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Eduardo Plastino Comércio internacional e desenvolvimento humano: os casos do Chile e da Venezuela DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Rio de Janeiro Junho de 2007

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Eduardo Plastino

Comércio internacional e desenvolvimento humano: os

casos do Chile e da Venezuela

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Programa de Pós-Graduação em Relações

Internacionais

Rio de Janeiro

Junho de 2007

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Eduardo Plastino

Comércio internacional e desenvolvimento humano: os casos do Chile e da Venezuela

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.

Orientador: André de Mello e Souza

Rio de Janeiro, junho de 2007

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Eduardo Plastino

Comércio internacional e desenvolvimento humano: os casos do Chile e da Venezuela

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

André de Mello e Souza Orientador

PUC-Rio

Luis Manuel Fernandes PUC-Rio

Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado UFRJ

João Franklin Abelardo Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-

Rio

Rio de Janeiro, 15 de junho de 2007

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Eduardo Plastino Eduardo Plastino nasceu em 1978 e graduou-se em Comunicação Social pela PUC-Rio em 2000. Trabalhou entre 1998 e 2007 na agência internacional de notícias Efe. Entre suas principais áreas de interesse estão a economia política internacional, os estudos do desenvolvimento e diversas questões ligadas à América Latina.

Ficha Catalográfica

Plastino, Eduardo

Comércio internacional e bem-estar interno: os casos do Chile e da

Venezuela / Eduardo Plastino ; orientador: André de Melo e Souza. – 2007.

139 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Inclui bibliografia

1. Relações internacionais – Teses. 2. Economia política internacional.

3. Comércio internacional. 4. Bem-estar. 5. Desenvolvimento humano. 6. Políticas públicas. 7. Chile. 8. Venezuela. I. Souza, André de Mello e. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.

CDD: 327

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Para Daniela, minha esposa,

Sieni e Carlos, meus pais, Mateus e Vinícius, meus irmãos.

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Agradecimentos

Agradeço

à Daniela, companheira de vida, por seu enorme amor, apoio e compreensão,

a meus pais, que sempre acreditaram em mim,

a toda a minha família,

aos meus amigos,

às minhas colegas de turma,

aos professores do IRI, especialmente a meu orientador, André de Mello e

Souza, e a Luis Manuel Fernandes,

ao professor Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado,

a Deus.

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Resumo

Plastino, Eduardo; Mello e Souza, André de (Orientador). Comércio internacional e desenvolvimento humano: os casos do Chile e da Venezuela. Rio de Janeiro, 2007. 139p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta dissertação é um estudo acerca dos efeitos do comércio internacional sobre

o bem-estar interno dos países. O trabalho parte da evidência de que há países

com estruturas econômicas similares, inclusive um alto grau de abertura

econômica, que, no entanto, têm um desempenho muito diferente em seu IDH,

utilizado como taxa representativa do bem-estar . São examinados os casos de

Chile e Venezuela nos anos 90 e chega-se à conclusão de que, embora em países

com uma alta exposição ao comércio exterior este seja em grande parte

responsável pela evolução das economias nacionais, a forma como ele se reflete

no bem-estar depende da intervenção do Estado, por meio da implementação de

políticas públicas. A pesquisa é feita em um enquadramento teórico de

Economia Política Internacional (EPI). A proposta de Susan Strange de analisar

as questões da EPI em função de diferentes estruturas de poder é aplicada ao

nível nacional, e os efeitos do comércio internacional sobre o IDH são

examinados como os de uma estrutura do comércio particularmente influente

sobre uma estrutura do bem-estar.

Palavras-chave Economia Política Internacional, comércio internacional, bem-estar,

desenvolvimento humano, políticas públicas, Chile, Venezuela.

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Abstract

Plastino, Eduardo; Mello e Souza, André de (Advisor). International Trade and Human Development: The Cases of Chile and Venezuela. Rio de Janeiro, 2007. 139 p. M.A. thesis – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This thesis is a study of the effects of international trade on social welfare

within countries. The analysis starts from the evidence that there are countries

with similar economic structures, including a high level of economic openness

which, however, have a very different performance on their HDI, taken as a

proxy for their welfare. The cases of Chile and Venezuela in the 1990s are

examined. The conclusion is that, although trade, in countries highly exposed to

it, is to a great extent responsible for the evolution of national economies as a

whole, the way it affects welfare depends on the intervention of the state,

through the implementation of policies. The research is done within an

International Political Economy (IPE) framework. Susan Strange's proposition of

analyzing the questions of IPE as the work of different power structures is

applied at the national level, and the effects of international trade on HDI are

examined as those of a particularly strong trade structure on a welfare structure.

Keywords International Political Economy, international trade, welfare, human

development, policy, Chile, Venezuela.

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Sumário

1 Introdução 15

2 Marco teórico 19

2.1. O comércio, a economia e as relações internacionais 19

2.1.1. A importância histórica do comércio para as relações

internacionais 20

2.1.2. A gênese da disciplina e a exclusão das questões econômicas 24

2.1.3. O resgate da economia e a emergência da subárea da EPI 27

2.2. Os assuntos da economia política internacional 29

2.3. A EPI e as estruturas de poder 37

2.4. Modificações necessárias 40

2.4.1. “Primárias” e “secundárias”: por que a divisão empobrece

a proposta de Strange 40

2.4.2. Estruturas nacionais 44

2.5. Teorias do comércio 46

2.5.1. A tradição liberal: Smith, Ricardo, Walras e Heckscher-Ohlin 46

2.5.2. A tradição intervencionista: Hamilton, List, Keynes e Polanyi 52

2.5.3. Aproximação 57

3 Questões metodológicas 59

3.1. Traduções numéricas para estruturas de poder 59

3.1.1. A estrutura do comércio e a relação fluxo comercial/PIB

como sua medida 60

3.1.2. A estrutura do bem-estar e o IDH como sua medida 61

3.1.2.1. Alocação de bem-estar 61

3.1.2.2. O IDH 65

3.1.3. Participação do Estado como variável interveniente 68

3.2. Seleção dos estudos de caso 70

3.3. Outras considerações metodológicas 82

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4 Pesquisa empírica 85

4.1. As políticas públicas e a estrutura do bem-estar sob forte

influência da estrutura do comércio 85

4.2. A estrutura do comércio e a arrecadação tributária 89

4.3. A atuação do Estado 93

4.3.1. Educação 93

4.3.2. Saúde 98

4.3.3. Qualidade da atuação estatal 104

4.4. A evolução da estrutura do bem-estar 109

4.5. Observações sobre os dados empíricos 113

5 Considerações finais 122

6 Referências bibliográficas 130

7 Anexo: O cálculo do IDH 139

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Lista de figuras

Gráfico 3.1 : Chile e Venezuela, PIB por habitante 71

Gráfico 3.2 : Chile e Venezuela, população 71

Gráfico 3.3 : Chile e Venezuela, PIB 72

Gráfico 3.4 : Chile e Venezuela, fluxo comercial total 73

Gráfico 3.5: Chile e Venezuela, fluxo comercial por habitante 73

Gráfico 3.6 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil, fluxo comercial

como proporção do PIB 74

Gráfico 3.7: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil; fluxo comercial

como proporção do PIB (média 1990-2000) 75

Gráfico 3.8: Chile, variação do fluxo comercial e variação do PIB 75

Gráfico 3.9 : Venezuela, variação do fluxo comercial e variação do

PIB 76

Gráfico 3.10 : Preço do cobre e variação do PIB chileno 79

Gráfico 3.11 : Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano 79

Gráfico 3.12: Chile e Venezuela, IDH 80

Gráfico 3.13: Chile e Venezuela, contribuição para a alta conjunta

do IDH 81

Gráfico 4.1 : Chile e Venezuela, arrecadação C&TI como proporção

do PIB 91

Gráfico 4.2 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação

C&TI como proporção do PIB 92

Gráfico 4.3 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação

C&TI como proporção do PIB (média 1995-2000) 92

Gráfico 4.4 : Chile e Venezuela, subíndice de educação no IDH 93

Gráfico 4.5 : Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de

educação 94

Gráfico 4.6 : Chile e Venezuela, gasto público em educação per

capita 95

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Gráfico 4.7 : Chile e Venezuela, gasto público em educação como

porcentagem do gasto público total 95

Gráfico 4.8 : Chile e Venezuela, subíndice de saúde no IDH 99

Gráfico 4.9 : Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice

de saúde 99

Gráfico 4.10 : Chile e Venezuela, gasto público em saúde por

habitante 100

Gráfico 4.11 : Chile e Venezuela, gasto público em saúde como

porcentagem do gasto público total 101

Gráfico 4.12 : Chile, indicadores de governança 107

Gráfico 4.13 : Venezuela, indicadores de governança 107

Gráfico 4.14 : Chile e Venezuela, média das notas de governança 108

Gráfico 4.15 : Chile e Venezuela, qualidade da governança 108

Gráfico 4.16 : IDH, diferença entre Chile e Venezuela 109

Gráfico 4.17 : Participação de cada subíndice na variação doIDH

chileno 111

Gráfico 4.18 : Chile, variação dos subíndices e do IDH 111

Gráfico 4.19 : Participação de cada subíndice na variação do IDH

venezuelano 112

Gráfico 4.20 : Venezuela, variação dos subíndices e do IDH 113

Gráfico 4.21 : Chile, variação do PIB e arrecadação C&TI 114

Gráfico 4.22 : Venezuela, variação do PIB e arrecadação C&TI 115

Gráfico 4.23 : Chile, arrecadação C&TI e gasto público em saúde

e em educação por habitante 116

Gráfico 4.24 : Venezuela, arrecadação C&TI e gasto público em

saúde e em educação por habitante 117

Gráfico 4.25 : Chile, variação do PIB e gasto público em educação

por habitante 118

Gráfico 4.26 : Venezuela, variação do PIB e gasto público em

educação por habitante 118

Gráfico 4.27 : Chile, variação do PIB e gasto público em saúde

por habitante 119

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Gráfico 4.28 : Venezuela, variação do PIB e gasto público em saúde

por habitante 119

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Lista de tabelas

Tabela 3.1: Chile, composição da pauta comercial 78

Tabela 3.2: Venezuela, composição da pauta comercial 78

Tabela 4.1 : Chile e Venezuela ; dados sobre comércio, PIB e

arrecadação tributária 90

Tabela 4.2 : Chile, indicadores de governança 105

Tabela 4.3 : Venezuela, indicadores de governança 106

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“Perhaps, we can agree that there are a number of key questions

in

this middle ground between politics and economics to which we

badly

need the answers. Or –lowering our sights still more- that there

are areas of terra incognita in which it would be helpful to us all if

someone were

to do some exploratory digging and to apply some careful

thought”

Susan Strange.

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1 Introdução

O comércio, como lembra Robert Gilpin, não apenas é “o mais antigo e

importante elo econômico entre as nações”, como foi, ao lado da guerra, “central

para a evolução das relações internacionais” (Gilpin: 1987, p.171). Usando termos

semelhantes, Susan Strange afirma que “o comércio e a guerra são as duas formas

mais antigas das relações internacionais” (Strange, 1988, p.161)1. A literatura

sobre o comércio e seus efeitos tem séculos de história, e até hoje é marcada por

controvérsias. Suas raízes podem ser encontradas nos argumentos liberais de

Adam Smith e David Ricardo, e nacionalistas, ou intervencionistas, de Alexander

Hamilton e Georg Friedrich List. Como mostram as citações de Gilpin e Strange,

o debate em torno do comércio não é alheio à economia política internacional

(EPI), subárea da disciplina de relações internacionais. Pelo contrário, é um de

seus mais importantes assuntos.

Muito se discutiu e se discute sobre os efeitos do comércio para o bem-

estar social das nações. Mas será que esses efeitos são sempre iguais? Uma grande

exposição ao comércio exterior tem sempre o mesmo impacto sobre o bem-estar

social interno dos países? E se esses países tiverem uma série de características

análogas – como serem nações em desenvolvimento, exportadoras de matérias-

primas e localizadas no mesmo subcontinente, bem como terem economias e

populações de tamanhos relativamente próximos? Neste caso, pode-se esperar que

os efeitos da exposição ao comércio internacional sobre o bem-estar interno sejam

semelhantes? Argumentarei nesta dissertação que a resposta a tal pergunta é não.

Trabalharei com dois casos – Chile e Venezuela – que compartilham as

diversas características mencionadas no parágrafo anterior, dentre elas uma

grande exposição ao comércio exterior. Para medir essa exposição, lançarei mão

da taxa criada pela proporção do Produto Interno Bruto (PIB) correspondente ao

fluxo comercial (soma de tudo o que um país exporta e importa). Já o proxy

1 Ambas as citações são traduções livres dos originais em inglês.

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escolhido para medir o bem-estar será o Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH).

Os exemplos de Chile e Venezuela nos anos compreendidos entre 1990 e

2000 demonstram que, empiricamente, a alta exposição ao comércio exterior pode

fazer com que o conjunto da economia dependa, em grande medida, das trocas

comerciais – como indicado pela semelhança entre as curvas de variação do fluxo

comercial e do PIB de ambos os países. No entanto, os efeitos desse quadro sobre

o bem-estar interno podem variar muito: enquanto o IDH do Chile registrou

aumento expressivo no período, o da Venezuela teve um incremento mínimo.

A pergunta a que procurarei responder é: por que o bem-estar melhorou

substantivamente no Chile e muito pouco na Venezuela, dois países muito

expostos ao comércio e com uma série outras de características em comum?

Minha hipótese é de que o fenômeno deveu-se à participação do Estado para

transformar ganhos com o comércio em ganhos em bem-estar. Embora o comércio

exterior possa gerar riqueza, a simples exposição a ele é insuficiente para que

tenha efeitos positivos sobre o bem-estar da população do país. Para isto, é preciso

que o governo atue como cadeia de transmissão. Com esse objetivo, ele deve não

apenas adotar políticas públicas eficazes e dedicar verbas a elas; precisa também

ser competente em sua aplicação.

O IDH pode variar em função de um grande número de fatores. É

indiscutível, por exemplo, que a adoção de boas políticas públicas é capaz de

elevar o bem-estar em qualquer situação em que um governo razoavelmente

competente tenha dinheiro para implementá-las - não necessariamente proveniente

do comércio. Entretanto, o valor extremo da proporção do PIB equivalente ao

fluxo comercial nos dois casos de estudo e a série de outras características comuns

entre Chile e Venezuela fazem com que a pesquisa se aproxime o máximo

possível de uma situação ceteris paribus – uma condição, impossível para as

ciências sociais, na qual tudo se mantém igual, exceto aquilo que se busca estudar.

Não existe a pretensão de se desenvolver uma teoria, mas de, seguindo o

conselho dado em 1970 por Susan Strange, “fazer alguma escavação exploratória

e aplicar algum pensamento cuidadoso”2 (Strange, 1970, p. 311). Por seu próprio

caráter, a pesquisa proposta não poderá dispensar elementos da política

2 Tradução livre do original em inglês.

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comparada3. Isto não representa, porém, um afastamento do assunto a respeito das

relações internacionais (RI). A análise está em linha com a postura expressada por

Robert Keohane e Helen Milner no livro Internationalization and Domestic

Politics, de 1996. Na introdução ao volume, os autores definem o conceito de

internacionalização como algo passível de ser medido “por indicadores como

mudanças do comércio em proporção do produto nacional bruto”4 (Keohane e

Milner, 1996b, p.4). Na conclusão, anunciam que

“for social scientists, internationalization of the world economy should sound the death-knell to the anachronistic divisions, institutionalized in universities, between ‘comparative politics’ and ‘international relations’. Cross-national comparisons are meaningless without placing the countries being compared in the context of a common world political economy within which they operate. Likewise, theories of international relations that treat all countries as fundamentally similar provide only limited insight into the variations in policy and institutional change. Neither comparative politics nor international relations can be coherently understood without aid from the other” (Keohane e Milner, 1996a, p.257).

O desenvolvimento desta dissertação será organizado em três capítulos. No

primeiro deles, que é o capítulo 2, dedicado a questões teóricas, abordarei a

importância histórica do comércio para as relações internacionais e as razões pelas

quais, apesar dela, este foi durante muitos anos excluído das análises feitas dentro

da disciplina. Isto me levará a uma discussão sobre a emergência da subárea de

EPI, e acerca dos assuntos que nela devem ser tratados. Exporei, depois, o marco

teórico desenvolvido por Susan Strange, que entende a EPI como um terreno que

envolve arranjos econômicos, políticos e sociais, e propõe a análise da subárea por

meio do estudo da atuação do poder estrutural. Embora considere extremamente

útil tal enquadramento teórico, farei algumas ressalvas importantes para esta

pesquisa, que me permitirão realizá-la em termos da influência de estruturas do

comércio fortes sobre estruturas do bem-estar, intermediadas pela ação estatal. No

final do capítulo, apresentarei brevemente o pensamento dos principais teóricos

do comércio, tanto liberais como intervencionistas.

3 A política comparada é entendida aqui seguindo a definição de Giuliano Urbani, para

quem a expressão designa “o recurso dos estudiosos a um método particular de análise – a

comparação – no processo de verificação empírica das hipóteses, generalizações e teorias

concernentes aos fenômenos políticos” (Urbani apud Bobbio, Matteucci e Pasquino, 2004, p. 962) 4 Tradução livre do original em inglês.

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O capítulo 3 reunirá as questões metodológicas deste trabalho. Nele,

explicarei os motivos que me levaram a adotar os proxies escolhidos. Exporei

ainda as razões pelas quais a atuação do Estado será a variável interveniente.

Depois farei a seleção dos estudos de caso e apresentarei outras considerações

metodológicas pertinentes. O capítulo 4 será dedicado à pesquisa empírica sobre a

forma como a atuação do governo fez com que situações similares, marcadas por

uma grande ascendência do comércio exterior, se traduzissem em evoluções muito

diferentes do IDH. A seguir, as considerações finais encerrarão a dissertação.

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2 Marco teórico

2.1. O comércio, a economia e as relações internacionais

Esta dissertação é uma pesquisa sobre a influência do comércio exterior

sobre o bem-estar interno de países nele envolvidos. Em que pese a importância

história do comércio para as relações entre as nações, nem sempre seu estudo foi

levado em conta dentro da academia de RI. Junto com as questões econômicas de

maneira geral, durante décadas ele foi considerado alheio à disciplina. Começarei

este capítulo com uma exposição sobre o papel do comércio, os motivos por que

foi excluído da disciplina das relações internacionais por tanto tempo, e como foi

recuperado, com a emergência da EPI. Isto levará a um debate sobre quais são os

assuntos desta subárea e, na seqüência, do melhor marco teórico para o estudo

proposto.

Defenderei que o enquadramento proposto por Susan Strange, no qual a

EPI pode ser vista como o estudo do “poder estrutural”, oferece uma base

consistente para tal análise. Segundo a autora, essa idéia é mais adequada para o

estudo da economia política internacional do que a do “poder relacional” – “o

poder que tem A de obrigar B a fazer algo que, de outra forma, não faria”1 (Idem,

p. 24). Partindo dessa noção, Strange descreve as relações dentro da EPI como

dadas entre “estruturas de poder”.

O capítulo termina com uma análise das principais idéias de alguns de

expoentes da teoria comercial liberal e da intervencionista. Concluirei que os

argumentos que ambos os lados oferecem são insuficiente para explicar o motivo

pelo qual países sob forte ascendência do comércio exterior podem ter diferentes

resultados em seu bem-estar interno.

1 Tradução livre do original em inglês.

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2.1.1. A importância histórica do comércio para as relações internacionais

As trocas comerciais desempenham um papel crucial nas relações entre as

sociedades há vários séculos. De fato, uma análise mais detalhada das relações

econômicas na etapa de transição entre a Baixa Idade Média e o estabelecimento

do capitalismo na Europa revela a importância do comércio para o processo de

consolidação dos Estados nacionais no continente.

Barry Buzan e Richard Little demonstram, no livro International Systems

in World History, o papel do comércio em tal curso histórico. Os autores

sublinham que o transporte e o comércio reviveram na Europa do século XI. Em

1277, já havia comércio marítimo entre a península italiana e a Holanda. Com a

reimposição da barreira islâmica ao comércio europeu, o ressurgimento das trocas

comerciais euro-asiáticas foi prejudicado pelo fechamento, por volta de 1340, da

Rota da Seda, que ligava o Extremo Oriente ao Mar Negro, o que estimulou os

europeus a procurarem vias marítimas para as Índias. Assim, os portugueses

começaram a explorar a costa africana em 1416, chegando aos Açores em 1430,

ao Cabo da Boa Esperança em 1487 e, finalmente, às Índias em 1498, dois anos

antes de Pedro Álvares Cabral desembarcar na região do atual Porto Seguro.

Antes disso, em 1492, o genovês Cristóvão Colombo chegara às Américas a

serviço da Espanha. Trinta anos depois, foi concluída com sucesso a expedição

iniciada em 1519 pelo português Fernão de Magalhães, também em nome da

Coroa Espanhola, para fazer a primeira viagem de circunavegação.

Mesmo admitindo que as primeiras estatísticas razoavelmente confiáveis

sobre o comércio só surgiram no século XVIII, Buzan e Little apontam que várias

estimativas permitem aos estudiosos de hoje ter uma idéia aproximada de como as

trocas comerciais internacionais cresceram em relação tanto à economia quanto à

população do mundo. Desde 1750, indicam os autores, a população do planeta

aumentou em torno de 8 vezes, passando de cerca de 770 milhões para por volta

de 6 bilhões de pessoas. Buzan e Little citam cálculos de Paul Bairoch, segundo

os quais o PIB mundial expandiu-se aproximadamente 41 vezes, de US$ 148

bilhões, em 1750, para US$ 6,08 trilhões, em 1990. Para Philip Curtin, o comércio

global multiplicou-se por 54,5 entre 1700 e 1914, passando de US$ 700 milhões

para US$ 38,15 bilhões. William Woodruff estima que, entre 1750 e 1938, as

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trocas comerciais no planeta tenham se multiplicado por 65,9, escalando de US$

700 milhões para US$ 46,1 bilhões. Já os Anuários estatísticos das Nações Unidas

de 1964, 1982 e 1994 apontam, de acordo com Buzan e Little, uma multiplicação

por 174,6 nos anos entre 1938 e 1995, com uma disparada de US$ 47,9 bilhões

para US$ 8,364 trilhões. Portanto, dizem os autores, juntando-se os cálculos de

Woodruff e das Nações Unidas, encontra-se que o valor do comércio global

cresceu astronômicas 11.506 vezes entre 1750 e 1994.

“This rather astonishing figure suggests that during the last 250 years world trade has outperformed the growth in the human population by over 1,400 times and outperformed global GNP by 281 times. (…) Even allowing for quite substantial inaccuracies in theses estimates, and for temporary downturns (...), it seems abundantly clear that world trade has expanded during this period with a ferocity that is only marginally explained by parallel expansions of population and GNP” (Idem, p. 308).

Keohane e Milner também calculam a proporção do comércio, embora

apenas para décadas recentes.

“During the first fifteen or twenty years after World War II, measures of trade openness (…) recovered to levels above those of the 1930s and 1940s, but did not reach levels as high as those of the period before 1914 (…). Since the early 1970s, however, world trade increased dramatically relative to previous levels, and relative to domestic product. Import volumes as percentage of real GNP in industrial capitalist countries, which remained between 10 and 16 percent throughout the ninety years between 1880 and 1972, increased to almost 22 percent during the 1973-87 period (…). Between 1972 and 1991 the average rate of import growth into the Organization for Economic Development and Co-operation (OECD) area was slightly over five percent, compared to an average increase in real total domestic demand (both expressed in 1987 dollars on the basis of 1987 GDP weights) of only three percent (..). That is, the imports grew over two decades at a rate about 65 percent higher than growth in domestic demand” (Keohane e Milner, 1996b, p. 10-11).

Apesar de concentrar esta análise na medida das importações de nações

ricas, Keohane e Milner analisam adiante a expansão das exportações de seis

países de industrialização recente2 (conhecidos pela sigla NICs, do inglês). Isso

lhes permite argumentar que “o histórico dos NICs demonstra que, durante os

anos 70 e 80, a economia mundial esteve aberta o suficiente para que, mesmo na

2 Brasil, México, Hong Kong, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan, embora o status jurídico

deste último como país seja passível de questionamento.

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ausência de qualquer tratamento especial, alguns países pobres pudessem atingir

altas taxas de aumento de exportação e elevação da renda”3 (Idem, p. 11).

Outra autora de peso a observar o crescimento do comércio no transcurso

do tempo, em números absolutos e relativos à economia em geral, é Susan

Strange, que em States and Markets, de 1988, aponta que

“during the whole of the present century4 trade between countries has grown faster than their total production .That is to say, the proportion of production sold across state frontiers has steadily risen. Before World War I, international trade grew at an average rate of 2.5 per cent per year, while output grew at an average annual rate of 2.2 per cent. In the last half-century, the rate of growth has accelerated, even allowing for inflation, as the following figures of the total value of world trade suggest: 1938, $ 25 billion; 1945, $58 billion; 1958, $ 114 billion; 1975, $903 billion; 1984, $ 1,915 billion” (Strange, 1988, p. 162).

Embora o estudo de Buzan e Little não mergulhe em uma análise profunda

das causas de uma expansão comercial da magnitude observada, os autores

afirmam que não é possível compreender o fenômeno sem levar em conta a forma

como foi financiado. Assim, “a invenção do dinheiro obviamente está no cerne

deste processo, e as origens do dinheiro estão muito estreitamente associadas ao

desenvolvimento do comércio5” (Buzan e Little, Op. Cit, p. 308). No bojo do

processo de consolidação das soberanias nacionais, os governos viram-se na

necessidade de manter uma moeda estável que permitisse a seus países tirar

proveito da expansão comercial. Assim, de acordo com Buzan e Little, “a partir

do final do século XVI, os Estados europeus começaram a criar bancos centrais

em uma tentativa de acabar com a desordem financeira”6 (Idem, p. 314). Foi nesse

contexto que, por exemplo, o Banco da Inglaterra (autoridade monetária britânica)

foi fundado em 1694, “marcando mais um passo na direção de centralização e

institucionalização do Estado”7 (Ibid).

“History reveals that the financial processes that have come into play since the start of the sixteenth century have facilitated the emergence and consolidation of

3 Tradução livre do original em inglês. 4 Como o livro é de 1988, a autora refere-se ao século XX. 5 Tradução livre do original em inglês. 6 Tradução livre do original em inglês. 7 Tradução livre do original em inglês.

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modern states while, at the same time, in conjunction with increasing international trade, they have pulled international economies into an ever closer and more integrated network of relations” (Idem, p. 309).

Portanto, o comércio não foi apenas um dos fatores que contribuíram para

o processo de consolidação dos Estados nacionais, como também um dos

principais indutores da relação entre eles. Karl Marx e Friedrich Engels também

abordaram este assunto no Manifesto do Partido Comunista, de 1848. Para além

do célebre cunho panfletário da obra, esta constitui uma análise do que os autores

viam como uma tensão natural na forma moderna de organização social e

econômica. De um lado, os interesses da burguesia eram bem servidos pela forma

centralizadora do Estado nacional, enquanto de outro, o modo de produção

burguês – ou seja, o capitalismo – precisava expandir-se constantemente por meio

da divisão internacional do trabalho e do aprofundamento do comércio exterior.

“The bourgeoisie ever more and more arrests the dispersion of the means of production, property and population. It has agglomerated property in the hands of a few. The necessary consequence of this was political centralisation. Independent, or loosely connected provinces having separate interests, laws, governments, and tariffs, were lumped together into a single nation, with one government, one constitution, one national class interest, one customs-tariff”8 (Marx e Engels, 2003 [1848], p. 129)

Segundo essa visão, nada mais natural, em tal contexto, do que um

crescimento do comércio com a consolidação e expansão do sistema capitalista. A

centralização da política no Estado e a internacionalização da produção,

distribuída via comércio, são vistas como os dois aspectos mais fundamentais da

ordem mundial “burguesa”.

“The bourgeoisie has, by the exploitation of the world-market, given a cosmopolitan character to the production and consumption of all countries. It has, to the despair of reactionaries, cut from under the feet of industry its national basis. Old established national industries have been destroyed, and are daily being destroyed. They are dislodged by new industries; whose introduction becomes a vital question for all civilised nations; by industries which no longer use native raw material, but raw material brought from the furthest zone, and whose products are consumed not only in their own countries, but in every quarter of the globe. (…).

8 O grifo é meu.

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Instead of the old local and national isolation and self-sufficiency, universal trade has developed and the interdependence of nations”9. (Idem, p.128)

Durante o longo período que englobou a transição do feudalismo para o

capitalismo, analisado por Marx e Engels no Manifesto, houve uma tensão entre

os interesses econômicos burgueses, servidos pelo liberalismo, e a preocupação

com a consolidação dos Estados nacionais. Muitos governos abraçaram a visão

nacionalista. A preocupação central dos formuladores de políticas econômicas

nessas nações era fortalecer e viabilizar o Estado. Esta postura, inicialmente

associada às políticas mercantilistas, foi formalmente organizada no Relatório

sobre as Manufaturas, apresentado em 1791 por Alexander Hamilton, então

secretário do Tesouro dos EUA, à Câmara de Deputados do país, e defendida pelo

alemão Georg Friedrich List no Sistema Nacional de Economia Política, de 1841.

No século XIX, porém, ganhou mais força a ideologia liberal proposta por

Adam Smith, autor de A Riqueza das Nações, de 1776, e David Ricardo, que

publicou Princípios de Economia Política e Tributação em 1817. Este corpo

teórico caracterizou-se por uma crença nos benefícios da especialização e em uma

harmonia de interesses, e pela idéia de que a interdependência provocada pelo

comércio seria o caminho para a paz internacional.

2.1.2. A gênese da disciplina e a exclusão das questões econômicas

Vista com estranheza no início do século XIX, a teoria liberal chegou ao

fim do período como pensamento hegemônico. Para além das questões meramente

econômicas, o continente europeu viveu uma longa época predominantemente

pacífica, interrompida basicamente pelas guerras da Criméia (1854-56), Austro-

Prussiana (1866) e Franco-Prussiana (1870-71), e por conflitos breves de menor

escala. As guerras Austro-Prussiana e Franco-Prussiana foram marcos no caminho

da Alemanha rumo a sua tardia unificação nacional, mas não um embate entre

potências modernas européias. Afiançou-se a idéia de que o aprofundamento dos

laços comerciais da época merecia, ao lado de fatores políticos como o equilíbrio

de poder entre as potências européias, créditos pelo grande período de paz entre as

9 O grifo é meu.

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potências no continente europeu. A realidade, pois, parecia confirmar a crença

dos liberais de que o comércio era “uma força para a paz”, uma vez que “a

interdependência econômica cria laços positivos entre os povos e promove a

harmonia de interesses entre as sociedades”10 (Gilpin, Op. Cit, p. 172).

Nesse contexto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial foi um grande

abalo. A virulência do conflito, sem precedentes em gerações, pode ser explicada

pelo menos em parte pelo fato de, pela primeira vez em uma guerra entre

potências, os dois lados terem usado os avanços tecnológicos desenvolvidos no

âmago da Revolução Industrial. Tornaram-se armas letais as conquistas que, para

a sociedade liberal, representavam avanços materiais e bem-estar. A crença em

uma paz com raízes no mercado ruiu junto com o edifício do progresso da

sociedade liberal do século XIX. Em meio a este abalo, surgiu na academia

anglo-saxônica a disciplina das relações internacionais. Em seu nascimento,

tratava-se do estudo das relações entre Estados soberanos - monopólios

coercitivos - com o objetivo de evitar, ou pelo menos diminuir, a freqüência das

guerras, bem como o dano por elas infligido a países e pessoas. Portanto, a análise

crucial era a da anarquia.

Existe entre os acadêmicos um debate sobre a localização exata no tempo

da gênese da nova disciplina. As considerações que alguns acreditam já formar

uma área de conhecimento começaram no período entreguerras. Por exemplo,

Nick Rengger e Mark Hoffman vêem o surgimento das RI nas décadas de 1920 e

1930, e afirmam que os estudiosos daquela época moviam-se pelo desejo de

entender as causas da Primeira Guerra Mundial a fim de prevenir outro conflito de

proporções similares (Rengger e Hoffman, 1992, p. 128). Para outros, só é

possível falar em relações internacionais como disciplina acadêmica instituída nos

anos subseqüentes ao final da Segunda Guerra Mundial. Seja como for, a área de

estudos surge em meio à grande desilusão provocada pelas guerras mundiais e

com uma grande desconfiança em relação à capacidade de os países viverem em

paz e garantirem sua sobrevivência por outros meios que não o poder militar. Tal

quadro tornou natural a proclamada vitória do realismo sobre o “idealismo” (de

10 Tradução livre do original em inglês.

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acordo com termo imposto retrospectivamente pelos próprios realistas11) no

chamado “primeiro debate” das RI.

Ademais, a disciplina também nasceu no bojo de um ambiente acadêmico

em que ganhava força a idéia, proveniente principalmente da economia

neoclássica, de procurar aperfeiçoar o conhecimento por meio do estudo de áreas

isoladas, com um foco absoluto. Tal esforço fica patente no trabalho do

economista neoclássico Léon Walras, que faz uma distinção rigorosa entre

“ciência” e “arte”. Para o autor,

“a arte aconselha, prescreve, dirige; a ciência observa, expõe, explica. Quando um astrônomo observa e descreve o curso dos astros, faz ciência; mas quando, depois de fazer suas observações, deduz regras aplicáveis à navegação, faz arte... Dessa forma, observar e descrever fenômenos reais, eis a ciência; ditar preceitos, prescrever regras, eis a arte” (Idem, p. 38)

Com tal distinção aceita na academia no momento da gênese das relações

internacionais, não é difícil entender que, se a nova disciplina ocupava-se do

estudo das relações entre Estados soberanos em um contexto de anarquia, nada

mais natural do que isolar a análise da política internacional de qualquer outra

área que pudesse diverti-la de seu alvo. Hans J. Morgenthau estabeleceu no livro

A política entre as nações – A luta pelo poder e pela paz, publicado em 1948, seus

célebres “seis princípios do realismo político”. Segundo o último deles, “o realista

político sustenta a autonomia da esfera política do mesmo modo como o

economista, o advogado e o moralista sustentam as deles”. (Morgenthau, 2003

[1948], p.22).

Nos contextos político e acadêmico do nascimento das relações

internacionais como disciplina, tal postura ganhou legitimidade e assumiu

proeminência absoluta. Durou décadas o “longo e nocivo divórcio entre a política

e a economia no estudo do sistema mundial”12, para usar palavras de Strange, uma

das pioneiras e principais nomes da subárea de economia política internacional

(Strange, 1995, p. 154).

11 Segundo comentário de Tim Dunne e Brian C. Schmidt. 12 Tradução livre do original em inglês.

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2.1.3. O resgate da economia e a emergência da subárea da EPI

Entre o final dos anos 60 e o início da década seguinte, uma série de

acontecimentos - como o abandono do sistema de Bretton Woods (1971), os

efeitos do primeiro choque do petróleo (1973), e a percepção de uma erosão da

hegemonia americana, entre outros - forçaram a inclusão das questões econômicas

na agenda de uma disciplina cujo foco era, até então, a preocupação com a

segurança e com a estratégia da Guerra Fria. Para Strange, os fatos estavam

mostrando que “os mundos da política e da economia não são, e não podem ser,

separados um do outro”13 (Idem, p. 169-170).

Já em 1968, Richard Cooper, um dos mais importantes pioneiros no estudo

de EPI, publicou The Economics of Interdependence, no qual afirmava que a

Otan, aliança militar do Atlântico Norte utilizada pelos EUA para fazer frente à

ameaça soviética, requeria melhor coordenação das políticas econômicas de seus

Estados-membros para ser eficaz. A interdependência das nações ocidentais em

um contexto de Guerra Fria, sugeria o autor, tornava necessário um esforço

conjunto na seara econômica como o que era realizado no campo militar.

Em 1970, Strange publicou no periódico International Affairs o artigo

International Economics and International Relations: A Case of Mutual Neglect,

em que chamava a atenção para o crescimento muito mais rápido do que

denominou “sistema econômico internacional” - em linhas gerais, as relações de

interdependência e interação econômica entre as nações - do que do “sistema

político internacional, bem mais estático e rígido” (Strange, 1970, p. 304-305). O

resultado disso, lamentava a autora, “é que grandes lacunas” permaneciam

“passíveis de serem preenchidas pelo mito popular e a lenda” (Idem, p. 309). A

idéia básica era de que a exclusão das questões econômicas do desenvolvimento

da disciplina não ajudara a iluminar a compreensão de fenômenos importantes

para o entendimento das relações internacionais. No mesmo ano do artigo de

Strange, Charles Kindleberger lançou Power and Money: the Economics of

International Politics and the Politics of International Economics. O economista

Kindleberger tornou-se um nome importante na EPI por seus estudos da relação

entre o poder e a economia, particularmente por apresentar a teoria da estabilidade

13 Tradução livre do original em inglês.

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hegemônica, depois abordada por teóricos como Gilpin, John Ruggie e Peter

Katzenstein (Gilpin, Op. Cit: capítulo 3) 14.

Também marcaram o estudo da EPI nos anos 70 as análises da

“interdependência complexa” realizadas por Keohane e Joseph Nye, que se

tornaram clássicos da subárea. Em claro contraste com o “princípio do realismo

político” de Morgenthau, ambos destacaram, entre as características de tal

interdependência, que

“the agenda of interstate relationships consists of multiple issues that are not arranged in a clear or consistent hierarchy. This absence of hierarchy among issues means, among other things, that military security does not consistently dominate the agenda. Many issues arise from what used to be considered domestic policy, and the distinction between domestic and foreign becomes blurred” (Keohane e Nye, 2000a, p. 719).

A partir do começo dos anos 70, então, a EPI foi conquistando seu espaço

na academia dentro da disciplina de relações internacionais, com colaborações de

autores como os mencionados e Robert W. Cox, Joan Spero, Stephen Krasner,

David Held, Immanuel Wallerstein e muitos outros15. Em artigo de 1995, Strange

avaliou positivamente o espaço ganho pela EPI dentro das RI, porém creditou a

situação mais à força dos acontecimentos do que a uma concessão intelectual do

“núcleo duro” realista, sempre tendente a observar as questões econômicas como

assuntos de low politics, cujo estudo deveria ser separado das questões de

segurança, que eram de high politics.

“The boom in International Political Economy (...) as an area of specialization has reflected not ideas but events. It was pure coincidence that President Nixon decided unilaterally to float the dollar, close the gold window and effectively write the epitaph of the Bretton Woods rules on exchange rates between the major currencies only eight months after an article of mine in International Affairs (…) had called for an end to the long separation of politics and economics. His actions galvanized thought and discussion on the politics as well as economics of the international monetary system. Within another two years, the OPEC countries had

14 Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês. 15 Evidentemente, nem toda a disciplina cedeu repentinamente aos argumentos dos

estudiosos da subárea. Prova disso é o fato de Theory of International Politics, de Kenneth Waltz -

publicado em 1979 e livro-chave do neo-realismo que viria, em grande medida, a dominar o

mainstream da disciplina nas décadas seguintes - levar ao paroxismo a visão das RI como

exclusivamente o estudo do comportamento de Estados soberanos em um ambiente anárquico.

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seized the golden opportunity of a booming commodity market – and therefore strong demand for oil – coinciding with the 1973 Arab-Israeli war to quadruple the asking price for their oil. Their success – however short-lived, since inflation in the US rapidly devalued the real price of the same oil – put new life into the demands of developing countries for economic justice and a better deal from rich, industrialized countries in matters of trade and aid” (Strange, 1995, p. 154-155).

Strange ainda inclui em sua lista outros fatos, como a crise da dívida de

países em desenvolvimento nos anos 80, e podemos especular que, tivesse o artigo

sido escrito alguns anos mais tarde, também constariam dele, entre outras

questões, as crises financeiras com epicentros no Sudeste Asiático, na Rússia e no

Brasil, os efeitos internacionais dos escândalos contábeis da Enron e da

WorldCom nos EUA, os fatores políticos da luta contra o financiamento do

terrorismo, a continuação do extraordinário crescimento chinês e seus efeitos

sobre a política mundial, o debate sobre a divisão das cotas de votação no Fundo

Monetário Internacional (FMI), o avanço das economias emergentes em relação

ao PIB mundial e os fracassos e sucessos da OMC desde sua criação, em 1995,

bem como os efeitos globais dos déficits gêmeos americanos. De acordo com a

autora, graças aos acontecimentos que cita em seu artigo e a outros, era “natural

que os políticos, a mídia e os acadêmicos desenvolvessem um forte interesse pela

EPI”16 (Idem, p. 156).

2.2. Os assuntos da economia política internacional

A lista de questões esboçada indica que a gama de assuntos que os estudos

de EPI parecem capazes de cobrir é bastante abrangente. Mas quais seriam

exatamente as fronteiras da subárea? Susan Strange, em 1995, apontou que

“it is undeniable that there are certain commonly agreed ‘areas of investigation’ which are accepted as ‘belonging’ to IPE. Reflecting the concerns of governments, these include the management of world trade, of exchange rates, of foreign debt, of foreign investment and notably the multinational corporations. These topics make up a certain core, a kind of lowest common denominator, for the subject, reflected both in the ever growing literature and the topics discussed at conferences on international studies” (Idem, p.157).

16 Tradução livre do original em inglês.

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De toda forma, a localização acadêmica da EPI não fica claramente

assinalada pelas indicações de Strange, embora dificilmente a autora possa ser

culpada disso, uma vez que reconhece a existência de “um estado de confusão”

acerca de “o que a disciplina é e para onde deveria ir”17 (Strange, 1995, p. 158)18.

A questão da localização da economia política internacional é importante

para esta dissertação, pois levará a outro debate, sobre a localização da pesquisa

proposta dentro da própria EPI e, portanto, da disciplina das RI19. Os objetivos

aqui são, em primeiro lugar, chegar a uma situação na qual seja possível

reconhecer e lançar mão das ferramentas analíticas apresentadas por uma tradição

de autores sem cair em uma espécie de “vale tudo” acadêmico, mas garantindo

que a subárea não fique aprisionada dentro de conceitos estanques e

excessivamente limitadores. Em segundo, localizar a pesquisa proposta dentro da

subárea.

Com tal intuito, analisarei a seguir as duas contribuições que talvez sejam

as mais aceitas no que diz respeito à localização da EPI. Primeiramente, abordarei

a de Robert Gilpin e, em seguida, em uma tentativa de contornar o que

identificarei como as limitações que esta perspectiva imporia ao presente estudo,

apresentarei a abordagem de Susan Strange.

Para Gilpin, “a economia política é criada pela existência paralela e a

interação do ‘Estado’ e do ‘mercado’”20 (Gilpin, Op. Cit, p. 8). Segundo o autor,

“Without both state and market there could be no political economy. In the absence of the state, the price mechanism and market forces would determine the outcome of economic activities; this would be the pure world of the economist. In the absence of the market, the state or its equivalent would allocate economic resources; this would be the pure world of the political scientist” (Ibid).

17 Tradução livre do original em inglês. 18 Esta constatação não implica que Strange não proponha uma definição para a EPI. A

autora o faz no livro States and Markets, com será apresentado adiante. 19 Este objetivo, porém, não deve ser confundido com o de encontrar uma resposta

conclusiva sobre o espaço ocupado pela EPI dentro da disciplina. Não é tal o objetivo da discussão

proposta. 20 Tradução livre do original em inglês.

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31

Subjaz a esta noção a visão do Estado e do mercado como as

“encarnações” da política e da economia, como explicitado no seguinte trecho, no

qual Gilpin aponta que as questões de economia política internacional são aquelas

“generated by the interaction of the state and the market as the embodiment of politics and economics in the modern world. They ask how the state and its associated political processes affect the production and distribution of wealth and, in particular, how political decisions and interests influence the location of economic activities and the distribution of the costs and benefits of these activities. Conversely, these questions also inquire about the effects of markets and economic forces on the distribution of power and welfare among states and other political actors, and particularly about how these economic forces alter the international distribution of political and military power. Neither state nor market is primary; the causal relationships are interactive and indeed cyclical. Thus, the questions (…) focus on the mutual interactions of very different means for ordering and organizing human affairs: the state and the market”21. (Idem, p. 9) A linguagem de Gilpin é muito elucidativa, mas no meu entender, ainda

incompleta. O problema é que, como aponta Strange em States and Markets, “a

percepção de que há uma ligação entre ambas (política e economia) não é

suficiente” para se ter um estudo de economia política (Strange, 1988, p.14).

Analogamente, como afirma Martin Staniland, citado por Strange, “verificar que,

no pôquer, há uma ligação entre um jogo de cartas e um ganho em dinheiro não é

o mesmo que saber jogar pôquer e ganhar a partida” (Ibid) 22.

Gilpin indica corretamente, citando Robert Heilbroner, que existe uma

tensão permanente entre as lógicas do mercado “de alocar as atividades

econômicas onde elas são mais produtivas e dão maior lucro” e do Estado, que é

“capturar e controlar o processo de crescimento econômico e acumulação de

capital”23 (Gilpin, Op. Cit, p.11). Por isso, “um virulento debate tem ocorrido por

séculos sobre a natureza e as conseqüências do atrito entre as lógicas

fundamentalmente opostas do mercado e do Estado”24 (Idem, p.12). O fator

limitador em sua apresentação da subárea não está em sua análise das relações

tremeluzentes entre mercados e Estados, mas na restrição da economia política a

elas.

21 O grifo é meu. 22 Ambas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês. 23 Tradução livre do original em inglês. 24 Tradução livre do original em inglês.

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32

Para entender como a concepção de EPI apresentada por Gilpin poderia ser

ampliada, é necessário pensar três pontos: a) Há problemas com a identificação do

Estado como “a encarnação da política”? b) Há problemas com a identificação do

mercado como “a encarnação da economia”? c) O que falta para, usando a

metáfora de Staniland, “ganharmos a partida”?

Atualmente, a resposta à questão “a” é bastante direta. Há uma vasta

literatura sobre atores não-estatais na política e nas RI25. Ficarei satisfeito em

apresentar dois comentários sobre o trabalho de Susan Strange. O primeiro é que,

apesar do título States and Markets que deu a seu livro publicado em 1988, a

autora leva em conta nele a atuação de atores não-estatais na EPI. Isto ficará claro

nas páginas subseqüentes. O segundo é a reivindicação explícita que fez em 1995

de uma visão da política para além do Estado.

“The first thing that is needed for the further development of the study of international political economy is a redefinition of the study of politics. For too long, political scientists have imagined that politics consists of what governments do, how the function and how they behave to one another. The state, as someone said, came to ‘colonize’ the study of politics. (…) But as the French writer Bertrand de Jouvenel (1954) pointed out (…), people engage in politics whenever one individual or group needs the support or assistance of others to achieve their ends. That principle allows us to think quite differently about the nature of politics. It is no longer confined to the state, to the functioning of government by states. Thus, the chief executives of firms are engaged in politics when they seek the support and cooperation of their managers and their workers, or of their suppliers in meeting quality standards, or the continued confidence of their shareholders or creditors. Running a business – as anyone who has ever done it knows – is more than conducting a series of rational economic exchanges. Conflicting interests have to be reconciled, chains of command established. Areas of responsibility must be defined, and disagreement arbitrated. Above all, some leadership, some sense of purpose, some confidence have to be instilled in all the people involved. Nor does politics outside government occur only on a grand scale. Charity organizers engage in politics. People who try to raise money for charities need ‘the support and assistance of others to achieve their ends’. To some, the ends may be trivial – running a tennis club, for example, or negotiating a car-pool (…). But the process is still political, and calls for political skills more than economic rationality” (Strange, 1995, p.169)

A resposta à questão “b” não é tão simples. Gilpin faz uma distinção muito

útil entre os conceitos de “mercado” e de “capitalismo”. O primeiro, explica, é

25 Seria impossível fazer uma lista de todos os autores, mas esta incluiria, por exemplo,

Alejandro Colas, Kathryn Sikkink, Marina Ottaway, Thomas Weeis, Leon Gordenker , David

Held, Anthony McGrew e Paul Wapner.

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mais amplo, uma vez que sua “essência” é “o papel central dos preços relativos

nas decisões referentes a alocações” (Gilpin, Op. Cit, p. 16). Já a “essência” do

segundo, como indicado por Marx e Engels, “é a propriedade privada dos meios

de produção e a existência de trabalho livre” 26(Ibid). Neste panorama, nem

sequer uma economia socialista deixa de ser “de mercado”. O mesmo vale para os

exemplos das empresas e “triviais” dados por Strange, como a administração de

um clube de tênis. Eles levam a política além do Estado, mas a economia

permanece dentro dos limites do mercado.

O conceito de mercado apresentado por Gilpin aproxima-se muito das

mais aceitas definições de “economia”. De acordo com Strange, a economia

refere-se ao “uso de recursos escassos para desejos ilimitados. Como fazer uso

desses recursos é fundamentalmente uma questão de eficácia. A pergunta é: ‘Qual

é a alocação mais eficaz de recursos’”. (Strange, 1998, p. 14)27.

À primeira vista, então, não parece haver problemas com a identificação

do mercado como “a encarnação da economia”, feita por Gilpin. Entretanto,

existem questões econômicas que dependem de fatores que não podem ser

explicados em termos de alocação da forma mais eficaz, ou levando em conta os

preços relativos.

Por exemplo: a qualidade de mão-de-obra é um fator econômico que as

empresas levam em conta na hora de fazer investimentos (ou seja, alocar recursos)

em uma determinada região. Por sua vez, essa qualidade da mão-de-obra depende

de uma formação em escolas e cursos técnicos que são financiados com dinheiro

do Estado ou de particulares. Até este ponto dependemos de decisões sobre a

alocação de recursos. Ainda estamos dentro da lógica do mercado. Porém, em um

grupo de x alunos que começarem a freqüentar o maternal de determinada escola,

nem todos terão a mesma formação, pois alguns estudarão mais e terão bom

desempenho, e outros estudarão menos e seu boletim será recheado de notas

fracas. Alguns irão até o último ano e poderão inclusive ingressar em uma

faculdade, enquanto outros talvez tenham dificuldade até mesmo para aprender a

ler. Assim, alguns poderão vender seu trabalho como mão-de-obra qualificada,

capaz de agregar alto valor a um produto ou serviço, ao passo que outros não terão

26 Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês. 27 Tradução livre do original em inglês.

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34

essa vantagem. Trata-se, evidentemente, de uma questão econômica, mas a

variação entre o desempenho dos alunos que a determinou não aconteceu apenas

em função da lógica do mercado. As decisões sobre alocação podem ter sido as

mesmas tanto em relação à escola quanto dentro de cada família. As variações,

assim, podem ter ocorrido devido a motivações pessoais decorrentes de um

exemplo próximo, crença religiosa, inspiração com algum projeto artístico ou n

outros fatores.

Strange admite o efeito exercido sobre a economia pela educação, que não

pode ser totalmente englobada na lógica da alocação de recursos. Exemplifica

com um caso de sucesso comercial, contrastado com outro de dificuldades:

“There is a close correlation between the availability of knowledge through education and performance in export trade. Taiwan by 1987 had built up its monetary reserves through successive years of trade surpluses to $62 billion, and had one of the highest proportions in the world of its population in full-time education. African countries have much lower percentages of literacy, and this is an important limiting factor in their ability to export successfully” (Idem, p. 180).

Fenômeno semelhante ocorre com a questão da saúde. A manutenção de

uma mão-de-obra saudável é importante para a robustez econômica de qualquer

país. Assim, por exemplo, um país com alta incidência de HIV/Aids sofrerá

perdas tanto humanas quanto econômicas. Campanhas de informação e prevenção

podem ser feitas pelo governo com medidas tomadas de acordo com a lógica do

mercado. Em última instância, porém, muitas decisões que podem tornar uma

pessoa soropositiva – a prática de sexo sem proteção, o compartilhamento de

seringas etc – dependem de uma escolha pessoal que não necessariamente tem

relação com a alocação de recursos escassos. O mesmo ocorre com o consumo de

uma alimentação saudável que pode diminuir a incidência precoce de doenças

degenerativas: também depende de decisões pessoais.

Portanto, a saúde e a educação são dois exemplos de fatores importantes

para a economia cujo desempenho não depende apenas de decisões que levem em

conta a alocação de recursos escassos, ou seja, a lógica do mercado. Contudo,

desconsiderá-las em análises sobre a economia de um país seria um desatino que

não passa pela cabeça de economista algum. Segue-se que há mais a ser analisado

no estudo da economia do que fatores puramente de mercado.

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35

Se prosseguíssemos no debate aqui sinalizado, entraríamos em uma

discussão que cabe a economistas e que possivelmente levaria a argumentações

contraditórias acerca da racionalidade do “homem econômico”. Todavia, embora

o objetivo final desta dissertação não seja achar uma saída para o quebra-cabeça

encontrado na tentativa de dar uma resposta conclusiva à pergunta “b”, faz-se

necessário chegar a uma formulação teórica que permita, pelo menos, atingir os

pontos almejados nesta subseção: localizar a EPI no mapa acadêmico sem impor-

lhe barreiras que limitem inutilmente suas possibilidades como instrumento

intelectual, bem como permitir a realização da pesquisa aqui proposta dentro dos

marcos da subárea.

Para desatar esses dois nós, é preciso responder à questão “c”: já que não

basta identificar a existência de uma relação entre Estado e mercado para criar um

estudo de economia política, o que é preciso fazer?

Vimos que Robert Gilpin descreve o Estado e o mercado como “meios

muito diferentes de ordenar e organizar as questões humanas” (Gilpin, Op. Cit,

p.9). Susan Strange também considera que a definição de EPI nasce do estudo da

organização das questões humanas. Para a autora, as pessoas tentam, “por meio da

organização social”, garantir a provisão de quatro valores básicos: “riqueza,

segurança, liberdade de escolha e justiça” (Strange, 1988, p.17). De acordo com

Strange, embora todas as sociedades busquem todos esses valores, elas o fazem

em graus diferentes, atribuindo prioridades diversas a cada um deles28.

“All societies need to produce food, shelter and other material goods; but some will give the production of wealth in material form the highest priority. All societies will be organized to give the individual some greater security from the violence and abuse of others, both from others within that society and others from outside it. But some will put order and security first. Indeed, the two great advantages of social organization over life in individual isolation is that association with other humans both increases the possibility of wealth and adds to personal security. Social organization does, however, entail certain choices regarding freedom, or the individual’s right to choose; and regarding the relative justice of one set of arrangements over another (…). Once you have a society, therefore, you have arrangements made which provide some wealth, some security, some element of freedom of choice for the members or groups of them, and some element of justice. (…) Societies therefore differ from each other in the proportions in which they combine the different values.” 29 (Ibid). 28 Ambas as citações neste parágrafo são traduções livres dos originais em inglês. 29 Grifos no original.

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Diante deste quadro, o mesmo “método analítico de economia política”

pode ser aplicado por antropólogos que estudam sociedades remotas e por

estudiosos da economia global. A pergunta primordial que deve ser feita é “a que

valores essas organizações sociais dão maior prioridade?”. Em seguida, o que

Strange chama de “as velhas questões de todas as análises políticas”: “Quem leva

o quê?”, “quem ganha, quem perde?”, “quem assume os riscos e quem é poupado

dos riscos”, “quem ganha as oportunidades e a quem são negadas as

oportunidades de acesso aos quatro valores?”30 (Idem, p.18). É com base neste

quadro que a autora chega à sua definição de EPI.

“The definition, therefore, that I would give to the study of international political economy is that it concerns the social, political and economic arrangements affecting the global systems of production, exchange and distribution, and the mix of values reflected therein. Those arrangements are not divinely ordered, nor are they the fortuitous outcome of blind chance. Rather they are the result of human decisions taken in the context of man-made institutions and sets of rules and customs”31 (Ibid).

Nesta definição, além de denotarem a presença da “política fora do

Estado”, como já indicado na questão “a”, os arranjos “sociais” são o

complemento que faltava às questões econômicas definidas na questão “b” em

termos da lógica do mercado, ou seja, da alocação de recursos levando-se em

conta um papel crucial dos preços relativos. Esta definição “trilateral” cumpre o

objetivo identificado de localizar a subárea dentro do mapa acadêmico sem

prendê-la a limitações inúteis e até mesmo contraproducentes.

30 Tradução livre do original em inglês. 31 O grifo é meu.

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2.3. A EPI e as estruturas de poder

Do ponto de vista da presente pesquisa, a definição “trilateral” de Strange

tem a vantagem de oferecer um instrumental teórico mais adequado do que a

“bilateral” de Gilpin à análise dos efeitos do comércio exterior sobre o bem-estar

interno. Nesta seção, primeiro verificarei quais são os campos de análise abertos

pelo marco teórico defendido pelo autor. Depois, farei o mesmo com o proposto

por Strange. Ficará claro que a autora oferece uma opção melhor, embora também

sejam necessárias algumas observações acerca das ferramentas teóricas que

apresenta.

Gilpin considera que as lógicas conflitantes do mercado e do Estado, cuja

interação, em sua visão, definem o campo de estudo da economia política, dão

origem a três grandes grupos de questões da subárea. Para ele,

“the conflict between the evolving economic and technical interdependence of the globe and the continuing compartmentalization of the world political system composed of sovereign states is a dominant motif of contemporary writings on international political economy. Whereas powerful market forces in the form of trade, money, and foreign investment tend to jump national boundaries, to escape political control, and to integrate societies, the tendency of government is to restrict, to channel, and to make economic activities serve the perceived interests of the state and of powerful groups within it” (Gilpin, Op. Cit, p. 11)

O primeiro dos três grandes grupos é o relativo “às causas e aos efeitos

econômicos e políticos da emergência de uma economia de mercado”, e suas

perguntas básicas são: “Sob que condições emerge uma economia mundial

altamente interdependente?”, “ela promove a harmonia ou causa conflito entre os

Estados nacionais?”, e ainda “é preciso que exista uma potência hegemônica para

garantir relações de cooperação entre os Estados capitalistas, ou a cooperação

emerge espontaneamente do interesse mútuo”?32 (Idem, p. 12).

De acordo com Gilpin, o segundo grande campo de debate dentro da

subárea é “a relação entre mudança econômica e mudança política”. Aqui, as

perguntas cruciais são: “Quais são os efeitos, sobre as relações políticas

internacionais, e quais são os problemas associados a mudanças estruturais no

lócus de atividades econômicas e de setores econômicos líderes, e a taxas cíclicas

32 Traduções livres do original em inglês.

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de crescimento econômico?” e, “vice-versa, como os fatores políticos afetam a

natureza e as conseqüências das mudanças estruturais em assuntos

econômicos?”33 (Idem, p.13).

A pesquisa desta dissertação se aproximaria mais da terceira grande

subdivisão da EPI na classificação de Gilpin, que se refere ao “significado de uma

economia de mercado mundial para as economias nacionais”. As perguntas que

orientam os estudos neste campo são: “Quais são suas conseqüências (de uma

economia global) para o desenvolvimento econômico, o declínio econômico, e o

bem-estar econômico de sociedades individuais?”, “como a economia de mercado

mundial afeta o desenvolvimento econômico dos países menos desenvolvidos e o

declínio econômico das economias avançadas?”, “como afeta a distribuição de

riqueza e poder entre sociedades nacionais?”, e “o funcionamento da economia

mundial tende a concentrar riqueza e poder, ou a difundi-los?”34 (Idem, p.14).

Este terceiro grande campo da EPI no mapeamento proposto por Gilpin

trata, entre outras questões, da relação entre a economia global (incluindo o

comércio internacional) e o bem-estar das sociedades individuais. O problema

está na limitação do bem-estar ao plano econômico. Na seção anterior, defendi

que há fatores que, embora não sejam determinados por arranjos políticos nem

pela alocação mais eficaz de recursos, são importantes para a EPI. Analogamente,

esses outros fatores também sofrem influência do conjunto dos aspectos

envolvidos na economia política internacional. Mas Gilpin pergunta-se apenas

pelos efeitos da “economia global” sobre o “bem-estar econômico”.

Um primeiro movimento para a expansão da proposta de Gilpin seria a

supressão da palavra “econômico”, o que provocaria uma adaptação da pergunta

destacada para “Quais são as conseqüências de uma economia mundial para o

bem-estar de sociedades individuais?”. Com o fim de direcioná-la mais

especificamente para o estudo desta dissertação, seria necessária uma nova

adaptação para chegar a: “Qual é a relação entre a economia mundial (em seu

aspecto comercial) e o bem-estar de sociedades individuais?”.

Trabalhando com o enquadramento apresentado por Strange, a localização

da pesquisa na EPI é mais direta. Após 1) identificar o que considera como quatro

33 Traduções livres do original em inglês. 34 Traduções livres do original em inglês.

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valores básicos que todas as organizações sociais procuram alcançar, embora em

proporções diferentes, e 2) afirmar que o estudo da EPI refere-se a arranjos

sociais, políticos e econômicos, e à combinação desses valores que tais arranjos

incluem, a autora aponta que a forma como acontece essa mistura é definida pelo

exercício de poder.

“It is impossible to study political economy and especially international political economy without giving close attention to the role of power in economic life. Each system of political economy (…) differs (...) in the relative priority it gives to each of the four basic values of society. Each reflects a different mix in the proportional weight given to wealth, order, justice and freedom. What decided the nature of the mix is, fundamentally, a matter of power” (Strange, idem, p. 23).

Strange diferencia dois tipos de poder exercidos na economia política:

relacional e estrutural. O primeiro tipo, mais clássico e ao gosto dos “escritores

realistas de livros-texto”, é a capacidade de obrigar outros a fazerem algo que não

fariam na ausência do exercício daquele poder (Idem, p.24). O segundo é “o poder

de plasmar e determinar as estruturas da economia política global”35 (Ibid).

Segundo a autora, não é possível encontrar o poder estrutural em uma

única estrutura, e sim em quatro estruturas primárias relacionadas entre si, porém

distinguíveis. Essas quatro estruturas são: da segurança, da produção, das finanças

e do conhecimento. Como em uma pirâmide de quatro lados, cada uma dessas

estruturas toca e afeta as outras três, mas nenhuma delas necessariamente

predomina. Em virtude da operação destas quatro estruturas principais, a autora vê

a emergência de “estruturas secundárias”, como as do comércio, do bem-estar, da

energia e dos sistemas de transporte.

Com base nesta proposta, a pesquisa desta dissertação pode ser definida

como uma análise da influência da estrutura do comércio sobre a estrutura do

bem-estar. Para isso, contudo, dois problemas precisam ser resolvidos. O primeiro

é a separação que faz Strange entre estruturas “primárias” e “secundárias” –

principalmente tendo em vista que ela classifica tanto a do comércio quanto a do

bem-estar como “secundárias”, e diz que estas emergem apenas em função da

operação das “primárias”. O segundo problema decorre do foco da autora, embora

esta não aborde o assunto de maneira direta, no plano global. Os Estados, porém,

35 Ambas as citações deste parágrafo são traduções livres do original em inglês.

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são participantes importantíssimos da economia política internacional, o que me

levará a defender que o marco teórico proposto por Strange pode ser enriquecido

pela adoção de estruturas nacionais.

2.4. Modificações necessárias

2.4.1. “Primárias” e “secundárias”: por que a divisão empobrece a proposta de Strange

Strange aponta que as estruturas secundárias “refletem amplamente a

natureza das estruturas primárias de segurança, produção, finanças e

conhecimento”36 (Idem, p.208). Apesar de “amplamente” não ser sinônimo de

“totalmente”, acredito que a limitação imposta pela restrição acerca da índole das

estruturas “secundárias” seja bastante empobrecedora.

Lembremos que Strange apontou que as sociedades se diferenciam na

importância proporcional que dão a quatro valores fundamentais: segurança,

riqueza, liberdade de escolha e justiça. Pensou a EPI como uma subárea relativa a

“arranjos que afetam sistemas globais de produção, troca e distribuição, e a

mistura de valores que estes refletem” (Idem, p.18). Ao mesmo tempo, reconhece

que “esses valores não são ordenados por intervenção divina, nem resultados

fortuitos do mero acaso”; são “o resultado de decisões humanas” (Ibid)37. Em

última instância, uma questão de poder. Se a escolha dos valores que prevalecem

não é algo fixo e varia de sociedade para sociedade em função do uso do poder,

como afirmar que as estruturas nas quais está o poder estrutural limitam-se às

quatro que a autora identifica como “primárias”? Tanto a reflexão como exemplos

práticos mostram que isto é muito duvidoso.

Para Strange, as quatro estruturas “primárias” (segurança, finanças,

conhecimento e produção)

“are not peculiar of the world system, or the global political economy, as you may prefer to call it. The sources of superior structural power are the same in very small human groups, like a family or a remote village community, as they are in

36 Tradução livre do original em inglês. 37 Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.

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the world at large. The four sources (…) are: control over security; control over production; control over credit; control over knowledge, belief and ideas” (Idem, p. 26)

Não entrarei no mérito da aplicabilidade do modelo proposto fora da EPI,

pois a discussão que me interesse inscreve-se na subárea. Para não fugir do meu

foco, tampouco questionarei a noção de que esses quatro valores, e apenas eles,

estão presentes em absolutamente todas as comunidades. O importante aqui é

notar que os valores básicos das sociedades – quer os apontados por Strange, quer

outros, em uma relação mais ampla ou mesmo restrita - encontram-se

“espalhados” pelas diferentes estruturas de poder na EPI. O que garante que as

estruturas que a autora aponta como “secundárias” também não possam conferir

poder estrutural? É interessante notar como esta postura lembra a exclusão da

economia em relação ao estudo das relações internacionais até o movimento de

contestação iniciado na virada da década de 60 para a de 70. No restante desta

subseção, apresentarei os dois pontos que, de acordo com Strange, as estruturas

“primárias” têm em comum, e afirmarei que as “secundárias” também

compartilham deles.

Diz a autora:

“what is common to all four kinds of structural power is that the possessor is able to change the range of choices open to others, without apparently putting pressure on them to take one decision or to make one choice rather than others. Such power is less ‘visible’38. The range of options open to the others will be extended by giving them opportunities they would not otherwise have had. And it may be restricted by imposing costs or risks upon them larger than they would otherwise have faced, thus making it less easy to make some choices while making it more easy to make others” (Idem, p.31).

Vários casos práticos jogam por terra a idéia de que as estruturas

“secundárias” operam exclusivamente em função das “primárias”, e que o

contrário não acontece. Basta pensar na repercussão que a assinatura de um

acordo comercial pode ter para a nota dada por agências de classificação de risco

aos bônus da dívida de um Estado (“risco soberano”), uma avaliação levada em

conta por agentes econômicos para ampliar ou restringir o crédito ao país. Um

exemplo disso aconteceu em abril de 2007, quando o vice-ministro das Finanças

38 A comparação aqui é com o poder “relacional”.

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da Coréia do Sul, Kim Sung-jin, anunciou que aproveitaria uma visita aos EUA

para ir ao escritório da agência Moody’s tentar persuadir seus analistas a elevarem

a nota dos títulos do país em vista de um acordo comercial entre Seul e

Washington.

Se tanto as estruturas de poder “secundárias” podem influenciar as

“primárias” como vice-versa, também não se pode negar que as “secundárias”

influenciam entre si. A observação empírica também demonstra que não há como

não existir relação entre, por exemplo, as estruturas de energia e a de transporte –

quando mais não seja porque os meios de transporte usam fontes de energia.

Parece ainda bastante evidente que a estrutura do comércio influencia a do

bem-estar, que Strange considera uma estrutura secundária. É curioso notar como

a autora analisa, por exemplo, a mudança dos produtos exportados no mundo – o

aumento do comércio do petróleo e das trocas de eletrônicos, aviões e serviços

para mencionar apenas alguns exemplos -, sem entrar na discussão de como essa

mudança afeta o bem-estar das sociedades com economias produtoras de petróleo,

ou que passaram a produzir bens eletrônicos. Para ela,

“because the impact of any one primary structure on the trade prospects of any country at any one time will vary so much, the combined effects on that country of all fours structures, some being favourable to it others unfavourable will vary even more” (Idem, p. 181).

Esta observação é correta, porém incompleta. Por que não pensar também

na influência da estrutura do comércio sobre as quatro “primárias”? Ou ainda

sobre as outras “secundárias”? E das outras “secundárias” sobre o comércio? Não

há motivo convincente para esse silêncio. O próprio bem-estar, como discutirei

com um pouco mais de profundidade no capítulo 3, pode ser visto, no esquema

proposto por Strange, como uma fonte de poder, pois a capacidade de alocá-lo na

sociedade também confere àquele que a possui o poder de mudar o leque de

opções abertas aos outros, sem pressioná-los de forma muito visível.

Há ainda um segundo ponto que, de acordo com Strange, caracteriza suas

quatro estruturas “primárias”: como já indiquei, nenhuma delas necessariamente

prevalece. A autora propõe a representação dessas estruturas como uma pirâmide

de plástico na qual todos os lados se tocam, sem que nenhum deles tenha

obrigatoriamente mais peso.

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“Another point about my four-faceted plastic pyramid image is that it is significant that each facet touches the other three. Each interacts with the others. It should also be represented as balancing on one of the points, rather than resting on a single base. There is a sense in which each facet – security, production, finance and knowledge-plus-beliefs is basic for the others. But to represent the others as resting permanently on any one more than on the others suggests that one is dominant. This is not necessarily or always so.” (Idem, p.31).

Novamente, não vejo motivos para excluirmos as estruturas “secundárias”

da idéia de que todas estão em permanente contato, sem que uma necessariamente

se imponha. É evidente que se ampliarmos essa idéia às oito estruturas propostas

por Strange teremos de prescindir da imagem da pirâmide. Acredito que isto seja

necessário. De fato, não são necessários novos exemplos, pois o dado sobre

comércio, de um lado, e finanças, de outro, é bastante eloqüente para demonstrar a

falta de uma hierarquia engessada na relação entre as estruturas. A ausência de

uma hierarquia obrigatória, aliás, é um tema familiar à EPI. Afinal, como vimos,

em sua busca por um espaço nas relações internacionais, os autores da subárea

tiveram que contestar o mainstream realista e argumentar que a segurança nem

sempre seria a questão predominante na disciplina. Foi o que fizeram Keohane e

Nye no citado artigo Realism and Interdependence ao caracterizar a ausência de

uma hierarquia obrigatória entre os assuntos como uma das três características

principais da situação das relações entre Estados que descreveram como

“interdependência complexa”39.

Se, de um lado, o argumento de Keohane e Nye focaliza-se apenas nas

relações entre os Estados, de outro, é mais completo que o de Strange ao descartar

hierarquias rígidas para as questões na EPI. No meu entender, Strange desperdiça

parte das possibilidades de seu arcabouço teórico ao estabelecer quatro estruturas

como fontes de poder primário em absolutamente todas as situações. Afinal, em

última análise, a idéia de que os valores básicos das sociedades podem ser

hierarquizados de diferentes formas impede que as estruturas que formam o poder

estrutural tenham uma hierarquia engessada.

39 As outras duas características são: os fatos de múltiplos canais conectarem as sociedades

e de o poder militar não ser usado por um Estado contra outro quando prevalece uma situação de

interdependência complexa.

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Assim, dependendo do caso, as estruturas “secundárias” podem ser fontes

tão importantes de poder estrutural quanto as “primárias”. A atuação das

estruturas “secundárias” pode ter grande influência sobre variações nas estruturas

“primárias”, e também sobre outras “secundárias”.

2.4.2. Estruturas nacionais

Nos capítulos de States and Markets dedicados à análise das estruturas, o

foco de Strange é sempre o cenário global. Entretanto, a própria autora assinala

que as fontes de poder estrutural são as mesmas em qualquer grupo humano ou

sociedade. Certamente não faz sentido estudar dentro da EPI as estruturas nas

quais o poder se assenta em uma família ou um vilarejo. Acredito, porém, que

estruturas nacionais devam ser levadas em conta.

É verdade que respaldei o argumento segundo o qual o Estado não é a

“encarnação” da política. Ele convive com outros atores políticos importantes,

mas possui dois atributos básicos que o diferenciam de todos os demais na arena

da EPI. Em primeiro lugar, o Estado é soberano: não reconhece qualquer

autoridade acima de si. Isto significa que possui uma presença jurídica que define

um “dentro” e um “fora” de si. A importância deste fato para a EPI fica patente

em muitas situações. Um exemplo claro é o de um caso ocorrido no início de

2006. Na ocasião, estava sendo negociado um acordo pelo qual uma subsidiária da

firma Dubai Ports World, de propriedade do governo dos Emirados Árabes

Unidos, assumiria o controle de vários portos nos EUA. Legisladores americanos

opuseram-se a essa possibilidade, alegando que o pacto poderia ameaçar a

segurança do país. O assunto suscitou uma celeuma no Congresso americano que

ganhou proporções tão gigantescas que acabou fazendo a empresa desistir da

oportunidade. No fim das contas, o caso só teve esse final porque o Congresso é

um órgão do Estado, e este não admite nenhuma outra autoridade em território

nacional. Se os atores envolvidos (a Dubai Ports World e os políticos americanos)

não reconhecessem o espaço de soberania criado pela presença do Estado, toda a

discussão perderia sentido.

O segundo atributo é que apenas os Estados têm capacidade de

implementar políticas públicas capazes de modificar as estruturas nas quais se

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localiza o poder na EPI. Isto não significa que outros atores não possam alterar

tais estruturas, mas que o alcance que tem a ação dos Estados normalmente é

muito maior que o que pode ser atingido pelos demais. Evidentemente, alguns

Estados têm mais capacidade que outros de alterar as estruturas globais. No caso

das estruturas nacionais, os Estados costumam ser o ator mais poderoso, embora

seja mister admitir que há exceções a essa regra, como demonstram, por exemplo,

os debates sobre “Estados falidos” e o papel de atores não-estatais, como grupos

terroristas, multinacionais etc. O caso é que só um Estado pode, por exemplo,

assinar um tratado de não-proliferação que altere estruturas da segurança,

aumentar ou diminuir as taxas de juros referentes à sua moeda, afetando estruturas

das finanças; firmar pactos com outros Estados que mudem substancialmente

estruturas do comércio. Os exemplos seriam muitos. Poder-se-ia argumentar que

outros atores, como as ONGs, adotam medidas que modificam – recorrendo a um

exemplo crucial para esta dissertação - a alocação de bem-estar. Mas, na grande

maioria das situações, seu poder de atuação é reduzido quando comparado ao do

aparelho estatal.

Este alcance das políticas públicas é uma conseqüência do primeiro

atributo do Estado: o fato de ser uma autoridade soberana. Sem isto, ele não

arrecadaria impostos nem teria outras fontes de renda, como a emissão de dívida

“soberana”, que viabilizassem os gastos com tais políticas. O poder de

implementar políticas públicas faz com que o Estado possa tanto participar da

modificação de estruturas globais como mediar a forma como um fenômeno

internacional se reflete internamente. Um exemplo do primeiro caso é o abandono

do padrão-ouro pelos Estados Unidos. Uma aplicação do segundo será feita nesta

dissertação, na qual se estudará como a atuação estatal modifica o impacto das

estruturas do comércio nacionais (ou seja, a participação de um país no comércio

exterior) sobre as estruturas do bem-estar nacionais.

Assim, os dois atributos da soberania e do poder de implementação de

políticas públicas fazem com que os Estados possam tanto modificar elementos

das estruturas globais como condicionar o impacto interno de fenômenos

internacionais. Segue-se que a adoção de estruturas nacionais não apenas é

necessária para uma longa lista de análises de EPI que sigam o marco proposto

por Strange, como também enriquece consideravelmente esse enquadramento

teórico.

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2.5. Teorias do comércio

Vimos na seção anterior que a pesquisa proposta pode ser definida como

uma análise do impacto da estrutura do comércio nacional sobre a estrutura do

bem-estar nacional. Existem pelo menos duas grandes tradições teóricas acerca

dos efeitos do comércio: a liberal e a intervencionista40. Antes de seguir adiante

nesta dissertação, é preciso observar o que dizem os principais expoentes

envolvidos no debate entre ambas as tradições, para analisar se suas posições

podem ser aplicadas ao presente estudo.

2.5.1. A tradição liberal: Smith, Ricardo, Walras e Heckscher-Ohlin

Os dois grandes nomes dos alvores da teoria liberal do comércio são Adam

Smith e David Ricardo. Esta tradição considera as trocas comerciais um jogo de

soma positiva e vê uma harmonia de interesses entre os países.

“Although liberal theory has changed in form and content from the simple ideas of Adam Smith to the sophisticated mathematical formulations of the present day, it 40 Gilpin observa duas grandes linhas teóricas acerca do comércio: a liberal e a

“nacionalista” ou intervencionista. Strange menciona três teorias: liberal, realista (equivalente à

“nacionalista”) e estruturalista ou da dependência. Não abordarei aqui esta última devido à sua

limitação para a análise de efeitos diferentes do comércio em países com características similares

(e ambos latino-americanos), que é o que será pesquisado. Essa limitação decorre de o foco da

teoria ser o sistema, como indica o nome “estruturalista”. Há, portanto, pouco espaço para

diferenças em casos como os do Chile e da Venezuela, que serão os abordados. É verdade que esta

corrente reúne uma rica variedade de autores. A Teoria da Dependência associada a Raúl Prebisch

e à Cepal, por exemplo, tem parentescos com o “nacionalismo” ou “realismo”, mas seus

proponentes também secundavam políticas compensatórias para os países do Terceiro Mundo,

para além do nível nacional. Uma vertente mais radical, representada por autores como Gunder

Frank, apresenta “a desigualdade econômica como o reflexo da desigualdade inseparável de um

sistema capitalista sustentado pelo uso do poder político, tanto nacional como internacionalmente”,

de forma que políticas compensatórias pouco ajudariam em um quadro geral que condenaria

permanentemente o Terceiro Mundo ao atraso (Strange, 1988, p. 178). Estas citações são traduções

livres do original em inglês.

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rests ultimately upon the belief that economic specialization produces gains in productive efficiency and national income. Liberal theory also believes that trade enlarges consumptions possibilities.” (Gilpin, Op. Cit, p. 173).

Na base do nascimento do pensamento econômico liberal está uma teoria

do valor das mercadorias sustentada no trabalho nelas empregado. Smith

identificou dois tipos de valor para cada produto: um de uso e outro de troca. O

primeiro, embora fundamental, não serve para a comparação entre produtos, uma

vez que a utilidade não é mensurável. Já o segundo permite o estabelecimento do

valor de um produto em comparação com outros, inclusive o dinheiro. E esse

valor é determinado pela quantidade de trabalho demandada por aquele artigo.

A Riqueza das Nações, de Smith, é uma crítica feroz à política mercantilista

adotada pelos Estados europeus em seu processo de consolidação. O

mercantilismo não era um ideário econômico consolidado, mas uma série de

propostas implementadas pelos países em transição entre o feudalismo e o

capitalismo. Tratava-se de um dos três pilares do sistema de Estados nacionais em

sua gênese no Velho Continente, ao lado do absolutismo político e do

nacionalismo ideológico. Entre suas idéias básicas estava a noção de que a

riqueza da sociedade crescia com o aumento do estoque dos meios de pagamento,

ou seja, ouro e prata, o que levava também a uma expansão do poder do Estado.

Tais meios de pagamento eram uma dádiva da natureza, não algo emitido pelo

Estado. O dinheiro era considerado um fator de produção; acreditava-se que,

acumulando metais preciosos, o Estado também se dotaria de maior capacidade de

produção. Além de depender do estoque de dinheiro, o aumento da produção

estava ligado à livre circulação dentro do mercado nacional e à unificação

econômica interna, ou seja, à eliminação das barreiras medievais ao comércio

nacional. Finalmente, via-se a política comercial protecionista e promotora das

exportações como a única capaz de aumentar o poder do Estado nacional por meio

da expansão de sua riqueza.

Contra esse conjunto de idéias insurgiram-se os primeiros pensadores da

teoria liberal. Antes de Adam Smith, David Hume já propusera a hipótese do

preço-fluxo de metais preciosos, segundo a qual o acúmulo de metais preciosos

era inútil aos interesses de um Estado, uma vez que o aumento dos meios de

pagamento provocaria um encarecimento das mercadorias exportadas. Assim,

com o tempo, as importações se tornariam mais baratas e as exportações mais

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caras, o que prejudicaria a balança comercial. Nesta visão, o dinheiro deixava de

ser um fator de produção e se tornava um meio de troca para o Estado que, ao

contrário dos indivíduos, não enriqueceria com o acúmulo de ouro e prata.

Smith trabalha com a noção de sistema econômico governado por leis

objetivas e inteligíveis. A operação eficiente desse sistema requereria a maior

liberdade econômica possível para os indivíduos. Aqui, o conceito de liberdade é

tanto individualista - referido ao indivíduo – quanto negativo - liberdade é a

ausência de constrangimentos à ação do indivíduo. O cerne da crítica ao

mercantilismo está em sua definição de riqueza. Esta não reside no dinheiro, mas

naquilo que ele compra. A riqueza de uma nação não é o acúmulo dos meios de

pagamento, mas do que ele produz. O autor, na realidade, trabalha com a noção de

PIB ao propor que a riqueza do país é equivalente a tudo o que ele produz.

“There is another balance (…) very different from the balance of trade, and which, according as it happens to be either favourable or unfavourable, necessarily occasions the prosperity or decay of every nation. This is the balance of the annual produce and consumption.” (Smith, Op. Cit, p. 626).

De acordo com o autor, quanto mais um Estado se abrir para o comércio,

melhor, pois os países têm diferentes atributos na produção. Para aumentar a

riqueza, é melhor cada um se concentrar naquilo para o que tem vocação. Quando

o custo de um artigo comprado no exterior for menor do que o de sua produção no

país, convém importá-lo e canalizar o montante poupado para algo mais

produtivo. Esta é a idéia das vantagens absolutas na divisão internacional do

trabalho. Com esta divisão, todos ganham porque todos produzem mais e têm

mais acesso à riqueza, embora não em partes iguais. Neste raciocínio, o

monopólio do mercado interno beneficia um tipo de indústria, e canaliza para ela

recursos. Não é, entretanto, positivo para a sociedade em geral. O autor contrapõe

o artificialismo, ou seja, a direção do Estado, à espontaneidade do mercado. O

resultado da direção estatal é a ineficácia associada ao predomínio do interesse

particular daquele que é protegido. A espontaneidade das relações de mercado é

associada à eficácia e ao predomínio do interesse geral. O argumento de Adam

Smith é simultaneamente econômico e moral.

Partindo do trabalho de Smith, David Ricardo aperfeiçoou, em “Princípios

de Economia Política e Tributação”, de 1816, a idéia dos benefícios do comércio

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ao elaborar a noção de vantagens comparativas em vez de absolutas. É importante

ressaltar que, em sua construção teórica, Ricardo utiliza uma noção de pleno

emprego. A oferta de trabalho disponível é considerada um dado exógeno. O

trabalho é regido simplesmente pela concorrência. A taxa de lucro é vista como o

motor do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, o autor considera que um

aumento do lucro só pode advir de uma queda dos salários. Esta visão respalda o

interesse do comércio internacional, que aumentaria o total de produtos

disponíveis diminuindo seu preço e, portanto, o montante do salário que os

trabalhadores precisam ganhar.

Apoiado em sua visão, que trazia embutida uma noção de total mobilidade

interna, mas nenhuma mobilidade externa do trabalho, Ricardo aponta que os

países devem embarcar no comércio exterior porque cada um é diferente, e pode

se beneficiar de suas particularidades utilizando o fator trabalho, que confere valor

aos produtos, naqueles setores em que é comparativamente melhor do que seus

parceiros. Desta forma, cada um poderia se concentrar em sua especialidade, e os

ganhos ainda seriam potencializados para todos porque se trabalharia com

economias de escala.

Seu exemplo clássico é um modelo de dois países e dois produtos: o

comércio do vinho português e do tecido inglês. Considera que a Inglaterra

precisaria do trabalho de 120 homens para produzir determinada quantidade de

vinho durante um ano e de cem para produzir outro total de tecido no mesmo

período, e que Portugal necessitaria o trabalho de apenas 80 pessoas para produzir

a mesma quantidade de vinho que os ingleses em lapso idêntico, e de 90 para

produzir a mesma quantidade de tecido também no mesmo tempo. De acordo com

a visão de Adam Smith, Portugal produziria tanto o tecido quanto o vinho e não

comercializaria nenhum com a Inglaterra, uma vez que produziria ambos mais

baratos do que compraria. Para Ricardo, entretanto, é conveniente para Portugal

concentrar-se na produção de vinho e comprar o tecido da Inglaterra. Nas palavras

do autor,

“if Portugal had no commercial connection with other countries, instead of employing a great part of her capital and industry in the production of wines, with which she purchases for her own use the cloth and hardware, she would be obliged to devote a part of that capital to the manufacture of those commodities, which she would thus obtain probably inferior quality as well as quantity. The quantity of wine which she shall give in exchange for the cloth of England is not determined by the respective quantities of labour devoted to the production of

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each, as it would be if both commodities were manufactured in England, or both in Portugal. England may be so circumstanced that to produce the cloth may require the labour of 100 men for one year; and if she attempted to make the wine, it might require the labour of 120 men for the same time. England would therefore find it her interest to import wine, and to purchase it by the exportation of cloth. To produce wine in Portugal might require only the labour of 80 men for one year, and to produce the cloth in the same country might require the labour of 90 men for the same time. It would therefore be advantageous for her to export wine in exchange for cloth. This exchange might even take place notwithstanding that the commodity imported by Portugal could be produced there with less labour than in England. Though she could make the cloth with the labour of 90 men, she would import it from a country where it required the labour of 100 men to produce it, because it would be advantageous to her rather to employ her capital in the production of wine, for which she would obtain more cloth from England, than she could produce by diverting a portion of her capital from the cultivation of vines to the manufacture of cloth.” (Idem, p.82).

Décadas depois da publicação do livro de Ricardo, o pensamento

neoclássico representou importante ruptura dentro da tradição liberal. Vimos

anteriormente a distinção que faz Léon Walras entre ciência e arte. Agora, é

preciso ressaltar a teoria do valor que o autor apresenta. Esta rompe com a idéia

do valor-trabalho que está na base das propostas de Smith e Ricardo. De acordo

com Walras, uma mercadoria é algo útil e que, ao mesmo tempo, posse ser

apropriado, permutado e produzido industrialmente. Algo pode ser vital, mas não

será uma mercadoria se não cumprir esses requisitos, como acontece com a luz do

sol. Subjacente a esta discussão está a noção de escassez, ou raridade. É esta que

determina o valor das mercadorias a serem trocadas.

“Compreende-se (...) qual é aqui o sentido das palavras raro e raridade. Um sentido científico, como o das palavras velocidade em mecânica e calor em física. Para o matemático e para o físico, a velocidade não se opõe à lentidão, nem o calor ao frio, como se dá na linguagem vulgar: a lentidão não passa, para um, de uma velocidade menor, o frio não passa, para o outro, de um calor menor. Um corpo, na linguagem da ciência, tem velocidade desde que se mova e tem calor desde que tenha qualquer temperatura. Do mesmo modo, aqui, a raridade e a abundância não se opõem uma à outra: por mais que seja abundante, uma coisa é rara, em Economia Política, desde que seja útil e limitada em quantidade, exatamente como um corpo tem velocidade em mecânica, desde que percorra certo espaço em certo tempo. Isso quer dizer que a raridade é a relação entre a utilidade e a quantidade, ou a utilidade contida na unidade de quantidade, como se diz que a velocidade é a relação entre o espaço percorrido e o tempo gasto em percorrê-lo, ou o espaço percorrido na unidade de tempo. (...) O fato da limitação na quantidade das coisas úteis, que as torna raras, tem três conseqüências: 1) As coisas úteis limitadas em quantidade são apropriáveis. (...) 2) As coisas úteis limitadas em quantidade são valiosas e permutáveis. (...)

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3) As coisas úteis limitadas em quantidade são produzíveis ou multiplicáveis industrialmente”41 (Walras, Op. Cit, p. 46-47).

A idéia da utilidade contida na unidade de quantidade alicerça a teoria da

utilidade marginal. Esta “decorre do consumo da última unidade de determinado

bem” e baseia-se no princípio de saturabilidade proposto inicialmente por Herman

Heindrich Gosse e “segundo o qual, à medida que se consome um bem, diminui a

satisfação ou a utilidade de cada unidade adicional consumida desse bem”

(Sandroni, 2005, p. 869). A utilidade do consumo do valor adicional é

decrescente. Quando se juntam todas as escalas da sociedade, há uma curva de

utilidade marginal agregada que pode ser tratada como “coisa” porque não sofre

interferência de pessoas individualmente. Verifica-se que, neste modelo, o que

confere valor não é mais o trabalho, e sim a escassez do bem relativa à oferta e à

escala de preferência na sociedade.

Uma importante aplicação desta noção é o Modelo de Heckscher-Ohlin,

proposto pelos economistas suecos Bertil Ohlin e Eli Hecksher. Partindo da idéia

ricardiana das vantagens relativas e da noção do valor determinado pela escassez,

este modelo aponta que um país terá vantagem comparativa nos artigos cuja

produção requeira o uso relativamente intensivo de fatores de que ele seja mais

abundantemente dotado do que seus parceiros comerciais. Portanto, o Modelo de

Heckscher-Ohlin permite a identificação de vencedores e perdedores com o

comércio exterior. Aqueles setores da economia que fazem uso de fatores menos

intensivos saem perdendo mesmo que o país enriqueça como um todo.

Paul Krugman e Maurice Obstfeld explicam essa idéia utilizando o modelo

que envolve dois países, dois produtos (tecido e alimento) e dois fatores de

produção (terra e mão-de-obra). “Os dois bens se diferenciam na intensidade dos

fatores, isto é, para uma dada razão salário/aluguel da terra, a produção de um dos

bens usará uma maior proporção terra/mão-de-obra que o outro” (Krugman e

Obstfeld, 2001, p. 86)42. Assim,

“Desde que o país produza ambos os bens, há uma relação unívoca entre os preços relativos dos bens e os preços relativos dos fatores. Um aumento no preço relativo do bem trabalho-intensivo vai deslocar a distribuição da renda em favor da mão-de- 41 Grifos no original. 42 Grifos no original.

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obra, e o fará de maneira muito intensa: o salário real do trabalhador aumentará em termos de ambos os bens, enquanto a renda real dos proprietários de terra cairá em termos de ambos os bens. (...) Um aumento na oferta de um dos fatores expande as possibilidades de produção, mas há uma trajetória enviesada: para preços relativos dos bens constantes, a produção do bem intensivo nesse fator aumenta enquanto a produção do outro bem realmente cai. (...) Um país com grande oferta de um recurso em relação à oferta de outros recursos tem abundância daquele recurso. Um país tende a produzir relativamente mais bens que usam os recursos abundantes intensivamente. O resultado é a teoria de Heckscher-Ohlin do comércio: os países tendem a exportar bens que são mais intensivos em fatores dos quais são dotados abundantemente. (...) Como as mudanças nos preços relativos dos bens têm efeitos muito fortes sobre os ganhos relativos dos recursos e como o comércio muda os preços relativos, o comércio internacional tem fortes efeitos sobre a distribuição de renda. Os proprietários dos fatores abundantes de um país ganham com o comércio, mas os proprietários de fatores escassos perdem” (Idem, p. 86-87)43.

Apesar de o modelo ser “extremamente útil, especialmente como um meio

de analisar os efeitos do comércio na distribuição da renda” (Idem, p. 87),

empiricamente é necessário levar em conta fatores como as “grandes diferenças

entre recursos, barreiras comerciais e diferenças internacionais de tecnologia”

(Ibid). Isto explica por que não se observa a equalização dos preços dos fatores

como mão-de-obra e capital entre os países, o que ocorreria no Modelo de

Heckscher-Ohlin idealizado.

2.5.2. A tradição intervencionista: Hamilton, List, Keynes e Polanyi

De acordo com Gilpin, pode-se resumir as críticas dos teóricos

intervencionistas aos liberais

“in three broad categories: (1) the implications of free trade for economic development and the international division of labor, (2) relative rather than absolute gains (the distributive effects of trade), and (3) the effect on national autonomy and impact on domestic welfare” (Gilpin, Op. Cit, p. 180).

O comércio não é visto como um jogo de soma positiva, mas como um

jogo de soma zero, no qual há vencedores e perdedores. A tradicional idéia

intervencionista é garantir a força, a riqueza e mesmo a sobrevivência do Estado.

Não estranha, portanto, que a tradição intervencionista seja associada à

43 Grifos no original.

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mercantilista, e que seus preceitos gerais tenham sido adotados em diversos países

em processo de constituição na transição entre a Idade Média e o capitalismo.

Tampouco surpreende que alguns dos mais destacados entre os primeiros

expoentes desta linha de pensamento como doutrina econômica organizada

tenham surgido em um país que acabava de conquistar sua independência, os

Estados Unidos de Alexander Hamilton, e em outro que ainda gestava sua

unificação, a Alemanha de Georg Friedrich List.

O primeiro marco literário desta corrente é o Relatório sobre as

manufaturas, de Hamilton, que é um informe do autor, então secretário do

Tesouro dos EUA, aos deputados do país em 1791. O texto defende a

conveniência de um desenvolvimento das manufaturas, além da agricultura, e

propõe políticas públicas com o objetivo de estimulá-las. Assim como os liberais,

vê na divisão do trabalho o caminho para o aumento da riqueza; ao contrário

daqueles, porém, defende-a somente dentro das fronteiras nacionais. Desta forma,

afirma, a prosperidade e a própria defesa do país seriam reforçadas. Um Estado

que dependa de outros será não só mais suscetível aos vaivéns da política e da

economia como também mais indefeso do que um que possa garantir, por seus

próprios meios, seu sustento e sua independência. Desta forma, é do interesse da

nação que o governo intervenha na economia para promover o desenvolvimento

industrial.

Embutida nessa discussão está uma teoria do valor diferente da adotada

pelos teóricos clássicos. Escrevendo quinze anos depois da publicação de A

Riqueza das Nações, de Smith, Hamilton desafia a lógica do valor-trabalho, que

implicava que todos os tipos de trabalho eram equivalentes. Para Hamilton, há

uma distinção entre a produção manufatureira e a agrícola. Nas entrelinhas de um

discurso cuidadoso, devido a seu caráter político, lê-se que a indústria é superior à

agricultura, porque a indústria integra, alavanca e sustenta o dinamismo

econômico. A agricultura dinamiza poucas forças, e forças dispersas. Esta noção é

fundamentada por uma teoria do valor baseado na natureza da produção, da qual

há formas inferiores e superiores.

“Deve-se considerar que o produto do trabalho do artífice se compõe de três partes: uma, com a qual compra do agricultor os víveres para a sua manutenção e as matérias-primas para o seu trabalho; outra, com a qual abastece a si próprio com os artigos manufaturados que necessita; e uma terceira, que constitui o ganho do

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capital empregado. As duas últimas partes do sistema parecem ter sido deixadas de lado pelos que apresentam a indústria manufatureira como estéril e improdutiva”44 (Hamilton, 1995, p. 45).

Hamilton afasta a possibilidade de o livre-comércio ser uma política

interessante para os EUA, principalmente por não ser adotado por outras nações.

Se ele prevalecesse, “cada país se beneficiaria plenamente das vantagens que lhe

são peculiares, em compensação por suas deficiências ou desvantagens” (Idem,

p.57). Convencido da necessidade de se desenvolver a indústria, e também das

pedras nesse caminho, Hamilton conclui que “para se produzir o quanto antes as

mudanças desejáveis, são necessários, pois, o estímulo e o patrocínio do governo”

(Idem, p.61).

O autor também contesta a idéia liberal de que uma política de promoção

industrial concede benefícios a certas classes, em detrimento do conjunto da

sociedade, que, por meio da importação, poderia adquirir os artigos de que

necessita a preços mais baixos do que em uma economia fechada. Admite que,

pelo menos inicialmente, os preços dos produtos manufaturados no país podem

subir e ser mais altos do que seriam os importados. Entretanto, aponta que, no

longo prazo, esse esforço é compensado por uma “redução permanente” dos

preços dos artigos manufaturados.

As idéias da Hamilton tiverem grande impacto no século XIX sobre a

Escola Histórica Alemã de análise econômica. Após passar alguns anos nos EUA

como exilado político, Georg Friedrich List retornou à Alemanha – ainda não

unificada – e, em 1841, publicou seu Sistema Nacional de Economia Política. Em

linha com Hamilton, também descarta na obra a teoria do valor-trabalho e destaca

a capacidade que tem a indústria de agregar valor.

“As causas da riqueza são algo totalmente diferente da própria riqueza. Uma pessoa pode possuir riqueza, isto é, valor intercambiável; se, porém, não possuir a força de produzir objetos de valor superior ao daquilo que consome, tornar-se-á mais pobre. Uma pessoa pode ser pobre; se, porém, possuir a força de produzir uma quantidade maior de artigos de valor do que aquilo que consome, tornar-se-á rica. A força produtiva da riqueza é infinitamente mais importante que a própria riqueza; pois esta força não somente assegura a posse e o aumento do que se ganhou, mas também a substituição daquilo que se perdeu. Isto é tanto mais

44 Grifo no original.

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55

verdadeiro no caso de nações inteiras (que não podem viver simplesmente de rendas) do que no caso de indivíduos particulares”45 (List, 1983, p.97).

Apoiado nessa visão, o autor considera que o desenvolvimento exige a

proteção do mercado doméstico, fundamental para o florescimento da indústria

local. A passagem para estágios de desenvolvimento mais adiantados se daria a

partir da indução feita pelo Estado, como, segundo List, fizera a Inglaterra.

Apesar de muitos Estados terem adotado as políticas recomendadas pelos

autores “nacionalistas”, o liberalismo ganhou terreno no transcurso do século

XIX. Lembremos, porém, que o choque provocado pela Primeira Guerra Mundial

fez ruir a fé em uma paz calcada na interdependência. Uma década depois do fim

do conflito, a Grande Depressão provocou novo abalo ideológico, desta vez com

força total na seara econômica. Tanto a escola clássica quanto a neoclássica

apontavam que, deixado livre, sem a interferência do governo, o mercado

encontraria o ponto de equilíbrio entre demanda e oferta utilizando plenamente os

recursos das sociedades, entre eles a mão-de-obra. A crise, contudo, desmentia

essa hipótese, e fornecia o contexto para a emergência de novas idéias

intervencionistas, após o triunfo do liberalismo no século XIX.

John Maynard Keynes utiliza os pressupostos básicos da escola

neoclássica para chegar a conclusões diferentes das desta. Em vez do

aproveitamento pleno dos recursos disponíveis com a ação do mercado, o autor

afirma que este permite a ocorrência de desemprego “involuntário”, pois a

propensão ao consumo como parcela da renda é diferente entre as classes sociais.

Embora os mais desfavorecidos não tenham opção senão gastar aquilo que

recebem para sobreviver, os mais abastados não apenas consomem, como também

poupam uma parte do que ganham, sem reinvesti-la na produção. Isto faz com

que, contrariando a idéia enraizada nas concepções clássica e neoclássica, a

produção agregada não seja igual à demanda agregada, o que cria uma diferença

entre a expectativa de demanda, que orienta os empresários em seus

investimentos, e a demanda real, que é sempre inferior. Neste quadro, os

empresários demitem, criando uma situação de desemprego involuntário não

previsto pela teoria liberal.

45 Grifos no original.

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Keynes defende maiores investimentos estatais para criar demanda efetiva,

completando a que a sociedade não gera, no intuito de encontrar o ponto de

equilíbrio – encontro entre as curvas de demanda e oferta agregadas – ao qual, a

seu ver, o mercado não chega por conta própria. Nestes marcos, as finanças

deveriam ser fortemente reguladas, pois o Estado perderá tal controle se o capital

puder entrar e sair rapidamente de um país. Entretanto, de acordo com o autor, o

livre-comércio não é prejudicial, exceto em uma situação em que não haja

instrumentos para controlar a taxa de juros, como um Banco Central. Keynes,

portanto, não é herdeiro direto de Hamilton e List – pelo menos não no que tange

às concepções sobre o comércio. Para ele, a divisão internacional do trabalho

propiciada pela liberdade das trocas é positiva em um mundo no qual os governos

dispõem de instrumentos para intervir na economia doméstica.

Mais próxima ao “nacionalismo” econômico tradicional é a postura de

Karl Polanyi. Para o autor, a economia de mercado, ao contrário do que afirmava

Smith, não é espontânea, mas artificialmente criada pelo Estado. O liberalismo,

afirma, requer a transformação em mercadoria de terra, trabalho e dinheiro. Em

sua concepção, trata-se de mercadorias fictícias: sem a imposição por parte de um

governo, não existiriam como tais. Da mesma forma, o livre-comércio nada tem

de natural para o autor. Polanyi recupera de Hamilton e List o argumento da

indústria nascente. Afirma que, para poderem beneficiar-se do livre-comércio, as

indústrias antes precisam crescer ao amparo de políticas protecionistas.

“Não havia nada natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o seu curso. Assim como as manufaturas do algodão – a indústria mais importante do livre comércio – foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo estado” (Polanyi, 1980, p.144).

A operação do mercado auto-regulado respaldado pelos princípios liberais

destrói padrões tradicionais de socialização com um custo intolerável para a

sociedade, afirma Polanyi. Assim, a reação espontânea a ela é natural, como prova

a diversidade de formas que esta assume (New Deal, nazismo, socialismo). O

autor considera que, para funcionar, o livre-comércio requereria um mundo

pacífico. Na ausência desta condição, as conseqüências para os países que o

tenham adotado podem ser graves. Por isso, não hesita em afirmar que a adoção

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do livre-comércio exige “um ato de fé” e suas implicações são “extravagantes”.

(Idem, p. 143)

2.5.3. Aproximação

Robert Gilpin, ele próprio simpático à visão liberal, aceita muitas das

críticas feitas pelos intervencionistas, sobretudo as relativas à suposta ingenuidade

dos liberais em relação à importância da força e do poder sobre o comércio. O

autor destaca que nenhum país adotou jamais uma política exclusivamente liberal

ou intervencionista. Empiricamente, todos se situam em algum ponto entre os dois

extremos. Isto cria uma divisão entre teoria e realidade que desafia pensamentos e

receitas mais fechadas e ortodoxas. Gilpin aponta que a principal questão reside

no fato de que, ao contrário do que supunha originalmente a tradição liberal, as

vantagens comparativas não são baseadas apenas em dotes naturais estáticos. O

exemplo dos NICs demonstra que as políticas públicas podem promover, por

exemplo, a tecnologia da indústria e a educação dos trabalhadores do país, e que

esses fatores são importantes vantagens comparativas. Situações como essas

foram provocando, com o passar dos anos, uma aproximação entre as correntes

liberal e intervencionista, sobretudo em virtude do reconhecimento dos primeiros

autores acerca da importância de fatores políticos destacados pelos segundos.

Embora demonstre um grau maior de sofisticação no debate, esta

aproximação não supera sua limitação básica vis-à-vis a pesquisa proposta nesta

dissertação. A discussão entre liberais e intervencionistas continua sendo sobre se

o Estado deve ou não intervir para modificar a participação do país no comércio

internacional – ou pelo menos em que medida deve fazê-lo. Porém, se

perguntarmos qual é o efeito da exposição ao comércio internacional sobre o bem-

estar interno46, a realidade empírica mostra que a resposta não seria nem um

“benéfico” e nem um “negativo” contundente, mas um “depende”. Houve casos

46 Esta pergunta também implicaria uma definição mais clara do bem-estar como aquilo que

se quer analisar. Como visto, os diferentes autores levam em conta fatores como riqueza,

segurança etc. A discussão sobre os efeitos do comércio para o bem-estar da população está

permanentemente latente nos discursos dos autores, embora este nem sempre seja identificado

explicitamente como objeto de análise.

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em que uma economia marcada pela abertura caminhou para um fortalecimento da

estrutura do bem-estar, e outros em que isso não ocorreu.

Portanto, um debate teórico que se centre nas vantagens ou problemas da

abertura não oferece todas as respostas necessárias à pesquisa proposta.

Argumentarei que a atuação estatal pode explicar grande parte dessa diferença em

países muito expostos ao comércio. Não se trata, porém, de analisar – como os

autores intervencionistas cujas idéias foram expostas, exceto Keynes – medidas

do Estado para restringir ou condicionar o comércio, mas políticas públicas para

mediar o efeito deste sobre o bem-estar.

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3 Questões metodológicas

3.1. Traduções numéricas para estruturas de poder

Indiquei no capítulo 2 que a pesquisa desta dissertação seria definida como

uma análise da influência de estruturas nacionais do comércio sobre estruturas

nacionais do bem-estar. Neste capítulo, ficará claro que a seleção de países com

estruturas do comércio fortes – ou seja, muito expostos ao comércio exterior - e

com estruturas do bem-estar que tenham tido variações diferentes é essencial para

a pesquisa proposta. Para verificar se os casos de estudo selecionados cumprem

esses requisitos, adotarei taxas que traduzam em números as estruturas a serem

estudadas. O proxy para a estrutura do comércio será a proporção do PIB de um

país correspondente a seu fluxo comercial (importações mais exportações). A taxa

adotada para representar a estrutura do bem-estar será o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD).

Nem a tradição liberal nem a intervencionista oferecem explicações

convincentes sobre por que, empiricamente, uma estrutura do comércio forte pode

ou não levar a um robustecimento da estrutura do bem-estar. Argumentarei que a

intervenção estatal em contextos de abertura comercial é crucial para entendermos

os motivos de tal fenômeno. Na primeira parte do capítulo, portanto, estabelecerei

a taxa fluxo comercial/PIB (proxy da estrutura do comércio) como variável

independente, a intervenção estatal como variável interveniente e o IDH (índice

que traduz a estrutura do bem-estar) como variável dependente, ou resultado.

No momento seguinte, selecionarei os casos de estudo. Nesse ponto, irei

além do proxy adotado para a estrutura do comércio, e identificarei uma série de

características semelhantes que fazem com que Chile e Venezuela se prestem

muito bem aos propósitos desta pesquisa. Esses outros aspectos minimizam a

possibilidade de fatores que não os estudados terem tido grande influência sobre o

resultado. Observarei também que a evolução do IDH dos dois países foi muito

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diferente no período enfocado. Encerrarei o capítulo com outras considerações

metodológicas necessárias.

3.1.1. A estrutura do comércio e a relação fluxo comercial/PIB como sua medida

No capítulo de States and Markets dedicado à estrutura do comércio,

Susan Strange afirma que as trocas comerciais entre países resultam de “uma rede

complexa e entrelaçada de negociações que são em parte econômicas e em parte

políticas”1 (Idem, p. 161).

“These bargains involve the trade-off for states of their security interests and their commercial interests. They involve the unequal access of trading partners to both finance and technology. They involve domestic political bargaining over the access to be granted to national markets, and corporate decision-making regarding secure as well as profitable sources of supply” (Ibid).

Para Strange, a série de negociações entre os diferentes atores resulta em

“fatos” sobre o comércio internacional. Aponta seis fatos-chave que diz terem

predominado nos cem anos anteriores à publicação do livro (1988). Estes são: 1)

crescimento maior do comércio entre economias nacionais do que da produção, 2)

crescimento desigual no transcurso do tempo, 3) mudança substancial dos bens e

serviços comercializados, 4) mudanças dos países participantes, com alguns se

tornando muito mais envolvidos do que outros no comércio internacional, 5)

ausência de regras fixas sobre o comércio e 6) grande variação das relações de

troca (“terms of trade”, em inglês), ou seja, da relação entre os preços das

exportações e das importações para um país (Idem).

Como Strange chama a atenção no ponto 4, alguns países se tornam, ou

tradicionalmente são, muito mais envolvidos no comércio exterior do que outros.

Meu argumento aqui é de que, quanto maior o envolvimento de um país com o

comércio – ou, em outras palavras, quanto maior sua exposição a ele–, maior será

a possível influência da estrutura do comércio sobre as outras estruturas nacionais.

Afirmei no capítulo 2 que todas as estruturas estão em contato com todas as

1 Tradução livre do original em inglês.

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outras, sem que nenhuma delas necessariamente prevaleça. Do peso da estrutura

nacional do comércio dependerá o alcance da influência desta sobre as outras.

Este peso pode ser medido empiricamente, com uma taxa. – mas esta

precisa ser definida de forma clara e coerente. Não adianta olharmos

exclusivamente o fluxo comercial total de um país em relação ao total do

comércio mundial. Se percebermos que esta relação é alta, só provaremos que a

estrutura do comércio da nação em questão tem um grande peso para a estrutura

do comércio global. Também não nos dirá muito o cálculo em números absolutos

do fluxo comercial de um país. Afinal, um montante que represente um fluxo

comercial modesto para uma economia grande pode ser um número significativo

para uma pequena. Para que a estrutura do comércio nacional tenha grande peso

internamente, é preciso que o fluxo comercial seja elevado em relação ao conjunto

do total de riquezas produzidas pela economia em questão.

Assim, uma proporção fluxo comercial/PIB alta significa que um país é

muito exposto ao comércio exterior, e que a estrutura do comércio poderá ter

grande influência sobre as demais estruturas nacionais do poder na EPI. Esta

relação, então, será adotada como taxa representativa – um proxy - da estrutura do

comércio de um país.

3.1.2. A estrutura do bem-estar e o IDH como sua medida

3.1.2.1. Alocação de bem-estar

O ponto mais importante do capítulo que Susan Strange dedica à estrutura

do bem-estar em States and Markets é, na minha visão, sua definição de bem-

estar. Esta vai além da idéia intuitiva e o situa como algo passível de alocação.

“It is important not to start out with the preconceived idea that it must always be what the policy-makers would call ‘progressive’ – that is, taking from the rich and giving to the poor. The allocation of welfare is not synonymous with what most people would call ‘doing good’. It can be ‘regressive’ – taking from the poor and giving to the rich” (Idem, p. 209).

A percepção do bem-estar como passível de alocação é importante para

esta pesquisa. Abre espaço para entender como a estrutura em questão pode ser

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mais, ou menos, “pesada”, se “fortalecer” ou “enfraquecer” conforme a alocação

do bem-estar no sistema internacional, ou conforme a capacidade que tenham os

governos de atuar de maneira a traduzir em bem-estar para as populações de seus

países as oportunidades que surjam com a influência de outras estruturas.

É preciso ter clareza de que não necessariamente o fortalecimento da

estrutura do bem-estar em um determinado lugar significa seu enfraquecimento

em outro. O nível de bem-estar pode aumentar ou diminuir, para continuar no

exemplo-chave para esta dissertação, em virtude da atuação melhor ou pior de um

governo como mediador do impacto de outra estrutura sobre a estrutura do bem-

estar. O fato de uma estrutura do bem-estar tornar-se mais débil, ou melhorar

apenas insignificantemente em um determinado período, não significa que, se as

políticas adotadas tivessem sido outras, ou se o governo daquele país tivesse sido

mais eficaz, o bem-estar obrigatoriamente deixaria de crescer em outro lugar.

Uma estrutura nacional do bem-estar poderia simplesmente ter se fortalecido mais

sem que isso significasse um enfraquecimento em outros países. Em outras

palavras, o fato de o bem-estar ser passivo de alocação não torna esta

obrigatoriamente um jogo de soma zero.

Antes de expor os motivos pelos quais o IDH é a taxa idônea para ser

utilizada como representativa da estrutura do bem-estar, é necessário chamar a

atenção para alguns pontos da discussão proposta por Strange sobre esta estrutura.

A autora concentra seu capítulo sobre ela em sistemas de alocação de bem-estar, e

analisa o modo como estes operam no mundo. Para isso, distingue “três formas

pelas quais o bem-estar é alocado por Estados e outras autoridades”2: a criação de

regras de proteção (por exemplo, para as crianças em relação ao trabalho, ou para

o meio ambiente em relação à poluição), a transferência de recursos (dinheiro,

bens ou serviços), e o fornecimento de bens públicos (Idem, p. 210).

Porém, essas três formas de fornecimento de bem-estar são extremamente

fracas dentro da estrutura global. As regras de proteção no âmbito internacional

são poucas, e não (...) muito eficazes” (Idem, p.212). A transferência de recursos

“é uma parte muito pequena e relativamente insignificante de todos os recursos

transferidos na economia mundial” (Idem, p. 214). E, na arena internacional, “a

coisa mais próxima a verdadeiros bens públicos consiste apenas em benefícios

2 Tradução livre do original em inglês.

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incidentais que resultam para outros em função de bens ou facilidades fornecidas

pelas autoridades de um Estado individual basicamente em seu próprio interesse

nacional” (Idem, p. 222). Conclusão: o fornecimento de bem-estar pelos Estados

através das fronteiras, “a pessoas em outros3 Estados, é ou estratégica em sua

motivação ou simbólica em seu caráter” (Idem, p. 224)4.

Tal conclusão certamente é verdadeira se pensarmos, como Strange, em

termos da ação de Estados vis-à-vis pessoas que vivam em outros Estados (exceto,

em alguns casos, seus nacionais no estrangeiro). Acredito, porém, que a discussão

sobre a maneira como ocorre a alocação de bem-estar na economia política

internacional deve ser muito mais rica do que isso, e ir além não apenas da

identificação das limitações existentes em um mundo povoado por Estados

egoístas, como também do funcionamento de sistemas de alocação e da atuação

de organizações intergovernamentais ou não-governamentais.

A limitação da visão de Strange sobre alocação de bem-estar decorre do

fato de a autora enquadrar o fenômeno como resultante de uma contraposição

entre “autoridade” e “mercado” – argumento muito próximo do utilizado por

Gilpin para definir a EPI como a subárea resultante da tensão entre “Estado” e

“mercado”.

“Authority is exercised to allocate welfare in a quite different way from how it would be allocated if left entirely to the forces of the market. The market will reconcile demand and supply through the price mechanism. It will allocate scarce resources in such a way as to satisfy some wants while denying others. Authority may go along with this allocation, or it may use its political power to countermand, as it were, the dictates of the market” (Ibid).

Creio que esta idéia necessita alguns ajustes. Em primeiro lugar, o

exercício da “autoridade”, para Strange, parece designar todas as situações em que

um ator social decide alocar recursos seguindo uma lógica que não é guiada pelo

mercado e, portanto, pode não coincidir com a do mecanismo de preços. Nesse

sentido, apesar de Strange considerar a alocação de bem-estar “um ato

essencialmente político”5, é preciso esclarecer que a “autoridade” não cabe apenas

àqueles que têm poder político; seu exercício reflete-se em todas as situações em

3 Grifo no original. 4 Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.

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que predomina a lógica dos arranjos políticos ou sociais, coincidam ou não estes

com a lógica do mecanismo de mercado6 (Ibid).

O segundo ponto que, a meu ver, requer esclarecimentos é que Strange

apresenta uma contraposição entre as lógicas da “autoridade” e do “mercado” na

alocação de bem-estar. A realidade, porém, é mais complexa. As lógicas que

guiam dois detentores de autoridade podem ser diferentes. A intervenção de um

desses atores também pode alterar a alocação de bem-estar que existiria se

deixada apenas nas mãos do outro, ou deste e do mercado. Por exemplo, a

alocação do bem-estar decorrente de uma determinada atuação das forças do

mercado no setor da educação, que determine poucos investimentos em uma

região pobre, e também da atuação de um governo que tampouco dedique muitas

verbas ao setor naquela mesma área pode ser modificada em parte pela existência

de algum fator social que motive especialmente os professores e estudantes locais.

Neste exemplo trivial, a lógica de um detentor de autoridade (o governo) está em

linha com a do mecanismo de preços, mas é oposta à que guia a ação de outros

detentores de autoridade (atores sociais).

A partir destes dois pontos, percebe-se que a definição do bem-estar como

algo passível de alocação faz com que os atores que participam dessa alocação

exerçam poder. É isso que permite que a estrutura do bem-estar seja incluída entre

as que formam o poder estrutural na EPI, como faz acertadamente Strange.

Diante destas considerações, acredito que, para analisar como se dá a

alocação do bem-estar na EPI, mais útil do que pensar em termos uma oposição

entre mercado e autoridade seja estudar a influência de outras estruturas sobre a

estrutura do bem-estar, e a ação dos detentores de autoridade definidos como

aqueles capazes de modificar a forma como esta acontece7. Assim, eu mudaria a

primeira frase da citação de Strange para afirmar que a autoridade é exercida

para alocar bem-estar mediando o impacto que a atuação de outras estruturas

tem sobre a estrutura do bem-estar, podendo torná-lo bem diferente do que seria

caso tal intervenção não existisse.

5 Tradução livre do original em inglês. 6 Ver seção 2.2.

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A próxima subseção será dedicada a explicar os motivos pelos quais o IDH

é o proxy idôneo para representar a estrutura do bem-estar.

3.1.2.2. O IDH

A abordagem do desenvolvimento humano foi elaborada pelos

economistas Mahbub ul Haq e Amartya Sen, e nasceu de sua insatisfação com a

medição do desenvolvimento de sociedades em função apenas do PIB, ou do PIB

per capita. Haq e Sen reconhecem a importância da renda, mas consideram que

uma definição mais completa de desenvolvimento precisaria levar em conta o

bem-estar das pessoas. Com essa inquietação, elaboraram um conceito para o qual

a riqueza material não é senão um meio para se expandir a liberdade de escolha

dos seres humanos. De fato, segundo Haq,

“the basic purpose of development is to enlarge people’s choices. In principle, these choices can be infinite and change over time. People often value achievements that do not show up at all, or not immediately, in income or growth figures: greater access to knowledge, better nutrition and health services, more secure livelihoods, security against crime and physical violence, satisfying leisure hours, political and cultural freedoms and a sense of participation in community activities. The objective of development is to create an enabling environment for people to enjoy long, healthy and creative lives” (Haq, 2005b, p. 17).

O debate proposto visa a ressaltar a dupla natureza da posição humana no

processo econômico, uma vez que, nele, as pessoas são tanto o objetivo final (ou

pelo menos o bem-estar delas) quanto costumam ser parte importante dos próprios

recursos empregados. Segundo esses teóricos, tal situação pode gerar uma

inversão de valores comum na disciplina econômica. Sen alerta contra a confusão

que pode surgir do fato de que “os seres humanos são os agentes, beneficiários e

destinatários do progresso, mas também acabam sendo – direta ou indiretamente –

os meios primários de toda produção”8 (Sen, 2005a, p.3). Em seu livro

Desenvolvimento como liberdade, de 1999, obra de referência sobre o

7 Esta discussão não implica que os detentores de autoridade também não sejam atores

importantes para cada estrutura. O caso mais evidente são os Estados, como exposto no ponto

2.4.2. 8 Tradução livre do original em inglês.

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desenvolvimento humano, o Nobel defende o que chama de “perspectiva da

capacidade”9. Sob esta ótica, “a pobreza deve ser vista como uma privação das

capacidades básicas em vez de meramente como renda baixa”10 (Sen, 1999, p.87).

O objetivo de Sen é justamente afastar a visão do desenvolvimento em função

apenas da renda, para adotar uma ótica que leve em conta o bem-estar de uma

forma mais ampla.

Haq admite que há uma série de controvérsias em torno do conceito de

desenvolvimento humano, e as atribui, sobretudo, a problemas de compreensão

acerca da relação entre este e o crescimento econômico. Mesmo sendo o IDH um

índice “rival” do PIB, total ou per capita, ele insiste, assim como Sen, em que a

abordagem do desenvolvimento humano não é oposta à expansão econômica.

Lamenta que esteja “bastante difundida a visão equivocada de que o

desenvolvimento humano é anticrescimento e que inclui apenas o

desenvolvimento social”(Ibid). A verdadeira posição dos teóricos do

desenvolvimento humano, afirma, é que “o crescimento econômico é essencial”

para aquele, “mas para explorar por completo as oportunidades e o bem-estar que

o crescimento oferece, ele precisa ser adequadamente administrado”11 (Ibid).

Como conceito, o desenvolvimento humano já tinha por si só grande valor

para a discussão econômica. Entretanto, Haq considerou necessária a criação de

um índice para medi-lo. Acreditava que, sem este, a nova abordagem, mesmo que

fosse amplamente discutida nos meios acadêmicos e políticos, esbarraria na

“conveniência” de se aferir o desenvolvimento por meio de uma única taxa – e

esta seguiria sendo o PIB ou o PNB, que perpetuam os problemas identificados

pelos teóricos do desenvolvimento humano. Assim, séries de índices que usassem

critérios incluídos no IDH tampouco resolveriam a questão. Sen reconhece esse

problema, e afirma que

“(Haq) did not resist the argument that the HDI could not but be a very limited indicator of development. But after some initial hesitation, Mahbub persuaded himself that the dominance of GNP could not be broken by any set of tables. People will look at the tables respectfully, but when it came to using an overall measure

9 Tradução livre da expressão “capability perspective”. 10 Tradução livre do original em inglês. 11 Todas as citações neste parágrafo são traduções livres dos originais em inglês.

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for development , they would still go back to the unadorned GNP, because it is so convenient to have an aggregate index” (Sen, 2005b, p. X).

Se o IDH tinha o mérito de ser um índice que avalia o desenvolvimento

sem cair na visão unidimensional do PIB ou do PNB, também é evidente que

nenhuma medida numérica poderia captar toda a abrangência do conceito

holístico que se pretendia que o desenvolvimento humano fosse. Por mais cruciais

que sejam os três elementos incluídos no IDH – saúde, educação e renda -, é claro

que sua inclusão no cálculo não eliminou a incoerência lógica entre, de um lado, a

definição de desenvolvimento humano como abordagem preocupada com a

expansão da capacidade que as pessoas têm de fazer suas próprias escolhas e, de

outro, a utilização de uma taxa que uniformiza os critérios em todos os países e

regiões. Embora reconheçam esta dificuldade, os teóricos do desenvolvimento

humano assinalam que ela não diminui o valor do IDH como medida de bem-

estar.

“As a holistic concept, human development is broader than any of its measures, such as the human development index. In principle human choices can be infinite, and change over time. But three essential choices are those that allow people to lead long and healthy lives, to acquire knowledge and to have access to resources for a decent standard of living” (Malhotra et. al., 2003, p. 23).

O IDH estabelece um valor para essas três dimensões do desenvolvimento

humano e, assim, “apesar de não ser totalmente abrangente, é melhor do que

outras medidas econômicas – como a renda per capita – na avaliação do bem-

estar humano”12 13 (Ibid). Em outras palavras, o IDH consegue transferir a medida

de desenvolvimento de “acúmulo de riqueza” para “bem-estar”. É por isso que o

IDH14 é a taxa mais adequada para expressar em cifras a estrutura do bem-estar.

12 Tradução livre do original em inglês. 13 O grifo é meu. 14 O índice passou a ser divulgado pelo PNUD em trabalhos anuais, os Relatórios de

Desenvolvimento Humano (RDH). A idéia de elaboração dos RDHs surgiu no final dos anos 80;

foi apresentada no primeiro semestre de 1989 por Haq ao então administrador do PNUD, William

Draper II. Este a apoiou e aceitou, segundo o economista paquistanês, que o trabalho, mesmo

realizado sob o guarda-chuva da agência, não sofresse intervenção da ONU. O primeiro RDH foi

publicado em 1990.

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3.1.3. Participação do Estado como variável interveniente

Trabalharei, como antecipado, com a estrutura do comércio como variável

independente, e a estrutura do bem-estar como variável dependente, ou resultado.

Na pesquisa empírica, a atuação estatal será tomada como variável interveniente.

Estudarei as políticas públicas direcionadas à estrutura do bem-estar, mostrarei

como a atuação delas modifica a forma como a variável dependente é influenciada

pela independente. Analisarei ainda a capacidade que têm os Estados de fazer

com que tais políticas surtam os efeitos esperados. O objetivo desta subseção é

explicar com mais detalhamento os motivos que me levaram a escolher a atuação

estatal como variável interveniente.

Já indiquei que o Estado tem o papel de, por um lado, delimitar com sua

presença jurídica a existência de estruturas nacionais na EPI e, de outro, ser o

responsável pela aplicação de políticas públicas. Em virtude da combinação

dessas duas características, ele se torna um ator primordial das estruturas internas,

pois não apenas é o que justifica a existência delas, como tem em suas mãos, um

mecanismo – as políticas públicas – com grande poder de transformar essas

estruturas. Para o estudo proposto, é de particular importância o fato de o Estado

controlar a arrecadação de impostos gerada pelo comércio, o que lhe garante uma

capacidade muito maior que a de qualquer outro ator para mediar os efeitos da

estrutura do comércio sobre as demais estruturas, inclusive a do bem-estar.

Ao analisar as políticas públicas (e a eficácia do Estado em sua

implementação) como variável interveniente na relação entre duas estruturas de

poder nacionais, é preciso ter consciência de que muitas outras possíveis variáveis

intervenientes estão sendo deixadas de lado. Trata-se, afinal, de uma necessidade

metodológica, sem a qual seria impossível fazer pesquisa em ciências sociais, nas

quais não se pode contar com um laboratório para isolar o objeto de estudo.

Entretanto, no caso de países muito expostos ao comércio, este é, em grande

medida, responsável pelo que ocorre no conjunto da economia. Lançando mão do

enquadramento teórico aqui utilizado, isto significa dizer que a estrutura do

comércio exerce uma influência particularmente alta sobre as demais.

Observar a maneira como a intervenção estatal mediou, em determinados

casos, a influência da estrutura do comércio sobre a do bem-estar, como será feito

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nesta pesquisa, não é o mesmo que propor um estudo geral e concludente capaz de

gerar previsões absolutas nesse sentido. Apresentá-lo dessa forma seria ingênuo e

perigoso. Seguirei aqui o conselho dado por Susan Strange a respeito das

pesquisas de EPI:

“What we should not try to look for, because it does not exist, and therefore cannot be found, is an all-embracing theory that pretends to enable us, even partially, to predict what will happen in the world economy tomorrow. The ambition in the social sciences to imitate the natural sciences and to discover and elaborate ‘laws’ of the international system, patterns so regular they govern social, political and economic behaviour is and always has been a wild goose chase. (…) This is not to say that a social ‘scientist’ should not be as fiercely uncompromising in the search for truth as any physicist or geologist. But it is a different kind of truth and it is not better served by aspiring to the unattainable or promising that which cannot in the nature of things be delivered”15 (Strange, 1988, p. 16).

Portanto, o objetivo da pesquisa está longe da pretensão de oferecer uma

teoria geral sobre o fenômeno. Trata-se, na verdade, de fazer o que Strange chama

de uma “escavação exploratória” e de “aplicar um pensamento cuidadoso” em

uma área de terra incognita 16(Strange, 1970, p. 311).

Variáveis da pesquisa:

Variável independente: estrutura do comércio com alta exposição ao

comércio internacional (elevada proporção entre o fluxo comercial e o PIB).

Variável interveniente: atuação estatal.

Variável dependente (resultado): estrutura do bem-estar (IDH).

15 Grifo no original. 16 Tradução livre do original em inglês.

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70

3.2. Seleção dos estudos de caso

A investigação da questão de pesquisa proposta requer que os estudos de

caso sejam países cujas economias tenham permanecido altamente expostas ao

comércio internacional e cujo IDH tenha tido um desempenho divergente durante

um período determinado. Serão analisados Chile e Venezuela. O fato de os dois

países ficarem na mesma região, a América do Sul, e terem uma série de

características similares (ambos são grandes exportadores de matérias-primas e

possuem níveis relativamente próximos de população, PIB, renda per capita)

ajuda a aproximar a pesquisa de uma situação ceteris paribus, ou seja, de um

isolamento total do objeto mantendo constantes as demais variáveis que possam

influenciar o resultado.

O período escolhido - um intervalo total de onze anos, com os dois dos

extremos e o do meio servindo como referência - é um lapso suficiente para a

observação de variações e, ao mesmo tempo, resultado de um constrangimento

metodológico. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),

que divulga anualmente o Relatório mundial do Desenvolvimento Humano, que

contém o IDH, revisou sua metodologia em 2006, mas não recalculou as taxas de

todos os anos anteriores. No período de análise, foram recalculadas apenas as dos

três anos de referência: 1990, 1995 e 2000. Embora o IDH, dentro do período de

estudo, só esteja disponível para esses três anos, ao expor outros dados utilizarei,

sempre que possível, números de 1990 a 2000.

Os gráficos a seguir mostram o perfil assemelhado de Chile e Venezuela

no período em questão.

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PIB por habitante

0100020003000400050006000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Chile Venezuela

Gráfico 3.1 : Chile e Venezuela, PIB por habitante 17

População

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Milh

ões

de p

esso

as

Chile Venezuela

Gráfico 3.2 : Chile e Venezuela, população 18

17 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 18 Fonte : Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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PIB

020000400006000080000

100000120000140000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

US$

milh

ões

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Chile Venezuela

Gráfico 3.3 : Chile e Venezuela, PIB 19

Ao mesmo tempo, verifica-se que Chile e Venezuela estiveram muito

expostos ao comércio exterior no período. Isso é fundamental para a variável

independente ser o mais similar possível nos dois casos. O gráfico 3.4 mostra o

fluxo comercial total (exportações e importações de bens e serviços, atualizado

aqui para valores constantes de 2000 para possibilitar uma melhor comparação)

no período de análise. Também é interessante perceber, no gráfico 3.5, o nível

próximo do fluxo comercial por habitante que registraram os dois países.

19 19 Fonte : Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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Fluxo comercial total

0,0010000,0020000,0030000,0040000,0050000,0060000,00

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

US$

milh

ões

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Chile Venezuela

Gráfico 3.4 : Chile e Venezuela, fluxo comercial total20

Fluxo comercial por habitante

0500

100015002000250030003500

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Chile Venezuela

Gráfico 3.5: Chile e Venezuela, fluxo comercial por habitante 21

20 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 21 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do

Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site

http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm (acesso em: 23 de maio de 2007).

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Em proporção do PIB, o comércio internacional de Chile e Venezuela,

embora não tenha apresentado um padrão tão claro de crescimento, manteve-se

em um nível extremamente elevado, o que serve aos propósitos que tem esta

pesquisa de identificar como variável independente uma estrutura do comércio

forte, e não uma economia em processo de abertura. Em média, a proporção fluxo

comercial/PIB do Chile foi de 53,92% no período, e a da Venezuela, de 52,51%.

Para demonstrar como esse padrão de abertura é alto, basta compará-lo com as

médias registradas no mesmo intervalo por Argentina e Brasil: 19,52% e 16,05%,

respectivamente.

Fluxo comercial como proporção do PIB

010203040506070

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Por c

ento

Chile Venezuela Argentina Brasil

Gráfico 3.6 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil, fluxo comercial como proporção do

PIB 22

22 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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Fluxo comercial como proporção do PIB (média 1990-2000)

53,92 52,51

19,52 16,05

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

Chile Venezuela Argentina Brasil

Por c

ento

Gráfico 3.7: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil; fluxo comercial como proporção do PIB

(média 1990-2000)23

Como o comércio corresponde a uma parcela tão grande do PIB, é natural

que as curvas de variação deste e do fluxo comercial sejam semelhantes no Chile

e na Venezuela.

Chile: Variação do fluxo comercial e variação do PIB

-20-10

010203040

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Por c

ento

-5

0

5

10

15Po

r cen

to

Variação do fluxo comercial (base US$ a preços constantes de 2000)Variação do PIB (base: US$ a preços constantes de 2000)"

Gráfico 3.8: Chile, variação do fluxo comercial e variação do PIB24

23 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do

Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site

http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm (acesso em: 23 de maio de 2007).

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Venezuela: variação do fluxo comercial e variação do PIB

-20-10

010203040

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Por c

ento

-10-5051015

Por c

ento

Variação do fluxo comercial (base: US$ a preços constantes de 2000)Variação do PIB (base: US$ a preços constantes de 2000)

Gráfico 3.9 : Venezuela, variação do fluxo comercial e variação do PIB 25

Outro ponto em que o comércio exterior do Chile e o da Venezuela guardam

semelhança é a dependência de ambos os países da exportação de matérias-primas

– cobre no caso do primeiro e petróleo no da segunda. Os quadros abaixo

demonstram a importância de cada conjunto de commodities nas exportações de

produtos chilenos e venezuelanos. No caso do Chile, a categoria “minério e

metais” correspondeu a 53% em 1990, 47% em 1995 e 45% em 2000. No da

Venezuela, a categoria “combustíveis” foi responsável, respectivamente, por 80%,

76% e 86% das vendas ao exterior. É preciso reconhecer tanto que a inclusão dos

serviços faria com que essas porcentagens caíssem um pouco, como que o peso de

uma única matéria-prima na pauta exportadora venezuelana é sensivelmente maior

do que no da chilena. Porém, o nível de exportações de serviços de ambos os

24 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do

Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site

http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm (acesso em: 23 de maio de 2007). 25 Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do

Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site

http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm (acesso em: 23 de maio de 2007).

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países (média de 18,7% do total de vendas no caso do Chile e de 6,9% no da

Venezuela para todo o período1990-2000) é insuficiente para descaracterizá-los

como altamente dependentes dos envios de matérias-primas ao exterior. No

Relatório de Desenvolvimento Humano de 2005, o PNUD definiu em 30% das

receitas com exportações o patamar a partir do qual os países começam a sofrer

com a chamada “maldição dos recursos naturais”, pela qual as nações com

abundantes matérias-primas não conseguem transformar essa fonte de recursos em

riqueza material e bem-estar para sua população. De acordo com a agência da

ONU, em 34 países em desenvolvimento cujas receitas com exportações são

formadas em pelo menos 30% pela venda de hidrocarbonetos, “metade de suas

populações combinadas vive com menos de US$ 1 por dia”26 27(Watkins et al,

2005, p. 124). A dependência em relação à exportação das matérias-primas que

têm em abundância torna-se ainda mais evidente quando se comparam as

variações dos preços internacionais do cobre e do petróleo com as dos PIBs de

Chile e Venezuela, respectivamente.

26 Tradução livre do original em inglês. 27 Embora mencione apenas “petróleo e gás” nesse trecho, no parágrafo anterior, mesma

página, fala dos problemas causados pela excessiva dependência de exportações de “riqueza de

petróleo e mineral”.

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78

Tabela 3.1: Chile, composição da pauta comercial28

Tabela 3.2: Venezuela, composição da pauta comercial 29

28 Fonte : UNCTAD. Disponível no site

http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=1890&lang=1. Acesso em : 26 de março de

2007. 29 Fonte : UNCTAD. Disponível no site

http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=1890&lang=1. Acesso em : 26 de março de

2007.

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Preço do cobre e variação do PIB chileno

0500

100015002000250030003500

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

US$

por t

onel

ada

mét

rica

(val

ores

em

pr

eços

con

stan

tes

de

2000

)

-202468101214

Por c

ento

(bas

e: U

S$ a

pr

eços

con

stan

tes

de

2000

)

Preço do cobre Variação do PIB chileno

Gráfico 3.10 : Preço do cobre e variação do PIB chileno30

Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano

05

101520253035

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

US$

por b

arril

do

tipo

WTI

(val

ores

em

pre

ços

cons

tant

es d

e 20

00)

-10

-5

0

5

10

15

Por c

ento

(bas

e: U

S$ a

pr

eços

con

stan

tes

de

2000

)

Preço do petróleo Variação do PIB venezuelano

Gráfico 3.11 : Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano31

30 Fonte : Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006). 31 Fonte : Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).

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Não seria possível seguir adiante com a pesquisa se ambos os países

tivessem registrado desempenhos semelhantes em seu IDH entre 1990 e 2000.

Tal fenômeno não ocorreu. O Chile teve uma evolução positiva, e seu índice

aumentou 0,058 ponto em uma escala de 0 a 1 (ou 5,8%), passando de 0,785 a

0,843. A Venezuela, por outro lado, cravou números fracos, e seu aumento foi de

apenas 0,013 ponto (1,3%); o IDH do país passou de 0,759 para 0,772. A

vantagem inicial do Chile, que era de 0,026 ponto, disparou para 0,071: uma alta

de 0,045 ponto.

IDH

0,700

0,750

0,800

0,850

pont

o ChileVenezuela

Chile 0,787 0,818 0,843

Venezuela 0,760 0,768 0,774

1990 1995 2000

Gráfico 3.12: Chile e Venezuela, IDH32

A diferença entre os desempenhos do Chile e da Venezuela é tamanha que

o primeiro respondeu por 80,46% do crescimento conjunto do IDH dos dois

países no lapso, enquanto a segunda o fez por apenas 19,54%.

32 Fonte : Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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81

Contribuição porcentual para a alta conjunta do IDH (1990-2000)

Chile 80,46

Venezuela 19,54

Gráfico 3.13: Chile e Venezuela, contribuição para a alta conjunta do IDH33

Com base nos dados expostos, concluo que Chile e Venezuela são bons

estudos de caso. A variável independente comportou-se de forma suficientemente

semelhante, pois os dois países estiveram muito expostos ao comércio

internacional no período em questão. Além disso, o valor extremo que esta

registrou em ambos os casos indica que teve uma grande ascendência, o que

aproxima as situações o máximo possível da condição ceteris paribus. Para

cumprir este último objetivo, também é importante a série de características

análogas apresentada pelos dois países.

Finalmente, o resultado (variável dependente), qual seja, o desempenho do

IDH, foi muitíssimo diferente. Isto permite a realização do estudo proposto sobre

a atuação das políticas públicas dos dois países como variáveis intervenientes,

cadeias de transmissão entre o comércio internacional e o bem-estar da população.

33 Fonte : Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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82

3.3. Outras considerações metodológicas

Ao tomar as políticas públicas e a qualidade da ação do Estado que as

aplica como variável interveniente, lançarei mão do que John Stuart Mill chamou

de Método da Diferença. Seu uso requer “duas instâncias que se pareçam uma à

outra em todo o resto, mas se diferenciem na presença ou ausência do fenômeno

que queremos estudar”34 (Mill: 1950, p. 207). De acordo com Mill, este método é

um processo lógico que utilizamos em praticamente todas as conclusões indutivas

do cotidiano. O autor cita, por exemplo, a situação em que um homem leva um

tiro e morre. É evidente que, como homens semelhantes a ele não sofreram o

ataque e permaneceram vivos, na ausência do tiro ele teria continuado com vida.

Mill resume da seguinte forma o Método da Diferença:

“If an instance in which the phenomenon under investigation occurs, and an instance in which it does not occur, have every circumstance in common save one, that one occurring in the former; the circumstance in which alone the two instances differ, is the effect, or the cause, or an indispensable part of the cause, of the phenomenon” (Ibid).

Entretanto, o próprio Mill expressa pessimismo quanto à aplicação do

Método da Diferença nas ciências sociais devido à ausência da situação ceteris

paribus. Na prática, não é possível isolar aquilo que se está estudando, e jamais

todos os outros elementos permanecerão iguais. Vimos, por exemplo, na subseção

anterior, que Chile e Venezuela têm uma série de características comuns. Persiste,

porém, um problema. Mesmo admitindo que a questão da multicausalidade

(influência de uma grande quantidade de fatores) do desempenho do IDH é, em

grande medida, contornada pelo fato de ambos os países terem sofrido

constantemente uma fortíssima influência da estrutura do comércio, que é a

variável independente, é evidente que Chile e Venezuela não são absolutamente

iguais em todo o resto. A população não é exatamente do mesmo tamanho, nem a

economia, e assim por diante. Essa dificuldade pode ser contornada por meio da

utilização, no trabalho, do que Sidney Verba chama de “classe de eventos”. Para o

autor, ao lançar-se mão deste tipo de análise “a ‘singularidade’ da explicação é

reconhecida, mas é descrita em termos mais gerais, ou seja, como um valor

34 Tradução livre do original em inglês.

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83

particular de uma variável que faz parte de um marco teórico de variáveis

independente, interveniente e dependente” (Verba apud George, 1979, p. 46-47)35.

O que Verba denominou “classe de eventos”, Adam Przeworski e Henry

Teune definiram como “categorias”. De acordo com os dois últimos autores, “a

maioria dos problemas de ‘singularidade contra universalidade’ pode ser

redefinida como de problemas de medição”36 (Przeworski e Teune, 1970, p. 12).

A percepção de Verba, Przeworski e Teune, unida à adoção de taxas, ou proxies,

para traduzir as estruturas como variáveis independente e dependente, permite

tratá-las como “classes de eventos” nos casos dos dois países, sem que as

variações individuais comprometam a pesquisa.

O trabalho com variáveis expressas em números (porcentagens fluxo

comercial/PIB e IDH) aumenta a viabilidade da comparação entre casos que, em

uma pesquisa em ciências sociais, irremediavelmente terão vários aspectos

dessemelhantes, por mais pontos em comum, ou próximos, que apresentem.

A pesquisa seguirá o método que Alexander George desenvolveu e

chamou de structured-focused, comparison. Neste método,

“the comparative analysis of cases is both structured and focused - focused because it deals selectively with only the main aspects of the historical case (…), and structured because it employs general questions to guide the data collection and analysis in that historical case”. (George, Op. Cit, p. 61-62).

Tal método tem o mérito de, sem deixar de ser qualitativo, permitir uma

comparação entre resultados diferentes que teria sido impossível se a pesquisa se

restringisse a um estudo de caso.

Tal metodologia, então, viabiliza a realização da pesquisa empírica. Como,

porém, esta será feita? Primeiramente, precisarei levar em conta que, se atuação

estatal é a variável interveniente entre a estrutura do comércio e a estrutura do

bem-estar, sua intermediação acontece, sobretudo, por meio da utilização, na área

social, do dinheiro arrecadado com os impostos gerados pelas trocas comerciais.

Portanto, será preciso mostrar a relação entre comércio internacional e

arrecadação tributária no Chile e na Venezuela.

35 Tradução livre do original em inglês. 36 Tradução livre do original em inglês.

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84

Em seguida, estudarei a atuação do Estado nas áreas de educação e saúde,

tanto no que tange ao investimento feito nesses setores como no que diz respeito

às políticas adotadas. Verificarei também, lançando mão de um estudo sobre

governança utilizado pelo Banco Mundial, a qualidade da atuação de ambos os

governos. Será uma forma de avaliar sua capacidade de implementar as políticas

que se propuseram a adotar e às quais destinaram recursos.

Finalmente, encerrarei o próximo capítulo com observações sobre os dados

expostos, em uma análise da atuação estatal como variável interveniente entre a

estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar.

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4 Pesquisa empírica

4.1. As políticas públicas e a estrutura do bem-estar sob forte influência da estrutura do comércio

Expus anteriormente os motivos que me levaram a selecionar Chile e

Venezuela como casos de estudo. Trata-se de dois países que se destacam pelo

peso de sua estrutura do comércio, mas cujas estruturas do bem-estar tiveram

comportamentos muito diferentes no período de análise, que vai de 1990 a 2000.

Argumentei que as posições defendidas por liberais e intervencionistas em sua

histórica controvérsia não fornecem todos os elementos necessários à análise em

um estudo como o que proponho. As duas tradições de pensamento defendem

argumentos favoráveis e contrários à abertura econômica, e prevêem

conseqüências positivas para a riqueza e o bem-estar se suas posições forem

seguidas, ou negativas se não o forem. A discussão, portanto, concentra-se em

políticas voltadas principalmente para a estrutura do comércio. Porém, esta foi

definida aqui como variável independente. Não é o foco desta dissertação analisar

as políticas ou outros fatores que levaram Chile e Venezuela a terem economias

abertas ao comércio. Pelo contrário, a pesquisa parte do fato de as duas

economias em questão serem abertas.

Se todas as estruturas estão em permanente contato entre si, segue-se que,

em uma sociedade onde a do comércio for forte, ela terá muita influência sobre as

demais. Ao mesmo tempo, verifica-se empiricamente que, mesmo na presença de

estruturas do comércio muito fortes, o comportamento das estruturas do bem-estar

não é sempre o mesmo.

Temos duas possibilidades diante de tal situação: 1) a variação é explicada

pela influência de outras estruturas, ou seja, pela atuação de outras variáveis

independentes, e 2) existem uma ou mais variáveis intervenientes entre a estrutura

do comércio e a estrutura do bem-estar, que fazem com que uma situação similar

na primeira não se reflita sempre da mesma forma na segunda.

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86

A primeira possibilidade sempre será verdadeira até certo ponto. Como

indiquei no capítulo anterior, trata-se da velha questão de ciências sociais: é

impossível isolar o objeto de estudo como em laboratório. Porém, levada ao

extremo, essa condição significaria que qualquer pesquisa em ciências sociais não

é falsificável e, em última instância, é irrelevante. De fato, sempre haverá outras

estruturas permanentemente em ação sobre a estrutura do bem-estar (e também

sobre todas as demais). Chile e Venezuela foram escolhidos precisamente porque

são exemplos nos quais a estrutura do comércio tem grande peso e, portanto,

ascendência particularmente forte sobre as outras estruturas. Em outras palavras, a

variável independente tem valor extremo. Além do mais, a adoção de “classes de

eventos” ajuda a superar tal problema. Em tal situação, torna-se necessário partir

para a segunda possibilidade exposta acima: buscar o que mais intervém para que,

na presença de estruturas do comércio influentes, as estruturas do bem-estar

reajam de maneiras diferentes.

Como estamos examinando estruturas nacionais, a análise encaminha-se

diretamente ao Estado. Já argumentei os motivos pelos quais é a sua presença

jurídica que determina a existência de estruturas nacionais na análise da economia

política internacional. Aqui, a questão fundamental passa pelos recursos gerados

pelo comércio, e pela forma como são direcionados para o fomento do bem-estar.

Algumas das principais controvérsias entre liberais e intervencionistas

vistas no capítulo 2 giram em torno da distribuição da riqueza gerada pelo

comércio. Enquanto os liberais enfatizam ganhos absolutos, os intervencionistas

questionam para quem vão esses ganhos, ou a que preço eles são obtidos (riscos

para a segurança, prosperidade menor no longo prazo). Porém, a renda

corresponde a apenas um terço do valor do IDH, que defini como proxy da

estrutura do bem-estar. Não estudarei, entretanto, as políticas públicas voltadas

diretamente para esse terço do IDH representado pela renda, por dois motivos.

O primeiro é que, como já demonstrado, nos casos estudados, o comércio,

ao corresponder a uma parcela tão grande do PIB, tem uma influência tão forte

sobre o conjunto da economia que é responsável, por si só, por uma parte

considerável das variações da renda média dos habitantes. Perante esse quadro, o

estudo de políticas direcionadas à variação da renda coincidirá em muito com o

estudo de políticas para o comércio exterior. Do ponto de vista metodológico,

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contudo, não faz sentido estudar a ação da variável interveniente sobre a variável

independente – e a estrutura do comércio foi definida aqui como tal.

O segundo motivo para não estudar as políticas direcionadas à variação da

renda, mesmo as que não têm relação direta com o comércio, é que elas formam

um conjunto tão grande de medidas que sua complexidade inviabilizaria o estudo.

De fato, nem sequer entre os economistas há consenso absoluto sobre quais são as

medidas que beneficiam o crescimento (por exemplo: é mais importante o Estado

investir pesado ou manter suas contas em ordem?). De qualquer forma, a

semelhança das curvas entre as variações do fluxo comercial e do PIB não só

revela que o comércio é o principal responsável pelas variações dessas economias,

como também ratifica o acerto da escolha dos casos.

Neste ponto, abrem-se novamente duas possibilidades de ligação entre as

estruturas do comércio e do bem-estar. A questão fundamental aqui é que a

riqueza gerada pelo comércio tem dois destinos: 1 - fica nas mãos de particulares,

por meio de lucro e pagamento de salários na própria atividade de trocas

comerciais e nos seus efeitos sobre o conjunto da cadeia econômica; e 2 – vai para

o Estado, por meio da arrecadação de impostos tanto sobre a própria atividade

comercial como sobre outras etapas do processo econômico por ele ativadas. Vale

a pena refletir um minuto sobre esses dois movimentos de geração de riqueza, e

sua ligação com os outros dois aspectos incluídos na taxa que defini como

representativa da estrutura do bem-estar (saúde e educação).

No caso de particulares, cada um escolhe o que fará com o dinheiro ganho.

Certamente parte dele vai para saúde e educação, por opção ou necessidade de

pagar por esses serviços. É difícil estabelecer com exatidão quem são as pessoas

que transformam os ganhos com o comércio internacional diretamente em

investimentos em saúde e/ou educação, e quanto dessa verba destinam a tais

setores. Mas podemos supor sem muito medo de errar que esse desconhecimento

não implica em grandes variações nos casos de Chile e Venezuela. Em primeiro

lugar, o desejo de ter uma vida longa e saudável, e livre de ignorância, e de

promover o mesmo para seus filhos é um valor que, embora talvez não seja

absolutamente universal, com certeza está entre os mais disseminados do mundo,

como argumentam os criadores do IDH.

Além disso, não é o mesmo traçar um paralelismo entre as situações de

dois países sul-americanos com uma série de características semelhantes, como

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visto na escolha dos casos, do que fazê-lo entre, por exemplo, o Canadá e um país

da Ásia Central. Entre Chile e Venezuela, há boas razões – culturais e econômicas

- para acreditar que, de maneira geral, as pessoas reagiriam da mesma forma

diante da possibilidade e da necessidade de utilizar recursos próprios para investir

mais em saúde e educação: o fariam.

Descarto, então, devido à falta de plausibilidade da hipótese em contextos

semelhantes, que grandes diferenças na atuação de particulares expliquem os

efeitos diversos de uma estrutura do comércio forte sobre a estrutura do bem-estar

nos dois casos de estudo. Resta voltar ao ponto inicialmente colocado: a atuação

do Estado. Por meio da implementação de políticas públicas, ele tem a

possibilidade de transformar ganhos com o comércio em ganhos de bem-estar.

Todavia, não é apenas a diferença entre as políticas que pode provocar reações

contrastantes, mas também a eficácia na aplicação de tais políticas. Iniciativas de

um Estado que possam ser consideradas boas por diferentes critérios podem

fracassar se a qualidade da implementação daquelas políticas, ou seja, a

capacidade que tem o Estado de fazê-lo, não for adequada. Isto precisa ser levado

em conta em uma pesquisa que enfoque os impactos do comércio internacional

sobre o bem-estar interno de países.

O resto deste capítulo está estruturado da seguinte forma: primeiro

observarei a relação entre, de um lado, o comércio e as transações internacionais

(C&TI) e, de outro, a arrecadação tributária no Chile e na Venezuela. Em seguida,

analisarei as políticas públicas para saúde e educação, verificando a evolução dos

gastos direcionados a esses setores1 e também as medidas que foram

implementadas no período analisado no Chile e na Venezuela. Depois, lançando

mão de um estudo utilizado pelo Banco Mundial com seis indicadores de

governança, verificarei a capacidade de ação dos dois governos na implementação

de suas políticas.

Adiante, aprofundar-me-ei brevemente na evolução da estrutura do bem-

estar do Chile e da Venezuela no período em questão, separando a variação do

IDH de ambos os países em dois momentos (1990-1995 e 1995-2000) para

descobrir quais dos três subíndices componentes da taxa mais contribuíram para

1 Todos os gastos com saúde e educação por habitante e como porcentagem do gasto

público total citados no capítulo referem-se ao governo central.

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seu aumento em cada um desses períodos. Finalmente, farei breves observações

sobre o conjunto dos dados apresentados.

4.2. A estrutura do comércio e a arrecadação tributária

A arrecadação obtida pelos governos em função de uma estrutura do

comércio forte está no cerne desta pesquisa. A tabela abaixo reúne uma série de

dados sobre comércio, PIB e arrecadação tributária no Chile e na Venezuela2.

Interessa aqui sobremaneira a contribuição do comércio para a

arrecadação. Porém, é preciso admitir que a arrecadação gerada diretamente pelo

comércio, mesmo sendo um indicador extremamente útil, não abrange a totalidade

dos efeitos das trocas com outros países sobre o total arrecadado. Isto porque o

comércio pode ter impacto sobre outros setores da economia, que também gerarão

arrecadação. Por exemplo, um aumento nas exportações de determinado produto

pode fazer com que as firmas que o fabricam contratem mais e não apenas

paguem mais impostos ao governo, como também gerem uma massa salarial

maior. Os novos trabalhadores também pagarão mais imposto de renda, e gastarão

mais, gerando uma maior arrecadação de impostos sobre o consumo. Entretanto, é

extremamente difícil – talvez impossível – analisar o impacto exato do efeito

multiplicador causado pelas externalidades do comércio sobre a arrecadação total

e, portanto, usarei como referência os impostos recolhidos com comércio e

transações internacionais.

2 Todos os dados sobre arrecadação citados no capítulo referem-se a taxas recolhidas pelo

governo central.

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90

Tabela 4.1 : Chile e Venezuela ; dados sobre comércio, PIB e arrecadação tributária

Observa-se que, se a arrecadação total do Chile em relação ao PIB – a

pressão fiscal – subiu cerca de três pontos percentuais no período, passando de

13,1% (1990) para 15,3% (1995) e 16,27% (2000), a arrecadação com o comércio

e as transações internacionais, também em relação ao PIB, apresentou tendência

contrária, passando de 2,17% (1990) a 1,87% (1995) e a 1,35% (2000). Já no caso

da Venezuela, a pressão fiscal começou extremamente baixa (3,47% do PIB em

1990), mas logo subiu para um novo patamar e manteve-se nele (8,17% em 1995

e 8,65% em 2000). A arrecadação C&TI manteve-se, na maior parte do período,

em um nível entre 1,2% e 2% do PIB (1,36% em 1990, 1,55% em 1995 e 1,22%

em 2000). O gráfico 4.1 ilustra como Chile e Venezuela caminharam para a

convergência em suas taxas de arrecadação C&TI como proporção do PIB no

período em questão. Observa-se que, em linhas gerais, a proporção entre a

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arrecadação proveniente do comércio e o PIB é similar em ambos os países. Em

contextos marcados por um valor extremo da estrutura do comércio (variável

independente), isto reforça a hipótese de que a diferença na evolução do IDH

deveu-se à forma como essa receita foi utilizada em cada caso.

Arrecadação C&TI como proporção do PIB

0

0,5

1

1,5

2

2,5

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Por c

ento

Chile Venezuela

Gráfico 4.1: Chile e Venezuela, arrecadação C&TI como proporção do PIB 3

A tendência de queda na proporção do PIB correspondente à arrecadação

C&TI mostrada pelo gráfico 4.1 não significa que o comércio tenha tido um peso

pequeno como fonte de tributos no Chile e na Venezuela. Isto fica demonstrado

pela comparação com o mesmo dado da Argentina e do Brasil4.

3 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006). 4 Devido a um constrangimento metodológico provocado pela mudança de moedas

nacionais na Argentina (em 1991) e no Brasil (em 1994), os dados destes dois países não

correspondem a todo o período 1990-2000. Por isso, a comparação envolvendo os quatro países é

feita apenas para o período 1995-2000. No conjunto do período 1990-2000, a proporção do PIB

correspondente à arrecadação C&TI foi em média de 1,84% no Chile e de 1,62% na Venezuela.

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92

Arrecadação com comércio e transações internacionais como proporção do PIB

0

0,5

1

1,5

2

2,5

1995 1996 1997 1998 1999 2000

Por c

ento

Argentina Brasil Chile Venezuela

Gráfico 4.2: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação C&TI como proporção do

PIB5

Arrecadação C&TI como proporção do PIB (média 1995-2000)

1,47

0,61 0,70

1,68

0,00

0,40

0,80

1,20

1,60

2,00

Chile Venezuela Argentina Brasil

Por c

ento

Gráfico 4.3: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação C&TI como proporção do

PIB (média 1995-2000)6

5 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006). 6 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).

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4.3. A atuação do Estado

Nesta seção, observarei a atuação das políticas públicas para a educação e

a saúde. Primeiramente, analisarei a atuação de ambos os Estados no setor da

educação, e depois, no da saúde. Finalmente, observarei o nível de governança em

cada caso, uma medida da capacidade que têm os governos de implementar as

políticas selecionadas.

4.3.1. Educação

Antes de comparar os gastos dos governos de Chile e Venezuela e suas

políticas para a educação, interessa-nos observar o desempenho dos dois países no

subíndice de educação do IDH. Trata-se do índice relativo à educação, medida

formada por uma combinação de taxas de matrículas e de analfabetismo que

representa um terço do total do IDH e vai de 0 a 1.

Subíndice de educação no IDH

0,75

0,80

0,85

0,90

0,95

Pont

o

Chile 0,86 0,87 0,90

Venezuela 0,83 0,83 0,84

1990 1995 2000

Gráfico 4.4: Chile e Venezuela, subíndice de educação no IDH7

7 Fonte: PNUD : Dados constam do documento « HDI trend calculation », que recebi por

e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD no dia 29 de março

de 2007.

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Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de educação

0,03

0,050,06

00,010,020,030,040,050,06

1990 1995 2000

Pont

o

Gráfico 4.5: Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de educação8

Percebe-se que o Chile começou o período de estudo com um subíndice

de educação melhor que o da Venezuela, e aumentou sua vantagem. Entretanto,

nesse período, a Venezuela gastou mais do que o Chile em educação, como

mostra o gráfico 4.6. Por outro lado, o Chile manteve em constante aumento o

nível de prioridade dado à educação, demonstrado pela proporção do gasto

público total investida no setor. Já na Venezuela, esta medida teve altos e baixos;

o país começou investindo uma fatia maior do que o Chile, ampliou a diferença

entre 1990 e 1995, mas acabou ficando levemente atrás em 2000.

8 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do

PNUD no dia 29 de março de 2007.

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95

Gasto público em educação per capita

050

100150200250300

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

200

0)

Chile Venezuela

Gráfico 4.6: Chile e Venezuela, gasto público em educação per capita9

Gasto público em educação como porcentagem do gasto público total

05

101520

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Por c

ento

Chile Venezuela

Gráfico 4.7: Chile e Venezuela, gasto público em educação como porcentagem do gasto

público total10

Verifica-se no conjunto dos anos 90 um movimento de “catch up” do gasto

público chileno com educação em relação ao venezuelano, em decorrência

principalmente de uma tendência permanente de aumento do gasto neste setor no

Chile e de movimentos inconstantes nesse sentido na Venezuela. Não basta,

contudo, observar os gastos públicos em educação para entendermos as políticas

9 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 10 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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de ambos os países para o setor entre 1990 e 2000; é preciso verificar o que foi

feito neste âmbito.

Inicio a análise pelo Chile. Faz-se necessário olhar alguns anos antes de

1990, pois o sistema educacional do país foi profundamente modificado na década

anterior, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Em 1980, foi

publicado o decreto de reforma educacional do governo militar, que objetivava

uma diminuição da presença do Estado e um aumento da participação da iniciativa

privada no setor. Um aspecto fundamental desta política foi a descentralização e,

em abril de 1982, quase 85% das escolas públicas já haviam passado para o

controle das prefeituras (Gauri apud Taylor, 2003, p. 32). A segunda parte da

reforma mudava a maneira como o Estado relacionava-se com as escolas. O

dinheiro público passou a ser transferido para elas em função de seu número de

alunos, o que criou uma lógica de concorrência entre os estabelecimentos

educacionais. As escolas públicas que não conseguiram sobreviver atraindo

alunos nesse ambiente de mercado passaram a fechar as portas. Também foi

permitido que escolas privadas com fins lucrativos recebessem recursos públicos

por aluno. Além disso, as escolas que não recebem dinheiro do Estado e

dependem apenas da mensalidade, “que tradicionalmente absorveram 10% dos

estudantes, começaram a se expandir, pois os cortes na educação pública forçaram

mais pais a pensar em pôr seus filhos no sistema privado, que é melhor”11 (Idem,

p.33-34).

Durante o regime de Pinochet, o orçamento da educação foi cortado em

25% entre 1974 e 1976, subiu 90% entre esse último ano e 1979, mas voltou a cair

25% entre 1981 e 1990, o que “se refletiu diretamente na queda do valor do

subsídio por estudante pago pelo governo aos centros educacionais” (Idem, p.34).

A diminuição da verba foi ainda maior no caso do ensino universitário, no qual os

recursos caíram 40% também entre 1981 e 1990. A ditadura acabou com o

sistema de universidade gratuita e promoveu a criação de pequenas instituições de

ensino superior. De acordo com o analista Marcus Taylor, tudo isso fez com que a

qualidade do ensino caísse, principalmente para a faixa da população sem muito

dinheiro para destinar à educação.

11 Tradução livre do original em inglês.

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97

O ano de 1990, quando começa o período analisado nesta dissertação,

também foi o da transição da ditadura de Pinochet para a democracia no Chile.

Em todo o tempo aqui estudado, o país foi governado pela Concertación de

Partidos por la Democracia, uma abrangente coalizão de centro-esquerda. A

presidência foi exercida por Patrício Aylwin (1990-1994), Eduardo Frei (1994-

2000) e Ricardo Lagos (2000-2006). A estratégia básica da Concertación no setor

educacional foi manter a estrutura do sistema estabelecido por Pinochet, mas

aumentar de forma sustentada o investimento do governo no setor.

Segundo José Pablo Arellano, que ocupou diferentes cargos no governo

nos anos 90, a prioridade na educação foram os ensinos básico e médio.

O governo promoveu uma série de medidas no setor. Foi criado em 1991

(e modificado em 1995) o Estatuto da profissão docente, que estabeleceu regras

comuns de remuneração, bonificações e estabilidade, entre outras condições de

trabalho.

Iniciou-se em 1996 a implementação de uma reforma educacional, tendo

como pontos cruciais a) iniciativas para a renovação pedagógica, como a

continuação da descentralização e a criação de uma rede de escolas de ensino

médio especialmente fortes para alunos de destaque no ensino básico do sistema

subvencionado; b) programas para a formação permanente dos professores; c)

uma reforma curricular; d) o aumento do tempo que os alunos passam na escola, e

e) medidas para aumentar a verba da educação, como incentivos para o

financiamento da educação compartilhado entre o Estado e as famílias nas escolas

municipais subvencionadas, e benefícios tributários para empresas envolvidas na

educação (Corvalán, Palafox e Peruzzi, 2001, p. 128-129).

O caminho de descentralização implementado pelo Chile no começo dos

anos 80 foi empreendido pela Venezuela a partir do final daquela década. Ao

contrário do Chile e da maioria dos países da América Latina, a Venezuela vivia

em democracia desde 1958. Entre 1988 e 1989, começou a ser implementada, nos

governos de Jaime Lusinchi e Carlos Andrés Pérez, uma reforma do Estado

descentralizadora, inclusive na área da educação. Assim como no Chile, foram

adotadas iniciativas para aumentar a autonomia dos centros educacionais. Na

primeira etapa, o processo descentralizador incluiu apenas os níveis pré-escolar e

básico. Em 1996, a tendência ganhou novo impulso com o Programa de

Reorganização e Descentralização do Ministério da Educação. Dois anos mais

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98

tarde, os estados venezuelanos passam a preparar seus próprios currículos,

complementando o Currículo Básico Nacional. A despeito de todas essas

iniciativas, ao contrário da grande rapidez observada no Chile no começo dos

anos 80, na Venezuela o processo de descentralização adotado na década seguinte

aconteceu em ritmo muito lento. “Em 1999, embora todos os estados da

Venezuela tivessem feito algum acordo de co-investimento ou co-execução da

reforma educacional, apenas dois estados haviam cumprido o convênio definitivo

de transferência”12 de responsabilidades (Idem, p. 385). De acordo com relatório

da Unesco elaborado por Ana María Corvalán, Juan Carlos Palafox e Sonia

Peruzzi, as decisões sobre política educacional continuavam concentradas no

governo central no final do período enfocado por esta dissertação. Os autores do

documento avaliam que

“la descentralización de la educación venezolana puede tener importantes implicaciones para el mejoramiento de su calidad. La autonomía en las escuelas privadas les ha ayudado a establecer al alumno como enfoque principal de sus políticas. Ha facilitado la participación de la comunidad, dado que la autonomía exige un grupo de trabajo que dirija la institución. En contraste, las escuelas públicas actúan dentro de los vínculos establecidos por el Ministerio y los sindicatos, y en la práctica los directores tienen una libertad limitada para modificar la planta docente o para efectuar trámites administrativos como el contrato de sus propios maestros” (Ibid).

Em 1998, a Venezuela implementou o Projeto Educacional Nacional,

tendo como metas o fortalecimento da gestão escolar no nível local e o

desenvolvimento de um sistema de supervisão, controle e avaliação.

4.3.2. Saúde

Assim como no caso da educação, vale a pena começar esta análise

observando o desempenho dos dois países no subíndice de saúde (medida em

função da esperança de vida) em 1990, 1995 e 2000. Esta taxa também representa

um terço do IDH e vai de 0 a 1.

12 Tradução livre do original em espanhol.

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99

Subíndice de saúde no IDH

0,70

0,75

0,80

0,85

0,90

Pont

o

Chile 0,81 0,83 0,87Venezuela 0,76 0,78 0,79

1990 1995 2000

Gráfico 4.8: Chile e Venezuela, subíndice de saúde no IDH13

Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de saúde

0,040,05

0,07

0

0,02

0,04

0,06

0,08

1990 1995 2000

Pont

o

Gráfico 4.9: Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de saúde14

À semelhança do ocorrido com o subíndice utilizado pelo PNUD para medir

o desempenho dos países na educação, na taxa de saúde o Chile também começou

o período de estudo com vantagem em relação à Venezuela, e aumentou

consideravelmente a diferença. Passarei à análise dos gastos de cada governo no

13 Fonte: PNUD : Dados constam do documento « HDI trend calculation », que recebi por

e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD no dia 29 de março

de 2007. 14 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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100

setor de saúde, seguida pela observação das políticas de ambos para o setor nos

anos estudados.

O gráfico 4.10 demonstra que, ao contrário do observado no caso da

educação, em que a Venezuela gastou mais por habitante do que o Chile ao longo

de quase todo o período – sem que isso se refletisse nos resultados obtidos - no

caso da saúde o Chile reverteu no início da década a vantagem inicial

venezuelana. Além disto, no que tange à prioridade dada à saúde dentro do gasto

público total, o Chile ampliou consideravelmente sua dianteira inicial. De fato,

enquanto no Chile o gasto proporcional em saúde aumentou no transcurso do

período, na Venezuela ele caiu.

Gasto público em saúde por habitante

0

50

100

150

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

200

0)

Chile Venezuela

Gráfico 4.10: Chile e Venezuela, gasto público em saúde por habitante15

15 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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101

Gasto público em saúde com porcentagem do gasto público total

0

5

10

15

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Por c

ento

Chile Venezuela

Gráfico 4.11: Chile e Venezuela, gasto público em saúde como porcentagem do gasto

público total16

Novamente os gráficos revelam uma política de constante aumento do gasto

público, neste caso em saúde, e também da prioridade dada ao setor dentro do

gasto público no Chile, e uma política instável no caso da Venezuela.

No caso chileno, a trajetória da política de saúde é muito semelhante à da

educação. Mais uma vez é preciso voltar atrás do período enfocado para expô-la.

Até 1981, o país tinha um sistema de saúde pública tradicional, que normalmente

funcionava com menos recursos que o necessário, e outro privado. Naquele ano,

foi criado um novo modelo, no qual todos os trabalhadores passaram a pagar

obrigatoriamente 7% de sua renda como seguro de saúde. Porém, com a idéia de

“otimizar a escolha pessoal e aumentar o papel do setor privado”17, nas palavras

de Taylor, os contribuintes passaram a escolher entre pagar sua taxa ao sistema

público, o Fondo Nacional de Salud (Fonasa) ou a um dos planos privados, as

Instituciones de Salud Previsional (Isapre) (Taylor, Op. Cit).

O Fonasa recebe as contribuições dos que escolheram o sistema público e,

além disso, verbas do Estado. Os serviços das Isapres são vistos como de melhor

qualidade, mas para participar delas é preciso pagar o mínimo exigido, que varia

16 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 17 Tradução livre do original em inglês.

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102

em função de gênero e idade, como normalmente ocorre com planos de saúde

privados.

A partir de 1990, o governo da Concertación manteve o sistema

implantado em 1981. No entanto, aumentou consideravelmente a verba destinada

ao Fonasa, que estava sucateado, pois, naquele ano, o gasto público per capita

com saúde representava 34,5% do nível de 1974, logo após o começo da ditadura

(Torche apud idem, p. 37). Junte-se a isso ao fato de o sistema público receber as

contribuições das pessoas de menor renda, e o resultado foi uma sensível

deterioração dos serviços.

De acordo com a Pesquisa de Caracterização Sócio-Econômica (Casen),

em 1990 as Isapre atendiam a 15,1% da população. Porém, segundo dados citados

por Taylor, recebiam pouco menos de 57% das contribuições (Castiglioni apud

idem, p.38). Em 1996, após vários anos de forte crescimento econômico, os

planos de saúde privados haviam passado a atender a 24,9% da população. Em

2000, seguindo-se à diminuição do ritmo econômico nos anos anteriores, esse

número caíra para 20,8%. Coerentemente, segundo dados citados por Taylor,

entre o primeiro e o último ano do período estudado aumentou a proporção da

contribuição compulsória arrecadada pelo sistema privado, que chegou a dois

terços do total. Mesmo com o aumento da contribuição ao Fonasa durante a

década, as Isapre ainda controlavam 46% dos recursos da saúde no ano 2000 (Cid

Pedraza apud ibid). Segundo Arellano, a diferença entre o gasto por beneficiado

das Isapres e do sistema público caiu de 3,3 para 1,7 vez nos anos 90 (Arellano:

2004b p. 38).

Assim como o Chile implementou na saúde uma política semelhante à da

educação, privilegiando a descentralização e aumentando a participação privada a

partir dos anos 80, a Venezuela, também neste setor, seguiu os mesmos passos a

partir do final da década. Em 1989, o sistema de saúde pública venezuelano

apresentava grandes problemas de ineficácia, decorrentes do modelo formal

implementado no setor desde a redemocratização, em 1958. Este foi descrito pelas

analistas Maria T. Rincón e Isabel Rodríguez como “burocrático-populista”: um

modelo marcado por forte politização do setor e por graves problemas de

ineficácia.

Em 1990 começou um processo de descentralização, com os governadores

então recém-eleitos pedindo a transferência de responsabilidades na esfera da

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103

saúde, o que começou a acontecer em 1993. Este processo, porém, ocorreu sem

uma lei que estabelecesse parâmetros a serem seguidos pelos estados na

implementação das iniciativas do setor. Assim, cada governo estadual criou um

modelo de gestão diferente. Paralelamente a esse processo de descentralização, foi

adotada a estratégia Municípios Rumo à Saúde em 1994. A proposta foi nacional

e enfatizou a participação popular “a fim de estabelecer sistemas locais de saúde

autônomos para abordar os problemas identificados pela própria comunidade”18

(Rincón e Rodríguez, 2004, p. 521). Junto com a descentralização, observou-se

também um aumento da participação do capital privado nos serviços de saúde

venezuelanos nos anos 90.

“Con la descentralización se comenzó un proceso de ampliación y profundización de la privatización de los servicios públicos, al propio tiempo que variadas experiencias relacionadas con modelos de gestión se pusieron en marcha bajo diversas orientaciones pero que respondían, en casi todos los casos, a la urgente necesidad de buscar respuestas a los problemas que se fueron presentando, entre ellas, el déficit de recursos económicos, abriéndose espacio para la búsqueda de alternativas de fuentes de financiamiento” (Idem, p. 523).

Em 1999, com a chegada do presidente Hugo Chávez ao poder, sucedendo

Rafael Caldera19, a política do governo venezuelano para a saúde sofreu novas

mudanças, mas o caráter descentralizador adotado uma década antes foi mantido.

Por um lado, o Ministério da Saúde e Assistência Social, criado nos anos 30, foi

fundido com o Ministério da Família, dando origem ao Ministério da Saúde e do

Desenvolvimento Social. A nova pasta passou a ser responsável pela regulação,

formulação e acompanhamento das políticas e pela alocação dos recursos do

Sistema Público Nacional de Saúde, bem como por promover a participação da

população no setor. Por outro lado, em 2000, último ano do período analisado, foi

criado um sistema de “Atendimento Integral” em uma rede de ambulatórios com a

responsabilidade de fazer uma parte substantiva do trabalho no setor.

18 Tradução livre do original em espanhol. 19 Caldera foi eleito em dezembro de 1993 para suceder Pérez, afastado do poder em maio

daquele ano por suposta corrupção.

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104

4.3.3. Qualidade da atuação estatal

Após examinar as políticas públicas para a saúde e a educação levadas a

cabo por Chile e Venezuela no período de análise, falta enfocar a capacidade que

tinham os governos de implementar as medidas que se propuseram a adotar. O

que se quer observar é o bom funcionamento das instituições públicas,

minimizando o ruído entre a decisão das autoridades acerca de uma medida e os

efeitos reais desta. Trata-se, em última análise, do que se convencionou chamar de

“governança”. Evidentemente, constitui um fenômeno bastante difícil de analisar

com precisão. Embora intangível, é essencial para que as políticas públicas surtam

ou não o efeito desejado.

Para contornar o problema de como medir a eficácia da ação dos Estados

chileno e venezuelano, recorrerei a uma pesquisa organizada por D. Kaufmann, A.

Kraay e M. Mastruzzi, e publicada no site do Banco Mundial. Estes três analistas

reuniram respostas dadas por cidadãos comuns, empresários e especialistas a

diferentes institutos de pesquisa, centros de estudo e organizações não-

governamentais sobre seis “indicadores de governança”: prestação de contas,

estabilidade política/ausência de violência, eficácia do governo, qualidade

regulatória, Estado de direito e controle da corrupção. Os primeiros dados do

estudo referem-se a 1996: um ano depois do meio do período de análise nesta

dissertação. Não é, obviamente, a situação ideal, mas não chega a representar um

problema para sua utilização como referência de governança. Isto porque a

diferença, revelada pelos números, favorável ao Chile e contrária à Venezuela é

uma tendência clara demais para ter-se modificado de forma tão substancial entre

a primeira e a segunda metade da década passada a ponto de alterar a percepção

que interessa aqui.

Os anos incluídos na pesquisa e cujos dados reproduzo são 1996, 1998 e

2000. Para cada um deles, Chile e Venezuela receberam uma nota de -2,5 a 2,5

pontos, e outra correspondente em porcentagem. O quadro dos dois países é o

seguinte:

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105

CHILE

Indicador de

governança

Ano Nota

(-2,5 a + 2,5)

Nota em

porcentagem

(%)

Desvio

padrão

2000 0,47 59,9 0,23

1998 0,59 64,7 0,23

Prestação de

contas

1996 0,89 75 0,21

2000 0,66 68,4 0,24

1998 0,37 57,1 0,26

Estabilidade

política/Ausência

de violência 1996 0,52 59,9 0,29

2000 1,31 89 0,19

1998 1,31 87,6 0,26

Eficácia do

governo

1996 1,2 86,2 0,19

2000 1,19 88,2 0,32

1998 1,1 90,1 0,27

Qualidade

regulatória

1996 1,36 93,1 0,23

2000 1,23 87 0,15

1998 1,18 85,1 0,18

Estado de direito

1996 1,22 87,1 0,16

2000 1,5 91,7 0,17

1998 1,13 85,3 0,19

Controle da

corrupção

1996 1,4 89,8 0,2 Tabela 4.2: Chile, indicadores de governança20

20 Fonte: Banco Mundial. Disponível no site

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.

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106

VENEZUELA

Indicador de

governança

Ano Nota

(-2,5 a + 2,5)

Nota em

porcentagem

(%)

Desvio

padrão

2000 -0,24 41,1 0,24

1998 0,26 54,6 0,23

Prestação de

contas

1996 0 51 0,21

2000 -0,67 25,5 0,25

1998 -0,47 29,2 0,25

Estabilidade

política/Ausência

de violência 1996 -0,88 17,9 0,29

2000 -0,83 17,7 0,2

1998 -0,89 16,3 0,25

Eficácia do

governo

1996 -0,78 20,5 0,19

2000 -0,65 23,2 0,32

1998 0,08 46,3 0,27

Qualidade

regulatória

1996 -0,19 37,3 0,23

2000 -0,93 19,2 0,15

1998 -0,75 29,8 0,18

Estado de direito

1996 -0,72 28,7 0,16

2000 -0,71 28,4 0,18

1998 -0,84 17,6 0,19

Controle da

corrupção

1996 -0,76 24,9 0,2 Tabela 4.3: Venezuela, indicadores de governança21

Os gráficos 4.12 e 4.13, que reúnem a avaliação levando em conta a

porcentagem, demonstram a evolução de cada um dos países nos seis índices de

governança. A comparação entre eles também reflete a diferença entre a

capacidade que teve cada um dos dois Estados de pôr em prática suas políticas, de

acordo com as pesquisas cujos resultados foram agregados nestes dados.

21 Fonte: Banco Mundial. Disponível no site

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.

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107

Chile: Indicadores de governança

0

20

40

60

80

100

1996 1998 2000

Por c

ento

Prestação de contasEstabilidade políticaEficácia do governoQualidade regulatóriaEstado de direitoControle da corrupção

Gráfico 4.12: Chile, indicadores de governança22

Venezuela: indicadores de governança

0

20

40

60

80

100

1996 1998 2000

Por c

ento

Prestação de contasEstabilidade políticaEficácia do governoQualidade regulatóriaEstado de direitoControle da corrupção

Gráfico 4.13: Venezuela, indicadores de governança23

Os dados da pesquisa permitem ainda uma comparação para o período

1996-2000 por meio de uma média dos seis indicadores para cada um dos três

anos de referência. É o que faço nos gráficos 4.14 e 4.15.

22 Fonte: Banco Mundial. Disponível no site

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007. 23 Fonte: Banco Mundial. Disponível no site

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.

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108

Média das notas de governança (-2,5 a 2,5)

-1,00

-0,50

0,00

0,50

1,00

1,50

pont

os

Chile 1,10 0,95 1,06

Venezuela -0,56 -0,44 -0,67

1996 1998 2000

Gráfico 4.14: Chile e Venezuela, média das notas de governança24

Qualidade da governança

81,85 78,32 80,70

30,05 32,3 25,85

020406080

100

1996 1998 2000

Por c

ento

Chile Venezuela

Gráfico 4.15: Chile e Venezuela, qualidade da governança25

Na média de todas as categorias nos três anos, o Chile obteve uma nota de

1,04 ponto, ou 80,29%, contra -0,55 ponto ou 29,4% da Venezuela. Percebe-se

que não há necessidade de informação sobre a primeira metade da década, não

coberta pela pesquisa, para determinar que o Estado chileno teve uma capacidade

muito maior de atuação que o venezuelano. A diferença entre ambos – que é, na

média, de 1,59 ponto na escala de -2,5 a 2,5 ou de 50,89 pontos porcentuais –

24 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis no site do Banco Mundial :

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007. 25 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis no site do Banco Mundial :

http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.

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109

permite afirmar-se com tranqüilidade que é desprezível a possibilidade de a

Venezuela ter registrado uma qualidade de atuação estatal melhor do que a do

Chile entre 1990 e 1995. Observe-se que o Chile obteve uma avaliação melhor

que a Venezuela em todos os índices e em todos os três anos de referência.

4.4. A evolução da estrutura do bem-estar

A evolução do IDH, definido aqui como proxy da estrutura do bem-estar,

foi muito diferente no Chile e na Venezuela no período enfocado. O IDH chileno

relativo a 1990 era 1,75% maior que o venezuelano. Essa vantagem subiu para

3,11% na taxa referente a 1995 e para 4,32% na correspondente a 2000. Em outras

palavras, a diferença aumentou 82,21% entre 1990 e 1995, 41,53% entre 1995 e

2000 e astronômicos 157,89% considerando-se todo o período. Já apresentei no

capítulo 3 o gráfico com os IDHs de Chile e Venezuela nos três anos de

referência. O próximo revela a diferença entre as taxas em 1990, 1995 e 2000.

IDH: Diferença entre Chile e Venezuela

0,000

0,020

0,040

0,060

0,080

Pont

o

IDH: diferença entre Chilee Venezuela

0,027 0,049 0,070

1990 1995 2000

Gráfico 4.16: IDH, diferença entre Chile e Venezuela26

Mostrei na subseção anterior que a vantagem chilena aumentou tanto no

subíndice de educação como no de saúde. O mesmo aconteceu no relativo à renda,

que é calculado em função da riqueza per capita medida em dólares e em paridade

26 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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110

de poder de compra. Se em 1990 havia praticamente um empate neste quesito,

com vantagem de 0,004 ponto para o Chile, a superioridade chilena se ampliou

para 0,445 ponto em 1995 e para 0,788 ponto em 2000. É digno de nota que esse

subíndice chileno tenha aumentado consideravelmente menos na segunda metade

da década do que na primeira (0,02 contra 0,05 ponto). A expansão da vantagem

decorreu da queda do subíndice venezuelano entre 1995 e 2000.

No restante desta seção serão apresentadas separadamente as evoluções do

IDH de Chile e Venezuela. O objetivo é, adiante, observar o desempenho de cada

país como conseqüência da atuação estatal – levando em conta políticas adotadas,

dinheiro destinado a elas e qualidade da ação governamental – em um ambiente

marcado pela grande ascendência da estrutura do comércio e, por conseguinte, por

altos níveis de arrecadação de impostos com o comércio.

Começo pelo caso chileno. O gráfico 4.17 expõe a contribuição de cada

um dos três subíndices para a alta. Ele mostra que, em todo o período (coluna à

direita), o subíndice de renda foi o que mais subiu (correspondendo a 43,55% da

alta total), seguido do de saúde (35,29%), com o de educação no fim da fila

(21,16%). Porém, dividindo a década em duas partes, a renda puxou a alta do IDH

em 1990-1995, mas ficou em último lugar em 1995-2000, pouco atrás da

educação, que passou de ser responsável por 14,47% a responder por 29,15% do

aumento total. Já o subíndice de saúde, que na primeira metade do período

contribuiu com 29,20% da expansão, na segunda o fez com 42,57%.

O gráfico 4.18 confirma as mesmas tendências, porém mostrando a

expansão de cada um dos subíndices, assim como do índice geral, em relação a

seu próprio valor anterior.

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111

Participação de cada subíndice na variação do IDH chileno

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

renda 56,33 28,28 43,55

saúde 29,20 42,57 35,29

educação 14,47 29,15 21,16

1990-1995 1995-2000 1990-2000

Gráfico 4.17: Participação de cada subíndice na variação do IDH chileno27

Chile: variação dos subíndices e do IDH

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

Por c

ento

educação 1,55 2,57 4,16

saúde 3,34 3,94 7,42

renda 7,48 2,93 10,63

IDH 3,90 3,14 7,17

1990-1995 1995-2000 1990-2000

Gráfico 4.18: Chile, variação dos subíndices e do IDH28

27 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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112

A trajetória do IDH venezuelano é bem diferente. Ao contrário do que

ocorreu no Chile - onde os três indicadores subiram tanto no período 1990-1995

como no 1995-2000 (e, logo, no 1990-2000) -, na Venezuela houve quedas no

subíndice de educação na primeira metade da década (0,18%) e no de renda na

segunda (1,78%). No final do período, o subíndice de renda também registrou um

valor 0,14% inferior ao de 1990. Isso fez com que aumentos pequenos em

números absolutos nas outras taxas correspondessem a grandes frações do total da

variação do IDH do país. As variações porcentuais dos subíndices em relação a si

próprios, porém, são modestas, quando não negativas. Os gráficos referentes à

Venezuela ilustram essa situação.

Participação de cada subíndice na variação do IDH venezuelano

-40%

-20%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

renda 45,51 -79,61 -2,30

saúde 60,22 79,67 67,65

educação -5,73 99,94 34,65

1990-1995 1995-2000 1990-2000

Gráfico 4.19: Participação de cada subíndice na variação do IDH venezuelano29

28 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007. 29 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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113

Venezuela: variação dos subíndices e do IDH

-3,00

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

Por c

ento

educação -0,18 1,90 1,72

saúde 2,01 1,61 3,65

renda 1,68 -1,78 -0,14

IDH 1,11 0,68 1,80

1990-1995 1995-2000 1990-2000

Gráfico 4.20: Venezuela, variação dos subíndices e do IDH30

4.5. Observações sobre os dados empíricos

Defini a proporção do PIB correspondente ao fluxo comercial como a

tradução numérica da estrutura do comércio. Afirmei que, como todas as

estruturas que formam o poder estrutural de um país estão em permanente contato

umas com as outras, naqueles onde a estrutura do comércio tiver um peso

particularmente importante, ela exercerá grande influência sobre as outras.

Acrescentei que, no caso da estrutura nacional do bem-estar, a forma como esse

impacto acontece reflete primordialmente a atuação do Estado, que, assim sendo,

defini como variável interveniente.

A atuação de uma estrutura do comércio influente pode fortalecer muito a

estrutura do bem-estar, caso o governo implemente políticas que o favoreçam e

sua atuação seja eficaz. É preciso admitir que o comércio internacional também

pode atuar diretamente sobre o bem-estar interno via influência sobre as

30 Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend

calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano

do PNUD no dia 29 de março de 2007.

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114

oportunidades de trabalho e de remuneração. Entretanto, isto não deve ser motivo

de preocupação nesta análise, pois, como visto no capítulo 3, as economias de

Chile e Venezuela têm perfis semelhantes que minimizam a possibilidade de que

diferenças neste ponto expliquem as variações observadas na variável dependente.

Com isso, voltamos à atuação estatal. Apontei que o Estado é capaz de

exercer o papel de variável interveniente entre uma estrutura do comércio forte e a

estrutura do bem-estar em função da arrecadação de impostos. Por um lado, é

certo que a arrecadação tributária diretamente com o comércio não esgota a

atuação deste como fonte de entradas para o governo – pois ele gera

externalidades e ativa outros setores da economia. Mas por outro lado, não é

menos verdade que maiores proporções de fluxo comercial/PIB e arrecadação

C&TI/PIB indicam justamente uma maior participação do comércio no conjunto

da economia e, portanto, uma fatia maior de contribuição para a arrecadação geral.

Os gráficos abaixo demonstram a forte ligação que existe entre a variação do PIB

dos dois países e de suas arrecadações com comércio e transações internacionais.

Chile: variação do PIB e arrecadação C&TI

-202468

101214

19911992 199319941995 199619971998 19992000

Por c

ento

(bas

e: U

S$

a pr

eços

con

stan

tes

de 2

000)

800

1000

1200

1400

1600

1800US

$ m

ilhõe

s (a

pre

ços

cons

tant

es d

e 20

00)

PIB, variação anual Arrecadação C&TI

Gráfico 4.21: Chile, variação do PIB e arrecadação C&TI31

31 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco

Central do Chile disponíveis no site

http://si2.bcentral.cl/Basededatoseconomicos/951_455.asp?f=A&s=IPC-Vr%25M-12m (acesso em

20 de maio de 2007).

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115

Venezuela: variação do PIB e arrecadação C&TI

-10

-5

0

5

10

15

1991199219931994199519961997199819992000

Por c

ento

: (ba

se: U

S$

a pr

eços

con

stan

tes

de 2

000)

800

1300

1800

2300

2800

US$

milh

ões

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Variação do PIB Arrecadação C&TI

Gráfico 4.22: Venezuela, variação do PIB e arrecadação C&TI32

Fica patente que a grande influência da estrutura do comércio torna as

trocas comerciais uma fonte primordial de receita, que pode ou não ser

aproveitada pelo governo para fortalecer a estrutura do bem-estar. Aqui reside um

dos motivos fundamentais da diferença de desempenho entre Chile e Venezuela.

Vimos que os dois países viveram bons momentos econômicos no início da

década, e anos de menor crescimento na segunda metade, período marcado, no

contexto internacional, pelas crises do Sudeste Asiático, da Rússia e do Brasil.

Recuperaram-se no último ano do período analisado. À expansão econômica do

começo da década correspondeu uma elevação do subíndice de renda dentro do

IDH entre 1990 e 1995, que foi de 7,48% no caso chileno e de 1,68% no

venezuelano.

Vimos que o Chile manteve, durante todo o período, um investimento

crescente por habitante tanto em educação como em saúde. Na verdade, o

investimento até aumentou nos últimos anos do período 1990-2000, em uma

conjuntura econômica menos favorável, o que indica a adoção de uma política

anticíclica no que diz respeito a investimentos sociais. Entretanto, dificilmente um

32 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco

Central da Venezuela disponíveis no site http://www.bcv.org.ve/excel/4_1_14.xls?id=87 (acesso

em 20 de maio de 2007).

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116

gasto público nos setores de saúde e educação repercutirá imediatamente nos

critérios avaliados pelo PNUD no IDH, além da renda: longevidade (saúde) e

matrículas e analfabetismo (educação). Pode-se afirmar com relativa tranqüilidade

que a melhora no desempenho chileno nesses setores na segunda metade da

década deve-se em grande parte às políticas adotadas na primeira. Ao contrário

do Chile, a Venezuela não aproveitou os ganhos do comércio exterior para

sustentar um aumento permanente dos gastos nesses setores.

Constatamos que, no caso chileno, a desaceleração da elevação do

subíndice de renda foi acompanhada por um expressivo aumento da velocidade de

crescimento dos subíndices de educação e, principalmente, de saúde. No caso

venezuelano, o subíndice de renda passou de crescimento em 1990-1995 a queda

em 1995-2000. Paralelamente o índice de educação passou de leve baixa a

elevação, mas a subida da taxa de saúde foi desacelerada.

A comparação entre os gráficos 4.23 e 4.24 evidencia a diferença entre os

comportamentos dos dois governos.

Chile: arrecadação C&TI e gasto público em saúde e em educação por habitante

0

50

100

150

200

250

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000U

S$ (a

pre

ços

cons

tant

es

de 2

000)

ArrecadaçãoC&TI porhabitanteGasto públicoem educaçãopor habitanteGasto públicoem saúde porhabitante

Gráfico 4.23: Chile, arrecadação C&TI e gasto público em saúde e em educação por

habitante33

33 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco

Central do Chile disponíveis no site

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117

Venezuela: arrecadação C&TI e gasto público em educação e em saúde por habitante

0

50

100

150

200

250

1990

1992

1994

1996

1998

2000U

S$ (a

pre

ços

cons

tant

es

de 2

000)

ArrecadaçãoC&TI porhabitanteGasto públicoem educaçãopor habitanteGasto públicoem saúde porhabitante

Gráfico 4.24: Venezuela, arrecadação C&TI e gasto público em saúde e em educação

por habitante 34

Observamos nos últimos gráficos que: 1) o PIB e a arrecadação C&TI

seguiram, na maior parte do intervalo, a mesma tendência tanto no Chile como na

Venezuela, e 2) o Chile adotou uma política anticíclica, na qual a verba destinada

à saúde e à educação foi aumentada de forma constante, ao contrário da

Venezuela, onde não houve uma tendência constante, e sim uma forte semelhança

entre as curvas de gastos públicos nesses setores e da arrecadação C&TI. Não é de

surpreender, portanto, que os gráficos que mostram a variação do PIB por

habitante, de um lado, e dos gastos públicos por habitante em saúde e educação,

de outro, confirmem os diferentes comportamentos dos governos do Chile e da

Venezuela.

http://si2.bcentral.cl/Basededatoseconomicos/951_455.asp?f=A&s=IPC-Vr%25M-12m (acesso em

20 de maio de 2007). 34 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp (acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI

disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/ (acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco

Central da Venezuela disponíveis no site http://www.bcv.org.ve/excel/4_1_14.xls?id=87 (acesso

em 20 de maio de 2007).

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118

Chile: variação do PIB e gasto público em educação por habitante

-5

0

5

10

15

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Por c

ento

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00)

0

50

100

150

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de

2000

)

Variação do PIB por habitanteGasto público em educação por habitante

Gráfico 4.25: Chile, variação do PIB e gasto público em educação por habitante35

Venezuela: variação do PIB e gasto público em educação por habitante

-10

-5

0

5

10

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000Po

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(bas

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S$ a

pr

eços

co

nsta

ntes

de

2000

)

050100150200250300

US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)Variação do PIB por habitanteGasto público em educação por habitante

Gráfico 4.26: Venezuela, variação do PIB e gasto público em educação por habitante 36

35 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 36 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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119

Chile: variação do PIB e gasto público em saúde por habitante

-5

0

5

10

15

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Por c

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2000

)

0

50

100

150

US$

(a p

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s co

nsta

ntes

de

2000

)

Variação do PIB por habitante Gasto público em saúde por habitante

Gráfico 4.27: Chile, variação do PIB e gasto público em saúde por habitante 37

Venezuela: variação do PIB e gasto público em saúde por habitante

-10

-5

0

5

10

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Por c

ento

(bas

e:

US$

a pr

eços

co

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de

2000

)

0

20

40

60

80

100

120

US$

(a p

reço

s co

nsta

ntes

de

2000

)

Variação do PIB por habitante Gasto público em saúde por habitante

Gráfico 4.28: Venezuela, variação do PIB e gasto público em saúde por habitante 38

Em que pese a tendência apontada por estes gráficos, não é possível

afirmar que o melhor desempenho do Chile deveu-se apenas a uma verba mais

volumosa dedicada aos dois setores, principalmente porque constatei que, no caso

da educação, a Venezuela gastou mais por habitante no decorrer do período. É

37 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007. 38 Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site

http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de

março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.

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120

preciso levar em conta também a possibilidade de as políticas aplicadas pelo Chile

terem sido melhores do que as implementadas pela Venezuela, e de que a melhor

qualidade da governança chilena tenha influenciado o comportamento dos

indicadores.

Diante da breve exposição acima das políticas públicas direcionadas à

saúde e à educação, contudo, parece bastante improvável que os tipos de medidas

adotados tenham, por si sós, provocado a crescente diferença entre ambos os

países nos dois subíndices. Isto basicamente porque a orientação geral das

medidas de Chile e Venezuela para os dois setores foi a mesma: promover a

descentralização e a participação da iniciativa privada. A principal diferença foi

uma flexibilidade maior do governo chileno em permitir a participação privada,

inclusive em detrimento da arrecadação estatal, no caso das prestações de planos

de saúde, e em expor o setor público à lógica da concorrência. Porém a iniciativa

privada também participou da saúde e da educação na Venezuela ao entrar em

cena para suprir as deficiências do serviço público. Houve, certamente, elementos

dessemelhantes, mas nada que tornasse os centros das políticas públicas dos dois

países para saúde e educação muito divergentes no período.

Outro argumento seria que o Chile começou a implementar essas políticas

uma década antes do início do intervalo estudado, ao passo que a Venezuela o fez

na virada dos anos 80 para os 90. Desta forma, caso o modelo descentralizador

seja considerado bem-sucedido em ambos os países, o Chile poderia ter colhido

muito mais benefícios, o que explicaria seu melhor desempenho. De fato, admiti

que os efeitos das políticas públicas para saúde e educação provavelmente se

refletem no índice algum tempo depois de começarem a ser implementadas. Mas

há razões fortes para rejeitar a hipótese de uma vantagem chilena decorrente da

adoção do mesmo modelo de políticas públicas dez anos antes.

Embora uma década seja tempo suficiente para tais medidas surtirem

algum efeito, observamos que a vantagem do Chile sobre a Venezuela era

relativamente reduzida nos subíndices de educação e saúde em 1990. Já em 2000,

quando as políticas venezuelanas também deveriam estar surtindo o efeito

desejado, o país não registrava grandes melhoras e a diferença em relação ao

Chile aumentara bastante.

Assim, o melhor desempenho chileno, para além do gasto público, não

pode nem ser explicado pelo fato de o país ter adotado um modelo muito diferente

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do venezuelano em saúde e educação, nem pelo de tê-lo implementado antes.

Persiste o fato de que a Venezuela gastou mais do que o Chile em educação

durante quase toda a década, e mesmo assim viu aumentar a diferença contrária a

ela neste subíndice no período.

Por um lado, deve-se admitir que a constância do governo chileno em

transferir cada vez mais os ganhos com o comércio para o setor social, inclusive

em períodos de arrefecimento econômico, explica grande parte do aumento do

IDH do país. Porém, vista a grande diferença entre a qualidade da ação

governamental – avaliada nos seis índices de governança – no Chile e na

Venezuela, é impossível não considerar que, além de o governo chileno ter

mostrado maior compromisso em funcionar como cadeia de transmissão entre a

estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar, suas ações tenham sido

consideravelmente mais eficazes que as do venezuelano. Com um nível de

governança tão baixo como o registrado na Venezuela, certamente as tentativas do

governo de transferir ganhos do comércio exterior para o bem-estar interno

esbarraram em problemas como corrupção, procedimentos pouco claros e marco

regulatório fraco. A situação inversa foi observada no Chile, onde os índices de

boa governança foram bastante altos. Em última análise, a fraca capacidade de

ação do governo venezuelano também pode ser apontada como responsável pela

demora do país em implementar a planejada descentralização.

Conclui-se que, no Chile, a atuação do Estado funcionou muito melhor do

que na Venezuela como variável interveniente para fazer com que a ascendência

da estrutura do comércio se transformasse em um fortalecimento da estrutura do

bem-estar. O fenômeno se deveu tanto aos aumentos permanentes dos gastos em

saúde e educação no primeiro e à falta de constância da segunda nestas áreas

como ao melhor funcionamento do Estado chileno. Menos importância para

explicar a diferença tiveram os tipos de medidas adotadas nos dois países, pois

estes foram bastante parecidos.

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5 Considerações finais

A pesquisa desta dissertação foi uma tentativa de entender como o comércio

internacional se reflete no bem-estar de países individuais. Nesse sentido, seu

desenho assemelha-se ao proposto por Keohane e Milner na coletânea

Internationalization and Domestic Politics. Os autores, entretanto, estudam os

efeitos da “internacionalização” - que descrevem como um fenômeno “que

envolve uma redução exógena nos custos das transações internacionais”1 - sobre a

política doméstica dos países (Keohane e Milner, 1996b, p. 4). Aqui, foram

estudados os efeitos do que Keohane e Milner poderiam identificar como uma

expressão da “internacionalização” - a grande participação de países no comércio

internacional – sobre seu bem-estar interno.

O primeiro passo para tanto foi procurar um marco teórico de economia

política internacional que alicerçasse e orientasse a realização da pesquisa

empírica. Com este fim, analisei as origens da EPI como subárea das relações

internacionais, o que me levou a duas discussões. A primeira girou em torno da

própria definição de EPI. Intimamente ligada a este debate, a segunda foi sobre os

assuntos que a subárea deve abordar. Comparei as propostas de dois dos mais

importantes autores de EPI, Robert Gilpin e Susan Strange, e expressei minha

preferência pelo marco teórico elaborado pela segunda.

Se Gilpin vê a EPI como o estudo da interação entre o mercado, definido

como encarnação da economia, e o Estado, visto como a encarnação da política,

Strange acrescenta um terceiro elemento. Além de arranjos econômicos e

políticos, fala em arranjos sociais. Isto permite ampliar a definição da subárea

para a política além do Estado e incluir fatores que, embora fundamentais para ela,

não são exclusivamente nem políticos nem determinados pela alocação eficaz de

recursos. A autora vê quatro valores básicos comuns a todas as sociedades:

segurança, riqueza, liberdade de escolha e justiça. A EPI refere-se, então, aos

1 Tradução livre do original em inglês.

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arranjos econômicos, políticos e sociais que influenciam os sistemas de produção,

troca e distribuição, e a combinação de valores neles refletida. Nessa perspectiva,

torna-se fundamental estudar a forma como esses valores são organizados, o que

para Strange é uma questão de poder. No lugar do “poder relacional”, pelo qual

“A” obriga “B” a fazer algo por meio do exercício do poder, a autora propõe o

estudo do “poder estrutural”. Nesta análise, o poder é visto como organizado em

diferentes estruturas que atuam em conjunto.

A partir deste ponto, expus divergências com a proposta de Strange.

Segundo a autora, existem quatro estruturas primárias, e pelo menos quatro

secundárias, que atuariam em função da relação entre as primeiras. Apontei que

esta hierarquia nem sempre corresponde à realidade, pois estruturas que, de

acordo com Strange, são secundárias podem ter profunda influência sobre as

“primárias”. Não há, argumentei, uma hierarquia obrigatória entre as estruturas

de poder na EPI. Todas elas se influenciam mutuamente, mas a ascendência que

cada uma terá sobre as outras depende de sua importância – ou, dito de outra

forma, seu peso - dentro de cada sociedade.

Outro importante questionamento que fiz ao trabalho de Strange radicou

no fato de ela estudar em seu livro States and Markets apenas estruturas “globais”,

embora admita que o poder nelas estruturado é utilizado para a organização dos

valores básicos de todas as organizações sociais. Afirmei que, sendo assim, as

estruturas nacionais não poderiam ser ignoradas na EPI. Sua existência é definida

pela presença jurídica dos Estados nacionais, que são atores cruciais das estruturas

globais. A constatação da importância da presença dos Estados para o contexto

internacional, e de sua capacidade de influenciar estruturas nacionais e globais

com suas políticas, evidencia que o estudo da economia política internacional

apoiado na análise do poder estrutural precisa levar em conta também as

estruturas nacionais.

Caracterizei o estudo dos efeitos do comércio exterior sobre o bem-estar

interno como sendo o da influência da estrutura nacional do comércio sobre a do

bem-estar. A primeira é “nacional” porque, embora se refira ao comércio exterior,

reflete o envolvimento de cada nação com as trocas comerciais. Para medir o peso

dessas duas estruturas, defini uma tradução numérica – ou proxy – para cada uma

delas. Assim, o fluxo comercial como proporção do PIB foi utilizado para retratar

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a estrutura do comércio. Para caracterizar a estrutura do bem-estar, lancei mão do

IDH, criado a partir da abordagem do desenvolvimento humano.

Visitei as idéias sobre os efeitos do comércio internacional expostas pelos

principais autores das duas mais importantes tradições teóricas sobre o assunto: a

liberal e a intervencionista. Concluí que nenhuma delas oferecia um arcabouço

satisfatório para esta pesquisa, pois seu debate concentrava-se em argumentos

favoráveis ou contrários à abertura, quando aqui a idéia era partir de situações

marcadas pela grande influência do comércio para analisar por que em um caso a

estrutura do bem-estar teve uma grande evolução e em outro o mesmo não

ocorreu.

A realização da pesquisa empírica com dois países requeria estudos de caso

em que a variável independente fosse uma estrutura do comércio forte (alta

relação fluxo comercial/PIB) em ambos, e que estes ainda compartilhassem uma

série de características – para aproximar o máximo possível a situação estudada de

uma condição ceteris paribus. Já a variável dependente seria a estrutura do bem-

estar (IDH), e deveria ter registrado um comportamento divergente. Expus que a

variável interveniente entre ambas cuja atuação explicaria a diferença entre os

resultados seria a atuação dos Estados por meio da adoção de políticas públicas e

de sua capacidade de fazê-lo de uma forma eficaz. A intervenção estatal entre a

estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar é viabilizada, afirmei, devido à

particular importância das trocas comerciais para a arrecadação de impostos,

crucial para que o governo tenha dinheiro para aplicar em suas políticas públicas.

Os países selecionados para estudo foram Chile e Venezuela.

Na pesquisa empírica, verifiquei que, embora a arrecadação de impostos

com o comércio e as transações internacionais tenha sido particularmente alta nos

dois países analisados, a situação foi utilizada de formas diferentes em relação à

saúde e à educação em cada um deles. Em ambas as nações, as políticas de saúde

e educação tiveram traços gerais bastante semelhantes no período, com o

incentivo da descentralização e da participação do capital privado. No Chile,

porém, foi adotada uma política de constante aumento dos investimentos nesses

dois setores. Isto foi permitido em grande medida pelo comércio, que

correspondeu a uma considerável fração do PIB. Tal estratégica significa que o

país adotou uma política anticíclica, na qual os ganhos com comércio continuaram

reforçando a estrutura do bem-estar mesmo quando, por força das circunstâncias,

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esses ganhos sofreram uma redução. Na Venezuela isto não se observou. Em

linhas gerais, os investimentos em saúde e educação seguiram a mesma tendência

que a disponibilidade de recursos a partir da arrecadação alavancada pelo

comércio. Em outras palavras, não foi ativado um mecanismo de intervenção

estatal para transformar os ganhos com o comércio em uma tendência de ganhos

no bem-estar. Para completar, o Estado chileno teve eficácia bem superior à do

venezuelano.

O resultado fica patente na evolução dos IDHs dos dois países no período

analisado. O aumento do subíndice da renda arrefeceu no Chile, e a taxa chegou a

cair na Venezuela na segunda metade da década. No caso do primeiro, contudo, os

subíndices de saúde e educação cresceram com mais vigor do que entre 1990 e

1995, ao passo que, na segunda, o subíndice da educação elevou-se mais (vinha de

contração na primeira metade), enquanto o aumento do subíndice da saúde se

desacelerou.

É importante, contudo, fazer uma ressalva. A maior parte (58,3%) do

aumento da vantagem do IDH chileno sobre o venezuelano entre 1990 e 2000 foi

referente ao subíndice da renda. Os subíndices de saúde e educação responderam

por frações menores da ampliação da vantagem chilena (24,9% e 16,8%). Como é

evidente, a parte do aumento da vantagem chilena correspondente ao subíndice da

renda por habitante, de acordo com a paridade do poder de compra – utilizada

pelo PNUD no cálculo do IDH – não pode ser atribuída diretamente à intervenção

estatal para transformar ganhos com comércio em ganhos com bem-estar.

Mesmo levando isto em conta, persistem dois fatos fundamentais para a

pesquisa proposta. O primeiro é que, no Chile, os subíndices de saúde e de

educação passaram a crescer mais quando a elevação do subíndice da renda se

desacelerou, enquanto na Venezuela isto não aconteceu - apenas o da educação

subiu mais entre 1995 e 2000 do que entre 1990 e 1995, quando, na realidade,

caíra. O segundo fato é que, embora o subíndice da renda tenha sido aquele em

que a vantagem chilena mais cresceu, um aumento de 41,7% na vantagem dos

subíndices de saúde e educação, juntos, é bastante considerável em um período de

onze anos. Como vimos, esta ampliação reflete com bastante clareza a diferença

na atuação estatal (variável interveniente) em cada caso.

Feito este esclarecimento, a pesquisa, então, confirmou a hipótese que

propus para responder à pergunta colocada na introdução: foi, de fato, a

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intervenção do Estado por meio da adoção de políticas públicas de forma eficaz

que explicou em grande medida por que no Chile os ganhos com o comércio

traduziram-se positivamente no bem-estar. Já na Venezuela, foi a falta de uma

política clara de transformação de ganhos com o comércio em ganhos com o bem-

estar, aliada a graves problemas de governança, que fizeram com que isso não

ocorresse no mesmo nível. Constatou-se aqui que nem sempre a riqueza gerada

pelo comércio é transformada em bem-estar. Ao contrário do que indicaria a

tradição liberal, não houve, nos casos analisados, um reflexo automático da

abertura econômica em termos de melhoras de bem-estar. Foi necessária a atuação

do Estado como cadeia de transmissão.

Se o estudo indica problemas na visão liberal, a tradição intervencionista

nas teorias do comércio também não oferece as respostas necessárias. A maioria

dos autores analisados sob o guarda-chuva “nacionalista” – com a grande exceção

de Keynes, que, em relação ao comércio, é bastante liberal– alerta para os graves

problemas que poderiam decorrer da abertura. Particularmente, muitos apontaram

que a dinâmica do comércio tenderia sempre a favorecer mais os países mais

ricos. Nesta dissertação não foi possível comparar os efeitos de uma estrutura do

comércio forte sobre a estrutura do bem-estar em diferentes países desenvolvidos

– pela razão óbvia de que os dois estudos de caso foram nações em

desenvolvimento. Porém, a pesquisa mostrou que os efeitos da abertura para o

bem-estar podem ser muito diferentes mesmo em situações semelhantes de

exposição ao comércio. Assim, ao menos se a preocupação do analista for pensar

a relação entre comércio e bem-estar, é preciso ir além dos debates centrados no

nível de políticas para o comércio.

Afirmei na introdução, citando Susan Strange, que a intenção desta

dissertação era fazer uma “escavação exploratória” em um terreno em grande

medida desconhecido em nossa disciplina. Para isso, pude contar principalmente

com a grande contribuição do marco teórico desenvolvido pela própria Strange, e

também com o apoio inspirador dos estudos sobre efeitos internos da participação

na economia global feitos por autores como Keohane e Milner, e lembrados por

Gilpin em sua definição dos assuntos da EPI.

Esta “escavação”, porém, não está livre de limitações, das quais indicarei

quatro. As duas primeiras concentram-se do lado da estrutura do comércio, e a

terceira, do da estrutura do bem-estar. A quarta refere-se à seara teórica.

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Optei por estudar países não apenas abertos ao comércio, mas que também

compartilhassem uma série de outras características. Estou convencido de que foi

uma decisão correta, pois minimizou as inevitáveis diferenças entre duas

sociedades quaisquer. Porém, o efeito do comércio sobre o bem-estar seria o

mesmo, ou requereria da mesma forma a intervenção estatal em países

desenvolvidos? Os resultados encontrados seriam semelhantes se um fosse grande

exportador de matérias-primas, como Chile e Venezuela, e o outro, de produtos de

alta tecnologia? O que aconteceria se um dos países fosse muito maior do que o

outro? Podemos pensar sobre uma série de diferenças entre duas nações que

fossem abertas ao comércio, e cogitar sobre o que aconteceria se uma pesquisa

similar a esta fosse realizada com elas. Isto requereria o desenvolvimento de outra

metodologia, é claro. Acredito que o grau de indeterminação seria elevado, pois

sem o controle que foi feito aqui para uma série de fatores, seria difícil afirmar

que os aspectos diferentes não controlados não teriam grande influência sobre o

resultado. Entretanto, é preciso admitir que a pesquisa feita deixa sem resposta

especulações deste tipo.

Existe ainda outro ponto importante relativo à estrutura do comércio. O que

aconteceria se ambos os países fossem abertos ao comércio e tivessem um perfil

semelhante entre si, mas diferente do que têm Chile e Venezuela? Se em vez de

serem grandes exportadores de matérias-primas e compradores de produtos

industriais, seu perfil fosse o inverso? Isto mudaria algo? A influência da estrutura

do comércio sobre a estrutura do bem-estar se daria da mesma forma? Requereria

igualmente a intervenção estatal para transmitir os ganhos no comércio para o

bem-estar? Aqui tampouco é possível fazer afirmações categóricas com base na

pesquisa realizada.

A terceira grande limitação radica em um questionamento relativo ao bem-

estar. Este foi definido como passível de alocação; logo, pode não apenas ser mais

ou menos intensificado em um país – ou até mesmo diminuir, pode também variar

fortemente dentro do país. O IDH nacional, porém, é um proxy que oferece uma

média da estrutura do bem-estar em todo o país. Mas, na prática, o bem-estar não

é igualmente distribuído por países ou cidades. A atuação do Estado com certeza

pode minimizar a diferença entre o bem-estar das diversas zonas de cada país, por

exemplo, utilizando impostos arrecadados com as exportações de uma região mais

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rica para investir em saúde em uma mais pobre. Este aspecto, porém, também não

entrou nesta pesquisa.

É importante notar que, assim como o PIB per capita é um índice que

mostra a riqueza média dos habitantes de um país, mas não a desigualdade entre

eles, o IDH indica o bem-estar médio, mas não a diferença entre o bem-estar dos

que estão em melhores condições e o daqueles que não usufruem delas. Para

avaliar a desigualdade de renda dentro de uma sociedade, existe o coeficiente

Gini, que mostra a amplitude da diferença entre a renda dos mais ricos e a dos

mais pobres. Não é de uso geral, entretanto, um “Gini do IDH”, que mostre a

concentração do bem-estar em uma sociedade. Seria viável chegar a ele, pois o

coeficiente elaborado por Conrado Gini é uma medida de concentração em

diversos fatores, não exclusivamente de concentração de renda2. Parece lógico que

um retrato ainda mais completo da estrutura do bem-estar deveria levar em conta

essa questão distributiva.

Uma estrutura do bem-estar que incluísse tal medida de concentração, ou

pelo menos uma medida de distribuição do bem-estar, representaria um bom passo

para responder a algumas das que Strange chamou de “velhas questões de todas as

análises políticas”3 (Strange, 1988, p.18). Fundamentalmente, ajudaria a

identificar quem ganha e quem perde com os processos sociais.

Chego assim ao quarto ponto, que não é, na realidade, uma limitação

específica desta pesquisa, e sim uma indicação de caminho que pode ser seguido

em futuros trabalhos teóricos de EPI. Como antecipei, não era minha intenção

desenvolver uma nova teoria ou descobrir verdades empíricas que fossem

aplicáveis a uma grande quantidade de casos. Porém, o fenômeno exposto na

pesquisa empírica abre as portas para novas propostas teóricas. O que leva alguns

Estados a adotarem medidas e terem formas de funcionamentos que os tornam

melhores do que outros, em condições análogas, como cadeia de transmissão entre

comércio e bem-estar? Trata-se de uma questão importante para as discussões

acerca da globalização, um terreno crucial de debates na EPI contemporânea.

2 Certamente, porém, o cálculo de um “Gini do IDH” é uma tarefa com a qual os

estatísticos se sentiriam muito mais à vontade do que os acadêmicos das relações internacionais. 3 Tradução livre do original em inglês.

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André de Mello e Souza afirma que “uma concepção teórica mais elaborada do

Estado é necessária”4 (De Mello e Souza, 2000, p. 18).

Já existem alguns movimentos nesse sentido. Um caminho interessante é o

proposto por Peter Evans, que estuda no livro “Embedded Autonomy” o papel das

burocracias estatais nos anos 70 e 80 em diferentes países. Chega à conclusão de

que, em algumas nações, como o antigo Zaire (atual República Democrática do

Congo), a atuação estatal foi “predatória”; outros, como o Brasil e a Índia, foram

casos intermediários, nos quais o Estado às vezes ajudou e às vezes dificultou o

desenvolvimento. Já em outros, como o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan, o Estado

foi forte promotor do desenvolvimento. De acordo com Evans, isso aconteceu

porque as burocracias governamentais conseguiram “restringir as intervenções às

necessidades estratégicas de um projeto transformativo” e “impor forças de

mercado de forma selecionada”5 (Evans apud idem, p. 15).

De Mello e Souza destaca a contribuição de Evans e de outros autores

associados ao modelo “desenvolvimentista”, que sublinha o papel das instituições

e de fatores históricos domésticos para entender os efeitos divergentes da atuação

estatal em diferentes países.

“By focusing on domestic political and historical factors which affect the administrative capacity of the state, developmentalists have moved away from a conception of market-oriented development and state-led development as competing strategies. Rather, they treat theses strategies as complementary and concentrate on how certain institutions can be created and consolidated so as to allow for the efficient operation of markets”6 (Idem, p.18)

Ainda há muito terreno a ser escavado e muitos mapas a serem desenhados.

4 Tradução livre do original em inglês. 5 Tradução livre do original em inglês. 6 Grifos no original.

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7 Anexo: O cálculo do IDH

Fonte: PNUD. Disponível em: http://hdr.undp.org/hdr2006/pdfs/report/HDR06-

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