7/17/2019 Zanoni Serbena Imaginacao Alma e Psicopatologia Na Psiologia Arquetipica Livro Nedhu
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Maria Virginia Filomena Cremasco
Organizadora
o
SOFRIMENTO HUM NO
EM PERSPECTIV
enfoques psicológicos
EDITORACRV
Curitiba - Brasil
2011
7/17/2019 Zanoni Serbena Imaginacao Alma e Psicopatologia Na Psiologia Arquetipica Livro Nedhu
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Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação: Marcos Roberto P.de Aguiar
Capa: Alessandra Pilar
Revisão: Os Autores
SU ÁR O
Jogos e espaço lúdico em crianças com conduta
antissocial e dificuldade expressiva de aprendizagem
- Uma possível proposta pedagógica inovadora 9
Maria Vitória Campos Mamede Maia
Controle e assujeitamento nosdiscursos organizacionais..... 39
Aristeu Mazuroski Jr
e
lara Picchioni Thielen
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS,
RJ
Casos difíceis e a relação analítica: o incômodo do limite. 69
Mariana Benatto Pereira da Silva Schreiber
S664
1. Distúrbios da aprendizagem. 2. Psicologia da aprendizagcm. 3. Psicologia
educacional. l. Crcmasco, Maria Virginia Filomena. lI. Título.
O sofrimento humano em perspectiva: enfoques psicológicos
I
Maria Virginia
Fi10mena Cremasco (org) . - I .cd. - Cur itiba, PR : CRV,2011.
192 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8042-J23-1
Corpo e subjetivação: reflexões sobre uma possível
contribuição da fenomenologia à psicologia 143
Joanneliese de Lucas Freitas
Imaginação, alma e a psicopatologia na perspectiva
da psicologia arquetípica 123
Anna Paula Zanoni
e
CarlosAugusto Serbena
A experiência com Ayahuasca sob a perspectiva
da psicopatologia fundamental .
Camila Silva Ribeiro Jonas Felipe Tagliari Eler
e
Lucas Cordeiro
COD: 370.1523
COU: 37.015.3
11-2719.
13.05.11 16.05.11
026392
Um corpo trans f tornado?
O traumático em transtornos alimentares femininos 159
Maria Virginia Filomena Cremasco
Trauma, trágico e trajetórias:
uma perspectiva existencial 181
Adriano Holanda
20li
Proib ida a reprodução parcial ou total desta obra sem a autor ização da Editora CRY.
Todos os direitos desta edição reservados pela:
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Te : (41) 3039-6418
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Sobre os autores 191
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IM GIN ÇÃO LM
PSICOP TOLOGI
N PERSPECTIV D
PSICOLOGI RQUETÍPIC
nna Paula Zanoni
arlos ugusto Serbena
Este trabalho pretende apresentar a visão das psicopatologias
sob o olhar da Psicologia Arquet ípica de James Hillman. Para tanto
foram apresentadas ideias-chave do autor tais como alma arquéti
pos e imagens arquetípicas. Fundamentalmente Hillman defende
que patologizar é um movimento da psique válido necessário e
autêntico que permite um encontro com a alma e com os sentidos e
que deve ser compreendido metaforicamente pois é desta forma que
a psique ganha expressão.
A Psicopatologia recebeu diversos olhares e explicações ao
longo da história da humanidade até chegar ao modelo médico e
nominalista de classificação dos transtornos mentais predominante
atualmente nos discursos dos profissionais da área da saúde. Este
modelo é representado principalmente pelos manuais psiquiátricos
que se centram na nominação e na classificação das psicopatologias
através de termos técnicos representado pelos manuais psiquiátricos
e presente nos discursos da maior parte dos profissionais da área
da saúde inclusive psicólogos. Entretanto se amplia-se a capaci
dade de intervenção do profissional na doença mental perde-se
o sentido subjetivo da patologia e do sofrimento psíquico para o
sujeito que padece da doença pois parte-se do princípio que o
sofrimento deve ser diminuído ou eliminado e que a patologia é ex
terna
à
subjetividade tal como na doença orgânica na qual o agente
patogênico deve ser eliminado.
Observa-se que o termo psicopatologia é em geral utilizado
para sereferir ao estudo das doenças mentais abrangendo desde a pers
pectiva descritiva e sintomática até a teoria da origem e da manutenção
I
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A
sicologia rquetípica
O psiquiatra suíço C. G. Jung desenvolveu nas primeiras dé
cadas de 1900 a chamada Psicologia Analítica , a qual ele preferiu
chamar mais tarde de Psicologia Profunda . No início de sua vida
acadêmica, Jung interessou-se pela psicanálise, ligando-se a Sig
mund Freud que inclusive chegou a considerar-se um pai de Jung,
com esperanças de que este fosse seu herdeiro intelectual. Entretan
to, em 1913, Jung publicou o livro Metamorfoses e Símbolos da
do CeccareIli (2005), isso resultou na impossibilidade de estabelecer
diálogos unificantes e intercientíficos entre as diferentes abordagens
teóricas. Para tanto, foram criados osmanuais - de caráter médico
DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais
da Associação Psiquiátrica Americana) e o CIO (Classificação In
ternacional de Doenças), com classificações precisas e delimitadas e
que reinam nos discursos médicos atuais. Uma das grandes críticas
feitas a esses manuais nominalistas, principalmente pelas aborda
gens psicológicas, é o fato de não levar em conta a subjetividade
tanto daquele que esta sendo classificado quanto daquele que clas
sifica: o olhar de quem olha não é imune à sua própria organização
subjetiva (CECCARELLl, 2005). Eles são uma forma de reduzir
as particularidades para salientar as semclhanças a fim de poder en
quadrar o indivíduo em um determinado modelo psicopatológico.
Surgem ainda, paralelamente à difusão desses manuais, as
crescentes publicações de pesquisas das neurociências que reforçam
uma origem biológica dos transtornos psíquicos. Vemos, atualmente
e desde os períodos anteriores, a preocupação com o saber cicntí
fico e a necessidade de materializar, objetivar, reduzir e enquadrar
os transtornos psíquicos. Se por um lado há a possibil idade de um
alcance maior (quantitativo) do sofrimento psíquico, há por outro,
um esvaziamento do mesmo (qualitativo), visto que as particula
ridades dos indivíduos e o sentido do adoecer são deixados em
segundo plano. James Hillman (1975, 1984a, 1984b, 1993b), funda
dor da Psicologia Arquetípica, repensa essa forma de olhar a chama
da psicopatologia . Ele propõe um novo olhar sobre ela: um olhar
metafórico e imaginativo, pois considera que a linguagem da psique
é metafórica e imagética.
125
o
SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
24
dos funcionamentos psíquicos chamados mórbidos (pEREIRA, 2002).
Entretanto, ele encerra uma série de diferentes definições, cada qual li
gada a um contexto, seja médico, psicológico, ou ainda, ligado a várias
abordagens dentro da própria psicologia.
Atualmente, a psicopatologia está ligada principalmente à psi
quiatria e à psicologia. Entrctanto, o desenvolvimento de diferen
tes correntes e conceituações acerca do psicopatológico , trazem
a possibilidade, segundo Beauchesne (2002), de uma ruptura entre
as diferentes tendências, até mesmo do completo desaparecimento
de todas referências psicopatológicas . Passa-se, então, a repensar o
fenômeno psicopatológico e também os modelos que caracterizam
cada uma dessas diferentes tendências, principalmente o modelo
médico e nominalista que tentou unificá-Ias , nonnalizando e
classificando o indivíduo que adoece. Começam a surgir questio
namentos sobre esse modelo, preconizando a ótica das particulari
dadcs de cada ser e do processo psicopatológico como uma possi
bilidade de restabelecer a saúde psíquica e não como dcgenerador.
Segundo Ceccarelli (2005), a palavra psicopatologia é com
posta de três outras palavras gregas: p,\ychê
1mthos e logos
.
P,\ychê
resultou cm psique , psíquico , psiquismo e alma .
Palhos em paixão , excesso , passagem , passividade , so
frimento , assujeitamento , patológico . E logos cm lógica ,
discurso , narrativa , conhecimento . Psico-pato-Iogia, scria,
cntão, um discurso, um saber (fogos), sobre a paixão (palhos) da
mcntc, da alma (psyquê). Ou seja, um discurso represcntativo a res
peito do [Jalhos psíquico; um discurso sobre o sofrimento psíquico,
sobre o padecer psíquico. llillman (1975), entretanto, acrescenta
mais um significado à palavra grega palhos: é algo que sucede, que
sc experimenta, uma comoção e a capacidade de eomover-se. Pa-
lhos passa a representar as trocas que a alma sofre e, como con
sequência, o termo não mais passa a ser o representante direto do
sofrimento: a alma pode experimentar, comover-se e sofrer trocas
- inclusive patológicas - sem que necessariamente haja sofrimento
psíquico envolvido. Deste modo, para Hillman (1975), a patologia
está presente na vida de todas as pessoas, apesar de apenas o sofri
mento ser a imagem comum da patologia.
O século XX assistiu ao desenvolvimento de um número imen
so de disciplinas que se interessam pelo sofrimento psíquico. Segun-
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Imagem e imaginação
o
conceito tradicional de imagem c imaginação pode ser visto
consultando o Dicionário de Psicologia daAPA(2010). Segundo ele
a imagem é um termo próprio da psicologia cognitiva cujo signifi
cado é uma semelhança ou representação de uma experiência sen
sorial anterior, recordada sem estimulação externa (APA, 2010, p.
499). Isto é, a imagem é um produto derivado de algo ou secundário
e não um elemento fundamental na dinâmica da psique. A imagi
nação aparece como algo mais elaborado, capaz de novidades, mas
ainda assim dependente de dados sensoriais externos, como mostra
a sua definição faculdade que produz ideias e imagens na ausên
cia de dados sensoriais diretos, muitas vezes pela combinação de
fragmentos de experiências sensoriais anteriores em novas sínteses
(APA,2010, p. 500).
surgiu após os trabalhos de Jung, como uma elaboração crít ica da
teoria e prática destes trabalhos (ADAMS, 2002).
Hillman (1988) afirma que preferiu chamar a sua teoria dePsico
logiaArquetípica, em vez deAnalítica, porque arquétiponão só reflete
a profundidade teórica dosúltimos trabalhos de Jung, os quais tentam
resolver os problemas psicológicos para além dosmodelos científicos
(HILMAN, 1988, p.2I), mas também porque arquetípico pertence a
toda cultura, a todas as formas de atividade humana, e não somente aos
profissionais que praticam a terapêutica moderna (HILMAN, 1988,
p.21). SegundoG. Barcellos (1983) é necessário deixar claro que a psi
cologia arquetípica desse autor não se denomina uma escola em si,
mas um aprofundamento e um avanço das ideiasoriginadasdo trabalho
de .Jung. A psicologia arquetípica pode servista como ummovimento
cultural;parte da sua tarefa é a revisão da psicologia, da psicopatologia
e da psicoterapia de acordo com a imaginação cultural do ocidente
(HILLMAN, 1988,p. 22).
A psicologia arquetípica entende que a psicologia médica e
empírica tende a confinar a psicologia às manifestações positivistas
da condição da alma do século XIX, por isso ela pretende ir além da
pesquisa clínica dentro do consultório de psicoterapia e se aproxi
mar mais da imaginação e da cultura (HILLMAN, 1988).
7
SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
Libido , que atualmente tem o nome Símbolos da Transformação ,
expondo ideias diferentes das da psicanálise e rompendo seus vín
culos com Freud. A principal divergência entre as ideias de Freud e
de Jung foi sobre a noção de libido, que para Freud era considerada
energia sexual pura e, para Jung, simplesmente uma das compo
nentes da energia vital. A partir daí, o pensamento de Jung diverge
do de Freud e ele passa a cstudar sobre gnose, alquimia, psicologia
oriental, filosofia, religião, entre outras áreas.
Segundo Samuels (2002), posteriormente à morte dc Jung surgi
ram muitos trabalhos sobre a psicologia analítica,devido a umaplurali
dadc de olhares e leituras dianteda suaobra. Entretanto, csses trabalhos
muitas vezes tinham ideias contrárias ou diferentes, o que acabava por
gerar desavenças e separações entre os chamados pós-junl:, llÍanos.
De aproximadamente 1950 a 1975, pode-se dizer que a psico
logia analítica era formada por duas escolas diferentes: a de Londres,
chamada de clínica e, a escola de Zurique, chamada dc simbólica.
Essas denominações começaram a desaparecer em torno de 1970,
pois a escola de Zurique também englobava a clínica. Também ncs
sc pcríodo começou a cmergir um terceiro grupo de analistas quc
prcferiu denominar scu trabalho de Psicologia Arquetípica e dentrc
cles cstava Jamcs Hillman. Samuels (2002) defende que atualmcnte
cxistem três cscolas dc Psicologia Analítica: a clássica (antiga escola
dc Zuriquc, quc procura trabalhar dcmodo consistente com o que se
sabe sobre os métodos de Jung), a desenvolvimentista (antiga escola
de Londres, que tentou estabelecer um vínculo com características
da psicanálise contemporânea) e, a arquetípica, dc James Hilhnan.
James Hillman nasceu nos Estados Unidos, em 1926,c é con
sidcrado um psicólogo pós-junguiano e pós-moderno. Estudou em
Paris, na Sorbonnc, no Trinity Colege de Dublin e na Universidade
dc Zurique. Em 1959, tirou seu Ph.D nesta última universidade e
ganhou o diploma de analista no arl Gustav Jung lnstitute em
Zurich, tornando-se Diretor de Estudos do insti tuto por dez anos
(HILLMAN, 1993a).
Hillman (1988) afirma que o pai direto da Psicologia Arquetí
pica foi o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). De Jung
vem a ideia de que as estruturas básicas e universais da psique, os
padrões formais de seus modos de relação, são padrões arquetípi
cos (HILLMAN, 1988, p. 22). Entretanto, a Psicologia Arquetípica
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representam aquilo que se vê, mas a maneira como se vê. Elas só
são possíveis através do ato de imaginar e representam uma múlti
pla relação de significados, de eventos históricos, de disposições e
de possibilidades. Não estão correlacionadas apenas com símbolos
visuais ou verbais pois estão carregadas de sentidos. As imagens
arquetípicas retratam nossas emoções humanas, nossOScomplexos
demasiadamente humanos, em cada ser humano que vive a experi
ência de Ser humano (HILLMAN, 1984, p. 170).
O ato psíquico de imaginação possibil ita que a imagem seja
percebida ou sentida como mais profunda, mais poderosa e mais
bonita do que a compreensão dela. Os sonhos, as fantasias, as poe
sias, os mitos, por exemplo, são representações diretas de imagens
e podem revelar padrões arquetípicos. São difíceis de serem com
preendidos porque possuímos o vício da linearidade e porque não
conseguimos vivenciar e experimentar plenamente a simultaneidade
de significados de cada imagem. Esses significados não obedecem
a uma ordem, tal como nosso pensamento linear espera, mas apare
cem de forma atemporal , ao mesmo tempo e todo o tempo, metafo-
ricamente (HILLMAN,1988).
Segundo Avens (1993), ao tentar aprofundar as ideias de Jung
sobre a natureza da psique, Hillman adota uma postura de relati
vismo radical ao defender que a natureza humana é basicamente
imaginal c polimódica, ou seja, que até mesmo aquilo que há de
mais concreto, do ponto de vista instintivo, em nossas experiências,
é imagina . Até mesmo por detrás do empirismo científico existe um
mundo de realidade primordial independente: o mundo imagina .
Jung também acreditava e defendia que a imaginação é subjacente
a todos os processos perceptuais e cognitivos. (...) Tudo o que co
nhecemos é transmitido através de imagens (AVENS, 1993, p. 49).
Avens (1993), de forma mais objetiva que Hillman, lembra que
a imagem a que nos referimos não equivale à memória ou a um re
flexo de um objeto ou de uma percepção. Ela está ligada à imagem
da fantasia e representa uma expressão condensada da situação
psíquica como um todo. Via de regra, a imagem expressa somente
aqueles conteúdos inconscientes que estão momentaneamente cons
telados, isto é, presentes na consciência (AVENS, 1993, p. 50).
Hillman ainda propõe uma outra característica das imagens:
elas são independentes, vêm e vão de acordo com sua própria
128
Contrapondo-se a esse conceito de imagem e imaginação, a
Psicologia Analítica nas suas diversas correntes, atribui um senti
do diferente a elas. Considera-as como integrantes fundamentais da
dinâmica psiquica e dotadas de autonomia e com funcionamento
próprio e independente dos dados sensoriais. A imagem e a imagi
nação aparecem ligadas indissoluvelmente ao conceito de incons
ciente coletivo, também denominada de psique objetiva,e as suas
estruturas - as imagens arquetípicas. A psique objetiva se manifesta
essencialmente por imagens, emoções c impulsos. A expressão do
inconsciente se dá de maneira não racional e pré-Iógica. As relações
entre as imagens e a realidade não são de causa e efeito mas de si
milaridade e contiguidade, a lógica que prevalece é analógica, pois:
As camadas mais profundas falam através de imagens. Estas
imagens devem ser consideradas como se apresentassem des
crições de nós mesmos, ou de nossas situações inconscientes,
na forma de analogias ou parábolas . (Whitmont, 1995, p.35)
Neste sentido e radicalizando essa posição, Hil1man (1988)
defende que a área de atuação da psicologia arquetípiea é a imagem.
Jung já havia dito que a realidade psíquica é constituída por ima
gens. Estas são como uma perspectiva que vê através de todos os
nossos estados c atividades, poisa totalidade da realidade humana,
pois toda realidade humana, seja econômica, social, rel igiosa ou
física, deriva de imagens psíquicas (AVENS, 1993, p. 47).
As imagens arquctípicas são os elementos básicos da psi
que, ao mesmo tempo sua matéria-prima c seu produto acabado.
Hil1man(1975, p. 40) afirmou:
considero que Ias imágenes
..
se
generan de manera e \7)(mtánea, que son imaginativas y completas,
que se organizan en modelos arquetípicos 9. Elas são os modos
pelos quais todo conhecimento, toda e qualquer experiência se tor
nam possíveis. A imagem é a responsável por que cada percepção
que fazemos do mundo e cada sensação que possuímos cheguem
a ocorrer enquanto acontecimentos psíquicos, ou seja, para cada
sentimento ou observação que fazemos do mundo, é formada pri
meiro uma imagem da fantasia. As imagens são irredutíveis e não
39
o
SOFRIMENTO HUM NO EM PERSPECTIV
enfoques psicológicos
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As imagens psíquicas são encaradas como fenômenos naturais,
são espontâneas, quer seja no individuo, quer seja na cultura,
e necessitam, na verdade, ser experimentadas, cuidadas, acari
ciadas, entretidas, enfim, respondidas. As imagens necessitam
dc relacionamento, não de explicação. No momento em que
interpretamos, transformamos o que era essencialmente natural
em conceito, em linguagem conceitual, afastando-nos do fenô
meno. Uma imagem é sempre mais abrangente, mais comple
xa, que um conceito (I-llLLMAN, 1988, p. 10).
mas fenomenológico. Para ele, a interpretação significa uma con
ceituação da imaginação, ou seja, ela é uma redução do fenômeno
a um conceito, é uma intelectualização da experiência. A psicologia
arquetípica evita o reducionismo implicado na consideração da vida
psíquica em termos simplistas de estruturas básicas ou mecanismos
elementares, e defende que a mente é poética, e a consciência não
é uma elaboração secundária,
posteriori
sobre uma base primiti
va, mas é dada com esta base em cada imagem (I-IILLMAN, 1988,
p. 32). Adota-se o método fenomenológico e se considera que qual
quer imagem pode ser arquetípica, pois pode ser valorada - como
universal, trans-histórica, basicamente profunda, geradora, extrema
mente intencional, e necessária (HILLMAN, 1988).
A abordagem imaginal dá uma qualidade ao psicológico: a
imaginação a que Hillman se referc não está relacionada apenas a
um número infinito de fantasias, mas às imagens que ressoam com
profundidade, que não impedem a psique de continuar imaginando.
Se as imagens são o que a psique é , então Hillman (1975) defende
que essa abordagem imaginal deve utilizar o método fenomenoló
gico: deve-se observar o fenômeno fenomenologicamente. Ou seja,
observar como a psique produz o que ela produz, o que represen
ta desprender-se da própria subjetividade e fascinar-se com aquilo
que acontece. Essa postura dá voz e vez à psique, permite deixá
-Ia mostrar o quer. Por isso é que Hillman defende que adotemos
uma abordagem imaginal também nos fenômenos psicopatológicos,
pois eles estão revelando algo acerca da alma e nós precisamos ter
a sensibilidade necessária para admitir isso e permitir-se ver e ouvir
o que esses fenômenos têm a mostrar e dizer (HILLMAN, 1984a).
I-lillman (1975) afirma que:
3
SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
vontade, com seu próprio ritmo, dentro de seu próprio campo
de relações, e não são determinadas pela psicodinâmica pessoal .
De fato, as imagens são os fundamentos que tomam os movi
mentos da psicodinâmica possíveis (1988, p. 28). As imagens
comandam nossa psique e não são simplesmente um efeito dela,
como a representação de um afeto ou impulso, ou uma cópia da
realidade percebida. Isto quer dizer que a própria dinâmica das
imagens engendram, por meio de uma atividade psicológica cria
tiva, maneiras de serem vistas ou objetivadas porque necessitam
ganhar material idade,isto é, percebidas ou sentidas com efeitos
na realidade psíquica. Elas solicitam a uma tomada de posição
por parte da psique consciente em relação a elas para que possam
constituir um efeito sobre a mesma.
O lema do método da psicologia arquetípica tomou-se, então,
permanecer fiel à imagem . Segundo Berry (1974), o significado
das imagens arquetípieas não é simplesmente revelado, mas deve
ser elaborado através do trabalho com a imagem , tal como o tra
balho com o sonho. A elaboração, por sua vez, é realizada de ma
neira concreta e material --como na arte, por exemplo- através de
uma penetração psicológica c de uma perspectiva subjetiva naquilo
que a imagem realmente apresenta. Para tanto, é necessário um
conhecimento adquirido em mitos e símbolos para uma apreciação
da universalidade das imagens (HILLMAN, 1988, p. 37), assim
como, muitas vezes, é necessário também experiências linguístieas,
etimológicas, gramaticais e sintáticas.
Esse trabalho de elaboração é a tarela principal da psicologia
arquetÍpica: representa penetrar na alma, descobrir sua profundida
de e subjetividade, l ibertar as amarras que nos prendem à Iiterali
dade para fazer surgir por detrás dos sentidos antes ocultos um su
jeito capaz de dialogar com sua própria alma, que compreende que
a realidade é imaginação, que aquilo que mais parece literalmente
real é, na verdade, uma imagem com implicações metafóricas po
tencialmente profundas (HART, 2002, p. 114). É um movimento
contínuo, inesgotável, que descentraliza o ego, que recupera a alma
no discurso e que I-li llman chama de fazer alma , no original em
ingles soul-making .
Nesse momento é importante destacar que o trabalho de ela
boração das imagens a que Hillman se refere não é interpretativo,
3
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132
O termo alma também é usado de outras maneiras, de for
ma a manter seu poder eonotativo. É também util izado de forma
intermitente com a palavra psique que provém da figura mítica
Viver psicologicamente significa imaginar coisas... Estar na
alma é experimentar a fantasia em todas as realidades e a reali
dade básica da fantasia...No princípio, há a imagem: primeiro a
imaginação e depois a percepção; primeiro a fantasia, depois a
realidade ... O homem é, basicamente, um criador de imagens, e
nossa existência é imaginação. Somos, de fato, de igual matéria
da qual os sonhos são feitos (apudAVENS, 1993, p. 49).
133
grega Psique - e que, segundo Hillman (1993), é um termo mais
moderno e mais próximo da biologia - e com a palavra anima ,
derivada do latim e muito utilizada por Jung. A preferência pelo
uso da palavra Alma, diferentemente das outras psicologias
que a evitam de todas as formas para se afastar do sentido mais
comum e ligado à religião, ocorre propositadamente para aproxi
mar a alma de algo incognoscível , que está além da compreensão
formal e que se afasta do cientificismo.
Alma, anima e psique trazem a ideia de que elas são aquilo
que envolvem o ser humano e não somente algo que o ser humano
tem. Elas também estão em tudo e todos os lugares, na interioridade
de todas as coisas. Significam um movimento que situa o homem
dcntro delas e que revê toda a atividade humana como psicológica.
Toda realidade concreta, nessa perspectiva, torna-se também uma
rcalidade psicológica. Não se pode imaginar a alma como uma coi
sa, mas também não se pode imaginá-Ia separada de todas as coisas.
Ao afirmar que a metáfora primária da psicologia deve ser a
alma, ]-lillman (1988) tem a intenção de dizer que o discurso ou -
s da alma é a metáfora e que se deve reconhecer que todas as afir
mações da psicologia sobre a alma são metáforas, passando assim,
da preocupação da definição do termo para uma possibilidade ima
ginativa e não uma substancialidade. A alma como metáfora tam
bém pennite um diálogo com a morte, pois a natureza da alma tem
uma necessidade suicida: uma afinidade com o mundo das trevas,
uma morbidez que torna a psique incapaz de se submeter às exigên
cias egocêntricas da subjetividade como conquista, definida como
cognição, intenção, percepção e outras noções. Nessa perspectiva, a
consciência não possui o controle sobre todos os fenômenos da psi
que e estes passam a ser vistos também como imagens, possuidores
de sentido e paixão, diferente da mentalidade científica e objetiva
que enxerga-os como desalmados e inanimados.
Na sua obra Suicídio eAlma (1993), como o próprio nome já
diz, Hi11manfaz uma aproximação direta entre a alma e a morte. O
suicídio é encarado como uma das possibilidades humanas: a esco
lha damorte e não da vida. Essa escolha tem significados diferentes,
de acordo com o indivíduo e seu contexto, e é uma escolha da alma.
Quando alguém se depara com a possibilidade damorte, seja ela sob
a forma de um suicídio ou deum prognóstico médico, a pessoa pas-
o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
[Em primeiro lugar alma faz referência a transformação por aprofundamento dos aconteci
mentos em experiências; em segundo lugar a significação que a alma faz possível tanto ao
que corresponde ao amor com à inquietude religiosa procede de sua particular relação com
a morte. E em terceiro lugar por alma quero dar a entender as possibilidades da imaginação
presentes em nossa natureza a experiência atravês do pensamento especulativo o sonho a
imagem e a fantasia - essa modalidade que reconhece toda realidade como primordialmente
simbólica ou metafórica.]
En primeI lugar, alma hace referencia a Ia transformación,
por ahondamiento, de los acontecimientos en expcricncias; en
segundo lugar, Iasignificación que el alma hace posible, tanto
en
10
que atane ai amor como en Iainquietud religiosa, procede
de su especial relación con Ia muerte. Y en tercer lugar, por
alma quiero dar a entender Ias posibilidades de imaginación
presentes en nuestra naturaleza, Ia experiencia a través de Ia
espcculación reflexiva, el suefio, Ia imagen y Ia fantasia, esa
modalidad que reconoce toda realidad eomo primordialmente
simbólica o metafórica40 (HILLMAN, 1975, p. 39).
Dcste modo, para Hillman (1988) a psique remete a imagem
c à alma, sendo esta a metáfora primária da psicologia. Mas como
descrever a alma?
A alma, nesta abordagem, não é considerada como um ente
ou uma coisa em si, mas fundamentalmente de forma metafórica
referindo-se a um processo ou ponto de vista em direção a própria
subjetividade, a experiência de profundidade e interioridade em di
reção aos significados, afetos, imagens e fantasias do próprio sujei
to. Assim, a alma apresenta-se como um símbolo e não como um
conceito, não deve ser definida mas imaginada e viveneiada. Para
compreender melhor a alma , são descritos três modos:
40
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aquello que una persona no quiere ser ...) una suma de conte
nidos inconscientes reprimidos y no admit idos, y Ia asimilación
~.parcial, en mejor de los casos - de éstos plantea un problema a Ia
personalidad consciente, que prefiere experimentarIa a través del
mecanismo de proyección41 HILLMAN ,1975, p. 162).
à alma, à nossa interioridade. É uma descida vertical em direção a
nós mesmos, que representa a metáfora do profundo HILLMAN,
1988)_ Esse contato com a anima, ou a alma, possibilita o resgate de
aspectos ameaçadores do ego, mas que pertencem a toda a psique e
que realizam um movimento para sair da sombra, isto é,
Ela permite que trabalhemos com nossos aspectos fracos, in
seguros, melancólicos e sensíveis, tomando-nos psicológicos: refle
xivos e voltados à nossa interioridade. Mesmo que a vida huma
na seja somente uma manifestação da psique, uma vida humana é
sempre uma vida psicológica HILLMAN, 1988, p. 42), porque o
homem está na alma, porque a psique penneia todos os campos e
coisas do mundo. Por isso, nos dias de hoje, há tanta resistência à
anima e ao psicológico: eles ameaçam a fantasia da onipotência do
ego. Somente quando aparece a impotência - como na depressão
quc não nos permite seguir em frente, é que algo nos mobiliza, que
começamos nos sentir com uma alma. É nesse momento que que
bramos a noção autocentrada de eu e que começamos a nos questio
nar por que não conseguimos o queremos, de onde viemos, qual o
sentido das nossas vidas.
Hil1man 1984a) defende que uma verdadeira revolução na so-
ciedade moderna só acontecerá quando as pessoas puderem suportar
suas próprias depressões, pois somente assim elas poderão dizer não
a toda situação maníaca da sociedade moderna, como viagens, supe
ratividade e superconsumismo.
No entanto, essa perspectiva que tem a depressão como um pa-
radigma que representa o encontro com a ahna requer um cuidado: o
de não tomar essas característicasda ahna literalmente pois o o os da
ahna é a metáfora). No caso da depressão, por exemplo, o indivíduo
deve viver na depressão mas não deve se identificar com ela. Ele pode
135
[ aqu il o qu e u ma p es so a n ão qu er s er . . . u ma soma de cont eú do s i nco ns ci en tes r epr imi do s e
n ão ad mi ti do s, e a a ss im ila çã o - pa rc ia l, no mel hor do s c as os - d est es c olo ca u m pr obl ema pa ra
a persona li dade consc iente, que p re fe re exper imen tá -Ias por meio do mecan ismo da p ro jeção]
41
o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
sa a refletir sobre a sua existência, sobre suas questões mais Íntimas
e mais profundas, sobre a sua vida. Isso é exatamente se aproximar
da alma, é cuidar das questões da alma, é viver psicologicamente.
Morte e alma estão diretamente relacionadas não apenas no sentido
religioso, mas também no sentido psicológico e existencial.
134
A alma e a patologização
Aalma também se relaciona com a patologia, inclusive porque a
psique possui uma capacidade autônoma de criar enfermidades, mor
bidades, desordens, anormalidades e sofrimentos em qualquer aspec
to de sua conduta, assim como para experimentar e imaginar a vida
alravés desta perspeetiva deformada e afl igida Para designar essa
capacidade, Hillman 1975) introduz o neologismo patologizar . A
intenção de Hillman é mostrar a necessidade psicológica da alma de
patologizar e, dessa forma, desvincular o patologizar do errado e do
pecado . Ele pretende mostrar que patologizar é válido, autêntico e
necessário porque é uma forma de entrar em contato com a nossa alma
e que ocorre especialmente quando nos afastamos dela do contato e
da experiência com nossas imagens ou nossa subjetividade. Assim, a
lrans/{mnação do homem espiritual idealizado) e do homem natural
estado original) em homem psicológico se realiza por também meio
da deformação encontrada na psicopatologia.
Hillman 1984a) eonsidera que a sociedade moderna é predo
minantemente egóiea e maníaca: de superatividade, de supercon
sumismo, de rapidez, de desperdícios, que exige que sejamos emi
nentemente verbais, que nos faz ter medo de sermos chatos, que
nos faz perder o sentido da tristeza. Ela representa uma estrutura
sádica, agressiva, dominante, poderosa e identificada com o desen
volvimento do nosso ego. Só que tal identificação está tão forte nos
dias de hoje, que nem sequer a encaramos como sÍndrome. Para
nós sÍndrome é tristeza, lentidão, seeura, espera. Isto nós chamamos
de depressão, e temos uma indústria fannaeêutica gigantesca para
lidar com ela HILLMAN, 1984a, p. 23).
Pode-se dizer que, para a psicologia arquetÍpiea, o paradigma
da psicopatologia é a depressão, da mesma forma que a esquizofre
nia era para Jung e a histeria para Freud. Isso porque a depressão
representa o movimento mais claro de aprofundamento em direção
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passar o dia de uma forma mais deprimida, mais lenta, na tristeza, mas
notar tudo isso, reconhecer e continuar a vida. Esta é uma maneira de
viver rente ao chão e de ressurgir da lógicamoderna desalmada. É lidar
com as imagens, é fazer alma HILLMAN, 1984a).
Cultivar a alma, ou fazer alma , um compromisso da psicologia
arquetípica, significa imaginar, libertar os fenômenos da compreensão
literal, ter uma atitude psicológica que suspeita do nível dado e in
gênuo dos acontecimentos e o rcjeita para explorar seus significados
sombrios e mctaforicospara a alma HILLMAN, 1988,p. 55). E a pa
tologia é também uma possibilidadc dc realizar o movimento de fazer
alma : de transformar os acontecimentos cm cxpcriências.
A patologia é o lugar quc mantém a pessoa na alma, aquele
tormento, aqucla torção a qual você não pode simplesmente ignorar,
não podc simplesmentc seguir adiante de uma mancira natural, pois
há algo quebrado, torcido, doendo, que força uma reflexão constante
HILLMAN, I984a, p. 32).
Ili llman 1984a) salienta, porém, que apesar de falar sobre a
ncccssidade da alma dc lidar com os aspectos inferiorcs e obscuros,
ela também prccisa dc ideias claras c de disciplina. Caso contrário,
corrc-sc o risco de lidar com as coisas de forma somente emocional
c com cnvolvimcnto com tudo o tcmpo todo. Cai-sc também numa
forma literal de lidar com os fenômenos, justamente aquilo que a
psicologia arquetípica tenta evitar. Hillman laia dos aspectos obscu
ros da alma porque estes não têm o direito dc tcr voz na socicdade
moderna, mas, ao mesmo tempo, também não é possível dialogar
com nossa alma ou transformar acontccimcntos em experiências
se não tivermos ideias claras. O que devemos fazer é permanecer
atentos à nossa complexidade psíquica e a todos os deuses que per
tencem à ela, reconhecê-los e identificar suas neccssidades, consi
derando que un dios es una manera de ser una actitud hacia a Ia
existencia y un conjunto de ideas42
HlLLMAN, 1975, p. 272).
Desse modo, a alma vive miticamente, enredada nos mitos,
dentro dos deuses. Não podemos dar voz somente a um deus ou
outro, porque os deuses negligenciados não aceitam a condição de
renegação. É importante que saibamos identificar, na psicopatolo
gia, qual deus, , isto é, qual maneira de ser, atitude ou fantasias, está
falando naquele momento para que possamos extrair um significado
131
A alma volta sempre às suas mesmas feridas, ela insiste nas
mesmas figuras e emoções, vemos os mesmos temas nos so
nhos por muitos e muitos anos. Desse ângulo, a psicopatologia
em si aponta para a eircularidade da alma. A alma repete-se
infinitamente, e na repetição está uma tentativa de aprofunda
mento. A alma volta constantemente às suas feridas para extrair
delas novos significados; volta em busca de uma experiência
renovada I-IlLLMAN, 1988, p. 15).
Isso quer dizer que ora estamos sob o domínio de um deus e
ora sob o domínio de vários outros, sendo que esses mesmos deuses
nos tomam em mais de um momento de nossas vidas. A psicologia
arquetípica
é
metaforicamente politeísta porque acredita na diversi
dade da existência humana, na multiplicidade da alma e em algo que
vai além do literal. Vivemos numa sociedade monoteísta, em que o
modelo de desenvolvimento humano segue o mito do herói, ou seja,
da noção autocentrada e egóica que tem dominado a alma e que
leva à ação irrefletida e a uma repressão da diversidade psicológica.
A psicologia politeísta é importante para trazer uma nova reflexão
à psicopatologia: ela permite que o olhar sobre a diversidade seja
desvinculado de uma única ideia e passe a representar uma possi
bilidade imaginativa, a de ver através de várias perspectivas sem
julgamento moral.
Segundo HilIman, a mitologia clássica é uma coleção de fa-
mílias de histórias profundamente inter-relacionadas, com detalhes
muito precisos, mas sem sistematização esquemática seja nas his
tórias avulsas, seja entre as histórias enquanto um conjunto 1984b,
p. 173). E da mesma forma são a nossa psique e a psicopatologia.
A psique tem uma necessidade criadora, de imaginar histórias e de
criar conexões entre essas histórias, ou seja, de confabular, de fanta
siar, de patologizar a todo momento. A mitologia, da mesma forma,
mostra que cada dificuldade pode pertencer a vários deuses e ser
fantasiada de várias maneiras diferentes.
Os mitos e os deuses podem ainda ser imaginados como pa-
drões de patologia, pois apresentam o excepcional, o estranho, a
dimensão mais-que-humana , o fundamento para o mais extremo
daquele acontecimento e para que realizemos um avanço no movI
mento de circularidade da alma:
o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
[um deus
é
u m mo do de ser u ma at it ude f ren te a ex is tê nc ia e u m con ju nt o de i de ia s.
2
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sofrimento da alma, isto é, aquilo que a medicina tradicional chama
de psicopatologia. A patologia mostra os poderes que estão além da
vontade e do controle do ego, ou seja, revela a entrada dos deuses na
nossa psique HILLMAN, 1988). O mito, para a psicologia arque
típica, representa a retórica da alma: é a sua linguagem psicológica.
Patologizar é uma forma de libertar a alma da identificação
com o ego e com os deuses, ou imagens arquetípicas, que servem de
modelo ao ego. Serve para que a consciência da alma de si mesma
seja diferente da do cgo, obedecendo às suas próprias leis de repre
sentação metafórica.
É
uma modalidade dc discurso - metafórica
que permitc à alma falar de si mesma HILLMAN, 1975).
A individualidade apresenta inúmeros aspectos psicopatológi
coso Qualquer alma, num momento ou outro, apresenta suas depres
sões, manias, desejos, ansiedades, ilusões, compulsões e perversões.
Hillman 1975) propõe que talvez o nosso maior medo de ser o que
realmente somos se deve, em parte, ao nosso temor do aspeeto psi
copatológieo de nossa própria individualidade.
É
um medo prove
niente da fantasia egóica de autodominação e autocontrole que tem
a intenção de nos afastar daqueles aspectos que julgamos fracos e
inseguros da nossa personalidade. Ele tenta impedir o movimento
de interiorização e de reflexão: o movimento psicológico, de fazer
alma. Esse medo fundamenta-se na crença da centralidade do ego e
nega a dissociabil idade inerente da psique, a existência de múltiplas
personas, de diversas personalidades parciais de adaptação da sujei
to a sociedade e centros, que se expressa pela ideia do politeísmo.
Essa compreensão politeísta pode ser uti lizada como uma ferramen
ta terapêutica, na medida em que evita que o ego se identifique com
todas e com cada uma das figuras de um sonho e de uma fantasia,
ou com todos e cada um dos impulsos e vozes que sente. O trabalho
de terapia se dá através do paradoxo de admitir que todas lasfigu-
ras y sentimientos de Ia psique son enteramente mios
aI mismo
tiempo que reconoce que esas .figuras y sentimientos son ajenos a
mi control y mi identidad, es decir, que no son mios en absoluto 43
HILLMAN, 1975, p. 106).
tratar Iapatologizacián como algo secundaria y extrano en vez
de como algo primaria e inherente equivale a negar Ia eviden
cia de que patologizar no es nn campo sino un fundamento,
una fibra de nuestro ser que se entrelaza en todos os complejos:
pertenece a cada pensamiento y sentimiento, y es también un
rostro de cada persona de Ia psique44 1975, p. 150).
139
[ tr at ar a p at olo gi zaç ão co mo a lg o s ecu nd ár io e al he io e m v ez d e c omo al go pr im ár io e in er ent e
eq ui val e a ne ga r a ev idê nc ia d e qu e pa tol og iza r nã o é um c am po s em f un da me nt o um a f ib ra de
n os so s er q ue s e e nt rei aç a e m t odo s os c om ple xos : p er ten ce a c ada pe ns ame nt o e s en ti men to
e é t am bé m u m ro st o de c ad a pe ss oa da p si que .]
44
Reconhecer essa diversidade humana, essas múltiplas personas e os
múltiplos deuses, faz-nos tomarmos consciência das distintas partes que
fazem parte de nós mesmos e, permite a abertura de uma nova conexão
com a multiplicidade, que agora não é mais chamada de fragmentação es
quizoide, pois a consciência e a nossa ideia de consciência refletem uma
cosmovisão diversa e instável . Isso recebe o nome de diferenciação. Os
fenômenos patologizados são necessários para obter uma relação com
pleta da complexidade psíquica: sem a psicopatologia não há totalidade e
sem totalidadc não há diferenciação HILLMAN, 1975).
Desse modo, segundo Hillman 1975) os critérios médicos literais
podem tratar das enfermidades, mas não podem compreender a fanta
sia de colocar-se enfermo . Essa fantasia pertence à alma e aparece sob
a forma de sintomas e temores que podem não possuir nenhuma base
médica real. Ainda que possuam e se tratem de fenômenos psicossomá
ticos), a fantasia deve passar por uma abordagem imaginal em vez de clí
nica, pois toda fantasia, independentemente de seu conteúdo, revela algo
acerca da alma: trata-se de uma fantasia arquetípica da patologização.
Mesmo que a psicopatologia passe a ser vista como uma ne
cessidade comum a todos os seres humanos, ela não pode de forma
alguma ser considerada como secundário ou relativo, pois significa
um ato real e valioso tal como se apresenta. Hil1man afirma que:
Qualquer psicologia que se baseie na alma deve considerar os
fatos patologizados como fundamentais para a alma. O trabalho da
psicologia arquetípica parte dos sintomas estranhos e incompreen
síveis, das fantasias, e não do ego familiar. No exercício da alma
de adentrar em suas profundidades imaginais para se conhecer são
necessárias as fantasias de patologização.
o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
[ tod as a s f ig ur as e s en ti men tos da p siq ue sã o in te ir ame nt e m eu s ao m es mo t em po q ue r ec o-
nh ec e q ue es ta s f ig ur as e s ent im en to s s ão a lh ei os ao me u c on tr ol e e a m in ha id en ti da de q ue
dizer não são meus em absoluto.]
43
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140
A patologia faz produzir uma intensa consciência da alma. Ela
nos faz ver o que nossas partes sãs e normais não podem vislumbrar.
Permite-nos entrar em relação com nossa complexidade psíquica.
En mi sintoma está mi alma HILLMAN, 1975, p. 233). Precisa
mos perceber a psicopatologia como uma necessidade psicológica e
não como algoerrado ou disfuncional, até mesmo porque ela não está
presente somentenos momentos de crises, mas também na nossa vida
cotidiana, na nossa consciência de indivíduos mortais, no sentimento
de singularidade única que inclui a sensação de loucura individual.
Construímos nossas vidas normais em meio a tàntasias individuais
do que sejaa enfermidade mental , o louco , o demente . Todos
nós passeamos pelas páginas de manuais de psicologia anormal
nos identificandocom alguns critérios que preenchem determinadas
condições psiquiátricas. E, ainda que esses critérios variem entre as
culturas e as épocas, as fantasias da patologização sempre serão as
mesmas, pois elas são de caráter arquetípico, isto é, inerentes a exis
tência humana.O que muda em diferentes contextos sãoos conteúdos
que definem e reconhecem essas fantasias.
As noções sobre o que é uma pessoa transtornada nos remetem
a uma imagemda psicopatologia, mas não são a verdadeira ou única
descrição da loucura. Essa descrição é variável em cada pessoa e
seus conteúdos dependem em parte da ideia dominante do que é a
sensatez ou normalidade.
Neste sentido,
una imagen enferma nos C flige vitalmente,
porque patologizar afi:xta a nuestro sentido de Ia vida. Corrompe
aI mismo tiempo que vitaliza: es una aceleración por medio de Ia
distorsión 45
HILLMAN, 1975, p. 194). É justamente essa aflição
que possibilita um movimento, uma comoção, uma transformação.
Precisamos destes enigmas das fantasias c das patologias para, nas
palavras de HilIman, fazer alma , isto é, consti tuir significado e
profundidade para a nossa existência. Em outras palavras, sentir
-se vivo, com nossas experiências externas entrando em ressonância
com nossa subjetividade e, deste modo, possibilitando estabelecer
relações afetivas e significativas com nós mesmos, os outros e o
mundo ao nosso redor.
45 [uma imagem enferma nos afl ige vitalmente porque patologizar afeta o nosso sentido da vida
Corrompe ao mesmo tempo que vitaliza:
é
umaaceleração pormeio da distorção ]
o
SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:
enfoques psicológicos
REFERÊNCIAS
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