ecologia e avaliaÇÃo dos recursos bÉntÓnicos da zona de transiÇÃo dulciaquÍcola--salobra no...

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE CINCIAS

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL

    EECCOOLLOOGGIIAA EE AAVVAALLIIAAOO DDOOSS RREECCUURRSSOOSS

    BBEENNTTNNIICCOOSS DDAA ZZOONNAA DDEE TTRRAANNSSIIOO

    DDUULLCCIIAAQQUUCCOOLLAA--SSAALLOOBBRRAA NNOO RRIIOO MMIIRRAA

    Joo Paulo da Silva Medeiros

    MESTRADO EM PESCAS E AQUACULTURA

    2009

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE CINCIAS

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL

    EECCOOLLOOGGIIAA EE AAVVAALLIIAAOO DDOOSS RREECCUURRSSOOSS

    BBEENNTTNNIICCOOSS DDAA ZZOONNAA DDEE TTRRAANNSSIIOO

    DDUULLCCIIAAQQUUCCOOLLAA--SSAALLOOBBRRAA NNOO RRIIOO MMIIRRAA

    Joo Paulo da Silva Medeiros

    MESTRADO EM PESCAS E AQUACULTURA

    Dissertao orientada por: Professora Doutora Maria Jos Rosado Costa

    Doutora Paula Maria Chainho de Oliveira

    2009

  • Esta dissertao dever ser citada como:

    Medeiros, J. P. (2009) Ecologia e Avaliao dos Recursos Bentnicos da Zona de

    Transio Dulciaqucola-Salobra no Rio Mira. Dissertao de Mestrado,

    Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

  • Ao meu pai, minha me e ao meu namorado

  • Paulinha e Lusa

  • Luis Silva (2006)

  • Do recato dos sobreirais de Mu, na serra do Caldeiro, intempestiva

    corredura de mars que se faz vista das arribas marinhas da costa do

    Sudoeste Alentejano, o Mira, o rio das guas tranquilas, carrega quilmetros de

    venturas e desventuras feitos de montes que se perfilam, uns a seguir aos

    outros, numa cascata de relevos que tanto se erguem em possantes miradouros,

    como logo em seguida se afundam os barrancos tremendos apertados sobre

    estreitas passagens gizadas pelo incessante deambular de bichos e homens. Pelo

    meio, j liberto do represamento de Santa Clara, enquanto enche de brio os de

    Odemira e envaidece os de Vila Nova de Milfontes, corre numa sonolenta mar

    de tranquilidade que s os Invernos copiosos conseguem quebrar.

    Jorge Nunes & Manuel Nunes in Da Nascente at Foz, Edies INAPA

  • Sandra Coelho (2007)

  • Sem gua no h rio. E o Mira, o das guas largas e abundantes, s o volta a

    ser em Odemira, a islmica povoao que os mouros sabiamente dispuseram em

    anfiteatro sob uma apertada curva do rio. aqui, a 30 quilmetros da foz, na

    velha povoao que Afonso III granjeou com foral logo em 1256, que o rio se faz

    homem e ganha identidade; salobro em vez de doce; largo em vez de estreito;

    apressado em vez de lento; e perdoa-se ao forasteiro se acrescentar que rio

    em vez de ribeiro. Durante sculos, o Mira foi a nica porta, a sul do Sado, que

    o Alentejo abriu ao oceano a ao mundo para l da finisterra lusa. Por ele,

    sobretudo durante a Idade Mdia, fazia-se trnsito de gente e animais rumo a

    Lisboa; levava-se cartas e recebia-se novas; vendia-se a farinha que os moinhos

    moam na gua barrenta e comprava-se panos. Por ele, enfim, passava tudo,

    at o peixe os barbos-do-sul, as bogas-de-boca-arqueada e os escalos-do-sul que

    alimentavam o povo. O trigo, o milho e a cevada que se moa nos moinhos de

    gua que o rio alimentava de Inverno desapareceram.

    Jorge Nunes & Manuel Nunes in Da Nascente at Foz, Edies INAPA

  • ENTRE SONO E SONHOS

    Entre mim e o que em mim

    o quem eu me suponho

    Corre um rio sem fim.

    Passou por outras margens,

    Diversas mais alm,

    Naquelas vrias viagens

    Que todo o rio tem.

    Chegou onde hoje habito

    A casa que hoje sou.

    Passa, se eu me medito;

    Se desperto, passou.

    E quem me sinto e morre

    No que me liga a mim

    Dorme onde o rio corre

    Esse rio sem fim.

    Fernando Pessoa

  • i

    AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Maria Jos Rosado Costa, os meus sinceros agradecimentos por ter aceitado orientar este estudo, pelo acolhimento e insero na extraordinria equipa do Grupo de Ecologia e Gesto dos Recursos Aquticos (EMAR) do Centro de Oceanografia. Professora Zita pela amizade, confiana, compreenso, boa disposio, exigncia e disciplina que lhe so caractersticas. Muito obrigado por tudo. Acima de tudo, na vida, temos necessidade de algum que nos obrigue a realizar aquilo de que somos capazes. este o papel da amizade (Emerson).

    Doutora Paula Chainho de Oliveira, por ter sido uma das principais pessoas

    responsveis pela existncia do projecto EFICAS, por ter feito com que este trabalho exista e por me ter ensinado grande parte daquilo que hoje sei no ramo da Biologia. Chefinha por ter acreditado em mim desde o primeiro dia em que comecei a trabalhar no projecto EFICAS, no Instituto de Oceanografia, e por me ter feito crescer no mundo da cincia, pela sua amizade e pelo enorme carinho que sempre demonstrou para comigo. As pessoas entram na nossa vida por acaso; mas no por acaso que elas permanecem (Alessandra Melo).

    Ao Doutor Jos Lino Costa, pela sua infindvel sabedoria, aconselhamento,

    ensinamentos e por toda a disponibilidade demonstrada no decurso do presente trabalho, assim como pelas revises crticas da presente dissertao. Ao Lino, pela sua amizade, confiana, boa disposio, companheirismo e por todo o apoio incontornvel, principalmente na fase final. Por no me deixar desamparado, o meu mais sincero obrigado. muito difcil encontrar um bom amigo, mais difcil ainda deix-lo e impossvel esquec-lo (Annimo).

    Doutora Maria Lusa Chaves, por me ter ajudado na identificao dos

    macroinvertebrados bentnicos de gua doce e pela sua disponibilidade e aconselhamento na estruturao da dissertao. Luisinha, pela sua amizade, companheirismo, boa disposio e alegria que to bem a caracterizam. Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e no encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam poderia ser encontrado numa s rosa (Saint-Exupry).

  • AGRADECIMENTOS

    ii

    Ao Professor Doutor Carlos Assis, pela sua preocupao, ateno e disponibilidade na tentativa de resolver todos e quaisquer problemas inerentes ao decurso do mestrado, principalmente, na fase curricular.

    Ao Professor Doutor Joo Carlos Marques pela coordenao do projecto EFICAS

    que serviu de base ao trabalho efectuado na presente dissertao e Doutora Joana Patrcio pela sua capacidade de organizao e por ser uma das pessoas responsveis pelo delineamento do projecto. Joaninha pela sua amizade, perseverana e apoio.

    Mestre Gilda Silva pelo seu apoio incondicional na identificao dos

    macroinvertebrados bentnicos, pelos seus ensinamentos e pela disponibilidade na formatao e reviso da dissertao bem como pela sua ajuda nas tarefas do dia-a-dia. Gilda, que incondicionalmente foi uma das pessoas responsveis por eu ter chegado onde cheguei, por ter acreditado e acreditar nas minhas capacidades, por me ter aconselhado e aconselhar, por me ter ouvido e ouvir, por ter ralhado e por ralhar comigo, por me chamar ateno, por me ter estendido a mo quando eu mais precisei, por ser quem . Do fundo do meu corao, um simples obrigado pouco para agradecer tudo o que fizeste e tens feito por mim. Que a nossa amizade no seja como a lua que apesar de linda s vezes muda de fase, mas que seja como o cu que apesar de lindo infinito... (Annimo).

    Dra. Ana Lusa Rego, pela ajuda na identificao dos macroinvertebrados

    bentnicos e pelos seus ensinamentos aquando a minha chegada ao Instituto de Oceanografia. Ana Lusa, pela sua amizade, companheirismo, conselhos, boa disposio e pelas suas gargalhadas que me fizeram sentir bem, principalmente nos momentos menos bons. Pelo seu ombro, compreenso e ajuda na ultrapassagem de um dos momentos mais difceis da minha vida. Um verdadeiro amigo algum que te conhece tal como s, compreende onde tens estado, acompanha-te nas tuas conquistas e nos teus fracassos, celebra as tuas alegrias, compartilha a tua dor e jamais te julga por teus erros (Annimo).

    Ao Mestre Tadeu Pereira, pela grande ajuda nas sadas de campo e pelo

    companheirismo inigualvel que sempre demonstrou. Ao Tadeu, pela sua amizade, pelo seu sentido de humor, pelo seu esprito de entreajuda e pelas conversas animadas que sempre surgem por muito srio que seja o assunto. Quem tem um verdadeiro amigo, pode afirmar que tem duas almas (Eli Behar).

    Ao Dr. Joo Calado, igualmente pela enorme ajuda prestada aquando as sadas

    de campo. Ao Joo pela amizade, companheirismo e por ter sido um excelente colega de trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    iii

    Mestre Carla Azeda, pela disponibilidade demonstrada em ajudar-me sempre que foi preciso e por todo e qualquer esclarecimento relativamente metodologia do laboratrio de Zoologia. Azeda, pela sua sincera amizade, boa disposio, conselhos, fora, apoio, pelos despiques e discusses saudveis e pelas enormes gargalhadas verdadeiramente sentidas. Amigo: algum que sabe tudo a teu respeito e gosta de ti assim mesmo (Elbert Hubbard).

    Professora Doutora Helena Ado e Mestre Sofia Alves pelo companheirismo

    e ajuda nas campanhas de amostragem. Helena e Sofia pelos excepcionais momentos passados a bordo da embarcao, pelo esprito de entreajuda, pela simpatia, pelo carinho e pela confiana depositada na minha pessoa.

    Ao Dr. Nuno Prista por sempre mostrar um enorme companheirismo e mostrar-

    se disponvel para ajudar sempre que necessrio. Ao Prista, pela enorme fora que me deu nesta fase final e pelas palavras que me fizeram ter orgulho e tentar ser motivo de orgulho. A melhor parte da vida de uma pessoa est nas suas amizades (Abraham Lincoln).

    Professora Doutora Carmen dos Santos, Professora Doutora Isabel

    Domingos, Dra. Diana Passos, Dra. Slvia Pedro e Dra. Mafalda Mascarenhas pelo companheirismo, amizade e pela partilha de bons momentos de conversa e desabafos.

    Mestre Filipa Neto, pela sua disponibilidade no esclarecimento de dvidas

    relacionadas com o tratamento estatstico dos dados e conselhos no delineamento da presente dissertao. Pipa pela sua amizade, boa disposio, alegria e riso contagiante. A linguagem da amizade no de palavras, mas de significados (Henry David Toureau).

    Elsa Cabral por sempre se mostrar disponvel em ajudar no que fosse preciso,

    pela sua verdadeira amizade e boa disposio. H quatro espcies de amigos que o so sinceramente: o que ajuda, o que permanece igual na prosperidade e no infortnio, o que d um bom conselho e o que tem uma simpatia real por ns (Digha-Nikaya).

    Ana Horta por ter sido uma colega exemplar no decurso do mestrado, quer

    como colega de grupo, quer como verdadeira amiga. Obrigado pela fora, pelo companheirismo, por me teres ouvido e por me teres cedido o teu ombro e dado o teu abrao quando mais precisei. As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco infindvel (Madre Teresa de Calcut).

  • AGRADECIMENTOS

    iv

    Dlia Freitas e ao Nuno Castro pelo companheirismo ao longo do mestrado e por conservarem uma grande amizade que cada vez mais se fortalece. Talvez as melhores amizades sejam aquelas em que haja muita discusso, muita disputa e mesmo assim muito afecto (George Eliot).

    Ao Andr e ao Joo que me ajudaram particularmente numa das sadas de

    campo e que mostraram ser pessoas com um enorme esprito de entreajuda. Dra. Vanessa Pinto pelos momentos partilhados na discusso relacionada com

    a presente dissertao, partilha de opinies, sugestes e conselhos. Vanessa pela sua incondicional amizade, por ouvir os meus desabafos, por estar presente quando preciso e por ser, sobretudo, uma grande amiga. Amizade como msica: duas cordas afinadas no mesmo tom vibram juntas (Annimo).

    Aos restantes colegas e amigos do grupo de Zoologia e aos colegas e amigos dos

    grupos de Oceanografia Fsica e Botnica Marinha do Instituto de Oceanografia, em particular Ana Sousa, agradeo o companheirismo e a amizade.

    Ao Sr. Vitalino Cruz pela cedncia da sua embarcao nas campanhas de

    amostragem e ao Sr. Antnio pela preciosa ajuda nas dragagens, bem como pela boa disposio e entusiasmo com que sempre se empenharam nas sadas de campo.

    minha prima Teresa e minha tia-av Laura, pelas ajudas de foro financeiro

    sempre prestadas em todos os momentos mais cruciais da minha vida e por acreditarem que eu vingaria os meus sonhos.

    Ctia e ao Nuno pelos slidos laos de amizade que nos unem e pela enorme

    ajuda e compreenso que tm tido para comigo. Pelo apoio, pelo carinho, por serem pessoas singulares. A glria da amizade no a mo estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delcia da companhia. a inspirao espiritual que vem quando se descobre que algum acredita e confia em ns (Ralph Waldo Emerson).

    Ao meu gato Tij pela companhia e pelos mimos nos momentos em que apenas

    se ouvia a minha voz a pensar alto e as teclas do computador que transpunham para o ecr os meus pensamentos e emoes Os animais dividem connosco o privilgio de terem uma alma (Pitgoras).

    Ao Tiago, meu companheiro da vida e de todas as lutas, por acreditares em mim,

    nas minhas capacidades e nos meus valores, pelo apoio incondicional em todos os momentos mais ou menos difceis e por me mostrares que o caminho do amor chama-se sacrifcio e que o amor a ocasio nica de amadurecer, de tomar forma, de nos

  • AGRADECIMENTOS

    v

    tornarmos um mundo para o ser amado; que uma alta exigncia, uma ambio sem limites, que faz daquele que ama um eleito solicitado pelos mais vastos horizontes. Palavras so perdidas, promessas so esquecidas, papis e cartas apodrecem, mas o verdadeiro amor o que permanece... (Jonathas Hardy).

    Ao meu pai Francisco, que onde quer que ele esteja, sempre acreditou na minha

    ambio e nos meus sonhos e que um dia ia e vou conseguir l chegar. No h alegria para o corao de um pai, que valha a certeza da felicidade de um filho (Jlio Dantas).

    minha me Vivalda, por ser a melhor me do mundo, capaz de mover vales e

    montanhas por mim e pela concretizao dos meus sonhos, por sempre me ter apoiado e nunca me ter dito que eu jamais seria capaz. Os teus braos sempre se abrem quando preciso de um abrao. O teu corao sabe compreender quando preciso de uma amiga. Os teus olhos sensveis endurecem-se quando preciso de uma lio. A tua fora e o teu amor encaminham-me pela vida e do-me as asas que eu preciso para voar (Annimo).

    Agradecimentos Institucionais:

    Ao Instituto de Oceanografia da Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa por ter proporcionado a realizao da presente dissertao de mestrado.

    A presente dissertao de mestrado foi realizada no mbito do projecto EFICAS (POCI/MAR/61324/2004), financiado pela Fundao para a Cincia e Tecnologia (FCT).

  • vi

    RESUMO

    As comunidades biolgicas da zona de transio dulciaqucola-salobra do esturio do

    Mira foram estudadas em duas vertentes principais: composio e estrutura das comunidades

    de macroinvertebrados bentnicos de acordo com o gradiente salino, e uso e potencialidade

    de explorao dos recursos biolgicos existentes nessa zona. A variabilidade espacial das

    comunidades de macroinvertebrados bentnicos revelou a existncia de duas zonas distintas

    (zona dulciaqucola e zona salobra). Na zona mais a montante, com uma salinidade anual

    inferior a 0,5, predominaram taxa dulciaqucolas, principalmente larvas de insectos, e

    observou-se uma tendncia para maiores densidades e riquezas taxonmicas. Na zona salobra,

    com uma salinidade anual superior a 0,5, predominaram taxa estuarinos, e por isso mais

    tolerantes a variaes de salinidade (Corophium orientale, Cyathura carinata. Lekanesphaera

    spp., Alkmaria romijni, Hediste diversicolor e Streblospio shrubsolii), observando-se maiores

    valores de diversidade e equitabilidade. Foram observadas variaes sazonais em ambas as

    zonas, foi mais acentuada na zona dulciaqucola, tendo sido na Primavera que se registaram os

    maiores valores de abundncia e no Outono os mais baixos. Os resultados obtidos neste

    estudo indicam que o limite superior do esturio tidal se localiza, sensivelmente, 8 km a

    montante da vila de Odemira, estendo-se a zona de transio aproximadamente por 2,7 km

    para jusante desse limite superior. A distribuio destas comunidades, na zona de transio

    dulciaqucola-salobra, faz-se progressivamente de acordo com o gradiente salino,

    comportando-se mais como um padro de ecoclina do que de cotono. A potencialidade dos

    recursos biolgicos existentes na zona dulciaqucola-salobra do esturio do Mira foi avaliada

    com base em inquritos e complementada com a informao disponvel na bibliografia.

    Apenas praticada pesca ldica, com utilizao de cana-de-pesca, utilizando como isco,

    sobretudo, a minhoca-da-pesca e o camaro na captura de Dicentrarchus labrax, Anguilla

    anguilla, Diplodus sargus e Solea spp., e tambm de milho na captura de Cyprinus carpio,

    sendo o principal destino das pescarias o consumo prprio. Procambarus clarkii, Palaemon

    longirostris e Corbicula fluminea, embora pouco explorados, so potenciais recursos.

    PALAVRAS-CHAVE: macroinvertebrados bentnicos; esturio superior; variao espacial e

    temporal, gradiente salino; ecoclina; recursos biolgicos;

  • vii

    SUMMARY

    The communities of benthic macroinvertebrates of the freshwater and brackish water

    transition zone of the Mira estuary had been studied to evaluate the composition and

    structure of the communities according to the salinity gradient and to assess potential for

    biological resources. Spatial variability of macrobenthos revealed two different areas: a

    freshwater area, with median annual salinities of 0.5, characterized by high abundances and

    taxa, mainly insects; and a brackish water region, with higher salinities, characterized by

    salinity tolerant taxa (Corophium orientale, Cyathura carinata. Lekanesphaera spp., Alkmaria

    romijni, Hediste diversicolor e Streblospio shrubsolii) and showing higher diversity and

    evenness. Seasonal variations were observed in both areas, although higher in the freshwater

    region. Nevertheless, spring was the season with higher abundances while autumn showed the

    lowest. The upper limit of the tidal estuary of this estuary was determined to be located 8 km

    upstream of Odemira village and the transition area between freshwater and brackish water

    extended approximately for 2.7 km downstream of this limit. The communities of benthic

    macroinvertebrates in this transition zone are distributed gradually along the saline gradient

    which is in accordance with the ecocline model. The potential biological resources to explore in

    the freshwater and brackish water zone in the Mira estuary was evaluated by inquiries and

    complemented with the information available in the bibliography. Only recreational fishing

    was practice, therefore fishing rod the only gear used. Ragworms and shrimp were the

    preferential bait for the capture of Dicentrarchus labrax, Anguilla anguilla, Diplodus sargus,

    Solea spp., and corn for Cyprinus carpio. Procambarus clarkii, Palaemon longirostris and

    Corbicula fluminea were found to be potential resources for human consumption or for bait.

    KEYWORDS: transition area; benthic macrofauna, spatial and temporal variations, saline

    gradient; potential biologic resources

  • NDICE

    Agradecimentos ..................................................................................................................i

    Resumo ............................................................................................................................. vi

    Summary .......................................................................................................................... vii

    CAPTULO 1

    Introduo Geral ............................................................................................................... 2

    Enquadramento e Objectivos ........................................................................................................ 2

    Descrio geral da rea de estudo ................................................................................................ 4

    Referncias .................................................................................................................................... 8

    CAPTULO 2

    Ecologia e definio da zona de transio dulciaqucola-salobra no Rio Mira .............. 14

    Resumo ........................................................................................................................................ 14

    Introduo ................................................................................................................................... 15

    Metodologia ................................................................................................................................ 18

    Caracterizao da rea de estudo .......................................................................................... 18

    Definio das estaes de amostragem ................................................................................ 19

    Amostragem ........................................................................................................................... 19

    Processamento laboratorial ................................................................................................... 21

    Anlise de dados .................................................................................................................... 22

    Resultados ................................................................................................................................... 28

    Composio e abundncia das comunidades de macroinvertebrados bentnicos .............. 28

    Variao espacial na composio das comunidades de macroinvertebrados bentnicos .... 29

    Variao temporal na composio das comunidades de macroinvertebrados bentnicos .. 36

  • Variao espcio-temporal das medidas de diversidade das comunidades de macroinvertebrados bentnicos ............................................................................................ 43

    Discusso ..................................................................................................................................... 46

    Referncias .................................................................................................................................. 50

    CAPTULO 3

    Recursos biolgicos da zona de transio dulciaqucola-salobra no Rio Mira ............... 58

    Resumo ........................................................................................................................................ 58

    Introduo ................................................................................................................................... 59

    Metodologia ................................................................................................................................ 63

    Resultados ................................................................................................................................... 64

    Discusso ..................................................................................................................................... 69

    Referncias .................................................................................................................................. 73

    CAPTULO 4

    Concluses gerais ........................................................................................................... 80

    ANEXO A

    ANEXO B

    ANEXO C

  • INTRODUO GERAL

    CAPTULO 1

  • 2

    INTRODUO GERAL

    ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS

    As comunidades biolgicas dos esturios so normalmente dominadas por

    espcies de origem marinha e, em menor nmero, dulciaqucolas, sendo relativamente

    raras espcies tipicamente estuarinas, ou seja, estritamente dependentes de habitats

    salobros.

    De qualquer forma, todas as espcies capazes de colonizar esturios

    desenvolveram uma capacidade de tolerar valores de salinidade intermdios entre os

    caractersticos de ambientes de gua doce e marinho e variaes de salinidade

    acentuadas, permitindo-lhes viver nos esturios (Muylaert et al., 2009). Esta tolerncia

    devida capacidade de osmorregulao do prprio organismo e adaptao s

    particularidades ecolgicas destes locais (e.g. habitat e especificidades em termos de

    alimentao) (Willmer et al., 2000; Greenwood, 2007).

    De facto, os factores ambientais mais importantes e que, normalmente, afectam

    os padres longitudinais das comunidades de macroinvertebrados bentnicos nos

    esturios so a temperatura, o fluxo de gua doce e a salinidade (Piscart et al., 2005),

    sendo que o ltimo factor constitui aquele que, primeiramente, define e controla a

    distribuio dessas mesmas comunidades ao longo desses sistemas (Attrill & Power,

    2000; Attrill & Rundle, 2002; Piscart et al., 2005; Sousa et al., 2007; Hampel et al.,

    2009).

    Na zona de transio entre a gua doce e o esturio compreensivelmente que

    persiste um maior gradiente de carcter fsico-qumico (i.e. salinidade), consiste

    (Greenwood, 2007), ocorrendo por isso mudanas pronunciadas na composio e

    diversidade das comunidades biolgicas e de macroinvertebrados bentnicos em

    particular (Muylaert et al., 2009).

  • INTRODUO GERAL

    3

    De acordo com Remane (1934), medida que o gradiente salino aumenta, a

    diversidade das comunidades de macroinvertebrados tambm aumenta, facto j

    demonstrado tambm para o esturio do Mira, onde a diversidade a jusante

    incomparavelmente maior que nas zonas intermdias do esturio e a montante, junto

    a Odemira, que considerado o limite superior do esturio salino (e.g. Andrade, 1986).

    A definio deste limite superior no consensual entre autores, sendo que, em

    alguns trabalhos, referida uma extenso de 30 km (Costa et al., 2001; Ferreira et al.,

    2003) e 32 km (Andrade, 1986; Castro et al., 2002), terminando o esturio em

    Odemira, enquanto outros autores consideram que o esturio do Mira apresenta uma

    extenso superior mencionada anteriormente, cerca de 40 km (Blanton et al., 2000;

    Silva et al., 2006). Esta discrepncia deve-se ao facto de uns autores considerarem que

    o limite superior do esturio do Mira definido pelas caractersticas salinas da massa

    de gua (Andrade, 1986; Costa et al., 2001; Castro et al., 2002; Ferreira et al., 2003;

    Almeida, 2003; Costa, 2004), sendo-se que o valor mediano da salinidade, medido a

    montante de Odemira, normalmente inferior a 0,5 (Ferreira et al., 2003); e outros

    autores considerarem que o esturio se estende at onde a influncia da mar se faz

    sentir esturio tidal (Blanton et al., 2000; Silva et al., 2006).

    Apesar do esturio do Mira ser um sistema relativamente bem estudado, para

    montante do Moinho da Asneira os estudos existentes sobre as comunidades de

    macroinvertebrados bentnicos so mais escassos e menos pormenorizados, sendo as

    principais obras sobre este assunto da autoria de Bruxelas et al. (1985), Campos &

    Fonseca (1985), Andrade (1986) e Chainho (2008). A poro dulciaqucola do Rio Mira

    tem sido muito pouco estudada, estando apenas publicado um estudo desenvolvido

    por Teixeira et al. (2008) no mbito do projecto AQUARIPORT. Esta escassez de

    informao estende-se zona de transio dulciaqucola-salobra deste mesmo

    sistema. De um modo geral, a fronteira entre os ecossistemas de gua doce e

    estuarino tem recebido muito pouca ateno por parte da comunidade cientfica em

    todo o mundo (Rundle et al., 1998), apesar das comunidades que habitam esta

    interface reunirem taxa dulciaqucolas e estuarinos e providenciarem a oportunidade

    de estudar processos e padres de um ecossistema onde a migrao prevalece, sendo

    uma zona dominada por espcies que vivem no seu limite de tolerncia. pouco se sabe

  • INTRODUO GERAL

    4

    tambm sobre os recursos biolgicos que a existem e o seu potencial de explorao

    pelo Homem.

    Com o intuito de atenuar as lacunas de informao existentes no que respeita

    zona superior do esturio do Mira, com especial incidncia na zona de transio

    dulciaqucola-salobra no Rio Mira, o presente trabalho pretendeu representar, de um

    modo geral, um contributo para um maior e melhor conhecimento sobre a ecologia

    das comunidades aquticas deste sistema e dos recursos biolgicos que a existem,

    tendo em vista um melhor aproveitamento pelo Homem.

    DESCRIO GERAL DA REA DE ESTUDO

    O rio Mira possui um comprimento de cerca de 145 km, com uma rea de

    drenagem aproximada de 1576 km2, localizando-se na Costa Sudoeste de Portugal

    Continental (Blanton et al., 2000; Ferreira et al., 2003). Culmina num esturio que se

    estende desde a regio a montante de Odemira at foz, junto a Vila Nova de Mil

    Fontes (37O40 N; 8O45 O) (Castro et al., 2002; Ado, 2003; Costa, 2004; Silva et al.,

    2006), e caracteriza-se por ter um formato alongado e entrincheirado (Ferreira et al.,

    2003; Costa, 2004) (Figura 1).

    Ao contrrio da generalidade dos rios portugueses, mas de modo similar ao rio

    Sado, corre fundamentalmente de sul para norte, mais propriamente de sudoeste para

    noroeste, embora se observem algumas mudanas de direco em determinadas

    regies. Pode ser considerado um rio relativamente parado, que corre com uma

    razovel lentido desde a sua nascente (Serra do Caldeiro) at foz. Entre o Sado e a

    Ria de Alvor, o Mira constitui o nico curso de gua que actualmente se encontra em

    permanente contacto com o oceano, conferindo-lhe uma importncia acrescida num

    contexto regional (Marques, 2008).

    Este esturio apresenta uma largura mxima de 400 m (Silva et al., 2006) na

    parte inferior e de 30 m na parte superior (Castro et al., 2002), pelo que o ciclo tidal

    no impe variaes significativas na largura na regio montante, em contrapartida

    com o que acontece na zona central e a jusante (Costa, 2004). A profundidade mdia

    de 6 m (Castro et al., 2002; Ferreira et al., 2003), oscilando entre 5 e 10 m na parte

  • INTRODUO GERAL

    5

    central e inferior do esturio, mas no ultrapassando os 3 m na parte superior, onde a

    influncia das mars ainda se faz sentir (Castro et al., 2002).

    Figura 1. Localizao e delimitao da bacia hidrogrfica do rio Mira.

    A sua bacia hidrogrfica apresenta um clima temperado (mesotrmico), com um

    perodo seco que se estende pelas pocas da Primavera e Vero (mais concretamente,

    entre os meses de Maio e Setembro), e um perodo hmido, no Outono e no Inverno

    (de Novembro a Abril). A temperatura mdia do ar anual apresenta valores da ordem

    dos 16oC, com uma mdia nos meses mais quentes (Julho e Agosto) varivel entre 21-

    25oC junto ao mar e de 30oC na zona interior enquanto no ms mais frio (Janeiro), as

    temperaturas do ar oscilam entre 8 e 11oC no litoral e atingem os 5oC no interior. Em

    termos globais, e na maior parte da bacia hidrogrfica, verifica-se uma precipitao

    mdia anual compreendida entre 600 e 700 mm (Bettencourt et al., 1992).

    De acordo com a tipologia definida para Portugal, no mbito da implementao

    da Directiva-Quadro da gua, o esturio do Mira encontra-se classificado como sendo

    do tipo A2 mesotidal, homogneo e com um fluxo de gua condicionado pelas

    Vila Nova de Mil FontesMoinho da Asneira

    CarrasqueiraTroviscais Ribeira do Torgal

    Ribeira Macheira

    RibeiraFoz de Casinhas

    ODEMIRA

    Sabia

    SantaClara-a-Velha

    Barragem de Santa Clara

    RIO MIRA

    RIO MIRA

    RIO MIRA

    N

    N

    OCE

    AN

    O A

    TL

    NTI

    CO

    OCE

    AN

    O A

    TL

    NTI

    CO

    Port

    ugal

    0 100 km

    0 2,5 km

  • INTRODUO GERAL

    6

    estaes do ano (Bettencourt et al., 2004). Segundo Ferreira et al. (2003), o fluxo de

    gua doce ao esturio do Mira bastante reduzido, sendo mais pronunciado nas

    pocas de Inverno e Primavera, com um fluxo mdio anual de 10 m3.s-1, mas podendo

    oscilar entre 0 e 500 m3.s-1 (Blanton et al., 2000). Este fluxo regulado artificialmente,

    maioritariamente pela barragem de Santa Clara, localizada no troo do rio Mira a cerca

    de 3 km a montante da localidade de Santa Clara-a-Velha. Se durante o semestre

    hmido de um ano normal a precipitao e o afluxo de gua doce ao esturio podem

    atingir valores importantes, na poca estival a entrada de caudais fluviais no sistema

    torna-se praticamente nula. Naturalmente, o fluxo de gua doce do sistema

    grandemente influenciado pela ocorrncia de eventos extremos (Figura 2).

    Figura 2. Precipitao mdia anual (mm) na estao meteorolgica de Odemira, de 1979 a 2007 (fonte:

    INAG, 2009, www.inag.pt).

    Consequentemente, em condies normais a hidrodinmica do esturio

    sobretudo influenciada pelo ciclo de mars, pelo que nos meses de menor fluxo de

    0

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    700

    800

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    1000

    1979

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    1983

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    1989

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    1992

    /93

    1993

    /94

    1994

    /95

    2001

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    2005

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    2006

    /07

    mm

    Cheia

    Cheia

    SecaS

    eca

  • INTRODUO GERAL

    7

    gua doce, as suas componentes dinmica e salina so marcadamente dominadas pela

    intruso de gua salgada (Ferreira et al., 2003), que por sua vez, condiciona as

    flutuaes ambientais dos parmetros fsico-qumicos na coluna de gua,

    particularmente, da salinidade e turbidez (Andrade, 1986). Perante eventos de elevada

    pluviosidade, a massa de gua estuarina responde com alguma rapidez a essas

    alteraes sbitas, nomeadamente, no que diz respeito salinidade (Bettencourt et

    al., 1993). So necessrios 14 dias para que se d a troca total da gua contida no

    esturio (Chainho et al., 2008; Marques, 2008). Apesar da massa de gua ser

    homognea, visvel, como consequncia de eventos de maior fluxo de gua doce e

    nas reas mais a jusante, uma estratificao vertical (Ferreira et al., 2003).

    Alm da variabilidade espacial nos constituintes hidrodinmicos e fsico-qumicos

    da massa de gua estuarina, no menos importantes so as flutuaes sazonais que

    resultam dos fenmenos naturais inerentes s diferentes pocas do ano, como o

    caso ciclo anual das chuvas e do fluxo de gua doce, que determina a extenso da

    intruso da gua salgada, bem como o grau da estratificao vertical (Ado, 2003) e.

    Pelo facto de se encontrar no interior de uma rea protegida (Parque Natural do

    Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina), o esturio do Mira constitui um local com

    elevado valor em termos de conservao da natureza. Inerente a uma poltica

    integrada de preservao ambiental, so reduzidas as fontes poluidoras e poucas so

    as alteraes de ndole antropognica. Comparativamente a outros esturios (e.g.

    Tejo, Mondego), o esturio do Mira considerado um ecossistema pristino (Marques

    et al., 1993; Ado, 2003).

    A bacia do Mira e o seu respectivo esturio apresentam-se ainda bem

    preservados quando comparados com outros sistemas semelhantes (Marques et al.,

    1993). Para isso muito contribui o facto de uma extenso importante da rea

    (fundamentalmente o esturio salino) estar includa no Parque Natural do Sudoeste

    Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), o que tem impedido a realizao de

    actividades antrpicas e a instalao no local de infra-estruturas particularmente

    lesivas para o meio circundante. Contudo, tambm aqui existem alguns

    constrangimentos ambientais com alguma relevncia, sendo o maior deles o crescente

    assoreamento do leito e da barra do rio. Outros aspectos dignos de nota, mas

  • INTRODUO GERAL

    8

    aparentemente menos importantes no momento actual so as modificaes

    produzidas nos terrenos ribeirinhos marginais, a explorao de recursos biolgicos e

    introduo de espcies exticas e a reduo dos caudais dulciaqucolas (Marques,

    2008). A barragem de Santa Clara serve uma rea agrcola de 12 mil ha e uma

    populao de 24 mil habitantes, existindo cerca de 51 unidades industriais na zona

    envolvente (Chainho et al., 2008). Certas reas registam alguma contaminao por

    certos metais pesados, como As, Cr, Cu e Ni (Chainho et al., 2008). Apesar destes

    constrangimentos, o esturio do Mira assume uma relevncia acrescida funcionando

    como zona de viveiro para muitas espcies marinhas (sobretudo peixes) com

    importncia comercial e que so pescadas na zona costeira adjacente (e.g. Almeida et

    al., 1997; Costa, 2004). Muitas destas espcies icticascas desenvolvem o seu ciclo de

    vida na parte superior do esturio, junto zona da vila de Odemira, onde tambm

    possvel encontrar algumas espcies de macroinvertebrados bentnicos exticos,

    facilmente adaptveis s condies biticas e abiticas da zona de transio

    dulciaqucola-salobra. Algumas espcies cticas presentes nesta zona de transio e na

    rea envolvente so exploradas pela populao local (pesca ldica) para consumo

    prprio.

    REFERNCIAS

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  • INTRODUO GERAL

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  • INTRODUO GERAL

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  • ECOLOGIA E DEFINIO DA ZONA DE TRANSIO DULCIAQUCOLA SALOBRA NO RIO MIRA

    CAPTULO 2

  • 14

    ECOLOGIA E DEFINIO DA ZONA DE TRANSIO

    DULCIAQUCOLA-SALOBRA NO RIO MIRA

    RESUMO

    A variabilidade espacial e temporal das comunidades de macroinvertebrados bentnicos na zona de transio dulciaqucola-salobra do Rio de Mira, com base no gradiente salino, foi analisada ao longo das quatro pocas do ano de 2006. Este esturio um sistema mesotidal, homogneo e com um fluxo de gua condicionado pelas estaes do ano. Com base nos dados obtidos pelo presente estudo foi possvel determinar que o limite superior do esturio tidal do Rio Mira localiza-se, sensivelmente, 8 km a montante da vila de Odemira e a zona de transio entre a gua doce e o esturio estende-se aproximadamente por 2,7 km para jusante deste limite. Foram identificados 74 taxa de macroinvertebrados bentnicos. Amphipoda e Insecta compreenderam 70% dos organismos capturados na rea do estudo. Polychaeta, bivalvia, Oligochaeta e Isopoda apresentaram densidades menores estando os Gastropoda escassamente representados. Este trabalho evidenciou a existncia de duas zonas com comunidades de macroinvertebrados bentnicos distintas: uma zona dulciaqucola e uma zona salobra. Alm disso, entre estas duas zonas distinguiu-se uma rea onde as comunidades de gua doce e estuarinas se misturam. Assim, a distribuio das comunidades de macroinvertebrados bentnicos, na zona de transio dulciaqucola-salobra do esturio do Mira, faz-se progressivamente de acordo com o gradiente salino, comparando-se mais com o modelo de ecoclina do que de ectono.

    Para alm da sanilidade, outros factores, e.g. granolumetria do sedimento, fluxo de gua doce, parecem determinar secundariamente as variaes espcio-temporais de macroinvertebrados bentnicos presentes na zona.

    PALAVRAS-CHAVE: macroinvertebrados bentnicos, gradiente salino, esturio, variao

    espacial, variao temporal

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    15

    INTRODUO

    Os esturios so comummente vistos como zonas de transio entre os sistemas

    de gua doce e marinhos (e.g. Odum, 1997; Cohen, 2000), caracterizados por sofrerem

    mudanas morfolgicas, qumicas e ecolgicas numa escala espacial e temporal

    relativamente curtas (Fairbridge, 1980). De acordo com este ltimo autor, a aco das

    mars permite subdividir um esturio em trs zonas: zona inferior, em contacto

    directo com o meio marinho; zona mdia, onde a massa de gua de origem marinha se

    dilui de forma mensurvel com a gua doce; e zona superior (zona de transio

    dulciaqucola-salobra), caracterizada pela presena de gua doce, no entanto, sujeita

    ainda influncia das mars. Esta zona superior dos esturios tem sido muito pouco

    estudada, quer a nvel internacional (Rundle et al., 1998; Attrill & Rundle, 2002), quer a

    nvel nacional (Bruxelas et al. 1985; Campos & Fonseca, 1985; Andrade, 1986; Chainho,

    2008; Marques, 2008), facto que se verifica particularmente para o esturio do Mira,

    cujos estudos sobre o conjunto das comunidades macrozoobentnicas para montante

    do Moinho da Asneira so muito escassos e pouco pormenorizados (Marques, 2008).

    Paralelamente, entre os vrios autores que se dedicaram a estudar este esturio, no

    de todo consensual a delimitao dessa zona superior (i.e. limite superior do esturio

    salino) (e.g. Andrade, 1986; Blanton et al., 2000; Costa et al., 2001; Castro et al., 2002;

    Almeida, 2003; Ferreira et al., 2003; Costa, 2004; Silva et al., 2006).

    Todavia, nos ltimos anos tm surgido algumas tentativas no sentido de uma

    melhor compreenso da composio das comunidades de macroinvertebrados

    bentnicos e a sua variao espacial e temporal, bem como das caractersticas fsico-

    qumicas destas zonas de transio superiores, em outros esturios e lagoas costeiras

    [e.g. esturio do Rio Tamisa, no Reino Unido (Rundle et al., 1998; Attrill, 2002; Attrill &

    Rundle, 2002); Lagoa de bidos, em Portugal (Carvalho et al., 2005)]. Tratando-se de

    uma zona de transio, vrios autores tm tentado enquadrar esta zona nos conceitos

    de ectono (e.g. Gallupo et al., 2007) e/ou ecoclina (e.g. Attrill & Rundle, 2002). Um

    ectono uma zona de mudanas relativamente rpidas, sendo por isso dinmica e

    normalmente instvel, originando uma zona ecologicamente limitada entre dois tipos

    de comunidades distintas e relativamente homogneas (Attrill & Rundle, 2002). O

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    16

    conceito de ecoclina mais recente e define uma zona onde existem comunidades

    muito heterogneas e mais estveis comparativamente s comunidades existentes

    num ectono, distribudas ao longo de um gradiente de mudanas progressivas em

    resposta a um factor ou conjunto de factores ambientais (Attrill & Rundle, 2002), que

    variando espacial e temporalmente, no a fazem desaparecer de todo (van der Maarel,

    1990). Este conceito tem sido pouco aplicado fora do ambiente terrestre, no entanto,

    alguns autores tm investido na sua expanso e na sua aplicabilidade no

    comportamento de algumas espcies de algas sujeitas a um gradiente salino (e.g.

    Rietema, 1995; Russell & Veltkamp, 2008).

    Acompanhando o gradiente salino no sentido gua doce-esturio, as espcies

    estuarinas, particularmente os macroinvertebrados bentnicos, distribuem-se de

    acordo com a sua tolerncia salinidade, concentrando-se mais na fronteira entre a

    zona dulciaqucola e a zona salobra (Remane, 1934) (Figura 3). Perante este padro,

    Remane (1934) assumiu que a referida distribuio assimtrica dever-se-ia ao facto das

    espcies de macroinvertebrados bentnicos de gua doce serem menos tolerantes s

    variaes de salinidade do que as espcies marinhas. De facto, com a aproximao da

    zona de transio dulciaqucola-salobra, o nmero de espcies de gua doce diminui

    drasticamente perante um ligeiro aumento da salinidade, ao passo que as espcies

    mais tolerantes s variaes de salinidade (sobretudo espcies estuarinas)

    concentram-se nessa mesma fronteira, aumentando significativamente a partir da o

    nmero de espcies marinhas, o que se reflecte graficamente numa curva do tipo

    sinusoidal (Figura 3).

    O modelo comummente utilizado para descrever a composio das comunidades

    de macroinvertebrados bentnicos na zona de transio dulciaqucola-salobra prope,

    deste modo, uma diminuio considervel da riqueza especfica em relao s reas

    adjacentes. De facto, o fluxo de gua doce nestas regies onde mais intenso e sujeito

    frequentemente a grandes variaes, apenas sobrevivem algumas espcies mais

    tolerantes a fortes variaes espaciais e temporais de salinidade (Rundle et al., 1998)

    que inevitavelmente ocorrem.

    Em funo de um reduzido fluxo de gua doce, as espcies de

    macroinvertebrados bentnicos estuarinas tendem a migrar para montante da zona de

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    17

    transio dulciaqucola-salobra, resultando numa alterao da composio das

    comunidades, sendo que o inverso tende igualmente a verificar-se. Este padro de

    alterao das comunidades de macroinvertebrados bentnicos assenta nos modelos

    de ectono ou ecoclina?

    Figura 3. Curva de Remane (Remane, 1934) adaptada e anotada de forma a mostrar a aplicabilidade dos

    modelos de ectono e ecoclina aos esturios e, particularmente, s zonas de transio dulciaqucola-

    esturio.

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    18

    Os principais objectivos deste trabalho foram:

    a) Estudar os padres de variao espacial e temporal da composio das

    comunidades de macroinvertebrados bentnicos que constituem a zona de

    transio dulciaqucola-salobra do esturio do Mira,

    b) Esclarecer a delimitao superior do esturio salino do Rio Mira e,

    c) Perceber qual a aplicabilidade dos conceitos de ectono e ecoclina nesta mesma

    zona de transio.

    Alm disso, o presente trabalho pretendeu contribuir, de um modo geral, para

    um maior e melhor conhecimento sobre a ecologia das comunidades aquticas do

    esturio do Mira.

    METODOLOGIA

    Caracterizao da rea de estudo

    O rio Mira nasce a uma altitude de 470 m, na Serra do Caldeiro, estendendo-se

    at foz, junto a Vila Nova de Milfontes, por uma distncia de 145 km (Blanton et al.,

    2000; Ferreira et al., 2003), terminando num sistema salobro de pequena dimenso

    (com uma rea aproximada de 2 km2) que apresenta um formato alongado e

    entrincheirado. De acordo com Andrade et al. (1991), a influncia das mars faz-se

    sentir a mais de 40 km da foz, no entanto, o limite inferior da zona limntica

    encontra-se sensivelmente na regio de Odemira, situada a 32 km do mar (Andrade,

    1986). De acordo com os objectivos propostos no presente captulo, a rea de estudo

    centrou-se junto a Odemira, abrangendo a zona de transio dulciaqucola-salobra,

    cobrindo uma extenso total de aproximadamente 11,2 km, estendendo-se para

    montante desta vila cerca de 8,5 km e para jusante 2,7 km (Figura 4).

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    19

    Definio das estaes de amostragem

    Com base nos dados de salinidade obtidos por Marques et al. (2008),

    predefiniu-se o limite superior do esturio salino como sendo a zona a partir da qual os

    valores medianos anuais de salinidade (perodo de 2006-2007) nunca ultrapassaram

    0,5 (Figura 4). De acordo com este limite, estabeleceram-se dois grupos de estaes de

    amostragem: Grupo I - Zona Dulciaqucola (estaes D1, D2 e D3) e Grupo II - Zona

    Salobra (estaes S1, S2, S3 e S4) (Figura 4). Estas estaes de amostragem

    localizaram-se assim, ao longo do gradiente salino, seguindo o sistema de Veneza

    (Annimo, 1959), de forma a abranger a zona dulciaqucola, com salinidade mediana

    anual inferior a 0,5 (tidal - estaes D1, D2 e D3), e a zona salobra, com salinidade

    mediana anual igual ou superior a 0,5 (oligohalino - estaes S1 e S2, e

    mesohalino - estaes S3 e S4).

    Amostragem

    No mbito do presente estudo, foram realizadas quatro campanhas de

    amostragem no esturio do Mira durante o ano de 2006, nomeadamente em Maro

    (Inverno)1

    Para a captura dos organismos foram recolhidas amostras de sedimento, a bordo

    de uma embarcao, utilizando uma draga van Veen modelo LMG, com uma rea de

    ataque de 0,5 m2. Em cada estao de amostragem foram recolhidos 3 replicados na

    zona subtidal. As amostras foram lavadas in loco e fixadas com uma soluo de

    formaldedo a 4% tamponada com borato de sdio e corada com rosa de Bengala, para

    posterior processamento laboratorial.

    , Junho (Primavera), Setembro (Vero) e Novembro (Outono). A recolha das

    amostras foi efectuada no perodo de estofo de mar com o intuito de maximizar a

    eficincia da tcnica de captura dos macroinvertebrados bentnicos.

    Simultaneamente, em cada estao de amostragem foram efectuadas medies

    in situ de salinidade, oxignio dissolvido (mg.l-1 e %) e temperatura (oC) com uma

    1 Nesta poca, a amostragem de macroinvertebrados bentnicos contempla apenas seis estaes de amostragem, uma vez que S2 no foi amostrada, devido a dificuldades de acessibilidade ao terreno.

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    20

    sonda multiparamtrica, (marca YSI, modelo 6820 V2). Foi ainda medida em cada

    estao de amostragem a transparncia (m), recorrendo-se a um disco de Secchi.

    Figura 4. rea de estudo e gradiente salino do esturio do Mira, desde a zona tidal zona euhalina

    (valores medianos e erro padro por estao de amostragem em 2006 e 2007) (adaptado de Marques,

    2008). As caixas a sombreado identificam as estaes estudadas no presente trabalho e o tracejado

    indica a zona considerada, a priori, como limite superior do esturio salino. As estaes localizadas na

    zona dulciaqucola so identificadas por D e as localizadas na zona salobra so identificadas por S.

    SIMBOLOGIA- Estaes de amostragem

    - rea de estudo

    ODEMIRA

    Vila Nova de Mil Fontes

    D1D2

    D3

    S1S2S3

    S4

    S5

    S6

    S7

    S8

    S9

    Ribeira do Torgal

    Carrasqueira

    Troviscais

    OCE

    AN

    O A

    TL

    NTI

    CO

    N

    OCE

    AN

    O A

    TL

    NTI

    CO

    Port

    ugal

    0 100 km

    N

    RIO MIRA

    RIO MIRA

    0 2,5 km

    Moinho da Asneira

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    21

    Foram recolhidas amostras de gua junto ao fundo com uma garrafa tipo van

    Dorn, para posterior determinao das concentraes de nitratos (N-NO3-, mg.l-1),

    nitritos (N-NO2-, mg.l-1), amnia (N-NH4

    +, mg.l-1), fosfatos (P-PO43-, mg.l-1), slidos

    suspensos totais (mg.l-1) e clorofila a (g.l-1). As amostras de gua para a determinao

    de slidos suspensos totais e de clorofila a foram filtradas atravs de filtros do tipo

    Whatman GF/C. Aps a filtrao das amostras, os filtrados foram recolhidos e

    conservados a uma temperatura de -20oC at respectiva anlise. Foram ainda

    recolhidas amostras de sedimento para a determinao da sua granulometria (% das

    diferentes fraces) e do respectivo teor em carbono orgnico (TCO, %).

    Processamento laboratorial

    As amostras de sedimento para anlise dos macroinvertebrados bentnicos

    foram lavadas sob fluxo de gua contnuo, atravs de um crivo de malha calibrada de

    500 m. Os espcimes retidos foram conservados em lcool a 70% corado com rosa de

    Bengala, sendo posteriormente triados, identificados ao menor nvel taxonmico

    possvel e contados. Para a determinao taxonmica dos diferentes organismos

    recorreu-se, no s a chaves dicotmicas para os vrios grupos encontrados, mas,

    sempre que possvel e necessrio, tambm a artigos cientficos com revises

    taxonmicas para determinadas famlias ou gneros (Anexo A). Nos casos em que no

    foi possvel chegar a uma identificao taxonmica a nvel especfico, os organismos

    foram identificados famlia (e.g. Chironomidae, Caenidae, Psychomyiidae) ou ao

    gnero (e.g. Gyraulus sp., Viviparus sp.); os Oligochaeta foram identificados ao nvel da

    subclasse.

    A determinao de N-NO3- e de N-NO2

    - seguiu os protocolos indicados em

    Strickland & Parsons (1972) e APHA (1995). A concentrao de N-NO3- foi determinada

    pelo mtodo de reduo em coluna de cdmio e a concentrao de N-NO2- resultante

    foi determinada com base na reaco de Griess. A concentrao de N-NO3- foi obtida

    subtraindo o valor da determinao dos N-NO2- ao valor da determinao de N-NO3

    aps reduo na coluna de cdmio. As concentraes de N-NH4+ e P-PO4

    3-, este ltimo

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    22

    na forma de ortofosfato, foram determinadas de acordo com a metodologia indicada

    em Annimo (1992). A concentrao de N-NH4+ foi determinada por calorimetria e a

    concentrao de P-PO43- foi determinada pelo mtodo do cido ascrbico, por

    espectrofotometria com um comprimento de onda de 882 nm. A clorofila a foi

    determinada por espectrofotometria, aps extraco com acetona a 90%, de acordo

    com Strickland & Parsons (1972).

    A granulometria do sedimento foi determinada por separao das diversas

    fraces atravs de uma coluna de quatro crivos (2 mm, 500 m, 250 m e 63 m) do

    tipo AFNOR, aps secagem a 60oC, por um perodo de 48 horas. A granulometria em

    cada estao de amostragem foi classificada como cascalho (G1, >2 mm), areia grossa

    (G2, 500 m - 2 mm), areia mdia (G3, 250 - 500 m), areia fina (G4, 63 - 250 m) e

    vasa (G5

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    23

    pressupostos considerados pela ordenao nMDS respeitantes natureza e qualidade

    dos dados comparativamente a outras tcnicas de ordenao e, finalmente, o seu

    algoritmo no afectado pela lacuna de alguma informao nos dados a tratar e pela

    dimenso dos mesmos (Clarke & Warwick, 1994). Este tipo de anlise fornece uma

    projeco das unidades de amostragem dispostas em mapas no mtricos de duas (ou

    trs) dimenses, estando as distncias entre as unidades de amostragem de acordo

    com o seu grau de similaridade. No caso do valor do stress da anlise ser pequeno

    (inferior a 0,1), a ordenao MDS constitui provavelmente a melhor representao

    grfica para o tipo de dados a estudar no mbito do presente trabalho (Clarke &

    Warwick, 1994). Por esse motivo, a tcnica de ordenao nMDS tem sido

    particularmente e amplamente utilizada para analisar a estrutura das comunidades de

    macroinvertebrados bentnicos (e.g. Clarke & Green, 1988; Rodrigues et al., 2007;

    Spruzen et al., 2008). No entanto, para valores de stress superiores a 0,1, a

    classificao hierrquica aglomerativa (Cluster Analysis), com o objectivo de definir

    grupos de estaes de amostragem de acordo com a sua similaridade, deve ser

    utilizada como complemento ordenao nMDS, e ambas representadas em

    simultneo (Clarke & Warwick, 1994).

    Assim, neste trabalho, a ordenao nMDS foi complementada com uma

    classificao hierrquica aglomerativa, representada por um dendograma, em que o

    eixo dos X representa as estaes de amostragem e o eixo dos Y define o nvel de

    dissimilaridade pelo qual duas estaes ou grupos de estaes se encontram

    agrupadas (Clarke & Warwick, 1994).

    Para avaliar a existncia de diferenas significativas entre os grupos de estaes

    de amostragem definidos a priori (Grupo I - zona Dulciaqucola vs Grupo II - zona

    Salobra), considerando a variabilidade induzida pelas vrias pocas do ano, recorreu-se

    ao teste ANOSIM 2-Way Crossed Layout. O teste ANOSIM One-Way Layout foi utilizado

    com o intuito de verificar a existncia de diferenas significativas entre pocas do ano,

    dentro de cada grupo de estaes de amostragem pr-definido.

    O teste ANOSIM um teste no paramtrico, que uma vez aplicado matriz de

    similaridade dos dados de base, testa a hiptese nula (H0) de que no existem

    diferenas significativas na composio de amostras ou grupos de amostras definidos a

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    24

    priori (Magurran, 2003). Considerou-se no referido teste a existncia de dois factores:

    factor zona (Grupo I - zona dulciaqucola vs Grupo II - zona salobra) e factor poca do

    ano (Inverno, Primavera, Vero e Outono). Para o conjunto das 27 estaes de

    amostragem, distinguiram-se 7 estaes por poca do ano 4 pocas do ano (com

    excepo da estao S2 da poca de Inverno, que no foi realizada, como referido

    anteriormente). O teste ANOSIM 2-Way Crossed Layout permitiu testar a existncia ou

    no de diferenas significativas na composio das comunidades de

    macroinvertebrados bentnicos nos grupos de estaes de amostragem definidos a

    priori (permitindo possveis variaes ao longo do tempo, isto , entre pocas do ano)

    e a existncia ou no de diferenas significativas entre pocas do ano (no

    impedindo, no entanto, a existncia de diferenas entre os grupos de estaes de

    amostragem), assumindo que os replicados efectuados em cada estao amostrada,

    em cada zona considerada, constituram replicados das mesmas. H assim, uma

    simetria no teste da hiptese nula (H0), em que no havendo diferenas significativas

    entre locais, podero haver variaes no tempo, e no existindo variaes temporais,

    podero essas diferenas existir no espao (Clarke & Warwick, 1993; Clarke & Gorley,

    2001).

    O teste ANOSIM One-Way Layout, descrito por Clarke & Green (1988) como

    sendo uma adaptao do teste estatstico utilizado por Mantel (1967), que reflecte as

    diferenas numa determinada matriz de similaridades entre e dentro de um conjunto

    de dados, foi utilizado para constatar se haviam diferenas significativas entre as

    comunidades de macroinvertebrados bentnicos para as vrias pocas do ano, para

    cada zona considerada a priori, testando a hiptese nula (H0) de que essas diferenas

    no existiam (Clarke & Gorley, 2001).

    O teste ANOSIM gera um valor de R compreendido entre -1 e +1, sendo que o

    valor de 0 corresponde hiptese nula (H0) (Clarke & Gorley, 2001). Assumiu-se haver

    diferenas significativas para um valor de R>0,25 e para um valor de p0,05 (Clarke &

    Warwick, 1994).

    A identificao dos taxa que mais contriburam para a similaridade entre cada

    agrupamento de estaes de amostragem e entre as pocas do ano, bem como dos

    taxa que mais contriburam para a sua dissimilaridade (aqueles que contriburam em

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    25

    mais de 10%), foi efectuada pelo mtodo de percentagens de similaridades (SIMPER)

    (Clarke & Warwick, 1994 Este mtodo calcula a dissimilaridade mdia entre os

    diferentes grupos de dados, de acordo com o coeficiente de dissimilaridade de

    Bray-Curtis (i.e. estaes de amostragem do grupo I vs estaes de amostragem do

    grupo II, e pocas do ano). Uma vez que o coeficiente de dissimilaridade de Bray-Curtis

    considera a contribuio de cada componente (e.g. espcies), a dissimilaridade mdia

    entre as estaes de amostragem do grupo I e as do grupo II e entre as pocas do ano

    pode ser expressa em termos de contribuio mdia por parte de cada taxon. O

    desvio-padro providencia uma medida de quanto um determinado taxon contribui

    para a dissimilaridade entre os grupo I e II e entre as pocas do ano. Um taxa

    considerado discriminante se contribui fortemente para uma dissimilaridade entre os

    grupos de estaes e pocas do ano e possui um desvio-padro muito baixo (Clarke &

    Warwick, 1993). A anlise SIMPER foi efectuada utilizando como base os taxa

    reduzidos ao nvel taxonmico da famlia.

    A caracterizao e comparao das comunidades de macroinvertebrados

    bentnicos de cada estao de amostragem e dos grupos de estaes definidos como

    zona dulciaqucola e zona salobra foram efectuadas com base no ndice de constncia

    (Cij) nas duas zonas predefinidas, na densidade mdia (D), expressa em nmero de

    indivduos por m2 (ind.m-2), nos ndices de diversidade de Shannon-Wiener (H) (log2) e

    de equitabilidade de Pielou (J) e na medida de dominncia de Simpson () mdios,

    bem como na riqueza taxonmica mdia (S) (por zona e por poca de amostragem).

    Com excepo do ndice de constncia, as restantes medidas de diversidade foram

    calculadas considerando os taxa identificados ao nvel taxonmico da famlia.

    O clculo das medidas de diversidade, ao nvel taxonmico da famlia, prendeu-

    se com a elevada heterogeneidade no que respeita composio das comunidades de

    macroinvertebrados bentnicos na rea de estudo, quer entre zonas, quer entre

    estaes de amostragem dentro de uma mesma zona, sendo muito difcil identificar

    certos grupos de macroinvertebrados dulciaqucolas at ao nvel especfico ou mesmo

    ao gnero.

    O ndice de constncia (Cij) foi calculado pela expresso (1):

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    26

    = nijnj 100 (1)

    em que nij corresponde ao nmero de ocorrncias do taxon i na estao j e nj

    corresponde ao nmero de estaes. De acordo com Bachelet et al. (1996), os taxa

    foram considerados comuns (50%C>25%) e constantes (C>50%).

    O ndice de Shannon-Wiener (H) baseia-se no conceito de diversidade de um

    sistema, fornecendo uma medida da composio dos povoamentos assente na riqueza

    taxonmica e na distribuio da abundncia relativa dos indivduos pelos diferentes

    taxa. o ndice mais comummente utilizado como medida de diversidade de uma

    comunidade bitica (Clarke & Warwick, 1994) e foi calculado pela expresso (2):

    = 2 =1 (2)

    em que S corresponde ao nmero total de taxa e pi representa a proporo de

    indivduos do taxon i, relativamente ao nmero total de indivduos.

    O ndice de equitabilidade de Pielou (J) expressa a forma como os indivduos se

    encontram distribudos pelos diferentes taxa (Clarke & Warwick, 1994), sendo

    calculado pela expresso (3):

    = (3)

    em que H corresponde ao ndice de Shannon-Wienner [expresso (2)] e Hmax

    corresponde diversidade mxima que se obteria se todos os taxa fossem igualmente

    abundantes.

    A medida de dominncia de Simpson () , na realidade, um ndice de

    dominncia que reflecte a probabilidade de dois indivduos escolhidos ao acaso, numa

    comunidade, pertencerem mesma espcie (Brower & Zar, 1984). Varia de 0 a 1 e

    quanto maior for o valor do ndice, maior a probabilidade dos indivduos pertencerem

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    27

    mesma espcie, ou seja, maior a dominncia e, consequentemente, menor a

    diversidade. calculado pela expresso (4):

    = ( 1)=1( 1) (4)

    em que corresponde medida de dominncia de Simpson, ni corresponde ao

    nmero de indivduos amostrados da i-sima espcie, N representa o nmero total de

    indivduos amostrados e S corresponde ao nmero de taxa amostrados.

    As medidas de densidade, riqueza e diversidade das comunidades (densidade,

    ndice de Shannon-Wiener, ndice de Pielou, medida de dominncia de Simpson e

    riqueza taxonmica) foram sujeitas a um teste estatstico de forma a avaliar a

    existncia de diferenas significativas entre as duas zonas definidas a priori (zona

    dulciaqucola; zona salobra) e as pocas do ano, simultaneamente (H0: no existiam

    diferenas significativas entre as zonas consideradas e as pocas do ano, em

    simultneo); a hiptese nula (H0) foi rejeitada para um valor de p0,05. Este teste,

    denominado de ANOVA factorial a 2 factores (ANOVA two-way), um caso particular

    de uma metodologia de anlise de regresso multivariada que se designa por Modelo

    Linear Generalizado (MLG) e que tem em considerao a influncia numa varivel

    dependente por mais do que uma varivel independente (factor), transparecendo o

    efeito, no s de cada um dos factores, mas tambm a possvel influncia que cada um

    dos factores poder exercer sobre a resposta da varivel dependente ao outro factor

    (interaco ou moderao entre os factores) (Maroco, 2007). Pretendeu-se, assim,

    com a ANOVA factorial a 2 factores seguida do teste a posteriori HSD de Tukey, testar

    se as mdias para cada nvel do factor zona e do factor poca do ano eram ou no

    iguais [no caso de serem iguais, ento os factores no mostraram ter um efeito

    significativo sobre a(s) varivel(eis) dependente(s) (medidas de densidade, riqueza e

    diversidade)]. A aplicao do teste estatstico ANOVA two-way exige a verificao

    simultnea da normalidade e da homocedasticidade (homogeneidade de varincias)

    das amostras, pelo que estes pressupostos foram testados com base nos testes de

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    28

    Kolmogorov-Smirnov com correco de Lilliefors e de Levene, respectivamente

    (Maroco, 2007).

    Uma vez que no se verificaram os pressupostos para a aplicao dos testes

    paramtricos referidos anteriormente, os dados foram transformados (neste caso

    atravs da logaritmizao, Log x), de modo a validar as condies de aplicao dos

    testes. Dado que os testes paramtricos so, de um modo geral, mais potentes

    comparativamente aos testes no-paramtricos, o recurso a transformaes

    matemticas de modo a validar os pressupostos da anlise paramtrica foi prefervel

    utilizao imediata da alternativa no-paramtrica (Maroco, 2007).

    Para a realizao da anlise de ordenao multidimensional no mtrica (nMDS),

    classificao hierrquica aglomerativa (Cluster Analysis), ANOSIM 2-Way Crossed

    Layout, ANOSIM One-Way Layout e anlise de similaridades (SIMPER) foi utilizado o

    pacote estatstico PRIMER 5 for Windows Version 5.2.6. Os testes estatsticos de

    Kolmogorov-Smirnov com correco de Lilliefors, de Levene e a ANOVA factorial a 2

    factores (ANOVA two-way), seguida do teste a posteriori HSD de Tukey, foram

    realizados utilizando o software SPSS Statistics 17.0.

    RESULTADOS

    Composio e abundncia das comunidades de macroinvertebrados bentnicos

    Na rea de estudo delimitada e no total das quatro campanhas de amostragem

    realizadas em 2006 foram recolhidos 18779 indivduos pertencentes a 74 taxa (Anexo

    B).

    A ordem Amphipoda constituiu o taxa mais abundante, exibindo 53,0% do total

    de indivduos amostrados; a classe Insecta compreendeu 17,0% das capturas,

    seguindo-se as classes Polychaeta (7,2%) e Bivalvia (7,0%) e a subclasse Oligochaeta

    (6,9%). A ordem Isopoda e a classe Gastropoda incluram apenas 6,0% e 0,4% do

    nmero total de indivduos capturados, respectivamente. Indivduos pertencentes a

    outros taxa menos representativos (e.g. Nemertina, Decapoda, Tanaidacea) foram

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    29

    includos numa nica categoria designada por Outros, constituindo cerca de 2% do

    total dos macroinvertebrados bentnicos contabilizados no conjunto das amostragens.

    Apesar da ordem Amphipoda ter constitudo o grupo mais abundante, a classe

    Insecta foi a que apresentou uma maior diversidade, com 29 taxa identificados,

    seguindo-se a classe Polychaeta com 13 taxa identificados. Pertencente classe

    Bivalvia, apenas se registou a presena da espcie extica Corbicula fluminea (O. F.

    Mller, 1774), que devido sua grande plasticidade ecolgica (Reis, 2006), foi

    capturada em quase todas as estaes de amostragem, excepto na estao D1

    (estao mais a montante) e na estao S4 (estao mais a jusante).

    Os 10 taxa mais abundantes na rea de estudo prefizeram 95% das capturas

    totais, sendo a espcie Corophium orientale Schellenberg, 1928 (33,0%), a famlia

    Chironomidae (15,3%) e o gnero Gammarus (12,5%), os taxa mais representativos da

    comunidade.

    As densidades mais elevadas de macroinvertebrados bentnicos foram

    registadas na Primavera, na estao S4 (97700 ind.m-2), ao passo que os valores mais

    baixos deste parmetro foram registados na poca de Vero, na estao S3 (1540

    ind.m-2).

    Variao espacial na composio das comunidades de macroinvertebrados

    bentnicos

    De acordo com a ordenao multidimensional no mtrica (nMDS), as estaes

    de amostragem encontraram-se estruturadas de acordo com o gradiente estuarino,

    com uma forte influncia da salinidade (Figura 5). Apesar de se encontrarem

    representadas as vrias pocas de amostragem (Inverno, Primavera, Vero e Outono),

    o agrupamento das estaes de amostragem e, consequentemente, das comunidades

    de macroinvertebrados bentnicos, fez-se por classes de salinidade,

    independentemente da poca do ano. Distinguiram-se dois grupos de estaes de

    amostragem: um grupo de estaes designado por D (D1-D3) zona dulciaqucola

    (Grupo I) -, e um grupo de estaes designado por S (S1-S4) zona salobra (Grupo II).

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    30

    Figura 5. Anlise de escalonamento multidimensional (MDS) das comunidades de macroinvertebrados

    bentnicos da rea de estudo, onde se pode observar a formao de dois grupos de estaes de

    amostragem distintos: zona dulciaqucola (Grupo I) (smbolos a cinza) e zona salobra (Grupo II) (smbolos

    a branco) (I Inverno; P Primavera; V Vero; O Outono).

    A anlise hierrquica aglomerativa, aplicada ao mesmo conjunto de dados,

    sedimenta a anlise de escalonamento multidimensional, verificando-se a formao de

    grupos idnticos para uma dissimilaridade de 74,1% (Figura 6). O teste estatstico

    ANOSIM 2-Way Crossed evidenciou diferenas significativas entre a zona dulciaqucola

    e a zona salobra (R=0,939; p

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    31

    Figu

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  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    32

    As comunidades de macroinvertebrados bentnicos identificadas para este

    grupo de estaes so dominadas por indivduos da classe Insecta, algumas espcies

    da ordem Amphipoda (Gammarus spp., C. orientale) e indivduos da subclasse

    Oligochaeta e da classe Bivalvia. O gnero Gammarus evidenciou-se como o taxa mais

    abundante (36,0% das capturas), seguido da famlia Chironomidae com 24,4% e da

    subclasse Oligochaeta com 13,3%. As espcies C. orientale e C. fluminea exibiram

    tambm uma representatividade notria, particularmente na estao de amostragem

    D3 (estao mais a jusante deste grupo), ambas com uma percentagem de dominncia

    no superior a 7,0% (Tabela 1).

    As estaes de amostragem reunidas no Grupo II constituram uma zona de

    transio no que respeita ao tipo de sedimentos, variando gradualmente entre

    cascalho-arenoso e vasa, no sentido montante-jusante (Tabela 1). As estaes S1 e S2

    apresentaram alguma variabilidade nos sedimentos, oscilando estes entre a

    predominncia de cascalho e de vasa arenosa. As estaes S3 e S4 caracterizaram-se,

    essencialmente, pela presena de sedimentos de vasa bem compactada. A

    profundidade foi, em mdia, superior das estaes do grupo I, atingindo os 4 m na

    estao mais a jusante e os valores de transparncia da coluna de gua

    proporcionalmente inferiores aos observados na zona dulciaqucola. A salinidade

    apresentou uma amplitude bastante elevada, variando entre 0,15 no Outono e 10,71

    no Vero (Tabela 1). Devido superior influncia das mars, as estaes deste grupo

    tendem a apresentar uma salinidade mediana anual superior s estaes do grupo I. O

    valor mediano da salinidade registado na poca do Outono deveu-se ocorrncia de

    uma cheia, com o consequente fluxo de gua doce bastante superior aos perodos

    considerados normais. As concentraes de nutrientes (particularmente, N-NO3- e N-

    NH4+) e a percentagem em teor de carbono orgnico nos sedimentos (TCO) foram

    bastante superiores s registadas para as estaes do grupo I (Tabela 1).

    As comunidades de macroinvertebrados bentnicos foram dominadas,

    essencialmente, pela espcie C. orientale (47,9%), devido ao elevado nmero de

    indivduos capturados na Primavera. As espcies Leptocheirus pilosus Zaddach, 1844 e

    Cyathura carinata (Kryer, 1847) apresentaram-se como as mais abundantes a seguir a

    C. orientale, com 12,3% e 8,6% das capturas, respectivamente.

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    33

    Nas estaes mais a jusante deste grupo comearam a ocorrer espcies da classe

    Polychaeta, como Streblospio shrubsolii (Buchanan, 1890) (6,3% das capturas) e

    Hediste diversicolor (O.F. Mller, 1776) (2,9% das capturas). A espcie C. fluminea

    manteve a sua representatividade, principalmente, nas estaes mais a montante

    (estaes S1 e S2), correspondendo a 7,6% dos organismos capturados nas estaes do

    grupo II (Tabela 1).

    Tabela 1. Parmetros ambientais e espcies dominantes nos grupos de estaes de amostragem

    definidos na rea de estudo (Grupo I zona dulciaqucola e Grupo II zona salobra). Para os parmetros

    ambientais so fornecidos os respectivos valores mnimos e mximos obtidos, com indicao da poca

    do ano em que se verificam (I. Inverno; P. Primavera; V. vero; O. Outono). Para os taxa dominantes

    disponibiliza-se a sua contribuio face densidade total, bem como (abreviado e a negrito) o grupo

    taxonmico a que pertencem [Am. Amphipoda; Bi. Bivalvia; Ga. Gastropoda; In. Insecta; Is. Isopoda; Ol.

    Oligochaeta; Ou. Outro; Po. Polychaeta]

    Grupo I

    (Estaes D1, D2 e D3) Grupo II

    (Estaes S1, S2, S3 e S4)

    Parmetros ambientais Profundidade (m) 0,33 O 0,53 I, P 1,82 I 2,65 P Transparncia (m) 0,27 O 0,53 I, P 0,24 O 0,89 I Salinidade 0,20 O 0,40 V 0,15 O 10,71 V Temperatura (oC) 15,12 O 20,05 V 13,53 I 25,63 V OD (mg.l-1) 3,77 V 11,02 I 4,51 V 13,75 I N-NO3

    - (mg.l-1) 0,022 P 0,169 I 0,207 P 0,549 O N-NO2

    - (mg.l-1) 0,001 I 0,003 O 0,003 I 0,013 O N-NH4

    + (mg.l-1) 0,014 I 0,043 O 0,011 P 0,097 O P-PO4

    - (mg.l-1) 0,006 V 0,012 O 0,005 P 0,024 O

    Clorofila a (g.l-1) 0,40 I 2,13 P 0,32 O 5,13 P TCO (%) 2,68 I 7,24 O 5,77 V 11,82 O Tipo de sedimento Cascalho Vasa Arenosa Cascalho Arenoso Vasa

    Taxa dominantes Gammarus spp. (36,0%) Am Corophium orientale (47,9%) Am Chironomidae (24,4%) In Leptocheirus pilosus (12,3%) Am Oligochaeta (13,3%) Ol Cyathura carinata (8,6%) Is Corophium orientale (6,8%) Am Corbicula fluminea (7,6%) Bi Corbicula fluminea (6,5%) Bi Streblospio shrubsolii (6,3%) Po Ceratopogonidae (1,3%) In Oligochaeta (4,1%) Ol Potamopyrgus antipodarum (1,3%) Ga Hediste diversicolor (2,9%) Po Hydroptilidae (1,1%) In Heterotanais oerstedi (2,5%) Ou Limoniidae (0,7%) In Chironomidae (2,4) In Caenidae (0,7%) In Alkmaria romijni (1,3%) Po

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    34

    A anlise SIMPER evidenciou a elevada heterogeneidade espacial deste tipo de

    comunidades, uma vez que a similaridade entre as estaes dentro de cada grupo

    variou apenas entre 48,5% para a zona dulciaqucola e 55,4% para a zona salobra

    (Figuras 7A e 7B). Esta anlise confirmou ainda a existncia de uma elevada

    dissimilaridade entre a zona dulciaqucola e a zona salobra (74,3%) (Figuras 7A e 7B).

    Os taxa que mais contriburam para a dissimilaridade entre as zonas

    dulciaqucola e salobra foram os anfpodes Gammaridae (9,0%), Corophiidae (8,7%) e

    Aoridae (7,4%), o ispode C. carinata (8,6%), os Chironomidae (7,8%), os poliquetas

    Spionidae (7,7%) e Nereididae (6,8%) e os Oligochaeta (6,4%). Os Gammaridae, os

    Chironomidae e os Oligochaeta foram mais abundantes na zona dulciaqucola, ao

    passo que os anfpodes Corophiidae e Aoridae, o ispode C. carinata e os poliquetas

    foram-no na zona salobra. Apesar dos resultados do presente estudo demonstrarem

    que a composio das comunidades de macroinvertebrados bentnicos das estaes

    de amostragem da zona dulciaqucola difere significativamente da composio das

    comunidades da zona salobra, as estaes de amostragem D3 e S1 apresentaram

    comunidades de macroinvertebrados bentnicos semelhantes em determinadas

    pocas do ano (Tabela 2).

    Tabela 3. Taxa comuns s estaes de amostragem D3 e S1 (I. Inverno; P. Primavera; V. vero; O.

    Outono)

    Estao D3 Espcie

    Estao S1

    I P V O I P V O

    Caenidae Ceratopogonidae Chironomidae Corbicula fluminea Corophium orientale Cyathura carinata Gammarus spp. Heterotanais oerstedi Lekanesphaera monodi Oligochaeta

  • Zona de transio dulciaqucola-salobra

    CAPTULO 2

    35

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