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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS PPGESA NEILA CRISTINA NASCIMENTO RAMOS EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS JUAZEIRO 2016

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS

SEMIÁRIDOS – PPGESA

NEILA CRISTINA NASCIMENTO RAMOS

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS

JUAZEIRO 2016

NEILA CRISTINA NASCIMENTO RAMOS

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS

Dissertação apresenta ao Programa de Pós-graduação – Stricto Sensu – Mestrado em Educação, Cultura e Territórios (PPGESA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos. Linha de Pesquisa - Educação Contextualizada para a

Convivência com o Semiárido Brasileiro.

ORIENTADOR: PROFESSOR DR. JOSENILTON NUNES VIEIRA

JUAZEIRO 2016

_________________________________________________________________________

Ramos, Neila Cristina Nascimento

R175d Educação Contextualizada no cenário das avaliações padronizadas / Neila Cristina

Nascimento Ramos. -- Juazeiro, 2016.

218 f

Orientador: Prof. Dr. Josenilton Nunes Vieira

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento

Ciências Humanas. Campus III. 2016.

1. Educação Contextualizada 2. Avaliação Padronizada 3. Semiárido

I. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas CDD 370

__________________________________________________________________________

FOLHA DE APROVAÇÃO

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que na minha subjetividade é real. Tenho a certeza de

que “tudo posso naquele que me fortalece!”;

Aos meus pais e à minha irmã, os quais sempre acreditaram em mim. Vocês

são o meu alicerce e segurança; à minha pequena flor, Ana Vitória. Obrigada por

perfumar e colorir o meu jardim, especialmente, no processo de produção;

À UNEB-DCHIII, através do PPGESA – Mestrado em Educação Cultura e

Territórios Semiáridos – que nos acolheu, nos inquietou e nos lançou ao desafio e

aventura da pesquisa;

Aos meus queridos educandos e amigos de profissão, os quais foram minha

fonte de inspiração e inquietude, na escolha do objeto desta pesquisa;

Ao meu professor e orientador Drº Josenilton Vieira, pela troca de saberes,

confiança e excessiva paciência, diante dos conflitos, medos e incertezas;

Ao professor e Coordenador do PPGESA, Drº Edmerson Reis, pelo estímulo,

socialização do seu saber e disponibilidade em ajudar, sempre que necessário, e aos

Professores Dr. José Roberto, Drª Talamira Taíta e Drº Josemar Martins (Pinzoh)

pelas excelentes contribuições dadas a este estudo;

Aos alunos do 8º período do curso de Pedagogia da UPE, os quais a partir de

suas experiências cotidianas, me ajudaram a ampliar o debate em torno da Avaliação;

Ao meu amado e gracioso grupo “Coleguinhas”. Em especial, Rosiane, Antônio,

Michelle, Manuella, Sayonara e Delza, pelo compartilhar de ideais, conflitos,

sugestões de leituras e, sobretudo, incentivo e apoio;

A Harisson Souza, pela preocupação, pelo colo nas horas de angústia e choro,

pelo estímulo e alegria que me proporciona;

A Rafael Alves, pela linda amizade, companheirismo e preocupação com a

tessitura dessa escrita;

A Sandra Oliveira, amiga para todas as horas. Obrigada pela paciência em

ouvir os relatos de passo a passo desta construção; às amigas Cristocarmen, Carliane

e Soraya, pelos momentos de debates e enriquecimento pessoal e profissional;

A todos os docentes os quais emprestaram-me suas vozes para construção

deste trabalho;

Enfim, a todos que muito me ensinaram e ainda ensinam, durante a labuta

diária, nos diversos espaços por onde marcamos nossos passos. Muito obrigada!

RESUMO

Este trabalho resulta de uma pesquisa sobre os desafios da Educação Contextualizada, no cenário das avaliações padronizadas, tendo como ponto de partida, a seguinte questão: Quais são os desafios no desenvolvimento da Educação Contextualizada, na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro-BA, tendo em vista o cenário das avaliações padronizadas, na versão da Prova Brasil? Embora os estudos e pesquisas educacionais atuais venham se direcionando à defesa de processos educativos pautados na complexidade, religação dos saberes e no diálogo entre as pautas locais e globais, as políticas educacionais brasileiras têm sido direcionadas a partir da política neoliberal, que coloca a educação a serviço do mercado, tornando-a o principal veículo de reprodução das desigualdades, essência do capitalismo. Nesse sentido, escolhemos para o desenvolvimento desta pesquisa, elementos de natureza fenomenológica, com referencial metodológico que contempla, também, técnicas da etnografia. Para construção das informações, realizamos a observação participante das Formações Continuadas e entrevista semiestruturada com docentes do 5º ano; de modo que nossas análises se desenvolveram por meio da triangulação de dados e elementos da análise do conteúdo. Assim, desvelamos que os organismos internacionais que financiam as reformas da educação brasileira determinam critérios de empréstimo e financiamento, estabelecendo metas padronizadas a serem cumpridas através da educação, as quais são verificadas a partir de uma matriz curricular homogênea e universal que seleciona e determina os saberes a serem avaliados. Esta pesquisa investigou, especificamente, a Prova Brasil (financiada pelo Banco Mundial), cujo discurso oficial oculta-se sob a justificativa de ser uma inovação que visa a diagnosticar a qualidade do ensino oferecido nas escolas brasileiras, a qual é expressa pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com o propósito de orientar as políticas públicas educacionais. E o que esta investigação nos apontou foi o fato de que este processo “avaliativo” que se baseia na homogeneização, fragmentação disciplinar, responsabilização vertical, competitividade, ranqueamento e publicização dos resultados, tem influenciado diretamente na política de formação continuada dos professores, no estreitamento do currículo vivenciado nas escolas e na autorresponsabilização dos docentes, os quais pressionados a alcançarem as metas postas, se veem encurralados e terminam por limitar o trabalho pedagógico às estratégias que auxiliam a “treinar” os alunos para os testes, ampliando ainda mais, a descontextualização do ensino e a anulação das realidades locais, em detrimento do currículo hegemônico que orienta os testes. As avaliações padronizadas se constituem, pois, como forte elemento de colonização e dificultador do desenvolvimento da Educação Contextualizada, uma vez que apresentam princípios opostos.

Palavras-chave: Educação Contextualizada. Avaliação Padronizada. Semiárido.

ABSTRACT

This paper has resulted from research about the challenges of Contextualized

Education in the standardized assessment scenario, and it has began with the

following question: What are the challenges in Contextualized Education development

in the Prova Brasil, in the Municipal Teaching Network of JuazeiroBA, considering the

standardized assessment scenario? Although current educational studies and reseach

have been defending the educational processes guided by the complexity,

reconnection of knowledge and dialogue between local and global schedules, Brasilian

educational policies have been directed by the neoliberal policy, which puts education

at market disposal and transforms it in the main vehicle of inequality, this is the essence

of capitalism. In light of this situation, we have chosen elements of phenomenological

nature with methodological referential that also contemplates ethnographic technique.

In order to compilate information, we performed the participant observation of

Continued Formation and half structured interview with fifth-year teachers.The analysis

were developed by data and elements of content analysis triangulation. Therefore, we

unveiled that the international agencies that finance Brasilian education reform

determine loans and financing criteria, stablishing standardized goals which must be

accomplished through education and verified based on a homogeneous and universal

curricular matrix that selects and determines the knowledge that will be evaluated. In

this research we have investigated, specifically, the Prova Brasil (financed by the

World Bank), that officially claims being an innovation that plans to diagnose the quality

of the teaching offered at Brasilian schools. This quality is mesured by the Basic

Educatin Development Index (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –

IDEB), which aims to guide educational public policies. This research has showed us

that this “evaluation” proccess based on the results homogenization, discipline

fragmentation, vertical accountability, competitiviness, ranking and publication has

directly influenced the continued formation policy, the curriculum narrowing seen at

schools and the teachers self-accountability. When the teachers are obliged to reach

the gols, they are not able to see a way out and end up limiting the pedagogical work

to strategies that support students “training” for the exams, what make teaching

decontextualisation and local realities annulment increase in order to benefit the

hegemonic curriculum that guides the exams. The standardized assessments are

strong colonization elements and Contextualized Education development complicator,

since they present opposite principles.

Key words: Contextualized Education, Standardized Assessment. Semiarid.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANA - Avaliação Nacional da Alfabetização

ANEB - Avaliação Nacional da Educação Básica

ANRESC - Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

DCH III - Departamento de Ciências Humanas

DPP - Diretrizes Político Pedagógicas

DTCS - Departamento de Tecnologias e Ciências Sociais

ECSAB - Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro

EFEJ - Escola de Formação de Educadores de Juazeiro

ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

ILCA – Instituto de Cooperação para a Agricultura

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio computador

difícil d Teixeira

IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC - Ministério da Educação

OP - Observação Participante

OPC - Observação Participante Completa

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola

PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

RESAB - Rede de Educação do Semiárido Brasileiro

SAB - Semiárido Brasileiro

SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SAEJ - Sistema de Avaliação Educacional de Juazeiro

SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público

SEDUC - Secretaria Municipal de Educação

SIEM - Sistema de Informação da Educação Municipal

UNEB - Universidade do Estado da Bahia

Sumário

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

1. 1 Na Trilha Educacional: O começo de mim mesma........................................... 13

1.2 Da Universidade à noção de Contextualização ................................................. 16

1.3 Da Universidade à Escola. Da Escola à Pesquisa - Conflito entre a noção de

Contextualização e o cenário das Avaliações Padronizadas ................................. 24

1.3.1 INTENÇÕES QUE NORTEARAM O CAMINHO DESTA PESQUISA

.................................................................................................................................28

1.4. Breve revisão de estudos produzidos em torno do tema investigado .............. 29

1.5 Situando o Município em que se desenvolveu a pesquisa ................................ 35

1.6. Organização do estudo .................................................................................... 39

2 DA ERA DOS EXAMES À AVALIAÇÃO EDUCACIONAL.................................... 41

2.1 A Educação na perspectiva do paradigma moderno, no Brasil ......................... 41

2.1.2 A CULTURA DA PROVA - AVALIAÇÃO COMO PRÁTICA A SERVIÇO DA

SELEÇÃO................................................................................................................44

2.1.3 NA TRILHA DE UMA NOVA COMPREENSÃO: AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA

APRENDIZAGEM....................................................................................................50

2.2. Ampliando horizontes: O Sistema Nacional de Avaliação e seus imperativos...55

2.3 O Sistema Nacional de Avaliação – Questões implícitas e explícitas ............... 57

2.3.1QUESTÕES EXPLÍCITAS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

.................................................................................................................................57

2.3.2 AS INTERFERÊNCIAS INTERNACIONAIS E O SISTEMA NACIONAL DE

AVALIAÇÃO - QUESTÕES IMPLÍCITAS?...............................................................71

3 SUPERANDO OS MUROS DA EDUCAÇÃO PADRONIZADA RUMO À

PERSPECTIVA CONTEXTUALIZADA ..................................................................... 82

3.1 Transição paradigmática e a necessidade de novos rumos na educação ........ 82

3.2 A Educação na perspectiva da Contextualização ............................................. 88

3.3 Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido .................... 96

4 O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR - PERCURSO METODOLÓGICO .......... 110

4.1 A autoridade positivista na produção do conhecimento .................................. 110

4.2 Pesquisa qualitativa: Ultrapassando os limites positivistas na pesquisa

educacional .......................................................................................................... 113

4.3 Trajetória, abordagem e procedimentos da pesquisa ..................................... 115

4.3.1 A TRILHA FENOMENOLÓGICA – ELEMENTOS CONTRIBUINTES

....................................................................................................... ..............116

4.3.2 O FENÔMENO INVESTIGADO E AS CONTRIBUIÇÕES DE ELEMENTOS DA

ETNOGRAFIA........................................................................................................117

4.4 Procedimentos metodológicos para construção de “dados” ............................ 119

4.4.1 INSTRUMENTOS..........................................................................................119

4.4.2 SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA...................................................124

4.5 Procedimentos de análise ............................................................................... 126

5 INICIANDO APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................ 128

5.1 A transição entre o ano letivo de 2014 a 2015 ................................................ 128

5.2 Avaliação Padronizada: Um cenário fixo e aparentemente oculto .................. 134

5.2.1 O ANO LETIVO “ÍMPAR” E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO..............134

5.2.2 DESCREVENDO O PERCURSO DAS FORMAÇÕES CONTINUADAS.....138

5.2.3 IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS (Prova Brasil), NA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES...............................................154

6 DESCORTINANDO VOZES: O QUE DIZEM OS PROFESSORES? .................. 165

6.1 Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas da Prova

Brasil .................................................................................................................... 166

6.1.2 DOCÊNCIA COMPARTILHADA...................................................................166

6.1.3 DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS NA ROTINA ESCOLAR

...............................................................................................................................166

6.1.4 SIMULADOS, AULÕES E GINCANAS.........................................................172

6.1.5 NA VOZ DOS PROFESSORES: O QUE PODE SER FEITO PARA AMENIZAR

A TENSÃO EM ANOS DE AVALIAÇÃO PADRONIZADA?...................................176

6.1.6 O PROJETO EDUCAÇÃO NOTA 10............................................................179

6.1.7 NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS: O QUE SENTEM OS

DOCENTES E O QUE DIZEM SOBRE AS POSSIBILIDADES DE

CONTEXTUALIZAÇÃO?........................................................................................186

CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS ......................................................................... 195

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 206

APÊNDICES ........................................................................................................... 217

Desconfiei no mais trivial, na aparência, no mais singelo. Examinei, sobretudo, o que parece trivial. Suplicamos expressamente: Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem social, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

(Bertold Brecht)

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1 INTRODUÇÃO

Os estudos em avaliação deixam para trás o caminho das verdades absolutas, dos critérios objetivos, das medidas padronizadas e das estatísticas, para alertar sobre o sentido essencial dos atos avaliativos de interpretação de valor sobre o objeto da avaliação, de um agir consciente e reflexivo frente às situações avaliadas e de exercício do diálogo entre os envolvidos (HOFFMANN, 2001, p 15-16).

Poderíamos iniciar esta pesquisa partindo da premissa de Hoffmann (2001), a

qual contraria o paradigma1 tradicional que ainda está fortemente presente no

processo de avaliação educacional e que tem sido alvo de outros diversos estudos

que envolvem a complexidade do Sistema de Avaliação, no país.

No entanto, optei por iniciar este trabalho, trazendo algumas memórias que

esclarecem ao leitor, os elementos que despertaram o meu interesse em estudar o

universo epistemológico complexo que permeia o tema em estudo, os quais passaram

a constituir e a ampliar o meu olhar de pesquisadora, transpassando-o não só sobre

minha trajetória acadêmica, mas, sobretudo, pessoal e profissional.

E, neste esforço que empreendemos em construir e delimitar o nosso objeto de

estudo, como nos disse Freire (1989, p.9), “me vou entregando, recrio, e revivo, no

texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra”.

1. 1 Na Trilha Educacional: O começo de mim mesma

Escrevendo este trabalho, percebi-me relendo e revivendo memórias

essenciais de minhas experiências formativas. Permitam-me compartilhar flores e

pedras encontradas no meu caminho, desde a infância, as quais revelam a leveza e

os percalços percorridos até a construção e desenvolvimento desta pesquisa que foi

se constituindo.

1 Refere-se a modelo ou a padrões compartilhados que permitem a explicação de certos aspectos da realidade. É mais do que uma teoria, implicando uma estrutura que gera novas teorias, segundo o filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn (1994).

14

Hoje, sou levada a crer, se possível for, que não fui eu quem escolheu o tema,

mas sim, ele quem me escolheu. Minha relação com a escola iniciou-se antes mesmo

de minha inserção legítima neste espaço. Quando ainda pequenina, costumava pegar,

folhear e ficar maravilhada com as imagens e escritas contidas nos livros que a minha

irmã mais velha manuseava com frequência, devido aos exercícios escolares. Era

uma experiência sempre maravilhosa e eu vivia a contar os anos que faltavam para

que eu pudesse, de fato, também ir à escola.

Enfim, prestes a completar seis anos de idade, fui matriculada na Escola

Municipal Aprígio Duarte, na época, localizada no bairro Horto Florestal, em Juazeiro-

Ba. E, no mesmo ano, transbordaria em mim, na professora e em meus pais, a alegria

compartilhada da beleza que é poder vivenciar e acompanhar a leitura e a escrita das

minhas primeiras palavras, entre tantas outras que estariam por vir.

Lembro-me, pois, com doçura, da cartilha utilizada e de tia Gel, primeira

professora da minha vida escolar e um dos poucos nomes que jamais consegui

esquecer. A cartilha era a bíblia de meu pai, de tia Gel e, consequentemente, minha

também. Cada letra estudada correspondia a uma parte da cartilha, que trazia a letra,

uma imagem e uma série de outras palavras que começavam com o mesmo símbolo.

Todos os dias, o meu pai me colocava para ler a lista de palavras da letra

estudada, várias vezes. Somente quando não errava nenhuma delas, é que eu estava

liberada para brincar. O resultado disso era que eu sempre apresentava excelentes

resultados nas avaliações baseadas nos ditados e nas “chamadas orais” de leitura.

Nunca vi muito sentido em ler e reler aquele amontoado de palavras, mas achava

normal, talvez, não ver significado no que estudava, devia ser coisa de criança, que

ainda não entendia muito da vida.

No entanto, não tenho lembranças ruins referentes ao uso da cartilha. Lembro-

me, também, perfeitamente, de uma experiência que Tia Gel desenvolveu conosco.

Ao estudarmos algum conteúdo referente aos vegetais, ela juntou todos nós alunos e

nos levou à UNEB- DTCS (em Juazeiro Bahia), para nos mostrar como se dava o

plantio e a produção de mudas, no viveiro que até hoje, há na universidade. Era a

primeira vez em que saíamos da sala de aula e íamos a campo, ver de perto, uma

atividade que acontecia em nosso entorno.

15

E, a única certeza que tenho após a vivência de minha vida acadêmica, é que

aquela minha professora, há cerca de 20 anos, já trazia em sua prática provavelmente,

inconscientemente, alguns elementos de contextualização tão discutidos nos últimos

anos. Só não me recordo como essas vivências foram e se foram incorporadas aos

processos avaliativos.

Tendo estudado apenas no primeiro ano escolar com Tia Gel e passados

alguns anos, chegamos ao Ensino Médio. Estudamos numa escola pública de

Juazeiro, considerada modelo a ser seguido. Refletindo sobre esta instituição, hoje,

compreendo que o processo de ensino-aprendizagem que a permeava era pautado,

insistentemente, no vestibular. Líamos livros literários diversos, produzíamos textos,

fazíamos operações matemáticas variadas e debatíamos, tendo sempre em vista um

bom desempenho no vestibular e no ENEM. Logo, a escola a qual nos referimos

reproduzia, cotidianamente, atividades que seguiam os mesmos modelos de questões

e conteúdos a serem cobrados nos exames.

Portanto, ensinar para o vestibular era a função que concebíamos para a

escola e assim, os índices de aprovação dos alunos desta instituição eram sempre

uns dos mais significativos entre as escolas públicas de Juazeiro. O que aumentava

o seu perfil de modelo a ser seguido e intensificava a disputa dos pais por vagas para

os filhos, cuja crença e justificativa eram baseadas na ideia reduzida de que escola

boa é escola com índices elevados.

E, se todo o conhecimento construído nesse período não foi muito pautado no

“chão em que pisávamos”, nem contribuiu necessariamente para que

problematizássemos e conhecêssemos as potencialidades e adversidades locais,

mas sim, internalizássemos a lógica da competitividade e da ideia de superioridade

em relação ao outro (que passou da categoria de colega à categoria de concorrente),

o fato é que, de certa forma, aquele processo educativo atendeu à emergência de um

contexto específico: A necessidade de inserção na vida acadêmica e a possibilidade

de melhoria na vida profissional. Motivo pelo qual, podemos agora, refletirmos sobre

o tema proposto, numa visão de pesquisadora e, inclusive, compreendermos o nosso

próprio processo formativo.

Durante este período em que fui aluna do nível básico, inquietei-me bastante

com as práticas educativas pautadas exaustivamente nesses exames, mas não tinha

16

como isentar-me dos seus imperativos, afinal, havia também, a cobrança social e da

família, onde a aprovação no vestibular parece ser o caminho para a felicidade e as

pressões diárias nos coagem a encontrarmos, o mais rápido possível, este caminho.

Então, a única saída foi abrir mão de outros interesses e idealizações presentes

no cônscio típico de um adolescente e focar nos conteúdos que seriam cobrados nos

exames. Os frutos foram colhidos. Tendo sido aprovada num total de 06 cursos

universitários bem variados (Pedagogia, Letras, Ciências Sociais, Psicologia,

Administração e Dança), em Universidades Estaduais, Federais e particulares (como

bolsista do Prouni2). Dediquei-me, no entanto, com maior fervor e interesse, àqueles

que de fato, representavam os meus anseios, as minhas inquietações. E, por isso,

escolhi a área de educação, mais especificamente, os dois primeiros.

E, vivenciando estes cursos, sobretudo, o de Pedagogia, adentramos nos

discursos tradicionais e nos ditos “contemporâneos” em relação à área educacional,

sendo sempre levada a refletir sobre práticas vivenciadas na infância e na

universidade, enquanto aluna, e práticas vivenciadas, hoje, como educadora.

1.2 Da Universidade à noção de Contextualização

Ingressamos no Ensino Superior no ano de 2008. Desde lá, começamos a

problematizar e a entender que sob o pretexto de “neutralidade”, a educação brasileira

camuflou a política da despolitização, tornando-se uma das principais vias utilizadas

para a difusão de ideias e concepções de mundo baseadas, especialmente, nas

visões elaboradas pelos grupos dominantes. Sobretudo, ao vivenciarmos o contexto

da ideologia neoliberal3, o viés da Economia, em que a educação sofre diretamente

os impactos, e os padrões de formação são baseados nas competências necessárias

ao mercado produtivo e à empregabilidade.

2 Criado pelo Governo Federal em 2004, o Programa Universidade para Todos – Prouni – é um programa do Ministério da Educação, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação a estudantes brasileiros. 3 Segundo Galvão (1997), o centro de toda prática neoliberal é o mercado e o consumo. No discurso neoliberal, a educação deixa de ser parte do campo político e social, para ingressar no mercado e funcionar a sua semelhança.

17

Nesse sentido, predomina a lógica do capitalismo avançado, cujo parâmetro

que define o padrão a ser alcançado é exatamente o nível econômico; critério este

que permite a classificação de superioridade e dominação de uns sobre outros. Assim,

nossas escolas tendem a reproduzir o discurso da homogeneidade e o domínio das

perspectivas de determinados grupos culturais em detrimento da população excluída

à margem da sociedade do capital, disseminando a partir dos processos educativos,

ideais e modelos de identidades “universais” a serem seguidos. Portanto, como afirma

Martins (2006, p.47), é possível constatar que “a educação escolar que se dirige aos

vários pontos da imensidão do território brasileiro, é uma educação

descontextualizada e, por sê-lo, é também colonizadora”; uma vez que se trata de

universalizar “um local”, uma determinada concepção de mundo, uma realidade

hegemônica.

Vale destacar, segundo o autor, que no Brasil, as narrativas consideradas

socialmente válidas e legítimas são aquelas produzidas no Sul e Sudeste urbano do

país, onde se concentram, inclusive, as grandes editoras de materiais didáticos e

paraditáticos que circulam nas distintas regiões e contextos brasileiros, e que pouco

ou nada dizem sobre a diversidade e tantos outros modos de vida que se operam em

outros contextos; sobretudo, no Semiárido Brasileiro, o qual sempre foi violentado,

estigmatizado e historicamente marcado por representações unilaterais que

disseminam perspectivas de inferioridade e “envergonhamentos”, no território

nacional.

No Brasil, Paulo Freire (1921-1997) foi um dos principiantes a defender um

processo de ensino baseado na crítica à “Educação Bancária” e à negação do

contexto; trazendo importantes contribuições ao compreender que a educação deve

ser construída a partir do saber do povo e com o povo, sendo necessário ler a

realidade a partir da ótica do oprimido, indo além das letras, numa constante relação

social e histórica.

Assim, convidou os indivíduos, mais especificamente, os oprimidos e

invisibilizados a dizerem “a sua palavra”, reapropiando-os da voz, historicamente,

negada. Para ele, a conscientização se dá no envolvimento da ação, o que exige a

necessidade de se apossar dos diversos ângulos da realidade: “estou absolutamente

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convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento,

uma aproximação crítica da realidade” (FREIRE, 1980, p. 25).

Desse modo, em Pedagogia do Oprimido (1987, p.36), o autor concebe a

Educação Bancária como aquela que apresenta uma falsa visão dos homens tendo

em vista que sugere a dicotomia (inexistente) entre o mundo e os sujeitos, onde estes

são colocados como espectadores e não recriadores do próprio mundo. Nessa

perspectiva, a consciência é considerada como uma parte mecânica, vazia e passiva

que fica “dentro” dos sujeitos, e que quando “aberta” ao mundo, será preenchida de

verdades, recebendo depósitos arbitrários que vão se tornando seus conteúdos.

Transformando assim, o educando em recipiente, controlando seu pensar, o seu agir,

anulando as significações e as leituras do seu contexto.

Logo, essa concepção de educação inibe o poder de criação e atuação social,

levando os homens a se ajustarem e se adaptarem ao mundo, numa visão mágica em

detrimento da visão crítica. Todavia, Freire (1989, p.11) nos diz que “A compreensão

do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre

o texto e o contexto”. Na mesma direção, Morin (2000, p.36) nos aponta que “Para ter

sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do

contexto no qual se anuncia”.

Portanto, podemos encontrar em ambos os autores, que o conhecimento

isolado é insuficiente. Para que o conhecimento seja pertinente e adquira sentido, é

preciso situar as informações no contexto.

Nesse sentido, Silva (2010) nos ajuda a sintetizar essa discussão, ao afirmar

que:

Leis universais homogeneizaram, descontextualizaram as realidades locais. Com a matematização do universo e da vida, o que não pode ser quantificado não existe, não é verdade ou não é relevante. Os saberes, paixões, experiências, desafios, aspirações, frustrações, desejos, histórias, significados, sonhos e potencialidades locais eclipsaram sob o efeito homogeneizador/descontextualizador de modelos globais dominantes em todos os campos do conhecimento, inclusive, no da educação (SILVA, 2010, p.5).

Diante desse cenário, as questões inerentes à educação caminham cada vez

mais para a necessidade de contextualização, em que se propõe a superação da

19

política de compartimentalização e descontinuidade, em defesa de uma proposta

educacional holística, que contraponha o paradigma positivista da Ciência Moderna.

Defender a política da contextualização é colocar-se contrário aos ideais positivistas

alicerçados nos princípios da universalidade, neutralidade, fragmentariedade,

incontestabilidade e absolutismo de um dado conhecimento, os quais inviabilizam a

relação entre currículo e contextos, camuflando a base colonialista e excluindo as

dizibilidades e narrativas que se distanciam daquelas consideradas ideais e oficiais.

Assim, uma Educação que se diz Contextualizada está “apta a referir-se ao

complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global”

(MORIN, 2000, p. 39). Compreende o sujeito como um ser indiviso que se utiliza da

razão, emoção e intuição, na construção do conhecimento. Logo, um ser que

necessita de um processo educativo em que palavras, conteúdos desenvolvidos e

ações pedagógicas dialoguem com os elementos do cotidiano, dos saberes locais,

das questões sociais, culturais e ambientais e que sejam carregados de sentido e

pertinência, reintegrando-o à sociedade, ao mundo e à natureza do qual é parte.

Na concepção de Freire (1996), é preciso apostar numa educação cuja base

seja o diálogo, onde todos tenham o direito à voz e possam se educar mutuamente.

Assim, educandos e educadores poderão ter os seus saberes, história e cultura

reconhecidas; aspectos estes que por muito tempo foram negados no contexto

escolar. E, sendo capazes de compreender as particularidades das suas identidades

culturais, as desigualdades que os oprimem, percebendo que estão “presos”, à

margem dos privilégios dos grupos que têm a posse do poder de dominação,

precisarão empoderar-se4 da leitura de suas experiências, relacionando esses

saberes junto ao conhecimento tido como científico.

Contextualizar, nesse sentido, é problematizar a realidade dos educandos, a

partir do currículo, tendo como finalidade a pertinência da compreensão de sentidos,

a conscientização e intervenção no mundo, buscando o fim da opressão. Para tanto,

faz-se necessário deixarmo-nos confrontar e interrogar nossas crenças, e concepções

4 Utilizamos o termo, na perspectiva do pensamento freiriano, em que o empoderamento implica na “libertação do oprimido”, na conquista, avanço e superação da opressão por parte de quem se empodera.

20

de realidade. Enfim, interrogar nossas certezas e interpretar o outro a partir de seus

termos próprios, ou seja, interpretar como um “outro” legítimo e não marginalizado.

No que se refere à necessidade de a escola contemplar, valorizar e

problematizar as experiências que o sujeito tem com o seu mundo, cabe aqui destacar

a boniteza da afirmativa de Freire (1989, p.11): “Na medida, porém, que fui me

tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na ‘leitura’

que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo”. Assim, ao despertarem a

consciência crítica e o pensar reflexivo sobre os problemas sociais, educador e

educando entenderão o que acontece socialmente e o porquê acontece, podendo

assim, vislumbrarem condições de libertação das cadeias opressoras, buscando

participação ativa na construção de uma sociedade mais equânime.

Nesse sentido, essas discussões foram se ampliando e se constituindo como

essência do nosso cenário formativo, na Universidade. Descolonizar o currículo,

contrariando a perspectiva do pensamento simplificador5, da unidimensionalidade, da

demasiada abstração e repetição de conceitos desprovidos de sentido e isolados dos

contextos em que se produz a existência humana foi se tornando uma discussão cada

vez mais fomentada e considerada necessária por todos que se colocam contrários à

educação como prática da dominação, a qual reduz os homens a meras coisas; e

contrariando esta prática, defendem o desenvolvimento de uma educação como

prática para a liberdade, a qual estimula e anima o homem a refazer-se, refazer o

mundo e torná-lo mais humano (FREIRE, 1987 p. 38).

No entanto, desenvolver uma prática educativa contextualizada não é algo tão

simples e repentino, numa realidade onde o paradigma tradicional ainda demonstra

está tão enraizado no cônscio dos indivíduos e das instituições. Os textos que

constituem nossos currículos não são apenas textos, mas sim, textos de poder, os

quais são pensados para produzirem e legitimarem identidades homogeneizadoras

(branca, machista, heterossexual, urbana, entre outras) significando assim, a

existência humana, a partir de aspectos culturais dominantes (SILVA, 2004).

5 Para Morin (2000), o pensamento simplificador orienta-se pelo paradigma cartesiano e adota os modelos disciplinares de acesso ao conhecimento, sendo, portanto, um pensamento reducionista. Esse tipo de pensamento fragmentado, isolado e simplificador é, de acordo com Morin, a barbárie do pensamento.

21

O currículo, nesse sentido, contribui para a dominação e exclusão dos grupos

sociais minoritários destituídos de estruturas de poder, os quais têm suas narrativas

silenciadas. No belíssimo escrito A Poética e a política do currículo como

representação, Tomaz Tadeu da Silva (2004) nos diz que as narrativas que permeiam

os currículos escolares “dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais

formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é bom e o que é mau, o que

é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não são” (SILVA, 2004,

p.193). Portanto, permitam-se repetir, contextualizar perpassa sobre a descolonização

dos currículos; tornando-se necessário revertermos o modelo de educação

monorreferencial no que se refere ao saber, de modo a garantir, inclusive, a história

dos povos e sua relação com o meio em que têm intimidade, o que exige partir da

valorização da “leitura de mundo”, tão evidenciada nas obras de Paulo Freire.

Todavia, outro fator que se apresenta como problema a ser resolvido são os

materiais didáticos os quais, historicamente, não asseguram a pluralidade cultural e

as especificidades potenciais das diversas regiões do Brasil. Logo, esses

instrumentos trazem em si, as concepções que norteiam o currículo oficial, os quais

ao serem relacionados à precariedade da formação docente, como nos diz Martins

(2006) terminam por definir o percurso vivenciado durante todo o ano letivo.

Os professores vítimas de um processo educativo descontextualizado acabam

por adotar o livro como trilha a ser seguida e tendem a reproduzir práticas arraigadas,

perpetuando assim, “o velho ensino” e “otimizando o péssimo”. Desse modo,

Segundo Moraes (1997), continuamos a preservar e a expandir o velho modo pelo

qual fomos educados, sem refletir acerca do significado de uma nova prática. Práticas

essas que precisam encontrar lugar para reflexão e superação, nos espaços

formativos.

No entanto, há um importante fator que reúne e enfatiza a presença marcante

das questões supracitadas, mas que pouco tem sido alvo das discussões que

envolvem os desafios da contextualização do ensino. Estamos nos referindo à

Avaliação Nacional de Rendimento Escolar – ANRESC, também denominada e mais

conhecida como Prova Brasil/2005. A Prova Brasil é um dos principais instrumentos

que compõem o Sistema Nacional de Avaliação Básica– SAEB, o qual de acordo com

Bonamino (2002) é uma política pública derivada das exigências advindas com a

globalização e a competitividade econômica, em que os representantes estatais

22

buscam alianças e elaboram estratégias homogeneizadoras orientadas a partir da

avaliação.

A emersão das ideias neoliberais repercute diretamente na política brasileira e

tendo em vista que o estado investe bastante dinheiro nas universidades e escolas,

começa-se a questionar sobre a função destas instituições no que se refere ao

crescimento da economia. Nessa perspectiva, a partir da década de 1980, amplia-se

a discussão sobre a avaliação da qualidade do ensino, como importante fator para

reorientação das políticas educacionais e investimentos da educação. Nesses termos,

Libâneo (2004, p.241) nos ajuda a sintetizar este cenário, afirmando que: “A ordem é

sintonizar os sistemas educacionais ao modelo neoliberal”.

Inicia-se, pois, a necessidade de aferir os resultados e controlar a educação

oferecida em nossas escolas, por meio da coleta, análise e divulgação dos resultados.

Práticas essas que passam a ser prioridade não apenas no Brasil, mas antes,

também, no cenário internacional. No Brasil, os instrumentos para este controle

compõem o SAEB – que, no Ensino Fundamental, tem a Prova Brasil como um dos

instrumentos que têm ganhado cada vez mais espaço nas escolas e nas discussões

que envolvem o campo de pesquisa na área de educação.

Sendo composto por instrumentos padronizados, o Sistema Nacional de

Avaliação apresenta uma matriz curricular específica que referencia a elaboração dos

testes, estabelecendo, portanto, um padrão de aprendizagem no contexto nacional.

Apresenta assim, uma lógica universalista e fragmentária. Neste último caso, apenas

as áreas de Língua Portuguesa (Leitura e compreensão) e Matemática (Resolução de

problemas), norteiam a elaboração da prova. O que também o caracteriza, como um

Sistema de Avaliação que apresenta fortes características positivistas.

Portanto, para além da coleta de dados que deveria servir para a reformulação

e monitoramento das políticas públicas voltadas para a educação básica, o SAEB e

seus instrumentos avaliativos podem fomentar um currículo centralizado, o qual acaba

se tornando o currículo vivenciado nas escolas dos “quatro cantos do país”; tendo em

vista o fato de que existe uma matriz que referencia a construção das questões

presentes nas provas e que não deixa de trazer em si, uma concepção particular de

educação.

23

Desde o ano de 1990, as discussões em torno da avaliação educacional

ganharam ênfase nos debates pedagógicos e políticos tanto nacionais, quanto

internacionais, aumentando, inclusive, os discursos que defendem a importância dos

instrumentos avaliativos, como suporte da gestão da educação básica.

Principalmente, os exames nacionais em larga escala, uma vez que lhes é atribuído o

objetivo de representar, quantitativamente, a qualidade da educação ofertada no

Brasil. Observamos aqui, a instituição de uma “cultura da prova” que tende a enaltecer

o aspecto técnico da avaliação e reduzi-la a números, médias e estatísticas.

Diante disso, percebemos o fortalecimento de um cenário que torna ainda mais

dificultoso, o desenvolvimento de uma educação integral, multidimensional e

multirreferencial nas escolas. Vale destacar que esses exames podem fomentar, nas

salas de aula, o uso intenso de materiais didáticos elaborados sob a mesma

perspectiva curricular que norteia a elaboração dos exames padronizados. Uma

pesquisa que relaciona o uso de sistemas de ensino à melhoria no desempenho da

Prova Brasil, liderada pela pedagoga Paula Louzano, em parceria com Francisco

Soares, da UFMG, reforça essa questão, ao analisar os resultados de 291 municípios

paulistas.

A pesquisa patrocinada pela Fundação Lemann, a qual apóia estudos e

pesquisas sobre diferentes aspectos da gestão educacional, divulgou em 2011, no

endereço eletrônico da Revista Educação, bem como, em sites na internet, que nas

edições da Prova Brasil realizadas entre os anos de 2005 e 2007, os alunos que

estudaram com os materiais apostilados apresentaram uma média de 5 pontos a mais

nas escalas das disciplinas avaliadas nos testes, em relação aos alunos que não

utilizaram esses materiais.

Sendo assim, com as demandas das avaliações nacionais, a realidade posta

nas salas de aula, tende a ir ao encontro dos instrumentos avaliativos, podendo se

distanciar das múltiplas realidades vividas pelos alunos. E os instrumentos básicos

utilizados para “medirem” a qualidade do ensino estão ainda mais estranhos à

compreensão dos mesmos. O caso tende a agravar-se ainda mais, no contexto do

Semiárido Brasileiro, uma vez que as editoras destes mesmos materiais continuam a

impregná-lo de representações simbólicas coletivas que insistem em significá-lo como

o lugar da seca, improdutivo, estático, rural, sem possibilidades viáveis de existência

e apenas dotado de adversidades que impossibilitam uma vida possível e estável.

24

Torna-se, pois, cada vez mais necessário um processo educativo que promova

a indignação e a percepção dos problemas sociais que por tanto tempo foram

naturalizados. Portanto, a discussão da Contextualização do ensino não pode se dar

na ausência da discussão referente ao atual Sistema Padronizado da Avaliação

Nacional e os fatores que determinam a sua existência. Uma vez que, ao se propor

uma contra-hegemonia ao currículo instituído, bem como, uma reinvenção no trabalho

pedagógico vivenciado nas instituições de ensino, não podemos perder de vista que

a escola que temos hoje foi criada num formato baseado no paradigma da

modernidade, para cumprir com os imperativos da sociedade capitalista iniciada no

séc. XVI e revitalizada no séc. XIX.

E, como tal, a cultura que a mantém reproduz a mesma lógica da sociedade

que a estabelece, inclusive nas suas próprias contradições e antagonismos, de modo

que a mesma escola criada para adestrar sujeitos para o projeto do capital/trabalho,

gesta nesta mesma estrutura dialética, possibilidades de gerar sujeitos que tenham

consciência sobre si e este mundo. Sendo assim, discutir a função social da escola

perdendo de vista o projeto de sociedade a qual ela está a serviço, fortalece as

expectativas do capitalismo que “aposta na descontextualização da realidade escolar

e no predomínio da ideia de que sua função é para a lógica do mercado” (COSTA,

2007).

1.3 Da Universidade à Escola. Da Escola à Pesquisa - Conflito entre a noção de

Contextualização e o cenário das Avaliações Padronizadas

É exatamente diante deste cenário de avaliação nacional anunciado

anteriormente, que surge o conflito que deu origem às inquietações que fomentaram

esta pesquisa. Durante o Curso de Pedagogia iniciamos as discussões relacionadas

à necessidade de descolonizar o currículo e contextualizar o ensino, buscando

possíveis rupturas do paradigma que tanto norteou a Pedagogia Tradicional. No

entanto, no mesmo período em que concluíamos a graduação, nos inserimos na Rede

Municipal de Ensino de Juazeiro-BA, como professora efetiva do Ensino Fundamental

I. E foi exatamente ao ingressar na sala de aula (no que, definitivamente, é possível

chamar de campo prático), que houve o primeiro choque entre os conceitos

construídos na academia e o modo como a realidade de fato se opera, nas instituições

escolares.

25

Enquanto na Universidade discutíamos sobre a contextualização do ensino e

uma relação de horizontalidade na construção dos saberes; ao chegarmos à escola,

na primeira semana de planejamento, recebemos o programa de ensino já pronto,

organizado e elaborado por “superiores anônimos”, o qual deveria ser a nossa bússola

no processo de orientação das atividades a serem desenvolvidas no cotidiano escolar.

Segundo os gestores, o programa recebido continha os conteúdos necessários

a serem apreendidos pelos alunos e que seriam cobrados na avaliação externa ao

final do ano. Fazia-se, portanto, necessário segui-los; afinal, considerava-se que

alunos com aprendizagem satisfatória seriam aqueles capazes de atender ao

programa estabelecido, apresentando bom desempenho nos resultados. E, naquele

momento, pela primeira vez, me percebi diante de uma realidade extremamente

dialética, no conceito moderno do termo, o qual de acordo com Konder (1981, p.7) “é

o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a

realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação”.

E foi, então, nesse dilema e contraste entre os conceitos discutidos durante a

formação acadêmica e os imperativos já postos no Sistema Educacional, a partir das

avaliações padronizadas, que as inquietações aumentaram. A Universidade em que

estudei se localiza no mesmo município em que iniciei a experiência da docência, e a

primeira impressão que me veio à mente foi a de que ambas “não falavam a mesma

língua”.

Sendo assim, o grande conflito, a pouca experiência e ainda insuficiente

compreensão desse cenário prático educativo nos levaram à obediência daquilo que

já se apresentava posto, definido e prescrito, nos levando a deixar adormecido as

possibilidades e tentativas significativas de contextualização, sobretudo, porque

nesse mesmo período, não sentimos ou percebemos a gestão educacional do

município muito preocupada com essa possibilidade. As preocupações giravam

sempre ao redor do alcance do IDEB.

Nesse sentido, no ano de 2013, o fato de estarmos inserida nos diversos

espaços planejados pela SEDUC de Juazeiro, como por exemplo, as formações

continuadas, lidando com um grupo bem amplo de professores, nos permitiu

acompanhar a angústia de muitos educadores os quais, por vezes, conversavam entre

si sobre a pressão que sofriam em relação ao alcance das metas quantitativamente

26

esperadas, no desempenho dos alunos, na Avaliação Nacional do Rendimento

Escolar.

No entanto, apesar de se sentirem incomodados, jamais utilizaram de suas

vozes para questionarem nesses espaços, o que são essas avaliações, por quais

teorias são influenciadas, onde são elaboradas, por que realizá-las, o que significam,

qual o retorno e colaboração para a prática educativa elas têm ou podem ter. A falta

de resposta ou a não elaboração destas perguntas, podem, portanto, contribuir para

uma maior ausência de intencionalidade e clareza no direcionamento do currículo

vivenciado em nossas escolas. Finalizado o ano de 2013, ou seja, mais um ano em

que foram realizadas as avaliações externas e, neste caso, nos referimos

especificamente à Prova Brasil, iniciamos o ano de 2014 com uma nova perspectiva.

Tendo em vista a efervescência intelectual que tem impulsionado pesquisas

diversas sobre os variados aspectos que influenciam o processo de ensino e

aprendizagem, as quais apontam para a necessidade de se desenvolver uma prática

educativa contextualizada, em que a escola se aproxime da vida e que, como defende

Silva (2010), os currículos vivenciados permitam a problematização e a vinculação

dos conteúdos às concretudes que os sujeitos envolvidos vivenciam, diariamente; no

ano de 2014, a Secretaria Municipal de Ensino de Juazeiro BA, iniciou o ano letivo

com uma Jornada Pedagógica, propondo o debate e a discussão em torno da

Proposta da Educação Contextualizada Para a Convivência com o Semiárido

Brasileiro.

Trazendo palestrantes e estudiosos da região para ampliarem a discussão em

torno da proposta, enfatizando a necessidade que as escolas têm de ressignificarem

identidades, concepções e práticas de ensino que, por muito tempo, foram

colonizadoras e disseminadoras de visões distorcidas acerca do Semiárido. Com este

propósito, a SEDUC em parceria com o IRPAA, construiu, inclusive, suas diretrizes

municipais - um documento orientador chamado de Diretrizes Político-Pedagógicas

(DPP/SEDUC) do município de Juazeiro/BA (ainda não publicado) que tem por

objetivo traçar os pilares conceituais e políticos que estruturam e norteiam o fazer

pedagógico que se propõe contextualizado, defendendo a urgência em reinventarmos

outro Semiárido possível, descolonizando a educação.

27

As diretrizes foram assim, organizadas enquanto grupos temáticos: Currículo

Contextualizado, Formação Continuada, Gestão Educacional e Material Didático.

Buscando fomentar essa proposta, a SEDUC fez uma parceria com o IRPAA visando

à inserção de materiais contextualizados nas instituições de ensino: os Livros

“Conhecendo o Semiárido 1 e 2”; numa espécie de projeto piloto, em que foram

distribuídos em 58 escolas municipais, atendendo aproximadamente cerca de 3.654

estudantes entre as turmas de 4º e 5º anos. A proposta inicial era de que os

educadores participariam de formações mensais com pautas sobre a contextualização

e as possibilidades do uso dos livros didáticos, no mínimo, até o final do ano de 2015.

Ainda em 2014, diversas experiências de contextualização foram ensaiadas no

contexto municipal, umas mais acertadas, outras mais fragilizadas, mas na tentativa

de dar os primeiros passos. Ao final do ano, muitas escolas expuseram as

experiências vivenciadas e assim, alguns grupos de professores mais animados e já

apresentando uma compreensão um pouco mais clara sobre a contextualização,

começaram a elaborar projetos pedagógicos para auxiliarem no desenvolvimento da

proposta no ano seguinte (2015).

Chegado o ano de 2015, eis que no primeiro encontro formativo, gestores,

coordenadores e professores foram recebidos, novamente, com informações

referentes às avaliações padronizadas, em específico, à Prova Brasil. Observamos o

ano de 2015, iniciando a princípio, nos mesmos rumos do ano de 2013, deixando para

trás, a discussão da Educação Contextualizada, iniciada em 2014, ano em que não

houve a realização da Prova Brasil, já que esta acontece apenas bianualmente.

É exatamente nesse ponto, que o nosso objeto toma forma mais explícita. E

parafraseamos Konder (1981) ao citar Montaigne, em suas reflexões sobre a dialética

no século XVI, refletimos sobre as contradições vividas inicialmente e percebemos

que a Educação Contextualizada a qual em 2013 não era prioridade, mas que em

2014 estava começando a ser, já não mais o era em 2015; “ou já estava começando

a morrer antes de ter sido” (KONDER, 1981, p.15).

Assim, como parte integrante do corpo docente da Rede Municipal de Ensino

de Juazeiro e amiga de professores que vivem situações bem semelhantes nos

municípios vizinhos, me inquieta a necessidade de compreender os desafios em torno

da defesa da contextualização do ensino, frente às dificuldades encontradas no

28

cenário vivenciado em torno das avaliações padronizadas. Partindo dessa inquietação

e das discussões expostas até aqui, construímos um projeto de pesquisa a ser

desenvolvido como dissertação do Mestrado.

1.3.1 INTENÇÕES QUE NORTEARAM O CAMINHO DESTA PESQUISA

O objeto foi se clareando e, enfim, nos propusemos a entender o cenário até

aqui descrito a partir do seguinte questionamento: Quais são os desafios no

desenvolvimento da Educação Contextualizada, nas Escolas da Rede Municipal de

Ensino de Juazeiro BA, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas, na

versão da Prova Brasil?

Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho buscou compreender os desafios

da Educação Contextualizada, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas,

na versão da Prova brasil, realizada com os alunos do Ensino Fundamental I, na Rede

Municipal de Ensino de Juazeiro BA.

Nosso engajamento na Rede Municipal de Ensino tem nos possibilitado

perceber a influência que a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar pode exercer

dentro das nossas escolas. E isso nos gerou outras tantas indagações: De que modo

as Avaliações Padronizadas podem ser um fator que desafia a vivência de uma

Educação Contextualizada? Em qual perspectiva a Prova Brasil (re)orienta as

formações continuadas destinadas aos professores da série final do Ensino

Fundamental I? Quais as possíveis interferências da Prova Brasil na organização

curricular das nossas escolas? Como esta avaliação padronizada pode determinar o

trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas, em turmas do 5º ano? O que os

docentes pensam sobre a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar e as

possibilidades de contextualização?

Nesse sentido, para respondermos à questão central, contemplando as

questões secundárias que nortearam o percurso dessa investigação, elegemos os

seguintes objetivos específicos:

Aprofundar os estudos sobre as concepções epistemológicas que norteiam as

Avaliações Padronizadas e a Educação Contextualizada;

29

Identificar se as formações continuadas de professores do 5º ano apresentam

um enfoque baseado na contextualização do ensino ou se há apenas um

enfoque que atenda às demandas da Avaliação Nacional do Rendimento

Escolar;

Descrever o cenário das avaliações padronizadas, a partir das estratégias

utilizadas na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro BA, tendo em vista a

realização da Prova Brasil, com alunos do Ensino Fundamental I;

Analisar, nas falas dos docentes do 5º ano, as sensações expressas em

relação ao contexto escolar vivenciado em anos de edição da Prova Brasil e as

possibilidades de contextualização;

Apresentar os desafios da Educação Contextualizada, no cenário das

Avaliações Padronizadas.

1.4. Breve revisão de estudos produzidos em torno do tema investigado

Tendo definido estas intenções, nos lançamos ao desafio de investigar o tema

numa pesquisa exploratória, buscando discussões teóricas já desenvolvidas em torno

da história, dos conceitos, de causas e consequências da avaliação e a relação destes

com Sistema Nacional de Avaliação, mais especificamente, a Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar, a conhecida Prova Brasil, bem como, sua relação com as

concepções epistemológicas que norteiam a Proposta de Educação Contextualizada.

Durante o percurso desta revisão bibliográfica, identificamos a produção de

artigos, dissertações, teses e livros que apontam perspectivas distintas sobre essa

questão, que vão desde a análise da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar como

um instrumento que tem fomentado a melhoria da prática docente e a qualidade do

ensino oferecido nas escolas brasileiras (sobretudo, nas áreas de Língua Portuguesa

e Matemática); até pesquisas que trazem uma análise desse modelo de avaliação

oficial como uma prática hegemônica, de controle e fiscalização do trabalho

pedagógico vivenciado nas nossas escolas.

Para este estudo, não encontramos pesquisas que explicitem claramente a

intenção de discutir os processos de contextualização do ensino, nesse cenário de

avaliação padronizada. Por isso, aqui, nos interessou particularmente, as pesquisas

30

que trazem em si, análises que ao nosso olhar, se aproximam de uma possível relação

entre a discussão do Sistema Nacional de Avaliação e, nesse contexto, os elementos

que se aproximam de alguns empecilhos ao desenvolvimento de uma Educação

Contextualizada. É válido reforçar que o SAEB teve sua primeira edição em 1990 e a

Prova Brasil só foi incorporada a este Sistema de Avaliação no ano de 2005. Logo, o

campo de pesquisa sobre esse fenômeno ainda é recente e apresenta-se pouco

analisado em seus limites e diversidade.

No entanto, escolhemos alguns artigos, bem como, buscamos dissertações e

teses obtidas no banco de Dissertações e Teses da CAPES (www.capes.gov.br), os

quais serão apresentados numa abordagem geral, tendo em vista que os escolhemos,

por julgarmos ter maior aproximação com o nosso objeto de estudo.

No artigo “Os Reformadores Empresariais da Educação: Da desmoralização

do magistério à destruição do sistema público de educação”, Freitas (2012), faz um

comparativo entre o movimento coordenado pelos Reformadores Empresariais da

Educação nos Estados Unidos (os quais defendem a organização privada como

proposta mais adequada para redefinir e fortalecer a educação americana de modo a

garantir sua competitividade no cenário internacional) e o movimento coordenado por

empresários na área de educação no Brasil, conhecido como “Todos pela Educação”.

Segundo o autor, coloca-se o foco numa educação pautada no ensino por resultados,

os quais promovem o controle dos processos vividos no interior das escolas, de modo

que as aprendizagens passam a ser medidas por meio de testes padronizados, em

larga escala, originando a perspectiva de responsabilização e com isto a divulgação

pública dos desempenhos das escolas, rankings e recompensas, desviando o foco da

discussão em torno das diferenças sociais e desigualdades que dão origem às

distinções dos resultados, fomentando a pressão e a competitividade, no âmbito das

instituições e os sujeitos que a compõem. O autor aponta várias críticas em relação à

política neoliberal e seus impactos no sistema de avaliação nacional, concluindo que

ainda há tempo de rever essas políticas e buscar saídas que possam garantir a

formação plural e multidimensional da nossa juventude.

No trabalho “O Sistema de Avaliação Brasileiro”, Pestana (1998) apresenta o

surgimento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB - e os

fatores que impulsionaram sua institucionalização. Aponta que o nosso Sistema

31

Nacional de Avaliação nasce da necessidade de articular e construir tomadas de

decisões sobre os rumos da Educação no Brasil e reafirma a necessidade de verificar

se os investimentos educacionais feitos pelo governo estão contribuindo para a

melhoria do sistema, alcançando a garantia da qualidade, da equidade e eficiência,

permitindo o monitoramento das Políticas Educacionais Brasileiras. Nesse sentido,

adentra nas características do nosso Sistema Avaliativo, discutindo o surgimento da

inserção da ideia de produto (neste caso, o desempenho do aluno) no campo da

educação e sob quais aspectos esse produto seria observado. Ao descrever o

Sistema Nacional de Avaliação nos dias atuais, explicita que o desempenho dos

estudantes sofre múltiplos condicionamentos, inclusive, dos próprios contextos em

que se dá o processo de ensino e aprendizagem, bem como seus insumos6 e afirma

que os instrumentos do SAEB não são capazes de medir a complexidade desses

fatores. Porém, a autora conclui, apontando princípios e diretrizes que sustentam o

SAEB, como importante instrumento para o desenvolvimento da educação brasileira.

Já o artigo nomeado “Sistema nacional de avaliação da educação básica e sua

expressão na Rede Municipal de Ensino de Curitiba: primeiras aproximações”, escrito

por Both et al. (2007), os autores explicitam os impactos causados pela publicização

dos resultados da Prova Brasil no que se refere à organização pedagógica e curricular

nas redes municipais de ensino. Concluem que esses impactos são observáveis na

dimensão curricular, no que se refere às distinções entre a concepção de ensino que

norteia a Rede Municipal de Ensino e a que norteia as avaliações nacionais

padronizadas na gestão escolar, uma vez que a autonomia das instituições fica

limitada ao currículo homogêneo, representado pela Matriz de Referência para

elaboração da Prova Brasil e na formação docente que assume um ideal mais técnico,

invisibilizando sua natureza política e pedagógica.

Bonamino e Souza (2012), no artigo “Três gerações de avaliação da educação

básica no Brasil: interfaces com o currículo da/na escola”, analisam as avaliações em

larga escala, no Brasil, durante três gerações e suas consequências no currículo

escolar. A primeira faz referência à avaliação diagnóstica da qualidade educacional,

sem que sejam atribuídas consequências diretas para as instituições e o currículo

6 A autora usa o termo para se referir a um conjunto de fatores, tais como: Infraestrutura da escola (adequação, manutenção, conservação), espaço físico e instalações, equipamentos e materiais didáticos.

32

escolar. A segunda e a terceira consistem na articulação dos resultados das

avaliações em larga escala às consequências simbólicas ou materiais para os sujeitos

escolares e à política de responsabilização. Na segunda geração, as consequências

são simbólicas, a partir do momento em que há uma devolução dos resultados à

escola e a divulgação dos mesmos é apropriada pelos pais e pela sociedade, os quais

passam a pressionar as instituições de ensino. A terceira geração se caracteriza como

uma forte política de responsabilização que geram remunerações e recompensas

explicitadas, a partir das metas atingidas. Assim, as autoras caracterizam o SAEB, a

Prova Brasil, concluindo que a primeira versão do SAEB (1ª geração), por ser apenas

amostral, apresenta baixa interferência na vida e no currículo escolar. As duas últimas

gerações consistem na inserção da Prova Brasil a qual é censitária e contribui para a

construção do IDEB, o que passou a fortalecer, à medida dos anos, a

responsabilização direta, levando gestores e professores a educarem para o teste.

Na dissertação de Mestrado intitulada “O papel dos dispositivos de controle

curricular: avaliando a Prova Brasil”, Vieira (2011) analisa de que modo o Currículo

oficial tem controlado e padronizado a prática curricular nas salas de aula, a partir da

implementação da Prova Brasil, numa cidade do interior do estado de Alagoas. Nesse

sentido, a autora argumenta que o discurso sobre a qualidade do ensino tem sido

utilizado para justificar a política da padronização, a qual apresenta-se subjacente às

orientações da política governamental, manifestando-se através dos materiais

didáticos e dos descritores da Prova Brasil, os quais são fundamentados nos PCN’s.

Ela conclui afirmando que os processos de avaliação têm sido um instrumento de

controle curricular e que agem como legitimadores de determinados saberes, uma vez

que, atualmente, nenhuma escola pública tem escapado de alinhar-se às matrizes que

referenciam este sistema nacional de avaliação, em particular, a Prova Brasil.

Na pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação, Oliveira (2011) verifica

as implicações da Prova Brasil na formação continuada de professores do Ensino

Fundamental, tomando o caso da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Os

resultados de seu trabalho apontam para o fato de a Secretaria de Educação

supervalorizar e utilizar os resultados do desempenho da Prova Brasil como definidor

da formação continuada dos professores da rede, tendo em vista que este é

considerado um dos principais fatores geradores do baixo desempenho dos alunos

33

nesta avaliação externa. Desse modo, as formações tendem a ser consideradas como

solução da melhoria dos indicadores de qualidade, tendo em vista que levam os

educadores a adequarem sua prática às exigências da Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar, desconsiderando outros fatores que interferem no processo

educativo, tais como, os contextos diversificados em que as escolas estão inseridas.

Outro estudo significativo é a Tese de Doutorado de Anadon (2012), intitulada

“Prova Brasil, uma estratégia de governamentalidade”. A autora analisa os efeitos

dos discursos que buscam convencer a sociedade sobre a necessidade da

institucionalização da Prova Brasil, como pressuposto para melhoria da qualidade na

educação brasileira, bem como, os efeitos deste exame no cotidiano do trabalho

escolar de docentes e gestores, num município no Rio Grande do Sul. Segundo ela,

os discursos tendem a enfatizar a necessidade de se reverter os índices de fracasso

da educação do país, o que só se torna possível a partir da justificativa de um

acompanhamento intenso das práticas e atuação dos sujeitos escolares, por meio dos

dispositivos de avaliação nacional. Portanto, o discurso da ineficiência educacional

busca convencer sobre a necessidade de aplicação dos testes, os quais a partir dos

resultados, propiciam o surgimento de novos discursos que disseminam “verdades” e

apresentam a baixa qualidade da educação como um problema cuja solução está no

aumento da regulação, realizada a partir de novos processos avaliativos, que

realimentam a necessidade de buscar sempre a “melhoria” do desempenho de cada

escola, professor e aluno. Na perspectiva da autora, essas práticas avaliadoras

controlam o trabalho interno da escola, configurando-se como práticas produtoras de

novos modos de ser e agir de docentes, alunos e gestores, assim como, na forma

como a sociedade entende o papel e a ação desses sujeitos. Conclui que as

avaliações padronizadas, portanto, são um exercício de poder, na medida em que

encerram um instrumento, um modo de governar não só os sujeitos escolares, mas

também, demais cidadãos e sua relação com os sistemas de ensino.

Em sua tese de doutorado “Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica: situando olhares e construindo perspectivas”, a partir de uma pesquisa

qualitativa teórica, Santos (2007) emite fortes críticas, evidenciando que uma política

como o SAEB apresenta um enorme atraso no que se refere aos avanços teóricos no

campo que envolve a avaliação educacional, uma vez que ao servir-se de

34

instrumentos com a justificativa de diagnosticar a qualidade da educação brasileira,

apresenta de modo oculto a ênfase na quantificação e simplificação dos processos

educativos, fortalecendo uma perspectiva positivista da realidade que tem sido alvo

de vários questionamentos e dúvidas no que se refere à melhoria da qualidade

educacional. O que se configura como um fator preocupante, uma vez que esse

sistema tem influenciado cada vez mais, nas políticas avaliativas estaduais e

municipais. Conclui, portanto, que a perspectiva do exame tem se fortalecida a cada

dia, demandando uma necessidade de problematização, reflexão e ação em defesa

de processos que considerem a complexidade do processo avaliativo; ou então,

poderemos nos enveredar por trilhas de acomodação, controle e domesticação.

Nesse sentido, os estudos acadêmicos encontrados cujas temáticas são

possíveis de relacionar ao objeto desta pesquisa, caminham na direção das

discussões presentes nos trabalhos aqui sintetizados. Em tais estudos, não

encontramos uma pesquisa diretamente relacionada à discussão sobre a

contextualização do ensino e de seus desafios, a partir da existência das avaliações

padronizadas, como a Prova Brasil.

Sobretudo, nos referenciais teóricos construídos por estudiosos vinculados à

UNEB, onde se concentra um número razoável de pesquisadores que têm se

debruçado em problematizar as pautas da Educação Contextualizada, tais como Reis

(2009), Martins (2006), Lins (2011), Carvalho (2010), Pimentel (2002) entre outros. A

constatação dessa ausência ampliou e tornou ainda mais significativo, o nosso

interesse na necessidade da realização deste trabalho, uma vez que as avaliações

padronizadas podem servir como um mecanismo de supervalorização e

homogeneização de um currículo específico, de forma que ao refletirmos, usamos as

palavras de Lins, Pereira e Souza (2006, p.116), ao afirmarem que a homogeneização

alimenta “a cultura de colonialismos, onde valores, gostos, gestos, linguagens,

sentimentos se sobrepõem a outros”.

Portanto, o presente estudo trata sobre a avaliação educacional enquanto uma

política de Estado, na sociedade brasileira, e os desafios da contextualização do

ensino mediante o cenário específico na Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

(ANRESC) / Prova Brasil, partindo do contexto vivenciado no Ensino Fundamental I,

na Rede Municipal de Ensino de Juazeiro BA.

35

1.5 Situando o Município em que se desenvolveu a pesquisa

Juazeiro é um importante município localizado no norte do estado baiano,

ocupando uma área de 6.500,520 km². Situado à margem direita do Rio São

Francisco, destaca-se na agricultura irrigada, firmada exatamente, devido às águas

do Velho Chico e juntamente com a cidade vizinha, Petrolina-PE, compõe o maior

aglomerado urbano do Semiárido Brasileiro.

No que se refere às instituições de ensino, a cidade dispõe tanto do sistema

público, quanto privado, atuando nos diversos níveis, desde a Educação Infantil, até

o Ensino Superior. Segundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação

(SEDUC), em Juazeiro-BA há 128 escolas municipais (incluindo as creches). Esse

número já inclui tanto o contexto urbano quanto o rural; de modo que 39 escolas estão

localizadas na zona urbana e 89 encontram-se na zona rural. Mas, o fato que leva o

número de matrículas ser maior na zona urbana, apesar de o maior número de escolas

se concentrar na zona rural, deve-se à realidade em que, nesta última, há um número

intenso de escolas isoladas, muitas delas funcionam com apenas uma sala de aula, o

que ainda leva à permanência de um número elevado de classes multisseriadas.

A gestão atual, liderada pelo Prefeito Isaac Carvalho desde o ano de 2009,

durante o período desta pesquisa, afirma haver projetos que visam à melhor

estruturação e distribuição de algumas escolas na zona rural, a partir da junção de

algumas instituições já existentes. Nesse sentido, o Secretário de Educação (2016)

afirma que o planejamento gira em torno de algumas estratégias, entre elas, a de

“pegar, por exemplo, duas escolas próximas (cada uma que tenha apenas uma sala)

e transformá-la em creche. E outra escola próxima à mesma comunidade, que tenha

apenas duas salas, por exemplo, transformar em Ensino Fundamental”.

Nesse sentido, a ideia é garantir tanto a oferta da Educação Infantil, quanto a

do Fundamental, em comunidades próximas, diminuindo também, a organização em

multisseriação.

Segundo as justificativas dos atuais representantes educacionais desta gestão

(2009-2012/ 2012-2016), a Secretaria de Educação de Juazeiro (SEDUC) tem

desenvolvido uma política educacional alicerçada na valorização e capacitação do

professor, aprendizagem do aluno e gestão democrática. Para atingir esses objetivos,

36

alguns dos pontos que a gestão considera significativo e têm como desafios a serem

superados são os que se referem à questão salarial, infraestrutura, materiais

pedagógicos, imóveis e questões de investimento.

Nesse sentido, no ano de 2015, foi aprovado o Plano Municipal de Educação,

que nos próximos 10 anos, irá reger a educação municipal e norteará o cumprimento

das metas para a educação, entre elas, construções de creches, reajuste salarial,

reformas, construção de quadras, formação de professores, entre outros.

De acordo com o atual Secretário de Educação, neste percurso, a SEDUC

construiu a Primeira Proposta Curricular da Rede Municipal, fez cumprir a Lei da

Gestão Democrática, passando a eleger os Diretores e Vice-diretores a partir de

Eleição Direta, construiu a Primeira Escola de Formação dos Educadores de Juazeiro

(EFEJ), espaço destinado aos encontros formativos de professores, gestores e

coordenadores pedagógicos.

Atualmente, o município vivencia Projetos Pedagógico, tais como: Projeto “É

Hora de Ler”, o qual já distribuiu mais de 40 mil livros paradidáticos, bibliotecas

móveis, bebetecas (livros para a Educação Infantil, de fácil manuseio e que podem

ser molhados), buscando assim, incentivar o despertar para a leitura desde a

Educação Infantil, até o Ensino Fundamental. Há também o “Musicalização na

Educação Infantil”, promovendo o prazer de ouvir música, desencadeando

habilidades; bem como, “Rádio Escola”, que tem como justificativa utilizar o rádio

como ferramenta para entretenimento, elaboração de projetos de cidadania e melhoria

da comunicação. Atualmente, foi lançado o Projeto “É Hora de Ler Professor” que visa

o incentivo à leitura pedagógica, de modo que os professores após a leitura devem

preencher fichas com comentários sobre a obra lida, ação esta considerada por alguns

docentes, como parte da burocracia a que estão submetidos.

A gestão educacional municipal acredita na ideia de que quanto mais

investimento, melhores os “resultados” no processo de ensino-aprendizagem, e

consequentemente, no desempenho das avaliações internas e externas. O fato é que,

assim como a educação brasileira, se os índices numéricos, realmente, forem os

fatores mais significativos de tradução desse bom desempenho, ainda temos um

longo caminho a ser percorrido.

37

Sendo assim, no último Censo Escolar, em 2013, os índices de reprovação e

abandono em Juazeiro englobaram cerca de 34,8% dos estudantes. Dentre estes, 29,

2% dos alunos foram reprovados nas séries iniciais (Ensino Fundamental I/primário)

e finais (Ensino Fundamental II/ginásio) e 5,6 % abandonaram a escola. Além da

Educação Infantil, que no ano de 2014, teve um índice de abandono de 2,91%.

A partir dos dados gerenciados e armazenados pelo SIEM (Sistema de

Informação da Educação Municipal), temos os quadros a seguir:

Quadro 1 Taxa de reprovação em Juazeiro – BA

Fonte: (SEDUC, 2015).

Quadro 2 Taxa de abandono em Juazeiro-BA

Fonte: (SEDUC, 2015).

Quadro 3

Taxa de abandono em Juazeiro-BA/ Educação InfantiL

Fonte: (SEDUC, 2015).

Os dados presentes nos quadros I e II estão numa escala evolutiva, desde o

início da atual gestão. De acordo com os seus representantes, outra preocupação é o

fato de que esses índices refletem, também, no IDEB. Sendo assim, é válido observar

a evolução dos indicadores em nosso município, a partir do quadro abaixo:

38

Quadro 4 Evoluçaõ do Ideb em Juazeiro-BA

Fonte: (SEDUC, 2015).

A análise do último quadro acima nos esclarece que desde o primeiro ano de

realização da Prova Brasil (2005), junto ao fluxo escolar (quadro I e II), o IDEB em

Juazeiro-Ba, apresenta-se de modo crescente, havendo uma queda apenas nas

séries finais, na última edição. Embora contribua, não podemos afirmar se essa queda

pode ter tido como influência maior, o percentual de reprovação e abandono nas séries

finais, que em 2013, também, aumentou.

No entanto, identificamos que no ano de 2015, período em que mais uma vez,

houve a edição da Prova Brasil que contribuirá na construção dos índices, a Secretaria

Municipal de Educação passou a investir em Projetos que buscaram acompanhar

mais de perto o desempenho dos estudantes ao longo do ano, como foi o caso do

Projeto: “Juazeiro, Educação nota 10! Toda criança na escola”, o qual teve como

objetivo melhorar, prioritariamente, os indicadores educacionais das escolas

municipais, tendo em vista a redução da evasão e das taxas de reprovação e

abandono escolar a 0% em todos os níveis, até, no máximo, o ano de 2016.

Temos, pois, começado a analisar, que durante os anos em que acontecem as

avaliações externas, a Rede Municipal de Ensino de Juazeiro Bahia tende a construir

uma dinâmica que se diferencia em relação aos anos em que não há a realização

dessas avaliações. No caso do nosso lócus de pesquisa, embora o estudo dos

capítulos posteriores nos mostre que esta não é uma experiência específica a este

município, percebemos o aumento exacerbado de testes e simulados que têm

invadido a rotina das escolas, dos professores e dos alunos, tendo em vista a

realização das avaliações em externas (em larga escala).

Assim, nos sentimos encorajada a compreender os desafios da

contextualização nesse cenário.

39

1.6. Organização do estudo

Este trabalho está organizado em sete capítulos:

No primeiro capítulo, fazemos a introdução, trilhando os percursos formativos

que despertaram o nosso interesse pela pesquisa. Assim, construímos e delimitamos

o objeto, o problema e os objetivos deste trabalho; iniciando uma breve discussão em

torno das noções que orientam a Educação Contextualizada e as Avaliações

Padronizadas, na versão específica da Prova Brasil, bem como, situamos o município

em que será desenvolvida a investigação.

No segundo capítulo, trazemos uma discussão em torno do paradigma

epistêmico positivista, os quais influenciam as perspectivas de educação e avaliação

da aprendizagem. Assim, adentramos na discussão em torno das avaliações

padronizadas, mais especificamente, do SAEB/Prova Brasil, trazendo informações em

torno das concepções e finalidades que permeiam esse sistema de avaliação.

No terceiro capítulo, adentramos na discussão em torno do paradigma da

complexidade, o qual nos leva à necessidade de repensar a educação, o lugar da

escola e da avaliação educacional, no percurso formativo dos sujeitos. Aprofundamos

nesse sentido, as reflexões em torno da Educação Contextualizada, como

possibilidade de redescoberta dos significados da educação, adentrando na

especificidade da Contextualização para a Convivência com o Semiárido;

No quarto capítulo, descrevemos o percurso metodológico e os sujeitos

envolvidos na pesquisa.

No quinto capítulo, Apresentamos a discussão dos resultados, descrevendo o

processo de formação continuada destinada aos professores do 5º ano, levantando

discussões referentes à relação entre as demandas da Prova Brasil e os rumos da

Formação docente, no município lócus desta pesquisa. Trazemos, também, as vozes

dos professores entrevistados, descrevendo as sensações vivenciadas por eles em

anos de avaliação padronizada, bem como, as estratégias e dificuldades encontradas

no processo formativo dos educandos, tendo em vista este cenário;

40

No sexto capítulo, apresentamos algumas considerações sobre o estudo

realizado e conclusões inacabadas referentes ao complexo fenômeno investigado.

41

2 DA ERA DOS EXAMES À AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

O presente capítulo tem como objetivo central aprofundar os estudos sobre as

concepções epistemológicas que norteiam as Avaliações Padronizadas, discorrendo

sobre a perspectiva do paradigma moderno o qual promove a lógica da cultura da

prova e do exame como instrumento de seleção e exclusão. Nesse sentido,

adentramos, também, na discussão em torno do surgimento de uma nova

racionalidade que concebe a avaliação como um instrumento que deve estar a serviço

da inclusão e da aprendizagem; concluindo o capítulo, a partir de um aprofundamento

sobre o Sistema Nacional de Avaliação, trazendo uma reflexão baseada nos discursos

oficiais explícitos, bem como, uma discussão em torno de elementos que tendem a

ficar ocultos nos discursos oficiais aos quais a população tem fácil acesso.

2.1 A Educação na perspectiva do paradigma moderno, no Brasil

Concordamos com a premissa de Ruth Benedict (1972) e parafraseando-a,

entendemos que ‘cada indivíduo vê o mundo com as lentes de sua cultura’. Portanto,

discutir educação, os elementos que lhes são inerentes e como ela se concretiza exige

de nós pensá-la e repensá-la a partir das intencionalidades e racionalidades vigentes;

sendo assim necessário, analisá-la a partir dos paradigmas que estruturam a ação

educativa.

Os Paradigmas orientam a observação, compreensão, caracterização de

problemas e suas possíveis soluções; norteando as propostas educacionais, a partir

da relação entre o que se pensa e o que se faz a partir do que é pensado. O movimento

na educação se dá sob a perspectiva do conhecimento e os encaminhamentos dos

processos educativos permeados pela reflexão que esclareça quais são os

paradigmas orientadores e por qual motivo o são. Daí, a necessidade de

compreendermos quais concepções permeiam as configurações escolares e o

momento em que se configuram.

No entanto, é válido ressaltar que não há uma linha pedagógica exclusivamente

original, uma vez que a educação tem como uma de suas características, a

diversidade teórica, rica em múltiplas possibilidades de conceitos e práticas.

Consequentemente, esses conceitos e vivências vão sendo observados, discutidos,

42

praticados e tendem a ser síntese de muitas outras experiências que foram sendo

dialeticamente construídas. Como nos leva a refletir Marques (1993, p. 104):

Os paradigmas básicos do saber, que se sucederam interpenetrados e que continuam em nossa cultura e em nossas cabeças, necessitam recompor-se em um quadro teórico mais vasto e coerente. Sem percebê-los dialeticamente atuantes, não poderemos reconstruir a educação de nossa responsabilidade solidária.

Originais são, pois, as releituras feitas e as possibilidades de adequações que

atendam à realidade e à prática escolar almejada. Nesse sentido, os debates atuais

emanados nos congressos, seminários, escolas, colóquios e universidades têm se

pautado fortemente numa proposta educativa que busque contrapor as influências do

Paradigma Moderno, cuja visão newtoniana-cartesiana proporcionou uma

supervalorização do racionalismo, incontestabilidade, absolutismo e

fragmentariedade, como parâmetros hegemônicos na produção do conhecimento

seguro e verdadeiro.

Baseado na separatividade, determinismo e mecanicismo, esse modelo

propunha a interpretação do mundo como uma metáfora da máquina, em que os

fenômenos e a realidade dos fatos eram descritos de forma objetiva, independente do

observador, e deveriam ser reduzidos em partes (engrenagens) para análise e

compreensão do funcionamento do todo. Sendo considerado o “Pai do Racionalismo

Moderno”, afirmava Descartes que “nem a fé, nem a tradição, nem mesmo o

conhecimento sensível, aquele que os sentimentos nos fornecem, são dignos de

crédito absoluto”, restando-nos por isso, apenas a razão (LARA, 1991, p. 36).

Assim, na Idade Moderna, o Paradigma Cartesiano nos ensinou a conceber o

universo sob uma visão dualista, de modo que passamos a dividir os diversos

elementos: a razão da desrazão, a razão do mito, a ciência da arte, o subjetivo do

objetivo, homem e natureza, a literatura do conhecimento científico, o concreto do

abstrato, o sujeito do objeto e outras separações diversas que ainda hoje se fazem

tão acentuadas nos variados âmbitos da sociedade (BEHRENS; OLIARI, 2007).

Nessa perspectiva, a educação é compreendida como um processo externo,

em que prevalece a transmissão de um conhecimento não sujeito às variações ou

dependência de contextos específicos. Assim, a escola estava centrada numa

formação intelectual e formal que focava na reprodução inquestionável de um

43

conhecimento tido como absoluto, de modo que a ‘avaliação da aprendizagem’

voltava-se para o resultado, o produto final e não no processo de construção. Os

conteúdos estavam distantes dos problemas sociais e da vida do indivíduo, além de

que, não havia espaço para tratamento individual e todos os alunos eram colocados

num padrão único a ser seguido.

Vale destacar, que embora se afirme que tal concepção predominou entre o

final do século XIX e início do século XX, esse modo hegemônico de conceber a

escola, perdura com fortes influências até os dias atuais.

Esse modo de conceber a educação trouxe a nosso ver, graves consequências

sociais (a competitividade, a falta de valores morais, o intenso individualismo e

descaso com o bem coletivo) uma vez que, trata-se de uma concepção em que

educadores e educandos são considerados partes da engrenagem e vistos como

máquina, proporcionando significativas perdas dos processos de humanização. Paulo

Freire, no Livro Educação e Mudança (1995), descreve claramente esta prática que

ele denominou de “Consciência Bancária da Educação”:

O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim, seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua criação (FREIRE, 1995, p. 20).

Percebemos, pois, um sistema educativo que impossibilita a habilidade de

criação e reflexão crítica sobre a sociedade. Sendo assim, o Positivismo – corrente de

pensamento que tem suas bases concretas instauradas na Idade Moderna – constitui-

se enquanto umas das fortes características do pensamento desenvolvido na Europa

e exerce grande influência sobre os intelectuais brasileiros ao final do século XIX. O

Positivismo comteano encontrou maior fertilidade em países caracterizados como de

menor tradição cultural e carentes de ideologia no que se refere aos anseios de

desenvolvimento. Logo, percorreu a América do Sul e, sobretudo, o Brasil.

O contexto histórico que marca esse percurso é o do Capitalismo e a

constituição da classe burguesa a qual, fazendo convergir interesses políticos,

econômicos e ideais de racionalidade, lutava para manter-se no poder de um lado,

enquanto do outro, tinha-se a aristocracia, representante do Antigo Regime;

44

constituindo uma luta entre o Velho Regime e a Nova Ordem social instituída. Nesse

sentido, havia uma intenção explícita, na manutenção da sociedade capitalista, a partir

da burguesia no poder.

Em tal contexto, a educação influenciada pelo positivismo passa a exercer

papel indispensável na reorganização da sociedade capitalista, sobretudo, no que se

refere à ordem (fator fundamental na sociedade), para o alcance do progresso. No

Brasil, vemos esse lema estampado na nossa bandeira. Para tanto, torna-se resultado

social necessário, formar uma ativa moral universal sólida, em que se prescreva aos

agentes coletivos ou individuais, as regras de conduta mais conformes aos

fundamentos da harmonia.

Trata-se, com efeito, de assegurar convenientemente a todos, primeiro, uma educação normal, depois trabalho regular. Tal é, no fundo, o verdadeiro programa social dos proletários. Desta forma, substitui a ideia de direito natural para o de dever ser educado. Uma vez que as leis são imutáveis, cabe aos indivíduos aceitá-las, não questioná-las (COMTE,1978, p. 211, grifo nosso).

Percebemos, pois, que a educação se torna o apêndice da sociedade e sob a

influência do positivismo, as instituições escolares buscam a disseminação dos ideais

da burguesia industrial, visando à garantia de sua consolidação como classe

dominante. O que, para nós, explicita a defesa da sociedade de classes.

Dessa forma, para que a escola atenda ao propósito acima referido, deverá se

organizar com base em uma estrutura formal, prescritora das normas institucionais,

nas quais se baseiam a gestão, o currículo, os conteúdos a serem ensinados e

aprendidos, os procedimentos pedagógicos, os saberes didáticos e as práticas de

avaliação. Com base nesse modelo, a escola assume o papel selecionador dos

indivíduos que ocuparão as posições mais privilegiadas na sociedade, para tanto, a

avaliação assume uma importância capital, conforme veremos nas próximas seções

deste texto.

2.1.2 A CULTURA DA PROVA - AVALIAÇÃO COMO PRÁTICA A SERVIÇO DA

SELEÇÃO

Para iniciarmos a compreensão em torno do controle e vigilância que ainda hoje

permeiam os processos avaliativos, lembremos que no ambiente escolar, ao citarmos

45

o ato de avaliar, geralmente, não apenas os educandos, mas também, educadores e

familiares, o associam às ações ligadas a dar “ou receber notas, fazer provas, exames

ou passar de ano” (CATANI; GALLEGO, 2009, p.10). Se nos restringirmos ao sujeito

avaliado, as sensações tendem a ser representadas pelo medo, frio na barriga,

tensão, nervosismo, tremedeira, suor frio nas mãos, crise de choro, entre outras desta

ordem, as quais embora (na concretude aparente) não se constituam como castigos

corporais, aprisionam os estudantes em suas emoções e, neste caso, como nos diz

Luckesi (2011, p.230), os processos emocionais se dão no corpo e, portanto, estes

também, são castigos corporais.

Essas associações e sensações são fruto de concepções específicas que

nortearam a construção de uma “Cultura da Prova e exame”, na Escola Moderna,

durante o processo de emergência da sociedade burguesa e que trazem consigo um

emaranhado de intencionalidades e significados que foram se consolidando e

impregnando as práticas educativas. Assim, o momento da prova é concebido como

o momento privilegiado para “provar” quem é ou não capaz de continuar a rota das

normas postas pelos sistemas de escolarização e, assim, é concebido como um

instrumento autoritário de poder, camuflado sob a aparência pedagógica.

Embora a burguesia tenha se mostrado revolucionária ao se unir às camadas

mais pobres visando lutar contra as regalias e privilégios do clero e da nobreza, ao

chegar ao poder e com o objetivo de garantir os benefícios econômicos e sociais que

havia conquistado, tornou-se conservadora e reacionária. Logo, o modelo de

sociedade que temos hoje e suas influências nas práticas educativas, bem como, a

avaliação, são derivados do entendimento liberal que orientou a revolução da

burguesia e que defende que a partir da garantia de igualdade e liberdade posta na

lei, cada sujeito, com seu próprio esforço, deve buscar a realização e mérito pessoal:

“consequentemente, a avaliação educacional no geral, e da aprendizagem em

específico, contextualizadas dentro dessas pedagogias estiveram e estão

instrumentalizadas pelo mesmo entendimento teórico-prático da sociedade”

(LUCKESI, 2008, p.30).

O uso dos exames teve seu ápice, quando a burguesia se consolidou no poder.

Afinal, como sua ascensão não era advinda de herança familiar ou privilégios de

descendência da aristocracia; para ascender socialmente, era preciso recorrer à

46

formação acadêmica e profissional. A admissão para o serviço público passa, pois, a

acontecer por meio da introdução dos exames, configurando-se numa perspectiva de

sociedade altamente meritocrática (CHUEIRI, 2008, p. 54).

Caro leitor, para compreendermos melhor o cenário das práticas avaliativas do

nosso tempo, é imprescindível retomarmos o contexto do surgimento da educação

escolar sistematizada nos princípios da Idade Moderna, uma vez que a escola tal

como conhecemos hoje é a escola desse período, pensada para atender a um número

de educandos em larga escala. Até o final da Idade Média, segundo Luckesi (2011,

p.233), o ensino institucionalizado se dava na relação entre “um mestre e um aprendiz

ou entre um mestre e poucos aprendizes”. Todavia, com o advento da modernidade e

suas necessidades emergentes, esse modelo de escola já não dava mais conta de

suprir as demandas de uma sociedade que emergia alicerçada nas exigências do

capital e do mercado econômico, que exigia cada vez mais padrões novos de

formação cultural.

Logo, “A leitura e a escrita precisavam ser disseminadas em larga escala, assim

como o cálculo e o trato das habilidades do ‘saber fazer’. (...) fato que exigiu o modelo

do ensino simultâneo” (LUCKESI, 2011, p. 233, grifo nosso). Nesse modelo de

ensino, um professor ensina a vários educandos, simultaneamente. Assim, de acordo

com Perrenoud (1999, p.9), a avaliação nasce nos colégios, no século XVII e torna-se

indissociável “do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com a

escolaridade obrigatória”.

Catani e Gallego (2009), no livro “Avaliação”, afirmam que no Brasil, por

exemplo, instituiu-se os grupos escolares em São Paulo, os quais oficializaram a

seriação, a organização em salas por idade e nível de conhecimento, onde o docente

poderia trabalhar o conteúdo ao mesmo tempo com toda a classe. Assim, as crianças

“passam a ser organizadas em classes, que se desejavam homogêneas, depois de

verificado seu ‘grau de adiantamento’ nos estudos. A partir daí, os exames integram

cada vez mais a cultura escolar”, tendo em vista que passam a ser o instrumento

usado para aprovar os que acompanham o desenvolvimento esperado da classe e

reprovar aqueles que, atestados pelo exame, demonstraram não acompanhar

(CATANI; GALLEGO, 2009, p. 29-30).

47

Nesse contexto, gradativamente, a escola vai aperfeiçoando seus modos de

selecionar os melhores, classificando, medindo, estabelecendo notas que promovem

a exclusão daqueles que não se enquadram nos padrões escolares. Os exames se

tornam assim, cada vez mais, um mecanismo de poder que alimenta as desigualdades

no interior da escola, já que com a democratização do ensino a partir de 1970, o índice

de reprovação das crianças de nível socioeconômico mais baixo tende a alcançar

patamares crescentes e expressivos (CATANI; GALLEGO, 2009, p.32).

Os sujeitos, nesse sentido, competiriam em condições “iguais” no sistema de

ensino e os que se destacassem a partir de dons individuais, seria justo avançar na

carreira escolar e ocupar posições superiores na hierarquia social. Fatores estes, que

mais tarde, diante das falsas promessas em prosperar social e economicamente, a

partir da escola, traria frustração aos jovens das camadas populares e médias.

A “avaliação” é nesse sentido, um instrumento de seleção e controle, em que o

educador e a escola tornam-se isentos da responsabilidade em relação à

aprendizagem dos estudantes.

A escola não se sentia responsável pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveitá-la. A noção de desigualdade de oportunidades não significou até um período recente, nada além disto: que cada um tenha acesso ao ensino, sem entraves geográficos ou financeiros, sem inquietação com seu sexo ou sua condição de origem (PERRENOUD, 1999, p. 14).

Inclusive, a classe política e a burguesia empresarial estiveram sempre à frente

das políticas educacionais, defendendo a preparação para o trabalho: “Especialmente,

a partir dos anos de 1930, podemos perceber que a questão da educação e,

sobretudo, do treinamento e qualificação para moldar e ‘fabricar’ os trabalhadores é

algo que preocupa as lideranças políticas e empresariais” (FRIGOTTO, 2010, p. 161).

Analisando esse cenário, Saviani (2003) nos ajuda a refletir que, nesses

termos, a escola cumpre com êxito, a função para a qual foi criada:

(...) enquanto as teorias não-críticas pretendem ingenuamente resolver o problema da marginalidade por meio da escola sem jamais conseguir êxito, as teorias crítico-reprodutivistas explicam a razão do suposto fracasso. Segundo a concepção crítico-reprodutivista, o aparente fracasso é, na verdade, o êxito da escola; aquilo que se julga ser uma disfunção é, antes, a função da própria escola. Com efeito, sendo um instrumento de reprodução das relações de produção, a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a

48

dominação e a exploração. Daí seu caráter segregador e marginalizador. Daí sua natureza seletiva. A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência (SAVIANI, 2003, p. 29-30).

Tendo em vista fatores como as influências e determinações socioculturais,

distribuição de renda e políticas públicas, os exames contribuem grandiosamente,

para a exclusão educacional e aqui, podemos nos remeter à discussão de Bourdieu

(1998) ao compreender que a cultura escolar socialmente legítima e considerada

válida, universalmente, apresenta um código próprio de comunicação: O código das

classes dominantes.

Nesse caso, de acordo com Perrenoud (2000), o fracasso escolar é resultado

de normas postas e instituídas pela cultura escolar, cuja execução traz em si

arbitrariedades que definem e incidem sobre a progressão ou reprovação discente.

Compreender, pois, as manifestações práticas da “avaliação” é, paralelamente,

entender aquilo que nela se encontra oculto.

Assim, para que o aluno consiga um bom desempenho é preciso que ele decifre

e domine esse código pedagógico que é comunicado na escola, de modo que os

estudantes que estão inseridos numa cultura que é bastante próxima da cultura

escolar, com certeza, não encontrarão dificuldades em compreender os códigos

linguísticos e referências culturais que permeiam os processos educativos. Nesse

sentido, ao analisar as contribuições de Perrenoud, Catani e Gallego (2009, p.53)

enfatizam que “nas relações intraescolares há uma produção de saber que lhe é

específica e constitui um ‘sistema de verdades’”, que se repercute como sendo o único

modo possível de conceber a realidade.

Logo, quando a cultura legítima da escola está muito distante da cultura de

origem do aluno, aquela passa a ser considerada “estrangeira” e ao transmitir a

mensagem de modo único, como se todos tivessem posse dos mesmos instrumentos

de codificação, o professor atribuiria ao educando, a responsabilidade pelas distinções

no desempenho escolar, enquanto na verdade, o que há é uma grande distância entre

a cultura que é familiar ao estudante e a cultura escolar.

Bourdieu (1998) analisa essa questão como uma constante reprodução das

desigualdades sociais, uma vez que, ao tratar todos de modo igual, quem traz consigo

uma bagagem privilegiada continuaria progredindo com êxito e quem já traz consigo

49

um capital cultural, econômico e familiar mais fragilizado continuaria presente na lista

dos inferiores, menos inteligentes e menos capazes. Nas palavras do sociólogo:

Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais (BOURDIEU, 1998, p. 53).

Logo, os exames com sua preocupação em termos quantitativos polarizam a

todos e trazem algumas consequências no âmbito pedagógico, psicológico e

sociológico. Pedagogicamente, por estarem focados em resultados pontuais e finais,

não há nenhuma colaboração no acompanhamento para a melhoria da aprendizagem

dos educandos. Psicologicamente, desenvolvem sujeitos cujas personalidades

tendem a ser submissas, sobretudo, com a violência simbólica gerada pelas

constantes ameaças e, portanto, causadoras de medo. E, sociologicamente, tendo em

vista o fato de que em muito contribuem para o processo de seleção social,

distinguindo os competentes dos não competentes, os aprovados e os reprovados, os

incluídos dos excluídos (LUCKESI, 2008).

Nessa perspectiva, a prática de exames predominante no sistema escolar

apresenta-se como uma compreensão teórica de que a educação é um meio de

reprodução da sociedade. E, sendo o autoritarismo inerente à conservação deste

modelo, este irá também se manifestar nos exames, utilizados como instrumento na

luta pelo poder dos grupos dominantes que tinham como propósito consolidar seus

ideais de organização política, econômica e social.

No interior das escolas, temos assim, uma profunda associação entre o ato de

“avaliar” e medir. No Brasil, a teoria da avaliação educacional teve forte influência dos

estudos realizados pelo pensamento positivista do educador norte americano Ralph

Tyler. Sobretudo, a partir de 1960, quando sua proposta conhecida como “avaliação

por objetivos” passou a ser divulgada. Sua concepção de avaliação tem o enfoque

comportamentalista, em que de acordo com Hoffmann (2013, p.51) “resume o

processo avaliativo à verificação das mudanças ocorridas, previamente delineadas

em objetivos definidos pelo professor”, cuja preocupação manifesta-se em verificar se

o alcance dos objetivos comportamentais dos estudantes estava ocorrendo e em qual

50

velocidade ocorria. Tinha-se assim, um instrumento para regular e controlar os

comportamentos desejados.

A Avaliação educacional é, pois, expressa a partir da otimização da função da

escola para atender aos imperativos da sociedade industrial, sendo considerada um

instrumento que possibilita a regulação do conhecimento dos estudantes, controlando

se as metas estabelecidas estavam sendo cumpridas, tendo em vista o fato de que

ao sair da escola, deveriam estar aptos a responderem às expectativas da sociedade.

Desse modo, restringe-se ao momento terminal, finalístico, com foco no

produto e no juízo de valor do produto, sendo reflexo da sociedade liberal e capitalista.

E assim, a avaliação deixa de ser vista apenas como medida, pois seu foco agora é

operacional. Compreender, pois, a herança histórica desses pressupostos é

indispensável para que possamos entender os fatores que fomentaram a concepção

reducionista que ainda hoje se faz presente nas nossas escolas e nas iniciativas

políticas educativas governamentais.

2.1.3 NA TRILHA DE UMA NOVA COMPREENSÃO: AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA

APRENDIZAGEM

Embora os processos avaliativos que visam à classificação, ao caráter

meramente quantitativo da obtenção de notas desintegrada de um acompanhamento

da aprendizagem do educando ainda estejam fortemente presentes nas instituições

de ensino, essa concepção vem sendo alvo de muitas críticas, desde o século XX,

entre as décadas de 70 e 80 e, sobretudo, em 1990, a partir “especialmente, das

disposições legais que tentam romper com alguns paradigmas presentes na cultura

escolar” (CATANI; GALLEGO, 2009, p.10). Na verdade, em 1960, já repercutiam

críticas a esse caráter seletivo que permeava as provas e exames, ampliando-se

assim, a defesa em relação aos aspectos epistemológicos e éticos da avaliação

qualitativa da aprendizagem (SAUL, 1998).

Segundo Gatti (2002), nesse mesmo período, um alto número de estudantes

brasileiros não obteve sucesso nos exames e foi reprovado no vestibular. Este fato

gerou bastantes questionamentos, todavia, ainda não havia muitas discussões nesta

51

área. Assim, já por volta da década de 80 é que os debates em torno da avaliação

começam a se expandir e a ser questionada a partir de uma nova perspectiva.

Busca-se, então, estabelecer uma perspectiva de avaliação que vai além da

noção quantitativa, ampliando esse processo para uma dimensão qualitativa,

formativa. Assim, atribuem a inserção do termo “Avaliação Formativa”, no Brasil

(década de 70), a Michael Scriven, um dos mais renomados estudiosos no campo da

avaliação, que defendia a relevância de se acompanhar todo o processo avaliativo a

partir de etapas parciais que formariam um conjunto de informações a serem

analisadas.

Segundo os preceitos da avaliação formativa, a escola deve disponibilizar aos pais e aos órgãos de supervisão os resultados obtidos ao longo do processo, o que não significa simplesmente mostrar as notas ou menções, mas sim, apresentar considerações sobre suas dificuldades, seu desempenho em relação aos objetivos propostos, seus progressos e as providências adotadas pelo estabelecimento na busca de se sanarem as dificuldades identificadas (CATANI; GALLEGO, 2009, p.39).

Logo, a avaliação formativa é discutida como uma avaliação contínua que tem

como função acompanhar e “contribuir para melhorar as aprendizagens em curso,

qualquer que seja o quadro e qualquer que seja a extensão concreta da diferenciação

do ensino” (PERRENOUD,1999, p.78), ajudando assim, o educando a aprender e a

se desenvolver. Pois, uma avaliação que se diz formativa é essencialmente

acompanhada por uma intervenção diferenciada, que vai desde os termos de ensino

até radicais transformações das estruturas escolares.

Por isso, o autor considera mais viável nomeá-la de Observação Formativa,

tendo em vista que a avaliação costuma ser associada às classificações e medidas

de boletins. Enquanto, “observar é construir uma representação realista das

aprendizagens, de suas condições, de suas modalidades, de seus mecanismos, de

seus resultados” (PERRENOUD,1999, p.104).

No entanto, somente com a aprovação da LDB 9.3947, de dezembro de 1996,

é possível perceber uma sistematização de uma concepção de avaliação que se

7 Segundo Catani e Gallego (2009, p.38), alguns pesquisadores consideram que a LDB 5692/71, já antecipava em seu texto, alguns princípios que se pode relacionar à Avaliação Formativa e ao privilégio dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. No entanto, na prática, não foram implantadas integralmente e em muitos casos, foram incompreendidos.

52

distancia do caráter meramente classificatório e seletivo até então predominante.

Como podemos ver, mais especificamente, nos artigos 23 e 24 que estabelecem:

Art.23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Art.24. V – A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. (...) e) Obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.

Logo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define avaliação como

um processo contínuo cuja maior preocupação deve centrar-se no aspecto qualitativo

da aprendizagem, o que, teoricamente, retira o caráter meramente classificatório e

excludente do centro, dando ênfase a um instrumento cuja função é diagnóstica, uma

vez que ao perceber as fragilidades, não se dá o processo como acabado, mas sim,

como possibilidade de investimento na aprendizagem daqueles que, por ventura,

ainda não tenham alcançado os objetivos avaliados.

Portanto, avaliação deve se desenvolver tendo em vista a formação e a

aprendizagem dos educandos, que não ocorrem de forma linear e homogênea sendo

preciso, pois, acompanhar e zelar pelo direito de aprendizagem e de medidas de não

exclusão através do sistema escolar.

Nesse sentido, faz-se necessário uma posição de intervenção que possibilite

ao educando progredir. Entre as possíveis intervenções, Perrenoud (1999, p.105) cita

algumas, tais como: Explicar de forma diferenciada, mais lenta e simples se preciso

for; oferecer possibilidades diferentes de envolvimento nas atividades propostas;

perceber a angústia e ajudar no desenvolvimento da autoconfiança; focar nas causas

da dificuldade e não prender-se aos “sintomas”; valorizar o erro e interpretá-lo como

forma de entender as representações dos estudantes; considerar o contexto e as

condições de vida e de trabalho que ocorrem fora da escola, bem como, as dinâmicas

53

que envolvem afetividade e relacionamentos no processo de desenvolvimento

cognitivo.

O que termina por apresentar uma perspectiva distinta dos exames positivistas,

tendo em vista que na avaliação formativa é construída uma compreensão

cooperativa, em que a hipótese que rege o ensino é a de que os estudantes querem

aprender e para tanto, a avaliação serve para ajudar a eles e ao professor a

alcançarem este fim. Daí o motivo pelo qual ela deve ser considerada, também, como

um mecanismo de individualização dos percursos formativos e diferenciação nas

intervenções pedagógicas, passando da lógica de avaliação como seleção à avaliação

a “serviço da aprendizagem”.

Para Cagliari (1999), a avaliação precisa considerar as particularidades de cada

sujeito. Assim, o seu progresso só poderá ser realmente percebido não a partir da

comparação com aquilo que está prescrito como ideal, mas sim, a partir da

comparação consigo mesmo, de modo a revelar: “Como o educando estava? Como

ele está?”.

A avaliação é sempre uma atividade voltada para cada indivíduo de maneira específica, porque cada um é diferente dos demais, cada um tem uma história de vida diferente e apresenta uma realidade escolar peculiar. O progresso de um aluno não precisa ser igual ao de outro. O importante é que todos cresçam, trabalhando e fazendo o que tem de ser feito (CAGLIARI, 1999, p. 68).

É necessário, pois, compreendermos que o educando não é apenas o ponto de

partida, mas, sobretudo, o ponto de chegada (HADJI, 2001). Nesse sentido, ao avaliar

o estudante, o professor está também, se auto avaliando. O trabalho docente é assim,

uma prática do professor com o aluno e não o trabalho do professor consigo mesmo.

Segundo Freire (1996, p. 38) “esta avaliação crítica da prática vai revelando a

necessidade de uma série de virtudes ou qualidades sem as quais não é possível nem

ela, a avaliação, nem tampouco o respeito do educando”.

Jussara Hoffmann (2013) contribui conosco argumentando que a avaliação é

uma atividade investigativa permanente na prática educativa, cujo objetivo é

acompanhar o processo de aprendizagem numa constante reflexão, problematização

e ação, para que seja possível reorientar o trabalho pedagógico, visando à melhoria

do desempenho do aluno. Para Perrenoud (1999, p.16), a avaliação assume o seu

54

sentido numa perspectiva de estratégias pedagógicas de luta contra o fracasso

escolar e contra as desigualdades.

A avaliação é reflexão transformada em ação. Ação essa que nos impulsiona para novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre a realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento (HOFFMANN, 2013, p. 24).

Só é possível falar em avaliação, quando na intenção, estiver implicada a busca

pela melhoria do ser. A avaliação não pode continuar sendo confundida como uma

ameaça a quem a ela se submete e muito menos, uma tirania da prática pedagógica:

A avaliação da aprendizagem, por ser avaliação, é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que não são amorosos, são excludentes, não são construtivos, mas classificatórios. A avaliação inclui, traz para dentro; os exames selecionam, excluem, marginalizam (LUCKESI, 2000, p. 01).

A avaliação está, portanto, diretamente ligada ao ato de acolhimento do sujeito

avaliado, sem julgamentos prévios, buscando apenas investigar como ele está, para

que a partir daí, haja uma tomada de decisão. Acolher, nesse sentido, anula a

possibilidade de exclusão, pois traz em si o aspecto dialógico, construtivo e amoroso.

Sem o acolhimento, pode acontecer a recusa, que impossibilita qualquer vínculo de

trabalho educativo na busca de ajudar o sujeito recusado. Portanto, para que

realmente, seja possível falar em construção do saber, é preciso incluir o educando

no processo de aprendizagem, favorecendo meios para que ele também seja incluído

na sociedade.

O ato de avaliar implica assim, em acompanhar e reorientar permanentemente

a aprendizagem, e se desenvolve a partir de um ato rigoroso e diagnóstico de

reorientação, tendo em vista o alcance dos melhores resultados possíveis dos

objetivos que se tem à frente. Se avalia para melhorar; assim, toda avaliação é

diagnóstica, inclusiva, democrática e dialógica, prevalecendo então, uma aliança entre

educando e educador, pois, conforme nos diz Luckesi (2008), a avaliação tem como

finalidade possibilitar a qualificação do educando e não sua classificação. Para tanto,

a mudança não está necessariamente no instrumento utilizado. Segundo Luckesi

(2004) podemos nos servir de todos os instrumentos técnicos disponíveis, porém, a

leitura e a interpretação dos dados apresentados é que devem se dá numa perspectiva

de avaliação, ou seja, de diagnóstico e não classificação.

55

O que, de fato, distingue o ato de examinar e o ato de avaliar não são os instrumentos utilizados para a coleta de dados, mas sim o olhar que se tenha sobre os dados obtidos: o exame classifica e seleciona, a avaliação diagnostica e inclui (LUCKESI, 2004, p.4).

Compreendendo que as práticas avaliativas estão diretamente atreladas ao

papel que as instituições de ensino ocupam tanto na sociedade quanto no mercado

de trabalho, justifica-se a imensa necessidade de se ter clareza a serviço de quê e de

quem as propostas educativas estão. Afinal, a avaliação não se dá num espaço

conceitual vazio, é dimensionada por um modelo teórico de mundo e educação, o qual

é traduzido numa prática pedagógica. Portanto, não se trata de uma prática ingênua,

mas sim, que está a serviço de um modelo teórico de educação e sociedade

(LUCKESI, 2008, p. 28).

Trata-se, pois, da necessidade de se pensar estratégias que provoquem e

possibilitem compreender o educando e os modos como ele constrói sua

aprendizagem, visando ações que favoreçam seu desenvolvimento, transformação do

saber e reflexão, em atitudes e práticas. Para Sacristán (1988, p.295): “Estudar a

avaliação é entrar na análise de toda a pedagogia que se pratica”, uma vez que seus

significados e usos explicam as concepções práticas que orientam o fazer pedagógico

e as quais desencadeiam outros diversos fenômenos no contexto das instituições

escolares e das pessoas ligadas a elas.

2.2. Ampliando horizontes: O Sistema Nacional de Avaliação e seus imperativos

Até aqui, situamos nossa discussão voltada para a compreensão dos rumos

que envolvem a avaliação escolar. No entanto, a avaliação educacional está ligada a

outras tantas possibilidades que integram o contexto de ensino-aprendizagem

vivenciado nas instituições escolares. Avaliação educacional será considerada neste

trabalho, a partir da definição realizada por Horta Neto (2013, p. 22): “Significa ir além

das medições ou da apresentação de resultados e envolve a definição de políticas

educacionais e de estratégias governamentais, levando ao aperfeiçoamento

institucional e com capacidade de influir, inclusive, no processo de ensino-

aprendizagem”.

Para Vianna (2005, p.12), a avaliação educacional é uma área que envolve

muitos pólos, tais como: “sistemas, instituições, cursos, currículos, programas,

56

materiais, professores e, por fim, alunos, nas dimensões cognitiva e não cognitiva”. E,

segundo Oliveira (2011), tendo em vista o foco de interesse, a avaliação educacional

pode ser classificada como interna ou externa. A avaliação interna refere-se àquela

que é realizada pelos sujeitos que compõem a instituição avaliada (professores,

alunos, coordenadores, gestores). É restrita ao âmbito interno da instituição.

Já a avaliação externa é formulada e realizada por agentes que não integram

o grupo profissional da instituição avaliada. Como nos diz Sacristán (1998),

Caracteriza-se por ser realizada por pessoas que não estão diretamente ligadas com o objeto da avaliação, nem com os alunos (as), com o objetivo de servir ao diagnóstico de amplas amostras de sujeitos ou para selecioná-los. Costuma centrar-se na comprovação de competências muito delimitadas (SACRISTÁN, 1998, p. 318).

Partindo dessa compreensão e tendo em vista o recorte do nosso estudo,

iremos aqui, focalizar e ampliar as discussões referentes à avaliação externa,

situando-a no âmbito dos sistemas nacionais de avaliação, empreendida pelo SAEB

e mais, diretamente, pela Prova Brasil que nele se insere.

No percurso aqui desenvolvido, percebemos que a avaliação educacional ao

longo do tempo, passa a ter como princípio a possibilidade de tomada de decisão para

a transformação e melhoria da realidade investigada. Em contrapartida, à medida em

que a avalição passa a ser concebida a partir dessas novas finalidades e percepções,

Catani e Gallego (2009), nos ajudam a compreender que nas últimas décadas, o Brasil

tem demonstrado seguir os rumos de outros tantos países, que buscam uma lógica

de avaliação baseada em torno da necessidade obsessiva de medir os resultados dos

investimentos financeiros, tendo como finalidade explícita, a obtenção de dados

referentes à educação e à melhoria da qualidade do ensino.

Podemos dizer, que tanto a comunidade escolar quanto a sociedade passaram

a se ver envolvidas em “novos” modos de avaliação, já que a divulgação pública dos

exames realizados pelos educandos de níveis de ensino distintos passou a ganhar

repercussão na mídia, justificando-se como uma necessidade de prestar contas à

sociedade, no que se refere aos resultados da educação.

No contexto industrial, a avaliação sofre transformações que lhe conferem

distintas funções e maior complexidade. Para Afonso (2005), ela se torna um

57

instrumento essencial dos governos, a serviço de seus incontornáveis esforços de

implementar uma cultura fiscalizadora e gerencialista. Assim, segundo Santos (2007)

temos percebido certo retrocesso em relação às discussões que atrelam a avaliação

à emancipação, uma vez que, desde a segunda metade dos anos de 1990, a avaliação

tem sido considerada o centro das políticas educacionais e, portanto, caracterizada

por testes e provas em larga escala os quais, ao final, resultam na classificação das

unidades escolares e sistema de ensino, fomentando assim, os aspectos burocráticos

em detrimento dos aspectos pedagógicos.

Desse modo, os governos federais, estaduais e municipais têm atribuído

significativa importância às avaliações externas em larga escala, no cenário da

educação brasileira. Sendo esta uma tendência que tem sido bastante fomentada no

Brasil e que apresenta uma característica diretamente ligada ao viés classificatório,

na qual o Estado assume a função de avaliador. Logo, o governo importa para o

domínio público, modelos de gestão privada, admitindo a lógica do mercado com

ênfase nos produtos finais dos processos educativos (AFONSO, 2009, p. 49).

Portanto, desde o fortalecimento dos exames, a avaliação tem sido um forte

elemento de conformação do modelo atual de avaliação nacional.

2.3 O Sistema Nacional de Avaliação – Questões implícitas e explícitas

2.3.1 QUESTÕES EXPLÍCITAS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

De acordo com Catani e Gallego (2009, p.42), na década de 1990, as

avaliações externas passaram a ocupar um lugar privilegiado no campo educacional

e a maioria dos países da América Latina instituiu um sistema nacional de avaliação

do rendimento escolar. Essas avaliações tornaram-se instrumentos que avaliam não

apenas alunos da Educação Básica (SAEB e ENEM) e do Nível Superior (ENADE),

mas também, os professores, a gestão e a coordenação.

No Brasil, a proposta de instituição de um sistema de avaliação surgiu durante

o processo de redemocratização do país (1985/1986), quando segundo Pestana

(1998), vivenciávamos o início da Nova República e discutia-se a redefinição das

atribuições e funções dos diferentes níveis de governo no Brasil, inclusive, no que se

refere à articulação, integração, cooperação e parceria entre as instâncias do governo.

58

Nesse sentido, “o debate sobre o processo de democratização do país refletia-se,

portanto, na educação como discussão sobre a democratização do ensino”,

compreendendo a necessidade das distintas instâncias governamentais tomarem

decisões coletivas, em relação aos rumos da educação nacional (PESTANA, 1998,

p.66).

No período de 1980, o Projeto Edurural – Projeto de Educação Básica para o

Nordeste Brasileiro – financiado com recursos do Banco Mundial e pelo MEC, foi

implantado e estava em desenvolvimento. Os objetivos deste projeto eram ampliar o

acesso escolar às quatro primeiras séries, a redução da evasão e da reprovação, bem

como, melhorar o rendimento dos estudantes.

Para acompanhar e verificar o alcance da última meta, nos anos de 1981, 1983

e 1985, foram desenvolvidos três estudos, onde se realizaram testes com os alunos

da antiga 2ª e 4ª séries, envolvendo 03 estados, 60 municípios, 600 escolas e 6 mil

alunos. Essa foi uma das primeiras ações que inspirariam a criação do Saeb (HORTA

NETO, 2013, p.107).

Vale pontuar, que um dos aspectos que ganharam relevância nas discussões

em torno da redemocratização do país, foi o que diz respeito ao acesso à escola.

Embora fosse explícito que o Brasil tivesse conseguido ampliar o número de

estudantes no sistema de ensino, ainda não se tinha uma “medida” que demonstrasse

se os resultados gerados eram satisfatórios; e a impressão que se tinha era

exatamente o contrário.

Logo, os investimentos empreendidos na construção de instituições escolares,

material didático e formação de professores, além de não serem ações articuladas

entre si, ao final dos projetos e programas, não havia dados que pudessem traduzir

se o sistema de ensino havia melhorado e de que modo cada uma dessas ações

poderia ter efetiva responsabilidade sobre os resultados. Desse modo, surgiu a

necessidade de implementação da qualidade do sistema educacional.

De acordo com os estudos de Oliveira e Araújo (2005), no Brasil, o termo

qualidade teve vários significados, os quais lhe foram sendo atribuídos ao longo do

tempo. Nesse sentido, destacam-se três momentos. O primeiro, refere-se à noção de

qualidade associada à ampliação de oferta de vagas. O que proporcionou desde 1940,

59

o aumento na construção de escolas. Todavia, com a inserção dos mais pobres e

marginalizados nas instituições de ensino, vale destacar que as diferenças culturais e

a necessidade de um atendimento diferenciado não foram levadas em conta, isso

acarretou em grandes empecilhos para o prosseguimento dessas populações na

escola e refletiu numa alta queda no fluxo escolar.

No segundo momento, entre os anos de 1970 e 1980, a qualidade passou a ser

associada à permanência do estudante na escola, com sucesso. Então, estimulou-se

campanhas contra a reprovação, programas de aceleração da aprendizagem, entre

outros. As taxas de reprovação diminuíram, porém, não havia indícios de melhoria da

aprendizagem. Assim, no terceiro momento, a partir de 1990, a qualidade passa a ser

diretamente associada ao desempenho cognitivo dos estudantes, o qual poderia ser

medido a partir da aplicação dos testes avaliativos.

A qualidade do ensino passou a ser, então, o segundo aspecto mais discutido

no debate em torno da educação e redemocratização, compreendendo assim, que o

sistema de avaliação deveria, entre outros fatores, examinar a qualidade do ensino.

Percebemos, pois, que nos dois primeiros momentos referentes à noção de qualidade,

embora de modo limitado, o poder público realizou ações que buscavam ampliar a

garantia do direito à educação. Já no terceiro momento, o foco passa a ser os testes

avaliativos e a fixação de metas de desempenho.

Dessa forma, passou-se a entender que através de um sistema nacional de

avaliação, seria possível obter informações úteis, tais como: onde, quando, como, o

que estava sendo gerado e quem era responsável pelo produto obtido no setor

educacional, o que seria exposto publicamente. Portanto,

Foi dessa forma que surgiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), como uma atribuição do Ministério da Educação e do Desporto, com o objetivo de coletar informações sobre a qualidade dos resultados educacionais, sobre como, quando e quem tem acesso ao ensino de qualidade (PESTANA, 1998, p.66).

Nessa justificativa, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –

SAEB8 – surgiu com a proposta de articular os diversos fatores (construção de

8 Segundo Santos (2007), somente em 1991, o sistema passou a ser denominado de SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. A princípio, em 1988, quando o MEC solicitou a

60

instituições escolares, material didático e formação de professores), buscando a

possibilidade de determinar a evolução da qualidade do sistema a partir deles, já que,

raramente, um único aspecto isolado poderia responder pela mudança no campo da

educação (PESTANA, 1998).

De acordo com Santos (2007) o processo de avaliação em escala nacional deu-

se no ano de 1987, a partir do convênio entre o Ministério da Educação (MEC) e o

Instituto de Cooperação para a Agricultura (ILCA). O MEC, através do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), efetivou um contrato com a

Fundação Carlos Chagas a qual ficou responsável para validar instrumentos de

verificação da aprendizagem. A validação se deu por meio de pesquisas que

buscaram avaliar o rendimento escolar de aproximadamente 28.000 (vinte e oito mil

estudantes), em 60 (sessenta) e (08) oito municípios de distintos estados. Assim, tanto

os resultados obtidos, quanto a análise de programas de ensino e livros didáticos

utilizados nas escolas, contribuíram para se estabelecer um sistema de controle

baseado nos conteúdos mínimos e padrão de qualidade do ensino.

Em 1988, o MEC solicitou a implementação do sistema de avaliação no país,

surgindo, pois, o SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público, o qual, foi realizado

primeiro no Paraná e no Rio Grande do Norte, como um Projeto Piloto. Após essa

experiência, reformulações no instrumento e procedimentos foram realizadas,

estando pronto para ser desenvolvido em âmbito nacional.

Nesses termos, de acordo com Altmann (2002), o SAEP foi implementado

somente em 1990, quando foi realizada a primeira aferição nacional. E, segundo

Santos (2007), em 1991, o MEC passou a denominá-lo de SAEB, o qual a partir dos

dados coletados no site do INEP, tem como objetivo principal:

Realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino (INEP, 2014).

implementação do sistema de avaliação no país, a denominação dada foi de SAEP – Sistema de Avaliação do Ensino Público.

61

Sendo assim, de acordo com Bonamino (2012), atualmente9, o Saeb é

realizado, bianualmente, com a participação amostral de estudantes matriculados nas

turmas de 5º e 9º anos (antiga 4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental e no 3º ano do

Ensino Médio, em instituições públicas e privadas localizadas, na área urbana e na

área rural. De acordo com a autora, esta versão do Saeb é a proposta mais apropriada

para diagnosticar e monitorar a qualidade da educação básica nas regiões geográficas

e nos Estados brasileiros.

Nesse formato que faz referência a um resultado amostral do total de alunos,

o desempenho é “divulgado por rede de ensino com agregação nacional, regional e

estadual, não permitindo levantar resultados nem por escolas nem por municípios”

(BRASIL, 2011, p.9); percebemos assim, que esta primeira versão amostral do Saeb

estava voltada para a obtenção de dados sobre o sistema educacional no qual as

escolas estavam inseridas e não havia preocupação com o ranqueamento ou

classificação das unidades escolares ou federações. Todavia, Horta Neto (2013) nos

diz que por ser um instrumento político, este formato do Saeb já enfatizava o resultado

em detrimento do processo educacional, o que, paulatinamente, levou os processos

de aprendizagem vividos na escola a permanecerem fora das prioridades postas nos

relatórios elaborados pelo INEP.

Inicialmente, era realizado de modo mais descentralizado, incluindo a

participação significativa das secretarias estaduais de educação. Mas para Altmann

(2002) esse era exatamente um ponto que gerava divergência entre o MEC e o Banco

Mundial (Financiador do Saeb) o que levou, inclusive, ao não financiamento da

avaliação, durante os anos de 1990 e 1993.

Sendo assim, na edição de 1995, o Sistema de Avaliação foi coordenado por

técnicos da Fundação Carlos Chagas em parceria com a Fundação Cesgranrio

9 Entre os anos de 1990 e 1993, o SAEB foi realizado com a participação amostral de escolas que ofereciam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas urbanas. Os estudantes eram avaliados em uma das áreas de conhecimento entre Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Porém, nas 5ª e 7ª séries realizam, também, uma redação. Em 1995, as escolas da rede privada foram incluídas e definiu-se que apenas as etapas finais do ciclo de escolarização seriam avaliadas. Já em 2001, o Saeb passou a avaliar apenas Língua Portuguesa e Matemática, a partir de questões de múltipla escolha e em 2005, os alunos passaram a responder questões referentes às duas áreas do conhecimento. Este formato permanece até os dias atuais.

62

juntamente com o INPE/MEC. Nesse período, algumas inovações metodológicas10

foram introduzidas e permanecem até hoje, na configuração atual.

Desde as primeiras aplicações, passou-se a constantes revisões e busca pelo

aprimoramento dos ciclos de avaliação do Saeb, entre algumas já citadas (nota de

rodapé 5), houve também, em 1997, a construção de uma Matriz de referência11 para

o Saeb, com a descrição das competências e habilidades que passariam a ser

testadas em cada série avaliada, o que possibilitou uma maior precisão técnica na

construção dos itens presentes no teste, bem como, na análise dos resultados.

De acordo com o PDE - “Plano de Desenvolvimento da Educação: razões,

princípios e programas” (conjunto de ações e programas voltados para a educação

básica e superior, publicado pelo MEC em 2008) – no ano de 2001, a Matriz foi

revisada, tendo em vista o fato de que o MEC passou a disseminar os Parâmetros

Curriculares Nacionais, sendo necessário comparar a Matriz de Referência ao

currículo utilizado a partir dos PCN’s, os quais passaram a ser a referência básica

para a elaboração da Matriz. Segundo Horta Neto (2013) esta foi a última alteração

realizada.

Nesse cenário de reorganização, em março de 2005, o SAEB foi

reestruturado12 e passou a ser composto por outras duas avaliações:

A Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb): Que manteve os

procedimentos da avaliação amostral (atendendo aos critérios estatísticos de

no mínimo 10 estudantes por turma), das redes públicas e privadas, com foco

na gestão da educação básica que até então vinha sendo realizada no Saeb.

10 De acordo com Bonamino (2012, p.376), em 1995, o SAEB introduziu as seguintes modificações: i) inclusão da rede particular de ensino na amostra; ii) adoção da Teoria de Resposta ao Item (TRI), que permite estimar as habilidades dos estudantes independente do conjunto específico de itens respondidos; iii) opção de trabalhar com as séries conclusivas de cada ciclo escolar (4ª e 8ª série do ensino fundamental e inclusão da 3ª série do ensino médio); iv) priorização das áreas de conhecimento de língua portuguesa (foco em leitura) e matemática (foco em resolução de problemas); v) participação das 27 unidades federais; vi) adoção de questionários para os alunos sobre características socioculturais e hábitos de estudo. 11 De acordo com o Inep, para elaborar as Matrizes de Referência de Língua Portuguesa e de Matemática da Prova Brasil, o Inep tomou por base os Parâmetros Curriculares Nacionais e uma consulta nacional aos currículos propostos pelas Secretarias Estaduais de Educação e por algumas redes municipais. Também foram consultados professores regentes das redes e, ainda, examinados os livros didáticos mais utilizados para os anos avaliados. 12 Foi reestruturado pela Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005.

63

Devido aos procedimentos mantidos, a Aneb permanece sendo conhecida

como Saeb.

Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc): Também conhecida como

Prova Brasil, devido a seu caráter universal e que tem a finalidade de “avaliar

a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas”. É aplicada em

todas as escolas públicas do país, sendo seus resultados mais detalhados que

a Aneb, tendo como foco as unidades escolares que têm no mínimo, 20 alunos

matriculados nos 5º e 9º anos nas redes públicas municipais, estaduais e

federais e cujas secretarias estaduais e municipais de educação fizeram

adesão a esse Sistema Avaliativo (INEP, 2015).

As médias no desempenho da Aneb e do desempenho na Prova Brasil são

utilizadas para calcular o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o

qual é um indicador criado pelo Inep em 2007 que vai de zero a dez e permite

acompanhar o cumprimento das metas da qualidade da educação básica, postas no

PDE, do Ministério da Educação. A meta é que a média evolua de 3,8 registrada em

2005 nas séries inicias, para o alcance da média 6,0 no IDEB, até o ano de 2022;

média que corresponde a uma qualidade de sistema educacional comparável a dos

países desenvolvidos no que se refere aos resultados obtidos pelo Programa

Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

Sendo assim, a média da Prova Brasil é utilizada no cálculo do IDEB dos

municípios e das escolas, e a média da Aneb é usada para calcular o IDEB dos

estados e o IDEB nacional. É importante destacar que as médias nestas provas,

combinado com os índices de aprovação, repetência e evasão escolar (informada

pelas redes de ensino através do Censo Escolar) também são utilizadas para calcular

o IDEB. Nessa lógica, periodicamente, o IDEB é calculado e divulgado (INEP, 2015).

As metas intermediárias de cada município e Estado são diferentes. Aqueles com Ideb mais baixo terão que fazer maior esforço para chegar mais próximo da meta nacional. Aqueles com Ideb mais alto deverão superar a meta para o Brasil. Nesse quadro, cada município e estado deve ter um desempenho que, em conjunto, leve o Brasil a atingir a meta nacional proposta e a reduzir a desigualdade entre as redes (INEP, 2015, grifo nosso).

64

Logo, independente do contexto e das condições que interferem nos processos

educativos, é o IDEB quem passa a traduzir a qualidade do ensino vivenciado nas

escolas brasileiras, sendo, pois, o indicador que orienta as políticas públicas para a

Educação Básica, com vistas à melhoria da qualidade das instituições públicas. E,

portanto, acaba se tornando necessário e imperativo, empreender esforços para o

alcance das metas estabelecidas.

Segundo Fernandes (2007 apud HORTA NETO, 2013, p.165) este índice de

qualidade passa a ser sugerido como uma ferramenta necessária no direcionamento

do financiamento educacional para as instituições que apresentaram piores

desempenhos, bem como, poderia ser utilizado para monitorar os desempenhos

obtidos, definindo condições para a liberação de recursos. Ideias estas que

apresentam uma convergência em relação à lógica empresarial, em que o incentivo

material é usado como alicerce para o avanço.

Mais recentemente, no ano de 2013, foi incorporada ao SAEB (pela Portaria nº

482, de 7 de junho de 2013), a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA); cujo

objetivo é “avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa,

alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes

públicas”. A ANA envolve alunos do 3º ano do Ensino Fundamental e sua aplicação

se dá, anualmente. Logo, podemos perceber que as avaliações externas em larga

escala, estão cada vez mais, sendo implementadas de forma precoce nas primeiras

séries do Ensino Fundamental I.

Portanto, atualmente, podemos observar a composição do SAEB, a partir do

seguinte esquema:

Figura 1 - Avaliações que compõem o Saeb

Fonte: Inep/2015

65

De acordo com Plano de Desenvolvimento da Educação (2008):

O SAEB, inicialmente, não permitia uma visão clara da realidade de cada rede e menos ainda de cada escola que a integra. A Prova Brasil deu nitidez à radiografia da qualidade da educação básica. A percepção que se tinha anteriormente era de que nenhuma escola ou rede pública garantia o direito de aprender – um clichê injusto imposto à educação básica pública como um todo. A Prova Brasil revelou que isso não era verdade. Confirmou, sim, a existência de enormes desigualdades regionais, muitas vezes no interior do mesmo sistema. Mas, ao mesmo tempo, revelou boas práticas de escolas e redes de ensino que resultam em aprendizagem satisfatória (MEC, 2008, p.20).

Até 2003, o Saeb divulgava informações apenas por estados, regiões e para o

Brasil. Com a implementação da Prova Brasil, em 2005, foi possível obter e divulgar

informações sobre cada município e cada uma das escolas públicas avaliadas.

Inclusive, na justificativa do MEC (2007), as informações produzidas pela Prova Brasil

“Expõem à sociedade os resultados gerais de sua avaliação e coloca administradores,

gestores, professores, diretores de escolas, alunos e especialistas informações que

permitem um olhar mais qualitativo sobre as redes e cada escola”.

Assim, com a criação do Ideb, se tornou corriqueiro a partir dos rankings

divulgados pelo INEP, a identificação e classificação das escolas consideradas

“melhores” e “piores”. O que na visão de Catani e Gallego (2009, p.56) parte-se da

crença de que a publicidade negativa pode acabar estimulando todos a se dedicarem

ao ensino com maior esforço, utilizando-se inclusive, de “sanções econômicas,

políticas e regulamentares como incentivos13”.

A Prova Brasil surge assim, como um instrumento que possibilita verificar se o

direito ao aprendizado está sendo garantido a todos os alunos do nosso país,

especificamente, no que se refere às competências leitoras e matemáticas, as quais

de acordo com o PDE, são responsabilidades da escola e esta, por sua vez, deve

responder majoritariamente pelos possíveis fracassos nessas competências básicas

e gerais (PDE, 2011, p.11). Percebemos aqui, uma lógica de responsabilização.

Aprender é um direito e se não for garantido, neste caso, a escola e os seus

agentes devem se responsabilizar por isso. Logo, a Prova Brasil fixa parâmetros para

13 (Idem).

66

classificação e comparações entre os desempenhos, promovendo a

responsabilização das instituições pelo êxito ou fracasso nas avaliações.

Para concretizar seu objetivo, no que se refere à metodologia desenvolvida, a

padronização e a medida são os dois elementos que definem e que apresentam

extrema pertinência para a Prova Brasil. Uma vez que a defesa desses dois elementos

gira em torno da necessidade de as competências cognitivas serem garantidas a

TODOS de forma equitativa. E, embora diversos fatores possam influenciar no

domínio dessas competências, é indispensável que mesmo havendo níveis distintos,

todos os alunos apresentem o domínio dos níveis considerados adequados. Logo, só

é possível avaliar e comparar, caso o “instrumento verificador do direito seja o mesmo,

no caso brasileiro, a Prova Brasil” (PDE, 2011, p.12).

A metodologia baseia-se na aplicação de testes padronizados e questionários

contextuais. Os testes são elaborados tendo em vista as áreas de Língua Portuguesa,

com foco na leitura, e em Matemática, na resolução de problemas. Os questionários

contextuais são direcionados aos alunos, professores e gestores das séries avaliadas.

Há, ainda, um questionário referente às particularidades da escola, este é preenchido

pelo aplicador do teste.

Os questionários contextuais são usados para coletar informações sobre o contexto socioeconômico e as características de alunos, professores, diretores e escolas, bem como sobre as condições em que ocorrem os processos de ensino e aprendizagem. Os questionários dos estudantes coletam informações sobre aspectos de sua vida escolar e familiar, condições socioeconômicas e culturais, hábitos de estudo, etc. Os questionários dos professores e diretores incluem também informações sobre sua formação profissional, práticas pedagógicas, formas de gestão da escola, tipos de liderança, clima escolar, recursos pedagógicos disponíveis na escola, entre outras (CADERNO DA PROVA BRASIL, 2013, p.15).

No ano de 2013, pela primeira vez, o Inep divulgou dois indicadores de

contexto: O nível socioeconômico e formação docente, para auxiliar na leitura e

interpretação das médias. Um ponto destacado por Santos (2007) é que,

tendencialmente, esses indicadores contextuais passam a ser diretamente

relacionados ao rendimento dos alunos, o que pode sempre justificar o baixo

rendimento às desigualdades “naturais” as quais os estudantes estão submetidos.

Este fato, segundo Catani e Gallego (2009), pode demonstrar “perversos mecanismos

67

de exclusão” num contexto social em que os alunos bons existem devido às suas

“condições sociais privilegiadas”, acabando por atribuir ao aluno e seu contexto, a

responsabilidade pelas possíveis habilidades e competências que os testes julgarem

possuir.

No que refere aos testes, segundo o MEC/Inep, como nem todos os conteúdos

poderiam ser avaliados, foi realizado um recorte do currículo, de modo a definir o que

de fato seria avaliado em cada área do conhecimento, bem como, em cada etapa de

ensino avaliada. Por isso, foi construída uma Matriz de Referência14. Esta Matriz

apresenta os conteúdos (tópicos ou temas) e as descrições das habilidades

(descritores) que se espera que os alunos tenham desenvolvido até o 5º e 9º anos do

Ensino Fundamental (Prova Brasil), bem como, do 3º ano do Ensino Médio (Aneb).

Segundo Santos (2007, p. 95), os descritores apresentam uma relação entre o objetivo

curricular e o conteúdo, ou seja, a operação mental que deve ser realizada por cada

estudante, a partir do conteúdo.

Os testes são assim, compostos por itens (questões). Cada item é elaborado

para avaliar um único descritor, habilidade descrita na Matriz de Referência. Os testes

são de múltipla escolha, contendo quatro alternativas, das quais apenas uma é

correta. A montagem dos cadernos da prova é realizada a partir da metodologia dos

Blocos Incompletos Balanceados (BIB), que tem como objetivo, possibilitar que um

número grande de itens (questões) seja aplicado ao grupo de estudantes avaliados,

sem que cada aluno precise responder a todas as questões cobradas na Matriz de

Referência.

Nesse sentido, na avaliação do 5º ano, para cada área do conhecimento, são

montados 7 blocos contendo 11 itens cada, totalizando 77 itens (questões). A

combinação dos blocos resulta em 21 cadernos de prova diferentes. Cada caderno é

organizado em quatro blocos: dois blocos de Língua Portuguesa e dois blocos de

Matemática, cada um contendo 11 itens, totalizando assim, um total de 44 itens

(questões). Isso significa que no dia da realização da Prova Brasil, dificilmente, dois

estudantes terão acesso ao mesmo caderno de prova.

14 A Matriz de Referência é um documento que contém o conjunto de habilidades de cada série e disciplina e que podem ser mensuradas por meio das questões da prova.

68

Figura 2 - Prova Brasil: Estrutura do caderno de provas

Fonte: Inep/2013

Nesse sentido, para verificar se os estudantes realmente estão aprendendo, foi

construída uma escala, denominada de “Escala Saeb”. Assim, por exemplo, se ler é

um direito, o que define que uma criança de 5º ano sabe ler, adequadamente? Sendo

assim, considerou-se que o uso da escala é extremamente importante, pois ela serve

para situar o aprendizado nas competências de leitura e interpretação, bem como, na

resolução de problemas matemáticos, presentes na Matriz de Referência. A escala é,

portanto, uma espécie de “termômetro”, em que o resultado do educando é

representado em números e permite a comparação entre instituições e entre as

edições anteriores da prova, pois todas as escolas e todas as edições da Prova Brasil

utilizam a mesma escala.

O comitê científico do movimento Todos pela Educação (composto por

especialistas em educação) indicou a partir de qual pontuação deve-se considerar que

o educando demonstrou o domínio da competência avaliada. Os resultados de cada

escola, município e estado do Brasil também podem ser acompanhados mais

detalhadamente, através do Portal QEdu15, o qual é uma iniciativa recente, construída

entre os anos de 2011 e 2012, desenvolvida pela Meritt e Fundação Lemann, que

buscaram estratégias que pudessem facilitar à sociedade, a compreensão sobre as

informações produzidas na Prova Brasil.

15 http://www.qedu.org.br/

69

A escala da Prova Brasil vai de 0 a 500 pontos16, de modo que cada intervalo

representa os níveis de proficiência. Esses níveis são restritos e cumulativos, ou seja,

são distribuídos do menor até o maior nível, o que significa que partindo da premissa

de que o conhecimento é cumulativo, um aluno do 9º, por exemplo, além de dominar

as habilidades descritas à série em que se encontra, possivelmente, domina também,

as habilidades anteriores da escala, ou seja, as que são direcionadas ao 5º ano. Logo

abaixo, segue um recorte da escala, com as habilidades descritas para o 5º ano. O

QEdu a dividiu em quatro níveis, os quais são: Insuficiente, Básico, Proficiente e

Avançado. Considera-se ainda que o aprendizado adequado se encontra entre esses

dois últimos níveis.

Quadro 5 Níveis de Proficiência da Prova Brasil – 5º ano

Fonte: Prova Brasil 2013/ Organizado por Meritt.

Assim, a partir da pontuação da Prova Brasil, é possível verificar quantos

alunos ficaram em cada um desses níveis de proficiência, seja no âmbito municipal,

estadual, ou por unidade escolar. Além de ser possível comparar o desempenho geral

entre os mesmos, indo do mais local ao mais global.

16 Ver escalas de Língua Portuguesa e Matemática em: http://provabrasil.inep.gov.br/escalas-da-prova-brasil-e-saeb

70

Portanto, os resultados da Prova Brasil dão origem às informações de modo

geral, sobre o desempenho dos educandos de escolas públicas, fornecendo a cada

instituição:

A distribuição percentual dos alunos avaliados pelos níveis das escalas

de proficiência;

As médias de proficiência da escola nas áreas avaliadas;

Uma síntese do desempenho do grupo “Escolas Similares17”;

Indicadores contextuais: o indicador de nível socioeconômico e o

indicador de formação docente

Tendo em vista todo este cenário e as justificativas presentes em documentos

como o Plano de Desenvolvimento da Educação, Lei de Diretrizes e Bases, Caderno

da Prova brasil, dados coletados no site do MEC/Inep, a concepção de Horta Neto

(2013) é a de que esse contexto de reformas educacionais pós-burocráticas, termina

por tirar o sentido da avaliação como instrumento de prática pedagógica. A avaliação

nesse sentido, “apequena-se”.

Nesse sentido, ao considerar que no Brasil há um Sistema de Avaliação

Nacional, torna-se importante recordarmos o termo Sistema como nos remete Cunha

(2005). Segundo a autora, compreender a avaliação como um sistema é ter a clareza

de que ela assume a sua complexidade como parte integrante da sua gênese: “A

avaliação como sistema significa compreender que se trata de uma dinâmica

multifacetada, procurando apreender o fenômeno educativo através de diferentes

dimensões” (CUNHA, 2005, p.202).

Essa consideração nos remete à noção de complexidade tão defendida por

Edgar Morin e significa nesse sentido, que um sistema de avaliação precisa

ultrapassar a lógica da percepção fragmentada e parcial da realidade, lógica esta que

exige a necessidade de irmos além da aferição do resultado do desempenho em

conteúdos específicos de Português e Matemática e taxas de aprovação, como

julgamento da qualidade da educação no Brasil.

17 Esses dados sintetizam os resultados de um grupo de escolas com características semelhantes às da sua escola, ou seja, que pertencem à mesma microrregião geográfica, à mesma localização (urbana ou rural) e que possuem valores do Indicador de Nível Socioeconômico (Inse) próximos.

71

Para Catani e Gallego (2009, p.62), é exatamente algumas dessas questões

que incomodam os estudiosos que pesquisam as avaliações externas, pois percebem

uma incoerência entre as concepções que têm sido defendidas, que é a de avaliação

da aprendizagem como um processo formativo e inclusivo, a favor do

desenvolvimento do estudante, e o modo como os testes padronizados têm sido

desenvolvidos.

Assim, Libâneo (2006) afirma que:

A sociedade brasileira tem acompanhado, nos últimos anos, discursos que defendem a aplicação de testes educacionais unificados nacionalmente, com o objetivo de aferir o desempenho dos alunos nos diferentes graus de ensino, para controlar a qualidade do ensino ministrado nas escolas brasileiras. Entretanto, a determinação de critérios de avaliação revela a posição, as crenças e a visão de mundo de quem a propõe. Os exames nacionais em vigor enfatizam a mediação do desempenho escolar por meio de testes padronizados, o que os vincula a uma concepção objetivista de avaliação. (LIBÂNEO, 2006, p.205)

Assim, os processos avaliativos refletem uma concepção particular de

conhecimento, de educação e da função dos profissionais que integram as instituições

de ensino. Portanto, é essencial que possamos desvelar os fatores que determinam

as concepções no âmbito global e no interior das escolas, desvelando os reais

objetivos e pondo em “xeque”, os elementos que definem o quê, para quê e como se

avalia.

2.3.2 AS INTERFERÊNCIAS INTERNACIONAIS E O SISTEMA NACIONAL DE

AVALIAÇÃO - QUESTÕES IMPLÍCITAS?

De acordo com Catani e Gallego (2009, p.42), diversos especialistas têm

emitido pareceres referentes às avaliações externas, afirmando que estas têm

assumido um papel cuja “eficácia é discutível”; porém, têm sido defendidas a partir do

argumento baseado na necessidade de um rigoroso controle dos resultados dos

investimentos feitos na educação. Diante dessas divergências, é indispensável a

necessidade de conhecermos os fundamentos da política de avaliação, antes de nos

limitarmos aos discursos ideológicos, tidos como inovadores e facilitadores de

avanços educacionais.

72

Vivemos numa avalanche neoliberal onde os organismos internacionais

estabelecem as condições de participação no mundo globalizado. O pensamento

mundial em torno do desenvolvimento tem fortalecido cada vez mais a lógica de que

é preciso educar para o mercado, para o capital. Educar para o desenvolvimento

econômico. De acordo com Perrot (1994) o desenvolvimento tem sido considerado

como uma esperança, uma promessa para o futuro, uma necessidade a ser alcançada

por todos. Assim, disseminou-se uma colonização pela ideologia desenvolvimentista,

a qual inculca em nós que esta é o remédio da sociedade moderna.

Nesse cenário, a educação é vislumbrada como o caminho para se alcançar o

tão sonhado desenvolvimento, e os processos educativos precisam se organizar para

que todas as suas ações estejam pautadas e direcionadas a este fim. No entanto, a

educação que preza pelo desenvolvimento dos países do Sul deve estar focada numa

preparação que tem a Europa Central e a América do Norte como modelos a serem

seguidos. Fortalecendo assim, as relações de dominação em busca de um ideal que

leva à imobilização de culturas, a fim de que possam estar abertos à “cultura do

desenvolvimento”.

A educação para o desenvolvimento tende a se limitar à transferência de

valores e técnicas determinadas, marginalizando as práticas locais e a significação

que os sujeitos dão a elas. E é nesse mundo globalizado que surgem os testes

padronizados, as avaliações em larga escala que buscam aferir a qualidade da

educação de um país, a partir da medição cognitivo-quantitativa dos educandos.

Essas avaliações têm como um dos principais financiadores, o Banco Mundial.

Segundo Altmann (2002, p.8), O Banco Mundial “defende explicitamente a

vinculação entre educação e produtividade, a partir de uma visão economicista”. E

segundo a CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – é preciso

tornar os países da América Latina mais competitivos internacionalmente, de modo

que se tenham talentos para “difundir o progresso técnico e incorporá-lo ao sistema

produtivo”. E como alcançar este patamar? Através da educação. Portanto, um dos

setores bastante influenciado pelo Banco Mundial, na política macroeconômica

brasileira, é o setor de educação. Assim, os últimos anos têm sido de mudanças na

política dos organismos internacionais.

73

Estas mudanças estão descritas no documento Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento-BIRD: Estratégias de Parcerias com o Brasil.

Segundo Silva e Coelho (2014, p.3) nele, pode-se observar que o propósito do Banco

Mundial é elevar o país nos seguintes campos: “equidade (campo educacional),

sustentabilidade (questões ambientais), competitivismo (educação para inovação e

crescimento) e profissionalização, fomentando a regulamentação internacional”.

Podemos reforçar assim, que as Políticas Públicas Brasileiras seguem a lógica

do mercado e estão direcionadas para os interesses dos Organismos Internacionais.

Vale ressaltar, que esses investimentos não são sinônimos de doações. Muito pelo

contrário, o “pagamento” da dívida se dá com o retorno do capital humano a partir dos

processos educativos.

(...) O fortalecimento do capital humano é essencial para a agenda de crescimento, em termos de desenvolvimento de uma força de trabalho mais qualificada, saudável e ágil, capaz de inovar e se adaptar às novas tecnologias para aumentar a produtividade total dos fatores (BANCO MUNDIAL E CFI, 2008, p. 53).

Assim, os saberes divulgados e ensinados nas escolas são definidos tendo em

vista sua operacionalidade. Logo, muitas das reformas ocorridas na educação

coincidem com as propostas dos investidores. Afinal, o BIRD tem como uma de suas

principais finalidades, garantir a estabilidade econômica dos países que estão em

desenvolvimento, declarando o combate à pobreza (CORRAGIO, 1996).

No entanto, José de Souza Silva nos alerta para a necessidade de

percebermos certas mentiras que nos impõem como verdades. Entre elas, está a

finalidade do Banco Mundial, o qual desde o ano de 1970 prometeu que alcançaria

até o ano de 2000, o fim da pobreza “trabalhando só com os pobres, sem enfrentar a

opulência, fingindo que a pobreza é um fenômeno natural, como se não derivasse do

fenômeno mais amplo e desigual da produção e apropriação da riqueza” (SILVA,

2014, p.2).

De acordo com o autor, esta é mais uma mentira sedutora que tenta camuflar

e evitar que o capitalismo seja visto como fonte alimentadora das desigualdades,

ocultando assim, a fome insaciável que devora a mão de obra barata e os mercados

cativos, nos mantendo reféns do modelo desenvolvimentista.

74

Nessa lógica, o saber tende a ficar subordinado ao poder, havendo um grande

casamento entre educação e negócio. Então, não é de se estranhar que embora cada

país apresente suas particularidades, as reformas educativas propostas pelo BIRD

sejam únicas, as quais estão presentes no relatório “Prioridades e estratégias da

educação” – 1995 - tendo como justificativa a busca da melhoraria da qualidade e o

acesso à educação, englobando elementos como, educação básica como prioridade;

melhoria da qualidade dos resultados que só podem ser aferidos no rendimento

escolar; padrões fixados; monitoramento do desempenho escolar; Impulso para o

setor privado e organismos não-governamentais como agentes ativos no terreno

educativo, tanto nas decisões como na implementação (ALTMANN, 2002).

A defesa na ênfase da educação básica, segundo Fonseca (1998), é justificada

pelo Banco Mundial e os financiadores, tendo em vista que esse nível de

escolarização (amparando-se na lógica do capital humano) está mais propenso à

formação de novos valores e comportamentos necessários ao trabalho. O que nos

demonstra um movimento em busca da produção de uma nova educação política, cuja

pretensão é a difusão de ações que possam consolidar um “padrão de sociabilidade”

alinhado às necessidades contemporâneas do capitalismo.

Assim, o relatório propõe a padronização do rendimento da aprendizagem e

atenção aos resultados. Logo, tendo sido estabelecidos os padrões observáveis de

rendimento e as metas, tornou-se necessário criar os mecanismos capazes de

verificar se as mesmas estão sendo alcançadas. E é daí, que surgem os sistemas de

avaliações distintos, tanto internacionais, quanto nacionais, como o PISA, ENEM e

SAEB (a exemplo da Prova Brasil).

Para Altmann (2002), em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) se

apresentava como candidato à presidência, sua proposta de governo já se direcionava

para estas perspectivas na educação, pois acreditava que os maiores empecilhos na

escola brasileira, eram os desperdícios financeiros utilizados no combate às altas

taxas de fracasso escolar. Durantes os 8 anos de governo de FHC (1995-2002), era

explícito o total alinhamento estratégico entre o MEC e o Banco Mundial, de forma que

nesse período, os principais representantes da educação brasileira já tinham

participado das agências que compõem o Banco Mundial.

75

Logo, na década de 1990, o fomento à avaliação nacional tornou-se

fundamental na política da educação. Podemos observar isto na própria LDB n.

9.394/96, no artigo 9º, inciso VI, na qual estabelece a necessidade de “Assegurar

processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio

e superior, em colaboração com os sistemas de ensino objetivando a definição de

prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Podemos ressaltar, que há uma flexibilidade em termos de autonomia no

planejamento, inserção de elementos regionais e particulares locais (artigo 26),

porém, o controle passa a não ser mais no que se refere à carga horária, currículo

mínimo ou qualquer outro fator. O controle se manifesta, fortemente, centralizado no

processo de avaliação.

Aqui no Brasil, de acordo com Freitas (2012) o “Todos pela Educação”, criado

em 2005, é um dos movimentos que tem coordenado a ação dos empresários na área

de educação e que apresenta bastante semelhança em relação à proposta que os

reformadores empresariais têm desenvolvido nos Estados Unidos, numa justificativa

de “consertar a educação americana” a partir, sobretudo, de quatro componentes

essenciais: padrões estaduais, testes estaduais, as sanções e a transformação dos

programas de formação de professores.

E, de acordo com Martins (2008), entre as metas propostas para a educação

pública no nosso país, encontra-se:

Meta 3 – Qualidade: “Até 2022, 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a sua série”. Ficou definido, então, que 70% dos alunos da 4ª e 8ª séries18 do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio do conjunto de alunos das redes pública e privada deverão ter desempenhos superiores a respectivamente 200, 275 e 300 pontos na escala de Português do SAEB, e superiores a 225, 300 e 350 pontos na escala de Matemática (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2007, p.4 apud MARTINS, 2008, p. 10).

Desse modo, segundo Figueiredo (2009, p.6), uma das “lições aprendidas” pelo

Banco Mundial foi a de que um dos fatores que fundamentam o sucesso de um projeto

18 No atual regime de 09 anos, a 4ª e 8ª séries correspondem ao 5º e 9º anos, respectivamente.

76

“é o sistema de programação, monitoramento e avaliação”; condição que justifica a

implementação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

Assim, “os projetos financiados para o ensino fundamental brasileiro

contribuíram para a implementação da política de avaliação, bem como incentivaram

a concorrência entre os estados, as instituições escolares e os integrantes nelas

envolvidos” (FIGUEIREDO, 2009, p.7). Nesse sentido, a avaliação torna-se um

mecanismo capaz de promover a “qualidade”, já que possibilitaria nessa lógica, a

supervisão e o controle público dos resultados daquilo que é ensinado nas escolas.

Logo, um ponto que é prioritário no movimento “Compromisso Todos pela

Educação” é o que diz respeito às avaliações externas:

Toda reforma ou movimento em favor da educação que não chegar à sala de aula e não alterar para melhor o que ali acontece, simplesmente, não merece existir. Em razão disso nossa preocupação básica é com a melhoria do processo aprendizagem-ensino, traduzido em resultados mensuráveis, obtidos por meio de avaliação externa (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006).

O movimento enfatiza assim, que as avaliações externas serão os instrumentos

cujo fim será o de medir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, o que

segundo Horta e Neto (2013) demonstra uma visão simplista e limitada da educação,

uma vez que se destaca a medida e o resultado, e não a avaliação como processo.

No entanto, a qualidade educacional vai além de uma variável quantificável

traduzida pelos índices oriundos das avaliações em larga escala. A qualidade envolve

outros fatores, tais como, a desigualdade social, a concentração de renda, a garantia

do acesso à educação, condições de trabalho docente, gestão do processo educativo,

entre outros. Contudo, os resultados das avaliações padronizadas assumem o “status

de tradutores da qualidade”, na medida em que se atinge o índice desejado como

sinônimo de melhoria educacional (SCHNEIDER e NARDI, 2013). Por isso, vale

destacar que:

A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como é a rede(...) e sobre como deveria ou poderia ser (BONDIOLI,2004, p.14).

77

Portanto, a qualidade da educação está além da imposição de padrões e de

políticas públicas verticalizadas, nas últimas décadas, que não levam em

consideração as particularidades dos grupos avaliados.

Lauglo (1997, p.6) argumenta que no relatório “Prioridades e Estratégias da

Educação”, o Banco Mundial descreve que “as habilidades as quais as escolas devem

focalizar são aquelas concernentes à linguagem, à ciência, às matemáticas e,

adicionalmente, aquelas habilidades problemáticas na área de comunicação”. A Prova

Brasil, nesse sentido, já prioriza Língua Portuguesa e Matemática e o Inep em 2013,

já apresentou um documento com a pretensão de inserir Ciências. A introdução das

avaliações externas parte, pois, “do princípio de que uma força de trabalho educada

é essencial para possibilitar a competição econômica, elevando a produtividade e a

capacidade de adaptação às rápidas mudanças nos mercados internacionais”

(BARRETO, 2001, p.57 apud CATANI E GALLEGO, 2009, p.56).

É preciso atentar-se ao fato de que, ao financiar nosso sistema de avaliação, o

Banco Mundial tem a liberdade de estabelecer critérios para investimentos, de modo

que os grupos detentores do poder econômico acabam contribuindo na modelagem

dos currículos e dos objetivos das instituições públicas de ensino, já que é preciso

garantir na educação, objetivos que sejam observáveis.

Temos assim, de acordo com Dale (2004, p. 454), uma “cultura educacional

mundial comum” – CEMC – onde se busca o desenvolvimento de um currículo e dos

sistemas educacionais dos Estados a partir de elementos universais para educação,

estado e sociedade, em detrimento dos fatores nacionais. Há, nesse contexto a noção

de uma falsa democracia, que é a democracia do capital, da produtividade e dos

resultados. E Martins (2008, p.13), mais uma vez reforça a tese de que o “Todos pela

Educação” e suas propostas de alcance de metas, entre as quais, está a avaliação,

se materializa como um organismo a serviço de estratégias pautadas nos interesses

da hegemonia da classe burguesa, que luta para restringir as perspectivas de

educação para os trabalhadores brasileiros.

Juan Casassus (2009), portanto, faz críticas a estas avaliações padronizadas,

denominando-as de Provas Estandartizadas de Medição que trazem graves

78

consequências sociais, sobretudo, no que se refere às desigualdades existentes entre

as escolas carentes e as mais equipadas.

Os resultados das provas indicam-nos que no extremo dos “burros” e das baixas pontuações se encontram os pobres, e que os ricos se encontram no extremo dos “inteligentes” e com pontuações altas. (...) Um sistema meritocrático numa democracia formal, ou seja, uma democracia que não toma em consideração a desigualdade de condições e os contextos de pobreza, que nos diz que há uma razão de ser para os burros serem pobres: é porque são burros. Assumir isto é esquecer um ponto crucial: os efeitos negativos que a pobreza tem na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo dos alunos (CASASSUS, 2009, p. 76).

Desse modo, baseando-se na defesa e esforço de extinguir a pobreza e ajudar

para o bem da nação, na verdade, tem-se uma estratégia inovadora para se obter

“consenso para o exercício da dominação” e legitimação do modo de produção

capitalista. Para garantir o controle dos processos, visando aos resultados definidos

que devem ser medidos através dos testes padronizados, estruturam-se três

categorias, das quais Freitas (2012) destaca: A responsabilização, a meritocracia e a

privatização.

A responsabilização se dá na combinação entre testes, divulgação pública e

recompensas. Estas duas últimas originam a meritocracia. Ou seja, segundo o autor,

meritocracia e responsabilização estão diretamente relacionadas; de modo que estas

duas últimas criam o ambiente para a privatização do sistema público de educação,

de forma que o público tende a ser administrado pelo privado.

Portanto, ainda de acordo com Freitas (1992), o controle por meio dessas

avaliações padronizadas coloca o sistema educacional a serviço do mercado e

desmistifica a hipocrisia existente no “todos juntos pela educação”, pois, na concepção

dele, nunca estaremos juntos, uma vez que “os interesses hegemônicos dos

empresários limitam a educação a produzir o trabalhador que está sendo esperado na

porta das empresas” (FREITAS, 1992).

(...) não podemos esquecer que, na realidade, a avaliação é um mecanismo privilegiado para garantir a função seletiva da escola na sociedade capitalista e, como tal, está atrelada à contradição básica da sociedade. Os procedimentos de avaliação (como toda didática) respondem à organização global do trabalho pedagógico na escola,

79

organização que é produto das expectativas que a sociedade capitalista tem da escola (FREITAS, 1990, p.28).

Percebemos assim, que epistemologicamente, as avaliações padronizadas e

especificamente, a Prova Brasil, apresenta uma vertente objetivista baseada do

Positivismo, que prioriza o alcance de resultados quantificáveis, promovendo, pois, a

preocupação com técnicas avaliativas baseadas em exames e questionários

padronizados que buscam a classificação, a partir da mensuração de critérios e

escalas de valores estabelecidos. Considera-se verdadeiro e tido como adequado

aquele que pode ser matematicamente visibilizado, manipulado e comprovado.

Isso, segundo Colombo (2015), gera uma excessiva preocupação com a

transmissão de informações que devem ser repassadas de forma generalizada a

todos os estudantes, excluindo nitidamente, suas distintas realidades, inclusive,

realidades sociais. Observamos o caráter tecnoburocrático e de controle exercido por

essas avaliações, cujo avaliador insiste em assumir uma posição de neutralidade

diante daquilo que é observado nos alunos. Todavia, o conhecimento é permeado por

interesses externos, logo, não se processa na lógica da neutralidade.

O controle é, portanto, uma das vias essenciais no que se refere às avaliações

padronizadas em larga escala e às políticas educacionais. Nesse sentido, Dias

Sobrinho (2004) relaciona as políticas de cunho neoliberal ao aspecto técnico de tais

avaliações:

A avaliação fundada na epistemologia objetivista diz-se eminentemente técnica. Seu objetivo principal é prestar informações objetivas, científicas, claras, incontestáveis, úteis para orientar o mercado e os governos. Justifica-se pela ideia de que os clientes ou usuários da educação têm individualmente o direito de saber quais são as boas escolas, os bons professores, quem oferece os melhores serviços, segundo parâmetros prévios e objetivamente estabelecidos e levando em conta a relação custo-benefício. Esses parâmetros, normas e critérios, supostamente objetivos, ideais e abstratos, quase sempre se utilizam de procedimentos de quantificação de produtos, dada a necessidade de comparações e rankings, e estão voltados ao controle da qualidade dos serviços e produtos educacionais, à semelhança do que ocorre no mundo dos negócios. O controle nessa perspectiva, efetua-se conforme a crença de que a avaliação seria neutra e objetiva, dado seu suposto caráter técnico (DIAS SOBRINHO, 2004, p.712).

80

Logo, compreendemos que embora haja um movimento intelectual que vem

tentando ampliar as discussões e buscar novos caminhos em relação à avaliação

enquanto um processo dinâmico, que envolve a complexidade , o respeito à

diversidade, autonomia e afirmação da identidade, ao contrário dos aparatos que a

tornam linear, simplista e reducionista, as avaliações padronizadas, com destaque

para a Prova Brasil, ainda se apresenta num molde de pensamento que fragmenta,

reduz e simplifica o processo educativo.

Isso significa que a avaliação se desenvolve num cenário permeado por

antagonismos do sistema educativo, de modo que na sua concretização, ora

reconhece e ora nega as desigualdades existentes, a partir das intencionalidades que

a orienta.

No que se refere à Prova Brasil, é possível relacioná-la a algumas

características que se assemelham bastante às avaliações tradicionais, entre outras

já citadas, enfatizamos a criação de hierarquias, a partir dos níveis da escala de

proficiência, em que não só educandos são comparados e classificados a partir de um

padrão de referência, mas também, escolas, municípios e estados. Uma ação que era

restrita à sala de aula, toma agora proporções globais e pública.

O que para Santos (2007, p.176) ainda “compromete também, o

desenvolvimento de uma perspectiva multirreferencial para a avaliação, elemento

fundamental para um entendimento mais significativo do processo avaliativo” e,

consequentemente, do processo de ensino-aprendizagem. Contudo, Perrenoud

(1999) nos estimula, afirmando que apesar das contradições, a avaliação numa

perspectiva mais formativa tem ganhado cada vez mais espaço e pouco a pouco as

denúncias em relação aos limites impostos pela lógica da seleção têm repercutido

com maior força.

Quase todos os sistemas educativos modernos declaram avançar para uma avaliação menos seletiva, menos precoce, mais formativa, mais integrada à ação pedagógica cotidiana. Pode-se julgá-los pelo distanciamento entre essas intenções e a realidade das práticas. Pode-se igualmente salientar que tais intenções são recentes, que datam de meados dos anos 1970-80. Portanto, o período de transição está apenas começando (PERRENOUD, 1999, p.18)

81

As formas de educar e de avaliar que terminam por enclausurar a escola e os

seus agentes num circuito fechado e limitado estão, cada vez mais, sendo

encurraladas a superarem o aprisionamento ao passado que desvinculam as

situações de aprendizagem das situações que apresentam pertinência cotidianas.

E esta tem sido uma das lutas pela defesa de uma Educação que se diz

contextualizada. Uma educação a qual nos remetendo a Maturana (1997, p.40),

entende que o ser humano não é independente do seu meio, afinal, “se alguém viaja

ao Pólo Norte, tem que levar o meio consigo, leva a temperatura, leva uma série de

artefatos que constituem o seu meio. Se viajar à Lua, terá que ir em uma capsula, em

algo que conserve seu meio. Portanto, não é independente do meio”

(MATURANA,1997).

82

3 SUPERANDO OS MUROS DA EDUCAÇÃO PADRONIZADA RUMO À

PERSPECTIVA CONTEXTUALIZADA

O presente capítulo tem como objetivo central discutir os pressupostos teóricos

que orientam a defesa de uma educação que se diz contextualizada. Para tanto,

iniciamos uma breve discussão que perpassa sobre o paradigma positivista e suas

consequências nocivas para o campo educacional, adentrando assim, na necessidade

de construir outra racionalidade, a qual tem a efetivação da Educação Contextualizada

como uma das vias propulsoras de contra-hegemonia e rompimento com a escala

universalista que silenciou e invisibilizou os saberes regionais locais, ou seja, os

saberes existenciais e pertinentes.

3.1 Transição paradigmática e a necessidade de novos rumos na educação

Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos (Rubem Alves).

Considerarmo-nos humanos é não abrir mão da certeza do inacabamento, de

uma realidade que nunca está pronta ou concluída. É entender que é possível inserir

vírgulas, reticências e até pontos continuativos, mas nunca um ponto final. É um

constante fazer-se e ser no mundo, sendo com os outros, numa dinâmica contínua de

desenvolvimento que acolhe o intelectual, o moral, o afetivo, os medos, conflitos,

anseios, perspectivas pessoais e coletivas.

Nesses termos, uma educação que “desencaixote” essas dimensões humanas

é a que almejamos. Uma educação que ressignifique os sentidos da existência

humana e que acolha nas nossas escolas, as impressões diárias que alegram,

agonizam e todos os dias estão presentes no cotidiano dos sujeitos envolvidos; que

ponha um ponto final nessa cultura do silêncio, que há muito abafa as vozes dos

sujeitos que integram nossas instituições de ensino em detrimento da voz e

protagonismo de uma “cultura da prova” que se limita insistentemente em priorizar o

que está prescrito no programa e que será, pois, objeto da “avaliação” educacional.

Todavia, ainda vivenciamos, hegemonicamente, práticas educativas baseadas

nos princípios da abstração, redução, disjunção e padronização, o que se encaixa no

que Morin (2001, p.16) nomeou de ‘Paradigma da simplificação”. A partir do

pensamento da simplificação, reduz-se o complexo ao simples. O conhecimento tem,

portanto, o seu rigor bem como, sua operacionalidade, baseado em medidas e

83

cálculos, de forma que “cada vez mais, a matematização e a formulação

desintegraram os seres e os existentes, para apenas considerarem como únicas

realidades, as fórmulas e equações que governam as entidades quantificadas”

(MORIN, 2001, p.17-18).

O paradigma positivista que controla o pensamento ocidental desde o século

XVII trouxe, de acordo com Morin (2001), consequências nocivas as quais só

começaram a ser percebidas a partir do século XX. Ao considerar o homem como

maior grandeza do universo, a educação positivista contribuiu para o imenso

afastamento entre o indivíduo e a natureza que o cerca. Desde que hiperbolizou-se o

uso da razão como a forma mais eficaz de explicar as coisas, o homem passou a ver

a natureza como algo a ser descoberto, revelado e isso nos afastou dela, de modo a

não haver mais segredo, misticismos ou algo de sagrado.

Logo, com a velocidade do avanço das tecnologias da informação que têm sido

fortemente utilizadas pelos interesses capitalistas, percebemos a disseminação de

informações e imagens que tendem rapidamente a manipular e estimular no

imaginário coletivo, a ideologia neoliberal. A qual segundo Lima (2006, p.10) tem a

pretensão de controlar não só o mundo financeiro e o mercado, mas, manipula

também, maneiras de “pensar, sentir e agir das pessoas”, conduzindo-as a um

processo de dominação.

Segundo o autor, vivemos um neoliberalismo em que a globalização camufla a

sua essência que é a dominação. De maneira que “tudo foi transformado em

mercadoria que coloniza tudo, da natureza ao inconsciente” (COSTA, 2006 apud

Lima, 2006, p.11). Historicamente, nós seres humanos somos, portanto, construídos

a partir de mecanismos de poder.

Diante desses procedimentos, diversos têm sido os sinais de fragilidade e

limitação que o mundo natural também tem demonstrado. Vale destacar, que embora

os discursos divulguem uma defesa ambiental de mudanças de atitudes, isso fica

muito restrito ao campo subjetivo, ao campo das ideias; uma vez que as políticas

públicas também estão enraizadas na perspectiva de dominação.

E, enquanto essas ideias não forem desconstruídas dentro de cada ser, as

civilizações continuarão a transformar a natureza em mercadoria e objeto, ganhando

e perdendo cada vez mais, com as consequências dessa fragmentação dos

84

elementos que compõem a totalidade. Sendo assim, Moraes (1997) contribui com

nossa reflexão, ao afirmar que:

Na realidade, é o ser humano que se apresenta dividido, dissociado em suas emoções e afetos, com a mente técnica e o coração vazio, compartimentalizado em seu viver/conviver e profundamente infeliz. Em toda esta caminhada, o ser humano foi se esquecendo de sua multidimensionalidade, da importância do corpo como organizador de suas relações com o tempo, com o conhecimento, com a vida, com o cosmo. Esqueceu-se de si mesmo, do outro, da natureza e do sagrado. Como humanidade, nos sentimos perdidos no meio do caminho e não dá para retroceder e nem dar uma voltinha atrás. Mas, por outro lado, é também preciso reconhecer que não se muda um paradigma educacional da noite para o dia, apenas colocando uma nova roupagem ou camuflando velhas teorias (MORAES, 1997, p. 09).

Assim, quando os fenômenos vivenciados passam a não mais se encaixar

dentro dos modelos estabelecidos, surgem as anomalias, as “crises” as quais gerando

caminhos em busca de revoluções científicas, levam a outras propostas e descobertas

que podem ocasionar o surgimento de um novo paradigma (KUHN, 2001).

E, tendo a clareza de que um paradigma não é rompido instantaneamente, ao

analisar o processo histórico, percebemos que entre os séculos XIX e XX,

principalmente com as descobertas da Física Quântica, o modelo newtoniano-

cartesiano que até então vigorara como modelo único de ciência, passou não só a ser

questionado, mas a perder a força e influência teórica diante da compreensão dos

fenômenos naturais.

A teoria quântica proporcionou novos modos de interpretação da realidade,

entre eles o início de uma percepção ampla e total do conhecimento, numa

perspectiva multidimensional do ser humano. Assim, entendeu-se que não somente a

razão e a objetividade poderiam ser consideradas, mas, sobretudo, as emoções, as

experiências, o senso comum, os problemas sociais e individuais, sujeito e objeto

como elementos indissociáveis; enfim, a emergência de um novo paradigma trouxe

em si o princípio de que a compreensão do mundo só pode se dá numa visão integral

entre as partes que constituem a realidade, sendo, por isso, indispensável encontrar

o sentido da totalidade.

Enquanto a ciência moderna considerava o mundo físico a partir da disjunção

e isolação dos seus elementos, a ciência quântica concebe este mesmo mundo como

85

uma constituição de elementos em constante interação, interconexão e

interdependência, onde tudo está conectado. Não havendo possibilidades da

separatividade mecanicista; muito pelo contrário, todas as relações são advindas

duma totalidade, o que exige um constante diálogo entre os elementos que a

modernidade fragmentara (MORAES, 2004, p. 27-83).

Este paradigma emergente traz, portanto, uma urgente necessidade de

mudança no Sistema Educativo, entre eles, a reformulação de um saber que não é

mais possível ser considerado de modo reduzido, simplificado e desconectado um do

outro e das realidades. A partir desta concepção, considera-se, nas palavras tão

certas de Moraes (2004), um importante aspecto que deve orientar as práticas

pedagógicas:

O reconhecimento de que o sujeito aprendiz participa do seu processo de construção do conhecimento com toda a sua inteireza, com toda a sua multidimensionalidade, ou seja, com todos os seus sentimentos, emoções e afetos. Enfim, ele participa também com toda a sua história de vida impregnada em sua corporeidade, em sua memória, e sem separar o mental do físico, o fato da fantasia, a razão da emoção, o passado do presente e do futuro (MORAES, 2004, p. 41).

Temos a partir dessa compreensão, um sujeito que não apenas acumula e

reproduz o conhecimento, mas que constrói, participa e se relaciona com o saber em

toda a sua complexidade, fazendo o uso não apenas da razão, mas de todos os outros

aspectos que constituem a condição humana, tais como, emoção, criatividade, dúvida,

interação, medos, entre outros. Nesse paradigma, tem-se a essência do pensamento

complexo, o qual tem como princípio a articulação entre as diversificadas formas do

pensar e a integração dos movimentos que tecem a realidade da vida (MORAES,

2004, p. 45).

A Física Quântica contribui ainda com a educação, ao nos trazer a importância

do contexto, concebendo a existência duma intensa conexão entre o homem e o seu

meio. Havendo assim, uma interdependência entre ambos, onde os elementos

presentes no meio fluem para o pensamento através dos sentidos, bem como, o

pensamento colabora na moldagem desse meio, tanto natural, quanto social, cultural,

temporal, político.

Tendo em vista esta transição paradigmática, fica claro inclusive, que a função

da escola tende a se modificar. O foco já não mais deve estar na reprodução de um

86

conteúdo sem pertinência, mas exatamente na sua construção, no que e como o outro

aprende; na ideia do conhecimento como algo efêmero e não mais absoluto e

inquestionável.

Logo, diante das necessidades que agonizam os distintos campos sociais, a

educação passa a ter outro importante papel na vida dos cidadãos, devendo

possibilitar, desde a mais tenra idade, meios pelos quais os sujeitos possam buscar e

ter acesso a uma visão ampla política e crítica dos discursos e fatos postos no meio

em que constroem a existência.

Nessa perspectiva de totalidade está, pois, inserida não a universalização do

saber, mas também, o diálogo e interconexão com a leitura dos contextos em que se

dá o processo educativo. Porém, tendo em vista as limitações do paradigma científico

moderno, é preciso ampliar o olhar para a epistemologia da complexidade, como um

novo rumo para a construção do conhecimento e superação dos “equívocos”

produzidos pela ciência moderna.

Como alerta Morin (2000, p. 21): “A educação deve se dedicar, por conseguinte,

à identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras.” Essas mudanças são

relevantes para ultrapassar a noção utilitarista e mecanicista do mundo e do homem

e reconfigurar os modos de pensar e produzir conhecimento.

Na perspectiva de Morin (2007), a percepção simplificadora do mundo nos

desarma diante da complexidade das novas demandas planetárias e seus problemas.

Nesse sentido, é preciso que nos rearmemos intelectualmente, a partir de uma

reforma do pensamento. Essa reforma consiste na substituição de um pensamento,

historicamente desmembrado, por um pensamento que está ligado, buscando,

constantemente, a inseparabilidade entre os fenômenos e seu contexto e deste último

com o contexto geral, planetário.

O pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo: ou ainda unifica abstratamente ao anular a diversidade, ou, pelo contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade. Assim, chega à inteligência cega. A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetos daquilo que os envolve. Não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. As realidades chaves são desintegradas. Passam pelas fendas que separam as disciplinas. As disciplinas das ciências humanas já não têm mais noção de homem” (MORIN, 2001, p.16).

87

É preciso compreender e reorganizar as ideias a partir do complexo,

ressuscitando assim, a relação intrínseca entre a natureza, o ser humano, o cosmo e

a própria realidade. Os processos educativos devem, pois, priorizar o preparo para

Civilização da religação. Nas palavras de Moraes (2004):

A civilização da religação é aquela que compreende a educação como realidade em movimento e a escola como o lugar onde se valoriza a inclusão e não a exclusão, onde os diferentes talentos e inteligências são reconhecidos; o lugar onde se respeita a vida, o desenvolvimento individual e coletivo, bem como os direitos de todos (MORAES, 2004, p. 32).

Logo, há uma urgência em se religar a cultura das humanidades à cultura

científica. Esta última, por muito tempo, apresentou-se inacessível ao cidadão comum

e a qualquer outro especialista de uma área distinta de determinado saber. Fechou-

se em si mesma focando apenas num único fragmento que compõe o real, tornando-

se assim, incapaz de reconhecer a humanidade, a vida concreta, os problemas

humanos, a infelicidade, mesmo diante de todo o trajeto da ciência. Enquanto a cultura

das humanidades baseadas na literatura, arte, poesia e filosofia possibilita a reflexão

sobre o saber, integrando-o à vida e ampliando o conhecimento sobre si mesmo. Daí

a necessidade de aproximá-las, de religá-las (MORIN, 2007).

Considerando que o homem é o sujeito do processo educativo e não seu objeto,

pensar ações educativas exige refletir não apenas sobre o homem, mas também,

sobre suas condições biológicas, emocionais, culturais, espaciais e temporais. E, para

que realmente assuma o lugar de sujeito, faz-se indispensável inseri-lo nas suas

condições de tempo-espaço e, pois “quanto mais ele refletir sobre sua

situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais emergirá dele

conscientemente carregado de compromisso com a sua realidade” e por entender-se

sujeito e não mero expectador, passará a intervir cada vez mais (FREIRE, 1995, p.

35).

Não estamos aqui defendendo a superação da Educação Tradicional porque

simplesmente tem sido considerada do “passado”, ultrapassada. Não é repelir o

“antigo” por simples questão de cronologia e muito menos aceitar “novas” perspectiva

por simplesmente serem “novas”. Aqui, em nada se encaixa a ideia de modismo. Mas

sim, por entender que o momento histórico é outro e que sendo novo, exige um ideal

88

pedagógico que atenda aos novos anseios, cujos ideais positivistas já não são

suficientes e nem correspondentes aos problemas atuais, os quais se apresentam

numa perspectiva multidisciplinar, multidimensional e global.

A escola deve, nesse sentido, ser o local onde se produz conhecimentos, onde

se aprende a conviver com a pluralidade cultural. Deve ser o espaço não de ensinar,

mas de inserir os sujeitos numa dinâmica contínua de “aprender a aprender”. O tempo

atual exige de nós a pensar, sobretudo, em como se aprende, o quê se aprende e

para quê se aprende.

Por isso, a educação precisa desenvolver-se num processo dialético com o

contexto do meio ao qual se destina. A epistemologia da complexidade apresenta,

então, a necessidade de relacionar a educação à cultura, meio ambiente e sociedade,

integrada às dimensões políticas no processo de argumentação convergente às

questões humanas, locais e globais.

E é dessa necessidade que a proposta de Educação Contextualizada ganha

vida e causa para luta, uma vez que os princípios da divisão, fragmentação, redução

e simplificação tem como consequência uma ação pedagógica descontextualizada.

3.2 A Educação na perspectiva da Contextualização

A diversidade foi tomada como o grande empecilho, o grande entulho, contra o qual a própria escola e toda a ideia de escolarização se colocavam contra. (...). A escola foi, inicialmente, esta empresa de homogeneização (MARTINS, 2010, p.138).

A lógica do Sistema Capitalista é desenvolver-se produzindo as desigualdades.

As sociedades que se dizem “avançadas” precisam colonizar mentes que passem a

se sentirem “atrasadas” e, portanto, subalternas, com o dever da obediência.

Dornelas (s.d, p.1), em seu artigo “Modernização agrícola no Brasil e

Colonialidades, utiliza-se dos estudos de Walter Mignolo (2007) para nos esclarecer

o fato de que ao final do século XV e início do século XVI, dá-se início à invenção de

um novo continente: A América Latina. Mas, o que se convencionou a ser chamado

de América Latina pelos europeus, já era um território de existência habitado por

89

povos de outras culturas, anterior ao século XV. No entanto, o encontro entre essas

culturas deu-se a partir de relações verticais e desiguais, uma relação de

colonialidade, indispensável para o projeto moderno.

Não precisamos de grandes esforços, para lembrarmos que no Brasil, algo

muito semelhante ocorreu por aqui. Portanto, a colonialidade é parte vital da

modernidade: “A modernidade é o nome do processo que a Europa começou a

caminho da hegemonia e seu lado obscuro é a colonialidade; o capitalismo, tal como

o conhecemos, está na essência da noção de modernidade e de colonialidade”

(DORNELAS, s.d, p.3).

A colonialidade, face oculta da modernidade, moldou valores e saberes os

quais foram naturalizados como absolutos e normativos. Logo, de acordo com Gallo

(2000) e Ribeiro (2014), a racionalidade moderna é marcada pelo paradigma arbóreo.

O Paradigma arbóreo consiste na hierarquização dos saberes. A frondosa árvore

representa os saberes e suas especializações ou subespecializações fragmentadas

(galhos) e hierarquizadas, advindas de um mesmo tronco.

Os galhos (saberes) não conseguem comunicar-se entre si, se não passarem

pelo tronco. Para Gallo (2000, p.30), com este paradigma tem-se uma forma de

classificar e regular o conhecimento de modo que seja possível determinar a estrutura

de novos conhecimentos a serem criados. O que na concepção de Ribeiro (2014,

p.70), invisibilizou realidades que não cabiam na lógica hegemônica, fortalecendo a

distinção e dominação, a partir da razão moderna dualista, tal como: colonizador-

colonizado; norte-sul; cultura-natureza; homem-mulher; rico-pobre; ocidente-oriente.

A razão moderna impede, pois, a compreensão dessas diferenças como uma

totalidade relacionada entre si, e que não poderia ser simplificamente definida tendo

em vista um pólo dominante. Portanto, a lógica moderna concretiza-se no desprezo

pelas diversas formas de viver, de saber e de ser, de modo que tudo isso é vivenciado

durante o processo de uma educação colonizadora e descontextualizada, que além

de ser domesticadora, produz dicotomias de dominação, dividindo a humanidade em

primitivos-civilizados; desenvolvidos-subdesenvolvidos; inferior-superior; entre outros

binômios.

Sendo assim, Silva (2011, p.4) afirma que a “ (neo) colonização cultural

esteriliza a diversidade do pensamento crítico e local e semeia o pensamento único,

90

universal, do dominador (grifo nosso). Os discursos legitimadores de escolhas

políticas, econômicas e ideológicas tornaram como padrão inconteste e universal,

uma experiência particular de modernidade.

Predomina assim, uma educação colonial cuja concepção, currículo e saberes

disseminados, baseiam-se na versão autorizada do mais forte. Os interesses

hegemônicos transformam-se em conhecimentos únicos e verdadeiros. E é

exatamente com a finalidade de se estabelecer uma contra hegemonia em relação às

leis universais, que desconsideram os saberes locais, homogeneízam as realidades,

instituem um único modelo de ser e estar no mundo, que se discute cada vez mais, a

necessidade de efetivação da Educação Contextualizada, como uma das vias

propulsoras em busca do rompimento com a lógica da reprodução de saberes

alicerçados em outras culturas e a negação de conhecimentos a partir de um contexto

opressor que nega, intencionalmente, determinados conhecimentos, a partir das

relações de desumanização e opressão estabelecidas.

O processo de contextualização dá concretude ao que Boaventura Santos

(2004, p.246) nomeou de Sociologia das ausências, a qual consiste em mostrar que

o que não existe foi produzido socialmente para ser considerado como tal. O objetivo

dessa sociologia é transformar o que é tido como impossível em possível e com base

nisso, transformar as ausências em presenças.

Fomenta-se, pois, a necessidade de se conceber as coisas não a partir da

hierarquia de um pólo sobre a negação do outro, mas sim, das possibilidades. Então,

ao invés de limitarmos nossa visão à noção de que o Nordeste é o lugar da seca e o

Sudeste é o lugar da fartura, por exemplo, precisamos redimensionar nossos olhares,

questionando: O que é que tem no Nordeste, independente de sua relação com o

Sudeste? Tornando visível o que a hierarquia construída sempre ocultou. Como nos

diz Boaventura Santos (2004):

Há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível. O que une as lógicas de produção da não-existência é serem todas elas manifestações da mesma monocultura racional (SANTOS, 2004, p. 246, grifo nosso).

91

As lógicas que produzem essas inexistências, de acordo com Santos (2004),

são cinco, as quais compõem juntas, a monocultura racional. Para situar o leitor,

sintetizaremos brevemente, cada uma delas.

Monocultura do saber e rigor do saber: Baseia-se exclusivamente na ciência

moderna e nos seus critérios científicos de verdade que tornam inexistente

qualquer outro conhecimento que o cânone não legitime. Tudo que foge a

esta lógica é tida como incultura, ignorância.

Monocultura do tempo linear: Sustenta-se na ideia de que a história segue

um sentido e direção linear, de modo que os países centrais do sistema

mundial então à frente do tempo. Tudo que foge a esta lógica temporal é

considerado atrasado. Daí a existência do primitivo e civilizado, do

desenvolvido e subdesenvolvido

Lógica da classificação social: Essa lógica naturaliza as diferenças,

distribuindo populações por categorias hierárquicas. A exemplo disso pode-

se citar a classificação racial e sexual. Nessa perspectiva, a dominação é

uma relação de consequência e como tal, direito dos grupos considerados

superiores, já que os demais são naturalmente inferiores.

Lógica da escala dominante: Consiste em duas formas essenciais:

Universal e Global. O universalismo vigora sobre os contextos específicos.

A globalização privilegia as realidades no âmbito global. A produção da não-

não-existência, nessa lógica, é produzida sob a forma de realidades

particulares e locais, as quais não são credíveis diante dos modos universal

e global.

Lógica produtivista: Consiste nos critérios de produtividade capitalista. O

crescimento econômico é inquestionável e os critérios de produtividade

também. E isso aplica-se tanto à natureza quanto ao trabalho humano que

maximiza a geração de lucros. A não-existência é produzida, nessa lógica,

a partir do improdutivo, o qual referente à natureza é esterilidade e referente

ao trabalho humano é desqualificação ou preguiça.

Essas formas sociais de inexistências subtraem a realidade e a compreensão

do mundo em sua diversidade. Nesse sentido, os sujeitos que estão na posição

“subalterna”, sem direito de vez e voz, são levados a partir de uma educação

92

descontextualizada, a pensarem e desejarem a ser como “eles”, os sujeitos-modelo

universal dominante; ou quando não, a escola cumpre o papel de formar sujeitos

conformados com a condição em que se encontram e que tendem a aceitar as

desigualdades como naturais.

Sem história nem contexto, sem sonhos nem emoção, nossa educação forma receptores de valores, conceitos, teorias e modelos criados longe de nossa realidade e sem compromisso com nosso futuro. Somos formados como “inocentes úteis” que assumem todas as formas de desigualdades como “naturais”, para o que a escola nos prepara para sermos receptores de ideias, conceitos, teorias, paradigmas e modelos, cuja adoção exige apenas imitar, nunca criar nem criticar, porque para ser como Eles devemos apenas pensar como Eles (SILVA, 2011, p.5).

É exatamente nesse contexto que reafirmamos a necessidade da sociologia

das ausências, da qual fala Boaventura Santos, como meio de identificar e libertar as

vivências produzidas, porém, negadas e consideradas inexistentes. E é a busca pela

superação dessas lógicas de produção da não-existência que também se alicerça a

proposta de uma educação que se diz contextualizada. Uma proposta construída fora

dos centros hegemônicos e que contempla outras narrativas de mundo e outros

discursos por muito tempo considerados não-existentes.

Assim, conforme afirma Santos (2004, p.249): “Tornar-se presentes significa

serem consideradas alternativas às experiências hegemônicas, a sua credibilidade

poder ser discutida e argumentada” de forma que suas relações junto às experiências

hegemônicas possam também ser objeto de disputa política. Portanto, como diz

Martins (2006, p.50) “A contextualização é, antes, um problema de descolonização”.

Utilizando dos argumentos de Ribeiro (2014, p. 72) “Falamos aqui de justiça cognitiva,

na qual se sustenta a razão decolonial”.

A contextualização é, assim, uma questão de contra-hegemonia, de

rompimento com a escala universal dominante que deu o “atestado de óbito” às

escalas regionais locais, negando estas existências pertinentes e reais, secularmente.

Trata-se de compreender que o local é global e vice-versa, imperando a necessidade

de interagir com esses mundos e tornar audíveis vivências e populações que foram

emudecidas.

93

Apoiando nossa discussão nos estudos de Martins (2006), podemos afirmar

que contextualizar, portanto:

É esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre tecer o movimento de uma rede que concentre o esforço em soerguer as questões “locais” e outras tantas questões silenciadas na narrativa oficial, ao status de “questões pertinentes” não por serem elas “locais” ou “marginais”, mas por serem “pertinentes” e por representarem a devolução da “voz” aos que a tiveram usurpada, roubada, negada historicamente (MARTINS,2006, p.53).

Compreender que a educação se dá num contexto amplo é, sobretudo,

entender que há um contexto específico que o integra e que, portanto, precisa ser

ligado e relacionado ao global, visualizado, discutido, problematizado e integrado às

narrativas e políticas educacionais. Maturana (1997, p.21) nos diz que “conhecer é

viver, e viver é conhecer. [...]. No momento em que o ser vivo perde a congruência

com sua circunstância, no momento em que perde seu conhecimento, ele morre. ”

Essa distância entre conhecer e viver foi e ainda é a responsável por grande

número de “mortes” (e não vemos exagero em usar este termo) causadas por nossas

instituições de ensino, as quais ao perpetuarem uma cultura escolar alicerçada nas

narrativas hegemônica, padronizada, europeia, capitalista, branca, urbana,

racionalista e tantos outros modelos colonizadores e estranhos aos sujeitos

aprendizes, os matam de fome interior, todos os dias, uma vez que sob a justificativa

de “ser para o próprio bem e para o bem da sociedade”, são obrigados a frequentarem

escolas e a se “alimentarem” de elementos que não saciam a sua fome; muito pelo

contrário, os mantêm enfadados e enjoados por precisarem ingerir algo cada vez mais

distante dos sabores que suprem suas necessidades e os quais experimentam fora

da escola, cotidianamente.

Por não ser atrativo o conhecimento oferecido na escola, o que não faltam são

razões para se ter aversão e recusa a ela. Nesse sentido, Perrenoud (1999, p.14)

afirma que “a instrução é, para uma fração de alunos, uma forma de violência”,

violência que segundo ele não se restringe aos castigos físicos e punições

humilhantes para quem não consegue obter êxito em relação ao que é ofertado na

escola, mas vai além, se traduzindo como obrigatoriedade escolar, na qual um

significativo número de educandos precisa passar horas e horas, anos e anos,

concentrados num espaço, acumulando saberes que são abandonados exatamente

no momento em que põe os pés fora dos muros da escola.

94

Compreendemos, pois, que o conhecimento construído a partir da intimidade

com as particularidades locais, culturais, histórica e políticas, apresenta pertinência e

enchem de sentido as práticas vivenciadas nas escolas; uma vez que atende à

necessidade de se conectar o ensino com a vida do educando, como já defendia

MORIN (2000, p.61). Se conhecer é viver, é preciso um contato íntimo, uma

observação detalhada e atenta daquilo que é vivido.

É na convivência que se revela a interconexão entre os saberes culturalmente

produzidos nos contextos de vivência, aos saberes científicos, os quais ao serem

confrontados e problematizados, permitem ao sujeito olhar para seu contexto com um

olhar menos ingênuo e com uma percepção mais consciente e crítica. Logo, se a

natureza do sujeito é respeitada, o trabalho com os conteúdos ensinados jamais pode

ocorrer alheio à formação moral do aprendiz.

Paulo Freire (1996, p.17) já reafirmava a necessidade de se estabelecer “uma

intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência

social que eles têm como indivíduos”. O que traduz a proposta de contextualização

do ensino. Sendo assim, por exemplo:

Por que não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Porque não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? (...). Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? (FREIRE, 1996, p.17).

Compreendemos, nesse sentido, a educação como prática da liberdade, a qual

constitui-se como um ato de conhecimento, que proporciona a aproximação crítica da

realidade. Discutir a contextualização, sobretudo, a partir das contribuições freireanas

é compreender que o homem é um ser concreto e assim sendo não está no vazio.

Cada sujeito está situado em um espaço-tempo, vivendo num lugar preciso, numa

época precisa, “num contexto social e cultural preciso”. Portanto, para que a educação

seja válida, é preciso que ela considere a vocação ontológica do homem, o qual tendo

a vocação de sujeito, a educação deve considerar “as condições em que ele vive: em

tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto” (FREIRE,1980, p.19).

95

A Educação Contextualizada nessa perspectiva é uma educação para a

libertação do oprimido, o qual quanto mais conseguir refletir e ampliar sua percepção

sobre a realidade a qual está submetido, mais consciente e comprometido estará com

a intervenção social e a possibilidade de mudá-la.

Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças a qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promovê-lo em sua própria linha (FREIRE,1980, p.19).

Nesse sentido, a realidade proposta a partir da contextualização se aproxima

do paradigma rizomático. Esse paradigma segundo Gallo (2000, p.30), rompe com a

hierarquização, tanto no que se refere ao poder e à importância, quanto na prioridade

de circulação.

A metáfora do rizoma, segundo Ribeiro (2014), subverte a metáfora arbórea

“tomando como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais,

formado por uma miríade de pequenas raízes emaranhadas em meio a pequenos

bulbos armazenatícios”, de forma que há uma relação intrínseca entre os diversos

saberes, os quais são representados pelas variadas linhas fibrosas de um rizoma, que

os mantêm entrelaçados, construindo um complexo conjunto no qual cada saber é

próprio, mas todos interagem e se comunicam.

Assim, a partir dos seis princípios19 que regem esse paradigma rizomático, o

conhecimento pode ser abordado e transitado por diferentes possibilidades. Entre

elas, a partir da transversalidade, a qual “atravessa diferentes campos de

conhecimento, sem identificar-se necessariamente com apenas um deles” (GALLO,

19 Princípio de conexão, em que um ponto do rizoma pode estar ligado a qualquer outro; princípio

da heterogeneidade, de modo que a partir das conexões, tem-se uma heterogeneidade e não homogeneização; princípio de multiplicidade, uma vez que o rizoma é múltiplo e não pode ser reduzido à unidade; princípio de ruptura-significante, já que é sempre um rascunho, um constante devir, a ser traçada sempre, embora esteja organizado está sujeito às linhas de fuga; princípio de cartografia, uma vez que o rizoma apresenta múltiplas entradas e pode ser acessado de pontos variados; princípio da decalcomania, no qual colocando o mapa sobre a cópia, ou seja, o rizoma sobre a árvore, possibilita novas multiplicidades, novos territórios (GALLO, 2000).

96

2000, p.33). A transversalidade leva ao abandono não somente dos verticalismos,

mas também, dos horizontalismos, dando lugar a um fluxo que se movimenta em

qualquer direção. As implicações desse paradigma na educação significam o fim da

compartimentalização e hierarquização dos saberes.

É preciso “derrubar” as grades da escola e levá-la até as ruas, praças,

comunidade, enfim, apresentá-la à vida e aos sujeitos que a compõem direta e

indiretamente. Quanto maior for seu distanciamento dos problemas sociais, menores

serão as possibilidades de mudança das políticas dominantes que a rege e,

consequentemente, mais distantes estarão os processos que visam à transformação

social.

Reis (2009) nos diz que a educação deve pautar-se na extrapolação dos

saberes que têm como base o mundo vivido pelos sujeitos.

É preciso que avancemos nessa perspectiva - de tocar naquilo que é essencial – e, assim, realizarmos, de fato, uma educação contextualizada comprometida com o processo de emancipação humana (REIS, 2010, p.119).

Na perspectiva freireana, isso significa que, se a escola desenvolve um trabalho

tendo em vista as relações que o homem estabelece com o seu mundo, oportuniza o

sujeito a desnaturalizá-lo, de modo que ele vai criando, recriando, decidindo e

dinamizando, tornando-se, também, autor do mundo, e não apenas receptor.

3.3 Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (...). Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os

97

calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável (CUNHA, 1984, p.51, grifo nosso).

Desgracioso, desengonçado, torto, feio, fraco, abatido, deprimente e ridículo

são apenas alguns adjetivos encontrados num único parágrafo retirado da Obra “Os

Sertões” de Euclides da Cunha, entre tantos outros que foram e ainda são utilizados

para se referirem e descrever o Sertão e os grupos humanos que aqui habitam e

constroem a sua existência.

Associado a isto, podemos ainda relembrar, a imagem da seca, da fome, do

chão rachado, do gado morto, da casa de barro e de tantos outros estigmas e

“envergonhamentos” que foram e ainda são disseminados através das artes, da

literatura, música, cinema, pintura, bem como, dos meios de comunicação de massa,

currículos e materiais didáticos, os quais repercutem a imagem de um Semiárido

estéril, sem bonitezas, sem avanços, sem contradições e que parou no tempo, não

indo além desse cenário “problema”, construído e propagado nos distintos cantos do

país.

Historicamente, o Semiárido Brasileiro foi e ainda continua permeado por uma

escola alheia a sua diversidade contextual, que potencializa o discurso da adversidade

e produz a não-existência das potencialidades locais. Segundo Reis (2010, p.112), “a

imprensa nacional e os que escreveram sobre esta região, tendo como parâmetro

apenas uma época do ano, ou apenas um ângulo da região, não perceberam a sua

complexidade”. E essa imagem negativa foi absorvida por nós, os quais também,

passamos a proliferá-la, a partir do que disseram que nós somos.

Ainda que as adversidades sejam constantemente emergidas, os processos

educativos aqui vivenciados não partem do ato de levar os sujeitos a observarem,

tomarem consciência e posse dessa realidade “problema”, compreendendo e

denunciando a estrutura desumanizante e buscando o anúncio de possibilidades de

uma estrutura humanizante. Afinal, como disse Freire (1984, p.89): “Seria uma atitude

muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de

educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de

forma crítica”.

98

O que ainda predomina é uma educação descontextualizada que impõe

padrões e modelos globais ancorados em outras culturas hegemônicas, alicerçadas

na ciência moderna, de forma que como nos diz Silva (2010, p.20), “Nós vamos à

escola aprender sobre nossa inferioridade e a superioridade do Outro”, incorporamos

a lógica que divide os países e suas regiões em inferior-superior.

É válido, pois, ressaltar, que uma das maiores contribuições da sociologia das

ausências é exatamente esta, a percepção de que as monoculturas racionais

estabelecem princípios de seletividade que vão originar a inclusão ou exclusão de

experiências sociais. No nosso caso, os discursos incluídos e que nos são impostos

são aqueles elaborados nas perspectivas dos grandes centros urbanos, “reforçado

pela concentração da indústria editorial e dos chamados centros de excelência, no

sudeste do país, sabidamente no Rio de Janeiro e em São Paulo” (MARTINS, 2006,

p.46).

Conseguimos estabelecer uma relação entre Contextualização, Sociologia das

ausências, bem como, com a sociologia das emergências, discutida por Boaventura

Santos (2004). A Sociologia das emergências atua tanto sobre as potencialidades –

possibilidades, quanto sobre as capacidades.

Ela “substitui a ideia de determinação pela ideia axiológica do cuidado. (...). É

exercida em relação às alternativas possíveis” (SANTOS, 2004, p.257). Seu horizonte

está, pois, nas possibilidades e sua tarefa cognitiva é a de investigar, ampliando as

alternativas concretas de futuro nos sujeitos, nas práticas e saberes que se

encontravam ocultos devido à racionalidade conservadora.

As expectativas legitimadas pela sociologia das emergências são contextuais porque medidas por possibilidades e capacidades concretas e radicais, e porque, no âmbito dessas possibilidades e capacidades, reivindicam uma realização forte que as defenda da frustração. São essas expectativas que apontam para os novos caminhos da emancipação social, ou melhor, das emancipações sociais (SANTOS, 2004, p.258).

A partir da sociologia das emergências, vislumbramos as possibilidades como

um modo de superar os determinismos e fatalismos que nos foram colocados como

mecanismos de poder, nos mantendo no conformismo diante das forças que nos

oprimem. Assim, as adversidades e os obstáculos vistos como impossibilidade de

buscar melhores condições de vida dos sujeitos que habitam este Semiárido (lócus

99

desta pesquisa) dão lugar ao exercício da liberdade como uma possibilidade de ser

alcançada a partir de ações nas realidades que permeiam o contexto concreto. Nesse

sentido, ratificamos o que disse Sartre (apud Chauí, 2012, p.289): “O que importa não

é saber o que fizeram de nós e sim o que fazemos com o que quiseram fazer conosco.”

E é na decisão de romper com a continuidade do que fizeram conosco, de

sairmos da inexistência, da marginalização, da unilateralidade, desmistificando que os

baixos índices educacionais, sociais e humanos não são fatalidades causadas pela

seca e fator climático, mas sim pela ausência de políticas públicas que não nos

favorecem, e da necessidade de buscar um outro Semiárido possível, o qual vive

contradições, transformações e riquezas que ainda não são representadas nos

discursos oficiais, da mídia e dos materiais didáticos, que emerge a necessidade de

Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido. Afinal, estas

problemáticas não têm sido discutidas nas nossas salas de aulas, nem em boa parte

de outros âmbitos sociais.

De acordo com Reis (2010, p.113), quando a questão é política de

desenvolvimento e educação, tivemos sempre propostas generalizantes, universais,

que desconsideraram as especificidades e diferenças dessa região e priorizaram o

desenvolvimento dos eixos sul e sudeste do Brasil; acentuando assim, as imensas

desigualdades explícitas, existentes entre as regiões do país.

Precisamos, pois, de uma proposta de educação que se vincule aos problemas

e aos modos de vida tecidos neste contexto, pensando um currículo escolar articulado

com as questões histórico-sociais, políticas e culturais, que promova uma ruptura da

negação da diversidade e dos conhecimentos elaborados e vivenciados aqui, onde o

educando possa se tornar sujeito autor de suas narrativas e não um mero porta-voz

das narrativas alheias. Uma educação que ajude os sujeitos, seja ele criança, jovem

ou adulto, a pensarem sobre o mundo e o local em que vivem de forma não ingênua,

refletindo, inclusive, sobre seus próprios preconceitos, originários de uma educação

normativa, padronizada.

100

Embora a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB20) já seja um

exemplo concreto e consistente, que vem ampliando e ajudando a solidificar este

paradigma na nossa região, o que ainda prevalece na maior parte das instituições é a

descontextualização. Portanto, a luta pela contextualização é a luta pelo rompimento

com uma educação colonizadora, é uma luta pelo poder de representação de nós

mesmos, tendo em vista o fato de que a educação no Semiárido nunca esteve

comprometida com a possibilidade de melhoria desse contexto e da vida das pessoas

que aqui habitam.

Assim, “nossa crença é a de que a escola possa lidar com outros saberes,

especialmente que ela possa dar sua contribuição para a melhoria das condições de

vida do sertanejo” (MARTINS, 2007, p.119). As discussões referentes ao acesso a

água, aos latifúndios, ao financiamento de pequenas empresas, de pequenos

agricultores e produtores, não podem ser excluídas da escola, uma vez que esta

também, precisa buscar problematizar questões concretas de superação da pobreza

e, portanto, de emancipação humana (REIS, 2010, p.119).

Isso significa que a contextualização é um processo complexo e assim deve

ser compreendida, para que não haja uma simples troca de termos e inserção de

temas locais na escola, camufladas por práticas que continuam reducionistas e

excludentes. Não é dizer que Dona Maria comprou uma dúzia de umbus ao invés de

dizer que ela comprou uma dúzia de maçãs; nem trocar o pé de algaroba pelo

mandacaru; ou inserir o vaqueiro e o índio no dia do Folclore, muito menos, limitar as

discussões referentes às relações étnico-raciais no dia 20 de novembro. Isso seria

apenas tomar um elemento local para trabalhá-lo, superficialmente, de modo festivo,

proporcionando apenas uma apreciação, sem o despertar de um sentimento de

pertencimento.

De acordo com Lima (2010, p.164) insere-se a cultura popular, no ambiente

escolar, mas “de forma momentânea, como algo exótico que precisa ser apreciado e

conhecido pelos alunos, sem a menor preocupação em construir uma reflexão ampla

sobre o papel e o significado daquela cultura para a vida e a história das pessoas”.

20A RESAB tem o “intuito de elaborar propostas de políticas públicas no campo educacional e desenvolver ações que possam contribuir com a melhoria da qualidade do ensino e do sistema educacional do semiárido brasileiro”. Para maior contato referente às contribuições da RESAB, ver Martins (2006).

101

Porém, como afirma Lins (2010, p.105) “não se trata do elemento em si, mas como

ele se contextualiza e produz história e cultura num determinado território”.

A complexidade da Educação Contextualizada para a Convivência com o SAB

tem a dimensão climática como tônica principal, todavia, dá-se também, na

interconexão dos aspectos culturais, ambientais, políticos, econômicos,

antropossociais. O que está em jogo é o sentido que tais elementos têm no âmbito

local. Assim, não basta trabalhar as finalidades e as características da água, por

exemplo, é preciso ampliar, desvendar o que está oculto:

(...) as limitações de chuva não é porque Deus não quer (...) é preciso saber por que é que chove irregularmente aqui, porque chove pouco, mas não tão pouco assim, porque a irregularidade de chuva aqui, o que acontece pra que aqui seja uma região diferenciada das outras regiões úmidas (OLIVEIRA, 2002 apud LINS, 2010, p.108).

Adentrando, pois, no ciclo e distribuição da água, no mapa e nas chuvas no

Semiárido, bem como, em outras regiões, medir quantidade de chuvas, resolver

situações problemas, discutir sobre as enchentes que sempre desabrigam muitas

famílias e os prejuízos causados com isso, situações das quais muitas se encontram

no Livro Conhecendo o Semiárido 2 21. Desse modo, chega-se a uma nova vertente

de que no Semiárido, o problema não é apenas a falta de água, como a grande mídia

e materiais impressos costumam veicular, mas também, a presença dela e junto com

ela, a falta de infraestrutura adequada, tanto em tempos de seca quanto em tempos

de chuva, e o cidadão precisa ter clareza disso, para inclusive, cobrar medidas

interventivas do poder público.

Relacionar as práticas e conteúdos vivenciados às questões inerentes ao

Semiárido, não tem dia para iniciar e findar. É uma proposta política de vida, de

educação, de disputa pelo poder e de contra-hegemonia, e que por sê-lo, deve

permear a educação, cotidianamente. Porém, essa falta de compreensão oferece um

risco:

No momento em que se parte para o ensino público, cai-se no risco de a temática do semiárido virar um conteúdo específico, uma espécie de tema transversal, algo a que se reserva um dia da semana para falar daquilo, e ainda permanece como ‘alternativa’, um apêndice, que às

21 Materiais Didáticos produzidos a partir de experiências coletivas da RESAB. Incluindo também, o Livro Conhecendo o Semiárido 1. Ambos trazem uma perspectiva contextualizada com o Semiárido Brasileiro.

102

vezes vira uma apendicite, e o resto permanece do mesmo jeito (MARTINS, 2007, p.117).

A contextualização para a Convivência com o Semiárido, portanto, não pode

em qualquer circunstância, ser produtora de novas excludências, como Reis (2005)

nos ajuda a refletir e ratificar. Logo, não se trata de fragmentar a discussão em torno

de uma temática, ou separar a aula em dois momentos, um momento para se discutir

as realidades inerentes ao Semiárido, no qual logo após, fecha-se a “gaveta” e passa-

se para o segundo momento, em que serão discutidos os conteúdos de ensino

presentes na matriz curricular hegemônica.

Não se trata de um processo educativo extra, se trata de um processo educativo

essência, que tem como “ponto de partida e chegada” o contexto, todavia, não se

limita e não se aprisiona a ele. É válido repetir: trata-se de problematizar o objeto de

estudo, a partir do conteúdo. Então, o umbu não é só um substantivo masculino,

concreto, classificado como dissílaba que pode dar origem a um substantivo derivado

como, por exemplo, umbuzada; mas é também, um fruto local advindo do umbuzeiro

que está em vias de extinção, que é nativo do bioma caatinga (bioma rico em

diversidade e não homogêneo como costumam dizer), serve como fonte de renda e

alimentação, é típico do Semiárido e vem sofrendo um processo de degradação

ambiental intenso (...).

Essa seria uma discussão improvável de acontecer em outros contextos, até

mesmo porque muitos consideram a Caatinga como uma vegetação sem vida, ou

quando não, limita o debate sobre a degradação ambiental, relacionando-o a biomas

como a Mata Atlântica, que precisa, pois, ser protegido. O mesmo discurso de

proteção não é direcionado à Caatinga.

Logo, da palavra geradora umbu, vão sendo geradas tantas outras

possibilidades de discussões que não estão restritas ao local, mas também, dialogam

com os saberes universais, numa relação que envolve a interdisciplinaridade e

complexidade, numa perspectiva multirreferencial, em que um saber vai se

entrelaçando ao outro sem hierarquias, mas sim, como base para se fazer

compreender a amplitude em torno do objeto estudado.

103

A contextualização para a convivência, portanto, não se preza a “reduzir a ação

pedagógica ao localismo. Isso seria não só um erro, mas um crime! ” (MARTINS, 2007,

p.119).

A contextualização é um processo facilitador da compreensão do sentido das coisas, dos fenômenos e da vida, enfatizando informações que o estudante tem e, encorajando a busca de novas informações a partir dessas. Enfim, contextualizar implica problematizar o objeto em estudo a partir dos conteúdos, dos componentes curriculares, fazendo a vinculação com a realidade, situando-os no contexto e retornando com um novo olhar (SILVA, 2010, p. 24).

A base epistemológica da contextualização sustenta-se no paradigma

rizomático, possibilitando a discussão de conteúdos e temáticas a partir de sua

complexidade e da multiplicidade de referências que ajudem a problematizar e a

compreender o fenômeno em estudo. E eis que pensamos em um dos desafios dessa

concepção de educação: não transformar a proposta de contextualização em pacotes

prontos, superficiais, pensados e elaborados isoladamente por alguns grupos e

distribuídos nas escolas, para que os professores a “executem”. Pois, já nos dizia

Freire (1995): “O homem é sujeito de sua própria educação, não pode ser objeto dela”.

O Semiárido precisa, pois, de uma educação sem estereotipias, onde a única

hegemonia seja a da aceitação das diferenças. É preciso conhecermos e

aprendermos a viver com as condições peculiares à semiaridez, compreendendo

inclusive a existência de uma dívida social e histórica desde o período imperial, que

diz respeito a falta de investimento em saúde, produção, transporte, lazer e,

principalmente, educação. E somente conseguiremos isso, quando os currículos que

permeiam nossas escolas, incluírem as pautas locais, de modo a estabelecer um

diálogo entre estes e os saberes construídos historicamente. Nossa pretensão é a de

uma educação que promova mais escutas entre os sujeitos.

Necessitamos de uma perspectiva educacional que compreenda o Semiárido e

suas gentes como um composto diverso. Um chão que não é apenas bucólico,

inocente, ingênuo, lugar da seca, da cisterna, do caatingueiro sofrido e ‘parado no

tempo’. É válido reforçar que os aspectos e problemas urbanos também são questões

inerentes à contextualização do ensino, bem como os dos caatingueiros, dos povos

indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, entre tantos outros povos que aqui

constroem seus modos de vida.

104

Surge daí, a demanda em se desenvolver um processo educativo que ao

contrariar o paradigma da universalidade, não nos leve a singularizar nossa própria

diversidade, que também, é permeada por violência que a cada dia se torna

alarmante, por adultos e crianças inseridas no mundo do crime e das drogas, da

prostituição, do trabalho infantil, das tecnologias, dos tablets, do WhatsApp, das redes

sociais, dos engarrafamentos, da corrupção, dos Shoppings, dos carros e motos, do

consumo, do Movimento LGBT, dos protestos, do Movimento negro, dos paredões

pagodeiros. Enfim, dum semiárido fluido em constante fazer e refazer-se, de

potencialidades e problemas os quais precisam ser objeto de estudo e intervenção

contextualizada, de uma educação cuja proposta é ser problematizadora das questões

sociais.

A contextualização para a convivência é assim, uma recusa ao universalismo e

uma ênfase à máxima que diz que “ao se negar as diferenças é que se produz a

exclusão” (HOFFMANN, 2008, p.74). Exclusão esta que percebemos todos os dias,

desde a ausência de políticas educacionais e de desenvolvimento que promovam e

potencializem a vida dos sujeitos. A contextualização é esse processo de inclusão

ultimamente tão defendido, mas pouco efetivado. Inclusão do “outro” (que estava de

fora) com toda a sua diferença.

Inclusão dos sujeitos considerando sua “cultura, visões de mundo,

pertencimento, escolhas pessoais” (MARTINS, 2010, p.147). E o desafio encontra-se

exatamente em fazer uma educação que dialogue com essas diferenças legítimas que

por muito tempo estiveram presentes na escola, mas de foram excluídas e ignoradas

dos processos educativos.

Falar em contextualização exige, pois, falar em investimento na formação

docente, uma vez que são os professores que estão à frente da concretização das

políticas educativas. É certo que a maioria dos professores que atua hoje no Semiárido

foi vítima dum processo educativo descontextualizado. Somos prova concreta deste

fato. Durante a vida estudantil, as poucas vezes que ouvimos falar em Nordeste, por

exemplo, foi a partir das calamidades, inviabilidades, desemprego, ruralidade. Diante

da representação desse cenário, nunca nos sentimos parte dele, pois tendo sempre

vivido na zona urbana não reconhecíamos nosso território a partir dessas descrições.

105

Com certeza, centenas de outras pessoas que hoje atuam na educação,

também vivenciaram experiências bem semelhantes. E, não reconhecendo, nem

legitimando este território como alicerce da nossa existência, passamos a apontá-lo

como “lá”, um lugar distante, o lugar do “outro”. Portanto, é preciso uma desconstrução

das não-ausências socialmente construídas. E, como afirma Reis (2010, p.120),

mesmo a melhor proposta, dificilmente se concretizará se os educadores se opuseram

a ela, ou não a compreenderem a sua essência.

Há, também, a necessidade de se ampliar a valorização desses profissionais,

bem como, seu “universo cultural”. É preciso, pois, renovar as mentes. Reformar o

modo pensar, para que a educação contextualizada não se torne um simples faz-de-

conta. Reforma esta cujo sentido é o de reaprender a pensar e, consequentemente,

reaprender e ressignificar a ação.

É válido ressaltar, que os debates em torno da contextualização ganham força

de institucionalização a partir da construção de documentos orientadores pedagógicos

que objetivam estabelecer os pilares tanto conceituais quanto políticos que estruturam

a educação cuja proposta é a contextualização. Desse modo, a RESAB, responsável

por mobilizar ações e debates referentes a este novo modo de conceber a educação

no Semiárido, articulada com outras instituições representadas pelos 11 estados do

SAB, no ano de 2006, realizou a I Conferência Nacional de Educação para a

Convivência com o Semiárido (CONESA) com 340 participantes.

Essa conferência contou com a divisão de 05 eixos temáticos, onde, cada eixo

elencou encaminhamentos que foram direcionados como Diretrizes da Educação

Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro (DECCS). A publicação

de tais diretrizes simboliza a luta pela consolidação tanto pública e gratuita quanto de

qualidade, para o povo do Semiárido. Os eixos contemplados são os seguintes:

Gestão da educação: Pauta-se na defesa de uma gestão que deve respeitar a

realidade local (urbana e rural), tendo em vista o desenvolvimento sustentável da

região. Para tanto, estima-se algumas iniciativas: aproximação com as

universidades para construção do currículo que atenda às realidades locais; o

compromisso com a oferta de formação docente (inicial e continuada)

contextualizada; firmar parcerias com o propósito de articular o saber popular ao

saber científico; garantir o processo eletivo de gestores e um projeto que considere

106

a perspectiva da contextualização; garantir o acesso às tecnologias e capacitação

para o uso adequado das mesmas, entre outras, que buscam garantir a melhoria

e a qualidade da educação.

Currículo contextualizado: Este eixo propõe a construção de um currículo que

extrapole conteúdos e metodologias e integre as intenções em torno do projeto de

escola e sociedade que se deseja, pautando-se no desenvolvimento da pesquisa

como produção do saber, na relação entre as comunidades e suas lutas sociais

locais, buscando assim, a construção de novas narrativas e novos documentos

curriculares, nos quais todos que compõem a escola e o sistema de ensino devem

se envolver, dos professores e alunos aos especialistas e representantes da

comunidade. A proposta é a de que o currículo contextualizado deve relacionar a

diversidade de realidades e heterogeneidades dos sujeitos envolvidos,

“contemplando as dimensões de gênero, geração, raça e etnia”; numa perspectiva

“interdisciplinar, transversal e multidimensional, incluindo a diversidade cultural e

o conhecimento universal”, assegurando assim, a função social dos conteúdos,

metodologias e avaliação, num viés democrático que considere as distintas formas

de aprendizagem.

Formação de professores: Propõe, essencialmente, que os currículos que

norteiam as formações dos professores, tanto inicial quanto continuada, devem

contemplar as discussões em torno das especificidades e dos saberes inerentes

ao Semiárido e sua realidade histórica, nas múltiplas dimensões, para que os

docentes possam ter qualificação adequada para ajudar na transformação social

e efetivação da educação para a Convivência com o Semiárido. Devendo-se partir,

assim, de uma formação que leve os educadores a viverem experiências in loco,

priorizando a ação-reflexão-ação, tendo em vista a relação entre as necessidades

locais e globais, bem como, as demandas apresentadas pelos docentes.

Protagonismo Infanto-Juvenil: Tem como defesa assegurar a participação de

crianças e jovens em ações de cidadania que vão além do lócus escolar e que

podem prepará-los para protagonizar a luta a favor de uma sociedade mais

inclusiva. Entre algumas ações postas nas diretrizes, entre outras, destacam-se:

Criação e incentivo à arte, cultura contextualizada, esporte e lazer para crianças, jovens e adolescentes assegurando materiais didáticos, paradidáticos e espaços públicos, a exemplo dos centros de apoio infanto-juvenis, para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Construção e manutenção, pelo poder público, de

107

Centros de Apoio infanto-juvenis, objetivando a intervenção das atividades jovens; Inclusão de jovens em projetos de geração de renda com capacitação e apoio à atuação, potencializando os recursos existentes em sua comunidade (...) (RESAB, 2006, p.17).

Educação, gênero, etnia e raça: Quando os demais eixos discorrem sobre a

necessidade dos processos educativos se pautarem na diversidade,

pluralidade e heterogeneidade que permeia o Semiárido, compreendemos que

este eixo perpassa sobre os demais. No entanto, isso não impossibilitou a

criação desse eixo específico, o qual tem como proposta ampliar e qualificar

tais discussões no contexto Semiárido, articulando os diferentes movimentos,

tais como: indígenas, negros, quilombolas, mulheres e tantos outros que

precisam ser representados na educação para a convivência. As ações a

serem realizadas não constam nas diretrizes, provavelmente, porque se dará

num processo de construção coletiva com os movimentos articulados.

Material didático para o Semiárido: Discorre sobre a necessidade de materiais

contextualizados com o Semiárido, para que os educandos possam se sentir

representados e protagonistas na construção da identidade. Logo, tendo em

vista que estes materiais ainda se apresentam descontextualizados

(produzidos no Sul e Sudeste), uma das ações propostas pelo eixo é a

elaboração desses materiais didáticos e paradidáticos que contemplem os

estados do Semiárido e que sejam apropriados para a zona urbana e rural;

buscando inclusive, incorporá-los às políticas de educação do MEC. Tais

materiais devem contemplar o enfoque crítico, garantindo o saber científico e a

realidade diversa do Semiárido. Como exemplo dessas ações já citamos os

Livros “Conhecendo o Semiárido, volumes I e II”, bem como, “Conhecendo o

Semiárido Piauiense” (material próprio do Piauí). Além de livros, entende-se

como materiais didáticos, vídeos, jogos, revistas, entre outros.

Essas Diretrizes da Educação para a Convivência com o Semiárido foram

aprovadas pelos representantes que estiveram presentes na I CONESA (2006), os

quais firmaram comprometimento com a luta pela efetivação das mesmas, uma vez

que fundamentam as políticas públicas educacionais para o Semiárido Brasileiro

(RESAB, 2006, p.19).

Descolonizar o currículo exige a descolonização de todo um conjunto de ideias

que estão arraigadas nos sujeitos que fazem a educação e na estrutura do próprio

108

sistema. Entre estes fatores, acrescentaríamos o repensar da política de avaliação

que aparece rapidamente no eixo “currículo contextualizado”, porém, sem ser

problematizada e sem apontar possíveis estratégias para se desenvolver uma

“avaliação democrática” e inclusiva.

No segundo capítulo deste trabalho, já discorremos sobre o quanto a avaliação

pode ser um instrumento de dominação e poder. Pontuamos a necessidade de ampliar

também, as reflexões sobre a política de avaliação nacional, a qual por trazer

características de universalidade, fragmentariedade, objetividade, currículo

padronizado, utilizando-se de mecanismos de competitividade e exposição dos

sujeitos, já se distanciam e contradizem as diretrizes nas quais se fundamenta a

Educação Contextualizada, seja ela no Semiárido, ou em qualquer outra região do

Brasil.

A educação oferecida para as populações do Semiárido (...) ainda hoje se propõe a ensinar a ler, mas não ensina a fazer a leitura de mundo, não desenvolve o senso crítico das pessoas, não ensina a pensar; muito menos leva os cidadãos e cidadãs a conhecerem os seus direitos para, assim, transformarem a sua realidade, o mundo em que vivem. Este é um desafio a ser enfrentado (SILVA e SILVA, 2010, p.227-228).

Promover uma Educação Contextualizada que ultrapasse as grades as quais

ainda aprisionam os processos educativos vivenciados nas nossas instituições de

ensino às práticas e aos discursos imperativos do modelo tradicional de ciência e de

escola, demanda, também, uma desconstrução da “cultura da prova” herdada da

escola tradicional, cujas concepções são traduzidas em modos de padronização,

fragmentação, seleção, inquestionabilidade e autoritarismo.

Afinal, como já discutimos no capítulo anterior e conforme reforça Villas-Boas

(1998, p.21): "as práticas avaliativas podem, pois, servir à manutenção ou à

transformação social". Segundo Álvarez Méndez (2002), a avaliação educacional não

é apenas técnica e muito menos neutra. Está, desse modo, diretamente relacionada

à natureza do conhecimento. Portanto, para que haja uma convergência

epistemológica, necessitamos reconhecer e relacionar a avaliação a esta natureza.

Falar, pois, no desenvolvimento de uma Educação Contextualizada nos exige

processos avaliativos que dialoguem com seus princípios.

109

A rigidez do currículo e dos procedimentos avaliativos podem dificultar, retardar

ou até impedir possibilidades de mudanças nas práticas pedagógicas desenvolvidas

nas escolas. E embora se discuta a descolonização dos currículos e das práticas de

ensino como meio de promover mudanças na avaliação, ocorre um movimento

exatamente ao contrário, em que a avaliação nacional tende a nortear o currículo

vivenciado nas instituições. Portanto, de acordo com Perrenoud (1999, p.76) a

“avaliação tradicional é uma amarra importante, que impede ou atrasa todo tipo de

outras mudanças. Soltá-la é, portanto, abrir a porta a outras inovações”.

A avaliação vista restritamente como um produto final, classificatório, constitui-

se como diz Luckesi (2000, p.35) num “instrumento estático e frenador do processo

de crescimento”, o que torna os sujeitos e as instituições estigmatizadas, sobretudo,

no modelo nacional vigente, no qual se divulga publicamente, informações, registros

e índices de desempenhos individuais os quais ficarão em arquivos

permanentemente, se transformando em documentos legalmente definidos.

A supervalorização das avaliações externas, que padronizam e supervalorizam

saberes hegemônicos universais, nesse sentido, contrariam os conteúdos

contextualizados. De modo que as dificuldades na contextualização do currículo

tendem a agravar-se ainda mais, à medida que as secretarias municipais de educação

optam em levar ao extremo, a burocratização do ensino, do trabalho docente e da

avaliação interna, a serviço de tais processos “avaliativos” externos, os quais

terminam por reduzir o “conteúdo programático” do ano letivo, aos conteúdos

necessários ao bom desempenho nestas provas.

Defender um processo educativo e avaliativo que problematizem os conteúdos

a partir dum contexto espacial e temporal, é corroborar com Saviani (2000, p.41), ao

afirmar que o caminho para o conhecimento encontra-se na cultura e na cotidianidade

do educando, de modo que o mais relevante não é aprender ou ensinar um dado

conhecimento, mas sim, concretizá-lo no cotidiano, problematizando, interrogando,

refletindo, respondendo e avaliando, num trabalho em que os indivíduos constroem o

mundo por si mesmos. Enfim, é traçar estratégias educativas que contribuam para o

desvelar da realidade social de opressão.

110

4 O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR - PERCURSO METODOLÓGICO

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio,

que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc. Perdoai

Mas eu preciso ser Outros.

(Manoel de Barros)

4.1 A autoridade positivista na produção do conhecimento

Não falamos todos do mesmo lugar. Diante dos fenômenos e dos eventos da

realidade que nos cercam, reagimos de modo distinto, a partir das circunstâncias, do

histórico de vida, limitações, desafios e possibilidades.

Temos, pois, em nossas ações, o reflexo das intenções e dos conhecimentos

construídos aos quais tivemos acesso ao longo da existência. E, ter clareza das

particularidades de nossa posição, sobretudo, enquanto sujeitos cognoscíveis, é

indispensável na compreensão dos caminhos e esforços emitidos na construção do

conhecimento, afinal, é como Vanessa da Mata (2002) diz na música Onde Ir: “cada

um sabe dos gostos que tem, suas escolhas, suas curas, seus jardins”.

Nesse sentido, compreendemos a pesquisa como uma atividade investigativa

dotada de possibilidades de produzir e oferecer um “novo” conhecimento, a respeito

de um fenômeno ou área, sistematizando-o e indo além daquilo que já se sabe sobre

estes (LUNA, 1988). E, embora não haja um consenso sobre como o homem conhece,

o conhecimento é um esforço de compreensão não somente da realidade natural e

social, mas também, uma tentativa de compreensão de si mesmo.

Vale ressaltar, que a ciência é uma forma particular de se conhecer o mundo,

caracterizada por padrões de observação, investigação experimental, descrição e

explicação teórica dos fenômenos. Logo, sendo método científico engloba técnicas

sistemáticas, objetivas e exatas. Trazemos, pois, uma breve discussão sobre a

produção do conhecimento científico.

O modelo de racionalidade que determinou a ciência moderna, desde o século

XVI, desenvolveu-se no domínio das ciências naturais e estendeu-se às ciências

111

sociais, por volta do séc. XIX. Desconfiando das experiências imediatas, do

conhecimento vulgar e considerando que tais evidências são ilusórias, a ciência

moderna separou a natureza do ser humano, de modo que aquela passou a ser

considerada como um mecanismo capaz de ser desmontado e relacionado sob a

forma de leis que podem ser controladas e dominadas pelo homem.

O positivismo foi, nesse sentido, o construtor do critério de verdade e

autoridade, no qual, qualquer saber que não se edificasse a partir de seus princípios

não poderia ser legitimado e reconhecido como científico. Assim, Macedo (2000)

enfatiza os pressupostos desse paradigma:

O cultivo à neutralidade, ao distanciamento no processo de conhecer; a busca de regularidades e leis extraídas da realidade; o gosto pelo controle, pela mensuração, pelo pensamento nomoético e monorreferencial, pelo conforto da previsibilidade; a dedicação quase louvação pela lógica algorítmica e por um método objetivista; o fechamento nas certezas construídas pela inflexível objetividade e o culto ao progresso ordenado do saber dito científico (MACEDO, 2000, p.37).

Essas perspectivas constituíram-se como fontes de militarismo, rigor e uma

espécie de fanatismo, em que a ciência (inspirada pela filosofia positivista) caminha

na busca incessante por uma só norma e uma só concepção de mundo, baseadas

nas argumentações objetivas e desvinculadas dos sabores e saberes antropossociais.

Os influxos dessa Revolução Científica desconsideravam qualquer outra forma de

conhecimento que não estivesse pautada nas regras metodológicas e princípios

epistemológicos das ciências naturais. Assim, sob a defesa de neutralidade da

ciência, busca-se estudar “os fatos para conhecê-los e tão somente para conhecê-los,

de modo absolutamente desinteressado. [...] Seu papel é exprimir a realidade, não

julgá-la” (TRIVIÑOS, p.37, 1987).

Esse princípio se traduziu, na ideia de que a realidade pode ser compreendida

sem se considerar o observador, bem como, anulou a perspectiva de que a ciência

poderia estar a serviço dos problemas práticos e das necessidades humanas.

Segundo Edgar Morin (2000, p.199), O homem, portanto, visa conhecer à natureza

para controlá-la e dominá-la.

A formulação do conhecimento é, pois, baseada na ideia de ordem e

estabilidade do mundo, as quais são uma condição prévia de transformação

112

tecnológica do real e, sobretudo, um indício da ascensão da burguesia de origem

europeia.

Essa ciência se ajusta, pois, a uma sociedade moderna que vislumbra o

“progresso produtivo, voltada para a utilidade e para a explicação” (MACEDO, 2000,

p.37). Baseado nestes pressupostos, de acordo com Boaventura de Sousa Santos

(2008, p.26), o conhecimento científico “avança pela observação descomprometida e

livre, sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais”.

O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. Portanto, “conhecer significa

quantificar. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas”

(SANTOS, 2008, p.28), imperando, portanto, as quantidades que podem ser

traduzidas. Isso significa que o positivismo reduz a complexidade, ao considerar que

a mente humana não pode compreender um processo por completo, sendo

necessário, pois, separar, classificar, formular leis perante as regularidades

apresentadas, visando à previsão do comportamento futuro de determinados

fenômenos.

Nesse paradigma, ainda que as diferenças existentes entre as ciências sociais

e as ciências naturais sejam grandiosas, há sempre a possibilidade de estudar as

primeiras do mesmo modo como se estuda estas últimas. Nessa perspectiva, os fatos

sociais são tratados como coisas e para estudá-los, é necessário reduzi-los às suas

dimensões externas, passíveis de observação e mensuração.

Todavia, a não observação de certos fatores implica na simplificação de leis e,

consequentemente, na arbitrária simplificação da realidade, minimizando o horizonte

do conhecimento e fechando as portas para outros muitos saberes que regem o

mundo. Porém, para Santos (2008), a ciência vive um período de transição entre um

modelo de racionalidade quantificável, testável, previsível, para outro paradigma que

se aproxima do senso comum e do local, se enquadrando no imprevisível, na

desordem e no acaso, sem que perca de vista o discurso científico e global.

Segundo Morin (2003, p. 52), o pensamento complexo se apresenta como um

novo paradigma que diz respeito a uma epistemologia geral e não engloba somente a

ciência, mas também, aspectos da sociedade, da ética e da política. Nesse sentido,

argumenta que a complexidade do pensamento aspira a um saber que não é dividido,

parcelado e reducionista, defendendo a extrema relevância em se captar os processos

113

a partir de suas inúmeras interações, multidimensionalidade e solidariedades. “Daí

decorre que o pensamento complexo respeita o concreto, não na antiteoria, mas na

complexidade teórica” (MORIN, 2003, p. 57).

4.2 Pesquisa qualitativa: Ultrapassando os limites positivistas na pesquisa

educacional

Partindo do pressuposto de que o comportamento humano é subjetivo e que

uma mesma ação externalizada pode apresentar sentidos bem diferentes, não é

possível explicar e descrevê-lo a partir de características externas e objetivas, tal

como as ciências da natureza.

Um esforço notável dos positivistas foi a busca por resultados que pudessem

ser generalizáveis, na pesquisa social. Buscavam, assim, uma linguagem comum e

unilateral para toda a ciência, partindo do princípio de unidade entre as ciências

naturais e sociais e investindo em técnicas como tratamentos estatísticos e estudos

experimentais, controlados severamente.

No entanto, a invariabilidade da conduta humana, de seus valores históricos e

culturais, atrelado ao fato de que numa pesquisa social, como nos diz Triviños (1987,

p.38), o investigador e o sujeito investigado participam do processo com os seus

valores, visões de mundo, significados, teorias, entre outros, essas condições não

permitiriam chegar a conclusões acerca da realidade, com o mesmo nível de

objetividade que se apresenta num estudo das ciências da natureza.

As ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam captar pela objetividade do comportamento; as ciências sociais não são objetivas porque o cientista social não pode libertar-se, no ato de observação, dos valores que informam a sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de cientista (SANTOS, 2008, p. 36).

114

Daí, temos a necessidade de um estatuto metodológico próprio para a ciência

da sociedade, já que essa redução em termos quantitativos e estatísticos, quando se

trata das Ciências Sociais, dificilmente seria feita sem distorções bruscas dos fatos.

Desse modo, as pesquisas poderiam até ser desenvolvidas com êxito, no

âmbito da universidade; todavia, fora dela, sem uma reflexão compreensiva acerca

dos dados estatísticos e sem possibilidades de interpretações profundas sobre a

realidade estudada, os pesquisadores se sentiriam “a naufragar”, diante da realidade

escolar nacional, por exemplo. O conhecimento em pesquisa não é algo pronto a ser

apreendido pelo investigador, mas sim, uma produção humana. Logo, não é uma

realidade ordenada a partir de categorias universais. É nessa perspectiva, que se

torna importante uma epistemologia qualitativa:

A Epistemologia Qualitativa enfatiza princípios gerais da produção do conhecimento. Ela defende o caráter construtivo e interpretativo do conhecimento, o que de fato implica em compreender o conhecimento como produção e não como apropriação linear de uma realidade que nos apresenta (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 5).

Essa epistemologia está diretamente ligada aos processos de afirmação e

negação e, portanto, garantem uma continuidade no processo de construção do

conhecimento. Como afirma Macedo (2000, p.72): “todo novo momento do

conhecimento representa uma afirmação, que simultaneamente gera novas

interrogações que estão na base de sua continuidade” e, portanto, nessa

epistemologia, o conhecimento não pode se dá numa lógica regular, ordenada, com

regras únicas e fixas. Logo, um olhar qualitativo convive com a curiosidade,

criatividade, desejo, desordem, esperança, conflito, incertezas e imprevistos, de forma

que o conhecimento nunca está acabado.

No processo de investigação, o pesquisador qualitativo tem, pois, a

preocupação com a hermenêutica, seus estudos baseiam-se na interpretação real do

mundo e das experiências dos sujeitos humanos, já que nas ciências sociais e

humanas o objeto de estudo são as pessoas e suas respectivas atividades, e estas

são “não apenas agentes interpretativos de seus mundos, mas também compartilham

suas interpretações à medida que interagem com outros e refletem sobre suas

experiências no curso de suas atividades cotidianas” (MOREIRA, 2002, p.50).

115

Intencionamos até aqui, esclarecer que a pesquisa qualitativa nas ciências

humanas justifica-se como uma resistência e alternativa frente aos reducionismos

matemáticos e rígidos impostos no conhecimento das realidades antropossociais, já

que as dimensões quantitativas só podem ganhar sentido, quando organizados

interpretativamente na configuração de fatores diversificados. Logo, uma abordagem

qualitativa consiste num conjunto de práticas tanto materiais quanto interpretativas

que dão visibilidade e localizam o observador no mundo:

Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).

4.3 Trajetória, abordagem e procedimentos da pesquisa

- Não temos outro dicionário, Pai? Esse é uma porcaria! Diz que mundo vem do latim mundus. - E daí? - O que interessa saber não é de onde vem, mas para onde vai! (Mafalda, Quino)

Definir rotas e caminhos a serem seguidos não nos foi uma ação tranquila e

tampouco reconfortante. O desconforto surgiu desde uma angústia e inquietação

excessiva em torno de fatores que nos incomodava enquanto docente e que jamais

daríamos conta de investigar a partir de um único problema e, sobretudo, numa única

dissertação. Logo, a partir de leituras, rabiscos, reformulações e recortes, chegamos

a uma inquietação que nos mostrou ser prioritária e correspondente aos nossos

conflitos.

Assim, com a finalidade de proporcionar à nossa pesquisa, uma qualidade que

congregasse o desafio de responder “Quais são os desafios no desenvolvimento da

Educação Contextualizada, nas Escolas da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro

BA, tendo em vista o cenário das Avaliações Padronizadas, na versão da Prova

Brasil?”, fizemos a escolha pela abordagem de cunho qualitativo com alguns

elementos de natureza fenomenológica, tendo em vista que a partir dessa perspectiva,

116

o pesquisador tem como ponto de partida um problema que lhe faça sentido, que

deseje compreender e cuja origem se dá no desconforto da experiência vivida.

4.3.1 A TRILHA FENOMENOLÓGICA – ELEMENTOS CONTRIBUINTES

Para a fenomenologia, a realidade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. Não havendo uma só realidade, mas tantas quantas forem suas interpretações e comunicações, a realidade é perspectival (MACEDO, 2000, p. 47).

Embora a fenomenologia considere que a verdade não seja fixa e acabada,

mas sim, perspectival, é válido enfatizar que esta percepção não se dá num vazio. O

pesquisar fenomenológico é um “ir às coisas mesmas”, abrindo-se ao fenômeno, o

qual de acordo com Bello (2006, p.17) significa “aquilo que se mostra” e buscando

compreendê-lo da forma mais autenticamente possível, sem utilizar-se de conceitos

prévios, os quais podem limitar e direcionar o que deve ser percebido. As experiências

já vividas pelo pesquisador devem ser suspensas e somente retomadas a posteriori.

Compreendemos, pois, por fenomenologia o que diz Rezende (1990, p. 29): “a

fenomenologia não é um discurso em evidência, mas da verdade em todas as suas

manifestações”. De modo que, enquanto pesquisadores, temos a necessidade de

“suspensão” de nossas crenças e teorias, deixando temporariamente os

conhecimentos a priori, os preconceitos e hipóteses. A fenomenologia é, pois, uma

“reflexão sobre um fenômeno ou sobre aquilo que se mostra” (BELLO, 2006, p. 18).

Ou seja, é preciso deixar suspenso o conhecimento das coisas do mundo

exterior, visando à concentração exclusiva no fenômeno em foco, para que ele possa

se mostrar tal como se apresenta nas experiências vividas, sem que tenhamos

interpretações e conclusões apressadas. Justifica-se assim, o exercício da “redução

fenomenológica”, na qual aproximando-se do fenômeno investigado, a partir de um

processo de inclusão e exclusão de conteúdos, pode-se objetivar aquilo que se

pretende conhecer a respeito (MACEDO, 2000).

É como afirma Macedo (2000, p. 44), estudando a realidade “o pesquisador,

inspirado na fenomenologia, procura ir às coisas, analisar contextual e

interpretativamente, recomendação clássica dos etnopesquisadores de ir a campo

para compreender de forma situada”. Nesse sentido, não se pode partir da percepção

117

imediata que o investigador tem a respeito do fenômeno, uma vez que a descoberta

de sua essência só é possível na interpretação das aparências observadas na

coletada dos dados (GAMBOA, 2008).

Portanto, foi na interação com os sujeitos envolvidos nesta pesquisa que

buscamos compreender e nos pusemos a descrever a experiência vivida,

interpretando-a.

4.3.2 O FENÔMENO INVESTIGADO E AS CONTRIBUIÇÕES DE ELEMENTOS DA

ETNOGRAFIA

Partindo do esclarecimento de que esta perspectiva de investigação diverge da

atitude positivista que parte da explicação, afirmação e generalização, diante da

realidade estudada, nós percorremos um caminho contrário. O nosso pesquisar foi

direcionado com a preocupação de interrogar os sujeitos envolvidos nesse estudo,

como uma possibilidade de dar-lhes voz para expressarem as sensações e as

experiências vividas durante os anos de realização da Prova Brasil.

Assim, a descrição dessas vozes se constituiu para nós, como textos que

expressam e revelam os significados atribuídos às experiências vivenciadas.

Buscamos durante esse processo uma constante relação dialógica com os sujeitos

pesquisados, o que possibilitou o desvelar de elementos ocultos e significados para a

compreensão do fenômeno. Afinal, para um fenomenólogo,

Sua interrogação é a atitude básica, dirigida às pessoas e suas relações comunicadas, seu instrumento é a disposição para interpretar antes de tudo. Emerge desta disposição, deste labor, o recurso da hermenêutica. E, nesta modalidade, a interrogação é: qual o significado destas ações e expressões? (MACEDO, 2000, p. 49 apud FINI, 1994).

Os nossos procedimentos de estudo contemplaram, também, uma perspectiva

etnográfica, sobretudo, porque as características da etnografia, de acordo com André

(apud MATOS et al, 2002, p.50) são:

O uso da observação participante, da entrevista intensiva e da análise de documentos; a interação entre pesquisador e objeto pesquisado; a flexibilidade para modificar os rumos da pesquisa; a ênfase no processo, e não nos resultados finais; a visão dos sujeitos pesquisados sobre as suas experiências; a não intervenção do pesquisador; a coleta dos dados descritivos, transcritos literalmente para a utilização no relatório [...].

118

A princípio, tivemos receio de assumir contribuições dessa natureza, afinal, o

fato de estar implicada no campo de investigação atrelado à nossa inserção na Rede

Municipal de Ensino de Juazeiro, enquanto professora que leciona em turmas que

vivenciam a avaliação padronizada a qual investigamos, nos fez sentir insegurança,

tendo em vista que, nas pesquisas qualitativas, o envolvimento subjetivo pode colocar

o conhecimento produzido e sua objetividade em risco.

Todavia, ao ter contato com a sensibilidade do texto de Álamo Pimentel (2009,

p.127), nos deparamos com uma situação que até então, havíamos deixado

adormecer e cuja leitura nos oportunizou despertar para a nossa dupla condição: A

condição de pesquisadora e de educadora. Contemplando assim, a afirmativa do

autor, ao dizer que a perspectiva metodológica etnográfica aplicada à educação

“antecede às formalidades constitutivas dos procedimentos de pesquisa, quando o

lugar do pesquisador é também o lugar do educador”. Álamo Pimentel complementa

seu pensamento, afirmando que “uma das condições fundamentais para o trabalho da

etnografia é a intensidade e extensividade da participação do pesquisador no seu

campo de investigação” (PIMENTEL, 2009 p.130).

Logo, nossa inserção como docente da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro,

desde 2012, possibilitou que estivéssemos participando constantemente das jornadas

pedagógicas, das formações continuadas promovidas pela Secretaria de Educação

(SEDUC), das reuniões, dos planejamentos e de outras tantas demandas surgidas em

relação ao exercício da profissão, neste município. Esta condição de implicada,

permitiu-nos uma maior aproximação do fenômeno a ser estudado.

Logo, a escolha por procedimentos de pesquisa baseados na etnografia,

tornou-se absolutamente legítimo, sobretudo, porque os espaços e o tempo de

vivência com o universo investigado nos autorizaram a esta opção, de modo que a

experiência vivenciada em campo possibilitou a autenticação dos conceitos e dos

métodos de trabalho. No entanto, tivemos sempre a clareza da necessidade de não

perdermos de vista, o estranhamento e o distanciamento com o fenômeno observado.

Como é possível refletir na assertiva: “tal condição exige certa maturidade do

pesquisador para assumir uma dupla posição: ser implicado para ver, ouvir e analisar

o fenômeno em sua profundidade; ao mesmo tempo distanciar-se para não perder a

objetividade dos fatos” (VIEIRA, 2009, p.24-25).

119

Acreditamos que a compreensão em torno dos desafios da contextualização,

no cenário das avaliações padronizadas, exigiu de nós a descrição deste cenário e

seu fenômeno. A partir desse processo, os detalhes foram se revelando, saindo do

oculto e na medida em que observávamos, dialogávamos com as diversas vozes dos

sujeitos envolvidos que se tornaram autores na tessitura desta pesquisa.

4.4 Procedimentos metodológicos para construção de “dados”

4.4.1 INSTRUMENTOS

Para nos auxiliar na construção desta pesquisa, recorremos a alguns

procedimentos metodológicos para levantamento de dados, entre os quais

destacamos:

Estudo bibliográfico:

Realizamos uma revisão da literatura acerca das teorias essenciais que nortearam

este trabalho, buscando descobrir o que já havia sido produzido, cientificamente, no

que se refere às discussões voltadas para as avaliações padronizadas,

especificamente, no que refere à Prova Brasil, (buscando encontrar os fatores

explícitos e os ocultos, no que se refere à existência deste exame), bem como, à

Educação Contextualizada. Esse tipo de pesquisa, conforme Gil (2008), é

desenvolvido a partir de material já elaborado por outros pesquisadores e, como nos

diz Bocatto (2006, p. 266), trouxe subsídios para conhecermos o enfoque e as

perspectivas pelas quais “o assunto” já havia sido tratado na literatura científica.

Nesse sentido, o estudo bibliográfico permeou todo o processo deste estudo, desde a

coleta às análises dos dados.

Portanto, utilizamos livros, artigo científicos, dissertações de mestrado e teses de

doutorado, cujas fontes foram todas citadas no corpo deste trabalho.

Análise documental:

Para complementar as informações obtidas a partir de outras técnicas, bem como,

desvelar novos elementos (LUDKE; ANDRÉ, 1986), nos debruçamos sobre algumas

fontes documentais. Dentre as quais encontram-se: A Matriz que referencia a

120

elaboração da Prova Brasil destinada aos alunos do 5º ano, e a Matriz Curricular que

orienta o trabalho desenvolvido nas turmas de 5º ano, no município de Juazeiro.

Esta necessidade surgiu ao longo das entrevistas realizadas com os professores,

os quais apontavam o conflito entre a matriz curricular das avaliações padronizadas e

a proposta da rede municipal de ensino. Logo, como de acordo com Le Goff (1996),

todo documento é um produto da sociedade e, como tal, não são produções ingênuas,

traduzindo assim, o jogo de força, as leituras e interpretação daquilo que é vivido por

determinados grupos que detêm o poder num momento espacial temporal. Assim,

buscamos analisar quais os distanciamentos ou aproximações existentes entre a

seleção de conteúdos e descritores presentes em ambas as matrizes. Analisamos

ainda, o Plano de desenvolvimento da Educação e suas metas referidas ao Ideb, bem

como, o Caderno da Prova Brasil (2013) o qual traz sua justificativa, importância, seus

objetivos, metodologia e escala de proficiência.

Analisamos, também, as Diretrizes da Educação Contextualizada para a

Convivência com o Semiárido Brasileiro (DECCS), buscando compreender os pilares

conceituais e políticos que norteiam a Educação Contextualizada, bem como, as

Diretrizes Político-Pedagógicas da Educação Contextualizada na perspectiva da

Convivência com o Semiárido Brasileiro (DPP/SEDUC) de Juazeiro Bahia (ainda não

publicado).

Buscamos também, dados oficiais disponíveis nos documentos publicados no

site no site do INEP e do MEC, bem como, informações disponibilizadas pela

Secretaria Municipal de Educação de Juazeiro, tendo em vista a obtenção de

informações em torno das estatísticas e dos níveis de desempenho nas avaliações,

bem como, o fluxo escolar e o Ideb do município, os quais foram organizados em

quadros, distribuídos ao longo do texto.

Paralelo a este processo, nos inserimos no campo de pesquisa, de forma que a

construção dos dados empíricos se desenvolveu no contato direto com o trabalho de

campo. Nesse sentido, utilizamos para a coleta de dados, o uso da observação

participante (das formações continuadas), diário de campo (registros) e entrevistas

semi-estruturadas (com os sujeitos investigados).

121

Observação Participante (OP):

Partimos da afirmativa de Macedo (2000, p. 151), compreendendo que a

experiência direta é “sem dúvida, o melhor teste de verificação da ocorrência de um

determinando fenômeno”. Logo, a nossa condição de professora da rede de ensino

de Juazeiro Bahia, lócus desta pesquisa, naturalmente, nos assegurou o

desenvolvimento da observação participante completa (OPC), enquanto

pertencimento original, na qual segundo Macedo (2000, p.157) “o pesquisador emerge

dos próprios quadros das instituições e dos segmentos da comunidade, recebendo

destes, a autorização para realizar estudos em que a realidade comum é o objeto de

pesquisa”.

Nesse sentido, naturalmente, foi possível vivenciarmos as 09 formações

continuadas direcionadas aos docentes do 5º ano, ocorridas entre os meses de março

e novembro, no ano de 2015. Nosso propósito foi o de identificar qual o enfoque das

formações desenvolvidas em anos de avaliação padronizada. Portanto, sempre

acompanhada do diário de campo, registramos e descrevemos os processos

vivenciados em cada uma delas, para somente então, buscar interpretar e identificar

se apresentavam um enfoque baseado na contextualização do ensino, ou se o

enfoque era restrito às demandas da Prova Brasil. Nesse processo de observação,

cada gesto, troca de olhares, sussurros, tom de voz, inquietações e silêncios foram se

fazendo muito significativos, ajudando-nos a revelar e dar sentido ao que se colocava

diante de nós.

Na condição de implicada, foi preciso estabelecermos um envolvimento junto aos

agentes e à situação de pesquisa, percebendo a realidade de forma mais complexa,

com maior possibilidade de captação dos conflitos existentes. No entanto, nunca

perdemos de vista o distanciamento necessário destes cotidianos, no que se refere à

perspectiva epistemológica analítica, para que fosse possível conhecer seus

interstícios.

Entrevistas Semi-estruturadas:

Foram realizadas junto ao Secretário de Educação do Município de Juazeiro e aos

10 (dez) docentes que integram o grupo investigado. Sendo a entrevista, de acordo

com Ribeiro (2008, p. 141) uma técnica relevante quando o pesquisador se propõe à

obtenção de informações as quais possibilitam o conhecimento de atitudes,

122

“sentimentos e valores subjacentes ao comportamento, o que significa que se pode ir

além das descrições das ações, incorporando novas fontes para a interpretação dos

resultados pelos próprios entrevistadores”; a partir desta técnica, foi possível

mergulharmos com maior profundidade, na coleta de informações tendo em vista

descrever mais consistentemente, o modo como cada um dos sujeitos, a partir do

lugar que ocupam, percebem e significam o cenário das avaliações padronizadas,

bem como, os desafios na contextualização do ensino.

Fizemos, pois, o uso da entrevista semi-estruturada, a qual é norteada por um

roteiro de questões a partir de uma problemática, que possibilita uma flexibilidade na

organização e, à medida que as informações são fornecidas pelos respondentes, é

permitida a ampliação dos questionamentos. Para Minayo (2005), esse tipo de

entrevista combina perguntas tanto abertas quanto fechadas, onde o entrevistado

pode discorrer sobre a temática em foco, sem ficar preso à interrogação proposta. O

que nos exigiu, sobretudo, cuidado e atenção para que nossos respondentes não

fugissem e se distanciassem do tema.

O roteiro foi organizado, antecipadamente, considerando o problema e os objetivos

desta pesquisa, buscando, sobretudo, nas falas dos entrevistados, as impressões e

sensações expressas em relação ao contexto escolar vivenciado em anos de Prova

Brasil e as possibilidades de contextualização. As entrevistas foram agendadas, de

acordo com a disponibilidade e escolha de cada entrevistado.

Assim, uma entrevista foi realizada em dupla e todas as outras foram realizadas,

individualmente. No que se refere ao ambiente, três entrevistas aconteceram no

mesmo local em que ocorriam as formações continuadas; três nas escolas em que

cada docente trabalhava e quatro nas residências dos respectivos professores. As

entrevistas realizadas nas residências dos professores foram as que contribuíram com

a profundidade de detalhes mais ocultos em relação a algumas questões vividas nas

escolas. Julgamos que isso deve-se ao fato de que os entrevistados tinham ali, a

certeza de que estavam à vontade e de que ninguém estaria a ouvir seus

depoimentos.

A entrevista com o Secretário de Educação do Município ocorreu no seu

gabinete.

Como instrumentos de registro, utilizamos:

123

Diário de Campo:

O diário de campo, ao longo deste percurso, foi o nosso companheiro inseparável,

tendo em vista que é um importante instrumento de registro e descrição minuciosas e

densa das experiências vivenciadas in lócus, assim como, um modo de reafirmar o

nosso papel de “ator/autor”, em que à medida que refletíamos e escrevíamos as

narrativas cotidianas, estávamos também, num processo auto-formativo. Para

Macedo (2000, p.195):

ao narrar despojada e minuciosamente seu vivido de pesquisador, o sujeito se performa também, daí a pertinência formativa do diário de campo, que aliás, em alguns centros formadores, toma feições que transcendem a pesquisa, transforma-se num instrumento generalizado de auto-formação.

Logo, o diário de campo nos acompanhou durante as observações das

formações continuadas, durante as entrevistas e conversas realizadas com os sujeitos

que ajudaram a construir este estudo. Foi um dos instrumentos que,

independentemente da ocasião, se fez presente na nossa bolsa, buscando garantir o

registro de detalhes, comentários ou qualquer outro dado que pudesse ocorrer,

também, em momentos informais.

Câmera fotográfica e gravador de áudio:

Utilizamos a máquina fotográfica durante as observações vivenciadas nas

formações continuadas e o gravador de áudio, durante das entrevistas realizados com

o grupo investigado. Nesta última, foi possível captarmos elementos como entonação

de voz, mudança de humor, pausas reflexivas, entre outras situações que nos

ajudaram a rememorar o que foi dito e como foi dito, nos auxiliando na compreensão

das informações dadas pelos entrevistados.

Rojas (1999) reforça esta ideia, ao indicar que o uso do gravador pode

preservar a originalidade dos dados coletados, uma vez que registra distintos

elementos manifestados na fala e que, não seriam possíveis de serem captados

apenas no registro escrito das informações dadas, justificando, pois, nossa escolha

em ter tais instrumentos como aliados, no decorrer da pesquisa.

É válido pontuar, que entre o Secretário de Educação e os 10 (dez) professores

entrevistados, apenas 03 docentes não tiveram suas entrevistas gravadas. Todas as

demais tiveram o consentimento dos envolvidos. As entrevistas não gravadas foram

cuidadosamente registradas e sistematizadas no diário de campo.

124

4.4.2 SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto,

às pontas dos dedos um objeto – é para lá que eu vou.

Clarice Lispector (1980, p.95)

Emprestaram-nos suas falas, 10 professores. A escolha foi baseada a partir do

próprio interesse e disponibilidade que esses sujeitos demonstraram pela pesquisa

em desenvolvimento. Durante os intervalos das formações continuadas, fomos

estabelecendo algumas conversas, expondo a alguns docentes as etapas da pesquisa

que estávamos desenvolvendo, bem como, seus objetivos. Nesse sentido, instigados

pelo problema que norteou este estudo, tivemos a adesão desse quantitativo de

professores.

É válido destacar que este grupo apresenta grande diversidade, pois integra

professores que estão na rede municipal de ensino lecionando em turmas de 5º ano,

há 15 anos, bem como, professores novados na rede de ensino, outros, pela primeira

vez, estavam com turmas de 5º ano, professores que atuam no centro da cidade,

outros na periferia, ou seja, sujeitos que vivem e trabalham em contextos escolares

distintos, cujas narrativas a partir dessa diversidade, trouxeram maior riqueza de

possibilidades de aproximação com a realidade e detalhes vividos por todos eles, no

que se refere às avaliações padronizadas e os desafios da contextualização, tendo

em vista esses contextos variados que constituem o município de Juazeiro Bahia.

Quadro 7 Perfil dos professores entrevistados

125

Fonte: entrevistas individuais com os professores que participaram da pesquisa.

Além dos professores, o Secretário de Educação do Município integra o nosso

grupo de sujeitos participantes da pesquisa. É importante pontuar aqui, que cada uma

das falas ecoa a partir do lugar de onde se fala, da posição que se ocupa. O que nos

levou a perceber aproximações e, às vezes, distanciamento entre as falas originárias

de posições diferenciadas.

Vale destacar, que além das contribuições dos professores entrevistados,

durante o nosso processo de observação das formações, as falas e questionamentos

de alguns professores ganharam espaço e significado, e, embora tais profissionais

não fizessem parte do nosso grupo entrevistado, trouxemos algumas dessas vozes

que nos ajudaram a pensar e compreender o objeto estudado.

Além disso, trouxemos, também, contribuições nascidas a partir de conversas

informais com amigos professores, os quais sendo pessoas do meu convívio, durante

muitos momentos se sentiam à vontade para desabafar e expressarem suas

impressões e concepções referentes ao fenômeno investigado. Sendo assim,

elaboramos siglas para diferenciarmos as referências feitas a cada um dos sujeitos

contribuintes, conforme o quadro abaixo:

Quadro 8 Siglas de representação das falas dos sujeitos investigados

Quadro construído pela autora.

126

4.5 Procedimentos de análise

Não nos é alheio que conforme afirma Macedo (2000, p.202): “a análise é um

movimento incessante do início ao fim”. Logo, a fase em que procedemos com a coleta

das informações não impediu o tratamento dos dados obtidos.

Todavia, ao finalizarmos a coleta de dados e aproximando-se o tempo

estabelecido para a conclusão desta pesquisa, a construção analítica se tornou

demasiadamente mais intensa, acelerando e dando corpo ao conhecimento

produzido, cujo final ainda está inconcluso. Portanto, nesta etapa, partirmos da

redução fenomenológica.

Aqui se determina e se seleciona as partes da descrição que são consideradas “essenciais”, e aquelas que, no momento, não sejam avaliadas como significativas. (...). Consiste em refletir sobre as partes da experiência que nos parece possuir significados cognitivos, afetivos e conotativos, e, sistematicamente, imaginar cada parte como estando presente ou não na experiência. Neste processo de filtragem contextualizada e encarnada, o pesquisador se capacita em reduzir a descrição para chegar à consciência da experiência (MACEDO, 2000, p.203).

Esse foi um dos momentos mais empolgantes e exaustivos. Uma constante ida

e vinda aos objetivos aos dados, às descrições, buscando garantir o alcance das

metas propostas. Tendo em vista o esforço que empregamos para entender e

explicitarmos o fenômeno estudado, após iniciarmos a interpretação dos dados

primários, optamos pelo pluralismo metodológico, o qual é uma perspectiva que nos

permite ver a realidade investigada a partir de diferentes ângulos e abordagens.

E a triangulação, sem dúvida, é uma dessas perspectivas no âmbito

metodológico, já que ao se obter dados de fontes distintas e analisá-los a partir de

estratégias diversificadas, ver o objeto e iluminá-lo sob diversas possibilidades e

ângulos, a probabilidade de nos aproximarmos da validade dos resultados é maior.

Assim, de acordo com Minayo (2010), o procedimento de triangulação está presente

no processo de análise, a partir da articulação de três aspectos, no nosso caso,

destacamos: as narrativas dos sujeitos participantes da pesquisa; os dados coletados

durante a observação participante e o diálogo com os teóricos que discutem a temática

em foco, o que nos assegurou uma compreensão mais aprofundada acerca do

fenômeno.

127

Nos baseamos, pois, em elementos da análise do conteúdo proposta por Bardin

(2009), que enquanto método utiliza procedimentos objetivos e sistemáticos de

descrição do conteúdo de mensagens, tornando-se, pois, um conjunto de técnicas de

análise das comunicações. Ou seja, refere-se ao tratamento das informações

presentes nas mensagens.

Sendo assim, partimos de uma primeira leitura, uma pré-análise das

observações e entrevistas, sistematizando as ideias iniciais, num primeiro contato com

o texto, buscando elementos recorrentes nos dados coletados e delimitando o que

seria de fato analisado, a partir dos objetivos norteadores da pesquisa. Num segundo

momento, realizamos uma nova leitura, com o objetivo de confirmar os elementos

identificados a priori, partindo, então, para a codificação, na qual segundo a autora,

consiste na exploração do material e transformação dos dados brutos do texto, a partir

da agregação, enumeração e recortes significativos que possibilitaram uma

representação do conteúdo expresso e que nos levaram à categorização, a partir das

frequências confirmadas. A categorização, segundo Bardin (2009, p.117), diz respeito

à:

[...] classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos, sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos.

Sendo assim, estabelecemos categorias que pudessem agrupar o material

coletado, a partir de uma rede de relações entre si. As categorias construídas foram:

Implicações das avaliações padronizadas (Prova Brasil), na formação continuada de

professores; Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas

da Prova Brasil e o que sentem os docentes e o que dizem sobre as possibilidades de

contextualização em anos de avaliação padronizada. Estas foram subdivididas em

tópicos, aprofundadas nos capítulos seguintes.

A partir de então, intensificamos a fase de interpretação, inferências e tessitura

do texto, cuja prioridade foi o detalhamento, a descrição, para que a partir dela,

pudessem ser reveladas as descobertas e, então, chegássemos às conclusões (não)

finais.

128

5 INICIANDO APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Buscando atender ao que estabelecemos nos objetivos desta pesquisa e

descrevermos os dados de modo que se tornem claros ao leitor, optamos por dividir

as observações e as escutas em seções, embora isso não signifique que tais

momentos e vivências se deram de forma desintegrada e isolada. Muito pelo contrário,

em muitos momentos, as observações realizadas nos levaram às escutas dos sujeitos

participantes deste estudo e vice-versa.

O tópico a seguir teve como objetivo identificar se as formações continuadas

dos professores do 5º ano, no município de Juazeiro Bahia, apresentam um enfoque

baseado na contextualização do ensino ou se atendem, apenas, às demandas da

Avaliação Nacional do Rendimento Escolar. Para tanto, descrevemos as prioridades

postas nas pautas formativas em anos em que há a edição da Prova Brasil e em anos

em que não há a realização desta.

Nesse sentido, fazemos uma descrição de todas as formações continuadas

observadas durante o período de investigação desta pesquisa, de modo que o cenário

das avaliações padronizadas e as estratégias utilizadas na Rede Municipal de Ensino,

tendo em vista a realização da Prova Brasil, vai se revelando a partir das próprias

orientações e experiências vivenciadas ao longo das formações.

5.1 A transição entre o ano letivo de 2014 a 2015

Na introdução deste trabalho situamos, brevemente, os cenários22 vivenciados

na rede municipal de ensino de Juazeiro, nos anos de 2013, 2014 e 2015. E, nesse

sentido, já pontuamos que em 2014, ano em que não aconteceu a Prova Brasil, o

cenário que se construiu foi a de uma tentativa de fomentar e ampliar a discussão e o

experimento com materiais didáticos23 contextualizados com o Semiárido Brasileiro.

Para tanto, as formações continuadas oferecidas na rede municipal de ensino

contemplaram sempre as discussões em torno das especificidades e dos saberes

22 A partir da página 22. 23 Neste caso, já esclarecemos que no ano de 2014, o município de Juazeiro adotou os Livros Conhecendo o Semiárido I e II, bem como, as escolas tiveram acesso a outros tantos materiais produzidos pelo IRPAA.

129

inerentes ao Semiárido e sua realidade histórica, assim como, o estudo e estratégias

de trabalho com os Livros produzidos pela RESAB, direcionados aos alunos do 4º e

5º anos.

Durante este processo, a Secretaria de Educação Municipal de Juazeiro/BA

(SEDUC) contou com a parceria constante do IRPAA24 e da RESAB. Construindo,

também, as Diretrizes Político-Pedagógicas (DPP/SEDUC) do município de

Juazeiro/BA, as quais foram fundamentadas na proposta de Educação

Contextualizada para a Convivência com o Semiárido e que a partir dos eixos: I-

Gestão Educacional, II- Formação Continuada, III- Currículo Contextualizado e IV-

Material Didático contextualizado, tinha-se a perspectiva de serem a base do trabalho

a ser desenvolvido por toda a comunidade escolar municipal.

No entanto, essas diretrizes não chegaram a ser socializadas com os,

aproximadamente, 2.000 (dois mil) profissionais do magistério, entre professores

gestores e outros, que atendem nosso sistema de ensino. Além disso, até o mês de

junho do ano de 2016, as diretrizes não foram publicadas. Ainda no ano de 2014,

analisamos este documento e verificamos que embora não contemple um grupo

temático específico que promova o debate acerca da avaliação, esta é contemplada

no grupo temático referente à Gestão Educacional, no qual se estabelece como uma

das ações: “Implantar um Sistema de Avaliação e Monitoramento pautado nos

princípios da Educação Contextualizada” (SEDUC, s.d, p.80).

Todavia, o referido documento não prevê os procedimentos e/ou mecanismos

que tornarão concreto esse sistema de “avaliação contextualizada”. E, além da falta

de clareza em relação à proposta de avaliação, as observações feitas durante os

encontros de formação continuada em 2014, nos mostraram que não houve uma

ênfase referente a tal discussão.

Paralelo à efervescência dessas discussões em torno do fazer pedagógico

contextualizado, já durante o mês de setembro, observamos também, a ansiedade e

a movimentação da gestão educacional do município, das escolas e dos professores,

na expectativa da divulgação dos resultados do IDEB, referentes ao ano de 2013, ano

de edição da Prova Brasil. E eis, que durante os últimos meses que precediam o fim

24 Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada

130

do ano letivo, a discussão em torno da contextualização começa a perder espaço para

os comentários, comparações, comemorações de uns e lamentações de outros,

diante do índice obtido pelo município e suas respectivas instituições de ensino.

Este cenário coincide com a fase exploratória desta pesquisa, na qual

buscávamos através de leituras e observações, uma maior familiaridade, para que

pudéssemos melhor compreender a dinâmica deste fenômeno, objeto de estudo no

presente trabalho. Conforme já nos referimos anteriormente, o processo de

observação contou com a facilidade de sermos parte integrante desta rede de ensino.

E, até certo ponto, um dos atores/atrizes estudadas nesse processo de pesquisa. Esta

implicação com o objeto de estudo nos possibilitou acompanharmos a dinâmica desse

processo de implantação de uma proposta de Educação Contextualizada no Sistema

Municipal de Ensino de Juazeiro-BA. Permitiu-nos ver, ouvir e sentir as tentativas, os

avanços e os recuos da citada proposta.

Vale destacar, que entre os muitos reveses na implementação da proposta de

Educação Contextualizada, algumas ações chamaram a nossa atenção. Entre elas, a

divulgação dos índices de desenvolvimento da educação básica, em que alguns

professores, coordenadores e escolas as quais alcançaram um resultado considerado

positivo no desempenho da última edição da Prova Brasil, utilizaram as redes sociais

para divulgarem seus resultados, como uma forma de prestarem contas e dizerem

“nós alcançamos a meta”, ensino de qualidade “a gente vê por aqui”.

Nesse mesmo processo, uma lista com os nomes de todas as escolas e seus

respectivos Ideb, começou a circular, o que fomentou ainda mais as lamentações dos

sujeitos cujas instituições não se encontravam na lista das “boas escolas” (leia-se:

com um bom Ideb).

131

Figura 2 Figura 3

Fonte: (Facebook, 09/09/2014). Fonte: (Facebook, 05/09/2014).

A materialização visual dos resultados, através da publicização, pressiona e

leva a comunidade escolar e a sociedade, a exigirem sempre as melhores

classificações possíveis, ainda que não haja por parte dos agentes externos à escola,

uma compreensão clara acerca de quais competências são exigidas do aluno e qual

matriz curricular orienta estes exames. Além disso, conseguir garantir uma boa

classificação implica, também, em adquirir o reconhecimento e o respeito não só dos

grupos gestores, mas de toda uma sociedade que considera como coerente, a

“verdade” expressa nos números.

O que leva em alguns casos, inclusive, a enfatizarem e atribuírem o “bom”

resultado de uma turma, ao esforço próprio e dedicação de sujeitos específicos, e não

de uma coletividade que compõe o sistema de ensino (figura 1), deixando

subentendido, que o não alcance da meta pode estar diretamente ligado à falta “de

esforço, dedicação e estudo” de determinados sujeitos considerados como

“responsáveis” pela má “qualidade” do ensino, que ora pode ser o professor, ora o

gestor, o coordenador ou o aluno.

Tendo, pois, sido divulgados os resultados da Prova Brasil e alguns inícios de

sua repercussão, o ano letivo de 2014, finalizou com a realização de algumas mostras

de trabalhos desenvolvidos por algumas instituições de ensino, a partir da proposta

de contextualização para a convivência com o Semiárido. Todavia, não houve mais

132

nenhuma reunião com os representantes da SEDUC ou formação continuada, para

discutirem os possíveis rumos, continuidades ou desvios que seriam realizados no

ano seguinte. Fato este que levou muitas escolas, antes das férias, a adiantarem o

planejamento pedagógico do ano de 2015, baseando-se na proposta de Educação

Contextualizada para a Convivência com o Semiárido. E assim, o ano letivo concluiu-

se.

Embora as escolas tenham entrado em recesso e a Secretaria de Educação se

volte para o seu planejamento interno, a repercussão dos acontecimentos vivenciados

durante o ano letivo, em muitas situações, sempre embala os assuntos e esquenta o

debate entre os professores, mesmo em situações de informalidade. Estas se repetem

de diversos modos, principalmente, nas confraternizações realizadas para comemorar

o curto intervalo de “descanso”. Em dezembro de 2014, por exemplo, durante uma

comemoração entre amigos professores, numa conversa informal, entrou em pauta a

“Prova Brasil/Ideb”, tema que ganhou força e voz, abafando e emudecendo o som que

animava aquele encontro. O fato é que um dos meus amigos e professor que

trabalhava numa escola situada na zona rural de Juazeiro, desabafou:

A minha diretora está lá revoltada. Soltando fogo pelas “ventas”, porque a escola não ficou com o Ideb alto. Ela quer que a gente faça mais o quê? Porque aula boa a gente tá dando, não é pra contextualizar? Até me embrenhar no mato, eu me embrenhei este ano, pra conhecer o lugar que os meninos moram e poder discutir mais com eles. Vocês viram as fotos, né? Depois, discutimos e fizemos várias produções sobre aquela experiência e fizemos uma exposição na escola, que ela no dia, ficou toda orgulhosa. E agora, por causa do Ideb quer dar a entender que a gente não tá fazendo o trabalho bem feito? Tenha santa paciência, com essa contradição (A1, 2014).

Complementando a discussão, outra professora que fazia parte da conversa

relatou que a gestora da escola em que trabalha (localizada na sede), assim que teve

acesso ao índice da instituição, ficou bem frustrada porque não estava entre as

primeiras, com as maiores notas. À medida em que fazia esta declaração, a professora

confessava que no presente ano (2014) havia desenvolvido um trabalho bastante

significativo com as crianças, a partir das discussões em torno da Educação

Contextualizada. Mas, apesar de gostar de trabalhar com turmas do 5º ano, já estava

decidida a pedir para mudar, pois, preferia trabalhar de modo mais tranquilo,

preocupando-se com o aprendizado das crianças, e não com a tensão causada em

133

torno da Prova Brasil, que atinge bastante as turmas do 5º ano e a qual ela já havia

vivenciado no ano de 2013.

Analisando estas questões, observamos uma exploração de aspectos

competitivos em relação aos resultados. Competição esta de essência meritocrática,

que tornou-se um dos motivos de estresse no sistema educacional, inclusive, no

município lócus desta pesquisa. Embora se perceba que determinadas experiências

realizadas fora da escola e trazidas para dentro dela são significativas para os

educandos, e promovem possibilidades de aprendizagem pertinentes, pautadas no

reconhecimento do lugar em que vivem, se os números do Ideb não corresponderem

às expectativas impostas pelo MEC/Inep, todo o trabalho realizado tende a ser visto

como vão, sem relevância social, como é possível perceber no desabafo de “A1”.

Até mesmo porque, como nos afirmam SOUSA (1994 apud CATANI E

GALLEGO, 2009, p.62), as comparações entre as escolas por meio do desempenho

dos alunos tendem a aumentar, também, a discriminação, pois “além dos alunos

‘fortes’ e ‘fracos’, passa-se também a ter escolas ‘fortes’ e ‘fracas’” e professores

inseridos nesta mesma classificação.

Observamos, assim, que a avaliação padronizada traz consigo um dos maiores

problemas, que é o de “impor para todos os alunos padrões de desempenho, à revelia

das diferenças. Espera-se que todos tenham, no caso ideal, o mesmo desempenho

máximo, quando isto não é real e muito menos pedagógico” (DEMO, 2004, p. 119).

Pois bem, trouxemos esses primeiros elementos, apenas para situar melhor o

leitor, sobre o processo vivenciado no ano de 2014, até adentrarmos, de fato, em

2015, ano em que nos pusemos em campo, com a perspectiva de viver e coletar dados

que estão tecendo esta produção.

Após respirarmos a proposta de contextualização do ensino, eis que se inicia o

ano de 2015, e com ele, o ano letivo da rede municipal de Juazeiro Bahia. Ao invés

de acontecer a conhecida Jornada Pedagógica coletiva, já esperada por todos, os

professores, coordenadores e gestores foram recebidos com formações continuadas

específicas. No entanto, tendo em vista a nossa proposta de estudo, traremos

descrições e reflexões referentes às formações destinadas aos professores do 5º ano,

que será o foco da seção seguinte.

134

5.2 Avaliação Padronizada: Um cenário fixo e aparentemente oculto

5.2.1 O ANO LETIVO “ÍMPAR” E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO

Tendo em vista que a Prova Brasil ocorre bianualmente e sabendo que sua

primeira edição se deu em 2005, compreendemos que a realização deste exame se

dá sempre nos anos ímpares. Logo, ao iniciar o ano de 2015, já sabíamos a qual

sistema, as escolas de todo o país seriam submetidas.

Constatando esta afirmação, o ano letivo do município de Juazeiro iniciou-se

no mês de fevereiro, recepcionando a todos com a pauta da Prova Brasil. Apesar de

não ser novidade, para quem já é veterano na rede, este fato causou estranhamento,

pois, do primeiro momento até o final da recepção, as formadoras, assim chamadas

as profissionais que estão à frente das discussões e orientações pedagógicas do

município, não pronunciaram nenhuma questão que fizesse referência à proposta

fomentada no ano anterior e par (2014), ou sequer algum termo que se relacionasse

à contextualização.

A recepção se deu com as boas-vindas, com algumas oficinas lúdicas, entre

elas, a produção de jogos e brincadeiras e, em seguida, alguns comunicados sobre a

sistemática referente ao calendário das formações. Assim, os docentes tomaram

conhecimento de que as formações no presente ano, seriam norteadas pela matriz

curricular que orienta a ANRESC/Prova Brasil, pois havia muita coisa a ser feita e para

que fosse possível executá-las, todas as datas já estavam previstas no calendário

letivo. Finalizando assim, a recepção dos professores do 5º ano, nível em que focamos

o nosso estudo.

À medida em que os professores iam saindo das salas de formação, se

deparavam com mesas onde estavam distribuídas coleções e livros diversos a serem

vendidos. E um emaranhado de braços, de mãos, de vozes, emitiam esforços para

conseguirem adquirir a coleção referente à Prova Brasil e ao Saeb, coleção composta

por um Livro de Português e outro de Matemática, todos trazendo exercícios e

questões baseadas nos descritores e nos modelos cobrados neste exame.

Embora o valor da coleção fosse, naquele período, de R$ 200,00 à prazo e R$

180,00 à vista, percebemos o significado atribuído pelos docentes a estas coleções

135

que priorizam a Prova Brasil, uma vez que, mesmo que tenhamos escutado muitos

deles reclamando do valor, o fato é que no momento em que estas coleções se

esgotaram, o barulho aumentou, uma espécie de desespero tomou conta de alguns

professores, os quais aos gritos, gostariam de saber como adquirir o material. De

forma que o vendedor tomou nomes, telefones endereço pessoal e profissional, se

comprometendo a levar até cada um desses sujeitos, o material alvo de desejo.

Alguns mais ansiosos e se considerando mais espertos, saíram pesquisando

quem dava aula de apenas uma disciplina, propondo assim, a compra da coleção em

dupla, de forma que o professor de Português ficasse com o seu livro, seguindo a

mesma lógica para o professor de Matemática. Quando essa alternativa repercutiu,

os nomes presentes na lista do vendedor reduziram-se razoavelmente e o barulho que

até então predominava, também.

Percebemos que os sistemas de ensino apostilados, as coleções padronizadas

contendo atividades-modelo se tornam assim, vislumbradas como uma espécie de

amuleto da sorte para os bons desempenhos. O que é um fator que precisa ser alvo

de nossas preocupações, uma vez que o comércio de material didático é um

fenômeno que tem se consolidado na área educacional, assumindo conotações

mercadológicas que se afastam cada vez mais da relação entre conteúdo pedagógico

e contexto escolar.

Sob a justificativa de ajudar a melhorar a “qualidade” e oferecer possíveis

caminhos que ajudem a comunidade escolar a cumprir as metas e alcançar os índices

esperados, professores e gestores se tornam alvo fácil das editoras e das grandes

indústrias de material didático, cuja principal intenção é a mercantilização da

educação, o lucro, a ideologia capitalista. Vendem-se tais produtos como se fossem

uma receita que traz os ingredientes e o passo a passo de como fazer “bons alunos”.

E os “bons alunos” daí produzidos surgem numa proposta educativa

descontextualizada, alheios aos significados e às reflexões que lhes possibilitem

pensar sobre o mundo e a localidade em que vivem, o que tende a fortalecer o estigma

da colonização que permeia as narrativas abstratas e homogêneas, excluindo as

pluralidades de perspectivas.

136

Esses materiais padronizados acentuam uma prática escolar que leva

professores e alunos a discutirem e a resolverem “problemas que só existem nos

Livros Didáticos, e relacionamos muito pouco com o nosso cotidiano, com nossa

história, com nossa cultura” (LINS, 2011, p.99), se apresentando assim, como um

dificultador da contextualização do ensino e fomentando um ritual já naturalizado,

onde o desenvolvimento das aulas se limita à lição da página 1, lição da página 10 e

assim, sucessivamente. Enquanto, na verdade, a lição que cada menina e menino do

Semiárido aprende, todos os dias, é que no ‘chão da escola’ não cabe o ‘chão do seu

mundo’.

A concepção limitada e unilateral presente nos materiais didáticos associada à

existência dos materiais apostilados referenciados nos exames nacionais

padronizados, os quais focam numa base curricular considerada “comum” a todo o

território nacional; em geral, é reproduzida pelas escolas cotidianamente e leva os

alunos, todos os dias, a vivenciarem um currículo descontextualizado, no território

onde tecem a sua condição de existência.

Nessa perspectiva, isso tende a tornar-se ainda mais preocupante, quando

pensamos no Semiárido Brasileiro. Se analisarmos que a Região Nordeste foi sempre

representada nos discursos considerados legítimos que permeiam o currículo

hegemônico, a partir de uma representação limitada, estereotipada, fragmentada,

tendo sua cultura, identidade e história extremamente homogeneizadas,

entenderemos que nossa concepção de realidade, nossas vozes de nordestinos estão

desautorizadas de representações, a partir das concepções particulares instituídas no

currículo dominante. Logo, tornando-se “alienígena ao Semiárido Brasileiro; as

escolas deixam de realizar a sua função social pertinente aos povos do Semiárido,

negando às crianças o direito de compreender o universo do qual fazem parte” (SILVA,

2011, p. 33).

O que nos remete à urgência de se ampliar e estabelecer lutas contra a

produção desses materiais universais hegemônicos que se operam “de fora” para

“dentro”; uma vez que para Reis (2010, p.122): “A universalidade não considera o

contexto, a particularidade, não dialoga com os atores sociais e com os seus saberes,

porque estes são considerados menores e não devem entrar na escola”.

137

Portanto, pensar numa educação contextualizada é também pensar na dialética

existente entre a repercussão desse paradigma educacional e o modo como os

materiais didáticos universais produzidos também têm se fortalecido e conquistado

ainda mais espaço nas nossas escolas, a partir das exigências de um sistema nacional

de avaliação padronizado cuja função tem sido a de modelagem do “cidadão”

necessário à sociedade globalizada.

Nesse sentido, buscando captar outras impressões daquele primeiro momento

observado, nos dispusemos a caminhar pelos corredores da escola onde se deu esta

primeira “formação” de boas-vindas. Próximo a uma mesa, vimos alguns olhares de

estranhamento, de dúvidas e de incompreensão diante do que acabara de acontecer.

Sentamos numa cadeira, para observar melhor aquela dinâmica, e visualizamos um

grupo de três professores que lanchavam e comentavam a vivência daquela manhã.

E a colocação feita por uma delas, talvez, traduzisse a lacuna que havia ficado

na compreensão de todos os outros professores, ou senão, de boa parte deles. Ela

dizia não entender onde “foi parar a contextualização”. E as outras duas mostravam

concordância, balançando a cabeça e revirando os olhares.

Retomando às nossas anotações, encontramos o trecho referente à fala desta

professora:

Pra que foi mesmo aquele alvoroço todo de contextualização feito ano passado? Eu imaginei que as coisas fossem tomar um rumo; pois aqui, todo ano é uma invenção nova, muda tudo. Só não muda em ano de Prova Brasil que a gente sabe né, como é que funcionam as coisas? Lembra de 2013? Vai começar tudo de novo (PROFESSORA A, 2015).

Notamos, que os anos letivos representados por números ímpares trazem

consigo uma representação diferenciada dos anos que são pares. A partir da fala

dessa professora, compreendemos que estes últimos demonstram anos de outras

possibilidades, de outros caminhos, de outras dinâmicas, tal como o investimento

numa proposta de educação contextualizada que aparenta, nesta fala, ter sido

interrompida por uma dinâmica que se mostra imperativa, forte e fixa durante os anos

ímpares, a exemplo de 2013 e 2015.

Ao mesmo tempo, emerge o fato de que não há, efetivamente, um princípio

básico que rege as formações continuadas, anualmente, pois como podemos ver na

138

colocação acima, “todo ano muda tudo”; com exceção dos anos em que há a Prova

Brasil. Ou seja, esse trecho revela que os únicos anos em que não acontecem

mudanças, ou “inovações” nas formações, são os anos em que se realizam a Anresc,

pois, nesse contexto, já se tem as prioridades e o currículo formativo a ser vivenciado.

Para ampliar nossos dados e compreender as nuances desse processo,

consideramos essencial descrever e problematizar a formação vivenciada pelos

docentes no ano de 2015, buscando analisar se no decorrer dessas formações, há de

algum modo, um enfoque na contextualização do ensino, ou apenas um enfoque que

atenda às demandas do Sistema Nacional de Rendimento Escolar.

5.2.2 DESCREVENDO O PERCURSO DAS FORMAÇÕES CONTINUADAS

No ano de 2015, acompanhamos 09 formações continuadas promovidas pela

SEDUC e destinadas, especificamente, aos professores do 5º ano. E, tendo em vista

o modo como foi nomeada: “Formação da Prova Brasil”, já é possível que o leitor tenha

alguns indícios sobre a natureza desse processo.

Inicialmente, as formações foram organizadas durante dois dias, nos turnos

matutino e vespertino, com duração de quatro horas. Num dia (em ambos os turnos)

acontecia a formação de Língua Portuguesa e no outro dia, ocorria a formação de

Matemática. Assim, os professores poderiam se organizar observando o horário mais

adequado à sua ausência na escola, e as instituições cujos professores fossem de

disciplinas específicas, não sofreriam com a ausência de muitos docentes, já que os

momentos formativos se davam durante a semana, em paralelo ao horário de aula.

Para tanto, foram organizadas quatro turmas, duas destinadas aos professores

de Língua Portuguesa e duas destinadas aos professores de Matemática. Para dividir

os docentes de modo a não superlotar e esvaziar nenhuma das salas, no primeiro dia

de formação, passou-se uma lista de frequência em cada turma, e a partir daí os

professores foram divididos e fixados em turmas específicas. Os docentes que

trabalhavam apenas com uma disciplina iam apenas um dia, num único turno, já os

docentes que trabalhavam tanto com Português, quanto com Matemática, precisavam

ir para as formações, durante os dois dias, para garantirem o estudo dos conteúdos

discutidos em ambos os componentes.

139

A princípio, a nossa pretensão era participar tanto das formações de Língua

Portuguesa quanto de Matemática. Mas, para isso, teríamos de estar disponível os

dois turnos. No entanto, nossa condição de implicada na rede municipal de ensino,

como professora efetiva, dificultou a nossa liberação da sala de aula por duas vezes

numa mesma semana, pois isso significaria nos mantermos ausente durante 08 horas,

por 09 dias (quantidade de formações), o que totalizaria uma ausência de 72 horas.

Como esta não foi uma possibilidade bem aceita, decidimos focar nossas

observações apenas nas formações de Língua Portuguesa, disciplina que lecionamos

e que, portanto, teríamos o direito de nos ausentarmos da sala de aula. Esta

reorganização não se tornou nenhum empecilho e nem trouxe lacunas para a

compreensão desse processo, uma vez que, pudemos acompanhar com intensidade

este movimento com o mesmo grupo de professores e com a mesma formadora, de

modo que em cada encontro, todos se mostravam com menos timidez e mais à

vontade para fazer certas colocações, expor certos conflitos e posturas. Assim,

buscamos entender a dinâmica vivenciada nas formações de Matemática, a partir das

conversas informais e entrevistas realizadas com os professores.

Descreveremos, a partir de agora, os encaminhamentos dados em cada uma

das formações observadas.

1ª formação: 10/03/2015

Cheguei ao local da formação uns 10 minutos após o horário marcado. Senti um clima meio “pesado”, uma sensação de que as coisas estavam meio obscuras, uma tensão no “ar”. Um grupo de professores falava em tom meio alto, enrugando a testa, outro grupo apenas observava com olhares ansiosos, como quem quer saber logo o desfecho do dia. Nesse clima, sentei-me de posse do meu diário de campo e dispus-me a observar e a ouvir (DIÁRIO DE CAMPO, 10/03/2015).

A primeira formação iniciou-se com as boas-vindas e a exibição de um vídeo,

cuja temática foi relacionada à avaliação da aprendizagem. Logo após, foi travada

uma breve discussão, em que apenas dois, dos vinte e dois professores presentes na

turma, fizeram suas colocações em relação ao conteúdo exibido. O grupo estava meio

inquieto, alguns olhares desatentos ao vídeo, conversas paralelas, olhares de

ansiedade.

140

Aparentemente, todos estavam esperando um comunicado “oficial” da

formadora no que se refere aos boatos que surgiram ainda no início do ano letivo,

sobre uma possível “revolta” e desentendimentos que tinham ocorrido entre os

membros da SEDUC, após a divulgação do Ideb.

Segundo as informações repassadas entre os diversos grupos de professores,

estariam acontecendo atitudes de responsabilização, em que durante uma reunião

geral, teriam dito que a superintendência pedagógica não estaria cumprindo sua

função com excelência; outros teriam “repassado a bola” para as formações

continuadas, as quais não teriam conseguido atingir seus objetivos; outros já tentavam

responsabilizar os índices, a partir do alto número de professores contratados na rede

municipal, enfim, essas foram informações que estavam sendo repassadas de “boca

em boca” e que não se sabe ao certo até que ponto iria o teor da verdade. O fato é

que todos estavam ávidos por uma possível discussão relacionada a estes

comentários.

Sendo assim, após a conversa sobre o vídeo exibido, a formadora deu

continuidade, socializando a pauta do dia e esclarecendo alguns pontos que iriam

estimular todo o processo formativo no ano de 2015, adentrando sutilmente, na

discussão que todos queriam ouvir. E, neste momento, toda a sala silenciou. Nas

palavras dela:

Bem, este ano, precisamos alcançar o que não alcançamos em 2013. Nosso resultado do Ideb foi apenas dois décimos acima do esperado, é pouco demais. Esses dois décimos preocuparam muito o nosso Secretário de Educação, pois em 2013, tivemos uma quantidade boa de formações e o resultado ter sido esse? Inclusive, ele já fez alguns pronunciamentos, e este ano, serão muitas formações. Precisamos evoluir (FORMADORA, 2015, grifo nosso).

No que se refere às médias referidas, é válido retornar ao quadro 4, na

introdução. A formadora se refere ao fato de que no ano de 2011, o município atingiu

a média 4,0 e no ano de 2013, atingiu 4,2, ultrapassando apenas dois décimos.

Em seguida, expôs na lousa interativa, alguns dados já demonstrados nos

quadros disponibilizados no primeiro capítulo. Enfatizou junto aos professores, a

necessidade de se ter o cuidado com a reprovação do aluno e a evasão. Pois esses

elementos são indispensáveis no cálculo do Ideb. Assim, de acordo com os dados

141

divulgados pelo Inep, no ano de 2013, ano em que foi calculado o último índice, até

então, nas séries iniciais, o total de reprovações havia sido de 1.946 (mil, novecentos

e quarenta e seis), o equivalente a 12,4% dos estudantes, o que significa dizer que a

cada 100 (cem) estudantes, 14 (catorze) foram reprovados.

Após divulgar esses valores, a formadora prosseguiu dizendo que este era um

dado muito estranho, pois os alunos tinham se saído melhores na Prova Brasil e piores

nas avaliações internas realizadas nas escolas. E este fato se traduzia no número de

reprovações. Logo, esta ação precisava ser revista, repensada, pois, “a avaliação

externa demonstra que eles estão aprendendo. Então, será que a gente tá avaliando

bem os nossos alunos? Essas taxas de rendimento contribuem bastante com os

nossos índices. Vamos ter mais cuidado! ” (FORMADORA, 2015).

Diante disso, observamos que o que estava sendo colocado, na verdade,

demonstrava pouca preocupação com o aprendizado real e significativo das crianças

e mais preocupação com os números e com o que eles podem representar. Era

preciso ter cuidado com as reprovações porque elas interferem diretamente na

construção do Ideb e não na vida pessoal e na cidadania de cada criança. Essa última

foi a mensagem que permaneceu oculta. Em seguida, destacou os nomes das escolas

que tinham alcançado o 1º e 2º lugar no melhor Ideb em Juazeiro.

A lógica que o MEC/Inep segue é a seguinte: Quanto maior a nota na Prova

Brasil, maior o aprendizado. Quanto maior o valor da taxa de rendimento, significa que

maior é a aprovação. Portanto, aumentando o desempenho na Prova Brasil junto ao

número de aprovações, maior será o Ideb. Foi assim, desvendado o mistério que a

maioria dos professores que ali estava não tinha conhecimento. Muitos, inclusive,

demonstraram bastante surpresa.

Após a exposição de todos esses números, sentimos uma certa tensão, tanto

por parte dos docentes, quanto por parte da formadora. Era uma espécie de pedido

de socorro, para que todos juntos, pudessem fazer a sua parte buscando a melhoria

urgente nos desempenhos no ano de 2015. Alguns professores se colocaram,

afirmando que, infelizmente, havia um “peso” muito grande nas costas dos

profissionais que lecionam nas turmas de 5º ano, pois, os meninos chegam a esta

série mal alfabetizados e “os professores desta turma é que têm de fazer milagre? É

142

um absurdo! A Prova Brasil e o Ideb deve ser uma preocupação e responsabilidade

de todos, desde o 1º ano” (PROFESSORA B, 2015).

Depois desse desabafo, a formadora concordou que toda a escola deve está

unida em benefício do bom desempenho, que os professores precisam se preocupar

desde as séries iniciais, para que os alunos não encontrem as dificuldades que

encontram ao chegarem a esta turma. E, logo em seguida, põe-se a esclarecer o que

é o SAEB, quais seus objetivos, as diferenças entre o SAEB e Prova Brasil, como é

composta esta última, apresenta também, a escala de proficiência (medidas e

habilidades a serem desenvolvidas) e como são elaborados os itens que compõem a

Prova Brasil.

Assim, para finalizar esta primeira formação, os educadores responderam a um

simulado, individualmente, o qual deveria ser preenchido com o nome completo e

nome da escola em que trabalhavam. O simulado seria corrigido pela formadora,

devolvido e comentado na formação seguinte. Ao anunciar que todos nós

realizaríamos este procedimento, a maior parte estranhou, perguntou para que serviria

e a formadora respondeu que era para termos um contato com o formato da avaliação

padronizada. Alguns professores, mesmo acreditando em outras intenções (a de que

seria, na verdade, uma avaliação do professor) não se opuseram a realizar. Desse

modo, encerrou-se a Primeira Formação continuada.

2ª formação: Dia 24/03/2015

Após acolhida e boas vindas com a exibição de um vídeo cuja proposta foi a de

discutir a necessidade do planejamento tanto na vida pessoal, como na vida

profissional e, neste caso, no trabalho a ser desenvolvido com os alunos, a formadora

conversou sobre a necessidade de cada professor traçar um planejamento,

estabelecendo as metas a serem atingidas em um determinado período de tempo.

Como a matriz de referência da Prova Brasil é composta por 15 descritores em Língua

Portuguesa e 28 de Matemática, a sugestão era de que pudesse seguir uma lógica

semelhante às formações, dividir os descritores e ir trabalhando aos poucos um

conjunto deles, atentando-se ao tempo, para que não se corresse o risco de o aluno

não ter acesso a todos.

Após este primeiro diálogo, a formadora socializou a pauta do dia e expôs, na

lousa interativa, um gráfico demonstrando o desempenho dos professores no

143

simulado realizado na formação anterior. Cada coluna do gráfico representava a

quantidade de professores que havia acertado o gabarito de cada questão. Segundo

ela, dos 22 docentes que se encontravam naquela sala, somente 03 tinham “fechado

o simulado”.

Dando continuidade à pauta do dia, realizou a correção de cada questão com

os docentes, esclarecendo qual descritor e habilidade leitora estava sendo “cobrada”

em cada uma daquelas questões, incentivando os professores a terem muita clareza,

para que pudessem, também, elaborar questões que contemplassem aqueles

mesmos elementos discutidos na formação. Em nenhum momento, os docentes

expuseram dúvidas ou discordâncias no que se refere ao gabarito trazido pela

formadora. Em seguida, foi comunicado que havia sido criado um email, em que as

formadoras estariam alimentando com os materiais trabalhados nas formações e

sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos, entre outros, o qual

todos os professores poderiam ter acesso.

E à medida em que ela ia estabelecendo algum diálogo ou comentário com a

turma, buscava sempre dar algumas sugestões, das quais podemos destacar:

É bom todos vocês terem uma pastinha para colocar apenas os materiais da Prova Brasil. Vocês precisam discutir na escola, ações para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, onde todas as disciplinas poderão realizar atividades voltadas para as habilidades que caem na Prova Brasil. Outra sugestão é que vocês estejam sempre vendo questões anteriores, ou questões que tenham o mesmo formato, e já irem realizando com os alunos (FORMADORA, 2015).

Esclareceu, também, que todos os simulados trabalhados com os professores

durante as formações seriam sempre enviados às escolas, para que pudessem ser

resolvidos com os alunos. Além isso, a SEDUC enviaria para as escolas, um simulado

a ser realizado em cada unidade letiva, cujas informações deveriam ser devolvidas

com o número total de estudantes que dominam cada descritor presente no simulado.

Antes de finalizar o dia, a formadora propôs uma roda de diálogo fazendo o seguinte

questionamento: “A Prova Brasil já é algo que está na rotina da escola e no seu

planejamento? ”.

Muitos professores disseram que sim, que já estavam trabalhando junto a

outros colegas para que todos pudessem elaborar suas atividades no mesmo formato

do exame. Em seguida, ela sugeriu, inclusive, que os professores das demais

144

disciplinas pudessem ter contato com os descritores da Prova Brasil, para terem maior

clareza em como elaborar as atividades. Sugeriu também, que os professores que

trabalhavam tanto com Língua Portuguesa como com outros componentes, pudessem

explorar os mesmos procedimentos, a partir dessas outras áreas do saber, citando

até exemplos: “Em história, por exemplo, você pode explorar um determinado texto

pedindo que o aluno identifique qual é a linguagem usada, pode pedir para ele localizar

uma informação explícita e assim, por diante” (FORMADORA, 2015),

Continuando as orientações, afirmou que a intenção da formação é, inclusive,

fazer com que os docentes pudessem sair desses momentos com um banco de dados

de atividades, a partir da matriz de proficiência que referencia a elaboração Prova

Brasil, para que eles pudessem realizar com os estudantes; afinal, esta “é a bússola

que orienta o que deve ser dominado pelo aluno” (FORMADORA 2015).

A formadora continuou reafirmando a necessidade de observar atentamente os

gêneros textuais que estão presentes na escala de proficiência, pois os educandos

deveriam ter contato com todos eles. O mesmo servia para Matemática.

Nesse momento, um professor que demonstrava uma aparência meio inquieta

sussurrou próximo a mim: “ Agora, só vamos priorizar a Prova Brasil. É isso que eu

estou entendendo”. Possivelmente, a formadora tenha escutado o comentário ou

notado certo incômodo por parte do professor pois, imediatamente, se colocou:

“Gente, vamos lembrar que não podemos negligenciar a matriz curricular no município

e focar apenas na Prova Brasil. Vamos ter isso em mente” (FORMADORA, 2015).

Todavia, este comentário foi bastante sem força, tendo em vista todas as outras

orientações que vinham sendo dadas desde o início da formação.

A partir desse diálogo, outra professora sugere que para conseguir atender à

proposta curricular da rede e a matriz de referência do exame era só separar alguns

dias da semana para trabalhar apenas os descritores da Prova Brasil e não arriscar

que alguns deles não fossem contemplados. Retornou-se mais uma vez, à matriz de

referência da Prova Brasil, esclarecendo como interpretá-la e o que deveria ser

trabalhado com os alunos.

Finalizou-se assim, a segunda formação.

Hoje, nos chamou bastante atenção o fato de que apesar de alguns professores (nos bastidores) se colocarem contrários à burocratização do

145

trabalho docente e ao engessamento de atividades que tenham como prioridade, os conteúdos da Prova Brasil, poucos expõem suas impressões, diante deste cenário e muitos são os que ficam atentos a cada informação “dada” pela formadora, para que possam passar adiante, as práticas vivenciadas durante as formações. Penso que há muita repetição e pouca problematização, pouca reflexão (DIÁRIO DE CAMPO, 24/03/2015).

3ª formação: Dia 13/04/2015

Após acolhida com um vídeo e a crônica “O homem nu”, de Fernando Sabino,

a formadora reservou um tempo para discussão sobre ambos e logo em seguida,

apresentou a pauta.

Esclareceu algumas questões, entre elas, um novo procedimento a ser

realizado apenas nas turmas dos 5º e 9º anos. A SEDUC disponibiliza no diário do

professor, uma planilha onde encontram-se distribuídas algumas habilidades de

escrita, produção de texto e leitura, de modo que a cada unidade é realizado um

diagnóstico para dar subsídio ao preenchimento dessas planilhas que são enviadas

para a SEDUC, a qual acompanha o nível dos alunos das escolas municipais,

transformando esses diagnósticos em dados que permitem julgar se os estudantes

estão evoluindo ou não.

Como o foco da Prova Brasil é apenas leitura, a formadora comunicou que a

partir de então, a planilha de leitura das séries já citadas seriam substituídas, por uma

planilha que contemplaria os procedimentos de leitura que são avaliados pela Prova

Padronizada. Assim, os professores poderiam continuar preenchendo a planilha

anterior, porém, os únicos dados os quais seriam enviados para Secretaria de

Educação eram os específicos da planilha que contemplava a Prova Brasil.

Entendemos, pois, que este foi um mecanismo criado, para que a secretaria pudesse,

de fato, garantir que os descritores da matriz de referência fossem trabalhados por

todos os docentes das séries avaliadas, afinal, eram eles que seriam utilizados como

diagnóstico.

Outra novidade apresentada nesta formação foi o fato de que o formato das

formações seria modificado. Ao invés de serem realizadas em dois dias, seriam

realizadas apenas num único dia, duas turmas de Português e Matemática pela

manhã e pela tarde. A justificativa foi a de que em algumas escolas onde os

146

professores eram polivalentes, estavam encontrando dificuldades para pagar

substitutos.

Além disso, a alternativa de deixar algum funcionário da própria escola

desenvolvendo “alguma” atividade com os alunos não funcionava em escolas de porte

grande, e como o município não estava se responsabilizando pelo pagamento que

pudesse cobrir os momentos em que os professores estavam em formação, os

recursos próprios das escolas também estavam limitados e não poderiam ser

utilizados para isso. Outro problema era o enfrentado por professores que moram na

zona rural, os quais tiravam o pagamento da passagem do próprio bolso e estava

ficando “pesado” para custearem dois dias de formação (Português e Matemática),

então, a solução encontrada foi esta já apresentada.

A sugestão foi a de que os professores que davam aula tanto de Português

quanto de Matemática fizessem uma alternância. Numa determina formação ficasse

na sala de Português, na outra formação já iria para a turma de Matemática. Tendo

concluído a discussão sobre essas mudanças, a formadora deu continuidade,

afirmando que neste dia, o foco das atividades seria a discussão em torno dos gêneros

textuais que são cobrados na Prova Brasil, mas que não estão presentes na proposta

pedagógica do 5º ano, da rede municipal de ensino, a exemplo da Crônica e da

Anedota.

Nesse momento, uma fala nos chamou atenção. Foi a fala de uma professora

da escola que alcançou o maior Ideb, no ano de 2013, no município de Juazeiro. Ela

expôs para a turma, que os alunos dela não sentiram tanta dificuldade, porque ela

havia trabalhado “praticamente, todos os textos que caíram na Prova Brasil, ou pelo

menos, textos bem semelhantes” (PROFESSORA C, 2015), afirmando que não se

podia perder tempo trabalhando tantos outros gêneros.

Após isso, a formadora enfatizou que “Não precisa passar muito tempo

trabalhando um gênero textual que não esteja na escala de proficiência, pois significa

que não será cobrado” (FORMADORA 2015). A ênfase deveria, pois, recair sobre os

gêneros presentes na matriz da Prova Brasil. Em seguida, entregou um material

xerocado, contendo questões para que os docentes pudessem responder e identificar

quais descritores estariam sendo cobrados em cada um dos itens analisados. A

147

intenção era que os docentes pudessem entender em quais formatos, os itens da

Prova Brasil vêm organizados, ao se avaliar determinados descritores.

Um fato que nos chama a atenção, é o de que sempre que algum professor

durante algum comentário, utilizava a palavra “treinar”, como numa colocação feita

por um deles ao afirmar “É, tem que treinar bastante a leitura desses meninos”, a

formadora intervia afirmando que não se deveria negligenciar a matriz curricular mais

ampla e focar apenas na Prova Brasil. Nesse momento, ela mostra certo contraste,

suas orientações em tudo, demonstram um direcionamento exclusivo para a Prova

Brasil, porém, em alguns momentos, percebemos certo conflito de modo muito sutil,

como se suas concepções se distanciassem, de certo modo, daquilo que o cargo que

ela ocupava lhe exigia orientar professores de um modo determinado e específico.

Começamos a perceber aqui, certo esvaziamento. Nesta terceira formação, se

fizeram presentes apenas 15 professores. Ao final, foram corrigidas e esclarecidas

cada uma das questões. Finalizando assim, a terceira formação.

4ª Formação: 11/05/2015:

Percebi que um número expressivo de professores também passou a chegar após o horário acordado para o início da formação. Alguns já chegaram perguntando a hora em que a turma seria liberada, outros justificaram que precisariam sair mais cedo. Certo esvaziamento passou a ser observado durante os encontros. Poucos professores se envolveram nas discussões, pouquíssimos questionaram ou tiravam dúvidas. A maior parte demonstrava sempre uma atitude de ansiedade, como uma criança que na escola, conta os segundos para o horário do recreio e o horário de ir embora. Alguns diziam que além de tirar o sossego na escola, durante a semana, a Prova Brasil, agora, havia acabado com o sossego aos fins de semana. Sensações estranhas estas, que a nosso ver, passaram a tornar a formação um processo dolorido (DIÁRIO DE CAMPO, 11/05/2015).

O quarto encontro iniciou-se com uma acolhida intitulada “Ginástica cerebral”,

cujo vídeo representava um cérebro malhando. Logo em seguida, foi desenvolvida

uma dinâmica do abraço e foram feitos alguns comentários breves, no sentido de levar

o professor a compreender a necessidade de estimular as crianças a desejarem

aprender. Sobretudo, naquele período em que os mesmos tinham tantos conteúdos e

descritores para “darem conta”.

148

Continuando, abriu-se espaço para os relatos de experiências, em que mais

uma vez, os docentes deveriam socializar o que estavam fazendo nas suas escolas,

em relação ao trabalho com os conteúdos da Prova Brasil.

Após este momento, a formadora comunicou que naquele dia, em grupos, os

professores iriam elaborar atividades que ao final, seriam colecionadas de modo que

todos tivessem um banco de dados com sugestões de atividades a serem

desenvolvidas e ampliadas em sala de aula, visando a um bom aproveitamento no

Exame Nacional/ Prova Brasil. Desse modo, cada grupo recebeu uma folha xerocada

com alguns textos e, em seguida, foram sorteados alguns descritores. A intenção era

que cada grupo ficasse com descritores diferentes. Sendo assim, deveriam elaborar

um banco de itens (de questões) utilizando os elementos que tinham em mãos.

Observamos certa dificuldade por parte de muitos grupos ao criarem estas

questões, uns reclamavam dos textos que não contemplavam os descritores, outros

diziam que era importante ter em mãos os modelos dos itens da Prova Brasil. E a

inquietude em torno dessa proposta foi significativa.

Somente quando o horário começou a acelerar, os professores querendo “se

livrarem” do dever, encontraram alguma forma de produzir o que havia sido solicitado.

No entanto, as questões foram entregues diretamente à formadora, não houve

socialização. Alguns docentes comentavam baixinho que essa dinâmica deveria ser

uma avaliação, para saber se os professores estariam conseguindo elaborar

atividades ou não, baseadas no formato da Prova Brasil.

Antes de finalizar, a formadora sugeriu também, a ideia de os professores

baixarem atividades sobre a Prova Brasil, encontradas na internet e salvarem no

laboratório de informática, para que as crianças pudessem acessar este outro espaço

para ampliar o contato com atividades baseadas nos descritores cobrados.

5ª Formação: 25/05/2015

Hoje, tive a impressão de que a escola não tem vida, não tem gente, não tem cor, não tem sonhos, medos, curiosidades, anseios. Parece-me que este ano, a vida dos sujeitos escolares deu um “stop”. A única possibilidade de play dada aos sujeitos, diz respeito ao que está ligado à avaliação externa. Já é previsível as pautas na formação dos professores e na dos alunos (DIÁRIO DE CAMPO, 25/05/2015).

149

Neste dia, os professores foram acolhidos com a dinâmica “Bola de Assopro”.

Todos ficaram organizados em círculos, e à medida que a bola ia passando de mão

em mão, no momento em que a música ao fundo parasse, o professor que estivesse

segurando a bola, deveria estourá-la, ler a questão surpresa e responder.

Todas as “questões” eram referentes aos descritores da Prova Brasil. Os

professores deveriam saber dizer qual o descritor era referente aos códigos “D1, D3,

D10, D13, D15, entre outros”. Cada bola trazia um código diferente.

Ou seja, cada descritor presente na Matriz de referência da Prova Brasil é

identificado por um número. Por exemplo: O D13 (descritor 13) de Língua Portuguesa,

diz que o estudante deve saber “Identificar efeitos de ironia ou humor em textos

variados. ”, assim, cada descritor tem uma descrição específica. E a função da

dinâmica era exatamente que os docentes respondessem a qual descritor se referia

cada código.

Segundo a formadora, cada professor deveria ter a clareza de quais são os

descritores que orientam a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar. O que na

nossa compreensão, a dinâmica se constituía como uma espécie de treino

desnecessário, pois todos os docentes tinham acesso impresso a esta matriz, bem

como, ela se encontra disponível na internet. O professor não precisa passar horas

numa formação, para memorizá-los.

Após concluir a dinâmica, todos os professores foram organizados em fila, para

responderem a mais um simulado que deveria ser entregue à formadora, para que ela

fizesse a correção. Finalizou-se assim, a 5ª formação.

Percebi um incômodo dos professores, ao terem de resolver o simulado. Os olhares eram tanto de reprovação, quanto de insegurança. Discordavam da prática, utilizando o argumento de ser controle e fiscalização do professor, mas ao mesmo tempo, apresentavam receio em não conseguirem dar conta de responder, corretamente, aquilo que tendem a “ensinar” a seus alunos (DIÁRIO DE CAMPO, 25/05/2015).

150

6ª Formação: 13/08/2015

Após acolhida dos professores, a formadora devolveu os simulados aos

professores e realizou a correção das questões, apontando o gabarito correto. No

entanto, não houve discussão sobre o motivo que levaram as demais alternativas

estarem incorretas, os docentes também não questionaram, não tiravam dúvidas.

Percebemos que certa fadiga começava a ser demonstrada na postura de

muitos professores, menos disposição, mais preocupação com o horário. Inclusive,

num momento em que um dos docentes fazia um sinal de que queria fazer um

questionamento, outra professora fez um sinal de silêncio, comentando que era bom

não atrapalhar, porque senão, o horário da formação iria se estender.

Em seguida, cada professor recebeu uma folha xerocada contendo várias

questões, as quais deveriam responder e identificar a qual descritor da matriz de

referência da Prova Brasil, cada uma das questões contemplava. Ao final da

resolução, as questões foram corrigidas, juntamente com a identificação dos seus

respectivos descritores e discussão sobre o modo como esses descritores costumam

ser cobrados na Prova.

Dando continuidade, a formadora trouxe alguns itens construídos pelos grupos

de professores, durante a 5ª formação. Primeiramente, as questões foram entregues

numa folha xerocada, para que os grupos avaliassem as produções de outro grupo

distinto, no intuito de manter ou reelaborar o item produzido. No geral, cada grupo

identificou fragilidades nas atividades analisadas e, logo após, a formadora exibiu, na

lousa interativa, alternativas que poderiam melhorar a elaboração das questões

produzidas.

Após a socialização, a formação finalizou-se, de modo que cada professor saiu

com mais alternativas de atividades a serem realizadas com seus alunos, seguindo o

padrão da Anresc.

7ª Formação: 12/09/2015

Os professores foram acolhidos com uma questão de raciocínio lógico. A

finalidade, segundo a formadora, era despertar e estimular o cérebro a pensar.

Exercício que os professores deveriam levar, com frequência, para a sala de aula.

151

Continuamos a observar que o início das formações começou a se dar com

certo atraso, um número significativo de professores deixou de chegar no horário

exato e outros passaram a sair mais cedo, com a justificativa de precisarem ir resolver

algum problema na rua, outros de pegarem o ônibus, entre outros. Desse modo,

pegavam a “papelada” que seria discutida ao longo do dia e retornavam a seus

“outros” compromissos.

Neste dia, a formadora informou que os simulados da unidade tinham atrasado,

porém, brevemente, chegariam às escolas. Logo após, aconselhou os professores a

prestarem muita atenção aos descritores que ainda não tivessem sido trabalhados

com os alunos.

Nós, nas formações, estamos mais lentos, pois elas acontecem aproximadamente, a cada 15 dias. Mas, na escola, vocês devem acelerar. Tem gêneros textuais que estão na matriz da Prova Brasil, mas não estão na proposta curricular da nossa rede. Por isso, é preciso que vocês olhem a escala de proficiência e vejam quais são cobrados e quais ainda não foram trabalhados (FORMADORA, 2015).

Em seguida, entregou um bloco de atividades xerocadas, para que os docentes

pudessem responder e, mais uma vez, analisar os descritores que “estavam por trás”

de cada item. Fez a correção, avaliando que muitos professores ainda apresentavam

dificuldades no domínio de elementos que envolvem aspectos de coesão e coerência,

tais como: conjunções, advérbios, entre outros. Por isso, reservou um tempo para

ampliar essa discussão e revisar tais conteúdos com os docentes.

Ao final, questionou quais ações interventivas poderiam ser realizadas para

apropriação desses descritores por parte dos alunos. Retomando a algumas ações já

propostas em formações anteriores, finalizando assim, a formação. Um aspecto

curioso é o fato de que, neste dia, apenas 12 professores permaneceram até o final.

8ª Formação: 13/10/2015

A acolhida aconteceu com uma dinâmica intitulada “Encontrei uma nova

profissão”. Cada professor sorteou uma plaquinha que continha uma profissão

inexistente e deveria dizer se aceitaria ou não trocar de profissão. Um exemplo dessas

profissões era “Cortador de unha de elefante”, entre tantas outras mais exóticas.

Sendo assim, nenhum professor aceitou trocar a sua profissão por uma das que

estavam presentes na placa sorteada.

152

Ao final da dinâmica, a formadora prosseguiu dizendo que precisamos nos

convencer de que há profissões muito mais complicadas, que o professor precisa se

valorizar, deixar de fazer piada com sua profissão, mostrar ânimo, disposição. E, caso

não deseje mais continuar, deveria fazer um concurso e atuar em outra área. Se esta

dinâmica não surtiu efeito por um tempo prolongado, pelo menos, funcionou até o final

desta formação. Embora tivessem apenas 16 professores, todos ficaram até o final.

Os encaminhamentos do dia se limitaram ao comunicado de que um grupo de

articuladores de tecnologia do município havia criado um programa com banco de

questões da Prova Brasil e que seria instalado em todas as escolas, para que os

alunos pudessem ficar tendo acesso às atividades distintas baseadas nos descritores

cobrados.

Os professores realizaram mais um simulado, porém, este foi corrigido

coletivamente, sem precisar devolver à formadora. Em seguida, ela orientou os

professores a trabalharem o livro infanto-juvenil “E pele tem cor? ”, pois seria cobrada

no próximo diagnóstico enviado pela SEDUC. Apesar de ser um livro muito bonito e

que traz uma abordagem referente às questões étnico-raciais, não houve discussão

ampliada e debates sobre o conteúdo da obra.

Ao final, a formadora orientou os professores a trabalharem antecipadamente

com os alunos, os questionários sócio-culturais, que acompanham a Prova Brasil.

Segundo ela, seria importante que os estudantes já se familiarizassem com as

questões presentes no questionário, além de terem ainda, maior contado com o

gabarito, para que no dia da prova já estivessem habituados: “Vocês podem fazer

mais de uma vez. Já vai fazendo um treinamento” (FORMADORA, 2015). Logo após,

os professores resolveram mais um bloco de questões, identificaram os descritores e

após a correção, a formação encerrou-se.

9ª Formação: 06/11/2015

Nomeada de Planejamento Formativo, a última formação realizada pela rede

municipal de ensino não teve um foco diretamente ligado à Prova Brasil.

Durante a acolhida, foi exibido um vídeo que abordava a Pedagogia do Afeto

e, em seguida, a formadora discorreu sobre a necessidade de se valorizar e ouvir o

aluno, não o deixando invisível. Pela primeira vez, diga-se de passagem, e já no mês

153

de novembro, quase ao final do ano letivo, a formação possibilitou uma reflexão que

pusesse os educandos na condição de sujeitos que precisam de voz. Pois até então,

todas as ações estavam voltadas para aquilo que os professores deveriam levar para

a sala de aula, no que se refere às questões técnicas do ensino e aprendizagem, para

o Sistema Nacional de Avaliação.

Após esta primeira conversa, os professores foram surpreendidos ao

receberem numa folha xerocada, uma rotina a ser seguida pela turma do 5º ano. De

acordo com a formadora, a rotina não estava “acabada”, mas sim, “semi-pronta”, de

maneira que os professores poderiam fazer as adaptações necessárias. A rotina

entregue trazia uma divisão de horários e uma sistematização, contendo o que deveria

ser realizado ao longo do tempo em que os alunos estivessem em aula.

Estabelecendo assim, uma estimativa de tempo para a acolhida, chamada,

correção da atividade de casa, discussão de conteúdo, gêneros textuais, entre outros;

enfim, organizando as ações a serem executadas durante a semana, a partir de cada

disciplina.

As formadoras não fizeram nenhum comentário em relação a esta questão,

porém, muitos professores falavam que os gestores de algumas escolas ficaram

sabendo que os representantes da Superintendência Pedagógica do município não

estavam satisfeitos com os resultados dos últimos simulados da Prova Brasil,

realizados com os alunos do 5º ano.

Passou-se, pois, a acreditar no fato de que a apresentação dessa rotina, a qual

é válido destacar, todas as turmas do Ensino Fundamental I receberam, tenha sido

uma forma de controlar e garantir que os professores pudessem trabalhar a partir das

orientações dadas nas formações. Nesse sentido, a formadora destacou que mesmo

se aproximando o fim do ano letivo, nunca seria tarde para revermos nossas práticas,

nossas ações, nossos planejamentos. “É sempre tempo de mudar”.

Ao ouvir isto, uma professora expressou baixinho: “Ô, amada, mas diga assim:

professores do 5º ano, depois da Prova Brasil, vocês começam a trabalhar essa rotina.

Pois agora, a gente só pensa nisso” (PROFESSORA D, 2015).

154

Para finalizar a última formação do ano letivo, a formadora faz uma

retrospectiva, relembrando os caminhos já percorridos durante alguns anos. De

acordo com ela, no ano de 2013, as formações discutiram a questão da

interdisciplinaridade, a partir inclusive dos trabalhos a serem desenvolvidos com o

Projeto “É Hora de Ler25”, orientando como era possível trabalhar as obras literárias,

a partir das várias disciplinas. Um fato que é preciso destacar é o de que esta

perspectiva de formação era oferecida aos professores de 1º aos 5º anos, todavia,

atrelado a isso, professores de 5º e 9º anos, tinham formações específicas para a

Prova Brasil.

Em 2014, “falamos sobre contextualização, discutimos a importância de se

partir do nosso contexto, trouxemos palestrantes e nem por isso deixamos de discutir

o Projeto É Hora de Ler. No ano de 2015, foi tudo isso que vocês vivenciaram”

(FORMADORA, 2015).

Em 2015, percebemos nitidamente, a restrição das formações às pautas da

Prova Brasil. A observação ao longo das formações foram revelando o quão distante

se apresentavam dos contextos das escolas, dos professores e dos alunos. Todas as

orientações dadas se davam em pacotes a serem desenvolvidas em todas as

instituições, não importando se estava localizada em zona urbana ou rural, localizada

no centro ou na periferia, em áreas de vulnerabilidade social ou não. Não havia lugar

para diferenciação, escuta da diversidade e particularidades das instituições.

5.2.3 IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS (Prova Brasil), NA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

Até o ano de 2015, vivenciamos apenas 6 (seis) edições da Prova Brasil,

ocorridas nos anos ímpares (2005, 2007, 2009, 2011, 2013 e 2015), quantidade

suficiente para ganhar atenção nos debates referentes à qualidade do ensino público

e, sobretudo, espaço nas pautas estratégicas das gestões municipais, no que se

refere ao alcance dos indicadores de qualidade das instituições de ensino. O uso

público dos resultados leva à propaganda das escolas com bons resultados, e à

25 O projeto tem o objetivo de desenvolver nas crianças o gosto pela leitura e exercitar a produção textual.

155

responsabilização de sujeitos e grupos pelo baixo desempenho de algumas

instituições.

Torna-se uma verdadeira “caça ao tesouro”, em que o tesouro é o “culpado”

pela pouca qualidade do ensino. Assim, ao longo das observações, posturas e escutas

vivenciadas, percebemos que tentou-se atribuir o “problema” à superintendência

pedagógica que transfere a responsabilidade ao grande número de professores

contratados, ora atribui-se à formação continuada, que já repassa a bola para os

professores, acusando-os de não terem cuidado com a avaliação interna e a

reprovação; enquanto os gestores escolares tendem a desconfiar do trabalho

desenvolvido pelos docentes (a exemplo do depoimento de A1) e estes, por sua vez,

responsabilizam os alunos os quais não chegam ao 5º ano preparados, não sendo,

portanto, possível se “fazer milagre” (PROFESSORA B); chegando até mais longe,

culpando as famílias consideradas “desestruturadas” e sem compromisso com a vida

escolar dos filhos.

Esses são alguns dos conflitos gerados quando “retoma-se à ideia de uma

avaliação cuja função é a de classificar ou de hierarquizar” (CATANI E GALLEGO,

2009, p.58). E, nesse processo de responsabilização, o peso costuma recair sobre as

escolas e sobre a formação continuada dos docentes, que passa a ser considerada

uma das principais estratégias de investimento para a melhoria dos indicadores.

Nesse sentido, é importante analisarmos a afirmativa: “A gente precisa investir mais

no aluno. Mas a gente investe no aluno, investindo no docente, e nisso, temos a

formação continuada do professor. Pois, tendo um bom professor, nós teremos bons

resultados” (C. A, 2016). Em síntese, a solução está nas mãos do docente.

A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar e a busca pela melhoria dos seus

resultados passam, então, a serem a “bússola orientadora” e a maior preocupação

das formações continuadas destinadas aos profissionais do magistério. O que a nosso

ver tende a significar uma desqualificação do corpo docente, tendo em vista que a

ideia intrínseca é a de que o problema nos desempenhos está, exclusivamente, na

formação dos professores.

A formação continuada não é para corrigir falha de formação inicial, não. No entanto, hoje ela existe mais para esse fim porque a gente também não pode fechar os olhos para a realidade, então, não é raro, você já deve ter testemunhado isso, a gente faz formação da Prova

156

Brasil, o que é que a gente vai trabalhar na formação da Prova Brasil, os conteúdos exigidos e as habilidades exigidas na Prova Brasil, porque o professor não sabe e aí, é preciso trabalhar coisas que são elementares que ele não tinha (C.A, 2016).

A partir da justificativa em relação às fragilidades na formação inicial , vimos

que as formações continuadas direcionadas aos professores do 5º ano, podem ser

sintetizadas, essencialmente, em três momentos: O momento em que os professores

eram solicitados a responderem simulados ou bloco de atividades elaborados pelas

formadoras, contemplando os conteúdos e o formato da Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar; o momento reservado para a correção dessas atividades

realizadas pelos professores, e o momento destinado a orientar e a ouvir o que estava

sendo inserido na rotina escolar das escolas, no que se refere à Prova Brasil.

Ou seja, ensinava-se ao professor aquilo que ele deveria ensinar aos seus

alunos e, para certificar-se se o professor estava ou não “aprendendo a lição” alguns

simulados só eram devolvidos depois de a formadora tabular quem havia acertado ou

errado as questões propostas; somando-se a isto, a constante insistência em levar os

professores a socializarem as experiências que estavam sendo desenvolvidas em

suas escolas, para auxiliar no preparo para o exame; tornando professor um mero

operacionalizador de um currículo determinado prescrito.

Nesse contexto de avaliação padronizada, as formações continuadas tendem

a promover, conforme entende Esteban (2003) a homogeneização do conhecimento

e do trabalho escolar, de forma que a autoridade que lhes é conferida na orientação

pedagógica dos docentes, possibilita a ação legítima na formatação dos currículos

vivenciados nas instituições de ensino.

O que se espera é que a partir das formações, os docentes e,

consequentemente, as escolas, consigam melhorar suas ações pedagógicas,

contribuindo com a “aprendizagem” dos alunos, resultando em índices de bom

desempenho. Isso pode ser percebido numa das falas pronunciadas, durante a

primeira formação observada, quando ao afirmar que o pouco acréscimo do Ideb (de

4,0 para 4,2) de Juazeiro, teria preocupado bastante o Secretário de Educação, uma

vez que “tivemos uma quantidade boa de formações e o resultado ter sido esse?

Inclusive, ele já fez alguns pronunciamentos, e este ano, serão muitas formações”

(FORMADORA, 2015, grifo nosso). Observamos excessiva preocupação da SEDUC

157

com os indicadores e, especialmente, com o destaque da formação continuada como

a principal estratégia para a melhoria dos índices obtidos. A lógica utilizada, nesse

sentido, é a de que, quanto maior o número de formações oferecidas, melhores serão

os resultados numéricos.

Esta é uma compreensão que representa uma concepção de formação

extremamente reducionista e simplificadora, uma vez que exclui o fato de que os

professores são agentes na construção de seus saberes e atuam de modo particular

sobre eles, além disso, oculta-se a multidimensionalidade e as experiências subjetivas

que permeiam o fazer docente, entre eles, os distintos contextos locais, características

de cada escola, comunidade escolar e suas demandas, diferenças culturais que

circundam o ambiente de trabalho, experiências vivenciadas, nível de contentamento

com a profissão, nível de instrução, expectativas, valores e significados atribuídos à

formação, entre outros. Enfim, para Tardif (2007, p.36), o saber docente é “um saber

plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da

formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”.

No entanto, coloca-se o futuro dos resultados da Prova Brasil, sob

responsabilidade das formações continuadas “em detrimento de outras variáveis

importantes, como as condições de trabalho, análise das características das redes de

ensino, o perfil socioeconômico dos estudantes” (OLIVEIRA, 2011, p.27). Logo, o

enfoque direcionado à matriz curricular da avaliação nacional, implica no fato de que

o planejamento e a vivência das formações destinadas aos docentes se deem de

modo desintegrado dos contextos em que escolas, professores e alunos estão

inseridos.

Observamos que as formações continuadas englobam professores veteranos,

novatos, que atuam em bairros de grande vulnerabilidade social, outros que atuam no

centro da cidade, professores da zona urbana, rural, professores que já têm

experiência na turma que lecionam e professores que ainda não têm, entre tantas

outros. Porém, as formações ignoram esta diversidade, partindo, trilhando o mesmo

caminho e chegando ao mesmo ponto de modo unilateral, a todos esses sujeitos. A

padronização das avaliações tem gerado, também, uma formação padronizada, afinal,

o objetivo tem sido um só: “Bater a meta”. Se a meta é a mesma, entende-se que o

caminho percorrido, independente de onde se esteja, também deve ser o mesmo.

158

Portanto, enquanto o paradigma da contextualização e, neste caso,

enfatizamos também, a convivência com o Semiárido, atribui ao professor a função

de construir uma educação que acolha a diversidade, problematizando e provocando

a compreensão em torno da possibilidade de se ter diversos modos de agir, sentir e

construir, ou seja, uma educação para as diferenças, buscando um novo modo de ver

e ser no Semiárido, a partir dos conteúdos vinculados às múltiplas experiências aqui

vividas relacionando-as às vivências globais, no cenário das avaliações padronizadas,

temos um movimento formativo que contraria esse processo e homogeneíza tudo,

desconsiderando as necessidades e as práticas docentes como ponto de partida,

inserindo tudo num mesmo pacote a ser desenvolvido em contextos distintos,

resumindo tudo e todos em “farinhas do mesmo saco”.

Imbernón (2009, p.10) ratifica que “tudo o que se explica não serve para todos

nem em todo lugar”, e é exatamente esta máxima que, possivelmente, tenha levado

muitos professores a começarem a atrasar o horário de chegada, a silenciarem mais

nos momentos de formação, a ficarem cada vez mais ansiosos pelo término da mesma

e a se ausentarem para resolver suas demandas exatamente no momento de

formação. É preciso ater-se ao fato de que nem sempre “quem cala consente”. O

silêncio e a ausência podem, também, ser modos de resistência às práticas

estrangeiras aos nossos contextos, como nos disse uma professora entrevistada:

No começo eu até ia com mais vontade, mas, depois, fui percebendo que não tinha novidade, era só pra gente ir responder simulado, “tarefinha”, pegar o gabarito e voltar pra sala, praticamente, implorando para que os meninos prestassem atenção. Eles queriam lá saber de Prova Brasil. Quem aguenta isso direto, me diga? Com tanta coisa pra fazer. Por isso, eu deixei de ir e outra amiga repassava o material para mim. Dava no mesmo e eu ainda ganhava tempo (PROFESSORA 1, 2015).

Esse depoimento em que a professora justifica as suas ausências, para nós, é

uma resistência, uma recusa a continuar indo às formações para “ver mais do mesmo”,

o que reafirma a necessidade de contextualização dos saberes, uma vez que segundo

Imbernón (2009, p.14), tanto a educação quanto as formações docentes necessitam

de uma ruptura com o pensamento que analisa a educação de modo linear “sem

permitir a integração de outras formas de ensinar, de aprender, de organizar-se, de

ver outras identidades sociais, outras manifestações culturais e ouvir-se entre eles e

ouvir outras vozes, marginalizadas ou não”. Para que essa dinâmica de formação

159

possa ocupar espaço, precisamos de mais resistências, de mais recusas àquilo que

nos é imposto, arbitrariamente, sem nos perguntarem se nos servem, se nos

representam.

Após a finalização das observações realizadas, durante uma entrevista com o

representante da Secretaria de Educação do município, questionamos o motivo pelo

qual a formação continuada tende a assumir, anualmente, enfoques distintos. Ora,

pautada na contextualização, ora pautada na Prova Brasil e, assim por diante.

Na verdade, eu acho que foi um erro estratégico por que assim, não era para necessariamente mudar o enfoque, a gente trabalha os descritores da Prova Brasil, pensando no currículo da Rede Municipal, então, a gente tem que continuar trabalhando. Mas a gente fez a formação dos nossos formadores com o IRPAA, que era para que eles entendendo esses princípios, contextualizassem no processo de formação continuada. E era isso que os formadores passavam para gente, por exemplo: Que eles trabalhavam os descritores da Prova Brasil de forma contextualizada, com fatos da região, histórias daqui de Juazeiro, coisas de ordem da nossa cultura, de coisas da convivência com o Semiárido mesmo. Então, não é que houve uma mudança de enfoque, assim, total, não é? Que substituiu uma coisa pela outra. Só que eu acho que foi um erro estratégico que não deveria ter sido mudado, e sim dado continuidade aos poucos, mas as questões de ordem econômica, e a falta de formação acabou interferindo nisso, infelizmente (C. A, 2016).

Esse trecho traz elementos para muitas compreensões em torno do cenário

das avaliações padronizadas e o lugar da Educação Contextualizada, no processo de

formação continuada dos professores. Primeiro, embora demonstre que o enfoque

na contextualização não deveria ter sido mudado, assume que isso aconteceu,

atribuindo o fato a um “erro estratégico”. Estratégia esta que seria o “preparo para a

Prova Brasil”. Em seguida, afirma que não há como deixar de focar nos descritores da

Prova Brasil, por conta da própria proposta curricular que orienta a rede municipal de

ensino.

De posse desta informação, tivemos acesso à proposta curricular de Língua

Portuguesa, da turma do 5º ano, e verificamos que entre os 15 descritores presentes

na matriz que referencia a elaboração da Prova Brasil, 10 estão presentes na proposta

que orientaram o trabalho docente, na sala de aula. Ou seja, a partir da informação

coletada na entrevista, junto a esta constatação, percebemos que a base da proposta

curricular municipal, quando comparada à matriz de referência da Anresc nas

disciplinas avaliadas no exame nacional, seguiu praticamente, a mesma direção.

160

Alguns professores entrevistados afirmaram que, em 2015, houve reformulação

na proposta municipal e que alguns descritores que não tinham em 2014, foram

inseridos a partir da matriz da Prova Brasil. O que revela o fato de que tanto o

planejamento da formação continuada, quanto da matriz municipal tiveram como

preocupação central, a seleção de conteúdos que se integram mais à avaliação

padronizada que às experiências cotidianas de ensino-aprendizagem que

caracterizam as vidas que compõem a sala de aula.

No que se refere à parceria com o IRPAA, este foi um fato que ocorreu no ano

de 2014, quando o município investia na proposta da contextualização com o

Semiárido e quando, de fato, as discussões citadas pelo entrevistado, se fizeram

presentes nas formações continuadas. No entanto, apesar de afirmar que houve um

“erro estratégico” e que os descritores da Prova Brasil não poderiam deixar de serem

trabalhados, ele contorna a afirmação dizendo que a mudança de enfoque pode ter

ocorrido, devido ao não investimento em formações com os formadores. O que para

nós, é um argumento fraco diante do cenário construído e das informações já

explicitadas.

Nesse processo, a lógica das avaliações externas produzidas em outros

contextos regionais e que, portanto, não se preocupam com a cultura produzida e

vivenciada pelas gentes do Semiárido e de tantas outras regiões, passam a ocupar

cada vez mais espaço na prática docente, uma vez que os professores “cercados” por

todos os lados, tendem a dar ênfase ao trabalho com estes descritores, tendo em vista

que buscam preparar os alunos para um bom desempenho nos testes. A avaliação,

desse modo, tende a direcionar os currículos formativos, enquanto deveria ser o

currículo o norteador da avaliação.

O que se nomeia como formação continuada, nesse sentido, não se apresenta

como uma perspectiva formativa, mas apenas instrucionista, funcional e subserviente

aos interesses do mercado, como já discutido no capítulo 2. As avalições passam a

orientar as formações, que ao invés de se desenvolverem numa perspectiva de

problematização, investigação e compreensão real dos resultados de desempenho

nos seus respectivos contextos, transformam os professores em reprodutores

medíocres que ao não se tornarem autores do seu próprio saber e da sua própria

prática, dificilmente serão capazes de fazer de seus alunos autores.

161

Todavia, a perspectiva elaborada pelos grandes financiadores da educação e

que a gestão educacional no município reproduz muito bem, é a de que a sociedade

mais justa que todos querem é traduzida nos resultados das avaliações, característica

típica de cunho neoliberal.

Eu não sei porque essa ojeriza ao resultado, em tudo na vida a gente quer resultado. O professor que critica essa busca por resultado quer ganhar mais e isso é resultado do seu resultado. Se ele olhar para o seu contra-cheque ao final do mês e ver uma renda menor, vai ficar insatisfeito, então, para ele tem significado também. Correto? Então, ah, estão preocupados só com estatísticas... NÃO! Ninguém está preocupado só com estatísticas, mas a estatística reflete algo. A nota do aluno é um pódio. A gente não pode abrir mão de códigos, porque a gente se comunica assim. É o que está posto aí, então, é necessário. Se o código é o Ideb do município, então, a gente vai perseguir em melhorar o código, mas como se melhora o código? Melhorando a prática (C. A, 2016).

E como se melhora a prática? Preparando professores e alunos para a “Prova

Brasil”. Os governos cada vez mais se incomodam com os resultados advindos com

a Prova Brasil e o cálculo do Ideb, e a concepção de educação e aprendizagem

caminham em direção ao domínio daquilo que é cobrado no sistema nacional de

avaliação, pois, nota alta é sinônimo de qualidade do ensino. Uma das maiores ilusões

criadas, intencionalmente, pela escola moderna.

Segundo Luckesi (2008) os sistemas de ensino supervalorizam mais os índices

que propriamente o processo de ensino-aprendizagem. E, por isso, ouvimos falas

como: “é preciso evoluir”, “dois décimos é pouco”, “a Prova Brasil já está na rotina da

escola, no planejamento? ”, “Todas as disciplinas devem trabalhar essas habilidades”.

De forma que percebemos os efeitos dramáticos que essas “avaliações” têm sobre os

processos formativos.

No entanto, ao invés de desenvolverem estratégias complexas de investigação

e análise dos contextos vivenciados pelas escolas, sobretudo, as que alcançam

índices baixos, para agirem diretamente através de um processo educativo

interventivo, capaz de transformar as próprias condições sociais de vulnerabilidade,

marginalização, exclusão e abandono, despertando a possibilidade de os sujeitos

compreenderem os problemas que os afligem, buscando ações que permitam a

superação das adversidades, o que com certeza acarretaria na melhoria da educação

para a verdadeira cidadania, preferem trabalhar no discurso de que “todos são iguais”,

162

camuflando o verdadeiro princípio que tem regido as políticas educacionais, que é na

verdade, a perpetuação do oprimido. Mas para isso, é preciso continuar separando a

formação do contexto de trabalho, treinando professores robôs, competentes em

treinar alunos robôs.

Ao promover a padronização da formação, a avaliação contribui para

homogeneizar tudo e, inclusive, distorcer e simplificar epistemologias, entre elas, a

interdisciplinaridade, como vimos durante as formações. O que agrava ainda mais o

processo de mediocrização do trabalho docente. Afirmar que a Prova Brasil não é uma

responsabilidade apenas dos professores de Língua Portuguesa e Matemática,

propondo que haja um trabalho “interdisciplinar” com os professores das demais

disciplinas (história, geografia, ciências, entre outros) os quais também devem

elaborar suas atividades seguindo o mesmo formato desse exame, como disse a

formadora, não tem nada a ver com interdisciplinaridade. Tem a ver com mais um

processo de colonização do trabalho docente, com mais um processo de colonização

causado pela avaliação que submete tudo aos seus critérios de formato e controle.

A interdisciplinaridade estimula a necessidade de “religação dos saberes”, para

que seja possível relacionar a parte no todo e vice-versa. Uma prática interdisciplinar

tende a proporcionar a superação da visão restrita do mundo, rompendo os muros que

fragmentam e separam os saberes da realidade e entre si. Assim, o pensamento

complexo, na perspectiva interdisciplinar, mesmo tendo a clareza que o conhecimento

completo é inatingível, segundo Morin (2007), compreende que os conhecimentos

fragmentados devem ser relacionados, confrontados, comunicados um ao outro, como

um modo de responder às nossas necessidades e interrogações cognitivas.

A melhoria da educação, portanto, não se dá com a ajuda de um tipo de

formação que, segundo Imbernón (2009):

Permanece, predominantemente, dentro de um processo de lições ou conferências-modelo, de noções ministradas em cursos, de uma ortodoxia de ver o modo de formar, de cursos padronizados implementados por experts, nos quais os professores são considerados ignorantes, “estupidização” como diria Macedo (1994) e

eu acrescentaria, “estupidização formativa” (IMBERNÓN, 2009, p. 9).

De acordo Macedo (2014, p.60) nessa perspectiva de formação, a avaliação

caminha no mesmo sentido de redução, se limitando a uma compreensão de

163

avaliação da aprendizagem como julgamento externo “da performance individual, ou

se cai na construção de indicadores estatísticos descontextualizados, sem nenhuma

relação com o processo mesmo da formação e sua complexidade”, reduzindo-a e

simplificando-a a um produto, discute-se melhoria da qualidade, sem se discutir

avaliação, o que na concepção do autor, aliás, “a ausência de reflexões mais

aprofundadas sobre a avaliação na formação entre nós é de todo preocupante”.

As políticas de formação docente não podem se configurar como pacotes

lacrados, planejados de modo centralizado e direcionados a uma prática semelhante

a treinamentos e muito menos ser disseminadora de ideais positivistas. No entanto,

essa é uma atitude que exige uma transcendência de todos os sujeitos que pensam e

concretizam os direcionamentos educativos. Fleuri (2000, p.78) argumenta a

necessidade de requalificação e formação dos educadores, compreendendo essa

“formação”, não como o ato de dar forma, mas sim, como um processo de tirarmo-nos

das nossas formas e do modo como fomos modelados. Enfim, desmoldarmo-nos.

Não basta garantir a responsabilidade pública com a formação docente, mas

sobretudo, efetivar o que estabelece a LDB 9394/96, no artigo 61, parágrafo único,

incisos I e III, ao esclarecerem que as formações devem propiciar o conhecimento dos

fundamentos teóricos científicos e sociais de suas competências de trabalho, bem

como, aproveitar o processo de formação e experiências anteriores, uma vez que, é

preciso superar o instrucionismo que ainda nos avassala, a formação que se limita à

técnica pela técnica e excluem a autonomia crítica, o saber pensar, produzindo a

incapacidade de se forjar alternativas e “capacidade de ler a realidade” (DEMO, 2009,

p. 50).

Baseado no que diz Freire (1987, p.77), a formação docente a serviço da

verdadeira educação “não pode afundar-se numa compreensão dos homens como

seres vazios, a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos; não pode basear-se numa

consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada”, mas sim, conceber

os homens como sujeitos conscientes e problematizadores das relações que

permeiam o próprio mundo.

Percebemos, pois, que no município onde esta pesquisa foi desenvolvida, o

cenário das avaliações padronizadas tende a ser o elemento prioritário que orienta as

164

pautas da formação docente. A formação continuada torna-se assim, um desafio no

desenvolvimento de uma educação que se diz contextualizada, tendo em vista que

exerce um controle extremamente rígido sobre os professores, diminuindo a

autonomia do docente sobre o seu trabalho, tornando o saber cada vez mais

fragmentado, supervalorizando o trabalho com as disciplinas que são avaliadas nos

exames nacionais e atrofiando o estímulo à autoria de qualquer outra iniciativa que

não esteja pautada no currículo que orienta tais avaliações.

165

6 DESCORTINANDO VOZES: O QUE DIZEM OS PROFESSORES?

Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência,

da indignação, da justa ira dos traídos e dos enganados. Do seu direito

e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que

são vítimas cada vez mais sofridas (FREIRE, 1996, p.62-63).

Temos participado de muitos congressos, seminários, mesas redondas e outros

tantos eventos que tratam das demandas, das possibilidades e dos entraves no

campo da educação. Porém, apesar de discutirem o “chão da escola”, raramente,

vemos os professores que fazem a educação básica tendo o lugar de fala legitimado

nesses espaços, os quais, normalmente, são ocupados por pesquisadores e

estudiosos que falam de “lá”, de seus gabinetes, muitas vezes, distantes do lócus

onde, de fato, a vida escolar se opera. E é por isso que não poderíamos deixar de dar

som a essas vozes que conhecem e vivem, todos os dias, as dores e as delícias

vivenciadas na rotina docente.

Este tópico tem, pois, como objetivo principal, dar visibilidade e analisar, nas

falas dos docentes, as sensações expressas em relação ao contexto escolar

vivenciado em anos de edição da Prova Brasil e as possibilidades de

contextualização.

Assim, nosso contato com os professores deu-se em torno da necessidade de

investigar questões subjetivas e objetivas experimentadas pelos mesmos, ao longo

do cenário vivenciado nos anos ímpares, anos de edição da Prova Brasil. Os docentes

entrevistados foram questionados em relação às sensações que vivenciam em anos

do exame e às estratégias e dificuldades encontradas no processo formativo

desenvolvido nas escolas, diante deste cenário.

Desse modo, estruturamos este tópico, a partir das categorias de análises que

foram se estabelecendo no decorrer das falas dos entrevistados. Nas quais

destacaram-se as estratégias e dificuldades durante o processo formativo a partir das

demandas da Prova Brasil e que foram divididas do seguinte modo: Docência

compartilhada; distribuição das disciplinas na rotina escolar; simulados, aulões e

gincanas; estratégias para amenizar a tensão em anos de avaliação padronizada;

Projeto Educação Nota 10; sensações vivenciadas pelos professores e a

contextualização em anos de avaliação padronizada.

166

6.1 Estratégias e dificuldades no processo formativo a partir das demandas da

Prova Brasil

Além das formações continuadas propostas pela SEDUC, analisadas no

capítulo anterior, os professores, a partir de suas falas, trouxeram à tona uma série

de outras estratégias utilizadas para auxiliarem no trabalho junto aos alunos, em

busca do alcance dos bons “resultados”. Entre elas destacaram-se:

6.1.2 DOCÊNCIA COMPARTILHADA

Um dos principais fatores que distinguem as séries iniciais das demais etapas

de ensino escolar é a unidocência ou monodocência, na qual segundo Magalhães

(2007), diz respeito à estrutura curricular em que o mesmo professor permanece com

os alunos durante todo o período letivo, trabalhando diferentes áreas.

De acordo com ela, isso facilita a integração curricular, bem como, uma maior

proximidade afetiva entre o docente e os sujeitos, possibilitando maior autonomia da

organização da rotina escolar e melhoria do contexto pedagógico, até mesmo porque

o docente tem maiores possibilidades de partilhar experiências, passar mais tempo

com o educando, aumentando assim, possibilidades de acompanhamento.

Nesse sentido, até o ano de 2014, a pluridocência era uma realidade vivida

pelos estudantes, apenas a partir do 6º ano, início do Ensino Fundamental 2, onde

segundo Hoffmann (2008) passam a atuar vários docentes responsáveis por

disciplinas distintas e que, portanto, o tempo de contato que cada professor tem com

o aluno é mais reduzido.

Porém, após ter sido discutida mais amplamente, a proposta de educação

contextualizada e a busca pela redução da excessiva limitação e fragmentação entre

os saberes (discussão ocorrida em 2014); o ano de 2015, iniciou-se com uma

“novidade”, para professores e estudantes do 5º ano: A pluridocência, ou como foi

intitulada aqui em Juazeiro, “ docência compartilhada”.

Após entrevistar os professores, sentimos a necessidade de conversarmos com

o Secretário de Educação, de modo que nos foi dada a seguinte justificativa em

relação à estratégia da docência compartilhada:

167

Foi uma orientação, ela não foi uma determinação. A gente orientou que professores e coordenadores pedagógicos se entendessem com os professores, para que se esta estratégia fosse útil para as escolas deles, eles adotassem, com base em algumas reconhecidas fragilidades apresentadas pelos professores em determinadas áreas. Então, dadas as dificuldades metodológicas em que uns têm mais habilidade com matemática, outros com português, então, porque não fazer este casamento, para tentar melhorar os resultados? (C.A, 2016, grifo nosso).

Sendo assim, dos 10 professores entrevistados, 03 disseram que a princípio,

estranharam a docência compartilhada, devido ao fato de ter aumentado o contato

com o número de alunos, já que ao “dividirem as disciplinas” com outro professor, ao

invés de assumirem apenas uma turma, passaram a assumir duas turmas, dobrando

a quantidade de estudantes. Porém, concordaram que essa estratégia é melhor, já

que o docente foca mais especificamente na disciplina que leciona. Em relação à

organização dessa estratégia em cada escola, todos os entrevistados disseram ter

recebido esta proposta como determinação. Elegemos, assim, as seguintes falas:

Já chegamos à escola com esta novidade. A diretoria informou que nós iríamos compartilhar as disciplinas, um ficaria com Português, geografia e História, outro ficaria com Matemática, Ciências, Artes, para facilitar o trabalho. No começo estranhei, porque o número de alunos aumentou, eu daria aula de três disciplinas, em duas turmas de 5º ano. Mas como o foco era o mesmo, ficou legal (PROFESSORA 1).

Na hora de fazer a divisão das turmas, já que este ano, a docência foi compartilhada, a diretora fez sem me perguntar nada. Quando eu perguntei por que eu tinha ficado com Matemática, mesmo tendo formação em Letras, ela disse que era porque na Prova Brasil de 2013, o meu resultado tinha sido maior em Matemática. Então, ficou assim, porque ela achava que eu tenho mais domínio nesta área, apesar de minha formação ser Letras (PROFESSORA 4).

Este ano as disciplinas foram compartilhadas. Segundo a minha gestora era porque alguns professores estavam muito sobrecarregados e como tinha que dar conta de Prova Brasil, tanto dos descritores de português quanto de matemática, então eles pensaram em diminuir a sobrecarga do professor, pra ele focar mais em uma disciplina, que o resultado seria melhor. Ficou mais leve mesmo (PROFESSORA 3).

Essas questões enfatizam o quanto o desempenho dos alunos tende a ser

diretamente relacionado à competência profissional docente, excluindo-se outras

interferências sejam elas internas ou externas, mas que podem interferir

violentamente na aprendizagem e nos desempenhos. Quanto à imposição, o

Secretário de Educação contrapôs e justificou:

168

E a gente teve bons resultados em muitas escolas. Alguns gestores que se equivocaram e impuseram. Mas... é bom dar esta especificidade, isto é bom. E vai continuar, este ano ainda, como orientação (C. A, 2016, grifo nosso).

Primeiramente, partiremos da fala de “C. A”, ao afirmar que a ideia de se

compartilhar as disciplinas entre os professores surgiu da necessidade de se melhorar

os resultados. Segundo, complementaremos com as referências que a Professora 4

faz, ao relatar que lhe foi imposta a disciplina de Matemática porque o resultado “dela”,

na Prova Brasil, havia sido melhor nesta disciplina. Essas falas explicitam a

preocupação exclusiva com os resultados na avaliação externa.

De um lado, reconhece-se as fragilidades que os professores apresentam em

determinadas áreas do saber, mas, que ao invés de se pensar em alternativas

formativas que ajudem a melhorar o “todo”, pensa-se em ações reduzidas que tratarão

de melhorar a “parte” e a parte, neste caso, são os indicadores. Do outro lado, vemos

as contradições se constituírem, uma vez que se estabeleceu que a professora 4

deveria trabalhar Matemática, mesmo sendo formada em Letras, o que a habilitava ao

trabalho com Língua Portuguesa. Essa postura demonstra, pois, um desrespeito com

a qualificação do corpo docente, supervalorizando apenas, o aspecto observável do

resultado.

Assim, ao mesmo tempo em que se busca estratégias para auxiliar na

avaliação externa, limita-se as possibilidades de uma avaliação mais efetiva

internamente, e de um ambiente educativo que possibilite maior interação,

convivência e diálogo, uma vez que na pluridocência, além de o tempo ser mais

limitado, o número de alunos é dobrado, dificultando o acompanhamento e o

necessário atendimento diferenciado para a garantia da aprendizagem de todos. Um

professor que acompanhava 25 a 30 alunos numa mesma turma, agora, passa a

acompanhar 50 ou 60 alunos somando turmas distintas.

Então, Hoffmann (2008, p.36) nos incita a refletir: “Como farão os professores

para acompanhar e atender de forma diferenciada 50 alunos? ” E nós

acrescentaríamos ainda, o fato de que há turmas, em muitos casos, cujas crianças

ainda estão em fase de desvendar processos de letramento e numeramento,

necessitando de maior intervenção e ajuda docente, em que a unidocência traria

maiores oportunidades de acompanhamento e intervenção mais efetiva e duradoura.

169

No entanto, esta é uma preocupação bastante ausente nas falas trazidas, até

mesmo porque, de acordo com a Professora 3, a regra é clara, a intenção é: “Dar

conta da Prova Brasil (...) e focar mais em uma disciplina, que o resultado seria

melhor” (grifo nosso). De modo que esta organização burocrática escolar estruturada

a partir da histórica compartimentalização, fruto da ciência moderna, conta com um

mal maior: Os professores, oriundos de um processo formativo nessa mesma

perspectiva, não conseguem vislumbrar possibilidades de interação e interconexão

entre os compartimentos do saber. Logo, a expressão grifada acima já demonstra a

intenção de ênfase no processo de fragmentação e isolamento da disciplina em si

mesma.

Nesse sentido, temos uma estratégia que em benefício da avaliação externa,

vai de encontro a um dos princípios que fundamentam a contextualização e, portanto,

à pertinência do saber, que nas palavras de Garcia (2000, p.129) refere-se à

necessidade de:

[...] romper as fronteiras disciplinares que dividem o real em domínios diferentes e fechados, e como nas guerrilhas, ir fazendo incursões transversais por terrenos guardados por antigos proprietários possessivos que, na ausência de policiar a entrada em seu território, não percebem que há outras formas de entrada até então pouco conhecidas e que as fronteiras vêm sendo transpostas em busca de novos diálogos, de férteis negociações, entre lugares de tradução que nos possibilitam ver o que antes não éramos capazes de ver, apenas por não compreender.

O processo de contextualização fomenta, portanto, uma nova possibilidade de

compreensão, um novo paradigma de conhecimento que vislumbre os saberes de

modo a concebê-los entrelaçados, engalfinhados, relacionados entre si, o que pode

ser comprometido com a hiperespecialização dos saberes.

6.1.3 DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS NA ROTINA ESCOLAR

No decorrer das entrevistas realizadas com os docentes, percebemos que as

estratégias utilizadas por eles, em anos ímpares, estão diretamente ligadas à

distribuição da carga horária das disciplinas, na rotina escolar. Todos os 10

170

entrevistados, disseram ter aumentado ainda mais, a carga horária das disciplinas

avaliadas na Prova Brasil. Como é possível observar nas falas abaixo:

Isso não se comenta não, viu! Mas eu, depois que passou a Prova Brasil, foi que eu vim trabalhar com as outras disciplinas, enquanto a prova não aconteceu, o foco lá foi só português e matemática. As outras, mandava “pra” casa ou fazia algum trabalho, para dar nota, porque tem que constar, né? (PROFESSORA 2, grifo nosso).

Eu fiquei com Matemática, História e Ciências. Então, eu dava aula de Matemática todos os dias. As outras, eu tirava uma vez na semana. A minha coordenadora orientou assim e minha formadora de Matemática já dava os toques: Olhe, divida os descritores da Prova Brasil, por dia. Cada dia da semana você trabalha aqueles descritores específicos. E assim eu fiz e deu certo, deu tempo trabalhar todos eles (PROFESSORA 5).

História, Artes, Geografia? Elas foram esquecidas, porque a pressão era em Português e Matemática. Quer dizer que em ano de Prova Brasil, as outras disciplinas ficam esquecidas? E o pior é que essa orientação é dada pelas próprias formadoras, elas não falam em palavras explícitas, mas sim nas entrelinhas, pra gente entender e seguir a dica (PROFESSORA 6).

Somadas à ênfase do estreitamento curricular já causado pela docência

compartilhada, percebemos ainda outros desdobramentos. Dentre as poucas

disciplinas que os professores lecionam, eles tendem a focar quase que,

exclusivamente, apenas em Português e Matemática: “Enquanto a prova não

aconteceu, o foco só foi português e matemática” (PROFESSORA 2); “História, Artes,

Geografia? Elas foram esquecidas, porque a pressão era em Português e Matemática”

(PROFESSORA 6).

Atrelado a isso, no que se refere às disciplinas de Português e Matemática, há

uma restrição apenas aos conteúdos que serão avaliados, especificamente (alguns

procedimentos de leitura e resolução de problemas); o que demonstra uma redução

absurda, uma colonização do saber.

Assim, o processo de ensino e aprendizagem torna-se viciado e cada vez mais

limitado. Como é possível perceber na síntese das palavras de Paulo Ronca: "Só se

estuda se tiver prova. Só se estuda para a prova. Só se estuda se cair na prova. Só

se estuda o que cair na prova" (RONCA, 1991); o que impõe e limita um determinado

repertório a ser conhecido e nega o direito que os sujeitos aprendizes têm de acessar

outras linguagens, outros códigos, outras possibilidades de compreender e analisar a

171

realidade, sobretudo, para a maioria de uma população pobre que tem na escola, a

única oportunidade de acessá-las.

Percebemos, ainda, a intensa conexão entre as estratégias utilizadas pelo

professor em sala de aula e as orientações vividas ao longo das formações

continuadas: “E o pior é que essa orientação é dada pelas próprias formadoras”

(PROFESSORA 6); “e minha formadora de Matemática já dava os toques”

(PROFESSORA 5). Entendemos assim, a estreita relação entre formação docente e

o currículo vivenciado nas escolas. Ao longo desse processo, as formações

continuadas tornam-se “pacotes de treinamento”, fechados, planejados verticalmente,

sem a participação docente, numa perspectiva apenas de transferibilidade (MACEDO,

2014).

O currículo nessa perspectiva tradicional é burocrático, manifestando-se como

um conjunto mecânico e estruturado de objetivos que se deseja alcançar nos exames.

Aparece como conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações (SACRISTÁN, 2000, p. 46).

A partir dessas avaliações e de todas ações originárias de seus imperativos,

nossas escolas “fabricam” todos os dias, educandos cada vez mais hábeis em

questões de múltipla escolha, mas incapazes de construir, estabelecer relações

críticas, tornando-se cada vez mais reprodutores e copistas, afinal, os procedimentos

da avaliação são fruto das expectativas e conhecimento “básico” que o sistema

capitalista destina à escola visando à manutenção de seus ideais. Referendando o

pensamento de Luckesi (2008, p. 19): “O estudante deverá se dedicar aos estudos

não porque os conteúdos sejam importantes, significativos e prazerosos de serem

aprendidos, mas sim, porque estão ameaçados por uma prova”.

Sendo assim utiliza-se do argumento de que o currículo valorizado nas

avaliações padronizadas exige o conhecimento básico, defendido como aquele que é

bom para todos. Freitas (2012, p.12) afirma que é exatamente aí, onde está o perigo

dessas ‘avaliações’, pois, com a restrição curricular, a formação da juventude fica

comprometida, uma vez que “deixa muita coisa relevante de fora, exatamente o que

172

se poderia chamar de ‘boa educação’”. Mas, em se tratando de ensinar apenas o

‘básico’ aos mais pobres, aos olhos da ideologia do capital, é o essencial.

A ênfase contínua na testagem serve para legitimar um sistema de estratificação nas escolas. A testagem proporciona uma justificação única para as diferenças individuais a fim de manter uma provisão constante de mão de obra barata para manter a estratificação de classe. O papel das escolas em uma estrutura capitalista behaviorista é “produzir” trabalhadores que alimentam um sistema econômico desigual (KAUFMAN, 1993, p.94 apud HOFFMANN, 2008, p.18).

Nessas condições, percebemos a relevância do currículo e podemos ainda

compreendê-lo como um conjunto de práticas produtoras de significados. Na

concepção de Williams (1984 apud MOREIRA E CANDAU 2007), o currículo está

relacionado às escolhas feitas a partir de um amplo campo de possibilidades, ou seja,

de uma seleção cultural. Logo, é um dos meios mais eficazes para que os grupos

socialmente dominantes que o elabora, possam expressar e impor suas concepções

sociais e culturais, promovendo a disseminação e o consumo de suas verdades,

influenciando na tessitura da identidade dos educandos. E a avaliação é a estratégia

utilizada para garantir a obediência a este currículo, uma vez que são os resultados

obtidos a partir dos instrumentos avaliativos que definem um se a escola tem

desenvolvido ou não um trabalho de qualidade.

6.1.4 SIMULADOS, AULÕES E GINCANAS

Dos 10 (dez) professores entrevistados, todos afirmaram o trabalho cotidiano

com os simulados. Entre esses, 06 disseram que com exceção dos simulados

enviados pela SEDUC, eram eles mesmos quem elaboravam seus simulados. Os

outros 04 relataram o seguinte:

Nós tínhamos os da secretaria, por unidade, e tínhamos os nossos, que a direção e a coordenação organizavam, elaboravam e a gente que aplicava. (PROFESSORA 9).

Fizemos muitos simulados, toda semana tinha. Os meninos perguntavam se era “pra” nota, aí eu dizia que era, pra poder estimular. Era a direção que fazia e aplicava os simulados. A gente só fazia a correção. No dia de simulado, eles já falavam: De novo, tia? (PROFESSORA 7, grifo nosso).

Era tanto simulado que elas montavam que, às vezes, os meninos diziam: Tia, a gente já fez esta questão. Isso acontecia, porque elas

173

pegavam da internet e acho que acabavam esquecendo quais simulados já tinham sido impressos (PROFESSORA 8, grifo nosso).

Então, a minha gestora e a minha coordenadora, elas direcionam. Tem coisas que acontecem e que a gente recebe assim: Tem que fazer isso. Hoje, você vai ter que trabalhar esse simulado. O simulado ela mesma prepara, não pergunta nada, não chega para discutir e perguntar qual descritor eu estou trabalhando, qual habilidade. É isso que acontece. Você é cobrada, mas é colocada em segundo plano. E fazem aquela pressão, nos colocando como incapaz (PROFESSORA 4, grifo nosso).

Os depoimentos acima nos revelam a rotina a qual os estudantes são

submetidos, tendo em vista um processo educativo cujo foco prioritário é aproximar o

educando do formato e dos procedimentos exigidos pelas avaliações padronizadas.

O investimento nesse tipo de atividade mostra-se não só desprovido de atrativos e

impossibilidades de autoria discente, mas sobretudo, de extrema exaustão por parte

do estudante, o qual percebendo a ausência de criatividade e existência de um

tentativa de robotização (mesmo que inconscientemente) denuncia em poucas,

porém, fortes expressões, sua indignação e insatisfação diante do que lhe é imposto:

“De novo tia?”; “Tia, a gente já fez esta questão”; “É para nota?”

Colocações que demonstram que apesar de um processo que poda sua

capacidade de pensar, argumentar e construir, pedindo-lhe apenas para marcar um X

em respostas já elaboradas, os educandos ainda não estão de todo alheios e de certo

modo, mostram resistências às aberrações com que se defrontam na sala de aula. Os

simulados são apenas um dos indicativos de uma avaliação que tende a transformar

as salas de aula num lugar cujos professores são apenas repassadores de conteúdos,

aulistas e treinadores de competências que possibilitem bons resultados

(ARROYO,2011, p.27).

Além da estratégia dos simulados realizados, com frequência, outra ação

implementada foram os conhecidos “aulões”, prática esta que até pouco tempo era

“moda” conhecida apenas em cursinhos preparatórios para o vestibular e ENEM, e

que o aluno escolhia participar ou não, mediante o seu grau de necessidade e

interesse em reforçar os “conteúdos das provas”, chega agora às séries iniciais.

Tivemos também, aulões, antes da Prova Brasil. A SEDUC já mandou tudo pronto, em relação ao que deveria ser trabalhado nos aulões. E aí, foi um momento de tirar dúvidas, reforçar alguns descritores, eles

174

gostaram porque a gente colocou data-show, ficou diferente (PROFESSORA 1).

Tiveram uns aulões já na reta final, no mês de novembro. A SEDUC mandou um material todo pronto “pra” gente realizar e aí, nós realizamos outros até a chegada da prova, para deixar eles já no clima (PROFESSORA 2).

Bom, eu também fiz uns dois aulões, um seguindo o material da SEDUC, mas para mim, tudo isso foi uma forma de pressão mesmo, um pesadelo “pra” gente não desviar do foco. Aí, fiz outro com atividades-modelo que peguei no site do Inep (PROFESSORA 10).

Fizemos aulões também, para revisar. Essa Prova Brasil está pior que o ENEM e que o vestibular. E eu confesso, Neila, eu saí da UNEB em 2011 e entrei no ramo da educação ontem, e fiquei DECEPCIONADA, tanto é que todo dia eu dizia a meu esposo: Ano que vem, eu não quero 5º ano nem com reza (PROFESSORA 6).

Estaríamos vivenciando um vestibularzinho? Realizar simulados e aulões para

adaptarem-se aos gabaritos, “Reforçar descritores”; “deixar eles já no clima”; “revisar

atividades-modelo”, são objetivos que nos apontam para a vivência de um processo

totalmente direcionados à preparação para o exame, tal como acontece no Ensino

Médio, ao final da educação básica. No entanto, com um agravante: Fazer o vestibular

ou o ENEM, ao final da educação básica, é uma escolha do estudante e de sua família.

Vivenciar esse cenário preparatório para a Prova Brasil na infância, não.

A criança é colocada numa situação de obrigatoriedade de realizar todos esses

imperativos, sobretudo, porque tendem a assumir um caráter autoritário e

disciplinador, sob a justificativa de que “vale nota” e, sendo a nota o seu estímulo e

“passaporte para o futuro”, não há muito o que o estudante discutir. Analisando estas

ações e a partir de Hoffmann (2008, p.67), vemos o foco da educação centralizado no

ensino, na programação curricular, nas atividades de cunho técnico e não nas

aprendizagens e na qualidade destas, que só se torna possível, a partir do binômio

diferenciação/acompanhamento dos educandos; o que torna a avaliação e as práticas

ligadas a ela, de cunho altamente burocrático.

Logo, percebemos que o município investigado vivencia uma paranoia,

colocando como foco das práticas educativas, as demandas das avaliações externas.

O que se verifica são ações pedagógicas empobrecidas distante de atenderem aos

anseios e às demandas dos educandos; uma vez que as práticas são “uniformes,

padronizadas, não se efetivando um atendimento diferenciado e intencional em

175

termos de suas necessidades e possibilidades” (PERRENOUD, 2000 apud

HOFFMANN, 2008).

Some-se a isto a extrema vigilância a qual o trabalho docente é submetido,

frequentemente, incluindo-se aí atividades “invasoras” na sua rotina, produzidas por

outros sujeitos, tais como os simulados e materiais do aulão, que tendem a colocar o

professor na simples condição de receptor e operacionalizador: “você é cobrada, mas

é colocada em segundo plano. E fazem aquela pressão, nos colocando como

incapaz (PROFESSORA 5, 2015, grifo nosso). Logo, como reflete Arroyo (2011,

p.35), “o caráter centralizado nas avaliações tira dos docentes o direito a serem

autores, sujeitos da avaliação do seu trabalho”.

Outra estratégia trazida nas falas dos professores foi a realização das

“Caravanas do conhecimento”. De acordo com informações coletadas na SEDUC,

esta foi uma iniciativa da Superientendência Pedagógica, reunindo escolas municipais

da zona urbana e da zona rural, com o objetivo de revisar o conteúdo de Português e

Matemática da Prova Brasil, principal exame do país para avaliar a qualidade da

educação.

As formadoras avaliaram as caravanas como um momento de descontração,

integração entre alunos, professores, gestores e escolas, através de atividades

lúdicas, em que as escolas vencedoras, receberam troféus.

Segundo os professores, na verdade, tratava-se de uma gincana com um nome

“mais bonito”, onde se separou as escolas que ficavam próximas, para competirem

entre si, seguindo os mesmos procedimentos de uma gincana.

Na verdade, a Rede impôs uma gincana. “Pra” garantir mais uma vez, se estávamos trabalhando o que deveria, elaboraram isso bem perto das semanas que antecederam a Prova Brasil. A gincana era hoje e a gente ficou sabendo ontem. Assim, de supetão (PROFESSORA 10).

A proposta da caravana, era sabe qual? É tipo fazer uma revisão com brincadeira. Mas, a gente sabe bem que o intuito ali é avaliar como é que “tá” os meninos e, consequentemente, o professor. Não tem “pra” onde correr. A gente vê a fala delas quando vêm se despedir, dizendo: Ah! Os meninos estão de parabéns; a gente viu que o trabalho está sendo feito e que bom. Então, você percebe a intenção, na fala. Mas que “pros” meninos é uma brincadeira, as crianças não veem isso (PROFESSORA 5).

176

Apesar de tentarem dizer que era um momento dinâmico, de brincadeiras entre as escolas, foi um momento de ver: “vamos ver se a escola realmente trabalhou, preparou, deu conta. Vamos ver se ela ensinou aos meninos”. Era um momento de nos avaliar, comparar escolas. Elas levaram as provas e a gente não podia nem encostar perto dos meninos. Ao final, a escola vencedora recebeu uma plaquinha bem bonitinha com o nome “Vencedores da Caravana” (PROFESSORA 8).

A rigidez dessas políticas educacionais padronizadas e centralizadas na

avaliação do desempenho final se sobrepõe à criatividade e autonomia dos docentes

e discentes, uma vez que coage a escola a não se esquivar dos conhecimentos que

serão avaliados os quais se tornam, pois, privilegiados, definindo assim, a imposição

de um currículo oficial.

Porém, embora alguns professores entrevistados demonstrem ter clareza do

controle e pressão a que estão submetidos a partir dessa política de avaliação,

afirmando inclusive, um sentimento de decepção ao perceber uma realidade

educacional prática distante daquela que é teorizada na academia; ainda que

discordem, não problematizam, não se contrapõem, não subvertem e terminam por

silenciar e assimilar o discurso da política oficial, dando continuidade e reproduzindo

as práticas consideradas “benéficas”, indiscutíveis e inevitáveis à melhoria

educacional. Assim, essa “cultura do intocável pesa sobre a cultura docente como um

mecanismo de controle dos próprios docentes” (ARROYO, 2011, p. 47).

6.1.5 NA VOZ DOS PROFESSORES: O QUE PODE SER FEITO PARA AMENIZAR

A TENSÃO EM ANOS DE AVALIAÇÃO PADRONIZADA?

Ao longo das entrevistas, os professores foram se colocando de modo muito

livre e à vontade, talvez, porque do ponto de vista prático não conseguiam ver em

mim, uma pesquisadora, mas sobretudo, professora. E isso colaborou bastante com

a nossa coleta de dados, tendo em vista, que muitos elementos puderam vir à tona.

No decorrer das falas, os docentes afirmavam, com frequência, o peso e a

carga que os docentes do 5º ano tendem a carregar, justificando que embora seja

nesta série, a realização da prova que constrói o Ideb, a avaliação é de todo o percurso

que vai do 1º ao 5º ano, final do Ensino Fundamental 1. Nesse sentido, 07

entrevistados pontuaram em suas falas, algumas estratégias que eles já têm utilizado

177

e/ou que podem amenizar a angústia que vivem em anos de Prova Brasil. Para

esclarecê-las, trouxemos 04 falas.

Bom, é muita sobrecarga em nossas costas. E uma das coisas que eu acho errado é justamente isso, porque só querem trabalhar no ano em que vai ser cobrada a Prova Brasil. Enquanto isso, o 4º ano é esquecido, mas quando chega no 5º ano, aí vem aquela cobrança todinha pra cima da gente. Então, porque não se começa a trabalhar os descritores logo desde o 4º ano, mesmo não sendo cobrado? Porque, pelo menos, quando chegar no ano que vai ser cobrado, não vai ser tanta loucura assim, né? Muitas coisas em cima do professor, sobrecarrega, viu! (PROFESSORA 3).

Com a docência compartilhada, eu passei a dar aula nos 4º e 5º anos. Então, já fiz o seguinte: Comecei a colocar os meninos do 4º ano no clima do 5º. Às vezes, se assustavam com a quantidade e com o volume dos textos – “Vixe, tia, é grande!” Mas depois, começaram a ir acostumando, uns se saiam melhor que os do 5º. Eu acho que a saída é esta, começar desde o 4º mesmo, porque não adianta, a Prova Brasil sempre volta e tem gêneros textuais que os meninos do 4º ano não trabalham, mas que caem na Prova, e eles chegam com muita dificuldade. Mas aí, a gente tem de ser virar nos trinta? (PROFESSORA 4).

Olhe, eu acho assim, a avaliação não é de todo o Ensino Fundamental 1? De todo o processo? Então, eu acho que essas formações, esse acompanhamento todo deve começar desde o 1º ano. E até das creches, pois há quem defenda que não é obrigada a criança sair conhecendo as letras. Se o objetivo é esse Ideb que eles pensam tanto... não que eu ache que deveria, por mim, nem tinha. Não tinha Prova Brasil, não tinha Provinha Brasil, nem ANA e nem nada, pois estão pensando muito nessas provas e deixando de lado o que realmente deveria acontecer dentro da sala de aula (PROFESSORA 1).

A coordenação me questionava: Sua prova do 4º está igual a do 5º. E eu falava: Pois é, estou trabalhando na mesma linha. O 4º ano vai ter de se adaptar à Prova Brasil. E o meu 4º trabalhou assim. Então, antecipando no 4º, quando eles chegarem ao 5º já estarão adaptados, não vão ter dificuldades nenhuma. Porque até “pra” você pegar em poucos meses e adequar o menino para uma realidade que ele nunca viu, formato de avaliação, os descritores cobrados, simulado, tudo, tudo, é duro (PROFESSORA, 9).

As falas destacadas nos exige pensar sobre a localização da infância no tempo-

espaço construído pelo sistema de avaliação padronizada. Estaríamos caminhando

rumo ao desaparecimento de uma infância que brinca, que corre, que cria, que faz

arte? Um processo de adultização precoce que tende a preocupar-se única e

exclusivamente com a inserção das crianças em técnicas de letramento e

178

numeramento, cada vez mais intensas e antecipadas, com vistas aos processos

avaliativos que também se manifestam cada vez mais cedo?

A exemplo disso, já podemos citar a Provinha Brasil (realizada no 2º ano), a

ANA (realizada no 3º ano), o que também pode fomentar ainda mais o “estreitamento

do currículo”, desde a mais tenra idade, já que o caminho que tem sido percorrido por

países distintos, inclusive, no Brasil, é praticamente, limitar o ensino e a aprendizagem

em função das provas externas, as quais excluem, a essência da totalidade do

currículo vivido.

Ou seja, desde a sua entrada nas primeiras séries, as crianças são submetidas

aos testes padronizados. Período este em que segundo Hoffmann (2008, p.115) as

crianças estão em plena fase de brincar, falar, perguntar muito, descobrir, interagir,

sorrir, desenhar e criar. O que exige do docente trabalhar perspectivas de letramento

e numeramento que extrapolem as restrições dos números e das letras, perpassando

pela leitura do mundo que permeia a infância, suas necessidades e aventuras.

E o que percebemos nas vozes dos professores é, basicamente, a substituição

desses processos citados pela antecipação prioritária de processos preparatórios para

esses exames, a exemplo da fala da Professora 1 a qual sugere que o trabalho deve

começar desde o 1º ano ou até mesmo nas creches; o que se apresenta como um

fator perigoso de obstáculo ao desenvolvimento integral da criança, o qual não se

limita ao aspecto cognitivo.

O risco que se apresenta é, cada vez mais, se aprisionar crianças em salas de

aula, presas nas suas cadeiras, respondendo a incansáveis simulados e atividades

de marcar um X; porque as avaliações estabelecem não somente o que deve ser

aprendido, mas também, o tempo dessas aprendizagens, afinal, a prova tem data

marcada. Tais situações tendem a reduzir as possibilidades de contextualização,

liberdade e construção, as quais não são podem ser escravas dos padrões fixados.

Não duvidamos, inclusive, que algumas ações nesse sentido, já tenham se

iniciado, afinal, a Professora 9 já diz ter antecipado os conteúdos da prova, para a

turma do 4º ano. Outro fato curioso é que na cidade lócus desta pesquisa, o direito ao

recreio já foi extinto e os professores não sabem explicar bem o porquê. Pensando

nisso, uma das professoras relataram, que durante o ano de 2015, um grupo do PIBID

179

percebendo a ausência do recreio, elaborou um projeto de intervenção, pensando na

contação de histórias, brincadeiras e músicas; porém, só pôde ser desenvolvido após

a realização da Prova Brasil (mês de novembro), ou seja, até que não aconteça a

avaliação, um projeto lúdico não pode ser desenvolvido com a criança, porque ela

precisa ser posta em atividades mecanizadas que preparem para o teste. Um roubo

da infância. Uma absurdez que precisa ser denunciada.

Discutir, pois, a contextualização do ensino frente às especificidades da

infância, exige se pensar num currículo e nos processos avaliativos a que esta infância

é submetida, uma vez que a “Escola é lugar de criança. Não se deve atropelar a

infância, pois o perigo é atropelar o futuro dessa geração” (HOFFMANN, 2008, p.117).

6.1.6 O PROJETO EDUCAÇÃO NOTA 10

Dentre as ações contempladas nas falas dos entrevistados, identificamos a

referência ao Projeto Educação Nota 10, lançado pela SEDUC no ano de 2015, o qual

apresentou como objetivo, melhorar os indicadores educacionais das escolas

municipais, tendo em vista reduzir, no presente ano, as taxas de reprovação e

abandono escolar chegando a 0% em todos os níveis, até, no máximo, o ano de 2016.

Entre os objetivos específicos destacam-se:

Fortalecer as políticas educacionais acerca do acesso, da permanência e da aprovação dos alunos nas escolas públicas municipais, contribuindo, dessa forma, para a melhoria dos indicadores educacionais de juazeiro;

Premiação das escolas com maiores índices de aprovação e menores índices de reprovação e evasão;

Valorizar experiências exitosas desenvolvidas na Rede, através de premiação, nos projetos Inovar Mestre e Inovar Gestão (SEDUC, 2015).

Visando ao aumento dos indicadores de qualidade, o município tem apostado

em ações que promovam o fim da reprovação, o que do ponto de vista de inclusão e

garantia do direito à aprendizagem, é uma iniciativa pertinente.

180

Todavia, é preciso muito cuidado para que não estejamos a fomentar ações,

em que visando ao alcance das metas, às premiações e “reconhecimento” de suas

práticas como exitosas, escolas e docentes sejam levados a compreenderem a não

reprovação como sinônimo de não avaliação e aprovação automática, sem

acompanhamento sistematizado e intervenção pedagógica, o que pode gerar ainda

mais problemas no percurso educativo dos sujeitos.

De acordo com o Secretário de Educação:

Quando a gente fez o projeto educação nota 10, a gente foi alvo de muitas críticas, mas observe: A gente tem uma linha de pensamento progressista que sempre entendeu a importância da mobilização social que produz bons resultados em qualquer área que seja de política pública, então, é preciso mobilizar a sociedade. E o projeto educação nota 10 veio “pra” isso. E esse desafio foi posto de forma bem intencional. A gente percebeu que os alunos na última Prova Brasil tiveram melhores resultados do que na edição anterior. No entanto, o índice de reprovação aumentou, então, o conceito de avaliação “tá” errado. Não era só perseguir a melhoria do índice, nós começamos a investir em formações para discutir avaliação de forma muito mais contundente. Porque se os alunos aprendem mais, porque eles estão sendo mais reprovados? Tinha alguma coisa errada aí que não se explica. Então ainda tem muita coisa aí que é da cultura do professor. Agora, também, a gente não quer resultado por resultado não, a gente disse isso em todos os encontros. Não é isso! Então, essa foi a realidade da educação nota 10 que foi muito mal compreendida por parte de alguns (C.A, 2016).

O trecho supracitado junto aos objetivos do Projeto explicita a intenção em se

“produzir bons resultados”, diminuindo o índice de reprovação e evasão, para

consequentemente, melhorar os indicadores. A justificativa supracitada ratifica o

discurso utilizado pela formadora no primeiro dia de formação continuada: Se os

meninos se saíram bem na Prova Brasil, significa que eles estão aprendendo, logo,

não há justificativa para os índices de reprovação interna.

Tal perspectiva coloca o problema sob responsabilidade única do docente:

“Então ainda tem muita coisa aí que é da cultura do professor” (C.A, 2016). Nosso

objetivo aqui não é adentrar nos equívocos e até barbáries que ainda acontecem nas

salas de aula mundo a fora no que se refere à avaliação da aprendizagem, mas sim,

destacar que os resultados obtidos nas avaliações externas passam a ser

interpretados como uma verdade “pura”, enquanto a avaliação realizada pelos

professores não. Como podemos ver não se cogita nem a possibilidade de se analisar

181

possíveis distinções entre como e o quê os professores priorizam na avaliação interna

e o quê a Prova Brasil tem priorizado.

Portanto, as avaliações externas podem assim, trazer grandes prejuízos à

aprendizagem e desenvolvimento integral dos educandos, tendo em vista que os

sistemas de ensino passam a viver em função delas, colocando-a como parâmetro

dominante ideal, reduzindo as avaliações internas às mesmas perspectivas das

avaliações externas, o que mais uma vez, pode aumentar a exclusão dos saberes

sócio-culturais, ambientais, político e econômicos locais, do currículo vivenciado.

Em relação ao investimento em formações desenvolvidas para se discutir

avaliação, os 10 professores entrevistados afirmaram só terem acontecido duas, no

mês de julho de 2015. A primeira tratou de discutir a importância e o formato da Prova

Brasil, ressaltando a necessidade de cada escola e de cada docente investir no

aprendizado das crianças, como garantia dos bons resultados.

Durante esta primeira oportunidade, já estávamos estudando e desenvolvendo

este estudo, por isso, nos convidaram a participar da mesa redonda junto a outros 03

convidados para discutir a avaliação externa. Todavia, como palestrante, fomos a

única a iniciar uma problematização em torno das coerções e ações que ferem a

autonomia docente diante das práticas educativas mecanizadas que estavam sendo

fomentadas não só em Juazeiro, mas também, na cidade vizinha e em tantos

municípios e estados; a partir da necessidade exaustiva de alcançar índices sem

discutir os diversos contextos que abarcam as distintas escolas municipais e que,

consequentemente, são invisibilizados, mas que interferem diretamente nos

desempenhos. Questionamos, também, a competitividade que vem sendo estimulada,

a partir da promessa de prêmios à escolas e professores que atingirem as metas, tal

como consta no Projeto Educação Nota 10.

Foi uma vivência muito interessante durante o encaminhamento desta

pesquisa, tendo em vista o fato de que, dentre todas as falas até ali feitas, foi o

momento em que os professores demonstraram apoio, os olhos ávidos, atentos e

vibrantes, demonstravam que alguém estava ali ocupando o lugar da fala docente,

deixando vir à tona os gritos abafados nas escolas, nas salas de aula. E foi a partir

desse momento, que achamos ainda mais relevante, permitir que este trabalho

182

oportunizasse o direito de voz dos professores, pois naquele auditório, elas pediam

espaço, elas pediam escuta.

Todavia, a representante da secretaria de educação, naquele momento, tomou

posse do microfone, para silenciar a nossa fala, afirmando em alto tom que um dos

trabalhos mais acertados da secretaria é a preocupação com os índices e que se

sentia feliz por ter escutado isso. E complementou, afirmando que os prêmios não

geram competitividade, mas sim, estímulo para o professor continuar trabalhando e,

por isso, a estratégia de premiar seria sempre bem-vinda. Postura esta que confirma

a política liberal assumida pela educação, em que a meritocracia perpassa pela

responsabilização.

Ela está na base da proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz a diferença entre as pessoas é o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito sobre a igualdade de condições no ponto de partida. No caso da escola, diferenças sociais são transmutadas em diferenças de desempenho e o que passa a ser discutido é se a escola teve equidade ou não, se conseguiu ou não corrigir as “distorções” de origem, e esta discussão tira de foco a questão da própria desigualdade social, base da construção da desigualdade de resultados (FREITAS, 2012, p.383).

No que se refere à segunda oportunidade de formação, de acordo com os

entrevistados, limitou-se a socializar algumas “atividades avaliativas” elaboradas por

professores da rede municipal de ensino, apontando as fragilidades na construção

das mesmas, não adentrando nas finalidades, no como, para quê e por quê se avaliar.

Nesse sentido, os docentes entrevistados disseram não conhecer

detalhadamente o Projeto, sua justificativa, fundamentação e metodologia. A única

coisa que sabiam e que foi bastante enfatizado pelos gestores e coordenadores, era

que seria preciso diminuir a reprovação e evasão escolar e, se possível, reduzir essas

taxas a 0%.

“Pra” ser sincera, eu achei esse projeto tão vazio, tão sem consistência, sem pé nem cabeça, ninguém conhecia as justificativas, a fundamentação teórica, só sabia que tinha de melhorar os números. E aí, lá na escola, fizeram o projeto “Aluno nota 10”, em que o menino que não tinha faltas, fazia todas as atividades, tirava boas notas, ganharia um prêmio ao final do ano. Mas isso é pouco, eu acho que deveria envolver o comportamento, família, respeito, outras dimensões. (PROFESSORA 6).

183

Na verdade, resumindo, o que eu sei é que este projeto veio “pra” pressionar a direção, porque não poderia haver a questão da reprovação e da evasão, por conta do Ideb. E a gente via só a divulgação de escola ganhando Nota 10, nota 10, mas a gente não sabe e nem via em quê. O índice de reprovação lá na escola, foi mínimo, muito, muito pouco. Se houve qualidade, eu tenho muitas dúvidas, sabe?! Muito menino que “capengou”26 o ano todinho foi aprovado no conselho (PROFESSORA 7).

Eu sei que em toda unidade, os diretores tinham de enviar uma lista com o nome do professor, da disciplina e a quantidade de alunos que tinham ficado abaixo da média. E ainda descrevia o perfil do professor, acredita? E ia comparando cada unidade, pra ver se as médias aumentavam. Muito diretor pegando no pé do professor, por conta disso. Eu sei que no fim das contas, tiveram alunos que tiraram 2,0 na recuperação final, “foi” para o conselho e mesmo assim ainda foi aprovado (PROFESSOR 4).

Esse projeto foi bom por um lado, porque a diretora, o secretário e até a gente ia mesmo na casa de um aluno, quando faltava, pois não podíamos elevar o índice de evasão e isso ajudou. Mas também, teve “maracutaia27”, cá “pra” nós, lá teve uns 4 meninos que sumiram da escola, evadiram, mas a diretora fez a transferência e colocou lá como transferidos. Aí não entre na taxa de evasão (PROFESSOR 10).

Esses depoimentos revelam por si mesmos a precarização de iniciativas

investidas na busca para atender aos critérios quantitativos que estabelecem o padrão

de qualidade educacional. Tendo-se a clareza de que a discussão em torno da

complexidade que envolve a avaliação, compreensão, desconstrução de ideias e

práticas arraigadas e reconstrução de práticas menos exclusivas, não são

instantâneas e os resultados práticos não se darão da noite para o dia, somadas ao

pouco interesse dessa discussão por parte das intenções de cunho liberal que têm

guiado as reformas educacionais, abandona-se as possibilidades de levar o corpo

docente a uma reflexão crítica sobre este processo e foca-se em ações que tendem a

trazer resultados observáveis imediatos.

Segundo o Secretário de Educação o Projeto Educação Nota 10 é uma “cópia”

de um projeto desenvolvido em Sobral, Ceará, o qual apresenta hoje o 5º melhor Ideb

do país. E, dentre as ações fomentadas, estão a penalização das escolas que “perdem

alunos” e a bonificação dos professores cujas turmas apresentam bons resultados,

uma vez que este “reconhecimento” estimula o docente a se dedicar cada vez mais.

26 Nesse contexto, significa “sentiu muita dificuldade”. 27 Expressão utilizada para indicar fraude, uma manobra ilegal, falcatrua.

184

Um dos meios mais eficientes para se alcançar este objetivo é o estímulo à

competitividade. No caso do Projeto Educação Nota 10, uma competitividade que gera

um retorno: o prêmio. Daí, observamos que entre os objetivos básicos, encontra-se a

“Premiação das escolas com maiores índices de aprovação e menores índices de

reprovação e evasão” (SEDUC, 2015). E foi exatamente os termos em destaque que

se tornaram mais significativos no que se refere ao entendimento do projeto, por parte

dos gestores, coordenadores e professores: Aumentar a aprovação, diminuir a evasão

e ganhar a premiação. Eis a síntese do projeto.

Fomentar o mérito no centro do trabalho dos profissionais do magistério incita

às disputas em busca pela premiação, cujo alcance simbolicamente representa o título

de “melhor”, “mais capaz” na promoção da qualidade do ensino. Isso significa a

reprodução de uma lógica extremamente produtivista, ganha o prêmio quem “produzir

mais”. Desse modo, essa mesma lógica é incorporada à escola, como é possível

perceber na fala da Professora 6, ao afirmar que o aluno que não faltasse e tivesse

boas notas seria premiado.

A Professora 7 relata que na escola em que trabalha, os índices de reprovação

caíram drasticamente, o que seria de comemorar, caso ela não assumisse que duvida

dos procedimentos qualitativos e lícitos de como se deram essas promoções. A

professora 4 enfatiza que devido à pressão em reduzir os números, alunos que não

progrediram na aprendizagem e que durante a recuperação final, tiraram 2,0, foram

aprovados no conselho de classe, mesmo sem ter sido realizada uma discussão em

termos qualitativos.

E, para fechar, a Professora 10 afirma que sua escola fez uma “maracutaia”,

colocando o número de alunos evadidos, como alunos transferidos, camuflando

assim, a realidade. Percebemos, pois, um sentido que vai da pressão à fraude. Donald

Campbell (1976, p. 49 apud FREITAS, 2012, p.392) argumenta que à medida em que

um indicador social quantitativo tende a ser “utilizado para fins sociais de tomada de

decisão, mais sujeito ele estará à pressão de corrupção e mais apto ele estará a

distorcer e corromper os processos sociais que se pretende monitorar”. Sobretudo, no

campo da educação, tendo em vista que a aprendizagem não está restrita ao controle

e à competência docente.

185

Fernandes (2007) já apontava a previsão de que com a criação do Ideb, as

escolas poderiam se preocupar apenas em elevar as taxas de aprovação, como uma

possibilidade compensatória em relação aos resultados no Saeb ou na Prova Brasil,

já que, se o desempenho nestas avaliações for baixo, o alto número de aprovação

evita que o Ideb diminua. Fato este que pode gerar um efeito contrário ao que tem

sido defendido: A melhoria da qualidade.

Dos 10 professores entrevistados, por exemplo, 6 deles confessaram não ter

investido no trabalho com produção textual, uma vez que é um processo que exige

acompanhamento e tempo, no entanto, como a Prova Brasil não avalia produção de

texto, isso foi praticamente esquecido nas salas de aula. Isso comprova que há

grandes chances de que ao invés de possibilitar a melhoria da qualidade educacional,

podemos ter escolas com menor nível de aprendizagem e índices mais elevados.

Logo, inseridas no sistema escolar guiado pelo pensamento neoliberal, as

instituições de ensino desenvolvem alternativas para competirem nesse cenário,

utilizando-se, inclusive, de meios ilícitos. Nesse sentido, neste ano de 2016, já foi

anunciado na primeira reunião com gestores escolares, que durante a Jornada

Pedagógica que dará início ao ano letivo, entre as 123 escolas municipais, 100

atingiram as metas propostas pelo Projeto Educação Nota 10.

Dentre estas, as 05 “melhores” serão premiadas. Cada uma dessas instituições

receberá um cheque de cinco mil reais, além de que alunos e professores também

receberão prêmios, os quais até o início de fevereiro, não havia sido divulgado.

Logo, diante de pouco estímulo a uma formação docente que possibilite a

investigação e o desenvolvimento crítico diante de toda essa precariedade e

mecanicidade a que estão submetidos, paralelo ao excessivo discurso que induz ao

cumprimento de regras e alcance de metas para ser reconhecido e recompensado,

como observamos nas falas dos professores, qualquer iniciativa se torna válida para

conquistar a meta e a recompensa, inclusive, os fraudulentos. O que implica em dizer

que, elevar os números não será nunca sinônimo de elevar a qualidade, nem do

ensino, nem da avaliação, nem da aprendizagem.

Sendo assim, Hoffmann (2008, p.54) nos diz que: “As relações de poder

travadas em nome dessa prática são reflexos de uma sociedade liberal e capitalista,

186

que se nutre de exigências burocráticas para mascarar o seu verdadeiro descaso com

a educação em todos os níveis.

6.1.7 NO CENÁRIO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS: O QUE SENTEM OS

DOCENTES E O QUE DIZEM SOBRE AS POSSIBILIDADES DE

CONTEXTUALIZAÇÃO?

Normalmente, discute-se, sempre, as sensações dos alunos e os prejuízos que

estes têm em relação às práticas desenvolvidas por seus docentes. Mas o que

pensam os professores? O que sentem? O que faz com que escolham determinados

posicionamentos?

Questionamos aos professores, como eles se sentiam em relação aos anos de

avaliação padronizada, quais as sensações e sentimentos que eles vivenciavam.

Neste ponto, achamos importante não excluir nenhuma das falas, pois foi um

momento muito subjetivo, muito pessoal. E, por isso, organizamos as 10 falas, no

quadro abaixo. E aqui, representamos cada docente com a letra “P”, seguida de um

numeral.

P1 O ano em que tem Prova Brasil é uma tortura. Eu vivenciei em 2013 e agora em 2015. Nós nos sentimos pressionadas. E a pressão não veio diretamente só das formadoras não. A pressão veio da SEDUC para os gestores e coordenadores e dos gestores e coordenadores para o professor e do professor para o aluno. É aí onde se torna tudo difícil. Eles querem números. Eles não estão percebendo qualidade.

P2 Eu pensei que fosse ficar era louca. Sinceramente, quando eu saía das formações, eu tinha vontade de nem ir mais “na” escola, eu não ia com alegria, sabe, foi algo muito angustiante para mim. E sem contar, que eu percebia isso na direção da escola, certa vigilância, era um desconforto. Eu perdi noites e noites de sono. É uma coisa desumana. Só sabe quem tá lá.

P3 Ano de avaliação externa é pressão. A gente fica tão tumultuada. É como se estivessem medindo a nossa capacidade. Tal professor é bom, tal professor não é. Eles vão rotulando o professor e isso é constrangedor. Quem não alcança o índice é como se não tivesse executado um bom trabalho, mas ninguém vai ver os fatores internos e externos que levaram certa turma a não atingir o tal número.

P4 A palavra-chave é para mim, cobrança. É algo desesperador e até desumano, para os professores e sobretudo para os alunos que são crianças. Eu percebia o quanto eles ficavam apreensivos. No dia que foi marcada a prova, parecia que quanto mais se aproximava o dia, mais se aproxima o dia da condenação, da crucificação. É muito peso em cima de uma criança.

P5 Eu, sinceramente, adoeci emocionalmente. Por mais que você faça e tenha consciência de que faz, quando acontece qualquer evento como aconteceu neste ano e você não vê o nome da sua escola nas primeiras colocações, é desanimador, porque você sabe que no fundo, as pessoas acham que você não fez um bom trabalho. E uma coisa é certa: nem sempre o melhor desempenho na Prova Brasil representa uma criança mais crítica, mais politizada e mais feliz.

187

P6 O que eu mais senti foi uma sensação de conflito e decepção. Primeiro, por não acreditar que a realidade da nossa escola pública estava sendo esta, de robotizar crianças tão cheias de curiosidades. E segundo, porque eu não tinha alternativa, era o meu nome, o nome da escola e o desempenho dos alunos que estavam em jogo.

P7 Foi um ano muito tenso e cansativo; em junho eu já estava exausta. Mas eu senti que produzi mais, aprendi mais e ensinei muito mais aos meus alunos. Com certeza, foi um ano positivo, apesar da agonia.

P8 Na verdade, continua existindo uma relação entre o ano que tem Prova Brasil e o ano que não tem. Eu mesma continuo tensa, muito preocupada. Porque a Prova acabou, mas ainda continua. Pelo menos dentro de mim. Até porque agora você fica naquele medo e expectativa: Qual vai ser o meu resultado: Será que dei conta, que nota minha escola vai atingir? Entendeu?

P9 Foi um ano bem corrido, acelerado, mas de insatisfação mais pessoal que profissional. A impressão é que eu fiz muita, muita coisa com os meninos. Acho que a nossa nota, por sinal, será boa. Mas este ano (2016), se não inventarem nenhuma outra prova, eu vou poder fazer diferente, ouvir mais, ter mais calma, perguntar o que interessa a eles. Vou fazer o papel de educadora.

P10 Até novembro eu estava bem angustiada, tensa e preocupada, pois a pressão é grande. Agora, que tudo já passou, parece que tudo ficou mais leve, as aulas são mais tranquilas, tem mais tempo para deixar que eles se expressem e tragam as contribuições deles. “Pra” aliviar os meninos que também andavam muito cansados, escolhi uns filmes bem bacanas pra gente debater, fiz cinema e pipoca para eles, nem teve aula.

Fonte: Entrevista realizada com os professores.

Todas as falas acima traduzem as emoções que integram a subjetividade

docente e justificam as posturas que legitimam as ações empreendidas pelo município

de Juazeiro, em torno da Prova Brasil. Davidoff (1980, p. 716) define emoção como

o "Estado interno caracterizado por cognições específicas, sensações, reações

fisiológicas e comportamento expressivo”. As falas trazidas até aqui esclarecem o

quanto o cenário das avaliações externas origina emoções que mexem

profundamente com o professor e aluno, de modo que em muitos casos, essas

manifestações se tornam difíceis de serem controladas, a exemplo de P2 que afirma

ter perdido “noite e noites de sono” e P4 a qual afirma que os alunos ficavam

“apreensivos”.

O medo, tortura, pressão, vigilância, angústia, constrangimento, apreensão,

tensão, insatisfação, condenação, crucificação, desespero, rótulos, entre tantos

outros presentes nos relatos, tendem a causar desconforto e comprometer o equilíbrio

do professor, causando desprazer durante todo o percurso vivenciado: “ (...) eu tinha

vontade de nem ir mais ‘na’ escola, eu não ia com alegria” (P2).

Esses sentimentos demonstram que as emoções estão ligadas à

autorresponsabilização que os professores desenvolvem em relação aos resultados:

188

“A prova acabou, mas ainda continua. Pelo menos, dentro de mim. Até porque agora

você fica naquele medo e expectativa: Qual vai ser o meu resultado: Será que dei

conta, que nota minha escola vai atingir? ” (P 8); “(...) porque eu não tinha alternativa,

era o meu nome, o nome da escola e o desempenho dos alunos que estavam em

jogo” (P6); “Quem não alcança o índice é como se não tivesse executado um bom

trabalho” (P3). Fica estabelecido assim, que o perfil do professor ideal passa a ser

aquele que apresenta bons resultados numéricos.

Há uma contradição entre discurso e prática, na qual ao mesmo tempo em que

demonstram discordar dessas imposições, terminam por absorver e se convencer de

que são responsáveis por atender a essas demandas, inclusive, alguns tendem a

avaliar o processo como muito produtivo, pois treinar os estudantes para a prova é

resultado de trabalho e de esforço em busca da qualidade. Enquanto assistir e debater

a um filme, passa a ser sinônimo de algo menos produtivo e de não ser aula, como

podemos observar na fala de P10; o sinônimo de aula limita-se ao trabalho com o

currículo avaliado pela Prova Brasil, evidenciando-se assim, uma lógica de

desprofissionalização docente, o qual coloca o currículo como produto a ser apenas

executado pelo docente.

Ao longo deste percurso, conseguimos descortinar o cenário das avaliações

padronizadas e toda uma conjuntura construída para a melhoria das aprendizagens

as quais são vistas como sinônimos de bons indicadores. Nesse sentido,

questionamos aos professores de que modo eles desenvolvem discussões, atividades

e vivências que promovam a contextualização e tornem a relação entre ensino-

aprendizagem mais pertinente.

Olhe, eu vou lhe ser muito sincera: Não é por escolha, não. São as circunstâncias. Muitas vezes, você quer olhar de forma diferenciada para o seu aluno, entender melhor qual é o tema que o atrai, que aguça a sua curiosidade, porque você estaria mais livre, menos tenso, mais à vontade pra problematizar os conteúdos. Porém, trabalhar sobre pressão não é fácil e você acaba tendo que dar conta do maior número de alunos, para se apropriarem desses descritores. E a gente não tem tempo. Isso dificulta muito a gente olhar pra diversidade na sala de aula, a gente fica preso nesse formato imposto (PROFESSORA 1).

Com a pressão que a gente vive em focar na Prova Brasil, nesses descritores, isso acaba limitando. A gente fica sem conseguir sair pra buscar outros caminhos diante daquilo que os alunos realmente desejam, porque você contextualizar é, inclusive, você tentar relacionar muitos saberes, né? Uma coisa com a outra. E nós

189

professores precisamos parar para estudar tudo isso, ou então, não vamos conseguir fazer esse passeio entre os conhecimentos com os alunos. Mas o tempo é curto demais pra gente pesquisar, estudar e trabalhar 15 descritores de Português e 28 de Matemática. Então, como o tempo todo só avaliam os alunos através da Prova Brasil, é o jeito a gente esquecer do resto (PROFESSORA 5).

Teve um período que eu fiquei tão preocupada em dar conta das coisas que os meus alunos tinham interesse e os descritores da prova, que a minha parceira de trabalho disse assim: Se desligue disso tudo, você tá ficando quase louca, foque só na Prova Brasil. E eu me assustei, porque ela já tinha muita experiência. E eu dizia, quer dizer que vou ter que ficar presa nesse formato limitado? Mas eu sou professora de Matemática, as formações só discutiam matemática. Então, pra não correr o risco de não dar tempo, eu segui os conselhos (PROFESSORA 6)

Essas provas são uma camisa de força. Elas têm um formato de pergunta e resposta muito próprio. A gente já sabe qual tipo de texto é usado pra fazer determinada pergunta, para avaliar cada descritor. Então, a gente tentava contextualizar como podia. Às vezes, trazia textos com temas que chamavam a atenção deles e fazia as perguntas no modelo em que vinham na Prova Brasil. Mas não há como correr dos simulados que o Inep disponibiliza, pois algumas questões se repetem na Prova Brasil (PROFESSORA 9).

A partir das falas desses professores, conseguimos perceber o quanto se cria

um contexto contraditório e conflituoso no campo da educação. Ao mesmo tempo em

que têm se ampliado as discussões em torno da contextualização, da recuperação

dos sentidos, dos contextos excluídos das narrativas oficiais, de conhecimentos que

vão além dos científicos e disciplinares, vemos se fortalecer uma política de avaliação

padronizada que está diretamente ligada à política do currículo como produto e todo

o cenário violento que é criado, para convencer e quando não, coagir os profissionais

da educação a centrarem suas atenções nos resultados, como prova infalível de boa

educação. Enquanto, na prática, fortalece-se a domesticação, sobretudo, do professor

e do aluno.

Tendo em vista o fato de que os estados e municípios estão cada vez mais,

voltando suas atenções para o atendimento às exigências destas avaliações,

questionamos ao Secretário de Educação de Juazeiro, se ele achava possível e viável

o sistema municipal de ensino desenvolver a proposta de contextualização neste

cenário das avaliações padronizadas.

Se buscarmos um padrão metodológico, uma estrutura didática, isso não

vai surtir o efeito necessário e ainda vai causar resultados muito ruins, aí,

fica inviável. Mas eu acho que é possível. Até porque o SAEB tem um viés

190

contextualizado, o descritor não é sozinho ali, mas está contextualizado na

Prova Brasil. Ainda que o contexto não seja o nosso, cultural, mas tá

num contexto num texto (C.A, 2016, grifo nosso).

Observamos uma zona de conflito, em que ao mesmo tempo em que reconhece

que a padronização de metodologias, estrutura didática, entre outras até aqui já

descritas dificultam a contextualização, esta é a realidade vivenciada por este

município e por outros tantos. Além disso, defende a Prova Brasil como um

instrumento que está contextualizado, embora o contexto não seja o nosso. O que

demonstra certa confusão na defesa de ideias. Uma vez que a contextualização ganha

força exatamente aí, da necessidade de se romper com a lógica hegemônica

universal, para se partir e chegar a contextos que sejam exatamente o nosso e não

outros, parte-se de uma perspectiva de sentimento identitário, da escolarização dos

elementos locais, embora seja indispensável a extrapolação destes (LINS, 2010,

p.105).

Portanto, é ao aceitar de forma intencional o fato de que a Prova Brasil é

contextualizada em outro contexto e que a ele temos de nos adaptar, que todos os

referencias locais e significativos são colocados como não-existentes, onde a

padronização fomentada em torno do contexto da avaliação padronizada não é

considerada um descontexto, mesmo quando o descritor destinado a avaliar o domínio

em relação à variabilidade linguística, ao tratar da Linguagem Regional, por exemplo,

traz sempre uma fala estereotipada em relação ao Nordeste, como nos disse a

Professora 9:

Tem um descritor que cobra Linguagem Formal, Informal, Regional...E sempre que a resposta é Regional são de personagens que falam “pru quê”, “drumir”, “prantando”. Ou seja, uma linguagem que dizem ser típica do Nordeste, uma fala errada. E a gente tem que dizer aos meninos que quando a pergunta e a situação forem esta, eles marquem “Linguagem Regional”.

Ou seja, as avaliações padronizadas elaboradas num contexto particular são

impostas a todos os outros contextos e, nos valendo da afirmativa feita por Martins

(2006), não se interrogam sobre seus próprios preconceitos. Desse modo, o que se

justificava pela finalidade de melhoria da qualidade e no auxílio na definição de

políticas educacionais, na verdade, é colocada como controle e imposição de um

currículo centralizado e unificado, o qual todas as escolas brasileiras devem seguir,

sob à pena de serem julgadas como ruins e a desserviço da humanidade.

191

Vale destacar, que durante a entrevista realizada com o Secretário de

Educação e adentrando mais amplamente nos desafios em torno da contextualização

do ensino, ele esclarece:

Uma outra coisa, é que a gente precisa também fazer as coisas com tranquilidade, porque assim se a gente diz: Ahhh! A solução é o ensino contextualizado (...). Poxa! No ensino fragmentado nós não conseguimos ainda nem sermos minimamente razoáveis ainda na nossa prática, ainda pegar um desafio como esse e dizer que vai contextualizar, não é assim, a gente precisa ir devagar. E também de um desafio que você colocou aí, de um SAEB que também não está tão afeito a isso, e aí? Você vai abrir mão de produzir bons resultados? Porque esse discurso é muito bonito na boca de quem não tem a responsabilidade de produzir os resultados (C.A, 2016, grifo nosso).

Nesse ponto, o entrevistado explicita que a avaliação padronizada é um

dificultador da contextualização e deixa claro que entre buscar medidas de fomento à

proposta de contextualização do ensino e buscar produzir resultados a partir do SAEB,

a prioridade deve ser esta última. Isso explica o motivo pelo qual nos anos pares a

política de educação é uma e nos ímpares se restringe à Prova Brasil. Neste ano de

2016, passada a Prova Brasil a Rede Municipal irá discutir “O Desenvolvimento

Integral e significativo” que, consequentemente abre as portas para as pautas e

vivências baseadas na contextualização.

Neste cenário de luta pelo poder, entre educação como transformação e

educação como domesticação/adaptação, os profissionais do magistério e, em

especial, o professor, diante de todos as sensações a que é exposto, vê-se

encurralado diante de uma macro-estrutura que lhe vigia, que lhe cerca, que lhe põe

numa “camisa de força”. E nessa zona de conflito, a saída encontrada é a de render-

se, pois ainda permanece em suas estruturas mentais, a base de um processo

formativo padronizado, fragmentado, cronologicamente determinado, somem-se a

isto, suas fragilidades metodológicas no que se refere às disciplinas, as condições de

trabalho e o escasso tempo para pesquisa, o número alto de alunos e as múltiplas

diversidades que na sala de aula se apresentam e uma força oculta que de todos os

lados dizem em qual direção deve percorrer, inclusive, para justificar o salário que lhe

é pago para estar dentro de uma sala de aula.

O Ideb deve nos motivar e motivar todo o professor a buscar estímulo em como melhorá-lo. Porque o Ideb não é do prefeito, não é do Secretário de Educação. Essa nota é do trabalho do professor que,

192

inclusive, quando quiser lutar pela valorização profissional, vai querer pedir aumento e vai ouvir o que ouviu o governo da Bahia. A Bahia tem o 7º melhor salário do país e o segundo pior resultado do Ideb. E a gente faz o quê “pra” dizer que está merecendo melhorar o salário? Não é? O professor precisa entender isso também, como um instrumento de valorização profissional. Ganhar mais: você vai ganhar mais e produzir mais e vai ter condições e legitimidade de reivindicar mais (C.A, 2016, grifo nosso).

Isso significa que o bom desempenho na avaliação externa é a “prova” de que

o educador “vestiu a camisa” e o que legitima a luta por seus direitos, inclusive no que

se refere à valorização profissional. A escola é pensada para reagir a um mercado

educacional competitivo, onde somente os vencedores têm legitimidade de

“recompensa”. Para Arroyo (2011, p.31), essa condição faz com que o trabalho

profissional do professor esteja submetido e “seja avaliado em função apenas desses

resultados, que sua carreira, até seus salários sejam condicionados a resultados

matemáticos, estatísticos”.

Essa percepção origina o que Linhart (2009 apud SILVA, 2012) denominou de

“Precariedade Subjetiva”, compreendida como aquela sensação de não estar à

vontade no seu trabalho e de não poder ter o domínio sobre a tessitura de sua própria

rotina profissional, dos saberes e experiências vivenciadas, sendo necessário cada

vez mais, imprimir esforços de adaptação no cumprimento de objetivos e metas, para

que não ponha em risco sua conduta física ou moral. Constituindo-se num sentimento

de isolamento e abandono. Esta precarização tende, inclusive, a dificultar o

reconhecimento de outros valores tão essenciais à vida humana e às relações sociais.

Assim, de acordo com Sacristán (1998, p. 319-321), as avaliações externas

controlam não só o currículo, como diminuem a autonomia no planejamento e sua

realização prática, tornando-se um freio na adaptação do ensino às condições de real

necessidade dos educandos, nas distintas regiões. Portanto,

Enquanto o discurso político é de uma escola inclusiva, a realidade mostra o abandono dos alunos nas escolas, de uma escola do anonimato, onde “todos” são sempre “todos”, pois não há possibilidades de acompanhamento da aprendizagem de cada um (HOFFMANN, 2008, p.37).

Santos (2007, p.178) afirma que esta política de avaliação compromete a

percepção plural do trabalho pedagógico “ao enfocar a resposta única, o jeito certo de

responder, a concepção de conhecimento como verdade a ser assimilada. Não

193

incentiva a pluralidade, pelo contrário”, tende a fechar, a limitar os conhecimentos, a

partir do estabelecimento dos níveis de proficiência, excluindo outros conhecimentos

científicos que não são selecionados, além dos conhecimentos culturais e emocionais

que integram o processo formativo dos sujeitos, mas não encontram espaço e tempo

nas salas de aula.

Todo esse contexto criado pelas políticas de avaliação padronizada contribui

com a desqualificação da escola e todos os seus sujeitos, a qual se torna uma fábrica

de meros alunos pouco capazes de autoria e de pensamento crítico, uma vez que

todo um cenário é montado para determinar o seguinte caminho: “Tire o seu foco dos

alunos, de suas experiências tão precarizadas de viver, esqueça-se de educá-los e

de ser educador. Sejam apenas um eficiente transmissor de competências para

eficientes resultados nas avaliações” (ARROYO, p.31).

Portanto, todas as estratégias aqui descritas, elaboradas para atingir as metas

postas pelo Mec/Inpe/Banco Mundial e financiadores das políticas educacionais, se

constituem como empecilhos ao desenvolvimento de uma Educação Contextualizada,

cujas discussões precisam priorizar, sobretudo, a denúncia da política nacional de

avaliação, sobretudo da Prova Brasil e do Ideb, que sob a justificativa de prezar pela

qualidade do ensino, tornou-se censitária e tem legitimado a colonização do currículo

alinhado às necessidades do capitalismo e da hegemonia da classe burguesa.

Os rumos que as práticas avaliativas vêm tomando no âmbito do sistema de ensino brasileiro, ao contrário da posição formulada anteriormente, encaminham-se para a subordinação do trabalho dos professores e, portanto, da avaliação que fazem, aos critérios da avaliação do sistema. Nesse caso, não são os objetivos de ensino que irão determinar as formas de avaliação, mas a avaliação que acabará por determinar os objetivos, ou seja, dependendo das finalidades postas pelos governos em relação à avaliação do sistema de ensino, ter-se-á uma escola funcional a serviço dos interesses de agências externas à escola (LIBÂNEO, 2004, p. 240, grifo nosso).

Descolonizar os currículos exige problematizar e subverter um sistema de

avaliação criado para impor um currículo oficial mecânico às escolas brasileiras, num

cenário caótico que tem enrijecido as políticas de formação docente, os currículos

vivenciados nas escolas, tem banalizando e exterminado a infância devido ao preparo

precoce e inserção ao mundo dos testes, tem gerado competitividade, disputa e

menos cooperação, menos valores, menos humanidade num campo que lida

194

diretamente com o ser humano, aumentando a precarização do ser docente e,

consequentemente, do discente.

Logo, como afirma Perrenoud (1999, p.75):

Nenhuma inovação pedagógica maior pode ignorar o sistema de avaliação ou esperar contorná-lo. E concluir, a partir disso, consequentemente, que é necessário, em qualquer projeto de reforma, em qualquer estratégia de inovação, levar em conta o sistema e as práticas de avaliação, integrá-los à reflexão e modificá-los para permitir a mudança.

Se a função dos testes padronizados fosse meramente apoiar e orientar as

políticas públicas, o diagnóstico e monitoramento da qualidade educacional poderia

continuar a ser realizado a partir de uma alternativa que se mostrou menos perniciosa,

que era a do exame amostral e sem responsabilização vertical, tal como acontecia

antes da criação da Prova Brasil junto ao Ideb e conforme demonstrou o estudo de

Bonamino e Sousa (2012). Porém, a base amostral apresentava pouca interferência

nos currículos vivenciados nas escolas.

Logo, diferentemente do novo formato censitário, a base amostral não permitiria

o controle geral das escolas, ação que na proposta dos reformadores empresariais,

só se torna possível com a padronização imposta a todos os contextos escolares, uma

vez que, tem como consequência, a padronização do currículo, das formações

docente, dos materiais didáticos e, consequentemente, termina por eliminar as

diversidades, os contextos, uma vez que estes, por não serem padronizáveis, não

caem na prova, e se não caem na prova, como nos diz Freitas (2016) “perdem a

importância para as escolas e gestores”.

Portanto, é preciso que nós, defensores da Educação Contextualizada,

comecemos a problematizar com maior força, este sistema de avaliação padronizada,

e como diz Freire (1996, p.6), colocarmo-nos contra esta “malvadez neoliberal, ao

cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”, cujo

fortalecimento, julgamos nós, continuará sendo um dos mais fortes entraves à

contextualização do ensino.

195

CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS

Nos distintos cantos do planeta, temos visto lutas serem travadas em busca de

rompimentos com os diversos modos de colonização que permeiam a existência

humana. E a escola, historicamente, foi e continua sendo um meio privilegiado em se

converter as diferenças em desigualdades.

Desigualdades estas que se constituíram e ainda se constituem como

marginalizadas e que, portanto, devem ser invisibilizadas e excluídas da vida escolar.

Quantos negros, índios, mulheres, gays, nordestinos, camponeses, entre tantos

outros, frequentaram e ainda frequentam escolas que não lhes percebem, que

ignoram suas presenças, suas narrativas, seus conteúdos, suas dinâmicas de vida e

continuam aprisionadas em representações rígidas e padronizadas que não condizem

com a realidade? Até quando vamos insistir que o mesmo padrão não serve para

todos e que como nos diz Edler Carvalho (2008, p.23): “Somos diferentes e queremos

ser assim, e não uma cópia malfeita de modelos considerados ideais”. É preciso

pensar a escola sob outra óptica.

E, como afirma Arroyo (2006, p.105), “enquanto as políticas públicas, os

sistemas educacionais continuarem insistindo nesse padrão, vamos continuar com as

desigualdades! Vamos continuar com as crônicas, croníssimas desigualdades! ”.

Partindo dessas reflexões, durante este estudo, discutimos, sobretudo, no segundo

capítulo, o quanto os organismos internacionais exercem significativa influência na

política macroeconômica do Brasil destacando-se, pois, na educação. Nesse sentido,

uma avalanche neoliberal busca a garantia econômica dos países em

desenvolvimento, de modo a torná-los competitivos, internacionalmente,

disseminando assim, a lógica de se educar para as necessidades do capitalismo.

Logo, ao financiar a educação brasileira, estes organismos internacionais fixam

pré-condições, regras financeiras e políticas como critério para empréstimo e

financiamento comercial, as quais tornam-se a bússola orientadora das reformas

educacionais destinadas a tais países. Todavia, segundo Altmann (2002) essas

reformas educativas com vistas à melhoria da qualidade do ensino (a qual é

demonstrada nos resultados e esses se verificam no rendimento escolar) são

baseadas em pacotes únicos, direcionados a países com contextos que embora sejam

196

distintos, devem seguir um currículo específico que contemple as aprendizagens

desejáveis, tendo em vista os padrões de rendimento e resultados determinados à

educação.

Desse modo, para monitorar e verificar o alcance das metas postas, tornou-se

necessária a implementação de um sistema de avalição, o qual destacamos aqui, o

Saeb, que é constituído também, pela Prova Brasil. Portanto, os resultados dessas

avaliações não são simplesmente um retorno à sociedade, são, sobretudo, uma

resposta, uma prestação de contas aos órgãos investidores com vistas a justificar se

as metas postas como condição de investimento estão sendo, de fato, alcançadas.

A educação tem sido assim, concebida sob a ótica do mercado. Portanto, a

cultura que a permeia é a de preparar os estudantes para o mercado. Desse modo,

Arroyo (2006, p.106) ratifica que “a ideia de direitos porque lutamos tanto desde a

década de oitenta, ainda não acabou, por ser a lógica estruturante da escola, do

currículo, das avaliações, dos rituais”, que demonstram que a escola moderna resistiu

a variados movimentos de renovação, deixando vestígios ainda hoje.

Nesse ponto, ao avaliarmos os objetivos elencados para o desenvolvimento

desta pesquisa, concluímos que as metas foram alcançadas. Desenvolvemos uma

discussão em torno das concepções epistemológicas que norteiam as Avaliações

Padronizadas e a Educação Contextualizada, compreendendo que um processo

avaliativo classificatório e punitivo, que busca uma responsabilização vertical, tende a

ser um frenador e dificultador de possibilidades de mudanças na área educacional.

Em Juazeiro Bahia, identificamos que as formações continuadas em anos

ímpares, tendem a assumir um enfoque prioritário, baseado nas demandas das

avaliações externas, sendo o principal vetor de orientação das práticas a serem

vivenciadas nas escolas municipais; os docentes investigados deixam isso bem

explícito em suas falas.

A pressão diária em torno da vivência de um currículo que tem como eixo

norteador, a matriz curricular das avaliações padronizadas, atrelada ao excessivo

controle e acompanhamento da SEDUC, seja a partir das formações continuadas, ou

a partir do preenchimento de documentos, relatórios, diagnósticos, simulados, entre

outros, terminam por causar sintomas do ‘adoecimento docente’, como nos apontaram

197

alguns entrevistados: “medo, tortura, pressão, constrangimento, tensão, desespero,

apreensão”, passam a ser sensações expressas, no cotidiano da escola e para além

dela.

Diante deste cenário, a existência da Prova Brasil como uma avaliação

censitária atrelada ao Ideb, que indica a qualidade do ensino, constitui-se como um

forte instrumento de colonização da educação, além de significar uma resistência aos

avanços referentes às discussões sobre a descolonização do currículo, avaliação e

educação contextualizada, uma vez que, a corrida pelo alcance das metas que

traduzem uma educação de qualidade tende a ser intensa, limitando as possibilidades

de pesquisa, de autoria docente, de inter-relação e conexão entre os distintos saberes,

já que tudo deve girar, exclusivamente, em torno do que “é cobrado na prova”.

A Educação Contextualizada em anos de edição das avaliações padronizadas,

no contexto investigado, perde espaço e visibilidade nas pautas formativas destinadas

tanto aos professores e demais funcionários da educação, quanto dos alunos.

Seus desafios, como nos apontaram os dados desta pesquisa, envolvem a

superação de toda uma estrutura do Sistema de Ensino, “montada” para atingir as

metas postas nacionalmente, perpassando pela forte presença de um currículo

fragmentado e restrito às avaliações externas; formação continuada dos docentes

com pautas que atendem às demandas das avaliações, mas que estão alheias à

diversidade e adversidades dos contextos escolares; controle rígido das Secretarias

de Educação em relação à garantia de um trabalho pedagógico que contemple os

conteúdos específicos e o formato das provas nacionais, como exemplo disso, temos

as atividades-modelo realizadas constantemente, os simulados que se iniciam cada

vez mais cedo e com maior intensidade, na rotina das crianças, cujos desempenhos

passam a ser o termômetro do professor e da SEDUC no que refere ao nível de

preparo dos alunos, tendo em vista as demandas da prova.

Tudo isso, somados à publicização dos resultados e seus desdobramentos no

que diz respeito à responsabilização vertical da escola e, sobretudo, dos professores,

termina por gerar uma “esquizofrenia” nas instituições de ensino, levando inclusive a

fraudes, como observamos em alguns depoimentos, cujos professores afirmaram a

pressão existente em torno da aprovação automática, mesmo quando esta não aponta

198

indícios de ser a melhor opção para o aluno, bem como, o ato de se camuflar dados,

como é o caso apontado, onde no lugar inserir os alunos evadidos, nos índices

dedicados a esta categoria, os mesmos entram como transferidos, estratégia esta

utilizada para burlar e favorecer os fatores que influenciam na construção do Ideb.

Num cenário constituído por esse excesso de supervalorização das avaliações

externas, termina por atrofiar o desenvolvimento de uma educação contextualizada.

E, embora se acredite na inexistência de um currículo nacional comum, esta

realidade se impõe e se opera no cenário das avaliações nacionais, a partir da matriz

que referencia a elaboração dos testes padronizados, os quais através do Ideb

classifica escolas, municípios e estados em “bons” ou “ruins”, direcionando as escolas

brasileiras, inclusive, a rede municipal de ensino de juazeiro, a um trabalho

pedagógico baseado nos conteúdos e objetivos cobrados nos exames, os quais

quando “dominados”, “treinados” definem a qualidade de uma “boa” educação.

Atrelado à avaliação, compreendemos as performances das formações

continuadas, que adquirem o status de “Formação da Prova Brasil”, as quais têm como

única preocupação, treinar professores capazes de treinarem seus alunos para serem

bons respondedores de testes de múltipla escolha. Observamos ainda os livros

didáticos, um dos instrumentos mais utilizados nas escolas como norteador do

trabalho docente, os quais, segundo Barreiros (2003) têm sido um dos elementos de

maior recomendação de investimento feita pelo Banco Mundial, além de que, nos

últimos anos, algumas Editoras tais como a Moderna, já iniciaram o lançamento de

coleções que se baseiam na matriz de referência do Saeb, bem como, em materiais

“brindes”, contendo simulados de Língua Portuguesa e Matemática.

E estas já têm sido inseridas pelo MEC, na lista de coleções adequadas aos

propósitos do ensino, constituindo-se, pois, em si mesmos, o currículo efetivo, de alta

incidência e baixos custos. Nesse sentido, o cenário das avaliações padronizadas,

que delimita um currículo específico, materiais didáticos, avaliação interna, simulados,

testes, aulões, projetos, gincanas, premiações e formações continuadas que se

concretizam, exclusivamente, em função dessas avaliações, são complexos desafios

a serem superados na concretização de uma educação contextualizada no município

pesquisado.

199

Inclusive, os dados construídos nos mostraram as adversidades postas no

trabalho docente diante desse processo, apontando que a perspectiva que tende a

prevalecer entre os professores é a hegemonia da avaliação padronizada sobre a

educação contextualizada.

As avaliações padronizadas apresentadas neste estudo têm ganhado adeptos

e defensores em outros tantos contextos internacionais e nacional. As reformas

educacionais da década de 90 se estabeleceram a partir da reestruturação do sistema

do ensino alicerçado em práticas neoliberais. E, conforme apontou Barreiros (2003,

p.98) é relevante enfatizarmos “a presença do Banco Mundial na definição do contexto

ideológico dessas políticas educativas, cujos critérios para a concessão de

empréstimos e as orientações gerais expressam a prevalência da lógica financeira

sobre a social”. A educação termina assim, por desenvolver um monólogo, onde só

há lugar para o que está determinado hierarquicamente como dominante, como matriz

que referencia a qualidade.

O cenário revelado neste estudo apresenta, em anos ímpares, uma vivência

escolar baseada em um monoculturalismo, o qual segundo Fleuri (2000, p.69),

compreende que os diversos grupos e povos compartilhem nas mesmas condições,

de uma cultura universal. Neste caso, a “cultura da prova”. Essa visão universalista e

igualitária que pode legitimar a dominação de um determinado projeto que exclui e

subjuga as minorias culturais.

As características e metodologias utilizadas pelas avaliações externas

homogeneízam localidades, regiões e nações, constituindo-se como “um perigo

neoliberal acoplado à globalização e ao capitalismo, ambos articulados em benefício

de uma elite global”, com vistas a continuarem na reprodução do oprimido para

alimentar o mercado opressor (ROCHA, 2015, p.10).

Nesse sentido, o que essa pesquisa em todas as suas limitações conseguiu

abstrair foi o conflito existente entre as discussões significativas em torno da

contextualização do ensino em anos pares e a mudança de enfoque ocorrido em anos

ímpares, tendo em vista à edição da Prova Brasil e a busca por resultados, revelando-

se nas vozes dos entrevistados que a essência de uma tem anulado vivência da outra.

200

Vemos a influência direta que a avaliação padronizada tem sobre a política de

formação docente, a qual se torna meramente técnica e reprodutivista, direcionada a

partir de um currículo já estabelecido, pronto, direcionado, prescrito e já posto como

formativo, alheio aos sujeitos e como diz Macedo (2014, p.56) “às culturas e aos

grupos sociais vistos como estranhos, que em geral, estão colocados à parte, em face

das suas formas de organizar a vida e a aprendizagem”, uma vez que os formadores

já sabem o caminho a percorrer: Capacitar os professores para preparar os alunos

para os exames.

Logo, as escolhas já estão dadas, os conhecimentos já estão estabelecidos, os

saberes disciplinares avaliados são o centro das pautas formativas, excluindo-se as

subjetividades, os anseios, as existências, a autonomia e a autoria, dando espaço a

procedimentos mecanizados e repetitivos de conteúdos desintegrados dos distintos

contextos escolares vivenciados por cada um dos docentes, que deixam de ser “cada

um” para serem vistos como “todos”, todos que devem ter domínio das metodologias

padronizadas a serem desenvolvidas nas suas respectivas escolas.

Nessa lógica, foi possível perceber que esta mesma relação tende a se repetir

na sala de aula, na postura do professor diante do aluno. A pressão, a competitividade,

a responsabilização e a necessidade de mostrar “resultados”, inclusive, para justificar

o pagamento do salário leva os docentes a anularem as crianças. Assim, as

avaliações padronizadas dão cada vez menos espaço para que eles conheçam

melhor e mais intimamente seus alunos e considere os saberes trazidos pelos

mesmos nas pautas formativas, pois estes não serão avaliados.

Deixamos, neste ponto, alguns questionamentos baseados na leitura de Arroyo

(2006), e que nos servem de reflexão e impulso para ampliação do estudo: “Até onde

em nome dos saberes escolares, negamos os saberes construídos?”; “Até onde esses

saberes são mais mortos do que vivos?” e acrescentamos, “até onde esses saberes

tornam a infância e as crianças mais mortas que vivas?”

Embora esta pesquisa tenha se limitado ao cenário das avaliações

padronizadas num município específico, percebemos que algumas iniciativas

desenvolvidas aqui, para fortalecer práticas de preparo para o teste e melhoria no

desempenho, foram copiadas de outros contextos, a exemplo de Sobral, o que nos

201

aponta que este não é um cenário restrito à realidade investigada nesse estudo.

Portanto, nesta e em tantas outras localidades, temos crianças cada vez mais sendo

vítimas do “roubo da infância”, as quais estão sendo submetidas enfadonhamente à

antecipação precoce da escolarização.

No município investigado, já vemos professores defendendo a Educação

Infantil como preparo para o Ensino Fundamental, tendo em vista à ênfase em práticas

que possam melhorar a “cultura do desempenho”. O que não é uma realidade

inexistente em outros contextos.

Segundo Freitas (2015), uma pesquisa realizada nos Estados Unidos já

demonstra a existência de uma base nacional comum restrita à leitura e matemática,

na Educação Infantil, devido exatamente, às pressões por antecipação de preparo

para os testes que geralmente acompanham estes movimentos, conduzindo a

mudanças que não são benéficas à formação das nossas crianças. Uma vez que estas

têm passado mais tempo se dedicando às atividades restritas ao aprofundamento

dessas disciplinas isoladas e tendo menos tempo dedicado à brincadeira, ao faz de

conta, à música, à arte.

A escola e as salas de aula têm se tornado um campo cada vez mais tenso,

permeado por conflitos. O que é considerado o “básico” a ser avaliado nesses testes

eliminam diversas dimensões essenciais à formação humana, restringindo a

completude e a complexidade do que seria uma boa educação.

Logo, não seria este um dos motivos pelo qual apesar de tantas discussões,

tantas teorias, tantas pesquisas, tantos ditos “avanços” educacionais, estejamos a

perceber, com menor frequência, sujeitos com capacidade de autoria, criatividade,

posicionamento crítico e elaboração de perguntas significativas? Não seriam a

aprovação automática sem reflexão em torno de uma avaliação formativa e garantia

da aprendizagem e as fraudes, ações estas utilizadas para garantirem a elevação do

Ideb, uma prova concreta de que esse modo padronizado e reducionista não avalia a

qualidade da educação? As escolas que apresentam indicadores elevados, seriam as

mesmas cujos estudantes apresentam uma percepção mais analítica, politizada e

crítica diante das informações e situações presentes na cotidianidade?

202

Alguns desses questionamentos abrem caminhos para novas buscas. Mas, em

contrapartida, o Ideb continua se elevando: a partir de estudantes aptos em respostas

de múltipla escolha; a memorizarem qual resposta está diretamente ligada a um

determinado formato de pergunta; a criarem e produzirem textos com rara frequência,

já que esta não é uma competência avaliada nos exames padronizados; a se tornarem

competitivos e desejarem sempre serem os melhores.

E, portanto, com professores e estudantes ainda mais presos aos materiais

apostilados, aos livros didáticos, a atividades-modelo disponíveis na internet, que

contemplam os descritores avaliados e ao que este estudo demonstra, tornam-se mais

técnicos, mais reprodutores e em consequência disso, menos felizes. Todo este

cenário de pressão tem desenvolvido nos professores um autodisciplinamento e a

perda de sua autonomia, sob a “tortura” e o “medo” do não alcance das metas

estabelecidas.

Um cenário educacional medíocre e caótico que tem se fortalecido, mesmo

diante do quadro deplorável que tem se instalado na escola pública. Os números

aumentam, enquanto um número significativo de professores tem a sensação de que

os estudantes estão aprendendo menos. Até que ponto a degradação de nossas

escolas, professores e alunos deverá alcançar, para que este atentado contra à

educação seja denunciado, colocado em xeque? Percebemos um emudecimento

diante do que tem sido protagonizado nos espaços formativos.

Um sistema nacional padronizado de avaliação que limita o conteúdo

programado a formatos ligados ao modo de perguntar, ao modo de responder, que

padronizada e determina tempos de aprendizagens, desconsidera os contextos em

que ocorrem a aprendizagem os quais são distintos e interferem diretamente nesse

processo, podendo antecipar ou retardar em relação ao tempo pré-estabelecido. O

Banco Mundial tem como justificativa diminuir a pobreza, as desigualdades, tornando

o país mais competitivo. Não estaria esse padrão generalista aumentando as

desigualdades e negando direitos?

A educação como forma de alimentar a lógica industrial e do consumo tem

preparado pessoas para um modelo de felicidade que, segundo, Silva (2010) baseada

no positivismo, limita-se ao acesso tecnológico e ao conforto material, tornando-as

203

escravas do mercado. Essa construção de um modelo de “sociedade perfeita”, que é

a sociedade do desenvolvimento e que, portanto, os não desenvolvidos devem seguir

a mesma trilha dos desenvolvidos, tem contribuído com a descontextualização da

educação e da prevalência do discurso hegemônico, incutindo “como meta nos

imaginários dos atores sociais e institucionais” de acordo com este autor, que é

necessário descontextualizar, anular a realidade local, buscando atingir a realidade

desejada e perfeita que é a “realidade Deles, nunca nossa” (SILVA, 2010).

E estas são as falsas mentiras que geram falsas promessas e,

consequentemente, soluções inapropriadas, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo

Banco Interamericano, uma vez que, o capitalismo alicerçado na ambição de sua

expansão em âmbito global, necessita como afirma Silva (2010), de “acesso fácil a

mercados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes

e corpos disciplinados existentes nos territórios colonizados, onde as dimensões

humana, social, cultural, ecológica e ética foram sistematicamente violadas”. Eis que

a educação e o seu controle mediante avaliação padronizada tem sido a arma mais

eficaz.

Partimos então, do princípio, que urge a substituição da “Pedagogia da

resposta” que nos impõe modelos elaborados em outros contextos distantes do

diálogo com os nossos, que não inspiram, apenas incitam à cópia e não à crítica, à

memorização de respostas às perguntas elaboradas sem pertinência e que cultua um

saber único dominante, pela “Pedagogia da pergunta”.

Segundo Paulo Freire (1985), o saber hoje tem sido considerado resposta e

não pergunta, o que termina por “castrar a curiosidade”. As respostas estão dadas,

sem que sejam feitas as perguntas e o autoritarismo que permeia a educação inibe a

possibilidade de perguntas. Desse modo, desenvolver a Pedagogia da pergunta é

uma forma de provocar a autoridade posta e um modo de expressar as relações no

mundo e com o mundo, partindo da cotidianidade, pois é nela onde se encontram e

de onde se originam as perguntas, levando até a descoberta da “relação dinâmica,

forte, viva, entre palavra, ação, entre palavra-ação-reflexão”, que se apoiam em

exemplos concretos da vida cotidiana dos próprios sujeitos envolvidos na pergunta e

em busca das respostas, as quais se elaboram em torno da prática, de forma que o

204

“agir, falar, conhecer” permanecem juntos. Eis o sentido e a força da contextualização

(FREIRE,1985, p.26).

Dentro do curto espaço de tempo que vivenciamos e tecemos este trabalho que

permanece inacabado e aberto a novos olhares, novas compreensões, colaborações

e possíveis reformulações, não ousaríamos trazer soluções, no entanto, acreditamos

ainda ser possível travar novas lutas e sonhar novos sonhos, na certeza de que as

coisas não estão sólidas e podem ser problematizadas e modificadas. A alternativa

que se apresenta diante de nós diz respeito à resistência, a subversão daquilo que

está imposto, mesmo quando se demonstra que os resultados não têm sido benéficos.

Acreditamos na necessidade que se impõe às universidades, pesquisadores,

estudantes, professores, gestores, alunos, famílias e sociedade civil a se debruçarem

sobre todo o cenário que envolve a avaliação padronizada e a falta de autonomia,

criatividade, alegria, dignidade e conhecimento pertinente a que estão sujeitos os

profissionais do magistério e os educandos. Para que assim, seja possível o

fortalecimento de movimentos de resistência contra o formato em que se desenvolvem

estes testes, juntos às secretarias de educação e Ministério Público. Avaliações que

se utilizam da competitividade, da responsabilização verticalizada, da punição e

premiação não podem estar a serviço da aprendizagem e muito menos do bem viver.

É preciso anunciar a pouca confiança que este modo de aferir a qualidade

educacional apresenta e que não estamos mais dispostos a transformar nossas salas

em espaços de treinamento que buscando a “qualidade” tem contribuído para a

limitação, robotização e desqualificação dos sujeitos, efeitos estes causados pelas

metodologias que orientam o instrumento cujo propósito é o de “melhorar” o número,

sem o devido cuidado com a melhoria dos processos.

Este é um movimento que já começou a ganhar vida na Flórida. Segundo

Freitas (2016), mais de 3000 (três mil) professores foram até Tallahassee, capital do

estado, protestar e levar sua mensagem aos legisladores que têm fomentado a

realização de testes padronizadas de alto impacto, contribuindo com a precarização

da educação pública.

Pensamos que sair do silêncio é o primeiro passo para fomentar o debate, tirá-

lo da margem e trazê-lo para o centro das pautas prioritárias da educação. E assim,

205

ratificamos, mais uma vez, o que nos diz Perrenoud (1999, p.76), a avaliação pode

ser uma amarra capaz de impedir e atrasar “todo tipo de outras mudanças. Soltá-la é,

portanto, abrir a porta para outras inovações” e cuja discussão a proposta de

Contextualização não pode se isentar.

206

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217

APÊNDICES

Entrevista com o Secretário de Educação do Município de Juazeiro

1) Inicialmente, eu gostaria de saber um pouco mais sobre o seu perfil educacional

como educador. O Senhor poderia me falar sobre o percurso da sua formação

acadêmica (graduação, pós-graduação), em quais instituições estudou, qual foi o seu

itinerário formativo como educador?

2) O Senhor poderia me falar quais foram os seus principais desafios no início da

carreira profissional como educador?

3) No cenário atual, o que mais lhe desafia como educador e Secretário da Educação

em um município do porte e da importância de Juazeiro?

4) Quais fatores levaram as discussões iniciadas em 2014, em torno da proposta de

Educação Contextualizada a não serem ampliadas em 2015?

5) Diversos estudos na área da educação têm destacado a importância da

contextualização dos conteúdos ensinados na escola como elemento fundamental

para uma aprendizagem significativa, o senhor considera viável, considera possível,

uma proposta de educação contextualizada ser desenvolvida no mesmo cenário que

nossos municípios vivem hoje, que são as avaliações padronizadas vivenciadas a

cada dois anos, como a Prova Brasil, por exemplo?

6) Em sua análise, até que ponto uma educação contextualizada poderia proporcionar

melhores resultados na aprendizagem dos estudantes matriculados nas escolas do

município de Juazeiro?

7) Nos últimos três anos, a formação continuada dos professores dos anos finais do

Ensino Fundamental em Juazeiro esteve orientada por diferentes enfoques

pedagógicos, uma vez que em 2013, o enfoque foi referente à Prova Brasil, em 2014,

ficou clara orientação para a vivência de uma educação contextualizada, e em 2015

retornamos às discussões referentes ao preparo para a Prova Brasil. A que o senhor

atribui essa mudança de enfoque de um ano para outro? (Qual é finalidade da

formação continuada, no Município?)

8) Na análise do senhor, em que medida o sistema de avaliação proposto pelo

INEP/MEC proporciona uma melhoria da aprendizagem dos educandos de nossas

escolas?

9) O que motivou a decisão em implementar, nas nossas escolas, a docência

compartilhada? Esta organização permanecerá neste ano de 2016?

218

10) Embora todos reconheçam as melhorias ocorridas na educação do nosso

município, é possível perceber que esses avanços ainda não são tão expressos no

IDEB.

*Em 2011, o IDEB das séries iniciais foi de 4,0 e em 2013, chegou a 4,2. Um acréscimo

de apenas dois décimos.

*Já nas séries finais, o IDEB foi de 3, 5 em 2011, e 3,4 em 2015.

-> A quais fatores o senhor atribui esses resultados e quais são as estratégias que a

Secretaria de Educação tem buscado, para de fato ajudar na melhoria do desempenho

dos nossos alunos nesse sistema de avaliação?

11) A adesão ao SAEB e à Prova Brasil é voluntária. Por que a SEDUC aderiu? Qual

é a importância de o município aderir à realização da Prova Brasil?

(Como os resultados podem contribuir na melhoria do ensino em Juazeiro?)

12) O IDEB é calculado a partir do desempenho na Prova Brasil junto ao fluxo escolar.

Nós percebemos que em 2013, o município apresentou uma taxa elevada de

reprovação. Sobretudo, nas séries finais que passou de 14,1 (em 2012), para 18,3.

Essas taxas podem ter tido grande influência nos resultados do nosso município? O

que a Secretaria de Educação tem feito, para tentar equilibrar e reduzir os índices de

reprovação e evasão?

13) Qual a finalidade e a metodologia do Projeto Educação Nota 10?

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Entrevista realizada com os professores

1) Primeiramente, eu gostaria de saber um pouco sobre o seu perfil educacional. Qual

a sua formação, quanto tempo exerce a docência e quais motivos te levaram a

escolher esta profissão.

2) Ultimamente, muito tem se discutido sobre a qualidade da educação. Quais são os

instrumentos utilizados na escola em que você trabalha, para verificar esta qualidade?

3) De que modo a escola e os professores recebem os resultados da Prova Brasil?

Há uma análise em torno desses resultados?

4) No que se refere às vivências pedagógicas no município de Juazeiro Bahia, como

você traduziria o ano de 2015?

5) Na sua opinião, há alguma distinção no trabalho desenvolvido na escola, em anos

que tem Prova Brasil e anos que não tem? Se sim, quais?

6) Você recebe alguma orientação da SEDUC, do gestor ou do coordenador, no que

se refere ao trabalho a ser desenvolvido em sala de aula, em anos de edição da Prova

Brasil? Justifique.

7) Quais são as estratégias desenvolvidas, para garantir a melhoria do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica, da escola em que você trabalha?

8) Este ano, o município desenvolveu o Projeto Educação 10! O que você pensa sobre

esse projeto?

9) Quais sensações você vivencia ou está vivenciando, nos anos em que o município

é submetido às avaliações externas?

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