v. 5 n. 8 janeiro/junho 2014
UnivVersidade ESTADUAL DE FEiIRA DE SANTANA
ISSN 2236-3335
Revista Acadêmica da Graduação em Letras
J
Revis
ta
Universidade Estadual de Feira de Santana
v. 5 n. 8 janeiro/junho 2014
Graduando ENTRE O SER E O SABER
Revista Acadêmica da Graduação em Letras
Graduando Feira de Santana v. 5 n. 8 p. 1-108 jan./jun. 2014
ISSN 2236-3335
I n s t i t u c i o n a l R e i t o r
E v a n d r o d o N a s c i m e n t o S i l v a
V i c e - R e i t o r a
N o rma L u c i a F e r n a n d e s d e A l m e i d a
P r ó - R e i t o r d e E n s i n o d e G r a d u a ç ã o
Ama l i d e A ng e l i s Mu s s i
P r ó - R e i t o r d e P e s q u i s a e P ó s - G r a d u a ç ã o
E u r e l i n o T e i x e i r a C o e l h o N e t o
P r ó - R e i t o r d e E x t e n s ã o
M á r c i o C amp o s O l i v e i r a
P r ó - R e i t o r d e Adm i n i s t r a ç ã o e F i n a n ç a s
C a r l o s E d u a r d o C a r d o s o d e O l i v e i r a
P r ó - R e i t o r d e P o l í t i c a s A f i r m a t i v a s e As s u n t o s E s t u d a n t i s
O t t o V i n i c i u s Ag r a F i g u e i r e d o
D i r e t o r a d o D e p a r t a me n t o d e L e t r a s e A r t e s
F l á v i a An i n g e r d e B a r r o s R o c h a
V i c e - D i r e t o r a d o D e p a r t a me n t o d e L e t r a s e A r t e s
R o s a E u g ê n i a V i l a s B o a s M o r e i r a d e S a n t a n a
C o o r d e n a d o r a d o C o l e g i a d o d e L e t r a s e A r t e s
V a l é r i a Ma r t a R i b e i r o S o a r e s
V i c e - Co o r d e n a d o r a d o C o l e g i a d o d e L e t r a s e A r t e s
I r a n i l d e s A l me i d a d e O l i v e i r a
C o o r d e n a d o r a d e A s s u n t o s E s t u d a n t i s
A d r i a n a I s i s C a r n e i r o T r a b u c o
S i s t e ma I n t e g r a d o d e B i b l i o t e c a s
M a r i a d o C a rm o S á B a r r e t o F e r r e i r a
D i r e t ó r i o Ac a d êm i c o d e L e t r a s e A r t e s J o s é J e r ô n i mo d e Mo r a i s
G e s t ã o : L e t r a ç ã o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 6 )
G r a d u a n d o ENTRE O SER E O SABER
Revista Acadêmica da Graduação em Letras
v..5 n..8 jan./jun. 2014
UEFS / R ev i s t a G r a d u a n do
Av e n i d a T r a n s n o r d e s t i n a , S / N , B a i r r o N o v o H o r i z o n t e . Mó d u l o 2 , MT 2 5 b .
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E xped i e n t e
Com i ssão Ed i t o r i a l D r a . A l a n a d e O l i v e i r a F r e i t a s E l F a h l
M a . A n d r é i a C a r i c c h i o C a f é G a l l o
Me . An t ô n i o G a b r i e l E va n g e l i s t a d e S o u z a
D r a . C a r l a L u z i a C a r n e i r o B o r g e s
D r a . C e l i n a M á r c i a d e S o u z a A b b a d e
D r . C i d S e i x a s F r a g a F i l h o
D r . C l a u d i o C l e d s o n N o v a e s
M e . C l e d s o n J o s é P o n c e M o r a i s
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M a . E l i z a b e t e B a s t o s d a S i l v a
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Rev i são Ma . A l i n e d a S i l v a S a n t o s
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M a . E d n a R i b e i r o M a r q u e s Amo r i m
E n a C a r o l i n e L é l i s X a v i e r
E s p . É r i k a R am o s d e L i m a A u r e l i a n o
M e . J a n C a r l o s D i a s d e S a n t a n a
E s p . L a y a n n a Ma r t h a P i r e s d e A r a ú j o
D r a . M a r i a n a F a g u n d e s d e O l i v e i r a
M a . S h i r l e y C r i s t i n a G u e d e s d o s S a n t o s
M a . S i l v a n i a C á p u a C a r v a l h o
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Rev i são F i na l Ma . A n d r e i a F e r r e i r a A l v e s C a r n e i r o
E s p . C l a r i s s e B e z e r r a d e S a n t a n a
M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a
M a . E d i n a g e M a r i a C a r n e i r o d a S i l v a
M e . Em e r s o n S a n t o s d e S o u z a
Ma . J o s e n i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o
Norma l i za ção B i b l i og rá f i ca Me . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a
Ma . G l e i d e Co n c e i ç ã o d e J e s u s
Ma . J o s e n i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o
M a . M a r i a n a B a r b o s a B a t i s t a
Co labo ração Ma . G l e i d e Co n c e i ç ã o d e J e s u s
J e s s i c a M i n a d e S o u s a
M a . M a r i a n a B a r b o s a B a t i s t a
P o l l i a n n a d o s S a n t o s F e r r e i r a
Web Des i gn ( s i t e ) Me . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a
Web Des i gn ( b l o g ) Me . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a
M a t e u s M a s c a r e n h a s S o a r e s
R e v i s t a G r a d u a n d o 2 0 1 5
É p e rm i t i d a a r e p r o d u ç ã o , d e s d e q u e c i t a d a a f o n t e .
Sumário
ED I TOR IAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 7
A R T ES O CANGAÇO NO C I NEMA NAC IONAL : NOVAS P ER SPECT IVAS DO
TEMA NO F I LM E COR I SCO E DADÁ R o s a n a C a r v a l h o B r i t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 3
A CULTURA DAS F E I RAS L IVR ES NO F I LME A GRANDE F E I RA , D E
ROBERTO P I R ES B e a t r i z L i m a d o C a r m o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 2 9
L I N GU Í S T I C A I NOVAÇÕES LEX ICA I S NO TEXTO L I T ERÁR IO T h a i r a n e d e J e s u s N a s c i m e n t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 4 3
OS MODOS D E V END ER ARTE POPULAR EM F E I RA D E SANTANA : UMA
I NTER FACE ENTR E L I NGUAGEM E SOC I E DADE H u d s o n J o s é S o a r e s d a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 5 7
L I T E RAT UR A O H I POPÓTAMO QUE ME ARREBATOU : UMA ANÁL I SE SOBR E
MEMÓR IAS PÓSTUMAS D E BRÁS CUBAS B a r t i r a B a r r e t o d o s S a n t o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 7 1
P ERMANÊNC IA E RASURA — C I NCO VEZES SER TÃO : L I T ERATURA , C I N EMA E OUTRAS ESCR I TURAS R o s a n a C a r v a l h o B r i t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 8 5
POES IA D E RU Í NAS : A NTERO DE QUENTAL E A D ESTRU IÇÃO DA
ORDEM ANT IGA T h a i r a n e d e J e s u s N a s c i m e n t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 9 5
NORMAS PARA ENV IO DE ART IGOS E R ES ENHAS ( 1 0 ª ED IÇÃO ) C o n s e l h o E d i t o r i a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 0 5
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E D I T O R I A L
Das mãos – e com as mãos – nos cons t ru ímos t odos os
d i as . . . Ass im como o engenhe i r o pensa a ob ra , o mes t re de
ob ras a execu t a , mesmo que ha j a imp rev i s t o . A t a re f a de
cons t ru i r não é f ác i l , nem t ampouco l i nea r , po i s ex i ge de quem
a f az es fo rços , recu rsos e t a l en t o , es te ú l t imo t a l vez se j a o
ma i s imp resc i nd í ve l .
Quando f a l amos em t a l en t o , r e l embramos que o seu
s i gn i f i c ado es t á a t re l ado ao que o senso comum denom ina de
‚dom‛ , o qua l pode se r assoc i ado ao pe rsonagem Edward do
f i lme Edward : mãos de t esou ra ( 1 990 ) , esc r i t o po r T im Bu r ton
e Caro l i ne Thompson . A h i s t ó r i a c i nema tog rá f i c a con t a as
pe r i péc i as c r i a t i v as de Edward , pe rsonagem p r i nc i pa l , que
c r i ava ob ras i nus i t adas com as suas mãos de t esou ra , ao
mesmo t empo em que l he p ropo rc i onavam a l eg r i as ao c r i a r e
t r i s t ezas ao ‚ imped i - l o ‛ de toca r às pessoas que amava .
Todos nós somos ‚Edwards ‛ po r do i s mot i vos bás i cos : 1 )
nós amamos o que f azemos , mesmo com as adve rs i dades ; 2 )
f i c amos t r i s t es quando o nosso t r aba l ho não ‚ t oca ‛ as pessoas
como dese j amos ou quando não somos reconhec i dos pe l o que
f azemos . . . Seme l han temente a Edward , na v i da acadêm ica , é
prec i so l ap i da r cada ‚dom‛ pa ra que as i de i as f l o resçam ,
ganhem novas f o rmas e encan tem/ens i nem o l e i t o r e es tud i oso
que um ún i co ob j e t o de es tudo pode ser v i s t o sob vá r i os
ângu l os ( t eo r i as , aná l i ses ) . . . Se uma pessoa não gos t a de como
você o l ha/vê o seu ob j e to de pesqu i sa , ou t r a pode gos ta r e
segu i r a mesma metodo l og i a . En t re t an to , o p r i nc í p i o bás i co pa ra
se f aze r pesqu i sa não é apenas conhece r o ob j e t o , a
metodo l og i a , as t eor i as , mas desenvo lve r o ‚dom‛ de
pesqu i sado r assoc i ado com ob j e t i vos bem de l im i t ados e
pe rsp icác i a na aná l i se dos resu l t ados . . .
Não se nasce pesqu i sado r , f az -se pesqu i sado r ! É
exa t amen te i sso que nós , da Graduando , buscamos há pouco
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ma i s de 4 anos despe r t a r nos es tudan tes dos cu rsos de
Le t ras da UEFS : o ‚dom‛ de se t o rna r pesqu i sado r ! Quando
consegu i rmos i sso , f i ca rá mu i t o ma i s f ác i l pa ra os l e i t o res se
sen t i rem ‚ t ocados ‛ pe l a p rá t i c a de ens i no , pesqu i sa e
ex tensão , den t ro e fo ra da UEFS . Impor tan t e t ambém é o
es tudan te , desde a g raduação , t e r o que se chama de
I n i c i ação C ien t í f i c a ( IC ) , que se t r aduz em te r a l gum p ro fesso r
pesqu i sado r a t uan te que o aux i l i e , o gu i e , o d i r ec i one rumo ao
mundo das descobe r t as c i en t í f i c as den t ro das Le t r as .
En t re t an to , sabemos que t r i l h a r o cam inho da pesqu i sa não é
uma t a re f a f ác i l , ce r t as vezes é á rdua , mas que pode t o rna r -
se p raze rosa desde que se compreenda o que dá p raze r , o
que es t imu l a a ‚ve i a ‛ l i ngu í s t i c a , a r t í s t i c a , educac i ona l e/ou
l i t e r á r i a , ou como bem pon tua Mar i a Lúc i a Da l Fa r ra ( 2004 ) , é
p rec i so da r v i da a co i sas , se res , sen t i dos . Po rém , pa ra que
i sso acon teça , bas t a que suas v i c i ss i t udes , i nqu i e tudes e
cu r i os i dades se j am es t imu l adas .
Po r se r a Graduando um pe r i ód i co imp resso e d i g i t a l ,
prec i samos segu i r e nos o r i en t a r segundo no rmas : se j am e l as
l i t e r á r i as , l i ngu í s t i c as , me todo l óg i c as ou t écn i cas , no con tex to
da t ão p ropa l ada como t em ida e comp l i c ada Assoc i ação
B ras i l e i r a de No rmas Técn i cas (ABNT ) , as qua i s buscamos e
re i t e ramos i ncessan temente . En t re t an to , a i nda que ressa l t emos
e f açamos campanhas pa ra que novos au to res , novas
pe rspec t i vas e novos g raduandos se j am a l cançados e nos
esc revam a r t i gos e resenhas acadêm icas , mesmo que pa reça
um con t rassenso , o ob j e t i vo p r ime i r o da rev i s t a va i a l ém das
ex i gênc i as acadêm icas , uma vez que t emos uma pe rcepção
ma i s amp l a desse un i ve rso , ha j a v i s t a que ex i s tem d i ve rsos
cana i s que nos f azem d i a l oga r com nosso púb l i c o a l vo : se j a
po r me i o do b l og , do f acebook ou do e -ma i l . Essas f e r ramen tas
mode rnas , a l ém de perm i t i r nos adequa r às novas t ecno l og i as
v i gen tes , nos aux i l i am na pe rspec t iva de a tuação ao es t imu l a r
o es tudan te a l e r a rev i s ta , mesmo que não env i e t ex tos ou
que não t enha acesso ao ma te r i a l imp resso . I s t o , po i s , es tende
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os l im i t e s da rev i s t a , que , pensada pa ra o púb l i co das Le t r as ,
consegue amp l i a r seus anse i os p r ime i r os , l evando o
conhec imento pa ra t odo e qua l que r i nd i v í duo , onde que r que
e l e es te j a .
Pode r í amos vo l t a r , quem sabe , à m i t o l og i a g rega , quando
re l embramos a h i s t ó r i a do Re i M i das , a qua l r e l a t a o f a to de
que t udo o que e l e t ocava v i r ava ou ro . A inda que aque le re i
t r ouxesse cons i go a i ncumbênc i a de t r ansfo rmar t udo ao seu
redo r em co i sas re l uzen tes , o que , pa ra mu i t os e pa ra s i ,
i n i c i a lmen te , se r i a um dom , não demorou pa ra o mesmo
compreende r que seu dese j o se t o rna r i a uma ‚p raga ‛ , um
cas t i go . Embora f adado a es te i n f o r tún i o , f açamos como o Re i
de M idas , busquemos nós , a pa r t i r dessa pe rcepção ,
t r ans fo rmar senão t udo , mas pa r te do que v i vemos em ‚ou ro ‛ .
Re fe r imo-nos aqu i , essenc i a lmen te , à v i vênc i a acadêm ica ,
sob re t udo o que ap rendemos e encon t ramos resgua rdados nas
ma i s d i ve rsas pa r tes de nossos ‚eus ‛ . Que t r ans fo rmemos
nossas dúv i das em buscas , nossos e r ros em dese j o de
ap rende r , e que esse ‚ou ro de m idas ‛ , que essa ganânc i a
f omen te a supe ração de nossas i nce r tezas a f im de i rmos de
encon t ro com a sabedo r i a , po i s es t a , s im , é o ma i o r t esou ro de
quem que r se f aze r pesqu i sado r , uma vez que é a l i nha t ênue
que d i v i de o bom a l uno do mau a l uno , o capaz e a r t i c u l ado r do
i ncapaz e a l i e nado , o me ro e desca rac t e r i zado g raduando do
‚g raduand í ss imo ‛ . . . en f im , o p ro f i ss i ona l descomprom i ssado do
comprom i ssado , ob j e t i vo a l c ançáve l pa ra qua l que r g raduando .
Essa h i s t ó r i a do Re i M i das se rve -nos como exemp l o do pon to
de v i s t a de que , me t a f o r i camen te , t udo o que o bom
pesqu i sado r ‚ t oca ‛ v i r a ou ro , i s t o no sen t i do de que cada
pesqu i sa rea l i z ada pode e deve t e r como pon to de re fe rênc i a
a d i vu l gação dos saberes , das expe r i ênc i as .
Logo , quando f a l amos da rev i s t a Graduando , a qua l é
f e i t a po r e pa ra os es tudan tes dos cu rsos de Le t r as da UEFS ,
t r azemos à t ona t odos os p rós de se f azer pesqu i sa em um
cu rso re l a t i v amen te o r i en t ado pa ra o ens i no . Con tudo , não
podemos esquece r de que t odo p ro fesso r an t es de ‚p ro fessa r ‛
prec i sa pesqu i sa r , e i sso só se ap rende f azendo ! E é
exa t amen te sob re i sso que es t amos f a l ando : na Graduação ,
t em-se a opo r tun i dade de ap rende r , de se faze r pesqu i sado r e
essa opo r tun i dade não pode passa r em b ranco ! As nossas
mãos de Edward , a l i adas à nossa sabedo r i a e von t ade , devem
se rv i r pa ra c r i a r o novo e ress i gn i f i c a r o ve l ho , e , ass im ,
t r ans fo rmar o comum em l uz , em ou ro , como o re i M i das o
f az i a . Po r t an to , f i a t l ux ( f aça -se a l uz ) onde há escu r i dão , ou
me lho r , f aça -se o sabe r onde há i gno rânc i a e t o rne -se t udo
em ou ro na Graduação e na Graduando !
Dan i l o Ce rque i r a A lme ida
Josen i l c e Rod r i gues de O l i ve i r a Ba r re t o
Mar i ana Ba rbosa Ba t i s t a
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
O CA NGA ÇO NO C I N EMA NA C I O NAL : NO VA S
P E R S P ECT I V A S DO T EMA NO F I LME COR I S CO E DA DÁ
R o s a n a C a r v a l h o B r i t o
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s V e r n á c u l a s
c a r v a l h o . r o s a n a@ h o tm a i l . c om
Re sumo : N e s t e t r a b a l h o , f a z - se uma b r e v e d emon s t r a ç ã o d a
t emá t i c a do c angaço no c i n ema nac i o na l , c ons i d e r ando a l g uns
pe r í odos que marca r am esse pe rcu r so , t omando como exem p l o
o i n í c i o da i ndús t r i a c l áss i c a no B ras i l , rep resen t ada no f i lme de
L i m a B a r r e t o O C a n g a c e i r o , m a r c o d e s s a s p r o d u ç õ e s , e a s
c o n t r i b u i ç õ e s d o m ov i m e n t o d e C i n em a N ov o , m ov i m e n t o d e
r u p t u r a m o d e r n a ; s em e s q u e c e r d e q u e e s t e t e m a j á f a z i a
pa r t e do cená r i o nac i o na l d esde o c i nema p r im i t i vo e os c i c l o s
r e g i o n a i s d o s a n o s 1 9 2 0 / 1 9 3 0 . O o b j e t i v o d e s s e e s t u d o é
mos t r a r que o f i lme Co r i sco e Dadá des t ac a- se po r d i s t anc i a r -
se dos e s t e r eó t i p o s t í p i c o s da v i o l ê nc i a a t r i b u í d o s à f i g u r a do
c a n g ac e i r o . O e s t u d o f o i d e s e nv o l v i d o a p a r t i r d a l e i t u r a d e
o b r a s q u e t r a t am d e c i n em a n a c i o n a l e c i n em a d e c a n g a ç o ,
c om o o s e s t u d o s d e R o c h a ( 2 0 0 3 ) , A n d r a d e ( 2 0 0 8 ) , D í d i m o
( 20 10 ) , Novaes ( 2007 ) e W i l l s ( 1 982 ) .
P a l a v r a s - c h a v e : C i n em a N a c i o n a l . C a n g a ç o . Co r i s c o e D a d á .
Comparação .
1 I N T R O D U Ç Ã O
Desde seu su rg imen to , em f i ns do sécu l o X IX , o c i nema
t r a t ou de uma g rande d i ve rs i dade de t emas . Fo ram vá r i os os
mo t i vos que i nsp i r a ram c i neas t as de d i f e ren tes ge rações .
Den t re esses , no B ras i l , des t aca -se a sé r i e t emá t i c a do gêne ro
do f i lme de cangaço . O auge dessa p rá t i ca deu -se en t re os
anos de 1 870 e 1 940 , embora se t enha no t í c i a de sua f o rma -
ção desde o sécu l o XV I I I .
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
Na b i b l i og ra f i a das c i ênc i as soc i a i s , en t ende -se o su rg i -
mento do fenômeno do cangaço como de homens gua rda -
cos tas dos co roné i s , t endo a ob r i gação de de fendê - l os i ncon -
d i c i ona lmen te em t roca de p ro teção con t ra os abusos das
au to r i dades . As ações desses cangace i r os ‚mansos ‛ con f i gu ra -
vam uma espéc i e de ‚band i t i smo soc i a l ‛ : e l e s ma tavam pa ra
pro tege r os pa t rões e os roubos e ram d i s t r i bu í dos en t re a
popu l ação que sof r i a com a seca , de onde apa rece o m i t o do
he ró i soc i a l . Só ma i s t a rde , os cangace i r os começaram a se
o rgan i za r em g rupos , i ndependen tes da i n f l uênc i a dos co roné i s ,
v i ndo a se conf i gu ra r o que , a t ua lmen te , en tende -se po r
cangaço .
Se j a como o homem f r i o , ma l vado e v i o l en to , exemp l o do
cap i t ão S i l vé r i o em A mor te comanda o cangaço ( 1 960 ) , se j a
como aque l e capaz t ambém de a tos gene rosos , o cangace i r o -
bom , pa ra Lea l W i l l s ( 1 982 , p . 92 ) , ‚ [ . . . ] possu i um he ro í smo
exp resso sob as ma i s d i ve rsas f o rmas : t r a i ndo os companhe i -
ros . . . , l u t ando , às vezes soz i nho , con t r a t udo e con t ra t odos
[ . . . ] ” , embora com tempe ramen to t ambém exp l os i vo , como o
pe rsonagem Teodoro em O cangace i r o ( 1 997 ) .
A f i gu ra do cangace i r o apa rece em d i ve rsos f i lmes nac i o -
na i s desde a década de 1 920 . No f i lme Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) ,
esse pe rsonagem assume novas pe rspec t i vas . O que p redom i -
na nessa ob ra não são os saques f e i t os a f azendas e povoa -
ções no se r t ão no rdes t i no , mas a h i s t ó r i a de amor en t re
Cor i sco e Dadá . É a cons i de ra r o d i f e renc i a l desse f i lme que
es te t r aba l ho se ded i ca .
2 B R E V E H I S T Ó R I C O D O C A N G A Ç O N O C I N E M A
N A C I O N A L
O p r ime i r o c i c l o de f i lmes de cangaço surg i u en t re as
décadas de 1 920 e 1 930 . Segundo W i l l s ( 1 982 , p . 89 ) , esses
f i lmes c r i a r am , em pouco ma i s de dez anos , um ve rdade i r o
c i c l o , ‚ [ . . . ] o ún ico sobre homens e acon tec imen tos no rdes t i nos
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[ . . . ] ” , e pe rm i t i r am , no c i nema b ras i l e i r o , “ [ . . . ] a exp l osão de uma
sé r i e de f i lmes com es t ru t u ra es té t i co -d ramát i c a e v i são sóc i o -
po l í t i c a espec i a i s . ‛ Mesmo t endo suas p r ime i r as apa r i ções nos
anos de 1 920 , f o i na década de 1 950 que os f i lmes de cangaço
passa ram a compor um gêne ro t i p i c amen te b ras i l e i r o . Na déca -
da segu i n t e , essa t emát i c a va i se r bas t an t e exp l o rada pe l os
c i nemanov i s t as . O cangace i r o ( 1 953 ) , de L ima Ba r re t o , é cons i de rado o
marco do c ic l o de p rodução de f i lmes de cangaço , o ape l i d ado
No rdes te rn . Mas , o f i lme de L ima Ba r re t o não é a es t re i a da
i magem do cangace i r o no c i nema nac i ona l . Os f i lmes pe rnam -
bucanos F i l ho sem mãe ( 1 925 ) , de Tanc redo Seab ra , e Sangue de i rmão ( 1 9 27 ) , de Jo t a Soa res , j á t r az i am o re t r a t o do canga -
ço quando o fenômeno a i nda não e ra um f a t o passado , na
segunda me tade da década de 1 920 . O pe rsonagem t ambém
apa receu nos f i lmes ( documentá r i o ) Lamp i ão , o re i do cangaço ( 1 9 36 ) , de Ben j am i n Abrahão , e Lamp i ão , a f e ra do No rdes te ( 1 9 30 ) , de Gu i l he rme Gáud i o .
Embora O cangace i r o ( 1 953 ) não se j a o responsáve l pe l a
es t re i a do cangaço no c i nema b ras i l e i r o , essa p rodução da
Ve ra C ruz , l ançada j á nas véspe ras do f echamen to des t a
i ndús t r i a , t r ouxe con t r i bu i ções s i gn i f i c a t i v as pa ra a a r t e c i ne -
matog rá f i c a desenvo lv i da no pa í s , l evando pa ra as g randes
t e l as uma t emát i c a ve rdade i r amente nac i ona l , que b r i l hou a t é
mesmo fo ra do pa í s :
O f i l m e d e L i m a B a r r e t o t e v e g r a n d e ê x i t o . F o i o
p r i m e i r o s u c e s s o i n t e r n a c i o n a l d a c i n em a t o g r a f i a
b r a s i l e i r a , p r o j e t a n d o um a i m a g em n a c i o n a l n o e x t e r i o r ,
t r a d u z i n d o em i m a g e n s e s o n s o s v a l o r e s c u l t u r a i s e
s o c i a i s d o p r ó p r i o p a í s , d a n d o i n í c i o à c o n s o l i d a ç ão d a
i m a g em d o N o r d e s t e n o c i n em a b r a s i l e i r o . ( A N D RAD E ,
2 0 0 8 , p . 3 8 ) .
Há que menc i ona r aqu i , t ambém , o no t áve l va l o r do f i lme
de Ben j am i n Abrahão : Lamp i ão , o re i do cangaço ( 1 9 36 ) . O
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f o t óg ra fo e c i neas t a á rabe , em 1 936 , cap tou as imagens que
t a l vez se j am as ún i cas i n l oco do bando de Lamp i ão . A l guns
f o t og ramas fo ram , i nc lus i ve , r eu t i l i z ados em ou t ras p roduções ,
como é o caso do documen tá r i o do C i nema Novo Memór i a do cangaço ( 1 965 ) , de Pau l o G i l Soa res , e do f i lme Ba i l e pe r f umado
( 1 996 ) , de Pau l o Ca l das e L í r i o Fe r re i r a :
A i m po r t â n c i a d e s s a s i m a g e n s d e L am p i ã o e d o s e u
g r u p o é f u n d am en t a l , d o p o n t o d e v i s t a h i s t ó r i c o , p o i s
é um r e g i s t r o d o c a n g a ç o n a m emó r i a n a c i o n a l ; e
t am bém d o p o n t o d e v i s t a p l á s t i c o , p o i s s e r v e a o s
o l h a r e s t ã o d i f e r e n t e s d o s d o i s f i l m e s : o p r i m e i r o c om
a m a r c a d a r e v o l u ç ã o d o c i n em a n o v o n o s a n o s 1 9 6 0 ;
e o s e g u n d o c om a m a r c a d a r e t om a d a n o c i n em a
con temporâneo nos anos 1 990 . (NOVAES , 2007 , p . 30 -31 ) .
Com o mov imen to do C i nema Novo , o c i c l o de p rodução
de f i lmes de cangaço con t i nuou em cena . Como exemp l os de
p roduções desse momen to , é poss í ve l c i t a r Os t rês cangace i -ros ( 1 96 1 ) , de V i c to r L ima , Mar i a Bon i t a , r a i nha do cangaço ( 1 968 ) , de M igue l Bo rges , e Mandaca ru ve rme l ho ( 1 960 ) , de
Ne l son Pe re i r a dos San tos , um dos p r i nc ipa i s mento res do
mov imen to . Sob re a p rodução de f i lmes de cangaço nesse
pe r í odo , W i l l s ( 1 982 , p . 1 4 - 15 ) des taca ,
[ . . . ] p a r a l e l am en t e a o m ov i m e n t o r e n o v a d o r d o s c i n e -
man o v i s t a s , o c i c l o - d o - c a n g a ç o a v a n ç o u a t é d em a i s
n a c u l t u r a d o N o r d e s t e ; [ . . . ] . O s f i l m e s d e c a n g a ç o
( n em t o d o s r o d a d o s n a r e g i ã o n o r d e s t i n a ) , a o l a d o d e
o u t r a s o b r a s d e c u n h o b a s t a n t e a r t e s a n a l , d e p r o d u -
ç õ e s l i m i t a d a s , t e n t a r am , s i m u l t a n e am en t e a o s f i l m e s
g e n i a i s d o c i n em a n o vo , r e t r a t a r o N o r d e s t e c om s u a s
t é c n i c a s p r i m i t i v a s , c om s e u s c o n h e c i m e n t o s r e s t r i t o s ,
n ã o a p e n a s t é c n i c o , c om o c i n em a t o g r á f i c o .
Ou t ros do i s f i lmes c i nemanov i s t as que se i nse rem no
g rupo dos No rdes te rn e que t ambém merecem des t aque são
Deus e o D i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) e O dragão da ma l dade
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
con t ra o san to gue r re i r o ( 1 969 ) , ambos de G l aube r Rocha , c i ne -
as t a e c r í t i c o do c i nema , a l ém de um dos fundado res e p r i nc i -
pa i s rep resen t an t es do C i nema Novo . G l aube r Rocha i nse re -se
no c i c l o do c i nema de cangaço de mane i r a s i ngu l a r , imp r im i ndo
nos seus f i lmes o i dea l r evo l uc i oná r i o que ca rac te r i zou o
C i nema Novo . Pa ra D í d imo ( 20 10 , p . 225 ) , no f i lme de 1 964 ,
G l aube r Rocha ‚ [ . . . ] f az uma nova l e i t u ra do mov imen to h i s t ó r i -
co do cangaço , em que a f i gu ra do cangace i r o não é o pon to
cen t r a l , mas um e l emen to a ma i s na s i t uação soc i a l no rdes t i na ,
que a i nda eng l oba f aná t i cos re l i g i osos , se r t ane j os e Coroné i s . ‛
Já no f i lme de 1 969 , o c i neas t a e c r í t i co de c i nema , pe l o espe -
t ácu l o tea t r a l e apo i ando -se em t r ad i ções popu l a res , a t r a i a
a t enção do g rande púb l i c o pa ra o en redo .
Fo i na década de 1 960 , concom i t an te ao C i nema Novo ,
que o c i c l o de f i lmes de cangaço v i veu seu apogeu . Segundo
Matheus Andrade ( 2008 , p . 52 ) , nesse pe r í odo , os ‚ [ . . . ] c i neas -
t as b ras i l e i r os rea l i z a ram uma ca l o rosa sé r i e de f i lmes sob re o
mov imen to do cangaço . ‛ T ra t ava -se de f i lmes com h i s t ó r i as
na r radas nos d i f e ren tes gêne ros , ‚ [ . . . ] en t re aven tu ra , romance ,
coméd i a , d rama e documen tá r i o . ‛ (ANDRADE , 2008 , p . 52 ) . Um
grande sucesso desse c i c l o de p rodução fo i o f i lme Lamp i ão , r e i do cangaço ( 1 962 ) , de Car l os Co imbra , que na r ra o pe rcu r -
so de v i da de Lamp i ão l u t ando nas caa t i ngas do No rdes te .
Mesmo com o g rande sucesso dos f i lmes de cangaço na déca -
da de 1 960 , na década segu i n te , ‚ [ . . . ] poucos f i lmes no gêne ro
f o ram p roduz i dos . ‛ (ANDRADE , 2008 , p . 53 ) .
A f i gu ra do cangace i r o , t endo como cenár i o o se r t ão
no rdes t i no , ocupou no t áve l l uga r nas g randes t e l as do pa í s ao
l ongo do desenvo lv imen to da a r t e c i nema tog rá f i c a no B ras i l .
Esse pe rsonagem fo l c l ó r i co l evou pa ra o c i nema uma nova
mane i r a de pe rcebe r o No rdes t e no con jun to das man i f es t a -
ções a r t í s t i c as do pa í s e , a i nda ho j e , pe rmanece como mot i vo
pa ra na r ra t i v as f í lm i cas a t é recen tes , como é o caso dos
f i lmes Ba i l e pe r f umado ( 1 996 ) , Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) e O canga-ce i r o ( 1 997 ) .
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3 D E H O M E M P E R V E R S O A H O M E M A P A I X O N A D O : U M
P A S S E I O C O M P A R A T I V O P E L O S F I L M E S C O R I S C O E D A D Á , O C A N G A C E I R O E A M O R T E C O M A N D A O C A N G A Ç O
Car l os Co imbra f o i o c i neas t a que ma i s re t r a t ou o gêne ro
de cangaço , somando qua t ro f i lmes sob re o assun to . É de
Co imbra a p r ime i r a p rodução nesse gêne ro na década de 1 960 ,
o f i lme A mor te comanda o cangaço ( 1 960 ) . Nes te f i lme , a t r avés
da f i gu ra do cap i t ão S i l vé r i o , o que f i c a é a imagem do canga -
ce i r o como um homem sem ca rá t e r e sem esc rúpu l os , que não
t em cons i de ração po r nada nem po r n i nguém e que mata pe l o
s imp les p raze r de ma ta r . Nem mesmo o respe i t o e a adm i r ação
que os cangace i r os p rese rvam en t re s i são pe rceb i dos .
Em ou t ras na r ra t i v as como Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) , de
Rosembe rg Car i r y , Co r i sco , o D i abo l o i r o ( 1 969 ) , t ambém de
Car l os Co imbra , Meu nome é Lamp i ão ( 1 969 ) , de Mozae l S i l ve i r a ,
e Mar i a Bon i t a , r a i nha do cangaço ( 1 968 ) , de M igue l Bo rges ,
embora os a t os de se lvage r i a dom inem as cenas , ao menos no
i n t e r i o r dos bandos pa i r a um sen t imen to f r a te rno . Os cangace i -
ros sof rem quando perdem a l guém do bando . Homens doen tes
ou fe r i dos não são abandonados à p róp r i a so r t e .
No caso de cap i t ão S i l vé r i o , nem no in t e r i o r do bando
ex i s te qua l que r sen t imen to que não se j a ód io , v i ngança e sede
de mor te . S i l vé r i o cobra pa ra p ro t ege r as fazendas con t ra e l e
mesmo , ou se j a , o pagamen to que e l e recebe dos f azende i r os
é , na ve rdade , a recompensa pe l a p romessa de não saquea r
t a i s f azendas . E ra ass im que f unc i onava o aco rdo en t re
S i l vé r i o e os f azende i r os do l uga r , a té que um d i a um dos
f azende i r os , Ra imundo , cansado de se r exp lo rado , não en t rega
os 20 con tos de ré i s cob rados pe lo cangace i r o .
Con t ra r i a r as von t ades de S i l vé r i o e ra s i nôn imo de mor te .
Os donos da f azenda sab i am que o cap i t ão v i r i a cob ra r a
‚d í v i da ‛ e a té ten t a ram se p repa ra r . Mas nada con teve a f ú r i a
de S i l vé r i o , que d i z imou a f am í l i a de Ra imundo e i ncend i ou sua
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f azenda . Essa cena mos t ra como S i l vé r i o é um homem c rue l .
Ass im , i r ado po r não t e r receb i do uma d í v i da que e l e mesmo
i nven t a ra , e l e ma tou vá r i as pessoas . Con tudo , pa ra su rp resa
do cangace i r o , Ra imundo res i s t e ao a taque e l ança -se na d i f í c i l
empre i t ada de encon t ra r o bando e assass i na r a t odos . A l i a r am
-se a Ra imundo ou t ros homens da reg i ão , que , ass im como e l e ,
não to l e ravam ma i s os abusos de S i l vé r i o .
Há uma imagem fem in i na com des t aque em A mor te comanda o cangaço ( 1 960 ) . Não se t r a t a de uma cangace i r a
t í p i c a , como fo ram Mar i a Bon i t a e Dadá em ou t ros f i lmes em
que e l as apa recem . Não são mu l he res que impunham a rmas ,
que matam , que saque i am , que se v i ngam ; mas s im uma moça
i n t r ép i da da c i dade , acos tumada a ce r t os l uxos e que , depo i s
de a l gumas res i s tênc i as , acaba po r se rende r às c rue l dades
do cangace i r o , apa i xonando -se po r e l e . É e l a quem o sa l va da
mor te , assass i nando um macaco (denom inação que os canga -
ce i r os , em quase todos os f i lmes , a t r i buem aos po l i c i a i s ) que
es t ava p res t es a a t i r a r em S i l vé r i o . E l a esco l heu mor re r pa ra
sa l vá - l o .
Bem d i f e ren t e , con tudo , é a pos tu ra de S i l vé r i o . Pa ra e l e ,
as mu lhe res não t i nham g randes u t i l i d ades . Pe l o con t r á r i o , a té
a t r apa l havam , po i s não sab i am se r d i sc re t as como os homens ,
a l ém de to rna rem o bando ma i s l en t o , o que e ra uma f a l ha
t e r r í ve l pa ra esses homens que t i nham que mudar o assen t a -
mento de l uga r , f r equen temen te , pa ra desp i s t a r os macacos .
S i l vé r i o pe rcebe sua sa l vado ra fe r i da no chão , mas j u l ga que
não va le a pena a r r i sca r sua v i da po r e l a e p re fe re f ug i r an tes
que fosse ace r t ado , reve l ando , com i sso , as d imensões que
sua c rue l dade e i ng ra t i dão a t i ng i am .
Ao f i na l da h i s tó r i a , Ra imundo ob tém êx i t o na sua m i ssão .
Depo i s de l ongos d i as pe l as caa t i ngas , t endo a té encon t rado
um amor nas suas andanças , e l e e seu grupo descob rem o
bando de S i l vé r i o . T ravava -se , en t ão , uma no i t e i n te i r a de
ba t a l ha . Po rém , mesmo vendo t odos os seus homens mor tos ,
S i l vé r i o não se rende . Pe l o con t r á r i o , topa um due l o com o
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vaque i r o . E l e não pe rde r i a a g l ó r i a de um ú l t imo assass i na to ,
a f i na l f o ram as ma tanças que a l imen t a ram sua fome du ran te
t oda sua v i da . Pa ra Ra imundo , aque l a l u t a e ra uma ques t ão de
hon ra , ou me l ho r , e ra a chance de v i nga r -se ve rdade i r amen te .
Depo i s de a l guns i ns tan t es de b r i ga , S i l vé r i o é su rp reend i do
com um t i r o nas cos t as e , f i n a lmen te , ca i des f a l ec i do .
As ma tanças p resen tes em toda a na r ra t i v a f azem j us ao
t í t u l o do f i lme – A mor t e comanda o cangaço ( 1 960 ) . Cap i t ão
S i l vé r i o não poupa n inguém , ma t ava po r praze r , po r s imp l es
háb i t o . Sa l vo a de l e , a v i da das pessoas não t i nha nenhum
va l o r , pe l o menos é i sso que t r anspa rece no f i lme . O romance
de Ra imundo apa rece no f i lme como uma rep resen t ação de
momen tos de paz en t re as man i f es tações de v i o l ênc i a que
p redom inam na na r ra t i v a , reve l ando que , embora a mor t e
comandasse o cangaço , sen t imen tos bons a i nda consegu i am
a f l o r a r . Va le ressa l t a r que esse c l ima de romance não ocupa
pape l cen t r a l na na r ra t i v a , apa recendo em poucos momen tos e
sem g randes des t aques . Esse f i lme f o i a p r ime i r a p rodução
b ras i l e i r a em te l a pano râm i ca . Ca r l os Co imbra f o i mu i t o e l og i a -
do , recebeu a l guns p rêm ios nac i ona i s e fo i i nd i c ado ao Osca r
de me l ho r f i lme es t r ange i r o , embora não tenha f i c ado en t re os
f i na l i s t as .
Em 1 997 , An í ba l Massa i n i es t reava O cangace i r o , e sco-
l h endo as cap i t a i s nordes t i nas pa ra sed i a r as p r ime i r as ex i b i -
ções do f i lme , o qua l co r responde a uma re f i lmagem do f i lme
de L ima Ba r re t o , v i s t o que o c i neas t a p reservou a ma i o r pa r te
do en redo des te , ac rescen t ando apenas a l gumas s i t uações
novas , que pude ram con fe r i r um ca rá te r ma io r de con tempora -
ne i dade à ob ra . Como exemp l o , a h i s tó r i a do f i lme é con t ada
po r a l guém nos tempos a tua i s , um cangace i r o sob rev i ven te do
bando de Ga l d i no . Esse cangace i r o es t á cumpr i ndo pena em
uma p r i são e na r ra a h i s t ó r i a a um ca rce re i r o , o qua l é j us t a -
mente o f i l ho de Mar i a Bon i t a , a mu l he r de cap i t ão Ga l d i no .
Nesse f i lme de An í ba l Massa i n i , ass i s t e -se à f i gu ra de
cap i t ão Gaud i no à f ren t e de um bando de homens que , com
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poucas exceções , são capazes de ma ta r e mor re r pe l o seu
cap i t ão . Gaud i no é o homem que t i r ou Mar i a Bon i t a da casa
dos pa i s quando a co ra j osa mu l he r t i nha apenas 1 5 anos , e
que sen t i a um p raze r imenso em co r t a r as cabeças dos maca -
cos ; quan tos f ossem esses , i sso não impo r t ava . Audac i oso ,
esse cap i t ão ac red i t ava na i n t rep i dez de seus homens e na
po tênc i a de seus r i f l e s .
Depo i s de seques t r a r a f i l h a de um f amoso po l í t i c o , o
cap i t ão vê a so r te de seu bando mudar . Ao saquea r uma c i da -
de , po rque j á f az i a t rês meses que o p re fe i t o não pagava pe l a
‚p ro t eção ‛ , o cap i t ão reso l ve l eva r a sob r i nha des t e , ex i g i ndo
50 con tos de ré i s pe lo resga te da moça . A moça , seques t r ada ,
se rá o p ivô da desordem no bando : é po r amor a e l a que
Teodo ro t r a i o cap i t ão .
Há que menc i ona r t ambém que , an tes da moça chega r ao
bando , Teodo ro j á t i nha t r a í do seu cap i t ão ‚de i t ando -se ‛ com
Mar i a Bon i t a . Esses pon tos do f i lme me recem a i nda ma i s a ten -
ção pa ra os ob j e t i vos des te esc r i t o . A i n tenção do p resen te
es tudo é mos t ra r que no f i lme Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) tem-se
uma nova abo rdagem do cangaço , po rque as a rmas se ca l am
e o amor en t r a em cena . Mas , como se vê , t ambém no f i lme O cangace i r o ( 1 997 ) , a f l o r a um romance , e é po r causa de le que
Teodoro sac r i f i c a sua v i da sa l vando a de sua amada . En t ão ,
po r que apenas o f i lme de 1 996 é apon t ado como ob je t o
cen t r a l no p resen te es tudo? A respos t a é : po rque é nes t e
f i lme que o amor t oma de f i n i t i v amente a cena . Aqu i , as ações
desenvo lv i das cos tume i r amen te po r cangace i r os não são o
des taque . Nes te f i lme , o tema é a h i s tó r i a de amor de Cor i sco
e Dadá , na r rada po r a l guém que p resenc i ou o des fecho , uma
ga ro t i nha po r quem Dadá t i nha mu i t o ap reço e que es t ava com
o casa l no d i a em que os macacos assass i na ram Cor i sco .
O espec t ado r , acos tumado a ass i s t i r f i lmes de cangaço
como Meu nome é Lamp i ão ( 1 969 ) , O cangace i r o ( 1 953 ) e A mor te comanda o cangaço ( 1 960 ) , ao ass i s t i r Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) pe rcebe , espon t aneamen te , que nessa na r ra t i v a o
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cangaço tem uma ca ra nova . A h i s t ó r i a con t ada é d i r i g i da pe l o
amor . No f i lme de 1 953 , a h i s t ó r i a de amor en t re Teodo ro e a
moça da c i dade não é t r a t ada da mesma forma que em Cor i s -co e Dadá ( 1 996 ) . A h i s t ó r i a de amor de Teodo ro não é o des -
t aque do f i lme , não é essa a h i s tó r i a cen t r a l desenvo lv i da pe l o
d i r e t o r .
Se esse a rgumen to a inda não f o r su f i c i en t e , a i nda é pos -
s í ve l a rgumen ta r que os f i lmes comparados es t ão sendo cons i -
de rados a pa r t i r dos cap i t ães dos bandos : Lamp i ão , Gaud i no ,
Co r i sco e S i l vé r i o . Em todos esses f i lmes , a imagem do canga -
ce i r o que p redom ina é a do cap i t ão : é e l e quem toma as dec i -
sões , quem dec i de os saques , f o rmu l a as es t r a tég i as . Quase
sempre os dema i s homens do bando não ocupam pape l cen t r a l ,
pos i c i onando -se numa espéc ie de pano de fundo . As exceções
são bem ra ras . Se r i a esse o caso , po r exemp l o , de Teodo ro ,
que desa f i ou seu cap i t ão ao pon to de t r a í - l o com sua esposa .
Na ve rdade , o que se vê nessa s i t uação é um mov imento em
sen t i do con t r á r i o . E ra o cap i t ão Ga l d i no que não t i nha co ragem
su f i c i en te pa ra desaf i a r seu súd i t o . Ga l d i no reconhec i a em
Teodoro o ún i co cangace i r o do seu bando com audác i a su f i c i -
en te pa ra desa f i á - l o e vencê - l o e com a as túc i a necessá r i a
pa ra t oca r o bando .
Re tomando en t ão às cons i de rações sob re o f i lme Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) , começa -se po r d i ze r que Dadá en t rou na v ida
de Cor i sco a t r avés de um a to t í p i co de cangace i r os : e l a f o i
r e t i r ada à f o rça da casa dos pa i s . Co r i sco fo i t e r um ace r to de
con t as com o pa i da moça e , ao ve r a men i na , en tendeu que
sua me l ho r v i ngança se r i a l evá - l a cons i go , de i xando seu pa i no
desgos to .
As cenas segu i n tes mos t ram o cangace i r o i nu t i lmen te
t en t ando seduz i r a men i na . Uma c r i ança que acabou de se r
re t i r ada a fo rça da casa dos pa i s j ama i s se ap rox imar i a do seu
ma l f e i t o r po r l i v re e espon t ânea von t ade . Cansado de ten ta r
uma ap rox imação am igáve l , Co r i sco es tup ra Dadá . Essas cenas
i n i c i a i s em nada d i f e renc i am as ações de Cor i sco das ações de
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S i l vé r i o e Ga l d i no . A té en t ão , e l e apa rece apenas como ma i s
um cangace i r o se l vagem e c rue l .
O d i f e renc i a l do f i lme começa a se mos t ra r nas cenas
segu i n tes . Co r i sco espe ra que Dadá c resça e o ace i t e como
mar i do . Enquan to i sso não acon tec i a , o cangace i r o con ten t a -se
em con temp l á - l a de l onge . O sen t imen to que e l e nu t r i a po r e l a
j á hav i a t r ansfo rmado suas a t i t udes . E l e j á não e ra aque l e
homem se lvagem do in í c i o do f i lme . Aos poucos , o f i lme va i
co l ocando as p rá t i c as do band i t i smo de l ado e ded i cando -se a
na r ra r a h i s t ó r i a de amor do casa l , a té que a h i s t ó r i a se t o rna
de f i n i t i v amente o cen t ro do en redo , f i gu rando ass im a té o f i na l
do f i lme .
A apa r i ç ão do pe rsonagem Lamp i ão nesse f i lme de
Rosembe rg Car i r y poss i b i l i t a que o espec t ado r f aça uma
comparação en t re es te pe rsonagem e Cor i sco , podendo , dessa
f o rma , pe rcebe r ma i s n i t i d amen te as d i f e renças de pe r f i l en t re
cangace i r os como Lamp i ão , ou t ros t í p i cos que apa rece ram em
f i lmes de cangaço t r ad i c i ona i s e o pe r f i l ago ra rep resen t ado
po r Co r i sco . Nesse f i lme , Lamp i ão é um homem i nesc rupu l oso
que t em g rande sa t i s fação em apa rece r , se r ac l amado , acumu -
l a r r i quezas e demonst ra r au to r i dade , v io l ênc i a e imp i edade .
É i n te ressan te des t aca r t ambém a apa r i ç ão de Mar i a
Bon i t a no f i lme . A t ravés dessa pe rsonagem , o espec t ado r pode
pe rcebe r como as ações e os dese j os de Dadá são d i f e ren t es
dos de ou t r as mu l he res do cangaço . Mar i a Bon i t a compar t i l h a -
va das amb ições do mar i do : andava sempre mu i t o o rnada de
j o i as , que r i a te r p res t í g i o e se r ac l amada . Dadá , l onge d i sso ,
t r ocava as j o i as e o ou ro po r uma v i da t r anqu i l a , sem te r que
se a r ras t a r pe l as caa t i ngas secas . E l a en tend i a que de nada
ad i an t ava Cor i sco acumu l a r d i nhe i r o , se e l e s não pod i am
gas t a r , se o es t i l o de v i da que l evavam , a l ém de mu i t o a r r i sca -
do , não e ra nada con fo r t áve l . Dadá sonhava com um l uga r
onde e l a pudesse v i ve r em paz com o mar i do , t e r seus f i l hos
e , ma i s que i sso , pode r c r i á - l os , j á que suas andanças pe l as
caa t i ngas j á l he t i nham t i r ado t rês bebês recém -nasc i dos .
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F i lmes de cangaço t r ad i c i ona i s buscam rep roduz i r o
pe rcu rso de v i da dos cangace i r os a pa r t i r das p rá t i c as hab i t u -
a i s desses homens : roubos , t o r t u ras e , p r i nc i pa lmen te , assass i -
na t os . O f i lme Cor i sco e Dadá ( 1 996 ) busca , an tes , con t a r uma
h i s t ó r i a de amor . Nesse f i lme , o cangaço não é v i s t o apenas
a t r avés das l en tes da v i o l ênc i a . Embora a p r ime i r a ap rox imação
en t re Cor i sco e Dadá t enha s i do marcada po r um a to de
v i o l ênc i a , depo i s desse momen to um sen t imen to ma i o r pa i r a
en t re o casa l , e as cenas de v i o l ênc i a vão pe rdendo espaço
na na r ra t i v a . As cenas desse f i lme não se o rgan i zam pa ra
con t i nua r as rep resen tações t r ad i c i ona i s que o c i nema nac i ona l
l e gou ao cangaço , f azendo o espec t ado r pe rcebe r o cangaço
f o ra do es te reó t i po de c rue l dade .
A h i s t ó r i a é na r rada po r a l guém que não apenas v i veu na
época , como t ambém fo i t es temunha do amor en t re Cor i sco e
Dadá . Esse recu rso na r ra t i vo con t r i bu i pa ra que o espec t ado r
pe rceba que a p r i nc i pa l h i s t ó r i a que es t á sendo con t ada é a
de um casa l apa i xonado que a lme j ava um fu t u ro fe l i z e
t r anqu i l o , l onge do cangaço , e não a de um bando de canga -
ce i r os que a te r ro r i zava o se r t ão no rdes t i no ; e é a l guém que
acompanhou de pe r t o a h i s t ó r i a do casa l que assegu ra i sso .
4 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Desde o c i nema p r im i t i vo , passando pe l o C inema Novo e
se ap rox imando da con temporane i dade , o cangaço es teve
p resen te em momen tos re l evan tes da h i s tó r i a do c i nema no
B ras i l , compondo o que Sy lv i e Debs ( 1 987 apud D ÍD IMO , 20 10 )
chamou de ‚ve rsão t rop i ca l do weste rn ‛ . Ass im , enquan to os
nor te -amer i c anos t i nham seus f i lmes de cowboys , o c i nema
bras i l e i r o subs t i t u í a esses pe rsonagens pe l a f i gu ra do canga -
ce i r o . No B ras i l , ass i s t i a -se ao No rdes te rn . Fo ram f i lmes em
d i f e ren tes gêne ros , os qua i s t rouxe ram a f i gu ra do cangace i r o
em d i f e ren tes pe rspec t i vas . A té 20 10 , D í d imo ( 20 10 ) con t ab i l i z ou
48 f i lmes nac i ona i s de cangaço . Esse au to r chama a tenção
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a i nda pa ra a ausênc i a de es tudos sob re essas na r ra t i v as f í lm i -
cas .
Em me i o a essas p roduções , o f i lme Cor i sco e Dadá ( 1 996 )
des taca-se po r t r aze r uma mane i r a rea lmen te nova de t r a t a r o
t ema do cangaço . Em f i lmes de cangaço t rad i c i ona i s , h i s tó r i as
de amor a t é apa rece ram , mas não fo ram t ra t adas como pon to
cen t r a l . O f i lme , ma i s do que most ra r que os cangace i r os
t i nham esposas e que pode r i am amá - l as , ded ica -se a na r ra r
apenas essa h i s tó r i a . É e l a o que ma i s i n te ressa e não os a t os
de se l vage r i a que cos tumam se r assoc i ados aos cangace i r os .
A b s t r a c t : T h i s a r t i c l e i s a b r i e f d em o n s t r a t i o n o f t h e t h em e
‚ c a n g a ç o ‛ ( f o r m o f s o c i a l b a n d i t r y ) i n t h e n a t i o n a l c i n e m a ,
c o n s i d e r i n g s om e p e r i o d s w h i c h m a d e h i s t o r y i n t h i s r o u t e ,
s u c h a s t h e b e g i n n i n g o f t h e c l a s s i c a l i n d u s t r y i n B r a z i l
r e p r e sen t ed by L ima Ba r r e t o ’ s f i l m , O Cangace i r o , l a ndma r k o f
t h e s e p r o d u c t i o n s , a n d t h e C i n e m a N o v o m o v e m e n t ’ s
con t r i bu t i on , rup tu re mode rn movemen t , w i t hou t f o rge t t i ng t ha t ,
t h i s t o p i c w a s a l r e a d y p a r t o f t h e n a t i o n a l s c e n e s i n c e t h e
e a r l y c i n ema and r e g i o n a l c yc l e s i n 1 9 20 s a n d 1 9 30 s . T he a im
o f t h i s s t udy i s t o show t he f i l m Co r i s c o e Dada i s h i g h l i g h t e d
b y d i s t a n c e i t s e l f f r o m t h e t y p i c a l s t e r e o t y p e s o f v i o l e n c e
a t t r i b u t e d t o t h e f i g u r e o f t h e c a n g a c e i r o . T h e s t u d y w a s
deve l oped f r om t he r e a d i n g o f wo r k s wh i c h dea l w i t h n a t i o n a l
c i n ema and c ang aç o c i n ema , a s t h e s t u d i e s o f R o c h a ( 2 00 3 ) ,
And rade ( 2008 ) , D í d imo ( 20 10 ) , Novaes ( 2007 ) and W i l l s ( 1 982 ) .
K e ywo r d s : N a t i o n a l C i n em a . H i g hw a yme n . C o r i s c o a n d D a d a .
Compar i son .
R E F E R Ê N C I A S
A MORTE comanda o cangaço . D i r eção de Car l os Co imbra .
P rodução de Marce l l o de M i r anda To r res e Wa l t e r Gu imarães
Mo t t a . São Pau l o : C i nedes t r i L tda . , 1 960 . 1 DVD , ( 96 m i n ) , son . ,
co l o r .
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
ANDRADE , Matheus . O se r t ão é co i sa de c i nema . João Pessoa :
Marca da Fan t as i a , 2008 .
BAILE pe r f umado . D i reção de Pau l o Ca l das e L í r i o Fe r re i r a .
P rodução de An i ce to Fe r re i r a e Be to Mon te i ro . Rec i f e : Gove rno
do Es t ado de Pe rnambuco ; E l e t rob rás ; Banco do No rdes te do
B ras i l , 1 996 . 1 bob i na c i nema tog rá f i c a ( 93m in ) , son . , co l o r . ,
35mm.
COR ISCO e Dadá . D i r eção e P rodução de Rosembe rg Car i r y .
B ras i l : Ca r i r i F i lmes , 1 996 . 1 DVD , ( 10 1m in ) , son . , co l o r .
COR ISCO , o d i abo l o i r o . D i r eção de Car l os Co imbra . P rodução
de An í ba l Massa i n i Ne to . São Pau l o : C i nedes t r i L t da . , 1 969 . 1
bob i na c i nematog rá f i c a ( 1 00m in ) , son . , co l o r . e p&b . , 35mm.
D ÍD IMO , Marce l o . O cangaço no c i nema b ras i l e i r o . São Pau l o :
Annab l ume , 20 10 .
F I LHO sem mãe . D i reção de Tanc redo Seab ra . P rodução de
Pau l i no Gomes . Rec i f e : P l ane t aF i lm , 1 925 . 1 bob i na
c i nema tog rá f i c a , p&b . , 35mm. F i lme desapa rec i do .
LAMPIÃO , a fe ra do no rdes t e . D i reção : Gu i l he rme Gáud i o .
P rodução de José Ne l l i . Sa lvado r : Ne l l i F i lme , 1 930 . 1 bob i na
c i nema tog rá f i c a , p&b . , 35mm.
LAMPIÃO , o re i do cangaço . D i r eção de Ben j am i n Abrahão .
P rodução de Adhemar Beze r ra A l buque rque . Fo r t a l eza : Aba
F i lm . 1 bob i na c i nema tog rá f i c a ( 1 5 m in ) , p&b . , son . , 35mm. 1
LAMPIÃO , re i do cangaço . D i reção de Car l os Co imbra .
P rodução de Oswa l do Massa i n i . São Pau l o : C ined i s t r i , 1 962 . 1
bob i na c i nematog rá f i c a ( 1 1 0 m i n ) , son . , co l o r . , 35mm.
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
MAR IA bon i t a , r a i nha do cangaço . D i reção de M igue l Bo rges .
P rodução de M iche l Lebedka e Kons t an t i n Tkaczenko . São
Pau l o : C i ned i s t r i , 1 968 . 1 bob i na c i nema tog rá f i c a ( 1 00 m in ) , son . ,
co l o r . , 35mm.
MEMÓR IA do cangaço . D i r eção de Pau l o G i l Soa res . P rodução
de Thomaz Fa rkas . R i o de Jane i r o : D i v i são Cu l t u ra l do I t amara t i ;
Depar t amen to de C i nema do Pa t r imôn i o H i s tó r i co e Ar t í s t i c o
Nac i ona l , 1 965 . 1 bob i na c i nema tog rá f i c a ( 26 m i n ) , p&b . , son . ,
35mm.
MEU nome é Lamp i ão . D i r eção de Mozae l S i l v e i r a . P rodução de
Robe r t o Fa r i as , Reg i na ldo Fa r i a e R iva Fa r i as . R i o de Jane i r o :
P roduções C i nematog rá f i c as R . F . Fa r i as , 1 969 . 1 bob i na
c i nema tog rá f i c a ( 90 m in ) , son . , co l o r . , 35mm.
NOVAES , C l aud i o C l edson . O c i nema se r t ane j o : o se r t ão no
o l ho do d ragão . Fe i r a de San t ana : UEFS , 2007 . Ed ições UEFS/
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ROCHA , G l aube r . Rev i são c r í t i c a do c i nema bras i l e i r o . São Pau l o :
Cosac & Na i fy , 2003 .
SANGUE de i rmão . D i r eção de Jo t a Soa res . P rodução de Leone l
Co r re i a F i l ho . Go i ân i a : GoyannaF i lm , 1 927 . 1 bob i na
c i nema tog rá f i c a , p&b . , 35mm. F i lme desapa rec i do .
WILLS , Lea l . O no rdes t e no c i nema . João Pessoa : Ed i t o ra
Un ive rs i t á r i a/FUNAP/UFPB , 1 982 .
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 1 3 - 2 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
N O T A S
1 N o s i t e d a C i n e m a t e c a B r a s i l e i r a , é a t r i b u í d o a o f i l m e o t í t u l o d e
L am pe ã o .
Env i ado em 07/03/20 14 .
Ap rovado em 1 1 /08/20 14 .
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 2 9 - 3 9 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
A CU LTURA DA S F E I R A S L I V R E S NO F I LM E
A G R A ND E F E I RA , D E RO B E R TO P I R E S
Be a t r i z L i m a d o C a rmo
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s V e r n á c u l a s
b e a t r i z . d o . c a rm o@ h o tm a i l . c om
C l á u d i o C l e d s o n N o v a i s ( O r i e n t a d o r /U E F S )
D e p a r t am e n t o d e L e t r a s e A r t e s ( D LA )
c c n o v a i s . u e f s @ gma i l . c om
Resumo : Es te a r t i go d i scu te a rep resen t ação de cu l t u ra popu l a r
no f i l m e A g r ande f e i r a ( 1 9 6 1 ) , d i r i g i d o p o r Ro be r t o P i r e s , ob r a
q u e e n f o c a a f e i r a d e Á g u a d e M e n i n o s , em um a n a r r a t i v a
p r o d u z i d a n o i n í c i o d o s a n o s 1 9 60 , c om o s t r a ç o s i n i c i a i s d a
po l í t i c a do C i nema Novo na Bah i a .
Pa l av ras -chave : C i nema . Cu l t u ra . Rep resen t ação . Fe i r a l i v re .
1 I N T R O D U Ç Ã O
O c i nema nos mos t ra , em suas na r ra t i v as , os espaços
soc i a i s e cu l t u ra i s nos qua i s v i vemos e es tabe l ecemos nossas
re l ações ma te r i a i s e s imbó l i c as . Nes t a l i nguagem da a r te são
rep resen t ados d ive rsos t emas , em en redos sob os gêne ros de
documentá r i o ou de f i c ção , que nos co l ocam d i an te de acon te -
c imen tos que l evam a pensa r sob re as exper i ênc i as co t i d i anas .
En t re as décadas de 1930 e 1 950 , den t re os f i lmes ass i s -
t i dos e p roduz i dos pe l os b ras i l e i r os , p redom inavam as p rodu -
ções me l od ramát i c as e as chanchadas , que cop i avam o mode l o
hegemôn ico do c i nema amer i c ano . Es tes mov imen tos p redom i -
na ram a t é o i n í c i o do C i nema Novo , quando os i n te l ec t ua i s se
i nves t i r am do p ropós i t o de mode rn i za r o c i nema nac i ona l ,
t r avando um combate con t r a as moda l i d ades impo r t adas de
f i lmes e re j e i t ando o mode l o i ndus t r i a l i n t r oduz i do no B ras i l pe l a
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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Vera C ruz – companh i a c i nema tog rá f i c a que i ncen t i vava a
p rodução de f i lmes baseados em Ho l l ywood , com g randes
i nves t imen tos f i nance i r os em re l ação à rea l i dade econôm ica do
pa í s .
O ob je t i vo do C i nema Novo fo i p roduz i r f i lmes a pa r t i r da
‚ es t é t i c a da fome ‛ , r ep roduz i ndo , nos temas e na l i nguagem do
c i nema , a rea l i d ade b ras i l e i r a de fo rma c rua , sem maqu i agem e
com poucos i nves t imen tos f i nance i r os . Fo i um mov imen to de
ex t rema impo r t ânc i a pa ra a h i s t ó r i a do c i nema b ras i l e i r o , v i s to
que , a pa r t i r da í , f o ram p roduz i dos f i lmes que rep resen tavam a
cu l t u ra e a rea l i d ade b ras i l e i r as a pa r t i r de ou t ro v i és i deo l óg i -
co , marcadamen te pe lo conce i t o de ‚nac i ona l popu l a r ‛ . Segundo
I sma i l Xav ie r ( 2 00 1 , p . 57 ) :
[ . . . ] o C i n em a N o v o f o i a v e r s ã o b r a s i l e i r a d e um a p o l í -
t i c a d e a u t o r q u e p r o c u r o u d e s t r u i r o m i t o d a t é c n i c a
e d a b u r o c r a c i a d a p o p u l a ç ã o , em n om e d a v i d a , d a
a t u a l i d a d e , d a c r i a ç ã o . A q u i a t u a l i d a d e e r a a r e a l i d a d e
b r a s i l e i r a , v i d a e r a o e n g a j am en t o i d e o l ó g i c o , c r i a ç ã o
e r a b u s c a r um a l i n g u a g em a d e q u a d a à s c o n d i ç õ e s
p r e c á r i a s e c a p a z d e e x p r i m i r um a v i s ã o d e s a l i e n ad o -
r a , c r í t i c a , d a e x p e r i ê n c i a s o c i a l .
E a i nda , segundo e le :
[ . . . ] o C i n em a N o v o , em p a r t i c u l a r , p r o b l e m a t i z o u a s u a
i n s e r ç ão n a e s f e r a d a c u l t u r a d e m a s s a s , a p r e s e n t a n -
d o - se n o m e r c a d o , m a s p r o c u r a n d o s e r a s u a n e g a -
ç ã o , p r o c u r an d o a r t i c u l a r s u a p o l í t i c a c om um a d e l i b e -
r a d a i n s c r i ç ã o n a t r a d i ç ã o c u l t u r a l e r u d i t a . ( X AV I E R ,
2 0 0 1 , p . 2 3 ) .
O C i nema Novo fo i i n f l uenc i ado pe l o Neo r rea l i smo I t a l i ano ,
mov imen to que buscou mos t ra r a rea l i d ade p recá r i a do pós -
gue r ra na Eu ropa . Da mesma fo rma , o C i nema Novo que r i a
ap rox imar os f i lmes da rea l i d ade do povo ao reg i s t r a r a v i da
da popu l ação de modo rea l , como d i z o c r í t i co nac i ona l i s t a : ‚ [ . . . ]
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f o i h i s t o r i c amen te a p r ime i r a a f i rmação coe ren te de um c i nema
t i p i c amen te nac i ona l , com vocação popu l a r e tendênc i as
prog ress i s t as [ . . . ] ‛ ( HENNEBELLE , 1 978 , p . 65 ) .
Den t re os p r ime i r os f i lmes p roduz idos com a pe rspec t i va
de mode rn i za r a l i nguagem do c i nema nac i ona l , buscando
ap rox imar a f i cção o máx imo poss íve l do rea l , es t á A g rande f e i r a ( 1 96 1 ) , f i lme de f i cção que t em como pano de fundo a
f e i r a l i v re de Água de Men i nos . Ne l e podemos cap t a r a rea l i d a -
de do co t i d i ano das f e i r as l i v res espa l hadas po r t odo B ras i l ,
que , no rma lmen te , são t i das apenas como um l oca l de comér -
c i o e não como um pa t r imôn i o cu l t u ra l . Segundo G l aube r Rocha
( 2003 , p . 158 ) , este “ [ . . . ] é um f i lme novo no c inema Bras i l e i ro [ . . . ] ” .
O f i lme f o i g ravado em Água de Men i nos . No en redo , a
f e i r a es t ava p res t es a se r t omada po r uma imob i l i á r i a e a
na r ra t i v a mos t ra os f requen t ado res em l u t a pa ra sa l va r o
t e r reno a f im de não se rem despe j ados .
2 O F I L M E A G R A N D E F E I R A
As f e i r as l i v res j á f o ram cená r i o de mu i t os l i v ros e f i lmes ,
e um de les é o f i lme A g rande fe i r a ( 1 96 1 ) , de Robe r to P i r es ,
com a rgumento de Rex Sch i nd l e r . Es t a ob ra ap resen t a a an t i ga
f e i r a de Água de Men i nos com uma pe rspec t iva de c r í t i c a
soc i a l e cu l t u ra l , abo rdando t an to a impo r tânc i a da econom i a
l oca l quan to a fe i r a como um pa t r imôn i o da cu l t u ra . Po r t an t o ,
segundo A l éx i s Gó i s (2009 , p . 108 ) , ‚Robe r to P i r es ap rove i t ou
as pe rsona l i d ades ba i anas pa ra co l oca r em A g rande f e i r a ‛ o
o l ha r dos i n te l ec tua i s a pa r t i r dos pe rsonagens que rep resen -
t am as pessoas s imp l es da c i dade de Sa l vado r .
Po r suas ob ras o r i g i na i s e po r d i r i g i r o p r ime i r o l onga -
me t ragem da Bah i a , Redenção ( 1 959 ) , P i res , o d i r e t o r de A grande fe i r a ( 1 96 1 ) , é cons i de rado po r mu i t os o i nven to r do
c i nema ba i ano . Sem t e r os equ i pamen tos necessá r i os , e l e
chegou a i nven t a r a l en te anamór f i ca , seme l han te ao
c i nemascope , sendo , a i nda , cons i de rado um l ouco po r que re r
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f aze r c i nema na Bah i a na década de 1 950 . Mas , mesmo com os
obs t ácu l os , consegu i u l ança r o p r ime i r o f i lme em 1 959 , que fo i
um sucesso , po i s deu i n í c i o ao C i c l o Ba i ano de C i nema , que
v i r i a a se r o p r i nc í p i o do mov imen to do C i nema Novo . Se o
c i nema não ex i s t i s se , Robe r to P i r es o i nven t a r i a , fo i o que
d i sse G l aube r Rocha (2003 , p . 1 55 ) em seu l i v ro Rev i são c r í t i c a do c i nema b ras i l e i r o , comp l e t ando :
Qu em i n v e n t o u o c i n em a n a B a h i a f o i R o b e r t o P i r e s .
A c r e d i t o q u e t e r i a i n v e n t a d o m á qu i n a s d e f i l m a r s e ,
p o r a c a s o , a o s o n z e a n o s d e i d a d e , n ã o l h e c h e g a s s e
à s m ã o s um d e f i c i e n t e a p a r e l h o d e 1 6 mm , c om o q u a l
f i l m o u S o n h o .
Depo i s do l ançamen to de Redenção ( 1 959 ) , G l aube r Rocha
produz Ba r raven to ( 1 962 ) e , em segu i da , P i r es passa a se r o
r esponsáve l pe l o te rce i r o l onga -me t ragem ba i ano , A g rande f e i r a ( 1 96 1 ) , que apesar de j á te r s i do g ravado de modo p ro f i s -
s i ona l , a i nda houve d i f i c u l dades com equ i pamen tos , a to res e
cená r i o . Mesmo Ba r raven to ( 1 962 ) sendo l ançado após A grande f e i r a ( 1 96 1 ) , a i nda é cons i de rado o segundo l onga -
metragem ba iano , po is é o segundo a começar a ser produz i do .
A respe i to do f i lme de 1961 , Wa l ter da S i lve i ra ( 1962 , p . 7 ) af i rma :
[ . . . ] A g r a n d e f e i r a , e s t a b e l e c e n d o a s b a s e s d e um
c i n em a b r a s i l e i r o f o r a d o R i o d e J a n e i r o e d e S ã o
P a u l o , i n a u g u r a m a i s d o q u e o c i n em a b a i a n o , d o q u e
um a o u t r a e t a p a d e n o ss a h i s t ó r i a , d e um p o n t o d e
v i s t a s i m p l e sme n t e g e o g r á f i c o : t em a a u d á c i a d e
f u n d a r um c i n em a a b s o l u t am e n t e c o n t emp o r â n e o ,
c a r a c t e r í s t i c o d a n a c i o n a l i d a d e .
E af i rma a i nda o c r í t i co : ‚A grande fe i r a l i be r t a o c i nema
das suas duas a l i e nações , a da supos t a i n f e r i o r i dade e da
f a l sa supe r i o r i dade . Nem o p r ima r i smo da chanchada , nem o
escap i smo de es t r anhamen to . Uma l i nguagem popu l a r , embora
t r aba l hada . ‛ ( S ILVE IRA , 1 962 , p . 7 ) .
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A pr ime i r a cena do f i lme A g rande fe i r a ( 1 96 1 ) é com o
c ron i s t a soc i a l e poe t a popu l a r Cu í ca de San to Amaro , que
anunc i a : ‚A f e i r a de Água de Men i nos va i se acaba r . Engo l i d a
pe l os t uba rões [ t e rmo que usa pa ra re fe r i r - se à imob i l i á r i a ] . Va i
acaba r a g rande fe i r a . ‛ (A GRANDE . . . , 1 96 1 ) .
Cons i de rado po r G l aube r Rocha uma f i gu ra m i t o l óg i c a ,
Cu íca de San to Amaro v iv i a da venda dos seus l i v r i nhos que
con t avam as no t í c i as da c i dade em fo rma de co rde l , e , como
os c i nemanov i s t as que r i am f aze r f i lmes de denúnc i a soc i a l , a
p resença dessa f i gu ra popu l a r i n f o rmando o poss íve l f im da
f e i r a em seus l i v re tos e ra um mo te i nd i spensáve l . O r l ando
Senna ( 1 962 , p . 1 1 1 ) d i z que , com a cena de Cu í ca de San to
Amaro , ‚ [ . . . ] e s t abe l ece -se desde en t ão um ca rá te r de expos i -
ção popu l a r pa ra a h i s t ó r i a a pa r t i r des te momento . ‛
Na na r ra t i v a do f i lme , a fe i r a de Água de Men i nos é
ameaçada po r uma imob i l i á r i a que p re tende usa r o espaço
ocupado pe l os fe i r an tes pa ra amp l i a r os tanques de combus t í -
ve i s que f i c avam p róx imos , mas a té o f im do f i lme a fe i r a não
é des t ru í da . No en t an to , a p ro t agon i s ta Mar i a da Fe i r a mor re
pa ra sa l va r o l oca l , não ma i s da imob i l i á r i a , mas de uma bomba
que Ch i co D i abo , morado r da reg i ão , l ança , po i s e l e p re fe re
que o espaço se j a des t ru í do po r uma exp l osão , a se r t omado
pe l a imob i l i á r i a .
I r on i a da h i s t ó r i a rea l : t r ês anos após a p rodução do
f i lme , a fe i r a de Água de Men i nos pega fogo , numa época em
que a p re fe i t u ra es t ava com p l anos de expand i r o po r t o de
Sa l vado r , mas o comérc i o no l oca l imped i a a execução de t a l
p l ano . As causas rea i s do i ncênd i o a t é ho je não fo ram bem
esc l a rec i das .
A l ém da t r ama com a p rob l emá t i ca do despe j o dos f e i r an -
t es , há vá r i os ou t ros en redos no f i lme , como o de E l y , uma
senho ra da a l t a soc i edade , casada , que se apa i xona po r um
mar i nhe i r o , Rony , de c l asse soc i a l mu i t o d i f e ren te , mas e l a
reso l ve sus ten tá - l o , a t é que o mar i nhe i r o va i embora e e l a
vo l t a pa ra o mar i do .
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A ú l t ima cena do f i lme t ambém é com o c ron i s t a popu l a r
Cu íca de San t a Amaro . E l e es t á vendendo seus l i v re t os e
anunc i ando o desfecho da t r ama : ‚Mar i a da Fe i r a mor reu pa ra
sa l va r m i l ha res de pessoas . Ch ico D i abo f o i cas t i gado e a
mu l he r r i c a vo l t ou , abandonada pe l o mar i nhe i r o , pa ra o con fo r -
t o do seu mar i do . O prob l ema com os tuba rões não es t á reso l -
v i do . ‛ (A GRANDE . . . , 1 96 1 ) .
G l aube r Rocha , em um depo imen to t r anscr i t o do j o rna l
D i á r i o de No t í c i as e pub l i c ado j un to com o ro t e i r o do f i lme , d i z
amar A g rande fe i r a ( 1 96 1 ) como a um f i lme seu , e e l e con t i nua :
Ac ho q u e e s t á e n t r e o s m e l h o r e s f i l m e s b r a s i l e i r o s d a
f a s e s o n o r a , emb o r a s e j a s u s p e i t o p r a d i z e r i s t o . V e j o
n o f i l m e d e f e i t o s , m a s n u n c a d e f e i t o s g r a v e s . M a s
e s t e s d e f e i t o s e s t ã o e s p e c i a l m e n t e n o a c a b am en t o
l i t e r á r i o d o s d i á l o g o s ( q u e s ã o a s s i m m e smo , o s
m e l h o r e s d e t o d o o c i n ema b r a s i l e i r o ) . O s o u t r o s d e t a -
l h e s s ã o i n s i g n i f i c a n t e s , d e f e n s á ve i s e e n c o n t r á v e i s
n o s m e l h o r e s d i r e t o r e s d o c i n em a n a c i o n a l . ( R OC HA ,
1 9 6 2 , p . 1 0 9 ) .
3 A S F E I R A S L I V R E S : P A T R I M Ô N I O C U L T U R A L
Ex i s tem , desde mu i t o t empo , fe i r as l i v res espa l hadas po r
t odo B ras i l , a l gumas de l as mu i to conhec i das . E l as abas t ecem as
c i dades não só com a l imen tos , mas t ambém com ves tuá r i os ,
u t ens í l i o s domés t i cos , den t re vá r i os ou t ros ob je t os de uso
co t i d i ano . Es t as o rgan i zações de o r i gem med ieva l vão pa ra
a l ém de f i na l i d ades pu ramen te econôm icas , po i s segundo
Araú j o ( 20 1 1 , p . 92 ) :
[ . . . ] h i s t o r i c am en t e a s f e i r a s a d q u i r i r am um a i m p o r t â n -
c i a m u i t o g r a n d e , q u e u l t r a p a s s a s e u p a p e l c ome r c i a l
e a s t r a n s f o rm a , em m u i t a s s o c i e d ad e s , n um e n t r e -
p o s t o d e t r o c a s c u l t u r a i s e d e a p r e n d i z a d o , o n d e
p e s s o a s d e v á r i a s l o c a l i d a d e s s e c o n g r e g am p a r a
e s t a b e l e c e r l a ç o s d e so c i a b i l i d a d e .
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Jus t i no ( 1 989 , p . 275 ) a i nda a f i rma que : ‚ [ . . . ] uma f e i r a é ,
an tes de ma i s , um l oca l de encon t ro . A í , vendedo res e
comprado res es tabe l ecem os seus negóc i os , mas , po r ou t ro ,
i n t eg ram-se numa t r ama de papé i s soc i a i s que t r anscendem as
f unções es t r i t amen te econôm icas . ‛ Nes tes espaços de compra
e venda desenvo lvem-se fo rmas de cu l t u ra , e e l es são mu i t as
vezes pon to de encon t ro , v i s to que no d i a da fe i r a mu i t as
pessoas se des l ocam de d i ve rsos pon tos e a t r ans fo rmam
[ . . . ] n um a e f e r v e s c ê n c i a s o c i a l , c a r a c t e r i z a d a p o r um a
mu l t i p l i c i d a d e d e s u j e i t o s , c om v a r i a d o s e v e n t o s , mo d i -
f i c a n d o , a i n d a q u e p o r um p e r í o d o c u r t o , a t em po r a l i -
d a d e d a c i d a d e e i m p r im i n d o um d i n am i sm o d i f e r e n t e
d o r o t i n e i r o , d o h a b i t u a l . ( A RAÚJO , 2 0 1 1 , p . 9 0 - 9 1 ) .
Apesa r do va l o r cu l t u ra l , as fe i r as l i v res no rma lmen te são
t i das apenas como um l uga r de comérc i o e acabam po r so f re r
i n t e r fe rênc i as ex te rnas . Um exemp l o d i sso são as po l í t i c as
púb l i c as desconhecedo ras do impo r t an te pape l i den t i t á r i o e
popu l a r que as fe i r as l i v res têm como memór i as cu l t u ra i s da
reg i ão .
A h i s t ó r i a rea l de Água de Men i nos é pa rec i da com o
en redo do f i lme de Robe r to P i r es , po i s é o processo de u rban i -
zação que i n t e r f e re na l óg i ca da f e i r a como espaço popu l a r
enc ravado na mode rn idade u rbana . Po r f i ca r l oca l i z ada em um
i n t e rmed i á r i o en t re a c i dade a l t a e a c i dade ba i xa , na c i dade de
Sa l vado r , a P re fe i t u ra t i nha p l anos de ex t i ngu i r Água de Men i -
nos , po i s os p l anos econôm icos depend i am da expansão do
po r t o . A p ropos t a fo i que os morado res e fe i r an tes se mudas -
sem pa ra a fe i r a de São Joaqu im , mas a ma i o r i a não ace i t ou e
con t i nuou no l oca l . Tempos depo i s , a f e i r a pegou fogo – ou f o i
i ncend i ada , po i s a té ho j e não se sabe ao ce r t o o que p rovo -
cou o i ncênd i o des t ru i do r . Ass im , e l a f o i t rans fe r i da pa ra São
Joaqu im , onde con t i nua a t é os d i as de ho je .
A fe i r a , a l ém de i nsp i r a r o f i lme , t ambém i nsp i r ou ou t r as
ob ras , como a mús i ca dos compos i t o res G i l be r t o G i l e José
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 2 9 - 3 9 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
Car l os Cap i nan , Água de men i nos ( 1 967 ) , em que e l es desc re -
vem e con tam essa h i s t ó r i a da fe i r a em fo rma de canção :
A f e i r a n em b em s a b i a
S e i a p r o m a r o u s u b i a
E n em o p o vo q u e r i a
E s c o l h e r o u t r o l u g a r
E n q u a n t o a f e i r a n ã o v i a
A h o r a d e s e m ud a r .
T o c a r am f o g o n a f e i r a
A i , m e d i a , m i ’ a s i n h á
P r a o n d e c o r r e u o p o vo
P r a o n d e c o r r e u a mo ç a
V i n d a d e T ap e r o á ? . . .
A lém da mús ica most ra r que Água de Men i nos f o i uma
f e i r a impo r t an t e pa ra t oda comun i dade quan to aos aspec tos
econôm icos e , p r i nc i pa lmen te , cu l t u ra i s , o espaço é con f i rmado
como fon te de i nsp i r ação de canções , f i lmes e documentá r i os .
Nesse sen t i do , reg i s t r a -se a i nda como o i n cênd i o aba l ou a
popu l ação .
Não apenas as f e i r as l i v res , mas vá r i os ou t ros l uga res de
man i f es t ações popu l a res t ambém sof rem com as i n te r fe rênc i as
ex te rnas po r con t a da i ndus t r i a l i z ação e u rban i zação das c i da -
des , a l gumas vezes de f o rma não pac í f i c a , mas , no ge ra l , de
f o rma t r aumá t i ca . Ass im como a fe i r a de Água de Men i nos ,
vá r i as ou t r as t ambém so f re ram essas a l t e rações , como a fe i r a
l i v re de Fe i r a de San tana , de onde se o r i g i nou a c i dade e o
seu nome . Em 1972 , e l a f o i t r ans fe r i da pa ra um espaço de l im i -
t ado no cen t ro de abas tec imen to po r con t a do p rocesso de
i ndus t r i a l i z ação que a c i dade es t ava so f rendo , de i xando de
l ado os aspec tos t r ad i c i ona i s do l oca l adv i ndos desde o f i na l
do sécu l o XV I I , quando e l a su rg i u .
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4 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
A grande f e i r a ( 1 96 1 ) , ob ra de Robe r to P i res , é uma rep re -
sen tação c i nema tog rá f i c a da cu l t u ra ba i ana que abo rda um
aspec to da es t ru t u ra ge ra l da soc iedade b ras i l e i r a , po i s
ap resen t a vá r i os assun tos que d i zem respe i t o aos mode los
econôm icos e soc i a i s do pa í s . É poss íve l pe rcebe r a p reocupa -
ção do c i nema com a i den t i dade cu l t u ra l no con tex to da rea l i -
zação do f i lme , t r azendo como pano de fundo os aspec tos da
rea l i d ade i den t i t á r i a da Bah i a em seus aspec tos popu l a res . A
f e i r a l i v re , no f i lme , ass im como toda a rea l i d ade soc i a l e
econôm ica rep resen t ada , é ma i s do que apenas um l uga r
geog rá f i co de comérc i o , po i s assume uma cond i ção s imbó l i c a
de conv ív i o soc i a l e de exp ressão cu l t u ra l . No f i lme , a ameaça
à f e i r a l i v re de Água de Men i nos mos t ra como o desenvo lv i -
mento das c i dades i n te r fe re , de f o rma d i re ta , no co t i d i ano da
popu l ação , mu i t as vezes po r con t a do d i scu rso h i g i en i s t a que
desap rova a deso rdem e/ou f a l t a de h i g i ene do l uga r . A ob ra
a i nda denunc i a os i n te resses econôm icos no espaço ocupado
pe l a fe i r a , que a t i ngem de f o rma d i r e t a um m ic rocosmo reve l a -
do r de pa t r imôn i os cu l t u ra i s das c i dades .
Abs t r a c t : T h i s p ape r d i s c u s se s t h e r e p r e se n t a t i o n o f p opu l a r
c u l t u r e o n t h e f i l m A g r a n d e f e i r a ( 1 9 6 2 ) , d i r e c t e d b y R obe r t o
P i r e s , a w o r k t h a t f o c u s e s t h e o p e n s t r e e t m a r k e t Á g u a d e
Men i n o s i n a n a r r a t i v e p r o d u c e d i n t h e e a r l y ‘ 6 0 s , w i t h t h e
i n i t i a l t r aces o f po l i c y o f the New C i nema i n Bah i a .
Keywords : C i nema . Cu l t u re . Rep resen t a t i on . Open S t ree t Marke t .
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I N OV A ÇÕ E S L E X I CA I S NO T EX TO L I T E RÁR I O
T h a i r a n e d e J e s u s N a s c i m en t o ( U E F S ) 1
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s V e r n á c u l a s
t h a i - n a s c i m e n t o @ b o l . c om . b r
P r o f . D r a . R i t a d e C á s s i a R i b e i r o d e Q u e i r o z ( O r i e n t a d o r a /U E F S )
D e p a r t am e n t o d e L e t r a s e A r t e s
r c q u e i r o z @ u o l . c om . b r
R e s um o : E s t e t r a b a l h o t em o o b j e t i v o d e d i s c u t i r a c r i a ç ã o
l e x i c a l em t ex to s l i t e r á r i o s , d i s t i ngu i ndo -a da c r i aç ão l ex i c a l em
o u t r o s g ê n e r o s d e t e x t o . A p a r t i r d a i d e n t i f i c a ç ã o d o s
p rocessos com os qua i s é ge r ada , dos e f e i t o s que p roduz no
l e i t o r e d a s u a p o s s i b i l i d a d e d e i n c o r p o r a ç ã o a o l é x i c o d o
po r t uguês , a neo l o g i a l i t e r á r i a é comen tada t ambém em te rmos
d a f u n ç ã o q u e e x e r c e n o t e x t o , t e n d o c o m o s u p o r t e o s
pos tu l ados de I eda Mar i a A lves ( 2000 ) , Marga r i da Bas í l i o ( 2000 )
e A n t ô n i o S a n dm a n ( 1 9 9 7 ) . A t í t u l o d e e x em p l i f i c a ç ã o , s ã o
c om e n t a d a s a l g um a s c r i a ç õ e s p r e s e n t e s n o r om a n c e T e r r a s o n âmbu l a ( 1 9 9 2 ) , d o p r em i a do e sc r i t o r M i a Cou t o . F i n a lme n t e ,
a s ev i d ênc i a s comp rov am que a s p ec u l i a r i d a d e s i n e r e n t e s ao
n e o l o g i sm o n a l i t e r a t u r a j u s t i f i c am a u t i l i z a ç ã o d e um t e rm o
d i s t i n t o pa ra o seu t r a t amen to : ‚ i novação l ex i c a l ‛ .
Pa l av ras -chave : L i ngu í s t i c a . Léx ico . Neo l og i smo . L i t e ra t u ra .
1 I N T R O D U Ç Ã O
A fo rmação e a u t i l i z ação de pa l av ras novas , ou neo l o -
g i smos , t êm merec i do a a tenção de vá r i os es tud i osos da
l í n gua , que ana l i s am os mo t i vos que os p recedem , as regu l a r i -
dades do s i s tema l i ngu í s t i c o que os pe rm i t em e os p rocessos
espec í f i c os que cons t i t uem cada um de l es . No en tan to , o es tu -
do dos neo l og i smos pode se r d i v i d i do em duas ve r ten tes
p r i nc i pa i s . A p r ime i r a é a dos que são u t i l i z ados e fe t i vamen te
no co t i d i ano , os qua i s cos tumam a tende r a uma necess i dade
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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prá t i c a de nomeação . Cos tuma -se , nesse sen t i do , u t i l i z a r como
co rpus j o rna i s , rev i s t as , t ex tos de g rande ve icu l ação ou a r t i -
gos c ien t í f i c os . A segunda ve r t en te é cen t rada exc l us ivamente
no uso a r t í s t i c o de pa l av ras novas , em que merece des t aque a
l i t e r a t u ra . Confo rme se rá demons t rado ao l ongo des te t r aba l ho ,
os neo l og i smos l i t e r á r i os d i f e renc i am -se dos dema i s em vá r i os
aspec tos impo r t an tes .
Pa ra demonst ra r as a f i rmações aqu i expos t as , se rão
comen tadas a l gumas c r i ações l ex i c a i s p resen tes no romance
Te r ra sonâmbu l a ( 1 992 ) , do esc r i t o r moçamb i cano M i a Cou to . No
romance , a l i nguagem é t r aba l hada de modo mu i t o pecu l i a r ,
se rv i ndo à cons t rução de um es t i l o ex t remamen te poé t i co e
envo lven te . I sso se deve , em g rande pa r t e , à i nse rção
cons t an te de pa l av ras novas ao l ongo do tex to , numa demons -
t r ação i r r e fu t áve l da c r i a t i v i dade do romanc i s t a . A f unção que
e l as exe rcem no romance é f undamen ta lmen te a de pa r t i c u l a r i -
zá- l o em re l ação aos dema i s e c r i a r uma sensação de
es t r anhamento no l e i t o r , f o rçado a rea l i z a r uma ope ração i n te r -
p re t a t i v a bem ma i s comp l exa do que se r i a necessá r i o pa ra
compreende r neo l og i smos em dema i s tex tos .
2 N E O L O G I S M O X I N O V A Ç Ã O L E X I C A L : A Q U E S T Ã O
D A L I T E R A T U R A
Embora se j am t r a t ados com os mesmos cr i t é r i os pe l os
es tud i osos , a f o rmação de novas pa l av ras no d i scu rso técn ico
-c i en t í f i co ou na imp rensa esc r i t a d i f e re bas t an te da f o rmação
de novas pa l av ras no d i scu rso a r t í s t i c o . A d i f e rença é t ão
cen t r a l que a neo l og i a l i t e r á r i a me rece uma exp ressão d i s t i n t a
que a des i gne , ‚ i novação l ex i c a l ‛ . Ass im , recebe r i am o cunho
de neo l og i smos apenas as pa l av ras c r i adas nos dema i s amb i -
en tes , com suas mot i vações e p rocessos espec í f i cos , enquan -
t o a c r i ação de pa l avras novas na l i t e r a t u ra se r i a des i gnada
espec i f i c amen te como uma i novação l ex i c a l . Ve j amos o que
ca rac te r i za um e ou t ro p rocesso .
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Em p r ime i r o l uga r , há uma d i f e rença j á na f unção que
essas pa l av ras novas desempenham no tex to em que são u t i l i -
zadas . De aco rdo com Marga r i da Bas í l i o ( 2000 , p . 67 ) ,
[ . . . ] p o d em o s p e n s a r p e l o m en o s em t r ê s f u n ç õ e s
f u n d am en t a i s p a r a a f o rm a ç ã o d e p a l a v r a s : a f u n ç ã o
d e d e n om i n a ç ão , q u e c o r r e s p o n d e , n a t u r a l m e n t e , a
n e c e s s i d a d e s s em ân t i c a s ; a f u n ç ã o d e a d e q u aç ã o
d i s c u r s i v a e a f u n ç ã o d e a d e q u a ç ão s i n t á t i c a . E n t r e -
t a n t o , n ã o s e p o d e d e s c a r t a r a p o s s i b i l i d a d e d e q u e
e s t a s f u n ç õ e s s e j am m e s c l a d a s , p e l o me n o s em
a l g u n s c a s o s .
A função de denom inação é a t i vada quando a uma base
é ac rescen t ado um novo sen t i do pe l a j unção de p re f i xos ou
pe l a compos ição . O f a l an te que p roduz essa nova pa l av ra
p re tende , em ge ra l , a tende r à necess i dade de nomear um novo
p rocesso ou ob j e to . A função de adequação s i n t á t i c a es t á
d i r e t amente re l ac i onada aos p rocessos que ge ram mudança de
c l asse , quase sempre com a p rese rvação do sen t i do da base
( o ac résc imo semân t i co aqu i é pequeno ) , a t ravés da su f i xação
ou t ambém da compos i ção . A função d i scurs i va , po r f im , t em
uma dup l a u t i l i d ade : a p r ime i r a d i z respe i t o à man i f es t ação de
a t i t udes sub je t i v as do em i sso r , que c r i a novas pa l av ras pa ra
exp ressa r a va l o r i zação ou desva l o r i zação que confe re a
de te rm i nado ob j e to , pessoa ou s i t uação . A segunda é a de
p romove r a adequação do t ex to ao gêne ro a que e l e pe r tence
e ao reg i s t ro de f a l a em que e l e é p roduz i do , a ten tando pa ra
as pecu l i a r i dades l ex i ca i s da í consequen tes .
Embora es t as f unções es t e j am mesc l adas na ma i o r i a nos
casos , como a p róp r i a au to ra sa l i e n t a , é poss í ve l ve r i f i ca r a
p roem inênc i a de uma em de t r imen to das ou t r as em a l guns
p rocessos neo l óg i cos . Nesse sen t i do , podemos obse rva r que
as f unções semân t i ca e s i n t á t i c a cos tumam p reva lece r na
c r i ação de pa l av ras no d i scu rso técn ico -c i en t í f i c o ou da
imp rensa esc r i t a , ao mesmo tempo em que a f unção d i scu rs iva
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 4 3 - 5 5 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
é menos a t i vada , j á que esses tex tos , que se p ropõem impes -
soa i s , não pe rm i t em a reve l ação de a t i t udes sub j e t i vas de
qua l que r na tu reza . Na l i t e r a t u ra , em con t rapa r t i da , é a função
d i scu rs iva que es t á po r t r ás da g rande ma io r i a das i nvenções
de pa l av ras , com as qua i s o au to r t ambém con fe re ao seu
t ex to um tom ma i s l eve ou ma i s pesado , ma i s sé r i o ou côm ico ,
ma i s ou menos emo t i vo , ou qua i sque r ou t r as nuances que
a lme j a r .
Desse modo , o neo l og i smo é c r i ado pa ra a tende r a uma
necess i dade p rá t i c a de nomear ob je t os e s i t uações novas
( f unção semân t i c a ) , ou de t r ansf e r i r o con teúdo de pa l av ras de
uma c l asse g ramat i c a l pa ra ou t r a ( f unção s i n t á t i c a ) . Na i nova-ção l ex i c a l , essas mo t i vações são secundá r i as ou mesmo
ausen tes , po i s a ma i o r i a das pa l av ras c r i adas j á possu i uma
l ex i a que compor t a o con teúdo semân t i co que p re tende ve icu -
l a r . Seu su rg imen to deve -se , en t ão , a uma necess i dade funda -
menta lmen te es t i l í s t i c a .
Ou t ra d i f e rença en t re neo l og i smos e i novações l ex i c a i s é
que os p r ime i r os são ma i s d i f i c i lmen te reconhec i dos como t a i s .
Ao l e r um tex to , é bem p rováve l que nos depa remos com
a l gumas pa l av ras i nex i s t en t es em l í ngua po r tuguesa , mas reco -
nhecemos ne l as p rocessos de f o rmação t ão na tu ra i s na nossa
l í ngua que a t r i bu ímos o f a t o de não conhecê - l as à pob reza de
nosso vocabu l á r i o e não ao fa t o de que se t r a t a de uma nov i -
dade l ex i c a l . As i novações na l i t e r a t u ra , po r ou t ro l ado , causam
um es t r anhamen to mu i t o g rande à p r ime i r a l e i t u ra , que escan -
ca ra o f a to de que aque l a pa l av ra não ex i s t i a a t é en t ão . O
e fe i t o dessa c r i ação sob re quem a l ê é bas tan t e ev i den te :
N e s s e m ec a n i sm o d e c r i a ç ã o n e o l ó g i c a - a ç ã o s o b r e o
d e s t i n a t á r i o , e s t e ú l t i m o é c o n s c i e n t e d a a ç ã o q u e é
d i r i g i d a s o b r e e l e ; é , a l é m d i s s o , s e n s í v e l à c a r a c t e r í s -
t i c a e s p e c í f i c a d e s s e v o c á b u l o , q u e l h e p a r e c e r á t a n t o
m a i s r a r o e m a i s n o vo q u a n t o m a i s i n d i v i d u a l i z a d a f o r
e s s a a ç ã o : o f a z e r d o d i s c u r s o p a r e c e e s t a r d i r i g i d o
s om en t e p a r a e l e . Q u a n t o m a i s é a t i n g i d o p e l o e f e i t o
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 4 3 - 5 5 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
d o n e o l o g i smo , m a i o r c o n h e c i m e n t o t om a o R e c e p t o r
d a n o v i d a d e d o v o c á b u l o em p r e g a d o . ( B A R BOSA , 1 9 8 1 ,
p . 9 6 ) .
O que p rovoca esse es t r anhamen to ou sensação de
i nd i v i dua l i d ade da pa l av ra nova é o modo como e l a f o i f o rma -
da . 2 Há , en t re os p rocessos de c r i ação de novas pa l av ras , os
que são ma i s p rodu t ivos e os que são menos , ou mesmo ,
t o t a lmen te imp rodu t i vos . São as regu l a r i dades do s i s tema que
p reveem qua i s a f i xos podem se r ad ic i onados a qua i s bases ,
po r c r i t é r i os mor f o l óg i cos e semânt i cos , con fo rme exp l i c a
Sandmann ( 1 997 , p . 65 ) :
N ã o e n c o n t r amo s , p o r e x emp l o , n e n h um v e r b o a o q u a l
t e n h a s i d o a n t e p o s t o o p r e f i x o a n t i - , a p e n a s a d j e t i v o s
( a n t i a n êm i c o ) e s u b s t a n t i v o s ( a n t i - h e r ó i , a n t i j u r i d i c i d a -d e ) , s e n d o q u e a n t i p a t i z a r e s i m p a t i z a r n ã o v êm d e
p a t i z a r + p r e f i x o , p o r ém d e a n t i p a t i a e s i m p a t i a o u d e
a n t i p á t i c o e s i m p á t i c o p o r t r u n c am en t o . D a m e sm a
f o rm a n ã o s e p r e n d e a v e r b o o p r e f i x o n e g a t i v o i n -
( * i n c o n c l u i r , * i n d e c om p o r ) , e e s s e m e smo – i n - n ã o s e
j u n t a a b a s e s a d j e t i v a s d e s e n t i d o n e g a t i v o
( * i m p e r i g o s o , * i n v i o l e n t o ) . J á d e s - p r i v i l e g i a b a s e s
d i n âm i c a s ( d e s d o l a r i z a r , d e s b u r o c r a t i z a n t e , d e s b u r o c r a t i z a ç ã o ) , s e n d o f o rm aç õ e s c om b a s e s e s t á -
t i c a s um a r a r i d a d e ( d e s i n f o rm aç ã o ) e , q u a n d o p r o d u z i -
d a s , t êm , em g e r a l , e s p e c i a l f o r m a e s t i l í s t i c a [ . . . ] .
Há a i nda o que o mesmo au to r chama de ‚b l oque i o l ex i -
ca l ‛ , que impede que se j am c r i adas pa l av ras novas quando j á
ex i s tem no l éx i co ou t r as pa l av ras de i gua l f unção , ou se j a ,
quando a c r i ação é desnecessá r i a po r j á ex i s t i r uma pa l av ra
que ocupe aque l e mesmo espaço . O des respe i t o a essas
no rmas é l ogo pe rceb i do pe l o l e i t o r/ouv i n t e que se depa ra
com uma nova pa l avra , pos to que dom ina i nconsc ien temen te
essas reg ras de f o rmação em sua l í ngua . De modo ge ra l , os
neo l og i smos seguem processos p rodu t i vos de fo rmação , o que
f az com que os percebamos como na tura i s , enquan to as
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 4 3 - 5 5 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
i n ovações l ex i c a i s nascem da t r ansg ressão p ropos i t a l dessas
reg ras a f im de causa r es t r anhamen to . Podemos d i ze r que as
i n ovações l ex i ca i s são ve rdade i r os ‚ t es t es‛ à e l as t i c i dade da
l í n gua e à sua f o rça exp ress i va .
E é mesmo po r essa razão que a i n te rp re t ação do neo lo -
g i smo é ma i s ráp i da . Os mor femas que en t ram em sua compo -
s i ção são u t i l i z ados em seu sen t i do o r todoxo e os p rocessos
f o rmadores são os reconhec i damen te p rodu t i vos no i d i oma .
Tudo i sso é fe i t o pa ra que a comun icação não se j a p re j ud i c ada
pe l a u t i l i z ação de uma pa l av ra nova e pa ra que os l e i t o res/
ouv i n t es ap reendam rap i damen te o sen t i do que o p rodu to r qu i s
t r ansm i t i r . A pe rcepção do sen t i do de uma i novação l ex i c a l , em
con t rapa r t i da , é bem ma i s l en t a e sub j e t i v a , ex t remamen te
dependen te do con tex to , v i s to que os mor f emas f requen te -
mente adqu i r em cono tações me ta f ó r i c as e são comb i nados de
modo imp rev i s to pe l as reg ras do s i s t ema l i ngu í s t i c o . Em ou t ras
pa l av ras , o cen t ro do neo l og i smo é a i n f o rmação , enquan to o
cen t ro da i novação l ex i c a l é a imp ressão . I sso é t ão ve rdade i -
ro que , pa ra a l gumas c r i ações l ex i c a i s , é a té d i f í c i l a t r i bu i r uma
de f i n i ç ão que ence r re o seu sen t i do . E l as não f o ram c r i adas
pa ra i n f o rmar , i ns t ru i r , mas pa ra ge ra r ‚pon tos de t ensão ‛ ao
l o ngo da ob ra , p rovoca r o es t r anhamen to , pa ra marca r a espe -
c i f i c i dade do d i scu rso a r t í s t i c o e mo t i va r a a t i vação da sens i b i -
l i d ade pa ra a sua compreensão . Po r f im , o neo l og i smo t ende a se i nco rpo rar ao l éx i co da
comun i dade e so f re r o p rocesso de desneo l og i zação , enquan to
a i novação l ex i c a l t em v i da bas t an te cu r t a , r es t r i t a à s i t uação
em que f o i p roduz i da e quase sem chances de se r i nc l u í da ao
vocabu l á r i o de ou t r as pessoas . A ace i t ação do neo l og i smo pe l a
comun i dade l i ngu í s t i c a é mesmo um dos c r i t é r i os pa ra a sua
i den t i f i c ação :
S e o p r i m e i r o m omen t o d o a t o n e o l ó g i c o é a c r i a ç ã o ,
o s e g u n d o m ome n t o s e r e f e r e à r e c e p ç ã o e à a c e i t a -
b i l i d a d e d o n e o l o g i sm o p e l o s d e s t i n a t á r i o s , b em c omo
s u a i n s e r ç ã o n o c o n j u n t o d a s u n i d a d e s l é x i c a s m emo -
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r i z a d a s . C r i a d o , o n e o l o g i sm o s ó p a s s a a t e r e s s e
e s t a t u t o , s e o s e u u s o s e g e n e r a l i z a a p o n t o d e s e r
um v o c á b u l o d i s p o n í v e l d e , p e l o m en o s , um g r u p o d e
i n d i v í d u o s ; d e p o i s , c ome ç am a em p r e g á - l o e , a s s i m , s e
v a i d a n d o d i f u s ã o ; d o u t r a s v e z e s , h á um a r e j e i ç ã o
n a t u r a l o u i n t e n c i o n a l d o t e rmo e e s s e d e s a p a r e c e a o
n a s c e r . ( B A R BOSA , 2 00 1 , p . 3 7 - 3 8 ) .
A ace i t ação do neo l og i smo e a sua consequen te desneo -
l og i zação é f undamen ta l , embora em a l guns casos , mesmo
p re tend i da pe l os que o c r i a r am , não se j a conc re t i zada po r
f a t o res de na tu reza d i ve rsa :
N ã o b a s t a a c r i a ç ã o d o n e o l o g i smo p a r a q u e e l e s e
t o r n e memb r o i n t e g r a n t e d o a c e r v o l e x i c a l d e um a
l í n g u a . É , n a v e r d a d e , a c om u n i d a d e l i n g u í s t i c a , p e l o
u s o d o e l e me n t o n e o l ó g i c o o u p e l a s u a n ã o - d i f u s ã o ,
q u e d e c i d e s o b r e a i n t e g r a ç ã o d e s s a n o v a f o rma ç ã o
a o i d i o m a . P o r i s s o n ã o p o d emo s , a p r i o r i , i d e n t i f i c a r
a s c r i a ç õ e s l é x i c a s q u e c h e g a r ã o a a n e x a r - s e a o
c ó d i g o d e um a l í n g u a , p o i s f a t o r e s e x t r a l i n g u í s t i c o s ,
c om o t e n d ê n c i a s p o l í t i c a s , e c o n ôm i c a s , c u l t u r a i s . . .
i n t e r f e r em f r e q u e n t eme n t e e a j u d am a d e t e rm i n a r a
p o s s i b i l i d a d e d e i n t e g r a ç ã o d e u n i d ad e s l é x i c a s . S e
b a s t a n t e f r e q u e n t e , o n e o l o g i smo é i n s e r i d o em o b r a s
l e x i c o g r á f i c a s e c o n s i d e r a d o p a r t e i n t e g r a n t e d o s i s t e -
m a l i n g u í s t i c o . S a b emo s , n o e n t a n t o , q u e o s l e x i c ó g r a -
f o s a g em m u i t a s v e z e s a r b i t r a r i ame n t e , o u s e j a ,
u n i d a d e s l é x i c a s m u i t o u s a d a s s ã o e s q u e c i d a s e
o u t r a s , p o u c o d i f u n d i d a s , c h e g am a f a z e r p a r t e d o s
d i c i o n á r i o s . ( A LVES , 1 9 9 0 , p . 8 4 ) .
A e femer i dade das i novações l ex i c a i s é , ao con t r á r i o ,
p rev i s t a po r quem as p roduz e é pa r te fundamen ta l do seu
ca rá te r espec i a l . Se todas e l as f ossem ado t adas nas i n t e ra -
ções l i ngu í s t i c as do d i a a d i a , pe rde r i am a sua excen t r i c i dade ,
a sua i ne ren te es t r anheza e , consequen temente , os p róp r i os
mo t i vos que l eva ram à sua p rodução .
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 4 3 - 5 5 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
Todas essas d i f e renças rea f i rmam a necess i dade de que
esses do i s f a t os l i ngu í s t i c os se j am t r a t ados de modo d i f e ren te ,
l evando em cons i de ração suas pecu l i a r i dades fo rma t ivas ,
semân t i c as e f unc i ona i s .
3 O C A S O D E M I A C O U T O
A t í t u l o de exemp l i f i cação , fo ram se l ec i onadas a l gumas
i novações l ex i c a i s das qua i s o romance Te r ra sonâmbu l a ( 1 992 )
es t á rep le t o . O seu au to r , M i a Cou to , j á é mesmo conhec i do
pe l o modo como u t i l i z a esse recu rso em suas ob ras . O ob j e t i -
vo é demons t ra r como esse t i po de renovação l ex i c a l pode
se r bené f i c a pa ra um tex to l i t e r á r i o , par t i c u l a r i zando -o de
mane i r a i n tensa , e como se d i f e renc i a dos neo l og i smos do d i s -
cu rso técn i co -c i en t í f i co em te rmos de p rodução de sen t i do ,
ace i t ab i l i d ade e f unção :
I RMÃODADE s . f . F r a t e rn i dade . ‚Que i rmãodade exe rc i a eu ,
a f i na l ? ‛ (COUTO, 1 992 , p . 1 27 , g r i f o nosso ) .
Esse t i po de a l t e ração dos f onemas de que compõem a
pa l av ra fo i bas t an t e u t i l i z ada pe l o au to r pa ra ge ra r novas
nuances de sen t i do . 3 Nesse caso espec í f i co , po r exemp l o , f o i
capaz de p roduz i r uma d i s t i nção com a pa l av ra ‚ i rmandade ‛ ,
que s i gn i f i c a sen t imen to de f r a t e rn i dade pe l as pessoas em
ge ra l . ‚ I rmãodade ‛ , em con t rapa r t i da , des i gna um a to espec i a l
de a f e i ç ão po r um i rmão de sangue .
VUUM-NTÁA s .m . Onomatope i a . ‚O va rapau , vuuum-n t áá ,
es t a l ava nos cos t ados . ‛ (COUTO , 1 992 , p . 1 90 , g r i f o
nosso ) .
Ma i s um exemp l o de c r i ação f ono l óg i c a , des t a vez uma
onoma tope i a 4 rep rodu to ra do som de uma va ra a t i ng i ndo as
cos tas de a l guém , uma espéc ie de i novação l ex i c a l t ambém
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comum em out ros tex tos a r t í s t i cos como as h i s t ó r i as em
quad r i nhos , t i r i nhas , e tc . , ao passo em que é p ra t i c amen te
i nex i s ten t e em tex tos de ou t ros gêne ros .
DESANDAR ILHO ad j . Que anda sem rumo . ‚ Fug i da l i ,
desanda r i l ho . ” (COUTO , 1 992 , p . 1 1 9 , g r i f o nosso ) .
Nesse caso espec í f i co , pe rcebe -se que o p re f i xo des- não é u t i l i z ado em seu sen t i do o r t odoxo . E l e não nega a base
a que é ad i c i onado : ‚desanda r i l ho ‛ não é um ‚não anda r i l ho ‛ ,
mas um anda r i l ho sem rumo , pe rd i do .
IMPERTURBAR-SE v . i . Não se impo r t a r com , i gno ra r . ‚ [ . . . ]
os ou t ros se impe r t u rbam . ” (COUTO, 1 992 , p . 55 , g r i f o
nosso ) .
Resu l t ado de um p rocesso ex t remamen te pouco p rodu t i vo
em po r t uguês , a ad i ção do p re f i xo im- a bases ve rba i s 5 ( c f .
SANDMANN 1 997 , p . 65 ) , essa pa l av ra i l u s t ra ma i s uma vez o
f a t o de que a i novação l ex i c a l , no tex to l i t e r á r i o , necess i t a
pa r t i r da t r ansg ressão das reg ras de comb i nação de mor femas
pa ra causa r o impac to do es t r anhamento .
CALC INH ICE s . f . F rescu ra ( pe j . ) ‚De i xa - te de ca l c i nh i ces e
aga r ra mas é desse l ado . ‛ (COUTO , 1992 , p . 1 78 , g r i f o
nosso ) .
C r i ação que con t ra r i a o ob j e t i vo p r imo rd i a l da su f i xação ,
que é a mudança de c l asse , t em como função p r i nc i pa l a
d i scu rs iva , ao se r capaz de reve l a r a t i t udes sub j e t i v as do
p rodu to r ( nesse caso , a i r on i a e a pe j o ra t i v i dade ) 6 .
TREMEDROSO ad j . T reme + medroso . Aque l e que t reme de
medo . ‚ Junho se escondeu en t re meus b raços , t remedro -
so . ” (COUTO, 1 992 , p . 1 9 , g r i f o nosso ) .
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Esse p rocesso de c r i ação em pa r t i c u l a r fo i mu i t o u t i l i z ado
pe l o au to r do romance em ques t ão . T ra t a -se do c ruzamento
vocabu l a r , em que duas pa l av ras , que de a l gum modo se ap ro -
x imam fone t i c amen te , são comb i nadas pa ra fo rmar uma t e rce i r a
pa l av ra cu j o sen t i do resu l t a da soma dos sen t i dos dos vocá -
bu l os -base .
C o m o e s s e , h á m u i t o s o u t r o s e x e m p l o s :
‚ b r i n c r i a ç ã o ‛ ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 1 0 , 1 3 8 , 1 6 7 , 2 0 6 ) ,
‚ l uz i l h an te ‛ (COUTO , 1992 , p . 2 1 ) , ‚marm í fe ro ‛ (COUTO , 1 992 , p .
23 ) , “marmu l ha r ” (COUTO , 1 992 , p . 23 ) , “ ra i vabundo ” (COUTO ,
1 9 92 , p . 27 ) , “ sonhambu l an t e ” (COUTO , 1 992 , p . 34 ) ,
‚ t r o t eondea r ‛ (COUTO , 1 992 , p . 4 1 ) , ‚ p ran tochão ‛ (COUTO , 1992 ,
p . 42 ) , ‚ r a t azana r ‛ (COUTO, 1 992 , p . 46 ) , ‚ t e l e s f é r i co ‛ (COUTO ,
1 9 9 2 , p . 4 8 ) , “ a t a r a n t o n t o ” ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 5 6 ) ,
‚ma l f r agado ‛ (COUTO , 1 992 , p . 6 1 ) , ‚ p i r i l ampe j a r ‛ (COUTO , 1 992 ,
p . 6 3 , 1 1 1 ) , ‚ v a g u e a n d a r ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 6 5 ) ,
‚ cab r i t r o tea r ‛ (COUTO , 1 992 , p . 66 ) , ‚ ab i sma lha r ‛ (COUTO, 1 992 ,
p . 7 0 ) , ‚ l u s c o - f o c a r ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 7 0 ) ,
‚ es t remexe r ‛ (COUTO , 1 992 , p . 80 ) , ‚do i doe r ‛ (COUTO , 1 992 , p .
8 5 ) , “ e n c a n t o r i a ” ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 8 8 ) ,
‚ encha rqu i l h ado ‛ (COUTO , 1 992 , p . 96 ) , ‚ f eb r i l h an te ‛ (COUTO ,
1 9 9 2 , p . 9 7 ) , “ r e d emon í a c o ” ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 9 8 ) ,
‚ r odopeão ‛ (COUTO , 1992 , p . 98 ) , ‚pe r tu rbabado ‛ (COUTO , 1 992 ,
p . 1 0 6 ) , ‚ g e s t i c a l a d o ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 0 7 ) ,
‚nuven tan i a ‛ (COUTO , 1 992 , p . 1 1 1 ) , ‚ devaga roso ‛ (COUTO, 1992 ,
p . 1 1 5 ) , ‚ m i l i b r i l h o ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 1 7 ) ,
‚ ab i smarav i l h ado ‛ (COUTO , 1 992 , p . 1 1 8 ) , ‚espa l ha f a r to ‛ (COUTO ,
1 9 9 2 , p . 1 1 8 ) , “ i n u t e n s í l i o ” ( C OU TO , 1 9 9 2 , p . 1 3 1 ) ,
‚ma lvo roço ‛ (COUTO , 1992 , p . 1 2 2 ) , ‚ exube r ran t e ‛ (COUTO , 1 992 ,
p . 1 3 0 ) , ‚ c o n t r a b a n d a l h e i r a ‛ ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 1 4 1 ) ,
‚vaga l um i noso ‛ (COUTO , 1 992 , p . 144 ) , ‚ camba l eoa ‛ (COUTO ,
1 992 , p . 144 ) , “ conv i dançan te ” (COUTO , 1 992 , p . 146 ) ,
‚veement i r ‛ (COUTO , 1992 , p . 1 5 3 ) , ‚vagandea r ‛ (COUTO , 1 992 ,
p . 1 5 6 ) , ‚ l u a m i n o s o ‛ ( C O U T O 1 9 9 2 , p . 1 5 8 ) ,
‚ cho ram inguan te ‛ (COUTO 1 992 , p . 1 60 ) , ‚a t o rdo í do ‛ (COUTO,
53
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 4 3 - 5 5 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
1 9 9 2 , p . 1 6 9 ) , “ t i t u p i a n t e ” ( C OUTO , 1 9 9 2 , p . 1 6 9 ) ,
‚ embr i ago rdo ‛ (COUTO, 1 992 , p . 1 69 ) , ‚ su rd imudo ‛ (COUTO, 1 992 ,
p . 1 7 3 ) , ‚ a b s t a s i a d o ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 7 6 ) ,
‚ a d m i n i s t r a i d o r ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 8 1 , 2 0 2 ) ,
‚ admo l es t a r ‛ (COUTO , 1 992 , p . 1 88 ) , ‚ t im i udamen te ‛ (COUTO,
1 9 9 2 , p . 1 8 9 ) , “ p e r n a l t e a r ” ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 1 8 9 ) ,
‚ ch i l r e i nado ‛ (COUTO, 1 992 , p . 1 94 ) , ‚ l amen tochão ‛ (COUTO ,
1 992 , p . 1 94 ) e “m i r ag i nação ” (COUTO , 1 992 , p . 1 99 ) .
Essas c r i ações , em par t i c u l a r , dão um tom bas t an te espe -
c i a l ao romance . G raças a e l as , a l e i t u ra do tex to demanda
uma cons t an te a t i v i dade de p rodução de sen t i do po r pa r te do
l e i t o r , ma i s do que acon tece r i a em ou t ro t i po de tex to . I sso
oco r re po rque o sen t i do de cada nova pa l av ra não es t á
p ron to , não é dado d i r e t amente pe l o seu au to r , mas p rec i sa
se r a i nda ‚descobe r t o ‛ po r quem o l ê .
4 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Embora a i nda se j am t r a t adas como o mesmo fenômeno ,
as c r i ações de novas pa l av ras no tex to l i t e r á r i o e no tex to
t écn i co -c i en t í f i c o cons t i t uem f a t os d i s t i n t os . Apesa r de va le rem
-se , a r i go r , dos mesmos p rocessos de c r i ação ( a p re f i xação ,
a su f i xação , a compos i ção , e t c . ) , f azem -no com ob j e t i vos mu i t o
d i f e ren tes : enquan to numa p reva l ece a f unção d i scu rs i va ou
es t i l í s t i c a , na ou t r a sob ressaem as f unções s i n t á t i c a e semân t i -
ca . Os e fe i t os p roduz i dos no l e i t o r po r uma e ou t r a t ambém
d i f e rem en t re s i , po i s , se de um l ado é na tu ra l que as pa l av ras
novas empregadas na l i t e r a tu ra causem um es t r anhamen to
imed i a t o , de ou t ro l ado , os neo l og i smos em a r t i gos j o rna l í s t i c os
ou em tex tos c i en t í f i cos são receb i dos com uma na tu ra l i d ade
bem ma i o r , chegando ao pon to de , às vezes , d i f i c u l t a rem o seu
reconhec imen to como t a i s . Consequen temen te , a i n te rp re t ação
de uma nova pa l av ra é bem ma i s l en t a e dependen te do
con tex to quando oco r re na l i t e r a t u ra , o que acaba d i f i cu l t ando
a sua desneo l og i zação e i nco rpo ração de f i n i t i v a ao l éx i co da
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l í n gua . São esses f a t o res , en t re ou t ros , que j us t i f i c am a d i s t i n -
ção te rm i no l óg i c a en t re os do i s fenômenos , ob j e t i vo pe l o qua l
proponho o te rmo ‚ i novação l ex i c a l ‛ pa ra des i gna r espec i f i c a -
mente o neo l og i smo l i t e r á r i o .
A b s t r a c t : T h i s p a p e r a i m s t o d i s c u s s t h e l e x i c a l c r e a t i o n i n
l i t e r a r y t e x t s , d i s t i n g u i s h i n g i t f r om l e x i c a l c r e a t i o n i n o t h e r
g e n r e s o f t e x t . F r om t h e i d e n t i f i c a t i o n o f t h e p r o c e s se s w i t h
wh i c h i t i s gene r a t e d , t h e e f f e c t s p r od uced i n t h e r e ade r an d
i t s p o s s i b i l i t y o f i n c o r p o r a t i n g t h e l e x i c o n o f P o r t u g u e se , t h e
l i t e r a r y neo l o gy i s a l so d i scussed as t o t h e r o l e i t p l a ys i n t he
t e x t , h av i n g a s a s uppo r t t h e po s t u l a t e s o f I e d a Ma r i a A l v e s ,
Ma rg a r i d a Ba s i l i o a nd An t on i o S andman . A s a n e xamp l e , s ome
c r e a t i o ns p r e sen t i n t h e nove l T e r r a so nâmbu l a ( 1 9 9 2 ) , w r i t t e n
b y t h e a w a r d - w i n n i n g a u t h o r M i a C o u t o , a r e c o m m e n t e d .
F i n a l l y , t h e e v i d e n c e s p r ov e t h a t t h e p e c u l i a r i t i e s i n h e r e n t t o
t h e n e o l o g i sm i n t h e l i t e r a t u r e j u s t i f y t h e u s e o f a d i f f e r e n t
t e rm to the i r t rea tmen t : ‚ l e x i c a l i nnova t i on ‛ .
Keywords : L i ngu i s t i c . Lex i con . Neo l og i sm . L i t e ra t u re .
R E F E R Ê N C I A S
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55
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FERRE I RA , Auré l i o Bua rque de Ho l anda . Novo Auré l i o sécu l o XX I : o d i c i oná r i o de l í ngua po r t uguesa . 3 . ed . r ev . e amp l . R i o
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SANDMANN , An tôn i o José . Mor f o l og i a l ex i ca l . 2 . ed . São Pau l o :
Contex to , 1 997 . Co l eção repensando a l í ngua po r t uguesa .
NOTAS 1 I n t e g r a n t e d o g r u p o d e p e s q u i s a “ L í n g u a e c u l t u r a : e s t u d o s s o b r e o
l é x i c o ‛ , c o o r d e n ad o p e l a p r o f . D r a . R i t a d e C á s s i a R i b e i r o d e Qu e i r o z . 2 “ O s e n t i m e n t o d e n e o l o g i c i d a d e , p o r p a r t e d o R e c e p t o r , é d i r e t am e n t e
p r o p o r c i o n a l a o i m p a c t o p o r e l e s o f r i d o , em c o n s e q u ê n c i a d a f o rm a o u
d a c om b i n a t ó r i a i n e s p e r a d a s q u e o a g r i d em em s e u u n i v e r s o l i n g u í s t i -
c o - c u l t u r a l . ‛ ( B A R BOSA , 1 9 8 1 , p . 9 6 ) . 3 C f . “ b o q u i n h a b e r t o ” ( C OU TO , 1 9 9 2 , p . 1 5 ) , “ s u s p l i c a r ” ( C OU TO , 1 9 9 2 , p .
4 4 ) , “ s a l t i n h a d o r ” ( C OUTO , 1 9 9 2 , p . 5 2 ) , “ s a t i s f e i ç ã o ” ( C OU TO , 1 9 9 2 , p .
1 5 9 ) , “ c a m b a l i n h a r ” ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 6 0 ) e “ e s f a q u i n h a d o ” ( C O U T O ,
1 9 9 2 , p . 1 6 6 ) . 4 O u t r a s c r i a ç õ e s o n o m a t o p a i c a s n o m e s m o r o m a n c e : “ t c h e - t c h e -
t c h é m ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 7 3 ) , ‚ b u m b u m b a r ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 6 3 ) ,
‚ z u z i n a r ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 3 2 ) , ‚ t i l i n t i t a r ‛ , ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 4 5 ) e
‚ t i m b i l i a r ‛ ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 1 7 5 - 1 7 6 ) . 5 A a d i ç ã o d o p r e f i x o d e s - a v e r b o s é t a m b é m p o u c o p r o d u t i v a e m
p o r t u g u ê s . Me smo a s s i m , M i a C o u t o a u t i l i z a p a r a c r i a r n o v a s p a l a v r a s
n o r o m a n c e . C f : ‚ d e s i m p o r t a r - s e ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 1 3 9 ) ,
‚ d e s n e c e s s i t a r - s e ‛ ( C OUTO , 1 9 9 2 , p . 1 5 9 ) , ‚ d e s l o c a l i z a r ‛ ( COUTO , 1 9 9 2 ,
p . 1 6 1 ) e ‚ d e se x i s t i r ‛ ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 2 1 4 ) . 6 O u t r o s c a s o s d e s u f i x a ç ã o s e m m u d a n ç a d e c l a s s e n o r o m a n c e :
‚ b i c h o r ã o ‛ ( C O U T O , 1 9 9 2 , p . 2 3 ) , ‚ m i u d a g e m ‛ , d e ‚ m i ú d o ‛ , c r i a n ç a
( C OUTO , 1 9 9 2 , p . 1 7 2 ) e “ b a s t a n t eme n t e ” ( COUTO , 1 9 9 2 , p . 6 1 ) .
Env i ado em 08/03/20 14 .
Ap rovado em 22/08/20 14 .
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O S M O DO S D E V EN D E R A R T E P O PULAR EM
F E I R A D E SA NTA NA : U MA I N T E R FA CE E N T R E
L I N GU AG EM E SOC I E DA D E
H u d s o n J o s é S o a r e s d a S i l v a 1
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s c om L í n g u a I n g l e s a
h u d s o n sm@ l i v e . c om
P r o f a . D r a . C a r l a L u z i a C a r ne i r o B o r g e s ( O r i e n t a d o r a /U EF S )
D e p a r t am e n t o d e L e t r a s e A r t e s ( D LA )
c a r l a l u z i a c b @ gma i l . c om
R e s umo : E s t e a r t i g o r e s u l t a d a p e s q u i s a “ M o d o s d e v e n d e r
a r t e p o p u l a r em F e i r a d e S a n t a n a ‛ , q u e t e v e c om o l ó c u s o
Ce n t r o d e Ab a s t e c ime n t o em F e i r a d e S a n t a n a . Ob j e t i v o u - s e
i nves t i g a r o s modos de vende r a r t e popu l a r pe l o s ambu l an t e s
e v e n d e d o r e s d o l u g a r s u p r a c i t a d o , q u a i s o s l e t r a m e n t o s
u t i l i z a d o s p o r e s s e s n o m om e n t o d e s u a s v e n d a s e q u a l a
noção de a r t e conceb i da po r e l e s . A me todo l og i a u t i l i z ada f o i a
obse rvação pa r t i c i p ada , b a seada na pesqu i s a qua l i t a t i v a . A l ém
d i s s o , c omp ree ndendo q ue n ão h á c omo se p a r a r l i n g u ag em e
s o c i e d ad e , b u sc ou - se e n t e n de r me l h o r a s r a í z e s c u l t u r a i s de
F e i r a d e S a n t a n a , uma v e z q u e e s s a c i d a d e t e v e o r i g em n o
comérc i o .
P a l a v r a s - c h a v e : L i n g u a g e m . S o c i e d a d e . F e i r a d e S a n t a n a .
Modos de vende r . A r te .
1 I N T R O D U Ç Ã O
Quando se f a l a de venda ou modos de vende r na c i dade
de Fe i r a de San t ana , f az -se necessá r i o fa l a r um pouco de
como e l a se o r i g i nou . Sendo ass im , sabe -se que o p r ime i r o
núc leo hab i t ac i ona l su rg i u no sécu l o XV I I I com a f azenda
O lhos D ’ água , do casa l Dom ingos Ba rbosa de Araú j o e Ana
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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Brandão , e a l i , pa ra a t ende r t rope i r os e v i a j an t es , f o i mon t ada
uma fe i r a . Ou se j a , Fe i r a de San t ana f o i o r i g i nada de vendas e
sempre f o i conhec i da po r i sso .
Há , em Fe i r a de San t ana , i números espaços de vendas ,
mu i t os i ns t i t uc i ona l i z ados e adm in i s t r ados pe l a P re f e i t u ra . Mas
onde es t ão os ambu l an t es e vendedo res , em espec i a l aque l es
a r t esãos que f azem seus p róp r i os ob j e t os?
Pensando nes t a segregação e quase esquec imen to da
soc iedade fe i r ense em re l ação a es tes ambu l an t es/a r tesãos , é
que se cen t r a o p resen te es tudo . Como os ambu l an tes/
a r t esãos re f e renc i am seus ob j e tos? Aqu i l o que e l e s vendem é
cons i de rado po r e l e s como a lgo a r t í s t i c o? Conce i t ua r , da r
nome , nunca deve te r s i do t a re f a fác i l , por i sso , quando se
t en t a subs t an t i va r a l go – e não só com o ob j e to de d i scu rso
a r t e – , i s so pode se to rna r i ns t áve l e con t rove rso .
Nomear , en t ão , é va r i áve l , j á que a h i s t ó r i a e as v ivênc i as
dos su j e i t os são va r i áve i s . Bo rges ( 2007 ) , em sua tese de
dou to ramen to , ressa l t a que os conce i t os são c r i ados no
d i scu rso . A l ém d i sso , a i nda segundo Bo rges ( 2007 ) , a re fe rên -
c i a acon tece quando usamos ou c r i amos uma s i t uação d i scu r -
s i va pa ra chamar/nomear a l guma co i sa . No en t an to , só pode -
mos nomear a l go a t r avés daqu i l o que nós j á l emos ou j á ouv i -
mos , i s t o é , nomear es t á l i g ado a ques tões soc i a i s e h i s t ó r i c as ,
a l ém de sub j e t i v as .
Pa ra O l i ve i r a ( 20 1 1 ) , t ambém em sua tese , re f e renc i a r é
um p rocesso de cons t rução soc i ocogn i t i vo . Ass im , pa ra e l e , os
conce i t os nascem de uma in t e ração su je i t o -soc i edade . Re f e -
renc i ação é , pa ra Mondada ( 2005 ) , uma a t i v i dade confo rme a
qua l , i n te rsub j e t i v amente , nós esco l hemos chamar um de te rm i -
nado ob j e t o ex i s ten t e no mundo de de t e rm inado nome ou nos
re fe r imos a e l e a t r avés de p ronomes e aná fo ras .
Po r consegu i n te , é sob re es t as ques tões (modos de
vende r , venda de a r te , a r te , l i nguagem e soc iedade e tc . ) que
se d i scu te nes t a pesqu i sa .
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2 F E I R A D E S A N T A N A / B A E S U A S O R I G E N S N A S
F E I R A S L I V R E S
Confo rme se ens i na nas esco l as des te mun ic í p i o , a c i dade
de Fe i r a de San tana t em o r i gens em fe i ras l i v res . Segundo
O l i ve i r a ( 2000 , p . 7 ) :
O p r im e i r o n ú c l e o p o p u l a c i o n a l s u r g i u em F e i r a d e
S a n t a n a , n o s é c u l o XV I I I , r e s u l t a n d o d a f a z e n d a O l h o s
d ' á g u a , d e p r o p r i e d a d e d o c a s a l D om i n g o s B a r b o sa d e
A r a ú j o e A n a B r a n d ã o , o n d e f o i e r g u i d a um a c a p e l a
em h om en a g em a S ã o D om i n g o s e N o s s a S e n h o r a
S a n t a n a , s u r g i n d o a í um a p e q u e n a f e i r a d e p o u s o d e
t r o p a s e v i a j a n t e s .
En t ão , como se pode no t a r , ao l e r o f r agmento ac ima , a
c i dade de Fe i r a de San t ana se e rgue po r con t a do comérc i o .
Mas , pa ra Popp ino ( 1 968 , p . 1 2 ) , ‚ Fe i r a de San t ana é ma i s do
que um pouso nas es t r adas da Bah i a , po i s desde os t empos
co l on i a i s t o rnou -se conhec i da como um en t repos to comerc i a l
de v i da p róp r i a . ‛ Po rém , é impo r t an t e , a l ém dessas ques tões ,
conce i t ua r o que é fe i r a l i v re pa ra pode r , em segu i da , f a l a r
sob re o Cen t ro de Abas tec imen to ( do ravan te CA ) .
Ao l e r O l i ve i r a ( 2000 , p . 1 9 ) , en tende -se que o CA não
pode se r cons i de rado uma f e i r a l i v re , po i s há uma d i f e rença
en t re fe i r a l i v re e me rcado :
O p r im e i r o é o c e n t r o d e g r a n d e c om é r c i o q u e a t r a i
o s m e r c a d o r e s d e p a í s e s l o n g í n q u o s e c o r r e s p o n d e a
um a f a s e m a i s e v o l u í d a [ . . . ] o m e r c a d o t em a p e n a s
um a i n f l u ê n c i a l o c a l [ . . . ] s ã o d e s t i n a d a s a p r o v e r
a l i m e n t o s c o r r e n t e s à p o p u l a ç ão l o c a l [ . . . ] d a í s u a
r e a l i z a ç ã o s em an a l . ( O L I VE I R A , 2 0 0 0 , p . 1 9 a p u d RAU ,
1 9 - - , p . 5 6 - 5 7 ) .
Ora , o l oca l onde é comerc i a l i z ada a r te popu l a r , no CA ,
não a t r a i ‚me rcado res de pa í ses l ong í nquos‛ , t ampouco acon -
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t ece semana lmen te . O CA é , en t ão , uma fe i r a ou um mercado?
Há um e lemen to p r imord i a l que desca r t a a poss i b i l i d ade do CA
se r uma f e i r a l i v re , po i s , segundo O l i ve i r a ( 2000 ) , é na f e i r a
que há , a l ém de compra e venda , man i f es t ações a r t í s t i c as e
cu l t u ra i s .
Dessa mane i r a , o CA su rge , em 1 977 , po r con t a do
p rocesso de mode rn i zação que a c i dade de Fe i r a de San t ana
es t ava so f rendo , po rque , ‚ [ . . . ] na década de 70 , o B ras i l v i veu ,
os m i l ag res que dar i am a popu l ação eu fo r i a e espe ran -
ça . ‛ (OL IVE IRA , 2000 , p . 8 ) . Ass im ,
N ã o s e a c e i t a v a em F e i r a d e S a n t a n a um a f e i r a l i v r e
c o n s i d e r a d a m ed i e v a l , a n t i - h i g i ê n i c a e p o l u i d o r a . P o i s
n ã o c a b i a n um a c i d a d e em p l e n o d e s e nv o l v im e n t o
e c o n ôm i c o , q u e j á p o s s u í a a t é u n i v e r s i d a d e
( U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l d e F e i r a d e S a n t a n a , c r i a d a em
1 9 7 6 ) . (OL IVE IRA , 2000 , p . 8 ) .
Pa ra o CA , que não su rge espon t aneamen te , p re fe re -se
chamar de espaço de vendas , como t an tos ou t ros i ns t i t uc i ona -
l i z ados , amparados , f i sca l i z ados e adm in i s t rados pe l o mun i c í p i o
de Fe i r a de San t ana .
As fe i r as l i v res , como s i na l i z a O l i ve i r a ( 2000 ) , e ram espa -
ços de d ive rsão pa ra a popu l ação fe i r ense . Como acon tece
ho j e no shopp i ng l oca l de Fe i r a de San t ana , em que as fam í l i a s
e a t é g rupos de am igos vão com o ob j e t i vo de não só f aze r
compras , mas usá - l o também como um l uga r de en t re t en imen -
to .
No en t an to , d i f e ren temente do que acon tec i a an tes nas
f e i r as l i v res de Fe i r a de San tana , segundo O l i ve i r a (2000 ) , o
shopp i ng l o ca l da c i dade é um espaço que pode a té t r aze r
en t re ten imen to , mas não é exa t amen te um espaço de man i f es -
t ações cu l t u ra i s ; é , dessa f o rma , um espaço de consumo
exace rbado . As fe i r as de Fe i r a de San tana reun i am co rde l i s t as
an imado res , repen t i s t as e vaque i r os , o que não pode se r ve r i -
f i c ado no CA .
61
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3 E M B U S C A D O C O N C E I T O D E A R T E N O C E N T R O D E
A B A S T E C I M E N T O : A M B U L A N T E S / V E N D E D O R E S X
T E Ó R I C O S D E A R T E
Em busca do conce i t o de a r te no CA , f o ram e l abo rados
do i s ques t i oná r i os para se rem ap l i c ados aos vendedo res do
l oca l . No CA , é vend i do a r t esana to em ge ra l : chapéus de pa l ha ,
f l o res fe i t as de pape l co l o r i do , bonecas de pa l ha , bonecos de
ba r ro , t r oncos de á rvore en fe i t ados e tc .
Sabendo d i sso , e p rocu rando f aze r uma sondagem em
re l ação ao ob je t o de d i scu rso a r t e , f o ram fe i t as as segu i n t es
pe rgun t as : Qua l nome des t e boxe? ; Quem são/é o ( s ) dono (s ) ? ;
Há func i oná r i o ( s ) ? ; Qua l ( i s ) e quan to ( s ) ? ; e a pe rgun t a p r i nc i pa l :
O vendedo r ( dono/ func i oná r i o ) f az os p rodu tos que vendem?
Com esse p r ime i r o ques t i oná r i o , t en t ou -se f aze r um
l evan t amento de quan tos boxes vendem ob je t os de a r t e/
a r t esana to . Dessa mane i r a , cons t a tou -se que , naque le espaço ,
ex i s tem i números ou t ros negóc i os , a sabe r : r es t au ran tes , g rá f i -
cas cop i ado ras , cabe le i r e i r os , ba rbe i r os , l anchone tes e tc . Mas
há a l go de seme l han te , que f az re fe rênc i a à a r t e , em a l guns
de seus espaços de vendas : o nome dos es t abe l ec imen tos ,
t en t ando se r coe ren tes com a ma i o r i a dos comérc i os , como ,
po r exemp l o , a Lanchone te Ar t l anches .
En t ão , o p r ime i r o ques t i oná r i o f o i ap l i cado para os su j e i t os
de 1 5 boxes que vendem a r te/a r t esana to . Es t a quan t i dade
j us t i f i c a -se pe l o f a t o de que , mu i t as vezes , ao ten t a r da r
p rossegu imento à pesqu i sa , a l guns es t abe l ec imen tos do CA
encon t ravam-se fechados , a l ém do f a t o de que a l guns vende -
do res recusavam se p ronunc i a r , t a l vez , po r não en t ende rem o
v i és da pesqu i sa .
Ass im , con fo rme j á d i t o , pe rcebeu -se que vá r i os dos
nomes dos boxes f azem re f e rênc i a ao ob je to de d i scu rso a r te ,
como : Casa do Ar tesana to , Bah i a P i t a Ar tesana to , Marga r i da
Ar tesana to , A r tesana to Mora i s , A r t esão Papa Sapa to , Ed iva l da
Ar tesana to , Me i re Ar tesana to , B runo Ar tesana to . Des t a r t e , o
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 5 7 - 6 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
segundo ques t i oná r i o fo i e l abo rado a pa r t i r do p r ime i r o , po i s se
ob j e t i v ava ago ra en t rev i s ta r apenas aque l es que f az i am os
ob j e tos que vend i am .
Cons t a t a ram-se do i s su j e i t os que segu i am a p ropos t a .
Desses do i s , B . O . se mos t rou ma i s so l í c i t o pa ra com as
ques tões . Des t e modo , no segundo ques t i oná r i o cons t avam as
segu i n tes pe rgun t as : O que é a r te pa ra você? Como é vende r
es tes p rodu tos? Você os cons i de ra como a r t e? Es t a en t rev i s t a
f o i g ravada com a pe rm i ssão o ra l do vendedo r .
Usa ram-se as pe rgun t as sup rac i t adas pa ra gu i a r a
conve rsa . Fo i -nos i n f o rmado , po r um vendedo r , que e l e vend i a
a r t esana to em ge ra l ; en t ão , ped imos pa ra que e l e nos desse
exemp l o do que se r i a ‚a r t esana to em ge ra l ‛ . E l e nos respon -
deu : ‚ [ . . . ] a r t esana to ‘ p ra ’ deco ração , ‘ p ra ’ u t i l i d ades den t ro de
casa , deco ração , vasos , t r aba l ho , ass im , no ‘ candombré ’ , i s so
e aqu i l o , t udo i sso ‘ nós vende ’ , ma te r i a l ‘ p r a ’ a r r an j o [ . . . ] ‛ .
Des t a mane i r a , o vendedo r re fe renc i a a r te como a l go da cu l t u -
r a e a f i rma que ‚ tudo que é ‘ p ra ’ deco ração é a r tesana to ‛ .
Com base em Amara l ( 1 984 ) , Azevedo ( 2003 ) , F i che r ( 1 983 )
e Janson ( 1 977 ; 1 988 ) no t amos uma seme lhança no conce i t o/
re fe rênc i a de a r te pe l o vendedo r . Pa ra esses au to res , a a r te é
v i s t a como a l go ún ico e que se rve (ou é chamado ) pa ra deco -
ra r , en fe i t a r . Ass im , vemos que é uma cons t an t e en t re e l e s
que a a r te é a l go o r i g i na l . En tende -se , aqu i , a r te o r i g i na l como
aqu i l o que não é fe i t o em sé r i e , ou se j a , não são fe i t os vá r i os
ob j e tos a r t í s t i cos , mas apenas um .
A pa r t i r de Amara l ( 1 984 ) ob tém -se a i n f o rmação de que ,
em todas as man i f es t ações a r t í s t i c as , há um re t r a to soc i a l f e i t o
pe l o a r t i s t a , o qua l r e f l e te , em suas ob ras , o momen to h i s t ó r i co
em que es tá i nse r i do . Po rém , Janson ( 1 977 , p . 1 0 ) t r az essas
ques tões ace rca do conce i t o de a r te :
[ . . . ] d e f i n i r a r t e é q u a s e t ã o d i f í c i l c om o d e f i n i r um s e r
h um an o . T o d a s a s g e n e r a l i d a d e s a c e r c a d a a r t e s ã o ,
n o rm a l m e n t e , f á c e i s d e r e f u t a r . A t é a s a f i r m a ç õ e s
m a i s e l e me n t a r e s t êm o s s e u s e s c o l h o s . V e r i f i q u e , p o r
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e x emp l o , a s i m p l e s a f i r m a ç ã o d e q u e um a o b r a d e
a r t e t em d e s e r f e i t a p e l o H omem e n ã o p e l a N a t u r e -
z a . E s t a d e f i n i ç ã o i m p e d e , p e l o m en o s , q u e s e c o n s i -
d e r em o b r a s d e a r t e a s f l o r e s , a s c o n c h a s , um p ô r - d e
- s o l , e t c . , m a s é p o u c o s a t i s f a t ó r i a , p o i s a a t i v i d a d e
c r i a d o r a d o H omem n ã o se l i m i t a à s o b r a s d e a r t e .
A inda f a l ando sob re o conce i t o de a r te , Azevedo ( 2003 , p .
2 3 ) d i z que e l e es t á re l ac i onado às ob ras -pr imas encon t radas
nos museus e que
[ . . . ] f a z em p a r t e d o g r a n d e a c e r v o h i s t ó r i c o / a r t í s t i c o e
c u l t u r a l d a h um an i d a d e ; n o e n t a n t o , e l a s s ã o p r o p r i e -
d a d e s d e E s t a d o s , n a ç õ e s o u c o l e c i o n a d o r e s p a r t i c u -
l a r e s p o d e r o s o s , q u e n ã o e s t ã o m u i t o i n t e r e s s a d o s em
t o r n á - l a s b e n s a c e s s í v e i s à m a i o r i a d a p o p u l a ç ã o d o
m u nd o .
Porém , ‚ [ . . . ] é ev i den te que a a r te es t á no ou tdoo r que
vemos nas ruas , na a rqu i t e t u ra dos p réd i os e casa r i os das
c i dades , nos p rog ramas de TV , nos j o rna i s e rev i s t as , na
i n t e rne t , nas i g re j as , nos temp l os , nos te r re i ros [ . . . ] ” (AZEVEDO ,
2003 , p . 23 ) .
4 L E T R A M E N T O S E E S T R A T É G I A S D E V E N D A
Pa ra Soa res ( 2002 , p . 1 8 , g r i f o do au to r ) , ‚ Le t ramento é ,
po i s , o resu l t ado da ação de ens i na r ou de ap rende r a l e r e
esc reve r : o es t ado ou cond i ção que adqu i r e um g rupo soc i a l
ou um i nd iv í duo como consequênc i a de t e r -se ap rop r i ado da
esc r i t a . ‛ Todav i a , i r emos a l ém des t a concepção , po i s a p róp r i a
Soares ( 2002 , p . 24 , g r i f o do au to r ) d i z que
[ . . . ] um i n d i v í d u o p o d e n ão s a b e r l e r e e s c r e v e r , i s t o
é , s e r a n a l f a b e t o , m a s s e r , d e c e r t a f o rm a , l e t r a d o [ . . . ]
p o r q u e [ . . . ] p e d e a a l g u ém q u e l h e l e i a a v i s o s o u i n d i -
c a ç õ e s a f i x a d o s em a l g um l u g a r , e s s e a n a l f a b e t o é ,
64
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 5 7 - 6 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
d e c e r t a f o rm a , l e t r a d o , p o r q u e f a z u s o d a e s c r i t a ,
e n vo l v e - s e em p r á t i c a s so c i a i s d e l e i t u r a e d e e s c r i t a .
Sabe-se t ambém que a concepção de mu l t i l e t r amen to é
bas t an te abo rdada na a t ua l con j un tu ra e , sob re i sso , Ro j o
( 2009 ) d i scu te sob re o acesso aos ma i s va r i ados assun tos a
pa r t i r de vá r i os ve í cu l os t ecno l óg i cos ( ou não ) que qua l que r
pessoa pode te r em mão , sendo a l f abe t i zado ou não . Dessa
mane i r a , e l a exp l i c a que
O c o n c e i t o d e l e t r amen t o s m ú l t i p l o s é a i n d a um
c o n c e i t o c om p l e x o e mu i t a s v e z e s am b í g u o , p o i s
e n vo l v e , a l é m d a q u e s t ã o d a m u l t i s s em i o s e o u mu i l t i -
m o d a l i d a d e d a s m í d i a s d i g i t a i s q u e l h e d e u o r i g em ,
p e l o m en o s d u a s f a c e t a s : a m u l t i p l i c i d a d e d e p r á t i c a s
d e l e t r am e n t o q u e c i r c u l am em d i f e r e n t e s e s f e r a s d a
s o c i e d a d e e a m u l t i c u l t u r a l i d a d e [ . . . ] . ( R O JO , 2 0 0 9 , p .
1 0 8 - 1 0 9 , g r i f o d o au t o r ) .
Apesa r des t a d i f i cu l dade da pesqu i sado ra em de f i n i r
esses l e t r amen tos mú l t i p l os , esc l a rece que
A l e i t u r a e a p r o d u ç ã o d e t e x t o s em d i v e r s a s l i n g u a -
g e n s e s em i o s e s ( v e r b a l o r a l e e s c r i t a , m u s i c a l i m ag é -
t i c a [ i m a g e n s e s t á t i c a s e em m o v i m e n t o , n a s f o t o s , n o
c i n em a , n o s v í d e o s , n a TV ] , c o r p o r a l e d o m o v im e n t o
[ n a s d a n ç a s , p e r f o rm a n c e s , e s p o r t e s , a t i v i d a d e d e
c o n d i c i o n ame n t o f í s i c o ] , m a t em á t i c a , d i g i t a l . ( RO JO ,
2 0 0 9 , p . 1 1 9 ) .
Cons i de ram-se l e t r amentos mú l t i p l os , uma vez que
t r anscende a i de i a de l e i t u ra/esc r i t a t r ad i c i ona l . Dessa mane i r a ,
de fendo que os ambu l an t es do CA se ap rop r i am dos va r i ados
l e t r amen tos ( imagé t i cos , esc r i t os , d i g i t a i s ) que es t ão no co t i d i a -
no pa ra t e rem ma i s sucesso em suas p rá t i c as de venda .
A i nda sob re es t r a tég i as de venda dos ambu l an tes , é
pe r t i nen t e c i t a r Bauman ( 2008 ) , po i s es t e re f l e te ace rca da
soc iedade de consumo . Ao compara r os resu l t ados des t a
65
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 5 7 - 6 8 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
pesqu i sa com os es tudos de Bauman (2008 ) , pe rcebemos que
os ambu l an tes/a r t esãos , bem como toda a soc i edade cap i t a l i s -
t a , na l óg i c a da soc i edade de consumo , vendem seus ob je t os
com o d i scu rso de se rem ‚a r t í s t i c os ‛ apenas como fo rma de
convence r seus comprado res de que es tão l evando pa ra suas
respec t i vas casas a ar t e , o que é a l go que , segundo os ambu -
l an t es , é fe i t o com mu i t o t r aba l ho e , de cer t a f o rma , a t r avés
de i nsp i r ação . Ao usa r essa es t r a t ég i a d i scurs i va , os ambu l an -
t es vendem suas mercado r i as va l endo -se de um conhec imen to
( e po r i sso nos ap ropr i amos dos es tudos do l e t r amen to ) sob re
a r t e que es t á pa ra a l ém dos muros da esco l a , uma vez que ,
ao conve rsa r com e l es , f omos i n fo rmados sob re seus n íve i s
de esco l a r i dade .
De aco rdo com Bauman ( 2008 ) , as pessoas compram não
po r uma necess idade , mas pa ra sup r i r em um vaz i o c r i ado
soc i a lmen te pe l as p ropagandas . Bauman ( 2008 , p . 24 ) , ace rca
des ta ques tão , d i z que
[ . . . ] a “ s u b j e t i v i d a d e ” d o s c o n s um i d o r e s é f e i t a d e
o p ç õ e s d e c omp r a – o p ç õ e s a s s um i d a s p e l o s u j e i t o e
s e u s p o t e n c i a i s c om p r a d o r e s ; s u a d e s c r i ç ã o a d q u i r e a
f o rm a d e um a l i s t a d e c om p r a s . O q u e s e s u p õ e s e r a
m a t e r i a l i z a ç ã o d a v e r d a d e i n t e r i o r d o s e l f é um a i d e a -
l i z a ç ã o d o s t r a ç o s m a t e r i a i s – ‚ o b j e t i f i c a d o s ‛ – d a s
e s c o l h a s d o c o n s um i d o r .
4 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
A pa r t i r do que f o i expos to nes t e a r t i go em re l ação aos
modos de vende r dos ambu l an tes em Fe i r a de San t ana , en ten -
de-se que vende r é uma fo rma de sob rev ivênc i a .
Em re l ação aos modos de vende r dos ambu l an t es e
vendedo res , pe rcebemos que , d i a l ogando com Bauman ( 2008 ) ,
há uma i nse rção des t e i deá r i o consum i s ta ( como fo rma de
sob rev i vênc i a ) e a u t i l i z ação de uma l i nguagem pe rsuas iva pa ra
convence r os comprado res de que seus produ tos são i nd i s -
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pensáve i s e que t r a rão fe l i c i dade soc i a l que t an to busca a
soc iedade consum ido ra mode rna - l í qu i da , como ressa l t a Bauman
( 2008 ) .
Adema i s , a pa r t i r do conce i t o de a r t e p ropos to po r
Amara l ( 1 984 ) , Azevedo ( 2003 ) , Janson ( 1 988 ) e F i che r ( 1 983 ) , e
re l ac i onando -os com os ambu l an t es e vendedo res pesqu i sados ,
podemos i n fe r i r que a a r t e sempre é v i s t a pe l as pessoas o rd i -
ná r i as ( l e i gas nesse assun to ) como a l go con temp l a t i vo e be l o .
Abs t r ac t : T h i s a r t i c l e r e su l t s o f t he re sea rch ‚Modes o f se l l i n g
p o pu l a r a r t i n F e i r a de S an t a na ‛ a n d h ad as t he l o c us S upp l y
Ce n t r e i n F e i r a d e S a n t a n a . T o i n v e s t i g a t e t h e w a y s t o s e l l
p o p u l a r a r t b y s t r e e t s e l l e r s a n d t h e a b ov e men t i o n e d p l a c e ,
wh i c h l i t e r a c i e s u s e d b y t h o s e a t t h e t i me o f t h e i r s a l e s a n d
w h i c h t h e n o t i o n o f a r t d e s i g n e d b y t h em . T h e m e t h o d o l o g y
u s e d w a s p a r t i c i p a n t o b s e r v a t i o n , b a s e d o n q u a l i t a t i v e
r e s e a r c h . I n a d d i t i o n , u n d e r s t a n d i n g t h a t t h e r e i s n o w ay t o
sepa ra te l anguage and soc ie t y , we sough t t o be t t e r unde rs t and
t he cu l t u ra l roo t s o f Fe i r a de San t ana , s i nce t h i s c i t y o r i g i na t ed
i n t he t r ade .
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A r t .
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N O T A S 1 B o l s i s t a d e I C ( P ROB IC /UE F S ) .
Env i ado em 0 1/02/20 14 .
Ap rovado em 0 1/09/20 14 .
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 7 1 - 8 3 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
O H I PO PÓ TAM O QU E M E A R R E BA TOU :
U MA A NÁ L I S E SOB R E MEMÓR IA S PÓ S TUMA S D E B R ÁS CU BA S
B a r t i r a B a r r e t o d o s S a n t o s 1
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s c om E s p a n h o l
b a r t i r a . c om@ gma i l . c om
Resumo : N o p re sen te a r t i go , ana l i s amos a pa r t i c i p aç ão da ob r a
machad i ana Memór i as Pós tumas de B rás Cubas ( 2004 [ 1 88 1 ] ) na
r up tu r a com o mode l o r omân t i c o e no l a nçamen to de um es t i l o
de p rosa desconhec i do na l i t e r a t u ra b ras i l e i r a a t é en t ão .
P a l a v r a s - c h a v e : M a c h a d o d e A s s i s . R u p t u r a . I n o v a ç ã o .
Rea l i smo . Memór i as pós tumas de B rás Cubas .
1 I N T R O D U Ç Ã O
Em ques tões l i t e r á r i as , um aspec to a i nda causa descon -
fo r t o : a ve ross im i l h ança en t re pe rsonagens f i c t í c i os e a soc i e -
dade con temporânea . Os i dea i s român t i cos regoz i j avam o
co ração das moças , exa l t avam o cava l he i r i smo , o he ro í smo e
can tavam os casa i s que venc i am obs tácu l os em nome do
amor . Mas e i s que , t o ta lmen te pa radoxa l à grandeza do ca rá t e r
humano dec l amado pe l os poe t as e escr i t o res românt i cos ,
apa rece um an t i -he ró i , pessoa comum , abas t ada e med í oc re ,
i ncapaz de g randes f e i t os cava l he i r escos ou he ro i cos , desnudo
de i dea l i z ações e sem as másca ras que amen i zam o sombr i o
que cada um t r az em s i . É com ta l d i r ec i onamen to que se
abo rda nes t e t r aba l ho o pa ra sempre d i scu t í ve l e ana l i s áve l
Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 2004 [ 1 88 1 ] ) , f ocando no
momen to de t r ans i ção en t re o Roman t i smo e o Rea l i smo .
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 7 1 - 8 3 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
2 O H I P O P Ó T A M O Q U E M E A R R E B A T O U : U M O L H A R
S O B R E C U B A S
‚Não t i ve f i l hos . Não t r ansm i t i a nenhuma c r i a t u ra o l ega -
do da nossa m i sé r i a . ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p . 209 ) . E i s a l acôn i -
ca f r ase que ence r ra Memór i as pós tumas de B rás Cubas . O
na r rado r -pe rsonagem , com a r g l o r i oso , chega ao f im de sua
na r ra t i v a com es t e sa l do pe ran te a v i da . S im , e l e negou à v i da
a pe rpe tuação da p róp r i a espéc i e , mas es tende a nós a sua
p róp r i a m i sé r i a . Quem se r i a en tão , B rás Cubas? O re f l exo de
Machado de Ass i s? O avesso de l e? Um homem comum apenas
ou a pe rson i f i c ação da na tu reza humana em ge ra l , com todas
as suas maze l as? I sso a i nda não podemos responde r , mas
podemos d i sco r re r sob re o seu c r i ado r .
Joaqu im Mar i a Machado de Ass i s ( 1 839 - 1908 ) não t eve
opo r tun i dades de f requen t a r o amb i en te acadêm ico esco l a r ,
mas é respe i t ado desde sua época a té ho j e como um dos ma i s
b r i l h an t es esc r i t o res b ras i l e i r os . A sua i n fânc i a f o i d i f í c i l e
pob re , f i l ho de mest i ços neg ros , pe rdeu a mãe a i nda na i n f ân -
c i a . É o f undado r da cade i r a n . 23 da Academ i a B ras i l e i r a de
Le t r as , e , não po r acaso , ho j e a i ns t i t u i ç ão é chamada de Casa
Machado de Ass i s . Esc reveu poes i as , romances , con tos e
peças t ea t r a i s ; e , en t re a sua vas t a ob ra , Memór i as pós tumas de B rás Cubas , ob j e t o do p resen te es tudo . Após a sua mor te ,
mu i t os l i v ros de sua au to r i a , gua rdados po r mu i t o t empo , f o ram
l ançados .
O romance em ques t ão , l ançado em 188 1 , é o marco d i v i -
so r en t re o Roman t i smo e o Rea l i smo no B ras i l , e rep resen t a a
segunda f ase da p rodução machad i ana , cons i de rada a ma i s
madura do esc r i t o r . Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 2004
[ 1 88 1 ] ) ap resen t a -se como uma ob ra ousada e o r i g i na l pa ra a
l i t e r a t u ra da época .
Embora a i negáve l con t r i bu i ç ão do Romant i smo pa ra a
l i t e r a t u ra b ras i l e i r a , o l ançamen to dessa ob ra i con i za o momen -
to l i t e r á r i o nac i ona l em que se p rob lema t i zam os pad rões de
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bras i l i d ade i ns t au rados pe l os român t i cos , como o í nd i o esbe l t o ,
pu ro e fo r te ou o se r tane j o exó t i co .
No re fe r i do l i v ro , o se r humano passa a se r mos t rado
como é , com todas as suas pa i xões e t o rpezas . A mu l he r
cas t a , i na t i ng í ve l e pura , i dea l i z ada pe l os român t i cos , é subs t i -
t u í da pe l a mu l he r adú l t e ra , f r í vo l a , i n te resse i r a e desones t a ,
como nos ressa l t a B rás Cubas na passagem : ‚Marce l a amou -
me du ran te qu i nze meses e onze con tos de ré i s ; nada
menos . ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p . 45 ) ; ou , a i nda , quando se re fe re
no cap í t u l o XL I I I àque l a que se r i a sua aman te : ‚Pos i t i v amen te ,
e ra um d i ab re te V i rg í l i a , um d i ab re te angé l i co , se que rem , mas
e ra-o , e en t ão . . . ‛ (ASS IS , 2004 [ 188 1 ] , p . 83 ) .
É nesse con tex to de supe ração de t endênc i as e queb ra
de pa rad i gmas que su rgem as memór i as de B rás Cubas ,
homem i ng l ó r i o e r i co da soc i edade ca r i oca do sécu l o X IX , que
nos con t a sua h i s t ó r i a de mane i r a i nve rsa : do f im . Ou me l ho r ,
do quase f im , po i s no cap í t u l o V I I ( i n sp i r ado r do t í t u l o des t e
t r aba l ho ) , conven ien temente i n t i t u l ado ‚O de l í r i o ‛ , r e l a t a -se a
p i t o resca expe r i ênc i a de B rás t e r s i do a r reba t ado po r um h i po -
pó t amo que o l evou ao encon t ro de Pando ra , mãe e i n im i ga ,
senho ra da mor te e da v i da :
U l t i m ame n t e , r e s t i t u í d o à f o rm a h um an a , v i c h e g a r um
h i p o p ó t am o , q u e me a r r e b a t o u . D e i x e i -m e i r , c a l a d o ,
n ã o s e i s e p o r m e do o u c o n f i a n ç a ; m a s , d e n t r o em
p o u c o , a c a r r e i r a d e t a l m o do s e t o r n o u v e r t i g i n o s a ,
q u e m e a t r e v i a i n t e r r o g á - l o , e c om a l g um a a r t e l h e
d i s s e q u e a v i a g em m e p a r e c i a s em d e s t i n o . — E n g a n a
- s e , r e p l i c o u o a n i m a l , n ó s v amo s à o r i g em d o s s é c u -
l o s . ( A S S I S , 2 0 0 4 [ 1 8 8 1 ] , p . 2 5 ) .
Ass im sendo , a mor t e é , na ve rdade , o p r i nc í p i o da ob ra .
E l e não é um au to r que mor reu , mas um mor t o que ousou
esc reve r um l i v ro no a l ém - t úmu l o . E o esc reveu com ‚ [ . . . ] a
pena da ga l ho f a e a t i n t a da me l anco l i a [ . . . ] ‛ (ASS IS , 2004
[ 1 88 1 ] , p . 3 1 ) . B rás Cubas nos re l a t a sua v ida – a nosso ve r ,
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s imp ló r i a , no t ocan te às suas ob ras , pa radoxa l ao i dea l do bom
bu rguês i dea l i z ado pe l os românt i cos – sempre co roada pe l o
confo r to mate r i a l .
B rás Cubas mu i t o ten tou e pouco fo i , nada t em de
magn í f i c o ou he ro i co pa ra con t a r . Não f o i m i n i s t r o , nem se
casou com D . V i r g í l i a , sua g rande pa i xão , con t en t ando -se em
a tua r no pape l secundá r i o de aman te . Re l a t a -nos , no deco r re r
do l i v ro , a i n f ânc i a de men i no -d i abo , a j uven tude de pa i xões
f o r t u i t as , como pe l a ‚ l i nda Marce l a ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p . 40 ) .
Nar ra -nos t ambém a f i xação com a c r i ação de um emp l as t ro
que cu ra r i a os h i pocond r í acos , cu j a obsessão , i r on i c amen te ,
se r i a a causa i nd i r e t a de sua mor t e po r pneumon i a . Em seu
en te r ro , con t a com o i nc r í ve l número de onze am igos , en t re os
qua i s um que l he dev i a v i n te apó l i ces .
O romance é c ru e sa rcás t i co . A começar pe l o na r rado r
em p r ime i r a pessoa , um mor to que con ta sua v i da , t emos um
l i v ro i nus i t ado em vár i os aspec tos . O au to r expõe m inuc i osa -
mente o compor t amen to humano a t r avés dos seus pe rsona -
gens . Tudo i sso com g randes quan t i dades de humor ác i do ,
sa rcasmo , i r on i a , e f a t os i nsó l i t os . ‚Memór i as ‛ rep resen t a
t ambém uma rup tu ra com as f o rmas t r ad i c i ona i s de se esc re -
ve r a p rosa : o l i v ro é compos to de 1 60 cap í t u l os , sem l i nea r i -
dade (que não seguem o rdem c rono l óg i c a ) , e i s t o nos exp l i c i t a
o p róp r i o B rás Cubas :
[ . . . ] o l i v r o é e n f a d o n h o , c h e i r a a s e p u l c r o , t r a z c e r t a
c o n t r a ç ã o c a d a v é r i c a ; v í c i o g r a v e , e a l i á s í n f i m o ,
p o r q u e o m a i o r d e f e i t o d e s t e l i v r o é s t u , l e i t o r . T u
t e n s p r e s s a d e e nv e l h e c e r , e o l i v r o a n d a d e v a g a r ; t u
am a s a n a r r a ç ã o d i r e i t a e n u t r i d a , o e s t i l o r e g u l a r e
f l u e n t e , e e s t e l i v r o e o m eu e s t i l o s ã o c omo o s
é b r i o s , g u i n am à d i r e i t a e à e s q u e r d a , a n d am e p a r am ,
r e smu ng am , u r r am , g a r g a l h am , ame a ç am o c é u ,
e s c o r r e g am e c a em . ( A S S I S , 2 0 0 4 [ 1 8 8 1 ] , p . 1 1 8 ) .
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Não há um c l ímax de f i n i do , mas momen tos de t ensão
dramá t i ca em f a t os marcan tes da v i da do na r rado r pe rsona -
gem , como o reencon t ro com Marce l a :
E r am o s o l h o s a m e l h o r p a r t e d o v u l t o , e a l i á s t i n h am
um a e x p r e s s ã o s i n g u l a r e r e p u g n a n t e , q u e m ud o u ,
e n t r e t a n t o , l o g o q u e e u c om ec e i a f a l a r . Q u a n t o a o
c a b e l o , e s t a v a r u ç o e q u a s e t ã o p o e n t o c om o o s
p o r t a i s d a l o j a . N um d o s d e d o s d a m ã o e s q u e r d a
f u l g i a - l h e um d i am a n t e . C r ê - l o - e i s , p ó s t e r o s? E s s a
m u l h e r e r a M a r c e l a . ( A S S I S , 2 0 0 4 [ 1 8 8 1 ] , p . 7 7 ) .
Brás Cubas é i r ôn i co com a sua p róp r i a h i s t ó r i a e d i a l oga
de mane i r a debochada e desa f i ado ra com o na r ra t á r i o , u t i l i z an -
do l a rgamen te o recu rso me ta l i ngu í s t i co . ‚Se o l e i t o r não é
dado à con temp l ação des tes f enômenos men ta i s , pode sa l t a r o
cap í t u l o ; [ . . . ] ‛ (ASS IS , 2004 [ 188 1 ] , p . 20 ) .
A foca l i z ação da na r ra t i v a é pa rc i a l e ex t e rna , po i s o
p ro t agon i s t a t en t a passa r ce r t a neu t r a l i d ade e ob j e t i v i dade ,
u t i l i z ando -se da sua cond i ção de mor t o , con fo rme e le mesmo
nos f a l a : ‚Ta l vez espan te ao l e i t o r a f r anqueza com que l he
exponho e rea l ço a m i nha med i oc r i dade ; adv i r t a que a f r anque -
za é a p r ime i r a v i r t ude de um de fun to . ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p .
59 ) .
Contudo , a l e i t u ra a ten t a pe rm i t e ao ‚am igo l e i t o r ‛ pe rce -
be r a pa rc i a l i d ade , a desc rença e o c i n i smo d i an t e das re l a -
ções soc i a i s desc r i t as , imp ressos em todo o d i scu rso de B rás
Cubas . E l e a rgumen ta não t eme r na r ra r pormenores de suas
f a l has e t o rpezas ; t odav i a , d i ss imu l a bas t an t e , demonst rando
não adm i t i r a s i p rópr i o a sua pob reza de ca rá t e r , confo rme
nos i l u s t r a uma passagem do cap í t u l o XXX I :
[ . . . ] l a n c e i m ã o d e um a t o a l h a , b a t i - l h e e e l a c a i u . N ã o
c a i u m o r t a ; a i n d a t o r c i a o c o r p o e m o v i a a s f a r p i n h a s
d a c a b e ç a . A p i e d e i -m e ; t om e i - a n a p a l m a d a m ã o e f u i
d e p ô - l a n o p e i t o r i l d a j a n e l a . E r a t a r d e ; a i n f e l i z e x p i -
r o u d e n t r o d e a l g u n s s e g u n d o s . F i q u e i um p o u c o
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a b o r r e c i d o , i n c om o d ad o .
— T am bém p o r q u e d i a b o n ã o e r a e l a a z u l ? D i s s e e u
c om i g o .
E e s t a r e f l e x ão , — um a d a s m a i s p r o f u n d a s q u e s e
t em f e i t o d e s d e a i n v e n ç ã o d a s b o r b o l e t a s , — m e
c o n so l o u d o m a l e f í c i o , e m e r e c o n c i l i o u c om i g o me smo .
( A S S I S , 2 0 04 [ 1 8 8 1 ] , p . 6 9 ) .
Ass im , i nve r t endo a s i t uação de f o rma que a bo rbo l e t a
se j a cu l pada pe l a sua p róp r i a mor te , B rás Cubas nos mos t ra
como é capaz de se r d i ss imu l ado , ex im indo -se da cu l pa de t e r
ex te rm i nado o i nse to po r pu ra supe rs t i ç ão .
Nes t e pon to , há um eno rme ab i smo en t re um romance
român t i co e um rea l i s t a . Naque l e , pe rsonagens p l anos e na r ra -
t i v a l i n ea r conqu i s t avam a p l ena c redu l i d ade do l e i t o r f o l he t i -
nesco . Nes te , é um na r rado r mor to que con t a a p róp r i a v i da
como l he pe rm i t e a memór i a , que p i n t a a t udo e t odos con fo r -
me a o rdem que l he ap rouve r , com t i n t as de t éd i o e i r on i a . ‚O
na r rado r B rás Cubas con f i gu ra -se , po r t an to , pe l a t a re f a que
rea l i z a e cu j a l eg i t im i dade assen t a sob re a c i r cuns t ânc i a ge ra -
do ra do re l a t o – a t r anspos ição dos l im i t e s da v i da e a i nse r -
ção da mor t e . ‛ ( SARA IVA , 1 993 , p . 50 ) .
A fa l a dos pe rsonagens é c i t ada l i v remen te a t r avés dos
t r avessões , ca rac te r i zando ass im um d i scu rso d i r e t o . A lém
d i sso , a na r ração de B rás Cubas se ap resen ta de f o rma
egocên t r i c a como o p róp r i o pe rsonagem -nar rado r : t odo o t om
na r ra t i vo é regu l ado po r e l e . Não sob ra espaço pa ra obse rva -
ções ex te rnas , f oca l i z ações e pe rspec t i vas de ou t ros pe rsona -
gens . Os f a t os são f ocados e desco r t i nados sob a pe rspec t i va
t empora l r e t roa t i va do na r rado r , ou se j a , e l e os desen ro l a com
a consc iênc i a do a l ém -mor te , como se ass i s t i s se a um f i lme da
sua p róp r i a v i da , um f l ashback . O t empo c rono l óg i co é
pe rmeado com o t empo ps i co l óg i co no qua l uma l embrança
i ncen t i va ou t r a , ge rando um novo cap í t u l o e i n te r rompendo o
que j á es t ava sendo con t ado , pa ra depo i s re t o rna r ao assun to
an t e r i o r . I sso f az deno t a r uma f a l t a de coe rênc i a na r ra t i v a ,
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r a t i f i c ada po r anac ron i as e d i g ressões ao l ongo do l i v ro . Non sequ i t u r 2? De f o rma a l guma . Pode -se , aqu i , con f i rma r o
b r i l h an t i smo do au to r . ‚A sequênc i a na r ra t i v a que evoca a v i da
de B rás Cubas mos t ra -se pob re quando con f ron t ada com a
comp l ex i dade de que se reves te na cade i a d i scu rs i -
va . ‛ (SARAIVA , 1 993 , p . 44 ) .
A v i são p róp r i a , que Cubas capc i osamen te de r rama sob re
o romance , p ropo rc i ona -nos uma t r ama che i a de a rmad i l h as .
‚B rás Cubas , quando evoca a t o t a l i d ade de sua v i da em busca
da au to - reve l ação , expõe uma condut a i nd iv i dua l , d imens i onan -
do-a , po rém , pe l as c i r cuns t ânc i as soc i a i s . ‛ ( SARA IVA , 1 993 , p .
52 ) .
Ao con t a r as passagens de sua v i da com o o l ha r
egocên t r i co que l he é pecu l i a r , o de fun to au to r pode nos
conduz i r ao e r ro . A sua na r ra t i v a t em um ce r t o t om de g l ó r i a ,
os f r acassos são t ão eu fem i s t i c amen te con t ados que , ao f im
do romance , podemos não nos da r con t a de que B rás Cubas
f o i apenas um homem ego í s t a , f r i o , que nada f ez de g rand i oso
ou mora lmen te va l i d áve l .
Ao c r i a r um pe rsonagem t ão i r ôn i co , Machado de Ass i s
nos f az repensa r a cond i ção humana e que a med i oc r i dade
i ndepende da pos ição soc i a l . Mas , a f i na l , quem é o pe rsonagem
B rás Cubas? Um an t i -he ró i , um an t imode l o . Um pe r f e i t o s ímbo l o
da bu rgues i a pe tu l an te . V iveu po r l ongos 64 anos , f i l ho de uma
f am í l i a de o r i gem s imp les que en r i queceu do comérc i o . Não é o
moc i nho bon i t o e bem -compor t ado com i dea i s e l evados de
ou t ro ra . Uma v i da i nú t i l , h i póc r i t a e med í oc re .
N ã o d i g o q u e a U n i v e r s i d a d e m e n ã o t i v e s s e e n s i n a d o
a l g um a [ f i l o s o f i a ] ; m a s e u d e c o r e i - l h e s ó a s f ó rmu l a s ,
o v o c a b u l á r i o , o e s q u e l e t o . T r a t e i - a c om o t r a t e i o l a t i m
– em bo l s e i t r ê s v e r s o s d e V i r g í l i o , d o i s d e H o r á c i o ,
um a d ú z i a d e l o c u ç õ e s m o r a i s e p o l í t i c a p a r a a s
d e s p e s a s d a c o n ve r s a ç ã o . T r a t e i - o s c omo t r a t e i a
h i s t ó r i a e a j u r i s p r u d ê n c i a . C o l h i d e t o d a s a s c o i s a s a
f r a s e o l o g i a , a c a s c a , a o r n am en t a ç ã o . ( A S S I S , 2 0 0 4
[ 1 8 8 1 ] , p . 5 9 ) .
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Não p rec i sou sequer ba t a l ha r pe l o pão de cada d i a ,
como e l e p róp r i o a f i rma no ú l t imo cap í t u l o do l i v ro : ‚Ve rdade é
que , ao l ado dessas f a l t as , coube -me a boa f o r t una de não
compra r o pão com o suo r do meu ros to . ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] ,
p . 209 ) . B rás Cubas con t rad i z t odo o i dea l român t i co que o
bom bu rguês venc i a pe l a ba t a l ha d i á r i a , pe l a renúnc i a às
t en t ações e de fesa dos bons modos e cos tumes . E i s a mesc l a
en t re o pe rsonagem p l ano , ca r i c a t u ra l , e o es fé r i co . E l e é t ão
i nus i t ado – p r i nc i pa lmen te se cons i de rados os pad rões da
época – que não pode se r engessado em c l ass i f i c ações
d i dá t i c as .
B rás Cubas é p l ano ou es fé r i co? É p l ano porque sabemos
que e l e não muda , não evo l u i em nada de suas más qua l i d ades
po r t odo o romance , mas t ambém é es fé r i co dev i do a sua
dens i dade ps i co l óg i c a e p ro fund i dade de suas re f l exões —
a f i na l , o l i v ro é con t ado a pa r t i r de suas cons i de rações e do
a r sa rcas t i c amente f i l o só f i co que e l e imp r ime a t é nas suas
f r i vo l i d ades , como quando l amen t a o f a to de Eugên i a , de t ão
f o rmosa be l eza , se r manca :
O p i o r é q u e e r a c o x a . U n s o l h o s t ã o l ú c i d o s , um a
b o c a t ã o f r e s c a , um a c om p o s t u r a t ã o s e n h o r i l ; e c o x a !
E s s e c o n t r a s t e f a r i a s u s p e i t a r q u e a n a t u r e z a é à s
v e z e s um i m e n s o e s c á r n i o . P o r q u e b o n i t a , s e c o x a ?
P o r q u e c o x a , s e b o n i t a ? T a l e r a a p e r g u n t a q u e e u
v i n h a f a z e n d o a m im me smo a o v o l t a r p a r a c a s a , d e
n o i t e , s em a t i n a r c om a s o l u ç ã o d o e n i gm a . ( A S S I S ,
2 0 0 4 [ 1 8 8 1 ] , p . 7 2 ) .
Ou quando d i sco r re sob re sua ‚ t eo r i a das ed i ções
humanas ‛ , a qua l muda , mas que a i nda não é o dese j áve l :
L emb r a - v o s a i n d a a m i n h a t e o r i a d a s e d i ç õ e s h um a -
n a s ? P o i s s a b e i q u e , n a q u e l e t emp o , e s t a v a e u n a
q u a r t a e d i ç ã o , r e v i s t a e eme nd a d a , m a s a i n d a i n ç a d a
d e d e s c u i d o s e b a r b a r i smo s ; d e f e i t o q u e , a l i á s , a c h a v a
a l guma compensação no t i po , que e r a e l egan te , e na
encade rnação , que e r a l u x uosa . (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p . 77 ) .
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Sabemos , do i n í c i o ao f im do l i v ro , que a sua reação se rá
a ma i s mesqu i nha e d i ss imu l ada poss í ve l . No cap í t u l o X I do
romance , i n t i t u l ado ‚O men i no é pa i do homem‛ , B rás Cubas
nos de i xa en t reve r que o men i no -d i abo , que ma l t r a t ava esc ra -
vos , escond i a o chapéu das v i s i t as e a i nda con t ava com a
aqu i escênc i a pa te rna , só pode r i a resu l t a r no adu l t o manhoso ,
ego í s ta e f r í vo l o que conhecemos pe l a na r ra t i v a . Os dema i s
he ró i s l i t e r á r i os des te pe r í odo ced i am ao ‚pad rão ‛ bu rguês de
vence r de a l guma fo rma ; con tudo , B rás Cubas não vence em
nada . Sua t r avess i a pe l a v i da f o i f i rmada de f r acasso em
f racasso e , mesmo ass im , não nos pa rece que e l e t enha s i do
pun i do de a l guma fo rma .
Ou t ro aspec to cu r i oso des te p ro t agon i s t a é a sua f r ag i l i -
dade an te os a r t i f í c i os fem in i nos . Aqu i , podemos t ece r uma
ana l og i a en t re e l e e ou t ro imo r ta l pe rsonagem de Machado de
Ass i s : Ben t i nho , o Dom Casmur ro , comp l e tamen te apa i xonado
po r Cap i t u :
T u do a r r e d e i d a v i s t a , em p o u c o s s e g u n d o s ; b a s t o u -
m e p e n s a r n a o u t r a c a s a , e m a i s n a v i d a e n a c a r a
f r e s c a e l é p i d a d e C a p i t u . . . Am a i , r a p a z e s ! e , p r i n c i p a l -
m e n t e , am a i m o ç a s l i n d a s e g r a c i o s a s ; e l a s d ã o o
r em éd i o a o m a l , a r om a a o i n f e c t o , t r o c am a m o r t e p e l a
v i d a . . . Am a i , r a p a z e s ! ( A SS I S , 2 0 0 2 a [ 1 8 9 9 ] , p . 1 1 9 )
Brás Cubas t ambém é pass i ona l e f ac i lmen te dom inado
pe l as mu l he res . Que o d i ga a ‚ l i nda Marce l a ‛ e a quase esposa
V i rg í l i a , que o t rocou po r um homem que l he pa rec i a com um
fu t u ro po l í t i co ma i s p rom i sso r .
Den t re os pe rsonagens secundá r i os , o que merece
g rande des t aque é Qu i ncas Bo rba , am i go de i n f ânc i a de B rás
Cubas . É a t r avés de le que Machado de Ass is i r on i za as dou t r i -
nas f i l o só f i cas em voga na época , como o pos i t i v i smo , ao
pa rod i á - l a s com o ‚Human i t i smo ‛ do mend i go que v i r ou f i l ó so fo .
‚Ao venc i do , ód i o ou compa i xão ; ao vencedo r , as ba t a -
t as . ‛ (ASS IS , 2002b [ 1 89 1 ] , p . 1 9 ) .
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Dez anos após o l ançamento de Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 1 88 1 ) , Qu i ncas Bo rba se t o rnar i a o pe rsonagem -
t í t u l o de ma i s um romance machad i ano . No t emos que , em
comum com Cubas , Bo rba não t em somen te a am izade , mas o
f r acasso . Ambos são no t adamen te f r acassados , e es te ú l t imo
a i nda sof reu a desven tu ra de en l ouquece r .
V i r g í l i a e Marce l a t êm ma i s a l go em comum a l ém do f a t o
de ambas se rem mu l he res : são vo lúve i s e i n te resse i r as .
Marce l a , ao enxe rga r em Cubas um bom pa r t i do f i nance i r o ,
t r a t a de en l açá - l o e conduz i r a re l ação de f o rma que e l e a t en -
da t odos os seus cap r i chos mate r i a i s . V i rg í l i a , po r sua vez ,
t r oca -o po r Lobo Neves , apa ren temen te ma i s p rom i sso r , pa ra
depo i s t r a í - l o po r l ongos anos com o p róp r i o B rás Cubas .
– P r ome t e q u e a l g um d i a m e f a r á b a r o n e s a ?
– M a r q u e s a , p o r q u e e u s e r e i m a r q u ê s .
D e s d e e n t ã o e u f i q u e i p e r d i d o . V i r g í l i a c om p a r o u a
á g u i a e o p a v ã o e e l e g e u a á g u i a , d e i x a n d o o p av ã o
c om o s e u e s p a n t o , o s e u d e s p e i t o e t r ê s o u q u a t r o
b e i j o s q u e l h e d e r a . ( A S S I S , 2 0 0 4 , p . 8 3 ) .
Out ros pe rsonagens não menos d i gnos compõem e
i l u s t r am a v i da de B rás Cubas : o ve l ho Cubas , seu pa i , que
cob re de m imos o pequeno B rás e mor re de desgos to ao ve r
o f r acasso po l í t i c o do f i l ho : ‚um Cubas ! ‛ (ASS IS , 2004 [ 1 88 1 ] , p .
84 ) ; Sab ina , sua i rmã , uma das t r ês mu l he res que comparece -
r am ao seu en te r ro ; Dona P l ác i da , que acobe r t a o adu l t é r i o de
V i rg í l i a com B rás Cubas .
Ao c r i a r pe rsonagens comp l exos , marcados po r qua l i d a -
des nega t i vas i ne ren tes ao se r humano , desc r i t os e na r rados
em suas aven tu ras e desven tu ras po r B rás Cubas , Machado
de Ass i s queb rou pa rad i gmas e marcou pa ra sempre a l i t e r a t u -
ra b ras i l e i r a . Esses personagens t r anspõem a convenção d i co -
t ôm i ca bem ve rsus ma l , comum nos romances f o l he t i nescos do
pe r í odo român t i co . Possu í am de fe i t os , mas não são ru i ns na
sua t o t a l i d ade , apenas pessoas no rma i s , com desv i os comuns
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de ca rá te r . Dessa f o rma , podemos i n f e r i r que cada pe rsonagem
da ob ra co l abo ra pa ra a pe rson i f i cação de maze l as humanas e
cada um , com suas ações i so l adas , con t r i bu i pa ra o romp imen -
to da h i poc r i s i a soc i a l .
Em Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 2004 [ 1 88 1 ] ) ,
podemos no t a r que o de fun to au to r f a l a com na tu ra l i d ade de
t emas como adu l t é r i o , p reconce i t o , d i ss imu l ação , convenções
soc i a i s , i n t e resse . Sub l im i na rmen te à i r on i a que c i r cunda a ob ra
do i n í c i o ao f im , e l e tende a d i ss imu l a r a sua v i da i ng l ó r i a .
Po r ma i s que e l e t en t e re t r a t a r que passou pe l a v i da
i ncó l ume ao f r acasso , a sensação que t emos é que nosso
he ró i l evou uma v i da imp rodu t i va . I sso nos reconduz ao
ques t i onamen to que deu i n í c i o a es t a aná l i se : quem se r i a ,
en t ão , B rás Cubas? Não sabemos . Não se pode sabê - l o . B rás
Cubas é mu i t o pouco e t ambém é mu i to . Quem é B rás Cubas?
Um an t i -he ró i , que deve se r desp rezado , aped re j ado pe l o
péss imo exemp l o? Ou uma pe rson i f i c ação br i l h an te daqu i l o que
t emos de rea l como se res humanos , como soc iedade , que nos
conduz à re f l exão , e à au toc r í t i c a?
Ora , ‚ am i go l e i t o r ‛ , se t e en f ada es t e ques t i onamen to ,
‚paga -nos com um p i pa ro t e ‛ . Se não te en fadas , l ança r - t e -
emos um desa f i o : d i z -nos quem é B rás Cubas , e nós reve l a re -
mos m i l seg redos pe r tencen tes a Rub i ão , Qu i ncas Bo rba , A i r es ,
Esaú , Jacó e , quem sabe , Ben t i nho e Cap i t u . . .
3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Apar t ando -se dos l i v ros f o l he t i nescos do momen to l i t e r á -
r i o an t e r i o r , Machado de Ass i s esc reveu pa ra l e i t o res menos
c rédu l os , ma i s c r í t i cos . Os que não o e ram t i ve ram de ap ren -
de r a se r , ou rechaça r i am as ob ras machad i anas . Compade -
çamo-nos das moc i nhas e rapazes l ângu idos e sonhado res
que acompanhavam romances açuca rados ( todav i a , emoc ionan -
t es ! ) , l ançados cap í t u l o a cap í t u l o nos pe r i ód i cos do sécu l o X IX ,
po rquan to a mudança f o i b rusca . Ao encur t a r as f i l e i r as do
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mov imen to român t i co , Machado de Ass i s não apenas i ns t au rou
ma i s uma c l ass i f i cação d i dá t i c a pa ra o es tudo da h i s t o r i og ra f i a
l i t e r á r i a , mas amp l i ou os ho r i zon tes da l i t e r a tu ra .
Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 2004 [ 1 88 1 ] ) é s i nô -
n imo de i novação . O modo de na r ra r é novo , bem como o são
a t emá t i c a , a abo rdagem , as re f l exões . B rás Cubas desaf i a o
l e i t o r ; debocha , sem medo de pe rdê - l o . E não pe rdeu . Há cen to
e t r i n t a e qua t ro anos , o l i v ro é repub l i c ado e ho j e se encon -
t r a d i spon í ve l pa ra l i v re acesso a t r avés da i n t e rne t . Roman I nga rden 3 nos d i z que o t ex to l i t e r á r i o apenas se
comp l e ta com a l e i t u ra , com a recepção do l e i t o r . Po r t an t o ,
es te romance machad iano que pe rmanece a t ua l a i nda o é não
apenas pe l o seu ca rá te r i nus i t ado , mas pe l as i númeras l e i t u ras
que se pode f aze r de le , em va r i ados momentos . Pa ra o púb l i co
l e i t o r con temporâneo ao l ançamen to da ob ra , f o i necessá r i o
mudar a f o rma de l e r e compreende r um romance , pa ra chega r
ao f im da na r ra t i v a de B rás Cubas .
Machado de Ass i s é uma ve rsão l ap i dada de Gregó r i o de
Matos , com todas as d i f e renças p róp r i as de cada es t i l o e
época . Ma i s s i sudo , não obsceno ; con tudo , com o mesmo
po tenc i a l c r í t i co e i novado r . Sendo ass im , Memór i as pós tumas de B rás Cubas ( 2004 [ 1 88 1 ] ) é um g rande poema sa t í r i c o em
prosa e dessa f o rma , a ob ra rep resen tou não apenas o
c resc imen to do au to r como marcou a l i t e r a tu ra nac i ona l .
A t r avés desse romance bem -humorado , sa rcás t i co , enxu -
t o e não pad ron i zado , o au to r chocou o púb l i c o con temporâ -
neo ( 1 88 1 ) po r ap resen t a r um l i v ro que não con temp l ava a
nob reza de sen t imen tos ap resen t ada nos f o l he t i ns de en t ão .
Rompeu co ra j osamente com pad rões es t é t i co - l i t e r á r i os e
desco r t i nou sob remane i r a as re l ações soc i a i s , enco ra j ando
ass im uma nova ge ração de l e i t o res , ma i s c r í t i c os e sagazes .
O l i v ro é a a f i rmação da l i t e r a tu ra como g rande f on te de
conhec imento e de d i f usão de i de i as . Ex co rde , ad i n f i n i t um 4 .
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Resumen : En es te a r t í c u l o , se ana l i z a l a pa r t i c i pac i ón de l a ob ra Memór i as pós tumas de B rás Cubas en l a rup tu ra con e l mode l o r o m á n t i c o y e n l a i n a u g u r a c i ó n d e u n e s t i l o d e p r o s a desconoc i do en l a l i t e ra t u ra b ras i l eña has t a aque l momen to . P a l a b r a s c l a v e : M a c h a d o d e A s s i s . R u p t u r a . I n n o v a c i ó n . Rea l i smo . Memór i as pós tumas de B rás Cubas .
R E F E R Ê N C I A S
ASS IS , Machado de . Dom Casmur ro . São Pau l o : Á t i c a , 2002a .
______. Memór i as pós tumas de B rás Cubas . Ba rce l ona : Ed i t o r i a l
So l 90 , 2004 .
______. Qu incas Bo rba . São Pau l o : Á t i c a , 2002b .
CULLER , Jona than . Nar ra t i v a . I n : ______. Teor i a l i t e r á r i a : uma
i n t r odução . T radução de Sand ra Vasconce l os . São Pau l o : Beca
P roduções Cu l t u ra i s L tda . , 1 995 . p . 84 -94 .
I NGARDEN , Roman . A ob ra de a r te l i t e r á r i a . 3 . ed . L i sboa :
Ca l ous t e Gu l benk i an , 1 965 .
SARA IVA , Ju racy Assmann . O c i rcu i t o das memór i as em Machado de Ass i s . São Pau l o : Edusp , 1 993 .
N O T A S 1 E s t u d a n t e d a U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l d e F e i r a d e S a n t a n a , c u r s a n d o o
6 ª s em e s t r e d e L e t r a s c om H a b i l i t a ç ã o em E s p a n h o l , 3 3 a n o s , f u n c i o -
n á r i a p ú b l i c a h á 1 2 a n o s . 2 E x p r e s s ã o l a t i n a q u e s i g n i f i c a “ s em s e n t i d o , c o n f u s o ” . 3 T e ó r i c o d a e s t é t i c a d a r e c e p ç ã o d o t e x t o , q u e d i s c o r r e s o b r e a r e l a -
ç ã o a u t o r / o b r a l i t e r á r i a / l e i t o r . 4 E x p r e s s ã o l a t i n a q u e s i g n i f i c a “ d e c o r a ç ã o , a t é o i n f i n i t o ” .
Env i ado em 30/03/20 14 .
Ap rovado em 04/ 12/20 14 .
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P E R MA NÊ NC IA E RA SURA — C I N CO V EZ E S
S E R TÃO : L I T E RA TU RA , C I N EMA E OU TR A S
E SC R I TURA S
P o r R o s a n a C a r v a l h o B r i t o
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s V e r n á c u l a s
c a r v a l h o . r o s a n a@ h o tm a i l . c om
C l a u d i o C l e d s o n N o v a e s ( O r i e n t a d o r /U E F S )
D e p a r t am e n t o d e L e t r a s e A r t e s ( D LA )
c c n o v a e s . u e f s @ gma i l . c om
CH IOSS I , E l i ana Mara de F re i t as ; NOVAES , C l aud i o C l edson
(O rg . ) . C inco vezes ser t ão : l i t e r a tu ra , c i nema e ou t r as
l i n guagens . Sa lvado r : Qua r te to , 20 12 .
A P R E S E N T A Ç Ã O
Es t a resenha cons i s t e em uma p ropos t a de ap resen t ação
e aná l i se das i de i as ace rca das rep resen t ações a r t í s t i c as ,
sob re t udo a c i nema tog rá f i c a , dos ‚ t e r r i t ó r i os i den t i t á r i os do
se r t ão ‛ . Ta i s i de i as fo ram desenvo lv i das po r c i nco au to res ,
cada um com um ensa i o espec í f i co , que f o ram , pos te r i o rmen te ,
r eun i dos no l i v ro C i nco vezes se r t ão : l i t e r a tu ra , c i nema e
ou t r as esc r i t u ras ( 20 1 2 ) , o rgan i zado po r C l aud i o Novaes e
E l i ana Mara Ch i oss i . Es t e t r aba l ho t em o ob j e t i vo de mos t ra r
que : 1 ) a t emá t i c a se r t ane j a t em s i do abo rdada sob d i f e ren tes
pe rspec t i vas na h i s t ó r i a do c i nema em gera l ; e 2 ) que cada
o l ha r l ançado sob re esse t ema t em a l guma co i sa nova a
ac rescen t a r , po i s nem tudo p rec i sa se r ace i t o como desc r i ç ão
ve ross ím i l , mas t udo re l ac i onado ao c i nema deve se r cons i de -
rado como vá l i do , v i s to que cada um t em uma fo rma pecu l i a r
de o l ha r e pe rcebe r o se r t ão .
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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C I N C O P A S S E I O S P E L A T E M Á T I C A S E R T A N E J A
O l i v ro C i nco vezes se r t ão : l i t e r a t u ra , c i nema e ou t r as esc r i t u ras ( 20 1 2 ) , o rgan i zado po r C l aud i o Novaes e E l i ana Mara
Ch i oss i , r eúne c i nco dos t r aba l hos p roduz i dos pa ra o X I
Cong resso I n te rnac i ona l da Assoc i ação B ras i l e i r a de L i t e ra t u ra
Comparada (ABRAL IC ) , r ea l i z ado em São Pau lo no ano de 2008 ,
e ap resen tados no S impós i o Se r t ão De l i c a tessen : Imagens
C i nema tog rá f i c as e Out ras Esc r i t u ras .
O pesqu i sado r C l aud i o Novaes , no t ex to ‚T rad i ção l i t e r á r i a
na c i nematog ra f i a con temporânea : o f i lme C i nema , asp i r i n as e u rubus ‛ ( 2005 ) , d i scu te t r aços do imag i ná r i o l i t e r á r i o se r t ane j o
no c i nema con temporâneo e es t abe lece re l ação en t re os subs -
t an t i vos do t í t u l o do f i lme — pa l av ras -sen t i dos na concepção
do au to r — e a poé t i ca l i t e r á r i a de João Cab ra l de Me l o Ne to ,
mos t rando que é p rec i so mob i l i z a r , l i t e r a r i amen te , o s i gn i f i c ado
dessas pa l av ras pa ra pô r em mov imen to os pa radoxos do
f i lme , o qua l d i a l oga com a t r ad i ção l i t e r á r i a se r t ane j a e com o
c i nema b ras i l e i r o em d i ve rsos aspec tos . A canção Se r ra da Boa Espe rança , de Lamar t i ne Babo , i n te rp re t ada po r V i cen te
Ce les t i no , ab re o f i lme , ao mesmo t empo em que se mos t ra a
s i t uação p recá r i a da v i da dos pe rsonagens esmagados pe l a
aspe reza do se r tão e , t ambém , i dea l i z a -se a t e r r a , o que
ap rox ima o pa radoxo rep resen t ado pe l os personagens c i nema -
tog rá f i cos Ranu l pho e Johann : o p r ime i r o negando o se r t ão ,
buscando fug i r de l e ; o segundo , vendo na t e r r a áspe ra a
redenção , um re fúg i o pa ra a sua cond i ção de es t r ange i r o em
fuga da gue r ra na Europa . Novaes ( 20 12 ) a f i rma que as cenas
i n i c i a i s do f i lme j á reve l am o aspec to ma i s ev i den t e do d i á l ogo
com a t r ad i ç ão l i t e r á r i a b ras i l e i r a . A esse respe i t o , o au to r c i t a
o con t r apon to da na r ra t i v a do f i lme com a ob ra de João Cab ra l
de Me l o Ne to : o poe ta se u t i l i z a da t r ad i ç ão se r tane j a l i t e r á r i a
pa ra conve r tê - l a na l i nguagem ‚conc re t i s t a ‛ , capaz de ab ran -
ge r a l gumas va r i ações do es te reó t i po se r t ane j o , não só na
pe rspec t i va da m i sé r i a e da f a l t a , mas , para a l ém , t omando o
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mundo rús t i co se r tane j o como i nd í c i o pa ra uma nova l i ngua -
gem . Nes te sen t i do , o f i lme ‚ [ . . . ] r es t au ra os s i gn i f i c ados da
t r ad i ç ão conc re t i s t a cab ra l i n a na re t omada do c i nema se r t ane j o
con temporâneo . ‛ ( NOVAES , 20 1 2 , p . 1 6 - 17 ) . Con tudo , no que se
r e fe re à na r ra t i v a se r t ane j a t r ad i c i ona l , ‚ [ . . . ] o f i lme rep resen t a
a soc i edade mode rna em c r i se [ . . . ] ‛ ( NOVAES , 20 1 2 , p . 1 7 ) , mas
ago ra o se r t ão é o re fúg i o pa ra a f uga de Johann .
Ao es t abe l ece r a re l ação en t re o t í t u l o do f i lme C i nema , asp i r i n as e u rubus ( 2005 ) e a poé t i c a de João Cab ra l de Me l o
Ne to , Novaes ( 20 12 ) obse rva t r aços da i n t e r l ocução l i t e r á r i a
com o c i nema , pos tu l ando re l ações i nus i t adas pa ra a l ém da
adap t ação : o agou ro rep resen t ado pe l o u rubu , que apa rece em
a l guns momen tos do f i lme suge re as t r a j e t ó r i as de Ranu l pho e
Johann , bem como a t ensão que acompanha esses pe rsona -
gens . As t omadas na tu ra l i s t as dessa na r ra t i v a c i nema tog rá f i c a
f oca l i z am o o l ha r f l ag ran t e dos p ro t agon i s t as pe l o mesmo v i és
s imbó l i c o com que o u rubu é pe rson i f i c ado nos poemas de
João Cab ra l de Me l o Ne to como ‚ f unc i oná r i o ‛ da seca à esp re i -
t a da mor te . A asp i r i n a do poema de Me l o Ne to e do t í t u l o do
f i lme ap resen t am t ambém d i á l ogos de imagens poé t i c as i nus i t a -
das en t re l i t e r a t u ra e t écn i ca c i nema tog rá f i c a , quando se
mos t ra , no poema , a concepção da asp i r i n a como uma ‚espéc i e
de máqu i na de p roduz i r imagens ‛ pa ra o poe t a . Po r f im , o
subs t an t i vo ‚c i nema‛ t ambém d i a l oga com a mode rn idade da
poes i a cab ra l i n a , que ‚ [ . . . ] anunc i a um es t i l o c i nema tog rá f i co
com imagens -pensamento , agenc i adas como fo t og ramas
densos no seu es t i l o l i t e r á r i o conc re t o . ‛ ( NOVAES , 20 1 2 , p . 23 ) .
No a r t i go ‚O se r t ane j o po l imó r f i co ‛ ( 20 1 2 ) , Mau r í c i o Ma tos
d i scu te as d i f e ren t es abo rdagens da imagem do se r t ane j o ,
sob re t udo após o c i nemanov i smo 1 . Há t empos foca l i z a -se a
ques t ão do se r t ane j o , o ra t r aba l hando pa ra f o r t a l ec imen to de
um es te reó t i po que , às vezes , pa rece imu t áve l , o ra com esfo r -
ços , quase que vãos , pa ra f aze r com que e l e se j a v i s t o a l ém
da i de i a de homem fo r t e . Sob re es te ú l t imo pon to , Ma tos ( 20 1 2 ,
p . 27 ) t em uma op i n i ão cons i s ten te : ‚Se o se r t ane j o é f o r te ,
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i s so se deve à f o rça com a qua l o pode r do es t ado se exe rce
como v i o l ênc i a sob re popu l ações suba l t e rnas . ‛ O que é uma
i d e i a bas t an te ace r t ada , a l i á s . Há , s im , ce r t o es fo rço em pe rpe -
t ua r um es te reó t i po que p rocu ra de f i n i r o se r t ane j o po r um
t r aço p r i nc i pa l , f oca l i zando sua cond i ção de f o r t a l eza .
Com o C i nema Novo , obse rvamos , t a l vez , os p r ime i r os
resu l t ados da l u t a pa ra f aze r o se r t ane j o se r pe rceb i do f o ra
dos m i tos ace rca de sua f o rça . Como marco dessa empre i t ada ,
Matos ( 20 12 ) c i t a o f i lme Deus e o d i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) ,
produz i do po r um dos p r i nc i pa i s men to res desse mov imen to
c i nema tog rá f i co : G l aube r Rocha . Em Deus e o d i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) , o se r t ane jo não é ma i s o su j e i t o que se de f i ne
apenas pe l a sua res i s t ênc i a f í s i c a , mas o que ganha pode r
pa ra apon t a r uma voz em dev i r . Como bem apon t a Ma tos
( 20 12 , p . 3 1 ) , nesse f i lme : “O se r t ane j o t o rna -se mu l t i p l i c i dade
ou t écn ica de s i , ao i nvés de se r reba t i do po r uma d imensão
abso l u t a p roven i en te dos m i t os e dos es te reó t i pos que o
suba l t e rn i za ram . ‛
O tex to de Fáb i o Rama l ho , ‚Do se r t ão às m ic ro te r r i t o r i a l i -
dades : t r ans f i gu rações es té t i c as e f r agmen tações po l í t i -
cas ‛ ( 20 12 ) , t r az i de i as ace rca dos mú l t i p l os en foques a t r avés
dos qua i s o c i nema b ras i l e i r o t r a t a dos assun tos nac i ona l i s t as ,
sob re t udo no que se re fe re aos t e r r i t ó r i os do se r t ão . Segundo
o au to r , o d i scu rso c inema tog rá f i co nac i ona l f o i i n f l uenc i ado e
de l im i t ado pe l as ‚ [ . . . ] t en t a t i v as de da r f o rma , em sons e
i magens a uma na r ra t i v a soc i a l b ras i l e i r a , d i scu t i ndo e negoc i -
ando ques tões po l í t i c as e f a t os h i s t ó r i cos de te rm i nan tes pa ra
sua cons t i t u i ç ão . ‛ ( RAMALHO , 20 12 , p . 45 ) . Dessa f o rma , segun -
do Rama l ho ( 20 12 ) , o c i nema nac i ona l não rep resen t a imagens
do se r t ão apenas pa ra p rob l ema t i za r as ques tões soc i a i s . Ma i s
do que i sso , no c i nema , as imagens do se r tão são ve ícu l os de
po tenc i a l i d ades cu l t u ra i s ‚ [ . . . ] na assunção de pos tu ras po l í t i c as
[ . . . ] ” ( RAMALHO , 20 1 2 , p . 47 ) , na med i da em que chamam a ten -
ção pa ra o reconhec imento i den t i t á r i o/cu l t u ra l desse espaço ,
p r i nc i pa lmen te pa ra mob i l i z a r pos i c i onamen tos c r í t i c os em
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r e l ação a e l e . Se j a pe l os v i eses revo l uc i onár i os , popu l i s t as ou
conc i l i a do res , as imagens dos t e r r i t ó r i os do se r t ão ca r regam
‚ [ . . . ] o t r aço de ass ime t r i as reg i ona i s [ . . . ] ‛ ( RAMALHO, 20 1 2 , p .
47 ) , ga lvan i zando o cará t e r h i s tó r i co mo t ivado r dessas f ace t as .
No c i nema b ras i l e i r o con temporâneo ana l i s ado pe l o c r í t i co ,
há um ace rvo impo r t an t e de ob ras que ap resen t am e u l t r apas -
sam a re fe r i da rea l i d ade , mos t rando o ser t ão como ‚ca r ro -
che fe ‛ da d i scussão sob re as s i t uações soc i a i s , não apenas
pa ra i l u s t r á - l as , mas t ambém pa ra da r - l hes pe rspec t i vas po l í t i -
cas novas . Os f i lmes como Deus e o d i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) e Te r ra em t r anse ( 1 967 ) , ambos de G l aube r Rocha , são
a l guns exemp l os aos qua i s Rama l ho ( 20 12 ) se re fe re . Nessas
p roduções , o se r t ão e o B ras i l , d i r e t amen te ve i cu l ados ou
s imu l ados , são as expressões de um espaço que ‚ [ . . . ] r eúne as
ca rac te r í s t i c as que de f i nem uma s i t uação nac i ona l . ‛ ( RAMALHO ,
20 12 , p . 50 ) . C l a ro que esses f i lmes a t uam de modos d i s t i n t os
e não have r i a como se r d i f e ren te , j á que per t encem a con tex -
t os cu l t u ra i s d i ve rsos . Mas , pa ra os ob j e t i vos do esc r i t o do
au to r , o que i n te ressa é pe rcebe r que , no c i nema b ras i l e i r o , há
mov imen tos po l í t i cos que resu l t am da rep resen t ação c i nema to -
g rá f i c a como uma a l ego r i a da s i t uação nac iona l , encenando os
conf l i t os l oca l i z ados na d i nâm i ca da v i da co t i d i ana .
Pau l a S i ega , no t ex to ‚O se r t ão segundo A l be r to Morav i a
e G i ann i Am ico : cen t ro e pe r i f e r i a no d i scurso c i nema tog rá f i co
i t a l i ano ‛ ( 20 1 2 ) , esc reve sob re a recepção dos f i lmes do C i ne -
ma Novo pe l a c r í t i c a i t a l i ana , t endo em v i s t a a con t r i bu i ç ão dos
c r í t i c os i t a l i anos A l be r t o Morav i a e G i ann i Am ico . Também , no
re fe r i do a r t i go , vemos a cond ição emb lemát i c a do c i nema de
G l aube r Rocha . Segundo a au to ra , a ace i t ação dos f i lmes do
C inema Novo se rá med i ada pe l a expec t a t i va da ‚au to r i dade ‛ ,
que p romove l e i t u ras a r t í s t i c as con t r as t an t es dos c i nemas
suba l t e rnos an te os hegemôn icos : ‚ [ . . . ] de um l ado , as que
veem nos f i lmes au t ên t i c as ob ras de a r t es e , de ou t ro , as que
os cons i de ram rep roduções de fe i t uosas de mode l os eu ro -
peus . ‛ ( S IEGA , 20 12 , p . 65 ) .
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O c r í t i co c i nematog rá f i co A l be r to Morav i a esc reveu sob re
f i lmes de G l aube r em duas ocas i ões : no a r t i go ‚Os r i t os vo l up -
t uosos dos magos b ras i l e i r os ‛ ( 1 963 ) , no qua l f a l ou sob re o
f i lme Ba r raven to ( 1 96 1 ) ; e em “O p ro fe t a da revo l ução ” , sob re
Deus e o d i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) . A t r adução desses a r t i -
gos , no B ras i l , demons t ra a i nques t i onáve l ap rovação dos
f i lmes no ex t e r i o r e , ma i s uma vez , t r az à t ona ‚ [ . . . ] a f unc i o -
na l i d ade da ‘ au t o r i dade ’ do recep to r [ . . . ] ‛ ( S I EGA , 20 12 , p . 67 ) ,
j á que a ap rovação po r pa r t e do c r í t i c o i t a l i ano assegu rava o
va l o r a r t í s t i c o desses f i lmes de G l aube r Rocha . Quan to à
con t r i bu i ç ão de G i ann i Am ico pa ra a d i vu lgação dos f i lmes
b ras i l e i r os na I t á l i a , S i ega ( 20 12 ) a f i rma que e l a pode se r a t r i bu -
í da à pa r t i c i pação desse c r í t i c o na d i r eção da Resenha do
C i nema La t i no -Amer i cano , em Gênova ( I t á l i a ) , po i s , segundo a
pesqu i sado ra : ‚ [ . . . ] é a t r avés da Resenha que mu i tos f i lmes
c i nemanov i s t as f azem i ng resso na I t á l i a . ” ( S IEGA , 20 12 , p . 73 ) .
No B ras i l , Am ico rodou o f i lme T róp i cos ( 1 967 ) , ob ra ded i cada
aos au to res do C i nema Novo , na qua l podem se r pe rceb i dos
aspec tos de ou t ros f i lmes p roduz i dos na época , como V i das secas ( 1 989 ) e Deus e o d i abo na t e r r a do so l ( 1 964 ) . Com essa
produção , Am ico ap resen t a ao púb l i c o eu ropeu aspec tos
geog rá f i cos , h i s t ó r i cos e econôm icos do B ras i l , segundo a ó t i c a
da l u t a de c l asses .
Pa ra S i ega ( 20 12 ) , os a r t i gos de Morav i a , c i t ados no pa rá -
g ra fo an te r i o r , bem como o f i lme T róp icos ( 1 967 ) , de Am ico ,
f o ram fundamenta i s pa ra o es tudo da recepção i n te rnac i ona l
do c i nema b ras i l e i r o . Ao abo rda rem os f i lmes de G l aube r
Rocha , ob ras bas t an t e rep resen t a t i vas do C i nema Novo , esses
c r í t i c os ap resen t a ram ao púb l i c o i t a l i ano a imagem do No rdes te
f o ra dos es te reó t i pos exó t i cos , r ep resen t ando o cangaço numa
pe rspec t i va revo l uc i oná r i a , que va i a l ém da i de i a de v i o l ênc i a .
Sy lv i e Debs , com o tex to ‚A ped ra do re i no : do romance
à t e l ev i são , de Ar i ano Suassuna a Lu i z Fe rnando Carva l ho ‛ ,
f echa o l i v ro C i nco vezes se r t ão : l i t e r a t u ra , c i nema e ou t r as esc r i t u ras ( 20 12 ) . No ensa i o , a au to ra f a l a da adap t ação da
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obra de Ar i ano Suassuna , A ped ra do re i no ( 1 97 1 ) , po r Lu i z
Fe rnando Carva l ho , des t acando a s i ngu l a r i dade do t r aba l ho
desse d i r e t o r na ‚ [ . . . ] t r anspos ição da esc r i t a à imagem . ‛ ( DEBS ,
20 12 , p . 87 ) . Pa ra t an to , a au to ra d i scu t e aspec tos do gêne ro
em desenvo lv imen to , da na r ração e da montagem .
Ao adap t a r A ped ra do re i no ( 1 97 1 ) ao c i nema , o d i r e to r
Lu i z Fe rnando Carva l ho f ez esco l has que en r i quece ram a i nda
ma i s sua p rodução . Den t re essas esco l has , des t aca -se a se l e -
ção dos a t o res no p róp r i o l uga r das l ocações , sendo t es t ados
pa ra rep resen t a rem a s i mesmos , chegando a uma ve ross im i -
l h ança ‚ i nc r íve l ‛ . Há que da r c réd i t o t ambém à opção pe l a c i da -
de c i nema tog rá f i c a , que rep roduz a c i dade re fe r i da do romance
de Suassuna , uma vez que i sso poss i b i l i t ou ma i o r ap rox imação
en t re a na r ra t i v a do romance e a na r ra t i v a rep roduz i da no
f i lme . Debs ( 20 1 2 ) cons i de ra o pon to cen t r a l da ob ra de
Suassuna rep resen t ado na o r i g i na l i d ade , em d i f e rença com a
de Lu i z Fe rnando . Es te ú l t imo não sab i a como c l ass i f i c a r sua
p rodução exa t amen te pe l o ca rá t e r pecu l i a r da au to r i a , cons i de -
rando que seu t r aba l ho de c r i ação se ap rox imava da rea l i d ade
rep resen t ada , como poucas ob ras conseguem se ap rox imar .
C O N C L U S Ã O
C inco vezes se r t ão : l i t e r a t u ra , c i nema e ou t ras esc r i t u ras ( 20 12 ) t r az c i nco abo rdagens d i f e ren tes acerca dos t e r r i t ó r i os
do se r t ão , sendo um con jun to de i nves t i gação que t r ans i t a po r
esse espaço geog rá f i co - imag i ná r i o e cu l t u ra l a t r avés do f i o
a r t í s t i c o das ob ras ana l i s adas pe los t r aba l hos reun i dos no
re fe r i do l i v ro . Novaes ( 20 12 ) ap resen ta ao l e i t o r o d i á l ogo en t re
os subs t an t i vos do t í t u l o do f i lme C i nema , asp i r i n as e u rubus ( 2005 ) e a poes i a cab ra l i n a , ambas as ob ras t endo como cená -
r i o o se r t ão . Po r sua vez , Ma tos ( 20 12 ) es t imu l a o l e i t o r a
enxe rga r o se r tane j o f o ra de sua cond i ção de f o r t a l eza es te -
reo t i pada pe l o d i scu rso dom inan te ; Rama l ho ( 20 12 ) i nves t i ga a
rep resen t ação da t emá t i c a se r tane j a em p roduções
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aud i ov i sua i s , cen t r ando a aná l i se em f i lmes ma i s recen tes da
re t omada do c i nema se r t ane j o con temporâneo , a pa r t i r do
d i á l ogo com o C i nema Novo ; S i ega ( 20 12 ) t r az as cons i de rações
ace rca da recepção dos f i lmes c i nemanov i s tas b ras i l e i r os pe l a
c r í t i c a i t a l i ana , demonst rando que a ‚au to r i dade ‛ do c r í t i c o t em
pape l f undamen ta l na recep t iv i dade da ob ra ; f i n a lmen te , Debs
( 20 12 ) t ece a sua con t r i bu i ç ão , ana l i s ando a “ respos t a c r i a t i v a ”
que Lu i z Fe rnando Carva l ho deu à ob ra l i t e r á r i a de Ar i ano
Suassuna com a sua adap t ação aud i ov i sua l .
Com o l i v ro C i nco vezes se r t ão : l i t e r a tu ra , c i nema e ou t r as esc r i t u ras ( 20 12 ) , pe rcebemos o ser t ão como espaço
emb lemát i co na cu l t u ra nac iona l , com as suas va r i adas rep re -
sen tações po l í t i c as , es t i l í s t i c as e de supo r t es m i d i á t i cos . O
t ema se r t ane j o es t á p resen te em momentos c ruc i a i s da p rodu -
ção a r t í s t i c a b ras i l e i r a . Na l i t e r a t u ra , a rep resen tação do se r t ão
apa receu desde o per í odo co l on i a l — nesse momen to apenas
de mane i r a suges t i va — v i ndo a se ap resen t a r de f o rma ma i s
p rog ramát i c a nos t ex tos românt i cos , t endo como marco i n i c i a l
o romance O se r t ane jo ( 1 875 ) , de José de A l enca r . O l i v ro Os se r t ões ( 1 902 ) , de Euc l i des da Cunha , rep resen tou um marco
de t r ans i ção en t re o sécu l o X IX e o XX , po r l ança r as bases a
pa r t i r das qua i s a i den t i dade nac i ona l va i se r pensada , a l ém de
ap resen t a r , como j á supe rada , a d i co t om i a pau l i s t a ve rsus
se r t ane j a . Um pouco depo i s do l ançamen to do l i v ro de Euc l i des
da Cunha , o t ema do se r t ão passa a rep resen t a r , pa ra os i n te -
l e c tua i s nac i ona l i s t as , um i ns t rumen to de ‚ [ . . . ] c r í t i c a a t oda a
cu l t u ra de impo r t ação , à subse rv i ênc i a l i t o rânea , aos pad rões
cu l t u ra i s ex t e rnos . ‛ (ALBUQUERQUE JÚN IOR , 200 1 , p . 54 ) . A
pa r t i r da í , sob re t udo com as con t r i bu i ções l egadas pe l o Mode r -
n i smo , o t ema do se r tão ganha ma i o r v i s i b i l i d ade na l i t e r a t u ra ,
u l t r apassando a assoc i ação t r ad i c i ona l en t re se r t ão e seca .
No c i nema , o se r t ão se fez p resen te desde o C i nema
P r im i t i vo , pe r í odo que co r responde aos p r imó rd i os do c i nema ,
nos f i ns do sécu l o X IX a t é a década de 1 920 ; depo i s passou
pe l a i ndús t r i a do C inema C l áss i co , que o r i g i nou o mode l o
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me lod ramá t i co ; e pe l a t r ans ição mode rna do C i nema Novo .
Nes t e ú l t imo pe r í odo , assum iu novas pe rspec t i vas , na med i da
em que os c i neas t as p rocu ra ram rep resen t ar se r t ão e se r t ane -
j o f o ra dos es te reó t i pos da seca que p redom ina ram , sob re tudo ,
no C i nema C l áss i co . Como fo i pa ra os c i nemanov i s t as , no c i ne -
ma con temporâneo o t ema se r t ane j o é um gêne ro p r i v i l e g i ado
com f i lmes p rem i ados e ac l amados , r a t i f i cando a op i n i ão de
Matheus Andrade ( 2008 , p . 65 ) de que o se r t ão é mesmo
‚ co i sa de c i nema‛ .
R E F E R Ê N C I A S
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N O T A S
1 O t e r m o c i n e m a n o v i s m o f a z r e f e r ê n c i a a o c i n e m a n o v o - m o v i m e n t o
c i n e m a t o g r á f i c o d e s e n v o l v i d o e n t r e a s d é c a d a s d e 1 9 6 0 e 1 9 7 0 n o
B r a s i l - n u m a e s p é c i e d e r e a ç ã o a o c i n e m a c l á s s i c o , p r o c u r a n d o
p r o d u z i r f i l m e s q u e d i a l o g a s s e m c om a r e a l i d a d e d o p a í s . O c i n e a s t a
G l a u b e r R o c h a f o i um d o s p r i n c i p a i s me n t o r e s d e s se mo v i m e n t o .
Env i ada em 27/02/20 14 .
Ap rovada em 22/02/20 15 .
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 9 5 - 1 0 4 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
P O E S I A D E RU Í NAS : A N T E RO D E Q UE N TA L E
A D E S T R U I ÇÃ O DA O R D EM A NT I GA
T h a i r a n e d e J e s u s N a s c i m en t o ( U E F S )
L i c e n c i a t u r a em L e t r a s V e r n á c u l a s
t h a i - n a s c i m e n t o @ b o l . c om . b r
Resumo : Ne s t e t r aba l h o , p r e t e nde -se f aze r um exame da f ace
l um i nosa , r ac i ona l e comba t i va da poes i a de An te ro de Quen t a l .
O f o c o r e c a i s o b r e um a d a s i m a g e n s m a i s r e c o r r e n t e s em
s e u s p o e m a s : a i m a g e m d e r u í n a s . O b j e t i v a - s e , t a m b é m ,
a p r e s e n t a r i n t e r p r e t a ç õ e s p o s s í v e i s p a r a e s s e s í m b o l o t ã o
ca r regado de s i gn i f i c ados , ao mesmo tempo em que se p rocu ra
a l i a r e ssa i n t e rp re t ação ao sen t i do ge ra l da ob r a de An te ro no
con tex to da l i t e r a t u ra rea l i s t a po r tuguesa .
Pa l av ras -chave : Poes i a . Rea l i smo Po r t uguês . An te ro de Quen t a l .
Ru í nas .
1 I N T R O D U Ç Ã O
S e s e i o q u e é A u r o r a – e s s a p o e s i a
D o q u e à l u z v em n a s c e n d o ,
T am bém e n t e n d o o o c a s o e a s l o n g a s s omb r a s . . .
– P o e s i a d e r u í n a s ! –
A n t e r o d e Qu e n t a l
Ante ro de Quen t a l é um poe t a bas t an te cons i de rado na
h i s t ó r i a da l i t e r a t u ra po r t uguesa . Esse des t aque l he é a t r i bu í do
não apenas pe l a maes t r i a com que dom inou f o rmas poé t i c as
como o sone to , mas a i nda pe l o f a t o de que o con teúdo de sua
poes i a é capaz de re f l e t i r , com requ i n tes de f i l o so f i a , as
con t r ad i ções de um t empo t ão a t r i bu l ado como o f o i o da
segunda me tade do sécu l o X IX .
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
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I deo l og i c amen te , a Europa e ra sacud i da po r uma nova
mane i r a de enxe rga r a rea l i d ade , buscando subs t i t u i r o pensa -
mento t eo l óg i co pe l o c i en t í f i co , que o Pos i t i v i smo ap resen t ava
como ún i ca fo rma ve rdade i r a de compreensão das co i sas , das
soc iedades e dos homens . É t empo de su rg imen to de novos
va l o res , mesmo an tes de os an t i gos se rem to t a lmen te e l im i na -
dos . É t empo de p ro fundos con f l i t os soc i a i s e de revo l t as em
p ro l do soc i a l i smo nascen te . No âmb i t o da cu l t u ra , o Rea l i smo é
a co r ren te no r t eado ra das p roduções l i t e r á r i as , que j á busca -
vam abandona r a con temp l ação do eu pe l a obse rvação e i n t e r -
venção no mundo . Pa r t i a -se pa ra um comba te em que as
pa l av ras e ram a rmas e os i n im i gos e ram a op ressão em suas
vá r i as f o rmas , t a i s como a des i gua l dade e dema i s t r ans to rnos
soc i a i s .
Como um dos l í de res do mov imen to rea l i s t a em Po r t uga l ,
An te ro de Quen ta l não de i xou de usa r sua poes i a a esse
f avo r . Em a l guns sone tos , de i xa bas t an te c l a ro o que e ra pa ra
e l e a f unção da l i t e r a t u ra na cons t rução de um mundo novo .
Mas reduz i r t oda a sua ob ra a esse aspec to se r i a l im i t a r po r
dema i s o seu a l c ance s i gn i f i c a t i vo . Os es tud i osos j á i den t i f i c a -
ram , no au to r , a p resença concom i t an te de duas t endênc i as : a )
essa , de ca rá te r revo luc i oná r i o e a t é quase pan f l e t á r i o , em que
p redom inam o e l og i o da Razão e o o t im i smo , ao l ado de ou t r a
ve r t en te opos t a e comp l emen ta r ; b ) de ca rá t e r ma i s i n t im i s t a ,
em que p redom ina a sensação de i nce r teza , abandono , des i l u -
são e desc rença nos i dea i s ou t ro ra de fend i dos .
Nesse caso espec í f i c o , é d i f í c i l não enxe rgar uma es t re i t a
l i g ação en t re a poes i a e os acon tec imen tos de sua v i da . O
esc r i t o r nasceu em Pon t a De l gada em 18 de ab r i l de 1 842 .
Recebeu de sua mãe uma educação re l i g i osa bas t an te t r ad i c i o -
na l , a pon to de ge ra r uma i nc l i n ação i n i c i a l ao sace rdóc i o .
Embora i sso nunca t enha se conc re t i zado , são no t áve i s as
marcas remanescen tes t an to em sua ve i a ascé t i c a , de con tem -
p l ação e med i t ação , quan to na ‚nova re l i g i ão ‛ que e l e c r i ou e
dese j ou es t abe l ece r no mundo , a da Razão , da I de i a nova .
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O seu esp í r i t o revo l uc i oná r i o , po r sua vez , ganha f o rça
quando de seus es tudos na f acu l dade de D i r e i t o . Nessa época ,
Quen ta l pa r t i c i pou de vá r i os mov imentos e t eve seus p r ime i r os
con t a t os com os escr i t o res que com e l e desencadea r i am a
Ques t ão Co imbrã , conhec i dos como a Geração de 70 . Com
esse g rupo , que i nc l u i o romanc i s t a Eça de Que i r ós , r ea l i z a r i a
em 187 1 as Con fe rênc i as do Cass i no L i sbonense . Sua comun i -
cação , ‚Causas da decadênc i a dos povos pen i nsu l a res ‛ , c red i -
t ou ao ca to l i c i smo da Cont ra r re f o rma , ao abso l u t i smo rég i o e à
expansão u l t r amar i na o a t r aso de Po r t uga l em re l ação ao res to
da Eu ropa . Con t ra e l e s man i f es t ou -se abe r t amen te , sendo
es t as as ru í nas que e l e evoca com tan t a f r equênc i a .
Essas d i r eções t omadas pe l a poes i a de Quen ta l são o
pu ro re f l exo da ag i t ação que dom inava o seu i n te r i o r , pa l co de
l u t as en t re vá r i as co r ren tes f i l o só f i cas ( a l gumas con t rá r i as
en t re s i ) e os resqu íc i os da educação ca tó l i c o - t r ad i c i ona l r ece -
b i da na i n f ânc i a e que nunca ne le se apaga ram de t odo :
A An t e r o f a l t o u , q u e r n a a c e i t a ç ã o d o s m i t o s r e l i g i o -
s o s d a i n f â n c i a , q u e r n a a b s o r ç ã o d o s m i t o s i n t e l e c t u -
a i s d a i d a d e m a d u r a , o em p en ho em c am i n h a r n um
d a d o r um o . D o e n t e d a v o n t a d e , a n s i o s o d e e s p aç o e
d e l i b e r d a d e p a r a a c o n c a t e n aç ã o d a s i d é i a s , a b e r t o a
e s t í m u l o s d e s e n c o n t r a d o s , i n c a p a z d e p e r s i s t i r p o r
m u i t o t em po n a e x e c u ç ã o d um p r o g r am a o u n a p e r s e -
g u i ç ã o d um a i d é i a , A n t e r o é um j o g u e t e d o s n e r v o s
d e s t r am be l h a d o s e d a s c o n t r a d i ç õ e s í n t i m a s . ( MO I S É S ,
1 9 9 7 , p . 1 8 4 - 1 8 5 ) .
A ‚s í n t ese ‛ encon t rada po r Ante ro , em re fe rênc i a à d i a l é -
t i c a hege l i ana que t an to o i n f l uenc i ou , f o i encon t rada apenas
na mor t e . P rovocou -a num su i c í d i o a 1 1 de se tembro de 1 89 1 ,
de i xando suas poes i as como documen to da s i t uação soc i a l e
i deo l óg i c a do Po r t uga l de seu t empo , cu j as ca rac te r í s t i c as
p r i nc i pa i s se rão exam inadas a segu i r .
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2 A S R U Í N A S D E Q U E N T A L
Em espec i a l nas poes i as que compõem as Odes mode rnas , Quen t a l r e t r a t a a rea l i d ade do mundo que o ce rca
a t r avés de uma imagem um t an to cu r i osa : a de ru í nas . Esse
s ímbo l o , que , à p r ime i r a v i s t a , pa rece rep resen t a r apenas a
des t ru i ç ão e o caos , adqu i re novas nuances s i gn i f i c a t i v as
nesses poemas . A me tá fo ra é amp l i ada a pon to de rep resen t a r
a des t ru i ç ão t an to do en to rno soc i a l quan to do p róp r i o i n t e r i o r
do homem , ao mesmo t empo em que adqu i r e um ca rá te r pos i t i -
vo : a demo l i ç ão da ordem an t i ga é necessá r i a pa ra que se
i ns t au re a o rdem nova , supe r i o r e ma i s pe r fe i t a .
2 . 1 A R U Í N A D A F É E D O S V A L O R E S A N T I G O S
O pr ime i r o aspec to dessa me tá f o ra é o ma i s imed i a t o :
ru í nas evocam o resu l t ado de uma des t ru i ç ão , demo l i ç ão ou
queda . Nos poemas de An te ro de Quen t a l f i c a bem c l a ro qua l é
o a l vo dessa ação des t ru i do ra : a I g re j a , s ímbo l o da op ressão
i deo l óg i c a , da exp l o ração dos ma i s pob res e da man i pu l ação
dos va l o res :
Mas q u a n d o o l a r g o c é u d a c r e n ç a a v i t a
D e s a b a c om f r a g o r e e s p a n t o e t r e v a ,
E a l u z , a p az , a f é , t u d o n o s l e v a
N a s r u í n a s d a a b ó b a d a i n f i n i t a ; [ p o em a ‚ E t C o e l um e t v i r t u s ‛ ] ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 7 1 ) .
I n te ressan te no ta r que esses va l o res an t i gos , eng l obados
t odos sob a denom inação de Passado , não podem se r s imp l es -
mente d i sso lv i dos ou abandonados . Sua des t ru i ç ão rumorosa e
ca t as t ró f i c a é necessár i a po rque a sua p resença é po r dema i s
conc re t a na soc i edade e sua i n f l uênc i a op resso ra é t ão f o r te
que j á nem é sen t i da po r a l guns . Somen te uma ação de t ão
g rande impac to se rá capaz de removê - l os . As ru í nas t ambém
a tuam como s ímbo l o da p resença i ns i s t en te e i ncômoda de a l go
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cu j a f unc i ona l i d ade ou razão de se r j á se pe rdeu e que ago ra
apenas t o rna fe i a a pa i sagem .
A fo rça mo t r i z dessa des t ru i ç ão nos é ap resen tada como
sendo a Ve rdade , a Jus t i ç a e o Amor , en t i dades i ndependen tes
da re l i g i ão e pode rosas o su f i c i en te pa ra rea l i z a r esse p ro j e to
g rand i oso :
D e r r u b a c om s e u p é t r o n o s e r g u i d o s ,
C om um s o p r o , n o p ó l a n ç a o s c a s t e l o s ,
E a o s v e rm e s q u e n a s om b r a v ã o s um i d o s
É a q u em e l a c h am a f i l h o s b e l o s !
O s c om e t a s , q u e ao a r a n d am s u b i d o s ,
F e z c a i r . . . e t om a n do u n s a l v o s v e l o s
P á l i d o s e t r em en t e s , a Ve r d a d e
Com e l e s c o n s t r u i u t r o n o e c i d a d e ! [ p o em a ‚ A o s m i s e -
r á v e i s ‛ ] ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 8 9 , g r i f o d o au t o r ) .
Essas f o rças causam um impac to t ão g rande que chegam
a i nve r te r a o rdem das co i sas : de r rubando os cas t e l os e os
come tas , r ep resen t ações de pode r , e exa l t ando os ‚ ve rmes
que na sombra vão sum idos ‛ , que são ‚ve rmes ‛ apenas
porque ass im são enxe rgados pe l os ou t ros . Há a í , poss i ve l -
mente , uma a l usão ao d i t ado c r i s t ão de que ‚quem se exa l t a
se rá hum i l hado e quem se hum i l ha se rá exa l t ado ‛ , r eve l ando
ma i s uma vez a pe rs i s t ênc i a de ce r t as c renças re l i g i osas no
esp í r i t o do poe t a .
Ma i s ad i an te , no mesmo poema , temos :
Va i i n d o e v a i v a r r e n d o a c a s a i m u n d a
Q u e se c h am a p a s s a d o - e f a z o n o vo
D a p o e i r a , i n d a o n t em i n f e c u n d a ,
E q u e j á am a n h ã s e c h ama P o v o .
É e l a q u em d e s t r ó i e q u em i n u n d a ;
E , e n t r e a s r u í n a s , f a z c h o c a r um o vo
O n d e s e a g i t a um f e t o , h o j e a i n d a e s c u r o ,
M a s q u e é a u r o r a e l u z . . . p o r q u e é F u t u r o !
É g o s t o v e r o s t r o n o s a b a l a d o s
P o r e s s a f é r r e a m ã o , e v e r o s c u l t o s
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P o r t e r r a , e e n t r e o s a l t a r e s a l a s t r a d o s ,
V e r s o b e l e s n o p ó d e u s e s s e p u l t o s !
V e r o s n ome s d o s g r a n d e s a p a g a d o s ,
E a s om b r a d o s h e r ó i s c h e i a d e i n s u l t o s . . .
P o r q u e e s s e s o p r o q u e o i n c ê n d i o a t i ç a ,
E e s s a m ã o e e s s e b r a ç o . . . é a J u s t i ç a ! ( QU ENTAL ,
1 9 9 1 , p . 9 0 , g r i f o d o a u t o r ) .
São fo rças que exe rcem ao mesmo t empo a f unção de
des t ru i r e de cons t ru i r . É a í que a imagem das ru í nas adqu i r e
f e i ções pos i t i v as : e l as são o aba l o necessá r i o pa ra que se
chegue a um novo es t ado de co i sas , a pon to de causa r gos to
ao eu l í r i c o vê - l as . Fa l t a apenas que os dema i s enca rem esses
des t roços com a mesma pos i t i v i dade pa ra que a ob ra se
comp l e te :
H ome n s d e p o u c a f é ! n ã o t e n h a i s s u s t o :
F e c u n d a é e s s a t r e v a e e s s a r u í n a . . .
P a l p i t a n ’ e s s e p ó v i d a d i v i n a . . .
R e b e n t am f o n t e s d o a r e a l a d u s t o . . . [ p o em a ‚ E t c o e l um e t v i r t u s ‛ ] ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 7 1 ) .
E em ou t ro poema :
E , q u a n d o , s em t em o r e s em s a u d a d e ,
P o d e r d e s , d ’ e n t r e o p ó d ’ e s s a r u í n a ,
E r g u e r o o l h a r à c ú p u l a d i v i n a ,
H e i s d e e n t ã o v e r a n o v a - c l a r i d a d e ! H e i s d e e n t ã o v e r , a o d e sc e r r a r d o e s c u r o ,
B em c omo o c ump r i m e n t o d e um a g o u r o ,
A b r i r - s e , c omo g r a n d e s p o r t a s d e o u r o ,
As i m e n s a s a u r o r a s d o F u t u r o ! [ p o em a ‚ Te n t a n d a v i a ‛ ]
( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 7 5 , g r i f o d o a u t o r ) .
2 . 1 . 1 O S C O N F L I T O S I N T E R N O S E A R U Í N A N O H O M E M
Mas essa noção de ru í nas a i nda não ence r ra t udo quan to
essa imagem rep resen t a . Na poes i a de An te ro de Quen t a l , e l a
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G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 9 5 - 1 0 4 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
é t r anspo r t ada t ambém pa ra o i n t e r i o r do homem , causada
pe l as ru í nas ex te r i o res em que an tes com con f i ança se
apo i ava :
É a s a u d a d e , q u e n o s r ó i e m i n a
E g a s t a , c omo a p e d r a a g o t a d ’ á g u a . . .
D e p o i s , a c omp a i x ã o , a í n t i m a m á go a
D e o l h a r e s s a t r i s t í s s i m a r u í n a . . .
T r i s t í s s i m a s r u í n a s ! e n t r i s t e c e
E c a u s a d ó o l h á - l a s - a v o n t a d e
Amo l e c e n a s á g u a s d a p i e d a d e ,
E , em me i o d o l u t a r , t r eme e f a l e c e .
C a d a p e d r a , q u e c a i d o s m u r o s l a s s o s
D o t r êm u l o c a s t e l o d o p a ss a d o ,
D e i x a um p e i t o p a r t i d o , a r r u i n a d o ,
E um c o r a ç ã o a b e r t o em d o i s p e d a ç o s ! [ p o em a
‚T e n t a n d a v i a ‛ ] ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 7 3 ) .
É o d rama de quem se vê de repen te desamparado e só .
Rep resen t a bem esse sen t imen to o poema ‚ Ten t anda v i a ‛ , cu j o
i n í c i o j á pe rm i t e f o rmar uma i de i a das i nce r tezas e vac i l ações
po r que passam os homens , que , sem o apo i o das cons t ru -
ções ( i deo l óg i c as ) da f é , es t ão condenados a uma ‚ l u t a sem
g l ó r i a ‛ . Mas o mesmo poema j á re t r a t a a necess i dade de
passa r po r c ima desses apegos :
S i m ! q u e é p r e c i s o c am i n h a r a v a n t e !
A n d a r ! p a s s a r p o r c i m a d o s s o l u ç o s !
Como q u em n ’ um a m i n a v a i d e b r u ç o s ,
O l h a r a p e n a s um a l u z d i s t a n t e !
É p r e c i s o p a s s a r s o b r e r u í n a s ,
C omo q u em v a i p i s a n d o um c h ã o d e f l o r e s !
O u v i r a s m a l d i ç õ e s , a i s e c l am o r e s ,
C omo q u em o uv e m ú s i c a s d i v i n a s ! ( QUENTAL , 1 9 9 1 , p .
7 3 ) .
102
G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 5 , n . 8 , p . 9 5 - 1 0 4 , j a n . / j u n . 2 0 1 4
Em ‚F l ebun t eun tes ‛ , a imagem da I g re j a é reves t i da de
um saudos i smo , como uma reco rdação pu ra da i n f ânc i a e
como a l go o r i g i na lmen te pu ro e bom , mas j á ago ra macu l ada :
E ago ra . . . oh ! ag o r a . . . e s t a p a l a v r a c h o r a
N o s l á b i o s , q u a n d o o s f e r e . . .
- R e f l e x o d a s g r a n d e z a s q u e s e s om em
E e c o d a s s a u d a d e s -
O s o l o s o c i a l t o d o a l a s t r a d o
D ’ e s t e s g r a n d e s d e s t r o ç o s . . .
Um m i s t é r i o t r i s t í s s i m o p a i r a n d o . . .
- S om b r a s e n t r e r u í n a s -
O P r e s e n t e d i s f o rm e e c h e i o d e i r a s ,
E t r eme nd o o F u t u r o . . .
O s o l n o o c a s o . . . o s v e n t o s g eme d o r e s . . .
E o s c o r a ç õ e s p a r t i d o s ! ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 1 2 2 , g r i f o
d o a u t o r ) .
Mas em consonânc ia com os dema i s poemas que ab raçam essa temát i c a , a pa r te do l amen to é passage i r a :
Depo i s , a v a n t e ! O s a s t r o s n ã o s e e x t i n g u em !
H á c é u s e e s p aç o s n o v o s !
E n t e r r e - s e o P a s s a d o c om p i e d a d e . . .
M a s o o l h a r . . . n o F u t u r o ! ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 1 2 6 , g r i f o
d o a u t o r ) .
2 . 1 . 2 U M A P O E S I A D E R U Í N A S
É p l aus í ve l pe rgun t a r po r que An te ro de Quent a l ded icou
t an to espaço à ap resen tação dessa imagem . A respos t a é
s imp les , cons i de rando que pa ra e l e , ass im como pa ra os
dema i s esc r i t o res rea l i s t as , a l i t e r a t u ra e ra uma fo rma de i n t e r -
venção na rea l i d ade . Espec i a lmen te com o adven to dessas
novas i de i as , os poe tas assumem a f unção de sace rdo tes da
nova re l i g i ão ( da I de i a e da Razão ) , como f i c a bem c l a ro no
poema ‚Pa te r ‛ :
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Vó s , P o e t a s , v ó s so i s t am b ém s i b i l a s ,
Q u e a d i v i n h a i s e a n d a i s c om vo z f r eme n t e
S emp r e a g r i t a r - a v a n t e ! a v a n t e ! à g e n t e ,
P o r c i d a d e s , p o r mo n t e s e p o r v i l a s .
V ó s s o i s o s p r e g a d o r e s d o I d e a l ,
Q u e l a n ç a i s a p a l a v r a a o s q u a t r o v e n t o s ;
A t r i b o d e L ev i , q u e em m i l t o rm en t o s
G u a r d a a A r c a , d o s f i l h o s d e B a a l . ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p .
5 5 , g r i f o d o au t o r ) .
Ou , a i nda , em ‚Ten t anda v i a ‛ :
Vó s , q u e l e d e s n a n o i t e . . . v ó s , p r o f e t a s . . .
Q u e s o i s o s l o u c o s . . . p o r q u e a n d a i s n a f r e n t e . . .
Q u e s a b e i s o s e g r e d o d a f r em en t e
P a l a v r a q u e d á f é - ó vó s , p o e t a s ! ( QU EN TAL , 1 9 9 1 , p . 7 4 ) .
Os poe t as são convocados a rea l i z a r a cons t rução da
o rdem nova sob re as ru í nas da o rdem an t i ga . Pa ra t an t o ,
p rec i so é abandona r a i né rc i a vaz i a de sen t i do em que os
poe t as românt i cos es tavam a i nda ime rsos . Embora ma i s t a rde o
poe t a t enha pe rceb i do a con t r ad i ç ão en t re esse seu dese j o e
a rea l i d ade que o c i r cundava , é imp ress ionan te o g rau de
o t im i smo que reve r t e t odos esses poemas , ass im como a
c l a reza que o poe t a possu i quan to à f unção da a r t e em ge ra l
e da poes i a em pa r t i c u l a r pa ra o a l c ance de seus ob je t i vos
revo l uc i oná r i os .
3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
A poes i a de An te ro de Quent a l f o i poes i a de ru í nas po r
se ded i ca r com a rdo r à denúnc i a do f r acasso da o rdem an t i ga ,
em que se ace i t ava , sem ques t i ona r , a dom inação da I g re j a e
da re l i g i ão . Ma i s a i nda , não apenas denunc i ou esses des t roços ,
como a j udou a d i vu l gar a nova I de i a , a sup remac i a da Razão e
o d i r e i t o humano à l i be rdade , pa ra que cada um , t endo j á
des t ru í dos den t ro de s i os cas t e l os do passado , se d i spusesse
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à revo l ução a que os conv i dava . Revo l ução - l i be r t ação i deo l óg i -
ca como p r ime i r o es t ág i o de uma revo l ução - l i be r t ação soc i a l . A poes i a de Quen t a l , em espec i a l nessa fase o t im i s t a e
revo l uc i oná r i a , é em tudo coe ren te com as suas pos i ções i deo l óg i c as e com o es t ado de t r ans i ção e conf l i t os em que se encon t rava a soc i edade po r t uguesa de sua época ; é exemp l o da t r adução dessa rea l i d ade pa ra uma exp ressão l i t e r á r i a f o r t e , que não pe rde sua be l eza po r se a l i a r a pos i ções i deo l óg i c as c l a ramen te de f i n i das . O uso cons t an te , mas sempre renovado , da imagem das ru í nas em seus poemas é uma demonst ração dessa hab i l i d ade de man i pu l a r , com i gua l des t reza , as pa l av ras e as i de i as .
Abs t r a c t : I n t h i s p a p e r , w e i n t e n d t o mak e a n e x am i n a t i o n o f
t h e l u m i n o u s , r a t i o n a l a n d c o m b a t i v e f a c e o f A n t e r o d e
Que n t a l ’ s p o e t r y . I t s f o c u s i s o n o n e o f t h e m o s t r e c u r r e n t
i mages i n h i s poems : t h e image o f ru i n s . T he a im o f t h i s s t udy
i s t o p re sen t poss i b l e i n t e r p re t a t i o ns f o r t h i s symbo l so l oaded
w i t h mean i ngs , wh i l e i t s e e k s t o comb i n e t h i s i n t e r p r e t a t i o n t o
t h e g e n e r a l m e a n i n g o f A n t e r o ’ s w o r k i n t h e c o n t e x t o f
Por t uguese rea l i s t i c l i t e r a t u re .
K e yw o r d s : P o e t r y . P o r t u g u e s e R e a l i s m . A n t e r o d e Q u e n t a l .
Ru i ns .
R E F E R Ê N C I A S
MOISES , Massaud . A l i t e r a tu ra po r t uguesa . 29 . ed . São Pau l o : Cu l t r i x , 1 997 . QUENTAL , An te ro de . An to l og i a . O rgan i zada po r José L i no Grünewa l d . R i o de Jane i r o : Nova F ron te i r a , 1 99 1 . SARA IVA , An tón i o José ; LOPES , Ósca r . H i s tó r i a da l i t e r a t u ra por t uguesa . 17 . ed . Por t o : Po r t o Ed i t o ra , 1 996 . Env i ado em 18/05/20 13 . Ap rovado em 0 1/08/20 14 .
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NO RMA S P A RA E NV IO D E
AR T I GO S E R E S E NHA S ( 1 0 ª E D I ÇÃ O )
R e s e n h a s e a r t i g o s , e l a b o r a d o s p o r g r a d u a n d o ( s ) e m
L e t r a s d o B r a s i l – a u t o r ( e s ) e c o a u t o r ( e s ) – , d e v e r ã o s e r
e n c am i n h a d o s p a r a a v a l i a ç ã o p o r e -m a i l , e n t r e 1 1 / 1 2 / 2 0 1 5 e
1 3 / 0 3 / 2 0 1 6 , p a r a o e n d e r e ç o r e v i s t a g r a d u a n d o @ gm a i l . c om .
Somente se rão ace i t os t r aba l hos nas á reas de L i ngu í s t i c a , L i t e -
r a t u r a , A r t es e Educação , em f o rma to e l e t rôn i co e i néd i t o s , ou
s e j a , n ã o p u b l i c a d o s n o g ê n e r o d e t e x t o s o l i c i t a d o e m
qua i sque r ou t r a s pub l i c ações . As l í n guas nas qua i s e l e s pode -
r ão se r esc r i t o s se r ão t odas as ex i s t e n t e s na g r ade cu r r i cu l a r
do Cu rso de Graduação em Le t r as da UEFS ( Po r t uguês , I ng l ê s ,
F rancês e Espanho l ) .
O R I E N T A Ç Õ E S G E R A I S
Os t r aba l h os env i ados à r ev i s t a G r aduando , d i g i t a dos em
f o rma to . doc ou . docx , deve rão con te r a segu i n t e f o rma t ação :
1 Fon t e T imes New Roman ;
2 Tamanho 12 ( t í t u l o , sub t í t u l o ( se houve r ) , t óp i co e co rpo do
t ex t o ) ; Pa l av r as es t r ange i r a s e t í t u l o s de ob ras devem se r
e s c r i t o s e m i t á l i c o ( i t á l i c o ) ; p a r t e s d e o b r a ( a r t i g o s ,
c a p í t u l o s , p o em a s e s i m i l a r e s ) d e v em se r e s c r i t o s e n t r e
aspas , sem i t á l i c o ;
3 E s p a ç am e n t o e n t r e l i n h a s d e 1 , 5 ; m a r g e n s e s q u e r d a e
supe r i o r de 3 cm , d i r e i t a e i n f e r i o r de 2 cm ;
4 C i t a ç ões com a t é 3 l i n h as devem ap a rece r r e f e r enc i a d as
no co rpo do tex to e con te r aspas ;
5 C i t a çõe s c om ma i s d e 3 l i n h a s deve r ã o se r e sc r i t a s sem
aspas e t e r recuo de 4 cm da ma rgem esque rda , a l ém de
I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5
J
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n ã o a p r e s e n t a r r e c u o n a m a r g e m d i r e i t a e t e r
espaçamen to s imp l es ;
5 . 1 O t am an ho d a f o n t e d a c i t a ç ã o d ev e s e r men o r q u e o
c o r p o d o t e x t o ( t a m a n h o 1 0 o u 1 1 ) e o e s p a ç am e n t o
en t re as l i nhas deve se r s imp les ;
6 O núme ro de pág i n a s com anexo s n ão deve p as sa r de 2
( do i s ) ;
7 D e v e r á s e r e n v i a d o , a l é m d o ( s ) t r a b a l h o ( s ) , a g u i a d e
ma t r í c u l a d o s a u t o r e s e c o au t o r e s r e f e r e n t e a o a n o d e
20 15 ou 20 16 .
O R I E N T A Ç Õ E S E S P E C Í F I C A S
R E S E N H A C R Í T I C A
Se rão ace i t as resenhas c r í t i c as com m ín imo de 4 e máx i -
mo de 7 pág i nas , i nc l u i ndo re fe rênc i as e exc l u i ndo anexos . A
es t ru t u ra deve con te r , ob r i ga t o r i amen te , a segu i n t e sequênc i a :
1 T í t u l o e/ou sub t í t u l o ;
2 Nome comp l e t o do ( s ) au to r ( es ) , an t eced i dos pe l a pa l av ra
‚Po r ‛ , e b reve cu r r í cu lo ;
3 Apresen t ação e ava l i ação i n i c i a l do ob j e to da resenha ;
4 Desc r i ç ão e ava l i ação de pa r tes do ob j e to da resenha ;
5 R e c om e n d a ç ã o / c o n s i d e r a ç ã o f i n a l s o b r e o o b j e t o d a
r esenha ;
6 Re fe rênc i as .
Após o nome do au to r na f o rma d i r e t a , no pa rág ra fo
segu i n te , o b reve cu r r í cu l o deve con te r : cu rso , i ns t i t u i ção e e -
ma i l . Os dados au tora i s são ob r i ga t ó r i os pa ra au to r ( es )
( ob r i ga t ó r i o ) e o r i en tado r ( opc i ona l ) . O número de pessoas
r esponsáve i s pe l a f e i t u ra da resenha não deve passa r de 2
( do i s ) . I n f o rmações ad i c i ona i s devem se r esc r i t as em no t a de
rodapé .
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A R T I G O
Se rão ace i t os a r t i gos com m ín imo de 7 e máx imo de 10
pág i nas , i nc l u i ndo re f e rênc i as e exc l u i ndo anexos . A es t ru tu ra
deve con te r , ob r i ga to r i amen te , a segu i n te sequênc i a :
1 T í t u l o e/ou sub t í t u l o ;
2 Nome comp l e to do ( s ) au to r (es ) e b reve cu r r í cu l o ;
3 Resumo ( l í ngua do t raba l ho ) ;
4 Pa l av ras -chave ( l í ngua do t r aba l ho ) ;
5 I n t rodução ;
6 Corpo do a r t i go ;
7 Conc l usão/cons i de rações f i na i s ;
8 Resumo ( l í ngua es t r ange i r a ) ;
9 Pa l av ras -chave ( l í ngua es t r ange i r a ) ;
1 0 Re fe rênc i as ;
1 1 Anexos ( se houve r ) .
Após o nome do (s ) au to r ( es ) , no pa rág ra fo segu i n t e , o
b reve cu r r í cu l o deve con te r : nome da i ns t i t u i ç ão , cu rso ( ou
depa r t amen to , no caso do o r i en t ado r ) e e -ma i l . Os dados
au to ra i s são ob r i ga tó r i os pa ra au to r ( es ) , coau to r ( es ) ( opc i ona l )
e o r i en t ado r (es ) ( opc i ona l ) . O número de pessoas responsáve i s
pe l a f e i t u ra do a r t i go não deve passar de 4 (qua t ro ) .
I n f o rmações ad i c i ona i s devem se r esc r i t as em no ta de rodapé .
O resumo na l í ngua do t ex to deve ap resen t a r , de f o rma
conc i sa , os ob j e t i vos , a me todo l og i a e os resu l t ados
a l c ançados , não devendo u l t r apassa r 150 pa l av ras nem con te r
c i t ações . A l ém d i sso , deve rá ap resen t a r o resumo p r i nc i pa l ,
esc r i t o na l í ngua do a r t i go , e o resumo secundá r i o em um
i d i oma da p róp r i a esco l ha ( Po r t uguês , Espanho l , F r ancês e
i ng l ê s ) . No caso de o a r t i go se r esc r i t o em l í ngua es t r ange i r a ,
o a r t i c u l i s t a f i c a o r i en tado a esc reve r o resumo secundá r i o em
L í ngua Po r t uguesa .
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Pa l av ras -chave como e l emen to ob r i ga t ó r i o , f i gu rando l ogo
aba i xo de cada resumo (na l í ngua do a r t i go e es t r ange i r a ) , cu j o
número de pa lavras não deve exceder a 5 e não ser in fer io r a 3 .
O R I E N T A Ç Õ E S F I N A I S
1 Os pa re ce r i s t a s e rev i s o r es pode r ão f aze r a l t e r ações nos
t r a b a l h o s , n o s e n t i d o d e me l h o r a r s u a t e x t u a l i d a d e , s em
a l t e r a ç ã o d e s e n t i d o e a u t o r i a , a p r o x i m a n d o - o s d a s
c a r a c t e r í s t i c a s t e x t u a i s e c i e n t í f i c a s r e f e r e n t e s a um a
pub l i c ação acadêm ica ;
2 N ã o é v e t a d o o e n v i o d e t r a b a l h o s c u j o s a u t o r e s e / o u
c o au t o r e s se j am memb r o s e f e t i v o s do conse l h o e d i t o r i a l
( a n t e r i o r m e n t e d e n om i n a d o c o m i s s ã o e d i t o r i a l ) d e s t e
pe r i ód i co , t ambém g raduandos em Le t ras ;
3 O e n v i o d o t r a b a l h o i m p l i c a a a c e i t a ç ã o d e t o d a s a s
n o rm a s d e s c r i t a s n e s t e d o c ume n t o e a c o n c e s s ã o d o s
d i r e i t o s s o b r e o t e x t o , e x c e t o s u a a u t o r i a , à R e v i s t a
Graduando ;
4 Au t o re s de t r aba l h o t êm d i r e i t o a re cebe r ( po r co r re i o ou
p r e s e n c i a l m e n t e ) 3 ( t r ê s ) e x emp l a r e s i m p r e s s o s , d ema i s
pa r t i c i pan t es têm d i re i t o a 1 ( um ) exemp l a r ;
5 Os casos om i ssos se rão reso lv i dos pe l o conse l ho ed i t o r i a l .