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Eça de Queirós
Carta de Eça a Teófilo Braga
(…) eu não ataco a família - ataco a família
lisboeta - a família lisboeta produto do namoro, reunião
desagradável de egoísmos que se contradizem, e mais
tarde ou mais cedo centro de bambochata. No Primo
Basílio que apresenta, sobretudo, um pequeno quadro
doméstico, extremamente familiar a quem conhece bem
a burguesia de Lisboa; - a senhora sentimental, mal-
educada, nem espiritual (porque cristianismo já a não
tem; sanção moral da justiça, não sabe a que isso é),
arrasada de romance, lírica, sobreexcitada no
temperamento pela ociosidade e pelo mesmo fim do
casamento peninsular que é ordinariamente a
luxúria, nervosa pela falta de exercício e
disciplina moral, etc., etc. - enfim a burguesinha da
Baixa; por outro lado o amante - um maroto, sem
paixão nem a justificação da sua tirania, que a que
pretende é a vaidadezinha de uma aventura, e a amor
grátis; do outro lado a criada, em revolta secreta
contra a sua condição, ávida de desforra; por outro lado
a sociedade que cerca estes personagens - o
formalismo oficial (Acácio), a beatice parva de
temperamento irritado (D. Felicidade), a literaturinha
acéfala (Ernestinho), o descontentamento azedo e o
tédio de profissão (Julião) e às vezes quando calha,
um pobre bom rapaz (Sebastião).
Local: Lisboa
Época: 1870 (aproximadamente)
educação equivocada
marido viaja
Premissas do adultério ex-namorado volta
má companhia
(Leopoldina)
Romance de tese
Enredo
Jorge e Luísa, casados a aproximadamente
quatro anos, encontram-se na sala após o almoço.
Jorge prepara-se para ficar um longo tempo longe
da esposa, pois como engenheiro e funcionário
público que é, partirá em breve para a região do
Alentejo.
Jorge vai para o trabalho e Luísa dedica-se a
sua rotina de leituras românticas e ociosidade.
Basílio
Juliana
Luísa Jorge
Acácio Leopoldina
Juliana anuncia a presença de Leopoldina, antiga colega de Luísa, que Jorge detestava.
Era a sua íntima amiga. Tinham sido vizinhas,
em solteiras, na Rua da Madalena, e estudado
no mesmo colégio, à Patriarcal, na Rita Pessoa,
a coxa. Leopoldina era a filha única do Visconde
de Quebrais, o devasso, o caquético, que fora
pajem de D. Miguel. Tinha feito um casamento
infeliz com um João Noronha, empregado da
alfândega. Chamavam-lhe a "Quebrais";
chamavam-lhe também a "Pão e Queijo".
Reunião (cavaqueira) dos domingos à noite:
Julião Zuzarte – parente de Jorge, médico sem
clientela, pobre e amargurado.
D. Felicidade – “50 anos, muito nutrida, sofria de
dispepsia e gases...” Apaixonada pelo Conselheiro.
Conselheiro Acácio – 55 anos; sujeito superficial, diz
o óbvio com sabedoria proverbial. Aparenta ser
pudico, mas lê poemas pornográficos de Bocage e
tem a empregada Adelaide como amante.
Ernestinho Ledesma – primo de Jorge, escritor
medíocre, autor de “Honra e Paixão”, drama que
apresenta um caso de adultério.
Sebastião – homem íntegro e bom. Fiel amigo de
Jorge.
Sobre o final da peça de Ernestinho: o marido deve perdoar a esposa pelo adultério ou matá-la?
E, então, invocou a opinião de Jorge. Não lhe parecia que o bom Ernesto devia perdoar?
- Eu, Conselheiro? De modo nenhum. Sou pela morte. Sou inteiramente pela morte. E exijo que a mates, Ernestinho!
D. Felicidade acudiu, toda bondosa:
- Deixe falar, Sr. Ledesma. Está a brincar. E ele então que é um coração de anjo!
- Está enganada, D. Felicidade - disse Jorge, de pé diante dela. - Falo sério e sou uma fera! Se enganou o marido, sou pela morte. No abismo, na sala, na rua, mas que a mate. Posso lá consentir que, num caso desses, um primo meu, uma pessoa da minha família, do meu sangue, se ponha a perdoar como um lamecha! Não! Mata-a! É um princípio de família. Mata-a quanto antes!
Nesta semana, Jorge viaja para o Alentejo e
Luísa entedia-se com sua vida fútil e suas leituras
românticas. Decide então arrumar-se para visitar
Leopoldina, quando Juliana anuncia a chegada de um
janota. Era Basílio, recém chegado de Paris. Atraído
pela beleza da prima, inicia uma estratégia de sedução,
visitando-a todos os dias. Faz questão de lembrar os
tempos de namoro, cantar canções românticas e falar
da vida chic de Paris e suas amizades importantes.
Refere duquesas, princesas, sempre lembrando: “era
uma mulher distintíssima; tinha naturalmente o seu
amante...”
As visitas de Basílio são diárias e a
vizinhança começa a falar, o que angustia
Sebastião, que fora incumbido por Jorge para
ter cuidados. Chama, então, a atenção de
Luísa, que reage questionando se não pode
receber visitas de parentes na própria casa...
Sob pretexto de uma partida urgente, Basílio
vai tarde da noite à Luísa para despedir-se,
mas trata-se de uma estratégia de sedução,
aliás, bem sucedida. Decidem, a partir daí,
realizar seus encontros em um lugar seguro: o
“Paraíso”, ou seja, um reles quarto alugado por
Basílio num bairro pobre.
Depois de cinco semanas de encontros
diários, Luísa percebe o crescente
desinteresse de Basílio.
Juliana rouba cartas comprometedoras de
Luísa e passa a ameaçá-la e chantageá-la.
Basílio reage querendo dar dinheiro para que
Luísa resolva o problema, mas ela não aceita,
preferindo fugir com ele para
Paris, idéia refutada de imediato.
Para evitar maiores problemas,
Basílio forja um telegrama
pedindo sua presença na França
e parte.
- A senhora diz bem, sou uma ladra, é verdade; apanhei a carta no cisco; tirei as outras do gavetão. É verdade! E foi para isto, para mas pagarem! - E traçando, destraçando o xale, numa excitação frenética: - Não... que a minha vez havia de chegar! Tenho sofrido muito, estou farta! Vá buscar o dinheiro onde quiser. Nem cinco réis de menos! Tenho passado anos e anos a ralar-me! Para ganhar meia moeda por mês, estafo-me a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora está de pânria! É que eu levanto-me às seis horas da manhã - e é logo engraxar, varrer, arrumar, labutar, e a senhora está muito regalada em vale de lençóis, sem cuidados, nem canseiras. Há um mês que me ergo com o dia, para meter em goma, passar, engomar! A senhora suja, suja, quer ir ver quem lhe parece, aparecer-lhe com tafularias por baixo e cá está a negra, com a pontada no coração, a matar-se com o ferro na mão! E a senhora, são passeios, tipóias, boas sedas, tudo o que lhe apetece - e a negra? A negra a esfalfar-se!
Para manter Juliana calada, presenteia a empregada com roupas e privilégios e, enquanto isso, escreve a Basílio para mandar dinheiro. Jorge retorna e Luísa mostra-se mais apaixonada do que nunca. Jorge estranha o tratamento dispensado à Juliana e passa a questioná-lo, deixando Luísa à beira de um ataque de nervos...
Pressionada por Juliana, Luísa vai à Leopoldina, que sabe que um homem muito rico, o banqueiro Castro, poderia ajudá-la em troca de alguns favores, pois sente-se atraído por
ela... Luísa tenta, mas, por repulsa,
acaba chicoteando o homem.
De volta ao “inferno do lar”, Jorge demite Juliana por seus desleixos. Esta discute com Luísa e a ofende. Joana, a cozinheira, interfere e agride Juliana, que exige a própria permanência na casa e a demissão da agressora. Luísa se rende. Desesperada, Luísa recorre a Sebastião, que arquiteta um plano para recuperar as cartas: enquanto Luísa e Jorge vão ao teatro, Sebastião vai à casa deles acompanhado de um policial e pressiona Juliana, que entrega as cartas e morre do coração. Nesta noite, Luísa começa a ter fortes dores de cabeça e febres inexplicáveis. Enquanto convalesce, Jorge cuida da esposa com devoção.
Chega, então, uma carta de
Basílio para Luísa. Jorge resiste, mas
acaba abrindo e descobre a traição.
Quando Luísa melhora, Jorge pede-lhe explicação sobre a carta, mas ela desmaia e não recupera mais a consciência e morre no dia seguinte.
Jorge fecha a sua casa e vai morar com Sebastião. Basílio retorna e vai visitar a prima. Ao saber de sua morte, sente-se chocado, mas em seguida lamenta estar sem mulher em Lisboa.
Eça de Queirós
Observações de Machado de Assis
• Luísa é um títere, comandada primeiramente por
Basílio e, num segundo momento, por Juliana.
Sujeita-se “sem vontade” ao amor e à paixão. Não
tem remorsos, tem medo.
• Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha nervos e músculos; não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda consciência.
• Luísa resolve fugir com o primo; prepara um saco de viagem, mete dentro alguns objetos, entre eles um retrato do marido. Ignoro inteiramente a razão fisiológica ou psicológica desta precaução de ternura conjugal: deve haver alguma; em todo caso, não é aparente.
• Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência; Basílio não faz mais do que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Luísa e Basílio são seres fúteis, atraídos pela curiosidade, pela sensualidade.
Gastar o aço da paciência a fazer tapar a boca de uma cobiça subalterna, a substituí-la nos misteres ínfimos, a defendê-la dos ralhos do marido, é cortar todo o vínculo moral entre ela e nós.
• A boa escolha dos fâmulos é uma condição de paz no adultério.
• O Determinismo anula os traços de caráter.
• O capítulo do Teatro de S. Carlos, quase no fim do livro: quando todo o interesse se concentra em casa de Luísa, onde Sebastião trata-se reaver as cartas subtraídas pela criada, descreve-nos o autor uma noite inteira de espetáculos, a platéia, os camarotes, a cena, uma altercação de espectadores.
• Se não houvesse o extravio das cartas, ou se Juliana fosse mulher de outra índole, acabava o romance em meio, porque Basílio, enfastiado, segue para a França, Jorge volta do Alentejo, e os dois esposos tornariam à vida antiga.
• Jorge obedece às convenções, vive de convenções, não tem vigor de alma.
Luísa resgatará cartas? Eis o problema que o leitor
tem diante de si. A vida, os cuidados, os pensamentos
da heroína não têm outro objeto, senão esse. Há uma
ocasião em que, não sabendo onde ir buscar o dinheiro
necessário ao resgate, Luísa compra umas cautelas de loteria;
sai branco. Suponhamos (ainda uma suposição) que o número
sai premiado; as cartas eram entregues; e, visto que Luísa não
tem mais do que medo, se lhe restabelecia a paz do espírito, e
com ela a paz doméstica. Indicar a possibilidade desta
conclusão é patentear o valor da minha crítica.
• Que o Sr. Eça de Queirós podia lançar mão do extravio das
cartas, não serei eu que o conteste; era seu direito. No modo
de exercer é que a crítica lhe toma contas. O lenço de
Desdêmona tem larga parte na sua morte; mas a alma ciosa e
ardente de Otelo, a perfídia de Iago e a inocência de
Desdêmona, eis os elementos principais da ação. O drama
existe, porque está nos caracteres, nas paixões, na situação
moral dos personagens: o acessório não domina o absoluto.