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V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária”

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ECONOMIA SOLIDÁRIA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: possibilidades e desafios

Tecnologia e Sustentabilidade Terezinha Moreira Lima, Universidade Estadual do Maranhão, [email protected]

Resumo : Reflexões sobre a construção de novas relações de trabalho face aos processos de reestruturação produtiva, destacando a questão da sustentabilidade de projetos de desenvolvimento que, a nível local, nem sempre contam com mecanismos e instrumentos indispensáveis em termos de tecnologia, nem são articulados ao planejamento macro-econômico resultando em políticas fragmentadas que muito se assemelham às políticas sociais residuais, focalistas e ocasionais. Contraditoriamente, as possibilidades de solução existem face aos desafios e terminam por aparecer a nível local, onde são construídas formas alternativas, associativas e cooperativas no enfrentamento dos problemas, sobretudo partindo da iniciativa das classes trabalhadoras. Evidenciam-se possibilidades e desafios do desenvolvimento sustentável e da economia solidária como instrumentos da gestão democrática e participativa dos trabalhadores que vêem construindo redes de solidariedades através de novas formas de organização, onde são respeitados interesses sociais, coletivos e difusos. Palavras-chave: economia solidária, desenvolvimento, sustentabilidade, possibilidades, desafios. I. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o debate sobre o

desenvolvimento local e a questão da sustentabilidade, considerando as

transformações ocorridas no mundo do trabalho face aos processos de

mundialização e de globalização, onde as questões ambientais e do trabalho têm

produzido grandes repercussões despertando todo o mundo para as prováveis

conseqüências nefastas da devastação ambiental, da sobrevivência do planeta e

desdobramentos dos processos de trabalho.

Constata-se a dissolução das fronteiras políticas e econômicas construindo-se

mecanismos favoráveis ao desenvolvimento do capitalismo globalizado,

descomprometido com os direitos dos trabalhadores conquistados e regulamentados

em leis, desconsiderando-se as fronteiras ambientais e territoriais lançando, pois,

desafios à questão democrática, particularmente no caso brasileiro, país

profundamente marcado por uma cultura política autoritária e excludente.

É difícil antever as soluções considerando que cada Estado Nação possui

suas contradições, especificidades e lutam por se tornarem também protagonistas

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da história mundial. Contraditoriamente, as possibilidades de solução existem face

aos desafios e terminam por aparecer a nível local, onde são construídas formas

alternativas, associativas e cooperativas no enfrentamento dos problemas,

sobretudo partindo da iniciativa das classes trabalhadoras. É o caso dos

empreendimentos denominados de economia solidária, construídos a partir da

iniciativa dos trabalhadores como alternativa às crises do mundo do trabalho .

Portanto, estão postas as reflexões sobre estas questões tentando-se apontar

para as possibilidades e desafios do desenvolvimento sustentável e da economia

solidária como instrumentos da gestão democrática e participativa dos trabalhadores

que vêem construindo redes de solidariedades através de novas formas de

organização, onde são respeitados os interesses sociais, coletivos, difusos e de

caráter pessoal.

Neste sentido, são fortalecidas identidades na medida em que se pensa e se

coloca em prática a questão do respeito às diferenças e a ênfase na autonomia

política e organizativa dos sujeitos visando a formulação e implementação de

políticas públicas que tenham em vista tanto a criação de condições para o trabalho

auto-gestionário quanto a preservação do meio ambiente e da própria vida.

II. O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A ECONO MIA

SOLIDÁRIA

Mais do que em qualquer outra época vive-se hoje a ilusão dos mitos

transfigurados nas idéias e práticas das classes dominantes que atingem com maior

celeridade todos os sentidos dos indivíduos devido, dentre outros fatores, à força

massiva dos meios midiáticos. A propósito, Bourdieu, em1998, discorria sobre o mito

da “mundialização” e da visão neoliberal que se coloca como evidente e sustentada

por um trabalho de doutrinação simbólica do qual participam ativamente

determinados intelectuais e mesmo cidadãos comuns de forma passiva reproduzindo

uma visão de mundo insidiosa e difundida por toda parte. “É assim que, no fim das

contas, o neoliberalismo se apresenta sob as aparências da inevitabilidade” (p. 44).

São impostos, como óbvios, pressupostos criados a partir “de cima”, como o

crescimento máximo, a produtividade e a competitividade como fim das ações

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humanas; faz-se um corte radical entre o econômico e o social e, finalmente, o uso

de eufemismos que servem para substituir a realidade objetiva por palavras e frases

“mais suaves” numa tentativa de atenuar as problemáticas sociais com discursos

mistificadores e alienantes. Bourdieu destaca que há, também, todo um jogo com as

conotações e as associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade,

desregulamentação, que tendem a fazer com que a mensagem neoliberal seja uma

mensagem universalista de libertação (Bourdieu, idem, p. 44).

Dentre os mitos citados por Bordieu a globalização “é um mito no sentido forte

do termo, um discurso poderoso, uma ‘idéia-força’, uma idéia que tem força social,

que realiza a crença”. É a arma principal das lutas contra as conquistas do welfare

state e tem por função instaurar uma reestruturação, uma volta a um capitalismo

selvagem, mais racionalizado e cínico. A globalização é antes de tudo um mito

justificador de um mercado financeiro unificador, dominado por países mais ricos.

Isto não significa, entretanto, homogeneização, é a extensão do domínio de um

pequeno número de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras

nacionais. “Daí resulta uma redefinição parcial da divisão do trabalho internacional,

cujas conseqüências atingem os trabalhadores (Bourdieu, idem, p. 48-54).

O poder do mito tem resvalado para outras questões importantes nas

sociedades contemporâneas como o mito do desenvolvimento sustentável em uma

conjuntura com mudanças dramáticas e sem precedentes, onde se verificam

profundas metamorfoses no mundo do trabalho. Além do mais os conflitos em torno

do avanço dos processos de devastação ambiental e da biodiversidade são

desrespeitados, especialmente, pelos países industrializados que possuem o

domínio da biotecnologia e que ainda não despertaram (convenientemente) para os

problemas do aquecimento do planeta.

Desta forma, são muitas as abordagens que ainda pressupõem o

desenvolvimento como o crescimento econômico, a eficiência na lógica do mercado

e a idéia central de que a riqueza dos países é determinada pelo aumento da

produtividade do trabalho, pressupostos que remontam a Adam Smith e sua teoria

sobre A Riqueza das Nações, da mesma forma que as teorias neoliberais

defendidas por seus mentores como Friedrich August V. Hayek, mais

contemporaneamente.

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Com relação aos problemas enfrentados pelos trabalhadores, a economia

solidária aponta para a constituição de alternativas de geração de trabalho e renda a

partir do labor solidário e auto-gestionário em condições adversas para o

desenvolvimento sustentável. São conceitos ainda em construção e que se

expressam nas práticas dos trabalhadores atingidos pelas recorrentes crises e

processos de reestruturação capitalista. Pode-se considerá-los como mito, uma

crença, idéias força, no sentido contra-hegemônico do termo colocado acima por

Bordieu.

Ou seja, tanto a idéia de desenvolvimento sustentável quanto a de economia

solidária suscitam novos princípios e valores, um contra-discurso, uma contra-

hegemonia na perspectiva gramsciana, a construção de outros paradigmas que

venham a nortear ações e práticas coletivas para uma nova sociabilidade. Neste

sentido, são muitos os significados do desenvolvimento sustentável e da economia

solidária que se deseja em face da manifesta crise social e ambiental de dimensão

planetária. Verifica-se a formulação de diferentes propostas e concepções de

modelos de desenvolvimento sustentável fundamentadas em diversas matrizes

teóricas com distintos projetos políticos, segundo os interesses em confronto e que

se refletem nas ações e práticas coletivas.

É importante ressaltar que o conceito de desenvolvimento sustentável se

originou a partir do discurso desenvolvimentista, consubstanciando-se no informe

denominado “Nuestro Futuro Común”, Relatório Brundtland de 1978, que faz 20

anosi, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

da ONU: onde declara que desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem às suas próprias necessidades” – portanto, garantindo o crescimento

econômico, social e ambientalmente sustentável. Esta noção de sustentabilidade

considera que os recursos naturais não são renováveis e inesgotáveis, portanto

chama a atenção para a dinâmica do sistema capitalista, onde se dá a apropriação

dos recursos da natureza sem atentar para os cuidados necessários em evitar a

escassez e manter a qualidade do meio ambiente. Também considera

imprescindíveis mudanças estruturais e profundas nas relações sociais, econômicas,

políticas, territoriais e ecológicas.

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Como se verifica, é um conceito atual do ponto de vista que atende às

expectativas do momento, em que se que se vivem determinadas circunstâncias e

conjunturas sociais e políticas, tendo sido reiterado por ocasião da Agenda 21 que

afirma a economia como motora do desenvolvimento sustentável e destaca em

vários capítulos a necessidade de um ambiente econômico e internacional que

garanta políticas onde se viabilize a liberalização do comércio, da distribuição ótima

da produção mundial, dentro da lógica e da hegemonia do mercado.

Vários fatores têm despertado as sociedades para a discussão da

sustentabilidade, dentre eles os desastres ambientais como resultados da crescente

e irracional interferência do homem no meio ambiente. Nos anos 1970, por exemplo,

ocorreu a crise do petróleo chamando a atenção do mundo para a questão

ambiental; em 1986 a explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl na

Ucrânia lançou radiação na atmosfera com prejuízos incalculáveis para a

humanidade atingindo cerca de 3,4 milhões de pessoas.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CNUMAD), também conhecida como ECO-92, foi uma tentativa de articular

governos e instituições da sociedade civil de 179 países com o objetivo de promover

em todo o planeta um padrão de desenvolvimento que conciliasse mecanismos de

proteção ambiental, equidade social e eficiência econômica. Tanto para o Relatório

Brundtland, quanto para a Agenda 21 a questão da sustentabilidade é pautada pela

visão econômica, defendendo o crescimento econômico com o progresso técnico

sem limitar, no entanto, o sistema de acumulação capitalista.

Apesar desses esforços progressistas continua o desenvolvimento econômico

sendo a palavra chave da eficiência e das inovações tecnológicas capazes de

garantir o melhor aproveitamento dos recursos naturais, assim como contribuir para

a busca de soluções para os efeitos nocivos das atividades produtivas que trazem

danos ao planeta. Em 2002, dois anos depois de ECO-92, o Brasil criou sua prória

Agenda 21 contemplando a participação do governo, setor produtivo e sociedade

civil quando foram discutidas muitas propostas resumidas nos seguintes eixos

temáticos : Agricultura Sustentavel, Cidades Sustentaveis, Infra Estrutura e

Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades

Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, a partir dos

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quais seriam formuladas políticas públicas. Entretanto, mais uma vez, as boas

intenções e propostas exequíveis ficaram no papel.

A questão da sustentabilidade volta a ser debatida com a proposição da

economia solidária como política pública tendo em conta as crises no mundo do

trabalho, o aumento do desemprego, a perda de milhares de postos de trabalho, a

flexibilização ou precarização das relações de trabalho no Brasil. É criada a

Secretaria Nacional de Economia Solidária, a SENAES, vinculada ao Ministério de

Trabalho e Emprego, como resposta a esses problemas e com a perspectiva do

desenvolvimento solidário como forma de combate à pobreza através de uma

política participativa. A respeito, Paul Singer, (2004), entende por desenvolvimento

«um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas

relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento

econômico que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento».

Todavia, as iniciativas governamentais nessa direção têm frustrado

expectativas em relação ao desenvolvimento sustentável, pois demonstram a

questão da sustentabilidade com medidas locais e circunscritas a determinados

grupos populacionais perdendo de vista os grandes eixos discutidos na Agenda 21

de 2002 no Brasil que contempla a atividade econômica, o meio ambiente, a

redução das desigualdades sociais portanto, garante a participação de todos os

atores institucionais e os sujeitos políticos no processo de desenvolvimento. É o

caso do Decreto nº 6.040 voltado para os povos e comunidades tradicionais:

indígenas e quilombolas voltado especificamente para estes segmentos.

Talvez por conta da pressão dos movimentos sociais foi instituída a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

através do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 compreendendo-se no seu

Art. 3º: I – Povos e Comunidades Tradicionais : grupos culturalmente diferenciados e

que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,

que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua

reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando

conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição ; III –

Desenvolvimento Sustentável : o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para

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a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas

possibilidades para as gerações futuras.

Esta medida limita as potencialidades dos movimentos sociais que discutem

sobre o desenvolvimento sustentável por uma nova sociabilidade, ressaltando o

campo das relações sociais e compreendendo noções construídas no confronto de

atores institucionais e sujeitos políticos que buscam marcar posições, onde a lógica

do mercado ceda lugar aos pressupostos democráticos e socialistas, redesenhando-

se modos e práticas de controle sobre a distribuição e divisão da riqueza social e a

preservação dos recursos da natureza.

O certo é que mesmo dentro do leque estreito de controle do sistema

capitalista e monopolizador dos meios de produção, responsável pela desigualdade

social e degradação ambiental concebe-se outras idéias fundamentadas em

princípios de eqüidade social, sem perder de vista a crítica à exploração e

subsunção do trabalho ao capital. É o caso do ressurgimento e atualidade de

experiências autogestionárias como formas inovadoras de produção, embora

operando na economia de mercado e estando sujeitas ao humor dos processos

engendrados pelas crises do capitalismo. (LIMA, 2006).

Podem até não se constituirem como alternativas ao modo de produção

capitalista como lembra Quijano, (2002), em suas reflexões, a propósito da análise

marxiana, mas tendem a desempenhar um importante papel de apoio à auto-

educação dos trabalhadores para se reapropriarem do controle do seu trabalho

contra o despotismo do capital. Para os defensores da economia solidária,

empreendedores dessa natureza não se confundem com empresas capitalistas e

nem com outro tipo de organização. A globalização solidária da economia já se

constitui, pois, uma nova forma de organizar a economia através da difusão do

consumo solidário, que amplia as relações de produção, comercialização e o

consumo das populações articulando os trabalhadores em empreendimentos

solidários.

Possibilidades e desafios da economia solidária e do desenvolvimento sustentável

O trabalhador coletivo, ora capturado ora excluído da rede produtiva de bens

e serviços, organizado para a acumulação em escala global, ganha novas

possibilidades de resistência e ação a partir dos planos e conflitos locais. Assim,

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apesar dos deslocamentos continuados do capital transnacional e no jogo de forças

atravessadas pelas metamorfoses do mundo do trabalho, onde se desencadeiam

processos de exclusão, subordinação, adaptação e reação vão surgindo arranjos

produtivos locais, sistemas cooperativos de pequenas e médias empresas com

mecanismos de aproveitamento, conhecimentos e competência empreendedoras e

do trabalho no plano local ou regional.

É assim que a classe trabalhadora afetada pela dispersão e fragmentação se

reorganiza criando estratégias alternativas tanto no plano da luta social quando no

que se refere ao horizonte das estratégias de desenvolvimento sustentável,

ressaltando-se a relação entre poder associativo e coletivo do trabalho e a dimensão

territorial e regional. Os projetos de desenvolvimento local partem da dimensão

territorializada das redes sociais com sua potencialidade de aproveitamento da

criatividade do trabalho humano vivo, onde os trabalhadores se articulam com atores

da economia internacionalizada suprindo uma lacuna deixada pelo Estado em

termos da falta de apoio e potencializando as suas iniciativas.

Desta maneira, as bases materiais transformadas e os recursos imateriais

revalorizados e recriados colocam em ação dinâmicas produtivas que dependem

diretamente da capacidade de ação dos sujeitos sociais e das instituições políticas

locais. Os novos atores potencialmente presentes no território, entendido como o

espaço produtivo, podem apreender e animar as potencialidades de cooperação e

ação solidária para gerarem novas estratégias de desenvolvimento.

Estas experiências sociais novas apontam para desafios que se colocam

exigindo debates entre governos e sociedade civil no sentido de garantir um

planejamento em bases mais firmes e onde sejam estabelecidas as redes locais. A

dimensão desse novo processo de desenvolvimento, em bases sustentáveis, torna

imprescindível a criação de condições materiais e subjetivas para um novo projeto

nacional articulado com uma estratégia alternativa de manejo das possibilidades

construídas a partir da crise da economia no mundo capitalista.

Portanto, originam-se e são recriados padrões de cooperação do trabalho,

reconhecendo-se o potencial das dinâmicas regional, territorial e local como

instrumento de emancipação capaz de gerar novas alternativas e padrões de

desenvolvimento através das forças do poder associativo e cooperativo e da

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articulação coletiva. Os diversos empreendimentos, as cooperativas e as

organizações de autogestão emergem com novos padrões, formatos de

solidariedade e cooperação produtiva sendo denominadas como economia popular,

economia social, economia de solidariedade e economia solidária.

Tal organização procura se articular e se consolidar através de redes sociais

como mecanismo de superação dos limites territoriais e setoriais, enfrentando,

todavia, muitas dificuldades devido a uma atuação ainda difusa, a limites na

implementação de diretrizes que construam um desenvolvimento sustentável. Este,

por seu lado, ainda depende dos resultados da correlação de forças políticas em

jogo no conjunto da sociedade brasileira e dos compromissos assumidos entre os

atores institucionais e os sujeitos sociais e políticos envolvidos nessas lutas.

O movimento em torno da economia solidária no Brasil vem se consolidando

como formas de lutas dos trabalhadores, com novas práticas norteadas pela

participação coletiva e valores fundados na auto-gestão, democracia, igualitarismo,

cooperação, auto-sustentação e desenvolvimento humano. Lembrando Paul Singer,

(2002), «mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento

de outros modos de produção, porque é incapaz de inserir dentro de si toda

população economicamente ativa».

Um exemplo de experiência autogestionária que tem alcançado êxito está

localizado no município de Catende, a 142 quilômetros de Recife, na zona da mata

de Pernambuco. Além dos números que demonstram o sucesso do empreendimento

a satisfação dos integrantes do projeto mostra o alcance da experiência : « Hoje,

além de um trabalhador, eu me transformei num profissional de conhecimento.

Poder participar de uma coisa tão grande como esta já é muito » (Entrevista a

Soares, 2006)ii. A respeito Paul Singer espera que o exemplo seja seguido e

estimulado : « É preciso vontade política para que outras empresas consigam seguir

os caminhos traçados pela Usina Catende. Empresas do campo, da cidade e

indústrias, com maior ou menor complexidade» (Soares, idem).

De fato, é preciso vontade política de todos : governantes, empresariado,

trabalhadores, enfim, a sociedade brasileira para que estas práticas não aconteçam

de forma fragmentada e a nível tão somente de estrategias de sobrevivência, pois os

limites e fragilidades são desafios por conta da falta de continuidade e de

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proposições mais gerais que sejam capitaneadas não somente por iniciativa dos

trabalhadores, mas dos governantes e do Estado brasileiro. No caso Catende, na

época dessa entrevista, o síndico e administrador da usina se manifestou lembrando

que enquanto a posse das terras não acontece « a gente tem de administrar sem

muita expectativa de crescimento, já que ainda não somos uma empresa sadia para

competir no mercado. A cada três meses, prestamos contas de nossas atividades à

Justiça, com a esperança de que em breve tenhamos a posse definitiva das terras

com a reforma agrária. De qualquer forma, só estar participando deste momento e

construindo esta história junto a todos os trabalhadores e ter recuperado a dignidade

das famílias já é um fato diferenciado e importante para nosso estado e nosso país »

(SOARES, idem).

É importante considerar que, de acordo com estimativas da SENAES/MTE

são mais de 28 mil empreendimentos de economia solidária no Brasil, que

empregam cerca de 30% da força de trabalho no país. Trata-se de um grande

desafio possibilitar que essas experiências passem do nível de resistência e de

formulação de estratégias de sobrevivência, a nível local, para ocupar os espaços de

construção do desenvolvimento sustentável que inclua as dimensões social,

econômica, ecológica, demográfica, espacial ou territorial e a cultural. São variáveis

que se relacionam, se articulam, se imbrincam não devendo ser ignoradas. Significa

retomar a concepção do planejamento participativo, nas políticas públicas e nas

formas de ação e de intervenção do Estado e da sociedade civil, em todas as

instâncias políticas e de tomada de decisões, em todos os níveis.

A propósito, em entrevista realizada com um dos coordenadores da

Associação em Áreas de Assentamentos no Estado do Maranhão - ASSEMAiii, é

ressaltado o conceito de desenvolvimento sustentável a partir de suas práticas

associativas e cooperativas defendendo a economia solidária e a agroecologia tanto

no que se refere à geração de trabalho e renda, quanto no tocante à defesa do uso

racional dos recursos naturais, sem agressão à natureza e sem utilização de

agrotóxicos. Esta organização trabalha com 21 áreas de assentamento distribuídas

em 07 municípios : Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis, São Luis

Gonzaga, Pedreiras, Lima Campos e Peritoró. Atua, também, com a organização de

associações e cooperativas, desenvolvendo atividades voltadas para a eqüidade de

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gênero, inserção de jovens nos sindicatos de trabalhadores rurais e nos movimentos

sociais.

Com relação aos desafios enfrentados, o entrevistado destacou: «a

implantação de um projeto de pecuária que pense na classe baixa (...) que inclua o

respeito à natureza (...) a campanha pelo setor privado a favor de sementes híbridas

e transgênicas atrapalha o desenvolvimento sustentável. É mais uma vez a lógica do

lucro imediato e a utilização de química (...) As linhas de crédito não têm uma

política voltada para projetos com princípios agroecológicos e sim de lucro imediato.

A aceitação dos nossos agricultores em passar do modelo convencional para uma

proposta alternativa de agricultura orgânica é outro desafio«.

A I Conferência Nacional de Economia Solidária (Conaes), promovida pelos

ministérios do Trabalho e Emprego (MTE), do Desenvolvimento Social e do Combate

à Fome (MDS) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), realizada de 26 a 29 de junho

de 2006, cujo tema auspicioso «A Economia Solidária como Estratégia e Política de

Desenvolvimento» perspectivava grandes possibilidades e desafios rumo à

consolidação dessa vontade política. Em seu documento baseiv defende a economia

solidária como uma política de desenvolvimento que demanda ações transversais

com políticas nas diferentes áreas : educação, saúde, trabalho, habitação,

desenvolvimento econômico, tecnologia, crédito e financiamento, dentre outras. O

documento destaca características importantes do Desenvolvimento

Sócioeconômico Sustentável tais como : econômico, social, político, cultural, ético,

ecológico, pedagógico, metodológico, gênero, ritmo e território, o que garantiria essa

transversalidade de todas as políticas públicas.

Os desafios apontados no documento, tais como - capilarização e

fortalecimento do movimento de economia solidária ; redes de produção,

comercialização e consumo ; finanças solidárias ; marco legal para a economia

solidária ; educação ; democratização do conhecimento e tecnologia ; comunicação

e relações internacionais – não terão resolução se não fizerem parte do

planejamento participativo nas diversas instâncias governamentais, onde estejam

presentes todos os ministérios responsáveis pela implementação das políticas

públicas e de desenvolvimento no país, assim como as organizações dos

trabalhadores e dos movimentos sociais.

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III. CONCLUSÃO

Torna-se imprescindível identificar e reconhecer as dificuldades envolvidas

nas escolhas que impactam os processos de desenvolvimento desde a instância

nacional, regional, estadual e municipal, ou dito de outra forma: desde o espaço

micro ao macro-estrutural relacionado aos circuitos da mundialização do capital e

aos processos de globalização parece se constituir um grande passo na produção

de informações tendo em vista a formulação de projetos de desenvolvimento

regional e local. É, pois, fundamental, a preocupação com o resgate do conceito de

região, renovando-se e atualizando-se esse debate em termos de potencializar

ações voltadas para a solução de grandes problemas que afligem o país,

historicamente, e, particularmente, as regiões, estados e municípios desse grande

território.

Significa um enorme desafio considerar a nova configuração das estruturas

produtivas associadas às transformações sociais, econômicas e políticas, chamar a

atenção para o papel desempenhado pelas instituições e organizações da sociedade

civil na delimitação dos territórios no mundo contemporâneo e atentar para fatores

econômicos e principalmente históricos e culturais visto ser impossível resolver a

questão da sustentabilidade sem considerar as decisões a nível internacional em

relação à sobrevivência humana.

O Brasil, país sensível às mudanças e estratégias da economia mundial, à

dinâmica do capital produtivo e financeiro, deve estar aberto e sensível aos

movimentos de resistência dos trabalhadores contra a exploração capitalista e à

construção de uma lógica contra a ofensiva neoliberal, promovendo transformações

que alterem as estruturas desiguais e reconhecendo as experiências que se

multiplicam, cuja relevância é incalculável para a garantia dos recursos não

renováveis, da diversidade biológica contra a devastação e a deterioração

ambiental.

Que o desenvolvimento sustentável e local se constitua efetivamente em uma

estratégia politica para o desenvolvimento do país visando não só metas

macroeconômicas com vistas a estabilidade e excelência da produtividade, mas

também, e principalmente, metas sócio econômicas voltadas para a preservação dos

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recursos naturais, a redistribuição da riqueza social e a diminuição das

desigualdades sociais. Transformar, portanto, a economia solidária em política

pública, revolucionando não só as estruturas locais, o surgimento de uma rede que

abrigue todas as cadeias produtivas, desde a sua origem e o encadeamento de

todas as fases, aproveitando as experiências já existentes, sob pena de virar mais

um mito ou clichê dos comentaristas de ocasião.

REFERÊNCIAS

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SINGER, Paul. Desenvolvimento : significado e estratégia . Texto para discussão. Brasília : MTE/SENAES, maio de 2004.

NOTAS i Aniversario del primer informe que introdujo el concepto de desarrollo sostenible. El informe Brundtland, como también se lo conoce, analizó la situación del mundo en ese momento y concluyó que la protección ambiental había dejado de ser una tarea nacional o regional para convertirse en un problema global. Disponível: http://www.un.org/spanish, 09 de mayo, 2007. ii SOARES, Goretti Entrevista. Harmonia conquistada. Aos 11 anos, experiência de autogestão de usina de cana-de-açúcar, em Pernambuco, garante sobrevivência a mais de três mil famílias e promove educação e pesquisa. In: IPEA/PNUD Revista Desafios do Desenvolvimento. Disponível: http://desafios.org.br/edições/27/artigo, 2006.

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V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária”

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iii «Desenvolvimento sustentável : do conceito à prática». Disponível : http://imirante.globo.com/oestadoma. Consulta feita no dia 10/11/06. Entrevista com Raimundo Ermínio Neto, coordenador da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA), organização que trabalha com projetos de desenvolvimento sustentável em alguns municípios maranhenses, principalmente com cooperativas e associações de trabalhadores rurais. iv Documento base da I Conferência Nacional de Economia Solidária: “Políticas Públicas para o Desenvolvimento Econômico-Solidário do Brasil”, s/d. Disponível: http://www.mtb.gov.br/ecosolidaria/conf_default.asp