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EDITORIAL SOBRE A PROFISSIONALCAo DE TRABALHADORES DE SAU DE SEM QUALIFICACAo ESPECiFICA H longa data as institu i¢es de saude no Brasil incorporam trabalh adores de saude sem a qualifiyAo teenico - profissional requeda e necessari a para a exeeuyAo de a¢es e procedimen- tos que Ihes sAo atribu idos. Tal prati usu al e foemente eonsolidada, tanto nos seiyos de saude publicos comos privados (na rede hospitalar e ambul atoal), gerou, como nAo poderi a deixar de antecer, uma situayAo para a qual nAo M justificativa que sustente sua manuteno, qu ando se ptende melhorar 0 nivel e padrAo de qua lidade da assist�ncia a saude no Pais, assim como as ndi¢es e as rela¢es de tbalho no sistema de saude. No entanto, setores e segmentos da soei edade, ent estes alguns govemantes, dirigentes e presentantes politicos, pfissionais de saude e empsarios d o setor, u sam das diferenyas regionais que marm 0 Pais; do numero insufiei ente de eseolas pfissionalizantes do nivel medio; do reduzido n umero de egssos das escolas existentes e d a ncentra�o regional de profissi onais tecnicos de saude, p ara sustentam a manuten�o desta pratica. Seguramente, estes sao dados irretaveis da nossa realidade e que por isso mesmo devem ser eonsiderados quando sao ppostas e defin idas as pol iticas socia is e a oaniza�o e neionamento dos seiyos de saude. Mas, considera-Ios, nao signifiea usa-los como para mets e justificativas de uma ptica eujo resultado e 0 que esse te hoj e: grande pae dos seiyos que sAo alizados no sistema de saude esta sob a responsabilidade de tbalh ados que nA o fom pparados e que n ao estAo qualificados para a especificidade tecnica exig ida pelo tbalho que fazem. Para a maioria da sociedade, para os us uarios em geral, a afirmativa de que g rande pae dos seyos de saude esta a cao desses tbalhados, pode parecer u falseamento da alidade, mesmo poue, 0 fato da assi st�ncia a saude estar sendo majoritariamente realizada por nSo-ofissionais nAo e clara e amplamente explicitada para os usu arios dos seiYos. 0 que confere absoluta vecidade a esta afirmativa e termos a eza qu e, exceto nas a reas do trab alho do medi, do odont610go e do psic610go, a s demai s (enfermagem, nutri�o, farmaci a, seiyos de hematologia, an alises clin is, apoio diagn6stico em geral, a rquivos) contam com u n umero expressivo de tbalhadores sem a devid a formayao. Esta situa�o e de tal soe grave, que exi ge uma a�o letiva e mbinada de todos que estao envolvidos nela, e que em uHima instanci a, sao os responsaveis pel as conseq�ncias tecnicas, eticas e socia is que del a adv�m. Para alguns, a pposta se resume na a mplia�o de escolas e vagas, que assegurem a edu�o geral e a criao de cuos profissionalizantes que privil egiem as habil itayoes de s aude do nivel medio. Sem duvida, e impr escind ivel qu e isto ocorra. No entanto, esta e uma proposta inopouna em rela�o a qualifica�o daqueles que ja estAo in seridos na produAo de s eios de saude. Ela cumprira 0 papel d e gerar os futuros profissionais d e saude de nivel medio que ingressarAo no mercado. Seu impacto nos seios d e saude s 6 podera ser esperado a medio e longo prazos . A situaAo que se te hoje nos serviyos de saude exige que 0 sistema de saude - publico e privado - implement em programas de profissionaliza�o dos seus trabalhadores sem qualificafSo especlficas que ram (e continuam sendo) i nrporados nos seiYos. E preciso salient ar que muitos deles nao possuem nem 10 grau de escolarid ade, 0 que toma a situ ayao mais grave. As propostas que pretendem resolver 0 problema impedindo-os (ate judicialmente) de trabalha r e exigindo demissoes sumari as, t�m sido apresentadas. Infelizmente, tais ppostas s6 t�m seido para adia r uma possivel solu�o e aumentar 0 numero d estes trabalhadores n o setor saude. 0 que precisa ser concretizado e u programa efetivo de pfiss ional izayao p ara estes trabalh adores que contempl e: R. Bras. Enferm. Brilia, v. 47, n. I, p. 1-83, jan.lmar. 1994 5

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Page 1: EDITORIAL - SciELOpublicos comos privados (na rede hospitalar e ambulatorial), gerou, como nAo poderia deixar de acontecer, uma situayAo para a qual nAo M justificativa que sustente

EDITORIAL

SOBRE A PROFISSIONALIZACAo DE TRABALHADORES DE SAUDE SEM QUALIFICACAo ESPECiFICA

Hli longa data as institui¢es de saude no Brasil incorporam trabalhadores de saude sem a qual ificayAo teen ico - profissional requerida e necessaria para a exeeuyAo de a¢es e procedi men­tos que Ihes sAo atribu idos. Tal pratica usual e fortemente eonsolidada, tanto nos serviyos de saude publicos comos privados (na rede hospita lar e ambulatorial) , gerou , como nAo poderia deixar de acontecer, uma situayAo para a qual nAo M justificativa que sustente sua manutenyAo, quando se pretende melhorar 0 n ivel e padrAo de qual idade da assist�ncia a saude no Pais, assim como as condi¢es e as rela¢es de trabalho no s istema de saude. No entanto, setores e segmentos da soeiedade , entre estes alguns govemantes, dirigentes e representantes pol iticos, profissionais de saude e empresarios do setor, usam das d iferenyas regionais que marca m 0 Pais ; do n u mero insufieiente de eseolas profissional izantes do n ivel medio; do reduzido numero de egressos das escolas existentes e da concentra�o reg ional de profissionais tecnicos de saude, para sustentarem a manuten�o desta pratica .

Segura mente , estes sao dados irrefutaveis da nossa real idade e que por isso mesmo devem ser eonsiderados quando sao propostas e defin idas as politicas socia is e a organiza�o e funeionamento dos serviyos de saude. Mas, considera-Ios , nao signifiea usa-los como para metros e justificativas de uma pratica eujo resu ltado e 0 que esse tern hoje: grande parte dos serviyos que sAo real izados no s istema de saude esta sob a responsabi lidade de trabalhadores que nAo fora m preparados e que n a o estAo qualificados para a especificidade tecn ica exigida pelo trabalho q u e fazem . Para a maioria da sociedade, para o s usuarios em geral , a afirmativa de que grande parte dos serviyos de saude esta a cargo desses trabalhadores, pode parecer urn falseamento da real idade, mesmo porque, 0 fato da assist�ncia a saude estar sendo majoritariamente real izada por nSo-profissionais nAo e clara e amplamente expl icitada para os usuarios dos serviYos . 0 que confere absoluta veracidade a esta afirmativa e termos a certeza que, exceto nas areas do trabalho do medico, do odont610go e do psic610go , as demais (enfermagem, nutri�o, farmaci a , serviyos de hematologia , anal ises cl in icas, apoio d iagn6stico em geral , arqu ivos) contam com u rn numero expressivo de trabalhadores sem a devida formayao. Esta situa�o e de ta l sorte g rave, que exige u ma a�o coletiva e combinada de todos que estao envolvidos nela , e que em uHima instancia , sao os responsaveis pelas conseq(j�ncias tecn icas, eticas e socia is que dela adv�m.

Para a lguns, a proposta se resume na amplia�o de escolas e vagas, que assegurem a educa�o gera l e a criayAo de cursos profissional izantes que privi leg iem as habi l itayoes de saude do n ivel medio. Sem duvida , e imprescind ivel que isto ocorra . No entanto , esta e u ma proposta inoportuna em rela�o a qual ifica�o daqueles que ja estAo inseridos na produc;Ao de servic;os de saude. Ela cumprira 0 papel d e gerar os futuros profissionais d e saude d e nivel medio q u e ingressarAo no mercado. Seu impacto nos servic;os d e saude s 6 podera ser esperado a medio e longo prazos . A situac;Ao que se tern hoje nos serviyos de saude exige que 0 sistema de saude -publico e privado - implementem programas de profissional iza�o dos seus traba l h adores sem qualificafSo especlficas que foram (e continuam sendo) incorporados nos serviYos. E preciso sal ientar que muitos deles nao possuem nem 10 g rau de escolaridade, 0 que toma a s ituayao mais grave . As propostas que pretendem resolver 0 problema impedindo-os (ate judicia lmente) d e trabalhar e exig i ndo demissoes sumarias, t�m sido apresentadas. I nfelizmente, ta is propostas s 6 t�m servido para adiar u m a possivel solu�o e aumentar 0 numero destes traba lhadores no setor saude. 0 que precisa ser concretizado e urn programa efetivo de profissional izayao para estes trabalhadores que contemple:

R. Bras. Enferm. Brasilia, v . 47, n. I, p. 1 -83, jan.lmar. 1 994 5

Page 2: EDITORIAL - SciELOpublicos comos privados (na rede hospitalar e ambulatorial), gerou, como nAo poderia deixar de acontecer, uma situayAo para a qual nAo M justificativa que sustente

• 0 conteudo tecnico exigido para cada habil itayAo especifica;

• A adoCao de metodos e metodolog ias que permitam ao trabalhador entrar no processo de formaCao sem afastar-se do seu serviCo e nem tampouco cumprir jomada de trabalho adicional ;

• 0 enquadramento , dos que conclu irem 0 processo, nos pianos de cargos, carreira e salarios.

Uma proposta que atenda a estes eixos nAo esta revestida de nenhuma ardilosa trama ou magia. Ela a viave l e vern sendo concretizada em alguns Estados, em que pesem os parcos recursos (fisicos , h u manos, financeiros) que t�m recebido dos organismos e institu iy6es de saude e de educayAo - ambos d iretamente responsaveis pela situacAo. As diretrizes para a sua implementayAo estAo reu n idas em documento do Min istario da Saude I CoordenacAo Gera l de Recursos Humanos para 0 SUS I d ivulgado no infcio de 1 993) intitu lado Diretrizes para a Profissionalizal;lo de Trabalhadores de Saude sem Qualifical;lo Especlfica. Para sua formulacAo, contou-se com a participacAo da OPS, de representantes do CONASS, CONASEMS, 6rgaos de classe , como de tacn icos do Min isterio de Saude e EducacAo. I n icia lmente , as experi�ncias que viabil izaram tal proposta , tomara m a a rea de enfermagem como prioridade e foram elas umas das refer�ncias para a defin iyAo das d iretrizes constantes do Documento referido. Hoje, os programas que estAo sendo executados a brangem as habi l itay6es de outras areas como previa 0 projeto in icia l . Este Programa, como esta definido, destina-se exclusivamente as pessoas que ja estAo trabalhando nos serviyos de saude e exige que 0 serviyo de saude se articule formalmente com 0 setor de EducacAo.

Garante-se , assim, entre outras vantagens, a uti l izacAo dos recursos humanos profissionais lotados no sistema de saude com instrutores I professores; das un idades de prestacAo de assist�ncia , onde o trabalhador ja esta inserido, como campo de pratica; e 0 cumprimento das determinay6es do sistema educacional no que se refere a organizac;Ao, estruturac;Ao, admin istracAo e funcionamento do programa. Urn ponto tern sido motivo de resist�ncias a esta proposta: refere-se ao fato de que o Programa, em total consonAncia com 0 que prevAm as le is educacionais, e firmemente dirig ido a qual ificacAo tecnica dos que ja trabalham e nAo exclu i do processo aqueles que nAo conclulra m 0 grau de escolaridade da educacAo geral . Estes, ao conclu irem 0 currlculo tacnico defin ido, recebem urn certificado sem direito a confinusl;So d6 estudos. Isto significa que esta pessoa concluiu 0 conteudo te6rico e prtJtlco de uma determinada hsbilital;lo de nlvel mtJdio, porem nAo completou seus estudos em termos da educsl;lo gera/, que poderAo ser concluldos posteriormente , quando entAo ser- Ihe-a assegurado 0 diploma.

b que sign ifica isto? Sign ifica que, frente a uma situacAo alarmante, onde numerosos trabalha­dores de saude nao t�m qual ificacAo profissional e alguns destes nAo tAm a escolarizayAo basica (nAo porque fugiram ou se negaram a ela , mas porque foram excluldos da Escola) , optou-se por urn programa que, em u rn primeiro momento, cumpre a funyAo de conferir a qual ificayAo tacnico­profissional especifica por urn dever atico e tecnico com os trabalhadores que nao a t�m; com aqueles q u e eles atendem; e com a organizayAo dos serviyos de saude na perspectiva de , realmente , termos cond i¢es de produzir melhoria na assist6ncia de saude. E i negavel 0 dire ito de todos a u rn trabalho dig no . Sabemos que este direito esta sendo sequestrado de grande parte dos brasi leiros. 0 Programa, seguramente, nao resolve nem compensa 0 sequestro deste d ire ito. Propoe somente d i minu ir 0 espayo da expropriacAo que vern sendo imposta a parte dos trabalha­dores e aos usuarios dos servic;os de saude.

Maria Auxi l iadora C6rdova Christ6faro

6 R. Bras. Enferm. Brasilia, v. 47, n. 1, p. 1 -83, jan./mar. 1994