drummond · com a criança, o seu brinquedo preferido. recordo-me de uma historieta em que um...
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DRUMMOND
O SORRISO QUE ME SORRI
2º EDIÇÃO
Revista e atualizada
2017
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Carla Lopes Ferreira (Bibliotecária CRB1-2960)
B395d
Becker, Marlene Drummond: o sorriso que me sorri / Marlene Becker. – 2. ed. rev.
atual. – Franca: [s.n.], 2017. 138 p. ; 14x21cm
ISBN 978-85-5697-362-7
1. Literatura brasileira - crítica. 2. Reflexões literárias. 3. Ensaio. I. Andrade, Carlos Drummond. II. Título.
CDU 82-09(81) CDD 869.939
A Drummond, pelos seus múltiplos sorrisos.
Aos amigos, Maria Luiza, Eny e Oscar Kellner por
tornarem meus dias mais sorridentes.
PREFÁCIO
Sorrir (corresponder ao sorriso) também é poetar.
Maria Luíza Salomão
“descubro-me diante do herói que se lança para o
interior de uma casa em chamas e salva o filho do
vizinho; mas aperto-lhe a mão se arrisca esbanjar cinco
preciosos segundos para procurar e salvar, juntamente
com a criança, o seu brinquedo preferido. Recordo-me
de uma historieta em que um limpa-chaminé caía do
telhado de um edifício alto, observava durante a queda
um cartaz com uma palavra mal escrita e se
interrogava por que razão ninguém tinha pensado em
corrigi-la. De certa maneira, estamos todos a sofrer
uma queda mortal desde o alto de nosso nascimento
até à lápide do cemitério e a maravilhar-nos com uma
imortal “Alice no País das Maravilhas” perante os
desenhos na parede. Esta capacidade de assombro
perante coisas insignificantes – sem nos importarmos
com a iminência do perigo -estas lateralidades do
espírito, estas notas de rodapé do livro da vida, são as
formas mais elevadas da consciência; e é aí, nesse
estado mental infantil e especulativo, tão diverso do
senso comum e da lógica, que sabemos que o mundo
é bom.” Vladimir Nabokov, 1980, in Aulas de Literatura,
Ed. Relógio d´Água, trad.Salvato T. de Menezes, 2004.
A descoberta de um sorriso é pura poesia,
principalmente sendo o sorriso lido, capturado, através
de versos. Com Nabokov, citado acima, vejo no olhar
poético de Marlene sobre o sorriso do poeta Carlos
Drummond de Andrade uma forma elevada da
consciência, como disse Nabokov, e um modo de,
afastando-se do “senso comum e da lógica”, Marlene
nos mostrar como o mundo é bom. A poesia pode
tornar o mundo bom, porque belo. Ou belo, porque
bom.
O Ensaio, desde Montaigne, que deu o nome ao
gênero, é apropriado ao ser que ama, ao apaixonado.
Montaigne confessa que seus Ensaios são sua forma
(apaixonada) de diálogo com o amigo perdido, Étienne
de La Boétie. Apaixonada pela Poesia e pelo poeta,
Marlene, neste Ensaio, diz se entregar à escrita, não
como acadêmica, mas “ao acaso, (...) (como quem
quer apenas) (...) escrever o nome do ser amado”,
Drummond, e se deixar conduzir pelos seus versos.
escrever o nome do ser amado”, Drummond, e se
deixar conduzir pelos seus versos.
Diz a ensaísta: “Eu a leio (a obra) e sou lida por ela”,
(...) “ao falar sobre ele (Drummond) estou falando
também sobre mim. Redescobrindo-me e
redescobrindo o mundo.” (p. 25).
Creio que a autora me convidou para escrever este
prefácio, como quem procura alguém para dialogar
e/ou uma afinidade sobre o que captamos, eu e ela,
através de um olhar que foge ao senso comum.
Como psicanalista, também não me interessa o senso
comum, identifico na Poesia e na Psicanálise, a mesma
refinada procura de “algo”, sutil e quase inapreensível,
avesso à lógica racional. Diz Nabokov, na obra citada,
p. 422:
“o senso comum atirou terra com as patas para os
quadros mais belos porque as suas bem-intencionadas
patas consideravam que uma árvore azul era uma
loucura. O senso comum deu origem a que nações
feias, mas poderosas, esmagassem as suas vizinhas
belas, mas frágeis, quando uma brecha na história
proporcionou uma oportunidade que seria ridículo não
aproveitar. O senso comum é fundamentalmente
imoral, pois a moral natural da humanidade é tão
irracional como os ritos mágicos que se foram
desenvolvendo desde a obscuridade imemorial do
tempo. O senso comum, no pior dos casos, é senso
tornado comum; portanto, tudo aquilo que entra em
contato com ele é desvalorizado. O senso comum é
quadrado, enquanto as visões e os valores mais
essenciais da vida têm sempre uma bela forma circular,
são tão redondos como o universo ou os olhos de uma
criança quando assiste pela primeira vez a um
espetáculo de circo”.
Freud procurou criar um método que pudesse
reconhecer as manifestações do Inconsciente, em
temas banais como foram no século 19 os Sonhos, os
Chistes, as trocas de palavras (os já conhecidos, mas
por ele nomeados ganhando significado novo – “atos
falhos”). Afinal, O Inconsciente não tem cheiro, cor, não
se pode tocar, no entanto, sabemos que ele existe
através destas manifestações. Poetas e psicanalistas
apreendem em ditas “insignificâncias” o inusitado, o
assombroso, o que é capaz de, minerado e lapidado
(via rigor e método), reluzir novos significados.
Reconheço, entretanto, que poetas e psicanalistas
partem de portos diferentes e, embora naveguem de
modo semelhante, sem destino premeditado,
criptografam suas cartografias diferentemente.
O “claro enigma” comum, na Poesia e na Psicanálise, é
o conhecimento do Humano, o que o constitui enquanto
ser pensante e sentinte, singular e único, o que o
define enquanto sujeito de sua história vivida. Mas seus
caminhos se separam, nas metas e travessias. A
Poesia está comprometida com a Poesia. A Psicanálise
está comprometida com o destino de quem a procura.
O psicanalista é servidor daquele que sofre, investiga o
Sofrimento Humano. No encontro singular, paciente e
psicanalista, deve acontecer um Conhecimento em
profundidade do Humano (suas Dores e Delícias). É
deste encontro e do Conhecimento produzido a dois
que podem nascer novas visões sobre o sofrimento do
paciente, criativas e não mortíferas, que enriqueçam a
trajetória humana da dupla de viajores.
João Frayze-Pereira, psicanalista, membro efetivo da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e
livre docente da USP-SP, aproxima dois campos: o da
experiência estética (Poesia, Arte) e o da experiência
psicanalítica. Na Introdução ao seu livro Arte, Dor,
inquietudes entre Estética e Psicanálise, 2006, Ateliê
Editorial, FRayze-Pereira diz, p.23:
(...) a Psicanálise que exercitamos, compatível com a
Arte, não é aplicada, mas implicada, isto é, derivada
das artes ou engastada nelas, pois não é uma forma a
se aplicar à matéria exterior, não é um modelo que
ajusta abstratamente o objeto artístico às suas
exigências teórico-conceituais. A Psicanálise, tal como
a entendemos, não é mero instrumento de investigação
de cultura, não é rede de noções aptas a atribuir
sentido ao sensível. Ora, se cabe à psicanálise a
possibilidade da construção conceitual (...) desde Freud
(é) a partir do pensamento elaborado num lugar
ambíguo, posto que é também o lugar de uma prática –
a prática clínica. (...) pensar psicanaliticamente implica
escutar, mais ou menos intensamente, as questões
singulares e comoventes, isto é ambíguas, e por isso
mesmo perturbadoras, daquele que sofre. Portanto,
daquele que vive. (...) cabe ao psicanalista, junto ao
seu outro, dar forma à dor do inarticulado que, por seu
próprio modo de ser, excede toda tentativa de
representação. Não é muito diferente o que se passa
no plano do fazer artístico. Considerando que é próprio
do artista pôr no mundo um ser que jamais foi visto,
nunca foi ouvido ou tocado antes dessa instauração,
pensar esteticamente supõe fazer contato com esse
campo de passagem entre o não-ser artístico e a forma
perceptível, assim como pensar psicanaliticamente
implica transitar entre o não-dito e o dizível. (“...) desde
a dinâmica da presença e da ausência do sensível, a
experiência estética é vizinha da experiência analítica:
uma silenciosa abertura ao que não é nós e que em
nós se faz dizer.” (grifo do autor),
Não aplicamos conceitos psicanalíticos na vivência do
encontro, da viagem íntima a que nos lançamos com o
paciente, mas eles estão implícitos nos gestos, na
postura, na carne e sangue do analista. A mesma coisa
acontece com o artista no ato da criação. Mesmo que
tenha conceitos e técnicas, no ato mesmo da criação, a
passagem do sentir do artista para a forma que plasma
sua criação, a obra, se dá através da pessoa do artista.
Aqui, neste Prefácio, posso dizer que também estou
implicada na tentativa de interpretar a maneira peculiar
de Marlene abordar o “seu” Drummond. A sua escolha
de desvelar o sorriso de Drummond, sua interpretação,
é, de imediato, surpreendente e instigante.
Acostumamo-nos a conviver com um Drummond
soturno, figura frágil e magra, quase etéreo e
metafísico, sentado eternamente de costas (como quis
o escultor da sua figura) para o mar de Copacabana,
olhando para o chão, de óculos, segurando um livro.
Figura que se associa à Melancolia.
Assim não quis ver Marlene o seu poeta. Que sorriso
procura Marlene ler em Drummond? Um Sorriso a ser
interpretado, enigmático, cifrado, instigante. E o que
Marlene deixa claro, neste Ensaio, é que a sua é uma
escrita imanente, implicada, no dizer de João Frayze,
não se pretende acadêmica. Escrita visceral, criada a
partir de uma usina interior daquela que também é
poeta.
Há no sorriso, enquanto temática, uma complexidade
de acréscimos. O que faz resultar a cor e intensidade, a
qualidade do sorriso, se alegre ou triste, sardônico,
irônico, confiante, terno? Não há, se pensarmos bem,
uma Emoção Pura, a Emoção Pura é abstração,
conceito. A Emoção que gera um sorriso (ou outro
gesto qualquer) se origina de emoções compostas,
plenas de ambiguidades, que podem gerar sorrisos
como o de Mona Lisa, pintado (interpretado) por
Leonardo da Vinci. Há tratados sobre este enigmático
sorriso, que coloca dúvidas até a respeito do gênero -
Mona Lisa é mulher ou homem?
Quem conviveu, mesmo que por pouco tempo, com um
bebê, sabe a dificuldade que é identificar o seu choro,
se de cólica, de tristeza, de solidão, de fome, de raiva,
de apelo. Marlene encontrou muitos sorrisos entre os
versos de Drummond, mostrando que a personalidade
do poeta não é unívoca, como, de resto, a de ninguém,
seja artista ou não.
A Psicanálise freudiana esbarra, enquanto ofício, com
esta tarefa, de decifrar o gesto, o choro, o sorriso, as
palavras, o silêncio. Ao vivenciar emoções que podem
ser intensas demais, ou, ao contrário, ao se ver privado
de emoções básicas e essenciais ao seu
desenvolvimento, o “eu” se fragmenta, divide-se. Nesta
divisão, acaba por se reconhecer e se desconhecer,
simultaneamente. Como o pai à mãe, quando raivoso
por algum ato do filho, diz: “olhe o que fez seu filho”, e,
no processo inverso, quando orgulhoso da cria, diz:
“olhe o que fez meu filho”. Aceitamos nossos melhores
gestos (aos nossos olhos) como genuínos, próprios, e
rejeitamos (e até atribuímos a outrem) aqueles que não
aprovamos. Diz Millor, e podemos rir com ele, na
identificação com esta experiência: “errar é humano, e
atribuir nossos erros ao Outro também”.
Em Literatura, o tema desta dissociação, ou divisão, do
“eu” aparece como a manifestação do “duplo”, múltiplos
personagens nos habitam. Rimbaud diz “o eu é um
outro”. Fernando Pessoa, nosso poeta português, nos
ofereceu múltiplos “eus”, com nomes próprios e
personalidade, visão de mundo, até mapa astral
peculiar a cada “eu” poético.
Este é o primeiro ponto convergente no Ensaio de
Marlene e um possível Ensaio psicanalítico. Drummond
é um só, único, e tem vários sorrisos. Marlene trouxe
uma chave, toda dela, para vermos o seu Drummond
sorrindo. Ela o viu sorrindo a ela, quando ela sorriu ao
poeta. Ou seria o inverso, ela descobriu, em si, a
sorridente Marlene? Quem sorri a quem?
Marlene divide seu Ensaio em três partes: a
Descoberta (como o poeta surge e é apreendido em
sua vida), A Viagem (a navegação nos versos de
Drummond), O Encontro (o sorriso redentor).
Marlene traz outros analistas, críticos literários, que o
amam e também os que não o compreenderam. Neste
percurso, vai cartografando seu mapa pessoal a definir
o que é a Poesia, e de que posto de observação
mapeou os vários sorrisos de Drummond.
Viagem e viagens.
O Sorriso, afinal, é passageiro, como são as emoções,
nebulosas, e podem ir clareando até conseguirmos
nomeá-las, trabalho laborioso em psicanálise. E é labor
de Poeta. Há muitos escritores que proclamam que
escrevem para “conhecer algo”, ou “conhecer-se”.
Ao tornar permanente o efêmero, ao eternizar o
Sorriso, ou os sorrisos de Drummond, Marlene é a
“leitora ideal” de um escritor. Ela costura o melancólico,
o “duro”, o “metafísico”, o “pornográfico”, com o seu
“sorridente” Drummond.
Para Drummond, segundo Marlene , “a ausência do
amor é negação da vida, mas não se trata de amor
romântico ou sentimental, é amor como forma de
conhecimento.” A leitura do poema também é forma de
autoconhecimento “gostamos de um poema quando ele
nos revela a nós próprios, quando ele reflete a nossa
imagem oculta”. Muitos são os pacientes que estão
identificados com obras de arte (música, filmes, livros,
poemas) e se apresentam de maneira mais precisa e
aprofundada ao psicanalista, usando dos modelos das
obras artísticas, dos personagens, da emoção
intraduzível, muitas vezes em palavras, que a arte
revela. Diz Marlene que “poesia é algo que nos obriga
a transpor as palavras”. E esta mesmíssima frase
poderia ser colocada em termos psicanalíticos “o
encontro analítico nos obriga a transpor as palavras”, já
que elas adquirem um contexto especial, no interior da
relação da dupla analítica.
O Conhecimento que parece vir de fonte tão direta e
clara através da Arte, é garimpado, com grande
esforço, pela dupla paciente-analista, e, como o artista,
o psicanalista precisa trabalhar com um amor não
romântico, não sentimental. O amor do analista ao
paciente está ligado à forma como ele conhece a si
mesmo, analista, conhecimento adquirido por uma
análise pessoal, e uma formação rigorosa. Para re-
conhecer seu paciente o analista precisa desenvolver
uma forma de escuta e de olhar, antinatural podemos
dizer. Laboriosa, a contrapelo do que é “dado”
sensorialmente, da memória idiossincrática do analista.
Esta forma é o método analítico, que obriga o analista
(e o paciente) a trans-por as palavras.
O poeta não parece “desenvolver” um método, parece
ter uma antena especial, que captura o dificilmente
capturável, e traduz para os demais contemporâneos.
Senti grande prazer em acompanhar Marlene na sua
captura dos sorrisos de Drummond. Não era um
colecionador de borboletas, dissecando a beleza, mas
alguém que contempla e guia o nosso olhar para os
voos e silêncios, para os pousos e desaparecimentos
do que precisa ser eternizado pela palavra. Ela
eternizou sorrisos, tarefa delicada e encantada,
mágica.
O ENCONTRO de Marlene, o encontro com Marlene.
Quase ao meio do Ensaio nos deparamos com dados
biográficos de Drummond. Achei por demais
interessante ver Marlene prescindir desses dados por
tantas páginas. Na vida (e no encontro psicanalítico)
não precisamos destes dados, data de nascimento,
lugar que o autor nasceu, e outros, para atingir um
contato profundo, íntimo. Marlene nos fala do seu
Desejo e assim nos aproxima dela, e de Drummond.
Ela o acompanha nas suas palavras, nos seus versos.
Desejo farejando desejos.
Os dados biográficos são meramente acessórios nesta
trilha que fareja desejos. O essencial vem do seu
trabalho (e do poeta), na descoberta e no passeio
acurado sobre os versos e sobre as várias
interpretações destes versos de Drummond. Mais uma
convergência entre Poesia e Psicanálise.
Não é necessário ter em mãos a anamnese do
paciente (como necessita o médico) ou o levantamento
dos seus dados biográficos (não estamos a fazer
estatísticas). O Encontro analítico acontece
fugazmente, em plenilúnio, ou em Lua Nova, e pode
estar presente em um insignificante detalhe, em um
insuspeito Desejo (ou ausência dele), em uma cadeia
de eventos que podem imobilizar o “eu”, provocar a
Dor, esticar o sofrimento do paciente, sem que ele se
aperceba. E a história que o paciente conta em uma
sessão de análise, no início do seu tratamento, pode se
alterar quase que completamente, durante a travessia
(no relatar inúmeras vezes a sua história). Não porque
mudam os seus pais, os filhos, os amigos, os
personagens íntimos da sua vida, mas porque algo do
Conhecimento produzido no Encontro Analítico
metamorfoseou sua forma de sentir, aperceber, pensar
sobre sua história.
Este Ensaio de Marlene mostra uma metamorfose,
confessada pela ensaísta, que, ao se debruçar
inúmeras vezes sobre os versos do poeta, ao ouvi-los
ressoar de maneiras íntimas e diversas, faz esticar,
dobrar, redobrar, expandir sua forma de sentir,
aperceber, pensar sobre Drummond.
Acompanhar Marlene nesta captura e nesta
metamorfose me fez sorrir, junto com Marlene, e
receber de volta os vários sorrisos desvelados pelo
Poeta da Poeta.
Interpretar é algo que acontece no íntimo, no entre-
dois, poeta-leitor, analista-analisando, e, pensando
bem, o próprio sorriso é um ato social, entre dois. Se
alguém nos sorri, tendemos a sorrir de volta. Um bebê,
mesmo recém-nascido, não resiste a um rosto
sorridente.
No bojo do Ensaio, no percurso de Marlene há Ternura
e Devoção. Há uma real intimidade. Elementos
fundamentais para acontecer o sorriso para alguém e
ser correspondido, de volta.
Boa viagem, e bons encontros, desejo ao leitor que
tenha, como eu tive, sorridentes descobertas!
Maria Luíza Salomão- psicóloga, psicanalista. Membro
Associado SBPSP- Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo. Escritora, poetisa e membro
da Academia Francana de Letras.
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A DESCOBERTA:
“Sou apenas o sorriso
na face de um homem calado.”
Não foi uma paixão repentina. Foi necessário muito
tempo, ou muitos versos para construir essa relação de
amor com as palavras de Drummond, relação que,
hoje, se acha estabelecida. Nem sempre me debrucei
sobre seus textos compreendendo que o autor dos
mesmos não era, não foi um romântico, mas, sempre,
um poeta do amor, das mãos dadas, universal,
sensível, afiado como uma navalha, irônico, tímido.
Aos poucos, fui conhecendo o poeta, e seus poemas
foram granadas ou carícias em meu coração. Debrucei-
me, então, sobre sua obra. Outros autores que
estudaram sua vida, analisaram seus textos,
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desvendaram a estrutura dramática subjacente aos
seus versos aparentemente frios, ajudaram-me a
compreendê-lo melhor.
Apaixonei-me por ele, assim, devagar, descobrindo sob
seus poemas, um dia um sorriso irônico, no outro um
sorriso triste (¨A lucidez é um sorriso triste¨) 1 terno,
maroto, calado, torto (como o do seu anjo), aberto,
esquerdo (porque do lado esquerdo ele carregava seus
mortos), e foram esses sorrisos que eu tentei apanhar.
Não busquei a palavra sorriso, rara em sua obra, mas o
sorriso essência da expressão (in) contida em cada
poema, em cada verso.
“Sou apenas um homem
um homem pequenino à beira de um rio
Vejo as águas que passam e não as compreendo...
Sou apenas o sorriso na face de um homem
calado.”
1 Mario Pintp de Andrade- ensaísta e ativista político angolano- HTTP://www.infopédia. pt/$mario-pinto-de-andrade
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Parece incoerência falar em sorrisos de Drummond, se
ele era um homem reconhecidamente taciturno,
fechado, melancólico, mas os sorrisos que procurei no
poeta não foram aqueles que acionam os músculos da
face, mas os que encontramos em suas palavras,
versos, instigantes metáforas, em suas brincadeiras
com as palavras, e na minha jornada pela sua obra fui
descobrindo suas expressões de amor, ironia,
melancolia, compreensão, simpatia, raiva, conflito, que
se tornaram metáforas de sentimentos assentados nas
dobras da sua genialidade.
Nem todos os sentimentos capazes de produzir
um sorriso chegam a nossa face. Podemos deixá-los
trancafiados em enganosa imobilidade, porém, dentro
de nós, continuam colorindo palavras, expressões,
metáforas, bem como nossos olhares sobre a vida,
sobre o mundo, sobre nós mesmos. Algumas pessoas
sorriem através do que fazem ou escrevem. Assim,
Drummond.
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É fácil sorrir para quem nos sorri, porque sorrisos que
se encontram abrem brechas para a compreensão,
para a comunhão, para ser no outro e ao outro acolher.
Nos versos de Drummond encontrei sorrisos que me
sorriram, e por esse motivo eu o amei.
A obra é maior do que o seu autor. Dizem que
“Drummond foram muitos”, mas o José foram muito
mais, porque ele está em cada um de nós,
perguntando-nos: _ E agora? Os encontros e
desencontros, amorosos ou não, acontecem a cada
momento da nossa vida, e todos nós já tivemos contato
com um anjo torto, em algum momento, durante a
nossa trajetória pela vida.
Não é minha intenção desvendar Drummond ou fazer
uma análise crítica de sua obra, o que seria
inadequado considerando que eu não sou especialista
nesta área. Meu objetivo é relatar os sentimentos, as
reflexões e as reações que provocaram em mim a
leitura de seus poemas, e expor as emoções que senti,
os pensamentos que me ocorreram e as reflexões a
28
que eles me induziram. Devo confessar que essa
leitura não me trouxe serenidade, ao contrário, fui
apossada por um sentimento de cansaço, desencanto,
tristeza, porém, o que mais me assaltou foi a
perplexidade. Pude ver, através dos versos que mais
falaram ao meu coração, as múltiplas facetas da vida,
do ser humano, e de mim mesma, compreendendo que
“destruição e construção são componentes da
viagem.”, e que todos precisamos aprender a preparar
“uma canção/ que faça acordar os homens/ e
adormecer as crianças.”, e as cem (com c) razões pela
qual precisamos amar.
Não só li cada poema, como também os tateei,
acariciei, cheirei, surpreendendo-me com as minhas
reações aos seus instigantes poemas, sobre os quais
me debrucei buscando sua essência íntima.
Fui sequestrada pelos seus versos, fustigada,
enriquecida por eles. Tensa e dolorosamente, ou leve e
“dando cambalhotas”, encontrei, através dos seus
versos, o meu anjo torto, o José sem teogonia, as sem
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razões do amor, a máquina do mundo e, por fim, seu
sorriso.
Ao começar este texto, pensei em seguir a ordem dos
poemas, conforme seleção feita por Drummond em sua
Antologia Poética, ou seja, começando com “O
indivíduo; A terra natal; a família, Amigos; O choque
social; O conhecimento amoroso; a própria poesia;
Exercícios lúdicos; Uma visão ou tentativa de, da
existência”, mas não consegui. Creio que estabeleceria
esta ordem se estivesse fazendo um trabalho literário,
mas na verdade, sinto-me mais à vontade explorando
seus poemas de forma aleatória.
Entrei no reino das palavras à procura da poesia, com
a única chave a mim disponível: a sensibilidade.
É claro que nossas respostas a um poema, e até
mesmo a uma palavra, são diferentes, porque
diferentes são os caminhos da constituição do
significado das mesmas, ao longo de nossas vidas,
assim, os mesmo versos que me fazem chorar, ou
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estremecer, podem deixar outra pessoa indiferente.
Tocar na, e ser tocado pela poesia, correspondem a
uma forma individual de percepção da vida e da magia
das palavras.
Minha viagem por diversos autores foi feita com o
objetivo de compreendê-lo melhor para que eu
pudesse, dele, me aproximar ainda mais.
Permito-me caminhar de encontro ao poema e
descubro um mundo de possibilidades. Sigo, com a
inocência de uma criança, abrindo portas, saltitando
pelas vias dos significados. Seguro um dicionário, abro-
o, e ali encontro palavras solitárias e mudas. Procuro
suas faces secretas, e começo a perceber minhas
emoções. Debaixo de cada verso, descubro um amplo
espectro de interpretações, e continuidades, e amo as
palavras como suportes do pensamento, e as respeito
como articuladoras de sentidos, constituidoras da
nossa vivência anímica.
Marco Luchesi, no Prefácio da Antologia Poética já
citada, diz:
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“O século XX corre inteiro nessas páginas,
como um rio profundo, caudaloso, inarrestável,
com suas ondas de enigma e transparência,
fogo e palavra, promessa e desencanto.
Nessas águas de absoluta clareza, reflete-se
uma parte de nosso rosto, quando não o rosto
por completo. (...)”
No belo Prefácio, o seu autor consegue nos passar a
razão pela qual a poesia de Drummond abala nossas
estruturas: ela reflete os nossos rostos e nem sempre
queremos vê-los.
Na vida, dançamos quadrilha, deslocando-nos em
vaivém. No poema abaixo o poeta tematiza o
desencontro amoroso, ironizando as convenções
sociais e contrapondo o amor ao casamento, tratado
como instituição ligada a interesses financeiros.
Com este poema, Drummond nos remete à dor das
discordâncias amorosas, às dissoluções das
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esperanças, aos entrecruzamentos de vidas, aos
acontecimentos comuns. Nada é insignificante para ele.
De tudo extrai poesia, e de forma irônica e bem
humorada, retrata, sem permitir nenhum aporte
emocional, de forma fria e impessoal, uma visão
dessas oposições. É uma prova de coragem suportar
uma realidade fragmentada, e torná-la inofensiva
através da racionalização. Assim como o amor, os
desencontros acontecem porque acontecem. O poeta
não somente vê, mas enxerga essa situação, que
desafia e adverte o homem a respeito do seu
desamparo e impotência, sua incapacidade para definir
os rumos de sua vida.
Ao ler esse poema senti a minha fragilidade frente a
essa força que não poupa ninguém. Nós nos
desencontramos apesar do amor. Nós nos
desencontramos porque em nossas estradas existem
desvios, rotas paralelas, cruzamentos, entroncamentos,
trilhas diversas, e nada nos assegura que aquele que
caminha ao nosso lado não se desviará para outras
direções, empreendendo jornadas diferentes.
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Quadrilha2
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim
que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se
e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Outro poema, surpreendente pela sutileza, pelas
imagens, pelo modo como trabalha a questão do tempo
é:
Cidadezinha3
2 In Alguma Poesia-1930 3 In alguma Poesia-1930
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Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar
Devagar... as janelas olham
Eta vida besta, meu Deus.
Lendo este poema, consegui visualizar perfeitamente a
paisagem e compartilhar da lentidão que o poema
pretende passar.
O escritor e poeta Dirceu Scali Júnior 4·, em “Tempo e
ritmo: Passeios entre campo-cidade pequena/
metrópole”, analisa esse poema mostrando que o poeta
faz uso basicamente de substantivos, e as imagens,
estáticas, dão a ideia de um cenário. As ações entram
lentamente como se pode ver no terceiro verso onde
ele usa dois substantivos: um concreto, pomar, dando
4 Texto publicado no site – Estados Gerais da Psicanálise.
WWW.estadosgerais.org/encontro
35
ideia de fixidez, o outro abstrato- amor-vindo a seguir o
verbo que dá início à ação. Na sua bem articulada
análise, Dirceu fala sobre o significado da repetição da
palavra devagar, e mostra que esse ritmo (lento)
impregna todos os que fazem parte desse cenário e
diz:
“Essa lentidão é tão intensa que acaba
por imprimir uma ação até mesmo à
concretude, ao não animado, “as janelas
olham”. Por fim, no último verso, a
explosão de tédio ou desespero do poeta
pelo reticente do movimento, pela
circularidade do tempo, pelo previsível
de sempre.”.
No “Poema de sete faces” 5 ele revela seu aspecto
gauche, seu eu retorcido e chega a confessar seus
momentos de comoção, e eu também me sinto
comovida ao me identificar com esse homem atrás do
bigode, seus desajustamentos, suas carências. Gauche
5 Publicado no livro “Alguma Poesia”-1930
36
é uma palavra francesa que significa torto, esquerdo,
desajeitado, e esse significado atravessa sua obra
revelando o seu desacordo com o mundo utilitarista no
qual vivia.
Acaricio a metonímia do oitavo verso, vejo o sorriso
brincalhão da rima de mundo com Raimundo, e sinto
que também tenho um anjo torto, e também fui
condenada a ser “gauche” na vida. Eis porque li e reli
este poema dezenas de vezes, tantas vezes que ele
passou a fazer parte de mim.
As sete estrofes deste poema referem-se às suas sete
faces: A primeira refere-se ao momento em que seu
anjo torto condenou-o a ser gauche na vida; na
segunda e terceira torna-se um observador irônico; na
quarta fala sobre si mesmo; na quinta faz uma
invocação bíblica: (Meu Deus porque me
abandonaste), na sexta brinca com as rimas, e na
sétima, declara-se “comovido como o diabo”.
37
O indivíduo, indivisível, se multiplica, e se cada estrofe
do poema representa cada uma de suas faces, não
podemos deixar de perceber que, ao longo de sua obra
essas faces reaparecem multiplicadas,
metamorfoseadas, gerando novas combinações,
movendo-se pelos caminhos da dualidade e da
ambiguidade, pelos da solidariedade, das mãos dadas,
e também pelos do erotismo e da busca do prazer.
Poema de Sete Faces6
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
6 In Alguma Poesia-1930
38
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
39
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
O grito do poeta no “Poema de Sete Faces”
7ressoa em mim:
“Meu Deus, porque me abandonaste/ se sabias
que eu não era Deus/ se sabias que eu era
fraco.”
Faço meu esse grito, e perco a esperança, mas a
reencontro à medida que vou deslizando pelo
tempo, pelo “Sentimento do Mundo”, pela “Canção
Amiga”. Demoro-me em “Procura da Poesia”,
sentindo a tensão do eu-lírico, ao entrar
“surdamente no reino das palavras.”.
7 In alguma Poesia- 1930
40
PROCURA DA POESIA8
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros.
Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e
concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face
neutra 8 In A Rosa do Povo (1943-1945)
41
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
(...)
Outros poemas, outros encontros outros sorrisos, e
assim, aos poucos fui me aproximando mais de sua
poesia.
Comecei a procurar outros olhares sobre sua obra,
sabendo que este exercício expandiria a minha
capacidade de ouvi-lo. Foi assim que conheci autores
que também o descobriram e reconheceram a
genialidade da sua poesia. Foi quando comecei a
colecionar pepitas literárias, como as de Affonso
Romano de SanÁnna, Marlene de C. Correia, Geneton
Moraes de Mello e de muitos outros. A cada um deles,
meus agradecimentos por terem me mostrado outras
facetas do poeta.
Affonso Romano de Sant’Ánna que apresentou, em
1969, sua tese de doutorado, "Carlos Drummond de
42
Andrade9 o Poeta "Gauche, no Tempo e Espaço.",
disse que, mais do que uma obrigação acadêmica, seu
trabalho transformou-se numa autêntica aventura do
espírito, e eu sou grata a ele por ter me permitido, a
partir de repetidas leituras de sua obra, pegar carona
nessa sua aventura.
Affonso Romano mostra, na estrutura da obra de
Drummond, aparentemente fragmentada, um enredo e
cada um dos seus livros como se fosse um capítulo de
uma única obra, sendo o próprio autor, o personagem
central manifestando-se como Carlos, Carlito, José, K
ou Robinson Crusoé. De forma magistral vai mostrando
a trajetória do poeta como “gauche”, e como o poeta de
mãos dadas. Revela como ele se abre ao Sentimento
do Mundo que toma conta do seu ser, e por fim,
mostra-o superando o momento do nojo, completando
a travessia, vendo a flor que nasce no asfalto.
9 “Drummond, o gauche no tempo”, de Affonso Romano de Sant’Anna. Prêmio
União Brasileira de Escritores, Prêmio Estado da Guanabara, Prêmio Mário de Andrade do Instituto Nacional do Livro, Prêmio do Governo do Distrito Federal.
43
“É feia”. Mas é uma flor.
Furou o sapato, o tédio, o nojo
e o ódio.”.
Romano mostra o poeta, agora, diante de um “claro
enigma” que fala do amor universal. Nesse momento
dissolve-se a oposição eu – mundo e ele adquire a
consciência de que “destruição e construção são
componentes da viagem.”.
Depara-se com a Máquina do Mundo, escuta seu
chamado, sua promessa de lhe revelar a “total
explicação da vida”, mas ele a desdenha e segue em
frente, “vagaroso, mãos pensas”. Esse, em síntese, o
enredo da obra de Drummond sobre o qual nos fala
Affonso Romano de Sant’Ánna nesse seu trabalho de
inestimável valor para a literatura brasileira.
O processo dialético do eu com o mundo, desdobrou-
se, de acordo com Romano, em três fases:
- a primeira- eu maior que o mundo, (fase irônica),
caracterizada pelo humor, ironia, linguagem coloquial.
44
com as obras: Alguma Poesia (1930); Brejo das Almas
(1934); Sentimento do Mundo (1940), caracterizada
pela ironia, humor, linguagem coloquial.
-A segunda: eu menor que o mundo (poesia social),
caracterizada pelo sofrimento, solidariedade, decepção,
falta de perspectivas diante dos horrores da guerra,
com as obras: José (1942); Rosa do Povo (1945),
Alquebrado pela realidade, nessa fase cai no
pessimismo, e sente-se menor do que o mundo, e
percebe que precisa de todos, porque o mundo é
tensão, e “a vida é pétrea”. O desalento toma conta da
sua alma, Olha para o mundo com desalento, escuta
“voz de gente”, dispõe-se ao engajamento e faz disso
sua razão de viver. Quer transformar o mundo, como
vemos no “Poema da Purificação”. Despreza o lirismo
dos românticos, o escapismo, o desencanto dos
decadentistas e alcança “o sentimento do mundo”.
- A terceira (eu igual ao mundo), com uma fase
metafísica e outra, considerada final. Desta fase
destacamos as obras: Claro Enigma (1951) Fazendeiro
45
do Ar (1954); Vida Passada a Limpo (1959). Ainda
dentro dessa fase, mas já com outras características
temos: Boitempo, (1973); Menino Antigo (1973); A
Paixão Medida (1980); Esquecer para Lembrar (1979);
Corpo (1984); Amar se Aprende Amando (1985) e
Amor Natural (1992), publicado cinco anos após a
morte do poeta.
O poema abaixo (da segunda fase), revela, claramente,
o seu desalento e tristeza
Poema da purificação10
Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As águas ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram. 10 In Alguma Poesia-1930
46
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.
O eu poético se vê em um mundo grande e repleto de
incertezas e dramas, por isso grita, e sentindo a sua
pequenez, toma consciência de que precisa de todos,
precisa dos outros porque é difícil, muito difícil sofrer.
“Mundo Grande” 11
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo.
Por isso me grito, 11 Mundo Grande- publicado no livro Sentimento do Mundo, 1940.
47
por isso frequento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu
esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros,
carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens.
as diferentes dores dos homens.
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo
isso
num só peito de homem… sem que ele estale.
48
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! vai’ inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos —— voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
49
países imaginários, fáceis de habitar.
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e
convocando ao suicídio
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo
todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
— Ó vida futura! nós te criaremos
O poema “Elegia” escrito em 1938 e publicado no livro
Sentimento do Mundo (1942), encaixa-se na mesma
linha. Em cada estrofe percebemos que a situação
50
“entre vida e fogo”, está presente, contaminando cada
verso com tristeza e desalento. Com Hitler, na
Alemanha, Mussolini, na Itália, pressentia-se uma
guerra. E ela veio. O poeta, inconformado, denuncia a
cegueira e incoerência do homem que “trabalha sem
alegria para um mundo caduco”.
Elegia12
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram
nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e
desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te
arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-
frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de
bronze 12 In Fazendeiro do Ar-1953
51
ou se recolhem aos volumes de sinistras
bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que
encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te
dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da
Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis
palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do
espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de
amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de
semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua
derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
52
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a
injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de
Manhattan.
A partir da leitura de Romano, busquei outros autores
que se debruçaram sobre a obra drummondiana,
tentando captar novos olhares sobre o poeta.
Com A Magia Lúcida, de Marlene de Castro Correia13,
comecei a me fazer perguntas que precisavam ser
respondidas para que eu pudesse compreendê-lo
melhor. Muitas vezes pensei que tudo já estivesse dito,
muitas vezes achei-me incapaz de tal empreitada,
muitas vezes deixei de lado, por meses, minhas
anotações. Mas quando se ama, sente-se prazer em,
ao acaso, escrever o nome do ser amado, e nessa
época eu já o amava e a sua poesia.
13 Marlene de Castro Correia: especialista em Literatura Brasileira. Seu livro
reúne ensaios sobre a obra poética de Drummond mostrando-o como o poeta da busca da unidade consigo mesmo e com o outro, da ânsia de superar a
fragmentação da consciência moderna.
53
Carlos, Carlito. Posso chamá-lo assim porque ele
habita minha casa, às vezes a preenche, é uma de
minhas habituais companhias, uma voz no meu
ambiente aparentemente solitário.
Marlene de C. Correia pergunta se a poesia tem vez no
mundo atual e diz: “quanto mais lúcidos os poetas,
mais aguda a inquietação sobre seu ofício”, e assinala
que esse é o caso do Drummond que denuncia a
surdez burguesa ao canto do poeta, e mostra que, para
Drummond, o poético se situa no nível da linguagem, e
analisa vários poemas, revelando como “o jogo fônico
funciona como recurso de ênfase semântica”, e através
de novas combinações de palavras e do seu emprego
polissêmico ele os valoriza, denunciando, ao mesmo
tempo, o desgaste de certas formas, renovando-as e
associando-as a novos significados.
"Nosso Tempo" é, para muitos, o melhor poema de
Drummond. Foi escrito durante a Segunda Guerra
Mundial. No Brasil, estávamos em plena ditadura do
Estado Novo, mas o texto conserva sua atualidade
54
porque mergulha na razão dos conflitos, das guerras,
do “esplêndido negócio” que “toma conta de tua alma e
dela extrai uma porcentagem”.
A autora faz também uma reflexão sobre o poema “No
meio do caminho” 14, breve texto que provocou
discussões infindáveis, tornando-se peça chave na
história do Modernismo brasileiro e alvo das zombarias
dos adversários do Movimento, e conclui que:
“Independentemente (ou não) da intenção e
consciência do poeta na época, ele assume o valor de
metáfora de seu percurso (...)”. Mostra também, que
penetrando nos mais diferentes discursos, “adquiriu
vida autônoma, transformando-se em propriedade
coletiva”. Lendo esse poema vejo o sorriso
compreensivelmente triste de Drummond.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
14 publicado na Revista de Antropofagia, em 1928.
55
Jamais me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Jamais me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Li e reli esses versos. Por serem fáceis de serem
memorizados, referia-me a eles com frequência, e tanto
amei essa pedra que recebi da amiga Maria Luíza
Salomão 15o livro: Uma Pedra no Meio do Caminho -
biografia de um poema.
“Essa biografia traz ao público um vasto
registro crítico e jornalístico em torno das
discussões que conferiram a esse poema,
publicado em Alguma Poesia (1930), o
status de marco – o que Ferraz, em sua
apresentação, chama de monumento de
afirmação da poesia moderna, e o lê como
15 Maria Luíza Salomão- psicóloga, psicanalista, escritora, poetisa, membro da
Academia Francana de Letras, autora do Prefácio deste livro.
56
objetivação material de uma monotonia que
“não era, portanto, do poema: era antes
resultante do acontecimento a que o poema
se referia: era a vida”. Marcelo Flores·.
Esta obra vai nos mostrando novas facetas de
Drummond: a do burocrata organizado e metódico que,
pacientemente, organizou e montou todo o material
(textos, comentários, críticas) referente ao “poeminha
da pedra”. É delicioso percorrer o caminho no meio do
qual essa pedra especial se agiganta.
Surpreendente verificar o quanto esse poema foi
criticado, “martelado”, ironizado, enxovalhado,
ridicularizado. Para um dos seus críticos, Drummond
deveria amarrar essa pedra no pescoço e pular em um
rio, para outro, alguém deveria jogá-la em sua cabeça.
O poema, sem dúvida, provocou perplexidade, furor,
apesar disso continua vivo. E bem.
57
Salgueiro16 também se manifesta a respeito do poeta e
conclui:
“A força absolutamente avassaladora da
poesia de Drummond talvez venha do fato de
ser uma poesia absolutamente sedutora,
seduz porque quer compartilhar com o leitor as
pedras de que é feita”
No mesmo artigo, Salgueiro comenta o furor causado
pela publicação do poema acima citado e alinha alguns
qualificativos com os quais ele foi tachado: pilhéria,
bobagem, tolice. Outros, todavia, qualificaram-no de
estupendo, formidável, impressionante. O autor ainda
registra o testemunho de Mário de Andrade:
“O ‘ No meio do caminho’ é formidável. É o
mais forte exemplo que conheço, mais bem
16 Salgueiro, Prof. Wilberth Claython F. Doutor em Ciência da Literatura, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Espírito Santo. Texto publicado na Revista Eletrônica de Estudos Literários. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras, Mestrado em Estudos Literários. WWW.ufes.br/~mlb/rr=eel/artigos.
58
frisado, mais psicológico de cansaço
intelectual. Acho isto formidável. Me irrita e
me ilumina. É símbolo”.
Luzia de Maria17, autora de Drummond, um olhar
amoroso, abriu alguns novos caminhos para minhas
reflexões. 8 Ela também fala sobre “No meio do
caminho” e diz:
“os leitores que ficaram chocados com o
poema não foram capazes de perceber
que o poeta havia representado, na forma
de poema, a emoção que queria sugerir
ao leitor. Ou seja, se ele tem um ritmo
enfadonho, se as repetições o tornam
monótono e se ele passa uma sensação
de desalento, era exatamente isso o que
17 Luzia de Maria. Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada, pela USP e professora da UFF.
59
Drummond queria transmitir, conforme
explicação dele próprio.”
No poema “José”, Drummond revela a precariedade da
condição humana. Cada estrofe é um desfilar de
aturdimentos. O personagem, que pode ser eu, você,
qualquer um, é também uma máscara do poeta, assim
como K, assim como Robinson Crusoé. José é aquele
que resiste, e inteiro ou arrebentado, continua a viver.
É a dimensão trágica da vida humana. Quando temos a
chave, não encontramos a porta, quando queremos
morrer no mar, percebemos que ele secou. O
problema... e a solução jamais encontrada; a
impossibilidade de escolher o próprio destino, de voltar
às origens. É o drama do homem sem teogonia (fé),
sem parede para se encostar (apoio), sem cavalo que
fuja a galope (saída) e fica apenas a inércia diante dos
acontecimentos, o vazio, o nada. Não existem
alternativas. Tudo é aporia. Resta a pergunta: _ E
agora, José?
60
"José" 18
E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, José? você que é sem nome, que zomba dos outros, que faz versos, que ama, protesta? E agora, José? Está sem mulher, está sem discurso,
18 In José-1942
61
está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José, (...) Com a chave na mão
62
quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse, a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José!
63
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?
Luzia de Maria19 fala ainda sobre o que é “ser gauche
na vida”, tema também tratado por vários estudiosos.
Entre as inúmeras estratégias utilizadas por Drummond
para obrigar o leitor a refletir estão, segundo a autora:
19 Luzia de Maria. Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada, pela USP e professora da UFF.
64
“a preocupação com a palavra enquanto
significante, imagem gráfica, visual, a
incorporação, muitas vezes inesperada, da
linguagem e de traços do cotidiano, a farta
utilização de jogos fônicos, rimas internas e
a criação de imagens baseadas na falta de
lógica e na livre associação de ideias e a
combinação surpreendente de palavras.”
Continuei minhas leituras: novos autores, pesquisa na
Internet, porém, sempre fiquei mais atenta ao que as
poesias me falavam, do que às bem fundamentadas
análises dos especialistas, porque, desde o princípio,
coloquei os holofotes sobre a minha condição de
leitora, o que não me impediu de buscar formulações
mais elaboradas. Se nossos olhos não são capazes de
discernir rostos à distância, precisamos usar óculos. As
leituras que fiz, sobre Drummond, foram óculos que
usei para poder compreender melhor aspectos de sua
poesia que me fugiam.
65
Francisco Achcar, 20 em Folha Explica, esta série de
livros breves que, pela linguagem acessível, alta
qualidade e preço deveria estar em toda biblioteca do
país, inclusive (ou principalmente) na das escolas,
percorre a poesia drummondiana fazendo algumas
observações que direcionaram a minha busca para a
relação entre literatura e Psicanálise. Isso se deu a
partir da análise feita por ele do sonetilho abaixo. Aqui
senti o sorriso criança do poeta.
Áporo21
Um inseto cava
Cava sem alarme
Perfurando a terra
Sem achar escape
20 Professor de língua e literatura latina (Unicamp). Coordenador da
disciplina da disciplina de Língua Portuguesa do Colégio Objetivo. É doutor
em Letras Clássicas e professor do Instituto de Estudos de Linguagem da
Unicamp.
21 In A rosa do povo- -1945
66
Que fazes, exausto,
Em país bloqueado,
Enlace de noite
Raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata;
em verde, sozinha, antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
Em sua análise, revela os três sentidos da
palavra áporo.
“o poema relata a estória de um áporo (inseto
cavador) que, num áporo (situação sem
saída, um impasse _ uma aporia), se
transforma num áporo (uma orquídea). O
texto se monta, pois, sobre um jogo de
palavras, motivo de sua inclusão entre os
“exercícios lúdicos”.
67
Décio Pignatari22 fez uma análise desse poema e
chamou a atenção para o sentido etimológico de inseto,
cuja raiz, se/ sec (a mesma de secção, seccionar)
indica o fato do corpo de o inseto se dividir em seções.
Observou também que a sílaba medial de inseto- se-
aparece ao longo do poema transformando-se em ce,
es, ze, ez, ex, sempre “bloqueado” no interior dos
versos, compondo uma trilha semelhante à do inseto
em seu caminho de perfuração e no fim ele desponta
liberto (como uma orquídea na ponta do caule).
Poder-se-ia também, nesse jogo semântico, ver uma
referência ao “ES” 23 freudiano como indicação de um
corpo pulsional? Algo que vai perfurando a alma do
poeta e por fim desponta na forma de um poema? Teria
sido necessário indagar Drummond, assim como
fizeram Saussure e Freud, aos autores das obras que
analisavam, se ocorrências como essas foram
conscientes ou inconscientemente intencionais. 22 In Achcar, Francisco, Carlos Drummond de Andrade, Folha Explica, página 86.
23 ES- pronome impessoal do alemão. Traduzido para o latim como ID e para o português como ISSO.
68
Após essas leituras, pude confirmar que, para
Drummond, o poeta deve ter compromisso com o
enriquecimento da língua. Para ele, fazer poesia é
“lutar com palavras”, e esta, é muito mais do que o
registro dicionarizado. Sua poesia é desconcertante,
inquietante, marcada pela consciência da “vida besta”,
da absurdidade do mundo, e mergulha nos oximoros,
única via que encontra para explicar o mundo, e assim
vai do claro enigma à magia lúcida, do esquecer para
lembrar ao menino antigo.
Drummond percorreu diferentes temas: carnaval,
futebol, guerra, bomba, tempo, medo, amor. Nada
escapou ao seu olhar. Sua luta com as palavras foi, em
parte, esta: extrair poesia do cotidiano.
No poema (ou crônica em versos) O Novo Homem
(1967) aborda o tema do bebê de proveta, e
ironicamente, fala sobre crianças escolhidas em um
catálogo. “crianças fabricadas e muito mais perfeitas do
69
que no antigório.”, e termina como criança birrenta,
dizendo: “Bem feito”.
Esta “crônica em versos” foi publicada em 1967,
quando a Genética ainda engatinhava, mas já mostrava
potencialidades fantásticas, tanto para a cura de
doenças genéticas, quanto para o risco de ser utilizada
de forma irresponsável, desprezando princípios éticos.
Neste poema Drummond ironiza a ideia do ser humano
"fabricado", com bebês à la carte, escolhidos num
catálogo
O Novo Homem24
O homem será feito
em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório.
Rirá como gente,
beberá cerveja 24 In Caminhos de João Brandão (publicado originalmente no JB,
17/12/1967)
70
deliciadamente.
Caçará narceja
e bicho do mato.
(...)
mesmo sem caminho.
O homem será feito
em laboratório
muito mais perfeito
do que no antigório.
Dispensa-se amor,
ternura ou desejo.
Seja como for
(até num bocejo)
salta da retorta
um senhor garoto.
Vai abrindo a porta
com riso maroto:
«Nove meses, eu?”“.”.
Nem nove minutos.»
Quem já concebeu
melhores produtos?
(...)
71
é planificado.
Nele, tudo exato,
medido, bem posto:
o justo formato,
o standard do rosto.
Duzentos modelos,
todos atraentes.
(Escolher, ao vê-los,
nossos descendentes.)
Quer um sábio? Peça.
Ministro? Encomende.
(...)
Pai: macromolécula;
mãe: tubo de ensaio,
e, per omnia secula,
livre, papagaio, sem memória e sexo,
feliz, por que não?
pois rompeu o nexo
da velha Criação,
eis que o homem feito
em laboratório
sem qualquer defeito
72
como no antigório,
acabou com o Homem.
Bem feito.
Drummond foi um poeta do amor. Nos seus primeiros
livros este sentimento recebe um tratamento irônico,
porém, mais tarde, ele procura a sua essência. Para
ele, a ausência do amor é negação da vida, mas não
se trata de amor romântico ou sentimental, e sim amor
como forma de conhecimento. Ele não idealiza esse
sentimento e não acredita nele como “fatalidade
biológica a unir duas pessoas eternamente”, mas no
sentimento amoroso que se expande abrangendo todas
as criaturas.
A poesia, assim com outras formas de expressão
artística, são linguagens universais. Não existe um
porquê no amor. A elaboração conceitual e plástica
feita por Drummond nos possibilita uma orientação em
nossa viagem pelas vias do autoconhecimento.
73
As Sem - Razões do Amor25
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
(...)
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.
Outro poema em que Drummond parece ter sido
inspirado por uma voz profética é a “Lira Itabirana”,
publicada em 1984, no jornal Cometa Itabirano, onde
parece ter previsto o maior desastre ambiental do
Brasil: o rompimento das barragens da mineradora
Samarco, em Minas Gerais, onde a irresponsabilidade
desta empresa pode ter matado o Rio Doce destruindo 25 In Corpo- 1984
74
vidas e esperanças. Este poema trouxe-me à
lembrança as trágicas cenas da lama invadindo as
cidades. Trouxe-me angústia e tristeza.
“Lira Itabirana” 26
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna.
IV 26 publicada em 1984, no jornal Cometa Itabirano
75
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Cada poeta tem sua linguagem, sua visão de mundo,
seu estilo. Gostamos de um poema quando ele dá voz
àquilo que nos agita ou nos embala no íntimo de
nossas almas, mesmo não tendo consciência de que
ele fala por nós aquilo que não sabemos de nós.
Gostamos de um poema quando ele nos revela a nós
próprios, quando ele reflete a nossa imagem oculta, por
isso alguém pode se apaixonar por um poeta que cante
suas ilusões, outro, que já as sente esfaceladas, por
um poeta que as mostre assim.
Drummond era inteligente, tímido, sensível, e sua
poesia reflete tudo isso. Dizem que sua poesia é
cerebral, apesar disso, o lirismo (comedido, por certo)
impregna seus versos. A “mentação” deve ter sido a
forma encontrada por ele para estar no mundo, para
conviver com a sua lucidez.
76
Mesmo em poesias como “O Caso do Vestido” ou “A
Morte do Leiteiro”, ele se recusa a qualquer forma de
apelo emocional. A história que se desenvolve no
poema, apesar da dramaticidade implícita, é contada
sem exaltação, o que, paradoxalmente, torna o texto
mais dramático.
A poesia se manifesta de múltiplas formas. Ela pode
ter ritmo, rimas, musicalidade, exprimir emoção de
forma apaixonada, ou ser dura como a de Drummond,
cuja emoção ele sufoca, lançando, às vezes, no meio
ou no fim de um verso, uma palavra que quebra a
harmonia, talvez para mostrar que na vida também é
assim, talvez para conter a emoção que ameaçava
sufocá-lo, talvez para se proteger da extrema
sensibilidade que o deixava exposto à vida pétrea.
Como um caranguejo, encolher-se dentro de sua
carapaça dura, foi a forma que ele encontrou para se
proteger.
77
Dizer que o poema não prescinde do ritmo e da rima é
desconhecer que ele farfalha nos nossos espaços
interiores e ali encontra seu próprio ritmo, sua própria
emoção. Poesia é algo que nos obriga a transpor as
palavras.
Li diversos livros e centenas de artigos, comentários e
críticas sobre a obra de Drummond, na Internet, em
jornais e revistas. Creio que nenhuma de suas poesias
deixou de ser visitada, comentada e analisada. Sua
obra foi visceralmente dissecada e causou e continuará
causando perplexidade a todos que dela se
aproximem.
O Caso do vestido27 é um drama do cotidiano. Esse
poema apresenta personagens, diálogo, enredo,
estrutura teatral, gerando uma atmosfera de suspense.
Qual a terrível história que a mãe vai relatar?
27 In "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985.
78
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas é o vestido de uma
dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
(...)
A história vai ganhando densidade dramática,
mostrando a dor da mulher traída, sua resignação e a
lembrança constante da humilhação sofrida através da
visão diária do vestido pendurado na parede, e, por fim,
o perdão. Que sorriso amargo o de Drummond, ao
revelar esses labirintos da vida!
Na temática sociopolítica de “A Morte do Leiteiro”,
Drummond coloca, novamente, em ação, a sua fina
ironia. O leiteiro está morto, mas a propriedade, salva.
Sangue e leite - cor da aurora nessa noite sem
sorrisos. Em artigo publicado na Revista Claretiano, o
79
Prof. Juscelino Pernambuco 28analisa esse poema e
nos diz que ele:
“tem como motivo primeiro a pouquidade do
valor da vida humana no contexto social. (...)”.
Precisamos de um novo olhar sobre Drummond.
Tímido ele era, sisudo, jamais. Ele era alegre,
brincalhão, e dizia: “Sou otimista, sem deixar de ser
pessimista com relação à vida.”.
Dei a este trabalho o título Drummond: o sorriso que
me sorri porque o seu sorriso me enternece e comove.
É o sorriso de um homem simples, que viveu de
maneira simples, recusou prêmios literários e não
aceitou jamais o título de poeta maior.
28 Professor e coordenador Curso de Letras-Centro Universitário
Claretiano- Professor do Programa de Mestrado em Linguística-
Universidade de Franca-SP
80
Foi assim, aos poucos, que eu o descobri, e essa
descoberta foi, para mim, um processo de depuração
interior.
81
A BUSCA: VIAGEM PELOS SORRISOS
Este trabalho não tem o rigor, a estrutura nem a
profundidade de um trabalho literário, e não foi feito
para apresentação a bancas acadêmicas. Foi
realizado, sim, por força de um impulso, que me levou
a colocar no papel as emoções vividas durante minhas
andanças através das poesias de Drummond. “Uma
viagem do espírito”, como disse Afonso Romano de
SantÁnna. Sinto que sou atravessada pela obra do
poeta.
A poesia de Drummond é convite à viagem; é diálogo
com a ausência; é alimentada pelo tédio, angústia,
cansaço, mas também pela presença e pela magia. É
luta com as palavras, com seus significados latentes,
potencialidade de direções e sentidos, e quando em
suas mãos, abre-se, mostra suas entranhas.
Apesar da aparente incoerência de algumas de suas
poesias, elas possuem uma lógica que pode ferir a
habitual gerando estranhamento e surpresa, mas
82
sabemos que poesia se enriquece com o uso de muitos
recursos estilísticos e figuras de linguagem.
Drummond foi além, utilizando recursos acrescidos da
polivalência e do desdobramento de significações,
estabelecendo correlações inexistentes no espaço
social.
No processo de criação, o autor debruça-se sobre
seus processos inconscientes reelaborando-os, o que
o leva a questionar categorias como conflito,
identidade, tempo, constituição do sujeito,
fragmentação da consciência. As imagens usadas
pelo poeta são mediadoras da vida psíquica. As
metáforas do torto, do esquerdo, da pedra, acabam
revelando seus núcleos emocionais.
Alguns veem o poeta como um neurótico que
encontrou um canal sublimatório para suas neuroses,
mas o próprio Freud aponta o artista como sujeito que
possui perspicácia especial para o desvelamento de
elementos do inconsciente. Nesse aspecto, Drummond
talvez tenha sido insuperável. Através da mediação da
83
poesia, com a sua sensibilidade e lucidez, teve acesso
ao seu mundo interior.
A sublimação, como processo compensatório, não é
suficiente para explicar a criação artística. Freud, na
sua admiração pela criatividade, reconhece que: “a
psicanálise tem de baixar as suas armas diante do
problema do escritor criativo” e valorizar a obra de arte
como aquela que “abre caminhos”. A poesia liberta a
palavra das armadilhas do subconsciente, sendo uma
captação da realidade interior e isso tem relação com o
estilo do escritor. De acordo com Robert Burton29:
“É uma grande verdade, ‘stylus virum arguit’,
ou seja, ¨nosso estilo nos trai”.
De maneira elementar, podemos citar três instâncias
do aparelho psíquico que funcionam de forma
independente: o id, correspondente à representação
29 Robert Burton in Brazil, pág 51 Brazil, Hórus Vital. Dois ensaios entre
psicanálise e literatura. Imago, RJ. , 1992.
84
psíquica dos impulsos, o Ego, às funções ligadas às
relações do indivíduo com seu ambiente e o superego,
aos preceitos morais internalizados.
É no “ËS”, do alemão, traduzido por ID, do latim, e que
corresponde ao pronome demonstrativo “isso”, em
português, que repousa o segredo do estilo. Por isso o
“ID” se refere à expressão de uma originalidade por
força da revelação de conflitos que marcam a produção
artística ou literária.
A origem da palavra estilo é estilete (do latim stillus-
vareta com que se picavam os caracteres ideográficos
nas tabuinhas recobertas de cera e que serviam para
nelas se escrever) e que nos remete à ideia de ferir ou
ser ferido. Não se refere ao conteúdo, mas à forma,
não se relaciona com o que se diz, mas com a maneira
como a ideia é expressa. É por isso que a obra sabe
mais do que seu autor, e é por isso, também, que não
existe palavra inocente.
85
Drummond nos faz pensar sobre a fragmentação da
consciência moderna e sobre a condição trágica do
homem e do Mundo. A emoção, no poeta, é contida e
por essa razão, espessa. Com o humor alcança o
equilíbrio entre o sentimento e a razão, zomba de si
próprio, confessa-se um “gauche”. É um espectador e
crítico do seu próprio drama existencial. Seus poemas
são espelhos nos quais nós nos reconhecemos e nos
estranhamos, nos quais o mundo se percebe,
aceitando-se ou recusando-se. A poesia é uma
abertura para nossos caminhos interiores.
Em Drummond, seus áporos (núcleos emocionais)
“cavam sem alarme perfurando a terra sem achar
escape”, até desabrocharem como orquídeas tortas ou
esquerdas, pétreas ou docemente amorosas.
Suas inquietudes aparecem na sua obra como o
reconhecimento da asfixiante massificação a que
estamos expostos, da náusea, da sujeira, da
sufocação, do sepultamento, sentimento de culpa,
obstáculo, desencontro, negação do ser, sensação de
86
ser torto, de estar sempre à esquerda, mas, adverte
Cândido, o poeta tempera tais inquietudes com um
"humorismo ácido", que dissolve um pouco a dor da
existência. No poema, “O enterrado vivo”, através da
técnica da repetição, ele passa a sensação de falta de
saída, de emparedamento. Não há como ler este
poema sem sentir angústia. Parece que o ar nos falta,
cada estrofe vai nos rasgando por dentro.
O enterrado vivo30
É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria. 30 In Fazendeiro do Ar-1953
87
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
De acordo com Affonso Romano de Sant’Anna: “longe
de ser apenas um dos seus temas, o tempo é a
coordenada a partir da qual se estrutura a sua obra”. ¨
O tempo é minha matéria.
O tempo presente,
Os homens presentes,
A vida presente.
O poeta transita pelo tempo. Volta-se para o passado
buscando conhecer-se, mas também vai para o futuro e
caminha por ele como um animal que se sabe para a
88
morte, mas caminha sem tristeza porque tem
consciência de que destruição e construção fazem
parte da grande viagem.
“(...) eis que assisto a meu desmonte palmo
a palmo/ e não me aflijo.”
Drummond nos passa o sentimento do absurdo. Para
um sentimento como esse só nos resta a tentativa de
manter a lucidez e perguntar se a vida tem um sentido,
ou seria vivida melhor se nos conformássemos por ela
não o ter. Esta ideia nos angustia, e assim nos
conduzimos à procura da unidade, de significados,
enquanto isso, suportando o mundo.
Os Ombros Suportam o Mundo31
Chega um tempo em que não se diz mais: meu
Deus. Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu
amor. Porque o amor resultou inútil. 31 In Sentimento do Mundo-1940
89
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude
trabalho. E o coração está seco.
(...)
O poeta expressou na sua obra o drama do homem,
vítima da guerra, da ditadura, da sociedade de massa,
do medo, da solidão, e seus poemas coincidiam com
os problemas do mundo, do tempo em que vivia (a
ameaça nuclear, a Segunda Guerra Mundial), mas,
possivelmente ele não sabia que seus versos
continuariam a coincidir com os problemas do mundo
que se seguiria: o aquecimento global, a violência, a
tecnocracia, a fragmentação da consciência, a
“coisificação” do homem.
Essa consternação, esse desalento podemos perceber
bem no poema “Eu Etiqueta”, em que o sujeito poético
se presume “coisa, coisamente”.
(...)
´Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
90
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante, mas objeto
.(...)
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.”
(...)
Existe, na poesia de Drummond, como já foi apontado
por diversos estudiosos, um projeto de reflexão sobre
tudo que o cerca e seus versos densos apontam para
um sentimento de impotência, de decepção com a vida
e consigo mesmo.
Em “A Máquina do Mundo”, identificamos um profundo
desinteresse por tudo que possa lhe acontecer, até
pelo conhecimento que lhe é oferecido. Este poema foi
escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os
tempos por um grupo de escritores e críticos, a pedido
do caderno “MAIS” da “Folha de São Paulo
(02/01/2000)”.
91
A Máquina do Mundo32
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
32 In Claro Enigma-1951
92
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
93
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
94
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
95
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
96
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Neste poema vejo o viajante caminhando sozinho. Na
sua solidão nega a busca existencial que antes o
atormentara. Identifica-se com a estrada pedregosa, a
tarde, o sino rouco, o céu de chumbo, as formas pretas,
a escuridão. Por fim, depara-se com a máquina do
mundo que lhe oferece a visão transcendental, a
resposta a todas as perguntas que sempre se fizera.
A máquina procura seduzi-lo, mas diante do
desinteresse do viajante torna-se categórica, usando,
97
para isso, verbos no imperativo: “olha”, “repara”, “vê”, e
promete-lhe que a revelação será “riqueza”; “total
explicação da vida”; “ciência sublime e formidável”,
apesar disso o viajante baixa os olhos: “incurioso,
lasso/ desdenhando colher a coisa oferta”, porque ele
não consegue se abandonar ao imponderável.
Percebemos que o viajante, introspectivo, já renunciara
a tudo e, cansado, depois de uma procura inútil por um
conhecimento que lhe permitisse descobrir um
significado para a vida, desdenha o oferecimento da
máquina. Desdenha porque considera esse
conhecimento um “dom tardio” que não lhe interessa
mais, desdenha porque se recusa a transferir para um
objeto mágico as respostas às suas inquietações, e
porque considera que o enigma do mundo não pode
ser conhecido a não ser por uma intervenção
sobrenatural, mas seu eu lírico não lhe permite fluir na
transcendência, abrir mão da sua autonomia
intelectual, da sua racionalidade, assim, resolve
abdicar, desistir desse conhecimento, ou pelo menos
adiar a epifania.
98
É um poema demolidor, pois denuncia a divergência
entre o homem e o cosmos. Ele se aproxima da
sublimidade, mas seu “anjo torto” não lhe permite o
passo definitivo, o que faz dele um atormentado. A
máquina tudo lhe apresenta e lhe oferece, mas
desprezando rituais e promessas, lança-se em um
profundo vazio.
Ele me passa, com esse poema, um sentimento de
cansaço infinito, aquele cansaço que nos torna
indiferentes a tudo pelo qual lutamos durante a vida,
pelo que nos chega tarde demais. Olho para o seu
rosto e vejo que o seu sorriso é amargamente irônico.
E triste.
Em suas errâncias, Drummond leva consigo a
angústia. Ele se movimenta entre as balizas do torto,
da ironia, do ceticismo, da solidão, do lado esquerdo do
coração (onde carrega seus mortos), da recusa ao
oferecimento da Máquina do Mundo, e enclausura o
lirismo romântico dentro da racionalidade.
99
Vejo e sinto a grandeza de Drummond, e ao mesmo
tempo lamento as pedras que o feriram durante a sua
trajetória lírica. A leitura de suas poesias leva-nos a vê-
lo como um homem desiludido com o mundo, e
extremamente rigoroso na avaliação do seu trabalho.
O pessimismo impregna seus versos, principalmente
aqueles da fase representada pelas obras Claro
Enigma, Fazendeiro do Ar, Lição de Coisas, revelando
um sujeito poético desencantado. Já não acredita em
solução para os problemas do mundo. Nada tem
sentido. É o niilismo existencial como podemos ver
pelos versos:
Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido.
Resta a alegria de estar só e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
Se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
100
O livro, “O amor natural” 33, trouxe uma coleção de
poemas eróticos que causaram escândalo quando
vieram a público em 1992, cinco anos após a morte do
poeta. A sua lírica erótica é forte, intensa, e ele
proclama a vitória da vida contra a morte, e o desejo
sexual como libertador.
Para o sexo a expirar34
Para o sexo a expirar, eu me volto,
expirante. Raiz de minha vida, em ti
me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do
mundo.
(...)
33 De acordo com Carlos Alberto Lima Coelho (org.) in Fragmentos da
poesia erótica e da vida de Drummond, o poeta escreveu esses poemas,
cerca de 40, publicados no livro O Amor Natural (Editora Record. 139 páginas,
1992), para sua namorada, a bibliotecária Lygia Fernandes.
34 In O Amor Natural- 1992
101
O prazer que sentimos ao ler seus poemas vem do
tratamento linguístico dado aos temas, do inusitado de
suas imagens, do conteúdo extremamente lúcido do
seu discurso, dos seus anseios amoroso que inclui o
sexo, mas vai além dele, por isso seus versos não
agridem, não chocam.
Drummond assistiu às mudanças e transformações que
ocorriam no mundo: a revolução sexual dos anos 70, a
ditadura militar, a fundação de Brasília, a pílula
anticoncepcional, os Beatles, as mudanças
comportamentais dos jovens, o aumento do número de
mulheres no mercado de trabalho, e sendo um poeta
do seu tempo, registrou o que via e sentia em versos
profundos e significativos que revelaram e acentuaram
novas características da sua obra.
Apesar de haver descoberto o agridoce sabor de suas
poesias, apesar da viagem aleatória que fiz em, por,
sobre, entre seus poemas (não com a intenção de
analisá-los, pois para essa tarefa existem pessoas mais
102
capacitadas), ainda estou à espera de um encontro
maior.
Como um beija-flor suguei o néctar e o fel de suas
flores poemas pétreos, sangrentos, doces, minerais,
amorosos, irônicos e foi dando “cambalhotas” no seu
riso, cheguei ao poema “Os Bens e o Sangue”. Nele, o
poeta revela que a família é a origem do seu primeiro
conflito existencial e apresenta o protagonista
movendo-se da negação para a afirmação dos laços
familiares, restabelecendo o sentido de laços de
sangue.
A figura do pai, caracterizada como poderoso, capaz de
exercer “domínio total” sobre a família e a comunidade,
é apresentada de forma ambivalente nos versos:
“Não importa: sou teu filho
com ser uma negativa
maneira de te afirmar.”
103
A identificação do menino com o pai é clara no poema
abaixo, no qual a cena descrita torna-se quase visível.
Bota35
A bota enorme
rendilhada de lama, esterco e carrapicho
regressa do dia penoso no curral,
no pasto, no capoeirão.
A bota agiganta
seu portador cansado mas olímpico.
Privilégio de filho
é ser chamado a fazer força
para descalçá-la, e a força é tanta
que caio de costas com a bota nas mãos
e rio, rio de me ver enlameado.
E rio, rio de me ver enlameado.
A bota enorme, naquele momento, agigantada, revela-
nos a fragilidade do menino diante do pai, o medo
associado à admiração e amor que sentia por aquela 35 In Boitempo-1968
104
figura imponente e olímpica, mas suas risadas, ao cair
de costas e se ver enlameado, têm uma função
libertadora. Num determinado momento o menino quer
negar o pai, fugir de sua influência e do seu poder, mas
não consegue. O poema nos permite observar a
relação entre pai e filho, pelos olhos da criança, e
criança nos tornamos sentindo o forte magnetismo
daquela imagem de pai-herói.
“Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te,
Mas curioso
Já não estás, e te sinto
Não me falas e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
No pó, no sono.”.
Outro poema que nos revela como Drummond revive o
passado está neste poema," O Beijo”. É quase um
depoimento sobre uma época: “o início do século 20
numa cidadezinha mineira chamada Itabira do Mato
105
Dentro” 36. Nestes versos fica patente a severidade do
pai, e a forma como o fato ficou gravado na memória
do poeta. A cena se impõe de tal maneira que eu
quase consegui sentir o tapa em minha boca.
O BEIJO37
Mandamento: beijar a mão do Pai
às 7 da manhã, antes do café
e pedir a bênção
e tornar a pedir
na hora de dormir.
Mandamento: beijar
a mão divino-humana
que empunha a rédea universal
e determina o futuro.
Se não beijar, o dia
não há de ser o dia prometido,
a festa multimaginada,
36 http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond08.htm 37 In Boitempo-1968
106
mas a queda — tibum — no precipício
de jacarés e crimes
que espreita, goela escancarada.
Olha o caso de Nô.
Cresce demais, vira estudante
de altas letras, no Rio de outras normas.
Volta, não beija o Pai
na mão. A mão procura
a boca, dá-lhe um tapa,
maneira dura de beijar
o filho que não beija a mão sequiosa
de carinho, gravado
nas tábuas da lei mineira de família.
Que é isso? Nô sangra na alma,
a boca dói que dói
é lá dentro, na alma. O dia, a noite,
a fuga para onde? Foge Nô
no breu do não-saber, sem rumo, foge
de si mesmo, consigo,
e não tem saída
107
a não ser voltar,
voltar sem chamado,
para junto da mão
que espera seu beijo
na mais pura exigência
de terroramor.
Olha o caso de Nô.
7 da manhã.
Antes do café.
“Os Bens e o Sangue” 38 relatam o declínio da
estrutura patriarcal em que o poeta foi criado e o
nascimento do "fazendeiro do ar". Ao final do poema há
uma reversão da maldição em bênção e finalmente os
laços de sangue tornam-se laços de amor.
O passado ressurge diversas vezes na poesia de
Drummond. Nos primeiros livros, seu olhar bumerang
vai ao passado levando um sorriso de ironia, mas,
quando retorna, traz um sorriso redenção porque ele 38 In Claro Enigma-1951
108
conseguiu reinterpretar suas relações familiares com
um novo olhar, uma nova compreensão.
Marlene de Castro Correia leva-nos a perceber, através
de sua análise, a dramaticidade e tragicidade dos
poemas de Drummond concluindo que: “ele coloca a
subjetividade como dependente de uma realidade
substancial e objetiva”, no caso, a família, referindo-se
à situação de não se poder escolher ser quem se é:
“A identidade do sangue age como cadeia,
Fora melhor rompê-la”.
Procurar meus parentes na Ásia, Onde o pão
seja outro e não haja bens de família a
preservar.”
É triste pensar na identidade do sangue como
cadeia, felizmente o sujeito poético consegue
remover as farpas que lhe ficaram de uma
conflituosa relação familiar, obtendo, finalmente,
uma compreensão mais abrangente da severidade,
109
que não era falta de amor, mas um amor exigente, e
restabelecendo os laços afetivos, liberta-se.
Drummond foi um homem de família. Amava sua
esposa, sua filha, seus netos, seu espaço de “luta com
as palavras” no seu escritório simples e
despretensioso. Foi ali que, em 1984, nasceu o livro
“Amar Se Aprende Amando”, onde encontramos o
comovente poema “Amor Antigo”. Estaria ele pensando
na esposa quando o escreveu? Nesse poema ele
compara o amor a uma árvore de raízes fortes, raízes
de sustentação, porém, diferente desta, o amor não
está preso ao tempo. “tanto mais velho quanto mais
amor”.
“Amor Antigo” 39
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede.
39 In Amar se Aprende Amando-1985
110
Nada espera, mas do destino vão nega a
sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante, o
antigo amor, porém, nunca fenece e a
cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mais pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.”
Mas ele também amou outra mulher: Lygia Fernandes.
E foi fiel a ambas. Foi um romance que durou trinta e
cinco anos. Conheceram-se em 1951, na Biblioteca
Nacional. Ele estava com 50 anos e ela com 25. O
poeta fala desse amor “do seu tempo de madureza”.
111
São poemas repletos de perplexidade desvelando o
antagonismo entre o prazer e a dor, o momento e a
eternidade, a vida e a morte.
“QUARTO EM DESORDEM” 40
Na curva perigosa dos cinquenta derrapei
neste amor. Que dor!
(...)
Corpo, corpo, corpo
verdade tão final, sede tão vária,
e esse cavalo solto pela cama a passear o
peito e quem ama.
(...)
Diversos estudiosos da obra drummondiana, destacam
o aspecto cerebral da sua poesia e consideram que o
humor ácido e a ironia foram utilizados por ele como
uma forma de se defender do lirismo sentimental, ou
talvez, uma reação contra sua timidez, ou, quem sabe,
uma arma contra o desencanto. 40 In Fazendeiro do Ar-1953
112
Da leitura de Drummond ficou em mim o sentimento do
“torto”. Uso, para expressar o que o poeta me
transmitiu, as palavras abalizadas de um estudioso de
sua obra, o já citado Prof. Wilberth Claython Salgueiro:
“(“...) Na obra de Drummond, essa torção é
um tema, menos no sentido tradicional de
assunto, do que no sentido específico da
moderna psicologia literária: um núcleo
emocional a cuja volta se organiza a
experiência poética” (p. 114-115).” (grifo
nosso).
A maioria das emoções está relacionada com os quatro
núcleos emocionais primitivos: medo, raiva, prazer e
desprazer. Esses núcleos são encontrados em todo ser
humano desde o nascimento, mas com o passar do
tempo desdobram-se e ramificam-se enriquecendo ou
enrijecendo a vida emocional. Dizem que as emoções
podem ser como o sal que tempera os fatos da vida, ou
podem se transformar em tsunamis que os destroem.
113
O que pensar do poema “Isso e Aquilo”?41 Seria
apenas um jogo sonoro, uma brincadeira, uma
manipulação melódica sem sentido?
O fácil o fóssil
o míssil o físsil
a arte o infarte
o ocre o canopo
a urna o farniente
a foice o fascículo
a lex o judex
o maiô o avô
a ave o mocotó
o só o sambaqui
Sinto, em “Isso e Aquilo” o sufocamento do sujeito
poético, para o qual até a solidão se torna rija, pétrea
concreta.42
41 Do livro- Lição de coisas/1962 42 coerente com as experimentações estilísticas da época (Concretismo), Drummond, Lição de coisas/1962
114
Os substantivos criam uma parede sólida, que o cerca
Coisa, coisa, coisa. Sem expressões temporais, sem
sinais de pontuação, cria vínculos inexistentes entre as
palavras, causando estranhamento e perplexidade. É
puro nominalismo. É o antilirismo.
Ao ler esse poema, lembrei-me de um texto de
Chuang Tsé, filósofo taoísta chinês do século IV
AC43.
O “isto” é também “aquilo”. O “aquilo” é
também “isto”. (…) Que o “aquilo” e o “isto”
deixem de ser opostos, eis aí a essência
mesma do Tao. Somente essa essência,
como se fosse um eixo, constitui o centro do
círculo que responde às mudanças
incessantes.·.
43 Sua filosofia influenciou o desenvolvimento do Zen Budismo, que é o
nome japonês da tradição C'han, surgida na China e associada ao budismo do ramo Mahayana.
115
Os taoístas usavam paradoxos com a finalidade de
mostrar as inconsistências que derivam da
comunicação verbal. Esses paradoxos são chamados
Koans. São enigmas absurdos preparados para levar
o estudante a perceber as limitações da lógica e do
raciocínio, preparando-o, através desse processo,
para a experiência não verbal da realidade. Em
Drummond, o “Isso e Aquilo”, prepara-nos, ao
contrário, para a experiência verbal, jogando-nos na
cara a coisificação da vida humana.
Seu último livro, Farewell, foi lançado pela Editora
Record em 1996, onze anos após sua morte, no Centro
Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro e recebeu,
neste mesmo ano, o Prêmio Jabuti. Neste livro, seu
adeus discreto, Drummond nos remete à significação
da sua caminhada revisitando as paisagens do amor,
do corpo, terra, tempo, porém, agora, em íntimo diálogo
com o sofrimento. Silviano Santiago, no Posfácio desse
livro escreve:
116
“A unidade que o poema de Farewell busca
extrapola os limites de uma vida humana, da
história de um clã; ela engloba tudo o que vive
e existe sobre a face do planeta.”
UNIDADE44
As plantas sofrem como nós sofremos.
Por que não sofreriam
Se esta é a chave da unidade do mundo?
A flor sofre, tocada
Por mão inconsciente.
Há uma queixa abafada
Em sua docilidade.
A pedra é sofrimento
Paralítico, eterno.
Não temos nós, animais 44 In Farewell- Editora Record- 1996
117
Sequer o privilégio de sofrer.
O poeta, ao dizer: o sofrimento “é a chave da unidade
do mundo”, mostra-nos, todos e tudo, submetidos à
mesma realidade. Por que as plantas e as pedras
sofrem e nós, animais, não temos esse privilégio?
Sofremos sim (1º verso), mas descobrimos que para
viver o cotidiano sem horror precisamos da proteção
da superficialidade. Sofremos em pedaços.
Sofrer, não é privilégio do homem. As plantas, as
pedras também sofrem porque esta é a chave da
unidade do mundo. A queixa da flor é queixa do próprio
poeta quando tocado “por mão inconsciente”. Por
coerência com os demais poemas do livro podemos
sentir que essa “mão inconsciente” é a da morte que
ele sente que se aproxima.
Nos poemas desse livro, na maioria, sombrios, a morte
se esconde e se proclama em forma de ¨ “flores
118
calcinadas e de horror”. Com a inquietante expressão:
“a vida é pétrea”, o poeta sintetiza sua visão de mundo.
O mercado, extraindo porcentagens de nossas almas,
nos transformou em “coisas coisamente”; Somos
etiquetas ambulantes, temos o coração seco, a alma
fragmentada, por isso não sofremos, sofrendo. O
leiteiro está morto, mas a propriedade, salva; João
ama Tereza, mas ela ama Raimundo; José está com a
chave na mão, quer abrir a porta, mas não existe porta!
“Eta vida besta, meu Deus!”.
Apesar de ter me debruçado, a princípio, apenas sobre
os seus poemas e sobre o que me transmitiam, não
posso deixar de falar sobre o homem Drummond. Quis
conhecê-lo através de qualquer fragmento de sua vida
que me chegasse às mãos, comentar o que pensei e
senti ao ler seus poemas, conhecer-me através de sua
obra, desvendar seu sorriso. Foi assim, aos poucos,
que fui encontrando e compondo uma imagem desse
homem de óculos, magricela, carrancudo, que, todavia,
adorava brincar. Na minha imaginação, é para mim, e
119
não para seus netos que ele puxa a dentadura para
fora, arregala os olhos, abre os braços e diz: “-- Sou um
vampiiiiiiiiro!”
Busquei-o através de depoimentos, relatos de pessoas
que tiveram a felicidade de conhecê-lo e fui compondo
esse trabalho ao sabor do acaso.
Um trabalho de amor.
120
O ENCONTRO: O SORRISO QUE ME
REDIME
Carlos Drummond de Andrade, filho de Carlos de Paula
Andrade, fazendeiro, e de D. Julieta Augusta
Drummond de Andrade, nasceu em Itabira do Mato
Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902.
Estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas
no Colégio Anchieta de Nova Friburgo - RJ. Deste, foi
expulso por, segundo a justificativa da instituição,
"insubordinação mental".
Fiquei surpresa com esse termo e procurei maiores
referências a este fato. O jovem Drummond foi expulso
da escola por discordar do seu professor de Português.
Este, ao lhe entregar a redação na qual recebera uma
nota alta, comentou que ele talvez não a merecesse.
Drummond retrucou, insistindo em uma nota de acordo
com o seu merecimento. O caso foi levado ao diretor
121
da escola que resolveu o problema classificando o
aluno como “mentalmente” insubordinado e
assinando a sua expulsão. Saulo de Albuquerque45
comenta este caso e diz que, por certo, o mérito estaria
“na completa subserviência moral e intelectual¨” do
aluno, que não deveria contestar o professor. E
pergunta:
“Por que aceitaria ele deixar-se premiar por
uma nota alta a que não fizesse jus?”.
Drummond formou-se em farmácia na cidade de Ouro
Preto, em 1925, mas jamais exerceu a profissão. Neste
mesmo ano casou-se com Dolores Dutra de Morais.
Em 1934, aceitando o convite de Gustavo Capanema,
Ministro de Educação e Saúde no Governo Vargas,
para exercer o cargo de Chefe de Gabinete, transferiu-
se para o Rio de Janeiro.
45 http://muitaprosa.blogspot.com/2010/05/caso-de-injustica-saulo- de-albuquerque.html
122
Posteriormente passou a trabalhar no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se
aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como
cronista no Correio da Manhã, e a partir do início de
1969, no Jornal do Brasil.
Em agosto de 1987 morreu-lhe a única filha, Julieta.
Doze dias depois, com 84 anos, o poeta faleceu.
No Prefácio do livro “Farewell”, Humberto Werneck46
parece abrir uma cortina deixando-nos entrever como
era o dia a dia de Drummond. Fala-nos de seu
escritório: um espaço comum, sem nada de especial.
“a não ser o fato de que ali era o escritório
de Carlos Drummond de Andrade ou, o
ninho”.
46 jornalista e escritor. É cronista do jornal O Estado de S. Paulo e autor
de O pai dos burros e O santo sujo: a vida de Jayme Ovalle, entre outros livros.
123
Podemos, com os olhos da imaginação, vê-lo no
apartamento 701 do Edifício Luiz Felipe, na Rua
Conselheiro Lafayette, em Ipanema, e ouvi-lo
dedilhando as teclas da velha Olivetti Studio cinza e
depois da Remington bege na composição de seus
poemas. Em pastas de cartolina, organizava
metodicamente seus originais antes de enviá-los à
editora.
Conta Werneck, que a certa altura da manhã ele fazia
uma pausa em sua atividade criadora para uma xícara
de café acompanhada de uma fatia de queijo-de-minas
que Dolores lhe levava. Era um avô brincalhão e era
chamado de Carlos pelos netos.
Foi nesse ambiente simples e aconchegante que ele
elaborou a sua impressionante obra, refletindo sobre a
vida, caminhando pelo tempo, depurando-se
internamente.
124
De acordo com o jornalista Geneton Moraes Neto47,
que teve a felicidade de fazer uma entrevista com o
poeta (sem saber que seria a última), Drummond era
“um homem teimosamente prosaico, despido de
todo e qualquer traço de vaidade e orgulho
diante de uma obra que começou a brotar em
Itabira para o mundo em 1918, ano da
publicação de um poema chamado Prosa, num
jornalzinho que só saiu uma vez.”
Geneton afirma também que:
“Drummond considerava-se apenas o pacífico
mineiro de Itabira portador da carteira de
identidade no 803.412”. E só. Tinha uma
íntima esperança: queria ver a filha única, a
47 Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto. Inclui entrevistas com
amigos de Drummond, uma entrevista com Lygia Fernandes,
namorada do itabirano durante quase trinta anos, e a última entrevista
do poeta.
125
escritora Maria Julieta, recuperada da
doença. (...) Os azares de agosto desabaram
sobre os ombros frágeis do poeta. (...) O
câncer ósseo levou Maria Julieta. E tirou do
poeta a vontade de viver. (...) A imagem do
Drummond cambaleante nas alamedas do
cemitério no enterro da filha única era um
48mau presságio.”
Nesta entrevista, que transcrevemos em parte, ele vai
falando sobre vários temas já abordados em suas
poesias.
Com relação a:
Sua VIDA- “Minha vida”? Acho que foi pouco
interessante. O que é que eu fui? Fui um burocrata, um
jornalista burocratizado. Não tive nenhum lance
importante na minha vida. Nunca exerci um cargo que
me permitisse tomar uma grande decisão política ou
social ou econômica. Nunca nenhum destino ficou
126
dependendo da minha vida ou do meu comportamento
ou da minha atitude. (...)Eu me considero - e sou
realmente - um homem comum. Não dirijo nenhuma
empresa pública ou privada. A sorte dos trabalhadores
não depende de mim”.
Seu PAÍS- “Eu lamento que haja pouco consumo de
livro no Brasil. Mas aí é um problema muito mais
grave. É o problema da deseducação, o problema da
pobreza - e, portanto, o da falta de nutrição e da falta
de saúde. Antes de um escritor se lamentar porque
não é lido como são lidos os escritores americanos
ou europeus, ele deve se lamentar de pertencer a
um país em que há tanta miséria e tanta injustiça
social”.
A SOLIDÃO- (...) a solidão em si é muito relativa.
Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou
artísticos, uma pessoa que gosta de música, uma
pessoa que gosta de ler nunca está sozinha. “Ela
terá sempre uma companhia: a companhia imensa
de todos os artistas, todos os escritores que ela
ama, ao longo dos séculos”.
127
A POESIA- “Não lamento, na minha carreira
intelectual, nada que tenha deixado de fazer”. Não
fiz muita coisa. Não fiz nada organizado. Não tive um
projeto de vida literária. As coisas foram
acontecendo ao sabor da inspiração e do acaso.
Não houve nenhuma programação. Não tendo tido
nenhuma ambição literária, fui mais poeta pelo
desejo e pela necessidade de exprimir sensações e
emoções que me perturbavam o espírito e me
causavam angústia. Fiz da minha poesia um sofá de
analista. É esta a minha definição do meu fazer
poético. Não tive a pretensão de ganhar prêmios ou
de brilhar pela poesia ou de me comparar com meus
colegas poetas. Pelo contrário. Sempre admirei
muito os poetas que se afinavam comigo. Mas
jamais tive a tentação de me incluir entre eles como
um dos tais famosos. Não tive nada a me lamentar.
Também não tenho nada do que me gabar. De
maneira nenhuma. Minha poesia é cheia de
imperfeições. Se eu fosse crítico, apontaria muitos
defeitos. Não vou apontar. Deixo para os outros.
128
Minha obra é pública. Mas eu acho que chega. Não
quero inundar o mundo com minha poesia. “Seria
uma pretensão exagerada”.
Essa entrevista é um presente de Geneton a todos que
amam Drummond. Um Drummond de sorriso franco e
generoso que na sua simplicidade diz: “_ eu me
considero, e sou realmente, um homem comum.”.
Não resisto à tentação de incluir, neste trabalho, pelo
menos algumas das muitas e muitas opiniões de
grandes expoentes de nossas letras a respeito do
poeta49.
Adélia Prado - "A influência que Drummond teve em
minha poesia foi toda. Foi lendo Drummond que
descobri meu caminho pessoal de expressão”.··.
49 www.. tirodeletra.com. br/relaçoes/carlosdrummonddeandrade
129
Ferreira Gullar -"Com Drummond, estive duas ou
três vezes... Ele é um dos maiores poetas da língua
portuguesa”.
João Cabral de Melo Neto -"O grande poeta
brasileiro, não de agora, mas de qualquer época, é
Carlos Drummond de Andrade. Foi ele quem me
convenceu, com Alguma poesia, de que eu também
poderia ser poeta". 50
João Gilberto Noll -“A obra do Drummond nos
conecta a percepções do mundo mais ricas. O
Drummond é um escritor mineral, que tem uma
virilidade de linguagem que me impressiona muito” ·.
Manuel Bandeira - “O Drummond é o maior poeta
que o Brasil já deu e reconheço sua superioridade
sobre mim. De nós dois, o poeta moderno, o que
50 Secchin, Antônio Carlos. João Cabral: a poesia de menos. SP.
Topbooks?UMC. 1999
130
captou a complexidade do momento presente e a
transmite como ninguém é o Carlos". 51
Drummond, em seus poemas, chegou a falar sobre sua
morte: "caio verticalmente e me transformo em notícia".
Ele caiu, sim, fulminado pelo amor que sentia pela filha.
Eles se amavam. Em 1979, quando ainda vivia em
Buenos Aires, na Argentina, com os três filhos, Maria
Julieta descobriu o câncer. Para tranquilizar o pai, ela
lhe telefonava duas vezes por dia e mandava cartas
semanalmente, sempre dizendo que estava bem, e o
pai fingia acreditar.
No dia 17 de agosto de 1987, doze dias após o
falecimento de sua filha, o silêncio do poeta caiu sobre
o mundo e esse silêncio pesou e pesa, ainda, sobre o
coração de todos que o conheceram, quer
pessoalmente, quer através de sua obra.
Procurei Drummond através do olhar de diversos
estudiosos e através de suas próprias palavras e sinto 51 Bloch Pedro. Pedro Bloch entrevista. RJ. Bloch Editores, 1989
131
que ainda não o toquei. Ele não é um, são vários e
amoroso, brincalhão, irônico, às vezes frio e seco,
joga-nos na cara um mundo absurdo no qual a sua voz
ressoa e ressoará em tons menores enquanto houver
bombas e Josés, enquanto houver vida besta e pedras
nos caminhos.
Drummond é desconcertante (um eu todo retorcido);
transita pelo tempo, Interroga a família sem
sentimentalismo, e sua relação com a terra natal é dura
(“Itabira é apenas uma foto na parede/ mas como dói!).
Nele, o amor foi uma forma dolorosa de conhecimento
de si próprio e dos outros, e sua vida, uma questão de
inadaptação.
O poeta fez “malabarismos” com as palavras, lutou com
elas, realizou exercícios lúdicos, fez poemas-piada,
zombou de si próprio, jogou, brincou, escondendo sob
a aparente inocência de um verso complexas reflexões
sobre a vida, a morte, o tempo, o medo, o momento
presente. Rastreou as bases sociais da existência
132
humana, apoderou-se da apólice do seu tempo e nos
mostrou que somos Josés, situados, datados,
substantivos concretos concretados na gramática da
existência.
Cada poema de Drummond nos remete a um encontro
com nossas verdades e mentiras, com nossas
angústias, medos, inquietações, mas não nos agride,
ao contrário, através do humor, da ironia, do sorriso às
vezes torto, ele nos revela ao mundo e este, a nós.
Depois desse mergulho na obra de Drummond, depois
de ler o que vários estudiosos disseram a seu respeito,
depois de viver, sofrer, navegar, escorregar para dentro
de cada poema, posso dizer que me sinto, agora, mais
próxima desse grande desbravador da alma humana
cuja história é mais bonita do que a de Robinson
Crusoé.
Eu o encontrei (e isso me deixou comovida como o
diabo) no homem que passa na rua, em Chaplin, em
José, no amor, num quarto em desordem, em Greta
133
Garbo, nas pedras calcinadas, em Itabira, na rosa do
povo, mas, sobretudo, em seu sorriso terno, irônico,
triste, “gauche”, esquerdo.
Com Drummond, passei minha vida a limpo porque eu
o encontrei nas pedras de que sou feita.
Vivi uma aventura. Acompanhei-o em suas viagens
interiores, descobri, através dele “a grande dor das
cousas que passaram”, vi o passado como um casarão
vazio repleto das "vozes queridas que silenciaram”, e
percebi os paradoxos: liberdade/prisão como a súmula
da condição humana.
O pássaro é livre
Na prisão do ar
O espírito é livre
Na prisão do corpo
Mas livre, bem livre,
É mesmo estar morto.
134
Descobri que “pouco importa venha a velhice, que é a
velhice? / Teus ombros suportam o mundo/ e ele não
pesa mais do que a mão de uma criança”, e lutei com
as palavras para escrever um texto que mostrasse a
admiração que eu sinto pelo grande poeta, esse, que
Vive dando cabeçada. Navegou mares errados, perdeu
tudo que não tinha, amou a mulher difícil,
ama torto cada vez
e ama sempre, desfalcado,
com o punhal atravessado
na garganta ensandecida.
Este, o triste cavaleiro
de tristíssima figura.i
Esse, que teve sobre o berço um anjo torto que o
condenou a ser um desajeitado pela vida afora.
Esse, que disse:
Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.
135
Nesse momento de superação, de transcendência,
Drummond se agiganta, mas na sua simplicidade, ele
diz:
“Sou apenas um homem
um homem pequenino à beira de um rio
Vejo as águas que passam e não as compreendo...
“Sou apenas o sorriso na face de um homem
calado.”
E foi nesse sorriso que eu o encontrei
136
BIBLIOGRAFIA DE DRUMMOND
A bibliografia abaixo apresentada é referente às
edições brasileiras da obra de Drummond. Está
disposta conforme publicada no livro O amor natural
(Editora Record, 1992)
POESIA
1930 - Alguma poesia
1934 - Brejo das almas
1940 - Sentimento do mundo
1942 - José
1945 - A rosa do povo
1948 - Novos poemas
1951 - A mesa
1951 - Claro enigma
1952 - Viola de bolso
1954 - Fazendeiro do ar
1955 - Soneto da buquinagem
1957 - Ciclo
1959 - A vida passada a limpo
137
1962 - Lição de coisas
1964 - Viola de bolso II
1967 - Versiprosa
1967 - José & outros
1968 - Boitempo & A falta que ama
1968 - Nudez
1969 - Reunião
1973 - As impurezas do branco
1973 - Menino antigo (Boitempo II)
1977 - A visita
1978 - O marginal Clorindo Gato
1979 - Esquecer para lembrar (Boitempo III)
1980 - A paixão medida
1983 - Nova reunião
1984 - Corpo
1985 - Amar se aprende amando
1986 - Tempo vida poesia
1988 - Poesia errante
1996 - Farewell
Antologias poéticas
138
1956 - 50 poemas escolhidos pelo autor
1962 - Antologia poética
1971 - Seleta em prosa e verso
1975 - Amor, amores
1982 - Carmina Drummondiana
1987 - Boitempo I e Boitempo II
Infantis
1983 - O elefante
1985 - História de dois amores
Edições de poesia reunida
1942 - Poesias
1948 - Poesia até agora
1954 - Fazendeiro do ar & Poesia até agora
1959 - Poemas
1969 - Reunião
1983 - Nova reunião
1997 - Coleção Verso na Prosa Prosa no Verso
1997 - Coleção Mineiramente Drummond - A palavra
mágica
PROSA
1944 - Confissões de Minas
1945 - O gerente
139
1951 - Contos de aprendiz
1952 - Passeios na ilha
1957 - Fala, amendoeiro
1962 - A bolsa & a vida
1966 - Cadeira de balanço
1970 - Caminhos de João Brandão
1972 - O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e
verso
1974 - De notícias & não-notícias faz-se a
crônica 1977 - Os dias lindos
1978 - 70 historinhas
1981 - Contos plausíveis
1984 - Boca de luar
1985 - O observador no escritório
1987 - Moça deitada na grama
1988 - O avesso das coisas
1989 - Auto-retrato e outras crônicas
CONJUNTO DE OBRA
1964 - Obra completa
ANTOLOGIAS DIVERSAS
1965 - Rio de Janeiro em prosa & verso (em
colaboração com Manuel Bandeira)
140
1966 - Andorinha, andorinha, de Manuel Bandeira
1967 - Uma pedra no meio do caminho (Biografia de
um poema. Com estudo de Arnaldo Saraiva)
1967 - Minas Gerais
ANTOLOGIAS DIVERSAS
1962 - Quadrante
1963 - Quadrante II
1965 - Vozes da cidade
1971 - Elenco de cronistas modernos
1972 - Don Quixote
1977 - Para gostar de ler
1979 - O melhor da poesia brasileira I
1981 - O pipoqueiro da esquina
1982 - A lição do amigo
1984 - Quatro vozes
1984 - Mata Atlântica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
141
___________________________ O amor natural.
Ilustrações de Milton Dacosta. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1993.
___________________________ Uma pedra no meio
do caminho- biografia de um poema. Edição ampliada,
organizada por Eucanaã Ferraz, Instituto Moreira
Salles
_____________________________Antologia Poética
(organizada pelo autor) 65º edição, Editora Record, RJ,
2010.
ACHAR, FRANCISCO, Carlos Drummond de Andrade,
Folha Explica, Publifolha, SP. 2000.
CORREIA, MARLENE DE CASTRO, Drummond, A
Magia Lúcida, Zahar, RJ, 2002
SANTANA, AFFONSO ROMANO DE, Drummond, o
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BAKHTIN, MIKHAIL, Estética da Criação Verbal,
Martins Fontes, SP, 1997.
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Fontes, SP, 1991.
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O Gato Preto in Bartucci, Giovanna (org.), Imago, RJ,
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Estudos Literários- RJ. Universidade Federal do Rio de
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eróticos de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo:
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In: ANDRADE, Carlos
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Carlos Drummond
de Andrade: análise da obra. 3. ed. Rio de Janeiro:
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_____. O erotismo nos deixa gauche? In: ANDRADE,
Carlos Drummond de. O amor natural. Ilustrações de
Milton Dacosta. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1993. p.
77-84.
CARDOSO, Zélia Ladeira Veras de Almeida.
“Prefácio”. In: OVÍDIO. Arte de Amar. Tradução de
Natália Correia e David Mourão-Ferreira, com
ilustrações de Luís Alves da Costa e apêndice com a
tradução erudita de Antônio Feliciano Castilho. São
Paulo: Ars Poética, 1992, p. 7
144
SANT’ANNA, Affonso Romano de. “O erotismo nos
deixa gauche?”. In ANDRADE, Carlos Drummond de.
O amor natural. Ilustrações de Milton Dacosta. 3. ed.
Rio de Janeiro: Record, 1993, p. 77-84.
145