coisas de ordem da nossa cultura, de coisas da convivência com o Semiárido mesmo. Então, não é que houve uma mudança de enfoque, assim, total, não é? Que substituiu uma coisa pela outra. Só que eu acho que foi um erro estratégico que não deveria ter sido mudado, e sim dado continuidade aos poucos, mas as questões de ordem econômica, e a falta de formação acabou interferindo nisso, infelizmente (C. A, 2016).
Esse trecho traz elementos para muitas compreensões em torno do cenário
das avaliações padronizadas e o lugar da Educação Contextualizada, no processo de
formação continuada dos professores. Primeiro, embora demonstre que o enfoque
na contextualização não deveria ter sido mudado, assume que isso aconteceu,
atribuindo o fato a um “erro estratégico”. Estratégia esta que seria o “preparo para a
Prova Brasil”. Em seguida, afirma que não há como deixar de focar nos descritores da
Prova Brasil, por conta da própria proposta curricular que orienta a rede municipal de
ensino.
De posse desta informação, tivemos acesso à proposta curricular de Língua
Portuguesa, da turma do 5º ano, e verificamos que entre os 15 descritores presentes
na matriz que referencia a elaboração da Prova Brasil, 10 estão presentes na proposta
que orientaram o trabalho docente, na sala de aula. Ou seja, a partir da informação
coletada na entrevista, junto a esta constatação, percebemos que a base da proposta
curricular municipal, quando comparada à matriz de referência da Anresc nas
disciplinas avaliadas no exame nacional, seguiu praticamente, a mesma direção.
160
Alguns professores entrevistados afirmaram que, em 2015, houve reformulação
na proposta municipal e que alguns descritores que não tinham em 2014, foram
inseridos a partir da matriz da Prova Brasil. O que revela o fato de que tanto o
planejamento da formação continuada, quanto da matriz municipal tiveram como
preocupação central, a seleção de conteúdos que se integram mais à avaliação
padronizada que às experiências cotidianas de ensino-aprendizagem que
caracterizam as vidas que compõem a sala de aula.
No que se refere à parceria com o IRPAA, este foi um fato que ocorreu no ano
de 2014, quando o município investia na proposta da contextualização com o
Semiárido e quando, de fato, as discussões citadas pelo entrevistado, se fizeram
presentes nas formações continuadas. No entanto, apesar de afirmar que houve um
“erro estratégico” e que os descritores da Prova Brasil não poderiam deixar de serem
trabalhados, ele contorna a afirmação dizendo que a mudança de enfoque pode ter
ocorrido, devido ao não investimento em formações com os formadores. O que para
nós, é um argumento fraco diante do cenário construído e das informações já
explicitadas.
Nesse processo, a lógica das avaliações externas produzidas em outros
contextos regionais e que, portanto, não se preocupam com a cultura produzida e
vivenciada pelas gentes do Semiárido e de tantas outras regiões, passam a ocupar
cada vez mais espaço na prática docente, uma vez que os professores “cercados” por
todos os lados, tendem a dar ênfase ao trabalho com estes descritores, tendo em vista
que buscam preparar os alunos para um bom desempenho nos testes. A avaliação,
desse modo, tende a direcionar os currículos formativos, enquanto deveria ser o
currículo o norteador da avaliação.
O que se nomeia como formação continuada, nesse sentido, não se apresenta
como uma perspectiva formativa, mas apenas instrucionista, funcional e subserviente
aos interesses do mercado, como já discutido no capítulo 2. As avalições passam a
orientar as formações, que ao invés de se desenvolverem numa perspectiva de
problematização, investigação e compreensão real dos resultados de desempenho
nos seus respectivos contextos, transformam os professores em reprodutores
medíocres que ao não se tornarem autores do seu próprio saber e da sua própria
prática, dificilmente serão capazes de fazer de seus alunos autores.
161
Todavia, a perspectiva elaborada pelos grandes financiadores da educação e
que a gestão educacional no município reproduz muito bem, é a de que a sociedade
mais justa que todos querem é traduzida nos resultados das avaliações, característica
típica de cunho neoliberal.
Eu não sei porque essa ojeriza ao resultado, em tudo na vida a gente quer resultado. O professor que critica essa busca por resultado quer ganhar mais e isso é resultado do seu resultado. Se ele olhar para o seu contra-cheque ao final do mês e ver uma renda menor, vai ficar insatisfeito, então, para ele tem significado também. Correto? Então, ah, estão preocupados só com estatísticas... NÃO! Ninguém está preocupado só com estatísticas, mas a estatística reflete algo. A nota do aluno é um pódio. A gente não pode abrir mão de códigos, porque a gente se comunica assim. É o que está posto aí, então, é necessário. Se o código é o Ideb do município, então, a gente vai perseguir em melhorar o código, mas como se melhora o código? Melhorando a prática (C. A, 2016).
E como se melhora a prática? Preparando professores e alunos para a “Prova
Brasil”. Os governos cada vez mais se incomodam com os resultados advindos com
a Prova Brasil e o cálculo do Ideb, e a concepção de educação e aprendizagem
caminham em direção ao domínio daquilo que é cobrado no sistema nacional de
avaliação, pois, nota alta é sinônimo de qualidade do ensino. Uma das maiores ilusões
criadas, intencionalmente, pela escola moderna.
Segundo Luckesi (2008) os sistemas de ensino supervalorizam mais os índices
que propriamente o processo de ensino-aprendizagem. E, por isso, ouvimos falas
como: “é preciso evoluir”, “dois décimos é pouco”, “a Prova Brasil já está na rotina da
escola, no planejamento? ”, “Todas as disciplinas devem trabalhar essas habilidades”.
De forma que percebemos os efeitos dramáticos que essas “avaliações” têm sobre os
processos formativos.
No entanto, ao invés de desenvolverem estratégias complexas de investigação
e análise dos contextos vivenciados pelas escolas, sobretudo, as que alcançam
índices baixos, para agirem diretamente através de um processo educativo
interventivo, capaz de transformar as próprias condições sociais de vulnerabilidade,
marginalização, exclusão e abandono, despertando a possibilidade de os sujeitos
compreenderem os problemas que os afligem, buscando ações que permitam a
superação das adversidades, o que com certeza acarretaria na melhoria da educação
para a verdadeira cidadania, preferem trabalhar no discurso de que “todos são iguais”,
162
camuflando o verdadeiro princípio que tem regido as políticas educacionais, que é na
verdade, a perpetuação do oprimido. Mas para isso, é preciso continuar separando a
formação do contexto de trabalho, treinando professores robôs, competentes em
treinar alunos robôs.
Ao promover a padronização da formação, a avaliação contribui para
homogeneizar tudo e, inclusive, distorcer e simplificar epistemologias, entre elas, a
interdisciplinaridade, como vimos durante as formações. O que agrava ainda mais o
processo de mediocrização do trabalho docente. Afirmar que a Prova Brasil não é uma
responsabilidade apenas dos professores de Língua Portuguesa e Matemática,
propondo que haja um trabalho “interdisciplinar” com os professores das demais
disciplinas (história, geografia, ciências, entre outros) os quais também devem
elaborar suas atividades seguindo o mesmo formato desse exame, como disse a
formadora, não tem nada a ver com interdisciplinaridade. Tem a ver com mais um
processo de colonização do trabalho docente, com mais um processo de colonização
causado pela avaliação que submete tudo aos seus critérios de formato e controle.
A interdisciplinaridade estimula a necessidade de “religação dos saberes”, para
que seja possível relacionar a parte no todo e vice-versa. Uma prática interdisciplinar
tende a proporcionar a superação da visão restrita do mundo, rompendo os muros que
fragmentam e separam os saberes da realidade e entre si. Assim, o pensamento
complexo, na perspectiva interdisciplinar, mesmo tendo a clareza que o conhecimento
completo é inatingível, segundo Morin (2007), compreende que os conhecimentos
fragmentados devem ser relacionados, confrontados, comunicados um ao outro, como
um modo de responder às nossas necessidades e interrogações cognitivas.
A melhoria da educação, portanto, não se dá com a ajuda de um tipo de
formação que, segundo Imbernón (2009):
Permanece, predominantemente, dentro de um processo de lições ou conferências-modelo, de noções ministradas em cursos, de uma ortodoxia de ver o modo de formar, de cursos padronizados implementados por experts, nos quais os professores são considerados ignorantes, “estupidização” como diria Macedo (1994) e
eu acrescentaria, “estupidização formativa” (IMBERNÓN, 2009, p. 9).
De acordo Macedo (2014, p.60) nessa perspectiva de formação, a avaliação
caminha no mesmo sentido de redução, se limitando a uma compreensão de
163
avaliação da aprendizagem como julgamento externo “da performance individual, ou
se cai na construção de indicadores estatísticos descontextualizados, sem nenhuma
relação com o processo mesmo da formação e sua complexidade”, reduzindo-a e
simplificando-a a um produto, discute-se melhoria da qualidade, sem se discutir
avaliação, o que na concepção do autor, aliás, “a ausência de reflexões mais
aprofundadas sobre a avaliação na formação entre nós é de todo preocupante”.
As políticas de formação docente não podem se configurar como pacotes
lacrados, planejados de modo centralizado e direcionados a uma prática semelhante
a treinamentos e muito menos ser disseminadora de ideais positivistas. No entanto,
essa é uma atitude que exige uma transcendência de todos os sujeitos que pensam e
concretizam os direcionamentos educativos. Fleuri (2000, p.78) argumenta a
necessidade de requalificação e formação dos educadores, compreendendo essa
“formação”, não como o ato de dar forma, mas sim, como um processo de tirarmo-nos
das nossas formas e do modo como fomos modelados. Enfim, desmoldarmo-nos.
Não basta garantir a responsabilidade pública com a formação docente, mas
sobretudo, efetivar o que estabelece a LDB 9394/96, no artigo 61, parágrafo único,
incisos I e III, ao esclarecerem que as formações devem propiciar o conhecimento dos
fundamentos teóricos científicos e sociais de suas competências de trabalho, bem
como, aproveitar o processo de formação e experiências anteriores, uma vez que, é
preciso superar o instrucionismo que ainda nos avassala, a formação que se limita à
técnica pela técnica e excluem a autonomia crítica, o saber pensar, produzindo a
incapacidade de se forjar alternativas e “capacidade de ler a realidade” (DEMO, 2009,
p. 50).
Baseado no que diz Freire (1987, p.77), a formação docente a serviço da
verdadeira educação “não pode afundar-se numa compreensão dos homens como
seres vazios, a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos; não pode basear-se numa
consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada”, mas sim, conceber
os homens como sujeitos conscientes e problematizadores das relações que
permeiam o próprio mundo.
Percebemos, pois, que no município onde esta pesquisa foi desenvolvida, o
cenário das avaliações padronizadas tende a ser o elemento prioritário que orienta as
164
pautas da formação docente. A formação continuada torna-se assim, um desafio no
desenvolvimento de uma educação que se diz contextualizada, tendo em vista que
exerce um controle extremamente rígido sobre os professores, diminuindo a
autonomia do docente sobre o seu trabalho, tornando o saber cada vez mais
fragmentado, supervalorizando o trabalho com as disciplinas que são avaliadas nos
exames nacionais e atrofiando o estímulo à autoria de qualquer outra iniciativa que
não esteja pautada no currículo que orienta tais avaliações.
165
6 DESCORTINANDO VOZES: O QUE DIZEM OS PROFESSORES?
Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência,
da indignação, da justa ira dos traídos e dos enganados. Do seu direito
e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que
são vítimas cada vez mais sofridas (FREIRE, 1996, p.62-63).
Temos participado de muitos congressos, seminários, mesas redondas e outros
tantos eventos que tratam das demandas, das possibilidades e dos entraves no
campo da educação. Porém, apesar de discutirem o “chão da escola”, raramente,
vemos os professores que fazem a educação básica tendo o lugar de fala legitimado
nesses espaços, os quais, normalmente, são ocupados por pesquisadores e
estudiosos que falam de “lá”, de seus gabinetes, muitas vezes, distantes do lócus
onde, de fato, a vida escolar se opera. E é por isso que não poderíamos deixar de dar
som a essas vozes que conhecem e vivem, todos os dias, as dores e as delícias
vivenciadas na rotina docente.
Este tópico tem, pois, como objetivo principal, dar visibilidade e analisar, nas
falas dos docentes, as sensações expressas em relação ao contexto escolar
vivenciado em anos de edição da Prova Brasil e as possibilidades de
contextualização.
Assim, nosso contato com os professores deu-se em torno da necessidade de
investigar questões subjetivas e objetivas experimentadas pelos mesmos, ao longo
do cenário vivenciado nos anos ímpares, anos de edição da Prova Brasil. Os docentes
entrevistados foram questionados em relação às sensações que vivenciam em anos
do exame e às estratégias e dificuldades encontradas no processo formativo
desenvolvido nas escolas, diante deste cenário.
Desse modo, estruturamos este tópico, a partir das categorias de análises que
foram se estabelecendo no decorrer das falas dos entrevistados. Nas quais
destacaram-se as estratégias e dificuldades durante o processo formativo a partir das
demandas da Prova Brasil e que foram divididas do seguinte modo: Docência
compartilhada; distribuição das disciplinas na rotina escolar; simulados, aulões e
gincanas; estratégias para amenizar a tensão em anos de avaliação padronizada;
Projeto Educação Nota 10; sensações vivenciadas pelos professores e a
contextualização em anos de avaliação padronizada.
166
6.1 Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas da
Prova Brasil
Além das formações continuadas propostas pela SEDUC, analisadas no
capítulo anterior, os professores, a partir de suas falas, trouxeram à tona uma série
de outras estratégias utilizadas para auxiliarem no trabalho junto aos alunos, em
busca do alcance dos bons “resultados”. Entre elas destacaram-se:
6.1.2 DOCÊNCIA COMPARTILHADA
Um dos principais fatores que distinguem as séries iniciais das demais etapas
de ensino escolar é a unidocência ou monodocência, na qual segundo Magalhães
(2007), diz respeito à estrutura curricular em que o mesmo professor permanece com
os alunos durante todo o período letivo, trabalhando diferentes áreas.
De acordo com ela, isso facilita a integração curricular, bem como, uma maior
proximidade afetiva entre o docente e os sujeitos, possibilitando maior autonomia da
organização da rotina escolar e melhoria do contexto pedagógico, até mesmo porque
o docente tem maiores possibilidades de partilhar experiências, passar mais tempo
com o educando, aumentando assim, possibilidades de acompanhamento.
Nesse sentido, até o ano de 2014, a pluridocência era uma realidade vivida
pelos estudantes, apenas a partir do 6º ano, início do Ensino Fundamental 2, onde
segundo Hoffmann (2008) passam a atuar vários docentes responsáveis por
disciplinas distintas e que, portanto, o tempo de contato que cada professor tem com
o aluno é mais reduzido.
Porém, após ter sido discutida mais amplamente, a proposta de educação
contextualizada e a busca pela redução da excessiva limitação e fragmentação entre
os saberes (discussão ocorrida em 2014); o ano de 2015, iniciou-se com uma
“novidade”, para professores e estudantes do 5º ano: A pluridocência, ou como foi
intitulada aqui em Juazeiro, “ docência compartilhada”.
Após entrevistar os professores, sentimos a necessidade de conversarmos com
o Secretário de Educação, de modo que nos foi dada a seguinte justificativa em
relação à estratégia da docência compartilhada:
167
Foi uma orientação, ela não foi uma determinação. A gente orientou que professores e coordenadores pedagógicos se entendessem com os professores, para que se esta estratégia fosse útil para as escolas deles, eles adotassem, com base em algumas reconhecidas fragilidades apresentadas pelos professores em determinadas áreas. Então, dadas as dificuldades metodológicas em que uns têm mais habilidade com matemática, outros com português, então, porque não fazer este casamento, para tentar melhorar os resultados? (C.A, 2016, grifo nosso).
Sendo assim, dos 10 professores entrevistados, 03 disseram que a princípio,
estranharam a docência compartilhada, devido ao fato de ter aumentado o contato
com o número de alunos, já que ao “dividirem as disciplinas” com outro professor, ao
invés de assumirem apenas uma turma, passaram a assumir duas turmas, dobrando
a quantidade de estudantes. Porém, concordaram que essa estratégia é melhor, já
que o docente foca mais especificamente na disciplina que leciona. Em relação à
organização dessa estratégia em cada escola, todos os entrevistados disseram ter
recebido esta proposta como determinação. Elegemos, assim, as seguintes falas:
Já chegamos à escola com esta novidade. A diretoria informou que nós iríamos compartilhar as disciplinas, um ficaria com Português, geografia e História, outro ficaria com Matemática, Ciências, Artes, para facilitar o trabalho. No começo estranhei, porque o número de alunos aumentou, eu daria aula de três disciplinas, em duas turmas de 5º ano. Mas como o foco era o mesmo, ficou legal (PROFESSORA 1).
Na hora de fazer a divisão das turmas, já que este ano, a docência foi compartilhada, a diretora fez sem me perguntar nada. Quando eu perguntei por que eu tinha ficado com Matemática, mesmo tendo formação em Letras, ela disse que era porque na Prova Brasil de 2013, o meu resultado tinha sido maior em Matemática. Então, ficou assim, porque ela achava que eu tenho mais domínio nesta área, apesar de minha formação ser Letras (PROFESSORA 4).
Este ano as disciplinas foram compartilhadas. Segundo a minha gestora era porque alguns professores estavam muito sobrecarregados e como tinha que dar conta de Prova Brasil, tanto dos descritores de português quanto de matemática, então eles pensaram em diminuir a sobrecarga do professor, pra ele focar mais em uma disciplina, que o resultado seria melhor. Ficou mais leve mesmo (PROFESSORA 3).
Essas questões enfatizam o quanto o desempenho dos alunos tende a ser
diretamente relacionado à competência profissional docente, excluindo-se outras
interferências sejam elas internas ou externas, mas que podem interferir
violentamente na aprendizagem e nos desempenhos. Quanto à imposição, o
Secretário de Educação contrapôs e justificou:
168
E a gente teve bons resultados em muitas escolas. Alguns gestores que se equivocaram e impuseram. Mas... é bom dar esta especificidade, isto é bom. E vai continuar, este ano ainda, como orientação (C. A, 2016, grifo nosso).
Primeiramente, partiremos da fala de “C. A”, ao afirmar que a ideia de se
compartilhar as disciplinas entre os professores surgiu da necessidade de se melhorar
os resultados. Segundo, complementaremos com as referências que a Professora 4
faz, ao relatar que lhe foi imposta a disciplina de Matemática porque o resultado “dela”,
na Prova Brasil, havia sido melhor nesta disciplina. Essas falas explicitam a
preocupação exclusiva com os resultados na avaliação externa.
De um lado, reconhece-se as fragilidades que os professores apresentam em
determinadas áreas do saber, mas, que ao invés de se pensar em alternativas
formativas que ajudem a melhorar o “todo”, pensa-se em ações reduzidas que tratarão
de melhorar a “parte” e a parte, neste caso, são os indicadores. Do outro lado, vemos
as contradições se constituírem, uma vez que se estabeleceu que a professora 4
deveria trabalhar Matemática, mesmo sendo formada em Letras, o que a habilitava ao
trabalho com Língua Portuguesa. Essa postura demonstra, pois, um desrespeito com
a qualificação do corpo docente, supervalorizando apenas, o aspecto observável do
resultado.
Assim, ao mesmo tempo em que se busca estratégias para auxiliar na
avaliação externa, limita-se as possibilidades de uma avaliação mais efetiva
internamente, e de um ambiente educativo que possibilite maior interação,
convivência e diálogo, uma vez que na pluridocência, além de o tempo ser mais
limitado, o número de alunos é dobrado, dificultando o acompanhamento e o
necessário atendimento diferenciado para a garantia da aprendizagem de todos. Um
professor que acompanhava 25 a 30 alunos numa mesma turma, agora, passa a
acompanhar 50 ou 60 alunos somando turmas distintas.
Então, Hoffmann (2008, p.36) nos incita a refletir: “Como farão os professores
para acompanhar e atender de forma diferenciada 50 alunos? ” E nós
acrescentaríamos ainda, o fato de que há turmas, em muitos casos, cujas crianças
ainda estão em fase de desvendar processos de letramento e numeramento,
necessitando de maior intervenção e ajuda docente, em que a unidocência traria
maiores oportunidades de acompanhamento e intervenção mais efetiva e duradoura.
169
No entanto, esta é uma preocupação bastante ausente nas falas trazidas, até
mesmo porque, de acordo com a Professora 3, a regra é clara, a intenção é: “Dar
conta da Prova Brasil (...) e focar mais em uma disciplina, que o resultado seria
melhor” (grifo nosso). De modo que esta organização burocrática escolar estruturada
a partir da histórica compartimentalização, fruto da ciência moderna, conta com um
mal maior: Os professores, oriundos de um processo formativo nessa mesma
perspectiva, não conseguem vislumbrar possibilidades de interação e interconexão
entre os compartimentos do saber. Logo, a expressão grifada acima já demonstra a
intenção de ênfase no processo de fragmentação e isolamento da disciplina em si
mesma.
Nesse sentido, temos uma estratégia que em benefício da avaliação externa,
vai de encontro a um dos princípios que fundamentam a contextualização e, portanto,
à pertinência do saber, que nas palavras de Garcia (2000, p.129) refere-se à
necessidade de:
[...] romper as fronteiras disciplinares que dividem o real em domínios diferentes e fechados, e como nas guerrilhas, ir fazendo incursões transversais por terrenos guardados por antigos proprietários possessivos que, na ausência de policiar a entrada em seu território, não percebem que há outras formas de entrada até então pouco conhecidas e que as fronteiras vêm sendo transpostas em busca de novos diálogos, de férteis negociações, entre lugares de tradução que nos possibilitam ver o que antes não éramos capazes de ver, apenas por não compreender.
O processo de contextualização fomenta, portanto, uma nova possibilidade de
compreensão, um novo paradigma de conhecimento que vislumbre os saberes de
modo a concebê-los entrelaçados, engalfinhados, relacionados entre si, o que pode
ser comprometido com a hiperespecialização dos saberes.
6.1.3 DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS NA ROTINA ESCOLAR
No decorrer das entrevistas realizadas com os docentes, percebemos que as
estratégias utilizadas por eles, em anos ímpares, estão diretamente ligadas à
distribuição da carga horária das disciplinas, na rotina escolar. Todos os 10
170
entrevistados, disseram ter aumentado ainda mais, a carga horária das disciplinas
avaliadas na Prova Brasil. Como é possível observar nas falas abaixo:
Isso não se comenta não, viu! Mas eu, depois que passou a Prova Brasil, foi que eu vim trabalhar com as outras disciplinas, enquanto a prova não aconteceu, o foco lá foi só português e matemática. As outras, mandava “pra” casa ou fazia algum trabalho, para dar nota, porque tem que constar, né? (PROFESSORA 2, grifo nosso).
Eu fiquei com Matemática, História e Ciências. Então, eu dava aula de Matemática todos os dias. As outras, eu tirava uma vez na semana. A minha coordenadora orientou assim e minha formadora de Matemática já dava os toques: Olhe, divida os descritores da Prova Brasil, por dia. Cada dia da semana você trabalha aqueles descritores específicos. E assim eu fiz e deu certo, deu tempo trabalhar todos eles (PROFESSORA 5).
História, Artes, Geografia? Elas foram esquecidas, porque a pressão era em Português e Matemática. Quer dizer que em ano de Prova Brasil, as outras disciplinas ficam esquecidas? E o pior é que essa orientação é dada pelas próprias formadoras, elas não falam em palavras explícitas, mas sim nas entrelinhas, pra gente entender e seguir a dica (PROFESSORA 6).
Somadas à ênfase do estreitamento curricular já causado pela docência
compartilhada, percebemos ainda outros desdobramentos. Dentre as poucas
disciplinas que os professores lecionam, eles tendem a focar quase que,
exclusivamente, apenas em Português e Matemática: “Enquanto a prova não
aconteceu, o foco só foi português e matemática” (PROFESSORA 2); “História, Artes,
Geografia? Elas foram esquecidas, porque a pressão era em Português e Matemática”
(PROFESSORA 6).
Atrelado a isso, no que se refere às disciplinas de Português e Matemática, há
uma restrição apenas aos conteúdos que serão avaliados, especificamente (alguns
procedimentos de leitura e resolução de problemas); o que demonstra uma redução
absurda, uma colonização do saber.
Assim, o processo de ensino e aprendizagem torna-se viciado e cada vez mais
limitado. Como é possível perceber na síntese das palavras de Paulo Ronca: "Só se
estuda se tiver prova. Só se estuda para a prova. Só se estuda se cair na prova. Só
se estuda o que cair na prova" (RONCA, 1991); o que impõe e limita um determinado
repertório a ser conhecido e nega o direito que os sujeitos aprendizes têm de acessar
outras linguagens, outros códigos, outras possibilidades de compreender e analisar a
171
realidade, sobretudo, para a maioria de uma população pobre que tem na escola, a
única oportunidade de acessá-las.
Percebemos, ainda, a intensa conexão entre as estratégias utilizadas pelo
professor em sala de aula e as orientações vividas ao longo das formações
continuadas: “E o pior é que essa orientação é dada pelas próprias formadoras”
(PROFESSORA 6); “e minha formadora de Matemática já dava os toques”
(PROFESSORA 5). Entendemos assim, a estreita relação entre formação docente e
o currículo vivenciado nas escolas. Ao longo desse processo, as formações
continuadas tornam-se “pacotes de treinamento”, fechados, planejados verticalmente,
sem a participação docente, numa perspectiva apenas de transferibilidade (MACEDO,
2014).
O currículo nessa perspectiva tradicional é burocrático, manifestando-se como
um conjunto mecânico e estruturado de objetivos que se deseja alcançar nos exames.
Aparece como conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações (SACRISTÁN, 2000, p. 46).
A partir dessas avaliações e de todas ações originárias de seus imperativos,
nossas escolas “fabricam” todos os dias, educandos cada vez mais hábeis em
questões de múltipla escolha, mas incapazes de construir, estabelecer relações
críticas, tornando-se cada vez mais reprodutores e copistas, afinal, os procedimentos
da avaliação são fruto das expectativas e conhecimento “básico” que o sistema
capitalista destina à escola visando à manutenção de seus ideais. Referendando o
pensamento de Luckesi (2008, p. 19): “O estudante deverá se dedicar aos estudos
não porque os conteúdos sejam importantes, significativos e prazerosos de serem
aprendidos, mas sim, porque estão ameaçados por uma prova”.
Sendo assim utiliza-se do argumento de que o currículo valorizado nas
avaliações padronizadas exige o conhecimento básico, defendido como aquele que é
bom para todos. Freitas (2012, p.12) afirma que é exatamente aí, onde está o perigo
dessas ‘avaliações’, pois, com a restrição curricular, a formação da juventude fica
comprometida, uma vez que “deixa muita coisa relevante de fora, exatamente o que
172
se poderia chamar de ‘boa educação’”. Mas, em se tratando de ensinar apenas o
‘básico’ aos mais pobres, aos olhos da ideologia do capital, é o essencial.
A ênfase contínua na testagem serve para legitimar um sistema de estratificação nas escolas. A testagem proporciona uma justificação única para as diferenças individuais a fim de manter uma provisão constante de mão de obra barata para manter a estratificação de classe. O papel das escolas em uma estrutura capitalista behaviorista é “produzir” trabalhadores que alimentam um sistema econômico desigual (KAUFMAN, 1993, p.94 apud HOFFMANN, 2008, p.18).
Nessas condições, percebemos a relevância do currículo e podemos ainda
compreendê-lo como um conjunto de práticas produtoras de significados. Na
concepção de Williams (1984 apud MOREIRA E CANDAU 2007), o currículo está
relacionado às escolhas feitas a partir de um amplo campo de possibilidades, ou seja,
de uma seleção cultural. Logo, é um dos meios mais eficazes para que os grupos
socialmente dominantes que o elabora, possam expressar e impor suas concepções
sociais e culturais, promovendo a disseminação e o consumo de suas verdades,
influenciando na tessitura da identidade dos educandos. E a avaliação é a estratégia
utilizada para garantir a obediência a este currículo, uma vez que são os resultados
obtidos a partir dos instrumentos avaliativos que definem um se a escola tem
desenvolvido ou não um trabalho de qualidade.
6.1.4 SIMULADOS, AULÕES E GINCANAS
Dos 10 (dez) professores entrevistados, todos afirmaram o trabalho cotidiano
com os simulados. Entre esses, 06 disseram que com exceção dos simulados
enviados pela SEDUC, eram eles mesmos quem elaboravam seus simulados. Os
outros 04 relataram o seguinte:
Nós tínhamos os da secretaria, por unidade, e tínhamos os nossos, que a direção e a coordenação organizavam, elaboravam e a gente que aplicava. (PROFESSORA 9).
Fizemos muitos simulados, toda semana tinha. Os meninos perguntavam se era “pra” nota, aí eu dizia que era, pra poder estimular. Era a direção que fazia e aplicava os simulados. A gente só fazia a correção. No dia de simulado, eles já falavam: De novo, tia? (PROFESSORA 7, grifo nosso).
Era tanto simulado que elas montavam que, às vezes, os meninos diziam: Tia, a gente já fez esta questão. Isso acontecia, porque elas
173
pegavam da internet e acho que acabavam esquecendo quais simulados já tinham sido impressos (PROFESSORA 8, grifo nosso).
Então, a minha gestora e a minha coordenadora, elas direcionam. Tem coisas que acontecem e que a gente recebe assim: Tem que fazer isso. Hoje, você vai ter que trabalhar esse simulado. O simulado ela mesma prepara, não pergunta nada, não chega para discutir e perguntar qual descritor eu estou trabalhando, qual habilidade. É isso que acontece. Você é cobrada, mas é colocada em segundo plano. E fazem aquela pressão, nos colocando como incapaz (PROFESSORA 4, grifo nosso).
Os depoimentos acima nos revelam a rotina a qual os estudantes são
submetidos, tendo em vista um processo educativo cujo foco prioritário é aproximar o
educando do formato e dos procedimentos exigidos pelas avaliações padronizadas.
O investimento nesse tipo de atividade mostra-se não só desprovido de atrativos e
impossibilidades de autoria discente, mas sobretudo, de extrema exaustão por parte
do estudante, o qual percebendo a ausência de criatividade e existência de um
tentativa de robotização (mesmo que inconscientemente) denuncia em poucas,
porém, fortes expressões, sua indignação e insatisfação diante do que lhe é imposto:
“De novo tia?”; “Tia, a gente já fez esta questão”; “É para nota?”
Colocações que demonstram que apesar de um processo que poda sua
capacidade de pensar, argumentar e construir, pedindo-lhe apenas para marcar um X
em respostas já elaboradas, os educandos ainda não estão de todo alheios e de certo
modo, mostram resistências às aberrações com que se defrontam na sala de aula. Os
simulados são apenas um dos indicativos de uma avaliação que tende a transformar
as salas de aula num lugar cujos professores são apenas repassadores de conteúdos,
aulistas e treinadores de competências que possibilitem bons resultados
(ARROYO,2011, p.27).
Além da estratégia dos simulados realizados, com frequência, outra ação
implementada foram os conhecidos “aulões”, prática esta que até pouco tempo era
“moda” conhecida apenas em cursinhos preparatórios para o vestibular e ENEM, e
que o aluno escolhia participar ou não, mediante o seu grau de necessidade e
interesse em reforçar os “conteúdos das provas”, chega agora às séries iniciais.
Tivemos também, aulões, antes da Prova Brasil. A SEDUC já mandou tudo pronto, em relação ao que deveria ser trabalhado nos aulões. E aí, foi um momento de tirar dúvidas, reforçar alguns descritores, eles
174
gostaram porque a gente colocou data-show, ficou diferente (PROFESSORA 1).
Tiveram uns aulões já na reta final, no mês de novembro. A SEDUC mandou um material todo pronto “pra” gente realizar e aí, nós realizamos outros até a chegada da prova, para deixar eles já no clima (PROFESSORA 2).
Bom, eu também fiz uns dois aulões, um seguindo o material da SEDUC, mas para mim, tudo isso foi uma forma de pressão mesmo, um pesadelo “pra” gente não desviar do foco. Aí, fiz outro com atividades-modelo que peguei no site do Inep (PROFESSORA 10).
Fizemos aulões também, para revisar. Essa Prova Brasil está pior que o ENEM e que o vestibular. E eu confesso, Neila, eu saí da UNEB em 2011 e entrei no ramo da educação ontem, e fiquei DECEPCIONADA, tanto é que todo dia eu dizia a meu esposo: Ano que vem, eu não quero 5º ano nem com reza (PROFESSORA 6).
Estaríamos vivenciando um vestibularzinho? Realizar simulados e aulões para
adaptarem-se aos gabaritos, “Reforçar descritores”; “deixar eles já no clima”; “revisar
atividades-modelo”, são objetivos que nos apontam para a vivência de um processo
totalmente direcionados à preparação para o exame, tal como acontece no Ensino
Médio, ao final da educação básica. No entanto, com um agravante: Fazer o vestibular
ou o ENEM, ao final da educação básica, é uma escolha do estudante e de sua família.
Vivenciar esse cenário preparatório para a Prova Brasil na infância, não.
A criança é colocada numa situação de obrigatoriedade de realizar todos esses
imperativos, sobretudo, porque tendem a assumir um caráter autoritário e
disciplinador, sob a justificativa de que “vale nota” e, sendo a nota o seu estímulo e
“passaporte para o futuro”, não há muito o que o estudante discutir. Analisando estas
ações e a partir de Hoffmann (2008, p.67), vemos o foco da educação centralizado no
ensino, na programação curricular, nas atividades de cunho técnico e não nas
aprendizagens e na qualidade destas, que só se torna possível, a partir do binômio
diferenciação/acompanhamento dos educandos; o que torna a avaliação e as práticas
ligadas a ela, de cunho altamente burocrático.
Logo, percebemos que o município investigado vivencia uma paranoia,
colocando como foco das práticas educativas, as demandas das avaliações externas.
O que se verifica são ações pedagógicas empobrecidas distante de atenderem aos
anseios e às demandas dos educandos; uma vez que as práticas são “uniformes,
padronizadas, não se efetivando um atendimento diferenciado e intencional em
175
termos de suas necessidades e possibilidades” (PERRENOUD, 2000 apud
HOFFMANN, 2008).
Some-se a isto a extrema vigilância a qual o trabalho docente é submetido,
frequentemente, incluindo-se aí atividades “invasoras” na sua rotina, produzidas por
outros sujeitos, tais como os simulados e materiais do aulão, que tendem a colocar o
professor na simples condição de receptor e operacionalizador: “você é cobrada, mas
é colocada em segundo plano. E fazem aquela pressão, nos colocando como
incapaz (PROFESSORA 5, 2015, grifo nosso). Logo, como reflete Arroyo (2011,
p.35), “o caráter centralizado nas avaliações tira dos docentes o direito a serem
autores, sujeitos da avaliação do seu trabalho”.
Outra estratégia trazida nas falas dos professores foi a realização das
“Caravanas do conhecimento”. De acordo com informações coletadas na SEDUC,
esta foi uma iniciativa da Superientendência Pedagógica, reunindo escolas municipais
da zona urbana e da zona rural, com o objetivo de revisar o conteúdo de Português e
Matemática da Prova Brasil, principal exame do país para avaliar a qualidade da
educação.
As formadoras avaliaram as caravanas como um momento de descontração,
integração entre alunos, professores, gestores e escolas, através de atividades
lúdicas, em que as escolas vencedoras, receberam troféus.
Segundo os professores, na verdade, tratava-se de uma gincana com um nome
“mais bonito”, onde se separou as escolas que ficavam próximas, para competirem
entre si, seguindo os mesmos procedimentos de uma gincana.
Na verdade, a Rede impôs uma gincana. “Pra” garantir mais uma vez, se estávamos trabalhando o que deveria, elaboraram isso bem perto das semanas que antecederam a Prova Brasil. A gincana era hoje e a gente ficou sabendo ontem. Assim, de supetão (PROFESSORA 10).
A proposta da caravana, era sabe qual? É tipo fazer uma revisão com brincadeira. Mas, a gente sabe bem que o intuito ali é avaliar como é que “tá” os meninos e, consequentemente, o professor. Não tem “pra” onde correr. A gente vê a fala delas quando vêm se despedir, dizendo: Ah! Os meninos estão de parabéns; a gente viu que o trabalho está sendo feito e que bom. Então, você percebe a intenção, na fala. Mas que “pros” meninos é uma brincadeira, as crianças não veem isso (PROFESSORA 5).
176
Apesar de tentarem dizer que era um momento dinâmico, de brincadeiras entre as escolas, foi um momento de ver: “vamos ver se a escola realmente trabalhou, preparou, deu conta. Vamos ver se ela ensinou aos meninos”. Era um momento de nos avaliar, comparar escolas. Elas levaram as provas e a gente não podia nem encostar perto dos meninos. Ao final, a escola vencedora recebeu uma plaquinha bem bonitinha com o nome “Vencedores da Caravana” (PROFESSORA 8).
A rigidez dessas políticas educacionais padronizadas e centralizadas na
avaliação do desempenho final se sobrepõe à criatividade e autonomia dos docentes
e discentes, uma vez que coage a escola a não se esquivar dos conhecimentos que
serão avaliados os quais se tornam, pois, privilegiados, definindo assim, a imposição
de um currículo oficial.
Porém, embora alguns professores entrevistados demonstrem ter clareza do
controle e pressão a que estão submetidos a partir dessa política de avaliação,
afirmando inclusive, um sentimento de decepção ao perceber uma realidade
educacional prática distante daquela que é teorizada na academia; ainda que
discordem, não problematizam, não se contrapõem, não subvertem e terminam por
silenciar e assimilar o discurso da política oficial, dando continuidade e reproduzindo
as práticas consideradas “benéficas”, indiscutíveis e inevitáveis à melhoria
educacional. Assim, essa “cultura do intocável pesa sobre a cultura docente como um
mecanismo de controle dos próprios docentes” (ARROYO, 2011, p. 47).
6.1.5 NA VOZ DOS PROFESSORES: O QUE PODE SER FEITO PARA AMENIZAR
A TENSÃO EM ANOS DE AVALIAÇÃO PADRONIZADA?
Ao longo das entrevistas, os professores foram se colocando de modo muito
livre e à vontade, talvez, porque do ponto de vista prático não conseguiam ver em
mim, uma pesquisadora, mas sobretudo, professora. E isso colaborou bastante com
a nossa coleta de dados, tendo em vista, que muitos elementos puderam vir à tona.
No decorrer das falas, os docentes afirmavam, com frequência, o peso e a
carga que os docentes do 5º ano tendem a carregar, justificando que embora seja
nesta série, a realização da prova que constrói o Ideb, a avaliação é de todo o percurso
que vai do 1º ao 5º ano, final do Ensino Fundamental 1. Nesse sentido, 07
entrevistados pontuaram em suas falas, algumas estratégias que eles já têm utilizado
177
e/ou que podem amenizar a angústia que vivem em anos de Prova Brasil. Para
esclarecê-las, trouxemos 04 falas.
Bom, é muita sobrecarga em nossas costas. E uma das coisas que eu acho errado é justamente isso, porque só querem trabalhar no ano em que vai ser cobrada a Prova Brasil. Enquanto isso, o 4º ano é esquecido, mas quando chega no 5º ano, aí vem aquela cobrança todinha pra cima da gente. Então, porque não se começa a trabalhar os descritores logo desde o 4º ano, mesmo não sendo cobrado? Porque, pelo menos, quando chegar no ano que vai ser cobrado, não vai ser tanta loucura assim, né? Muitas coisas em cima do professor, sobrecarrega, viu! (PROFESSORA 3).
Com a docência compartilhada, eu passei a dar aula nos 4º e 5º anos. Então, já fiz o seguinte: Comecei a colocar os meninos do 4º ano no clima do 5º. Às vezes, se assustavam com a quantidade e com o volume dos textos – “Vixe, tia, é grande!” Mas depois, começaram a ir acostumando, uns se saiam melhor que os do 5º. Eu acho que a saída é esta, começar desde o 4º mesmo, porque não adianta, a Prova Brasil sempre volta e tem gêneros textuais que os meninos do 4º ano não trabalham, mas que caem na Prova, e eles chegam com muita dificuldade. Mas aí, a gente tem de ser virar nos trinta? (PROFESSORA 4).
Olhe, eu acho assim, a avaliação não é de todo o Ensino Fundamental 1? De todo o processo? Então, eu acho que essas formações, esse acompanhamento todo deve começar desde o 1º ano. E até das creches, pois há quem defenda que não é obrigada a criança sair conhecendo as letras. Se o objetivo é esse Ideb que eles pensam tanto... não que eu ache que deveria, por mim, nem tinha. Não tinha Prova Brasil, não tinha Provinha Brasil, nem ANA e nem nada, pois estão pensando muito nessas provas e deixando de lado o que realmente deveria acontecer dentro da sala de aula (PROFESSORA 1).
A coordenação me questionava: Sua prova do 4º está igual a do 5º. E eu falava: Pois é, estou trabalhando na mesma linha. O 4º ano vai ter de se adaptar à Prova Brasil. E o meu 4º trabalhou assim. Então, antecipando no 4º, quando eles chegarem ao 5º já estarão adaptados, não vão ter dificuldades nenhuma. Porque até “pra” você pegar em poucos meses e adequar o menino para uma realidade que ele nunca viu, formato de avaliação, os descritores cobrados, simulado, tudo, tudo, é duro (PROFESSORA, 9).
As falas destacadas nos exige pensar sobre a localização da infância no tempo-
espaço construído pelo sistema de avaliação padronizada. Estaríamos caminhando
rumo ao desaparecimento de uma infância que brinca, que corre, que cria, que faz
arte? Um processo de adultização precoce que tende a preocupar-se única e
exclusivamente com a inserção das crianças em técnicas de letramento e
178
numeramento, cada vez mais intensas e antecipadas, com vistas aos processos
avaliativos que também se manifestam cada vez mais cedo?
A exemplo disso, já podemos citar a Provinha Brasil (realizada no 2º ano), a
ANA (realizada no 3º ano), o que também pode fomentar ainda mais o “estreitamento
do currículo”, desde a mais tenra idade, já que o caminho que tem sido percorrido por
países distintos, inclusive, no Brasil, é praticamente, limitar o ensino e a aprendizagem
em função das provas externas, as quais excluem, a essência da totalidade do
currículo vivido.
Ou seja, desde a sua entrada nas primeiras séries, as crianças são submetidas
aos testes padronizados. Período este em que segundo Hoffmann (2008, p.115) as
crianças estão em plena fase de brincar, falar, perguntar muito, descobrir, interagir,
sorrir, desenhar e criar. O que exige do docente trabalhar perspectivas de letramento
e numeramento que extrapolem as restrições dos números e das letras, perpassando
pela leitura do mundo que permeia a infância, suas necessidades e aventuras.
E o que percebemos nas vozes dos professores é, basicamente, a substituição
desses processos citados pela antecipação prioritária de processos preparatórios para
esses exames, a exemplo da fala da Professora 1 a qual sugere que o trabalho deve
começar desde o 1º ano ou até mesmo nas creches; o que se apresenta como um
fator perigoso de obstáculo ao desenvolvimento integral da criança, o qual não se
limita ao aspecto cognitivo.
O risco que se apresenta é, cada vez mais, se aprisionar crianças em salas de
aula, presas nas suas cadeiras, respondendo a incansáveis simulados e atividades
de marcar um X; porque as avaliações estabelecem não somente o que deve ser
aprendido, mas também, o tempo dessas aprendizagens, afinal, a prova tem data
marcada. Tais situações tendem a reduzir as possibilidades de contextualização,
liberdade e construção, as quais não são podem ser escravas dos padrões fixados.
Não duvidamos, inclusive, que algumas ações nesse sentido, já tenham se
iniciado, afinal, a Professora 9 já diz ter antecipado os conteúdos da prova, para a
turma do 4º ano. Outro fato curioso é que na cidade lócus desta pesquisa, o direito ao
recreio já foi extinto e os professores não sabem explicar bem o porquê. Pensando
nisso, uma das professoras relataram, que durante o ano de 2015, um grupo do PIBID
179
percebendo a ausência do recreio, elaborou um projeto de intervenção, pensando na
contação de histórias, brincadeiras e músicas; porém, só pôde ser desenvolvido após
a realização da Prova Brasil (mês de novembro), ou seja, até que não aconteça a
avaliação, um projeto lúdico não pode ser desenvolvido com a criança, porque ela
precisa ser posta em atividades mecanizadas que preparem para o teste. Um roubo
da infância. Uma absurdez que precisa ser denunciada.
Discutir, pois, a contextualização do ensino frente às especificidades da
infância, exige se pensar num currículo e nos processos avaliativos a que esta infância
é submetida, uma vez que a “Escola é lugar de criança. Não se deve atropelar a
infância, pois o perigo é atropelar o futuro dessa geração” (HOFFMANN, 2008, p.117).
6.1.6 O PROJETO EDUCAÇÃO NOTA 10
Dentre as ações contempladas nas falas dos entrevistados, identificamos a
referência ao Projeto Educação Nota 10, lançado pela SEDUC no ano de 2015, o qual
apresentou como objetivo, melhorar os indicadores educacionais das escolas
municipais, tendo em vista reduzir, no presente ano, as taxas de reprovação e
abandono escolar chegando a 0% em todos os níveis, até, no máximo, o ano de 2016.
Entre os objetivos específicos destacam-se:
Fortalecer as políticas educacionais acerca do acesso, da permanência e da aprovação dos alunos nas escolas públicas municipais, contribuindo, dessa forma, para a melhoria dos indicadores educacionais de juazeiro;
Premiação das escolas com maiores índices de aprovação e menores índices de reprovação e evasão;
Valorizar experiências exitosas desenvolvidas na Rede, através de premiação, nos projetos Inovar Mestre e Inovar Gestão (SEDUC, 2015).
Visando ao aumento dos indicadores de qualidade, o município tem apostado
em ações que promovam o fim da reprovação, o que do ponto de vista de inclusão e
garantia do direito à aprendizagem, é uma iniciativa pertinente.
180
Todavia, é preciso muito cuidado para que não estejamos a fomentar ações,
em que visando ao alcance das metas, às premiações e “reconhecimento” de suas
práticas como exitosas, escolas e docentes sejam levados a compreenderem a não
reprovação como sinônimo de não avaliação e aprovação automática, sem
acompanhamento sistematizado e intervenção pedagógica, o que pode gerar ainda
mais problemas no percurso educativo dos sujeitos.
De acordo com o Secretário de Educação:
Quando a gente fez o projeto educação nota 10, a gente foi alvo de muitas críticas, mas observe: A gente tem uma linha de pensamento progressista que sempre entendeu a importância da mobilização social que produz bons resultados em qualquer área que seja de política pública, então, é preciso mobilizar a sociedade. E o projeto educação nota 10 veio “pra” isso. E esse desafio foi posto de forma bem intencional. A gente percebeu que os alunos na última Prova Brasil tiveram melhores resultados do que na edição anterior. No entanto, o índice de reprovação aumentou, então, o conceito de avaliação “tá” errado. Não era só perseguir a melhoria do índice, nós começamos a investir em formações para discutir avaliação de forma muito mais contundente. Porque se os alunos aprendem mais, porque eles estão sendo mais reprovados? Tinha alguma coisa errada aí que não se explica. Então ainda tem muita coisa aí que é da cultura do professor. Agora, também, a gente não quer resultado por resultado não, a gente disse isso em todos os encontros. Não é isso! Então, essa foi a realidade da educação nota 10 que foi muito mal compreendida por parte de alguns (C.A, 2016).
O trecho supracitado junto aos objetivos do Projeto explicita a intenção em se
“produzir bons resultados”, diminuindo o índice de reprovação e evasão, para
consequentemente, melhorar os indicadores. A justificativa supracitada ratifica o
discurso utilizado pela formadora no primeiro dia de formação continuada: Se os
meninos se saíram bem na Prova Brasil, significa que eles estão aprendendo, logo,
não há justificativa para os índices de reprovação interna.
Tal perspectiva coloca o problema sob responsabilidade única do docente:
“Então ainda tem muita coisa aí que é da cultura do professor” (C.A, 2016). Nosso
objetivo aqui não é adentrar nos equívocos e até barbáries que ainda acontecem nas
salas de aula mundo a fora no que se refere à avaliação da aprendizagem, mas sim,
destacar que os resultados obtidos nas avaliações externas passam a ser
interpretados como uma verdade “pura”, enquanto a avaliação realizada pelos
professores não. Como podemos ver não se cogita nem a possibilidade de se analisar
181
possíveis distinções entre como e o quê os professores priorizam na avaliação interna
e o quê a Prova Brasil tem priorizado.
Portanto, as avaliações externas podem assim, trazer grandes prejuízos à
aprendizagem e desenvolvimento integral dos educandos, tendo em vista que os
sistemas de ensino passam a viver em função delas, colocando-a como parâmetro
dominante ideal, reduzindo as avaliações internas às mesmas perspectivas das
avaliações externas, o que mais uma vez, pode aumentar a exclusão dos saberes
sócio-culturais, ambientais, político e econômicos locais, do currículo vivenciado.
Em relação ao investimento em formações desenvolvidas para se discutir
avaliação, os 10 professores entrevistados afirmaram só terem acontecido duas, no
mês de julho de 2015. A primeira tratou de discutir a importância e o formato da Prova
Brasil, ressaltando a necessidade de cada escola e de cada docente investir no
aprendizado das crianças, como garantia dos bons resultados.
Durante esta primeira oportunidade, já estávamos estudando e desenvolvendo
este estudo, por isso, nos convidaram a participar da mesa redonda junto a outros 03
convidados para discutir a avaliação externa. Todavia, como palestrante, fomos a
única a iniciar uma problematização em torno das coerções e ações que ferem a
autonomia docente diante das práticas educativas mecanizadas que estavam sendo
fomentadas não só em Juazeiro, mas também, na cidade vizinha e em tantos
municípios e estados; a partir da necessidade exaustiva de alcançar índices sem
discutir os diversos contextos que abarcam as distintas escolas municipais e que,
consequentemente, são invisibilizados, mas que interferem diretamente nos
desempenhos. Questionamos, também, a competitividade que vem sendo estimulada,
a partir da promessa de prêmios à escolas e professores que atingirem as metas, tal
como consta no Projeto Educação Nota 10.
Foi uma vivência muito interessante durante o encaminhamento desta
pesquisa, tendo em vista o fato de que, dentre todas as falas até ali feitas, foi o
momento em que os professores demonstraram apoio, os olhos ávidos, atentos e
vibrantes, demonstravam que alguém estava ali ocupando o lugar da fala docente,
deixando vir à tona os gritos abafados nas escolas, nas salas de aula. E foi a partir
desse momento, que achamos ainda mais relevante, permitir que este trabalho
182
oportunizasse o direito de voz dos professores, pois naquele auditório, elas pediam
espaço, elas pediam escuta.
Todavia, a representante da secretaria de educação, naquele momento, tomou
posse do microfone, para silenciar a nossa fala, afirmando em alto tom que um dos
trabalhos mais acertados da secretaria é a preocupação com os índices e que se
sentia feliz por ter escutado isso. E complementou, afirmando que os prêmios não
geram competitividade, mas sim, estímulo para o professor continuar trabalhando e,
por isso, a estratégia de premiar seria sempre bem-vinda. Postura esta que confirma
a política liberal assumida pela educação, em que a meritocracia perpassa pela
responsabilização.
Ela está na base da proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz a diferença entre as pessoas é o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito sobre a igualdade de condições no ponto de partida. No caso da escola, diferenças sociais são transmutadas em diferenças de desempenho e o que passa a ser discutido é se a escola teve equidade ou não, se conseguiu ou não corrigir as “distorções” de origem, e esta discussão tira de foco a questão da própria desigualdade social, base da construção da desigualdade de resultados (FREITAS, 2012, p.383).
No que se refere à segunda oportunidade de formação, de acordo com os
entrevistados, limitou-se a socializar algumas “atividades avaliativas” elaboradas por
professores da rede municipal de ensino, apontando as fragilidades na construção
das mesmas, não adentrando nas finalidades, no como, para quê e por quê se avaliar.
Nesse sentido, os docentes entrevistados disseram não conhecer
detalhadamente o Projeto, sua justificativa, fundamentação e metodologia. A única
coisa que sabiam e que foi bastante enfatizado pelos gestores e coordenadores, era
que seria preciso diminuir a reprovação e evasão escolar e, se possível, reduzir essas
taxas a 0%.
“Pra” ser sincera, eu achei esse projeto tão vazio, tão sem consistência, sem pé nem cabeça, ninguém conhecia as justificativas, a fundamentação teórica, só sabia que tinha de melhorar os números. E aí, lá na escola, fizeram o projeto “Aluno nota 10”, em que o menino que não tinha faltas, fazia todas as atividades, tirava boas notas, ganharia um prêmio ao final do ano. Mas isso é pouco, eu acho que deveria envolver o comportamento, família, respeito, outras dimensões. (PROFESSORA 6).
183
Na verdade, resumindo, o que eu sei é que este projeto veio “pra” pressionar a direção, porque não poderia haver a questão da reprovação e da evasão, por conta do Ideb. E a gente via só a divulgação de escola ganhando Nota 10, nota 10, mas a gente não sabe e nem via em quê. O índice de reprovação lá na escola, foi mínimo, muito, muito pouco. Se houve qualidade, eu tenho muitas dúvidas, sabe?! Muito menino que “capengou”26 o ano todinho foi aprovado no conselho (PROFESSORA 7).
Eu sei que em toda unidade, os diretores tinham de enviar uma lista com o nome do professor, da disciplina e a quantidade de alunos que tinham ficado abaixo da média. E ainda descrevia o perfil do professor, acredita? E ia comparando cada unidade, pra ver se as médias aumentavam. Muito diretor pegando no pé do professor, por conta disso. Eu sei que no fim das contas, tiveram alunos que tiraram 2,0 na recuperação final, “foi” para o conselho e mesmo assim ainda foi aprovado (PROFESSOR 4).
Esse projeto foi bom por um lado, porque a diretora, o secretário e até a gente ia mesmo na casa de um aluno, quando faltava, pois não podíamos elevar o índice de evasão e isso ajudou. Mas também, teve “maracutaia27”, cá “pra” nós, lá teve uns 4 meninos que sumiram da escola, evadiram, mas a diretora fez a transferência e colocou lá como transferidos. Aí não entre na taxa de evasão (PROFESSOR 10).
Esses depoimentos revelam por si mesmos a precarização de iniciativas
investidas na busca para atender aos critérios quantitativos que estabelecem o padrão
de qualidade educacional. Tendo-se a clareza de que a discussão em torno da
complexidade que envolve a avaliação, compreensão, desconstrução de ideias e
práticas arraigadas e reconstrução de práticas menos exclusivas, não são
instantâneas e os resultados práticos não se darão da noite para o dia, somadas ao
pouco interesse dessa discussão por parte das intenções de cunho liberal que têm
guiado as reformas educacionais, abandona-se as possibilidades de levar o corpo
docente a uma reflexão crítica sobre este processo e foca-se em ações que tendem a
trazer resultados observáveis imediatos.
Segundo o Secretário de Educação o Projeto Educação Nota 10 é uma “cópia”
de um projeto desenvolvido em Sobral, Ceará, o qual apresenta hoje o 5º melhor Ideb
do país. E, dentre as ações fomentadas, estão a penalização das escolas que “perdem
alunos” e a bonificação dos professores cujas turmas apresentam bons resultados,
uma vez que este “reconhecimento” estimula o docente a se dedicar cada vez mais.
26 Nesse contexto, significa “sentiu muita dificuldade”. 27 Expressão utilizada para indicar fraude, uma manobra ilegal, falcatrua.
184
Um dos meios mais eficientes para se alcançar este objetivo é o estímulo à
competitividade. No caso do Projeto Educação Nota 10, uma competitividade que gera
um retorno: o prêmio. Daí, observamos que entre os objetivos básicos, encontra-se a
“Premiação das escolas com maiores índices de aprovação e menores índices de
reprovação e evasão” (SEDUC, 2015). E foi exatamente os termos em destaque que
se tornaram mais significativos no que se refere ao entendimento do projeto, por parte
dos gestores, coordenadores e professores: Aumentar a aprovação, diminuir a evasão
e ganhar a premiação. Eis a síntese do projeto.
Fomentar o mérito no centro do trabalho dos profissionais do magistério incita
às disputas em busca pela premiação, cujo alcance simbolicamente representa o título
de “melhor”, “mais capaz” na promoção da qualidade do ensino. Isso significa a
reprodução de uma lógica extremamente produtivista, ganha o prêmio quem “produzir
mais”. Desse modo, essa mesma lógica é incorporada à escola, como é possível
perceber na fala da Professora 6, ao afirmar que o aluno que não faltasse e tivesse
boas notas seria premiado.
A Professora 7 relata que na escola em que trabalha, os índices de reprovação
caíram drasticamente, o que seria de comemorar, caso ela não assumisse que duvida
dos procedimentos qualitativos e lícitos de como se deram essas promoções. A
professora 4 enfatiza que devido à pressão em reduzir os números, alunos que não
progrediram na aprendizagem e que durante a recuperação final, tiraram 2,0, foram
aprovados no conselho de classe, mesmo sem ter sido realizada uma discussão em
termos qualitativos.
E, para fechar, a Professora 10 afirma que sua escola fez uma “maracutaia”,
colocando o número de alunos evadidos, como alunos transferidos, camuflando
assim, a realidade. Percebemos, pois, um sentido que vai da pressão à fraude. Donald
Campbell (1976, p. 49 apud FREITAS, 2012, p.392) argumenta que à medida em que
um indicador social quantitativo tende a ser “utilizado para fins sociais de tomada de
decisão, mais sujeito ele estará à pressão de corrupção e mais apto ele estará a
distorcer e corromper os processos sociais que se pretende monitorar”. Sobretudo, no
campo da educação, tendo em vista que a aprendizagem não está restrita ao controle
e à competência docente.
185
Fernandes (2007) já apontava a previsão de que com a criação do Ideb, as
escolas poderiam se preocupar apenas em elevar as taxas de aprovação, como uma
possibilidade compensatória em relação aos resultados no Saeb ou na Prova Brasil,
já que, se o desempenho nestas avaliações for baixo, o alto número de aprovação
evita que o Ideb diminua. Fato este que pode gerar um efeito contrário ao que tem
sido defendido: A melhoria da qualidade.
Dos 10 professores entrevistados, por exemplo, 6 deles confessaram não ter
investido no trabalho com produção textual, uma vez que é um processo que exige
acompanhamento e tempo, no entanto, como a Prova Brasil não avalia produção de
texto, isso foi praticamente esquecido nas salas de aula. Isso comprova que há
grandes chances de que ao invés de possibilitar a melhoria da qualidade educacional,
podemos ter escolas com menor nível de aprendizagem e índices mais elevados.
Logo, inseridas no sistema escolar guiado pelo pensamento neoliberal, as
instituições de ensino desenvolvem alternativas para competirem nesse cenário,
utilizando-se, inclusive, de meios ilícitos. Nesse sentido, neste ano de 2016, já foi
anunciado na primeira reunião com gestores escolares, que durante a Jornada
Pedagógica que dará início ao ano letivo, entre as 123 escolas municipais, 100
atingiram as metas propostas pelo Projeto Educação Nota 10.
Dentre estas, as 05 “melhores” serão premiadas. Cada uma dessas instituições
receberá um cheque de cinco mil reais, além de que alunos e professores também
receberão prêmios, os quais até o início de fevereiro, não havia sido divulgado.
Logo, diante de pouco estímulo a uma formação docente que possibilite a
investigação e o desenvolvimento crítico diante de toda essa precariedade e
mecanicidade a que estão submetidos, paralelo ao excessivo discurso que induz ao
cumprimento de regras e alcance de metas para ser reconhecido e recompensado,
como observamos nas falas dos professores, qualquer iniciativa se torna válida para
conquistar a meta e a recompensa, inclusive, os fraudulentos. O que implica em dizer
que, elevar os números não será nunca sinônimo de elevar a qualidade, nem do
ensino, nem da avaliação, nem da aprendizagem.
Sendo assim, Hoffmann (2008, p.54) nos diz que: “As relações de poder
travadas em nome dessa prática são reflexos de uma sociedade liberal e capitalista,
186
que se nutre de exigências burocráticas para mascarar o seu verdadeiro descaso com
a educação em todos os níveis.
6.1.7 NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS: O QUE SENTEM OS
DOCENTES E O QUE DIZEM SOBRE AS POSSIBILIDADES DE
CONTEXTUALIZAÇÃO?
Normalmente, discute-se, sempre, as sensações dos alunos e os prejuízos que
estes têm em relação às práticas desenvolvidas por seus docentes. Mas o que
pensam os professores? O que sentem? O que faz com que escolham determinados
posicionamentos?
Questionamos aos professores, como eles se sentiam em relação aos anos de
avaliação padronizada, quais as sensações e sentimentos que eles vivenciavam.
Neste ponto, achamos importante não excluir nenhuma das falas, pois foi um
momento muito subjetivo, muito pessoal. E, por isso, organizamos as 10 falas, no
quadro abaixo. E aqui, representamos cada docente com a letra “P”, seguida de um
numeral.
P1 O ano em que tem Prova Brasil é uma tortura. Eu vivenciei em 2013 e agora em 2015. Nós nos sentimos pressionadas. E a pressão não veio diretamente só das formadoras não. A pressão veio da SEDUC para os gestores e coordenadores e dos gestores e coordenadores para o professor e do professor para o aluno. É aí onde se torna tudo difícil. Eles querem números. Eles não estão percebendo qualidade.
P2 Eu pensei que fosse ficar era louca. Sinceramente, quando eu saía das formações, eu tinha vontade de nem ir mais “na” escola, eu não ia com alegria, sabe, foi algo muito angustiante para mim. E sem contar, que eu percebia isso na direção da escola, certa vigilância, era um desconforto. Eu perdi noites e noites de sono. É uma coisa desumana. Só sabe quem tá lá.
P3 Ano de avaliação externa é pressão. A gente fica tão tumultuada. É como se estivessem medindo a nossa capacidade. Tal professor é bom, tal professor não é. Eles vão rotulando o professor e isso é constrangedor. Quem não alcança o índice é como se não tivesse executado um bom trabalho, mas ninguém vai ver os fatores internos e externos que levaram certa turma a não atingir o tal número.
P4 A palavra-chave é para mim, cobrança. É algo desesperador e até desumano, para os professores e sobretudo para os alunos que são crianças. Eu percebia o quanto eles ficavam apreensivos. No dia que foi marcada a prova, parecia que quanto mais se aproximava o dia, mais se aproxima o dia da condenação, da crucificação. É muito peso em cima de uma criança.
P5 Eu, sinceramente, adoeci emocionalmente. Por mais que você faça e tenha consciência de que faz, quando acontece qualquer evento como aconteceu neste ano e você não vê o nome da sua escola nas primeiras colocações, é desanimador, porque você sabe que no fundo, as pessoas acham que você não fez um bom trabalho. E uma coisa é certa: nem sempre o melhor desempenho na Prova Brasil representa uma criança mais crítica, mais politizada e mais feliz.
187
P6 O que eu mais senti foi uma sensação de conflito e decepção. Primeiro, por não acreditar que a realidade da nossa escola pública estava sendo esta, de robotizar crianças tão cheias de curiosidades. E segundo, porque eu não tinha alternativa, era o meu nome, o nome da escola e o desempenho dos alunos que estavam em jogo.
P7 Foi um ano muito tenso e cansativo; em junho eu já estava exausta. Mas eu senti que produzi mais, aprendi mais e ensinei muito mais aos meus alunos. Com certeza, foi um ano positivo, apesar da agonia.
P8 Na verdade, continua existindo uma relação entre o ano que tem Prova Brasil e o ano que não tem. Eu mesma continuo tensa, muito preocupada. Porque a Prova acabou, mas ainda continua. Pelo menos dentro de mim. Até porque agora você fica naquele medo e expectativa: Qual vai ser o meu resultado: Será que dei conta, que nota minha escola vai atingir? Entendeu?
P9 Foi um ano bem corrido, acelerado, mas de insatisfação mais pessoal que profissional. A impressão é que eu fiz muita, muita coisa com os meninos. Acho que a nossa nota, por sinal, será boa. Mas este ano (2016), se não inventarem nenhuma outra prova, eu vou poder fazer diferente, ouvir mais, ter mais calma, perguntar o que interessa a eles. Vou fazer o papel de educadora.
P10 Até novembro eu estava bem angustiada, tensa e preocupada, pois a pressão é grande. Agora, que tudo já passou, parece que tudo ficou mais leve, as aulas são mais tranquilas, tem mais tempo para deixar que eles se expressem e tragam as contribuições deles. “Pra” aliviar os meninos que também andavam muito cansados, escolhi uns filmes bem bacanas pra gente debater, fiz cinema e pipoca para eles, nem teve aula.
Fonte: Entrevista realizada com os professores.
Todas as falas acima traduzem as emoções que integram a subjetividade
docente e justificam as posturas que legitimam as ações empreendidas pelo município
de Juazeiro, em torno da Prova Brasil. Davidoff (1980, p. 716) define emoção como
o "Estado interno caracterizado por cognições específicas, sensações, reações
fisiológicas e comportamento expressivo”. As falas trazidas até aqui esclarecem o
quanto o cenário das avaliações externas origina emoções que mexem
profundamente com o professor e aluno, de modo que em muitos casos, essas
manifestações se tornam difíceis de serem controladas, a exemplo de P2 que afirma
ter perdido “noite e noites de sono” e P4 a qual afirma que os alunos ficavam
“apreensivos”.
O medo, tortura, pressão, vigilância, angústia, constrangimento, apreensão,
tensão, insatisfação, condenação, crucificação, desespero, rótulos, entre tantos
outros presentes nos relatos, tendem a causar desconforto e comprometer o equilíbrio
do professor, causando desprazer durante todo o percurso vivenciado: “ (...) eu tinha
vontade de nem ir mais ‘na’ escola, eu não ia com alegria” (P2).
Esses sentimentos demonstram que as emoções estão ligadas à
autorresponsabilização que os professores desenvolvem em relação aos resultados:
188
“A prova acabou, mas ainda continua. Pelo menos, dentro de mim. Até porque agora
você fica naquele medo e expectativa: Qual vai ser o meu resultado: Será que dei
conta, que nota minha escola vai atingir? ” (P 8); “(...) porque eu não tinha alternativa,
era o meu nome, o nome da escola e o desempenho dos alunos que estavam em
jogo” (P6); “Quem não alcança o índice é como se não tivesse executado um bom
trabalho” (P3). Fica estabelecido assim, que o perfil do professor ideal passa a ser
aquele que apresenta bons resultados numéricos.
Há uma contradição entre discurso e prática, na qual ao mesmo tempo em que
demonstram discordar dessas imposições, terminam por absorver e se convencer de
que são responsáveis por atender a essas demandas, inclusive, alguns tendem a
avaliar o processo como muito produtivo, pois treinar os estudantes para a prova é
resultado de trabalho e de esforço em busca da qualidade. Enquanto assistir e debater
a um filme, passa a ser sinônimo de algo menos produtivo e de não ser aula, como
podemos observar na fala de P10; o sinônimo de aula limita-se ao trabalho com o
currículo avaliado pela Prova Brasil, evidenciando-se assim, uma lógica de
desprofissionalização docente, o qual coloca o currículo como produto a ser apenas
executado pelo docente.
Ao longo deste percurso, conseguimos descortinar o cenário das avaliações
padronizadas e toda uma conjuntura construída para a melhoria das aprendizagens
as quais são vistas como sinônimos de bons indicadores. Nesse sentido,
questionamos aos professores de que modo eles desenvolvem discussões, atividades
e vivências que promovam a contextualização e tornem a relação entre ensino-
aprendizagem mais pertinente.
Olhe, eu vou lhe ser muito sincera: Não é por escolha, não. São as circunstâncias. Muitas vezes, você quer olhar de forma diferenciada para o seu aluno, entender melhor qual é o tema que o atrai, que aguça a sua curiosidade, porque você estaria mais livre, menos tenso, mais à vontade pra problematizar os conteúdos. Porém, trabalhar sobre pressão não é fácil e você acaba tendo que dar conta do maior número de alunos, para se apropriarem desses descritores. E a gente não tem tempo. Isso dificulta muito a gente olhar pra diversidade na sala de aula, a gente fica preso nesse formato imposto (PROFESSORA 1).
Com a pressão que a gente vive em focar na Prova Brasil, nesses descritores, isso acaba limitando. A gente fica sem conseguir sair pra buscar outros caminhos diante daquilo que os alunos realmente desejam, porque você contextualizar é, inclusive, você tentar relacionar muitos saberes, né? Uma coisa com a outra. E nós
189
professores precisamos parar para estudar tudo isso, ou então, não vamos conseguir fazer esse passeio entre os conhecimentos com os alunos. Mas o tempo é curto demais pra gente pesquisar, estudar e trabalhar 15 descritores de Português e 28 de Matemática. Então, como o tempo todo só avaliam os alunos através da Prova Brasil, é o jeito a gente esquecer do resto (PROFESSORA 5).
Teve um período que eu fiquei tão preocupada em dar conta das coisas que os meus alunos tinham interesse e os descritores da prova, que a minha parceira de trabalho disse assim: Se desligue disso tudo, você tá ficando quase louca, foque só na Prova Brasil. E eu me assustei, porque ela já tinha muita experiência. E eu dizia, quer dizer que vou ter que ficar presa nesse formato limitado? Mas eu sou professora de Matemática, as formações só discutiam matemática. Então, pra não correr o risco de não dar tempo, eu segui os conselhos (PROFESSORA 6)
Essas provas são uma camisa de força. Elas têm um formato de pergunta e resposta muito próprio. A gente já sabe qual tipo de texto é usado pra fazer determinada pergunta, para avaliar cada descritor. Então, a gente tentava contextualizar como podia. Às vezes, trazia textos com temas que chamavam a atenção deles e fazia as perguntas no modelo em que vinham na Prova Brasil. Mas não há como correr dos simulados que o Inep disponibiliza, pois algumas questões se repetem na Prova Brasil (PROFESSORA 9).
A partir das falas desses professores, conseguimos perceber o quanto se cria
um contexto contraditório e conflituoso no campo da educação. Ao mesmo tempo em
que têm se ampliado as discussões em torno da contextualização, da recuperação
dos sentidos, dos contextos excluídos das narrativas oficiais, de conhecimentos que
vão além dos científicos e disciplinares, vemos se fortalecer uma política de avaliação
padronizada que está diretamente ligada à política do currículo como produto e todo
o cenário violento que é criado, para convencer e quando não, coagir os profissionais
da educação a centrarem suas atenções nos resultados, como prova infalível de boa
educação. Enquanto, na prática, fortalece-se a domesticação, sobretudo, do professor
e do aluno.
Tendo em vista o fato de que os estados e municípios estão cada vez mais,
voltando suas atenções para o atendimento às exigências destas avaliações,
questionamos ao Secretário de Educação de Juazeiro, se ele achava possível e viável
o sistema municipal de ensino desenvolver a proposta de contextualização neste
cenário das avaliações padronizadas.
Se buscarmos um padrão metodológico, uma estrutura didática, isso não
vai surtir o efeito necessário e ainda vai causar resultados muito ruins, aí,
fica inviável. Mas eu acho que é possível. Até porque o SAEB tem um viés
190
contextualizado, o descritor não é sozinho ali, mas está contextualizado na
Prova Brasil. Ainda que o contexto não seja o nosso, cultural, mas tá
num contexto num texto (C.A, 2016, grifo nosso).
Observamos uma zona de conflito, em que ao mesmo tempo em que reconhece
que a padronização de metodologias, estrutura didática, entre outras até aqui já
descritas dificultam a contextualização, esta é a realidade vivenciada por este
município e por outros tantos. Além disso, defende a Prova Brasil como um
instrumento que está contextualizado, embora o contexto não seja o nosso. O que
demonstra certa confusão na defesa de ideias. Uma vez que a contextualização ganha
força exatamente aí, da necessidade de se romper com a lógica hegemônica
universal, para se partir e chegar a contextos que sejam exatamente o nosso e não
outros, parte-se de uma perspectiva de sentimento identitário, da escolarização dos
elementos locais, embora seja indispensável a extrapolação destes (LINS, 2010,
p.105).
Portanto, é ao aceitar de forma intencional o fato de que a Prova Brasil é
contextualizada em outro contexto e que a ele temos de nos adaptar, que todos os
referencias locais e significativos são colocados como não-existentes, onde a
padronização fomentada em torno do contexto da avaliação padronizada não é
considerada um descontexto, mesmo quando o descritor destinado a avaliar o domínio
em relação à variabilidade linguística, ao tratar da Linguagem Regional, por exemplo,
traz sempre uma fala estereotipada em relação ao Nordeste, como nos disse a
Professora 9:
Tem um descritor que cobra Linguagem Formal, Informal, Regional...E sempre que a resposta é Regional são de personagens que falam “pru quê”, “drumir”, “prantando”. Ou seja, uma linguagem que dizem ser típica do Nordeste, uma fala errada. E a gente tem que dizer aos meninos que quando a pergunta e a situação forem esta, eles marquem “Linguagem Regional”.
Ou seja, as avaliações padronizadas elaboradas num contexto particular são
impostas a todos os outros contextos e, nos valendo da afirmativa feita por Martins
(2006), não se interrogam sobre seus próprios preconceitos. Desse modo, o que se
justificava pela finalidade de melhoria da qualidade e no auxílio na definição de
políticas educacionais, na verdade, é colocada como controle e imposição de um
currículo centralizado e unificado, o qual todas as escolas brasileiras devem seguir,
sob à pena de serem julgadas como ruins e a desserviço da humanidade.
191
Vale destacar, que durante a entrevista realizada com o Secretário de
Educação e adentrando mais amplamente nos desafios em torno da contextualização
do ensino, ele esclarece:
Uma outra coisa, é que a gente precisa também fazer as coisas com tranquilidade, porque assim se a gente diz: Ahhh! A solução é o ensino contextualizado (...). Poxa! No ensino fragmentado nós não conseguimos ainda nem sermos minimamente razoáveis ainda na nossa prática, ainda pegar um desafio como esse e dizer que vai contextualizar, não é assim, a gente precisa ir devagar. E também de um desafio que você colocou aí, de um SAEB que também não está tão afeito a isso, e aí? Você vai abrir mão de produzir bons resultados? Porque esse discurso é muito bonito na boca de quem não tem a responsabilidade de produzir os resultados (C.A, 2016, grifo nosso).
Nesse ponto, o entrevistado explicita que a avaliação padronizada é um
dificultador da contextualização e deixa claro que entre buscar medidas de fomento à
proposta de contextualização do ensino e buscar produzir resultados a partir do SAEB,
a prioridade deve ser esta última. Isso explica o motivo pelo qual nos anos pares a
política de educação é uma e nos ímpares se restringe à Prova Brasil. Neste ano de
2016, passada a Prova Brasil a Rede Municipal irá discutir “O Desenvolvimento
Integral e significativo” que, consequentemente abre as portas para as pautas e
vivências baseadas na contextualização.
Neste cenário de luta pelo poder, entre educação como transformação e
educação como domesticação/adaptação, os profissionais do magistério e, em
especial, o professor, diante de todos as sensações a que é exposto, vê-se
encurralado diante de uma macro-estrutura que lhe vigia, que lhe cerca, que lhe põe
numa “camisa de força”. E nessa zona de conflito, a saída encontrada é a de render-
se, pois ainda permanece em suas estruturas mentais, a base de um processo
formativo padronizado, fragmentado, cronologicamente determinado, somem-se a
isto, suas fragilidades metodológicas no que se refere às disciplinas, as condições de
trabalho e o escasso tempo para pesquisa, o número alto de alunos e as múltiplas
diversidades que na sala de aula se apresentam e uma força oculta que de todos os
lados dizem em qual direção deve percorrer, inclusive, para justificar o salário que lhe
é pago para estar dentro de uma sala de aula.
O Ideb deve nos motivar e motivar todo o professor a buscar estímulo em como melhorá-lo. Porque o Ideb não é do prefeito, não é do Secretário de Educação. Essa nota é do trabalho do professor que,
192
inclusive, quando quiser lutar pela valorização profissional, vai querer pedir aumento e vai ouvir o que ouviu o governo da Bahia. A Bahia tem o 7º melhor salário do país e o segundo pior resultado do Ideb. E a gente faz o quê “pra” dizer que está merecendo melhorar o salário? Não é? O professor precisa entender isso também, como um instrumento de valorização profissional. Ganhar mais: você vai ganhar mais e produzir mais e vai ter condições e legitimidade de reivindicar mais (C.A, 2016, grifo nosso).
Isso significa que o bom desempenho na avaliação externa é a “prova” de que
o educador “vestiu a camisa” e o que legitima a luta por seus direitos, inclusive no que
se refere à valorização profissional. A escola é pensada para reagir a um mercado
educacional competitivo, onde somente os vencedores têm legitimidade de
“recompensa”. Para Arroyo (2011, p.31), essa condição faz com que o trabalho
profissional do professor esteja submetido e “seja avaliado em função apenas desses
resultados, que sua carreira, até seus salários sejam condicionados a resultados
matemáticos, estatísticos”.
Essa percepção origina o que Linhart (2009 apud SILVA, 2012) denominou de
“Precariedade Subjetiva”, compreendida como aquela sensação de não estar à
vontade no seu trabalho e de não poder ter o domínio sobre a tessitura de sua própria
rotina profissional, dos saberes e experiências vivenciadas, sendo necessário cada
vez mais, imprimir esforços de adaptação no cumprimento de objetivos e metas, para
que não ponha em risco sua conduta física ou moral. Constituindo-se num sentimento
de isolamento e abandono. Esta precarização tende, inclusive, a dificultar o
reconhecimento de outros valores tão essenciais à vida humana e às relações sociais.
Assim, de acordo com Sacristán (1998, p. 319-321), as avaliações externas
controlam não só o currículo, como diminuem a autonomia no planejamento e sua
realização prática, tornando-se um freio na adaptação do ensino às condições de real
necessidade dos educandos, nas distintas regiões. Portanto,
Enquanto o discurso político é de uma escola inclusiva, a realidade mostra o abandono dos alunos nas escolas, de uma escola do anonimato, onde “todos” são sempre “todos”, pois não há possibilidades de acompanhamento da aprendizagem de cada um (HOFFMANN, 2008, p.37).
Santos (2007, p.178) afirma que esta política de avaliação compromete a
percepção plural do trabalho pedagógico “ao enfocar a resposta única, o jeito certo de
responder, a concepção de conhecimento como verdade a ser assimilada. Não
193
incentiva a pluralidade, pelo contrário”, tende a fechar, a limitar os conhecimentos, a
partir do estabelecimento dos níveis de proficiência, excluindo outros conhecimentos
científicos que não são selecionados, além dos conhecimentos culturais e emocionais
que integram o processo formativo dos sujeitos, mas não encontram espaço e tempo
nas salas de aula.
Todo esse contexto criado pelas políticas de avaliação padronizada contribui
com a desqualificação da escola e todos os seus sujeitos, a qual se torna uma fábrica
de meros alunos pouco capazes de autoria e de pensamento crítico, uma vez que
todo um cenário é montado para determinar o seguinte caminho: “Tire o seu foco dos
alunos, de suas experiências tão precarizadas de viver, esqueça-se de educá-los e
de ser educador. Sejam apenas um eficiente transmissor de competências para
eficientes resultados nas avaliações” (ARROYO, p.31).
Portanto, todas as estratégias aqui descritas, elaboradas para atingir as metas
postas pelo Mec/Inpe/Banco Mundial e financiadores das políticas educacionais, se
constituem como empecilhos ao desenvolvimento de uma Educação Contextualizada,
cujas discussões precisam priorizar, sobretudo, a denúncia da política nacional de
avaliação, sobretudo da Prova Brasil e do Ideb, que sob a justificativa de prezar pela
qualidade do ensino, tornou-se censitária e tem legitimado a colonização do currículo
alinhado às necessidades do capitalismo e da hegemonia da classe burguesa.
Os rumos que as práticas avaliativas vêm tomando no âmbito do sistema de ensino brasileiro, ao contrário da posição formulada anteriormente, encaminham-se para a subordinação do trabalho dos professores e, portanto, da avaliação que fazem, aos critérios da avaliação do sistema. Nesse caso, não são os objetivos de ensino que irão determinar as formas de avaliação, mas a avaliação que acabará por determinar os objetivos, ou seja, dependendo das finalidades postas pelos governos em relação à avaliação do sistema de ensino, ter-se-á uma escola funcional a serviço dos interesses de agências externas à escola (LIBÂNEO, 2004, p. 240, grifo nosso).
Descolonizar os currículos exige problematizar e subverter um sistema de
avaliação criado para impor um currículo oficial mecânico às escolas brasileiras, num
cenário caótico que tem enrijecido as políticas de formação docente, os currículos
vivenciados nas escolas, tem banalizando e exterminado a infância devido ao preparo
precoce e inserção ao mundo dos testes, tem gerado competitividade, disputa e
menos cooperação, menos valores, menos humanidade num campo que lida
194
diretamente com o ser humano, aumentando a precarização do ser docente e,
consequentemente, do discente.
Logo, como afirma Perrenoud (1999, p.75):
Nenhuma inovação pedagógica maior pode ignorar o sistema de avaliação ou esperar contorná-lo. E concluir, a partir disso, consequentemente, que é necessário, em qualquer projeto de reforma, em qualquer estratégia de inovação, levar em conta o sistema e as práticas de avaliação, integrá-los à reflexão e modificá-los para permitir a mudança.
Se a função dos testes padronizados fosse meramente apoiar e orientar as
políticas públicas, o diagnóstico e monitoramento da qualidade educacional poderia
continuar a ser realizado a partir de uma alternativa que se mostrou menos perniciosa,
que era a do exame amostral e sem responsabilização vertical, tal como acontecia
antes da criação da Prova Brasil junto ao Ideb e conforme demonstrou o estudo de
Bonamino e Sousa (2012). Porém, a base amostral apresentava pouca interferência
nos currículos vivenciados nas escolas.
Logo, diferentemente do novo formato censitário, a base amostral não permitiria
o controle geral das escolas, ação que na proposta dos reformadores empresariais,
só se torna possível com a padronização imposta a todos os contextos escolares, uma
vez que, tem como consequência, a padronização do currículo, das formações
docente, dos materiais didáticos e, consequentemente, termina por eliminar as
diversidades, os contextos, uma vez que estes, por não serem padronizáveis, não
caem na prova, e se não caem na prova, como nos diz Freitas (2016) “perdem a
importância para as escolas e gestores”.
Portanto, é preciso que nós, defensores da Educação Contextualizada,
comecemos a problematizar com maior força, este sistema de avaliação padronizada,
e como diz Freire (1996, p.6), colocarmo-nos contra esta “malvadez neoliberal, ao
cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”, cujo
fortalecimento, julgamos nós, continuará sendo um dos mais fortes entraves à
contextualização do ensino.
195
CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS
Nos distintos cantos do planeta, temos visto lutas serem travadas em busca de
rompimentos com os diversos modos de colonização que permeiam a existência
humana. E a escola, historicamente, foi e continua sendo um meio privilegiado em se
converter as diferenças em desigualdades.
Desigualdades estas que se constituíram e ainda se constituem como
marginalizadas e que, portanto, devem ser invisibilizadas e excluídas da vida escolar.
Quantos negros, índios, mulheres, gays, nordestinos, camponeses, entre tantos
outros, frequentaram e ainda frequentam escolas que não lhes percebem, que
ignoram suas presenças, suas narrativas, seus conteúdos, suas dinâmicas de vida e
continuam aprisionadas em representações rígidas e padronizadas que não condizem
com a realidade? Até quando vamos insistir que o mesmo padrão não serve para
todos e que como nos diz Edler Carvalho (2008, p.23): “Somos diferentes e queremos
ser assim, e não uma cópia malfeita de modelos considerados ideais”. É preciso
pensar a escola sob outra óptica.
E, como afirma Arroyo (2006, p.105), “enquanto as políticas públicas, os
sistemas educacionais continuarem insistindo nesse padrão, vamos continuar com as
desigualdades! Vamos continuar com as crônicas, croníssimas desigualdades! ”.
Partindo dessas reflexões, durante este estudo, discutimos, sobretudo, no segundo
capítulo, o quanto os organismos internacionais exercem significativa influência na
política macroeconômica do Brasil destacando-se, pois, na educação. Nesse sentido,
uma avalanche neoliberal busca a garantia econômica dos países em
desenvolvimento, de modo a torná-los competitivos, internacionalmente,
disseminando assim, a lógica de se educar para as necessidades do capitalismo.
Logo, ao financiar a educação brasileira, estes organismos internacionais fixam
pré-condições, regras financeiras e políticas como critério para empréstimo e
financiamento comercial, as quais tornam-se a bússola orientadora das reformas
educacionais destinadas a tais países. Todavia, segundo Altmann (2002) essas
reformas educativas com vistas à melhoria da qualidade do ensino (a qual é
demonstrada nos resultados e esses se verificam no rendimento escolar) são
baseadas em pacotes únicos, direcionados a países com contextos que embora sejam
196
distintos, devem seguir um currículo específico que contemple as aprendizagens
desejáveis, tendo em vista os padrões de rendimento e resultados determinados à
educação.
Desse modo, para monitorar e verificar o alcance das metas postas, tornou-se
necessária a implementação de um sistema de avalição, o qual destacamos aqui, o
Saeb, que é constituído também, pela Prova Brasil. Portanto, os resultados dessas
avaliações não são simplesmente um retorno à sociedade, são, sobretudo, uma
resposta, uma prestação de contas aos órgãos investidores com vistas a justificar se
as metas postas como condição de investimento estão sendo, de fato, alcançadas.
A educação tem sido assim, concebida sob a ótica do mercado. Portanto, a
cultura que a permeia é a de preparar os estudantes para o mercado. Desse modo,
Arroyo (2006, p.106) ratifica que “a ideia de direitos porque lutamos tanto desde a
década de oitenta, ainda não acabou, por ser a lógica estruturante da escola, do
currículo, das avaliações, dos rituais”, que demonstram que a escola moderna resistiu
a variados movimentos de renovação, deixando vestígios ainda hoje.
Nesse ponto, ao avaliarmos os objetivos elencados para o desenvolvimento
desta pesquisa, concluímos que as metas foram alcançadas. Desenvolvemos uma
discussão em torno das concepções epistemológicas que norteiam as Avaliações
Padronizadas e a Educação Contextualizada, compreendendo que um processo
avaliativo classificatório e punitivo, que busca uma responsabilização vertical, tende a
ser um frenador e dificultador de possibilidades de mudanças na área educacional.
Em Juazeiro Bahia, identificamos que as formações continuadas em anos
ímpares, tendem a assumir um enfoque prioritário, baseado nas demandas das
avaliações externas, sendo o principal vetor de orientação das práticas a serem
vivenciadas nas escolas municipais; os docentes investigados deixam isso bem
explícito em suas falas.
A pressão diária em torno da vivência de um currículo que tem como eixo
norteador, a matriz curricular das avaliações padronizadas, atrelada ao excessivo
controle e acompanhamento da SEDUC, seja a partir das formações continuadas, ou
a partir do preenchimento de documentos, relatórios, diagnósticos, simulados, entre
outros, terminam por causar sintomas do ‘adoecimento docente’, como nos apontaram
197
alguns entrevistados: “medo, tortura, pressão, constrangimento, tensão, desespero,
apreensão”, passam a ser sensações expressas, no cotidiano da escola e para além
dela.
Diante deste cenário, a existência da Prova Brasil como uma avaliação
censitária atrelada ao Ideb, que indica a qualidade do ensino, constitui-se como um
forte instrumento de colonização da educação, além de significar uma resistência aos
avanços referentes às discussões sobre a descolonização do currículo, avaliação e
educação contextualizada, uma vez que, a corrida pelo alcance das metas que
traduzem uma educação de qualidade tende a ser intensa, limitando as possibilidades
de pesquisa, de autoria docente, de inter-relação e conexão entre os distintos saberes,
já que tudo deve girar, exclusivamente, em torno do que “é cobrado na prova”.
A Educação Contextualizada em anos de edição das avaliações padronizadas,
no contexto investigado, perde espaço e visibilidade nas pautas formativas destinadas
tanto aos professores e demais funcionários da educação, quanto dos alunos.
Seus desafios, como nos apontaram os dados desta pesquisa, envolvem a
superação de toda uma estrutura do Sistema de Ensino, “montada” para atingir as
metas postas nacionalmente, perpassando pela forte presença de um currículo
fragmentado e restrito às avaliações externas; formação continuada dos docentes
com pautas que atendem às demandas das avaliações, mas que estão alheias à
diversidade e adversidades dos contextos escolares; controle rígido das Secretarias
de Educação em relação à garantia de um trabalho pedagógico que contemple os
conteúdos específicos e o formato das provas nacionais, como exemplo disso, temos
as atividades-modelo realizadas constantemente, os simulados que se iniciam cada
vez mais cedo e com maior intensidade, na rotina das crianças, cujos desempenhos
passam a ser o termômetro do professor e da SEDUC no que refere ao nível de
preparo dos alunos, tendo em vista as demandas da prova.
Tudo isso, somados à publicização dos resultados e seus desdobramentos no
que diz respeito à responsabilização vertical da escola e, sobretudo, dos professores,
termina por gerar uma “esquizofrenia” nas instituições de ensino, levando inclusive a
fraudes, como observamos em alguns depoimentos, cujos professores afirmaram a
pressão existente em torno da aprovação automática, mesmo quando esta não aponta
198
indícios de ser a melhor opção para o aluno, bem como, o ato de se camuflar dados,
como é o caso apontado, onde no lugar inserir os alunos evadidos, nos índices
dedicados a esta categoria, os mesmos entram como transferidos, estratégia esta
utilizada para burlar e favorecer os fatores que influenciam na construção do Ideb.
Num cenário constituído por esse excesso de supervalorização das avaliações
externas, termina por atrofiar o desenvolvimento de uma educação contextualizada.
E, embora se acredite na inexistência de um currículo nacional comum, esta
realidade se impõe e se opera no cenário das avaliações nacionais, a partir da matriz
que referencia a elaboração dos testes padronizados, os quais através do Ideb
classifica escolas, municípios e estados em “bons” ou “ruins”, direcionando as escolas
brasileiras, inclusive, a rede municipal de ensino de juazeiro, a um trabalho
pedagógico baseado nos conteúdos e objetivos cobrados nos exames, os quais
quando “dominados”, “treinados” definem a qualidade de uma “boa” educação.
Atrelado à avaliação, compreendemos as performances das formações
continuadas, que adquirem o status de “Formação da Prova Brasil”, as quais têm como
única preocupação, treinar professores capazes de treinarem seus alunos para serem
bons respondedores de testes de múltipla escolha. Observamos ainda os livros
didáticos, um dos instrumentos mais utilizados nas escolas como norteador do
trabalho docente, os quais, segundo Barreiros (2003) têm sido um dos elementos de
maior recomendação de investimento feita pelo Banco Mundial, além de que, nos
últimos anos, algumas Editoras tais como a Moderna, já iniciaram o lançamento de
coleções que se baseiam na matriz de referência do Saeb, bem como, em materiais
“brindes”, contendo simulados de Língua Portuguesa e Matemática.
E estas já têm sido inseridas pelo MEC, na lista de coleções adequadas aos
propósitos do ensino, constituindo-se, pois, em si mesmos, o currículo efetivo, de alta
incidência e baixos custos. Nesse sentido, o cenário das avaliações padronizadas,
que delimita um currículo específico, materiais didáticos, avaliação interna, simulados,
testes, aulões, projetos, gincanas, premiações e formações continuadas que se
concretizam, exclusivamente, em função dessas avaliações, são complexos desafios
a serem superados na concretização de uma educação contextualizada no município
pesquisado.
199
Inclusive, os dados construídos nos mostraram as adversidades postas no
trabalho docente diante desse processo, apontando que a perspectiva que tende a
prevalecer entre os professores é a hegemonia da avaliação padronizada sobre a
educação contextualizada.
As avaliações padronizadas apresentadas neste estudo têm ganhado adeptos
e defensores em outros tantos contextos internacionais e nacional. As reformas
educacionais da década de 90 se estabeleceram a partir da reestruturação do sistema
do ensino alicerçado em práticas neoliberais. E, conforme apontou Barreiros (2003,
p.98) é relevante enfatizarmos “a presença do Banco Mundial na definição do contexto
ideológico dessas políticas educativas, cujos critérios para a concessão de
empréstimos e as orientações gerais expressam a prevalência da lógica financeira
sobre a social”. A educação termina assim, por desenvolver um monólogo, onde só
há lugar para o que está determinado hierarquicamente como dominante, como matriz
que referencia a qualidade.
O cenário revelado neste estudo apresenta, em anos ímpares, uma vivência
escolar baseada em um monoculturalismo, o qual segundo Fleuri (2000, p.69),
compreende que os diversos grupos e povos compartilhem nas mesmas condições,
de uma cultura universal. Neste caso, a “cultura da prova”. Essa visão universalista e
igualitária que pode legitimar a dominação de um determinado projeto que exclui e
subjuga as minorias culturais.
As características e metodologias utilizadas pelas avaliações externas
homogeneízam localidades, regiões e nações, constituindo-se como “um perigo
neoliberal acoplado à globalização e ao capitalismo, ambos articulados em benefício
de uma elite global”, com vistas a continuarem na reprodução do oprimido para
alimentar o mercado opressor (ROCHA, 2015, p.10).
Nesse sentido, o que essa pesquisa em todas as suas limitações conseguiu
abstrair foi o conflito existente entre as discussões significativas em torno da
contextualização do ensino em anos pares e a mudança de enfoque ocorrido em anos
ímpares, tendo em vista à edição da Prova Brasil e a busca por resultados, revelando-
se nas vozes dos entrevistados que a essência de uma tem anulado vivência da outra.
200
Vemos a influência direta que a avaliação padronizada tem sobre a política de
formação docente, a qual se torna meramente técnica e reprodutivista, direcionada a
partir de um currículo já estabelecido, pronto, direcionado, prescrito e já posto como
formativo, alheio aos sujeitos e como diz Macedo (2014, p.56) “às culturas e aos
grupos sociais vistos como estranhos, que em geral, estão colocados à parte, em face
das suas formas de organizar a vida e a aprendizagem”, uma vez que os formadores
já sabem o caminho a percorrer: Capacitar os professores para preparar os alunos
para os exames.
Logo, as escolhas já estão dadas, os conhecimentos já estão estabelecidos, os
saberes disciplinares avaliados são o centro das pautas formativas, excluindo-se as
subjetividades, os anseios, as existências, a autonomia e a autoria, dando espaço a
procedimentos mecanizados e repetitivos de conteúdos desintegrados dos distintos
contextos escolares vivenciados por cada um dos docentes, que deixam de ser “cada
um” para serem vistos como “todos”, todos que devem ter domínio das metodologias
padronizadas a serem desenvolvidas nas suas respectivas escolas.
Nessa lógica, foi possível perceber que esta mesma relação tende a se repetir
na sala de aula, na postura do professor diante do aluno. A pressão, a competitividade,
a responsabilização e a necessidade de mostrar “resultados”, inclusive, para justificar
o pagamento do salário leva os docentes a anularem as crianças. Assim, as
avaliações padronizadas dão cada vez menos espaço para que eles conheçam
melhor e mais intimamente seus alunos e considere os saberes trazidos pelos
mesmos nas pautas formativas, pois estes não serão avaliados.
Deixamos, neste ponto, alguns questionamentos baseados na leitura de Arroyo
(2006), e que nos servem de reflexão e impulso para ampliação do estudo: “Até onde
em nome dos saberes escolares, negamos os saberes construídos?”; “Até onde esses
saberes são mais mortos do que vivos?” e acrescentamos, “até onde esses saberes
tornam a infância e as crianças mais mortas que vivas?”
Embora esta pesquisa tenha se limitado ao cenário das avaliações
padronizadas num município específico, percebemos que algumas iniciativas
desenvolvidas aqui, para fortalecer práticas de preparo para o teste e melhoria no
desempenho, foram copiadas de outros contextos, a exemplo de Sobral, o que nos
201
aponta que este não é um cenário restrito à realidade investigada nesse estudo.
Portanto, nesta e em tantas outras localidades, temos crianças cada vez mais sendo
vítimas do “roubo da infância”, as quais estão sendo submetidas enfadonhamente à
antecipação precoce da escolarização.
No município investigado, já vemos professores defendendo a Educação
Infantil como preparo para o Ensino Fundamental, tendo em vista à ênfase em práticas
que possam melhorar a “cultura do desempenho”. O que não é uma realidade
inexistente em outros contextos.
Segundo Freitas (2015), uma pesquisa realizada nos Estados Unidos já
demonstra a existência de uma base nacional comum restrita à leitura e matemática,
na Educação Infantil, devido exatamente, às pressões por antecipação de preparo
para os testes que geralmente acompanham estes movimentos, conduzindo a
mudanças que não são benéficas à formação das nossas crianças. Uma vez que estas
têm passado mais tempo se dedicando às atividades restritas ao aprofundamento
dessas disciplinas isoladas e tendo menos tempo dedicado à brincadeira, ao faz de
conta, à música, à arte.
A escola e as salas de aula têm se tornado um campo cada vez mais tenso,
permeado por conflitos. O que é considerado o “básico” a ser avaliado nesses testes
eliminam diversas dimensões essenciais à formação humana, restringindo a
completude e a complexidade do que seria uma boa educação.
Logo, não seria este um dos motivos pelo qual apesar de tantas discussões,
tantas teorias, tantas pesquisas, tantos ditos “avanços” educacionais, estejamos a
perceber, com menor frequência, sujeitos com capacidade de autoria, criatividade,
posicionamento crítico e elaboração de perguntas significativas? Não seriam a
aprovação automática sem reflexão em torno de uma avaliação formativa e garantia
da aprendizagem e as fraudes, ações estas utilizadas para garantirem a elevação do
Ideb, uma prova concreta de que esse modo padronizado e reducionista não avalia a
qualidade da educação? As escolas que apresentam indicadores elevados, seriam as
mesmas cujos estudantes apresentam uma percepção mais analítica, politizada e
crítica diante das informações e situações presentes na cotidianidade?
202
Alguns desses questionamentos abrem caminhos para novas buscas. Mas, em
contrapartida, o Ideb continua se elevando: a partir de estudantes aptos em respostas
de múltipla escolha; a memorizarem qual resposta está diretamente ligada a um
determinado formato de pergunta; a criarem e produzirem textos com rara frequência,
já que esta não é uma competência avaliada nos exames padronizados; a se tornarem
competitivos e desejarem sempre serem os melhores.
E, portanto, com professores e estudantes ainda mais presos aos materiais
apostilados, aos livros didáticos, a atividades-modelo disponíveis na internet, que
contemplam os descritores avaliados e ao que este estudo demonstra, tornam-se mais
técnicos, mais reprodutores e em consequência disso, menos felizes. Todo este
cenário de pressão tem desenvolvido nos professores um autodisciplinamento e a
perda de sua autonomia, sob a “tortura” e o “medo” do não alcance das metas
estabelecidas.
Um cenário educacional medíocre e caótico que tem se fortalecido, mesmo
diante do quadro deplorável que tem se instalado na escola pública. Os números
aumentam, enquanto um número significativo de professores tem a sensação de que
os estudantes estão aprendendo menos. Até que ponto a degradação de nossas
escolas, professores e alunos deverá alcançar, para que este atentado contra à
educação seja denunciado, colocado em xeque? Percebemos um emudecimento
diante do que tem sido protagonizado nos espaços formativos.
Um sistema nacional padronizado de avaliação que limita o conteúdo
programado a formatos ligados ao modo de perguntar, ao modo de responder, que
padronizada e determina tempos de aprendizagens, desconsidera os contextos em
que ocorrem a aprendizagem os quais são distintos e interferem diretamente nesse
processo, podendo antecipar ou retardar em relação ao tempo pré-estabelecido. O
Banco Mundial tem como justificativa diminuir a pobreza, as desigualdades, tornando
o país mais competitivo. Não estaria esse padrão generalista aumentando as
desigualdades e negando direitos?
A educação como forma de alimentar a lógica industrial e do consumo tem
preparado pessoas para um modelo de felicidade que, segundo, Silva (2010) baseada
no positivismo, limita-se ao acesso tecnológico e ao conforto material, tornando-as
203
escravas do mercado. Essa construção de um modelo de “sociedade perfeita”, que é
a sociedade do desenvolvimento e que, portanto, os não desenvolvidos devem seguir
a mesma trilha dos desenvolvidos, tem contribuído com a descontextualização da
educação e da prevalência do discurso hegemônico, incutindo “como meta nos
imaginários dos atores sociais e institucionais” de acordo com este autor, que é
necessário descontextualizar, anular a realidade local, buscando atingir a realidade
desejada e perfeita que é a “realidade Deles, nunca nossa” (SILVA, 2010).
E estas são as falsas mentiras que geram falsas promessas e,
consequentemente, soluções inapropriadas, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo
Banco Interamericano, uma vez que, o capitalismo alicerçado na ambição de sua
expansão em âmbito global, necessita como afirma Silva (2010), de “acesso fácil a
mercados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes
e corpos disciplinados existentes nos territórios colonizados, onde as dimensões
humana, social, cultural, ecológica e ética foram sistematicamente violadas”. Eis que
a educação e o seu controle mediante avaliação padronizada tem sido a arma mais
eficaz.
Partimos então, do princípio, que urge a substituição da “Pedagogia da
resposta” que nos impõe modelos elaborados em outros contextos distantes do
diálogo com os nossos, que não inspiram, apenas incitam à cópia e não à crítica, à
memorização de respostas às perguntas elaboradas sem pertinência e que cultua um
saber único dominante, pela “Pedagogia da pergunta”.
Segundo Paulo Freire (1985), o saber hoje tem sido considerado resposta e
não pergunta, o que termina por “castrar a curiosidade”. As respostas estão dadas,
sem que sejam feitas as perguntas e o autoritarismo que permeia a educação inibe a
possibilidade de perguntas. Desse modo, desenvolver a Pedagogia da pergunta é
uma forma de provocar a autoridade posta e um modo de expressar as relações no
mundo e com o mundo, partindo da cotidianidade, pois é nela onde se encontram e
de onde se originam as perguntas, levando até a descoberta da “relação dinâmica,
forte, viva, entre palavra, ação, entre palavra-ação-reflexão”, que se apoiam em
exemplos concretos da vida cotidiana dos próprios sujeitos envolvidos na pergunta e
em busca das respostas, as quais se elaboram em torno da prática, de forma que o
204
“agir, falar, conhecer” permanecem juntos. Eis o sentido e a força da contextualização
(FREIRE,1985, p.26).
Dentro do curto espaço de tempo que vivenciamos e tecemos este trabalho que
permanece inacabado e aberto a novos olhares, novas compreensões, colaborações
e possíveis reformulações, não ousaríamos trazer soluções, no entanto, acreditamos
ainda ser possível travar novas lutas e sonhar novos sonhos, na certeza de que as
coisas não estão sólidas e podem ser problematizadas e modificadas. A alternativa
que se apresenta diante de nós diz respeito à resistência, a subversão daquilo que
está imposto, mesmo quando se demonstra que os resultados não têm sido benéficos.
Acreditamos na necessidade que se impõe às universidades, pesquisadores,
estudantes, professores, gestores, alunos, famílias e sociedade civil a se debruçarem
sobre todo o cenário que envolve a avaliação padronizada e a falta de autonomia,
criatividade, alegria, dignidade e conhecimento pertinente a que estão sujeitos os
profissionais do magistério e os educandos. Para que assim, seja possível o
fortalecimento de movimentos de resistência contra o formato em que se desenvolvem
estes testes, juntos às secretarias de educação e Ministério Público. Avaliações que
se utilizam da competitividade, da responsabilização verticalizada, da punição e
premiação não podem estar a serviço da aprendizagem e muito menos do bem viver.
É preciso anunciar a pouca confiança que este modo de aferir a qualidade
educacional apresenta e que não estamos mais dispostos a transformar nossas salas
em espaços de treinamento que buscando a “qualidade” tem contribuído para a
limitação, robotização e desqualificação dos sujeitos, efeitos estes causados pelas
metodologias que orientam o instrumento cujo propósito é o de “melhorar” o número,
sem o devido cuidado com a melhoria dos processos.
Este é um movimento que já começou a ganhar vida na Flórida. Segundo
Freitas (2016), mais de 3000 (três mil) professores foram até Tallahassee, capital do
estado, protestar e levar sua mensagem aos legisladores que têm fomentado a
realização de testes padronizadas de alto impacto, contribuindo com a precarização
da educação pública.
Pensamos que sair do silêncio é o primeiro passo para fomentar o debate, tirá-
lo da margem e trazê-lo para o centro das pautas prioritárias da educação. E assim,
205
ratificamos, mais uma vez, o que nos diz Perrenoud (1999, p.76), a avaliação pode
ser uma amarra capaz de impedir e atrasar “todo tipo de outras mudanças. Soltá-la é,
portanto, abrir a porta para outras inovações” e cuja discussão a proposta de
Contextualização não pode se isentar.
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217
APÊNDICES
Entrevista com o Secretário de Educação do Município de Juazeiro
1) Inicialmente, eu gostaria de saber um pouco mais sobre o seu perfil educacional
como educador. O Senhor poderia me falar sobre o percurso da sua formação
acadêmica (graduação, pós-graduação), em quais instituições estudou, qual foi o seu
itinerário formativo como educador?
2) O Senhor poderia me falar quais foram os seus principais desafios no início da
carreira profissional como educador?
3) No cenário atual, o que mais lhe desafia como educador e Secretário da Educação
em um município do porte e da importância de Juazeiro?
4) Quais fatores levaram as discussões iniciadas em 2014, em torno da proposta de
Educação Contextualizada a não serem ampliadas em 2015?
5) Diversos estudos na área da educação têm destacado a importância da
contextualização dos conteúdos ensinados na escola como elemento fundamental
para uma aprendizagem significativa, o senhor considera viável, considera possível,
uma proposta de educação contextualizada ser desenvolvida no mesmo cenário que
nossos municípios vivem hoje, que são as avaliações padronizadas vivenciadas a
cada dois anos, como a Prova Brasil, por exemplo?
6) Em sua análise, até que ponto uma educação contextualizada poderia proporcionar
melhores resultados na aprendizagem dos estudantes matriculados nas escolas do
município de Juazeiro?
7) Nos últimos três anos, a formação continuada dos professores dos anos finais do
Ensino Fundamental em Juazeiro esteve orientada por diferentes enfoques
pedagógicos, uma vez que em 2013, o enfoque foi referente à Prova Brasil, em 2014,
ficou clara orientação para a vivência de uma educação contextualizada, e em 2015
retornamos às discussões referentes ao preparo para a Prova Brasil. A que o senhor
atribui essa mudança de enfoque de um ano para outro? (Qual é finalidade da
formação continuada, no Município?)
8) Na análise do senhor, em que medida o sistema de avaliação proposto pelo
INEP/MEC proporciona uma melhoria da aprendizagem dos educandos de nossas
escolas?
9) O que motivou a decisão em implementar, nas nossas escolas, a docência
compartilhada? Esta organização permanecerá neste ano de 2016?
218
10) Embora todos reconheçam as melhorias ocorridas na educação do nosso
município, é possível perceber que esses avanços ainda não são tão expressos no
IDEB.
*Em 2011, o IDEB das séries iniciais foi de 4,0 e em 2013, chegou a 4,2. Um acréscimo
de apenas dois décimos.
*Já nas séries finais, o IDEB foi de 3, 5 em 2011, e 3,4 em 2015.
-> A quais fatores o senhor atribui esses resultados e quais são as estratégias que a
Secretaria de Educação tem buscado, para de fato ajudar na melhoria do desempenho
dos nossos alunos nesse sistema de avaliação?
11) A adesão ao SAEB e à Prova Brasil é voluntária. Por que a SEDUC aderiu? Qual
é a importância de o município aderir à realização da Prova Brasil?
(Como os resultados podem contribuir na melhoria do ensino em Juazeiro?)
12) O IDEB é calculado a partir do desempenho na Prova Brasil junto ao fluxo escolar.
Nós percebemos que em 2013, o município apresentou uma taxa elevada de
reprovação. Sobretudo, nas séries finais que passou de 14,1 (em 2012), para 18,3.
Essas taxas podem ter tido grande influência nos resultados do nosso município? O
que a Secretaria de Educação tem feito, para tentar equilibrar e reduzir os índices de
reprovação e evasão?
13) Qual a finalidade e a metodologia do Projeto Educação Nota 10?
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Entrevista realizada com os professores
1) Primeiramente, eu gostaria de saber um pouco sobre o seu perfil educacional. Qual
a sua formação, quanto tempo exerce a docência e quais motivos te levaram a
escolher esta profissão.
2) Ultimamente, muito tem se discutido sobre a qualidade da educação. Quais são os
instrumentos utilizados na escola em que você trabalha, para verificar esta qualidade?
3) De que modo a escola e os professores recebem os resultados da Prova Brasil?
Há uma análise em torno desses resultados?
4) No que se refere às vivências pedagógicas no município de Juazeiro Bahia, como
você traduziria o ano de 2015?
5) Na sua opinião, há alguma distinção no trabalho desenvolvido na escola, em anos
que tem Prova Brasil e anos que não tem? Se sim, quais?
6) Você recebe alguma orientação da SEDUC, do gestor ou do coordenador, no que
se refere ao trabalho a ser desenvolvido em sala de aula, em anos de edição da Prova
Brasil? Justifique.
7) Quais são as estratégias desenvolvidas, para garantir a melhoria do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, da escola em que você trabalha?
8) Este ano, o município desenvolveu o Projeto Educação 10! O que você pensa sobre
esse projeto?
9) Quais sensações você vivencia ou está vivenciando, nos anos em que o município
é submetido às avaliações externas?