UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM TEATRO
MARIO RUBENS DOS SANTOS RODRIGUES
UMA JORNADA ENTRE O COLETIVO, O PRAZER DO FAZER TEATRAL E O
ENSINO-APRENDIZAGEM
NATAL/RN
2018
MARIO RUBENS DOS SANTOS RODRIGUES
UMA JORNADA ENTRE O COLETIVO, O PRAZER DO FAZER TEATRAL E O
ENSINO-APRENDIZAGEM
Memorial apresentado à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito
para obtenção do título de Graduação do Curso
de Licenciatura em Teatro, sob orientação da
Profª. Drª. Ana Caldas Lewinsohn.
NATAL/RN
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART
Rodrigues, Mario Rubens dos Santos.
Uma jornada entre o coletivo, o prazer do fazer teatral e o
ensino-aprendizagem / Mario Rubens dos Santos Rodrigues. - 2018.
49 f.: il.
TCC (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Licenciatura
em Teatro, Natal, 2018.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn.
1. Grupo de teatro. 2. Prazer no fazer teatral. 3. Docência.
I. Lewinsohn, Ana Caldas. II. Título.
RN/UF/BS-DEART CDU 792
Elaborado por Mario Rubens dos Santos Rodrigues - CRB-X
Dedico esse Memorial a todos os grupos que
participei e participo, tanto na esfera amadora
quanto na profissional, que me ensinaram
muito e que continuam me ensinando essa arte
tão prazerosa que é o teatro de grupo.
AGRADECIMENTOS
Chego ao fim de minha primeira graduação depois de quatro anos de muitas mudanças
e conquistas tanto pessoais quanto profissionais, em que estudei sobre o que mais gosto de
fazer, a arte, e me tornei o que jamais imaginaria que seria, um professor.
Nada disso seria possível sem a ajuda daqueles que me criaram com amor: a minha
família. Ao meu pai Aroldo Rodrigues e à minha mãe Alexsandra Pereira, que me deram tanto
apoio, mesmo não concordando com minha escolha em cursar Teatro, ainda mais longe de
casa. À minha irmã Kiara, meu porto seguro, minha confidente e fâ número um (como ela
mesma diz), que me encorajou a seguir o meu sonho.
À minha sobrinha Kyria, meu bem mais precioso, que veio ao mundo um ano antes da
minha entrada na graduação, se tornando um dos maiores motivos para que eu venha a ser um
bom profissional e uma boa pessoa.
À minha amada, Thayanne Percilla, um dos maiores acasos que surgiu na minha vida,
uma namorada/companheira maravilhosa que sempre me apoia e encoraja, me fazendo
acreditar no meu potencial enquanto artista. Minha Percilla, colega de trabalho e de vida, que
se juntou a mim em uma empreitada teatral, na criação do Grupo Interferências de Teatro.
Ao meu amigo, irmão e companheiro de trabalho há oito anos, Allyerly Dantas, que
nunca desistiu dos seus sonhos, um dos maiores símbolos de resistência e profissionalismo
para mim. Um ser humano de coração grande, como também seus sonhos, gentil, divertido,
fiel e amável. Obrigado por ter sido um dos maiores símbolos de resistência nesses últimos
anos para mim.
À Renan Viana, um grande amigo e parceiro, que sempre me encorajou e depositou
em mim confiança, dividindo comigo seus sonhos e medos. Gostaria que estivesse ao meu
lado nesse momento tão especial, mas sei que torce pelo meu sucesso. Te agradeço pelos bons
e maus momentos desses longos anos de amizade.
Agradeço também aos grupos: Cia Maritacacas de Artes Cênicas, Cia. Nossas Faces,
Cia. de Artes Pouk Roupa, Grupo de Teatro Eureka, Coletivo Livre de Atuadores
Vivenviadores, Grupo Interferências de Teatro, Grupo Boi Teodoro e o Avante Grupo de
Teatro. Todos esses coletivos teatrais que participei/participo fazem parte dessa minha
trajetória de dez anos de teatro.
Aos amigos de Areia Branca (RN) que faziam parte da Pouk Roupa, que me deram
todo apoio, coragem e motivação para que eu seguisse na jornada que seria o Curso de Teatro
em Natal (RN). A vocês que resistiram e continuaram fazendo teatro até onde conseguiram,
saibam que são inspiração.
Aos colegas de turma, aqueles que desde 2015 trilharam comigo esse caminho da
graduação em Teatro em que dividi dúvidas, risadas, palcos e salas de aula. Independente das
diferenças, nós sobrevivemos às aulas de pré-expressivo, relatórios de estágio, às aulas de
encenação etc. Obrigado por essa partilha de conhecimento nesses últimos anos.
Quero agradecer aos professores do Curso de Teatro e aos de Educação que me
acolheram nesses quatro anos, aos substitutos e aos efetivos que compuseram a minha grade
curricular nessa trajetória de ensino-aprendizagem.
Agradeço também à minha professora orientadora Ana Caldas Lewinsohn, que desde
sua chegada ao curso se tornou uma inspiração, tanto como pessoa quanto como professora. A
ela que me mostrou o trabalho de máscara e me orientou no trabalho “Mata Sete Duma Vez”,
estética e projeto que me trouxe ótimos momentos dentro e fora da Academia.
É um acordo básico, ninguém tem que fazer algo que não quer. E
se ele não quer fazer ele pode dizer “Eu não quero mais fazer.
Estou fora dessa cena. Eu não gosto dessa ideia”. E isso faz
sempre algo novo, sempre abre uma nova porta, mas talvez cause
prazer, ou torne o trabalho mais duro, o que também provoca prazer.
(Entrevista concedida por Michael Vogel, Familie Flöz, julho de 2012)
(Lewinsohn, A. C. 2014, p. 177)
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01: Espetáculo “Bonita, o amor de Lampião”, com Geisla Blanco, Allyerly Dantas,
eu e outros em cena...................................................................................................................13
Imagem 02: Carla Cruz, Allyerly Dantas, Lidja Caroline e eu na esquete “A construção do
Fantasma”..................................................................................................................................13
Imagem 03: Geisla Blanco e eu em cena do espetáculo “Ah’Diabo”.......................................15
Imagem 04: Espetáculo “As viúvas da cultura”........................................................................16
Imagem 05: Patrícia Cezino, Arthur Araújo, eu, Firmino Brasil, Eduardo Leão, Allyerly
Dantas, Talita Tâmara, Janaína Silva, Taize Tertulino e Iasmyn Cavalcante no espetáculo
“Debaixo da Pele”.....................................................................................................................18
Imagem 06: Arte de divulgação da Base de Experimento Eureka............................................19
Imagem 07: Arte de divulgação do 3º Circuito de Teatro Escolar...........................................20
Imagem 08: Espetáculo “Cambalhotas”...................................................................................20
Imagem 09: Coletivo Livre de Atuadores Vivenciadores – CLAV, formado por Wanderson
Alves, Thasio Igor, Jason Gabriel, Irielly Letícia, Samuel Leon, eu e Yogi Brito...................22
Imagem 10: Apresentação da peça “Os sete Gatinhos” para disciplina Dramaturgia II...........22
Imagem 11: Geisla Blanco, Abner Souza e Jason Gabriel em ensaio da peça “Signinuei”.....24
Imagem 12: Allyerly Dantas, eu e Tom Gomes na cena curta “Provisório”............................25
Imagem 13: Grupo Boi Teodoro, formado por Emerson F. Sousa, André Martins, Arthur
Araujo, eu e Jason Gabriel........................................................................................................26
Imagem 14: Eu em cena no espetáculo “Mata 7 Duma Vez”...................................................27
Imagem 15: Avante Grupo de Teatro, formado por Arthur Araújo, eu, Allyerly Dantas, Clau
Medeiros, Eduardo Leão e Taize Tertulino..............................................................................28
Imagem 16: Turma de Expressão Corporal I, 2015.1...............................................................31
Imagem 17: Apresentação do “Bodas de Sangue”....................................................................32
Imagem 18: Resultado final da disciplina Jogo e Cena I..........................................................33
Imagem 19: Espetáculo “Gota d’água”.....................................................................................35
Imagem 20: Espetáculo “A ópera dos três vinténs”..................................................................38
Imagem 21: Turma de Pedagogia do Corpo 2017.2.................................................................40
Imagem 22: Oficina da Base de Experimento Eureka..............................................................42
Imagem 23: Apresentação da encenação “Outras Histórias Abensonhadas”...........................44
Imagem 24: Agradecimentos após estreia do espetáculo “Ateliê das Encalhadas”..................46
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................10
UMA JORNADA EM TEATRO DE GRUPO.....................................................................11
A EXPERIÊNCIA DO CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO DA UFRN..........30
UMA EXPERIENCIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DENTRO E FORA DA
ACADEMIA............................................................................................................................41
UM COLETIVO DE LEMBRANÇAS.................................................................................48
REFERÊNCIAS......................................................................................................................49
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APRESENTAÇÃO
Este memorial relata minha trajetória nas Artes Cênicas entre os anos de 2008 e 2018,
contemplando três áreas: a passagem por grupos de teatro de Areia Branca (RN) e Natal (RN);
as experiências mais significativas dentro do Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN; e
por fim, minhas experiências como docente, obtidas durante o período de graduação dentro e
fora da universidade.
Aqui relato pontos específicos sobre minha trajetória em todos os grupos que
participei, desde os grupos amadores na cidade de Areia Branca, interior do Estado do Rio
Grande do Norte, até os trabalhos com grupos profissionais na cidade de Natal (RN),
descrevendo sobre as organizações dos grupos, suas atividades no período em que estive com
cada um e quais papéis assumi dentro desses coletivos, refletindo sobre cada experiência a
partir dos conhecimentos obtidos dentro da graduação.
Também discorro sobre a passagem por algumas disciplinas do curso de Teatro e
como tais vivências reverberaram em mim enquanto artista/aluno, no período entre 2015 e
2018, narrando de forma particular o que foi absorvido nas experiências acadêmicas, as
descobertas provocativas e interesses por métodos e estéticas teatrais que passei a carregar
comigo.
Por fim, relato minha trajetória enquanto docente em formação na área de Teatro e
quais espaços me proporcionaram uma experimentação mais relevante no ensino de teatro.
Tais espaços vão além dos quatros estágios obrigatórios ofertados dentro do curso, se
configurando como experiências que me dão prazer em ser professor, mesmo que ainda em
formação, e que contribuíram com meu trabalho enquanto docente e artista.
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UMA JORNADA EM TEATRO DE GRUPO
Os meus primeiros passos dentro do universo dos grupos de teatro1 até hoje
reverberam em mim de forma positiva. Essa experiência teve início em 2008 na cidade de
Areia Branca (RN), quando fui convidado para substituir um ator e participar da Cia.
Maritacacas de Artes Cênicas, coletivo que trabalhava com os cordéis regionais “O guarda-
chuva de prata” e “Do outro lado do véu”, do livro “Dez Cordéis Num Cordel Só”, do
mossoroense Antônio Francisco, e danças contemporâneas inspiradas no espetáculo
“Alegría”, do Cirque Du Soleil (1994; 2018).
A Cia. era coordenada pelo diretor Joab Leandro e composto por alunos do Ensino
Fundamental II da rede pública, que tinham interesse em fazer teatro de forma
amadora/independente. Esse meu primeiro contato com teatro de grupo me apresentou o
potencial de um trabalho artístico desenvolvido por pessoas diferentes, a magia de ver todo o
trabalho pronto (com música, iluminação, figurino etc) e o prazer que vem com o resultado
depois dos vários dias de ensaios.
Com meu olhar de hoje, enquanto concluinte do curso de Teatro da UFRN, percebo
que o modo de funcionamento da Maritacacas era hierarquizado, sendo o diretor a figura de
maior importância por ser ele o propositor, sem que houvesse uma participação coletiva ou
colaborativa dos demais integrantes na idealização e realização do projeto que participei.
Nesse sentido, vejo que a companhia se manteve em funcionamento apenas no período em
que o diretor Joab Leandro esteve presente, ou seja, na realização desse projeto, embora não
parecesse ser sua proposta a execução apenas deste trabalho. Permaneci como integrante
dessa Cia. até o fim das suas atividades, em 2009.
Refletindo, quase dez anos depois, sobre essa experiência, consigo identificar que a
Maritacacas se estruturava como um agrupamento, mesmo que isso não fosse intencional,
uma vez que a companhia funcionava em torno de um líder (o diretor) que reuniu os
integrantes, arrumou o espaço para ensaios, buscou recursos para a realização do projeto etc
(PINTANEL; OLIVEIRA, 2012). Além disso, é uma característica do agrupamento se manter
funcionando apenas por um determinado tempo, o que aconteceu com a Maritacacas
justamente por depender da presença do diretor.
Já com a Cia. Nossas Faces, a experiência foi diferente. Em 2010 me juntei ao grupo,
que trabalhava dentro das escolas públicas do município de Areia Branca (RN) por falta de
1 Não se faz necessário neste memorial analisar conceitos e diferenças entre grupo de teatro, companhia teatral,
coletivo, agrupamento etc, mas sim narrar minhas experiências em grupos teatrais e refletir sobre elas.
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uma sede própria. Um dos seus principais objetivos era criar espetáculos junto à escola que
apoiava o grupo para participar do Festival de Teatro da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte (FESTUERN), que era realizado no Teatro Municipal Dix-huit Rosado da
cidade de Mossoró (RN). O diretor e coordenador Carlos Júnior, junto com os componentes
do Nossas Faces, promovia também ações gratuitas nas escolas e ruas da cidade de Areia
Branca (RN) como forma de realizar uma ação social e cultural para a comunidade.
Embora a Cia. Nossas Faces tivesse um diretor, os demais componentes também
podiam opinar sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido pelo grupo, fazendo
apontamentos e dando sugestões que poderiam ser acatadas ou não, dependendo do interesse
do diretor do trabalho. Foi então que surgiu para mim o primeiro entendimento de que os
componentes, não só o diretor, poderiam ter voz. Isso permitiu que eu ocupasse aquele espaço
não apenas como integrante da companhia, mas também como sujeito que poderia contribuir
com o processo de criação para além do papel designado a mim no projeto.
O Nossas Faces, diferente da Cia. Maritacacas de Artes Cênicas, tinha um trabalho
mais aberto ao diálogo entre direção e os demais integrantes, já que o diretor proporcionava
esse espaço de troca de ideias e contribuição. É possível então concluir que o modo de
funcionamento da Cia. Nossas Faces era menos hierarquizado que o da Maritacacas, sem uma
divisão rígida entre as funções artísticas desempenhadas por seus integrantes, o que implicava
numa organização que proporcionava a participação colaborativa de todos na idealização e
realização dos projetos.
Nesse sentido, é possível dizer que a Cia. Nossas Faces se configurava como um
coletivo de teatro que trabalhava com a noção de teatro de grupo, uma vez que os projetos do
grupo prevaleciam sobre as vaidades e papeis individuais, os integrantes tinham interesse e
disponibilidade para executar ações em prol dos projetos, havia maturidade nas relações e
fluidez no diálogo entre todos, o que nos levava a trabalhar por uma maior durabilidade do
grupo (PINTANEL; OLIVEIRA, 2012; TROTTA, 2009).
13
Imagem 01: Espetáculo “Bonita, o amor de Lampião”, com Geisla Blanco, Allyerly Dantas, eu e outros em cena.
Foto: FESTUERN
Dentre os trabalhos desenvolvidos durante o período em que estive na Cia. Nossas
Faces, “Bonita, o amor de Lampião”, nos anos de 2011 e 2012, se destacou como o projeto de
maior produção do grupo, abordando o tema do sertão nordestino e do amor entre o
cangaceiro Lampião e Maria Bonita. Já o trabalho de maior circulação foi a esquete “A
construção do Fantasma”, nos anos de 2011 a 2014, inspirado no musical “O Fantasma da
Máscara”, que foi apresentado em escolas, comunidades, ruas e cidades vizinhas do município
de Areia Branca (RN), mesmo após o fim do grupo.
Imagem 02: Carla Cruz, Allyerly Dantas, Lidja Caroline e eu na esquete “A construção do Fantasma”. Foto: blog
Erivan Silva
14
Quando o diretor Carlos Júnior precisou se afastar da Cia. Nossas Faces após entrar na
graduação em Teatro da UFRN, abriu-se espaço para que algum dos integrantes do grupo
viesse a continuar o seu trabalho, porém por falta de alguém disposto a assumir o lugar de
diretor, o grupo foi se desfazendo até o fim das suas atividades, no ano de 2012. Com o
encerramento do trabalho do Nossas Faces e a necessidade de fazer teatro, alguns dos seus
integrantes migraram para outra companhia teatral, até então chamada Cia. Pouka Roupa, a
qual só passei a integrar meses depois.
A minha passagem pela Cia. Nossas Faces me proporcionou o primeiro contato com
um trabalho coletivo no teatro, em que os atores, diretor e demais integrantes se juntavam
para a realização de um projeto, tendo ideias para arrecadar dinheiro para compras de
materiais, construindo juntos cenários e figurinos para espetáculos, elaborando planejamento
etc. A dinâmica do grupo era positiva e agradável e até hoje me serve como inspiração, se
mantendo como um exemplo/referência de trabalho coletivo em minha trajetória.
A Cia. Pouka Roupa foi fundada na cidade de Martins (RN) pelo diretor Francisco
Nabô, que foi transferido para Areia Branca (RN) no ano de 2012 devido ao seu trabalho
como militar. Levando consigo o seu trabalho como artista, Nabô fez parceria com a Cia.
Nossas Faces para integrar o cenário cultural da cidade, já que do seu grupo tinha restado
apenas ele. Por meio dessa parceria, os integrantes do Nossas Faces tomaram conhecimento
da existência da Cia. Pouka Roupa.
Com a junção dos integrantes da Cia. Nossas Faces ao Pouka Roupa, esta companhia
passou a ter um bom número de pessoas para dar início aos seus próprios trabalhos na cidade
de Areia Branca (RN). A minha entrada no grupo se deu no início do ano de 2013 quando me
vi no desejo de continuar me descobrindo enquanto artista, passando assim a ter contato com
outra forma de fazer teatro. A companhia já se encontrava em processo de montagem do
espetáculo “Ah’Diabo”, que surgiu a partir de improvisações e experimentações cênicas
propostas não só pelo diretor, mas também pelos atores, durante o período de 2012 e 2013.
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Imagem 03: Geisla Blanco e eu em cena do espetáculo “Ah’Diabo”. Foto: FESTUERN
Com o passar do tempo, foram surgindo conflitos com o diretor Nabô devido aos seus
comentários sobre a vida pessoal dos demais integrantes da companhia, causando atritos e
constante distanciamento por parte dele das produções do grupo. Não raramente esse tipo de
impasse ocorre na trajetória dos que trabalham com grupos de teatro, uma vez que a
convivência constante aproxima as pessoas e faz com que surjam relações pessoais num
espaço que, de início, poderia ser (ou não) apenas de relações profissionais.
Esse tipo de situação levou outras pessoas a assumirem o papel de direção dentro da
então chamada Cia. de Artes Pouk Roupa, que já tinha expandido seu trabalho artístico no
decorrer dos meses, abrangendo além do teatro, a dança e a música. Eu assumi a direção da
Cia. de Artes Pouk Roupa no ano de 2014 para que o grupo não acabasse devido à ausência
do seu fundador e de outros componentes.
No período em que dirigi a companhia, entre 2014 e 2015, os trabalhos refletiam a
autonomia dos seus integrantes dentro das áreas artísticas que desejavam explorar (dança,
atuação, cenografia, música, dramaturgia etc). Enquanto diretor, criei um diálogo com a
Fundação Areia Branca de Cultura, além de projetos a serem desenvolvidos pelo grupo. Um
dos projetos foi a peça “As viúvas da cultura”, escrita e encenada por mim em 2015, que
abordava como tema a suposta morte da cultura da cidade e o lamento de suas viúvas, fato
que causou desconforto na classe política do município.
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Imagem 04: Espetáculo “As viúvas da cultura”. Foto: Arquivo pessoal
Essa experiência junto com a Cia de Artes Pouk Roupa foi significativa para mim
enquanto ator e diretor, no período em que fiz parte do grupo. Como ator, descobri outros
modos de criação de peças, que partiam do improviso até a concepção de uma dramaturgia.
Também fiz um experimento de trabalho energético e só me dei conta sobre o que foi aquela
experiência depois que comecei a escrever sobre o grupo neste Memorial.
Foi também na Cia. que atuei como diretor pela primeira vez e tive que aprender a
pensar e colocar em prática um projeto, tentar parcerias para produzir o espetáculo, pensar a
dramaturgia e a direção de atores, se tornando essa uma experiência muito interessante, pois
me permitiu dirigir aqueles que já dividiram cenas comigo.
No ano de 2015, ingressei no Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e me mudei para a capital, a cidade de Natal/RN.
Fatores como essa distância física que passou a existir entre eu, o diretor, e os demais
integrantes da companhia que permaneciam em Areia Branca, a falta de políticas públicas e
também de espaço para ensaios foram levando a Cia. de Artes Pouk Roupa ao seu fim, que se
deu no ano de 2016. Os demais integrantes tentaram dar continuidade às atividades, porém as
dificuldades encontradas foram maiores que a força de vontade deles, fazendo com o que se
extinguisse aquele que era o único grupo de teatro da cidade de Areia Branca.
Ainda em 2015, em Natal (RN), procurei integrar algum grupo de teatro, continuando
assim as minhas práticas coletivas. No mês de março do mesmo ano, o Grupo de Teatro
Eureka, que se formou dentro do curso de Teatro da UFRN, estava abrindo espaço para novos
integrantes que iriam compor o grupo e seu primeiro espetáculo profissional.
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O Grupo de Teatro Eureka foi criado no ano de 2014 pelos alunos do curso de
licenciatura em Teatro da UFRN Denilson David e Nathalia Christine, após trabalharem
juntos em criações de esquetes nas disciplinas de Encenação I, ministrada pelo professor Ms.
Makários Maia, e Encenação II, ministrada pela professora Ms. Laura Figueiredo. Gostando
do resultado dos trabalhos, resolveram juntos criar um grupo de teatro para continuar
produzindo projetos na área e assim ganhar espaço na cena cultural da cidade de Natal. Foi
então que tiveram a ideia de transformar uma de suas esquetes, chamada “Debaixo da Pele”,
criada na disciplina Encenação II do curso de Teatro, em um espetáculo.
O espetáculo “Debaixo da Pele”, dirigido por Denilson David, abriu uma seleção para
pessoas que tivessem interesse em integrar o grupo e sua nova empreitada na cena teatral da
cidade, dando espaço para seis novos atores, uma vez que o projeto já iniciava com diretor,
produtora e os atores que fizeram parte da esquete. Cheguei a participar da seleção, mas não
consegui através dela um espaço dentro do Eureka e do seu novo trabalho, entrando então em
um projeto de treinamento do próprio grupo que também estava começando no mesmo
período, chamado Base de Experimento Teatral, em que alguns alunos do próprio curso de
Teatro que faziam parte do Eureka ministravam oficinas abertas para alunos da UFRN e
comunidade externa que tivesse interesse em conhecer o fazer teatral.
Porém, após a seleção de elenco para o espetáculo “Debaixo da Pele”, alguns atores
abandonaram o projeto, dando espaço para que outras pessoas fossem recrutadas para fazerem
as substituições. Como eu não tinha passado na seleção no primeiro momento e integrei o
outro projeto do grupo, fui chamado para compor o elenco com mais três amigos, que também
não tinham passado na primeira fase. A partir do convite, deu-se início a minha jornada junto
ao Grupo de Teatro Eureka.
Iniciei os trabalhos no grupo no mês de abril de 2015 e já encontrei o espetáculo
“Debaixo da Pele” em fase de construção. O processo de criação desse espetáculo durou um
ano e oito meses, desde março de 2015 até a sua estreia em novembro de 2016. A construção
envolveu muitos ensaios, experimentos cênicos, estudos sobre o tema, criação de dramaturgia,
aulas de história, dança e música, escrita e inscrição em editais de captação que não
funcionaram, criação de festas, bazares e rifas para arrecadar fundos a fim de comprar
material para o projeto.
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Imagem 05: Patrícia Cezino, Arthur Araújo, eu, Firmino Brasil, Eduardo Leão, Allyerly Dantas, Talita Tâmara,
Janaína Silva, Taize Tertulino e Iasmyn Cavalcante no espetáculo “Debaixo da Pele”. Foto: Tito Idea
O espetáculo, dirigido por Denilson David, trazia um contexto histórico desde a
chegada dos negros ao Brasil até os tempos atuais, contando com mais de 20 pessoas na
equipe, se tornando o meu primeiro e maior projeto profissional até o momento. Esse
trabalho, que durou quase dois anos até sua estreia, foi o processo mais longo que participei,
em que em suas etapas improvisamos cenas e a partir delas surgiu uma dramaturgia e músicas
que foram tocadas e cantadas ao vivo durante o espetáculo. Para isso, tínhamos oficinas de
canto e percussão, além de aulas de dança e ritmos africanos/afro-brasileiros.
O espetáculo “Debaixo da Pele” se tornou o primeiro projeto profissional em que
participei de todas as etapas (pré-produção, produção e pós-produção), experimentando uma
nova estética (o teatro épico), e contribuindo para a construção do espetáculo desde a criação
de cena até a arrecadação de investimento através de festas, bazares e rifas, meios que
encontramos, além de editais, para arrecadar fundos que garantissem a confecção de figurino,
produção do cenário, compra de instrumentos, produção de materiais gráficos e até
pagamento de pessoal externo ao grupo (pessoas que contribuíram com a realização do
espetáculo), sendo essa uma vivência enriquecedora enquanto artista.
Além do “Debaixo da Pele”, o Eureka tinha também outros projetos dos quais
participei entre os anos 2015 e 2018, já que era função de todos os integrantes colaborarem
com os demais trabalhos do grupo, seja de forma direta ou indireta. A Base de Experimento
Teatral, da qual fui aluno em 2015, passou a ser coordenada por mim em 2016, em parceria
com os colegas de grupo Allyerly Dantas e Eduardo Leão, o que nos permitiu ministrar aulas
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de teatro para alunos de diversos cursos da UFRN e comunidade externa à universidade,
oferecendo oportunidade para aqueles que queriam conhecer o fazer teatral.
Imagem 06: Arte de divulgação da Base de Experimento Eureka. Foto: Eureka.
Participei também como produtor do Circuito de Teatro Escolar, um projeto de
extensão da UFRN que existia a partir de uma parceria do Eureka com o Grupo Popular de
Teatro – GPT, orientado pelo professor Ms. Makários Maia Barbosa, e o Núcleo de Arte e
Cultura – NAC da UFRN, sendo este projeto responsável por levar teatro das escolas para as
escolas, criando um intercâmbio entre as artes realizadas no ensino público e privado. Como
produtor, fiz trabalho de divulgação, seleção de espetáculos e esquetes, entrei em contato com
escolas, auxiliei os grupos que participavam do evento e organizei oficinas dadas aos
estudantes de Ensino Fundamental e Médio.
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Imagem 07: Arte de divulgação do 3º Circuito de Teatro Escolar. Foto: GPT/Eureka.
Já do espetáculo “Cambalhotas”, dirigido por Nathalia Cristine, participei criando o
cenário, ajudando o grupo a contar a história de uma trupe de circo que enfrentava a perda de
sua lona e a falta de patrocínio e apoio público para botar seu circo na estrada. Trabalhar com
a criação da cenografia foi um desafio enquanto artista, já que eu não tinha muita experiência
com a área, fazendo com que eu encontrasse dificuldades na execução, mas que, de certo
modo, me trouxe novos conhecimentos e se tornou uma experiência gratificante.
Imagem 08: Espetáculo “Cambalhotas”. Foto: Tito Idea
Também foi dentro do Eureka que tive meu primeiro contato com uma organização
jurídica dentro de um grupo de teatro. Em função de nos profissionalizarmos, criamos então
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um estatuto para abrir uma empresa e conseguir o CNPJ, para assim podermos nos inscrever
em editais que pediam tal requisito. Com a nova organização do grupo, além de ator, cheguei
a assumir a função de auxiliar de comunicação do Eureka, ajudando no trabalho com os meios
de comunicações e redes sociais.
As atividades do Grupo de Teatro Eureka infelizmente se encerraram no mês de
fevereiro de 2018, quando os integrantes e seus fundadores tiveram uma divergência de
opinião, causando atrito nas relações profissionais e pessoais, o que envolvia a forma como o
grupo se comportava em seus discursos e práticas. Uma das fundadoras, Nathalia Christine,
ainda quis dar continuidade às atividades do grupo, mas devido ao desligamento da maioria
dos componentes, não conseguiu manter os trabalhos.
O conhecimento que eu estava obtendo dentro da graduação, que corria
concomitantemente, se tornava mais claro quando era colocado em prática e o Eureka se
tornou um espaço de experimentar as estéticas, técnicas e métodos aprendidos nas aulas. Com
o seu fim, me dei oportunidade de participar de outros grupos, o que não era possível quando
fazia parte do Eureka, e de experimentar desejos de criações pessoais, como também outras
funções do teatro como direção, dramaturgia e iluminação.
Outra experiência em grupo ocorreu ainda no ano de 2016, dentro do curso de
Licenciatura em Teatro, quando me juntei a seis amigos que tinham vontade de experimentar
alguns conhecimentos obtidos dentro das disciplinas. Foi então que surgiu o Coletivo Livre de
Atuadores Vivenciadores – CLAV em setembro do mesmo ano. Eu e meus colegas tínhamos
desejo de pôr em prática os conhecimentos nas áreas de estudos que cada um estava se
interessando na graduação, como textos, práticas corporais, estéticas teatrais etc. Assim, o
grupo foi se encontrando semanalmente para dividir experiências e inquietações, a partir de
um revezamento na condução dos encontros, Dessa maneira, cada um tinha seu dia de
conduzir e todos tinham a oportunidade de transmitir para os demais aquilo que gostariam de
experimentar.
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Imagem 09: Coletivo Livre de Atuadores Vivenciadores – CLAV, formado por Wanderson Alves, Thasio Igor,
Jason Gabriel, Irielly Letícia, Samuel Leon, eu e Yogi Brito. Foto: Arquivo pessoal
O CLAV chegou a desenvolver alguns trabalhos dentro das disciplinas do curso de
Teatro, como uma encenação da peça “A Tempestade”, de Shakespeare (2014), na disciplina
Teatro de Rua, ministrada pela professora Drª Nara Salles, apresentada em uma praça no
bairro Cidade Alta, centro de Natal. O coletivo também montou “Os sete gatinhos”, de Nelson
Rodrigues (2004), como resultado final da disciplina Dramaturgia II, ministrada pelo
professor Dr. André Carrico. Os exercícios feitos pelo grupo foram criados a partir do
coletivo, sendo essa uma das poucas experiências de criação coletiva que participei, tendo o
diferencial de que todos “dirigiam” e contribuíam com diferentes ideias para a cena.
Imagem 10: Apresentação da peça “Os sete Gatinhos” para disciplina Dramaturgia II. Foto: Arquivo pessoal
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Devido a outras atividades pessoais de todos os integrantes (como outras disciplinas,
bolsas de pesquisa/extensão, trabalhos etc), o coletivo teve cada vez mais dificuldade para
marcar encontros. Mesmo tendo planos para trabalhos mais elaborados, não conseguimos dar
continuidade às práticas de pesquisa e experimento, de modo que cada integrante foi
encontrando outros espaços para exercitar aquilo que lhes interessava pesquisar.
Outra experiência ocorreu em setembro de 2017, me juntei a uma colega de curso,
Thayanne Percilla, para dar início a um projeto que eu tinha em mente há anos, porém ainda
não tinha tido coragem para colocá-lo em prática. Ao ouvir minha ideia, Thayanne se
ofereceu para junto comigo escrever a dramaturgia da peça e posteriormente tentar montá-la.
Sentamos alguns dias para compartilharmos propostas de cena e diálogos dos personagens, os
possíveis conflitos existentes na peça, as referências para essa escrita dramatúrgica, e então
conseguimos finalizar o que seria o primeiro esboço da dramaturgia, escrita por nós dois.
Aproveitamos o entusiasmo com a escrita para começarmos a montar a peça e dividir a
direção, convidando alguns amigos para atuarem nesse projeto.
Esses são os primeiros passos do que iria se tornar o Grupo Interferências de Teatro,
nascendo do experimento de escrita e criação do espetáculo “Signinuei”, nome dado para a
peça que eu e Thayanne escrevemos, inspirada no filme “Singin’ in the Rain” (“Cantando na
chuva”, de 1952, dirigido por Stanley Donen e Gene Kelly). Sem pensar na possibilidade de
criarmos um grupo juntos, naturalmente ele surgiu, em outubro de 2017, primeiro pelo projeto
que criamos, depois com a escolha de um nome que nos associasse ao nosso projeto e, por
fim, pelo desejo de continuar criando outros projetos juntos.
O Interferências se tornaria um outro espaço para experimentar, seja dramaturgia,
direção, iluminação, produção, cenografia etc, em processos muitas vezes colaborativos,
abertos para o debate sobre as ideias e propostas de seus integrantes. Além de Thayanne e eu,
em fevereiro de 2018 outro amigo, Jason Gabriel, se juntou a nós, sendo ele um dos atores
convidados para a montagem do “Signinuei”. Assim, o Grupo Interferências de Teatro se
constitui hoje como um trio que se mantém pela livre experimentação do fazer teatral em suas
diversas áreas.
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Imagem 11: Geisla Blanco, Abner Souza e Jason Gabriel em ensaio da peça “Signinuei”. Foto: Arquivo pessoal
Em pouco mais de um ano de atividade, o Interferências tem a peça “Signinuei” já em
processo final de produção, já pronta para a estreia, contando ela a história de uma praça em
uma noite chuvosa, quando a rádio da cidade tenta seguir sua programação normal,
interferindo (ou não) nas vidas dos transeuntes que por ali passam e a escutam. Outros dois
projetos vieram a ser construídos pelo grupo em 2018, ambos com direção e dramaturgia de
Thayanne Percilla, frutos de disciplinas do próprio curso de Licenciatura em Teatro da UFRN.
Nas disciplinas Dramaturgia III, ministrada pelo professor Dr. André Carrico, e
Encenação I, ministrada pelo professor Ms. Makários Maia, surgiram a dramaturgia e a
montagem da cena curta “Provisório”, que conta a história de duas irmãs que enfrentam uma
relação conturbada por conta do adoecimento psíquico de uma delas, projeto este que
participo como ator e, em parceria com Thayanne, criei a iluminação e a sonoplastia.
Atualmente o “Provisório” encontra-se em processo de montagem do espetáculo completo,
depois de ser aprovado na primeira fase do Edital Cena Processo da Funcarte/Prefeitura do
Natal.
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Imagem 12: Allyerly Dantas, eu e Tom Gomes na cena curta “Provisório”. Foto: Wallacy Medeiros
Já o outro projeto dirigido por Thayanne foi construído durante a disciplina de
Encenação II, ministrada pelo professor Dr. Adriano Moraes, e eu também participo dele
como ator, além de iluminador e cenógrafo. A peça, chamada “Maurício”, traz para a cena a
história de um sujeito que pode ser qualquer um, contando sua história, inquietações e perdas,
refletindo sobre as relações sociais, os espaços públicos, privados e as mídias.
O Grupo Interferências de Teatro continua em atividade, seus três integrantes mantém
uma forma de trabalho pautado no diálogo, pensando e criando juntos, ajudando e
experimentando outros papeis dentro da criação de um projeto. O grupo não tem uma
organização hierarquizada, mas os projetos têm seus idealizadores que os dirigem, contando, é
claro, com a colaboração dos demais integrantes, visando o amadurecimento de todos e de
cada proposta.
O trabalho realizado com o Interferências é inspirador por ser um grupo que deseja
experimentar o fazer teatral de acordo com a vontade dos seus integrantes, como por exemplo
o “Signinuei”, que era uma ideia minha e que, graças ao grupo, consegui pôr em prática, além
de ser uma oportunidade para estar novamente no lugar de diretor. Já no “Provisório”,
Thayanne se colocou em teste no que desejava trabalhar (direção e dramaturgia), me levando
a experimentar outros modos de criação e composição cênica enquanto ator. A peça
“Maurício” está sendo um desafio para os três integrantes, pois nos leva a trabalhar com outra
forma de se fazer dramaturgia e cena, de modo que nós três estamos experimentando agora
um novo processo de construção de espetáculo. Assim, o Grupo Interferências de Teatro se
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tornou um espaço diferente dos outros que estive, pois nele me coloco em teste, sem medo,
me dando o direito de errar, oportunidade que eu não tinha há muito tempo.
Ainda em minha jornada dentro do curso de Licenciatura em Teatro, tive o prazer de
participar da disciplina Pedagogia do Corpo, ministrada pela Professora Dra. Ana Caldas
Lewinsohn, na qual dei início ao trabalho que mais me cativou dentro da Academia: a criação
do espetáculo “Mata Sete”, inspirado em um conto recolhido por Câmara Cascudo (2014). A
partir da história, criamos um espetáculo com o uso de máscaras expressivas, produzidas a
partir da criação corporal dos alunos/atores, pensadas e confeccionadas por André Marcelino,
que estava sendo docente assistido devido à sua pesquisa de Mestrado no Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da UFRN.
Essa disciplina levou à criação do Grupo Boi Teodoro, coletivo de alunos que se
juntaram durante a disciplina para realizar apenas uma atividade, mas que acabaram
continuando a trabalhar juntos e formaram o grupo logo em seguida. Eu, junto com André
Martins, Arthur Araujo, Emerson F. Sousa e Jason Gabriel, continuamos desenvolvendo o
espetáculo “Mata Sete” e o trabalho com máscaras, já que todos nos encantamos com o
resultado do trabalho em grupo e do espetáculo.
Imagem 13: Grupo Boi Teodoro, formado por Emerson F. Sousa, André Martins, Arthur Araujo, eu e Jason
Gabriel. Foto: Wallacy Medeiros
O espetáculo, agora intitulado “Mata Sete Duma Vez”, conta a história de um alfaiate
medroso que, por acidente, mata sete moscas em uma só bofetada e, orgulhoso do seu feito,
faz uma placa com o nome “Mata 7”, pondo-a na porta de casa, o que faz que com todos
pensem que ele é o “cabra mais valente da cidade”. A partir daí, o costureiro vive o maior
“moído” da sua vida, recorrendo à sua astúcia e esperteza para provar que realmente tem
sangue no olho para dar conta dos perigosos serviços encomendados pelo mais temido coronel
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da região. Após a disciplina, convidamos André Marcelino para retomar o trabalho conosco e
melhorar ainda mais o espetáculo, que tinha sido criado em pouco tempo dentro do curso.
Imagem 14: Eu em cena no espetáculo “Mata 7 Duma Vez”. Foto: Wallacy Medeiros
O grupo e o trabalho já ganharam muitos elogios dos colegas e professores do
Departamento de Artes da UFRN devido à qualidade do projeto, que leva muita diversão e
curiosidade sobre o trabalho com máscaras para o público. O Grupo Boi Teodoro tem planos
para desenvolver outros projetos ainda com máscaras expressivas, área que mais me interessei
dentro do curso de Licenciatura em Teatro, buscando se aperfeiçoar ainda mais nesse grande
universo. Esse trabalho acabou sendo um dos mais prazerosos que tive nessa trajetória dentro
do curso, me levando a uma prática que pretendo continuar trabalhando e aperfeiçoando.
Minha mais recente experiência de coletivo teatral se dá na criação do Avante Grupo
de Teatro, no início do ano de 2018 por antigos integrantes do Grupo de Teatro Eureka. A
ideia de se juntar e continuar trabalhando se deu pelos bons resultados colhidos durante os três
anos de trabalho juntos dentro do Eureka, onde, independente das diferentes personalidades,
conseguimos executar bem os nossos projetos e construímos relações afetivas que muito nos
impulsionaram nas nossas vidas profissionais.
O Avante nasce da vontade de continuarmos juntos trabalhando em grupo, construindo
um diálogo ainda mais aberto e direto do que antes, para, assim, evitarmos futuras frustrações.
A proposta do grupo de início era estudar possibilidades para um “primeiro” espetáculo,
criado por esse novo coletivo, realizando encontros, lendo textos, dividindo ideias e, como
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não teríamos no próprio grupo alguém para se aventurar como diretor desse novo processo,
pensando em alguém externo que tivesse interesse em nos ajudar na direção.
Imagem 15: Avante Grupo de Teatro, formado por Arthur Araújo, eu, Allyerly Dantas, Clau Medeiros, Eduardo
Leão e Taize Tertulino. Foto: Rebeca de Souza
O grupo está em fase de construção do seu primeiro espetáculo, que está sendo criado
a partir de treinamentos pré-expressivos e improvisações, dirigido por George Holanda, que
aceitou o convite e se juntou a nós nessa empreitada, somando ideias e referências para o
nosso processo. O projeto até então não possui um nome, mas conta a história de um sertanejo
que tem a sensação de que algo ruim vai acontecer, enquanto sua mulher, que é carpideira da
cidade, não acredita nele. As figuras e textos surgiram a partir de pesquisas do grupo com
estímulos do diretor.
Como o Avante ainda é recente e todos já trabalharam juntos durante três anos, ainda
não há muito que falar sobre esse “novo” coletivo que faço parte, porém a experiência
continua sendo prazerosa junto a eles. Enfrentamos as dificuldades de sempre, como não ter
um espaço físico do grupo e nem recursos para construir os trabalhos da forma que
gostaríamos, porém sempre procuramos um jeito de fazer acontecer. Por isso estou com eles
nessa nova jornada.
E ao fim da graduação me encontro trabalhando em três coletivos, que embora o grupo
de teatro enfrente a dura realidade do fazer teatral no Brasil, sem apoio, patrocínio,
valorização e marginalizado, um fato difícil para todos os grupos, insisto em resistir em
coletivo, ao lado dos meus, que compartilham comigo seu desejo, o de fazer arte,
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independente da dificuldade. Isso me encoraja, me faz continuar, e é devido a esses trabalhos
e pessoas que continuo aqui, fazendo o que acredito, fazendo o que sou.
Essa é minha trajetória junto a grupos teatrais nesses últimos dez anos, muitos
trabalhos feitos, conhecimentos adquiridos, muitos companheiros de estradas, muita luta e
resistência para esse trabalho tão árduo, mas prazeroso. Os conflitos e brincadeiras que
presenciei nesses vários grupos permanecem na minha memória, fazem parte de quem sou
como artista/sujeito, e como procuro levar a vida, tanto pessoal como profissional. E esse
fazer teatral em grupo é o mais gostoso para mim, desde o primeiro grupo até hoje, essa
partilha de ideias e criações é o que torna o trabalho mais belo.
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A EXPERIÊNCIA DO CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO DA UFRN
A minha trajetória na Academia se inicia no ano de 2015 quando fui aprovado no
Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, o que me levou a abrir mão da vida em Areia
Branca (RN) para me mudar para Natal (RN). Na capital do RN eu passaria, no mínimo,
quatro anos, deixando para trás a família, alguns amigos, o grupo de teatro que participava e
um trabalho na indústria salineira, para assim construir uma nova história em outro lugar,
ainda que carregado de incertezas.
Aqui, relatarei as experiências significativas que tive dentro da graduação em Teatro,
etapa da minha vida em que disciplinas e criações, independente do período letivo, me
trouxeram desafios e felicidades, sensações essas que me motivam a fazer teatro desde minhas
experiências amadoras do interior, onde a brincadeira, a criação, o jogo e o trabalho em grupo
prevaleciam sobre qualquer estética e burocracia que existe no teatro, mesmo que não
tivéssemos clareza, na época, desse modo mais técnico e conceitual do fazer teatral.
A entrada na universidade trazia desafios que eu não estava totalmente preparado para
enfrentar, mas ainda assim eu estava aberto ao conhecimento e a esses novos modos de
produzir arte, que não seriam mais aqueles feitos por mim de forma amadora, sem conceitos e
estética que norteiam o trabalho, e que agora fariam parte do meu “novo” jeito de fazer teatro.
Porém, eu entrava no curso imaginando que o prazer em fazer teatro permaneceria durante a
minha graduação como era antes dela, mas não foi o que aconteceu.
Muitas disciplinas trouxeram formas de fazer teatro baseadas em regras, conceitos e
técnicas extremamente necessárias e importantes para meu trabalho enquanto artista, porém
não eram facilmente absorvidas por mim. Somente com o passar dos semestres, e após
colocar algumas dessas “formas de fazer teatro” em prática, que comecei a entender melhor os
assuntos trabalhados nas aulas. Assim, sempre que possível eu tentava executar ou mesmo
procurava assistir algo sobre o que vinha aprendendo, para ter uma melhor compreensão dos
conteúdos. Foi assim que comecei a descobrir outros prazeres dentro do fazer teatral após
entrar na graduação.
Algumas disciplinas e experiências acadêmicas reverberaram em mim de forma
positiva e, mesmo com as dificuldades do percurso ou mesmo as dúvidas, posso dizer que
tornaram minha passagem pelo curso marcante, até hoje me acompanhando para que eu
desenvolva um trabalho melhor. Algumas matérias me ajudaram a compreender o meu limite
corporal e vocal, ajudaram também no resgate de memórias, me mostraram estéticas que eu
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não tinha conhecimento e que existiam outras áreas do teatro que eu me interessaria, como
iluminação, dramaturgia, figurino etc.
Uma dessas disciplinas foi Expressão Corporal I, ofertada no primeiro período do
curso, ministrada pela professora Ms. Carla Martins, que era docente substituta na área de
Atuação e Expressão Corporal. As aulas aconteciam às sete horas da manhã, e foi um dos
meus primeiros contatos com o trabalho do corpo do ator e os meios de treinamentos
energético e pré-expressivo, descobrindo exercícios e técnicas que me surtiram interesse, não
pelo desgaste físico que causavam, mas sim pelas imagens que surgiam a partir de cada aula.
Além do trabalho físico exaustivo, a disciplina também trabalhou com partituras
corporais, construções corpóreas poéticas, movimento, música e palavra, além do trabalho em
coletivo. Um dos primeiros exercícios foi a construção de partituras corporais criadas em
duplas, relacionando som e movimento, e uma frase que servia como estímulo para a turma:
“Há silêncios que despertam”, atividade essa que realizei com Thâmara Monique na qual
desenvolvemos um diálogo para a criação poética e partiturada, gerando um bom resultado e
uma boa lembrança. No fim da atividade, toda a turma se juntou para realizar uma só
apresentação, dividindo os momentos entre as duplas e momentos em coro.
Imagem 16: Turma de Expressão Corporal I, 2015.1. Foto: Arquivo pessoal
Após esse primeiro momento, a turma foi trabalhar com o texto teatral “Bodas de
Sangue”, de Federico Garcia Lorca (2009), que conta a história de um triângulo amoroso,
famílias rivais e maldições, para construir um trabalho itinerante contando várias versões e
recortes da obra. As escolhas dos personagens partiram de um laboratório e da vontade de
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cada um, como com quem você construiria a cena e qual parte da história seria contada pelo
grupo. O resultado final teve duração de duas horas, usando vários espaços, tanto internos
como externos, do Departamento de Artes da UFRN.
Imagem 17: Apresentação do “Bodas de Sangue”. Foto: Arquivo pessoal
O trabalho corporal é uma área que me interessa, em especial pela poética que o corpo
é capaz de criar, a relação da palavra com o movimento, o estímulo para criação de partitura e
trabalho em coletivos. Essa experiência que levarei para a vida profissional, como artista e
docente, busca incentivar e provocar o sujeito criador que venha a ser meu aluno, seja ele ator
ou não, para que consiga experimentar e descobrir os caminhos desta construção criativa
corporal.
Jogo e Cena I, disciplina ofertada também no primeiro semestre do curso, foi uma das
disciplinas em que mais me diverti, brinquei, criei e, não diferente das outras disciplinas,
descobri coisas novas do universo teatral. Uma aula com esse nome já fala um pouco sobre
como ela seria: os jogos de criação a partir da brincadeira, do lúdico, do faz de conta, e a
criação de cenas também a partir do jogo, tanto de improviso como imaginário, métodos que
eu já usava no meu fazer teatral amador, mas de forma inconsciente, sem estudo.
Essa aula me mantinha em um modo de fazer teatral prazeroso, a partir do jogo e
improvisação, brincadeiras, trabalho em grupo, que me lembrava do porquê de fazer teatro em
Areia Branca, com meu amigos, e dos resultados que surgiam dessa junção de pessoas
pensando e criando juntas. O trabalho em grupo era o que me cativava no teatro, para além da
construção de um produto, e esse processo que se fazia presente dentro dessa aula, mas
infelizmente ele não acompanhou o restante do curso.
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O professor Dr. Robson Haderchpek incentivou a prática do jogo como processo de
criação, além de tentar despertar o trabalho grupal entre a turma, utilizando avaliações onde
todos dependiam de todos, tudo ou nada, paciência e atenção, estimulando uma união
constante entre os alunos. Foi nessa disciplina também que começamos a desenvolver o
primeiro passo do que seria dar uma aula/oficina em que, a partir do livro “Um ator errante”,
de Yoshi Oida (1999), um grupo se utilizaria de um capítulo como estímulo para criar uma
aula e ministrá-la para os demais colegas.
Foi dentro da disciplina que também apareceu o primeiro contato com o “teatro ritual”,
onde trabalhamos os quatro elementos da natureza: terra, água, fogo e ar, e a partir deles
criamos cenas, em grupo novamente, para posteriormente apresentá-las para a própria turma.
Era através de quatro laboratórios, cada um de um elemento diferente, que chegávamos a
experimentar os quatro elementos para, depois, de acordo com o elemento que cada um teria
se identificado, criarmos grupos para desenvolver um trabalho cênico final.
Imagem 18: Resultado final da disciplina Jogo e Cena I. Foto: Arquivo pessoal
Uma experiência que durou quase cinco meses e que a turma, com seus vinte alunos,
deveria estar em sintonia, constantemente unida e procurando evoluir junto, como deve
acontecer em um grupo de teatro. Essa conexão entre os sujeitos e os projetos é particular de
cada processo/coletivo, porém a ideia é que todos tenham objetivos parecidos para, assim,
desenvolver de modo sadio e coletivo um bom resultado.
Já no segundo semestre de 2015, as disciplinas Expressão Corporal II e Jogo e Cena
II, ministradas pelo professor Ms. Maurício Motta, não estavam surtindo prazer e muito
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menos segurança, como no semestre anterior, talvez devido à metodologia do professor que
ministrava as disciplinas. Não foram experiências que geraram estímulos de criação, pois as
informações que chegavam não pareciam claras para mim e nem para a turma, pelos relatos
dos colegas na época, diferente das experiências obtidas nas matérias passadas. Conteúdos
interessantes que, infelizmente, se perderam no decorrer de cada aula.
Porém, ainda no mesmo semestre, estava sendo ofertada a disciplina Atuação I,
ministrada por Carla Martins, que trabalharia o Teatro Realista a partir de métodos
stanislavskianos a partir das peças “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, “Um bonde
chamado desejo”, de Tennessee Williams, “Beijo no asfalto”, de Nelson Rodrigues (2012),
“A gaivota”, de Anton Tchekhov, e “Gota D’água”, escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes
(1975), sendo esse nosso material de estudo e de criação das ações físicas e cenas.
Torna-se um pouco complicado produzir um espetáculo dentro de uma disciplina
devido ao tempo curto de aula e particularidades de cada aluno envolvido, além do trabalho
desenvolvido nem sempre conseguir ser concluído com “qualidade”, também por conta dos
imprevistos que surgem. O primeiro momento da disciplina foi dividido em duas etapas,
sendo elas a composição de cena em grupos e criação de ações físicas, ambas baseadas em um
dos textos que o coletivo teria se interessado. O grupo que participei escolheu a peça “Beijo
no asfalto” (2012) e a partir do texto, criamos uma esquete como forma de avaliação. O
segundo momento foi a criação do espetáculo “Gota d’água” (1975), produzido por toda a
turma, havendo revezamento de personagens entre colegas.
No período de execução desse espetáculo tive um bloqueio que não me permitia criar
cenas e construir meu personagem, dificultando o meu rendimento junto aos colegas de turma.
Eu havia pegado o personagem Egeu, o mestre de oficina e “líder” comunitário, um senhor
conselheiro que eu não conseguia dar vida com meu corpo, mesmo tendo clareza dessas
características. Então decidi conversar com a professora, que me acalmou e ajudou a dar o
primeiro passo nessa construção, como tentar entender o personagem com mais calma,
experimentar outras coisas com o corpo/voz e usar o que me bloqueava ao meu favor,
ressignificando minhas dificuldades. A partir daí consegui construir com mais tranquilidade
minhas cenas e até ajudar os colegas que dividiam cena comigo.
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Imagem 19: Espetáculo “Gota d’água”. Foto: Arquivo pessoal
Mesmo com as dificuldades no processo de criação, tanto individual quanto da turma,
o resultado me deixou feliz uma vez que, após as dores de cabeça, o processo foi ficando
prazeroso e desafiador, se tornando uma experiência que até hoje me atravessa. As questões
que me travaram, a mediação da professora com minha dificuldade, as relações criadas na
disciplina, me fizeram pensar, depois de algum tempo, que eram situações normais de
qualquer processo, seja ele amador, profissional ou acadêmico, e que eu já havia
experienciado momentos parecidos dentro do meu trabalho com os grupos de Areia Branca
(RN).
Dentre as disciplinas de Cenotec que participei, a de Iluminação, ministrada pela
professora Ms. Laura Figueiredo, foi a que mais me identifiquei, mesmo que tenha sido
totalmente teórica devido à interdição do Teatro Laboratório do Departamento de Artes no
período de 2016.1, fazendo com que a matéria não tivesse sua carga horária prática totalmente
cumprida. O único momento prático da disciplina aconteceu através de uma visita ao Teatro
de Cultura Poupar – TCP, organizado pela professora, sendo este o único teatro público aberto
em Natal (RN) na época e no momento presente.
Mesmo com esses empecilhos, Laura Figueiredo conseguiu ensinar de forma clara a
teoria da iluminação cênica, que me surtiu muita curiosidade, se transformando em uma
vertente da área técnica que sempre procuro experimentar, principalmente dentro do Grupo
Interferências de Teatro, onde encontrei espaço para isso. Porém, sempre que possível tento
ajudar/opinar na criação da iluminação em todos os projetos que participo, como uma forma
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de exercitar os conhecimentos que já tenho na área e aprender novas coisas com outras
pessoas.
Outra disciplina relevante dentro do curso de Teatro foi Atuação III, que trabalhava
“teatro ritual”, seus elementos e a dramaturgia do encontro, também ministrada por Robson
Haderchpek, porém não me trouxe prazer pela estética, que particularmente não é minha
preferida, mas sim pelas imagens e memórias resgatadas no decorrer do semestre, relações
que criei comigo mesmo e uma construção que até hoje também me atravessa de forma
positiva.
Após um longo percurso através dos elementos da natureza e treinamentos pré-
expressivos, encontrei em mim memórias perdidas de uma infância não muito distante, de um
tempo simples. Lembranças que se tornaram especiais. Experimentamos corporalmente a
qualidade do movimento da água, elemento que pode mexer muito com as emoções, e a partir
daí a imagem de um pescador, a antiga profissão do meu pai, me veio à mente. Logo depois
me vieram recordações em que eu, ainda pequeno, estou à beira mar com meu pai, me
despedindo dele antes de sua partida para o alto mar.
Essa experiência vinda com a recordação me trouxe não só prazer, mas também paz.
Uma experiência única dentro desses quase quatro anos de curso, e que sou muito grato por
ela. Embora a disciplina não tenha sido de todo gratificante e, como disse, nela não é
praticado o tipo de teatro que prefiro, eu me dediquei e a cursaria novamente, me colocaria
nesse lugar de descoberta de outras possibilidades sobre a estética. Aprendi, no decorrer do
curso, que devemos experimentar um pouco de tudo, para só assim saber dizer o que
preferimos ou não.
Ainda no segundo semestre do ano de 2016 cursei a disciplina Dramaturgia III,
ministrada pelo professor Dr. André Carrico, o qual ensinou métodos de escrita dramatúrgica,
tendo como ênfase o Playwright, técnica usada nas criações de roteiros de filmes e novelas.
Pude então, através da disciplina, desenvolver, junto com Gefferson Araújo, uma dramaturgia
baseada em uma técnica específica, contando a história de uma escritora que perde a memória
e tem sua vida virada do avesso.
A matéria me trouxe uma boa experiência, um novo modo de ler uma peça teatral,
como um apreciador de dramaturgia, em que ponho em prática as fases de escritas indicadas
pela técnica, me ajudando na construção consistente do que seria um texto teatral. Cheguei a
usar tais métodos na escrita da peça “Signinuei” junto com Thayanne Percilla, utilizando o
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passo a passo como meio de criação, tantos dos personagens como dos diálogos, e pretendo
continuar fazendo uso do Playwright em futuros projetos.
Logo em seguida, no ano de 2017, cursei a disciplina Atuação IV, sendo ela optativa e
da grade de atuação, que é a área que me interessa dentro do curso, disciplina ministrada pela
Professora Dra. Melissa Lopes. A turma foi formada por pessoas que teriam integrado o curso
em anos diferentes, dos que entraram na graduação entre 2013 e 2015, sendo essa a turma
com o coletivo mais variado que vim a integrar dentro do curso, com mais de vinte e dois
alunos matriculados.
A variedade de pessoas envolvidas na disciplina proporcionou o encontro entre olhares
distintos de um fazer teatral dentro da Academia, uma vez que cada um teve experiências
diferentes ocasionadas pelas personalidades diversas e mudanças no decorrer do próprio
curso, como da grade curricular, dos professores etc. Foi uma grande junção de modos
distintos de executar um trabalho coletivo que envolvia, além da atuação, música e dança,
com o objetivo de criar um espetáculo do texto de Bertolt Brecht (2004), “A Opera dos Três
Vinténs”.
O trabalho teve seu início com uma fala de Melissa: “Eu não vou trabalhar atuação
com vocês. Vocês acabaram de passar por três disciplinas de atuação, agora é o momento de
pôr em prática.”, e assim a construção começou, com trabalhos de experimentos corporais,
animalescos e humanizados, a partir dos personagens que existiam no texto que seria
construído pela turma, juntamente com a formação de núcleos de cenas, já que havia muitas
pessoas na turma para poucos personagens, e uma reformulação da dramaturgia, que
precisaria ser reduzida devido ao curto tempo de trabalho que tínhamos.
Seguimos então para a fase de construção do espetáculo, sendo realizada no primeiro
momento uma defesa de personagens em que o ator/aluno escolheria até três personagens que
gostaria de interpretar e apresentaria uma cena de cada. A partir daí, Melissa dividiria os
personagens entre os interessados, havendo mais de dois alunos por personagem, devido à
quantidade de pessoas da turma. Em seguida, após a divisão dos personagens, fomos
organizados em núcleos de cena e, em coletivo, construímos as cenas com o texto já adaptado
e reduzido. As cenas, depois de criadas, eram apresentadas para a professora e ela fazia
observações em quais pontos poderiam melhorar, sendo esse o processo com todo o
espetáculo/cenas/núcleos.
No decorrer da disciplina, a turma teve várias dificuldades devido às ausências,
atrasos, à não realização de atividades, problemas para solucionar as cenas etc, o que acontece
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em qualquer trabalho de criação, causando transtornos e desânimos em alguns alunos e até
mesmo na própria professora Melissa, que quase na reta final pensou em desistir do processo,
pensamento que deve ter passado na cabeça de vários colegas. Porém decidimos, após esses
problemas, finalizar o espetáculo pelo duro trabalho que a turma teve juntamente com a
professora no decorrer do semestre.
Chegamos então à apresentação do trabalho, que depois dos conflitos e ensaios
intensivos, conseguiu estrear com êxito e qualidade. A repercussão do espetáculo foi uma
grande surpresa para toda a turma, que não esperava um resultado tão potente, positivo e
prazeroso, que fez com que o coletivo trabalhasse unido na reta final e, além de qualquer
coisa, se divertisse no momento da apresentação, como se aquele fosse o “melhor” trabalho
do semestre.
Imagem 20: Espetáculo “A ópera dos três vinténs”. Foto: Wallacy Medeiros
Essa experiência me proporcionou um olhar diferente dentro do curso, de como um
coletivo tem força para fazer acontecer, como também a sensibilidade da mediação da docente
perante os acontecimentos que surgiram na turma, além da força que ela teve para assumir a
falta de estímulo que sentiu no próprio processo de criação. Esse lado humano, que muitas
vezes deixados passar a vista, faz com que esqueçamos o quanto os professores também
podem se frustrar, devido aos contratempos que ocorrem nesse processo de construção dentro
de uma aula, e não ter respostas para as coisas que acontecem nesse percurso.
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Por fim, seguindo no histórico das disciplinas e processos acadêmicos desenvolvidos
em grupo no decorrer da Licenciatura em Teatro, relato a experiência naquela que salvou meu
curso: a disciplina Pedagogia do Corpo, ministrada pela professora Dra. Ana Caldas
Lewinsohn, juntamente com o docente assistido André Marcelino, no segundo semestre do
ano de 2017. Essa experiência artística e nova colhida dentro do curso é, dentre todas, a que
mais me atravessa até hoje por ter trazido um trabalho com o corpo poético na perspectiva de
Jacques Lecoq (2010), a máscara neutra e a expressiva, estéticas que eu ainda não havia
experimentado em nenhum momento desses anos fazendo teatro e que, particularmente, me
conquistou mais que qualquer outro trabalho ou estética do fazer teatral que eu teria
vivenciado até então.
A disciplina, além de trabalhar o coletivo, o corpo, a máscara e a brincadeira, ainda
utilizava o prazer como uma ferramenta de estímulo para o processo de criação, tudo o que
prezo dentro de um trabalho artístico. Além de proporcionar o espaço de troca entre os
colegas de turma e a criação de uma peça, a disciplina ainda teve um momento de oficina de
confecção de máscara, em que a turma toda participou e aprendeu os processos da construção
de máscaras expressiva.
As práticas em turma foram vivenciadas de forma descontraída, proporcionando a
todos os alunos a oportunidade de experimentar a máscara neutra e de relatar suas
experiências com ela (como era colocar a máscara, como percebiam o corpo etc), de modo
que se tornou essencial vivenciar esse momento de partilha entre os colegas de sala.
Esses pequenos depoimentos de sensações se tornaram comum para o entendimento
particular do sujeito que está em relação com o objeto máscara e foram fundamentais para
entendermos que mesmo com todos partindo de ações físicas idênticas em relação ao uso da
máscara (ver o horizonte, se despedir de alguém partindo num navio etc), os relatos e
cenas/exercícios se tornavam completamente distintos para cada um da turma porque cada um
vivenciava uma experiência diferente.
A proposta lançada para a turma era a criação de uma esquete/peça a partir de um
conto popular, que nesse caso foi “Mata Sete”, recolhido por Câmara Cascudo, e que a
máscaras expressivas seriam criadas através da nossa composição corporal a partir dos
treinamentos e estímulos lançados, como personalidades das personagens, ações,
improvisações etc. Após isso, André foi modelando na argila como seriam essas figuras,
dentro da estética de confecção que ele estava estudando para, partindo delas, criar as
máscaras.
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Imagem 21: Turma de Pedagogia do Corpo 2017.2. Foto: Ana Caldas Lewinsohn
Essa foi uma das metodologias de criação mais gostosas que já participei, uma vez que
partia do trabalho individual da pessoa e seguia com o processo de criação em pequenos
grupos, utilizando exercícios/jogos feitos com toda a turma e exercitando a autonomia do
sujeito, tanto como criador quanto como propositor. Esses espaços em que o aluno artista
pode propor e criar sem medo são essenciais para a sua formação, dando oportunidade em
experimentar e amadurecer suas ideias, como aconteceu com a turma no decorrer da
disciplina.
Os alunos se dividiram em três grupos para a construção cênica do “Mata Sete”, de
acordo com as disponibilidades de cada um, e a partir daí as várias versões de um mesmo
conto foram aparecendo. A professora ainda fez uma provocação aos alunos, propondo os
desafios que o personagem encontraria em cena, mas não deu resposta de como resolvê-los.
Foi aí que os resultados dos processos surgiram, criados pelos grupos, cada um mais
mirabolante que o outro, tornando a história ainda mais fantasiosa e teatral.
As experiências e resultados obtidos no decorrer da disciplina foram gratificantes, de
modo que até hoje realizo experimentos com máscara e apresento o resultado final da matéria,
junto com meus colegas de turma que acabaram se tornando colegas de trabalho. O Grupo Boi
Teodoro, que faço parte e relatei sobre ele no primeiro momento desse memorial, nasceu a
partir das vivências na turma de Pedagogia do Corpo, no final do ano de 2017, e do prazer do
trabalho com máscaras, que até hoje reverberam em nós como estímulo de criação e jogo.
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UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DENTRO E FORA DA
ACADEMIA
Aqui relato minha experiência como docente em formação, de forma objetiva, dentro e
fora do âmbito acadêmico, através dos conhecimentos obtidos dentro do Curso de
Licenciatura em Teatro da UFRN, postos em prática nos espaços que me surgiram nessa
trajetória, como as disciplinas de estágio, o Coletivo Livre de Atuadores Vivenciadores –
CLAV, a Base de Experimento Teatral do Grupo de Teatro Eureka e o Grupo de Teatro Boca
de Cena (RN), entre os anos de 2016 a 2018.
Mesmo com a entrada em um curso de licenciatura, em 2015 ainda não me via no
papel de professor, tendo até hoje dificuldade de me pôr nesse lugar, porém experimento as
possibilidades e procuro encarar possíveis desafios que me surgem. Essa prática da docência é
um processo delicado e particular do sujeito, e me ponho como exemplo desse processo que,
mesmo depois dessa escrita, ainda estarei exercitando, melhorando o meu referencial e
procurando me tornar um bom professor-artista, pois também me coloco nesse lugar do artista
que precisa de uma didática para executar suas práticas.
Essa minha experiência com o ensino-aprendizagem começa antes da disciplina
Estágio Supervisionada de Formação de Professores I – Teatro, em que colocamos em prática
o que aprendemos nas disciplinas de educação ofertadas no Curso de Teatro, como
Fundamentos Sociofilosóficos da Educação, Organização da Educação Brasileira,
Fundamentos da Psicologia Educacional e Didática. O primeiro espaço em que me coloco
como condutor de atividades, porém, é dentro do Coletivo Livre de Atuadores Vivenciadores
– CLAV, no qual experimentei exercícios/estéticas/treinamentos com meus colegas.
O CLAV, como mencionei anteriormente, surgiu em 2016 da vontade partilhada com
meus colegas de curso de ter um espaço para experimentar conteúdos passados em sala de
aula, sendo esse o objetivo principal do grupo. Mesmo sem bagagem como professor, me
coloquei em teste, aproveitando o local e as pessoas que participariam do exercício,
ministrando então uma aula trabalhando com o teatro ritual e o elemento água, inspirado na
disciplina Jogo e Cena I, dando estímulos para as composições que surgiram durante o
experimento. Após cada encontro, nos reuníamos em roda e falávamos sobre o que havíamos
experimentado, coisas que tínhamos gostado ou que poderiam melhorar.
Essa primeira experiência como ministrante foi interessante e prazerosa, já que eu
estava em um ambiente agradável, com pessoas acolhedoras e abertas para novas
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aprendizagens. Talvez por isso o trabalho tenha fluído, mesmo que eu estivesse um pouco
nervoso, surtindo um resultado satisfatório para esse primeiro momento. Aqui se inicia meu
processo de ensino-aprendizagem, dentro e fora da universidade, mesmo que de forma ainda
despretensiosa, como futuro professor de teatro.
Ainda no ano de 2016, quando fazia parte do Grupo de Teatro Eureka, me propus,
juntamente com Allyerly Dantas e Eduardo Leão, companheiros de grupo, a coordenar o
projeto Base de Experimento Teatral, espaço criado pelo Eureka para receber pessoas das
comunidades acadêmica e externa que tinham interesse em experimentar um pouco do fazer
teatral. O espaço foi criado para oferecer um ambiente gratuito em que as pessoas poderiam
fazer teatro e participar de oficinas com jogos teatrais, trabalhos físico e vocal, improvisações
e até de produção de esquete ou espetáculos teatrais, como o espetáculo “Cambalhotas”, que
surgiu do projeto.
Imagem 22: Oficina da Base de Experimento Eureka. Foto: Arquivo pessoal.
O meu interesse inicial em coordenar a Base era a oportunidade de dar aula para quem
gostaria de fazer teatro, mesmo que por um dia, e que não fossem colegas de turma ou grupo,
de modo que eu seria ministrante de oficinas para um público variado, que poderia ou não ter
tido algum contato anterior com teatro. Tivemos, nesse período, alunos que eram do curso de
Psicologia da UFRN, pessoas que futuramente viriam a ingressar no curso de Teatro,
professora de música formada, jovens de outros municípios que vinham para Natal só para os
nossos encontros etc.
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A Base de Experimento Teatral foi um ambiente que consegui, mesmo sem ter uma
experiência concreta como professor de teatro, transmitir um pouco do meu conhecimento,
escutar quais os interesses de cada um de fazer aquela aula, saber quais atividades mais
haviam gostado de fazer e suas perspectivas, caso tivessem. Mesmo sendo um lugar
interessante para se colocar como docente, com o passar do tempo, me senti fadigado, não
encontrando mais tanto prazer em realizar as atividades dentro do projeto, chegando a
abandoná-lo meses depois.
Durante o ano de 2017, me deparo com dois momentos que me ponho em sala de aula,
um como observador e outro como professor, durante as disciplinas Estágio Supervisionado
de Formação de Professores I e II, ofertadas a partir do 6º período do Curso de Licenciatura
em Teatro da UFRN, sendo elas orientadas pelos professores Dr. Jefferson Alves e Dra.
Karine Coutinho, com os quais tive acompanhamento supervisionado.
A realidade do ensino de Artes nas escolas públicas é um assunto muito delicado, já
que nem todas as escolas têm o ensino de artes integrado a sua grade de disciplinas, sendo
este o caso da primeira escola que estagiei. Temos ainda escolas em que não existe um
envolvimento maior da direção e do corpo docente sobre esta matéria, deixando-a em segundo
plano. Essas observações que faço surgiram das minhas vivências através do contato com
escolas do município de Natal (RN), em instituições que têm, em sua maioria, alunos de
classe média baixa.
No Estágio I me coloquei apenas como observador, como era a proposta da disciplina,
não podendo intervir na turma, aproveitando esse espaço para entender a dinâmica da escola,
dos professores e das crianças, suas realidades e comportamentos. Aproveitei esse Estágio I
para garantir futuramente o desenvolvimento de uma atividade dentro da instituição, no
Estágio II, mesmo sabendo que ela não possuía em sua grade uma disciplina de Artes. Porém,
a instituição tinha as práticas artísticas integradas às demais matérias e atividades realizadas
dentro do ambiente escolar, o que me proporcionaria uma experiência totalmente nova no que
se refere ao ensino de Teatro.
Então no Estágio II, realizado no segundo semestre do mesmo ano, na mesma escola,
tive a chance de me colocar no lugar de professor, junto com meu colega de turma Arthur
Araújo, acompanhando a turma do 4º ano vespertino, em que trabalhamos os jogos teatrais de
Viola Spolin (2001). A escola e a classe se abriram para nossa proposta, tonando essa
experiência bem sucedida, em que recebemos agradecimento dos alunos e elogios da
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professora e da coordenadora pelo trabalho realizado e pelo respeito que ganhamos das
crianças.
Essa foi uma experiência docente que surtiu bons resultados e aprendizados para mim
na posição de professor, com um trabalho em parceria com Arthur e a ótima orientação dos
professores da disciplina de Estágio. Embora eu estivesse apavorado em ter que ensinar para
crianças, tive a sorte de ter pessoas que me ajudaram a fazer um bom trabalho e assim
conseguir passar o conteúdo de forma clara e divertida, executando também os jogos de
maneira apropriada e segura.
No início de 2018, fui realizar minha experiência com a docência em Estágio III na
Escola Estadual Castro Alves, localizada no bairro de Lagoa Nova, no qual tive uma
experiência pouco agradável, devido a não realização do que eu havia planejado para o
semestre. Diferente dos estágios anteriores, nenhuma das relações que estabeleci nesta escola
funcionou bem, o diálogo com a coordenação/direção da escola foi frágil e a relação com o
professor, que embora fosse uma pessoa muito receptiva, não conseguia se estabelecer de uma
forma apropriada, de modo que isso prejudicou enormemente minha relação com os alunos.
O meu desempenho junto à escola foi negativo, já que a única intervenção que
consegui promover foi levar uma cena curta de Jason Gabriel, colega de turma e de trabalho
em grupos de teatro, oportunidade em que ele fez uma contação de história sobre um baobá
dentro da sua encenação “Algumas Histórias Abensonhadas”. Além dessa atividade, não
consegui desenvolver mais nada junto à escola e à turma, o que me deixou extremamente
desanimado e frustrado como professor em formação, me fazendo pensar sobre minha
passagem insignificante por aquela escola.
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Imagem 23: Apresentação da encenação “Outras Histórias Abensonhadas”. Foto: Arquivo pessoal.
A minha última experiência docente realizada fora da UFRN, até então, está sendo
com o Grupo de Teatro Boca de Cena (Natal/RN), coletivo composto por mulheres, em sua
maioria idosas, que fazem teatro de modo amador como uma atividade de lazer. Estando
juntas a mais de dez anos, o Boca de Cena costuma desenvolver trabalhos anuais com peças
de autores nordestinos que possuem textos mais cômicos, como Racine Santos e Lourdes
Ramalho, apresentando em teatros da cidade, escolas, associações comunitárias, outros
municípios, empresas, instituições filantrópicas etc.
Em março de 2018, uma das integrantes do grupo procurou a coordenadora do Curso
de Teatro Melissa Lopes em busca de indicação de algum aluno que poderia dirigir o grupo,
que havia ficado sem direção há alguns meses. Melissa me indicou para o trabalho, que passei
a desenvolver junto com Thayanne Percilla, que trabalha junto comigo no Grupo
Interferências de Teatro e tem interesse em direção teatral, além de ser especialista em
Geriatria e Gerontologia.
No primeiro momento, procuramos conhecer a história do grupo e suas integrantes,
bem como procuramos saber o que desejavam realizar no ano de 2018 para, assim, nos
prepararmos com antecedência para o que seria produzido junto com elas. O desejo do grupo
era produzir um espetáculo e estrear ainda no mesmo ano, um tipo de atividade já realizada
por elas, então perguntamos se eles teriam alguma ideia de texto.
Como elas não sabiam o que montar, eu e Thayanne nos colocamos como
dramaturgos, além de diretores do futuro projeto, inicialmente realizando jogos teatrais e
improvisações, sendo que esses exercícios eram uma novidade para elas, e posteriormente
levando os textos “Lisístrata”, de Aristófanes, e “Queremos Homens”, de autor desconhecido
(montado pela Cia. Nossas Faces em Areia Branca), como referências que tratavam de temas
levantados por elas durante os jogos.
Criamos então um texto para o grupo, chamado “Ateliê das Encalhadas” (nome
escolhido pelas próprias integrantes do Boca de Cena), que surgiu das imagens dos exercícios
e das referências dramatúrgicas, uma peça idealizada por Thayanne com as personagens
pensadas para cada atriz do grupo, de modo que cada uma tinha alguma característica da atriz
que a iria interpretar. Escrevemos as cenas separadamente, levando para elas uma a cada
semana para que experimentassem o processo de montagem de cena, de modo que, a cada
leitura feita pelo grupo, íamos modificando o texto para deixá-lo mais adequado a elas. Após
sete semanas, tinham em mãos uma dramaturgia completa, já experimentada pelo grupo.
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A construção do espetáculo teve a duração de cinco meses, tendo sua estreia em
setembro do mesmo ano. Nesse período de montagem, fomos incentivando o grupo a
trabalhar com um teatro mais realista e cotidiano, diferente das comédias realizadas pelo
grupo no passado em que não existia uma clareza estética. Ajudamos a compor todos os
elementos cênicos de forma simples e barata, com materiais do dia-a-dia, como o cenário de
uma casa, prático e fácil de carregar; um figurino com roupas cotidianas, construídas a partir
das personalidades das personagens etc.
Imagem 24: Agradecimentos após estreia do espetáculo “Ateliê das Encalhadas”. Foto: Grupo de Teatro Boca de
Cena.
O espetáculo se passava em uma casa simples e contava a história de três irmãs que
nunca conseguiram se casar, uma comédia de traições e confusões que buscava não destoar
tanto do que o grupo já trabalhava, ainda que o processo indicasse uma forma de trabalho
diferente da anterior. O grupo ficou muito satisfeito com o resultado e nós também, que
construímos o espetáculo de forma colaborativa, em que todas as integrantes contribuíram
com ideias tanto para a própria dramaturgia como para o cenário, a sonoplastia, o figurino etc.
Daremos continuidade a essa parceria em 2019 e buscaremos propor novas estéticas
para o grupo, como forma de expandir o conhecimento das integrantes para diferentes formas
de experimentar o fazer teatral. Nós também sempre indicamos peças que estão em cartaz pela
cidade, para que conheçam outros trabalhos e grupos e possam, assim, ampliar o repertório
sobre teatro que possuem.
Esse encontro com o Boca de Cena é a melhor experiência docente que tive no ano de
2018, pois encontrei um local, fora dos grupos que participo e da universidade, para dividir
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experiências e conhecimentos, e também ouvir histórias de aventuras teatrais que nunca
imaginei. Ainda estou amadurecendo meu método de dar aula e dirigir, mas é esse tipo de
espaço e experiência que proporciona outros olhares sobre esse amor pelo teatro, pela
vivência, pelo experimento sem medo e pelos espaços que confortam.
Todas essas experiências de um professor em formação foram de suma importância
para meu crescimento enquanto professor/artista. Os momentos positivos e negativos
proporcionaram olhares diferentes de como fazer ou não fazer algumas escolhas, trouxeram
perspectivas novas desse papel de professor que ainda me espanta, mas que me faz pensar no
quão prazeroso é poder compartilhar conhecimentos e ideias, dialogar com aqueles que param
para te ouvir, aprender junto com quem te ensina. É isso que faz parte do meu jeito de
educador/artista/humano.
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UM COLETIVO DE LEMBRANÇAS
Ao escrever esse memorial, me deparei com a quantidade e variedade de
experiências que tive nesses últimos dez anos, desde Areia Branca (RN), cidade em que
comecei minha vida artística, até o fim dessa graduação em Teatro na UFRN, na cidade de
Natal (RN), para onde me mudei há quase quatro anos. Não tinha noção da quantidade de
pessoas com quem já trabalhei, grupos que integrei, momentos que passei, mas percebi que a
maior parte dessas aventuras no teatro foram junto a um coletivo de pessoas que sonhavam o
mesmo que eu, e que nem todos conseguiram dar continuidade aos seus desejos de fazer arte.
Os trabalhos realizados em grupos fazem parte de mim enquanto artista e é assim que
vejo o teatro: várias vozes, ideias e dúvidas contando uma com a outra para obter respostas,
encontrar um caminho sem deixar ninguém para trás. Fiz e faço teatro por amor, tendo essa
arte como uma vocação que é o que sou, que me tira o sono e me dá paz, esse teatro feito de
resistência, por vários corações criativos e livres, ou presos. Dez anos trabalhando com
grupos, fechando uns e abrindo outros, assistindo uns e ajudando em outros, e é assim que o
trabalho coletivo vive em mim, quando estou lá de forma direta ou indireta.
A passagem pelo Curso de Licenciatura em Teatro não era um plano de vida, mas
aparentemente já fazia parte do meu percurso enquanto sujeito e artista, e através dele não sou
mais quem eu era há quatro anos. Os encontros com professores, técnicas e estilos de teatros
diferentes me ajudaram a compreender esse universo que é o fazer teatral, o amor de
transmitir conhecimento e manter o teatro como espaço lúdico, mas também de resistência, e
também o valor que o professor tem para uma sociedade mais empática e livre foram coisas
que aprendi a ver dentro do curso e as levarei para a vida.
Ponho-me hoje também como educador e profissional, como alguém que pode mudar
algo, ajudar, transmitir o que aprendi para aqueles que gostariam de aprender e não têm
oportunidade, como um doador de conhecimento. Usando das minhas experiências positivas e
negativas como um estímulo para ensinar e transmitir aquilo que aprendi com meus
professores, grupos e meus próprios erros, me reconheço então como professor de teatro.
Esse memorial é sobre meus erros e acertos, sobre minhas chegadas e partidas, sobre
quem eu era e quem sou hoje. Esse memorial é sobre mim, embora eu tenha mudado tanto
nesses anos – mas esse era o objetivo! Narrei aqui uma trajetória transformadora, em que um
sujeito amador procura se tornar profissional, por amor, dando um passo de cada vez, fazendo
teatro como se fosse apenas isso que soubesse fazer.
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REFERÊNCIAS
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TROTTA, Rosyane. Autoria coletiva. Olhares, São Paulo, n. 1, 2009, p. 52-59.