Download - Revista Em Movimento nº 1
EM MOVIMENTO | 125
Engenheiros em Movimento
2 | EM MOVIMENTO
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EM MOVIMENTO | 3
v.br
A FISENGE chega ao seu oitavo congresso nacio-
nal com conquistas e vitórias que confi rmam a
correção do caminho percorrido. Travamos com-
bates que garantiram acúmulo de forças e sólidas alianças.
Enfrentamos o conservadorismo e o atraso com a consistên-
cia de propostas e a coragem no confronto permanente de
idéias. Investimos nossos esforços em áreas que permitem
novos saltos de qualidade, com destaque para a área de
comunicação, coroada agora com um veículo de circulação
nacional, a serviço de nossas lutas e fóruns de debates.
Visando a produção de conhecimento, após o lançamento
dos Cadernos Fisenge, a FISENGE lança a revista
Em Movimento, um meio de divulgação de ações e projetos,
e, também, um instrumento de luta nos espaços políticos da
poderosa indústria da comunicação, a serviço dos trabalha-
dores e das forças progressistas.
O companheiro Márcio Pochmann, presidente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA, afi rma que a chama-
da “grande imprensa” somos nós, porque se somarmos a
quantidade de jornais e impressos que o movimento sindical
produz, chegaríamos a um cálculo que confi rmaria circula-
ção muito superior aos veículos das grandes empresas de co-
municação. O problema é que temos esse volume imbatível,
pulverizado e disperso. Falta-nos a capacidade de construir
um veículo de comunicação com amplas possibilidades de
UM VEÍCULO NACIONAL DE COMUNICAÇÃO
distribuição, com informação de qualidade, que possibilite a
refl exão e o entendimento da realidade política, econômica
e cultural que o país vive. Um veículo que possa, inclusive,
levar adiante a disputa pela hegemonia política e cultural.
A Fisenge tem uma história da qual pode se orgulhar, pauta-
da pela visão de futuro, em meio a um universo que prioriza
o individualismo, as relações pessoais e o fi siologismo. Na
década de 80 , engenheiros reunidos em sindicatos que hoje
integram a Fisenge venceram as eleições e derrubaram lide-
ranças conservadoras, inclusive servindo de base de apoio
para que os sindicatos majoritários também começassem a
virar o jogo. De lá pra cá muitas outras vitórias aconteceram
com conquistas históricas rumo a mudanças estruturais no
movimento sindical.
Com visão crítica e determinação entendemos que o lan-
çamento de um veículo de comunicação nacional garante
articulações, amplia áreas de infl uência, dissemina cam-
panhas e forma as bases. E, quem sabe, pode ser mais um
instrumento para, junto com outras entidades e categorias,
provocarmos algum avanço no grande debate do futuro da
comunicação sindical.
Olímpio Alves dos Santos
Presidente da FISENGE
>>EDITORIAL<<
4 | EM MOVIMENTO
FISENGE - FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS
Diretoria Executiva
Presidente – Olimpio Alves dos Santos - RJ
Vice-Presidente – Carlos Roberto Bittencourt - PR
Secretário Geral – Antônio Dias Vieira - MG
Tesoureiro – Roberto Luiz de Carvalho Freire - PE
Relações Sindicais – Paulo Cesar N. Granja - RJ
Diretor Executivo – Fernando Elias Vieira Jogaib - VR
Diretor Executivo – Ubiratan Félix Pereira dos Santos - BA
Diretora Executiva – Alméria Vitória Carniato - PB
Diretor Executivo – José Ezequiel Ramos - RO
Diretoria Executiva Suplente
Pietro Valdo Rostagno - ES
Rosivaldo Ribeiro - SE
Luiz Dal Farra - SC
Agamenon Rodrigues de Oliveira - RJ
Carlos Roberto Aguiar de Brito - PE
Marcos Ferreira Pimentel - BA
Ulisses Kaniak - PR
Valdemir Aparecido Pires - RO
Vicente de Paulo Alves Lopes Trindade – MG
Conselho Fiscal
Carlos Alberto Joppert - MG
Eduardo Medeiros Piazera – SC
Gilson Luiz Teixeira Néri - SE
Conselho Fiscal Suplente
Rogério Ramos - ES
Rolf Gustavo Meyer - PR
João Thomaz Araújo Ferreira da Costa - VR
Em Movimento é uma publicação da FISENGE
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.
Jornalista Responsável: Tania Coelho – Reg. Prof. 16.903
Redação: Eduardo Pacheco, Rodrigo Mariano, Mário Guerra. Colaboradores:
Rosane de Souza, Marlise de Cássia Bassfeld. Capa e Programação Visual:
Ricardo Bogéa; Fotos: J.R. Ripper, Arquivos dos SENGEs Paraná, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e Seagro S.C. Ilustração: Amorim (SENGE-PR); Impressão: Gra-
fittto; Tiragem: 5.000; Produção: Espalhafato Comunicação.Av. Rio Branco, 277
- 17º andar Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-009 Tel / Fax: (21) 2533-0836 /
2532-2775 [email protected] - www.fisenge.org.br
© É permitida e estimulada a reprodução desde que citada a fonte.
Expediente
Sumário
AGENDA SINDICAL
Direitos Sociais e
Desenvolvimento Sustentável
Pág. 5
FORMAÇÃO
O Novo Mundo do Trabalho e a
Formação do Engenheiro
Pág. 8
COMPROMISSO
O Sistema Confea/Creas e a
Responsabilidade Profi ssional
Pág. 19
DESENVOLVIMENTO
Cidades e Economia
Pág. 14
REFORMA SINDICAL
Contribuição ao Debate sobre a
Organização dos Engenheiros
Pág. 21
MORADIA
Engenharia e Arquitetura Pública
Pág. 27
IGUALDADE
Mulheres da Engenharia
Desafi ando as Relações de Gênero
Pág. 30
DEBATE
Direitos Humanos. Pouco a
Comemorar no Aniversário da
Velha Senhora Humanista
Pág. 34
EM MOVIMENTO | 5
>>AGENDA SINDICAL<<
Enquanto a Organização Mundial do
Comércio, o Fundo Monetário In-
ternacional e o Banco Mundial funcio-
navam como vetores da globalização,
a ONU procurava minimizar os danos
com uma série de conferências temá-
ticas nos anos 90, tratando de infância,
meio ambiente, população, direitos
humanos, gênero, desenvolvimento
social, habitação e alimentação. A sé-
rie foi concluída com a Conferência do
Milênio, que aprovou os oito Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio² com
metas para o horizonte de 2015.
Na Organização Internacional do
Trabalho, em junho de 1998, a Con-
ferência anual aprovou a Declaração
de Principios e Direitos Fundamentais
no Trabalho, destacando os direitos de
sindicalização e negociação coletiva,
a erradicação da discriminação – de
religião, raça, opção política e gênero
– no trabalho; eliminação do trabalho
forçado e do trabalho infantil. Um ano
depois, a Conferência de 1999 apro-
vou o conceito chamado de Trabalho
Decente, constituído por quatro eixos:
direitos sociais e legislação trabalhista;
emprego e rendimentos dignos; prote-
ção social e segurança no trabalho; e
diálogo social.
Na mesma época um movimento
em escala mundial contestava a globa-
lização nas ruas e mobilizava organiza-
José Olivio Miranda Oliveira¹
O discurso neoliberal já não consegue defender a globaliza-
ção como benéfi ca para todos nem a abertura comercial e a
fl exibilização de direitos como geradoras de empregos. A re-
alidade aponta na direção oposta. A aplicação generalizada
do Consenso de Washington em nossa região reduziu salários,
aumentou o desemprego e precarizou as condições de trabalho
e a proteção social.
¹ Coordenador para América Latina
e Caribe do Bureau de Atividades
para Trabalhadores da OIT
(ACTRAV), foi membro do Conselho
de Administração da OIT (1996-
2002), Secretário Geral Adjunto da
CIOSL (2002-2006), presidente da
CUT-Bahia (1984-1988) e membro
da Executiva Nacional da CUT
(1989-1994). Foi presidente do Sin-
dicato dos Engenheiros da Bahia,
entre 1981 e 1986, e participou do
movimento que levou à fundação da
FISENGE.
² Os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio:
1) Erradicar a pobreza extrema
e a fome;
2) Atingir o ensino primário
universal;
3) Promover a igualdade de gênero
e a autonomia da mulher;
4) Reduzir a mortalidade infantil;
5) Melhorar a saúde materna;
6) Combater o HIV/AIDS, o impalu-
dismo e outras enfermidades;
7) Garantir a sustentabilidade do
meio ambiente;
8) Fomentar uma aliança mundial
para o desenvolvimento.
6 | EM MOVIMENTO
ções e grupos sociais para pressionar as
cúpulas da ONU e outras reuniões do
sistema multilateral, consolidando uma
articulação global da sociedade civil.
Depois de muita perplexidade, incon-
formismo e mobilização, tem início
uma fase de busca de alternativas com a
inauguração do Foro Social Mundial de
Porto Alegre, em janeiro de 2001.
Compreendendo a importância da
iniciativa, algumas organizações sin-
dicais nacionais e internacionais par-
ticiparam do primeiro FSM enquanto
outras mostravam ceticismo diante da
proposta. Na segunda edição do FSM,
em janeiro de 2002, o movimento sin-
dical internacional buscou uma atua-
ção articulada, patrocinando atividades
sobre temas como o Trabalho Decente
e organizando um encontro para coor-
denação dos sindicalistas, denominado
Foro Sindical Mundial, sempre na vés-
pera do FSM.
Nas edições seguintes do FSM em
Porto Alegre, Mumbai e Nairobi, os
sindicatos participaram das mobiliza-
ções sociais com identidade própria e
construíram alianças para atingir ob-
jetivos comuns. Com algumas diferen-
ças, o movimento sindical internacional
apresentava sua agenda, defendendo as
Normas e a própria Organização Inter-
nacional do Trabalho, ameaçada de ser
transformada em simples agência de co-
operação técnica.
Desde a fundação da OMC que o
movimento sindical internacional de-
fende a introdução de uma cláusula so-
cial, para garantir a aplicação universal
das normas e cumprimento das legisla-
ções trabalhistas, que foi recusada pelos
países em desenvolvimento do mesmo
modo que a cláusula ambiental. De um
modo geral, cláusulas que impliquem
sanções em acordos comerciais, trata-
dos bi ou multilaterais, e processos de
integração regional não são aceitas. Há
uma reação automática dos países em
desenvolvimento, alegando protecionis-
mo disfarçado, que deve ser levada em
conta pelos movimentos sociais.
É cada vez maior a consciência so-
bre os danos provocados ao meio am-
biente pela produção industrial. Antes,
o custo menor de produção justifi cava a
degradação da natureza e a conta fi cava
para as gerações futuras. Agora, além de
limitar a degradação, obriga-se a incluir
os custos da sustentabilidade ambien-
tal. No Brasil, temos vários organismos
para aplicar com rigor a legislação cor-
respondente, como o IBAMA, as secre-
tarias estaduais e o Ministério do Meio
Ambiente.
Claro que os ambientalistas não es-
tão satisfeitos e alertam para os perigos
de um aquecimento global, mas hoje em
dia ninguém vê uma chaminé largando
fumaça como símbolo do progresso,
como acontecia umas poucas décadas
atrás, e as crianças aprendem sustentabi-
lidade ambiental na escola e se preocu-
pam com o futuro do planeta.
Do mesmo modo, a exploração glo-
balizada deixa uma conta enorme para
as populações que sofrem os efeitos e
pagam com jornadas maiores, salários
mais baixos, informalidade e inseguran-
ça. Essa conta, muitas vezes deixada por
O fato de termos hoje na América Latina mais governos comprometidos
com uma agenda social não signifi ca que os sindicatos devem se contentar
com transferir quadros dirigentes para esses governos.
José Olivio Miranda Oliveira
EM MOVIMENTO | 7
>>AGENDA SINDICAL<<
multinacionais de outros paises, quase
nunca era cobrada pelos governos, in-
teressados em atrair e preservar investi-
mentos externos.
A sustentabilidade social deve fazer
parte de qualquer projeto de desenvol-
vimento desde a concepção. Dos três
pilares do desenvolvimento sustentável
o discurso neoliberal considera apenas
economia e meio ambiente, fi cando o
social como resultado automático do
desenvolvimento. Para destacar o pilar
social, há que pressionar os poderes, en-
frentar os interesses de empregadores e
inversionistas, disputar espaço na mídia
e conseguir o apoio da opinião pública.
Necessário ainda discutir os direitos
sociais na escola, tanto no ensino fun-
damental como nas universidades e nas
faculdades de direito, que apresentam as
normas da OIT na disciplina de direito
internacional, que é optativa ou com-
plementar. Como resultado, nem os ad-
vogados trabalhistas escrevem petições
nem os juízes apresentan sentenças com
base nas normas da OIT ratifi cadas pelo
país, que têm o mesmo status jurídico da
legislação nacional.
O fato de termos hoje na América
Latina mais governos comprometidos
com uma agenda social não signifi ca que
os sindicatos devem se contentar com
transferir quadros dirigentes para esses
governos. Quando maior a presença das
forças progressistas no governo, maior
o boicote dos conservadores que abrem
frentes de luta na sociedade civil e utili-
zam a mídia em seu favor para ganhar
corações e mentes para suas propostas.
Além de insistir na mobilização,
a prioridade é capacitar organizações
sindicais para enfrentarem os novos de-
safi os e pressionarem os poderes políti-
cos para institucionalizar mecanismos
permanentes de diálogo social, como
foros tripartites, conselhos econômicos
e sociais etc. A ação institucional deve
crescer apoiada na mobilização social.
O problema é global e exige atuação
nos espaços sindicais internacionais,
como a Confederação Sindical Inter-
nacional, a Confederação Sindical das
Américas e as Federações Sindicais
Internacionais. Além disso, pressionar
as organizações das Nações Unidas (a
OMC, o Banco Mundial e o Fundo Mo-
netário Internacional) para exigir o cum-
primento dos direitos trabalhistas e das
normas da OIT. Por fi m, unir esforços
com outras organizações da Sociedade
Civil Mundial, constituída em resposta
à globalização neoliberal.
Desenvolvimento sustentável e luta
contra a pobreza estão na agenda dos
governos e das organizações do sistema
multilateral. Países do Sul se articulam
na OMC e exigem o cumprimento da
agenda de desenvolvimento aprovada
em Doha, colocando em cheque o sis-
tema de subsídios dos países industriais.
Sindicatos e organizações da sociedade
civil, além de estudos sobre os impactos
do comercio no emprego³ , exigem uma
reforma da ONU capaz de introduzir
coerência no sistema, com respeito ao
meio ambiente e aos direitos sociais.
Hoje, a proposta de Trabalho Decente
conta com o apoio de importantes líderes
políticos, organizações de trabalhadores
e de alguns setores empresariais, e está
avançando nos foros internacionais.
Em setembro de 2005, a Conferência
das Nações Unidas adotou o Trabalho
Decente no parágrafo 47 do Documen-
to fi nal. Em julho de 2006, o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas
(ECOSOC) fez um chamamento à in-
corporação do emprego produtivo e do
trabalho decente em todas as políticas,
programas e atividades do sistema das
Nações Unidas, como forma de conse-
guir uma globalização justa e reduzir a
pobreza, na perspectiva do cumprimento
dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio.
A Conferência Regional da OIT para
as Américas e a equivalente para Ásia e
Pacífi co anunciaram em 2006 a coloca-
ção em marcha de programas para uma
década de trabalho decente em cada re-
gião, estabelecendo uma Agenda Regio-
nal apoiada em Programas Nacionais de
Trabalho Decente.
O Grupo dos Trabalhadores da OIT
é o instrumento que as centrais sindicais
dispõem para assumir seu papel de man-
dantes da OIT e participar das atividades
e programas, tanto em seus países como
em Genebra. O tripartismo não pode ser
resumido ao referendo das propostas
defi nidas previamente pelos governos e
exige a efetiva participação dos sindi-
catos e das organizações empresariais.
Organizações não governamentais não
substituem os interlocutores sociais,
principalmente nos foros que decidem
sobre emprego e relações do trabalho.
Os sindicatos têm um papel impor-
tante a cumprir na atual conjuntura de
retomada do desenvolvimento. Apenas
os aspectos ambientais do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) são
verifi cados previamente. Os sindicatos
precisam agir, pois a mudança não vai
acontecer por acaso. Há muito que fazer
e interesses a enfrentar para conseguir
que as prioridades dos trabalhadores
e trabalhadoras recebam o tratamento
que merecem.
Além de conscientes e preparadas
para exigir o pilar social da sustentabi-
lidade, usando os Programas Nacionais
de Trabalho Decente como instrumento,
as organizações sindicais devem pres-
sionar pelo controle e certifi cação social
dos programas de desenvolvimento, des-
de os planos diretores municipais até os
programas de governo em nível estadual
e federal.
³ Existe um estudo conjunto OIT - OMC,
de março de 2007, com o título “Comer-
cio y Empleo – los retos de la investiga-
ción sobre las políticas”, disponibilizado
no sítio internet: http://www.ilo.org/public/
spanish/support/publ/pdf/ilowtotrade.pdf
8 | EM MOVIMENTO
O NOVO MUNDO
DO TRABALHO
E A FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO
Apesar da proverbial resistên-
cia da Academia a infl uências
externas e da imensa inércia
dos sistemas escolares, algo
está mudando nos cursos de
engenharia em escala mundial,
tanto na defi nição de seus ob-
jetivos, quanto – et pour cause
– nos métodos pedagógicos.
Tentarei dar uma rápida visão
das mudanças no mundo do
trabalho que, gerando novas
demandas e exigências, estão
levando as escolas de enge-
nharia a reconsiderar seus
objetivos de formação, e daí a
experimentar novas metodolo-
gias pedagógicas, em especial
o aprendizado baseado em pro-
blemas (ABP) e o aprendizado
baseado em projetos (ABPj).
Thomas L. Friedman (FRIEDMAN
2005) cita dez “forças” e três “con-
vergências” que estão mudando o mun-
do. A primeira força resulta do fi m da
Guerra Fria, seguida do crescimento
econômico da China e da Índia e dos
chamados “tigres asiáticos”, da forma-
ção do bloco econômico europeu, e a
conseqüente perda da hegemonia econô-
mica norte-americana. Um mundo mais
aberto, com novos mercados e novos
competidores, novos locais de trabalho
Marcos Azevedo da SilveiraProfessor da PUC-RJ com larga experiência na
área de Educação em Engenharia.
(também para engenheiros), novos ne-
gociadores (falando de dentro de outras
culturas), menor regulamentação e uma
luta intensa em torno da diminuição
das tarifas alfandegárias e das políti-
cas protecionistas junto às instâncias
internacionais. A competição passou a
depender essencialmente do aumento
de produtividade e da diminuição de
preços. E se falamos de aumento de pro-
dutividade, falamos de engenharia. Esta
primeira “força” impulsionou a busca do
engenheiro fl exível, multicultural e com
visão de mercado.
A segunda força é representada pela
passagem de “uma plataforma de com-
putação baseada em PC para outra base-
ada em Internet” (FRIEDMAN 2005, p.
70). Passou-se de redes formadas a par-
tir dos contatos pessoais para uma rede
formada a partir de buscas na Internet, e
a trabalho em grupos ligados pela rede,
talvez instalados em seus home offi ces
(como eu, ao escrever este artigo). A co-
>>FORMAÇÃO<<
EM MOVIMENTO | 9
nectividade foi brutalmente ampliada e
o acesso à informação democratizado.
Uma mensagem para os engenhei-
ros é que trabalho intelectual, feito em
casa, para terceiros ou para sua própria
empresa, pode render mais que um em-
prego tradicional, com cartão de ponto e
férias garantidas: de emprego passou-se
a discutir trabalho. A competência valo-
rizada neste momento foi a de buscar in-
formação na rede (“surfar” na Internet)
e processar esta informação de forma a
torná-la útil para o problema a ser resol-
vido. Para processar rapidamente a mas-
sa de informações agora disponível é
preciso possuir a cultura técnica devida,
mas também a cultura geral necessária
para explorar o contexto e encontrar e
interpretar o que se precisa.
As empresas ponto-com realizaram
a transformação de emprego em traba-
lho para além das consultorias especia-
lizadas. Mas a produção material asso-
ciada classicamente à engenharia foi
pouco afetada. Isto é, apareceu “outra”
engenharia, quase inexistente há ape-
nas trinta anos, baseada em um trabalho
muito mais abstrato que o associado ha-
bitualmente à profi ssão.
A terceira força é representada pe-
los softwares de fl uxo de trabalho, mas
preferimos indicá-la por dois conceitos
essenciais: “conectividade” e “compa-
tibilidade”, quando aplicados a proces-
sos de trabalho, conectando-os e au-
tomatizando sua conexão: “coloque o
seu aplicativo a conversar com o meu”
(FRIEDMAN 2005).
Remete a um velho tema no estu-
do da produtividade: a dupla “modu-
larização” e “padronização”, agora em
nível mais abstrato. A padronização e a
modularização permitem o uso univer-
sal de peças e partes funcionais, como
parafusos, motores, máquinas de pro-
dução etc.; as vantagens da produção
em massa e da especialização produti-
va compensando o custo do transporte.
De peças e máquinas, como cartões de
computador, monitores, hardware em
geral; passou-se a dados e arquivos,
estes últimos contendo sistemas opera-
cionais, editores de texto e aplicativos,
isto é, software em geral.
Agora softwares conversam entre si
ao longo de seu trabalho. Estamos diante
de mais um nível de modularização e de
automação, que exige uma padroniza-
ção das comunicações entre programas
e uma padronização dos fl uxos de traba-
lho: “compatibilidade” é a palavra.
O custo do transporte é ínfi mo (pela
rede), todo trabalho repetitivo (trans-
formação de dados, por exemplo) pode
ser automatizado (através de um novo
software realizando a interface entre os
trocas e padrões a serem pensados no
momento do projeto do produto ou ser-
viço) e o processo de trabalho necessita
ser adaptado.
Teremos menos engenheiros desen-
volvendo os processos básicos – que
passam a ser “caixas pretas” para o res-
to da população (como os editores de
texto ou os programas que permitem a
telefonia móveis). Porém teremos mais
engenheiros trabalhando na adequação
e projeto de novos processos de traba-
lho, no desenvolvimento de novos pro-
dutos e serviços – as inovações – o que
os obriga a uma maior sensibilidade às
necessidades sociais.
O trabalho humano está mudando de
lugar, e grande parte do trabalho a ser
realizado por engenheiros está mudan-
do suas características. Mas cuidado: se
esta mudança afeta a maioria dos enge-
nheiros, não faz desaparecer totalmente
as atividades tradicionais desta profi s-
são. Sempre haverá engenheiros junto
aos processos fundamentais – trabalhan-
do em invenções tecnológicas e servi-
ços associados. Mas agora, salvo raras
exceções, estes postos de trabalho tra-
dicionais estão concentrados em poucas
empresas distribuídas mundialmente. As
funções exercidas por engenheiros atu-
almente estão exigindo um profi ssional
mais generalista, o que empurra as esco-
las de engenharia a dar menor relevância
ao que ocorre no interior das caixas pre-
tas. No entanto, não desapareceram os
engenheiros no chão da fábrica, ao me-
nos enquanto estas não forem completa-
mente automatizadas (já temos no Brasil
fábricas que não precisam de iluminação
ao longo da linha de produção...)
A quarta força é representada pelas
comunidades de colaboração que se
auto-organizam. Um exemplo é o “uplo-
ading”, onde o usuário alimenta a rede
com seus próprios conteúdos, eventu-
almente participando de comunidades
“virtuais” voltadas para o seu desenvol-
vimento e uso. São exemplos os códigos
abertos (como o Linux) e informações
bancos de dados, por exemplo), todo
produto ou processo já construído por
outra empresa pode ser comprado e agre-
gado ao processo original. A modulari-
zação permite distribuí-lo, concentrando
a produção de cada módulo na mão de
poucos especialistas. O trabalho intelec-
tual é efetivamente realizado um número
reduzido de vezes (tantas quanto forem
as empresas concorrentes), desde que
compatível com os sistemas em uso. A
conseqüência é a eliminação de trabalho
de forma mais radical que a realizada
pela produção em massa. Isto é, compa-
tibilidade com conectividade realmente
diminui o trabalho social necessário,
donde aumenta a produtividade; dimi-
nuindo os custos com o trabalho intelec-
tual (isto é, com folhas de pagamento) e
com o trabalho administrativo repetitivo,
desde que o custo associado à utilização
dos sistemas de comunicação e ao seu
gerenciamento seja sufi cientemente pe-
queno. Esta é a “nova economia”.
Este aumento de produtividade nem
sempre ocorre, porque, em troco, a com-
plexidade da operação aumenta (mais
“De emprego
passou-se
a discutir trabalho.”
10 | EM MOVIMENTO
abertas na rede (como a Wikipedia). Só
que agora a produção de conhecimento
aberto (típico da Academia) ocorre em
função da geração de valor, em uma si-
tuação onde o valor não é apropriado di-
retamente pelo produtor, mas distribuído
pela sociedade.
A quinta força é a terceirização, tão
atacada no contexto sindical brasileiro.
“As melhores companhias terceirizam
para vencer e não para encolher-se. Ter-
ceirizam para inovar com maior rapidez
e a custos mais baixos” (FRIEDMAN
2005, p. 333). A terceirização é a padro-
nização & modula-
rização no processo
de produção e co-
mercialização, cada
“módulo” empresa-
rial trabalhando onde
possui vantagem
comparativa. Aca-
baram as empresas
dominando vertical-
mente todo um setor.
Mesmo porque um
trabalho terceirizado
pode ser comum a
outros setores, a ter-
ceirização gerando
uma empresa com
maior volume de ne-
gócios e uma carteira
de clientes mais ex-
tensa que a seção es-
pecializada da antiga
empresa verticaliza-
da, donde menor o risco e maior a produ-
tividade. Esta estratégia gera o problema
do controle da cadeia de fornecedores
descentralizada (supply chain), que teve
sua solução no desenvolvimento das no-
vas técnicas de gerenciamento baseadas
na pesquisa operacional e na automação
(ver o controle de sistemas a eventos dis-
cretos, por exemplo). É a sétima força
citada por Friedman.
O trabalho de engenharia aqui é
evidente: adequar os processos de tra-
>>FORMAÇÃO<<
balhos; adequar os produtos de cada elo
(padronizando-os nos pontos de comuni-
cação); gerenciar os fl uxos de produção
de forma a que a cadeia funcione sem
tempos mortos ou gargalos; gerenciar a
produção de cada empresa para que ela
possa se aproveitar economicamente.
Claro, a maior parte deste trabalho,
se for muito simples, pode ser realizado
por administradores sem maiores conhe-
cimentos de programação matemática ou
outra técnica mais elaborada. Na realida-
de, grande parte das empresas construiu
sua cadeia de suprimentos e as técnicas
para manejá-las por etapas sucessivas,
aumentando a sua complexidade pouco
a pouco, de forma incremental. Em ge-
ral não possuem compreensão completa
do sistema, ou domínio de todos os elos
da cadeia. Assim não é estritamente ne-
cessário utilizar engenheiros e sua capa-
cidade de formalização e cálculo. Mas
também não será possível argumentar
sobre a qualidade da metodologia uti-
lizada, nem garantir novos ganhos de
produtividade em função de novas reor-
ganizações do processo de trabalho. Até
que um concorrente o faça...
A facilidade em buscar no exterior
as empresas terceirizadas, integrando-
as ao fl uxo de trabalho da empresa para
aproveitar as vantagens regionais (proxi-
midade de matéria prima, especifi dades
culturais, salários e custos mais baixos,
regulamentação mais fl exível), gerou o
fenômeno de cadeias de produção que
atravessam as fronteiras nacionais, atual-
mente denominado “offshoring”, a sexta
força de Friedman. A deslocalização dos
processos de trabalho leva à necessidade
de trabalhar em ou-
tros países, em meio
a outras culturas, ao
menos à necessidade
de negociar com ou-
tras culturas. A aber-
tura de mercados – e
seu aproveitamento
– reencontra esta
exigência. Para ven-
der para outro país
convém entender sua
cultura, e para proje-
tar os produtos a se-
rem comercializados
é preciso conhecer a
cultura local em pro-
fundidade.
A oitava força é
a externalização das
ferramentas inter-
namente desenvol-
vidas (inshoring),
onde um novo serviço (a ser vendido)
é criado a partir de sua própria expe-
riência, usando-a como um ativo a ser
aplicado a novas situações. Para este
“inshoring” é preciso que o profi ssio-
nal envolvido enxergue sua atividade
para fora dos limites de seu local de
trabalho, e seja capaz de adaptar-se (e
às suas técnicas) a novos ambientes.
No caso da engenharia, encontramos
de novo a necessidade de uma visão
generalista (onde toda aplicação é caso
Ilustração: Amorim
EM MOVIMENTO | 11
particular de uma estratégia geral e a
cultura técnica se expande para além
de uma dada especialidade ou de um
determinado campo de aplicação), de
uma atitude fl exível, e da capacidade
de comunicação e negociação.
A nona força é o poder da informa-
ção facilmente acessível. Como encon-
trá-la neste vasto, vasto mundo? Use o
Google, por exemplo. Ou o Yahoo, ou o
MSN, ou ....
Um fator essencial para o sucesso
– entenda-se a generalização do uso
- destas ferramentas informáticas é o
conceito de “interface amigável”. Frie-
dman não considerou este fator, talvez
por não compreender a difi culdade con-
ceitual e algorítmica que está por trás
das ferramentas informáticas que usa:
ele só as usa se a interface já é “amigá-
vel”. Esta difi culdade aparece em quase
todas as técnicas de organização, fer-
ramentas informáticas ou eletrônicas,
e em toda a infra-estrutura necessária
(redes etc.) O que permite o uso gene-
ralizado do Google ou de qualquer ou-
tro aplicativo é a facilidade de uso por
parte do usuário que entende o objetivo
mas não pretende entender a metodolo-
gia ou perder tempo estudando coman-
dos e procedimentos.
As interfaces amigáveis geraram, por
outro lado, uma incompreensão genera-
lizada do trabalho tecnológico necessá-
rio para fazer funcionar o mundo atual
– incompreensão partilhada por Frie-
dman, que só discute seus efeitos. Se é
tão fácil usar a nova tecnologia, por que
realizar tanto esforço para compreendê-
la? Segue daí o desinteresse pela carreira
de engenharia – e pelos estudos de in-
formática – assinalado em quase todos
os estudos sobre o assunto. Será que, via
“interfaces amigáveis”, as novas tecno-
logias exigirão apenas compreensão do
objetivo da estrutura e um treinamento
mínimo para a escolha das peças e o uso
das interfaces? Neste caso, a formação
de engenheiros especialistas – aqueles
que projetam e entendem as peças a se-
rem ligadas – seria inútil. Mas, se eles
não existirem, não serão desenvolvidos
novos tipos de peças... nem haverá pro-
fi ssionais com uma visão vertical de par-
te da estrutura tecnológica – e é o cru-
zamento destas visões que nos permite
traçar visões de futuro e tomar decisões
mais informadas.
A décima força, para Friedman, são
o que chama de esteróides: equipamen-
tos que facilitam a aplicação das de-
mais forças. O exemplo característico é
a aposentadoria dos fi os elétricos pelas
conexões sem fi o: o mundo wireless.
Passemos agora às convergências:
convergência de tecnologias (olhem o
que aconteceu com seus telefones celu-
lares!), convergência das novas tecno-
logias com as novas formas de atuação
(esta é a “nova economia”). São estas
ferramentas e este comportamento que
estão por trás das forças de cinco a oito,
possibilitando a sua existência. É o mo-
mento em que o senso comum e prin-
cípios gerais (como os evocados nos
cursos de administração de empresas)
não são mais sufi cientes para adminis-
trar a operação e o empreendimento. É
o momento em que as grandes questões
administrativas (estruturas, troca de in-
formações, suporte) passam a ser dis-
cutidas também pelos engenheiros, pois
as soluções são encontradas a partir de
uma maior formalização e de técnicas
de modelagem matemática. Lembro
que este engenheiro não deve ser um
profi ssional que apenas domina uma
coletânea de casos resolvidos; para esta
função basta um técnico, cujos salário e
formação são mais baratos, e cujas ex-
pectativas são mais reduzidas.
De um ambiente de trabalho cen-
trado na fábrica ou no escritório de
projetos, o mundo do trabalho foi enor-
memente ampliado, o que exige novas
competências, novos conhecimentos, e
novas atitudes. Daí aparecem pressões
sobre a escola de engenharia.
Novos objetivos
para os cursos de
engenharia
Se coletarmos as novas competên-
cias descritas acima, aparecerá uma lis-
ta extensa demais para ser atendida por
uma só pessoa (DA SILVEIRA 2005;
DUNWOODY et al 2006). Cada com-
petência é descrita como a capacidade
de articulação de novos conhecimentos
e métodos para resolver novos proble-
mas, percebidos pelo engenheiro a par-
tir de sua interação com a sociedade e
o mundo em geral. Esta interação, que
inclui a percepção dos impactos sociais,
econômicos e ambientais, exige novas
atitudes: abertura ao mundo, atitude em-
preendedora, caráter inovador.
As escolas de engenharia – mesmo
as voltadas para a pesquisa e desenvol-
vimento – preferem fechar-se no detalhe
técnico-científi co, que não lhes obriga
olhar para além de seus laboratórios (de
pesquisa ou didáticos) e de suas salas de
aula. Mas o mundo bate à porta. Como
equipar o ambiente de trabalho sem
novas fontes de fi nanciamento? Como
obter fi nanciamento da indústria sem
entender seus novos problemas (pois
os velhos problemas já foram resolvi-
dos)? Ora, os novos problemas não se
resumem a detalhes tecnológicos, mas
abrangem tudo que foi citado acima.
Boa parte das tecnologias que mudaram
nossa vida nasceram dentro das empre-
sas, só depois foram “transformadas” em
temas de pesquisa acadêmica. Como en-
tender os novos problemas sem estudar
e se misturar à realidade que os gerou?
As escolas de engenharia estão tendo de
se abrir ao mundo, derrubando os muros
acadêmicos e as torres de marfi m.
A legislação atual que rege os cur-
sos de engenharia (emanada mais da
ABENGE – Associaçao Brasileira de
Educação em Engenharia – que do
CONFEA) passou a cobrar competên-
12 | EM MOVIMENTO
cias e atitudes, não mais listas de ma-
térias fi xando conteúdos mínimos. E
nisto segue a tendência mundial e as
necessidades do atual mundo do traba-
lho (DA SILVEIRA 2005).
Mas as competências atuais não são
cultivadas em salas de aula tradicionais.
As competências tradicionais (respon-
der provas escritas sem consulta em sala
de aula em um tempo curto repetir dis-
cursos convencionais) não interessam ao
mercado de trabalho. Como desenvolver
as novas competências e atitudes e ao
mesmo tempo enfrentar a explosão ex-
ponencial de novas técnicas e conheci-
mentos, e a rápida obsolescência do que
foi aprendido? Novas organizações cur-
riculares e novos métodos pedagógicos
se fazem necessários.
Repetindo (DA SILVEIRA 2005,
cap. 4): “Partindo da hipótese de que a
melhor maneira de gerar uma compe-
tência é expor o aluno às atividades con-
textualizadas que a exigem (de forma
gradativa e organizada, evidentemente),
percebe-se a relevância das metodolo-
gias didáticas que imergem os alunos
em um ambiente gerador de inovações
e promovem o seu contato direto com o
mundo das empresas e a indústria. Como
exemplos podemos citar:
• aprendizado baseada em problemas
(problem based learning - PBL) ou em
projetos;
• currículos prevendo contato direto
do aluno com empresas, quer através de
estágios, quer através de projetos envol-
vendo o interesse e a participação de
empresas;
• imersão dos alunos em um ambien-
te universitário aberto à produção de
conhecimento na Academia e também
junto ao campo de sua aplicação (as em-
presas!), o que exige um novo paradig-
ma universitário, tornando porosos seus
muros;
• desenvolvimento da independência
dos alunos, quando lhes compete não
apenas resolver problemas dados, mas
descobrí-los, enunciá-los, defi nir seus li-
mites e restrições e, enfi m, solucioná-los;
• desenvolvimento da autonomia dos
alunos, tornando-os sujeitos de sua pró-
pria formação, o que exige novas formas
de gerenciamento dos currículos e dos
diplomas, onde a fl exibilidade curricular
e o aumento do número de opções ofere-
cidas são essenciais.”
O encadeamento desses princípios
conduz ao aprendizado baseado em
projetos, metodologia defendida e es-
tudada, por exemplo, em (DA SILVEI-
RA E SCAVARDA DO CARMO 1999;
VALLIM 2008; KOLMOS ET AL.
2004), ainda pouco utilizada no país.
Aprendizado baseado
em projetos
O aprendizado baseado em proble-
mas (ABP) consiste em expor os estu-
dantes a uma seqüência de situações
problemáticas complexas, sem que
todos os conhecimentos necessários à
sua resolução tenham sido previamente
adquiridos. Eventualmente o trabalho é
realizado por equipes, em regime com-
petitivo ou colaborativo. Os problemas
submetidos podem se aparentar (ideal-
mente) ou apenas se referir (quando no
início da formação) àqueles encontrados
na prática profi ssional – no caso presen-
te à prática da engenharia. Necessaria-
mente, o problema a ser tratado é um
“problema aberto”, isto é, identifi cado
por um objetivo a ser alcançado, e não
pelos meios a serem utilizados. O enun-
ciado inicial pode ser apresentado com
objetivos contraditórios ou com condi-
ções de contorno nebulosas (impreci-
sas), exigindo estudos e considerações
pertinentes para completar ou ajustar
sua formulação. O problema pode ad-
mitir uma ou várias soluções, ou mesmo
nenhuma, o que exigirá a reformulação
de seus objetivos ou a relaxação de al-
gumas de suas restrições. Portanto, mais
que a busca de soluções completas, es-
pera-se a obtenção de soluções signifi ca-
tivas que contextualizem e motivem os
conhecimentos de interesse.
No aprendizado baseado em proje-
tos (ABPj) os problemas são substitu-
ídos por projetos de engenharia, o que
pressupõe uma contextualização mais
precisa e vivenciada, e uma maior am-
plitude nas considerações a serem feitas
e nas tarefas a serem realizadas. De certa
forma, espera-se um aprendizado em si-
tuação, onde as competências gerais da
engenharia sejam diretamente exigidas
pela complexidade do problema, os co-
nhecimentos sendo procurados à medida
de sua necessidade e em função dos ob-
jetivos do projeto. Contudo, o projeto em
si não deve ser confundido com a ativi-
dade pedagógica necessária à formação,
mesmo que os estudantes não percebam
esta distinção. Não é imperativo que o
cliente aprove o resultado ou venha a
usá-lo, mas os feedbacks do cliente (e
do júri de avaliação), quer durante sua
concepção, quer após a apresentação fi -
nal da solução projetada, são essenciais
para o trabalho refl exivo da equipe de
estudantes – e assim para o aprendizado
de cada estudante.
Um problema de engenharia é carac-
terizado pela existência de um “cliente”
cujos interesses e limitações estão na
origem do problema a ser tratado, por
restrições e condições de contorno que
limitam as soluções e as ferramentas a
serem utilizadas, e pela consideração
dos impactos das soluções sobre o mun-
do concreto. A equipe de estudantes deve
ser colocada em contexto apropriado,
isto é, começando pelo reconhecimento
e formulação do problema de engenha-
ria, organizar sua descrição, discutir a
viabilidade de sua solução e os possíveis
caminhos para tal, buscar, estudar e de-
senvolver o que for necessário (conhe-
cimentos, habilidades e técnicas) para
resolver o problema, cuidar da gestão do
projeto e dos processos de fabricação,
estudar riscos e conseqüências, preparar
>>FORMAÇÃO<<
EM MOVIMENTO | 13
e apresentar a documentação pertinente,
e simular ou implementar um protótipo.
Estas metodologias são formadoras
e transformadoras, pois, através da iden-
tifi cação com a comunidade de apren-
dizado (alunos, professores, “clientes”,
engenheiros consultados) e da identifi -
cação com o papel social do engenheiro
obtida pela participação ativa na resolu-
ção de problemas de engenharia, o estu-
dante transforma sua atitude e sua forma
de compreender o mundo e de interagir
com ele. São metodologias centradas nos
estudantes, buscando uma aprendizagem
ativa e participativa. Nessas metodolo-
gias apenas se organiza o ambiente e o
contexto do aprendizado: uma sistemá-
tica, planejada e refl exiva colonização
do espaço e do tempo do aprendizado,
estruturando a efetiva participação dos
estudantes, e possibilitando a construção
(consolidação progressiva) consciente
de conceitos, processos e objetos.
O ensino tradicional não desapare-
ce. Algumas teorias científi cas devem
ser aprendidas como tais, para que o
estudante tenha acesso ao pensamen-
to axiomático, essencial para articular
áreas diferentes de conhecimento. É
preciso uma cobertura do conhecimento
existente sufi cientemente extensa para
que o aluno possa encontrar referências
para a resolução dos problemas, para
que saiba onde buscar as informações
necessárias. Da mesma forma, algumas
linguagens (e representações associa-
das) devem ser de conhecimento do es-
tudante para que ele possa reconhecer
o problema de engenharia e começar
a tratá-lo. Por outro lado, é necessário
organizar conhecimentos e problemas
ao longo do curso de forma cuidadosa,
para que um problema enfrentado seja,
ao mesmo tempo, aprofundamento dos
problemas estudados anteriormente e
preparação da linguagem e da teoria
permitindo reconhecer o problema a ser
estudado em seqüência.
Surge então a pergunta: como orga-
nizar os conteúdos e os problemas ao
longo do curso para que haja o aprendi-
zado devido? Primeiro, é preciso lembrar
que os conceitos são construídos pouco
a pouco, por sucessivos aprofundamen-
tos e generalizações. Estamos diante do
currículo em espiral (BRUNER 1973).
Segundo, é preciso organizar os con-
ceitos a serem apresentados, na sua or-
dem relativa e ao longo dos sucessivos
aprofundamentos, sem confundir os
conceitos organizadores (que estruturam
o currículo e organizam o conjunto de
problemas e ferramentas) com os secun-
dários (necessários apenas por questões
de construção teórica). Também é pre-
ciso escolher os problemas e contextos
a serem apresentados, alargando-os e
complexifi cando-os à medida da matu-
ração dos estudantes.
Implementar estas metodologias pe-
dagógicas e inserí-las no currículo de
engenharia não tem se revelado um tra-
balho fácil. Há resistência por parte dos
professores e pela administração uni-
versitária, pois o paradigma do trabalho
individual e do “professor absoluto” são
derrubados. Não se trata mais de ensi-
nar, mas de criar condições para que o
aluno aprenda. A organização do tempo
e do espaço do aprendizado fi ca mais
complexa, não se ajustando à famosa
“grade” curricular.
Mas já há experiências exitosas no
país e no exterior, inclusive cursos total-
mente organizados por ABP, como o de
Aalborg, na Dinamarca. Ver (DA SIL-
VEIRA E SCAVARDA DO CARMO
1999; VALLIM 2008; KOLMOS ET
AL. 2004), onde encontramos descri-
ções e avaliações detalhadas.
Conclusão
Está posto o problema e uma indi-
cação de solução. É preciso testá-la e
aplicá-la. Mas mudanças deste porte -
uma radical transformação em relação
à estrutura tradicional das escolas de
engenharia – não podem ser realizadas
sem a colaboração da indústria. É preci-
so que as empresas entendam que a for-
mação dos novos engenheiros é um de
seus papéis, colaborando com as esco-
las de engenharia. Não apenas estágios
probatórios (para não dizer o pior), mas
estágios formativos pedagogicamente
informados. Aí está uma nova relação
indústria-universidade, a ser compreen-
dida e construída. Esta relação está na
base dos cursos de engenharia franceses
e alemães, e explica o sucesso de sua
tecnologia..
Para terminar, lembro que cada es-
cola de engenharia deve procurar o seu
próprio perfi l de formação. Não há um
“melhor” currículo a ser aplicado a to-
das as escolas, mas muitos perfi s de for-
mação diferentes, cada um necessário
para algumas das funções exercidas pe-
los engenheiros – e não escola que possa
oferecer todos ao mesmo tempo.
Referências
T. L. Friedman. O mundo é plano: uma
breve história do século XXI. Rio de Janeiro:
Editora Objetiva, 2005.
M. A. da Silveira. A formação do enge-
nheiro inovador. Rio de Janeiro: CTC/PUC-
Rio, 2005. Disponível em maxweell.lambda.
ele.puc-rio.br > publicações on-line.
M. A. da Silveira and L. C. Scavarda do
Carmo. Sequential and Concurrent Teaching:
Structuring Hands-On Methodology. IEEE
Trans. Education, Vol. 42, n. 2, pp. 103-108,
May 1999.
M. B. Vallim. Um modelo refl exivo para
a formação de engenheiros. Tese de Doutora-
do, Programa de PG em Engenharia Elétrica
da UFSC, 2008.
A. Kolmos, F. K. Fink and L. Krogh, L.
(eds.) The Aalborg PBL Model - Progress,
Diversity and Challenges. Aalborg, Dina-
marca: Aalborg University Press, 2004.
A. B. Dunwoody et al. Fundamental
competencies for engineers. Oxford Un.
Press, 2006.
J. S. Bruner. Uma nova teoria da aprendi-
zagem. Bloch, 1973.
14 | EM MOVIMENTO
Desde o surgimento da primeira
aldeia no período mesolítico, há
cerca de 15 mil anos, a forma e a fun-
ção das cidades estiveram em constante
transformação, onde a forma, desde a
aldeia primitiva, esteve sempre subor-
dinada às funções a ela atribuídas por
seus habitantes.
Sabe-se que as primeiras aldeias
surgiram a partir do domínio pelo ho-
mem das técnicas de domesticação de
algumas espécies vegetais e animais,
ou seja, do domínio da agricultura e da
pecuária. Nesse momento, o homem
pôde deixar de ser nômade, caçador
errante sobre a terra, fi xar-se em de-
terminado território, plantar, criar ani-
mais e tirar daí seu próprio sustento.
O ato de fi xar-se em um determinado
território, a partir do domínio de técni-
cas de reprodução de espécies vegetais
e animais, deu origem a dois aspectos
da vida humana que são marcantes e
dominantes até os dias atuais: o traba-
lho organizado e as cidades.
O trabalho organizado surgiu a par-
tir da previsibilidade dada pelo ciclo
natural de nascimento e crescimento
dos vegetais e animais, que obedecen-
do a um ordenamento previsível pôde
ser executado pelo homem através de
um conjunto de tarefas distribuídas
cronologicamente, de forma repetiti-
va para cada ciclo de produção. Neste
momento, estabeleceu-se a previsibili-
dade e o controle pelo homem do pro-
cesso de produção e consumo de bens
através do uso de seu esforço físico
e intelectual, instaurando-se então a
economia humana.
A possibilidade do homem de tirar
o seu sustento de um determinado ter-
ritório, sem a necessidade de se deslo-
car diariamente em busca da caça, fez
com que ele fi xasse residência em de-
terminado local, agregando-se a outros
através da construção de abrigos pró-
ximos que facilitavam a comunicação
e a execução de suas tarefas cotidia-
nas, bem como o auxiliava na defesa
de animais selvagens. Esse conjunto
de edifi cações formou as primeiras al-
deias, embrião das cidades.
A idéia até aqui é, através desse bre-
ve relato, apontar a relação direta entre
o surgimento e organização das cidades
Valter FaniniPresidente do Senge-Pr
e a economia, aspectos indissociá-
veis do desenvolvimento humano,
interligadas por relações diretas de
causas e efeitos.
Neste sentido o urbanista e histo-
riador Lewis Mumford (1961) em sua
obra “A Cidade na História”, nos faz
um relato completo das relações es-
tabelecidas entre as formas das cida-
des e as suas funções, relacionado-as
ao desenvolvimento do homem como
ser religioso, político, econômico,
cultural e sexual.
Ao relatar a história da humanida-
de através do testemunho deixado pe-
las diversas formas de organização das
suas cidades, começando pela aldeia
primitiva e chegando às grandes me-
trópoles atuais, Mumford deixa claro
como as cidades foram condicionadas,
entre outros fatores, pelo do processo
de produção e consumo da renda, bem
como, pela forma de distribuição desta
renda entre seus habitantes.
O funcionamento da aldeia, que
congregava um grupo de homens e mu-
lheres que produziam e consumiam os
frutos de seu trabalho de forma comum
sem a vigência do conceito de proprie-
Cidades e Economia
>>DESENVOLVIMENTO<<
EM MOVIMENTO | 15
dade, começou a ser alterada com o
desenvolvimento dos instrumentos de
produção, principalmente a partir do
uso dos metais e da tração animal.
Tal mudança do modo de pro-
dução levou a um aumento da pro-
dutividade individual permitindo o
surgimento do que se convencionou
chamar de excedente econômico,
que representa a quantidade de ren-
da produzida por um individuo e não
consumida por ele mesmo.
O aumento da produtividade do
trabalho através do uso de ferramentas
permitiu que alguns indivíduos se apro-
priassem do fruto do trabalho de outros
utilizando tais recursos para o seu pró-
prio sustento e para a manutenção das
estruturas de coerção usadas no proces-
so de exploração, já que a entrega do
produto do trabalho, desde o princípio,
nunca foi efetuada de modo voluntário
por quem produzia.
Foi nesse momento que se estabe-
leceram as mais marcantes mudanças
na ordem social que vigia até então nas
aldeias, com o aparecimento de dois
grupos sociais; um ligado diretamente
à produção e outro que se apropriava
do produto do trabalho sem estar liga-
do a ele. Assim, ao mesmo tempo, in-
troduzia-se o conceito de propriedade
privada como instrumento de explo-
ração do trabalho, conceito aplicado
primeiramente sobre as terras, por
constituírem o principal e praticamen-
te único meio de produção.
A repercussão desse fenômeno eco-
nômico sobre a forma de organização
das cidades deu-se pela separação das
edifi cações usadas pela classe explora-
da das edifi cações usadas pela classe
exploradora. As edifi cações utilizadas
pela classe exploradora não precisa-
vam, necessariamente, estar junto às
áreas de produção podendo fi car rela-
tivamente distante delas.
Dessa forma, surgem as cidades
muradas que abrigavam em seu interior
as edifi cações da classe exploradora,
formando grupos de construções que
atendiam aos agora proprietários das
terras e aos que lhes serviam direta-
mente, incluindo aí o seu aparato mili-
tar de coerção.
É preciso marcar também, que essa
forma de ocupação do espaço a partir da
diferenciação de classes sociais estabe-
leceu de maneira clara a diferenciação
entre dois gêneros de espaços ocupados
pelo homem, o espaço rural ligado à
produção e o espaço urbano, inicial-
mente destinado a abrigar aqueles que
vivam da exploração do trabalho.
Mais tarde, essa pequena célula
urbana passou a cumprir outras fun-
ções, distintas daquela de dar abrigo a
uma classe de senhores de terra, que
viviam exclusivamente da exploração
do trabalho dos aldeões, passando
também a abrigar as atividades de ma-
nufaturas no preparo de ferramentas
e arreios para animais e a funcionar
como um entreposto comercial para
trocas de produtos entre os aldeões.
Dessa forma, consolidaram-se as fun-
ções urbanas de prestação de serviços
de manufatura e de centro de comércio
de produtos agrícolas, funções até hoje
desempenhadas pelas pequenas cida-
des em qualquer lugar do mundo.
Esta tríade de funções desempe-
nhadas pelas cidades, de abrigar uma
classe social dominante e exploradora
do trabalho juntamente com seu pode-
rio militar, de abrigar as atividades de
manufatura e de servir de entreposto
comercial, foi enormemente reforçada
com o advento da moeda, que facilitou
as trocas entre produtores e permitiu
a criação de novos modos de explora-
ção do trabalho pela classe dominante.
Com a moeda não era mais necessária
a tomada direta da produção dos alde-
ões e artesões. Foi possível a adoção
de modos mais sutis de apropriação do
trabalho, através da tributação e do ar-
rendamento de terras, permitindo que
as cidades estendessem a sua infl uência
para territórios bem maiores, principal-
mente aquelas posicionadas próximas
às vias naturais de transporte de merca-
Cidades e Economia
16 | EM MOVIMENTO
mente às cidades americanas. Estava
defl agrada uma nova ordem de orga-
nização econômica e social mundial
que colocava as cidades como o cen-
tro da produção das riquezas e do po-
der político, ordem que se denominou
Capitalismo Industrial.
No caso brasileiro, as nossas cida-
des começaram a experimentar mais
intensamente as transformações produ-
zidas pelo modo de produção capitalis-
ta industrial tardiamente, já no fi nal do
século XIX.
No entanto, o resultado desse pro-
cesso para nós não foi tão deletério
quanto para as cidades européias, con-
siderando que a sana devastadora do
capitalismo industrial, ao aportar por
aqui, estava mais arrefecida pelo desen-
volvimento tecnológico de suas máqui-
nas, pelas organizações dos trabalha-
dores urbanos em sindicatos e partidos
políticos e pelo contraponto ideológico
feito ao liberalismo econômico pelos
ideais socialistas.
Atrevo-me a dizer que, no caso
brasileiro, as transformações negativas
mais intensas para as cidades não te-
nham ocorrido na chegada da primeira
onda liberal, que aportou por aqui já
em luta aberta com o ideário socialista
e juntamente com uma classe de traba-
lhadores mais organizada, mais sim, na
chegada da segunda onda liberal ocorri-
da em meados da década de 80.
Se durante o longo processo de
êxodo rural ocorrido no Brasil, a partir
da década de 30, as cidades brasileiras
responderam com um vigoroso cres-
cimento industrial, isto não aconteceu
nas décadas de 80, 90 e nos anos do
novo século.
Nas décadas de 60 e 70 o Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu
a uma taxa média de 7,4% a.a, e a po-
pulação cresceu a uma taxa média de
2,7% a.a. Para o período de igual dura-
ção das décadas de 80 e 90 o PIB bra-
sileiro cresceu a uma taxa média de so-
mente 2,1% a.a enquanto a população
cresceu a uma taxa média de 1,8% a.a.
O diferencial da taxa de crescimento
econômico médio das décadas de 80 e
90 em relação a taxa média das décadas
de 60 e 70 é de 252%.
O decréscimo brutal das taxas de
crescimento econômico, associados
ao êxodo rural das populações para os
centros urbanos, principalmente nas re-
giões metropolitanas, gerou legiões de
desempregados urbanos.
Os baixos índices de crescimento
econômico, em média 2.1% a.a, reduzi-
ram também drasticamente a capacida-
de de investimento do setor público.
Para exemplifi car esta afi rmação
podemos verifi car que até o inicio dos
anos 80, o governo federal tinha uma
política de desenvolvimento urbano
operacionalizada através de vários
instrumentos de gestão e fi nancia-
dorias, como rios ou baio o que contri-
buiu defi nitivamente para o crescimen-
to das cidades.
Ao longo de toda a história da civi-
lização ocidental podemos ver cidades
surgindo, crescendo e até desaparecen-
do como expressão da tríade de fun-
ções econômicas que deram origem às
primeiras cidades muradas. Roma, que
no século III possuía cerca de um mi-
lhão de habitantes, sustentava-se qua-
se que exclusivamente da função de
exploração de outros territórios atra-
vés do poder coercitivo de seu aparato
militar. Cidades como Veneza e outras
posicionadas nas costas do mar medi-
terrâneo cresceram e desenvolveram-
se como importantes entrepostos co-
merciais e fi nanceiros.
No entanto, foi somente em meados
do século XVIII, que a manufatura tor-
nou-se o aspecto econômico dominante
na transformação e crescimento das ci-
dades. Essa transformação iniciou-se a
partir do desenvolvimento da máquina
a vapor, que permitiu a utilização da
energia mecânica do carvão em substi-
tuição a utilização da energia hidráulica
e animal, tornando possível a produção
fabril dentro das áreas urbanas.
A cidade de Londres foi a primeira a
experimentar o ciclo de transformação
urbana propiciada pelo que se conven-
cionou chamar de revolução industrial.
Em poucos anos, Londres transformou-
se de uma cidade com poucos milhares
de habitantes, com suas vielas e calça-
das onde circulavam carruagens carre-
gando uma aristocracia proprietária de
terras e do Estado, dominada economi-
camente pelas guildas de artesões e por
pequenos comerciantes, em outra onde
centena de milhares de pessoas eram
envolvidas e mescladas a uma paisa-
gem dominada por fábricas, estradas de
ferro e cortiços.
Esta nova Londres fabril que Char-
les Dickens (1836) em sua obra literária
“Tempos Difíceis” chamou de “Coketo-
wn”, que pode ser traduzida como Car-
bonópolis em português, escondia sob
o negro manto de uma atmosfera som-
bria dominada por rolos de fumaça ex-
pelidas pelas fábricas, uma nova ordem
política e econômica fundamentada no
livre mercado de trabalho e mercado-
rias, profundamente marcada por duas
novas classes sociais, os trabalhadores
urbanos que vendiam a sua força de tra-
balho e a burguesia industrial, proprie-
tária do novo e mais efi ciente meio de
exploração, o Capital Produtivo.
As transformações ocorridas em
Londres espalharam-se rapidamen-
te por outras cidades da Inglaterra e
depois da Europa, chegando rapida-
“A repercussão do fenômeno
econômico sobre a forma
de organização das cidades
deu-se pela separação das
edifi cações usadas pela
classe explorada das
edifi cações usadas pela
classe exploradora.”
>>DESENVOLVIMENTO<<
EM MOVIMENTO | 17
mento das infra-estruturas para as ci-
dades brasileiras.
Dentre esses instrumentos pode-
mos citar a existência do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Urbano,
gestor do Fundo Nacional de Desen-
volvimento Urbano, que administrava
vários impostos vinculados a tributos
rodoviários e sobre combustíveis; a
Empresa Brasileira de Transportes Ur-
banos dedicada a estudos e projetos de
transportes urbanos, principalmente
ao transporte público de passageiros;
o Banco Nacional da Habitação res-
ponsável pelo fi nanciamento da casa
própria, de saneamento urbano e de
infra-estrutura urbana para os municí-
pios, bem como, uma rede de quatorze
órgãos metropolitanos, coordenados
pelo governo federal, que cobria todas
as regiões metropolitanas do país.
Ao longo dos anos 80, todas as po-
líticas urbanas do governo federal fo-
ram desativadas dentro da nova ordem
dada ao governo brasileiros, pelos
organismos fi nanceiros multilaterais,
Fundo Monetário Internacional, Ban-
co Mundial e BIRD, braços executivos
da nova ordem mundial ditada pelos
países ricos aos países pobres listada
no Consenso de Washington.
O ordenamento era claro, reduzir os
gastos do governo para gerar recessão
econômica e, a partir daí, equilibrar o
balanço de pagamento externo e saldar
as dívidas com o sistema fi nanceiro
internacional, incentivar as atividades
econômicas voltadas à exportação para
gerar superávits na balança comercial,
cessar os investimentos públicos no
setor produtivo, privatizar tudo o que
havia sido construído desde a Era Var-
gas e reduzir o tamanho do Estado.
As conseqüências do somatório
dessas políticas econômicas para as
cidades brasileiras podem ser vistas
e sentidas por todos nós, brasileiros,
cotidianamente. Os grandes centros
urbanos transformaram-se no depósito
de todas a mazelas geradas pela falta
de crescimento econômico e pela au-
sência de políticas públicas urbanas.
Para as populações que chegavam às
cidades, o emprego formal foi substi-
tuído pelo informal, a habitação regu-
lar foi substituída pela obtida através
de processos de ocupações de terre-
nos, na maioria das vezes, impróprios
ao uso urbano. O planejamento da
expansão das cidades, principalmente
das regiões metropolitanas, deu lugar
ao processo orientado pelo desespero
de se obter uma moradia de qualquer
maneira, o que acabou por expandir
desordenadamente os tecidos urbanos
criando aglomerados de ocupação sem
a mínima estruturação viária, despro-
áreas de confl ito tão violentas quanto
zonas de guerra, onde se contabilizam
milhares de mortos todos os anos.
Diante de quadro tão trágico, pa-
rece que nos acostumamos com o so-
frimento dos outros e até com o nosso
mesmo. Não sabemos a quem reclamar
ou a quem culpar; passamos a aceitar o
estado das coisas como fatalidade.
Se somos vítimas da fatalidade,
podemos indicar uma fatalidade origi-
nal da qual todas as outras são deriva-
das. A fatalidade de sermos uma nação
incapaz de criar um modelo de orga-
nização de Estado orientador de um
processo econômico que transforme
nossas riquezas naturais em bens ma-
teriais e culturais em quantidade e com
uma distribuição minimamente justa.
Porque essas fi guras do poder cen-
tral são as responsáveis por colocar a
economia brasileira num caminho de
crescimento econômico mais consis-
tente e com uma distribuição de renda
mais equilibrada, de modo que, as pes-
soas possam atender, através de seus
salários, as suas necessidades básicas
de consumo, incluindo aí a habitação,
e que o setor público tenha capacidade
de investimento para eliminar os défi -
cits de infra-estrutura, de toda ordem,
que acometem as cidades brasileiras.
Se isto não acontecer, a solução
a ser adotada por aqueles que de al-
gum modo conseguem retirar um
naco maior da renda nacional para si
e seus familiares, será a mesma dos
primeiros senhores de terras, que para
poderem sustentar um processo de
exploração do trabalho dos aldeões,
criaram as primeiras cidadelas mura-
das e formaram suas milícias armadas
para se protegerem, confi rmando as-
sim, mais uma vez, a tese de que a
forma das cidades depende de como
produzimos e de quão justas são as
formas de distribuição das riquezas
geradas pelo trabalho.
“Os baixos índices de
crescimento econômico,
em média 2.1% a.a,
reduziram também drastica-
mente a capacidade de inves-
timento do setor público.”
vidos de espaços de recreação, lazer
ou de valor paisagístico e com habi-
tações de baixíssima qualidade. Os
investimentos em transporte urbano de
passageiros tornaram-se escassos, fa-
zendo com que as redes de transporte
público fossem estruturadas em moda-
lidades de baixa capacidade e reduzida
velocidade, não representando alterna-
tiva de transporte para a classe média
usuária do automóvel. O aumento do
número de viagens por automóvel, em
função da redução do custo relativo
desse tipo de transporte, transformou
os combalidos sistemas viários urba-
nos num campo de batalha entre auto-
móveis, motos, bicicletas e pedestres.
A baixa oportunidade de educação
de qualidade e de oferta de empregos,
bens culturais e lazer, transformou
os jovens das periferias das cidades,
órfãos do Estado, em adotados pelos
trafi cantes, e as áreas periféricas em
18 | EM MOVIMENTO
Anúncio
EM MOVIMENTO | 19
As profi ssões fi scalizadas pelo sis-
tema Confea/Creas são aquelas
que assumem o papel de transformar
os conhecimentos científi cos em apli-
cações, serviços e produtos necessá-
rios para o crescimento do país, com a
conseqüente melhoria da qualidade de
vida da população. O papel institucio-
nal do Crea-SC é o de fi scalizar e re-
gulamentar o exercício das profi ssões
nele registradas, de modo a garantir a
segurança e a incolumidade públicas. O
Crea-SC existe para defender a socie-
dade e garantir o exercício profi ssional
a quem possui habilitação. Para atender
os 38.000 profi ssionais e 10.500 em-
presas registradas, o Crea-SC possui
20 Inspetorias Regionais, 8 Escritórios
e a
Eng. Agrônomo Raul Zucatto
Presidente CREA-SC
O Sistema
Confea/Creas
responsabilidade profi ssionale 4 Postos de Atendimento, que levam
os serviços do Conselho para bem perto
dos profi ssionais e da comunidade cata-
rinense, com o máximo de agilidade.
Hoje, nossa maior responsabilidade
é atuação profi ssional pautada em um
profundo conhecimento técnico, em
sólidos princípios éticos e em uma rela-
ção de simbiose profunda com a natu-
reza. A construção civil, por exemplo,
utiliza 75% de recursos naturais.
Além do aquecimento global, há
a ocupação desordenada do solo e
suas conseqüências, o desperdício de
materiais de construção, a utilização
inadequada de agrotóxicos, a falta de
destino e de reaproveitamento dos re-
síduos da construção e o pouco uso e
incentivo de uso das tecnologias lim-
pas, além de alguns excessos, como
o uso exagerado de alguns materiais,
que podem até ser uma solução mais
barata, mas que signifi cam gasto
maior de recursos naturais.
O Crea-SC estimula a busca da sus-
tentabilidade no meio urbano e rural por
meio de várias ações, articuladas por
sua Comissão de Meio Ambiente ou em
parceria com as Entidades de Classe da
área, entre elas: Promoção de eventos
para a realização de cursos relacionados
ao tema; assinaturas de termos e convê-
nios; bem como maior fi scalização das
atribuições na área ambiental.
Procuramos fortalecer o compro-
misso do Conselho em se posicionar
junto à sociedade frente aos grandes
desafi os e problemas nacionais, estadu-
ais e municipais, sempre que envolve-
rem a participação dos profi ssionais do
Sistema Confea/Crea.
Atualmente despontam-se várias
áreas de ação e desafi os para os profi s-
sionais da área tecnológica, como por
“A energia é um insumo fundamental para o desenvolvi-
mento, contribuindo para a competitividade da produção
industrial e infl uenciando decisivamente na geração de
empregos e no aumento de renda.”
>>COMPROMISSO<<
20 | EM MOVIMENTO
exemplo: a logística viária-aérea-portu-
ária; o saneamento; a energia elétrica; o
meio ambiente em geral; o planejamen-
to urbano-rural; a pesquisa científi ca e
agropecuária; o planejamento - geren-
ciamento e gestão de organizações pú-
blicas e privadas; entre outros.
A energia é um insumo fundamental
para o desenvolvimento, contribuindo
para a competitividade da produção in-
dustrial e infl uenciando decisivamente
na geração de empregos e no aumento
de renda. O Conselho incentiva a pro-
dução limpa e a conscientização das
empresas em relação ao consumo inte-
ligente.
Dentre as diversas áreas da engenha-
ria relacionadas à infra-estrutura e que
tem grande infl uência na saúde pública,
na qualidade de vida e na preservação
do meio ambiente está o saneamento
ambiental, que constituí-se, sem dúvida
alguma, na atividade mais essencial à
preservação da vida e da saúde pública
com fortes impactos sobre o meio am-
biente e o desenvolvimento.
O Crea mantém em parceria com a
ABES-SC um convênio com o Ministé-
rio Público e outras Entidades buscan-
do, através de ações integradas entre os
signatários, elevar a patamares decentes
o atual índice de atendimento à popula-
ção urbana do Estado de Santa Catarina
com serviços adequados de esgoto.
Em relação à infra-estrutura rodovi-
ária, deve haver um signifi cativo inves-
timento na construção manutenção das
rodovias, de modo a permitir o adequa-
do funcionamento da economia nacio-
nal. Os investimentos estatais em infra-
estrutura são motores que impulsionam
toda a cadeia produtiva, e têm que ser
retomados imediatamente.
Outro ponto é garantir recursos para
a pesquisa, ciência e tecnologia. A pes-
quisa é fundamental para um país como
o Brasil, que produz pouco conheci-
mento patenteável. Para que os resul-
tados apareçam, e que se agregue valor
aos produtos brasileiros é preciso um
programa contínuo de investimento em
pesquisa. O Crea-SC está engajado em
um movimento pró-pesquisa, junto com
outras entidades.
O Conselho é ainda um dos parcei-
ros do PBQP-H – (Programa Brasileiro
de Qualidade e Produtividade no Ha-
bitat), em conjunto com o Ministério
Público. As inspetorias regionais verifi -
cam, nas vistorias de rotina nas obras, o
“Em relação à infra-
estrutura rodoviária,
deve haver um signi-
fi cativo investimento
na construção manu-
tenção das rodovias,
de modo a permitir o
adequado funciona-
mento da economia
nacional. Os inves-
timentos estatais em
infra-estrutura são
motores que impul-
sionam toda a cadeia
produtiva, e têm que
ser retomados ime-
diatamente.”
uso correto dos insumos, como o mate-
rial cerâmico e artefatos de concreto, e
se estão dentro das normas da ABNT.
Outro trabalho forte do Crea é difundir
o Programa junto aos seus profi ssionais
e empresas.
Fomos pioneiros no Brasil criando
a Comissão do Plano Diretor e Estatuto
das Cidades, formada por conselheiros e
profi ssionais integrantes do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB), para, junta-
mente com a Câmara Especializada de
Arquitetura, orientar a sociedade, aos
demais conselheiros e ao Departamento
de Fiscalização quanto aos procedimen-
tos a serem realizados.
A Comissão realizou importantes
eventos como um Seminário que reu-
niu em 2005 representantes de diversos
municípios catarinenses, destacando a
importância e a exigência da lei e da
qualifi cação técnica para elaborar o
Plano Diretor, incentivando as peque-
nas cidades se interessaram em fazer
seu próprio plano, evitando que estes
fossem comprados de empresas de fora
simplesmente para cumprir a lei, sob
pena de se receber uma análise fora de
sua realidade.
O profi ssional do sistema precisa
se enquadrar neste cenário de desafi os
e estar sintonizado e preparado para
ocupar o espaço que lhe cabe, buscan-
do sempre a sustentabilidade. Sabemos
que esta mudança de comportamento
vai ocorrer somente quando o consumi-
dor mudar também e optar por algo que
não agrida tanto a natureza. E a consci-
ência para os problemas do planeta vai
aumentar quando o poder público fi zer
cumprir a legislação em vigor. Mas não
precisamos esperar por isso.
É necessário que toda a cadeia
produtiva esteja envolvida agora, des-
de aquele que faz a matéria-prima até
quem dá destino aos entulhos. Quase
nada se planeja atualmente, mas a tec-
nologia e a pesquisa podem responder a
essas necessidades.
>>COMPROMISSO<<
EM MOVIMENTO | 21
CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE
SOBRE A ORGANIZAÇÃO
DOS ENGENHEIROS“Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um cará-
ter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para
grande pesar dos reacionários, ela retirou a base nacional da indús-
tria. As indústrias nacionais tradicionais foram, e ainda são , a cada
dia destruídas...Essas indústrias não utilizam mais matérias-primas
locais, mas matérias-primas provenientes das regiões mais distan-
tes, e esses produtos não se destinam apenas ao mercado nacional,
mas também a todos os cantos da terra.”
O MANIFESTO COMUNISTA – MARX e ENGELS (1848)
A organização dos engenheiros em
sindicatos no Brasil é muito an-
tiga. O primeiro a ser criado tinha o
nome de “Sindicato Nacional dos Enge-
nheiros”, fundado no Rio de Janeiro em
setembro de 1931. Como nessa época
era o Rio de Janeiro a capital do Brasil
era natural que isto acontecesse assim
como a criação da primeira Escola de
Engenharia também foi no Rio, com a
vinda da família real portuguesa ao Bra-
sil em 1808. Em 1810 com a criação da
Academia Real Militar estava lançada
a pedra fundamental da futura Escola
Politécnica do Rio de Janeiro.
Agamenon R.E. OliveiraDiretor do SENGE/RJ
Pesquisador do CEPEL
(Centro de Pesquisas de Energia Elétrica)
Professor Associado da Escola Politécnica da UFRJ
>>REFORMA SINDICAL<<
Foto: J.R. Ripper
22 | EM MOVIMENTO
O Sindicato de Engenheiros surge
nessa época no bojo do processo de
modernização da sociedade brasileira
fruto da Revolução de 30, quando os
setores industriais ganham a hegemo-
nia política sobre os setores agrários
mais conservadores e decretam o fi m
da “República Velha”. Inicialmente o
Sindicato dos Engenheiros do Rio de
Janeiro era uma espécie de extensão
do “Clube de Engenharia”, instituição
mais antiga criada no Rio, em dezem-
bro de 1880. Era a época que começa-
vam a despontar as grandes fi guras da
engenharia, todas elas saídas do quadro
de professores da Escola Politécnica e
que transitavam tanto no Clube quanto
no Sindicato. Assim tivemos como pre-
sidente do Sindicato dos Engenheiros o
eminente engenheiro Mauricio Joppert,
fruto do intenso intercâmbio entre as
duas instituições.
Com o tempo o Sindicato dos En-
genheiros vai se diferenciando mais e
mais do Clube de Engenharia, passa
mundo do trabalho daí resultante, é fun-
damental que repensemos não somente
o Brasil, mas também se as estruturas e
as nossas formas de organização ainda
conseguem dar conta dessa nova situa-
ção. Achamos que não e o presente ar-
tigo tem a fi nalidade de enriquecer este
debate. O VIII CONSENGE é o espaço
privilegiado para tal.
A SITUAÇÃO INTERNACIONAL
O processo de globalização da eco-
nomia levando à uma crescente interna-
cionalização do conjunto das relações
sociais é um fato que foi percebido com
muita antecedência por Marx e Engels,
o que pode ser comprovado de seus es-
critos de juventude cuja citação em epí-
grafe é um pequeno exemplo.
No período atual a globalização dita
neoliberal assume uma fase específi ca
no processo de internacionalização e
valorização do capital agregando à ca-
racterística essencial, outras específi cas
como o caráter excludente e destrutivo
na economia o que tem se traduzido no
desemprego ou na sua baixa qualidade
associada à precarização das condições
de trabalho e vida de um grande con-
tingente de pessoas que vivem do seu
próprio trabalho. A especifi cidade atual
também repousa na hipertrofi a do siste-
ma fi nanceiro quando os bancos e outras
instituições fi nanceiras tradicionais, a
serviço dos investimentos, vão criando
no interior da esfera fi nanceira um cam-
po de valorização do capital. Devido a
isto alguns autores denominam, e com
justa razão, esta nova fase de um novo
modo de acumulação centrado no siste-
ma fi nanceiro.
Por outro lado, a terceira revolução
científi ca em curso levou à fusão das
tecnologias de telecomunicações e de
informática fazendo surgir um novo
campo de importância fundamental a
essa nova forma de acumulação de capi-
tal que é a teleinformática. Ela propiciou
a lutar pelo mercado de trabalho para
os engenheiros brasileiros e a partir da
década de 50 começa a luta pelo salá-
rio mínimo profi ssional, o que somente
veio a se concretizar em 1966.
Durante a ditadura militar o Sindi-
cato dos Engenheiros foi de pouca valia
para a organização dos engenheiros, e
essa situação somente iria mudar em
1980 com ascenso da luta geral dos
trabalhadores brasileiros, de onde sai-
riam a CUT (Central Única dos Tra-
balhadores) e o PT (Partido dos
Trabalhadores). Nesse ano, uma
chapa composta por engenhei-
ros com alguma experiência de
militâncias políticas anteriores
derrotou os conservadores ins-
talados no Sindicato e a partir
daí o SENGE-RJ passa a ter uma
atuação destacada nas lutas polí-
ticas do país e na organização da
categoria.
História semelhante pode
ser contada pelos outros sin-
dicatos de engenheiros dos de-
mais estados da federação como
Minas, Paraná, S. Paulo etc.
O ponto de vista que mais
nos interessa abordar aqui neste
artigo é a organização dos en-
genheiros. Neste sentido, é im-
portante ressaltar que a retoma-
da da luta sindical por parte dos
engenheiros estava em perfeita
consonância com o movimento
geral dos trabalhadores brasileiros em
especial com o chamado “Novo Sin-
dicalismo”, surgido no ABC paulista
no fi nal dos anos 70 e que reivindi-
cava o fi m do corporativismo sindical
materializado no imposto e na unici-
dade sindical. Dizemos isto para não
parecer que este combate é novo, ten-
do, portanto, quase 30 anos.
O que pretendemos mostrar neste
artigo é que com a nova situação inter-
nacional criada pelo processo de globa-
lização e a crescente complexifi cação do
>>REFORMA SINDICAL<<
Tibunal da Dívida Externa - Arquivo Senge | RJ
EM MOVIMENTO | 23
às grandes empresas multinacionais
uma nova forma de gerenciamento de
seus custos de transação obtidos pela
integração, que assim podem reduzir os
chamados custos burocráticos, fruto da
internacionalização.
Com o concurso das novas tecno-
logias, as empresas multinacionais
podem exercer o estrito controle sobre
parte das operações de outras empre-
sas sem que seja necessário absorvê-
las. Com este mecanismo pode ser
criada a empresa-rede, forma como
essas empresas passaram a se estrutu-
rar e operar.
A RESPOSTA DOS TRABALHADORES
Diante deste novo quadro de rela-
ções internacionalizadas, a ação política
dos trabalhadores deve ultrapassar, ne-
cessariamente, o marco do estado nacio-
nal se quer ter efetividade qualquer que
seja sua estratégia de intervenção na rea-
lidade mesmo que não almeje profundas
transformações sociais. É bem verdade
que essa perspectiva internacional sem-
pre norteou o movimento dos trabalha-
dores desde os tempos de Marx com a
criação da I Internacional, a famosa AIT
(Associação Internacional dos Trabalha-
dores), fundada em Londres em 1864.
Semelhante perspectiva tem orienta-
do os movimentos mais recentes como é
o caso do FSM (Fórum Social Mundial).
A diversidade e a complexidade de um
novo tipo de articulação internacional
levaram os movimentos e entidades que
compõem o FSM a optar pela criação
de um espaço também diverso e plural
para discussão e elaboração coletiva de
propostas a serem levadas a efeito ainda
que o espaço geográfi co fundamental de
suas atuações seja o espaço nacional. Os
movimentos, entidades e organizações
com os mais variados propósitos já com-
preenderam que só têm a se benefi ciar
do intercâmbio de experiências e da for-
ça que representam caso suas atuações
sejam articuladas no novo espaço onde o
capital também se articula e se realiza.
As grandes demonstrações de força
e capacidade de mobilização dos movi-
mentos inadequadamente denominados
pela mídia internacional de “movimen-
tos antiglobalização” são uma prova
inequívoca do acerto de sua estratégia
política. Se articular, se comunicar pela
internet, isto é, em rede, e privilegiar a
5 ações e os combates de rua como es-
paço privilegiado da ação política. Essa
é a contrapartida dos trabalhadores no
período da globalização atual.
É evidente que todos esses movi-
mentos têm uma profunda compreen-
são da natureza da fase atual e da era
do capital internacional globalizado.
Nenhum movimento deseja um retorno
ao passado até porque isto tanto seria
impossível quanto indesejável. O que
todos querem é outra forma de glo-
balização, não a neoliberal, mas a da
solidariedade. Todos sabem que o pro-
cesso atual é ditado pelos interesses das
grandes empresas transnacionais e dos
grandes conglomerados, cujo objetivo
principal é otimizar as formas de acu-
mulação de capital e para isto têm cor-
rido o globo em busca de mão-de-obra
mais barata e criado e espalhado mais
miséria e exploração por onde passam.
Melhores salários e melhores condi-
ções de trabalho e vida obviamente não
estão nos planos dessas empresas quan-
do se globalizam.
A SITUAÇÃO DOS ENGENHEIROS E
PROFISSIONAIS DA ÁREA TECNOLÓGICA
O primeiro passo no sentido de
defi nir estratégias de atuação das atu-
ais organizações que representam os
engenheiros ou profi ssionais da área
tecnológica ou até mesmo submeter as
estruturas dessas entidades a uma críti-
ca quanto a sua adequação a fase atu-
al do capital globalizado é entender as
especifi cidades do trabalho dessas ca-
tegorias. Isto signifi ca uma visão mais
ampliada de sua atuação não somente
no campo da produção econômica, mas
também no campo social, indagando
não somente sobre suas expectativas
profi ssionais como as formas de valo-
rização na profi ssão e na empresa, as-
censão na carreira, aperfeiçoamento e
treinamento, mas de suas necessidades
de se organizar em associações, sindi-
catos e partidos políticos.
A primeira característica desses
profi ssionais é que eles formam um
segmento bastante diversifi cado, hetero-
gêneo e signifi cativamente diferenciado
por faixa salarial, natureza do trabalho,
culturas organizacionais, nível cultural
geral, etc. No entanto, eles têm uma in-
serção na produção e realizam um traba-
lho cada vez mais especializado que os
distinguem do trabalhador em geral das
chamadas áreas de apoio das empresas
ou outras atividades que não pertencem
a área fi m da empresa. Dessa maneira, os
chamados quadros técnicos necessitam
formas específi cas de organização, pois
eles criam demandas que não podem ser
atendidas pelas formas de organização
dos trabalhadores em geral, na medida
em que essas entidades são incapazes de
vivenciar o ambiente no qual essas de-
mandas são criadas. Esse é o verdadeiro
sentido da existência dos chamados sin-
dicatos de categoria diferenciada como é
o caso dos sindicatos de engenheiros e a
consequente defesa de sua permanência
nesta condição sem abrir mão de profun-
das mudanças na sua estruturação.
A segunda característica desses pro-
fi ssionais é quanto sua posição na em-
presa. Na maioria delas onde inexiste
uma forma de equiparação em termos
de “status” profi ssional entre o quadro
técnico e gerencial, o engenheiro ou
profi ssional altamente qualifi cado é, na
maioria das vezes, atraído para os níveis
gerenciais da organização com a fi na-
24 | EM MOVIMENTO
lidade de ascender profi ssionalmente,
muitas vezes constrangido em deixar a
carreira técnica na qual foi treinado du-
rante anos a fi o. Nem sempre a empresa
ganhará um bom gerente. A única solu-
ção é a criação da chamada “carreira em
Y” na qual as atividades gerenciais e os
cargos técnicos de fi nal de carreira são
equiparados salarialmente.
Outra característica importante quan-
to à forma de organização de seu trabalho
é que ele se dá por projeto. Isto signifi ca
pertencer a uma equipe interdisciplinar
que se extinguirá com o fi m do projeto
que dependendo de sua envergadura po-
derá durar alguns meses ou anos. Assim
ele será treinado pela própria necessidade
do trabalho a pertencer e operar de forma
solidária com pessoas das mais variadas
formações e níveis de conhecimento. De-
verá administrar recursos de diversas na-
turezas e perseguir incessantemente sua
atualização no seu campo específi co de
competência. Na medida em que for pro-
gredindo na carreira passará a gerenciar
um ou mais desses projetos aprendendo a
colocar essas equipes em funcionamento
onde um dos fatores essenciais é a ma-
nutenção do clima motivacional interno e
externo ao grupo.
Mesmo extremamente diferenciados
quando a salários, níveis de qualifi cação
e competência técnica as formas como
engenheiros trabalham os unifi cam de
alguma forma trazendo consequências
importantes se estivermos pensando em
novas formas de organização.
O processo de globalização e as
terceirizações que o acompanharam
além de outras formas de contratação
de mão-de-obra levaram a categoria dos
engenheiros a fragmentação, dispersão
e diversifi cação de interesses difi cultan-
do sobremaneira sua organização. Além
disso, o lixo ideológico produzido nesse
período é mais um complicador a todas
as formas de organizar os engenheiros
pois os valores apregoados pelo apara-
to ideológico era a última expressão do
individualismo e professava uma repul-
sa doentia aos valores da solidariedade
e das soluções coletivas. As empresas
têm mantido em seus quadros além dos
profi ssionais de carreira, engenheiros
terceirizados, contratados, conveniados,
P.J. (pessoa jurídica) etc. Além dessas
novas formas de contratação e vínculos
empregatícios, temos ainda o profi ssio-
nal autônomo que constituiu sua empre-
sa de consultoria e emprega um pequeno
número de funcionários. Como respon-
der a esta nova realidade?
QUE FORMAS DE ORGANIZAÇÃO SÃO
NECESSÁRIAS?
O quadro que se apresenta é este. De
um lado as novas formas como os enge-
nheiros trabalham e de outra as entida-
des que os representam com estruturas
com características que remontam a dé-
cada de 40 ancoradas no imposto e na
unicidade sindical. É evidente que este
tipo de estrutura não consegue mais dar
conta da nova realidade.
O processo de transformação das es-
truturas sindicais atuais é um processo
eminentemente político e como tal deve
ser vivenciado por todas elas. Podería-
mos, parafraseando Marx, dizer que as
mudanças em nossas formas de organi-
zação ocorrerão como uma obra coleti-
va da própria categoria. O máximo que
podemos fazer aqui é esboçar em linhas
muito gerais um projeto de transforma-
ção baseado em alguns princípios e cal-
cado nessa nova realidade.
Em primeiro lugar a estrutura cor-
porativa herdada do governo Vargas e
que se mantêm praticamente intacta até
hoje não mais responde ás necessida-
des atuais. Ela sequer consegue manter
níveis mínimos de sindicalização dos
profi ssionais de carreira das empresas.
Os outros segmentos, dos terceirizados,
contratados, etc., estão completamente
marginalizados e destituídos de repre-
sentação sindical. Ela é uma camisa-
de-força a impedir uma ampla liberdade
sindical. Neste sentido as novas formas
de representação que venham substituir
as atuais devem estar baseadas na livre
representação e na adesão voluntária.
Qualquer tipo de imposição ou restri-
ção á liberdade de organização como o
imposto e a unicidade sindical será um
passo atrás e um obstáculo a ser venci-
do. A adesão ás novas estruturas deve
ser construída tendo a ampla liberdade
sindical como valor fundamental para a
sua própria sobrevivência. No momento
atual não faz nenhum sentido se falar em
monopólio da representação. Em nome
de que? O que pode justifi car o mono-
pólio político? Argumentar que a direita
tem dinheiro e poder para tomar posse
de nossos sindicatos é um argumento
no mínimo ridículo. Se isto fosse verda-
de deveríamos ser contra os processos
eleitorais em geral pois com mais justa
razão a direita tem muito mais interesse
neles do que em eleições sindicais. Em
outras palavras, só devemos fazer elei-
ções se tivermos certeza da vitória.
O processo de transformação e tran-
sição para novas formas de representa-
ção deve também se iniciar pela constru-
ção de uma nova pauta capaz de atrair
todos os segmentos ora marginalizados.
As novas estruturas devem apresentar
propostas que venham ao encontro dos
problemas mais sentidos pelos profi ssio-
nais: planos de carreira que contemplem
a valorização profi ssional desde o mo-
mento de ingresso na empresa até o fi nal
de carreira, políticas de treinamento, sis-
temas de avaliação de desempenho sem
a criação das meritocracias nas empre-
sas, políticas de participação nos lucros
ou resultados com ênfase nos aumentos
reais de salário ao contrário do que vem
sendo feito com os aumentos dos “salá-
rios variáveis”. Além disso, as novas es-
truturas devem oferecer aos sindicaliza-
dos/associados uma cesta de benefícios
voltada para a formação profi ssional,
bolsa de emprego, um amplo debate so-
bre a responsabilidade e um código de
ética profi ssional, além de um sistema
>>REFORMA SINDICAL<<
EM MOVIMENTO | 25
atualizado de informações profi ssionais
de forma que eles se sintam atraídos e
representados por elas.
Essas estruturas devem ser extre-
mamente fl exíveis, com muito pouca
burocracia, articuladas nacional e inter-
nacionalmente em rede e com ampla ca-
pacidade de mobilização. Não deve ser
descartada a possibilidade dessas novas
estruturas congregarem outros profi s-
sionais a exemplo do que acontece em
outros países e passem a representar ou-
tras categorias de profi ssionais liberais
ou mesmo de técnicos. Reconhecemos
ser esta uma questão complicada, muito
difícil de ser até mesmo levantada, fruto
do excesso de corporativismo e conser-
vadorismo de muitas direções sindicais
completamente avessas a perder seus
nichos de poder .
O DEBATE NO INTERIOR DA FISENGE.
A FISENGE vem acumulando du-
rante esses últimos anos muita discussão
e uma série de iniciativas sobre a pos-
sibilidade de uma reestruturação geral
do movimento sindical. Primeiramente
foi a FISENGE quem tomou a frente
no âmbito da CUT e tentou reorgani-
zar o chamado ramo 14 pertencendo a
estrutura formal da Central, mas que
nunca teve funcionamento real por fal-
ta de iniciativa tanto da Central quando
das federações que o compõem. Foi um
trabalho muito difícil, mas a FISENGE
por conta desta questão promoveu semi-
nários com os Senges fi liados, contactou
entidades internacionais como a CGT
e CFDT francesas no sentido de trocar
experiencias nesse campo, conduziu
um projeto de diagnóstico e análise das
alternativas prováveis até que surgiu o
FNT (Fórum Nacional do Trabalho) e
as iniciativas foram interrompidas para
que a FISENGE diante de uma proposta
concreta vinda do governo enfrentasse
o problema de encontrar uma forma de
inserção dos Sindicatos de Engenhei-
ros nesse projeto. O projeto do FNT ao
tentar enquadrar os sindicatos por ramo
de produção deixava fora os chamados
sindicatos diferenciados. A FISENGE
voltou a se mobilizar no sentido de en-
contrar uma solução e estava integrando
uma comissão da CUT com a fi nalidade
de encontrar uma saída quando o projeto
foi para o Congresso, mas a resistência
encontrada pelo governo foi tamanha
que ele desistiu e o projeto adormece
até hoje em alguma mesa de alguma das
muitas comissões do Congresso.
A proposta que a FISENGE vem
trabalhando tem como objetivo dotar os
sindicatos diferenciados de uma trans-
versalidade a todos os ramos de produ-
ção que é o que de fato acontece com
o trabalho dos engenheiros nas empre-
sas. As formas de representação devem
acompanhar esta tendência natural ao
trabalho dos engenheiros. Este tipo de
inserção associada a representatividade
e o fi m tanto do imposto quanto da uni-
cidade sindical como requeriam o pro-
jeto do FNT já seria um grande avanço
no sentido de quebrar a atual estrutura
corporativa, arcaica e ultrapassada. Um
outro ponto importante da proposta do
FNT era elaborar um critério para a
sustentação fi nanceira dos sindicatos
baseado na negociação salarial o que
propiciaria que os sindicatos fossem
também construindo e consolidando
uma representatividade de fato no seio
da categoria.
CONCLUSÕES
A necessidade de uma reforma nas
atuais estruturas sindicais é fruto de seu
envelhecimento natural. A espinha dor-
sal das estruturas atuais, foi uma criação
do governo Vargas, mas os objetivos
deste modelo sindical remontam mesmo
até a década de 20 do século passado
quando os governos de então diante das
grandes mobilizações dos trabalhadores
começaram a criar no campo social e
político meios efi cazes de evitá-las ou
quando não fosse possível de controlá-
las. O meio que pareceu mais adequa-
do as classes dominantes de então foi
a cooptação política. Nada melhor que
atrelá-las ao aparelho de estado, montar
estruturas passíveis e vulneráveis a in-
tervenção do estado e sem capacidade
de sustentação com recursos próprios
e dependentes do governo. O preço que
os trabalhadores pagaram foi a renúncia
a liberdade sindical. O imposto sindical
criava a passividade natural pois os re-
cursos fi nanceiros já estavam garantidos
Além disso, com o imposto sindical
foram surgindo burocracias cujo obje-
tivo maior era o próprio aparelho e as
lutas e o enfrentamento com os patrões
foi deixado de lado. Com o processo de
globalização neoliberal os problemas e
as defi ciências da estrutura corporativa
se agravaram e se aprofundam gradati-
vamente. A reforma das estruturas sindi-
cais também deve fornecer ao movimen-
to sindical um instrumental novo para o
enfrentamento do capital globalizado e
da primeira e tão almejada reforma que
eles pretendem, a reforma trabalhista
que a pretexto de facilitar as contratações
no fundo é mais um engodo para retirar
direitos conquistados a duras penas pela
classe trabalhadora. A ampla liberdade
sindical deve ser a característica maior
de uma reforma sindical que venha ao
encontro das necessidades históricas e
dos anseios de todos os trabalhadores
brasileiros.
BIBLIOGRAFIA
Chesnais, F,. “A Mundialização do
Capital”, Xamã V M Editora e Gráfi ca,
Ltda, S. Paulo, 1996
Kriegel, A,. “Las Internacionales
Obreras”, Ediciones Martinez Roca, S.
A., 1971.
Marx, K. e Engels, F., “O Manifesto
Comunista”, Editora Contraponto,1998.
Karvar, A., “Les Cadres au Travail”,
La Decouverte, Paris, 2004. .
26 | EM MOVIMENTO
EM MOVIMENTO | 27
A Constituição de 1988, denomina-
da pelo saudoso Deputado Ulisses
Guimarães de “Constituição Cidadã”,
garantiu pela primeira vez na nossa
história as condições para a universa-
lização do acesso à saúde, educação e
previdência social.
Antes da constituição de 1988,
o acesso à saúde pública, estava res-
trito aos servidores públicos e traba-
lhadores de “carteira assinada” atra-
vés do INAMPS, e aos trabalhadores
rurais (sindicalizados), através do
FUNRURAL. Em um país cuja prin-
cipal característica do mercado é in-
formalidade, este modelo “deixava de
fora” a maioria da população brasilei-
ra. A criação e implantação do SUS
– Sistema Único de Saúde, permitiu
que milhares de Brasileiros tivessem
acesso a algum tipo de assistência mé-
dica preventiva e curativa.
Assim como a saúde,
a previdência social era
restrita aos trabalhadores
de carteira assinada, aos servidores pú-
blicos e aos contribuintes autônomos,
que eram obrigados a recolher a contri-
buição do empregador e do empregado,
sendo que os trabalhadores rurais per-
cebiam 50 % do salário mínimo vigen-
te. A partir da Constituição Cidadã foi
garantida uma renda mínima para os
trabalhadores rurais e idosos acima de
65 anos, e foram criados diversos me-
canismos legais que incorporavam os
setores oriundos do mercado de traba-
lho informal.
Em relação à educação, o mode-
lo existente era muito semelhante aos
descritos anteriormente: a educação
pública existia, mais o seu acesso era
difi cultado por um número reduzido de
unidades escolares (principalmente no
E ARQUITETURA
PÚBLICA Uma visão sistêmica da
política nacional de
assistência técnica a
habitação de interesse social.
interior e na periferia das grandes cida-
des) e por falta de recursos. A criação
do FUNDEB, a garantia da merenda
e transporte escolar, a distribuição dos
livros didáticos e a criação de um sis-
tema nacional de educação defi niram
claramente as atribuições dos entes
federativos, permitindo que o Brasil
em 20 anos universalizasse o acesso à
educação básica, apesar da existência
de problemas sérios na qualidade do
ensino ministrado.
Para que o Estado Brasileiro pudes-
se avançar na implementação destes
direitos sociais foi necessário o estabe-
lecimento de uma política nacional que
defi nisse de forma clara as competên-
cias dos entes federativos, garantisse
recursos constitucionais permanentes
Eng. Civil Ubiratan Félix Pereira dos SantosPresidente do SENGE – BA
Conselheiro do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
Conselheiro Nacional das Cidades
>>MORADIA<<
28 | EM MOVIMENTO
(através dos fundos constitucionais),
implantasse uma rede de infra-estru-
tura pública (equipamentos, servidores
e etc), a exemplo do Sistema Único de
Saúde (SUS) e das Redes Municipais,
Estaduais e Federais de Educação, e
que tem a sua atuação complementada
pelo setor privado e entidades fi lantró-
picas e/ou sem fi ns lucrativos.
No entanto apesar da moradia ter
Brasileiro começou a construir o em-
brião de uma política publica de habi-
tação através da criação do Conselho e
do Fundo Gestor de Habitação de Inte-
resse Social.
A universalização do direito mora-
dia no Brasil tem como um dos seus
pilares o apoio e o atendimento fi nan-
ceiro, material e técnico e as experiên-
cias de auto–construção e gestão da
população de baixa renda organizada
ou não, em cooperativas e movimentos
de moradia.
A inexistência de uma rede de assis-
tência técnica estatal difi culta e impede
o acesso de milhares de brasileiros a
moradia digna. A maioria dos municí-
pios brasileiros não tem em seu quadro
profi ssionais da área de Desenvolvi-
mento Urbano e/ou serviços de apoio à
moradia popular, sendo que, na maioria
dos casos, a prestação de assistência
técnica é marcada por ações pontuais
e setoriais através de Escritórios Públi-
cos, ONG´S e Escritórios Modelos das
Setor Estatal
• Atendimento do cidadão de forma coletiva e/ou individualizada;
• Implantação de Escritórios Públicos de Engenharia e Arquitetura;
• Estabelecer convênios com instituições públicas, privadas e entidades filantrópicas para atendimento
individual e/ou coletivo para habitação de interesse social;
• Estabelecimento das diretrizes da Política de Assistência Técnica em consonância com o Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano e com Plano Municipal de Habitação de Interesse Social;
Governo Municipal
• Capacitação dos técnicos municipais;
• Apoio à gestão municipal;
• Estabelecimento das diretrizes da Política Estadual de Assistência Técnica em consonância com
Política de Desenvolvimento Urbano e com Plano Estadual de Habitação de Interesse Social;
Governo Estadual
• Financiamento dos Entes Federativos;
• Estabelecimento das diretrizes da Política Nacional de Assistência Técnica em consonância com
Política de Desenvolvimento Urbano e de Habitação de Interesse Social;
Governo Federal
Foco Principal - Ações Estruturantes e de Regulação
Universidades que priorizam o atendi-
mento individual e o fornecimento do
Projeto Arquitetônico.
Proposições
Em vista das experiências exito-
sas na construção do Sistema Público
de Saúde (SUS), de Assistência Social
(SUAS) e de Educação, estamos pro-
pondo o estabelecimento de uma Polí-
tica Nacional Sistêmica de Assistência
Técnica que defi na claramente as com-
petências da União, do Estado e do Mu-
nicípio, assim como o papel que deverá
ser desempenhado pelo setor privado,
entidades fi lantrópicas e/ou sem fi ns
lucrativos, que do nosso ponto de vista
deve ser complementar a ação Estatal.
A seguir, apresentamos de forma sucin-
ta o papel que deverá ser desempenha-
do pelo setor estatal, privado e das enti-
dades fi lantrópicas e sem fi ns lucrativos
na implantação do Sistema Nacional de
Assistência Técnica (S.N.A.T).
“A inexistência de uma
rede de assistência técnica
estatal difi culta e impede o
acesso de milhares de bra-
sileiros a moradia digna.”
sido reconhecido com um direito atra-
vés da emenda constitucional 26/2000,
foi apenas em 2002 com a criação do
Ministério das Cidades que o Estado
>>MORADIA<<
EM MOVIMENTO | 29
Conclusão
A garantia do direito à cidade sus-
tentável, entendido como o direito a
terra, à moradia, ao saneamento am-
biental, à infra – estrutura, mobilidade
(trânsito e transporte) e aos serviços pú-
blicos, ao trabalho e lazer, para as pre-
sentes e futuras gerações, só poderá ser
viabilizado com a implantação de uma
política nacional de assistência técnica
que articule as ações do poder público
federal, estadual e municipal.
Setor Privado
Exemplos:
• “Casar” o financiamento do material de construção à
mão de obra técnica;
• Criar financiamentos para contratação de projeto e
acompanhamento de obra;
• O setor privado de material de construção pode “forne-
cer o projeto” quando o individuo adquirir o material de
construção em determinado estabelecimento;
• Incentivar empreendimentos de “Escritórios Populares
de Engenharia”;
• Estabelecimento do mercado de engenharia popular;
Mercado Popular
de Engenharia
e Arquitetura
Foco Principal
Incentivar a criação de mecanismos que
permita a população de baixa renda con-
tratar profissional para elaboração e im-
plantação do projeto da habitação de in-
teresse social;
Exemplos:
• Escritórios Modelos;
• Empresas Junior;
• Entidades Profissionais;
• ONGs etc;
• F.P.I (FPI´s do sistema CONFEA - CREA)
Entidades Filantrópicas
e/o u sem fins lucrativos
Foco Principal
Atendimento individualizado e/ou coleti-
vo das famílias de baixa renda, protago-
nizando ações de Filantropia, Extensão
Universitária, Voluntariado e Fiscalização
e Manutenção dos Equipamentos Públicos
e Privados de Uso Coletivo.
30 | EM MOVIMENTO
O conceito de Relações de Gênero
explica a construção histórica e
social, com bases ideológicas e mate-
riais de papéis que homens e mulheres
exercem, e que se expressam tanto na
vida pública quanto na vida privada.
O termo “Gênero” é utilizado para
introduzir uma noção relacional no
nosso vocabulário analítico. Neste sen-
tido, as mulheres e os homens são de-
fi nidos em termos recíprocos e não se
pode compreender e/ou estudar um sem
relacionar com o outro.
Joan Scott é que nos trás a melhor
elaboração acerca do conceito de gê-
nero: “gênero é um elemento constitu-
tivo das relações sociais, baseado nas
diferenças percebidas entre os sexos...
o gênero é uma forma primária de dar
signifi cado às relações de poder”.
E como são essas relações de gêne-
ro no mundo da engenharia?
Desde a sua criação, primeiramen-
te para atender exigências militares de
guerra e defesa de territórios, até as de-
mandas em período mais recente, de ur-
banização, inovações tecnológicas etc.
o ramo da engenharia nas suas mais
variadas formas é um espaço de predo-
minância masculina.
Na Pesquisa Nacional de Amostra-
gem Domiciliar (PNAD), de 2002, o
Brasil contava com 306.986 profi ssio-
nais ocupados como profi ssionais da
engenharia. Destes, 273.037 (88.94%)
eram do sexo masculino e 33.949
(11.06%) do sexo feminino.
As pioneiras que resolveram “inva-
Neide Aparecida Fonseca,Especialista em Direito Constitucional e Político
e diretora da Confederação Nacional dos Tra-
balhadores do Ramo Financeiro - Contraf / Cut.
Foi presidenta da Uni Américas Mulheres.
DESAFIANDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO
DA ENGENHARIA MULHERES
Uma das conquistas da luta
feminista no mundo é o Conceito
de Relações de Gênero, devido à
grande contribuição teórica que
trouxe sobre a opressão vivencia-
da, na prática, pelas mulheres.
Esse conceito possibilita-nos
afi rmar o que dizia Simone de
Beauvoir em 1949: “Não se nasce
mulher, mas se torna mulher”, e
ainda permite-nos acrescentar:
não se nasce homem, mas se
torna homem.
>> IGUALDADE<<
EM MOVIMENTO | 31
MULHERES
dir” o mundo masculino da engenharia
deixaram um exemplo muito forte de
determinação. Entraram para a histó-
ria da engenharia no Brasil, mostrando
uma faceta triste do sistema patriar-
cal, que ainda hoje é muito gritante:
o segregacionismo.
¹Narra Telles , que as duas primei-
ras mulheres formadas engenheiras no
Brasil, Edwiges Maria Becker e Jovita
Garcia de Souza, nos idos de 1917, fi ca-
vam segregadas, não podendo sentar-se
junto aos alunos, e sim em cadeiras es-
peciais, colocadas à frente da primeira
fi la. Outras desbravadoras vieram em
seguida, sempre desafi ando o sistema,
como Iracema da Nóbrega Dias, que
em 1924 se tornou a primeira mulher
no Brasil a ocupar o cargo de professo-
ra em uma escola de engenharia. Era a
Politécnica do Rio de Janeiro.
Embora, essas e outras pioneiras, as
mulheres seguem sendo minorias nu-
méricas, tanto na profi ssão, quanto na
ocupação de determinados postos perti-
nentes à função da engenharia.
Dito de outro modo, o mercado
de trabalho é
segregacionis-
ta dando pre-
ferência aos
p rofi s s iona i s
engenheiros em
detrimento das
engenheiras. E
quando mulhe-
res são contrata-
das, ocorre uma
segregação de
tarefas. É a cha-
mada divisão sexual do trabalho.
Às engenheiras na maioria das ve-
zes são reservadas atividades dentro da
empresa, enquanto que aos homens ca-
bem atividades externas, como as que
se dão nos canteiros de obra, na pros-
pecção de petróleo, minas, ou na meta-
lurgia e mecânica.
Há, então, o que podemos chamar
de guetos profi ssionais. Por exemplo:
robótica e automação são campos de
atuação masculinos; áreas de adminis-
tração, consultoria, são campos onde a
atuação feminina é majoritária.
A Petrobras, até o fi nal da década
de 70, não admitia mulheres engenhei-
ras em seu quadro e somente em 24 de
setembro de 2007, portanto, há menos
de um ano, empossou a primeira mulher
em sua Diretoria Executiva, ocupando
o cargo de Diretora de Gás e Energia, a
Química Maria das Graças Silva Foster.
Não é preciso dizer que a remunera-
ção, em conseqüência da guetização, é
maior para os homens. Mesmo em pe-
ríodos de queda salarial, e a diminuição
da diferença salarial entre engenheiros
e engenheiras, como demonstrado na
tabela abaixo, persiste a inferiorida-
de de remuneração com base no sexo.
RENDIMENTO MÉDIO ANUAL DE ENGENHEIROS E
GANHOS DAS MULHERES EM RELAÇÃO AOS HOMENS
(EM SALÁRIOS MÍNIMOS) - BRASIL 1985 A 2002
1985 1990 1992 1995 1998 2002
9.78 11.52 12.87 16.26 16.41 13.68
16.54 23.29 22.36 25.02 23.29 19.23
Fonte: M.T.E./RAIS – estão incluídos os arquitetos e os designers, in
(http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n127/a0836127.pdf
Ainda hoje as engenheiras percebem
em média cerca de 70% dos salários
dos engenheiros.
Contudo, um grupo de mulheres
continua desafiando as relações de
gênero no campo da engenharia. Por
exemplo, na Politécnica entre 1950
e 1989, formaram-se 536 engenhei-
ras e somente nos anos 90, forma-
ram-se 764.
E continuam fazendo história, como
por exemplo, a engenheira Thais Fran-
chi Cruz, que foi a primeira mulher a
se formar como militar; a primeira a
fazer o curso de engenheira eletrôni-
ca do ITA – onde as engenheiras eram
vigiadas por seguranças – e o curso de
engenharia de vôo do Centro Técnico
Aerospacial (CTA); e a primeira enge-
nheira de ensaio em vôo da FAB em asa
fi xa, ou seja, em avião, e não em heli-
cóptero, formada em 2002.
Conforme Lombardi podem ser
identifi cados três patamares de parti-
cipação das engenheiras: 1.°) maior
expressão na Química e Produção (en-
tre 21% e cerca de ¼ dos empregos);
2.°) menor expressão na Mecânica e
na Metalurgia (não ultrapassando 6%
em 2002); 3.°) expressão intermediária
(entre 9 e 16%) nas demais especialida-
des, ressaltando-se a Engenharia Civil,
com 16,4%.
Quanto à Tecnologia, uma área ain-
da nova e com várias oportunidades, as
“Desde a sua criação,
primeiramente para
atender exigências milita-
res de guerra e defesa de
territórios, até as demandas
em período mais recente,
de urbanização, inovações
tecnológicas etc, o ramo da
engenharia é um espaço de
predominância masculina.”
¹ TELLES, Pedro Carlos da Silva,
História da Engenharia no Brasil –
Séculos XX, Editado pelo Clube de
Engenharia, 1993, 1ª Edição.
²LOMBARDI, Maria Rosa - Engenheiras
Brasileiras: Inserção e limites de gênero
no campo profissional, 2005.
³ Idem.
OS MUROS DA DESIGUALDADE
32 | EM MOVIMENTO
mulheres são minoritárias e também
recebem menos que os homens e têm
menos probabilidades de serem pro-
movidas, concentrando-se sistematica-
mente em níveis inferiores, raramente
ocupando postos de mando em todo o
mundo . No Brasil, a área de TICs -
Tecnologias da Informação e Comuni-
cação é um bom exemplo disso:
Vejamos o exemplo da União Eu-
ropéia (UE) acerca da distribuição de
investigadores, por âmbito científi co e
por sexo, na área de ensino no perío-
do de 2003, observando a proporção de
engenheiras e engenheiros, e façamos
uma refl exão se em nosso país seria di-
ferente para melhor ou para pior.
Como se pode ver na área da inves-
tigação cientifi ca, no que se refere à en-
É necessário que as mulheres dos diversos ramos da engenharia se unam, façam encon-
tros e congressos. Ao ganhar visibilidade, com certeza, as difi culdades em serem aceitas
e valorizadas no universo da engenharia se tornará história do passado que contaremos
sem saudades.
genharia e tecnologia homens são 20%
contra 12% de mulheres.
Desde as primeiras mulheres que
ousaram desafi ar as relações de gêne-
ro, estabelecidas por uma sociedade
eminentemente patriarcal, até as pro-
fi ssionais engenheiras atuais, ainda há
um longo caminho a ser percorrido de
modo que mudanças substanciais ve-
nham a ocorrer. Assim, se faz necessá-
rio que as mulheres dos diversos ramos
da engenharia se unam,
produzam mais pesquisas
a respeito das relações de
EMPRESA HOMENS MULHERES
Google 63% 37%
Microsoft 71% 29%
Digg 75% 25%
Mozilla 81% 19%
Facebook 70% 30%
HP Software 77% 23%
* http://outrastrilhas.wordpress.com/2008/08/01/meu-voto-vai-
para-anna-patterson-do-cuil/
gênero; façam encontros, congressos, e
ao ganhar visibilidade com certeza as
difi culdades em serem aceitas e valori-
zadas no universo masculino da enge-
nharia se tornará uma história do passa-
do, que contaremos sem saudades.
É preciso desafi ar as relações de gê-
nero estabelecidas no mercado de tra-
balho das engenharias. Que os muros
das desigualdades sejam derrubados!
4 Ciencia, Tecnología y género – Informe
Internacional Organización de las Nacio-
nes Unidas para la Educación, la ciencia
e la cultura.
Fonte: Ciencia, Tecnología y género
– Informe Internacional Organización de
las Naciones Unidas para la Educación,
la ciencia e la cultura, pg. 16.
>> IGUALDADE<<
Homem
Mulher
EM MOVIMENTO | 33
34 | EM MOVIMENTO
No ano em que se comemora os 60
anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o mundo ainda dis-
cute e leva aos tribunais os responsáveis
por holocaustos semelhantes ao que di-
zimou um terço dos judeus durante a
Segunda Guerra Mundial. É o caso do
ex-presidente sérvio-bósnio Radovan
Karadzic, que voltou ao Tribunal Inter-
nacional de Haia, na Holanda, para res-
ponder a acusações de crimes de guerra
Pouco a comemorar no aniversário da velha senhora humanista
Rosane de Souza
Direitos Humanos
Às 23 horas e 58 minutos do dia 10 de dezembro de 1948 foi pro-
clamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sessen-
ta anos após a adoção do principal instrumento de proteção dos
direitos da humanidade pela Assembléia-Geral das Nações Unidas
alguns povos ou mesmo grupos de pessoas ainda precisam que se
reitere que são seres humanos. Caso dos presos da prisão de Guan-
tánamo, base militar dos Estados Unidos em Cuba. Recentemente,
a Suprema Corte Americana decidiu, por apenas um voto, que os
prisioneiros de Guantánamo são sujeitos de direito.
>>DEBATE<<
EM MOVIMENTO | 35
e genocídio, e do ex-presidente da Yu-
goslávia Slobodan Milosevic, que mor-
reu enquanto aguardava julgamento.
Relatório da Anistia Internacional
alerta que as pessoas ainda são tortura-
das ou mal-tratadas em, pelo menos, 81
países. Em outros 54, muitas são subme-
tidas a julgamentos injustos, enquanto
“cidadãos” de 77 países não têm direito
a se manifestar livremente. Por conta
disso, Irene Khan, secretária-geral da
organização, pediu aos líderes mundiais
que se desculpem por seis décadas do
fracasso na defesa dos direitos humanos.
“Injustiça, desigualdade e impunidade
são as marcas do nosso mundo hoje”,
enfatiza Irene.
Ao fazer um balanço dos avanços
e recuos dos direitos humanos no Bra-
sil desde a aprovação do documento, o
presidente do Instituto dos Advogados
Brasileiros (IAB), Paulo Saboya, lembra
a violação dos direitos dos presos co-
muns. Segundo ele, há 328.776 presos
encarcerados no Brasil hoje, dos quais
um pouco mais de 134 mil em regime
fechado. “Eles são vistos apenas como
violadores e não detentores de direito,
daí lhes serem negados o acesso à edu-
cação, à higiene e até a uma habitação
digna na cadeia”, argumentou.
O jurista Fabio Konder Comparato
acredita que os brasileiros ainda têm
muito a aprender com os três preceitos
básicos da Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos – liberdade, igualdade e
fraternidade. “A igualdade é negada às
mulheres, negros e aos pobres. Os po-
bres são inteiramente desprezados em
nosso país.”
É com estas e muitas outras preocu-
pações que o Brasil realiza, de 15 a 18
de dezembro, a X Conferência Nacional
dos Direitos Humanos, para a aprovação
da terceira versão do Programa Nacional
de Direitos Humanos - PNH, que deve
incorporar mais fortemente a necessi-
dade de maior rigor nos programas de
combate ao trabalho escravo, à explora-
ção sexual de crianças, à tortura e viola-
ções que seguem cotidianas, o que prova
que as políticas desenvolvidas ainda não
atingiram o vigor necessário para pro-
duzir estatísticas declinantes como a de
redução da pobreza.
Polêmica sobre tortura
volta à cena
Utilizada agora pelos órgãos de se-
gurança pública contra pobres e supos-
tos criminosos, a tortura, inaugurada
pelos 21 anos de vigência da ditadura
militar, jamais deixou de ser assunto na
sociedade brasileira. O tema da tortura
como método de combate a opositores
voltou à tona recentemente, depois que o
Ministério Público Federal de São Paulo
entrou com uma ação civil pública con-
tra a União e dois ex-comandantes do
Destacamento de Operações de Infor-
mações - Centro de Operações de Defe-
sa Interna (Doi-Codi) do II Exército, em
São Paulo, no período de 1970 e 1976:
os militares, hoje reformados, Carlos
Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos
Maciel. O MPF pede que eles sejam pes-
soalmente responsabilizados por tortura,
mortes e desaparecimentos, informando
que, com a ação, pretende aplicar no
Brasil conceitos já pacífi cos no âmbi-
to da Organização das Nações Unidas
(ONU) e da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em relação a autores
de crimes contra a humanidade.
Na abertura da X Conferência Esta-
dual dos Advogados do Rio de Janeiro,
que elegeu como temas centrais os 60
anos da Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos e os 20 anos da Constitui-
ção Federal, os dirigentes da OAB se so-
lidarizaram com o Ministério da Justiça
e anunciaram a Ação Direta de Incons-
titucionalidade pedindo a abertura dos
arquivos da ditadura, assim como um
processo contra o Superior Tribunal Mi-
litar, em função da perda de documentos
considerados imprescindíveis no escla-
recimento de mortes e desaparecimentos
de opositores do regime militar.
Coincidentemente, a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, ao ana-
lisar diversos pedidos de indenização
de vítimas do regime militar, se depa-
rou com dois casos que, na opinião dos
seus integrantes, exigiam uma discussão
aprofundada e convocou uma audiência
pública para debater o assunto: os pedi-
dos do agente da repressão conhecido
como Cabo Anselmo e de camponeses
da região do Araguaia que trabalharam
como “bate-paus” do exército na repres-
são à Guerrilha do Araguaia.
Isso foi o bastante para que 600 mili-
tares, em sua maioria da reserva, se reu-
nissem em almoço para protestar contra o
que qualifi caram de defesa da revisão da
Lei de Anistia, movimento que, segundo
eles, estaria sendo liderado por ministros
do Governo do presidente Lula. No co-
meço do encontro, no Clube Militar do
Rio de Janeiro, uma carta assinada pelos
clubes do Exército, Marinha e Aeronáuti-
ca qualifi cou a proposta de “extemporâ-
nea, imoral e fora do propósito”.
Manifesto de juristas que passou
a circular na internet, em 11 de agos-
to, declara apoio ao Ministério Público
Federal, ao Ministério da Justiça e à
Secretaria Especial de Direitos Huma-
nos pelo “cumprimento de seus deveres
constitucionais e por prestarem este re-
levante serviço à sociedade brasileira e à
democracia”. Também prestam “solida-
riedade a todos os perseguidos políticos
que, a mais de três décadas, fazem coro
por uma única causa, a própria razão de
ser do Direito: que se faça a Justiça”, diz
trecho do manifesto.
Na opinião da comunidade de ju-
ristas, “nunca houve no Brasil uma le-
gislação de anistia que englobasse os
crimes praticados pelos agentes do Es-
tado brasileiro durante a ditadura militar
instaurada em 1964. A Lei 6.683/1979
concede anistia apenas aos crimes polí-
36 | EM MOVIMENTO
ticos, aos conexos a esses e aos crimes
eleitorais, não mencionando dentre eles
a anistia para crimes de tortura e desa-
parecimento forçado, o que afasta sua
aplicabilidade nessas situações. Além
disso, eles embasam a sua teoria na
própria Constituição de 1988 que em
seu art. 8º anistiou todos os persegui-
dos políticos, mas não se refere, em ne-
nhum momento, a anistia às violações
de Direitos Humanos”.
Com o objetivo de trazer à luz os
60 anos da velha senhora humanista,
que nasceu para proteger a humani-
dade, esclarecer as iniciativas do go-
verno Lula e provocar discussão mais
objetiva sobre crimes praticados no
Brasil, cujos autores jamais foram a
julgamento, esta edição de Em Movi-
mento publica depoimentos de quatro
personagens envolvidos na história:
o Ministro da Justiça, Tarso Genro, o
Ministro-Chefe da Secretaria Especial
de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi;
a presidente do Grupo Tortura Nunca
Mais, Cecília Coimbra, e a Diretora do
IFICS/UFRJ, Jessie Jane Vieira.
O Brasil declara corajosamente os seus errosPaulo Vanuchi, Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos.
>>DEBATE<<
A Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos foi o primeiro programa
político que a humanidade estruturou,
procurando assegurar o cumprimento
rigoroso e o respeito a todos os seus
preceitos. O Brasil, como qualquer país
do mundo hoje, é um país de parado-
xos. Há avanços no sentido de cumprir
esses preceitos e há uma violação ainda
rotineira nos direitos humanos, seja nos
seus componentes políticos, seja nos
vastos preceitos de direitos econômicos
sociais e culturais. o Brasil segue sen-
do um dos únicos países emergentes no
âmbito internacional que não faz parte
do time dos que negam o desrespeito aos
direitos humanos, como é possível ob-
servar nas reuniões das Nações Unidas.
O Brasil declara, corajosamente, seus
erros, e mostra que há uma disposição
da sociedade de acionar as autoridades
dos estados brasileiros a aderir a cada
preceito estabelecido na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, con-
siderando que há ainda muitos direitos
contidos no Código Civil e no Código
Penal que têm força de lei e devem ser
observados.
Daí, a importância dos debates e do
nosso pedido a Ordem dos Advogados
do Brasil para que incorpore no seu
exame de novos advogados uma prova
de direitos humanos, o que imediata-
mente exigirá a proliferação de cursos
e publicações que vão ajudar na forma-
ção de juízes, delegados e promotores,
além de aperfeiçoar não só a observân-
cia dos direitos trabalhistas, mas tam-
bém os direitos humanos.
Somos um país de avanços e recuos.
Paradoxalmente, reconhecemos que é
no período do regime militar brasileiro
que se marca a nova consciência em re-
lação aos direitos humanos. Ao estudar
a documentação sindical dos movimen-
tos de reforma de base, descobrimos
que não aparece nenhuma menção a di-
reitos humanos no governo anterior ao
regime militar. A consciência surgida
no regime militar é mantida pela pres-
são e organização da sociedade civil de
tal forma que começa a ser incorporada
pelos poderes legislativos.
Há outras questões a tratar. Não sa-
bemos quantos defi cientes há no Bra-
sil; a homossexualidade ainda tem que
ser mantida na clandestinidade pelas
vertentes de vulnerabilidade, discrimi-
nação e preconceito; e persistem os fa-
vorecimentos de concorrentes em qual-
quer acesso institucional. Nós temos
um conjunto de atividades que inclui a
busca do desbloqueio da discussão dos
direitos humanos para não aceitar e não
passar o recibo dessas violações. Esta-
mos criando, por exemplo, um progra-
ma de direitos humanos para policiais,
para que eles se tornem e sejam vistos
pela sociedade como defensores dos di-
reitos humanos.
Não posso também deixar de men-
cionar um tema que nós da Secretaria
chamamos de direito à memória e a
verdade. Não há a menor dúvida que
o grande nó dos direitos humanos hoje
é a segurança pública. Como fazer um
programa de segurança que combata o
crime com a lei e não com mais crime,
execução sumária, tortura, operações
espetaculares, a exemplo da que provo-
cou 19 mortes numa favela do Rio?
Quando o crime é combatido com
o crime nasce uma forte identidade
entre o agente do estado e o bandido:
nós somos iguais na violação das leis.
Eu tenho consciência de que o tema
do direito à memória e à verdade não é
mais forte do que o problema da fome,
do desemprego, da criminalização dos
movimentos sociais. Mas ele é tema
integrante da construção da democra-
cia brasileira e dos direitos humanos.
Ninguém é inimigo da Lei de Anistia,
mas nós somos capazes de analisá-la
nas suas contradições. É importante
que não se vire a página dessa história
sem reconhecer o direito das família da
vítimas , das ONGs, das universidades
e dos jornalistas de obter informações
que existem.
EM MOVIMENTO | 37
“É utopia acreditar que os homens
são livres e iguais.”Cecília Coimbra, fundadora do grupo Tortura Nunca Mais
“Só nós pagamos a conta”Jessie Jane Vieira de Souza, professora de história e Diretora do Instituto de Filosofia e
Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFICS/UFRJ).
O grupo Tortura Nunca Mais foi for-
mado em 1985, quando a gente tomou
conhecimento de que o comandante do
Corpo de Bombeiros do primeiro go-
verno de Leonel Brizola era o conheci-
do torturador Walter Jacarandá. Come-
çamos a descobrir outros integrantes do
aparelho terrorista do Estado ocupando
vários cargos de confi ança, como o
major da PM-RJ Riscala Corbage, res-
ponsável direto pela tortura e assassi-
nato do ex-deputado Rubens Paiva. Em
abril, começamos uma campanha con-
tra isso e, em novembro, anunciamos
formalmente a criação do grupo em se-
minário na universidade Cândido Men-
des, que reuniu três mil pessoas durante
uma semana.
A tortura institucionalizada ofi cial-
mente na ditadura faz parte da história
de violência de um país com 300 anos
de escravidão. Nossas subjetividades
estão produzidas para achar que negro e
descendente de negro não são humanos.
Nesse momento, um deles está sendo
torturado em alguma delegacia ou hos-
pital. Não falo só da tortura física, mas
da violência praticada nos manicômios
judiciários, contra crianças e adolescen-
tes e mais uma série de violências que
compõem uma questão pública que não
pode ser desqualifi cada.
Isso ocorre porque até hoje o Estado
brasileiro não assumiu sua responsabili-
dade pelas torturas, não veio a público
pedir desculpas do que fez: matou, se-
qüestrou, ocultou cadáveres, cortou ca-
beças e mãos dos integrantes da Guerri-
lha do Araguaia para que jamais fossem
identifi cados. Continuamos hoje, como
no século XIX, a acreditar que onde está
o pobre, está o criminoso, sendo a tortu-
ra um mal necessário. No mundo inteiro,
aliás, os direitos humanos sempre foram
para os considerados humanos, os seg-
mentos da burguesia e de parte da classe
média. Voltamos aos séculos XV e XVI,
quando foi preciso uma Bula Papal para
dizer que o índio tinha alma. O negro e o
pobre continuaram sem alma.
Lutamos pelo direito de saber o que
aconteceu, como aconteceu, onde estão
os corpos e os responsáveis pelas mor-
tes, abrir os arquivos da ditadura e fazer
uma releitura da Lei de Anistia. Quem
nunca foi responsabilizado por seus cri-
mes, não pode ser anistiado. O artigo
I da Declaração Universal dos Direitos
Humanos diz que todos os homens são
iguais e nascem livres. Quem dera isso
fosse verdade. É apenas utopia acredi-
tar que os homens são livres e têm di-
reitos iguais.
Havia em 1968 todo um contexto
internacional que nos levou a pegar em
armas para lutar contra a ditadura mili-
tar. O mundo estava convulsionado na
década de 60. Um movimento político-
cultural varria a Europa. Nos Estados
Unidos, a minha geração brigava pe-
los direitos civis, negados aos negros,
e contra a guerra do Vietnã, ao mesmo
tempo em que as mulheres exigiam
igualdade com os homens.
A revolução estava na ordem do
dia para os jovens brasileiros da mi-
nha geração. Na América Latina, a re-
volução cubana, em 1959, nos levou a
acreditar que era possível derrubar o
regime militar e instituir um governo
popular e democrático.
Claro que a luta corajosamente
assumida hoje pelos ministros Tarso
Genro e Paulo Vanucchi é pela pre-
servação da memória. É uma dispu-
ta sobre o que deve ser lembrado e o
que deve ser esquecido. Nós e nossos
vizinhos (Argentina e Chile) demora-
mos a fazer essa disputa. No Brasil,
principalmente, porque o processo
de retorno à democracia foi marcado
pela transição conservadora. Os atores
desse processo pactuado é que deram
o tom no Brasil. Eles pretendem zerar
a memória do passado em nome da re-
construção da democracia.
As vozes da direita e dos que se
aliam à desconstrução da memória es-
quecem que fomos os únicos a pagar
essa conta: fomos torturados, presos,
exilados e banidos da vida política.
Muitos de nós morrem por seqüelas
provocadas pelas torturas. Ainda assim,
eles falam como se nada tivesse aconte-
cido àqueles que lutaram.
Os únicos impunes até hoje são os
agentes do estado que perseguiram, tor-
turaram e mataram. E eles ainda fazem
discurso de herói. Apoderaram-se do
aparelho do Estado e praticaram todo o
tipo de crime.
Os militares brasileiros estão in-
quietos porque sabem que não têm
hegemonia muito clara em defesa do
esquecimento. Quem devia estar mais
interessado em esclarecer os crimes
cometidos durante a ditadura deveriam
ser os jovens militares. Eles deveriam
ser os primeiros a exigir o completo
esclarecimento das mortes e desapare-
cimentos por opção política em nosso
país, para não passem a vida inteira
com a pecha de torturadores.
38 | EM MOVIMENTO
“Tortura não é crime político, não foi e nunca será”Tarso Genro, Ministro da Justiça.
Depoimento extraído de discurso na X Conferência Estadual de Advogados,
realizada em agosto último na OAB-RJ
>>DEBATE<<
Estamos em um momento impor-
tante de consolidação do estado de
direito em nosso país. Não poderia
deixar de mencionar que, se é verdade
que o processo democrático está esta-
bilizado, ele precisa avançar mais no
sentido da consolidação das institui-
ções democráticas. Precisamos fazer
uma refl exão sobre a crise do direito.
Essa crise só pode ser discutida com
seriedade se nós compreendermos
que, no presente, está sempre contido
o passado e o futuro, como ensina o
poeta T.S. Elliot. Ele disse: “Tempo
passado e tempo futuro sempre con-
vergem para o tempo presente”. Ou
seja, não há presente sem o lastro do
passado e a projeção do futuro.
Já o velho Marx dizia que a tradi-
ção de todas as gerações mortas oprime
como um pesadelo o cérebro dos vi-
vos. Duas grandes personalidades, dois
grandes intelectuais da modernidade
convergem para a mesma concepção.
Nesse sentido, a crise do direito só pode
ser pensada a partir dessa contradição:
como o direito à modernidade, no pre-
sente, acompanha e molda os caminhos
da humanidade em direção ao futuro. Eu
posso afi rmar que isso está sintetizado
na velha disputa teórica, fi losófi ca e ide-
ológica dentro da ideologia do direito: a
contradição permanente entre a consti-
tuição formal e material. A constituição
formal tomada como o conjunto de re-
gras de um sistema de idéias que con-
verge para um determinado caminho; e
a constituição material, enquanto norma
concreta que opera seguindo os fatores
reais de poder. Esta contradição orienta
os caminhos de uma sociedade e hoje
gera estranhamento. Quem não compre-
ender essa questão e os motivos desse
estranhamento difi cilmente vai ajudar a
decifrar a esfi nge.
Recentemente ocorreu na sociedade
brasileira uma discussão sobre a tortura.
Ela aconteceu porque nós, no Ministé-
rio da Justiça, através da Comissão de
Anistia (hoje reorganizada e fazendo um
trabalho de graça para o Estado brasilei-
ro), começamos a avaliar alguns pedidos
de indenização e da aplicação da Lei da
Anistia. A Comissão de Anistia vai jul-
gar brevemente o pedido de indenização
de pessoas que tiveram um comporta-
mento fora da norma de direito aceita
pelo próprio regime.
Era preciso ouvir juristas, advogados
e estudantes de Direito, sociólogos, his-
toriadores e políticos, para que não seja
uma decisão puramente normativa, por-
que, ao se fazer isso, poderemos fazer
da pretensão da justiça a consagração da
máxima injustiça.
Nesse sentido, fi zemos uma audiên-
cia pública na qual ninguém do gover-
no fez qualquer menção à revisão da
Lei de Anistia. Ou sequer à abertura de
processo judicial, à semelhança dos que
ocorreram na Argentina ou no China.
Pelo contrário, as menções que se fi ze-
ram foram de respeito constitucional e
elogio às funções das Forças Armadas.
No entanto, as notícias que saíram foram
as de que o Ministro da Justiça propõe
a revisão da Lei de Anistia e processos
contra os militares que participaram da
repressão, quando nem sequer faláva-
mos de militares, mas de agentes públi-
cos, inclusive da polícia militar estadual.
Isso produziu uma discussão falsa na so-
ciedade, já que o fundamento da nossa
afi rmação eu refaço em qualquer lugar:
a tortura não é crime político. Não é na
situação brasileira, não é na legislação e
nem sequer nas leis de exceção. A par-
tir daí, se desencadeou uma repressão
informativa sobre esse fato, como se es-
tivéssemos fazendo uma provocação às
Forças Armadas e aos setores militares
Isso é sinal de que existe algo bem ins-
tável na efetividade da Constituição na
vida cotidiana das pessoas e de que al-
guém está querendo transformar o tema
da tortura num tabu porque ofende sus-
cetibilidades.
Isso signifi ca que o tema tortura
está na garganta da sociedade brasileira
como uma questão que deve ser elabora-
da, processada e integrada ao patrimô-
nio de nossa cultura jurídica: a tortura
não é crime político. Não foi, não é e
nunca será, independente do que pensa
o Ministro da Justiça. Falamos também
da tortura que ainda existe hoje sobre
cidadãos comuns na forma de ofensa à
dignidade, de instauração de inquéritos
que depois são anulados e, às vezes, até
levam à extinção da vida, ao assassinato.
É a defi nição do nosso futuro e da tran-
sição do estado de direito para um esta-
do social e democrático de direito que
está em jogo no País. Esta é a grande
questão que temos que desafi ar: obser-
var a Constituição de 1988 não somente
como um pacto político, mas como um
elemento fundamental para referenciar
a afetividade dos direitos sociais, das
garantias individuais e da capacidade
do estado de proteger os cidadãos e de
também atacar o crime organizado, a
corrupção, o tráfi co, enfi m, os assaltos
que vêm de fora do estado contra o in-
divíduo, mas que ofende o indivíduo e
o Estado, porque consolida a desconsti-
tuição da constituição na vida cotidiana
das pessoas.
Tenho a convicção que estamos num
momento virtuoso de nossa história, em
que podemos discutir abertamente todas
essas questões. Não devemos ter medo
de colocá-las em discussão, pois temos
um estado democrático de direito para
garantir a nossa liberdade. Só assim
seremos cidadãos cientes de que o que
temos ao nosso lado são extensões de
nós mesmos, representadas pelo outro,
nosso semelhante.
EM MOVIMENTO | 39
40 | EM MOVIMENTO 40 | EM MOVIMENTO
Você conhece a importância
do saneamento básico para a vida humana?
Para conferir a programação do Brasil no Ano Internacional do Saneamento
acesse www. cidades.gov.br/saneamento2008
A falta de acesso a água e saneamento mata uma criança a cada 19 segundos. O saneamento básico é um dos mais eficientes
preventivos para redução da mortalidade infantil, e tem relação estreita com outras áreas do desenvolvimento.
Por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o ano de 2008 como
o Ano Internacional do Saneamento, incluído nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
O saneamento básico entrou na agenda de prioridades das políticas públicas brasileiras com o aumento de recursos para
investimento e criação de um ambiente legal e jurídico para o setor, sendo uma das prioridades do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Governo e sociedade unidos decidiram formular e executar uma agenda de ações, em âmbito nacional,
para marcar a participação do Brasil no Ano Internacional do Saneamento.