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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
GISELE ROSNER CHOUIN
INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO
RIO DE JANEIRO
2013
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GISELE ROSNER CHOUIN
INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Orientadores: Leticia Moreira Casotti e
Celso Funcia Lemme
Rio de Janeiro
2013
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Chouin, Gisele Rosner
Interações, significados e práticas do vegetarianismo na mídia social: u
estudo netnográfico./ Gisele Rosner Chouin. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
162 f.: Il; 30 cm.
Orientadores: Leticia Moreira Casotti e Celso Funcia Lemme
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
COPPEAD de Administração, 2013.
1. Comportamento do consumidor. 2. Consumo ético. 3. Administração –
Teses. I. Casotti, Leticia Moreira. II. Lemme, Celso Funcia. III. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. IV. Título.
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GISELE ROSNER CHOUIN
INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Aprovada em:
_______________________________________________________
Profa. Letícia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)
_______________________________________________________
Prof. Celso Funcia Lemme, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)
_______________________________________________________
Profa. Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)
_______________________________________________________
Profa. Cecília Lima de Queirós Mattoso, D.Sc. (UNESA)
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À minha mãe, Roselee, sempre ao meu lado, oferecendo amor, carinho, paciência e
conforto.
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AGRADECIMENTOS
À minha mãe e à minha avó, pelo apoio e incentivo em todos os sentidos
possíveis, pelo amor incondicional, por cada oração e por me ensinarem a perseguir
as ideias e os ideais com coragem e dedicação.
Aos professores Coppead pela qualidade e valor das aulas. Em especial,
aos professores Letícia e Celso, por me adotar e me guiar com excelência, cuidado
e dedicação neste caminho. A vocês, minhas sinceras manifestações de
admiração, respeito e carinho.
Às melhores amigas, Ilana e Marcia, por suportar pacientemente os
desabafos, por comemorar comigo as vitórias e pelos incentivos nos momentos de
cansaço e fraqueza.
Aos quase irmãos Vinícius Pereira, Rebecca, Glauce, Vitor, João Guilherme e
Luciana Alves, com quem compartilhei momentos de angústia e alegria.
Aos novos amigos de infância Leo Sertã, Debora, Lucianinha e Jô, por tornar
este processo mais suave e divertido.
A todos os meus amigos, por compreender a longa ausência.
Aos funcionários Coppead, sempre prestativos e dedicados.
Aos colegas de turma, pelo rico intercâmbio de experiências e contribuições
proveitosas.
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“Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no
que você não conhece, como eu mergulhei.
Pergunte, sem querer, a resposta, como
estou perguntando. Não se preocupe em
‘entender’. Viver ultrapassa todo o
entendimento.”
(Clarice Lispector)
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RESUMO Chouin, Gisele Rosner. Interações, Significados e Práticas do Vegetarianismo na Mídia Social: Um Estudo Netnográfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
O presente trabalho qualitativo e exploratório tem por objetivo principal
explorar como o vegetarianismo é compartilhado em três comunidades das redes
sociais construídas em torno desse tema, apontando riscos e oportunidades para as
organizações ligadas à indústria alimentícia. O estudo buscou compreender
diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais como
significados atribuídos, associações com a prática cotidiana, influências e grupos de
referência e utilizou como método de coleta de dados a netnografia.
A literatura de apoio foi estruturada em dois pilares: o primeiro relacionando o
vegetarianismo como resultado dos conceitos de sustentabilidade no
comportamento de consumo; e o segundo, trazendo os conceitos de marketing que
permeiam o tema e o ambiente virtual, incluindo os tipos de comunidades
(subculturas de consumo e comunidades virtuais), identidade, grupos de referência,
líderes de opinião e comunicação boca a boca.
Os resultados sugerem diferentes abordagens para a subcultura dos
vegetarianos, mas as três comunidades apresentam o mesmo valor de ligação
quando defendem a vida dos animais e o não consumo de carne ou derivados. As
mensagens vão além da dieta alimentar e caracterizam o vegetarianismo como
“filosofia de vida”, “modelo de vida” ou “estilo de vida”. Essa ampliação do que
significa ser vegetariano leva a questionamentos ao consumo de outras categorias
de produto. Não foram encontradas associações entre a defesa da dieta vegetariana
e a defesa do bem estar animal, já que essa última não defende a vida.
Palavras-chave: Consumo, Vegetarianismo, Comunidades virtuais, Netnografia
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ABSTRACT
Chouin, Gisele Rosner. Interações, Significados e Práticas do Vegetarianismo na Mídia Social: Um Estudo Netnográfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
This exploratory and qualitative study aims primarily to explore how
vegetarianism is shared in three communities of social networks built around this
theme, pointing out risks and opportunities for the companies linked to the food
industry. The study sought to understand different aspects of consumer behavior
such as vegetarian meanings, associations with daily practice, influences and
reference groups and used as a method of data collection the netnography.
The supporting literature was structured on two pillars: the first relating to
vegetarianism as a result of sustainability concepts in consumer behavior; and the
second, bringing the marketing concepts that permeate the theme and the virtual
environment, including the types of communities (subcultures of consumption and
virtual communities), identity, reference groups, opinion leaders and word of mouth.
The results suggest different approaches to the subculture of vegetarians, but
the three communities share the same linking value when defend the lives of animals
and not eating meat or derivatives. The messages go beyond the diet and
characterize the vegetarianism as "philosophy of life", "life model" or "lifestyle". This
expansion of what means being a vegetarian leads to questions about the
consumption of other product categories. No associations were found between
advocating vegetarianism and animal welfare advocacy, since the latter does not
defend life.
Keywords: Consumption, Vegetarianism, Virtual Communities, Netnography
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 - Diagrama - síntese da revisão de literatura ................................................................. 19 Figura 2 - Modelo das motivações, tensões, mecanismos para administração da situação e implicações de consumo do vegetariano ........................................................................................ 24 Figura 3 - Modelo de influência orgânica entre consumidores ................................................... 47 Figura 4 - Modelo de influência linear do profissional do marketing .......................................... 48 Figura 5 - Modelo de coprodução em rede .................................................................................... 48 Figura 6 - Elementos do modelo da coprodução em rede influenciando a expressão das narrativas do BAB ............................................................................................................................... 50 Figura 7- Resumo do método ........................................................................................................... 54 Figura 8 - Ilustração da imagem do vegetariano ........................................................................... 67 Figura 9 - Interpretação da imagem do vegetariano ..................................................................... 68 Figura 10 - Extremismo ..................................................................................................................... 69 Figura 11 - Apresentação .................................................................................................................. 70 Figura 12 - Comparação de preços de produtos no supermercado ........................................... 71 Figura 13 - União pelo ideal .............................................................................................................. 76 Figura 14 - Questionamentos de não vegetarianos ...................................................................... 82 Figura 15 - Imagem dos não vegetarianos ..................................................................................... 85 Figura 16 - Vegetarianismo como tradição .................................................................................... 90 Figura 17 - Improviso da blogueira .................................................................................................. 95 Figura 18 - Vaca Louca ................................................................................................................... 115 Figura 19 - Imagem para chocar .................................................................................................... 117 Figura 20 - Imagem para sensibilizar ............................................................................................ 119 Figura 21 - Touradas ....................................................................................................................... 122
QUADROS
Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo .............................................................................................. 13 Quadro 2 - Comparação entre os hábitos de consumo entre os gêneros ................................ 16 Quadro 3 - Estratégias organizacionais diante dos mecanismos para administração das situações de tensão do vegetariano ................................................................................................ 26 Quadro 4- Comparação das comunidades .................................................................................. 133
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido ................................................... 15
file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertação/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertação/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009 ........................................................ 15 Tabela 2 - Comunidades selecionadas: .......................................................................................... 58 Tabela 3 - Estatística das postagens - Vegetariano da Depressão ........................................... 60 Tabela 4- Estatística das postagens - Vegetarianos Pensam Melhor ....................................... 62
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SUMARIO
1. INTRODUÇAO ................................................................................................................................ 11
1.1 CONTEXTO ................................................................................................................................. 11
1.1.1 Um Grupo em Ascensão ....................................................................................................... 13
1.1.2 Impactos na economia ......................................................................................................... 16
1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA ........................................................................................................ 18
2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................................. 19
2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE ....................................................... 20
2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO .............................................................................. 23
2.2.1 Preocupação com os direitos dos animais ........................................................................... 27
2.2.2 Razões espirituais ................................................................................................................. 29
2.2.3 Razões de saúde ................................................................................................................... 32
2.2.4 Ativismo Político ................................................................................................................... 34
2.2.5 Ambientalismo...................................................................................................................... 34
2.2.6 Não gostar de carne .............................................................................................................. 36
2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE ................................................................................................... 37
2.4 GRUPOS E INFLUÊNCIA .............................................................................................................. 42
2.5 INTERNET E BOCA A BOCA ........................................................................................................ 44
3. METODOLOGIA ............................................................................................................................. 53
3.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................................................... 53
3.2 ESCOLHA DO MÉTODO .............................................................................................................. 54
3.3 NETNOGRAFIA ........................................................................................................................... 54
3.3.1 Comunidades Selecionadas .................................................................................................. 57
3.3.2 Entrada Cultural .................................................................................................................... 62
3.3.3 Coleta e Análise de Dados .................................................................................................... 63
3.4 LIMITAÇÕES DA PESQUISA .............................................................................................................. 63
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS ACHADOS DA PESQUISA ................................................................... 65
4.1 VEGETARIANO DA DEPRESSÂO ................................................................................................. 65
4.2 PAPACAPIM ............................................................................................................................... 91
4.3 VEGETARIANOS PENSAM MELHOR ......................................................................................... 112
5. DISCUSSÃO FINAL ....................................................................................................................... 131
5.1 DIFERENÇAS GERAIS DAS TRÊS COMUNIDADES ........................................................................... 131
5.2 OS SIGNIFICADOS DO VEGETARIANISMO...................................................................................... 133
5.3 AS PRÁTICAS VEGETARIANAS ........................................................................................................ 137
5.4 INTERAÇÕES E CONEXÕES ............................................................................................................. 139
5.5 COMENTÁRIOS FINAIS ................................................................................................................... 141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................... 143
APÊNDICE ............................................................................................................................................ 150
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ANEXO ................................................................................................................................................. 160
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11
1. INTRODUÇAO
O presente trabalho tem por objetivo principal explorar como o vegetarianismo
é compartilhado em conteúdos que poderiam ser também chamados de “diários
virtuais” de três comunidades das redes sociais construídas em torno desse tema e
que foram acompanhadas durante um mês. Mais especificamente, o estudo buscou
compreender diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais
como significados atribuídos, associações com a prática cotidiana, influências e
grupos de referência. De forma a buscar essas informações, este estudo qualitativo
e exploratório utilizou como método de coleta de dados a netnografia seguindo as
orientações de Kozinets (1998; 1999; 2002; 2006). Por meio desta técnica, é
possível observar, com relativo distanciamento, a interação entre diferentes
participantes. A dinâmica virtual, por ser caracteristicamente livre, tende a mostrar
opiniões e ideias livres de julgamento. A rede mundial possibilita, também, a
interconexão entre pessoas de diferentes pontos geográficos, diferentes valores
sociais ou religiosos, possibilitando, portanto, uma discussão mais rica e proveitosa.
Na literatura pesquisada de comportamento do consumidor foram
encontrados poucos estudos em torno do vegetarianismo em que predominavam a
busca por entender motivações que levam ao não consumo da carne (TWIGG, 1979;
KLEINE; HUBBERT, 1993; JANDA; TROCCHIA, 2001; RUBY, 2011; FESSLER ET
AL, 2003; KUBBEROD ET AL, 2006).
1.1 CONTEXTO
O termo ‘vegetariano’ tem origem na palavra grega ‘vegetus’, que significa
fresco, são, íntegro, segundo o site especializado em vegetarianismo Vegetarian
Society (2012). Foi cunhado em 30 de setembro de 1847, na primeira reunião
realizada pela Sociedade Vegetariana do Reino Unido em Kent, Inglaterra. Até
então, os indivíduos que não ingeriam carne eram denominados ‘pitagóricos’ ou
seguidores do sistema pitagórico, em decorrência da prática de alimentação
restritiva do matemático grego Pitágoras (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).
Singer (1995) explica que, para os pitagóricos, a confecção do prato deveria
ser completada sem nenhuma participação animal, em virtude da crença de que os
homens e animais partilhavam a mesma alma, que estaria presa ao corpo. O
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12
consumo de carne seria, então, um ato selvagem, que resultaria em uma punição
maior e uma elevação menor das almas. Inúmeros nomes da antiguidade são
citados por defender o estilo de vida sob a ideia da imortalidade da alma e a
responsabilidade dos indivíduos para com ela durante a vida: Empédocles, Plutarco,
Porfírio, Plotino e Platão são exemplos. Por outro lado, as pessoas que ingeriam
carne justificavam o consumo por meio da superioridade humana sobre os animais.
No século XIX, o argumento espiritual deu lugar ao que defendia o tratamento
humanizado dos animais e de saúde. Razões éticas, como o direito dos animais,
compunham a principal defesa para o não consumo de carne de acordo com autores
como George Shaw, Henry Salt, Percy Shelley e Artur Schopenhauer. No século
seguinte, marcado pela popularização da preocupação com a questão ecológica, a
discussão foi ampliada, com a adição de tais valores em defesa da prática de não
ingestão de produtos de origem animal (SINGER, 1995).
De acordo com o site Vegetarian Society (2012), o vegetariano se alimenta de
grãos, leguminosas, frutas oleaginosas (como castanhas, nozes, avelãs e
amêndoas), sementes, vegetais e frutas, podendo ingerir ovos, leite e derivados ou
não. O indivíduo, contudo, se abstém de carne bovina, carne suína, aves, peixes,
mariscos ou quaisquer subprodutos do abate.
Dentre os pertencentes ao grupo descrito acima, distinguem-se ainda os que
consomem ovos, leite e derivados, conhecidos como ovolactovegetarianos (o tipo
mais comum de vegetariano); os lactovegetarianos, que evitam os ovos; os veganos
(vegans ou vegetarianos puros), que além de não consumirem produtos de origem
animal, não usam artigos de lã, couro e seda, ou cosméticos cujos compostos
incluam derivados ou que tenham sido testados em animais. Os crudívoros admitem
a ingestão de alimentos crus ou aquecidos a no máximo 42°C e os frugívoros,
apenas frutos, como pode ser observado no Quadro 1.
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13
Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo
*Admite-se parcialmente a ingestão destes alimentos. Fonte: Compilado pela autora a partir de dados coletados em Vegetarian Society (2012), Centro Vegetariano (2012) e Crudivorismo (2012).
1.1.1 Um Grupo em Ascensão
O crescimento do volume de pessoas que seguem a dieta vegetariana pode
ser verificado a partir de indícios como o crescimento na oferta de produtos e
serviços voltados para seus integrantes e o aumento de publicações sobre o
assunto. Itens comuns a esta dieta são encontrados em mais pontos de vendas e
não somente em lojas especializadas. Adicionalmente, restaurantes e hotéis são
abertos para o atendimento restrito a este grupo de pessoas, enquanto cresce o
volume de livros com dietas baseadas no vegetarianismo e documentários acerca do
tema (VEGETARIAN MEANS BUSINESS, 2011).
A cidade de Haia, na Holanda, abriga o primeiro açougue vegetariano desde
outubro de 2010, comercializando substitutos para carnes (PEQUENAS EMPRESAS
& GRANDES NEGOCIOS, 2010). Em fevereiro de 2011, foi inaugurado o primeiro
supermercado vegan em Dortmund, na Alemanha (WANDEL, 2011). Em 2003, a
Perdigão, um dos grandes participantes em alimentos frigoríficos, investiu R$ 2,5
milhões para o lançamento de uma linha vegetal com cinco produtos a base de
proteína de soja (salsicha, hambúrguer, mini quibe, cordon verde recheado e
patitas), tendo em vista um mercado de proteínas vegetais e alimentos funcionais
em crescimento de 10% a 20% ao ano (PORTAL DO AGRONEGOCIO, 2003).
A demanda latente por tais produtos livres de derivados animais é observada
ao se acompanhar o nascimento e crescimento de grandes marcas de fast food com
o cardápio voltado ao atendimento de dietas restritivas, como por exemplo, Maoz
Vegetarian, Real Food Daily, The Veggie Grill e Native Foods. Jennings (2011) cita a
Dieta
Carne
vermelha e
suína
Carne branca Ovos Laticínios Mel e
gelatinaFrutos Verduras Cereais
Semivegetarianismo Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Ovolactovegetarianismo Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Lactovegetarianismo Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim
Ovovegetarianismo Não Não Sim Não Sim Sim Sim Sim
Vegetarianismo semiestrito Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim
Vegetarianismo estrito (vegan) Não Não Não Não Não Sim Sim Sim
Crudívoros Não Sim * Não Sim * Sim Sim Sim Sim
Frugívoros Não Não Não Não Não Sim Sim * Sim *
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14
criação dos “flexitarians”, que evitam o consumo de carne esporadicamente, sem
comprometimento com uma dieta específica de longo prazo e aponta tendência de
crescimento deste grupo. A jornalista menciona ainda a atuação da Vegan
Mainstream, uma agência de marketing especializada em atingir o segmento de
vegetarianos, confirmando mais um indício da perspectiva de crescimento e de
relevância deste grupo.
Outro exemplo da crescente importância que este público vem adquirindo
pode ser observado a partir da aderência da Sodexo – empresa que atua no
segmento de alimentação em âmbito mundial – ao projeto ‘Segundas Sem Carnes’,
desde 2011, nos Estados Unidos (SODEXO, 2011). A iniciativa faz parte do projeto
institucional ‘Plano para um Amanhã Melhor’ (Better Tomorrow Plan),
empreendimento de responsabilidade social da companhia. Na fase inicial do
projeto, a Sodexo forneceu entradas vegetarianas para os 900 hospitais que atende,
e, logo após, começou a oferecer opções sem carne para as 2.000 empresas, 175
escritórios governamentais, 650 campi de faculdade, 500 escolas públicas e 150
escolas particulares com quem possui contrato. O impacto desta iniciativa seria de
520 milhões de refeições sem carne ao ano, caso todos os 10 milhões de clientes da
Sodexo participem da Segunda Sem Carne.
A empresa de análise de mercados britânica Mintel divulgou resultados da
pesquisa Meat Free Foods – UK, realizada em 2010, que mostram que três em cada
cinco adultos fazem refeições sem carne regularmente, apesar de apenas 6% dos
indivíduos de autoclassificarem como vegetarianos (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).
A mesma pesquisa traz a evolução do valor de mercado de produtos alimentares
sem origem animal desde £ 333 milhões em 1996, até £ 739 milhões em 2008,
conforme mostrado na Tabela 1.
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15
Gráfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido
Fonte: Análise de mercado Meat Free Food realizada pela Mintel em Dezembro de 2010 (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).
As últimas pesquisas da Cultivate Research – empresa especializada em
pesquisa de mercado de comidas vegetarianas – em 2009 (sugerem que de 4 a 6%
dos adultos americanos, o que representa cerca de 8 a 13 milhões de indivíduos, se
intitulam vegetarianos (VEGETARIANS COUNT, 2009). Contudo, conforme mostra a
Tabela 2, a análise da pesquisa revela um percentual menor, diante de respostas a
perguntas mais específicas com relação às refeições. Apenas 1 a 3% dos adultos
respondentes confirma não ingerir nenhum tipo de carne diariamente.
Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009
Adultos (acima de 18 anos) Jovens (de 8 a 17 anos)
% Absoluto % Absoluto
Vegetarianos e Veganos 1 - 3% 2 - 6 milhões 2 - 3% 1 - 1,5 milhões
Autoclassificados como vegetarianos 4 - 6% 8 - 13 milhões N/A N/A Fonte: Pesquisa realizada pela Cultivate Research nos EUA (VEGETARIANS COUNT, 2009).
Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Publica e Pesquisa
(IBOPE, 2011), 9% da população brasileira autodenomina-se vegetariana. Este
percentual representa cerca de 17,5 milhões de pessoas, com tendência de
crescimento conforme apontam as expectativas do instituto no estudo. A pesquisa foi
realizada entre agosto de 2009 e julho de 2010, e promoveu comparação entre
hábitos de consumo entre os gêneros feminino e masculino, conforme demonstra o
Quadro 2.
333
548626
739
0
200
400
600
800
1000
1996 2001 2004 2008
£ milhões
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16
Quadro 2 - Comparação entre os hábitos de consumo entre os gêneros
Fonte: IBOPE, 2011.
1.1.2 Impactos na economia
Em 1996, o frango foi eleito o “herói nacional” pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso. Após a instauração do instrumento de estabilização da economia
brasileira – o Plano Real -, o alimento foi apontado como representante da elevação
do poder de compra da população. Na medida em que o preço da proteína animal
decaía, o seu consumo se elevava até atingir a média de 44 kg per capita em 2010,
o dobro da média observada em 1996 (RUA, 2012). Também é apontada como uma
das principais razões para a escalada no consumo desta proteína a substituição das
carnes vermelhas pelas carnes brancas em virtude de uma busca por uma dieta
mais saudável. Este exemplo de mudança nos hábitos alimentares pontua um
Filtro: 18 anos ou maisAmostra
totalMasculino Feminino
É importante manter a forma física 79% 78% 80%
Eu pagaria qualquer preço por minha saúde 78% 77% 79%
Estou de acordo com as restrições aos fumantes 70% 67% 72%
Em algumas ocasiões me dou o prazer de ingerir
comidas que não são boas para a saúde 62% 59% 65%
Eu me informo bem antes de comprar novos
produtos alimentícios 60% 55% 65%
Tenho que estar realmente doente para ir ao
médico 62% 64% 59%
Confio na medicina homeopática/medicina caseira 53% 49% 56%
Eu procuro ter uma dieta bem balanceada 52% 47% 56%
Devido à minha vida pessoal tão agitada, não me
cuido como deveria 53% 52% 53%
Uso preservativos em todo novo relacionamento 52% 55% 49%
Só utilizo serviços públicos de saúde 45% 43% 47%
Eu sempre escolho meu médico por indicação 42% 37% 46%
Quase sempre estou tratando de perder quilos 35% 29% 40%
Sempre verifico o conteúdo nutricional dos
alimentos 34% 29% 39%
Eu não tenho tempo para preparar refeições
saudáveis 37% 40% 35%
Eu pratico esportes ou exercícios pelo menos uma
vez por semana 38% 43% 34%
Sempre procuro as versões diet/light dos alimentos
e bebidas 23% 20% 26%
Sou vegetariano 9% 10% 9%
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17
momento histórico em que a economia influenciou o cardápio de muitas pessoas no
país.
O regime alimentar apresenta claras implicações nas indústrias de carnes e
agricultura. A comercialização de carnes (de frango, bovina, suína e outras)
representa mais de 19% do saldo da balança comercial brasileira, desde 2005
(PERIN, 2012). Dentre as exportações que o país promove, o segmento de carnes é
responsável por 6,6% do montante total (CONAB, 2012). Desta parcela, destacam-
se as participações de 47% do frango e 34% do setor de carne bovina.
A importância da atividade pecuarista no Brasil é traduzida a partir das
estatísticas de produção e de movimentação do comércio mundial. Os números
mostram que o país é o terceiro maior produtor de carne de frango do mundo,
segundo maior em carne bovina e ocupa o quarto lugar no caso da suinocultura
(USDA, 2012), o tipo de carne mais consumido no mundo (ABIPECS, 2012). No
mercado externo, as carnes de frango e bovina brasileiras são as mais demandadas
pelos países consumidores, enquanto a carne suína brasileira ocupa o quarto lugar
nas exportações mundiais (USDA, 2012). Além disso, o mercado interno absorve
cerca de 69% da produção avícola de corte, 82% da produção de gado de corte e
83% de carne suína (CONAB, 2012).
O setor agrícola responde por 30% do total de produtos exportados em 2010
(CONAB, 2012). Os produtos deste setor atendem a dois distintos públicos:
consumo humano e consumo animal. No que tange ao vegetarianismo, é
interessante verificar a relação de consumo de grãos pelos animais em comparação
ao volume absorvido pelas pessoas. Segundo os cálculos de Greif (2002), o
consumo de matéria vegetal pelos animais é dez vezes superior ao consumo
humano.
O mesmo autor cita também outras consequências para o ecossistema a
partir do consumo carnívoro. Greif (2002) afirma que uma dieta centrada em carne
requer terrenos de 35 acres de terra por pessoa, ao passo que a dieta vegetariana
demanda um quinto de acre por pessoa, além de contribuir para a desertificação,
erosão e esgotamento do solo. A prática também apresenta diferenças no consumo
de água por pessoa por dia: 4.200 galões/pessoa/dia são contabilizados para uma
dieta nos padrões ocidentais, enquanto a dieta a base de vegetais demanda 300
galões/pessoa/dia. – As principais diferenças estão nas práticas de irrigação dos
campos que fornecem alimentos aos animais, na quantidade de água necessária
-
18
para o consumo dos animais, no processamento e na lavagem das carcaças e na
preparação do alimento final.
1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA
Diante dos objetivos após a contextualização, foi estabelecida a seguinte
pergunta principal de pesquisa:
Que aspectos do comportamento do consumidor vegetariano são compartilhados
através da internet?
Perguntas secundárias que apoiam a pergunta principal estão listadas abaixo:
Como o vegetariano é descrito e caracterizado nos discursos compartilhados
na web?
De que forma o prazer/sabor dos alimentos e as questões econômicas
aparecem no discurso dos vegetarianos?
De que forma os aspectos relativos à saúde aparecem nos discursos de
vegetarianos na web?
Que valores éticos e aspectos dos direitos dos animais aparecem nos
discursos compartilhados na web?
Quais grupos de referência podem ser identificados nas informações
compartilhadas pelos vegetarianos na web?
Que diferentes lógicas de pertencimento ao grupo podem ser identificadas? O
que é proibido e o que é incentivado nas discussões analisadas?
Que aspectos podem ser identificados no processo de formação de escolha
pelo caminho da dieta restritiva, na web.
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19
2. REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo tem por objetivo fornecer o suporte teórico para a pesquisa
realizada no presente trabalho. São abordados primeiramente os argumentos que
constroem a ideologia ética do consumidor e a consequente evolução desta
consciência como forma de influência direta nas práticas de consumo. Em seguida,
são apresentados os conceitos definidos pelo marketing pertinentes à compreensão
das pessoas que praticam o vegetarianismo, por meio do estudo de tribos ou
subculturas de consumo e a análise do consumo como reflexo da identidade.
Adicionalmente, buscou-se, na literatura de apoio, a base para a formação de um
grupo de referência, reforçando a relevância da internet como cenário do estudo. Em
seguida, foi analisado o tipo de comunicação que se pretende explorar no ambiente
virtual, chamado boca a boca, responsável pela característica viral da exposição das
ideias e diálogo com o consumidor. A Figura 1 mostra a síntese das relações entre
os tópicos que compõem a revisão de literatura.
Figura 1 - Diagrama - síntese da revisão de literatura
Fonte: Própria autora.
-
20
2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE
A pesquisa na literatura sobre o comportamento do consumidor, no que tange
à sustentabilidade, traz à tona distintos termos de referenciação, tais como: consumo
ético (NEWHOLM; SHAW, 2007; CHERRIER, 2007), consumo verde (PEATTIE,
2001), consumo socialmente consciente (KINNEAR; TAYLOR; AHMED, 1974),
consumo verde (MCDONALD ET AL, 2009) consumo sustentável, entre outros (ver
APÊNDICE A). Newholm e Shaw (2007) argumentam que, a seu modo e em
diferentes graus de extensão, os termos estão relacionados a projetos individuais de
consumo ético. Um exemplo é o termo consumo verde, que reflete preocupação
quanto ao meio ambiente. Contudo, apesar de apresentarem aspectos diferentes em
seus significados, para efeito da presente pesquisa, optou-se por utilizar o termo
Consumo Ético, que transparece a incorporação da cultura individualizada no padrão
de consumo e exprime o ato de enfrentar as consequências das escolhas por parte
do consumidor.
A ideia por trás do consumo ético é a de que as pessoas têm a esperança de
alterar o mundo a partir do ato de consumo, representante do contexto microssocial.
Kinnear, Taylor e Ahmed (1974) ressaltam o dilema a que os consumidores se
impõem ao adquirir este tipo de consciência, ao se darem conta da magnitude do
impacto na deterioração do meio ambiente.
Especialmente desde a década de 1960, o tema ambiental se faz presente na
pauta mundial de discussão de problemas. De acordo com Kassarjian (1971), este
período foi marcado pelo início da percepção da relação de custo-benefício imbuída
em cada ato de consumo. A sociedade passou a compreender o dilema que envolve
o seu estilo de vida, o que deu origem a uma revolução cultural, a que se chamou
ambientalismo. Peattie (2001) ilustra tal revolução a partir de acidentes cujo impacto
no meio ambiente foram devastadores, como o acidente nuclear de Chernobyl na
Ucrânia, o derramamento de óleo do petroleiro Exxon-Valdez no Alasca e o grande
incêndio em uma indústria de pesticidas em Severo, na Itália.
Estes acidentes chamaram a atenção para a responsabilidade das empresas
perante a sociedade como um todo. Os conceitos de desenvolvimento sustentável e
consumo sustentável ganharam contexto mundial e o ativismo foi reforçado por meio
de iniciativas como o Dia da Terra em 1970, criado pelo senador americano Gaylord
Nelson como um ato de protesto ambiental (PEATTIE, 2001).
-
21
A preocupação com os problemas ambientais decorrentes dos processos de
crescimento e desenvolvimento deu-se de forma diferenciada entre os mais diversos
segmentos da sociedade, de governos, organizações e outros agentes. Gonçalves
(1989) afirma que praticamente todos os problemas sociais se tornaram problemas
ambientais e vice-versa. Questões como explosão demográfica, fome e pobreza,
qualidade de vida, agrotóxicos, produção alimentar e outros temas podem ser
abordados com enfoque tanto ambiental quanto social. Um exemplo de movimento
recente, que imprime esta insatisfação com as estruturas socioeconômicas vigentes
é o Occupy Wall Street. A manifestação tem como alvo específico o setor financeiro,
mas a reflexão pretende ponderar relações desiguais sociais, econômicas e políticas
(THISTLETHWAITE, 2012).
A mobilização não se deu apenas a partir de ativistas. A Organização das
Nações Unidas (ONU) organizou a sua primeira conferência em 1972, com a agenda
dedicada exclusivamente aos impactos da degradação da natureza, exaltando a
necessidade de medidas de controle. Nos Estados Unidos, também foram
formuladas as primeiras regulações ambientais nesta mesma época, como o Clean
Air Act e o Clean Water Act em 1970 e 1972, respectivamente (PEATTIE, 2001).
A iniciativa privada enxergou neste movimento de caráter ideológico uma
oportunidade lucrativa. Nascia um consumidor com novas características e critérios
de decisão, não atendido, com forte tendência de crescimento, segundo Peattie
(2001). Uma peculiaridade importante deste consumidor é a homogeneidade,
independente de barreiras culturais. O objetivo é comum e interessante aos
indivíduos de todos os países, todas as faixas etárias, todas as religiões e ambos os
gêneros e depende apenas da vontade individual do consumidor, segundo o autor.
Esta homogeneidade ideológica pode se traduzir nas decisões de consumo
no âmbito particular, sentindo-se confortáveis para consumir bens e serviços éticos
que reflitam quem são ou quem gostariam de ser, deixando de comprar produtos
como forma de protesto contra exploração da força de trabalho ou comprando itens
como café negociado de maneira justa. O movimento de resistência ao consumo
pode ser originado diante de diferentes visões. Cherrier (2009) identificou um
comportamento de consumo marcado pelo autossacrifício e comprometimento com
um estilo de consumo politicamente correto voltado para a justiça, a igualdade e a
participação, personificado pela identidade do herói, em contraste a outro
comportamento de consumo que busca combater o consumismo e o culto à
-
22
individualidade, por meio de um consumo criativo, questionando o senso de
identidade gerado pelo consumo de bens materiais.
A pesquisa de Iyer e Muncy (2009) trouxe quatro perfis, cuja distinção se
baseia nas motivações e nas formas de atuação: os Global Impact Consumers são
aqueles que desejam reduzir seu nível de consumo para beneficiar a sociedade e o
planeta; os Simplifiers objetivam se mover de uma sociedade de grande consumo
para uma sociedade menos orientada para o consumo, com um estilo de vida mais
simples; os Market activists são aqueles que classificam marcas ou produtos como
causadores de problemas sociais e tentam utilizar o poder do consumidor para
causar um impacto na sociedade; e os Anti-loyal consumers se comportam de forma
oposta aos consumidores leais, deixando de comprar marcas ou produtos devido a
experiências negativas ou à percepção de que a empresa é inferior ou tem um
produto inferior.
Cherrier (2007) adiciona outro perfil de consumidor ético baseado na escolha
intencional de trabalhar menos, querer menos, gastar menos e ser mais feliz,
compondo o movimento ‘The Voluntary Simplicity’. O estudo deste movimento reflete
uma mudança no estilo de vida dos consumidores em direção a uma vida mais
harmoniosa e com propósito. O conceito da simplicidade voluntária pretende romper
a cultura de consumo compulsivo (‘quanto mais, melhor’), reafirmando valores como
humanidade, localidade, comunidade e respeito pela vida e pela natureza.
A escolha por aderir à este movimento pode ter origem voluntária, a partir da
ética e motivação internas; ou pode ser imposta por fatores externos sociais,
ambientais e econômicos. O movimento é caracterizado como social a partir da
pluralidade de ideias, e reflete valores e identidades coletivas. Além disso, nele o
consumo não é demonizado, mas prega-se que deva ser direcionado. Em suma, o
consumidor ético compartilha emoções, paixões e estilo de vida e é apresentado
como um ser em constante transição. O estudo da identidade ética, portanto,
também deve levar este processo de construção em consideração (CHERRIER,
2007). Este é um desafio para este consumidor neoliberal, uma vez que possui
independência e liberdade para promover aspectos éticos da sua identidade através
de escolhas personalizadas no mercado, o que representa uma busca de
significados para a vida. Significados estes que serão continuamente renegociados
internamente, de acordo com Cherrier (2007). As características de integração e
conhecimento do mercado e racionalidade na decisão por adquirir, consumir e
-
23
descartar produtos éticos que projete a identidade desejada compõem a definição de
consumidor neoliberal, por Cherrier (p. 322, 2007).
Por outro lado, no momento de compra, outros fatores são relevantes e
podem ser decisivos para o consumo, como tempo e dinheiro. McDonald et al (2009)
e Newholm e Shaw (2007) trazem à luz estes dilemas entre a racionalidade
financeira e a influência do contexto cultural, como parte das incongruências do
comportamento de compra individuais.
2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO
O dicionário Michaelis (2012) define alimento como “toda substância que,
introduzida no organismo, serve para nutrição dos tecidos e para produção de calor”.
O ato de comer, todavia, é muitas vezes relacionado a outros sentidos que não o de
combustível do corpo. Casotti (2004) reflete sobre as sensações de compensação
do estresse e da ansiedade da vida moderna, preenchimento do vazio ou desejo
emocional e do prazer e angústia causados pela alimentação e os seus excessos.
De acordo com a autora, o ato de comer também é um evento social e
influenciado pelo contexto cultural: os americanos são obcecados por saúde; os
franceses, por variedade; e os brasileiros, influenciados pela construção da história.
Ackerman (1992, apud Casotti, 2004, p. 547) oferece o conceito de que o alimento é
uma grande fonte de prazer, que traz satisfação tanto física quanto emocional. A
alimentação pode marcar uma situação, ao mesmo tempo em que transmite um
significado, além de poder ser vista como uma espécie de código (Barthes, 1961
apud Casotti, 2004, p. 546).
De acordo com Kleine & Hubbert (1993), padrões de consumo alimentares
estão associados a significados simbólicos que refletem padrões sociais. Os autores
enumeram as possíveis motivações para um indivíduo tornar-se vegetariano: (1)
Preocupação com os direitos dos animais; (2) Razões espirituais; (3) Razões de
saúde; (4) Ativismo político; (5) Ambientalismo; e (6) Não gostar de carne. Tais
alternativas serão explicadas em mais detalhes nas subseções seguintes.
Janda e Trocchia (2001), em sua pesquisa, observaram as mesmas causas,
excluídas as razões religiosas e ligadas à prática militante. Os autores desenharam
um modelo com os principais motivos que levaram os respondentes a dar inicio à
-
24
dieta restritiva e seus desdobramentos, que os autores chamaram de O Modelo de
Marketing do Vegetarianismo (vide Figura 2).
Figura 2 - Modelo das motivações, tensões, mecanismos para administração da situação e implicações de consumo do vegetariano
Fonte: Janda & Trocchia, 2001, p. 1209.
O modelo, resultado do processo de interpretação hermenêutica das
entrevistas em profundidade, sugere que os vegetarianos adotam a dieta a partir de
motivos como manutenção da saúde, preocupação com os direitos dos animais, pelo
paladar da carne e por influência de grupos de referência. Uma vez iniciada a
prática, uma variedade de tensões cognitivas é desenvolvida, tais como
pragmatismo versus integridade, o bem estar animal em contraposição ao bem estar
próprio, a liberdade individual contrapondo ao sentimento de pertencimento ao
grupo, e a abstinência versus o prazer que alguns alimentos proporcionam. Estas
tensões são reduzidas ou exacerbadas por condições intervenientes, tais como a
influência da família ou a disponibilidade dos alimentos (JANDA; TROCCHIA, 2001).
Motivações
Preocupações éticas
Saúde
Sensorial
Influência do grupo de referência
Tensões
Pragmatismo x integridade
Bem estar animal x próprio bem estar
Liberdade individual x pertencimento social
Abstinência x prazer
Mecanismos de enfrentamento
Foco no problema
Foco na emoção
Concessões
Condições intervenientes
Disponibilidade de alternativas alimentares
Influência da família
Presença de crianças
Preocupações com a saúde
Preferências e gosto individual
Condições em casa
Implicações Estratégicas
(Quadro 3)
-
25
Os participantes do experimento relataram a concepção de estratégias para
melhor lidar com a tensão criada, baseadas na erradicação da fonte do problema
(foco no problema); no gerenciamento do distress emocional associado à situação
(foco na emoção); e a estratégia baseada em concessões, que se dá por meio da
redução da fonte da tensão e depois pela racionalização da escolha do
comportamento, conforme exposto no Quadro 3 (JANDA; TROCCHIA, 2001).
-
26
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Quadro 3 - Estratégias organizacionais diante dos mecanismos para administração das situações de tensão do vegetariano
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27
Fonte: Extraído de Janda & Trocchia, 2001, p. 1209.
2.2.1 Preocupação com os direitos dos animais
Dois grandes subtemas emergem deste item: preocupação com a qualidade
de vida dos animais e o sentimento de culpa associado à morte dos animais
(JANDA; TROCCHIA, 2001). O primeiro subtema citado remete à preocupação com
o bem estar do animal (BEA) em seus criadouros, enquanto o segundo aparece
relacionado à motivação de não gostar de carne, como influência psicológica.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora
de Carne Suína (ABIPECS, 2012), o sistema intensivo de produção de animais teve
início após a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu uma grande escassez de
alimentos na Europa e o modelo de produção industrial em larga escala atingiu
todos os setores da economia, inclusive o pecuário.
Em 1964, a jornalista inglesa Ruth Harrison lançou um livro chamado Animal
Machines, inaugurando o debate sobre a ética da produção animal na agricultura. O
livro denunciava os maus tratos e a crueldade cometidos contra os animais
confinados na Grã-Bretanha. Esta publicação gerou grande impacto na sociedade
britânica, o que culminou na criação pelo Parlamento inglês de um comitê, composto
por pesquisadores da área, batizado de Brambell, que tinha por objetivo investigar
as acusações expostas no livro (ABIPECS, 2012).
Com o propósito de avaliar as diversas variáveis que impactam a vida dos
animais, o comitê Brambell propôs o conceito das Cinco Liberdades mínimas que
todo animal deveria ter: liberdade nutricional, referindo-se às necessidades
fisiológicas de fome e sede; ligada ao conforto ambiental; relativo à expressão do
comportamento natural do animal; que os animais fossem mantidos livres de dor,
injúrias ou doenças; e liberdade psicológica, concernentes aos sentimentos de medo
e distresse. Posteriormente, o Farm Animal Welfare Council – FAWC (Conselho de
Bem-Estar na Produção Animal) do Reino Unido adaptou a lista para a realidade dos
animais de produção e sintetizou as Cinco Liberdades em quatro princípios: boa
alimentação, boas instalações, boa saúde e comportamento apropriado (ABIPECS,
2012).
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28
O comitê definiu bem estar pela primeira vez como “um termo amplo que
inclui tanto o estado físico quanto o mental do animal. Por isso, qualquer tentativa
para avaliar o bem-estar animal deve levar em conta a evidência científica existente
relativa aos sentimentos dos animais. Esta evidência deverá descrever e
compreender a estrutura, função e formas comportamentais que expressam o que o
animal sente.” Pela primeira vez na história, os sentimentos dos animais foram
considerados (ABIPECS, 2012). É a definição de Broom (1986), contudo, que mais
se destaca junto à comunidade científica: “bem estar de um indivíduo é seu estado
em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente”.
Segundo esta definição, o bem-estar depende das ações da empresa criadora
na tentativa de fazer com que o animal consiga adaptar-se ao ambiente e do grau de
sucesso desta empreitada. O bem estar pode, assim, variar entre “muito ruim” e
“muito bom” e pode ser avaliado cientificamente a partir do estado biológico do
animal e de suas preferências (BROOM, 1986). Logo, taxas de produtividade, de
sucesso reprodutivo e de mortalidade, comportamentos anômalos, severidade de
danos físicos, aumento da atividade adrenal, imunidade baixa ou incidência de
doenças, são fatores que podem ser medidos para avaliar o grau de bem estar dos
animais (BROOM, 1991). O autor destaca que a ausência de sofrimento não
significa presença de bem estar.
Segundo Da Costa et al (2002), as empresas do setor buscam a máxima
eficiência e produtividade através de investimentos nas áreas de nutrição,
melhoramento genético e reprodução dos animais de corte, enquanto cuidados com
os aspectos fisiológicos e comportamentais dos animais são desconsiderados.
Práticas como amputação de rabos, bicos e dentes, o confinamento intensivo e
outros maus tratos são rotinas que aceleram a produtividade, porém infligem aos
animais dor e estresse intensos (COX, 2007). O Apêndice B enumera algumas das
principais práticas de maus tratos impostas aos animais de produção na pecuária
industrial.
Apesar deste quadro, pesquisas como a de McEachern e Schroder (2004)
indicam que os consumidores não estão propensos a relacionar o consumo de
produtos derivados da indústria animal - de couros, calçados, ração e têxtil -, a
problemas ambientais ou éticos. Ao contrário, as pessoas sentem-se
desconfortáveis com a conexão entre os assuntos “crueldade com animais” e
“consumo de carne”, tendendo a evitar este confronto de ideias.
-
29
Em contrapartida, outras pesquisas demonstram mudanças no
comportamento de alguns grupos sociais, no que se refere ao consumo de produtos
de origem animal. No Brasil, destaca-se o estudo de Souza (2011), que vislumbra o
comportamento do consumidor de carne. A pesquisa demonstra, por meio de análise
qualitativa e quantitativa, a falta de informação sobre o tema por parte dos
consumidores. Ao tomarem conhecimento dos padrões de manejo dos animais de
produção por meio de um vídeo, os entrevistados apresentaram sentimentos de
revolta e culpa inexistentes nas respostas antecedentes ao vídeo, evidenciando a
ignorância quanto ao assunto. Outro achado da pesquisa remete à sensibilidade na
disposição a pagar pelo produto com práticas certificadas do trato animal que, por
ventura, exijam incremento no preço. A pesquisadora verificou um aumento
considerável tanto de pessoas dispostas a pagar mais caro por tais produtos, quanto
no percentual do acréscimo no valor, após a exibição do vídeo.
Sob a ótica empresarial, observa-se a discussão pertinente ao processo
decisório quanto à viabilidade econômica da manutenção de práticas que excluem
maus tratos aos animais em seus procedimentos (PERIN, 2012). Perin (2012)
analisou 28 empresas pertencentes à indústria de proteína animal instaladas no
Brasil, classificadas entre os grupos: Fast-Food, Bens de Consumo, Supermercados
e Produção Agropecuária. A autora promoveu uma classificação das empresas por
meio de uma qualificação por pontos, de acordo com as declarações das
organizações sobre a preocupação com a prática do bem estar animal. O resultado
mostrou que metade das empresas não trata do tema de bem estar animal e apenas
seis delas apresentaram notas acima de três, ou seja, demonstravam interesse e
preocupação com a questão. O desconhecimento do consumidor como uma das
principais razões pelas quais tais práticas não são plenamente difundidas no setor é
corroborado, uma vez que os elos mais fracos da cadeia produtiva são as categorias
de Supermercados e Fast-Food. Estes subgrupos são os que travam contato
diretamente com o público final e apresentaram as mais baixas notas médias.
2.2.2 Razões espirituais
A prática do vegetarianismo está entrelaçada profundamente com tradições
religiosas transcendentais (TWIGG, 1979). Quando os seguidores de Maomé o
pediram para definir a fé, Ele respondeu: “Para oferecer alimento e dar a saudação
-
30
de paz”. O Corão menciona os atos de comer e beber com excepcional frequência,
sustentando que são uns dos principais sinais da existência divina (FEELEY-
HARNIK, 1995).
“A fome biológica distingue-se dos apetites, expressões dos variáveis desejos humanos e cuja satisfação não obedece apenas ao curto trajeto que vai do prato à boca, mas se materializa em hábitos, costumes, rituais, etiquetas. [...] O que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come e com quem se come.” (CARNEIRO, 2003, p. 1-2)
No tocante às religiões, a alimentação tem papel fundamental no cotidiano de
seus adeptos: permissões, proibições e jejuns são regulações religiosas simbólicas
constantemente exercidas. As regras alimentares são disciplinares, representando
técnicas de autocontrole perante as tentações. Tais regras disciplinares podem ser
anti-hedonistas, evitando o prazer proporcionado pela alimentação, ou podem ser
pragmáticas, evitando alimentos considerados passionais (CARNEIRO, 2003).
Influenciadas pela história e evolução, as religiões desenvolveram padrões
alimentares próprios, conforme descrição:
No Jainismo, cuja origem data do século IV a.C., é propagada a ideia de não
causar danos a outros seres vivos baseado em um sentimento de compaixão.
Chamada de ahimsa, a argumentação fundamenta-se na crença da existência de
uma cadeia de encarnações, sendo o ápice na forma de ser humano, quando é
alcançado o nirvana ou a iluminação. Sob esta ideologia, ao alimentar-se de carne, o
indivíduo corre o risco de ingerir familiares e atrair karma negativo, retardando o
atingimento da iluminação. Adicionalmente, a religião condena a prática de sacrifício
animal, intimamente ligada ao consumo de carne e prega o contato com o deus
interior por meio da conquista dos instintos animais, que levam a atos de violência e
autoindulgência, incluindo o consumo de carne (KRECH III; MCNEILL; MERCHANT,
2004).
No Budismo, o princípio básico é não maltratar os animais. Seria um pecado
até beber a água que contivesse larvas, pois é uma forma de vida. Aos monges é
ensinado que todos devem amar e respeitar qualquer espécie de animal. Esse
sentimento é chamado de ‘Metta’ e, por isso, os budistas são vegetarianos. Os
preceitos da crença indicam que Buda condenava o sacrifício de animais. A história
contada pelos monges sugere que a proibição do consumo de carne determinou os
hábitos dos japoneses durante dez séculos. Somente no século XVI, com a chegada
-
31
dos missionários portugueses e de outros europeus ao Japão, é que foi
reintroduzido paulatinamente o hábito de comer carne (SOCIEDADE BUDISTA DO
BRASIL, 2012).
No Hinduísmo, são venerados como animais sagrados a serpente e a vaca. A
imagem do bovino, como divindade principal, está presente em todos os templos e
na maioria dos lares, representando a fecundidade da terra e a da Humanidade. Os
praticantes não podem comer carne de vaca e nem contrariar os hábitos deste
animal venerado. Além disso, o sacrifício das vacas nas cerimônias religiosas foi
proibido, ajudando a estender a repulsa da população para o consumo de todos os
tipos de carne semelhantes à bovina (CLOVEGARDEN, 2012).
No Torá, o livro Levítico prescreve com detalhes o tipo de carne que pode ser
consumida e o que não pode, classificando os animais em duas categorias: os puros
e os impuros. A principal característica do animal puro é ter órgãos de locomoção
própria, o casco fendido e ser ruminante. Segundo o capitulo 11 do livro, o suíno é
proscrito, pois ‘apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, não rumina’.
Acredita-se, porém, que o verdadeiro motivo desta proibição era o de proteger o
povo judeu da contaminação com a triquinose, provocada pela Trichinella spiralis,
conhecida popularmente como 'solitária'. Os peixes para serem considerados puros,
deviam ter barbatanas e escamas. A carne bovina pode ser consumida e para isso
deve ser proveniente de um animal que tenha sido abatido pelo ritual ‘Kosher’, que
envolve a eliminação total do sangue (BONFIM, 2004).
O ritual de abate é iniciado com a degola por uma espécie de açougueiro
denominado ‘schochet’, que recebe treinamento por um longo período. A proposta
do ritual é o corte da artéria carótida e veias jugulares rapidamente. O instrumento
cortante utilizado para essa operação é chamado de ‘chalaf’, o qual é afiado de
forma eficiente e examinado após cada utilização. Cada seção do ritual é precedida
por uma prece especial denominada ‘beracha’. Somente os quartos dianteiros, as
costelas e a carne de cabeça dos animais podem ser consumidos. Os produtos
kosher apresentam um selo que indica a garantia de um rigoroso processo de
fiscalização, que investiga mais profundamente a origem e o estado dos animais.
Estes métodos têm sido criticados, todavia, tanto pela crueldade como também pela
falta de cuidados quanto aos aspectos higiênico-sanitários (BONFIM, 2004).
No islamismo, o ritual de abate de bovinos é similar ao ritual judaico, sendo
denominado ‘Dhabiha’. Durante o ritual a pessoa autorizada pelo imã – o líder da
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comunidade islâmica - deve fazer uma oração consagrando o animal como
propriedade de Alá. Cada animal deve ser abatido por vez, não sendo permitido ser
observado por outros animais. Diferentemente dos judeus, todas as partes do animal
podem ser consumidas sem nenhuma restrição (SIREGAR, 1981).
A Igreja Adventista do Sétimo Dia defende uma dieta ovo-lacto-vegetariana,
incluindo quantidades moderadas de produtos de baixo teor de gordura, evitando o
consumo de carne, peixe, aves, café, chá, álcool e tabaco (embora estes não sejam
estritamente proibidos). Tais crenças se baseiam nas palavras da Bíblia, de acordo
com a Seventh-Day Adventist Dietetic Association (SDADA, 2012).
Webster (1994) ironiza que o porco, no auge da sua inteligência, persuadiu
quatro das maiores religiões do mundo a não comê-lo por diferentes razões, diante
da vaca, sagrada na Índia e do cavalo, sagrado na Inglaterra.
2.2.3 Razões de saúde
Há, atualmente, uma maior quantidade de informações disponíveis
relacionando o regime alimentar à saúde. Uma vez que esta relação já foi fortemente
estabelecida pela mídia de massa, as atenções se voltam para recomendações
sobre quais alterações nos padrões de consumo de alimentos devem ser feitas, a
fim de promover uma vida saudável (HASLAM ET al, 2000). De acordo com
pesquisa realizada pelos autores com 421 indivíduos, as duas razões mais comuns
para alguma mudança no regime alimentar foram: perder peso e uma maior
consciência sobre alimentação saudável.
Ruby (2011) afirma que vegetarianos que optam pela dieta restrita por
motivos de saúde o fazem por preocuparem-se com potenciais doenças e
concentram-se principalmente nos vários benefícios e barreiras à mudança da dieta.
O autor assevera ainda que eles tendem a eliminar a carne gradualmente e
apresentam menor probabilidade de transição para o veganismo, em contraste aos
indivíduos cuja motivação tem origem nos princípios éticos da preocupação com o
bem estar animal. Este grupo tende a alterar a sua base alimentar abruptamente,
diante da carga emocional envolvida.
Outra característica divergente entre estes dois grupos está no foco: enquanto
o primeiro concentra-se nas preocupações principalmente internas, compreendendo
questões concernentes à sua saúde pessoal, o grupo cuja origem reflete
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considerações morais exibe um foco especialmente externo, envolvendo as
preocupações sobre animais não-humanos (RUBY, 2011).
Lindeman e Stark (1999) compilam pesquisas sobre a relação entre a escolha
da alimentação, a personalidade e o bem estar, referentes ao controle do peso. Os
autores revelam que há forte relação entre estes fatores e a má imagem do próprio
corpo, baixa autoestima e depressão. O estudo mostrou a existência de seis grupos
distintos no que se refere à escolha da alimentação: gourmets, indiferentes,
mantenedoras da saúde, portadoras de ideologias, as que fazem dietas pela saúde
e as que fazem dietas pelo corpo. Cada um dos grupos foi avaliado sob a
perspectiva das motivações para a escolha: saúde, controle de peso, prazer e
razões ideológicas.
Enquanto os subgrupos “gourmets” e “portadores de ideologia” escolhiam
seus produtos alimentares visando o prazer que a alimentação lhes proporciona e
seus princípios ideológicos, respectivamente, o subgrupo de pessoas que fazia dieta
com vistas à saúde se diferenciava dos demais pela preocupação com a aparência e
apreço ao prazer da alimentação ao mesmo tempo. O subconjunto de pessoas que
mantinham uma dieta para manter a forma física não via deleite nesta atividade.
Este grupo caracterizava-se por mulheres insatisfeitas com a sua aparência e peso,
cuja pressão exercida pela cultura da magreza era forte, levando-as a apresentar
sintomas de distúrbios alimentares, baixa autoestima e maior incidência de
depressão (LINDEMAN; STARK, 1999).
Dentre todos os grupos, a motivação de escolha do padrão alimentar entre as
mulheres mais encontrada foi a de decisão por uma vida saudável, sozinha ou
acompanhada do prazer proporcionado com a degustação dos alimentos
(LINDEMAN; STARK, 1999).
A pesquisa de Moon, Balasubramanian e Rimal (2011) confirma que o uso de
alegações de saúde e outras reivindicações relacionadas aos produtos alimentares
têm aumentado ao longo do tempo. Neste sentido, os esforços de marketing da
indústria alimentícia tornam-se um tema central para o setor, com o propósito de se
relacionar com as pessoas que valorizam fortemente a preocupação com a saúde, a
ponto de mudar a sua alimentação com base neste pressuposto. Os autores
mostram evidências de que a oferta proativa de dados que estes consumidores
estejam interessados em absorver poderá induzir as pessoas a confiar nas
informações apresentadas. Em alguns casos, as reivindicações podem até gerar um
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efeito de prestígio (avaliar melhor o produto por atributos não mencionados) ou um
efeito de varinha mágica (atribuir benefícios inadequados ao produto).
2.2.4 Ativismo Político
Newholm e Shaw (2007) trazem um debate sobre o boicote. O ato é definido
como uma ação do consumidor arquetípica semiorganizada. Os autores consideram
que o consumo ético como projeto político é frequentemente rejeitado por ser
considerado um conjunto de ações muito individualizadas e não atingirem a
consciência coletiva. Apesar do comportamento ser apontado como um veículo para
a autorrealização moral, a coletividade é valorizada pelo consumidor ético pelo poder
que é capaz de oferecer, tanto para o caso de consumo como para o de
anticonsumo.
A pesquisa realizada por Kleine e Hubbert (1993), no entanto, trouxe à tona
um participante cuja mudança na alimentação deu-se a partir de engajamento
político. A preocupação e ativa participação em um projeto sobre a pesca ilegal de
atum estimulou a busca por informações sobre ambientalismo e direitos dos animais
e consequente extinção das carnes na alimentação. Pode-se considerar, contudo,
que a prática militante foi o fator detonador para que outros pontos motivadores
influenciassem a condução da transformação do hábito alimentar.
2.2.5 Ambientalismo
De acordo com o Worldwatch Institute, que acompanha questões ambientais
ao redor do globo, a questão do consumo individual de carne tornou-se central no
debate acerca de sustentabilidade.
“À medida que a ciência ambiental avançou, ficou evidente que o apetite humano por carne animal é uma força impulsionadora por trás de praticamente todas as grandes categorias de danos ambientais que atualmente ameaçam o futuro da humanidade: desflorestamento, erosão, escassez de água potável, poluição do ar e da água, mudanças climáticas, perda da biodiversidade, injustiça social, desestabilização de comunidades e propagação de doenças” (SINGER; MASON, 2007, p. 261).
De acordo com pesquisa do IBOPE (2007), a população brasileira está
desenvolvendo uma consciência ambiental. A pesquisa revelou que 85% dos
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cidadãos entrevistados estão dispostos a pagar um preço diferenciado por produtos
que não agridam o meio ambiente. Adicionalmente, mais da metade dos
consumidores afirmou comprar apenas produtos de fabricantes que não agridam o
meio ambiente, ainda que sejam caros. Deste modo, conforme Roberts (1995)
afirma, os indivíduos alteram não somente suas rotinas, incorporando atividades em
prol do ambiente, como a separação do lixo e a não utilização de sacos plásticos,
como modificam seu comportamento de consumo.
Ottman (1994) confirma que esta sensibilidade crescente da sociedade
perante as causas ambientais levou à geração de uma demanda por ‘produtos
verdes’ ou com apelo ecológico e o consequente atendimento a esta fatia de
consumidores por parte da oferta. A tendência é abraçada amplamente em todas as
áreas das organizações. Com isso, destaca-se a definição de Marketing Verde por
Peattie (2001):
O termo ‘Marketing Verde’ tem sido usado para descrever o conjunto de atividades de marketing voltadas para minimizar impactos ambientais e sociais causados por produtos e sistemas de produção existentes, e que promovem produtos e serviços menos danosos (PEATTIE, 2001, p. 129).
Peattie (2001) destaca as principais consequências advindas desta orientação
verde:
(1) O tratamento globalizado de questões como o aquecimento global gerando
uma discussão mais generalizada e sem barreiras geográficas sobre a
sustentabilidade, evocando o trabalho em conjunto;
(2) Novos segmentos de mercado foram criados a partir de produtos e serviços
especializados ou com apelo socialmente responsável;
(3) Oportunidade de desenvolvimento de novos produtos ligados a temática
ambiental e/ou social;
(4) Novos desafios para o mercado publicitário, tendo em vista os novos valores
adicionados à imagem das empresas;
(5) O foco dado à cadeia produtiva, vista como ponto de vantagem competitiva e
diferenciação perante os concorrentes;
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(6) As embalagens dos produtos ganharam uma importância crescente tanto
como potencial item de minimização de custos, com a redução dos materiais
utilizados, como publicidade da imagem da companhia;
(7) Novas parcerias com agências ambientais ou outras instituições que
pudessem agregar valor à imagem das organizações também observaram
seu prestígio acrescido;
(8) Percepção de valor, por parte das corporações, de que vale a pena não
apenas participar da tendência, mas ser pioneira e ir além do cumprimento às
regulações;
(9) Avidez por captar e exibir novas informações. Há uma forte demanda pela
transparência com relação aos dados pertinentes aos produtos, bem como
matérias-primas, a cadeia produtiva, a conduta dos fornecedores, o descarte
etc.
Do outro lado, o consumidor verde é conhecido pela sua lógica menos
individualista e mais coletivista, considerando a minimização do seu impacto no meio
ambiente em seu processo de tomada de decisão no momento da compra, segundo
Ottman (1994).
2.2.6 Não gostar de carne
O desgosto ou nojo é definido como um desejo de se afastar de um objeto
que é 'estragado’, ‘tem um gosto ruim’ e ‘que deixa um gosto ruim na boca’. Além
disso, as sensações de desconforto oral e náuseas são discutidas como
componentes críticos no sentimento de repulsa. De todos os alimentos consumidos,
os de origem animal parecem ocupar um lugar especial na dieta humana. Carne
inspira ambivalência devido às associações com animais vivos, sangue, agressão,
violência e os efeitos deletérios na saúde humana (KUBBEROD ET al, 2006).
Kubberod et al (2006) apresentam três pontos fundamentais por detrás do
sentimento de desgosto: o primeiro refere-se à natureza do alimento, o indivíduo se
questiona de onde vem o alimento e o que vem em seguida (processamento); o
segundo relaciona preocupações com o aspecto sensorial, qualificando
propriedades relacionadas à aparência, textura, cheiro ou gosto; e o terceiro motivo
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faz referência à antecipação das consequências negativas após a ingestão do
alimento.
A partir de então, os autores propuseram e confirmaram seis construtos sobre
a rejeição à carne vermelha, incluindo pessoas que não se intitulam vegetarianas. A
primeira hipótese relaciona-se com as preocupações morais associadas ao consumo
ético em defesa do bem estar animal, que apresenta grande potencial de suscitar
fortes sentimentos como o nojo. Na segunda hipótese, os autores observaram a
perspectiva sensorial-afetiva, especialmente demarcada pelo aspecto de textura
firme e difícil de mastigar da carne não processada. Quanto maior a lembrança do
animal vivo, maior a probabilidade de incidência do nojo. O sangue e a aparência de
carne crua, portanto, repercutirão de forma negativa na opinião do consumidor
(TWIGG, 1979; FESSLER ET al, 2003). A quarta questão reflete a precipitação das
consequências negativas após o consumo da carne, como as sensações de
plenitude, de lentidão e sonolência. Características relacionadas ao indivíduo como
a autoestima, também podem promover reações emocionais diretamente.
Consequentemente, observa-se a correlação e sequenciamento dos fatores:
importância de sentir-se magra, expressão da insatisfação com o próprio corpo,
intensificação da dieta com a supressão da carne e desgosto para com o alimento. A
sexta e última hipótese depõe que a carne vermelha é apontada como mais
associada a atributos que podem levar à rejeição do que as carnes brancas, através
da mídia. Sendo assim, são as primeiras a serem excluídas da dieta de carnes.
Dentre as classes de rejeição à carne que Fessler et al (2003) identificaram,
estão as pessoas que evitam a carne pelo sabor, excluindo apenas os itens de que
não gostam. Os outros dois grupos que compõem a tripartite detectada pelos
autores são os indivíduos motivados pelas questões ética e ambiental, que comem o
mínimo de carne ou nenhuma e o grupo motivado pela saúde, que come pouca
carne vermelha, mas substanciais quantidades de carne branca.
2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE
Hall (2005) afirma que a identidade de uma pessoa é formada através de sua
participação em relações sociais mais extensas, adicionado o seu próprio papel na
constituição dos processos. Pode-se considerar, então, a ocorrência de uma
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interiorização do mundo externo ao indivíduo e uma exteriorização do seu interior,
por meio da sua ação no mundo social.
Na concepção de Castells (1997) e Hall (2005), a identidade é formada e
transformada continuamente, num estado permanente de “em processo de
construção”, constituída ao longo do tempo. De acordo com Goffman (1959), a
negociação em que os indivíduos envolvem a si próprios durante o processo de
constituição da identidade visa projetar uma impressão desejada.
A identidade de uma pessoa é expressa na forma de consumo (SCHAU;
MUNIZ, 2002). A partir daí, McCracken (2003) afirma que as sociedades capitalistas
centradas no consumo levam os indivíduos a adquirir itens não pela funcionalidade,
mas pelo seu valor simbólico. Sendo assim, o padrão de consumo define uma
pessoa perante a sociedade e a busca do seu lugar em grupos.
Mittal (2006) defende a existência de uma tensão entre como o indivíduo
define sua identidade e como os outros a veem. Após diferenciar os termos entre
como a pessoa se vê (eu) e como a pessoa acredita que os outros a veem (mim), o
autor propõe três modos de minimizar este conflito: mudar o grupo de referência,
buscando outras pessoas que corroborem sua versão; educar os outros, mostrando-
lhes a sua identidade; ou mudar o consumo.
Solomon (2008) relaciona o autoconceito às crenças de um indivíduo sobre
seus próprios atributos e o modo como ele os avalia. A partir daí, as marcas,
produtos e atividades escolhidas e exercidas pelos consumidores têm significado e
ajudam a comunicar e tangibilizar a sua identidade (SCHAU; GILLY, 2003). Solomon
(2008) apresenta ainda duas teorias que ajudam a explicar este comportamento: (1)
Modelo de congruência da autoimagem, no qual as pessoas buscam produtos cujos
atributos combinem com algum aspecto do seu eu; (2) Teoria da
autocomplementaçao simbólica, que engloba indivíduos que tendem a completar
sua identidade adquirindo e expondo símbolos associados a ela, devido a uma
autodefinição incompleta.
A construção do conceito do indivíduo envolve seis componentes: (1) seus
corpos; (2) seus valores e caráter; (3) sua competência e seu sucesso na vida; (4)
seus papéis sociais; (5) seus traços de personalidade subjetiva; e (6) suas posses.
O arranjo de prioridades dos atributos varia de pessoa para pessoa, assim como a
proporção de cada um dos elementos (MITTAL, 2006).
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Ao exercer diversos papeis sociais, um indivíduo utiliza diversos acessórios e
frequenta distintos ambientes, que se tornam extensões do “eu” do consumidor
(SOLOMON, 2008). Segundo Mittal (2006), Seis são os mecanismos pelos quais
passam as pessoas na transformação da posse na extensão de suas identidades,:
(1) pela escolha dos produtos ou atividades baseada em seu “eu”, ou seja, deve
refletir identificação e autonomia; (2) pelo recurso (dinheiro, tempo, energia)
investido na compra do produto; (3) pelo recurso (dinheiro, tempo, esforço) investido
no uso do produto; (4) pelo vínculo criado após a compra e reforçado pelo uso do
produto; (5) através de uma coleção, mediante o tempo e esforço investidos na
aquisição da mesma (BELK, 1988); e (6) através de memórias – produtos que foram
recebidos como presente de alguém ou que estejam associados a uma ocasião
especial.
Contudo, nem todos os produtos podem ser qualificados como posse e nem
todas as posses constituem parte da identidade de um indivíduo. Este tipo de bem
consumível pode apenas servir de instrumento para a promoção de algum
componente do autoconceito. Um aficionado pelo elemento corpo pode ser
escravizado pela academia de ginástica ou cremes antirrugas. Estes instrumentos
criam envolvimento, mas não se tornam parte do “eu”. O centralismo dos bens como
composição da extensão da identidade pode ser medido por três reflexões: (1) os
bens são centrais à identidade – o senso de quem a pessoa é; (2) os produtos que
um indivíduo possui e usa ocupam um lugar especial em sua vida; (3) a pessoa julga