dvc a5 01 03-2013
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1º livro da trilogiaTRANSCRIPT
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Nota do Autor
Esta obra foi idealizada em 2009 e escrita em
2012, após a conclusão do meu primeiro livro “O
Melhor Amigo do Cão – Para quem deseja retribuir esta
amizade verdadeira”. Trata-se do início da Saga do
Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais, que
estará completa ao final do terceiro volume.
Autorizo a reprodução gratuita dessa obra, em
meio digital (PDF), com finalidade de permitir que a
sociedade brasileira a conheça, no entanto, reservo-me o
direito exclusivo de comercializá-la em qualquer meio
existente.
Aos interessados, uma boa leitura!
Salvador, fevereiro de 2013
Marcelo Bessa
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Prólogo
Num tempo distante pelas heras esquecido, a paz fora estabelecida a partir do equilíbrio sensível das forças entre o bem e o mal, conquistado mediante antigas batalhas das quais se conhece apenas o resultado. Uma terra dividida em cinco reinos, cercados de mistérios, homens honrados e guerreiros que esperam batalhas profetizadas para um tempo próximo.
O Senhor Supremo, na busca de assegurar a
paz existente, dividiu entre às regiões pacíficas da terra as forças que controlam tudo que existe, a essência de todo o poder vital, para que não houvesse disputas entre eles. No entanto, sua
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imensa sabedoria o impedira de duvidar dos destrutivos anseios do homem por subjugar seus semelhantes e do oportunismo do mal em explorar tal fraqueza humana.
O Senhor dos Homens decidiu, então, confiar nas mãos humanas, e em honrados corações, as forças que unificadas gerariam um milênio de paz. Assim, guardou numa profecia a maior e mais árdua de todas as provas para a humanidade, revelando inicialmente a um sábio homem os caminhos que nas mãos de poucos, se capazes, trariam à terra o Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais...
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Primeira Parte
O Início
Ele acordou de um sono repleto de sonhos
estranhos. Sonhava com batalhas sangrentas, travadas no
seu amado reino, onde cresceu e aprendeu, com seu sábio
pai, muito mais do que o oficio que lhe fizera conhecido.
As forças eram desiguais, os homens que tentavam em
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desespero proteger o reino, pereciam aos montes ante os
poderosos inimigos...
Queria acordar daquele terrível pesadelo, mas,
ainda durante o sono, sentia que todo o horror que
vislumbrava não ficaria para sempre escondido num
plano irreal, teria que enfrentar tudo aquilo de fato e o
som que o fizera despertar só confirmava esta certeza.
Ele ouvia os gritos que lhe remetiam à violência e
a dor que por toda a noite inundara seu sono. Mas agora
estava acordado e tudo era real, a luta esperada havia se
anunciado.
Abrindo a porta de casa, ele olhou ao longe, até
onde a visão alcançava, e pode perceber um cenário
aterrador. Casas em chamas, homens empunhando suas
armas e lutando por suas vidas, outros fugindo assustados
por entre os vencidos caídos ao chão. No ar um odor de
morte e pânico que ele desejava não sentir em seu reino
tão prospero...
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O Mundo Antigo
Ah a Terra! Moldura da minha obra prima! Casa que
criei para o homem e que, há muito, tenho procurado tornar a morada da paz.
Meus filhos, no entanto, não entendem.
Deixam-se levar pela vaidade, cobiça, desejo de poder e pela violência, afastando-se do meu objetivo.
Meus conselheiros insistem: “O livre
arbítrio, meu Senhor! Tire-o antes que os homens se percam!”. Mas a liberdade é o maior dos meus
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presentes e, mesmo que eles não saibam usá-la, não voltarei atrás.
Decide ouvir as preces dos mais honrados e,
contra a minha vontade, deixei que a terra fosse dividida em reinos. Pouco ou nada adiantou e os rumos da guerra continuam seu sórdido caminho, enquanto o mal insiste em insurgir-se contra a paz. Contudo, meus olhos estão abertos e ainda não desisti dos bons homens...
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Numa configuração muito antiga, distante da
formação atual, a terra estava dividida entre três
continentes. Dois deles eram inabitados nas extremidades
do globo. O terceiro, ao centro do planeta, era o
continente habitado, morada dos homens e animais
existentes.
Cercado pelo insondável oceano de Noutlong (o
oceano sem fim), o continente habitado fora dividido em
seis regiões, dentre as quais se encontravam os cinco
Reinos Celestiais, assim dispostos:
Ao sul do continente, estabeleciam-se os
domínios de Olonstreek, o Reino do Metal. Guarnecido
por cadeias rochosas compostas pelos mais nobres e
valiosos metais do planeta, o território do 1º Reino era
formado por construções magníficas, edificadas numa
terra fértil de cenário exuberante.
Na região sudoeste do continente, cortado em
ilha, encontrava-se o Reino celestial das Águas ou
Lykroustreek. Geograficamente protegido pelo grande
Lago Lykrols (o lago das Águas Cristalinas), que
encontrava ao sul e a noroeste, o Oceano de Noutlong. O
reino constituía-se de um território abundante em
nascentes, lagos e cataratas, de onde surgiam todas as
fontes de águas puras de toda a terra.
Protegido por uma extensa e poderosa floresta, ao
noroeste do continente, fora edificado o Reino celestial
das Arvores, a bela região de Kromnoustreek, onde
habitavam a imensa maioria dos animais selvagens que,
perigosos, reforçavam as defesas contra possíveis
invasões.
O quarto Domínio, ao norte das terras habitadas,
denominado Eineonstreek, o Reino celestial do Fogo, era
cortado ao meio pelo rio Igneong (o rio de lava
incandescente). Tinha suas defesas estabelecidas por
vulcões sempre ativos, margeados por abismos profundos
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que cercavam raras e estreitas passagens para o centro do
continente. Seus domínios, com escassa vegetação e calor
intenso, revelaram um ambiente inóspito, cuja vida fora
permitida em consequência das poucas nascentes de
águas extremamente quentes.
O Reino das Terras Celestiais, Iktyoustreek,
estabelecido ao nordeste do continente, tinha suas defesas
num deserto extenso e inabitável. A região era habitada
apenas nas proximidades do litoral, onde as condições
geográficas permitiam a sobrevivência de seus
habitantes.
Por fim, ao centro do continente, estabeleceu-se o
Vale Evilkeerts, a anti-região do Vale Negro. Uma região
sombria, onde todo o mal inevitável que surgira das mãos
dos renegados dos cinco Reinos Celestiais buscara
abrigo, consolidando, ao logo do tempo, o território do
mal na Terra, de onde surgiram os conflitos
anteriormente profetizados.
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Olonstreek
O Primeiro Reino Celestial
O mais rico dentre os reinos! Enganam-se os que acreditam que me refiro
aos tolos metais preciosos... Os valorosos corações nessas terras
nascidos, ontem e hoje. Estas sim são as verdadeiras riquezas. Suas virtudes estão acima das habilidades para a luta e justiça, pois a coragem e bondade valem mais.
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Chegará o dia em que o ouro e a prata estarão desprotegidos e não serão tocados. As armas bem forjadas não os salvarão, mas suas virtudes serão vistas nas terras Habitadas.
Dos grandes heróis, mártires e eleitos, muitos nestes domínios nascerão. A guerra neste solo terá início e aqui festejarão os reinos se a vitória os alcançar...
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Olonstreek era o mais rico e poderoso dentre os
reinos celestiais. Suas riquezas originaram-se da imensa
cadeia rochosa, cuja formação abrigava enormes jazidas
de ouro e prata. O poder, também, tinha origem nas
riquezas minerais, pois a abundância de minério para a
forja de armas e armaduras gerara uma cultura de
militarização onde as crianças, inclusive plebeias,
desenvolviam habilidades em manejar armas. Os filhos
dos nobres eram criados mediante educação diária sobre
táticas de guerrilha, as notícias sobre uma guerra próxima
se espalharam pelo reino e, apesar dos discursos pacíficos
da família real, todos cresciam com o sonho de tornarem-
se heróis defendendo a justiça e a vida na terra antiga.
O Palácio de Galatyans (Palácio de Prata) era,
sem dúvida alguma, a mais bela e valiosa de todas as
edificações do planeta. Sua imponência podia ser vista a
distância, pois o reluzir do revestimento totalmente
construído com a prata real, traduzia o seu valor a todos
que o contemplassem. No interior do castelo, as riquezas
se multiplicavam em paredes, colunas e objetos em ouro
e prata de valor inestimável.
O rei Gyllimond era um homem maduro,
corpulento, de olhos castanhos e andar altivo. Sua
expressão humilde contrastava com a postura rígida de
um regente justo e poderoso, o que confundia os
preconceituosos nobres de Olonstreek. Os cabelos
negros, mesclados aos grisalhos completavam a bela
figura do Senhor do 1º reino.
A rainha Zayra, detentora de uma beleza
indescritível em seus olhos verdes cristalinos, iluminava
o semblante dos que ousavam contempla-la. Seus cabelos
louros, ondulados, harmonizam-se perfeitamente à pele
clara, às feições impecáveis e corpo jovial que pareciam
imunes ao tempo. Era Senhora do amor do seu rei e
inspirava incontáveis desejos secretos dos nobres de
Olonstreek.
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Ambos, rei e rainha, eram justos e humanos acima
da condição de Senhores do reino do metal. A fé, nos
desígnios do Senhor Supremo, os tornara verdadeiros
desafiadores das preconceituosas leis da sociedade
antiga. Seus corações eram regidos pela bondade, amor e
justiça e o povo os veneravam com a mesma intensidade
que se sentiam amados por eles. O reinado de Gyllimond
e Zayra fora marcado pela prosperidade galgada na
sabedoria em administrar as riquezas reais para o bem
comum, contudo o controle dessas riquezas dera origem à
insatisfação de uma minoria gananciosa, tornando, assim,
os recursos de Olonstreek a origem dos seus maiores
conflitos. Todo metal precioso era de propriedade
comum a todo o reino, não sendo permitido a ninguém
tomar posse dos mesmos. Os nobres tinham o direito de
posse sobre as jazidas existentes em suas terras, no
entanto, mesmo um deles seria preso e julgado caso fosse
surpreendido apropriando-se das preciosidades nas terras
reais.
Essa estrutura social e as leis em torno dos metais
preciosos geravam a ganância e a maldade em todas as
esferas do 1º reino. Este sentimento, por muito, era
compartilhado dentre os habitantes das outras regiões das
terras habitadas, que se sentiam injustiçados por não
terem direito natural sobre tais riquezas. Assim, homens
de todos os lugares eram recrutados pelo mal, sobre o
pretexto de poder tomar posse do patrimônio de
Olonstreek, ao subjugá-lo.
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...Voltando ao interior da casa, ele tomou sua
espada e a velha bolsa que, para todos os lugares,
carregava consigo e, apressado, preparou seu velho
cavalo para partir. Em seus ouvidos uma voz familiar
repetia insistentemente:
“Deves partir agora! O perigo ronda-nos
implacável! Por hora, cabe a ti a defesa dos bons. Vá ao
palácio e mostre o vosso poder!”
Seu cavalo cortava a vila, veloz, passando por
diversos focos de conflito e ele logo pode reconhecer os
invasores, pois as cicatrizes evidentes nas suas faces os
denunciavam. Os inimigos investiam perversos sobre
todos os que cruzassem seu caminho, mulheres ou
crianças, nobres ou servos, como se suas vidas nada
valessem. Aquele homem bondoso, sobre seu cavalo,
com imenso pesar, sentia em suas entranhas cada golpe
que via ser desferidos contra aqueles inocentes.
Ele continuou cavalgando rumo ao castelo sem se
permitir desviar seu destino em socorro àquelas vítimas,
mas, tomou sua espada, erguendo-a, quando avistou um
invasor que investia contra uma indefesa criança,
confusa, em meio à estrada. Antes que o inimigo
desferisse um golpe mortal contra o menino, fora
surpreendido pela lâmina perfeita que lhe transpassara.
Sem perder o ritmo, ele contemplou a face daquele
perverso invasor e nela vislumbrou a marca feita a ferro
com o símbolo do 1º reino celestial...
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Os Inimigos
Insolente! Traidor! Servo invejoso! Traiu minha confiança por
inveja dos meus filhos e da liberdade que os concedi. Ele deseja tê-los, deseja a terra e o poder de ser Senhor. Desafiou-me a entregá-los caso não houvesse honra, bondade e coragem que os valesse.
Insolente! Aceitei o desafio, pois creio no coração dos
meus filhos, e, apesar dos seus ardis, guiá-los-ei à vitória se forem, como acredito, merecedores. Do
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contrário, perderão a terra e a vida, mas as almas dos dignos não serão tocadas e serão bem vindas em minha casa, vitoriosas ou não.
És meu inimigo! E todo aquele que for por
ti seduzido, terá de mim o mesmo tratamento. Se quiseres ser Senhor, serás o Senhor das Trevas e nela andará aquele que te seguir...
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Apesar da busca pela paz, comum a todos os
Reinos Celestiais, a influência da natureza humana,
fatalmente conduzira o surgimento de atos isolados de
violência, comportamento severamente punido pelas leis
reais. Num consenso, os reinos celestiais puniam seus
infratores dando-lhes o direito de escolha, entre o
banimento ou as prisões reais. Aqueles que escolhiam o
cumprimento de suas penas seriam presos e perdoados
após justa punição. Os que optassem pelo banimento
jamais poderiam retornar aos respectivos domínios reais,
sobre pena de execução.
Ao longo dos anos os malfeitores que optaram
pelo banimento organizaram-se no território do Vale
Evilkeerts (a anti-região do Vale Negro), cultivando toda
a maldade e sentimento de vingança contra os Reinos
Celestiais. Estes renegados estabeleceram-se no primeiro
exército inimigo, que crescia no propósito de desafiar a
ordem dos cinco reinos, buscando impor o domínio do
mal sobre os povos da terra antiga. Assim, invadiram
Olonstreek no intuito de roubar suas riquezas e obter a
desforra tão esperada contra suas duras punições.
A maléfica influência de Myrior, o Senhor das
Trevas, na ocasião do primeiro ataque, não passava de
sugestões sutis aos corações endurecidos dos renegados.
Contudo, num futuro muito próximo, a presença deste
sombrio inimigo se concretizaria num exercito sobre-
humano.
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...Aproximando-se do castelo ele percebeu uma
mudança sutil no cenário visto na vila. A luta continuava
mais os soldados do reino estavam, claramente, vencendo
a disputa. Tropas agrupavam-se marchando em direção
ao vilarejo e já era possível deparar-se com renegados em
fuga. A voz ainda ressoava em seus ouvidos:
“Entre depressa no Palácio!”
Ele passou sem ser notado pela guarda, como se
estivesse invisível, e, deixando seu cavalo, entrou no
castelo. Ouvia desde então outra voz que clamava:
“Por favor, não me faça mal!”
A bela voz feminina, impregnada de temor, fez o
coração do guerreiro repentinamente iniciar um estranho
compasso, batendo tão forte que ele podia escutá-lo. Ele
corria pelas magníficas dependências do palácio, alheio
às belas que jamais contemplara e, então, deparou-se com
uma inesperada imagem.
A rainha Zayra fugia, desesperada, dos golpes de
um renegado que tentava feri-la. Não demorou muito
tempo para que o malfeitor encurralasse a indefesa
mulher. Ele sorria, num tom sarcástico e, erguendo sua
espada, olhou-a como um carrasco pronto para uma
execução:
— Em nome do exército do Vale Evilkeerts, vos
condeno à morte, rainha de Olonstreek, pondo fim a tua
vida e da criança que carregas no teu ventre...
A rainha, sem esperança de ser salva, cerrou os
olhos em oração, entregando-se nas mãos do Senhor
Supremo. No entanto, como se o tempo houvesse parado,
o golpe final não se concretizou, dando lugar ao som das
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espadas que se cruzaram ante aos seus olhos surpresos. O
oponente era um homem humilde, de meia idade, que
nem mesmo parecia ser capaz de erguer sua arma:
— Quem és tu, velho insolente?
A expressão do renegado revelou sua surpresa ao
reconhecer o rosto que o desafiava:
— Eu o conheço! És o ferreiro do vilarejo...
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O Escolhido No momento, um homem fora escolhido.
Sua justiça e sabedoria serão conhecidas... É ele o primeiro líder, o primeiro guardião e
nele se iniciará a vitória de todos. Ele irá instruir e encorajar os heróis. Em sua formidável “astúcia” iludirá o inimigo enganador, pois dos humildes nascerá coragem e poder como jamais foram vistos.
Das minhas mãos, encontrarão a luz sob a
qual o mal perecerá. Ela estará no livro, no símbolo, naquele que foi rejeitado e, sobretudo, nos corações que a desejarem.
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Meus planos foram, há muito, definidos,
mas os caminhos terão início nas habilidosas mãos do ferreiro.
Essa e a minha vontade!
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Descendente dos grandes mestres da forja de
armamentos, Steylrork aprendeu com seu pai, aquele que
forjara as melhores lâminas conhecidas na terra antiga, o
ofício de ferreiro. Ele era um homem de meia idade,
cabelos grisalhos, olhos castanhos e expressão sincera.
Seu corpo envelhecido escondia o porte de um velho
guerreiro e o olhar misterioso denotava grande sabedoria.
Seu pai, um grande guerreiro, de prenome Auryous,
forjava para si armas notáveis, manejando-as com imensa
destreza e, seguindo seus passos, Steylrork aprendera
também a utiliza-las com maestria. Esta prática secreta
transformou a história daquele humilde ferreiro para
sempre...
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— Se assim desejares, irás morrer junto à vossa
rainha...
— Afaste-se Majestade! Ninguém lhes fará mal
algum!
A rainha sentiu um súbito alívio ao perceber que
seu fim tão anunciado fora adiado, contudo, a simples
comparação entre aqueles adversários lhe trazia a
impressão de que não estaria a salvo por muito tempo.
Aquele homem bondoso, que tentava salvá-la, lutaria
contra um maléfico e poderoso inimigo ao qual a simples
presença denotava um perigo mortal. Mas a lógica viu-se
desafiada quando, ao bloquear o primeiro golpe desferido
pelo renegado, Steylrork feriu-lhe o ombro esquerdo,
num contragolpe perfeito:
— Vejo que sabes defender-se bem, para um
velho! Mas não precisarei de muito para liquidar-lhe.
Disse o renegado segurando sua espada apenas com a
mão direita.
Steylrork, impassível, permaneceu calado como
se não ouvisse as palavras do prepotente adversário. A
rainha sentia a esperança crescer em seu coração e passou
a crer nas habilidades do herói desconhecido que surgiu
para devolver-lhe a vida. O inimigo, furioso, ergueu a
espada e avançou contra o ferreiro que, com a leveza de
um jovem cavaleiro, bloqueou o golpe, girou o corpo por
debaixo das espadas e contra golpeou mortalmente o
renegado.
No coração do ferreiro uma estranha sensação de
paz, tomou o lugar da agonia, quase insuportável, que
sentia desde o início do conflito e ele percebeu que havia
cumprido sua primeira missão. Nos olhos da rainha, além
do natural alívio pelo perigo findado, a imensa gratidão
que sentia pelo gesto daquele plebeu:
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— Qual é o seu nome, heroico guerreiro?
— Sou Steylrork Majestade! Ferreiro do vosso
reino.
— Obrigado Steylrork!
— Não há porque agradecer Senhora, jamais
sentirei maior honra do que tê-la ajudado.
— Falas como se tivesse prestado-me um simples
favor. Salvaste minha vida e a partir deste instante tu
deixaras de ser simplesmente o ferreiro de Olonstreek,
pois serás sim conhecido como o mais leal dos amigos da
família real.
Esquecendo-se de sua posição a rainha abraçou
seu protetor que, aturdido, silenciou sem saber como
agir...
A invasão não demorou a cessar e tão logo
resolvido o conflito, o rei Gyllimond, que havia partido
em batalha contra os invasores, retornou ao castelo
vitorioso. Grande fora a surpresa do rei ao perceber que
os soldados designados para a defesa da rainha foram
derrotados e as portas do salão, onde Zayra deveria ser
protegida, estavam entreabertas. No instante em que
avançava em direção à entrada do salão, o rei sentia o
mais profundo desespero que seu coração já
experimentara. Estaria sua amada rainha entre as vítimas
daqueles cruéis inimigos?
Apoiado num tênue fio de esperança o rei entrou
na sala e sentiu-se profundamente aliviado ao ver Zayra,
a salvo, junto a um plebeu que a protegia:
— Quem és tu bondoso guerreiro?
A rainha, tomando a palavra, disse solenemente:
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— Este é o nosso amigo Steylrork, o homem a
quem devemos a minha vida e a vida da nossa criança. O
inimigo caído ao chão tinha o meu destino nas mãos
quando este nobre guerreiro, em tempo, enfrentou-o
salvando-me.
O rei aproximou-se do ferreiro que se ajoelhou
em reverência:
— Levante-se meu amigo! De todo o bem que eu
poderia imaginar receber de mãos humanas, não há nada
maior do que este que hoje me fizeste. Jamais poderei
retribuir-lhe à altura! Portanto, deixe a reverência para
aqueles com os quais eu não tenho uma dívida eterna.
Para ti quero oferecer o que desejares. Peça e terás!
Erguendo-se, Steylrork declarou num tom repleto
de sinceridade:
— Não desejo nada meu Senhor! Pois estive neste
castelo para cumprir meu dever e assim o fiz. Contudo,
sinto-me honrado por ouvir-lhe chamar-me por amigo e
esta recompensa me basta...
— Se vieste cumprir seu dever, a quem devo
agradecer o envio de tão valoroso herói? És cavaleiro de
qual dos reinos desta terra?
— Sou apenas um ferreiro do vosso reino, Alteza!
E nenhum homem responde pelo meu envio. No entanto,
sou filho desta terra e, como qualquer outro, devo
proteger a família real.
— Entendo o vosso propósito Steylrork e se te
recompensa a minha amizade, quero que saiba que a terás
para sempre. O conflito fora sufocado e tu deveras
descansar da batalha num dos aposentos de Galatyans,
pois, logo farei um pronunciamento ao valente povo do
meu reino e quero que estejas em nossa companhia.
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— Agradeço o convite Majestade! Estarei aqui
enquanto desejares.
O povo foi avisado que o rei convocava a todos
para o seu pronunciamento, à cerca do conflito que
vitimou muitos filhos do reino. Então, passado algum
tempo, Gyllimond surgiu no alpendre do castelo,
acompanhado pela rainha Zayra e Steylrork, quando
começou a falar ao povo:
— Querido povo de Olonstreek! Neste triste dia
trago-os aqui para que possamos, reunidos, homenagear
nossos irmãos que deram suas vidas para proteger nossas
terras. Os inimigos nos surpreenderam numa invasão
covarde e violenta, ferindo nossas almas por ganância e
vingança. Eram renegados de todos os reinos, julgados
por nossas leis, banidos por seus crimes e amotinados
num exercito de malfeitores. Muitos dos nossos soldados
pereceram ante este ataque traiçoeiro e não apenas eles,
como muitos homens simples, mulheres e crianças que
tentaram defender-nos, pois a maldade dos inimigos não
escolheu suas vítimas.
Junto ao meu exercito, no campo de batalha,
presencie diversos atos de heroísmo, realizados por
homens e mulheres de todas as idades e origens, o que
nos deixou orgulhosos e possibilitou a nossa vitória. Que
o Senhor Supremo conceda o prêmio devido os nossos
heróis no Palácio Celeste, que tenhamos aprendido o
verdadeiro sentido da nossa liberdade e o preço que
muitas das nossas famílias pagaram por ela.
Enquanto lutávamos um dos perversos renegados
invadiu o castelo no intuito de ferir nosso reino com a
morte da rainha e da criança que ela carrega em seu
ventre, mas o Senhor Supremo apiedou-se do meu velho
coração, e do nosso reino, enviando este valoroso
cavaleiro para protegê-la. Seu nome é Steylrork e ele, até
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o momento, fora conhecido como um dos nossos
ferreiros, no entanto, quero que todos saibam da nossa
eterna amizade e do merecido título que agora o
concedo...
Ficando de pé, o rei tomou sua espada na mão
direita e ordenou que o ferreiro ajoelhasse à sua frente.
Emocionado, Steylrork, ajoelhou-se e pode sentir a
espada tocar-lhe os ombros enquanto ouvia a voz do rei:
— Steylrork! Em nome do 1º Reino Celestial
concedo-lhe o título de cavaleiro real, em justiça à
bravura que demonstrares ao salvar-nos a todos no
momento em que protegera nossa família. Que o Senhor
Supremo ajude-o a honrar vossa nova missão e que todos
o respeitem, desde então, pela vossa nova posição. Sou
Gyllimond, o rei dos domínios do metal, e esta é a minha
vontade.
O povo saudou, com reverência, o novo cavaleiro
real e muitos dentre aqueles que conheciam o valoroso
Steylrork, demonstraram grande felicidade pela justa
horária que ele recebera. Muitos outros, no entanto,
represaram sua insatisfação em respeito ao rei.
Algum tempo após o pronunciamento, Gyllimond
chamou Sr. Steylrork para uma conversa reservada:
— Steylrork! Preciso falar-lhe um instante.
— Sim Majestade! Em que posso servi-lo?
— Tenho planos para garantir a segurança da
rainha e gostaria de contar com vossa presença,
diariamente entre nós, para viabiliza-los. Acredito que
seria apropriado que visses residir em Galatyans.
— Perdoe-me meu Senhor, se rejeito a honra que
me concedeste! Mas nasci no vilarejo e ali passei todos
os meus anos, por isso, não saberia viver em outro lugar,
ainda que fosse neste belo Palácio. Peço-te humildemente
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que reconsidere vossa vontade dando-lhe minha palavra
que estarei ao vosso dispor sempre que precisares.
— Tens liberdade para decidir aonde queres
viver, meu amigo, e entendo vossa decisão! Contudo, se
mudares de ideia vosso lugar estará à disposição.
— Se me permites Alteza, voltarei ao meu lar no
vilarejo. Estarei de volta ao castelo pela manhã.
— Vá em paz e até breve meu amigo!
Cavalgando pela madrugada, Steylrork voltou ao
vilarejo lembrando-se das imagens aterradoras que havia
presenciado na última passagem por aqueles caminhos,
hora desertos e envoltos num silêncio tumular que
parecia homenagear as vítimas da batalha ali travada. Ele
sabia que a luta havia apenas começado e a sua missão
teria avançado um único passo de uma longa e árdua
caminhada. Era guiado pelo próprio Senhor Supremo,
cuja voz fazia-se sempre presente quando necessário.
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A Revelação ao Ferreiro
Dias antes do ataque ao 1º reino...
A noite parecia não ter fim. Um sono profundo,
sem sonhos, se alongava, mas o cansaço do dia ainda se
fazia presente. Uma luz feriu a escuridão dos seus
aposentos e dela um homem surgiu. Steylrork sentia que
tempos tenebrosos estavam por vir, contudo, a sabedoria
inata do seu coração o faria reconhecer um mensageiro
do Senhor Supremo em qualquer circunstância. Era um
anjo e ele preparou-se para ouvi-lo:
—Diga-me a que vieste nobre mensageiro.
—Venho declarar que tu, Steylrork, foste
escolhido pelo Senhor Supremo, para guardar a profecia
do Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais e
conduzir os homens de bom coração a cumpri-la.
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—Perdoe-me! Mas sou apenas um velho ferreiro!
Como poderei cumprir tão honrosa missão?
—Não há porque questionar os desígnios do
vosso Deus. Ele conhece a todos os corações e escolheu a
ti dentre eles, sabendo exatamente vossos limites e
virtudes...
—Sei que não posso duvidar da sabedoria do meu
Senhor em escolher-me. Contudo, não encontro em mim
merecimento algum para tanto.
O anjo esboçou um sorriso:
—Não se trata de um prêmio, mas de um voto de
confiança que por certo eis merecedor. Alem disso esta
não é uma missão galgada em merecimentos meu caro! E
sim, num sacrifício pelo bem de todos os homens, pois ao
falharmos toda humanidade perecerá ante ao mal. Vosso
Deus confiou em vós, enviou-me para dar-lhe ciência da
sua suprema vontade e ouvir uma resposta, ele não irá
ferir-lhe o livre arbítrio ainda que custe a vida de todos...
—Sei a quem devo minha própria existência e a
Ele, que me honra com sua divina confiança, jamais
negarei o meu sim. Estou pronto para o que foi decidido.
—Face à resposta que me destes, deixo em vossas
mãos, por ordem do Senhor Supremo, a profecia do
desejado Reino Unificado do Dragão dos Ventos
Celestiais, traduzida no livro que agora te entrego. O
símbolo presente em seu interior é, na verdade, um
instrumento do poder que emana da luz, devendo ser
usado com sabedoria.
O anjo tocou o ombro esquerdo de Steylrork, que
adormeceu subitamente...
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Ao acordar, o ferreiro acreditou, por instantes,
que teria tido um estranho sonho, mas encontrou ao seu
lado um livro dourado...
Contemplando aquele objeto notável, Steylrork
pode perceber a importância do que estava por vir. Ele
Estendeu a mão, segurou o livro, tocou com as pontas
dos dedos os seis brasões entalhados na capa e
reconheceu os símbolos dos cinco reinos ao redor de um,
desconhecido, que seria a representação do reino
unificado.
Ao abrir o livro o ferreiro sentiu-se
repentinamente enfraquecido, como se algo roubasse lhe
as forças, contudo, em poucos instantes, recuperou-se.
Ele esperava encontrar orientações sobre os primeiros
passos da sua missão, mas percebeu que aquelas não
eram escrituras comuns. A maioria das folhas não
continha texto algum e, ao fundo, a contra capa escondia
o instrumento ao qual o anjo se referiu: um medalhão
com o símbolo do Reino Unificado. Surpreso Steylrork
contemplou uma escritura surgir, letra após letra, numa
folha que estava em branco...
34
Filho! És tu o meu escolhido! Vasculhei os reinos, procurando, e dentre
todos vos escolhi. Não me importam riqueza ou poder, nobreza ou direito herdado. Estas são preocupações dos homens.
Vossa lealdade, honra e justiça é o que
desejo. Tão abundantes não encontrei nos reis ou guerreiros, herdeiros ou nobres de toda a terra. Forje a vitória para o vosso povo, como as lâminas que Auryous lhes ensinara a forjar, e verás que nada se perderá.
Será tua esta difícil missão e se merecerdes,
perderás a vida, mas tua recompensa não lhe será tirada jamais. Comece já a caminhada!
Nas escrituras encontrarás o destino
correto, porem, os caminhos, deveis trilhar por si mesmo. Minha voz o acompanhará se quiserdes ouvir e irei carregá-lo quando vossas forças, por fim, o deixarem.
Confio em ti meu nobre ferreiro!
35
Tudo estava claro. Steylrork entendeu que, mais
do que um livro, estava diante de um elo entre ele e o
Senhor Supremo, entre o mundo dos homens e as Terras
Celestiais. A mais importante das armas na guerra que se
anunciava. Deveria defendê-lo com a própria vida, usá-lo
com o máximo de sabedoria e tornar a vitoria possível
aos homens. Assim, prostrado ante ao poderoso objeto,
ele elevou uma prece ao seu Senhor:
“Oh meu Supremo Senhor! Como podeis ser tão benevolente? Como posso honrar vossas palavras? Não sou nada! Não sou ninguém para merecer de ti, tal
honraria! Darei o meu melhor! Protegerei estas escrituras e este medalhão com
minha vida! Espero, com minha pequenez, poder honrar vossa
suprema confiança. Para que possamos livrar-nos do mal que nos assombra e ter a paz tão sonhada.
Estou aqui meu Senhor! Desejo servi-lo! Desejo a honra de ser instrumento da vossa vitória!
Assim seja!”
Steylrork estava, por fim, certo da sua missão e,
desde aquela noite, começaram seus esforços para honrar
os desígnios do Senhor dos Homens, ainda que disso
dependesse sua vida...
36
Segunda Parte
Na manhã seguinte o reino parecia acordar de um
terrível pesadelo. O povo recolhia os restos da batalha e
já iniciava a reconstrução do que fora destruído.
Steylrork partiu cedo para o castelo, como desejou o rei,
e, estando lá, foi chamado para uma reunião convocada
no intuito de tratar das questões prioritárias de segurança
para Olonstreek.
O tema central da reunião logo se tornou evidente
para todos. A clara necessidade de reformulação da
estrutura de segurança do reino, vez que a antiga
estratégia foi superada pelos inimigos, resultando no
recente incidente. Ryanor, um homem jovem, sério,
corpulento e altivo, o chefe da guarda de Olonstreek,
sentindo-se responsável pelo acontecido reagiu
defensivamente:
37
— Majestade, se me permites discordar, gostaria
de posicionar-me contra a mudança de estrutura das
nossas defesas, pois creio que a invasão sofrida não teve
qualquer relação com as nossas táticas de segurança...
— Ryanor! Estruturar as defesas de um reino é
obrigação do chefe da guarda, no entanto, aceitar a
estratégia proposta é da competência do rei. Assim, quero
deixar claro que vossa responsabilidade quanto ao ataque
não é menor do que a minha e a mudança que devemos
planejar não é uma afronta aos vossos esforços, mas uma
precaução para que não venhamos a sofrer outro ataque.
Subitamente, Steylrork tomou a palavra. Os
nobres ali presentes, não conseguiam esconder a
sensação de que um intruso se interpunha em seus
assuntos. Gyllimond, por sua vez, aguardou atentamente
a posição do cavaleiro.
— Senhor! Permita-me concordar com o nobre
chefe da guarda. Os planos do inimigo certamente estão
acima da estrutura de defesa do nosso reino.
— Majestade! Nossos inimigos são renegados dos
cinco reinos celestiais, reunidos num exercito. Portanto,
me parece natural imaginar que os planos de vingança
desses malditos não se limitam a atacar-nos e certamente
existe a intenção de invadirem os outros reinos.
Os presentes entreolharam-se reconhecendo as
razões expostas pelo ferreiro.
— E então o que faremos contra a eminente
possibilidade de um novo ataque?
Perguntou o rei:
38
— Algum dos presentes poderia sugerir algo
novo, que possa reforçar nosso potencial de defesa?
Após um breve silêncio, Steylrork sugeriu:
— Gostaria de sugerir que seja formado um
conselho entre os reinos, com o intuito inicial de
estabelecer diretrizes de cooperação e comunicação entre
as regiões e seus exércitos, viabilizando, assim, a ajuda
necessária quando da eminência de uma invasão por
parte dos renegados.
A surpresa do rei Gyllimond era a mesma dos
outros membros da reunião. Como um simples ferreiro
poderia ser dotado de tão veemente sabedoria? Steylrork
estava completamente correto em seu julgamento e
mesmo os nobres, que não aprovavam sua presença,
viram-se obrigados a concordar com sua estratégia.
— Creio que não precisamos debater sobre as
sabias palavras do meu nobre amigo. Providenciaremos
uma reunião secreta com as autoridades dos outros reinos
para que possamos chegar a um consenso a respeito da
possível formação de um conselho destinado à segurança
de todos. Que o Senhor Supremo nos ajude!
39
O Conselho Celestial
Conselheiros reunir-se-ão almejando a paz. São valorosos e honrados, mas suas forças não são capazes de evitar o mal, pois traidores estão à espreita e seus segredos serão conhecidos...
40
Decidido a promover a formação de um conselho
composto por representantes dos cinco reinos, o rei
Gyllimond reuniu-se com Steylrork no salão real e, com
ele, chegou ao entendimento de que seria necessário
enviar, através de um mensageiro de extrema confiança,
comunicados secretos, endereçados exclusivamente aos
dirigentes dos respectivos reinos. Decidiram, contudo,
que os reais motivos deste encontro seriam revelados no
momento certo. Assim, o rei ordenou que um dos
soldados, postos às portas do salão real, fosse ao encontro
de Ryanor e o chamasse:
— Meu Senhor! Em que posso lhe ser útil?
— Ryanor! Prepare vosso melhor cavalo, pois
deveis partir ainda hoje aos outros reinos celestiais,
levando uma mensagem urgente, que devera ser entregue
nas mãos de cada dirigente e cujo conteúdo é
extremamente secreto.
O chefe da guarda olhou para Steylrork, como
quem olha para um traidor. Em seus pensamentos teve a
certeza que aquele intruso desejava o prestígio que a ele
era devido...
— Mas meu Senhor! Tenho diversos assuntos da
guarda para tratar, temos os melhores mensageiros das
terras habitadas e...
— Não discuta minhas decisões, cavaleiro!
Confiei à ti esta missão e serás tu a cumpri-la!
— Perdoe-me Majestade! Não quis parecer-lhe
insolente. Estarei a postos o quanto antes, se permitirdes,
irei preparar-me imediatamente.
— Permissão concedida!
Ryanor dispensou um último olhar ameaçador ao
ferreiro e retirou-se apressadamente do salão.
41
Steylrork dirigiu-se ao rei:
— Meu Senhor! Creio que Ryanor sente-se
desafiado pela minha presença...
— Não há do que se preocupar Steylrork! Ele
sente-se culpado pela invasão e acredita ter perdido o
meu apreço por falhar em proteger o reino, no entanto,
não percebe que dentre todos os cavaleiros tem minha
preferência e confiança.
— Permita-me, Senhor, sugerir que deveis
esclarecer os fatos junto a Ryanor, em honra a confiança
que o tens. Ele pareceu-me decepcionado.
— Entendo vossa preocupação Steylrork. Vamos
aguardar que ele retorne...
Algum tempo depois o Chefe da guarda retornou
à Galatyans, sua expressam contrariada não deixava
dúvidas quanto ao seu pesar, mas a jovem manteve-se
obediente:
— Está tudo preparado Majestade! Onde estão as
mensagens que levarei?
— Sente-se cavaleiro!
O rei estendeu a mão, entregando-lhe quatro
mensagens seladas:
— Ryanor! Steylrork sugeriu-me que ao
mensageiro devesse ser concedido o direito de conhecer
o conteúdo das mensagens, portanto, abra e leia uma das
cartas!
Ele hesitou:
42
— Estas são mensagens secretas e apenas os
homens presentes neste salão conhecerão seu conteúdo.
Leia filho!
“Trata-se de assunto de extrema urgência para
todos os Reinos Celestiais! Eu, o rei Gyllimond de
Olonstreek, venho, por meio dessa mensagem, solicitar a
presença dos representantes de todas as regiões pacíficas
das terras habitadas, para uma reunião urgente e
totalmente secreta no palácio de prata. Trataremos de
questões que envolvem a segurança e a paz em toda a
terra.
Creio que foram conhecidos, por todos, os
eventos ocorridos em Olonstreek. Ataques covardes que
vitimaram muitos homens de bem e quase destruíram
nosso querido reino. Temos razões para acreditar que este
foi apenas o primeiro incidente de muitos e que os vossos
territórios serão os próximos alvos. Espero encontrar-lhes
na próxima lua crescente e que o Senhor Supremo nos
conduza!”
Após um breve silêncio, seguido de olhares
amigáveis entre os presentes Ryanor dirigiu-se ao rei::
— Majestade! Posso entender a importância do
vosso envio e sinto-me honrado pela confiança que me
concedestes!
— Tenho vossa permissão para partir?
— Siga vosso caminho em paz, filho! Que o
Senhor Supremo o conduza!
— Obrigado Alteza!
— Sr Steylrork! Perdoe-me por tê-lo julgado mal.
Vejo que nosso rei o tem em alta conta e deveis ser
merecedor dessa honraria.
43
O ferreiro esboçou um sorriso e tocou o ombro do
jovem cavaleiro, em sinal de amizade...
Ryanor tomou as mensagens e retirou-se do
palácio.
Steylrork despediu-se do rei em seguida e
retornou à sua casa no vilarejo.
Ao chegar à vila o ferreiro sentia um desejo
incontrolável de consultar o livro e suas mágicas
escrituras. Ele era atraído por aquele misterioso objeto,
sempre que houvesse algo importante a ser lido e a
agonia que o tomava só tinha fim após a leitura. Ao abri-
lo na última folha limpa, como esperado, uma nova
escritura começou a aparecer letra após letra...
Ryanor seguiu veloz pelos caminhos dos reinos
celestiais e cumpriu sua missão entregando, nas mãos dos
dirigentes dos reinos, as mensagens do rei Gyllimond.
Ele esclarecia a urgência do encontro e a necessidade de
discrição quando da chegada à Olonstreek e todos se
comprometeram a comparecer ou enviar representantes
em segredo.
No dia da primeira reunião do Conselho Celestial
os dirigentes ou representantes enviados, chegaram ao
reino do Metal sem serem notados e foram recebidos em
Galatyans, pelo próprio rei, com toda a discrição devida.
Os trabalhos se iniciaram, mas Gyllimond
inquietava-se com uma ausência entre seus
conselheiros...
44
Esconda-se ferreiro! Vossa presença será requisitada, mas deveis
esconder-se por hora! És o principal conselheiro do rei e ele
sentirá vossa ausência, contudo vosso melhor conselho será o silêncio.
Não se trata de insolência ou covardia.
Nossas melhores armas devem estar fora do alcance dos traidores.
Não serás visto neste dia, nobre
conselheiro!
45
...Acima dos interesses do conselho, Gyllimond
viu-se profundamente preocupado com o paradeiro de
Steylrork que jamais havia estado ausente, desde que se
tornara cavaleiro.
O momento mais importante após a invasão de
Olonstreek havia chegado e o ferreiro simplesmente
desapareceu. O rei, não poderia ausentar-se para procurá-
lo pessoalmente, então, ordenou que seus soldados o
fizessem e o informasse imediatamente o que acontecera.
A primeira reunião do Conselho Celestial atingiu
o quanto esperado. Os representantes retornaram aos seus
reinos com a mesma discrição que chegaram e ninguém
se quer percebeu o que havia ocorrido em Olonstreek.
Os soldados enviados por Gyllimond não
encontraram Steylrork em lugar algum. A aflição do rei,
e da rainha, quanto ao seu paradeiro, perdurou até o
amanhecer do dia seguinte, quando o ferreiro chegou ao
castelo, à passos largos:
— Meu Senhor e Senhora! Perdoem-me a
ausência durante a reunião do Conselho.
Steylrork curvou-se diante do rei e da rainha com
uma expressão de arrependimento e pesar:
— Meu amigo! Onde esteve? Estávamos aflitos
com o vosso desaparecimento. O que houve afinal?
Disse Zayra, enquanto erguia o ferreiro,
gentilmente, segurando-o pela mão.
— Perdoe-me Majestade não tive a intenção de
afligi-los, mas assuntos urgentes me detiveram por todo o
dia.
O rei, irritado, olhando-o fixamente indagou:
46
— Qual seria este assunto tão importante que o
tiraste de vossas responsabilidades de cavaleiro, deixado
o rei e a rainha de Olonstreek sem notícias do vosso
destino?
— Entendo vossa revolta, meu Senhor! E espero
minha justa punição, mas o assunto que me deteve é um
segredo que nem mesmo à família real me cabe revelar.
O rei estava aturdido com a coragem daquele
homem. Não via temor nos olhos sinceros do ferreiro,
apesar da iminente punição que ele poderia receber por
ter deixado suas obrigações reais, em nome de um
segredo que não pretendia revelar.
Gyllimond pôs-se a lembrar de como conhecera
Steylrork, como deparou-se com o salvador da sua amada
rainha. A espada em punho preparada para defendê-la
novamente, caso fosse necessário; o olhar de um grande
guerreiro vitorioso enviado para estar ali naquele exato
momento. Lembrou-se também da sabedoria que ele
demonstrara ao sugerir a formação do Conselho Celestial
e, por fim, entendeu que estava sendo conduzido, por
aquele homem humilde:
“Steylrork é mais do que um cavaleiro de
Olonstreek. É um enviado do próprio Senhor Supremo e
está a nos conduzir desde a invasão, não me cabe
recriminá-lo, nem saber mais do que me é permitido.”
Pensou Gyllimond, mudando de atitude.
— Não irei puni-lo cavaleiro, pois meus olhos
começaram a se abrir e posso imaginar o valor do vosso
segredo. Esperarei o tempo em que poderás confiar-me
vossos mistérios Steylrork e estou feliz por ver que estais
bem, meu amigo!
47
— Eis generoso como nenhum outro rei nascido
nesta terra meu Senhor! Muito obrigado pelo vosso
perdão!
A rainha não pode entender como Gyllimond
mudara de atitude tão repentinamente, contudo, num
sorriso, demonstrou sua aprovação vez que nunca
desejara que o ferreiro fosse punido.
O Conselho Celestial estava formado desde então,
e foi estabelecido no primeiro encontro que cada reino
escolheria quatro mensageiros destinados ao envio de
comunicados urgentes, solicitando reforços rápidos
quando da iminência de ataques. Ficaram também
estabelecidos códigos de comunicação por meio de sinais
luminosos, com os quais seria possível responder às
solicitações e até mesmo avisar da impossibilidade de
cumprimento do tratado de cooperação à distância.
Outras reuniões foram pré-estabelecidas e ocorreriam em
cada um dos outros reinos segundo agendamento prévio,
ocasiões em que seriam atualizadas as informações sobre
a segurança de todas as regiões pacíficas das terras
habitadas.
48
As Crianças de Olonstreek
São duas as crianças. Deveis escondê-las em vosso lar. Proteja a mãe como será pedido e ajude quando ouvir a súplica. Uma nascerá em vossos domínios e a outra lhes será enviada. Reúna-as, pois são vossas, tanto quanto do rei e da rainha. Escolherás seus nomes e protegendo-as enganaras o oponente, pois no silêncio da tempestuosa noite os olhos do inimigo nada verão...
Salve-as ferreiro!
49
A batalha que quase vitimou a rainha e a criança
que ela trazia no ventre, tornou a segurança da família
real, mais do que nunca, a prioridade no reino do metal.
Os renegados capturados, após a invasão, foram
interrogados diversas vezes pela guarda de Olonstreek.
Ryanor tencionava colher informações sobre o exercito
inimigo e suas intenções futuras. Ele descobriu que
existiam planos concretos de impedir que a criança real
viesse ao mundo, que este fora o verdadeiro motivo do
ataque e que o contingente inimigo era muito maior do
que fora visto.
Por essa razão o Rei Gyllimond, resolveu
esconder Zayra em um lugar onde ninguém imaginaria
que ela pudesse estar. Ele convocou Steylrork para uma
reunião urgente:
— Steylrork! Preciso da vossa ajuda.
O ferreiro prontificou-se:
— Meu Senhor! Diga-me em que poderei ser útil.
— Preciso que escondas Zayra em vossa casa, até
o nascimento da nossa criança. Descobrimos que a
intenção dos invasores era a morte da rainha e do bebê e,
por isso, temo a possibilidade de um novo atentado.
— Minha casa será abençoada pela honrosa
presença da vossa família, meu Senhor! Não se preocupe,
pois protegerei a rainha com a minha vida!
— Vos agradeço meu amigo! Terás minha
confiança para esta missão. Meus melhores homens
estarão vigiando secretamente a vossa casa.
50
Na noite seguinte a Rainha foi levada, sobre
disfarce, para a casa de Steylrork. Apenas os homens de
confiança do rei e a serva da rainha sabiam onde Zayra
iria permanecer até o nascimento da sua criança.
O pequeno Chalé onde o ferreiro vivia, dispunha
de apenas um aposento onde ele se recolhia para dormir.
Era realmente confortável e mantinha-se impecavelmente
organizado, com moveis entalhados pelas suas
habilidosas mãos. Ele preparou sua casa para a chegada
da rainha e a recebeu com toda reverência devida:
— Minha Senhora, perdoe-me o desconforto do
meu lar. Farei o melhor para reduzir o incomodo destas
humildes instalações.
— Steylrork, meu amigo! Vossa segurança e
lealdade é todo o conforto de que preciso. Agradeço-vos
por me abrir as portas da vossa casa.
Zayra entrou no chalé e foi conduzida por
Steylrork aos aposentos onde ficaria escondida até o final
da gestação, como planejado pelo rei.
O ferreiro então começou a dedicar-se ao serviço
e proteção da bela rainha e sua criança que em alguns
dias, viria a nascer. Zayra sentia-se bem, em segurança, e
Steylrork mantinha-se vigilante. Ele avisaria ao rei
quando a hora do nascimento estivesse próxima, para que
Elga, a fiel serva da rainha, viesse acompanhar o parto.
Enquanto este dia não chegava, cabia à Elga fingir que
Zayra mantinha-se indisposta nos aposentos reais, para
que todos em Olonstreek acreditassem que ela
permanecia no castelo, o que ela cumpriu sabiamente.
Alguns dias se passaram e o plano de Gyllimond
funcionava plenamente. Ninguém, em todo o reino,
imaginara que a rainha não estava recolhida no palácio.
A invasão esperada não ocorreu, mas Ryanor reforçou as
51
tropas na fronteira do reino, evitando ser surpreendido
novamente.
Uma tempestade quebrava o silêncio da
madrugada, quando Steylrork ouviu uma voz que o
chamava do lado de fora da casa. Ele imaginou saber do
que se tratava, mas, precavido, tomou sua espada nas
mãos e cuidadosamente abril a porta. Ninguém o
esperava, porém, ao chão, havia um cesto com uma
criança que curiosamente não chorava, embora estivesse
ao relento.
O ferreiro sorriu, olhando para criança e,
lembrando-se do que havia lido nas escrituras, trouxe-a
para dentro. Enquanto fechava a porta ele ouviu um grito
que vinha do interior da casa. Zayra chamava-o, pois já
estava em trabalho de parto, porem, algo não corria bem
e ela clamava por sua ajuda:
— Steylrork, aproxime-se! Está na hora, mas há
algo de errado! Temo pela vida da minha criança! Ajude-
me, por favor!
— Acalme-se minha Senhora! Estou aqui e irei
ajudá-la! Não temas mal algum, pois o Senhor Supremo
está conosco neste momento!
A urgência impedira Steylrork de chamar por
Elga. Teria, ele mesmo, que auxiliar o nascimento do
bebê, em detrimento das convenções sociais que
proibiam os homens de presenciar tais ocasiões. Ele não
sabia como proceder. Tentou, então, lembrar-se das
mulheres do vilarejo que se reunião para ajudar umas às
outras quando uma criança estava para nascer e, muitas
vezes, narravam seus feitos aos amigos.
Num esforço, o ferreiro lembrou-se de um
episódio narrado por uma de suas vizinhas que,
detalhadamente, explicou como conseguira salvar um
bebê que não estava na posição correta para nascer. Ele,
52
entendendo que se tratava de situação semelhante,
dirigiu-se à rainha explicando o que parecia estar
havendo.
— Senhora! Creio que o vosso bebê não está na
posição correta para nascer e precisará de ajuda
— Ajude-me meu amigo! Faça o que for preciso,
mas salve minha criança!
Steylrork, munido das bênçãos do Senhor
Supremo e imitando as parteiras do vilarejo, reposicionou
a criança que nasceu em seguida. A rainha, exausta,
desfaleceu, perdendo os sentidos, logo que pode ouvir o
primeiro choro do seu bebê.
O ferreiro recordou-se de tudo que havia lido nas
escrituras para aquele dia. Ele sabia que Zayra ficaria
bem, após um merecido descanso. Sabia, também, que os
destinos daquelas duas crianças, que agora se
encontravam na sua humilde casa, estavam selados e
entrelaçados para sempre. O Senhor Supremo mais uma
vez o mostrara como agir e ele assim o fez.
Tudo corria como esperado e Steylrork
contemplava as belas crianças que tranquilas dormiam,
alheias, a tudo que estava por vir, a todo o mal que
enfrentariam no futuro incerto dos homens das terras
habitadas.
Zayra acordou chamando:
— Steylrork! Traga-me meu bebê!
Ele hesitou por um instante olhando para as
crianças. Então, tomou uma delas nos braços e levou até
a rainha.
53
— Aqui está minha Senhora! Veja que bela
princesa o Senhor Supremo lhe enviou! É certamente a
mais bela que a terra já conheceu!
— Obrigada meu amigo! Mais uma vez salvaste
nossas vidas.
— Estarei sempre aqui minha Senhora! Agora
queira descansar com vossa criança. Chame quando
precisar.
A manhã, finalmente, chegou e a rainha logo quis
saber da outra criança que ali se encontrava. O ferreiro
explicou a “incrível coincidência” que ocorrera naquela
madrugada tempestuosa e ambos concordaram que,
certamente, tratava-se de um sinal divino. Ele jurou
cuidar e proteger o bebê que havia sido deixado em sua
porta, bem como, a criança que nascera em sua casa.
Zayra tomou em seus braços o outro bebê que ali
estava. Era um belo garoto aquele que desde então,
tornara-se filho do seu amigo ferreiro. Ela levou-o para
seus aposentos e, num gesto digno da bondosa rainha de
Olonstreek, pôs-se a alimentá-lo junto à princesa.
Tudo havia ocorrido conforme a vontade
suprema, Steylrork cumprira sua missão e era chegada a
hora de avisar ao rei sobre o acontecido. Ele convocou o
soldado que montara guarda durante toda a noite, a
alguns metros de sua casa, e ordenou que fosse ao castelo
avisar ao rei que seu bebê havia nascido durante aquela
madrugada, que Rainha Zayra e a Princesa, estavam bem
e aguardando sua visita.
Em pouco tempo o rei Gyllimond chegou à casa
do ferreiro, aflito, em busca de notícias sobre o que havia
acontecido:
— O que houve Steylrork! Por que não nos avisou
que a hora havia chegado?
54
O Ferreiro conhecia as convenções do seu tempo,
sabia que não deveriam estar presentes durante o
nascimento de uma criança e que, como regra de conduta,
um homem que ousasse presenciar o nascimento de uma
princesa poderia pagar com a vida perante a sociedade.
— Meu Senhor! Perdoe-me, mas havia algo de
errado e temi pela segurança da vossa família, caso me
ausentasse. Obriguei-me, portanto, a auxilia-la durante o
parto, a despeito das nossas convenções.
Gyllimond, no entanto, era naturalmente avesso à
maioria das convenções preconceituosas da sociedade
antiga e não estava preocupado com quem auxiliou o
nascimento de sua pequena princesa desde que ela e a
rainha estivessem em segurança.
— Não se envergonhe meu amigo! Tudo
certamente correra conforme a vontade do Senhor
Supremo. Estou feliz por encontrar minha família em
segurança! Esta é apenas mais uma das dívidas que temos
para convosco.
— Obrigado por vossa confiança, Majestade!
Deixe-me levar-lhe à vossa bela família.
Gyllimond cumprimentou Zayra e falou sobre o
quanto estava feliz por vê-la bem. Depois tomou sua filha
nos braços, com profunda emoção:
— Minha bela princesa, minha vida e meu reino
são teus. Terás das mãos de vosso pai, tudo o que
precisar para ser feliz e prometo que o serás, como
nenhuma outra princesa em toda historia dos homens.
55
Steylrork retirou-se deixando a família real, em
comemoração. Ele pôs-se a cavalgar em meio aos
pensamentos que o tomavam. Imaginava o futuro
daquelas pobres crianças que conhecera durante a noite
passada, os desafios que estavam por mudar suas
inocentes vidas e todo horror da guerra que viria. Seu
coração estava agora em conflito, entre o desejo de
protegê-las, a qualquer custo, e a obrigação de deixa-las
seguir o perigoso caminho pré-determinado em nome da
profecia que guardava. Mas, o ferreiro logo recuperou a
razão, entendendo que o melhor caminho já havia sido
traçado pelo próprio Deus e que ele amava aqueles
pequenos muito mais do que qualquer homem que os
tentasse proteger.
Voltando à sua casa, ele fora informado de que o
rei procurava-o:
— Estou aqui Majestade! Em que posso ser útil?
— Steylrork! Zayra deixou-me a par da inusitada
história que ocorreu esta noite e me parece claro que tu
recebeste um presente das mãos do Senhor Supremo.
Saibas que é da nossa vontade que a rainha possa
alimentar vosso filho enquanto bebê. Dou-lhe minha
palavra que esta criança será protegida e tratada como o
mesmo zelo e cuidado que terá a princesa. Sei que não
queres residir no palácio, mas creio ser importante que
permaneças conosco até que vosso filho não necessite
mais dos cuidados da Rainha.
— Agradeço tuas promessas Majestade!
Agradeço também a ti, minha Senhora, pela bondade de
alimentar meu pequeno menino. Será uma grande honra
residirmos, pelos próximos meses, em Galatyans, Alteza!
A Rainha então tomou a palavra para anunciar
uma decisão que tomara junto ao rei:
56
— Decidimos que vos daríamos o direito de
escolher o nome da princesa, já que foste tu que a ajudara
a nascer.
— Senhor! Como será possível, um simples
ferreiro ser detentor de tal honraria?
— Tu és cavaleiro de Olonstreek Steylrork e
ainda que não o fosse, tens a nossa gratidão e amizade!
Acaso a família real não tem o direito de ter um amigo?
— Naturalmente Majestade! Tenho grande
felicidade por ostentar vosso apreço!
— Há alguns dias tive um sonho e ele uma
criança, uma bela menina, era conduzida pela mão por
um anjo de Deus que a chamava de Zaradyk. Imaginei
que este poderia ser o nome de vossa princesa, minha
Senhora!
O rei tomou a palavra:
— És mesmo um homem ungido, Steylrork! Falas
de um sonho profético com tal simplicidade que nos
parece uma rotina para vós, receberdes mensagens do
próprio Senhor Supremo. Sonhastes com a nossa princesa
e assim ela será chamada!
A rainha, num sorriso, concordou:
— É um belo nome meu amigo! Mas afinal como
será chamado o vosso menino?
— Meu pai chamava-se Auryous. Chamaremos
meu filho de Auryousrork, para que ele seja maior que os
homens que o precederam.
Saíram todos do vilarejo em direção ao castelo. A
rainha cuidaria, desde então, das duas crianças e
Steylrork empenhara-se em protegê-las diariamente no
Palácio de Prata!
57
A Transformação
O renovado Exército do Vale Evilkeerts
Tolos Ambiciosos! Sedentos por vingança. A cobiça, maldade
e ambição, os destruíram. Pensaram encontrar poder no tenebroso
Myrior, mas, na verdade, entregaram-se como escravos e perderam suas almas.
Tolos Perversos!
58
Jamais serão vitoriosos, pois o lago destruiu seus corações e as corpulentas aberrações não verão a luz que as devolverão às cinzas...
59
Depois do ataque frustrado, o exército dos
renegados assumiu a busca por meios de se recompor,
para continuar com o ambicioso plano de dominar o 1º
reino, repartindo entre os membros, suas riquezas.
Noravox, o líder do exército Evilkeerts, era um
conhecido membro da nobreza do reino do metal, um
assassino banido por seus crimes. Quando jovem,
sonhara tornar-se um cavaleiro real, porem fora
desqualificado devido ao comportamento violento e
leviano. Depois, ele direcionou seus esforços contra as
riquezas reais, sendo preso e julgado pelo assassinato dos
soldados que o flagraram tentando roubar metais
preciosos em Olonstreek. Seu ódio contra o 1º reino o
levou a organizar o exército e a ofensiva contra o palácio
real, mais o primeiro fracasso o fez crer que precisaria de
ajuda para tornar possíveis seus planos de vingança.
Noravox buscou nas forças ocultas o poder necessário
aos seus propósitos e desde então aliou-se ao Senhor das
Trevas (Myrior).
Aquele exército que antes servia aos propósitos de
riqueza e violência eminentemente humanos, agora
serviria ao mal, destinando-se a aniquilar a humanidade e
estabelecer o domínio das trevas.
O poder maléfico de Myrior estava concentrado
nas águas lodosas, represadas em um lago situado ao
centro do Vale Evilkeerts, o Lago Myrior. Os soldados
merecedores, após serem testados, banhavam-se nestas
águas e aos poucos se transformavam em feras
abomináveis, com força e estatura descomunais.
Tornavam-se humanoides aberrantes e disformes, que,
com extrema facilidade, aniquilariam um homem
comum.
Diante de tamanho poder, o potencial de
persuasão para o recrutamento de novos soldados,
advindos de todos os reinos, crescera na proporção em
que ficava clara a possibilidade de vitória contra soldados
60
comuns, o que propiciou o desenvolvimento rápido e
contínuo do transformado exército do Vale Evilkeerts. A
partir destes renegados viria a guerra, a morte e a
destruição contra os homens e seus reinos, que
preparados ou não, defender-se-iam ou pereceriam ante a
luta pela vida.
61
As Pequenas Espadas
...Deixe-as brincar! Deixe-as crescer! Mas instrua e ensine o quanto antes, vez que logo precisarão.
Proteja-as também! O mal espreita em
silêncio. Ficai atento à minha voz e aos sinais, no entanto, permita-as alguma ousadia, pois devem aprender depressa a ter coragem.
Que as pequenas espadas sejam
desembainhadas para a surpresa do inimigo, às margens dos rochedos de Olonstreek...
62
De volta à Galatyans, a família real, o ferreiro e
seu filho, acomodaram-se, enquanto o chefe da guarda
estabelecia, junto à Gyllimond, diretrizes de segurança
para a pequena princesa. Estabeleceu-se, na ocasião, que
os soldados de maior confiança do rei e o próprio Ryanor
fariam um revezamento guardando a integridade do bebê
e está era a mais importante missão do exército real
desde então, gozando de prioridade sobre quaisquer
outra.
O pequeno Auryousrork, como prometido,
recebera os mesmos cuidados oferecidos à princesa. A
rainha o tratava com carinhos de mãe e seu pai, Sr
Steylrork, não escondia a grande honra que sentira ao ver
o zelo real pelo menino.
Com o passar do tempo os bebê tornaram-se
pequenas crianças e apesar dos esforços do rei e da
rainha, em manter Steylrork e seu filho no palácio,
chegou o dia em que eles voltaram para a vila. Os
comentários sobre a amizade verdadeira entre a família
real e a pequena família do ferreiro corriam por todo o
reino.
As crianças cresciam em segurança e embora
Auryousrork e seu pai não residissem mais no castelo,
estavam sempre presente. Steylrork ensinava-os
secretamente suas técnicas de combate e os professores
das artes da guerra, estranhavam as capacidades inatas
daquelas crianças.
Zaradyk encantava a todos com a beleza dos seus
curiosos olhos azuis, emoldurados por seus cabelos
louros como o ouro de Olonstreek e muitos nobres já
sonhavam em unir um dos seus filhos à bela princesa que
ela certamente se tornaria.
Auryousrork parecia o prelúdio de um grande rei.
Tinha o olhar imponente de um guerreiro, incomum para
uma pequena criança. Seus olhos eram castanhos, seus
63
cabelos negros e o corpo infantil já ensaiava o porte
atlético que mais tarde ostentaria.
Eles eram amigos inseparáveis. Divertiam-se,
aprendiam e cresciam juntos, a despeito do preconceito
velado que os nobres conservadores de Olonstreek
nutriam contra o amor inocente que os unia...
64
— Crianças! Cheguem mais perto, quero contar-
lhes uma história antiga.
Eles aproximaram-se para escutar o ferreiro.
Zaradyk poderia ouvir as historias de Steylrork durantes
horas, sem parar. Ela permanecia atenta a suas palavras e
queria sempre saber mais sobre o passado do seu povo.
Auryousrork, por outro lado, estava sempre impaciente
nestas ocasiões, não queria desperdiçar o tempo dos seus
treinamentos de combate para ouvir seu pai falar das
velhas batalhas que nem mesmo ele havia presenciado.
Naquele dia Steylrork decidiu falar sobre a antiga
lenda do reino unificado:
— Escutem crianças! Está é a mais importante
historia que vossos pequenos ouvidos conhecerão!
— Há muitos séculos atrás, um conflito pôs fim à
paz que, desde sempre, imperava nas Terras Celestiais.
Havia um anjo chamado Myrior, que gozava de um
grande prestígio para com o Senhor Supremo. Ele
detivera a confiança do seu Senhor e o respeito de todos
os que conviviam no Palácio Celestial. Um dos seus
principais trabalhos consistia no cuidado para com os
magníficos animais do reino, nossos temíveis dragões...
Zaradyk não pode conter-se e interrompeu:
— Mas tio Rork! Como criaturas tão más
poderiam habitar o Palácio Celestial?
Auryousrork continuou perdido em seus
pensamentos, alheio a historia narrada por seu pai.
— Nem sempre foi assim Zara. Os dragões eram
seres pacíficos no antigo lar Celestial.
— E o que aconteceu com eles então tio Rork?
65
— O anjo Myrior rebelou-se contra o Senhor
Supremo. Ele acreditava que poderia assumir o reino,
sobrepujando o poder de Deus, mas foi banido dos
Domínios Celestes e precipitado ao centro do Continente
Habitado, trazendo consigo os dragões que viviam sob o
seus cuidados.
Auryousrork perguntou:
— Mas porque este tal anjo traidor não tomou
para si os cinco reinos? Se ele possuía os dragões, quem
poderia vencê-lo no continente habitado?
— Hora! Vejo que finalmente interessou-se pela
história pequeno guerreiro!
— As batalhas entre os homens e o anjo traidor,
com seu exercito de dragões, aconteceram em seguida
Auryousrork! No entanto, os homens conquistaram a
liberdade e o próprio Senhor Supremo aprisionou o
inimigo em um lago ao centro do Vale Evilkeerts. Mas já
lhes falei sobre as batalhas entre os homens e os dragões,
em outra ocasião meu filho, tu não te lembras?
Zaradyk olhou para Auryousrork e sorriu com
certa ironia. Ele retribuiu o sorriso e deu de ombros.
Steylrork continuou:
— Após aprisionar o anjo traidor o Senhor
Supremo prometeu aos valentes guerreiros que traria à
terra, num futuro próximo, um reino unificado. Este seria
alcançado por intermédio do Dragão dos Ventos
Celestiais, símbolo da bondade e justiça, contrários ao
terror trazido por Myrior e seus dragões corrompidos.
— Esta fora a promessa do Senhor Supremo aos
homens daquele tempo. A formação do Reino Unificado
do Dragão dos Ventos Celestiais.
66
Zaradyk sentia que tudo aquilo era verdade e pôs-
se a imaginar quando a promessa seria cumprida.
Auryousrork, por sua vez, manteve-se incrédulo.
Eram apenas lendas antigas e ele não tinha tempo a
perder com histórias. Precisava aprender a combater, pois
só assim poderia tornar-se cavaleiro como seu pai.
As crianças haviam completado treze anos
quando decidiram explorar as fronteiras de Olonstreek.
Zaradyk não era uma menina comum e os perigos aos
quais estava exposta a aprisionava em seus próprios
domínios. A família real jamais a deixara sozinha, desde
que nasceu, e Auryousrork, seu companheiro inseparável,
também sofria as consequências da proteção excessiva,
por parte da guarda real.
Eram crianças felizes, mas ansiavam por
liberdade. Zaradyk suplicara a ajuda de Auryousrork que,
apesar de tentar dissuadi-la da ideia, por respeito ao seu
pai e ao rei, terminou por ceder ao poder de persuasão
que ela exercia sobre ele e a ajudou na fuga rumo às
fronteiras do reino.
Assim que o desaparecimento da princesa foi
descoberto e a notícia chegou ao conhecimento do rei
Gyllimond, um alerta de segurança foi ordenado e
tornou-se prioridade máxima para todo o exército, o
resgate da princesa em segurança. Pouco tempo depois,
Steylrork chegou à Galatyans e disse ao rei que Auryous
também havia desaparecido.
As crianças seguiram escondendo-se dos soldados
que os procuravam e, a cavalos, rumaram em direção à
cadeia rochosa que limitava o reino do Metal. Próximos à
fronteira de Olonstreek, avistaram soldados que saiam
dos seus postos para reforçar as buscas e decidiram
67
esconder-se em uma das cavernas que limitavam os
domínios do reino.
A princesa e seu companheiro eram mesmo
especiais. Mais inteligentes, corajosos e hábeis nas artes
da guerra, do que quaisquer outra criança nascida nas
terras habitadas. No entanto, os riscos escondidos por
traz das fronteiras dos Reinos Celestiais eram
verdadeiros. Zaradyk e Auryousrork não poderiam
imaginar os perigos que os rondava silenciosamente pelo
simples fato de atravessarem as fronteiras de Olonstreek.
Enquanto isso, no palácio, Steylrork conversava
com Gyllimond e Zayra sobre o que ele achava que teria
acontecido:
— Senhora. Percebi que Zara tem estado
incomodada com a proteção da guarda real, acredito que
ela e Auryous possam ter despistado a guarda e tenham
fugido juntos.
O rei, que acompanhava atento o que dizia o
ferreiro, perguntou aflito:
— Steylrork! Tens alguma ideia de em que parte
do reino as crianças possam ter ido?
— Senhor! Temo que devamos procurar na
fronteira rochosa. As crianças nunca esconderam a
curiosidade sobre o que há através da floresta Cinzenta.
— Mas Steylrork! Os guardas protegem a
fronteira, a todo o momento...
— E todos estão preocupados com as buscas da
princesa.
— Tens razão. Não temos tempo a perder!
Vamos procurá-los agora mesmo! A floresta é muito
perigosa e se eles conseguiram despistar os guardas no
castelo, saberão fazer o mesmo com os da fronteira. Por
68
fim, seguiram depressa para os limites da fronteira
rochosa de Olonstreek o rei, os soldados e o ferreiro.
Após despistarem os soldados, as crianças
deixaram os cavalos numa caverna e seguiram andando
até os limites do reino. Passando a fronteira rochosa eles
logo avistaram a imensa e sombria Floresta Cinzenta que
protegia a região dominada pelo mal, o Vale Evilkeerts.
Curiosa, a princesa sugeriu:
— Auryous! Vamos chegar mais perto da Floresta
de Nágora. Será que conseguiríamos chegar até o Vale
Negro, deve ser assustador, não é...
— Zara! Creio que já fomos longe demais.
Viemos para o lado de fora do reino como era vosso
desejo. Entrar nos domínios do mal, já seria loucura!
Tens ideia de quantos soldados de Olonstreek
desapareceram neste lugar? Não entrarei nessa floresta e
nem a deixarei arriscar-se mais.
— Mas Auryous nós somos...
Um homem ameaçador, muito estranho, com
cicatrizes por todo o corpo, interrompeu o diálogo entre
os meninos, segurando a princesa pelo braço. Tratava-se
de um ladrão banido pelo 1º reino que, no entanto, ainda
não teria sido aceito pelo exército inimigo. Quando
reconheceu Zaradyk, ele decidiu levá-la com o intuito de
ser aceito por Noravox em reconhecimento ao seu feito.
Auryousrork partiu decidido em direção ao
homem que soltando a princesa o empurrou contra o
chão.
Zaradyk desembainhou sua pequena espada e
ameaçou o ladrão. Ele sorriu sarcasticamente e ergueu
sua espada contra a princesa. Habilidosa ela bloqueou o
69
golpe e num giro, contra golpeou o inimigo ferindo-o no
ombro direito. O homem, furioso, desferiu outro golpe
frontal, que Zara novamente bloqueou, porém foi lançada
ao chão devido à violência do ataque, deixando cair, à
distancia, sua pequena espada.
O inimigo já não tencionava levar a princesa com
vida. Decidira ataca-la com toda sua fúria, avançando
contra ela, com a espada erguida sobre a cabeça.
Surpreendendo-o, Auryousrork o impediu, saltando e
cortando-lhe a mão direita, com a lâmina perfeita que
Steylrork forjara para ele.
O homem, ferido, fugiu em direção a Floresta
Cinzenta. Enquanto Auryous ajudava Zara a se levantar,
pode perceber o grande contingente do exército de
Olonstreek que corria na direção deles. Ele sentiu-se
finalmente salvo daquele malfeitor e confortou a princesa
que chorava assustada.
O rei, ao longe, chamou Zaradyk que correu para
abraçá-lo:
— Pai, por favor, perdoe-me! Eu só queria um
tempo longe do controle da guarda. Vossos soldados não
me deixam sozinha nem um instante.
— Minha filha. Tu és a princesa do reino do
Metal. Muitos malfeitores querem ferir-lhe e, assim, ferir
vosso reino. A proteção da guarda é necessária mesmo
que lhe incomode.
— Quanto a vós Auryous! Vimos o que fez e lhe
sou grato por ter protegido minha filha...
— Auryousrork!
Disse o ferreiro, num tom ameaçador.
— Que ideia foi essa de fugir com a princesa?
70
O menino, ainda assustado, abaixou a cabeça num
gesto de submissão.
O rei interferiu:
— Steylrork, não é o momento para exortações.
Vamos levar as crianças para o Galatyans.
O ferreiro balançou a cabeça, discretamente, num
gesto afirmativo dirigido ao rei. Seus olhos, porém,
continuaram a exortar o garoto por todo o caminho de
volta.
Foram todos juntos ao palácio encontrar a rainha
que aguardava, aflita, por notícias das crianças. Ela
correu ao encontro de Zaradyk, e ao perceber o ar de
culpa nos olhos do pequeno Auryousrork, estendeu os
braços chamando-o para que ele também a abraçasse.
Em seguida o rei tomou a palavra:
— Crianças! Perceberam o risco que se
expuseram? Entenderam por que não podem ficar sem a
proteção da guarda, sobretudo, fora dos domínios reais?
Auryous respondeu:
— Sim meu Senhor! Peço-lhe que me perdoe! A
culpa foi toda minha. Aceitarei o meu castigo...
— Conheço bem minha filha, Auryousrork, e sei
que ela deve ter lhe convencido a ajudá-la. Sei também
da grande amizade e cuidado que tens por ela e, por isso,
não vejo motivo para lhe atribuir toda a culpa do
ocorrido. Quanto à punição para os dois, creio que o
susto com o ataque que sofreram fora suficiente até o
momento. Assim aproveito para pedir ao amigo Steylrork
que não atribua punição ao vosso filho.
71
Na realidade, Auryousrork tornou-se hoje, como o
vosso pai, um dos nossos heróis. Diante dos nossos
olhos, este corajoso menino, munido de sua pequena
espada, protegeu a princesa, salvando-lhe a vida.
Steylrork esforçou-se para disfarçar o orgulho que
sentira. E num breve sorriso, evitou que seu filho
percebesse que já estava perdoado.
Em seguida o rei ordenou que Auryousrork se
aproximasse e ajoelhasse perante ele, para que pudesse
dar-lhe a honraria de cavaleiro real.
Auryous, incrédulo, ajoelhou-se. Como num
sonho o menino, contemplou o rei tomar sua espada e
tocar-lhe os ombros tornando-lhe o mais jovem cavaleiro
de todos os reinos da terra:
— Auryousrork! A partir deste momento vossa
vida estará marcada pela missão de honrar Olonstreek e
seu povo. Ser um cavaleiro real exigi senso de justiça,
coragem, força e lealdade. Entrego-lhe esse título porque,
ao proteger a princesa, tu provaste o vosso valor e o
merecimento desta grande responsabilidade.
— Agora, dar-lhe-ei vossa primeira missão.
Deverás continuar vossos estudos com Zaradyk,
protegendo a ela e a si mesmo, sem faltar com a
obediência a vosso sábio pai, Sr Steylrork.
— Perdoe-me meu Senhor! Mas se agora sou
cavaleiro real, porque então continuarei fazendo o que
sempre fiz.
— Filho! Cada cavaleiro deve honrar a obrigação
que lhes for confiada, não importando qual seja. Vossa
missão é a mais importante dentre todas que já ordenei:
cuidar do maior dos meus tesouros, a minha querida
filha. Sei que tu sempre cuidaste de Zaradyk com muito
zelo e carinho, meu desejo é que continue agindo assim.
O garoto respondeu com firmeza:
72
— Podes contar comigo meu Senhor! Defenderei
a princesa, se preciso, com minha vida...
— Quanto a vós, Zara! Deveis lembrar-se do
quanto a segurança de Auryousrork nos é importante.
Portanto, lhe caberá à obrigação de não permitir que
vosso amigo precise arriscar a vida para tirar-lhe de outra
situação que possas evitar.
— Eu entendo o que me dizes meu pai! Quero
agradecer, diante de todos, ao meu amigo Auryousrork,
por ter me ajudado, e prometo não colocá-lo em risco
outra vez. O Senhor, minha mãe e meu tio Steylrork têm
a minha palavra.
— Eu, o rei Gyllimond, declaro-me satisfeito com
os rumos desta reunião. Que o Senhor Supremo receba e
faça cumprir, minhas palavras, as palavras da rainha, as
promessas feitas pela princesa Zaradyk e pelo cavaleiro
real Sr. Auryousrork.
Com o fim da reunião, Sr Steylrork aproximou-se
do rei falando em particular:
— Senhor! Entendi o que fizeras ao meu filho e
quero agradecer-lhe.
— Não me agradeça por isso, meu amigo! Vimos
o prodígio que vosso filho realizou e, realmente, fora
uma atitude digna de um cavaleiro real. Cuidaremos para
que ele torne-se um grande guerreiro como o pai...
Voltando para casa, o ferreiro permaneceu calado
por todo o caminho, o que, aos poucos, deixou
Auryousrork apreensivo. Assim, o garoto resolveu
quebrar o silencio:
73
— Pai! Não ficaste orgulhoso do título que recebi
do rei? Ainda está chateado por termos fugido? Por que o
Senhor não quer falar comigo?
— Auryous. Não imaginas o susto que me deste?
Existem muito mistérios por traz da nossa proximidade
com a família real. Tua missão fora dada pelo rei, porem
a minha foi entregue pelo próprio Senhor Supremo. Se
vossa responsabilidade é de proteger a princesa, a minha
é de proteger a ti e a ela. Quanto ao título que o rei lhe
concedeu, estou muito orgulhoso e foste merecedor, no
entanto, creio que eis muito jovem para entender a
importância disso.
— Que mistérios são esse meu pai? Tem algo a
ver com a profecia? Por que não confias em mim? Se não
estou preparado, me ensine!
— Perguntas demais para o momento Auryous.
Não quero que dês ouvidos aos comentários que circulam
pelo reino a respeito da profecia. Chegará o tempo em
que falaremos sobre tais mistérios, está me ouvindo?
— Sim Senhor...
— E quem lhes disse que não confio em vós? Se
não confiasse diria ao rei para não torná-lo cavaleiro.
Duvidas que ele me ouviria?
— Não Senhor...
— Confio em ti meu filho e estarei sempre perto
quando precisares da minha ajuda. Para esta ou qualquer
outra missão que tiveres que assumir. Agora vamos
descansar; este dia difícil nos esgotou a todos.
— Vamos sim meu pai! Obrigado por ficar ao
meu lado.
Por fim, o ferreiro abraçou o filho aliviado por ter
acabado toda aquela confusão e recolheu-se ao descanso
merecido.
74
O Repúdio dos Nobres Não os dê ouvidos, meu filho! Eles não conhecem o vosso real valor.
Ignoram os perigos que os ronda, secretamente, e acreditam que proteger as tolas convenções sociais lhes será válido.
Posso disser-lhe que se soubessem o que os
espera, suplicariam, beijando-lhe os pés, pelo vosso socorro e aquele que ao fim estiver de pé, curar-se-á perante os vossos. Plebeus ou não...
75
Em pouco tempo, o susto com o ocorrido, após a
inusitada fuga da princesa, fora superado. No entanto, a
insatisfação dos membros da nobreza envolvidos com a
família real, a cerca da presença de plebeus no seu
convívio, começou a ficar evidente para todos.
Apesar de tratar-se de uma criança, Auryousrork
logo entendeu que sua presença entre os nobres, não era
desejada. Sentia-se protegido pelo declarado amor que a
rainha demonstrara sentir por ele, porem, o zelo real aos
poucos se tornara insuficiente. Desde sempre, Zayra
tentara deixá-lo à margem do preconceito da nobreza,
mas, com o tempo, seus cuidados não impediram que o
pequeno cavaleiro se sentisse rejeitado por seu povo.
Steylrork, por certo tempo, evitou o assunto com
Gyllimond, mas logo percebeu que a situação certamente
viria à tona à medida que Auryousrork amadurecesse e
entendesse sua origem. Assim, ele dirigiu-se ao rei:
— Senhor, gostaria de um tempo para tratarmos
de um assunto que receio estar na eminência de insurgir-
se contra nós.
— Do que se trata meu amigo? Diga-me sem
tantos rodeios.
— Majestade! É notório o incomodo dos nobres
com a minha presença e principalmente a de
Auryousrork, no convívio com a vossa família. Temo que
esta questão possa gerar constrangimentos para meu filho
e até mesmo para o vosso reinado.
— Steylrork! Eu sou o rei de Olonstreek. Se a
gratidão e amizade da minha família por vós e por vosso
filho os tornaram nobres entre os nobres, quem irá dizer o
contrário. Não importam as convenções da nossa
sociedade, nem a vossa origem ou a de Auryousrork.
Devo-lhes a vida da minha esposa e filha, o que os
tornam tão especiais que qualquer pessoa que os ofenda
será considerada inimiga do reino.
76
— Sei de tudo isso Alteza, mas preocupa-me o
sentimento de Auryous, frente aos possíveis comentários
preconceituosos dos nobres que o cercam. Ele é apenas
uma criança e não entende porque é preterido.
— Acalme-se ferreiro! Caso seja necessário
falarei pessoalmente com Auryousrork e garanto que tu e
vosso filho não serão ofendidos diante dos meus olhos.
— Está certo meu Senhor! Aguardarei os
acontecimentos...
O tempo passou e a previsão de Steylrork não
demorou a se confirmar. Os nobres começaram a
descriminar veementemente o garoto plebeu que
acompanhava a princesa a todos os lugares. Nem mesmo
o título de cavaleiro atribuído pelo rei, fora suficiente
para gerar algum respeito a Auryousrork, por parte da
nobreza conservadora. Conversavam entre eles sobre o
fato de não ser natural um plebeu, ainda mais uma
criança, ser nomeado cavaleiro. Tais comentários não
tardaram a chegaram aos ouvidos do garoto que se sentira
extremamente incomodado. Zaradyk logo notou a
decepção do amigo e tentou confortá-lo, enquanto
cavalgavam lado a lado:
— Sr Auryousrork! Sabes que me sinto muito
honrada pela companhia de tão virtuoso cavaleiro?
— Sei o que queres Zara, e não vai adiantar! Qual
o valor de um cavaleiro sem o respeito dos nobres do
reino que serve? Creio que eu deva desistir desta história
de ser cavaleiro. Sou filho de ferreiro e assim devo ser
conhecido.
Eles deixaram os cavalos pastando e se sentaram
à sombra de uma árvore:
77
— O que estais dizendo Auryous! Como vosso
pai, tu foste declarado um cavaleiro real. Vosso título
fora atribuído pelo rei e só ele poderia revogá-lo.
— Então estou condenado a ser um cavaleiro
rejeitado pelos nobres do meu reino. Não sei o que fazer
Zara! Eu nasci plebeu e é assim que serei visto por todos.
Nem mesmo meu pai conhece minha verdadeira origem,
ele encontrou-me em sua porta...
Zara pode perceber a grande tristeza nos olhos de
Auryousrork. Ela o abraçou enquanto ele tentava
esconder suas lagrimas:
— Acalme-se Auryous! Vamos descobrir uma
forma de resolver isso, não gosto de ver-te chorar.
— Quem está chorando princesa? De onde tiraste
essa ideia? Cavaleiros não choram!
— Está certo Sr Auryousrork! Vamos esquecer
esta história...
Zaradyk, não pode esquecer o acontecido.
Conhecia Auryousrork muito bem e sabia o quanto ele
sofria por ser rejeitado. Resolveu então falar com o rei no
intuito de vislumbrar uma solução.
— Meu pai! Gostaria de falar-lhe um pouco...
— Minha querida! Em que posso ajudar-lhe.
— Quero pedir-lhe que faças justiça à
Auryousrork. Os nobres mais conservadores do reino o
estão descriminando. Dizem que ele não deve conviver
com a nobreza e que não o reconhecem como cavaleiro.
Ele está muito triste e não gosto de vê-lo assim.
— Não é surpresa minha filha! Há algum tempo
Steylrork alertou-me sobre seus receios a este respeito.
Mas não se preocupe Zara! Resolverei este problema.
78
— Diga a Auryousrork que venha falar comigo
pela amanhã.
— Obrigado meu pai!
Na manhã seguinte, Zaradyk procurou Auryous e
lhes disse que seu pai queria vê-lo. Ele foi ao encontro do
rei que o pediu que se aproximasse:
— Sr Auryousrork! Sente-se aqui ao meu lado.
Zara permaneceu de pé, no salão real.
— Filha, por favor, deixe-nos a sós.
— Com sua licença meu pai...
— E quanto a ti meu rapaz! Que ideia é essa de
deixar-se abater por comentários daqueles que estão
abaixo da autoridade que lhe fizera cavaleiro?
— Perdoe-me Senhor! Zaradyk não devia
incomodá-lo com meus problemas.
— Estais enganado, pequeno cavaleiro! A
princesa apenas cumpriu com o dever de informa-me
quanto ao desrespeito à minha vontade. Se os nobres
desfazem do vosso título é a mim que estão ofendendo.
— Entendo meu Senhor!
— Tu és um cavaleiro real, Auryousrork, o que
significa que possui autoridade para exigir respeito até
mesmo por parte dos nobres.
— Mas Majestade! Eles ignoram a minha
autoridade e não se importam com minha posição. Aos
seus olhos sou apenas um garoto plebeu de quem não se
conhece nem mesmo a origem.
— Zara contou-me que tu estavas muito triste.
Quero que saiba de uma vez por todas que vosso pai é
como um irmão para mim, o que o torna meu sobrinho.
Sou vosso tio e, como tal, também não quero vê-lo triste.
79
— Resolverei esta questão de uma vez por todas,
meu sobrinho! Convocarei todo o povo de Olonstreek
para um pronunciamento público e não terás mais motivo
para sentir-se rejeitado...
Após alguns dias, estava o povo aguardando o
pronunciamento, quando surgiu o rei Gyllimond ao lado
da rainha Zayra, em companhia do ferreiro e seu filho:
— Que ouçam todos com atenção. Falarem em
nome de Olonstreek e da família real. Todos sabem que
há tempos trouxemos ao nosso convívio um grande
homem. Um plebeu, ferreiro e herói, a quem devo minha
vida, desde o dia que ele salvou minha querida esposa e
vossa rainha Zayra.
— O que outrora fora um sentimento de gratidão,
com o tempo tornou-se uma grande amizade. Declaro
agora que este homem é hoje, para mim, rei Gyllimond
de Olonstreek, mais do que um grande amigo. Este é Sr.
Steylrork, meu irmão! Portanto, saibam que não importa
a origem pregressa deste homem, ordeno que não apenas
seu título de cavaleiro seja respeitado por todos, como
também que ele, a partir deste momento seja reconhecido
como irmão do rei.
— Em consequência, seu filho Sr. Auryousrork,
que, para nós, já havia se tornado um grande herói, por
ter salvado das mãos de um malfeitor a princesa Zaradyk,
deve ser considerado sobrinho do rei, bem como, ter seu
merecido título de cavaleiro respeitado por todo o reino.
— Declaro estes fatos, desde então, lei
irrevogável e deixo claro que serão devidamente punidos
aqueles que desrespeitarem meu irmão e sobrinho. Que
sejam esquecidas suas antigas origens, pois valem desde
agora as origens que a eles atribuo. Que o Senhor
80
Supremo receba minhas palavras e nos ajude a cumpri-
las.
Após o pronunciamento, os comentários se
dividiam por todo o reino do metal, mas a soberana
vontade do rei não seria criticada, ao menos
publicamente.
Diante dos acontecimentos, o ferreiro decidiu
finalmente aceitar o convite de Gyllimond e Zayra. Iria
desde então, residir no Palácio de Prata, com seu filho e
toda a família real.
Steylrork e Auryous foram despedir-se do lar de
tantos anos. À frente da casa estavam Markvellus e sua
família, amigos que por muitos anos conviveram com
eles. O ferreiro prometera que estaria sempre perto, que
viria ao antigo chalé sempre que fosse possível, pois ali
encontrara a paz que em nenhum outro lugar havia
sentido.
81
O Heroico Steylrork Há muito conheço vossa resignação, meu nobre cavaleiro! Vosso valoroso coração, sempre deixara a marcas dos teus bons propósitos, por onde quer que tenhas passado. Lembro-me da vossa coragem entre as chamas que cobriram o vilarejo e da criança que vive por obra dos teus esforços. Sei que os guerreiros da unificação contarão com vossa força para vencer e que o vosso nome jamais será esquecido, Sr. Steylrork!
82
Muito antes dos acontecimentos que o tornaram
cavaleiro, e membro da família real, a nobreza do ferreiro
já era conhecida pelos moradores da vila de Olonstreek.
Steylrork nutria o respeito daqueles que o conheciam, por
sua sabedoria e coragem, tão veementes.
Certa vez, a vila despertou em meio a um grande
incêndio que destruiu diversas casas se espalhando por
toda parte. Enquanto muitas pessoas fugiam em pânico, o
ferreiro apressou-se no intuito de ajudar possíveis
vítimas. Andando em meio a fumaça ele encontrou um
casal caído, do lado de fora de uma casa em chamas,
ambos mal conseguiam respirar e o homem desesperado
pedia ajuda:
— Por favor! Ajudem-me! Minha pequena filha
esta lá dentro!
Steylrork tomou nas mãos uma manta de lã,
molhou-a rapidamente em um barril que estava próximo,
cobriu-se e entrou na casa para salvar a criança. Logo ele
saiu com a menina nos braços e entregou-a aos pais:
— Senhor! Meu nome é Markvellus. A criança
que salvaste é tudo que temos na vida, por isso, eu jamais
poderei agradecer-lhe devidamente pela vossa bondade.
Devo-lhe tudo que jamais terei e levarei todos os meus
dias tentando pagar-lhe.
— Não me deves nada, amigo! Nenhum homem
poderia dormir em paz, ao deixar uma criança entregue
às chamas. Fiz o que devia e sinto-me feliz por vê-la a
83
salvo após tamanha tragédia. Esta recompensa me é
suficiente, está tudo bem agora...
O ferreiro continuou ajudando a combater os
diversos focos de incêndio até que tudo se resolveu.
No dia seguinte os bons homens da vila, liderados
por Steylrork, reuniram-se para ajudar a reerguer as casas
perdidas no incidente. Markvellus estava entre eles e
pode aproximar-se do heroico ferreiro que salvara sua
filha. Daquele momento em diante nascera uma grande
amizade entre eles e os anos que se seguiram ao incidente
tornaram-na ainda mais forte.
84
O Primeiro Guardião
Guarda teu tesouro Steylrork! Deveis proteger o livro e o símbolo com
vossa vida. A obrigação é vossa, mas o bem que dela advier será de todos, igualmente. Sabes o que eu digo?
Está claro que vossas armas não devem,
jamais, ser tocadas pelo opositor ou tudo estará perdido. De fato, os inimigos não ousarão utilizá-las, e nem poderiam, pois a luz se opõe às trevas. Mas poderão e tentarão ocultá-las e quanto a isso deveis permanecer vigilante.
85
São objetos sagrados e com tal, cobrarão seu preço pela posse. No entanto, conheço meu escolhido e sua resignação...
86
Logo após as revelações do anjo, Steylrork
debruçou-se sobre aquele misterioso livro e não demorou
a entender que não se tratava apenas de textos escritos e
sim de um precioso objeto que teria importância sem
precedentes para o cumprimento da profecia. O imenso
poder que o livro trazia, seria utilizado nos caminhos
para a conquista da vitória nele profetizada, o que o
tornava um objeto de grande valor para os inimigos,
devendo ser escondido e protegido a todo custo.
A partir de então o ferreiro passou a dedicar-se
diariamente a proteção do livro da profecia, carregando-o
aonde quer que fosse e escondendo poderoso objeto em
uma velha bolsa de couro, sempre fechada, da qual ele
nunca se separava.
Steylrork, embora fosse um homem maduro, tinha
uma postura rígida e jovial, tal como um cavaleiro que
ainda enfrentaria grandes batalhas sem fraquejar perante
o peso dos anos. Contudo, a presença do livro, sempre
perto, tinha um estranho efeito sobre ele.
O misterioso objeto, aos poucos, acumulava poder
vital retirando do ferreiro sua juventude, tornando-o
fisicamente mais velho do que ele realmente era. Apesar
de Steylrork não se curvar a sua aparência cansada, todos
notavam o seu envelhecimento precoce. Ele não demorou
a perceber o que o livro estava provocando, mas sabia
que era preciso manter uma postura vigilante em nome da
sua missão.
Certo dia, num descuido, o ferreiro deixo a bolsa
que guardava o livro, aberta, sobre a mesa. Markvellus
chamou à porta e ao entrar pode ver o que seu amigo
escondia com tanto afinco:
— Então é isso que escondes na velha bolsa que
te acompanha a todos os lugares? Um livro...
87
O ferreiro apressou-se e tomando a frente fechou
a bolsa depressa:
— Markvellus! Quem lhes deu o direito de por os
olhos em meus pertences?
— Acalme-se homem! O livro estava ali para
qualquer um ver. Sem dúvida, trata-se de uma
preciosidade que deve valer muito, mas não há do que se
preocupar meu amigo, não contarei a ninguém!
Steylrork confiava em Markvellus, porem,
ninguém alem de Auryousrork sabia da existência
daquele livro e aquela situação o deixou realmente
apreensivo:
— Meu amigo! Sente-se por um instante e irá
entender o real valor deste objeto.
— Tu sabes que pode confiar plenamente em
mim, então me conte vossa história, Steylrork, estou
escutando.
— Mark. Não posso entrar em muitos detalhes,
mas preciso que saibas que este livro não é valioso
apenas pela preciosidade que esta a vista. Seu valor não
está no ouro e prata da sua capa, mas no que ele
representa. Trata-se de um objeto sagrado, enviado a
mim pelas mãos do Senhor Supremo.
— É a profecia? Eu acreditava que tudo isso não
passasse de uma lenda...
— Tu estavas enganado Markvellus! A profecia
existe e me fora revelada por um anjo que entrou nesta
casa sem abrir a porta, trazendo-me este livro.
— Deixe-me tocá-lo Steylrork!
O ferreiro, reticente, estendeu a mão e entregou o
livro a Markvellus, que ao tocá-lo sentiu-se
imediatamente fraco, como se houvesse retornado de
88
uma batalha. Percebendo que o amigo não se sentia bem
Steylrork tomou o livro das suas mãos, guardando-o na
bolsa:
— Markvellus, tu estás bem? O que há convosco?
— Não sei Steylrork. Este livro tomou-me as
forças! Sinto-me como se não dormisse há dias. Como
consegue segurá-lo?
— Não sei meu amigo! Acredito que por ter sido
escolhido, consigo manusea-lo, sem fraquejar. Porem,
deves ter notado que tenho envelhecido rápido. Sem
dúvida o livro está toma-me a vida aos poucos.
— Mas o que acontecerá convosco se isso
continuar? Porque não o esconde num lugar seguro e fica
longe dele?
— Não posso Markvellus! Tenho que protegê-lo a
qualquer preço. Esta profecia jamais deverá cair nas
mãos dos inimigos. Poderia ser o fim dos nossos dias.
— Mas pude perceber que não há nada escrito
nele, apenas paginas em branco.
— Posso ver os textos claramente! Acredito que
apenas o guardião do livro consegue interpretá-lo, no
entanto, não estou completamente certo disso e temo pela
segurança do seu conteúdo.
— Auryousrork consegue tocá-lo sem sentir-se
fraco?
— Curiosamente sim. Os efeitos do livro parecem
não manifestarem-se sobre Auryousrork, porem, como tu,
ele também não consegue enxerga o que está escrito.
— Tudo isso é muito estranho Steylrork,
realmente trata-se de um objeto especial!
— Por essa razão é que te peço total segredo,
quanto à existência deste livro e seus estranhos poderes.
— Não se preocupe! Vosso segredo estará seguro
comigo.
89
Com o passar do tempo e diante dos fatos que se
sucederam, restara provada a promessa de Markvellus.
Ele realmente guardou o segredo de Steylrork e mesmo
após a mudança do ferreiro para o palácio real, os fatos
ocorridos naquele dia mantiveram-se ocultos por muito
tempo.
Morando em Galatyans, Steylrork redobrou seus
cuidados com o livro. Desde então, ele não se encontrava
apenas no convívio de Auryousrork, como na antiga casa
do vilarejo. Diariamente, convivia com dezenas de
soldados, cervos e conselheiros, alem da família real a
qual agora fazia parte.
Dias passados, o rei Gyllimond chamou Steylrork
para uma conversa em particular:
— Meu irmão! Não quero limitá-lo em vossa
liberdade, mas a muito percebi que jamais ti separas
desta velha bolsa de couro. Claramente trata-se de algo
muito importante, ou vosso empenho em protegê-la não
seria tão notável. Tu sabes que pode confiar em minha
discrição, sabes também que, como rei, eu possuo meios
de ajudá-lo a proteger de forma mais eficiente este vosso
bem tão estimado.
— Majestade! Jamais negariam a importância do
que guardo comigo. Seria um insulto à vossa inteligência
e perspicácia negar o fato de que daria minha vida pelo
objeto que trago nesta bolsa. Sei que posso confiar em
vós e agradeço por tentar me ajudar, mas guardar este
bem é uma missão que me fora dada pelo próprio Senhor
Supremo e, enquanto viver, não poderei dividi-la com
mais ninguém. Quero, no entanto, pedir-lhe que caso
aconteça algo comigo, entregue esta bolsa aos cuidados
90
de Auryousrork, sem deixar que ninguém veja seu
conteúdo.
— Conhecendo tua nobreza e justiça, Steylrork!
Tens minha palavra que, caso necessário, protegerei
vosso objeto com minha vida e, se faltares, passarei à
Auryousrork vosso desejo. Rezo ao Senhor Supremo que
tenhas sucesso nesta misteriosa missão e respeitarei
vosso segredo.
Steylrork questionou-se sobre a possibilidade de
confiar maiores detalhes à Gyllimond, mas sentiu-se
impelido a deixar estas revelações para outro momento.
A partir daquela dia, o rei passou a observar com
maior atenção a bolsa que o ferreiro carregava com ele.
Tinha a reta intenção de vigiar aquele misterioso objeto,
protegendo-o à distância, sem, no entanto, invadir o
sigilo do seu dedicado irmão.
Não demorou muito tempo, para que Gyllimond
percebesse que um dos soldados do palácio, homem que
até então nutria total confiança por parte da família real,
observava com estranha dedicação a velha bolsa da qual
Sr Steylrork nunca se separava. Pensou em interroga-lo
quanto ao seu interesse, mas algo o impelira a esperar em
silêncio.
Certa noite, durante o jantar, Steylrork mostrou-se
muito indisposto, o que despertou a atenção de todos:
— Steylrork, tu estais bem?
Perguntou Gyllimond, preocupado:
— Sim, meu Senhor! É apenas um mal estar
momentâneo, não é preciso preocupar-se, irei recolher-
me aos meus aposentos e amanhã estarei refeito.
91
Auryousrork retrucou:
— Meu pai! Irei acompanhá-lo esta noite para que
tenha auxílio caso precise.
— Não será necessário Auryousrork, pare de
tratar-me como um velho! Estou bem! Veremos-nos
amanhã.
— Mas meu pai...
— Não discuta minha decisão! Deixe-me
descansar a sós...
— Sim Senhor!
Todos ficaram aflitos, pois parecia que algo
deixara Steylrork estranhamente nervoso.
O soldado que há algum tempo o espreitava em
silêncio, permaneceu observando-o e o rei, discreto,
avaliava seu interesse:
— Meu irmão! Permita-me acompanhá-lo até
vossos aposentos.
O ferreiro, embora contrariado, nada disse ao rei e
por respeito aceitou sua companhia. Gyllimond
questionou novamente:
— Steylrork! Tens certeza que...
— Estou bem Gyllimond! Preciso apenas de
algum descanso.
O rei, aflito, refletiu:
“Há algo de muito estranho com Steylrork. Ele
jamais havia falado comigo neste tom. Parece que um
pesado fardo o deixara muito cansado. Ficarei atento
durante esta noite...”.
92
— Perdoe-me meu irmão! Irei deixa-lo em paz...
Gyllimond manteve-se acordado durante grande
parte daquela noite, mas, vencido pelo cansaço,
adormeceu...
O soldado aguardou a madrugada avançar e
decidiu que aquele seria o melhor momento para roubar o
misterioso objeto que o ferreiro carregava com ele para
todo lugar. Por muito tempo havia imaginado o imenso
valor que deveria conter naquela velha bolsa. Estava
claro que o irmão do rei não guardaria, com tanto
empenho, algo que não fosse de valor inestimável. O mal
invadira por definitivo o coração daquele soldado, que se
viu determinado a transgredir as leis do reino para tomar
posse daquilo que o ferreiro protegia.
Enquanto Steylrork dormia o soldado invadiu os
seus aposentos para roubá-lo. No momento em que o
ladrão tomou a bolsa nas mãos uma forte luz, emanou do
seu interior acordando o ferreiro. O homem
desembainhou sua espada determinado a não deixar
testemunhas do seu mal feito e, apontando a lamina
contra a face de Steylrork, pretendia liquidá-lo.
Subitamente, Gyllimond entrou no quarto
rendendo o malfeitor, pelas costas, com sua espada:
— Solte tua arma agora mesmo! Não falarei outra
vez!
O soldado soltou a espada, imediatamente.
— Vire-se e encare vosso rei, traidor!
O malfeitor ao virar-se segurou o objeto dentro da
bolsa e deixando-a cair, revelou o que ali estava
escondido.
93
Steylrork levantou-se tomando sua espada. O
ladrão, surpreso, exclamou:
— Então é um livro que guardavas com tanto
zelo. O que há de tão especial...?
— Cale-se traidor dê-me agora este...
O soldado desfaleceu caindo ao chão.
O rei, aturdido, pegou o livro que estava caído, ao
lado do malfeitor desacordado. Steylrork apressou-se:
— Meu Senhor! Cuidado! Dê-me este livro antes
que...
Surpreso o ferreiro percebeu que o rei nada
sofrera, mas, ainda assim, tomou o livro das suas mãos:
— Steylrork o que aconteceu ao soldado? Fale-me
meu irmão! Que poderoso objeto é este que guardas?
— Acalme-se Majestade! Primeiramente,
devemos cuidar do prisioneiro e depois conversaremos
sobre o livro. Precisamos estar certos de que ele ficara
isolado de qualquer pessoa do reino, este segredo deve
ser mantido a todo custo.
— Nas masmorras do castelo existem celas
isoladas, para os prisioneiros mais perigosos.
Colocaremos este traidor em uma delas e vosso segredo
estará a salvo.
O rei chamou os soldados responsáveis pela sua
guarda pessoal para conduzir o ladrão que, ainda
desacordado, fora levado para as masmorras reais. Os
oficiais estranharam aquela situação, vez que conheciam
o prisioneiro como um dos seus. Gyllimond, por sua vez,
limitou-se a ordenar que levassem aquele traidor para
uma das celas isoladas, nas masmorras, e deixou claro
94
que se um dos homens fosse surpreendido falando com o
prisioneiro seria considerado, como tal, inimigo do reino.
Efetuada a prisão o rei voltou aos aposentos do
ferreiro para que pudesse entender o que estava
acontecendo:
— Steylrork explique-me o ocorrido! Que
estranho poder é este que emana do vosso livro?
— Senhor este é o livro da profecia, que me fora
confiado pelo próprio Senhor Supremo...
— A profecia do reino unificado?
— Isso mesmo.
— Mas todos acreditam que esta e apenas uma
lenda. Nossos pais diziam que chegaria o tempo em que
batalha pelo reino unificado nos envolveria, mas
pareciam apenas historias de antigos sonhadores.
— Majestade! Posso lhes garantir que tal evento
não é uma fantasia dos nossos antepassados. Tudo que
nos aconteceu nos últimos tempos estava estrito neste
livro. Nossas crianças, o salvamento de Zaradyk por
Auryousrork e até mesmo a traição ocorrida nesta
madrugada. Nem todos os fatos estão claramente
descritos, mas nestes casos, após acontecerem torna-se
evidente que o livro os descrevia subjetivamente.
O rei abriu o livro interessado:
— Não há nada escrito aqui! Como sabe de tudo
isso?
— Até o momento, sou o único capaz de enxergar
os textos escritos, mas não poderia afirmar que não
existam inimigos capazes de enxergá-los, o que, garanto,
seria catastrófico.
— Por isso proteges este objeto com tamanho
empenho?
95
— Estou certo de não ser apenas os textos
secretos que tornam este livro precioso. Talvez vossa
Alteza tenha percebido que pareço mais velho do que
realmente sou.
— Na verdade isso tem realmente me chamado
atenção faz algum tempo.
— Se juntarmos isso, ao desmaio do soldado,
poderemos concluir que este livro, de alguma forma,
acumula energia que retira da maioria das pessoas que o
tocam.
— Outros já o tocaram...
— Alem de nós, Auryousrork que como o Senhor,
nada sofreu e Markvellus, um amigo, que ao toca-lo
sentiu-se muito fraco.
— Não tens medo do que possa lhe acontecer
estando sempre perto, sofrendo os efeitos deste
misterioso objeto?
— Tenho sim Gyllimond! Mas esta é a minha
missão e devo cumpri-la a qualquer custo. Os poderes
deste livro certamente serão imprescindíveis nas batalhas
que virão. Fui acordado por uma luz que emanou dele e
provavelmente o Senhor, de alguma forma, também fora
atraído até aqui.
— Que estranha experiência meu irmão! Sonhava
que tu serias morto por um soldado, por isso, acordei
assustado, tomei minha espada e corri até aqui. Então,
pude ver que tudo estava realmente acontecendo e fui
atraído para salvá-lo.
— É como havia dito antes, este livro e esta
profecia são maiores do que eu ou mesmo o Senhor.
Trata-se da vida de todos os homens de bom coração, que
vivem neste e nos outros reinos da terra. Portanto, não
posso pensar no que esta acontecendo comigo e esquecer
o verdadeiro valor da minha missão.
96
— Tu eis um nobre homem, Steylrork! Orgulho-
me de estar ao vosso nesta luta! Conte comigo nesta
difícil missão.
— Sinto que a batalha esta próxima Gyllimond e,
agora, teremos que lutar contra inimigos acima da nossa
compreensão, pela nossa vida e pela vida dos nossos.
Não haverá vitórias ou derrotas parciais. Se não
vencermos, perderemos todos e, assim, devemos estar
preparados.
O rei permaneceu em silêncio por um instante e
num rompante disse ao ferreiro:
— Lutaremos e venceremos, pois o Senhor
Supremo estará conosco. Não importam as baixas, nosso
povo terá sua vitória.
— Assim seja Majestade...
— E assim será meu irmão! Agora descanse e na
manhã que se aproxima decidiremos o destino do soldado
traidor.
Algumas horas após, Steylrork se reuniu com o
rei:
— Alteza, o que faremos a respeito do
prisioneiro?
— A meu ver, muito embora não seja o costume
da nossa lei, deveríamos executá-lo. O segredo que ele
carrega vale imensamente mais do que a vida deste
traidor. Mas quero saber a vossa posição a respeito disso?
— Meu Senhor! Desejo liquidá-lo, agora mesmo,
com minha espada. O medo de que ele revele o segredo
que por muito tempo esteve seguro comigo, faz-me
perder o senso do que é justo. No entanto, acredito que os
desígnios do Senhor Supremo estão acima da nossa
compreensão e que sua vontade suprema paira sobre os
97
caminhos da justiça igual para todos. Por essa razão, se
me fosse entregue a decisão deste impasse eu escolheria
dar ao traidor o mesmo tratamento que este reino concede
a qualquer outro acusado.
O rei não acreditou no que ouvia. Mas numa
breve reflexão, percebeu que estava diante de um homem
mergulhado numa profunda sabedoria e embora não
entendesse em que momento essa grandiosa virtude
invadira a vida daquele humilde servo, vislumbrava com
clareza que Steylrork tinha razão.
— Sábias palavras meu irmão! Será feito de
acordo com vossa decisão. Iremos, como de costume,
oferecer ao traidor o direito de escolher o eterno exílio ou
um julgamento justo pela tentativa de roubo e homicídio
contra o irmão do rei.
Foram em seguida à masmorra, acompanhados
dos dois soldados que haviam conduzido o traidor até a
cela isolada dos outros criminosos. Ao chegar ao local, o
rei falou ao soldado:
— Ouça com atenção, traidor do Reino do Metal!
Como é do nosso costume atribuir aos culpados o direito
de escolher entre o banimento eterno, com a devida
marcação na face, e a pena justa, proporcional à culpa.
Eu, o rei Gyllimond de Olonstreek, dou-lhes esta opção
agora para que decida para sempre o vosso destino.
O soldado sabia que a gravidade do seu crime lhe
imporia alta pena e que embora fosse difícil deixar o
reino para sempre, esta seria a decisão mais apropriada.
— Quero o exílio...
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Gyllimond e Steylrork entreolharam-se, sabendo
os riscos relacionados ao banimento daquele prisioneiro.
Num sobressalto, o rei desembainhou sua espada em um
tom de ameaça que fez tremer o traidor, certo do seu fim.
O ferreiro interveio segurando o braço de Gyllimond que
refeito, proferiu a sentença:
— A partir deste momento este homem está
banido para todo o sempre de Olonstreek, por traição e
tentativa de homicídio contra um membro da família real.
Que fique claro que se este malfeitor retornar ao reino do
metal, por qualquer que seja o motivo, vossa vida será
ceifada sem misericórdia. Esta foi a vossa decisão e
assim será feito.
Cumpriram por fim o doloroso procedimento dos
exilados com a marcação do símbolo de Olonstreek, a
ferro, na face. Para que todos os reinos identificassem o
criminoso aonde quer que ele esteja.
Em seguida Steylrork chamou o rei
reservadamente e pediu-lhe que tomasse uma importante
precaução:
— Senhor! Precisamos que este homem seja
conduzido para fora do reino sem que seja visto, ou possa
falar com alguém sobre o que descobriu.
— Concordo convosco! Ele será levado
encapuzado e amordaçado e nós o conduziremos para
estarmos certos de que nem mesmo meus soldados
possam descobrir o que ele sabe. Ao menos nos domínios
do reino ninguém saberá o que ele viu...
Seguiram então, com o prisioneiro, até os limites
do reino de Olonstreek. E após atravessarem a cadeia
montanhosa o rei ordenou que os soldados o deixassem
conduzir o traidor a certa distância dos domínios reais.
99
Steylrork e Gyllimond, com suas espadas em
punho, conduziram o prisioneiro, soltando-o em seguida.
O renegado olhou nos olhos do rei e do ferreiro, como
quem jura vingança, e, por fim, deu as costas avançando
em direção à floresta Nágora.
O rei, voltando aos portais de Olonstreek, ao lado
de Steylrork, não conseguia esconder uma agonia que o
inquietava...
— Meu irmão! Ainda que eu concorde com vossa
decisão, não consigo deixar de preocupar-me com este
traidor miserável que sabe da existência do livro da
profecia e certamente contará aos renegados que se
escondem na floresta Cinzenta.
— Majestade! Como dissemos, a batalha pelo
reino unificado esta cada vez mais próxima e acredito
que em pouco tempo não importará quais dos nossos
inimigos tem ciência da existência do livro. Os caminhos
da profecia, muito em breve, estarão acima deste segredo,
sobre tudo, quando a guerra insurgir-se contra nossos
dias. O livro deverá deixar de ser um objeto que devemos
proteger para tornar-se uma arma que o Senhor Supremo
haverá de nos ensinar a usar.
— Steylrork! Conte-me sobre esta guerra que está
por vir. O que mais sabes sobre isso?
— Perdoe-me Alteza! Sei que posso confiar, até
mesmo, tudo o que eu li sobre os eventos que virão, mas
cada trecho da profecia deverá ser revelado a quem lhes é
dirigido e não tenho, no momento, nada que me seja
permitido revelar-lhe.
— Entendo! Os desígnios do Senhor Supremo
estão acima da vontade de qualquer homem, seja ele rei
ou plebeu, nobre ou escravo. Guardarei o meu anseio por
saber mais e irei esperar o dia em que possas falar-me
sobre o que virá.
100
Voltaram, então, à Galatyans, dando por encerado
o impasse gerado pelo soldado que tentara matar
Steylrork. Contudo, ambos sabiam que chegaria o
momento em que os acontecimentos daquele dia se
voltariam contra eles. Nada poderia ser feito de imediato,
restando apenas esperar o futuro conflito.
101
Os Jovens de Olonstreek
Aquelas crianças de outrora irão deixá-lo e em seus lugares, os jovens estarão. Seus corações são um só, mas suas mentes, ainda incrédulas, buscarão o destino separadamente.
Não os deixe ferreiro! Porém, cultive o
desejo do saber e o silêncio. Pois, cada passo será dado oportunamente.
Hão de aprender o caminho, juntos num
instante, e distantes em outro...
102
As inseparáveis crianças do reino do metal,
naturalmente, cresceram e desenvolveram-se com vigor e
saúde. Os ensinamentos que lhes foram concedidos os
trouxeram conhecimento e sabedoria, porem, não os
afastaram dos conflitos e sentimentos inerentes à
juventude.
Auryousrork desde sempre amara Zaradyk,
profundamente, mas percebia que este sentimento estava
diferente agora. O que fora uma amizade entre crianças
que cresciam juntas tornara-se aos poucos, para ele, uma
paixão entre um jovem cavaleiro e sua princesa.
Ele não conseguia deixar de incomodar-se com
sua origem, pois imaginava que até mesmo o rei e a
rainha que habitualmente o protegiam do preconceito dos
nobres, não aprovariam a possível relação com a
princesa. Pensava também no desprezo de Zara, pois já
havia notado que ela sentia-se superior aos plebeus com
os quais porventura eles estiveram.
Zaradyk, por sua vez, sentia-se completamente
protegida por Auryousrork, nutria um imenso orgulho do
seu amigo e não imaginava a vida sem ele por perto. Não
sabia, no entanto, o que pesar em relação ao amor que
sentia por ele, se o veria apenas como um irmão ou se
começava a vislumbrar o homem que surgia por traz do
leal companheiro.
Auryousrork sabia que o tempo para revelar seus
sentimentos estava se acabando e independentemente do
que iria acontecer ele deveria enfrentar este momento
com a coragem de um cavaleiro.
Os dias se passavam e os dois continuavam
vivendo sua amizade, no entanto, os olhares de ambos já
não eram os mesmos. Enquanto Auryousrork olhava para
Zaradyk com paixão, inquietava-se com aquele olhar
103
controverso que ela demonstrara. Certas vezes Zara o
olhava e sorria como se ele fosse o homem de sua vida e
em outros momentos, olhava-o de forma questionadora,
como se perguntasse o que ele pensava estar fazendo.
Toda essa situação, pouco a pouco, entristecera o jovem
cavaleiro frente à incerteza do seu futuro ao lado de
Zaradyk.
Num momento a sós, Auryous fora surpreendido
pela rainha Zayra. Estava visivelmente triste e embora
tentasse esconder, ela logo notou que ele não estava bem.
— O que te aflige meu filho, quer falar-me?
— Estou bem minha Senhora! Apenas um pouco
indisposto.
— Auryousrork, eu o conheço muito bem! Sei
quando algo o perturba. Vamos meu querido! Diga-me o
que está acontecendo.
— Como sempre, minha rainha, a Senhora tem
razão! Realmente, sinto-me perdido, mas te peço que me
desculpes, pois não posso revelar-lhe o motivo.
— Queres então que eu te ajude a falar meu
rapaz? Corrija-me se estiver errada.
Auryousrork sentiu um calafrio...
— Estais triste e preocupado, pois descobriu a
pouco, que estais apaixonado por Zaradyk e a incerteza
da vontade da minha filha ao vosso respeito, está vos
atormentando.
Auryous ficou em silêncio como um criminoso
pego em flagrante.
— É claro que eu não poderia esquecer que tu
deveis estar consumido por não saber como eu e
Gyllimond reagiremos a esta notícia.
104
— Minha rainha como sabe de tudo isso? Perdoe-
me, mas esta é toda a verdade.
— Como disse Auryous, eu o conheço muito
bem. Tu és como um filho para mim. Eu vos alimentei
quando bebê, assisti vossos dias passarem diante dos
meus olhos e anseio por tua felicidade. Já faz algum
tempo que percebi vossos olhares para Zaradyk, bem
como, os dela em vossa direção e estava esperando o dia
em que iríamos falar sobre o assunto.
— A Senhora acha que eu deveria ir embora do
castelo? Acha que o rei irá me punir?
— Filho! Esta é vossa casa independentemente do
que aconteça. Quanto ao rei, assim como eu, já percebera
o que está ocorrendo e lhe asseguro que não conhecemos
melhor esposo para nossa filha. É claro que nós
imaginávamos que isso poderia acontecer e confesso que
sempre torci a este favor.
— É verdade Majestade?
— Claro Auryous! Nós sempre tivemos muito
orgulho de ti. Porem, essa é a nossa vontade o que não
significa que Zara pense da mesma forma.
— Minha Senhora! Conheces Zaradyk muito
bem! Qual a vossa opinião quanto aos seus sentimentos
para comigo?
— Zara não é tão transparente, mas acredito que
ela esta bastante confusa. É certo que minha filha te ama,
no entanto, o sentimento que ela guarda poderá não ser
como o vosso, por isso creio ser prudente que contenhas
vossa alegria, por hora.
— Então o que eu devo fazer?
— Seja paciente e siga teu coração, meu jovem
cavaleiro! Estarei sempre aqui para confortá-lo.
— Obrigado Majestade! Sei que posso contar
convosco.
105
Aquele dia se passou e Auryousrork permaneceu
aflito, mas as palavras da rainha acalmaram seu coração.
No dia seguinte Auryous encontrou Zara que ao
olhá-lo notou algo errado em seu comportamento:
— Auryous! Quero falar-lhe um instante.
— Diga o que queres Zara! Estou te escutando.
— Sinto que algo o perturba. Quer contar-me?
— Não há nada comigo Zaradyk! Deixe-me em
paz.
A princesa não se deu por vencida e, tocando
docemente o ombro de Auryousrork, disse-lhes:
— Auryous! Posso contar-lhes um segredo?
O jovem sentiu alguma esperança nas palavras da
princesa:
— Diga-me Zara! Sabes que pode confiar em
mim.
— Tu Auryousrork, cavaleiro de Olonstreek, eis a
pessoa mais importante desta terra, para mim, estais
acima de qualquer outro...
Auryousrork permaneceu calado, sem saber o que
aquelas palavras significavam...
— Sr Auryousrork! Eu acabo de revelar-lhe meu
segredo, agora prove que confias em mim e contando-me
também um segredo vosso.
— Não tenho nenhum segredo para contar Zara...
— Claro que tem. Todo mundo tem segredos.
Auryous pensou por um instante:
106
— Na verdade tenho mesmo um grande segredo
para lhes contar.
Zaradyk sentiu uma estranha euforia.
— Mas terás que prometer jamais revela, a
ninguém o que lhes direi.
— Está certo Auryous! Conte-me de uma vez por
todas.
— Meu pai é um guardião escolhido pelo Senhor
Supremo.
— O que estas dizendo cavaleiro?
— Percebeste que meu pai carrega sempre com
ele, uma velha bolsa de couro.
— É claro! Ele nunca se separa dela, mas também
nunca expôs seu conteúdo diante dos meus olhos.
— Pois então! Naquela bolsa ele guarda um livro,
que lhe foi entregue por um anjo, enviado pelo Senhor
Supremo.
— E o que está escrito nele?
— Não sei! Apenas meu pai consegue enxergar as
escrituras, mas ouvi comentários entre ele e Markvellus e
acredito que se trata de uma profecia.
— Por que nunca me falou deste livro,
Auryousrork?
— Meu pai me arrancaria o coração se eu
contasse. Sempre me fez prometer não contar nunca para
ninguém e até hoje cumpri a promessa.
Zara sentiu uma estranha frustração, como se
esperasse ouvir outra coisa, que não a história de um
velho livro protegido por seu tio. Mas, decidiu saber
mais.
— Auryous! Gostaria de ver este livro?
107
— Posso providenciar. Mas, teremos que esperar
o velho ferreiro adormecer.
— Está certo! Faremos isso hoje à noite.
Eles aguardaram Steylrork adormecer. Enquanto
Zaradyk esperava do lado de fora, Auryous invadiu os
aposentos do pai e pegou o misterioso livro:
— Aqui está Zara, veja que bela capa recobre este
livro, mas os textos, eu não consigo ver.
Zaradyk pegou o livro em suas mãos e abrindo-o
constatou que não havia nada escrito:
— Que estranho Auryous! Realmente não há
nada...
— Zara! Estais bem?
Steylrork despertou com o barulho que vinha do
corredor e levantando-se depressa foi descobrir do que se
tratava:
— Auryousrork o que fizeste?
— Meu pai! Eu estava mostrando vosso livro a
Zaradyk, quando ela desmaiou.
— Depressa! Traga-a para dentro.
Auryousrork carregou Zaradyk nos braços e
colocou-a na cama. Steylrork, irritado, tomou o livro das
mãos do filho e escondeu-o na bolsa.
— Auryousrork! Porque quebrastes vossa
promessa após tantos anos? O que querias provar com
isso?
O jovem, aturdido, explicou:
108
— Meu pai! Zaradyk pediu-me que lhe confiasse
um segredo e decidi contar para ela o que havia dentro da
tua bolsa. Depois ela quis ver o livro e eu o peguei.
— Sr Auryousrork! Não sei se percebeste, mas
faz algum tempo que deixaste de ser um garoto travesso.
Onde esta vosso senso de responsabilidade cavaleiro de
Olonstreek!
— Desculpe meu pai!
— Desculpas não apagam o risco ao qual
expuseste a princesa. Este livro não e um brinquedo, ele
possui poderes perigosos.
Auryousrork sentiu-se envergonhado e irritado.
Assim, voltou-se rispidamente para seu pai:
— Como o Senhor esperava que eu soubesse que
isso poderia acontecer? Quando eu toco o livro, nada
sinto, então como saberia que Zara iria sentir-se mal.
Porque não falas comigo sobre vossa honrosa missão. O
que há de tão especial neste livro velho, para que o
Senhor estime-o mais do que a mim?
Enquanto Auryous falava, Zara começou a
acordar.
— Auryous, o que aconteceu comigo?
— Acalme-se Zara! O livro roubou-lhe as forças,
mas agora ficarás bem.
— Meu tio! O Senhor acordou?
— Sim minha filha! Acho que precisamos
conversar seriamente.
— Sim Senhor...
— Auryousrork deixe-nos a sós...
109
Antes que o jovem retrucasse, o ferreiro repetiu
com veemência:
— Auryousrork! Eu disse para deixar-nos a sós.
Espere no corredor! É uma ordem!
Contrariado, o jovem deixou os aposentos de seu
pai e manteve-se do lado de fora. Dentro do quarto
Steylrork conversava com a princesa:
— Filha! Sabes o quanto vos quero bem! Nunca
esquecerei o dia em que me chamaste de tio pela primeira
vez. No entanto, neste momento, preciso que me
obedeças. Auryous deve ter-lhe explicado a importância
do livro ao qual sou guardião.
— Certamente meu tio. Sei que se trata de um
objeto mágico, aliais senti seu poder em minhas
entranhas.
— Por isso quero pedir-lhe segredo absoluto
sobre este mágico objeto e para que saibas a importância
do que peço, irei contar-lhe um segredo que apenas vosso
pai e Markvellus conhecem. Este livro é a transcrição de
partes importantes da profecia de unificação dos reinos
do continente habitado. Trata-se da profecia do Reino
Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais. Tens ideia
do que significa?
— O Senhor nos falou sobre a profecia em um
dos nossos encontros na infância. Auryousrork não deu
muita importância, mas sempre acreditei que aconteceria
um dia.
— E tinhas razão, não é uma lenda minha querida.
É uma profecia real e que está começando a se cumprir.
Por isso, os inimigos que tentarão impedir o
cumprimento dos fatos profetizados, existem e jamais
deverão por as mãos neste livro. Posso contar contigo
minha sobrinha?
110
— Pode sim meu tio! Não contarei a ninguém.
Mas porque o Senhor não explicou isso a Auryous, eu
não pude deixar de ouvir as queixas dele.
— Ainda não era o momento, Zara! Todos nós
fazemos parte dessa profecia e preciso falar apenas o
estritamente necessário a cada um dos envolvidos. É
claro que estou longe de saber tudo o que está para
acontecer, mas tenho sentido os sinais enviados pelo
Senhor Supremo e sinto que o tempo de revelar a
Auryous, tudo o que ele precisa sabe sobre a profecia está
se aproximando. Porém, até este momento, não posso
contar nada mais do que ele já sabe, ou seja, que o livro é
muito poderoso.
— Está certo tio Rork...
— Tu estás bem o suficiente para ir aos vossos
aposentos?
— Acredito que sim.
— Vou chamar Auryousrork para acompanhá-la.
Então Steylrork chamou o filho e ordenou-o que
levasse a princesa.
— Vamos Zara! Irei acompanhar-lhe.
— Obrigado Auryous! Preciso mesmo descansar.
Chegando à porta dos aposentos da princesa
Auryousrork segurou sua mão:
— Alegro-me que tu estejas bem, Zara!
A princesa olhou nos olhos de Auryousrork que
se aproximou lentamente, como se ela o atraísse, mas
num rompante afastou despedindo-se.
— Boa noite Zara! Veremo-nos pela amanhã.
111
— Boa noite Auryous! Obrigado por me
acompanhar.
Naquela noite Auryousrork não conseguiu dormir.
Pensava todo tempo no que teria acontecido se tivesse
beijado Zaradyk, quando teve chance. Imaginava a
princesa entregando-se em seus braços e logo em seguida
surpreendia-se com a imagem de Zara, furiosa por ter
sido beijada repentinamente. A confusão durou toda a
noite e o humor do jovem cavaleiro não era dos melhores
pela manhã.
Auryous se refugiou nos campos situados atrás do
castelo, onde, por diversas vezes, na infância, fora
brincar com Zara. Era um lugar tranquilo, repleto de
arvores, frondosas, por onde poucas pessoas costumavam
passar e o jovem logo aprendeu a “esconder-se” por lá
quando não queria ser incomodado.
No palácio, Zaradyk procurava Auryousrork
quando sua mãe lhe contou que achava que ele não
estava bem e deveria estar tentando ficar sozinho. A
princesa não relutou e foi até os campos reais, certa de
encontra-lo por lá.
Ela o avistou à distância, sentando ao chão, de
costas para o castelo, e decidiu se aproximar. Sentou,
sem nada dizer, ao lado de Auryous esperando que ele se
manifestasse, mas ele olhou para ela e voltou a perder o
olhar na paisagem. Zara então decidiu quebrar o silêncio:
— Bom dia Sr Auryousrork!
— Bom dia Princesa!
— Parece muito cansado...
— Não consegui descansar essa noite!
— Auryous o que está acontecendo? Tenho
percebido que tens estado infeliz ultimamente e estou
muito preocupada convosco. Diga-me como posso ajudá-
lo.
112
— Não há com que se preocupar Zara! Apenas
preciso tomar uma séria decisão e tenho estado
consumido por isso.
— Não podes mesmo me dizer que decisão é
está?
Auryousrork levantou-se incomodado e, tentando
disfarçar, disse num discreto sorriso:
— Nem pensar princesa! É coisa de cavaleiro.
Zara sorriu com um ar travesso:
— É mesmo! Mas como um cavaleiro caído ao
chão poderia ocupar-se de coisas de cavaleiro?
Enquanto falava, a princesa empurrou
Auryousrork que caiu no gramado. Recuperando-se do
susto, ele disse sorrindo:
— Prepare-se para a minha vingança implacável,
princesa de Olonstreek!
Num breve momento, o jovem esqueceu-se dos
conflitos que o abatiam por tanto tempo e lembrou-se da
feliz infância ao lado de Zaradyk. Ele correu em sua
direção e ela, sorridente, tentava fugir, até ser alcançada.
Auryous segurou-a e jogou-se ao chão com a
princesa nos braços e logo seus olhares se cruzaram tão
próximos que o cavaleiro não pode resistir a beijá-la...
Por um breve instante Auryousrork sentiu que a
princesa retribuíra o beijo, porem, ela o empurrou e disse
furiosa:
113
— O que estás fazendo Auryousrork! Quando foi
que eu disse que poderias beijar-me?
— Perdoe-me Zara! Não pude evitar. Ao menos
sabes agora o que estava me perturbando, estou
apaixonado por ti, princesa! E não sei o que fazer com
isso.
Zaradyk olhou-o com profunda confusão.
Permaneceu por um breve instante, em silêncio, aturdida
e, por fim, fugiu apressada em direção ao palácio sem
olhar para trás.
O cavaleiro permaneceu parado sem saber o que
pensar. Sentiu um imenso alivio pelo fim do seu segredo,
contudo, uma desesperadora incerteza quanto ao futuro
da sua relação com a princesa.
Zaradyk entrou no castelo chorando e correu aos
seus aposentos. A rainha percebeu o que havia
acontecido, mas preferiu deixá-la a sós.
O rei, ao saber do acontecido, perguntou com ar
assertivo:
— Zayra! Então aconteceu o que a muito
esperávamos? O que pensas que devemos fazer?
— Creio que devemos esperar que Zara
manifeste-se livremente. Ela está num momento de
grande confusão, agora. Esperemos que nossa filha venha
até nós contar o acontecido.
— Faremos a vossa maneira. Vamos deixá-la
descansar em paz.
Naquela noite Zaradyk não desceu para o jantar.
Seus pensamentos giravam num turbilhão de lembranças
de tantos momentos felizes junto a Auryousrork. Das
vezes que ele a protegera ou impedira de se envolver em
confusão. Lembrou-se em detalhes da maldosa expressão
114
do renegado que a atacou e da coragem de Auryous
protegendo-a do golpe que lhe tiraria a vida.
Sabia que o amava, mas queria entender qual era
mesmo a forma de amor que sentia, ou queria sentir por
seu cavaleiro.
O momento em que ele a beijara não saia da sua
lembrança. As imagens de Auryousrork tomando-a pelos
braços misturavam-se as suas memórias deixando-a ainda
mais confusa. Recusava-se a pensar no preconceito dos
nobres que tanto magoara seu amigo e não conseguia
aceitar que certamente Auryous teria sofrido muito até
então, por sua causa. E estaria sofrendo pelo desprezo
que demonstrara há poucos instantes.
“Como pude ser tão rude com Auryous! Ele
sempre esteve ao meu lado e, mesmo agindo errado, não
merecia o tratamento que recebera de mim.”
O desespero começou a invadir-lhe ao imaginar
que Auryousrork poderia estar tão triste que sumiria,
envergonhado, do castelo e da sua vida para sempre. Por
isso num rompante ela pensou em procurá-lo antes que
fosse tarde, mas refeita, a jovem tranquilizou-se ao
perceber que honra e coragem, tão prezadas pelo jovem
cavaleiro, certamente o impediriam de fugir sem ao
menos aguardar a posição do rei, face ao ousado ato que
praticara.
Aquele beijo teria sido mesmo ousadia de
Auryousrork, ou ela o fizera crer que poderia beija-la?
Zaradyk, tocando os lábios, questionou-se quanto a ter
gostado da atitude do cavaleiro, mas envergonhada,
bloqueou seu pensamento e evitando a reflexão. Por fim,
cansada, ela adormeceu nos lençóis molhados por suas
lágrimas.
Enquanto dormia a princesa teve um sonho muito
perturbador. Sonhou que encontrava Auryousrork anos
115
mais velho e correra para os seus braços beijando-o, sem
nada dizer. De repente, ela percebia que os nobres, a sua
volta, gritavam e insultavam o cavaleiro que tentava se
defender. Em seguida, os homens, tomados de grande
fúria, afastaram-nos à força e entregaram Auryous ao
renegado que ele, na infância, havia cortado a mão.
O renegado feria Auryousrork, violentamente,
quando o rei apareceu.
Ela, em desespero, pedia ajuda ao seu pai:
“Meu pai ajude-o, por favor!”.
E o rei não nada escutava, por mais que ela
gritasse. Ele apenas repetia insistentemente:
“Zaradyk qual a vossa decisão? Diga-me o que
fazer e farei”.
Ela continuou gritando:
“Meu pai ajude-o, por favor.”
E o rei repetia, Enquanto Auryousrork era
severamente torturado.
“Zaradyk qual é a vossa decisão! diga-me o que
fazer e farei”
Em desespero ela acordou chamando pelo rei que
já estava à porta dos seus aposentos e entrou apressado:
— Minha filha o que está acontecendo?
Ela o abraçou em prantos:
116
— Um pesadelo horrível meu pai! Não conseguia
acordar.
— Estou aqui minha querida! Não tenha medo,
foi só um sonho!
Refeita, Zaradyk falou ao rei:
— Meu pai! Preciso conversar seriamente
convosco.
— Tudo bem minha querida! Conversaremos
após o desjejum. Percebi que não desceste para jantar
ontem à noite...
Passado algum tempo, a princesa encontrou
Gyllimond no salão real:
— Diga-me o que a está perturbando minha filha.
— Meu pai! Não quero que fique bravo, mas
aconteceu uma situação complicada ontem à tarde entre
mim e Auryousrork.
— O que foi Zara?
— Estávamos juntos nos campos atrás do castelo
e num ato claramente impensado, Auryousrork beijou-
me.
— Ele fez o que?
Gyllimond conteve sua alegria em seu intimo e
fingiu, numa expressão reprovadora, exigir respeito.
— Não sei o que deu em Auryous para fazer isso,
mas ele admitiu estar errado e disse estar apaixonado por
mim.
117
O rei conteve o sorriso.
— O que queres que eu faça Zaradyk? Quer que
eu puna o cavaleiro por desrespeita-la. Sei que
Auryousrork é vosso primo, mas um cavaleiro deve
honrar sua princesa.
— Não meu pai! Por favor, poupe-o! Não quero
que ele sofra mais do que certamente já está sofrendo.
— Tu o amas Zaradyk? Quer que providenciemos
vosso casamento?
— Não meu pai! Não é isso. Não sei...
— Zara! Sabes que esta situação não poderá
permanecer dessa forma.
— Sei disso! Mas Auryousrork é um plebeu.
— Auryousrork é um cavaleiro real e é seu primo
Zaradyk! A sua antiga origem, fora por nós esquecida e
não tem nada a ver com nossa conversa.
— Mas os nobres, embora finjam concordar,
ainda o descriminam.
— Sou o Rei e minha palavra não será
questionada. Se tu amas Auryousrork, tens minha benção
para casar-se com ele. Dar-lhe-ei algum tempo para
refletir e decidir o que queres. Até lá exigirei respeito de
ambos as convenções da nossa sociedade. Falarei com
Auryousrork sobre o acontecido logo que possível.
— Está certo meu pai! Tomarei minha decisão o
quanto antes. Quanto a Auryousrork! Quero pedir-lhe
que não seja tão severo. Conheço-o bem o suficiente para
saber o quanto ele deve estar envergonhado.
— Não se preocupe minha filha! Conheço
Auryousrork e não o subjugarei por amá-la como sei que
ele a ama, mas preciso conversar com ele.
No mesmo dia o rei encontrou o cavaleiro e o
chamou para uma conversa reservada:
— Auryousrork tu tens algo a me contar?
118
O jovem ajoelhou-se e abaixou a cabeça:
— Meu Senhor! Perdoe-me pelo gesto impensado
que cometi ao beijar vossa filha. Estou pronto para ser
punido perante vossa Le!
O rei aproximou-se e segurando o jovem pelo
braço ajudou-o a levantar:
— Levante-se Auryous! Sei que as convenções da
nossa sociedade são rígidas quanto às demonstrações de
afeto entre jovens casais. Mas não comungo com tais
preceitos. Aos meus olhos o vosso amor é puro e como
tal, é digno do meu respeito. Não serás punido pelo vosso
amor à princesa.
Auryous permaneceu com os olhos ao chão:
— É claro que não é apropriado que sejam vistos
juntos, em demonstrações de afeto. Porém, espero que
Zara o aceite como noivo. Não conheço nenhum homem
neste mundo que possa cuidar melhor da minha querida
filha.
— Mas meu Senhor! Ela me despreza.
— As mulheres são misteriosas, filho! Zara está
confusa, pois sempre o viu como um irmão, mas o que
aconteceu entre vós, mexeu profundamente com ela e
acredito que tu precisaras ter paciência e deixá-la decidir
antes de dar a batalha por vencida. Saiba que estamos, eu
e Zayra, torcendo por esta união.
— Agradeço vossa piedade e confiança
Majestade! Sei que independente dos meus sentimentos
eu deveria, como cavaleiro, guardar o respeito à princesa
acima de tudo.
119
— Saiba que não encontro desrespeito no vosso
gesto, meu sobrinho! Fique em paz!
Auryousrork procurou esconder-se de Zaradyk
durante alguns dias, porem o fato de viverem no mesmo
ambiente, apesar da grandeza do palácio de Galatyans,
tornara esta missão um tanto quanto improvável e logo
eles estavam presentes nos mesmos lugares. Eles
mantinham-se formais, como se não fossem íntimos por
toda a vida e com o passar do tempo sentiam-se
igualmente maltratados pela saudade.
Auryousrork dividia-se entre o sonho de casar-se
com Zaradyk e a tristeza de imaginá-la rejeitando seus
sentimentos.
Zara, por sua vez, permaneceu extremamente
confusa e seus pensamentos a fizeram sonhar com
Auryous por muitas noites. Em seus sonhos, num dia, ela
contemplava a própria felicidade ao casar-se com ele e,
em outro, via-se triste, descobrindo que seu primo,
desiludido, fora embora para sempre.
A princesa sempre acordava aflita e após sonhar
seu dia tornava-se repleto de pensamentos confusos.
Porem Zaradyk sabia que sua decisão não deveria ser
adiada por muito, não só em respeito ao reino e suas
convenções, mas principalmente pelo bem de
Auryousrork que certamente estaria aflito pela incerteza
quanto ao seu futuro junto a ela.
120
A Cerimônia de Passagem
A hora está próxima! Cresceram as crianças e com elas os
desígnios do mal. Vigiai ferreiro! Vigiai! Pois a princesa terá
nas mãos a arma contra o próximo e o inimigo a desejará como nunca.
O tempo os alcançou e não resta escolha,
este é o momento propício para as revelações, não espere nada mais!
121
Cada um dos reinos das terras habitadas possuía
um objeto símbolo, sobre o qual estava representado o
poder do respectivo reino. O costume comum preceituava
a passagem do objeto das mãos dos reis e rainhas para
seus herdeiros, logo que estes atingissem idade suficiente
para tal responsabilidade.
O rei Gyllimond estava decidido a promover a
cerimônia de passagem, onde iria entregar a espada de
Olonstreek nas mãos da princesa Zaradyk. Por isso ele
convocou uma reunião com a família real no intuito de
organizar um evento a altura da sua importância:
— Gostaria de anunciar a todos os presentes que
decidi realizar, na próxima lua cheia, a cerimônia de
passagem da Espada de Galatyans para minha jovem
princesa Zaradyk, como lhe é digno.
A rainha prontificou-se para ajudar sua filha à
preparar-se adequadamente para a maior honraria que lhe
seria concedida, desde o seu nascimento.
Zaradyk sorriu e não conseguiu conter o olhar de
felicidade em direção a Auryousrork. Por muitas vezes
havia falado com ele a respeito da sua expectativa quanto
ao momento em que receberia aquela espada das mãos de
seu pai.
Auryousrork, por sua vez, sabia do desejo da
princesa e imediatamente retribuiu o sorriso de forma tão
natural que por um breve instante, eles esqueceram a
distância que se tornara habitual naqueles dias.
O rei, após o anúncio, ordenou aos servos que
tomassem todas as providências para a organização do
evento e voltando-se para a princesa pediu-a que
estivesse preparada para o momento em que ela tornar-
se-ia a nova guardiã do símbolo real, cujo detentor fora
seu pai por muitos anos.
122
Os dias foram passando e Zaradyk sentia-se cada
vez mais ansiosa pelo evento. Trocara poucas palavras
com Auryousrork e o clima entre eles ainda permanecia
estranhamente formal, mas a proximidade da cerimônia
desviou um pouco da atenção da princesa e por vezes ela
conversava com o cavaleiro como se nada tivesse
acontecido. Em seguida retomava a postura dos últimos
tempos.
Auryousrork sabia que logo deveria tomar
coragem e pedir a princesa em casamento, para tomá-la
ou perde-la para sempre, porem, estava ciente da
importância do evento que se aproximava e tentou deixá-
la livre de preocupações outras. Mas os rumores que
circulavam por todo o reino incomodaram ao jovem
cavaleiro que, subitamente, voltou a perder o sono.
Corriam boatos de que filhos de nobres e das
famílias reais viriam à cerimônia com o firme propósito
de pedir a mão da princesa. Auryousrork sabia que tais
boatos seriam verdadeiros, pois a beleza da princesa,
admirada por todo o continente, e a expressão de poder a
ela atribuída pelo símbolo real, tornaria Zaradyk a mais
desejável dentre todas as jovens de todos os reinos, das
terras habitadas.
À medida que a cerimônia de passagem da
Espada de Prata se aproximava, Auryousrork se tornava
mais aflito. Pensava todo o tempo nos muitos nobres que
estariam cortejando sua amada naquela noite e não
conseguia afastar-se da possibilidade de Zara encantar-se
por algum deles.
Então chegou o dia tão esperado para Zaradyk.
Auryousrork não dormira um só minuto na noite anterior
e ao amanhecer estava completamente transtornado,
andando sem rumo pelos corredores do castelo. De
repente, tomado por um impetuoso desejo de livrar-se
daquela agonia, ele começou a procurar a princesa por
todo o palácio e, ao encontra-la, segurou-a pelo braço:
123
— Zara! Perdoe-me por incomodá-la, mas eu
preciso muito falar-lhe.
— O que houve Auryous? Parece transtornado,
não se sente bem?
— Não Zara! Eu preciso que tu me escutes!
Zaradyk logo percebeu do que se tratava e
permaneceu em silêncio na expectativa de que Auryous,
inibido, desistisse do assunto. Ele, no entanto, resignado
começou a falar:
— Zaradyk eu sei que este não é o melhor
momento, mas temo não ter escolha. Sei que eu a magoei
naquele dia lá no campo e peço desculpas se te feri...
— Espere Auryous...
Auryousrork a segurou pelos braços e como se
não estivesse ouvindo, continuou:
— Mas tudo o que eu fiz, não só naquele dia
como em todos os dias da minha vida, foi por amor e não
me arrependo de nada. Eu sempre a respeitei e
continuarei respeitando! Apenas segui meu coração como
agora...
— Auryous...
— Não diga nada Zaradyk! Escute-me, por favor.
Quero que saiba que eu a amo e se me deres a honra,
gostaria de casar-me convosco. Sei que sou apenas um
plebeu agraciado, mas não haverá ninguém neste mundo
a amar-te e proteger-te como farei se me permitires, basta
que...
— Acalme-se Auryous! Sei de tudo isso e
acredito em vossas palavras, mas sinto-me confusa e
peço-lhe um tempo para pensar sobre meus sentimentos.
Logo lhe darei uma resposta...
124
Os olhos do cavaleiro mostraram sua desilusão.
Sentia-se perdido naquele instante e, sem nada a dizer,
deixou a princesa certo de que a perderia na noite que se
aproximava.
Zaradyk, por um instante, esqueceu-se da
expectativa pela cerimônia de passagem e voltou seus
pensamentos para Auryous. Lembrou-se dos olhos tristes
que a pouco vislumbrara na face tão amável de seu
cavaleiro e não conseguiu entender sua aflição. Ela não
negara o pedido, mas ele parecia arrasado. Pensou em
correr atrás dele e beijá-lo, mas conteve-se e, num
esforço, deixou de lado as belas palavras que ecoavam
nos seus ouvidos, para começar os preparativos para o
evento que viria.
Auryousrork estava transtornado. Não conseguia
esquecer que sua princesa seria cortejada por nobres e
príncipes e ele imaginava não ser capaz de superá-los
nesta disputa. Ansioso por ouvir os conselhos do seu pai
o jovem o procurou por todo o castelo e redondezas, mas
Steylrork não estava em lugar algum.
Por fim, cansado de procurar, Auryousrork
recolheu-se em seus pensamentos e assim o dia se passou
chegando o momento da cerimônia. Pensou em não
aparecer, mas sabia que Zara ficaria magoada com sua
ausência e, atrasado, dirigiu-se ao salão real.
No salão, Auryousrork contemplou Zaradyk
dirigir-se, sobre um tapete vermelho e os olhares dos
ilustres convidados, ao trono onde seu pai, o rei
Gyllimond a esperava. Estava mais bela do que nunca,
com sua armadura real forjada, especialmente para o
momento, com a prata e o ouro de Olonstreek, trazendo o
brasão do reino, ao centro, cravejado com pedras
preciosas. Sobre sua cabeça a conhecida tiara da
princesa, que a acompanhava nos eventos em que sua
presença se fazia necessária.
125
Todos a olhavam como se nunca tivessem visto
tão bela jovem. Auryousrork certamente nunca a tinha
visto tão radiante e não pode esconder a felicidade que
sentia ao vê-la no momento que tanto esperou. Mas, ao
olhar a sua volta o cavaleiro sentiu-se novamente
angustiado. Muitos eram os nobres visivelmente
extasiados pela presença da mais bela de todas as
princesas do continente habitado e, certamente, eles
aguardavam ansiosos pela conquista.
Zaradyk sentia-se feliz como nunca havia estado.
Era a herdeira do mais importante e poderoso reino da
terra e sabia que naquele instante começava seu futuro
reinado. Seus pais a prepararam por toda vida para isso e,
ao receber o símbolo real, as antigas promessas de sua
mãe começariam a se cumprir. Realmente, não se tratava
de tomar Olonstreek dos seus queridos pais, mas de
começar a dividir o peso das responsabilidades reais até
que este dia chegasse.
Ainda a caminho do trono, Zara pôs-se a olhar ao
redor procurando Auryousrork e seu tio. Ela não
encontrou Steylrork, mas avistou Auryous ao longe e
cumprimentou-o com um sorriso que ele retribuiu
apaixonado. Então, naquele instante, a princesa
finalmente percebeu o quanto o amava. Percebeu que
nem mesmo a felicidade que sentia por receber o símbolo
de Olonstreek teria sentido se seu amado cavaleiro não
estivesse por perto.
Próxima ao trono, Zara olhou para o rei que se
levantou com a Espada de Galatyans nas mãos e,
voltando-se para os convidados disse em tom altivo:
— Como todos sabem, este é um grande dia para
o reino do metal. O nosso símbolo há muito me foi
passado pelas mãos do meu pai. Homem que através de
muitas batalhas instituiu, no continente habitado, nossos
domínios. Agora passo às mãos da princesa Zaradyk,
126
minha querida filha, a magnífica Espada de Prata, para
que ela desde então seja a legitima guardiã deste precioso
objeto, que forjou com honra e sangue nosso reino. Que o
Senhor Supremo ajude-a a honrar com sua vida e sua
alma, esta sublime missão a qual fora preparada por mim
e pela rainha desde o seu nascimento. Peço também, para
nossa nova guardiã, a notável ajuda de Sr. Auryousrork,
vosso primo e protetor, como também do vosso digno tio,
Sr. Steylrork, cuja atenção e ensinamento lhes foram
importantes até então.
— Receba Zaradyk, das minhas mãos, com a
benção de vossa mãe, o nosso símbolo real! Desde então
não eis mais a frágil filha de Olonstreek, mas a guardiã
que deverá tomar para si responsabilidades ante ao reino
e ao nosso povo, preparando-se para, no futuro, assumir o
trono real.
Zara, tomada por grande emoção, ajoelhou-se
estendeu as mãos, tomou a espada e disse para que todos
pudessem ouvir:
— É com grande honra que recebo o símbolo
maior de Olonstreek e prometo sob a proteção do Senhor
Supremo, doar-me inteiramente a missão que agora me
fora confiada.
Os convidados aplaudiram Zaradyk, que
orgulhosa ergueu a Espada de Prata, para que todos
pudessem contempla-la em seu magnífico esplendor e,
após agradecer aos presentes, ela embainhou o símbolo
de Olonstreek, passando a palavra ao rei.
Por fim, Gyllimond deu inicio aos festejos
comemorativos, com os cumprimentos dos convidados à
princesa.
Auryousrork tentava vencer a distância que os
convidados estabeleceram entre ele e Zara, mas ao se
127
aproximar notou que Gyllimond o chamava. Contrariado,
ele desviou seu caminho em direção ao rei:
— Senhor! Em que posso lhe ser útil?
— Auryous onde está vosso pai? Não o vi durante
a cerimônia?
— Não sei Majestade! Procurei meu pai por todo
o dia, sem sucesso. Esperava que o Senhor soubesse onde
encontra-lo, estou muito preocupado!
— Acalme-se filho! Vosso pai tem obrigações
que estão acima do nosso entendimento, deixa-lo em paz
é a única atitude que nos cabe, ele ficará bem...
— Espero que o Senhor tenha razão.
O rei sentiu-se estranhamente seguro de que algo
maior estava prestes a acontecer e o repentino
desaparecimento de Steylrork comprovara seu
sentimento.
Os cumprimentos à princesa já haviam acabado,
porem o assedio entorno dela, por parte dos cavaleiros e
nobres, pareciam não ter fim. Todos queriam ter a honra
de dançar com Zaradyk e ao perceber o quanto ela era
cortejada por homens importantes de todos os reinos
Auryousrork mergulhou num profundo desespero. O
ciúme o fizera pensar que, devido a sua origem, não
poderia vencer homens como aqueles na luta pelo
coração da princesa e num súbito ele decidiu ir embora.
Zaradyk avistou Auryousrork próximo às portas
do salão real. Ela sentiu um estranho pesar em seu peito
ao vê-lo e não foi capaz afastar o sentimento ruim que a
envolvera. Tentou desvencilhar-se do assédio ao seu
redor, contudo, não conseguiu e presenciou seu cavaleiro
sair do salão sem olhar para traz.
Ao sair do palácio, Auryousrork não sabia o que
fazer. Estava confuso e pensava ter perdido Zaradyk para
sempre. Decidiu ir para a velha casa da vila onde tentaria
128
descansar e preparar-se para seguir outro destino,
diferente de tudo o que havia pensado por toda a vida.
Deixaria a princesa e o reino para sempre...
129
As Revelações de Steylrork
Deixe que o guerreiro vá ao vosso encontro esta noite. Abra seus olhos e o faça enxergar.
Não poderá protegê-lo agora, este é o
momento de deixá-lo ir. Não contenha o seu ímpeto, nem o reprima.
Tão pouco o segure pelo braço. Entregue o símbolo e o instrua sobre o seu poder, para que não o desperdice.
Coragem Steylrork!
131
Ao chegar à antiga casa na vila, Auryousrork
surpreendeu-se por encontrar seu pai. Ele estava sentado
à luz de um candelabro antigo que pouco iluminava o
ambiente:
— Seja bem vindo meu filho! Estava a sua espera.
Sente-se aqui perto, pois tenho muito a lhe falar e não
dispomos de muito tempo.
— Meu pai! Eu o procurei por todo o dia e o
Senhor estava aqui, a minha espera? Como sabias que eu
viria aqui esta noite?
— Na noite passada eu tive um sonho, e nele, fui
avisado que era chegada a hora de falar-lhe sobre a
profecia. Também me foram revelados mistérios a cerca
da guerra eminente, e, por essa razão, quero que tu me
escutes com muita atenção.
— Sim Senhor! Estou escutando...
— Filho! Primeiramente, quero pedir-lhe perdão,
pois não tenho o tratado com a atenção que sempre
mereceste da minha parte, mas deixo claro que meu
comportamento é o reflexo das minhas obrigações. Desde
que recebi a profecia, tenho sido guiado pelo Senhor
Supremo e, por vezes, me senti impelido a agir de forma
diferente do que eu gostaria.
— Tudo bem meu pai! Eu entendo! Fale-me da
vossa missão. Conte-me tudo o que achar que eu devo
saber.
— Então me escute com atenção e irá entender
tudo o que aconteceu em nossas vidas até aqui.
— Até aquela noite, o que eu sabia sobre a
profecia eram as histórias dos antigos, passadas à mim
por meu pai. Contudo, logo entendi que tudo o que o anjo
havia me contado, não apenas era verdade, como iria
132
acontecer diante dos meus olhos e, por certo, consumiria
a minha vida até o fim.
— Muitos acontecimentos me foram revelados
naquela noite. Desde o surgimento de duas belas crianças
nas nossas vidas, até o destino sonhado pelo Senhor
Supremo para estes jovens. Ordens me foram dadas e eu
as cumpri radicalmente, segredos me foram revelados e
dentre eles existe, ao menos, um que jamais revelarei a
quem quer que seja, até que a profecia se cumpra ou, o
mal venha a se abater sobre nós.
— O mal venha a se abater sobre nós, como
assim? Estamos em perigo?
— Sempre estivemos em perigo, meu filho, tu não
te lembras do incidente com Zaradyk, nas fronteiras do
reino? Muitos perigos nos rondam por todos esses anos,
porem, nada comparado aos que virão e é por isso que
estamos aqui, agora.
— Mas o que devo fazer? Como poderei lutar
contra estes perigos? Que perigos são estes, meu pai?
— Paciência Auryousrork! Vou contar-lhe tudo,
desde o início:
— Tudo começou a partir da divisão dos reinos
das terras habitadas, quando foram estabelecidas as
normas de convivência, ficando determinadas as leis para
a expulsão dos criminosos de cada reino. Os reis, na
ocasião, acreditaram ter criado um sistema perfeito para o
estabelecimento da paz, no entanto, esqueceram as
consequências dessas leis, tais como, a ira e desejo de
vingança daqueles a elas são submetidos.
— Como sabes, os renegados deixam seus reinos,
por força das leis que lhes puniram os crimes, ficando as
margens das fronteiras no tenebroso Vale Negro, e lá se
estabelecem sem jamais voltar. Com o passar dos anos os
renegados começaram a disputar espaços no Vale
Evilkeerts e, em meio ás violentas disputas, surgiram
milícias que com o passar do tempo organizaram-se em
133
verdadeiros exércitos contra os quais lutamos, anos antes
do seu nascimento...
— Na ocasião em que o Senhor salvou a rainha...
— Exatamente, mas deixe-me continuar.
— Estou escutando meu pai...
— Não me iludi quando vencemos aquela batalha.
Estava claro que a guerra não teria fim, vez que o ódio
dos renegados não fora saciado e seria uma questão de
tempo para surgirem novos ataques. Tornei-me cavaleiro,
por força da gratidão da família real e mesmo antes
estava atento para o dia em que teria que, novamente,
erguer minha espada por honra ao reino. Os renegados
iriam voltar um dia para terminar o que começaram.
— Mas se nós os vencemos antes, num ataque
repentino quando estávamos desprevenidos, poderíamos
vencê-los novamente, se nos organizarmos. Nossos
exércitos são extremamente preparados.
— Não se trata apenas de uma luta entre homens,
Auryousrork. Se fosse este o caso, nos bastaria reunir o
Conselho Celestial e certamente aniquilaríamos as hordas
inimigas por todo o Vale Evilkeerts. Mas nossos inimigos
são liderados por forças malignas que os colocaram
acima da natureza.
— No tempo da divisão dos reinos, o Senhor das
Trevas quis provar ao Senhor Supremo que nos faltava
merecimento, face ao direito de possuir a terra e, em
consequência disso, o desafiou a corromper-nos com
poder, para depois escravizar toda a humanidade. Então o
Senhor Supremo permitiu que apenas por uma vez o
Senhor das Trevas interferisse no destino dos homens e,
em defesa, ele nos deu a profecia que, sendo cumprida,
nos livraria da maldade do inimigo trazendo paz através
do Reino Unificado.
Após o ataque frustrado contra Olonstreek, o
Senhor das Trevas propôs ajuda, poder e riqueza aos
renegados, em troca da guerra que impediria o
134
cumprimento da profecia. Seu poder maligno
transformaria os homens em aberrações gigantes capazes
de aniquilar soldados comuns. No entanto, felizmente,
nem tudo é permitido ao exército de feras do Senhor das
Trevas. Os movimentos celestiais protegem os reinos em
seus domínios e, por essa razão, a força dos inimigos é
subjugada se a batalha ocorrer dentro dos territórios reais,
o que os obriga a depender de estratégias que atraiam as
batalhas para o território neutro, o Vale Negro.
— Mas meu pai, se os inimigos não podem entrar
nos domínios reais por que devemos temê-los?
— Auryousrork! Eu não disse que o exército das
trevas não poderia invadir os domínios reais. Eu disse
que o potencial ofensivo do inimigo ficaria reduzido, pois
nossas tropas teriam o reforço dos movimentos celestiais.
— E o que são estes tais movimentos celestiais?
— Vejo que vos esquecestes de dar atenção às
aulas que recebestes no castelo. Estavas preocupado em
observar Zaradyk aprender?
— Não Senhor, eu...
— Os movimentos celestiais são representados
pelos elementos que compõe a vida, cujo poder está
dividido entre os cinco reinos.
— Para que o exército dos renegados tenha êxito
contra um reino é preciso que seus soldados utilizem as
armas do reino que o precede.
— O que isso significa?
— Que cada movimento celestial é originado por
outro que o precedeu. O metal e gerado pela terra, que é
gerada pelo fogo, que surge da madeira das florestas, que
nasce com a água, que advêm do metal. Dessa forma o
nosso reino teria menor chance se fosse atacado com as
armas do reino da terra. No entanto, lembre-se que parte
dos renegados são exilados dos domínios da Terra e
naturalmente possuem armas advindas do seu antigo
reino. Também não devemos esquecer que os soldados
135
aceitos neste exército, aos poucos deixam a forma
humana, transformando-se em feras com estatura de dois
soldados, o que os tornam perigosos mesmo desarmados.
Nossa maior preocupação deve inicialmente recair
sobre os recrutas. Plebeus, soldados e até mesmo nobres,
que por diversas razões foram seduzidos pelo mal e para
provar o desejo de tornarem-se um membro do exército
das trevas, espionarão, trairão e cometerão atrocidades
dentro das terras pacíficas para favorecer a estratégia
maligna.
— Mas como esses recrutas podem ajudar os
renegados de dentro dos reinos?
— Para entender o papel desses traidores, tu
precisas entender a profecia, que se cumprirá quando o
exército do Vale Negro cair diante dos herdeiros dos
reinos das terras habitadas. Chegara o momento em que
os herdeiros dos cinco reinos estarão diante da batalha
final e não haverá alternativa se não vencermos,
impedindo que a profecia seja quebrada.
— Quer dizer que lutaremos contra feras gigantes,
no território neutro e se não vencermos a profecia se
perderá? Por que então não reforçamos nossas defesas
em consenso com todos os reinos e esquecemos de todo o
resto, não teremos chances no Vale Negro.
— Não diga asneiras Auryousrork! O exército do
mal cresce em força e contingente a cada dia e mesmo
que fosse possível recuarmos, chegaria o dia em que um
reino seria atacado e aniquilado, então, com as armas do
reino vencido, seria fácil vencer o próximo e assim
sucessivamente até não sobrar um único soldado de
qualquer reino de pé.
Auryousrork ficou em silêncio:
— Nossa chance começa com a ansiedade dos
nossos inimigos. Quero que tu entendas o que o Senhor
136
das Trevas planeja. Para anular a profecia ele deve
sacrificar os cinco herdeiros dos reinos, cada um,
utilizando o símbolo real referente ao movimento do
reino que o precede. Dessa forma o exército inimigo
certamente se concentrará em capturar os herdeiros e os
símbolos de todos os reinos, para numa cerimônia no
vale Evilkeerts, assassinar cada um com a arma certa.
Auryousrork sentiu um profundo desespero
tomar-lhe o chão:
— Zaradyk...
Steylrork segurou o jovem pelo braço:
— Creio que me entendeste, agora. Deves
esquecer esta ideia de ir embora e protegê-la antes que
seja tarde.
Auryousrork tentou livrar-se:
— Deixe-me ir agora! Zara recebeu o símbolo de
Olonstreek e corre perigo!
Steylrork continuou segurando-o:
— Preciso que escutes mais duas coisas.
— Fale-me depressa! Devo voltar ao palácio!
— Dentro do livro da profecia encontrei este
medalhão e só agora sei sua finalidade.
Steylrork colocou o objeto sobre os ombros de
Auryousrork:
— Este objeto irá protegê-lo contra qualquer arma
nos domínios de quaisquer dos reinos celestiais. Nele está
137
guardado um grande poder que só poderá ser utilizado
uma única vez, portanto, utilize-o sabiamente.
— Está certo meu pai! Agora me diga depressa o
que falta.
— Filho! Quero que escute com atenção, pois
disso dependerá seu êxito e o cumprimento da profecia.
— Lembre-se das minhas palavras! Nem tudo em
tua vida é o que parece, há um segredo que terás que
descobrir sozinho e não venceremos se falhares.
Sem entender as palavras de Steylrork, Auryous
deu as costas, subiu, num só salto, sobre o seu cavalo.
— Boa sorte meu filho! Creio em vós! Saiba que
estaremos sempre juntos!
O cavaleiro olhou para seu pai, assentiu com a
cabeça e, sem nada a dizer, partiu em disparada.
Algo havia mudado daquele momento para
sempre no coração de Auryousrork. Fora tomado por
grande coragem e determinação após as revelações de
Steylrork. Iria até o limite de suas forças para proteger
Zaradyk e cumprir a profecia. Sabia que a guerra o
envolveria por completo, mas sentia uma estranha
esperança na difícil vitória contra as forças do mal.
138
Terceira Parte
O Rapto da Princesa Nada poderás fazer a não ser consolar a
eles e a ti mesmo, pois conheço vossa dor. Não irão feri-la! Não agora! Se tu esperas
a vitória, a princesa também vencerá, se forem derrotados, todos perderão. Mas este é apenas o
139
começo, a primeira ofensa, não será a ultima ou tão pouco a mais dolorosa.
Tenha coragem meu filho! Jamais os
abandonarei!
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A noite seguiu em meio ao assédio dos
convidados e a felicidade de Zaradyk deu lugar à
impaciência com os homens que a tratavam como se
fosse a ultima mulher da terra. No entanto, seu coração
mantinha-se alheio a tudo o que acontecia, pois a
preocupação com o desaparecimento de Auryousrork era
o que realmente lhe importava.
Zaradyk decidiu desvencilhar-se dos convidados e
procurar Auryous nos jardins reais.
Ela saiu pelos fundos do palácio e olhando ao
redor não pode ver ninguém, decidiu então ir até uma
parte mais baixa dos campos, onde alguns arbustos
poderiam esconder quem não quisesse ser incomodado.
Pensou ter visto alguém e falou num tom amigável:
— Auryous! A festa é lá no castelo...
Um homem corpulento surgiu por detrás das
sombras das arvores e a olhou de forma ameaçadora.
Zaradyk pode ver a marca no rosto do estranho. Era um
renegado e não estava ali sem um propósito à altura do
risco que corria, visto que se fosse pego nos domínios
reais seria executado, conforme suas leis.
Em defesa, a princesa afastou-se e desembainhou
a Espada de Galatyans:
— Vá embora ou terei que cumprir a lei e
executá-lo.
O renegado, falando num estranho dialeto,
chamou um pequeno exército, com pouco mais de dez
homens, que se escondiam entre as arvores. Eram outros
renegados e andavam na direção da princesa de forma
ameaçadora. Assustada, ela preparou-se para o combate,
investindo contra os inimigos que estranhamente
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portavam armas do reino da terra e apenas defendiam-se
dos golpes desesperados que desferia.
Auryousrork surgiu velozmente em seu cavalo e
num salto desferiu um golpe frontal contra um dos
renegados que tentou interceptá-lo. O inimigo bloqueou o
golpe, mas sua arma, em pedaços, não conteve a espada
do cavaleiro que o atingiu mortalmente na face. O jovem
surpreendeu-se com a forte luz que emanou do medalhão
em seu peito, no instante em que o renegado tentava
defender-se.
Os inimigos, em franca vantagem numérica,
dividiram-se entre o grupo que tentara, sem sucesso,
deter o poderoso cavaleiro e aqueles que, em menor
contingente, investiam contra a princesa. Auryousrork,
implacável, vencia com extrema facilidade os que
ousavam impedi-lo de chegar à Zaradyk, mas seus
esforços mostraram-se insuficientes.
Ao final da batalha restaram treze renegados
abatidos e Auryousrork desconsolado por não ter
conseguido impedir que Zaradyk fosse raptada. Ele
procurou em desespero por entre as arvores dos campos
reais, mas os inimigos a haviam levado...
Voltando ao castelo, o jovem dirigiu-se ao rei:
— Meu Senhor! Perdoe-me, pois falhei...
Auryousrork estava transtornado, de joelhos
perante o rei, que procurava entender o que estava
acontecendo. Era tarde, o baile já havia terminado e
apenas o rei, a rainha e alguns homens de confiança ainda
permaneciam no salão:
— Filho! Levante-se, aproxime-se e conte-me o
que aconteceu?
— Eles eram muitos e eu não consegui protegê-la
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— Acalme-se Auryousrork! Conte o que houve
desde o princípio!
— Eu estava chegando a cavalo, quando avistei
Zaradyk sendo atacada por muitos inimigos. Cheguei até
eles, eram 18 homens. Lutei como pude, mas cinco deles
levaram a princesa enquanto eu lutava com os outros.
— Quem eram estes homens e para onde levaram
minha filha?
— Eram renegados de todos os reinos lutando
juntos. Não sei para onde levaram Zaradyk, mas
certamente não pretendiam matá-la, pois não o fizeram
quando tiveram chance.
O rei tentava recuperar-se do duro golpe que
recebera. Sua filha era o maior de todos os seus tesouros
e ele preferia a morte a vê-la em perigo.
— É chegada à hora Majestade! Prepare as tropas,
a guerra se inicia agora. Disse Steylrork entrando no
salão a passos largos.
— Diga-me Steylrork! São os mesmo homens que
me atacaram na invasão à Olonstreek?
Perguntou a rainha, contendo o desespero.
— Receio que sejam renegados com maior poder
ofensivo minha rainha. Forças malignas os estão
ajudando.
— Como estes homens invadiram nossos
domínios e porque não invadiram o palácio enquanto
estávamos desprevenidos?
Perguntou o rei.
— Por hora, tinham por objetivo raptar a princesa,
como fizeram, e receio saber a razão.
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— Por que então não nos alertou Steylrork?
Perguntou a rainha com ar de decepção.
— Sempre estivemos em risco Majestade. Não
tínhamos como saber o momento exato.
— É a profecia Steylrork, está se cumprindo.
Afirmou o rei Gyllimond.
— Sim Alteza! Infelizmente não podíamos prever
o momento ou deter os fatos, mas devemos lutar, então
sugiro que chamemos os mensageiros e enviemos, aos
reinos vizinhos, nosso pedido de ajuda. Devemos
convocar nossas tropas para o resgate e para a batalha
que está por vir. Eles certamente retornarão para tomar o
reino e deveremos estar preparados para lutarmos até o
fim.
— Quer dizer que raptaram Zaradyk para nos
enfraquecer antes do ataque final?
— Não é apenas isso meu Senhor! Preciso falar-
lhe em segredo o que me fora revelado, há pouco.
A rainha permaneceu em silêncio, mas, num
olhar, deixou clara sua insatisfação face aos segredos
entre Gyllimond e Steylrork. Eles saíram do salão
deixando Zayra na companhia de Auryousrork que
demonstrava um imenso sentimento de culpa pelo
ocorrido.
— Auryousrork! Sei que fizeste tudo par que não
a levassem...
— Ela estava a minha procura, Majestade!
— Tu ouviste vosso pai Auryous! Sempre
estivemos em perigo. Sinto-me aliviada por vê-lo vivo.
144
— Eu tinha a obrigação de protegê-la e falhei,
quisera ter morrido deixando-a em segurança.
— Não diga isso meu filho! Não suportaríamos
vê-lo abatido!
O jovem manteve-se em silêncio enquanto Zayra
o abraçava. Seus pensamentos estavam repletos de
lembranças de sua bela princesa sendo levada pelos
inimigos diante dos seus olhos e uma forte agonia o
tomou por completo. Ele aguardou que a rainha se
afastasse:
— Eu a encontrarei minha Senhora! Dou-lhe
minha palavra...
Auryousrork caminhou decidido em direção à
saída do castelo, enquanto Zayra, em lágrimas, pedia-lhe
que tomasse cuidado.
Steylrork, retornando ao salão real ao lado de
Gyllimond, ainda pode ver seu filho deixando o palácio.
— Auryousrork espere um instante!
Ele continuou andando sem olhar para traz.
— Que o Senhor Supremo esteja convosco meu
querido filho! Disse Steylrork, esperançoso.
145
Os Caminhos...
Entre a Floresta de Nágora e o Vale Evilkeerts
Cavalga o corajoso guerreiro pelos perigos da cinzenta floresta, o luar verá sua força e um controverso inimigo, o seu ímpeto.
Meus olhos estão abertos e não o deixarei
cair. Mas maiores surpresas a Floresta de Nágora, a ele reserva. Seu oponente será poderoso...
... Acredita ò ferreiro! Nem tudo os vossos
olhos viram. De outros caminhos virá o reforço, que em meus planos almejei, pois sou o Senhor Supremo e estou passos à frente...
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Auryousrork cavalgava através dos limites do
reino, pensando nas palavras de seu pai. Onde iria
começar a procurar Zaradyk? Como o conhecimento da
profecia poderia ajudá-lo a encontrá-la.
Decidiu procurá-la no território inimigo,
ignorando os grandes perigos entre a Floresta de Nágora
e o Vale Negro.
Era noite e Auryousrork atravessou as fronteiras
de Olonstreek entrando, logo após, numa trilha estreita
que seguia para dentro da floresta Cinzenta. Os caminhos
eram sombrios e certamente muito poucos homens teriam
coragem de trilhá-los, mas o jovem estava determinado e
nada o impediria de procurar sua princesa aonde quer que
fosse preciso.
A profunda escuridão, por vezes, era interrompida
pela forte luz da lua que atravessava os galhos das
arvores permitindo a Auryousrork enxergar o caminho.
De repente, o som de um rugido quebrou o silêncio,
assustando o cavalo e fazendo com que o jovem cavaleiro
parasse para ver o que acontecia.
Ele desembainhou sua espada, olhando ao redor,
quando a luz do luar revelou um ser monstruoso que
surgira entre as arvores. Era um gigante, um homem com
o dobro da estatura normal e notoriamente muitas vezes
mais forte que o mais forte dentre os homens comuns.
Sua figura era assustadora e seus olhos denotavam um
poder mortal, capaz de esmagar qualquer guerreiro que o
desafiasse:
— Um homenzinho resolveu passear na floresta à
noite! Nunca lhe disseram que este é um lugar perigoso?
Auryousrork preparou-se para lutar:
— Estou apenas de passagem rumo ao Vale
Negro não quero lutar convosco.
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A fera gargalhou:
— Se queres morre no Vale Evilkeerts, por que
não poupar vosso tempo e perece aqui mesmo?
Auryousrork avançou com a espada golpeando,
num salto, o gigante, que bloqueou o ataque com o braço
esquerdo protegido por um bracelete. A força impressa
no golpe projetou a espada do jovem para longe, atrás do
inimigo, que novamente soltou uma gargalhada:
— Garoto corajoso! Façamos da seguinte
maneira: Se tu conseguirdes pegar vossa espada
novamente eu o deixarei viver.
Então o gigante avançou contra Auryousrork que,
veloz, rolou por entre as pernas da fera e num salto
chutou-lhe as costas.
O inimigo desequilibrou-se, caindo ao chão, e em
seguida ergueu-se, furioso, enquanto seu oponente
recuperava a espada.
— Vais morrer agora pequeno cavaleiro!
No instante em que o gigante avançava o luar fez
reluzir o medalhão no peito de Auryousrork e ao vê-lo a
fera cessou o ataque:
— Quem eis tu, jovem cavaleiro? Onde
conseguiste este objeto?
— Sou Sr. Auryousrork, cavaleiro de Olonstreek.
Este medalhão encontra-se sob minha guarda e tu não o
terás jamais...
O gigante ajoelhou-se:
148
— Perdoe-me a insolência, nobre Senhor!
Envergonho-me por ter-lhe atacado...
Auryousrork não pode esconder sua surpresa e
imaginou tratar-se de um blefe. Mas, por que um inimigo
tão poderoso precisaria de tal recurso para vencê-lo?
Precavido, ele girou sua espada junto ao ombro direito e
reposicionou-a apontando na direção do inimigo:
— Porque me saldas agora? Há pouco estavas
tentando matar-me!
— Podes chamar-me de Max! Não sou vosso
inimigo e há muito espero encontrar-lhe. Por anos
aguardei o dia em que conheceria o cavaleiro cujo
destino encontrar-se-ia ao meu, por meio deste medalhão.
— O que sabes a respeito do meu medalhão?
— É sagrado, assim como vossa missão. Meu
destino é ajudar-lhe a vencer o Senhor das Trevas, por
isso, dou-lhe minha palavra que jamais voltarei a
levantar-me contra ti e lutarei ao vosso lado até
alcançarmos a vitória ou morrermos lutando.
Auryousrork estava reticente, mas sentiu que
deveria acreditar naquele estranho homem. Tentou então
saber mais sobre ele:
— Conte-me vossa história e saberei se devo ou
não crer em vossas palavras.
— Sei que o Senhor deve ter aprendido que nas
terras fora dos domínios reais só existem renegados e
criaturas malignas e, realmente, são estes a maioria por
esses caminhos esquecidos, porem, existem exceções e
sou prova disso. Sou filho de uma família da nobreza do
reino das arvores, mas, como podes ver, não sou um
homem normal. Nasci quatro vezes maior do que deveria
e, por isso, minha mãe morreu ao dar-me a luz. Meu pai,
149
por ira ou vergonha, deixou-me aqui, longe do meu reino
e entregue a própria sorte. Apreendi com o tempo que,
neste lugar, só seria possível sobreviver se atacasse antes
que o inimigo e, por muitas vezes, esta regra salvou-me a
vida. Por essa razão vos ataquei, mas peço que me
perdoe!
— Um dia foste uma criança perdida nesta
floresta sombria. Como sobreviveste neste lugar?
— Um homem velho acolheu-me ensinando-me a
falar, lutar e viver nesta terra inóspita. Carregava consigo
o mesmo símbolo presente no seu medalhão e me disse
que meu destino era servir ao cavaleiro que surgiria a
noite, carregando aquele mesmo símbolo, vindo de
Olonstreek.
— Este homem, onde está agora?
— Ele foi o único pai que eu conheci, no entanto,
nem mesmo sei o seu nome. Após o dia em que me falou
sobre a profecia do Reino Unificado, ele desapareceu
sem deixar vestígio e nunca mais voltei a vê-lo.
— O que sabes sobre a profecia?
— Sei o suficiente para reconhecê-lo, meu
Senhor, e por esta razão é que me prostro.
Auryousrork espantou-se com a história daquele
gigante e acreditou em suas palavras. Lembrou-se da sua
origem incerta, sentiu-se grato por ter sido cuidado e
amado pelo ferreiro do reino do metal, cuja honra
despertara a confiança do próprio Senhor Supremo.
Estava agora frente a outro pobre homem que um dia
fora, como ele, abandonado por sua família e escolhido
por Deus, para salvar a humanidade de um destino
desolador. Ele guardou sua espada e estendeu a mão ao
gigante:
— Levante-se meu amigo! Seja bem vindo à
guerra. Tua força será de grande valia. Conheces o
150
caminho para o Vale negro? Poderia acompanhar-me até
lá.
— Irei convosco aonde for preciso, mas quero que
saibas o grande perigo que ronda o Vale Negro. Trata-se
da morada do mal e não será fácil voltarmos de lá ilesos.
— Minha princesa foi raptada pelo exercito de
renegados do Vale Evilkeerts e eu irei resgatá-la onde
quer que estejam.
Max logo percebeu que não se tratava apenas de
um cavaleiro honrando seu reino. Aquele jovem estava
obstinado por salvar sua amada e só a morte poderia
pará-lo.
— Entendo vosso propósito, meu Senhor! Iremos
resgatar vossa princesa ainda que seja no Vale Negro.
Sigamos esta trilha e chegaremos mais rapidamente ao
nosso destino.
Rumaram por uma trilha apagada e escondida
entre as arvores, em direção ao alto de uma colina onde
Max afirmara ser possível enxergar o centro do Vale
Evilkeerts.
151
Não perca tempo! O reforço do reino deve seguir o quanto
antes. O rei irá nesta missão e assim deverá ocorrer.
Quanto a ti ferreiro! Ficará com a rainha,
vossos caminhos há muito se entrelaçaram e vossos destinos estão selados.
Tu, Gyllimond e Zayra estarão onde em
meus planos decidi e, apesar do doloroso caminho, o destino, garanto, é o esperado...
152
A rainha arrependida exclamou:
— Porque não o impediu? Ele é apenas um
“menino”! Devo tê-lo feito sentir-se culpado e o impeli a
procurar Zaradyk sozinho.
— Acalme-se Majestade! Nem mesmo eu poderia
impedir Auryousrork de ir à procura da princesa. Como
sabemos, ele a ama profundamente e iria buscá-la ainda
que todos nós tentássemos impedi-lo. A reunião com o
rei Gyllimond teve como objetivo a organização das
tropas para resgatar Zaradyk.
— Onde as tropas irão encontrar Zara e como
Auryous saberia onde procurá-la?
— Minha Senhora, nossos inimigos são
conhecidos, bem como suas terras. Auryous sabe a quem
procurar e onde lutar. Ele certamente seguiu através da
floresta de Nágora em direção ao Vale Evilkeerts e logo
atrás dele irão nossas tropas.
— Fale-me deste segredo que tu revelaste à
Gyllimond.
— Perdoe-me Senhora! Mas receio que eu não
deva...
— Steylrork estas me insultando? Sou a rainha de
Olonstreek e exijo que me expliques o que estes
malfeitores querem com minha filha.
Steylrork abaixou a cabeça:
— Não foi minha intenção desrespeitá-la,
Majestade! Apenas queria poupá-la, pois no momento de
nada ajudará contar-lhe o que sei.
— Agradeço vossa preocupação Steylrork, mas
nada muda o fato de que minha filha foi levada e está
claro que estes homens não a levaram por boas intenções.
Quero apenas entender por que a escolheram.
153
O ferreiro pôs-se a explicar para a Zayra as
maléficas intenções por traz do sequestro de Zaradyk, e
pôde notar o desespero surgir nos olhos da rainha, à
medida que ela entendia o que estava acontecendo.
O rei já havia convocado as forças reais para o
resgate, porem não pode deixar de concordar com
Steylrork. A possibilidade de um ataque, com o reino
desguarnecido, era evidente e por essa razão ele decidiu
dividir as tropas em dois blocos, deixando um
contingente maior guarnecendo as fronteiras de
Olonstreek e um grupamento menor, porem com homens
mais eficientes no combate, para seguir o caminho de
Auryousrork.
Também foram convocados os mensageiros do
Conselho Celestial para solicitarem aos reinos próximos
o reforço das tropas em ambos os grupamentos.
A rainha aguardava ansiosa a partida das tropas,
junto a Steylrork, quando surgiu no salão o rei Gyllimond
trajando sua armadura de guerra:
— Steylrork!
— Sim meu Senhor!
— Preciso que permaneças em Galatyans e
proteja Zayra, pois irei buscar minha filha.
A rainha interrompeu:
— Mas Gyllimond, se formos atacados, o que
faremos?
— Steylrork saberá como agir. Deixei todos
avisados que transmito a ele, minha autoridade enquanto
eu estiver fora.
154
Zayra sentiu-se mergulhar numa profunda
confusão. Queria reaver sua querida filha, mas temia pela
vida do seu rei, vez que, embora bravo guerreiro, já não
disporá mais da juventude que lhe trouxera tantas vitórias
nas antigas batalhas que deram origem a ordem
estabelecida em Olonstreek. Ela permaneceu calada, num
silêncio desolador e, num abraço, desejou sorte a
Gyllimond que certamente não poderia ser persuadido da
decisão de ir à batalha.
O rei tentou tranquiliza-la, com um beijo:
— Acalme-se Zayra! Sinto que é meu destino
resgatar Zaradyk. Não poderia viver se não fizesse o
máximo para salvar nossa filha. O Senhor Supremo está
conosco e tudo correrá mediante sua vontade.
Steylrork disse ao rei:
— Majestade! Protegerei o reino e a rainha com
minha vida. Desejo êxito em vosso caminho!
— Confio em te meu nobre cavaleiro e meu
irmão, só em vossas mãos eu poderia confiar tudo o que
eu prezo nesta vida, para ir ao encontro do pedaço da
minha carne que me fora arrancado pelos nossos
inimigos. Protegerei Auryousrork a qualquer preço,
esteja certo disso!
— Acredito em ti Gyllimond...
Então, o rei tomou seu cavalo e ordenou as tropas
que o seguissem ao Vale Evilkeerts. Ao seu lado estava
Ryanor, leal como de costume.
155
A Primeira Batalha
A 1ª batalha se dará em território inimigo. Nossos guerreiros serão surpreendidos, mas, também, surpreenderão e não serão abatidos. Não todos.
O oponente fugirá, não por medo ou
cansaço e sim por ter-nos ferido irremediavelmente.
Seremos derrotados ou vitoriosos? A vitória real está distante. Não menos do
que a verdadeira derrota. Se perder nos conduz à
156
vitória, não perdemos, mas, se vencer nos levar ao abismo, então pereceremos...
O caminho é de dor. Vitoriosos ou não...
157
Auryousrork seguiu a trilha proposta por Max
chegando ao alto da montanha, após dois dias de viagem
e de lá puderam avistar o Vale Negro, bem como, o
caminho mais curto, por entre a densa floresta, que os
possibilitaria chegar até lá.
— Lá está Senhor! O Vale Evilkeerts, território
do mal, onde poderemos resgatar vossa princesa.
Max questionava-se sobre a possibilidade da
princesa não ter sido trazida para o Vale Negro e como
apenas ele e Auryousrork poderiam vencer os inimigos
em suas terras. Mas pretendia seguir Auryousrork até o
fim e calou-se, pois sabia que não conseguiria persuadi-lo
a aguardar reforços.
— Vamos Max! Não temos tempo a perder,
Zaradyk está em perigo. Desceremos e olharemos mais
de perto para encontrarmos uma forma de resgatá-la.
— Devemos chegar ao final da floresta à noite e
poderemos observar a distância, sem sermos vistos. Mas
não consigo imaginar como poderemos lutar contra todos
os renegados que lá estarão.
— Teremos que descobrir Max, a vida da princesa
de Olonstreek depende disso, dou-lhe minha palavra que
serás bem vindo, ao meu reino, após ajudar-me! Não
terás mais que esconder-se na floresta.
— Sinto-me honrado Senhor! Mas não vos
acompanho por recompensas humanas. Ajudar-lhe é o
meu destino e almejo um lugar digno no Palácio
Celestial.
158
O rei Gyllimond ordenou que Ryanor
identificasse, o mais breve possível, o caminho há pouco
trilhado por seu sobrinho. O Chefe da guarda, também
era um exímio rastreador, possuindo um talento inato
para interpretar cenários e, apesar da noite avançada, ele
logo identificou os rastros do cavalo de Auryousrork na
trilha mais próxima das fronteiras de Olonstreek, o que
os conduziu a segui-los, por ordem do rei, na busca de
minimizar o risco ao qual o jovem estava exposto.
Avançando pela trilha Ryanor pediu que a tropa
aguardasse um instante:
— Majestade! Os rastros foram interrompidos
neste ponto e há sinais de luta em seguida...
A preocupação do rei era evidente:
— Continue! O que consegues identificar desta
luta?
— Senhor! Percebo que vosso sobrinho lutou
contra um inimigo bem maior do que ele, um gigante eu
diria, mas algo aconteceu e Auryousrork retomou a
montaria neste ponto descendo por essa trilha ao lado do
inimigo.
— Estais dizendo que eles pararam de lutar e
seguiram pelo mesmo caminho por essa trilha?
— Certamente Alteza.
O rei viu-se aturdido, imaginando o que faria
Auryousrork seguir ao lado de um inimigo
pacificamente. Porem, sem perder tempo, ele ordenou
que as tropas seguissem o mesmo caminho que Ryanor
indicara.
159
Chegando aos limites da floresta que margeava o
Vale Negro, Auryousrork e Max espreitavam-se entre as
arvores, para observar os inimigos que teriam raptado
Zaradyk.
Eles olhavam, à distância, os renegados reunidos
num estranho ritual. “Banhavam-se” numa espécie de
lago sombrio.
Aquele seria o tenebroso lago Myrior. Onde o
Senhor das Trevas fora outrora aprisionado e de onde sua
maléfica energia era transmitida aos soldados do exercito
do Vale Evilkeerts. Eles entravam no lodo represado e
permaneciam alguns instantes nele mergulhados, saindo
logo após, para ceder o lugar ao próximo soldado. Por
vezes a ordem se desfazia, dando inicio às lutas
sangrentas que se seguiam entre eles. Os vencidos que
não resistiam aos ferimentos eram jogados no Myrior
tendo seus corpos consumidos pelo lodo.
Auryousrork e Max, logo perceberam o que
acontecia aos renegados. Acumulavam a energia maligna
contida no lago, saindo maiores e mais fortes. A
metamorfose se dava gradativamente e mesmo à
distância era possível identificar inimigos em estágios
variados entre homens e Myriorvus.
Aqueles que completavam a transformação
mantinham-se reunidos em outra margem do lago e de lá
não saiam. Agora haviam tornado-se feras a serviço do
mal e dependeriam para sempre do Myrior.
Enquanto observavam os inimigos, os guerreiros
notaram um estranho movimento no Lago. Haviam sido
vistos e, antes que percebessem, foram surpreendidos por
uma enorme pedra incandescente que cortou o céu escuro
em direção a eles. Em tempo Max debruçou-se sobre
Auryousrork tentando protegê-lo, no instante em que um
estrondo seguiu-se de uma clareira formada na floresta...
160
O Destino de Olonstreek Com o contingente reduzido e sem a honrosa
presença do rei, Steylrork temia uma nova invasão contra
Olonstreek e em comum acordo com a rainha Zayra, ele
decidiu convocar, em caráter de urgência, todos os
homens do reino, a fim de declarar um estado de alerta
para uma possível batalha iminente.
Ainda era madrugada quando o aviso a cerca do
pronunciamento de Steylrork foi enviado e logo os
homens de Olonstreek estavam de prontidão à frente do
castelo.
A rainha começou deixando claro que o rei
transmitira temporariamente seu poder ao cavaleiro e
irmão, Steylrork:
— Povo do 1º reino Celestial! Quero que todos
escutem atentamente. A princesa Zaradyk foi raptada
durante a cerimônia e o rei Gyllimond partiu com nossas
tropas para encontrá-la, deixando seu irmão Sr. Steylrork
161
de posse da sua autoridade, no intuito de manter a ordem
em Olonstreek neste momento difícil. Portanto eu, como
vossa rainha, ordeno a todos que escutem e pratiquem o
que Steylrork tem a dizer, como se suas palavras fossem
as do próprio rei.
— Saúdo a todos. Homens livres do Reino do
Metal. Após os últimos acontecimentos, cheguei à
conclusão de que nossos inimigos, os mesmos que
raptaram a princesa, podem estar preparando um ataque
posterior ao deslocamento de boa parte do nosso
contingente, na missão de resgate. De acordo com a
possibilidade que levantei, o rei enviou mensageiros aos
reinos vizinhos solicitando reforços e deixou-me como
substituto para organizar, junto a todos, nossas defesas.
— A ordem explicita do rei Gyllimond é que
todos estejam em alerta, com suas armas a postos, para
defender o reino, e seus lares, desde agora e a qualquer
momento. Aquele que sentir-se digno desta honra, tome
sua espada e prontifique-se nas fronteiras de Olonstreek,
em apoio a nossas tropas. Por fim, se nos sobrevier à
batalha, que estejamos preparados e que o Senhor
Supremo nos ajude.
As opiniões estavam divididas dentre os homens
de Olonstreek. Alguns acreditavam em Steylrork, outros
desdenhavam das suas suspeitas alegando que ele não
possuía conhecimento suficiente, sobre estratégias de
guerra, para mobilizar os homens e, portanto, estaria
usando o nome do rei no intuito de promover-se.
Por fim, poucos foram aqueles que decidiram ir às
fronteiras reais em reforço às tropas e ali ficaram
aguardando os acontecimentos. A maioria, dentre os que
ouviram o discurso do ferreiro, retornou às suas casas
sem acreditar que algum ataque realmente pudesse
acontecer.
162
Na manhã seguinte, as fronteiras estavam mais
tranquilas do que nunca e os poucos homens que haviam
acreditado em Steylrork dispersaram, incrédulos,
enquanto os soldados exauridos pela madrugada de
vigília reduziram o estado de alerta, face à batalha que
não se concretizou.
No castelo, Steylrork havia passado toda a noite
em alerta, sentado próximo à porta dos aposentos da
rainha, com sua espada em punho, pronto para protegê-la,
se necessário. Estava exausto, mas seu cansaço não o
impedira de pensar na estratégia do inimigo, que perdera
a oportunidade de atacar o reino em seu momento mais
vulnerável. Imaginou que o ataque não demoraria muito
para acontecer vez que os mensageiros estavam em vias
de conseguir reforços dos reinos vizinhos, o que
certamente neutralizaria o poder ofensivo dos inimigos.
Por tudo isso alguns questionamentos não o
deixavam descansar:
“Será que nossos inimigos sabem dos reforços
que estão a caminho? Será que pretendem atacar em
outro momento ou já avançaram para invadir outro
reino?”.
Steylrork tentara encontrar a voz do Senhor
Supremo, que por tanto tempo o havia orientado, mas
desde o dia em que Zaradyk foi raptada, apenas um
silêncio desesperador o acompanhava e ele entendeu que
o tempo de preparação teve fim. Agora restava lutar com
as armas que tinham e pedir que Deus os ajude a vencer...
O dia passou tranquilo e quanto mais o tempo
passava, menor era o estado de vigilância dos homens e
ate mesmo dos soldados do reino. Steylrork, por sua vez,
não deixava que a aparente tranquilidade o fizesse baixar
as defesas e logo entendeu que na realidade esta era a real
estratégia dos inimigos. Deixando que todos acreditassem
que não haveria ataque posterior para surpreendê-los
numa invasão mais eficaz.
163
A rainha procurou Steylrork para falar-lhe a
respeito das suas expectativas quanto às intenções dos
inimigos:
— Steylrork! O que devemos esperar para as
próximas horas? Acreditas que o ataque irá realmente
acontecer?
— Majestade! Não há como sabermos o que
esperar, mas creio que seremos atacados em breve e temo
que nosso povo seja surpreendido, pois o fato de não
termos sido vitimados até então deve neutralizar a pouca
credibilidade que meu discurso nos proporcionara.
— Mas o que o faz crer, com tanto fervor, neste
ataque?
— Me parece certo, pois o sucesso do ataque dos
inimigos aos outros reinos depende da neutralização do
poder ofensivo dos reinos que eles já tenham invadido
para raptar os herdeiros. Acredito que nossos inimigos
saibam do acordo firmado entre os reinos no Conselho
Celestial, o que os deve impelir a evitar que as tropas se
reúnam, reduzindo sua possibilidade de êxito.
— Vos entendo Steylrork! E acredito em vossas
suspeitas, mas o que faremos?
— Receio que já tenhamos feito o que podíamos
Alteza, nos resta esperar preparados para a guerra.
A rainha silenciou por um instante, mas logo
retomou o dialogo:
— Meu amigo! Vosso cansaço é notório! Quero
pedir-lhe que se recolha aos vossos aposentos, ao menos
por algumas horas.
— Não posso deixá-la minha rainha, vossa
segurança é minha responsabilidade.
— Como poderás defender-me se mal consegue
permanecer acordado? Façamos da seguinte maneira;
164
manteremos três dos melhores soldados comigo no salão
real e outro às portas dos vossos aposentos para chamar-
lhe caso exista alguma suspeita de ataque.
Steylrork já não era o mesmo que há anos atrás
havia protegido a rainha. Alem do peso dos anos, as
consequências da posse do livro da profecia, roubaram
lhe a juventude e as forças que o permitiriam passar dias
em alerta sem fraquejar. Por isso ele acatou o pedido da
rainha e recolheu-se.
Horas depois, recuperado, Steylrork voltou a seu
posto pela madrugada, ficando novamente de prontidão
para promover o máximo de proteção possível à rainha
Zayra. Porem uma nova manhã despontou e tudo
permanecia em paz.
O experiente cavaleiro já começava a lutar contra
a dúvida a cerca das suas suspeitas, pois o terceiro dia se
aproximava e o tempo para que os inimigos atacassem
sem serem surpreendidos por tropas dos reinos vizinhos
estava chegando ao limite extremo. Contudo, sua
expectativa permanecia vigente vez que não era possível
saber o que acontecia por de traz das fronteiras do reino e
era prudente manter-se alerta até que o contingente do
reino fosse reposto.
165
Sei da vossa aflição... Sei o que esperas... Não descanse ferreiro, pois tem estado
certo em suas suspeitas. O ataque está por vir e não tardará em demasia. Será implacável, em proporção à descrença do seu povo, pois, ver-se-á surpreendido.
Prepare-se meu filho! A guerra está a
caminho!
166
Finalmente as suspeitas de Steylrork se
confirmaram. A tarde caia quando um numeroso exército
inimigo se pôs diante das fronteiras de Olonstreek. Os
soldados estavam em alerta, pois a própria rainha enviara
ordens para garantir que as defesas fossem mantidas não
importasse o que acontecesse, até o retorno do rei. Os
reforços esperados dentre os homens do reino, por sua
vez, haviam dispersado por completo e as tropas dos
reinos vizinhos ainda não tinham sinalizado sua
proximidade.
Tratava-se de inimigos poderosos dentre os quais
estavam feras gigantes que logo espalharam temor entre
os soldados. As fronteiras do reino do metal, no entanto,
forneciam posição estratégica que atribuía expressiva
vantagem contra as linhas de frente inimigas.
As cadeias montanhosas formavam um extenso
corredor e do alto os soldados reais atacavam os
invasores com flechas, lanças e rolavam grandes pedras
que esmagavam muitos inimigos. Possuíam visão
privilegiada da formação estrutural do exército inimigo, o
que lhes conferiu eficiência no início da batalha. Porem,
o vigor dos invasores parecia inatingível. Os novos
soldados do exército do Vale Negro eram homens
dispostos a tudo para provar que seriam dignos de evoluir
na hierarquia que configurava as tropas inimigas. Eram
recrutas que desejavam tornar-se Myriorvus, os
poderosos gigantes do mal. Tal característica conferia aos
inimigos um extremo poder ofensivo, como se nada os
pudesse deter e, por isso, aos poucos, parte dos soldados
conseguiam atravessar a primeira barreira estratégica de
Olonstreek.
Os inimigos que conseguiam transpor a fronteira,
Myriorvus em sua maioria, iniciavam a luta contra a
segunda linha de defesa do reino, posta logo após as
cadeias montanhosas fronteiriças, mas, embora em menor
167
número, eles eram visivelmente mais poderosos e aos
poucos aniquilavam o exército do Metal.
Os soldados encarregados de avisar Steylrork a
respeito da invasão, logo que ela acontecesse,
conclamavam os homens de Olonstreek, para a batalha já
iniciada e, motivados, muitos deles prepararam-se para
defender a rainha, formando uma tropa de plebeus à
frente dos portões do Palácio de Galatyans.
Logo que a notícia da invasão chegou ao castelo,
Steylrork deu início à organização das tropas para a
defesa e prontificou-se para defender a rainha a todo
custo:
— Majestade! Acredito que é chegado o momento
de deixarmos o palácio para que eu possa protegê-la.
— Não deixarei meu lar, nem meu reino, ainda
que esta decisão custe-me a vida! Nosso povo deixou
suas casas e estão pondo em risco suas vidas para
proteger-me e devo fazer o mesmo em nome de
Olonstreek.
— Mas minha rainha, sua vida é...
— Não discuta Steylrork! Esta é a minha decisão
final! Quero, no entanto, liberá-lo das vossas obrigações
como meu guardião. Vossa missão frente à profecia é
maior do que minha segurança e por isso ordeno que
deixe o castelo para que, com vossa ajuda, a vontade
Suprema profetizada possa tornar-se real.
— Jamais a deixarei desprotegida, mesmo que
isso signifique desobedecê-la. Além disso, não estou
certo de que ainda serei útil aos desígnios da Suprema
Profecia.
— Não fora escolhido em vão, Steylrork! O
Senhor Supremo certamente sabia a quem estava
confiando tão importante missão, por isso, temo que
percas a vida tentando proteger-me e seja eu, por fim, a
responsável pelo descumprimento da vontade Suprema.
168
Escute-me, meu amigo! Deixe agora o palácio antes que
seja tarde!
— Não posso Zayra! Ficarei e lutarei até o fim.
Vossa proteção sempre foi minha maior missão, não
importa o que acontecerá. Como dissestes, o Senhor
Supremo conhece seus escolhidos, então ele conhece a
minha decisão...
A rainha silenciou, enquanto um profundo
turbilhão de sentimentos a rodeava. Sentia-se grata pela
lealdade de Steylrork, porem o medo do que estava por
vir não a deixava independentemente da presença do
bravo cavaleiro que sempre a protegera.
A sensação de que o fim estava próximo para
ambos ficava cada vez mais clara à medida que o tempo
passava sem que a esperada ajuda surgisse. Steylrork
preparava-se para morrer em defesa da rainha, enquanto
Zayra aguardava o momento em que entregaria a vida por
honra à Olonstreek.
Os invasores finalmente transpuseram a segunda
linha de defesa, derrotando as tropas reais que tentara os
impedir. Os poucos soltados remanescentes estavam na
defesa do castelo, tendo como reforço os homens do
reino que se voluntariaram na defesa.
Em direção ao Palácio de Prata os inimigos eram
implacáveis, vitimando tudo e todos que estivessem em
seu caminho. Após a passagem do exército do Vale
Evilkeerts, a bela paisagem do território do metal dera
lugar a um cenário de destruição e morte que contrastava
com os tempos de paz tão recentemente visto naquele
lugar. Estava claro que os acontecimentos trariam
consequências capazes de mudar a, tão conhecida, ordem
entre as terras habitadas para sempre e a primeira grande
batalha lamentavelmente definia-se como vitoriosas para
o exercito do mal.
169
Diante dos portões de Galatyans um numeroso
contingente inimigo contrastava com os poucos soldados
e plebeus dispostos a defendê-lo. Um número ainda
menor de soldados permanecia no salão real como o
ultimo recurso para a defesa da rainha Zayra e não
demorou nada para que os primeiros inimigos
começassem atravessar os portões, invadindo as
dependências reais.
Steylrork tomou a rainha pelo braço levando-a
para uma sala onde ocorriam as reuniões entre o rei e
membros importantes da nobreza dos outros reinos.
Diferente do salão real a sala dispunha de apenas uma
entrada e algumas janelas, o que proporcionaria aos cinco
soldados que o acompanhava, melhor estratégia de
defesa.
A rainha visivelmente assustada seguia sem nada
dizer, as orientações de seu guardião:
— Majestade! Peço-te que permaneças atrás de
mim, enquanto for possível, mas segure vossa espada em
posição de combate, pois receio que precise utilizá-la.
O ferreiro estava em alerta com sua espada em
uma das mãos e o livro da profecia na outra. A rainha não
pode compreender porque ele retirara o livro da bolsa que
sempre o escondia, mas sabia que algum propósito existia
por de trás daquele gesto.
Dois dos cinco soldados que reforçavam a defesa
da rainha estavam à porta e começaram a recuar lutando
contra dois renegados. Outros cinco renegados invadiram
a sala e puseram-se a lutar contra Steylrork e os outros
três soldados, porem, as habilidades do velho ferreiro
logo sobrepujaram a força de três dos inimigos,
liquidando-os.
De repente, passos barulhentos forram ouvidos e
em seguida dois Myriorvus surgiram, esmagando os
170
soldados que lutavam às portas. Os outros soldados já
haviam caído perante os renegados e restaram a rainha e
seu guardião. Steylrork deu um passo para trás buscando
aproximasse da rainha que, em pânico, não pode entender
quando ele deixou cair ao chão, sua espada.
Ele ergueu o livro da profecia sobre sua cabeça e
abrindo-o evocou seu poder. Um forte clarão emanou do
seu interior transformando em pó, todos os inimigos que
ali estavam. A rainha, perplexa com tamanha magia,
demorou alguns instantes para perceber que o ferreiro
estava caído ao chão, extremamente fraco, com se tivesse
perdido, naquele instante, anos de sua vida...
— Steylrork! O que houve?
— Afaste-se Zayra, não acabou...
O cavaleiro tentava se levantar quando um
renegado que era perseguido por dois soldados apareceu
à porta com uma adaga de vidro do reino da terra, na mão
direita.
Num esforço incomum, Steylrork ergueu-se com
a espada fracamente segura em uma das mãos.
Sem muito tempo para atacar, o renegado sorriu e
arremessou a adaga contra o ferreiro...
...Auryousrork olhou para Max numa mistura de
espanto e gratidão. Estava grato pelo gesto de proteção
incondicional e espantado, pois aquele homem poderoso
estava ileso.
O ataque não os atingiu precisamente. A pedra
rolou sobre eles e encontrou o solo logo após. A
armadura de Max o protegera da lava incandescente e seu
corpo sustentou o peso da pedra protegendo o jovem
cavaleiro, que nada sofrera.
171
Recuperados do susto, eles saíram da floresta e
prepararam-se para a luta. Renegados corriam na direção
dos dois e, dentre eles, um Myriorvus adiantou-se
buscando confrontar-se com Max.
Os renegados ainda estavam a caminho, quando a
luta entre Max e o Myriorvus se iniciou. A violência dos
golpes desferidos entre eles fazia tremer o chão nas
proximidades da batalha.
Auryousrork estava concentrado nos numerosos
inimigos que se aproximavam para liquidá-lo, quando os
gigantes caíram ao chão, rolando em sua direção. Antes
que ele pudesse reagir, fora empurrado por um
“estranho” que o salvou de ser esmagado pelos gigantes.
Atordoado, o jovem pode ver o exército de Olonstreek
chocar-se com os inimigos, em luta.
Max dispondo, não apenas de grande força, mas,
também, de uma apurada técnica de combate, já havia
derrotado o Myriorvus quando ouviu Auryousrork
chamava-lo em tom de desespero:
— Max! Ajude-o, por favor!
O cavaleiro que o havia salvado encontrava-se
preso sob o corpo do Myriorvus vencido.
Max logo se prontificou a retirar o gigante de
cima do cavaleiro, gravemente, ferido. Porem, ao retirá-
lo, pode ouvir Auryousrork lamentar-se:
— Ah meu Deus! Majestade...
O heroico cavaleiro era Gyllimond, Senhor de
Olonstreek. Auryousrork aproximou-se segurando o rei
nos braços. Os ferimentos eram mortais e sua armadura o
sufocava, danificada pelo peso do inimigo que a
esmagou.
Um gritou, num estranho dialeto, ressoou nas
linhas inimigas. Uma espécie de aviso ás tropas que
172
aguardavam para recompor a frente de batalha, emitido
por um renegado do reino do Metal, que olhava a cena ao
longe. Os inimigos recuaram entrando na floresta, como
se houvessem alcançado seu objetivo.
— Senhor o que fizeste! Como pode trocar vossa
preciosa vida pela minha?
O rei falou com dificuldade:
— Meu sobrinho! Que bom que te encontrei a
tempo...
— Majestade! Não devias...
— Acalme-se filho! Está tudo bem agora. Um rei
deve saber o momento de doar-se.
Auryousrork silenciou:
— Tenho muito orgulho de ti, meu jovem. Meu
ciclo está se fechando, nesse instante, para que o vosso
tenha inicio. Tu serás rei, e espero ser honrado neste
momento, pois sempre te amei como a um filho e sinto-
me representado por vós. Vença vossas batalhas e salve
minha filha, ela será vossa rainha...
Auryousrork não compreendia as palavras do rei,
mas nada questionou. Eram seus últimos instantes e a ele
era digno o direito de dizer o que lhe confortasse.
Com grande esforço, Gyllimond pôs a mão do
sobrinho sobre sua espada:
— Quero que a use Auryous. Com esta espada
venci grandes batalhas e sei que tu também venceras as
tuas. Sinto-me honrado por morrer amparado pelo grande
rei da unificação. Estaremos sempre juntos meu filho...
173
Com grande pesar, Auryousrork fechou os olhos
do seu rei e pôs seu corpo cuidadosamente ao chão. Ele
chorava, com se houvesse perdido seu pai, quando sentiu
em seu ombro a mão Ryanor que, com uma expressão de
orgulho pelo gesto do seu prezado rei, o tentava consolar.
— O rei Gyllimond o escolhera meu jovem!
Deveis honrar a escolha do guerreiro que lhe devolveu a
vida...
Acabada a batalha, as tropas do rei derrotaram os
renegados que se lançaram na luta. O sentimento de
vitória, por sua vez, coube aos inimigos que recuando
pouparam suas tropas, sem, no entanto, deixar de ter
sucesso com a baixa irreparável do reino do metal. O
poderoso rei Gyllimond havia “caído”...
174
A guerra é dura, meu filho! Quanto a isso, vos tenho alertado.
Compreendo a vossa dor, porem não haverá
vitória sem perdas, nem um Reino Unificado sem heróis e mártires.
A vontade de cada um dos nossos tem sido
tocada por minhas mãos e conheço-as, estejas certo. Os heróis terão a recompensa das minhas mãos e teu sofrimento, ferreiro, não será esquecido...
175
Steylrork mal conseguia ficar de pé e nada
poderia fazer para proteger-se, porem, Zayra tomou-lhe a
frete sendo ferida pela adaga de vidro:
— O que fizeste Zayra?
Perguntou o ferreiro em tom de profundo
desespero. A rainha, com a arma do inimigo cravada no
peito, esforçou-se para falar:
— Meu grande amigo! Tantas vezes me salvaste a
vida, tantos foram os momentos em que sua amizade nos
valeu que me sinto confortável por ajudá-lo agora.
— Mas uma rainha não pode trocar sua vida pela
de um plebeu...
Zayra tentou sorrir, apesar da dor que sentia:
— Sabes que nunca fomos dados a convenções!
Não se culpe Rork, eis merecedor do meu sacrifício, mas
escute-me:
— Diga-me Majestade!
— Quero que tu ajudes Zara e Auryous a vencer
este mal que nos abateu. Eles são jovens e precisam da
vossa orientação.
— Farei isso minha Senhora!
— Preciso que diga a Gyllimond que o amo, que
me entreguei pelo meu reino e...
Steylrork, em lágrimas, prometeu, enquanto Zayra
fechava os olhos:
— Dou-lhe minha palavra que vossa vida não fora
perdida em vão...
176
O assassino renegado fugiu, em seguida, saltando
pela janela do salão. Ele gritou num tom aviso que fez
com que as tropas inimigas recuassem face ao objetivo
conquistado.
Steylrork estava desolado. Não podia crer que
ainda vivia no lugar de sua querida rainha, a mesma que
protegera por tantos anos sem falhar. Sentia-se derrotado
como nunca e confuso, não sabia o que fazer. O reino
estava devastado, os poucos soldados que sobreviveram
estavam feridos e exaustos, muitos homens livres
morreram para proteger a rainha e o reino, num esforço
em vão. Tudo estava destruído, Zayra perdera a vida,
Zaradyk fora raptada, Gyllimond e Auryousrork corriam
grande perigo. Ele, o ferreiro feito cavaleiro e irmão do
rei, estava velho, muito cansado, sob o profundo silêncio
do Senhor Supremo e de posse do poderoso livro da
profecia, cujo poder certamente o mataria se ousasse
utiliza-lo novamente.
Incrédulo Steylrork sentou-se ao chão do castelo
de Galatyans destruído, buscando esvaziar-se da imensa
culpa que lhe consumia...
177
O Destino dos Mensageiros
Que se cuidem os mensageiros. O oponente os espreita no caminho...
Seus destinos secretos logo serão vistos e o
inimigo os quer usar em seu propósito. Mas a bravura destes homens será de grande valia, pois enxergo muito além das estradas que os assombram.
178
Os mensageiros de Olonstreek eram exímios
cavaleiros e rumaram, aos reinos vizinhos, cavalgando
dois dos mais velozes cavalos das terras habitadas.
Quanto mais cedo chegassem, mais rápido as tropas de
apoio alcançariam o reino, aumentando suas chances de
vitória.
Pela convenção firmada no Conselho Celestial, os
reinos manteriam postos nos limites das fronteiras
vizinhas e, com avisos luminosos, convocariam as tropas
de apoio de forma rápida e eficaz.
O mensageiro enviado para o reino da Terra
avançava velozmente em direção ao posto de apoio
quando foi surpreendido por Myriorvus que bloqueavam
a passagem. Num salto, o cavaleiro tentou desvencilhar-
se dos inimigos para cumprir sua missão, mas foi
interceptado e impiedosamente liquidado pelos gigantes.
O segundo mensageiro dirigia-se ao posto de
apoio do reino das Águas, quando foi interceptado por
uma pequena tropa de renegados montados em cavalos.
Derrubado da montaria, ele foi preso e torturado pelos
inimigos que não deixavam claras suas intenções.
Durante dois dias fora mantido prisioneiro, mediante
forte vigilância, mas, na terceira noite, os renegados
pareciam exaustos e dormiram dando-lhes a chance de
fuga.
Sem perder tempo o mensageiro, ferido e
assustado, fugiu para a estrada. Precisava de ajuda e o
local mais próximo onde a encontraria era o mesmo
destino da sua missão, o posto de apoio de Lykrolstreek.
Chegando ao posto, o mensageiro identificou-se e
relatou aos soldados o ocorrido:
— Saudações! Sou mensageiro de Olonstreek e
trago solicitações de apoio urgentes, em cumprimento ao
pacto firmado entre os reinos no Conselho Celestial, para
situações referentes à segurança real.
179
O soldado indagou:
— O que houve convosco?
— Fui raptado e torturado por renegados que
bloqueavam o caminho entre os nossos reinos, mas
consegui fugir e venho entregar-lhe o pedido com dois
dias de atraso e solicitar ajuda para a minha condição.
O soldado prontificou-se para, o mais breve
possível, enviar o sinal à sede do reino e providenciou
ajuda para o mensageiro ferido.
O que ambos não imaginavam é que a fuga do
mensageiro fora, na realidade, uma encenação
programada. Os inimigos tinham por intenção apenas
retardar o aviso para que o contingente do reino das
Águas fosse reduzido em cumprimento ao pacto.
Dada à urgência, a rainha de Lykrolstreek decidiu
enviar metade do seu contingente para ajudar na busca à
princesa e na proteção de Olonstreek, caso o suposto
ataque se confirmasse.
180
O Líder Auryousrork
Conheço o meu escolhido e o seu heroico coração. Das dores da guerra nascerá o novo líder e logo seu braço será forte, para muitas batalhas suplantar.
Poucos serão os descrentes, contudo, sem
demora entenderão quem ele é. Da honra ao rei ferido virá o respeito, e a
lealdade ao guerreiro será justa...
181
Auryousrork estava desolado. Aquele homem
admirável que por diversas vezes o compreendeu, que o
tornou cavaleiro ainda criança, o protegeu do preconceito
dos nobres e o tomou como sobrinho, morreu para salvá-
lo. Ele nada podia fazer para mudar o fato e seu coração,
alquebrado, buscava forças para continuar o difícil
caminho ainda por trilhar. Afastando-se da tropa
Auryousrork tentava arrumar seus sentimentos para
seguir em frente. Max, seu fiel companheiro, foi ao seu
encontro procurando confortá-lo:
— Senhor! Sei o quanto estais sofrendo, mas não
podes desistir.
— Sou apenas um plebeu que foi escolhido por
um rei generoso. Como pude permitir que isso
acontecesse Max! Eu é que deveria dar minha vida por
ele e não o contrário.
— Perdoe-me Senhor! Mas receio que não ouviste
o que vosso rei lhes disse. Ele reconheceu vosso valor,
salvou vossa vida, sem pensar nas consequências, e não
me parecia estar arrependido. Com o perdão pela minha
insolência, quero dizer-lhe que não há tempo para luto,
aqueles homens sabem o que o rei esperava que eles
fizessem, sabem que em honra a ele devem seguir-te e
esperam vossa liderança. Além disso, a princesa aguarda
para ser salva por ti.
Auryousrork viu-se motivado pelo discurso de
Max. Sentiu-se responsável pela vitoria almejada por seu
tio, o rei Gyllimond de Olonstreek, e, decidido a guardar
seu luto para um tempo futuro, reuniu a tropa para
continuar a busca pela princesa.
— Senhores! Como puderam perceber, nossos
inimigos são servos do mal e pretendem aniquilar nosso
182
reino. Sei que não vos entregarão sem lutar e não serei eu
a entregar-me.
— Sinto-me profundamente honrado por ter sido
escolhido pelo rei Gyllimond e jamais esquecerei o
grande homem que ele fora. Sei que também não o
esquecerão!
— Para aqueles, dentre vós, que acreditam que as
pretensões dos inimigos resumem-se à Olonstreek, e suas
riquezas, quero revelar que este exército foi preparado
pelo Senhor das Trevas para impedir que a profecia da
Unificação dos Reinos se cumprisse. Sei que para muitos
a profecia era apenas uma lenda, mas posso garantir que
a princesa foi raptada e o rei morto, em consequência
deste nefasto objetivo.
— Sei o que digo e, embora não me seja
permitido revelar maiores detalhes, estou certo que
nossos inimigos devem ter tomado o caminho em direção
à Lykrolstreek para raptar a princesa e roubar o símbolo
real, tal como fizeram conosco. Usando para tanto as
armas do nosso reino. Por isso devemos seguir o mais
rápido possível nesta direção para impedi-los e resgatar a
princesa.
As opiniões se dividiram a respeito da profecia,
mas o desejo de obedecer a ultima vontade do rei era
unanime entre os soldados e todos concordaram em
seguir Auryousrork rumo ao reino das Águas. Ryanor
gozava de grande prestígio entre os homens e pôs-se ao
lado do jovem, sem hesitações, levando consigo os
soldados que não acreditavam no novo líder.
Max prontificou-se para indicar o melhor
caminho através da Floresta de Nágora, para que eles
chegassem, o mais cedo possível, à Lykroustreek.
Auryousrork montou em seu cavalo e conclamou
a tropa:
183
— Vamos Homens! Não temos tempo a perder!
Viajaremos sem descanso e teremos uma grandiosa
batalha ao chegarmos, mas nosso magnífico rei
Gyllimond, sempre será digno da nossa bravura.
E erguendo a espada do rei, ele clamou:
— Honra ao rei!
Os soldados seguiram-no pelo caminho indicado
por Max:
— Honra ao rei!
O caminho era longo, porém, motivada, a tropa
seguiu sem descanso por dois dias até avistarem, ao
longe, as fronteiras do belo reino das Águas. Em
confirmação às suspeitas de Auryousrork, uma numerosa
tropa de inimigos, destacada do exército do Vale
Evilkeerts, postava-se diante do lago que era a fronteira
do reino.
Os soldados prepararam-se para atacar de
imediato, mas Auryousrork ordenou-os que
permanecessem em silêncio, aguardando:
— Escutem Senhores! Nossos inimigos são
soldados das trevas e por isso suas tropas são mais fortes,
e perigosas, fora dos domínios reais. Assim, quero que
todos entendam que, contra este exército do mal, sempre
teremos maior êxito se lutarmos dentro dos domínios de
quaisquer dos cinco reinos pacíficos.
184
Aguardaremos, então, que a tropa inimiga
atravesse as fronteiras de Lykrolstreek e lá, nos domínios
das águas, poderemos vencê-los mais facilmente.
Entendendo as palavras do jovem, os homens
aquietaram-se, aguardando o momento propício para o
ataque.
185
Lykrolstreek
O Segundo Reino Celestial
O mais belo de todos os reinos! Um esboço das Terras Celestiais! Se o homem pudesse entender o que é
riqueza, a cobiça do inimigo não estaria nas cavernas do reino do Metal, mas nas cascatas cristalinas do reino das Águas.
A inocência deste povo tem meu carinho
eterno, por isso, garanto! Sofrerão, menos do que
186
os outros e os crimes, contra eles cometidos, terão menor misericórdia da minha parte.
Que a humanidade os observe e aprenda, pois são meus prediletos, os filhos das Águas.
187
Exuberante em virtude das belezas naturais,
Lykrolstreek, estabeleceu-se como o mais pacífico dentre
os reinos das terras habitadas. Tranquilo e seguro, o
Segundo Reino Celestial formara seu povo na vocação
das águas, vivendo através dos bens delas advindos. Os
homens alimentavam suas famílias com o que pescavam
no Oceano Noutlong e no Lago Lykrols (o Lago
Cristalino), construindo suas próprias embarcações.
O povo das águas constituiu-se valorizando a paz,
o respeito aos bens naturais e a pureza de espírito. As
crianças passavam o dia brincando nos lagos, cascatas e
nascentes, espalhados por todos os domínios do reino, e
cresciam desprovidos dos receios comuns as outras
pessoas da terra, o que refletia na forma de agir, de vestir
e de se portar com relação aos outros.
Diferentemente dos outros povos, as roupas, os
utensílios e os ambientes, no reino das Águas, primavam
pelo conforto, em detrimento da proteção e segurança. O
comportamento hospitaleiro em Lykrolstreek atraia
pessoas livres de todos os reinos, em busca de paz e lazer
nas suas fontes de água cristalina.
Os poucos renegados banidos do segundo reino,
na maioria forasteiros, eram, em sua maioria, homens que
cometeram crimes contra a natureza, sustento e a riqueza
de todos, ou violência contra as belas mulheres que,
desprovidas das convenções sociais comuns aos outros
reinos, banhavam-se despidas nas nascentes reais.
O exército de Lykrolstreek fora formado
inicialmente para manter a ordem local e proteger o
castelo. No entanto, por exigência do Conselho Celestial,
as pequenas tropas foram ampliadas para que fosse
possível a resistência a ataques externos e o apoio aos
outros reinos, quando necessário.
O comando do exército era responsabilidade da
amazona, Akylia. Uma bela guerreira filha de um nobre
do reino do metal, que se uniu a uma das mais belas
188
mulheres de Lykrolstreek. Seu pai fora tomado de paixão
pelas belezas naturais do reino e por sua mãe, no entanto,
não deixou de educá-la nos padrões e técnicas
militarizadas de Olonstreek, estimulando o talento natural
que a permitiu sobressai-se perante qualquer outro
guerreiro nos domínios do segundo Reino Celestial.
As armas eram forjadas a gruta de Gotark (a
caverna do gelo eterno), onde a água tornava-se solida e
jamais retornava ao estado líquido. Assim era possível a
forja de lâminas cortantes tão eficientes quanto qualquer
outra, feita dos melhores metais existente.
A rainha Lynkah tornou-se a primeira autoridade
do reino, após a morte natural do rei, devido à idade
avançada. A família real também incluía a princesa
Lyrah, exemplo de pureza e bondade para todos, que
apesar de ainda manter o luto pela morte do seu amado
pai, não deixava de encantar aos visitantes com sua
gentileza e cortesia.
189
Após a chegada do mensageiro informando sobre
o rapto da princesa Zaradyk e o possível ataque à
Olonstreek, a rainha Lynkah ordenou que, diante da
ausência de perigo eminente e em cumprimento ao pacto
de cooperação, metade do contingente de Lykrolstreek
fosse deslocado para os domínios do Metal e dividido
entre o grupamento que auxiliaria na busca da princesa e
o que reforçaria as defesas do reino.
Assim, seguiram as tropas de Lykrolstreek, em
direção ao reino do Metal. Akylia imaginou que o ataque
sofrido por Olonstreek não representava um evento
isolado e que seu reino poderia ser um dos próximos
objetivos do exército do Vale Negro. Assim, temendo
problemas de segurança em decorrência do deslocamento
das tropas, a amazona exigia que os soldados acelerassem
a marcha para que o retorno às linhas de defesa de
Lykrolstreek ocorresse o mais breve possível.
Após o longo caminho em direção à fronteira do
Metal, as tropas das Águas chegaram ao destino.
Tudo estava destruído. Aquele reino conhecido,
em toda a terra habitada, como o território com o maior
poder de defesa, estava devastado por uma batalha
claramente vencida pelos inimigos.
Akylia tentou esconder a grande preocupação
com a segurança de seu povo. Estava claro que algo de
muito sério acontecia. O reino mais preparado contra
ofensivas inimigas havia caído, então, o que poderia
impedir a motivação das tropas inimigas frente aos outros
territórios pacíficos da terra? A amazona teve que conter
um impetuoso desejo de retornar ao seu reino,
abandonando a missão de apoio, no entanto, obediente à
sua rainha, decidiu partir em direção ao Palácio de
Galatyans, em busca de informações sobre o que havia
acontecido. Às portas do castelo, encontraram um
soldado que parecia não ver mais sentido em estar ali:
190
— Sou Akylia! Chefe da guarda do reino das
Águas! E venho em nome da rainha de Lykrolstreek para
trazer apoio ao vosso reino.
— Receio que tenhas chegado tarde demais minha
Senhora! Olonstreek pereceu ante aos inimigos que
sorrateiros nos invadiram...
— Onde está o rei e a rainha?
— O rei Gyllimond partiu em busca da princesa,
levando parte do nosso contingente, o que enfraqueceu
nossas defesas. A rainha foi morta durante a invasão.
— Em nome do reino das Águas, lamento a
grande perda de Olonstreek, com a morte da bela rainha
Zayra, admirada por toda a terra. Mas, diga-me soldado!
Quem responde pelo castelo?
— Apenas o ferreiro, Steylrork. Um velho que foi
adotado como irmão pelo rei e que caiu em desgraça,
pois, num ato claramente impensado, a rainha Zayra
perdera a vida por uma adaga de vidro destinada a ele.
— O que dizes? Então, o velho ferreiro do reino,
que é cavaleiro e irmão adotivo do rei, está vivo por um
ato heroico da rainha, que trocara a própria vida pela
dele?
— Como disse. O nosso reino caiu em desgraça e
este homem é o grande responsável por tudo isso! O rei
confiou o palácio, os domínios reais e a segurança da
rainha nas mãos dele e veja o que nos restou.
Akylia permaneceu em silêncio, por um instante.
Imaginava a grandeza da confiança que a família real
depositara neste homem. Não fora em vão que o rei
confiara todo o seu reino a ele e, sem dúvida alguma, a
rainha não teria doado a vida por ninguém. Steylrork
escondia algo de muito importante e ela deveria
descobrir.
— Leve-me ao cavaleiro Steylrork!
192
Partirão, corajosos, em vosso auxílio, mas o tempo não lhes será favorável. Envia-os de volta sem demora e afasta-os do vosso terrível sofrimento.
Salve-os Steylrork! Salve-os! Pois o
heroísmo que os trás não será válido em vossas terras feridas, mas de volta aos próprios domínios, trará a força necessária à vitória.
Sai das sombras, ferreiro! E ajude-os a
evitar maior tormento!
193
Era um homem velho que, desolado, sentava-se
num canto esquecido do salão real, com o olhar perdido
de quem procura algo inatingível. O castelo ainda
guardava vestígios inegáveis da batalha recente, numa
triste contradição com a imponência dos ambientes de
riqueza preservada.
Akylia compadeceu-se daquele cavaleiro. Estava
claro que se tratava de um homem distinto, apesar da sua
origem humilde. Um ar misterioso o rondava, como se
uma sabedoria sobrenatural o tivesse tomado e nem
mesmo a enorme tristeza que era visível naquela imagem,
conseguia esconde-la, o que tornou a curiosidade da
amazona ainda maior que antes:
— Sr. Steylrork! Meu nome é Akylia! Sou chefe
da guarda do reino das Águas...
— Não sou mais cavaleiro. Falhei na mais
importante das missões que me fora confiada e em
minhas mãos está o sangue da rainha deste reino
destruído.
— Acredito que a uma rainha deve ser dado o
direito de escolher entre viver ou salvar alguém, cuja
importância justifique tal ato de bravura. Não vejo
desonra em viver por opção de uma rainha e, a julgar
pelo desfecho da luta que ocorreu neste palácio, eu
duvido que vossa salvação, tenha influencia no fato de
que a rainha seria assassinada. Parece-me claro que este
era o objetivo dos inimigos, vez que foram embora
deixando um castelo esquecido, como se nada valesse.
— O que tu podes saber sobre estes inimigos? É
apenas uma jovem amazona. Se entendesse algo a
respeito desta batalha não estarias aqui, tão longe do
vosso reino.
— Fui enviada em respeito ao pacto firmado no
Conselho Celestial, por ordem da rainha Lynkah, mas
tenho estado em forte angustia, pois acredito que
194
Lykrolstreek, corre perigo. No entanto, estou certa de que
tu sabes dos riscos aos quais me refiro e algo me diz que
em razão deste mistério a rainha trocou a vida pela vossa.
— Não há nada para ser dito, minha jovem. Vosso
reino de certo está sobre grande risco e é vosso dever
protegê-lo, portanto, tome suas tropas e retorne às linhas
de defesa antes que seja tarde...
— Sr. Steylrork! Respeito vossa dor, mas creio
que mereço ser honrada com a verdade. Desprotegi meu
reino para ajudar o vosso...
Steylrork concordou, acenado com a cabeça:
— Já ouviste falar sobre a profecia da unificação
dos reinos da terra?
— Certamente, Senhor! E sempre acreditei que
este dia chegaria.
— Não lhe direi tudo o que sei, mas posso
garantir-lhe que o vosso reino também será atacado em
breve. A unificação é um desejo do Senhor Supremo e
por isso o Senhor das Trevas tentará, através do exercito
do Vale Negro, impedi-la. Para tanto, os inimigos
deverão providenciar que um ritual se cumpra, com o
sacrifício dos herdeiros dos cinco reinos, nas terras
neutras do Vale Evilkeerts, mediante a utilização dos
símbolos reais.
Akylia estremeceu:
— Tenho que voltar...
— Exatamente, minha jovem. Deveis partir agora,
pois receio que a batalha esteja por vir e os inimigos são
extremamente poderosos. Vosso reino precisará das
tropas que vieram contigo.
— Mas o resgate da princesa? Não precisão da
nossa ajuda?
195
— O rei Gyllimond e meu filho, Auryousrork,
estão liderando as buscas. Agora recompor o contingente
de Lykrolstreek deve ser a vossa prioridade.
— Porque o Senhor não vem conosco.
Precisaremos das vossas orientações a respeito da
profecia.
— No momento não há nada que eu possa fazer
para ajudá-la, alem do mais, devo esperar o retorno do rei
ao castelo. Peço-te, contudo, que mantenha segredo a
respeito do que conversamos. Nossos inimigos não
devem suspeitar de que estamos cientes dos
acontecimentos e não há como sabermos em quem
confiar.
— Esteja certo que este segredo ficara entre nós!
Agradeço-te por confiar em mim e desejo que o Senhor
Supremo cubra-nos todos com seu poder e proteção afim
de que sejamos vitoriosos...
Akylia reuniu suas tropas para retornar
rapidamente ao reino das Águas. Steylrork despediu-se
da amazona chamando-a para explicar, secretamente, um
caminho mais curto para chegar à Lykrolstreek.
A jovem guardou consigo as palavras daquele
profeta, cuja honra jamais imaginara conhecer. Pensou na
rainha Zayra e no seu sacrifício, nas consequências que a
morte de Steylrork traria para o reino das Águas, vez que
suas tropas não iriam retornar antes de encontrar a
princesa do reino do Metal.
196
A Batalha do Segundo Reino
Os homens da tropa de Auryousrork já
aguardavam a invasão, do exército do Vale Evilkeerts, à
Lykrolstreek, quando os inimigos começaram a ocupar as
embarcações que eram mantidas às margens do lago
Cristalino, para transpor a primeira linha de defesa do
reino, o próprio lago.
Ao ver os soldados inimigos destruindo as
embarcações que não serviriam para transportá-los, no
intuito de dificultar a entrada de reforços ao contingente
do reino, um dos soldados pediu a palavra:
— Perdoe-me Senhor! Mas, como poderemos
combater estes malfeitores se não teremos como
atravessar o lago até o campo de batalha. Eles estão
destruindo os barcos que não irão utilizar.
— Acalmem-se Senhores! Quero contar-lhes um
segredo confidenciado a mim e a meu pai, certa vez, pelo
197
nosso rei Gyllimond, quando retornávamos de uma das
reuniões do Conselho Celestial.
O rei nos revelou que havia uma passagem dos
limites do nosso reino para o interior do reino das Águas.
Esta passagem está escondida em uma das cavernas
proibidas, do lado de dentro da fronteira que separa os
dois reinos. Tal passagem nunca fora descoberta, devido
à proibição expressa para a entrada de qualquer pessoa,
exceto o rei, nas cavernas da fronteira de Olonstreek.
— Senhor! Como saberemos qual das cavernas
devemos explorar?
— A passagem encontra-se dentro de uma
caverna cuja entrada é cortada por um rochedo formando
um corredor.
Outro soldado que costumava compor o
grupamento responsável pela ronda nas fronteiras entre o
reino do metal e o reino das Águas, pronunciou-se:
— Sr. Auryousrork! Por muitas vezes realizei a
ronda nesta região e creio que conheço a entrada desta
caverna.
— Aguardaremos o momento em que os inimigos
não mais poderão notar nossa presença, para escalarmos
a fronteira e encontrarmos esta passagem.
Passado pouco tempo, os soldados aproximaram-
se e iniciaram a escalada em direção ao interior dos
domínios de Olonstreek. Transposta a fronteira, os
homens logo identificaram a caverna descrita por
Auryousrork e, diante da entrada, aguardavam instruções:
— Aqui está Senhor! A caverna que descreveste.
198
Auryousrork aproximou-se:
— Homens! Nesta caverna está nossa passagem.
No entanto, devemos identificar três pedras postas lado a
lado em seu interior. Apenas uma delas deverá ser
removida. Se removermos a pedra errada a passagem se
fechará para sempre, portanto, precisaremos decidir pela
pedra correta.
Dentro da caverna, os soldados deslumbravam-se
ante as jazidas de ouro e prata facilmente perceptíveis por
toda parte e logo ao fundo, estavam as três pedras
descritas por Auryousrork. A primeira delas era coberta,
por completo, pelo precioso ouro do reino; a segunda era
apenas uma rocha comum, sem nenhuma característica
especial; a terceira, por sua vez, era completamente
cravejada por medalhões de prata, com o brasão do reino
do Metal.
Os soldados questionavam a respeito da pedra
correta a ser removida e, em consequência disso, um
tumulto se formou no interior da caverna.
— Auryousrork! O que o rei Gyllimond falou a
respeito deste enigma?
Perguntou Ryanor:
— Acalmem-se Senhores! O rei disse apenas que
eu saberia qual a pedra correta quando as visse. Portanto,
crendo na confiança depositada em mim por meu tio,
naquela ocasião, peço que removam a segunda pedra.
Ryanor sorriu, acenado positivamente com a
cabeça. Os homens, no entanto, entreolhavam-se
incrédulos e um deles não se conteve...
199
— Mas Senhor! A segunda pedra não representa
nada, é uma rocha como qualquer outra. As outras pedras
representam de forma bem mais significativa o nosso
reino e...
— Escute soldado! O rei era um homem sábio e
conhecia-me profundamente, por isso, tenho absoluta
certeza quanto a minha escolha. Obedeçam, pois
represento a vontade do próprio Gyllimond de Olonstreek
e estou ordenando que seja removida a segunda pedra.
As opiniões estavam divididas, mas a vontade do
rei expressa através de Auryousrork, ainda imperava
entre os leais soldados do reino. Também Ryanor deixou
claro seu apoio a Auryousrork e os homens que não
acreditavam no jovem líder seguiam o chefe da guarda.
Assim, os soldados reuniram-se e removeram a segunda
pedra, conforme ordenado.
Ao removê-la, puderam sentir toda a caverna
estremecer, como se fosse desabar. Os soldados entre
olhavam-se em reprovação à decisão de Auryousrork e
alguns deles saíram da caverna, ás pressas, temendo que
tudo ruísse. Ele, por sua vez, permaneceu imóvel,
aguardando que o tremor passasse. O que aconteceu
pouco tempo depois...
A passagem logo pode ser vista e Auryousrork
fora o primeiro a entrar no extenso corredor que daria
acesso a Lykrolstreek. Fora seguido imediatamente por
Max e Ryanor e os soldados vieram logo em seguida.
O fato ocorrido dentro da caverna conferiu ao
jovem líder do grupo um grande prestígio e os homens já
não o seguiam apenas por lealdade a memória do rei
Gyllimond ou respeito à Ryanor, mas, também, por
acreditarem em sua coragem e sabedoria.
A tropa caminhou por toda a passagem,
encontrando, ao final, uma grande rocha que após ser
200
removida revelou um caminho através de uma queda
d’água no interior dos domínios de Lykrolstreek.
Dentro do reino das Águas, um corredor de rochas
separava as planícies reais do local da passagem secreta.
Max alertou sobre a possibilidade de interceptarem o
exército inimigo, ao atravessarem o corredor.
Auryousrork conclamou a tropa para a batalha
eminente nas planícies, logo à frente, então os homens
tomaram suas armas e puseram-se a correr em direção à
luta.
Chegando à planície, os soldados se depararam
com a batalha em andamento. O exército das Águas
tentava defender o reino do ataque inimigo, mas a
desvantagem numérica e o poder dos Myriorvus, já
evidenciavam a vantagem dos malfeitores.
A tropa de Olonstreek avançou para a batalha. O
medalhão de Auryousrork brilhava como nunca e o poder
ofensivo do jovem era de tal magnitude que ele seguiu
derrotando renegados e Myriorvus, tão rápido quanto
tentavam vencê-lo.
Max nunca havia lutado em território real, suas
forças cresceram assustadoramente e ele surpreendeu-se
com a facilidade que conseguia derrotar os gigantes
inimigos.
Pouco tempo após a intervenção do exército do
metal, em reforço às defesas do reino das Águas, o
cenário da batalha havia mudado e a derrota esmagadora
que antes se anunciava, já não era mais esperada. Alguns
dos renegados começavam a recuar quando Auryousrork
chamou Max para ajudá-lo:
— Max! Olhe! É Zaradyk...
A princesa estava amarrada com Myriorvus ao
redor, vigiando-a, num local próximo ao campo de
batalha.
201
— Vamos Max! Precisamos libertá-la!
O gigante disparou na direção da princesa,
desvencilhando-se dos inimigos que tentavam interceptá-
lo. Auryousrork corria logo atrás, fazendo o mesmo. Os
Myriorvus, que guardavam Zaradyk, prepararam se para
lutar avançando ferozmente contra os guerreiros. Com
força extrema Max golpeava um a um vencendo-os sem
descanso, enquanto, com estrema agilidade, Auryousrork
os aniquilava usando a espada de Gyllimond e o poder
defensivo do medalhão da profecia.
Chegaram vitoriosos ao local onde a princesa
estava presa e, sem resistências, libertaram-na:
— Zara! Tu estás bem?
A princesa, livre das amarras, abraçou
Auryousrork com grande surpresa em vê-lo e, num susto,
tentou avisá-lo a respeito do gigante que se aproximava:
— Cuidado Auryous!
— Acalme-se Zaradyk, ele está do nosso lado.
O gigante aproximou-se tentando demonstrar
cordialidade:
— Senhora! Meu nome é Max e estou ao vosso
lado nesta guerra.
— Seja bem vindo poderoso guerreiro! Agradeço
vossa ajuda.
Auryousrork interrompeu:
— Max! Proteja Zaradyk...
202
Ele relutou, preocupado com o jovem que
destemido retornava à batalha. Mas obedeceu, montando
guarda em defesa da princesa.
Serão surpreendidos! Meus olhos estão abertos e minhas mãos,
erguidas, em auxílio. Conduzirei os bravos no tempo certo e o reforço chegará sem atraso. O primeiro êxito está próximo...
Alegre-se meu filho! Vosso tormento não é
vão. Foste salvo e, este bem tu merecestes. Pois da tua voz virá a vitória.
203
Muitos inimigos já haviam recuado, porém a luta
ainda não estava terminada quando as tropas de Akylia
surgiram pelo mesmo caminho que Auryousrork havia
tomado com seus homens. A batalha definiu-se neste
instante. O contingente de defesa tornou-se maior e mais
vigoroso do que o exército inimigo, subjugando-o.
204
A união dos povos é o prelúdio da grande vitória.
É isso que espero e anseio. O reino
unificado não é menos do que as forças do bem reunidas.
Seja a ordem reestabelecida mediante esta
aliança que se inicia pela honra dos dois primeiros. E esperem os outros, pois são elos desta magnífica corrente...
205
O êxito das tropas de Olonstreek e do Reino das
Águas adveio nas planícies repletas de sinais de luta. Os
guerreiros haviam lutado juntos, contra os mesmos
inimigos, sem ao menos ter ideia dos eventos que os
reuniram.
Repentinamente, o contingente estava dividido
entre duas tropas, portando brasões de dois reinos,
seguindo a dois lideres distintos, todos reunidos,
erguendo suas armas e comemorando a vitória sobre o
temível exército do Vale Evilkeerts. Os lideres entre
olharam-se num cumprimento repleto de admiração...
— Lykrolstreek saúda os heroicos soldados do
reino do metal. Devemos a estes homens honrados nossa
vitória sobre tão terríveis inimigos. Portanto, eu, Akylia,
chefe da guarda deste reino, gostaria de pedir aos nossos
amigos que dê-nos a honra de conhecê-los e convidá-los
para nossas comemorações, pela felicidade de mantermos
nosso querido reino de pé.
— Meu nome é Auryousrork! Sou cavaleiro e
líder do exército de Olonstreek, instituído pelo rei
Gyllimond. Viemos através da Floresta de Nágora com o
propósito de resgatar a princesa Zaradyk e dar apoio ao
vosso reino que esperávamos ser atacado por estes
malfeitores.
— Estamos felizes pelo cumprimento da nossa
missão. Os inimigos, por hora, foram vencidos e a
princesa está a salvo. Aceitamos o honroso convite para
ficarmos e festejarmos o êxito da nossa batalha.
Os olhares de Akylia e Auryousrork deixavam
clara a admiração mútua que sentiram naquele instante,
momento interrompido pela aproximação da princesa que
se fez conhecer.
206
— Sou a princesa de Olonstreek, meu nome é
Zaradyk, e sinto-me feliz por poder participar da
comemoração da vitória dos nossos reinos.
Max estava fascinado pela beleza e porte daquela
amazona. Seus olhos permaneceram fixos em Akylia
durante todo aquele momento de confraternização entre
os exércitos, porém, o gigante recolheu-se,
envergonhado, quando a chefe da guarda procurou
conhecê-lo.
— Quem és tu poderoso guerreiro?
Auryousrork respondeu, após um instante de
silêncio.
— Este nobre guerreiro, que me acompanha,
chama-se Max e sua lealdade não é menor do que seu
porte e força extrema.
Akylia olhou para Max com um ar de admiração e
curiosidade. Era um gigante sendo liderado por um
jovem guerreiro, sem, no entanto, deixar de transparecer
uma postura altiva como a de um príncipe. Tudo
contrastava com a timidez de quem tenta, sem sucesso,
esconder-se.
De repente, Akylia lembrou-se das palavras de
Steylrork a respeito de seu filho cavaleiro. Não pode,
porém, deixar de lembrar-se do reino destruído que
encontrara e dos tristes fatos que tinha conhecimento.
Olhando para Zaradyk, a amazona imaginou a dor da
princesa ao saber que sua mãe havia morrido nas mãos
dos inimigos. Ela decidiu guardar este segredo até um
momento que considerasse propício e, também, se calou
ao notar a falta do rei Gyllimond, imaginando o que
207
deveria ter-lhe acontecido. Quando surgiu uma
oportunidade Akylia pediu a Auryousrork que se
reunissem, após as comemorações, a fim de esclarecer
questões futuras de segurança entre os dois reinos. Por
fim, foram todos juntos ao castelo das Águas, festejar a
vitória. As comemorações começaram naquela noite e
estenderam-se por três dias.
Zaradyk mal conseguia esconder o ciúme que
sentia dos olhares trocados entre Auryous e a chefe da
guarda. Ele, porém, estava ainda mais apaixonado e sua
felicidade por tê-la em segurança quase o fez esquecer
que deveria revelar-lhe que o rei Gyllimond estava
morto.
Enquanto Akylia, e sua tropa, escondiam o triste
destino da rainha e do reino do Metal, Auryousrork, e
seus soldados, escondiam o trágico destino do rei
Gyllimond. Mas à medida que as comemorações
caminhavam ao encerramento, as verdades dolorosas
tendiam a ser reveladas aos seus interessados.
Max estava tomado de grande paixão por Akylia,
porém, dada a sua condição, empenhou-se arduamente
em esconder seus sentimentos. Enquanto a amazona era
uma jovem de beleza exuberante, em seus cabelos negros
ondulados, profundos olhos castanhos, corpo escultural e
pele bronzeada pelo sol que iluminava as nascentes de
Lykrolstreek; ele era um gigante corpulento com feições
proporcionais ao seu corpo, ameaçadores olhos verdes e
longos cabelos castanhos que reforçavam a figura de um
ser sobre-humano.
Akylia, no entanto, parecia não notar o efeito que
sua presença exercia sobre o gigante e passara muito
tempo com ele, curiosa quanto a sua história de vida.
Ela não o tratara como uma aberração. Percebia
algo de muito especial naquele guerreiro poderoso que,
notoriamente, tentava esconder-se da sua curiosidade,
208
mas, gentil, respondia suas perguntas com grande
sinceridade.
— Qual a sua origem Max? És um cavaleiro de
Olonstreek?
— Não minha Senhora! Nasci no reino das
arvores!
— Como conhecera Auryousrork?
— Fui abandonado, ao nascer, na floresta de
Nágora e lá vivi por toda a minha vida até então.
Encontrei meu Senhor quando atravessava a floresta em
busca de sua princesa.
A amazona silenciou por um instante, lamentando
o sofrimento que aquele homem certamente vivera por
tanto tempo sozinho na sombria floresta Cinzenta.
Imaginou como conseguira sobreviver, na infância, e
porque o isolamento não o tornara um selvagem. Ao
contrário, ele demonstrara gentileza, e alguma cultura,
com se houvesse sido criado num palácio.
Retornando ao dialogo, ela decidiu deixar de lado
o passado sofrido de Max, acreditando não ser um
assunto no qual o guerreiro sentia-se confortável em
falar.
— Porque demonstra tanta reverência a um jovem
cavaleiro que conheceste há pouco?
— Nossos caminhos há muito foram traçados pelo
Senhor Supremo e entrelaçaram-se agora. Ele será um
grande rei se conseguirmos vencer este mal que nos
ronda e creio ser meu destino ajudá-lo neste caminho.
Akylia espantou-se com as palavras do gigante.
Sabia que Auryousrork era um plebeu feito cavaleiro por
força da generosidade do rei Gyllimond, mas a fé que
Max demonstrara a fez acreditar que, de algum modo, ele
tinha razão.
209
O gigante mal conseguia esconder seu
encantamento. Olhava para a amazona como se nunca
tivesse visto tão bela mulher e, embora fosse cuidadoso
com seus segredos, ele respondia as perguntas de Akylia
com o simples intuito de poder continuar em sua
companhia pelo máximo de tempo que conseguisse.
Conversaram por horas e ambos sentiam-se muito bem
juntos.
Auryousrork estava radiante junto à Zaradyk. Os
eventos que se sucederam, após o rapto da princesa, os
fizeram esquecer os conflitos que estavam vivendo
anteriormente e o sentimento, de ambos, havia tomado
um rumo definitivo. Estavam apaixonados e não
demorariam a viver este sentimento mutuo.
— Zara! Estou muito feliz por ter te encontrado.
Não saberia o que fazer se algo de mal lhe acontecesse.
Ela olhou para o cavaleiro, sem nada dizer. Seu
olhar, porém, deixava claro que toda a antiga confusão
dos seus sentimentos havia dado lugar à certeza de que
ele era mais do que um amigo.
Auryousrork percebeu a mudança e encorajou-se
num pedido repentino. Estavam a sós, diante de uma
cascata iluminada pela luz do luar, quando o cavaleiro
tomou as mãos da princesa e, olhando-a nos olhos,
declarou decidido:
— Zaradyk eu sei que não é o momento ideal,
mas não posso esperar. Sabes dos meus sentimentos e eu
sei que não sou digno de tal privilégio, mas preciso pedir,
uma ultima vez, que tu sejas minha esposa. Sou apenas
um plebeu agraciado e nada tenho a oferecer-lhe alem do
meu coração, contudo, prometo fazer o impossível para...
210
Ela o interrompeu com um beijo desconcertante,
que ele, ao recuperar-se, retribuiu repleto de felicidade.
Permaneceram juntos por toda a noite recordando as
antigas histórias vividas. Estavam felizes como nunca, no
entanto, uma nuvem de dor pairava sobre eles e
Auryousrork sabia que o momento de revelar o triste
destino do rei, estava próximo...
211
O Amigo Markvellus
O castelo estava escuro e silencioso, como um
mausoléu. Sozinho, num canto do salão real, Steylrork
imaginava como estariam o rei, seu filho e a princesa; os
pedaços restantes do reino, que talvez o fizesse superar a
dura derrota que amargava. Sonhava em ver Auryousrork
erguendo sua espada em comemoração à vitória sobre os
inimigos, na batalha final, e a magia do reino unificado
envolvendo a todos os nobres guerreiros. Mas seus
sonhos intercalavam-se com o terror de imaginar seu
filho caído ao chão, derrotado por um Myriorvus.
Steylrork tentava desvencilhar-se dos maus
pensamentos, lembrando-se das promessas dos anjos que
sempre o visitaram em seus sonhos. Porém, onde
estavam eles agora? Onde se esconderam os enviados
pelo Senhor Supremo, que por tantas vezes lhe
anteciparam fatos importantes? Gostaria de ouvi-los dizer
212
que tudo estava acontecendo conforme o esperado e que
aquela escuridão era apenas o prelúdio de um tempo de
luz. Mas nada escutava, senão o aterrador silêncio da
incerteza.
O silêncio do Palácio de Prata fora,
repentinamente, quebrado por uma voz familiar que
chama insistentemente:
— Steylrork! Steylrork! Onde estais?
Markvellus procurava seu amigo pelos corredores
do castelo. Num tempo comum, apesar da conhecida
amizade entre eles, um plebeu jamais entraria nas
dependências reais sem ser anunciado. Contudo, nenhum
dos poucos soldados da guarda estaria preocupado com
um homem simples procurando o cavaleiro que se
escondia no castelo destruído.
— Steylrork! Finalmente o encontrei meu amigo!
Venho dar-lhe um importante aviso.
— Diga-me o que quer Markvellus!
— É a respeito do vosso filho, Auryousrork.
— O que aconteceu ao meu filho?
— Conheço uma família de Lykrolstreek e eles
disseram-me que havia um jovem cavaleiro, do reino do
Metal, de nome Auryousrork, que estaria gravemente
ferido, recebendo cuidados numa taberna na vila daquele
reino. Então corri até aqui para avisá-lo.
— Preciso vê-lo Markvellus! Leve-me até ele!
— Então vamos ferreiro. O que estais esperando?
— Na realidade eu não deveria deixar o castelo,
mas tentarei encontrar alguém para substituir-me,
enquanto irei buscar meu filho.
— Steylrork! Porque ainda te preocupas com este
palácio abandonado? Não há mais nada o que guardar
aqui cavaleiro!
213
O ferreiro calou-se por um instante, tentando não
concordar com o amigo, porém, não encontrou
argumentos e deixou o castelo preocupado com Auryous.
A caminho do reino das Águas, Steylrork,
acompanhando por Markvellus, cruzou a fronteira de
Olonstreek, sem, no entanto, deixar de observar a
ausência de soldados para vigiá-la. O reino estava
realmente abandonado e, curiosamente, as riquezas
escondidas nas cavernas, motivo de tantos crimes,
pareciam ter perdido o valor, permanecendo intocadas
sem proteção alguma.
Após algum tempo cavalgando, os dois foram
surpreendidos por renegados que cercaram os cavalos,
ameaçando-os. Entre eles estava o soldado traidor de
Olonstreek, que tempos atrás tentara roubar o livro da
profecia.
Steylrork ergueu sua espada disposto a enfrentar
os inimigos, mas viu-se rendido pela espada de
Markvellus que tocou suas costas de forma ameaçadora...
214
Há muito vos alertei, oh ferreiro! O amargo toque da traição ronda teus
caminhos. A primeira; já conheceste por meio de um
soldado, e a segunda; sentirás em vossa carne. Ainda que eu, o Senhor Supremo, quisesse
alertá-lo. Não o faria, pois não seria este o caminho correto. No entanto, de nada adiantaria vez que vossa fé mantém-se abalada e vossos olhos e ouvidos se fecharam por hora. Mas, com a traição virá o arrependimento e logo estenderei minha mão para ti, Steylrork!
Estarás, por fim, protegido!
215
— Perdoe-me cavaleiro, mas vossos inimigos
raptaram minha esposa e filha, prometendo soltá-las se eu
os trouxesse o velho ferreiro e o seu misterioso livro.
Steylrork estremeceu. Seu melhor amigo o havia
traído, usando como pretexto o jovem que vira crescer e
tratava como sobrinho. Ele lembrou-se do longo tempo
em que Markvellus o ajudara a esconder o segredo da
profecia e lamentou profundamente o golpe que sofrera.
— Traístes-me em vão meu amigo! Não conheces
estes malfeitores e não sabes quem realmente é digno da
vossa lealdade. Espero que tenhas sorte...
Os renegados renderam o traidor logo após
dominarem Steylrork e levaram-nos prisioneiros para o
interior da floresta de Nágora...
216
Revelações...
Pobres filhos! Envoltos por essa luta insana, pela vida e liberdade. Sei que tens sofrido e mais conflito os espreita.
Resistam pequenos! O amor lhes servirá de
consolo, agora, e a vitória trará a merecida felicidade.
Não desistam da luta! Ainda existem
muitos caminhos por trilhar. As vidas ceifadas devem ver a justiça, para que o inimigo entenda a quem ofendeu sem esquecer-se das forças que o subjugaram.
217
Acreditem na vitória! Ela será possível aos que crerem, abraçando, corajosos, a justiça e a honra!
218
Terminadas as comemorações Akylia procurou
Auryousrork para que, em reunião, estabelecessem novas
diretrizes sobre os caminhos da guerra, bem como, para
revelar-lhe o triste destino que se abateu contra o reino
do Metal:
— Auryousrork! Preciso falar-lhe um instante.
— Certamente Akylia. Vamos conversar.
Zaradyk acompanhou-os até a sala de reuniões do
castelo.
— Perdoe-me princesa! Mas preciso falar com
Auryousrork a sós.
— Os assuntos da guerra também me dizem
respeito, amazona! Meu reino responde pela vossa
vitória.
Disse Zaradyk, com o coração tomado pelo
ciúme. Auryousrork chamou-a aparte:
— Zara! Não há porque preocupar-se.
Conversaremos sobre tudo que for discutido após a
reunião.
Ela hesitou, porém acatou o pedido:
— Está bem Auryous! Mas não demore ou
entrarei neste salão.
Auryousrork conteve o sorriso...
Iniciada a reunião, Akylia deixou clara sua
intenção de lutar junto às tropas de Olonstreek para
aniquilar o exército do Vale Negro, porém, pediu que o
219
jovem cavaleiro ouvisse, com calma, o que ela tinha a
dizer:
— Auryousrork! Receio não ter boas notícias a
respeito do vosso reino.
— O que houve Akylia, meu pai está bem?
— Conheci vosso pai no Palácio de Galatyans e
ele estava bem, apesar da tristeza que o abatia. O reino
foi devastado pelos inimigos e encontrei Steylrork
desolado, pois a rainha Zayra morreu para salvá-lo.
Auryousrork sentiu uma grande dor esmagar-lhe o
coração. Zayra era a única mãe que ele conhecera e
perde-la fora o pior momento da sua vida. Em sua
memória, um turbilhão de lembranças o fizera perder o
chão. O carinho, a atenção e o cuidado da sua nobre mãe,
o deixaram para sempre e ele nem mesmo pode despedir-
se.
A reunião perdera todo o sentido naquele instante.
Auryousrork, com a voz embargada, desculpou-se com
Akylia e retirou-se do salão, atordoado.
Zaradyk logo percebeu a angustia do cavaleiro, ao
vê-lo sair da reunião. Ela o seguiu até um local reservado
nas dependências do castelo das Águas e espantou-se ao
perceber que lágrimas corriam em seu rosto. Quis então
saber o que havia acontecido:
— O que houve Auryous? Nunca o vi sofrendo
assim.
— Perdoe-me Zara! Mas não tive coragem de
contar-lhe o que houve até agora.
A princesa deixou-se guiar até uma pedra onde se
sentaram:
220
— Nosso reino caiu, Zaradyk! E com ele vosso
pai e vossa mãe.
— O que queres dizer com isso Auryousrork?
— O rei morreu salvando-me a vida, numa
batalha no interior do Vale Negro, enquanto
procurávamos por vós. E acabo de saber, através de
Akylia, que a rainha trocou a própria vida pela do meu
pai, no massacre sofrido pelo nosso reino.
Zaradyk estremeceu, sentindo um frio parar-lhe o
coração naquele instante. Jamais voltaria a acalentar-se
nos braços do seu querido pai e não ouviria outra vez a
doce voz de sua mãe a dar-lhe amorosos conselhos. Eram
heróis que doaram suas vidas por pessoas as quais
amavam como ela mesma. Perdera a metade da sua
amada família, em detrimento da outra, e sua dor não
poderia ser maior. O consolo dos braços de Auryousrork
não reduziria seu sofrimento, mas a princesa não
conhecia lugar melhor para estar naquele momento tão
difícil...
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Os traidores estão ao redor e agirão, trapaceiros, sem piedade. Seus anseios são escuros como a noite, pois perderam o dom de ver a luz.
São fracos e ambiciosos! Egoístas, querem
para si o bem que é de todos. Serão, no entanto, provados um a um. E
sentirão o fel do próprio ardil. Outros, num tempo próximo, mostrarão sua
maldade e o arrependimento lhes servirá de consolo...
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Importante!
“Se a leitura valeu o tempo dispensado, envie uma cópia digital (PDF) aos seus amigos, parentes e contatos para que eles também conheçam esta
obra.”
Obrigado!
Marcelo Bessa