Santiago, Aníbal, A Relação entre Cultura e Política através da Escola de Frankfurt,
http://bogiecinema.blogspot.com.
Com este trabalho, é pretendido analisar a relação entre cultura e política, através da
Escola de Frankfurt, estudando ainda as diferenças de opinião dentro instituição. Para
esse propósito, o trabalho irá ser dividido em várias unidades, para permitir uma melhor
problematização entre os diferentes trabalhos dos autores e das diferentes “escolas”,
assim, o trabalho irá iniciar-se com uma breve explicação sobre a Escola de Frankfurt,
como foram codificados estes conceitos, por quem, quais os objectivos destas.
Posteriormente serão analisados algumas das figuras mais proeminentes destas durante
o período em estudo. No caso da Escola de Frankfurt serão estudados separadamente
Adorno, Kracauer e Walter Benjamin. A decisão de separar os trabalhos dos diferentes
pensadores deve-se sobretudo para melhor evidenciar as ideias chave de cada um, a
noção que cada um tinha desta relação entre cultura e política, sendo também dado um
especial enfoque aos seus trabalhos individuais, apresentando a concepção que cada um
tinha da arte e da forma como a arte se relaciona com o indivíduo e como o torna capaz
de estar sujeito a uma maior influência por parte destas. No final as diferentes ideias e
teorias irão ser entrecruzadas para plasmar as diferenças ou melhor as rupturas de
pensamento existentes na Escola de Frankfurt, demonstrando que não havia uma linha
de pensamento consertada, uma disciplina de pensamento, que se impusesse a cada um
dos seus membros, bem como aquilo que unia as suas linhas de pensamento.
A Escola de Frankfurt e as limitações contidas no interior do seu termo:
Antes de iniciar o trabalho, há que referir as próprias limitações que têm estas
designações. O termo Escola de Frankfurt foi utilizado não pelos membros pertencentes
a esta dita escola, mas sim por estranhos a esta, nomeadamente críticos após 1950,
sendo pouco aceite pelos pensadores da mesma, como Adorno e Horkheimer que
utilizam muito pouco o termo.1O termo Escola de Frankfurt não se refere a uma escola
propriamente dita mas sim a uma escola de pensamento, da qual faziam parte alguns
elementos ligados ao Institut für Sozialforschung ou seja Instituto para Pesquisa Social.
Entre os membros mais proeminentes da Escola de Frankfurt, que dissertaram sobre a
relação entre cultura de massas e política, encontram-se nomes como Walter Benjamin,
1 Tar, Zoltán, Frankfurt School, P.25.
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Siegfried Kracauer, Herbert Marcuse e mais tarde
Jurgen Habermas. Apesar de estes apresentarem uma grande variedade de analisadas e
de estes como já foi referido e como ficará provado mais adiante não serem uma escola
no sentido tradicional do termo, no entanto, pode-se salientar alguns temas tratados por
estes. No caso de Walter Benjamin pode-se salientar os ensaios sobre a reprodução
técnica da arte, com especial enfoque na fotografia e no cinema, e as consequências que
estas trazem não só à arte, como à sociedade do seu tempo; no caso de Adorno, o
conceito de Industria Cultural, e o valor da obra de arte; no caso de Kracauer temos
presente a relação entre o Cinema e a sua relação com a sociedade que acompanha a
cronologia em que os filmes são produzidos, entre outros temas que os vários membros
do Instituto para a Pesquisa Social.
Os membros do Instituto foram um dos exemplos paradigmáticos da esquerda
intelectual do Século XX, nomeadamente ligados a uma concepção de Marxismo
Ocidental, estes tinham uma especial atenção aos diversos níveis da sociedade e o
Homem como elemento capaz de participar nas transformações da sociedade, no caso
da Escola de Frankfurt assiste-se a uma grande preocupação, por parte destes elementos,
pela assimilação da cultura no campo da política, o papel da cultura de massas na
sociedade.
A partir de 1933, vários dos elementos mais proeminentes da Escola de Frankfurt vão
ter de abandonar aos poucos o território Alemão, consequências da ascensão Nazi ao
poder, algo a que não é alheio muitos destes membros serem de origem judia. Deve-se
salientar que não viam este exílio com especial remorso mas sim como a consequência
natural do seu papel crítico, da sua fertilidade intelectual que proporcionava algum
incómodo ao poder político, cumprindo aquilo a que propõem na maioria dos seus
ensaios, desafiar o status quo e a alienação do indivíduo da sociedade em que vive.
Martin Jay salienta que para se poder estudar este Instituto no seu todo, ou seja, um
trabalho completo e elaborado sobre o conjunto da obra de todos estes autores, seria
necessária uma nova Escola de Frankfurt, tal a quantidade de assuntos tocados por estes
ao longo das suas obras. Esta situação leva a que se tenha de fazer pequenos estudos
individuais sobre as temáticas, o que poderá levar a algumas incoerências, no entanto, as
temáticas que estes abordam acabam por se interligar em certos e determinados pontos,
que possibilitam uma avaliação temática do trabalho dos mesmos, mesmo que para isso
se tenha uma concepção superficial dos outros temas.2 No caso deste trabalho irá ser
adoptado este método temático que Martin Jay refere na sua obra, indo assim ser
analisados alguns dos trabalhos de elementos do Instituto, sobre a Relação entre Cultura
de Massas e Política, com especial enfoque no Cinema, e nos efeitos que a indústria
cultural tem sobre a sociedade do seu tempo.
Para o trabalho vão ser focados os ensaios de Walter Benjamin, Theodor Adorno,
Siegfried Kracauer.
Antes de começar a analisar a relação entre Cultura Popular e a Política para Walter
Benjamin, importa apresentar o autor. Este para além de ter sido um dos elementos mais
proeminentes da Escola de Frankfurt, foi também um dos membros que mais se afastou
desta. É considerado um sociólogo, filósofo, ensaísta, crítico literário, ou seja, existe
uma grande dificuldade em atribuir-lhe uma actividade que tenha exercido que tenha
tido mais proeminência do que outras, revelando não só a fragmentação da sua obra, tal
como a quantidade de ensaios que produziu ao longo da sua curta vida. De notar que o
seu trabalho só conheceu grande reconhecimento após a sua morte.3 Toda esta situação
leva a que Hanna Arendt considere Benjamin como “o Marxista mais popular deste
movimento”.4 Muito do seu optimismo em relação às possibilidades do Cinema (ao
contrário de Adorno), vem da sua relação com o Cinema Soviético do período pós-
Revolução Russa, onde o experimentalismo de cineastas como Eisenstein, Dziga
Vertov, entre outros encantava pelas inovações que traziam ao Mundo Cinematográfico.
As ideias plasmadas na obra são fulcrais para a elaboração de uma análise política dos
filmes.
Entre os vários ensaios escritos por Walter Benjamin, a obra, A Obra de Arte na Era da
Sua Reprodutibilidade Técnica, é uma das mais conhecidas do público em geral, nesta o
autor partilha com o público não só as suas preocupações quanto ao relacionamento
entre a política e a arte, bem como a sua procura do valor da arte. No seu ensaio
seminal, chama à atenção de que a obra de arte sempre foi susceptível de ser
reproduzida ao longo da história, no entanto, a reprodução técnica da arte foi um
processo lento que ocorreu ao longo da história, e que irá trazer alterações significativas
2 Jay, Martin, La Imaginacion Dialectica, Pp.15-16. 3 http://www.marxists.org/glossary/people/b/e.htm#benjamin-walter. 4 Arendt, Hanna, Men in Dark Times, P.163.
à “indústria do belo.”5 Apesar de considerar que este trouxe alterações significativas ao
conceito de arte, e é sobre este ensaio de Benjamin, juntamente com referências a outros
ensaios do autor que o trabalho se irá agora debruçar.
Benjamin vai traçar uma linha cronológica para demonstrar a evolução da Reprodução
Técnica da Arte, este é um processo iniciado na Antiguidade Clássica, com a fundição e
o relevo por pressão, assim eram apenas passíveis de serem reproduzidos, os bronzes, as
terracotas e as moedas. Apesar da Xilogravura se encontrar entre as obras reproduzidas
tecnicamente, coloca como ponto crucial para a alteração da concepção de arte, a
fotografia. Nesta deve-se destacar o facto de a mão perder o seu papel fulcral na
elaboração da obra de arte, passando este para o olho sobre a objectiva. Com a
fotografia a reprodução das imagens pode fazer-se a “um ritmo tão acelerado que
conseguiu acompanhar a própria cadência das palavras”.6 Estas técnicas de reprodução
da arte, atingiram tal proporção que são capazes não só de influenciar as formas
artísticas existentes/tradicionais, como assumirem-se como forma de arte originais.
Walter Benjamin coloca a Fotografia e o Cinema como dois meios capazes de
revolucionar a arte do seu tempo e as formas de arte pré-existentes, esta reprodução
técnica da arte irá assim alterar os conceitos pré-estabelecidos de cultura e estética,
através da reprodução técnica. A reprodução técnica vai permitir que não se dependa
tanto do objecto original, do que a reprodução manual, pelo contrário, visto que em
determinadas situações permite ter uma melhor visão do objecto do que ao ver o
original. Por exemplo, uma fotografia pode permitir uma melhor visualização do que o
objecto original, visto que ao ser tirado por diversos ângulos permite ao receptor ver
pormenores na imagem que não conseguiria ver à vista desarmada, que não conseguiria
ver apenas com o olhar pois este não consegue captar a totalidade do objecto.
No entanto, esta reprodução técnica da arte iria trazer os seus custos para a obra de arte,
nomeadamente a perda da aura. Mas o que é este conceito de aura para Benjamin? Este
conceito de aura na arte estava associado à arte manual, à autenticidade da mesma, que
com a reprodução técnica da arte acaba por esbater-se, esta deixa de ser única e distante,
deixa de estar fora do alcance da maioria, o que leva a uma maior proximidade entre o
indivíduo e a arte. Esta situação encontra-se ainda associada ao conceito de possessão,
ao desejo do indivíduo ter uma reprodução do objecto para si, de estar o mais próximo 5 Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, in: Geada, Eduardo, Estéticas do Cinema, p.15. 6 Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, in: Geada, Eduardo, Estéticas do Cinema, p.17.
possível da “peça original”. Esta perda do conceito de aura deve-se sobretudo à perda da
noção de originalidade, de que o objecto que tinha junto de sim era único, ou melhor,
poderia haver réplicas, no entanto o original transmitia uma aura que nenhum outro
teria. Ou seja, a partir do momento em que a obra de arte passa a ser reproduzida
tecnicamente, esta perde parte da sua autenticidade, do seu hic et nunc, o que levaria a
uma banalização da arte. De notar, que esta não é a primeira vez que Walter Benjamin
utiliza o conceito de aura, tendo utilizado e definido o mesmo em Pequena História da
Fotografia (1931), onde conceptualiza o mesmo da seguinte forma. “Uma trama
peculiar de espaço e tempo: aparência única de uma distância, por muito perto que
possa estar. Descansando numa tarde de Verão, seguindo a linha de uma montanha no
horizonte, ou um caminho que lança as suas chamas sobre o observador, até que o
instante ou a hora participem da sua aparência – é isto a aura da respiração desta
montanha, deste caminho.”7 O conceito de aura para Benjamin aparece assim
relacionado com a proximidade que o público e a obra de arte têm um com o outro,
onde a obra apresenta um valor inesgotável perante o receptor, mantendo sempre uma
distância transcendente para com este, mesmo que esteja fisicamente próximo. A perda
da aura aparece associada à vontade de apropriação do objecto por parte do indivíduo,
que deseja uma maior proximidade com este, quebrando a corrente que o torna único. A
reprodução técnica vai assim ao anseio do indivíduo, que pretende reproduzir e
aproximar-se do único. Aqui vai embater na teoria de Adorno, de que a reprodução
técnica desvirtua a obra de arte, algo que será analisado mais adiante. Nesta obra vai
também dividir a presença da aura em três períodos, um composto pelas fotografias
antigas, onde no caso das fotografias antigas a aura aparecia como algo imanente às
mesmas, um segundo período onde se assistia ao declínio da aura e a criação de auras
artificiais, e num último momento refere a destruição da aura, com Atget, que Benjamin
considera que a obra de arte perde a sua aura, quando perde a sua função de ritualidade,
ou seja, quando a obra deixa de ter um valor de originalidade, deixa de ser única,
quando perde um valor transcendental que lhe é atribuído por quem o recebe. Considera
que esta libertação da arte, dos grilhões do rito como algo de positivo, que retira a arte
do campo de uma minoria, para a colocar junto das massas, libertando o homem das
massas do Capital, poderia ser uma fonte de emancipação, possibilitaria uma
democratização da informação. Perante esta situação dicotómica, entre a arte manual e a
7 Benjamin, Walter, Pequena História da Fotografia, p.127.
arte reproduzida tecnicamente, distingue duas formas do sujeito cognoscente receber a
obra de arte, uma como um objecto de culto e outra que remete para o valor de
exposição do objecto. No caso do objecto de culto, remete para uma obra que não pode
ser reproduzida na sua essência, cuja autenticidade é transmitida através da sua aura.
Este objecto de culto não era para ser visualizado e apreciado por todos, mas sim por
uma minoria que tinha acesso ao mesmo. Em oposição a este conceito de recepção à
obra de culto, está o valor de exposição do objecto. Este era um meio de expor as obras
a um público mais lato, como que a uma democratização do trabalho artístico.
Esta situação acima referida leva a que o valor artístico sofra uma perda de
reconhecimento em relação ao valor de reprodução. As obras passam a ser mais
valorizadas pelo público pela proximidade que se apresentam junto destes, do que as
obras que se encontram distanciadas. Importa ainda traçar um pequeno plano sobre a
fotografia para Benjamin, o porquê dele ter considerado esta como o último reduto da
aura e as transformações que esta foi tendo desde a sua invenção, em Pequena História
da Fotografia, algo oposto ao que apresenta da fotografia na Obra de Arte na Era da Sua
Reprodução Técnica, o que demonstra a fragmentação dos trabalhos de Benjamin.
Com a fotografia, o valor de culto é remetido para segundo plano, isto não significa que
o mesmo seja totalmente abandonado. Para Benjamin, é na fotografia que reside o
último reduto da aura, da autenticidade da obra, não na representação da paisagem ou do
objecto isolado, mas sim no rosto humano, dando para exemplo uma fotografia da
infância da Kafka. A partir do momento em que o rosto humano deixa de ser o objecto
principal da fotografia, esta perde o seu valor de culto. Esta figura de Kafka aparece
representada na segunda fase da produção fotográfica, em que este considera que a
fotografia continha uma aura que envolvia a figura humana representada, em que, “o
rosto humano era envolvido por um silêncio em que repousava o olhar”8, em que o
homem era a figura representada e não o acessório. Dá o exemplo de uma fotografia de
Kafka, quando este ainda era jovem, em que refere “num fato de criança, certamente
desolador, sobrecarregado de berloques, vê-se um rapaz de aproximadamente seis anos,
numa espécie de paisagem de um jardim de Inverno. Ao fundo, folhas de palmeira. (…)
Claro que a criança desapareceria no meio deste arranjo, se os seus olhos, de uma
imensa tristeza, não dominassem a paisagem que lhe tinham construído.”9 Com esta
descrição da fotografia de Kafka, Benjamin apresenta a segunda fase da fotografia,
8 Benjamin, Walter, Pequena História da Fotografia, p.120. 9 Idem, p.124.
quando a aura já estava a esvanecer-se da mesma, com a criação de toda uma
parafernália envolvente à mesma que retirava a atenção ao objecto principal da foto, no
caso do exemplo, este dá o exemplo dos olhos de Kafka como o último refúgio da aura
presente na foto, que lhe dá autenticidade e algum mistério. Em A Obra de Arte na Era
da Sua Reprodutibilidade Técnica o conceito de aura não se encontrava imanente à
fotografia, pelo contrário, esta à imagem do Cinema era vista como a guilhotina que se
abateu sobre a aura, é vista como um factor para a destruição da aura, para o seu
declínio. E se a fotografia em Benjamin já foi analisada, importa agora partir para a
análise da visão de Cinema de Walter Benjamin.
O cinema e a reprodução técnica são indissociáveis, para Walter Benjamin, esta está
presente na quer na concepção do filme, nomeadamente durante o processo de
filmagem, como no processo de reprodução, onde este é exibido vezes sem conta nas
salas de cinema. Vai dar o exemplo da representação do actor de Cinema como um
exemplo da representação mecânica da arte, contrastando o actor de cinema com o actor
de teatro, que tem uma actuação espontânea visto estar a representar perante uma plateia
que lhe vai dando um feedback sobre o que está a resultar ou não através das reacções
enquanto assistem à peça. O actor de teatro representa perante o público, contactando
directamente com este, tendo de adaptar a sua actuação consoante as reacções do
mesmo, já o actor de Cinema, representa perante a câmara, obedecendo a certos
mecanismos técnicos de representação, pelo que a sua actuação deixa de estar sujeita a à
aprovação directa do público para passar a ser avaliada por uma série de testes ópticos
resultantes do trabalho do realizador com a câmara de filmar. A segunda consequência
apontada por Benjamin sobre este processo passa não pela forma como o actor
representa mas sim pela forma como o espectador encara o trabalho elaborado pelo
actor de cinema, que remete para a evidência acima demonstrada, quanto ao público não
encarar directamente o actor e devido a esta situação, criar-se um distanciamento que
leva o espectador a tornar-se um crítico quanto à representação do actor, quanto ao
trabalho deste, deixa de haver uma proximidade tão grande gerada pela proximidade
espacial entre ambos. Descreve o actor de Cinema como uma artista privado de aura,
que se encontra despojado da mesma, “no teatro, a aura de Macbeth é inseparável da
aura do actor que desempenha esse papel, tal como o sente o putativo vivo. A filmagem
em estúdio tem uma particularidade, a de substituir o público pela câmara. A aura dos
interpretes desaparece, necessariamente e com ela a dos personagens que eles
representam.”10
Se já nos referimos à concepção de Benjamin sobre o relacionamento do público com o
actor e vice-versa, bem como esta situação afecta o trabalho efectuado pelo actor, algo
que não acontece no Cinema pois este não contacta com o primeiro directamente,
importa ainda referir a manipulação inerente ao trabalho do actor de Cinema. Esta
manipulação do trabalho do actor é algo que para Benjamin surge devido a vários
factores, como este trabalhar em diversos cenários, filmar as cenas fora da sequência
lógica da narrativa, estar condicionado pela acção do realizador, que utiliza diversas
técnicas e dispositivos para condicionar a sua actuação consoante a sua visão da cena ou
da actuação do actor. Perante estes exemplos referidos sobre o trabalho do actor de
Cinema, nota-se uma proletarização do actor, tanto é que Walter Benjamin vai comparar
o trabalho do actor ao operário que trabalha numa fábrica, onde a partir do momento em
que começa a exercer o seu trabalho deixa de poder utilizar a sua imaginação, de
demonstrar os seus sentimentos.
Mas se o Cinema dissipa a aura imanente às obras de arte, então como cria um
sentimento de ligação tão forte entre o público e o actor? Segundo Benjamin, o Cinema
cria uma aura artificial, construída fora do estúdio e das salas de cinema, constrói a
“personalidade do actor”, o culto da vedeta, que favorece o capitalismo dos produtores,
que criam uma imagem rentável à volta da estrela de Cinema, aproveitando a aderência
por parte do público.11 Seguindo esta linha de raciocínio, considera que enquanto o
Cinema estiver preso às amarras do capitalismo, o máximo que pode esperar
revolucionar é a concepção de arte. Ou seja, abre uma excepção para alguns casos, via o
Cinema fora da órbita capitalista como algo capaz de aspirar a mais do que a desafiar a
concepção de arte pré-estabelecida, vendo nos Filmes um meio capaz de desafiar o
status quo. É neste sentido, que demonstra um certo entusiasmo quanto aos
acontecimentos ocorridos na União Soviética, que segundo este conseguiu atingir um
grande desenvolvimento, e traça um paralelo dos avanços sociais Soviéticos, com a
produção cinematográfica destes, que proporcionava ao povo a possibilidade de
participar, as massas que queriam participar tinham grandes hipóteses de participar nos
filmes Soviéticos desse tempo, veja-se o caso de Eisenstein em O Couraçado Potemkin; 10 Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, in: Geada, Eduardo, Estéticas do Cinema, p.28. 11 Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, in: Geada, Eduardo, Estéticas do Cinema,, p.29.
e Outubro, onde o colectivo é o personagem principal e não o particular. Ao elogio do
exemplo Soviético apresenta uma visão negativa no que respeita às produções
Ocidentais, que primam pela ilusão, de criar estrelas estereotipadas nas quais as pessoas
se revêem e se iludem.
Mas qual era a relação entre o público e o cinema para Benjamin? Como estes viam o
Cinema em comparação com outras características progressistas associadas ao
espectador, estão inerentes ao facto deste ter uma maior proximidade com essa arte,
com os trabalhos cinematográficos, do que com uma obra de Picasso. Esta relação de
proximidade cria uma maior intimidade entre o público e a obra de arte, no caso do
Cinema esta torna-se acessível às massas. Esta relação não passa apenas entre o Homem
e o grande ecrã, mas também na forma como este se representa no mesmo, como este se
reflecte naquilo que está a ver.12 Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica.
Entre um dos atractivos do cinema, Benjamin apresenta o alargamento do ângulo de
visão, e explica porquê, através de uma comparação entre a ida ao café e a ida ao
Cinema, no café um indivíduo encontra-se confinado a um local fechado, no caso do
Cinema, através dos ângulos de câmara, das diferentes perspectivas e diferentes locais
apresentados, dos jogos efectuados com a imagem em movimento, o espectador passa a
ter uma visão mais profunda do real, “pela primeira vez, abre-nos a experiência do
inconsciente tal como a psicanálise nos fornece a experiência do instintivo”.13
Assim, Walter Benjamin vai apresentar um discurso algo diferente dos seus colegas de
Frankfurt, algo que poderá ser visto com maior precisão mais à frente. Assiste-se a um
optimismo exacerbado sobre a cultura de massas, considerando que as inovações na
reprodução técnica da arte seriam suficientes por si só para revolucionar a produção
artística. Para além de revolucionar a produção artística, esta seria capaz de revolucionar
as estruturas sociais, visto que, o Cinema poderia servir a causa proletária, do
proletariado que se prepararia para ascender ao poder. A relação da arte dependia da
interligação entre três elementos, aura, valor cultural e autenticidade. Para além destes,
Walter Benjamin referia-se ainda à unicidade, ou seja, à impossibilidade de copiar uma
obra de arte sem ser através da falsificação da mesma. O conceito de aura vai estar
presente em vários dos ensaios de Walter Benjamin, este está associado à perda de
originalidade da obra de arte a partir do momento em que esta ganha um valor
12 Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, in: Geada, Eduardo, Estéticas do Cinema, p.35. 13 Idem, p.36.
comercial, onde perde o seu valor de autenticidade e passa a ter um valor monetário que
a aproxima do indivíduo. Ao colocar no desejo do indivíduo de possuir o objecto, de ter
uma maior proximidade com ele, vai embater nos conceitos de Adorno e Kracauer. No
caso do primeiro, considera que isso não só desvirtuaria o conceito de arte como iria
modelar o indivíduo já Kracauer coloca no público que assiste aos filmes alguma parte
da culpa na forma como estes são feitos e a história que é representada.
Theodor Adorno:
Theodor Adorno, em 1934, abandona a Alemanha, indo para os Estados Unidos, ao
contrário de Benjamin e Kracauer, que dirigem-se primeiro para França. Escreveu um
vasto número de obras, tais como Dialectic of Enlightenment (com Max Horkheimer),
The Authoritarian Personality, Minima Moralia, entre outras. Os seus ensaios sobre a
cultura de massas e a sua relação com a sociedade e a política são sobejamente
conhecidos, sendo ainda discutidos nos dias de hoje, sobretudo nos Estados Unidos pelo
ressurgimento do interesse pelos Cultural Studies britânicos nos meios académicos, que
por sua vez discutiam os trabalhos deste (ainda que não de forma muito positivo). Antes
de se começar a estudar as obras de Adorno, sobre a relação entre Cultura e Política,
deveremos ter em atenção ao facto de estar ligado a um marxismo Ocidental, que teve
raízes na Alemanha antes da II Guerra Mundial, denominada por Crítica Teórica14. A
sua visão sobre Cinema difere bastante do “positivismo” de Benjamin e Kracauer, algo
que Martin Jay atribui ao facto de ter escrito a obra depois do Instituto de Frankfurt ter
sido encerrado em Março de 2008, com a acusação de ter tendências hostis ao Estado.15
Concorda com Walter Benjamin sobre o declínio da aura nas obras de arte, como o
próprio refere numa das suas cartas trocadas com Benjamin, “Concordo contigo que o
elemento de aura do trabalho artístico/obra de arte está em declínio”, no entanto, vê esta
situação com um grau negativista elevado, ao contrário do colega que vê na reprodução
mecânica da arte uma possibilidade positiva de democratização da arte, do final da sua
subjugação ao valor de culto. As reservas apresentadas por Adorno em relação ao
Cinema devem-se sobretudo à base fotográfica inerente à representação
cinematográfica, o que subentende uma aparente duplicação imediata da realidade
empírica, ou melhor de uma transformação da realidade.
14 Carroll, Noëll, A Philiosophy of mass art, p.71. 15 Jay, Martin, The Dialectical Imagination, A History of the Frankfurt School and the Institute of Social Researche 1923—1950, Boston, 1973, p.29.
Theodor Adorno, vai ser dos primeiros pensadores a separar a high culture da popular
culture, ou seja entre a arte séria e a arte ligeira (a chamada Cultura Industrial). Essa
divisão está por demais evidente, quer nas suas obras, quer na correspondência que
trocava como, com Walter Benjamin, quando refere o mal estar causado pela “ideia de
que um reaccionário, é transformado num membro da avant-garde por ser um expert nos
filmes de Chaplin parece-me ser uma romantização (…)” E explica o porquê de não
considerar os trabalhos de Chaplin uma obra de arte como outras, “precisamos apenas
de ouvir o riso do público para perceber o que está a acontecer16” ou seja, efectua desde
logo uma barreira entre aquilo que considera cultura de massas e a alta cultura. Esta
comparação com os filmes de Chaplin vai assim contra a opinião de Benjamin, que
como já foi referido, considerava que se a maioria da população era reaccionária ao
rejeitar a arte de Picasso, eram altamente progressivos ao aceitarem os filmes de
Chaplin, ou seja Benjamin vê na reprodução mecânica da arte uma forma de aproximar
os cidadãos com a sua cultura. Mas Adorno não vai só criticar este ponto, vai também
criticar o carácter comercial da cultura, considera que esta situação causa as diferenças
existentes entre cultura e trabalho se dissolvam, onde a cultura e a realidade empírica se
confundem e se tornam cada vez mais indistintas.17
Em The Culture Industry, coloca a rádio, cinema, imprensa, no mesmo plano
considerando que estes formam um conjunto, ou melhor um “sistema de ferro,” que está
sob a órbita do capitalismo, levando o cidadão a dissolver a sua individualidade na
superstrutura capitalista de produção cultural. E explica porque é que essa suposta
individualidade é perdida, pois o indivíduo como força produtora e consumidor é levado
para o centro da vida pública que o transforma num consumidor, o público e o privado
vêm a barreira que os separava tornar-se cada vez mais ténue. Vai haver uma
monopolização do tempo do lazer, onde a cultura se torna uma comodidade, se torna
próxima de qualquer um, e a fábrica a indústria onde produz, criando-se um movimento
circular, onde lazer e trabalho se misturam, ou sejam a produção capitalista “manipula
corpo e alma”18 dos trabalhadores. Este considera que essa indústria apesar de adaptar
os seus produtos aos gostos do consumidor vai também modelar os gostos dele, entre os
exemplos que refere, dá o caso de obras como as de Beethoven serem utilizadas para
bandas sonoras de filmes, ou obras como Guerra e Paz de Tolstoy serem adaptadas ao 16 Adorno, Theodor, Horkheimer, Max, The Schema of Mass Culture, p 66 17Adorno, Theodor, Horkheimer, Max The Schema of Mass Culture, p.53. 18 Adorno, Theodor, Horkheimer, Max,The Culture Industry: Enlightenment as Mass Deception, in: http://www.marxists.org/reference/archive/adorno/1944/culture-industry.htm.
grande ecrã, para este, o facto de fenómenos como estes acontecerem devem-se mais ao
facto desta indústria querer, do que pelo facto do público pretender situações como as já
referidas. Ou seja trata o público como um alvo a ser manipulado, situação esta que será
muito discutida nos trabalhos de Adorno sobre Cultura de Massas, onde demonstra a
sua preocupação pelo facto desta manipular o público, criar-lhe um sentimento de falsa
independência, qual Cesare pronto a cumprir as ordens de Dr.Caligari19.
Reflecte sobre a publicidade, que compele o indivíduo a comprar o que pretende e o que
não pretende, mas não só, a ser impelido a tomar certas decisões e a criar certos hábitos
inspirados no que assistem no grande ecrã. Esta com uma estrutura pré-definida, que
estuda os gostos da população, procura mais do que satisfazer os gostos do alvo da
campanha, procura aliciá-lo a “comprar o produto”, que este sinta a necessidade de algo
que não precisa. O consumidor é tratado como um número, para os estudos estatísticos,
que dividem os gostos em blocos e procuram tornar o produto apetecível tendo em
conta os gostos de cada um. De notar que procuram tornar o produto apetecível ao
público e não dar ao público aquilo que ele quer, ou seja, está aqui presente uma grande
carga de manipulação em todo este processo, tendo em conta a opinião do autor. Entre
os aspectos mais negativos que esta “publicidade” tem sobre as sociedades
contemporâneas, está o facto de estas serem impregnadas pelo mito do sucesso, seja
através do grande ecrã ou da televisão, onde assistem a casos de exemplos de sucesso,
são levados a acreditar que ao trabalharem cada vez mais, ao aceitarem os padrões
sociais transmitidos poderão atingir uma melhoria na qualidade de vida, seja a nível
profissional, a nível pessoal, de lazer. O mito do self made men, capaz de se construir a
si próprio, como um meio de perpetuar o status quo, de conformismo por parte do
cidadão para com o seu papel na sociedade. Nesse sentido, afirma que “O consumidor
não é o rei como a indústria da cultura gostaria que nós acreditássemos, nem é súbdito,
mas sim o seu objecto.”20 Assim Adorno evidencia os limites que esta cultura de massas
impõe ao espectador, que vê o seu inconsciente ser tomado por estas produções
culturais.
Quanto ao papel persuasor do Cinema, recupera o conceito Kantiano de que o ser
humano tem na alma um mecanismo secreto que prepara as intuições imediatas, de
modo a se poderem ajustar no seu pensamento, que podem ser revelados no sistema de
19 Referência ao filme, Das Kabinet Dr.Caligari, que será alvo de análise durante o estudo sobre a relação entre cultura e política, no ponto de vista de Siegfried Kracauer. 20 Adorno, Theodor, Culture Industry Revisited, In: New German Critique. P.12
razão pura. “A multiplicidade da experiência sensível precisa de ser ordenada pelo
sujeito – para fazer sentido – através de um processo misterioso que o filósofo chamou
de esquematismo.”21 Adorno avisa que este misterioso mecanismo foi decifrado, que a
indústria cultural conseguiu descobrir como ultrapassar esse ultimo obstáculo para
chegar à consciência do indivíduo, levando-o a perder a individualidade da função,
esquematizando tudo no lugar deste, pensando por este ou melhor levando-o a pensar
que está a pensar por si próprio. Vai exemplificar esta situação através do cinema, onde
exemplifica clichés que são seguidos para chamar a atenção do público, desde a música
presente na banda sonora, a perda de estado de graça por parte do Herói para depois a
recuperar, os gags, as anedotas, segundo este “assim que o filme começa, torna-se claro
como irá acabar, e quem acabará recompensado, punido ou esquecido.”22 E explica a
sua noção sobre cinema, para ele o cinema procura reproduzir as sensações diárias do
ser humano, e consegue-o fazer a ponto da “vida real tornar-se indistinguível dos
filmes”, sobretudo a partir do cinema sonoro, que prende os sentidos do espectador,
deixando-o sem espaço para pensar. Realça a importância do som, do gesto, da palavra,
visto que se o espectador ficar atento a todos estes aspectos perde o espaço para pensar,
deixa de reagir por si próprio e passa a agir como é induzido a agir, seja para rir, para
chorar, situações de catarse, entre outras, ou seja o pormenor técnico é privilegiado em
detrimento da ideia. Dá o exemplo de cineastas que tentam fugir ao sistema, como
Orson Welles, a quem as pequenas transgressões ao establishment são perdoadas pois
apenas são vistas como meras mutações que apenas confirmam o sistema, ou seja, por
muito que exista algum artista a tentar furar o sistema, mais tarde ou mais cedo acabará
engolido por ele. A criação artística original neste tipo de produções estava para Adorno
sempre ligada ao ideal de dominação, ou melhor à estética de dominação, essa situação
levava a que os roteiros fossem estudados ao mínimo pormenor, para conseguir chegar
ao maior número de público possível, aliás para Adorno as obras que considerava
pertencentes à cultural industry tinham na conquista do lucro o seu factor principal de
elaboração, mesmo que para isso tivesse de se sujeitar à dominação externa. É por isso
que Adorno e Horkheimer exortam por uma arte à parte do establishment, que rompa
com o status quo da produção de massas, uma estética autónoma, que viva à parte do
21 Rüdiger, Francisco,Theodor Adorno e a Crítica À Indústria Cultural p.190 22 Adorno, Theodor, Culture Industry as Mass Deception, in http://www.marxists.org/reference/archive/adorno/1944/culture-industry.htm
“nexus do valor de troca e da preocupação com a instrumentalidade.”23 No entanto,
Adorno está consciente que esta situação é puramente utópica, apesar disso, não desiste
de uma arte “à margem” que ao menos possa aspirar a ser independente, onde a concha
que a protege da influência externa resista o mais possível. Há que salientar, que o autor
nunca referiu nas suas obras que a arte genuína era inconspurcável, mas sim que ao
menos ainda tenta lutar contra o establishment, ao contrário da arte de massas que é
cúmplice com a dominação social, que pactua com a influência exercida pelo poder
sobre o indivíduo, tendo em vista o lucro e não a moralidade, não a arte pela arte mas
sim o benefício financeiro. A produção para as massas ou melhor para a manipulação
das massas procuraria não a imaginação mas sim a imitação, a reprodução do status quo,
a obediência total e absoluta à hierarquia social, para este “toda a cultura de massas é
adaptação.24”
Considera assim, que a cultura de massas exclui o novo, aliás para Adorno esse é o
único aspecto que a diferencia do último estágio do liberalismo, ou seja, o facto de
excluir o factor de risco inerente ao que o novo pode trazer, ao romper as barreiras do
que estaria anteriormente estabelecido, pois torna-se mais cómodo perpetuar o antigo.
Para reforçar esta ideia recorre a vários exemplos, entre os quais o facto de os
produtores preferirem adaptar um bestseller do que apostar num roteiro original, o
preferirem apostar em algo onde é mais fácil de chegar ao coração do público. Esta
conquista por parte da culture industry deve-se sobretudo por proporcionar
entretenimento, a sua influência é exercida através deste, procurando criar um círculo
vicioso que perpetua as mesmas ideias com uma maquilhagem que lhe dá ares de novo.
Este perpetuar do que está estabelecido ao invés de inovar é um tema que ainda hoje
acende os ânimos nos círculos de discussão cinematográfica com os constantes remakes
(seja de filmes antigos ou de filme recentes que são efectuados noutro país e por isso
são alvos de remakes para serem adaptados à realidade Americana [um dos casos mais
famosos é o vencedor do Oscar de The Departed que é um remake de Internal Affairs] e
adaptações literárias. Em Musica e Cinema, particulariza esta opinião sobre o Cinema,
colocando como seu grande alvo, os filmes que se repetem ainda que se façam passar
como novos, “Como muitos outros problemas do cinema actual, a nossa objecção não
visa a estandardização em si, como é o caso dos filmes de gangsters, dos westerns, os
filmes de terror, que não negam o seu modelo, têm um poder de distracção superior ao
23 Carroll, Noëll, A Philiosophy of mass art, p.72 24 Adorno, Theodor, The Culture Industry, Selected Essays on Mass Culture, p.58.
das produções pretensiosas de primeira classe. Só é má a estandardização do que se
pretende único, ou inversamente, o esquema com que o mascaram, para conferir ares de
novo.
A Culture Industry nunca pretende satisfazer totalmente o receptor do seu produto,
muito pelo contrário, pretende apenas dar uma parte daquilo que ele pretende,
fornecendo-lhe uma satisfação ilusória, compara que esta arte não é capaz de satisfazer
totalmente os seus consumidores, dando para isso um exemplo gastronómico,
comparando estas obras a “um jantar preenchido pelo menu, Em frente ao apetite
estimulado por esses nomes brilhantes e imagens, há finalmente que definir um cenário
um cenário depressivo do quotidiano a que se deve escapar. Claro que obras de arte não
são exibições sexuais. No entanto, ao representarem a privação como algo negativo,
retraem por assim dizer, a prostituição do impulso e resgatam pela negação aquilo que é
negado.25 Ao apresentarem uma estrela com a sua aura de sensualidade à sua volta,
corpos voluptuosos, corpos descobertos, acaba por apenas aumentar o desejo por aquilo
que o Código Hayes pretendia filtrar, aliás todo o processo de promoção da star estava
associado à sua sensualidade, veja-se casos como Marilyn Monroe, Lauren Bacall, entre
outras. Para além destes valores, Adorno considera que a cultura de massas apresenta
padrões de comportamento ao espectador, sobre como se vestir bem, como falar
educadamente, como comer bem, ou seja vai criar padrões sociais que excluem quem
não entrar nestes. Entre os excluídos coloca os miúdos de rua, que nunca são
representados de maneira realista, ainda que não apresente Dead End (1937), de
William Wyler que representa e muito a vida dos miúdos de rua. A transformação dos
valores da sociedade através da imagem, transformando os cidadãos em manequins, em
exemplos de bom comportamento, considera que está a ser preparada “a fata Morgana
da sociedade”26, ou seja, a mudança dos hábitos sociais através da visão retirada da
cultura de massas.
Mais tarde, em Culture Industry Revisited, Adorno explica porque é que juntamente
com Horkheimer resolveram utilizar o conceito de Culture Industry ao invés de Mass
Culture. A decisão deveu-se sobretudo para afastar desde o inicio, a ideia de uma
interpretação agradável aos defensores do conceito, pois para Adorno, o termo Cultura
25 http://www.marxists.org/reference/archive/adorno/1944/culture-industry.htm 26 Adorno, Theodor, The Culture Industry, Selected Essays on Mass Culture, p.79.
de Massas poderia gerar uma interpretação semelhante a “uma cultura que surge
espontaneamente das próprias massas, a forma contemporânea de cultura popular.”27
Para este a culture industry, privilegia o lucro em detrimento da arte no mais puro dos
seus significados, sendo que a arte que resiste inflexível é sabotada e votada ao
ostracismo, ou seja perde-se na estrutura capitalista de produção.28
Vê o Cinema como o instrumento mais poderoso de dominação, de propaganda e de
falsificação, da estética da reprodução da realidade. Essa falsificação tem no estúdio o
seu laboratório, onde a realidade passará a ser o que é filmado, essa atitude perante os
estúdios cinematográficos pode ser confirmada com a opinião tida sobre a visita que
efectuou em 1934, aos estúdios de Neubabelsberg, que descreverá dois anos mais tarde,
em correspondência com Walter Benjamin, como “por todo o lado a realidade é
edificada mimeticamente, de maneira pueril, praticamente fotografada”29 Ou seja volta à
noção de Cinema como falsificação do real. Contrapõe a visão de Benjamin do Cinema
como uma experiência colectiva, que pode ser vivenciada por um conjunto de pessoas
considerável ao mesmo tempo, onde as sensações colectivas poderão ser
compartilhadas, por uma visão negativista, onde vê o Cinema como um núcleo de
dominação sobre a mente humana, onde o pior do ser humana pode ser evidenciado,
recorre ao exemplo da audiência que ri dos males dos outros, onde estão à espera de se
rir às custas das figuras ridículas dos outros, considerando que “a harmonia deles
(público) é uma caricatura da sociedade.”30.
A concepção de Adorno sobre a arte pode ser algo contestada, ao contrário de Walter
Benjamin, que vê na reprodução mecânica da arte com algum optimismo, Adorno vê no
Cinema uma reprodução do status quo, uma continuação da realidade plasmada no
grande ecrã. Esta crítica de Adorno acaba por ser algo redutora, se tivermos em conta
que os filmes exibidos até à data da escrita deste ensaio do pensador, nem sempre eram
de cariz naturalista. O padrão cinematográfico de Hollywood poderia deixar pensar isso,
no entanto, o rumo produtivo cinematográfico não apresentava uma via de um só
sentido, entre os exemplos que contrastam com essa concepção naturalista está desde
logo o chamado Expressionismo Alemão, ou como alguns autores preferem chamar,
Caligarismo, onde os filmes procuram mais do que ser fiéis ao real, serem fiéis à sua
característica de entretenimento, nunca escondendo que são uma obra de ficção, ainda 27 Adorno, Theodor, Culture Industry Revisited, In: New German Critique. P.12 28 Adorno, Theodor, et al, El Cine y la Musica, p.14. 29 Theodor Adorno et Walter Benjamin, Correspondance (1928-1940), trad.Philippe Ivernel, p.188. 30 Adorno, Theodor, The Culture Industry, in: p.141.
que eivada de elementos do real. Outro dos exemplos que se pode dar passa pela
chamada Escola de Montagem Russa, onde pontificavam nomes como Dziga Vertov e
Sergei Eisenstein. Eisenstein nos seus ensaios sobre a produção fílmica acaba por
contrariar a visão de Adorno sobre os filmes, de que estes não apresentavam
contradições, para Eisenstein, o “conflito é o princípio para a existência de qualquer
trabalho artístico, de qualquer forma de arte”31
Esta visão de Adorno, da capacidade persuasora dos mass media no povo é algo que
deve ser visto à luz do tempo em que este escreveu os seus ensaios, nomeadamente
durante o período de ascensão do Nazismo, e posteriormente teve de conviver com uma
realidade do pós-Guerra que veio colocar em xeque a difusão dos valores da revolução
Russa, no Mundo Ocidental, colocando-se do lado capitalista dos Estados Unidos, algo
que o leva a rejeitar conscientemente ou não a Cultura Americana e com isso o Cinema
e a Cultura de Massas. Para além disso, viu na Alemanha Nazi, a Cultura de Massas ser
aproveitada de maneira exemplar. Esta experiência na Alemanha fica exemplarmente
definida no ensaio Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda. Neste
refere que a propaganda fascista preocupa-se sobretudo em reproduzir a mentalidade
existente para proveito próprio, Acusa que não são as disposições psicológicas que
causam o fascismo, mas sim que o fascismo define uma área psicológica, que pode ser
explorada com sucesso, que pode permear na mente do cidadão comum. Para explicar
este fenómeno recorre à teoria freudiana, onde o narcisismo individual é substituído
pela identificação com a figura do líder32, seguindo esta linha de pensamento, para esta
tarefa de hipnose da mente, muito irá contribuir a indústria da cultura, nomeadamente
com o perpetuar do status quo, com a petrificação social e por colar-se à propaganda e
valores do Nacional-Socialismo, vide o exemplo máximo de Triumph des Willens
(1935), de Leni Riefenstahl, onde tudo é estudado ao pormenor para despertar a
aderência do público, a imagem, o som, os ângulos de câmara, os gestos, sendo não só
uma das obras-primas do Cinema mas também um exemplo paradigmático do Cinema
ao serviço da Política, como veículo privilegiado de difusão da ideologia. Mas não é só
na Alemanha e Estados Unidos que o Cinema e a Política se encontravam intimamente
ligados, veja-se o caso Português, onde as comédias à boa moda da revista mais do que
promover a ruptura com o status quo, promoviam a continuação dos valores e costumes
portugueses.
31 Eisenstein, Sergei, Film Form, New York, 1949, p.46. 32 Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda, P.21
Adorno considera a cultura de massas/arte de massas como um obstáculo às liberdades
individuais de cada ser humano, como algo que impede o Homem de atingir a sua total
autonomia, de assumir o seu carácter individual na sociedade, indo ao invés diluir-se na
sociedade, isto é de que a arte de massas, ou melhor, a estrutura capitalista que a produz,
estandardiza o gosto dos seres humanos, impedem-no de pensar sobre o que estão a ver,
suprimindo a imaginação destes, indo assim contrapor o conceito de Cinema ao serviço
do proletariado de Benjamin, da cultura de massas como uma democratização da arte a
um público mais lato.
Antes de se criticar a obra, deve-se ter em atenção não só os autores, a corrente de
pensamento a que se encontravam associados, mas sobretudo o contexto em que foi
produzida, ou seja, no rescaldo da política de massas ser utilizado de forma exemplar e
no sentido mais pervertido que poderia haver, para difundir o ideário Nazi. Para além
disso, deve-se evitar refutar as opiniões de Adorno e Horkheimer, com obras
cinematográficas produzidas posteriormente à produção da obra, essa pode ser uma
opção a ser tomada, no entanto, é legitimo questionar a pertinência de refutar as
concepções de Adorno, dando o exemplo de Usual Suspects33. Outros autores como
Diane Waldmand criticam em Adorno, o facto de este não distinguir entre os vários de
filmes, que coloca no mesmo grupo os filmes de Hollywood com os trabalhos de René
Clair (que efectuou várias experiências com o som nos seus filmes, para exacerbar a
fantasia e não para reproduzir o real), ou o uso contrapontístico de som e imagem de
Godard, aliás a crítica de Adorno será sempre limitada pois este reduz o Cinema apenas
aos Países que conhece, não referindo por exemplo filmes do Cinema Asiático. Para
além disso, não distingue as grandes produções capitalistas das produções
independentes (à margem dos estúdios), ou seja coloca de lado todo o Cinema que foge
ao mainstream colocando-se ao lado daqueles que critica. Outra das críticas apontadas
por Waldmand, vai no sentido de Adorno, criticar o público que assiste os filmes com a
mesma imagem redutora que classifica os filmes, ou seja, o público é todo igual, não
diferenciando, que o público que assiste a trabalhos de cineastas como Eisenstein,
Vertov, Michael Snow, é diferente do que assiste às comédias burlescas, tem uma
experiência diferente da visualização do filme, até porque uma coisa é ver um filme e
outra completamente distinta é ler o filme. A leitura requer muito mais concentração,
permitindo ao espectador/crítico analisar aspectos como o contexto do filme, as
33 Carroll, Noëll, A Philiosophy of mass art,
metáforas, as cores, o jogo de luzes, o posicionamento da câmara de filmar, entre
outros. Mas não é só por aí que a crítica de Diane Waldman sobre os estudos de Adorno
se vai concentrar, estar irá também criticar o alheamento do estudioso de Frankfurt
sobre o processo de construção histórica que irá ser desenvolvido no interior da
indústria cinematográfica Norte-Americana, chegando mesmo a referir, que este exclui
o “período inicial da consolidação capitalista e a monopolização sobre a Motion
Pictures Patents Co. em 1908 e a subsequente competição dos independentes, o
estabelecimento de um oligopólio constituído pelos cinco maiores estúdios, e o studio
system, que controlou a produção cinematográfica entre 1919 até 1940 (…)”34 bem
como o colapso desse studio system com as leis anti-trust e a emergência da produção
independente. Perante todos estes argumentos, parece que Adorno é irredutível quanto à
negação em aceitar o Cinema como arte. Mas será mesmo assim? Não. Adorno coloca
uma hipótese para o Cinema se tornar arte e esta passa pelos filmes largarem as raízes
fotográficas, desprenderem-se dos ícones fotográficos do fluxo da imagem e passar a
utilizar os mecanismos cinematográficos para tornar os filmes mais semelhantes à
escrita, que tornaria a imagem em movimento num objecto em “imanente construção,
figuração e decifração.”35Esta comparação das imagens cinematográficas como escrita
hieroglífica remete para o campo da psicanálise, para a relação entre o discurso fílmico
e o receptor. No entanto, considera que esta escrita hieroglífica foi subvertida, primeiro
pelo Fascismo e depois por Hollywood, num processo invertido de psicanálise, onde o
papel do espectador é invertido, pois se inicialmente esses hieróglifos serviriam para o
espectador reflectir e ter as suas emoções consoante a interpretação da obra, no caso da
inversão, passa a ser o filme que diz ao espectador o que tem de sentir. Ou seja o que
poderia ser uma obra de arte na verdadeira acepção da palavra para Adorno passa a estar
na órbita da cultura industrial, estando ao serviço dos interesses do poder político ou dos
monopólios industriais, procurando perpetuar o status quo e não fazer o espectador,
muito pelo contrário pois o filme é que pensará pelo espectador, que será levado pelo
canto da sereia que o ilude durante o tempo da sua exibição. De notar que estes não
enfatizam se estes modelos apresentados pela cultura de massas ao espectador são bons
ou maus, o que Adorno e Horkheimer criticam é desta não permitir que o ser humano
mude, que este altere de pensamento, que este pense por si próprio. Para a crítica a esta
influência, recuperam o conceito de Platão de Mimesis, de Cinema como imitação da
34 Hansen, Miriam, Mass Culture as Mass Deception P.54. 35 Hansen, Miriam, Mass Culture as Mass Deception, p.45
realidade, mas invertem-no, pois não estão a referir-se apenas à representação
confrontação entre sujeito e objecto determinada a partir do modo cognitivo-
instrumental mas sim à identidade que não se pode perder através da confrontação entre
o sujeito e o objecto (nas chamadas comodidades), indo na direcção de muito ao que já
foi referido sobre o pensamento de Adorno, nomeadamente à relação entre o espectador
e a cultura de massas, às sensações induzidas por esta, que atingiu um ponto alto com o
Cinema sonoro e a televisão. Para Adorno, a mimesis explica o êxtase vazio de
conteúdos sentido pelos fãs da cultura de massas, é este êxtase que irá levar o
espectador a reproduzir no seu quotidiano o comportamento retirado da sua relação com
as obras da cultura industrial.
Assim, ao longo da análise à posição de Adorno quanto à relação entre a Cultura e
Política e a sua concepção sobre a Cultura de Massas, podemos desde logo destacar a
forma negativa como vê esta cultura de massas, algo associado à sua experiência de
vida, onde como já foi referido, teve de sair da Alemanha após a ascensão do Nacional-
socialismo ao poder, o ruir dos valores da Revolução Russa no Ocidente, onde
predominou o Capitalismo, bem como a sua própria relutância em considerar o Cinema
como uma concepção artística verdadeira. Pelo contrário, considera o Cinema como um
veículo de dominação das necessidades, associando três estágios a esse processo,
nomeadamente, publicidade, informação e domínio, onde a realidade era transformada
para o espectador. Vê as imagens em movimento presentes quer no grande ecrã, quer no
pequeno ecrã, como hieróglifos que transmitem como imagem secreta o Capital, onde
não deixam o espectador pensar, deixando-o inerte em frente ao ecrã, como se estivesse
hipnotizado. Mas se o período em que viveu poderá ter influenciado os seus ensaios,
estes também o foram pelas leituras que este fez não só a obras dos seus colegas de
Frankfurt, mas também a teorias Freudianas, aliás Adorno vai pegar muito em exemplos
da psicanálise da análise da relação entre o sujeito e o objecto, de como o sujeito recebe
o objecto, que dão um cariz psicanalítico ao trabalho deste. Nesta análise entre o sujeito
e o objecto, ou seja entre o espectador e o filme, considera que o último promove o
niilismo na sociedade, onde a ausência do porquê passa a ser a palavra de ordem
enquanto se assiste a um filme, posição essa que poderá ser muito discutida, como já foi
referido anteriormente, pois nem todos os espectadores entram no Cinema por puro
escapismo, apesar da maioria o ir. Adorno ao contrário de Walter Benjamin, apresenta
uma versão negativista da reprodução mecânica da arte, onde a imaginação é substituída
por um mecanismo de controlo implacável, onde a última imagem a ser distribuída,
representa uma exacta e acurada reflexão do item relevante da realidade. Se difere da
visão de Benjamin, com quem troca variada correspondência sobre este assunto, mais
difere de Kracauer, que apresenta uma visão sobre o Cinema distinta de Adorno, onde o
cinema é visto de forma algo apolínea, algo que se deve também, a Kracauer ser um
cinéfilo na verdadeira acepção da palavra. E é sobre Kracauer que o trabalho se irá
debruçar, nomeadamente, sobre como se distingue dos outros dois pensadores de
Frankfurt, como vê a relação entre cinema e cultura, e a maneira diferente de escrever as
suas obras, apresentando um estilo didáctico apresentando exemplos concretos à sua
teoria, exemplificando as suas conclusões através dos filmes produzidos durante o
período que estudou.
Siegfried Kracauer:
Siegfried Kracauer foi um dos elementos pertencentes à chamada “Escola de Frankfurt”,
tal como Adorno e Walter Benjamin, era um dos membros proeminentes dos
intelectuais de esquerda da Alemanha de Weimar, sendo nos dias de hoje algo
menosprezado em relação aos outros dois membros já referidos. Foi um estudioso da
chamada “cultura de massas”, hoje denominada “cultura popular”, analisando os
fenómenos da sua superfície, sendo que nessas análises/estudos que efectua sobre a
cultura popular vai dar uma ênfase especial à fotografia e ao Cinema, indo este trabalho
dar ênfase ao Cinema.
Com a ascensão dos Nazis, em 1933, parte para França, sendo que em 1941, emigra
para os Estados Unidos, onde pública um vasto número de obras, entre as quais, From
Caligari to Hitler: A Psychological History of the German Film (1947), que será alvo
de especial atenção para a elaboração do trabalho. Para além desta obra, serão utilizadas
para o estudo da relação entre cultura e política, Ornament der Masse (1927) e Theory
of Film: The Redemption of Physical Reality (1960). Em From Caligari to Hitler, vai
analisar quatro grandes períodos que denomina, The Archaic Period (1895–1918), The
Postwar Period (1918–1924), The Stabilized Period (1924–1929) e The Pre-Hitler
Period (1930–1933), indo colocar em anexo o Cinema Propaganda Nazi. Para o caso do
trabalho, o período após a I Guerra Mundial marcará o inicio da análise da obra.
Para Kracauer, os filmes produzidos em cada nação reflectem os valores desta mais do
que qualquer forma de arte. Para justificar esta afirmação propõe duas razões para ter
elaborado as mesmas. Primeiro, os filmes nunca são produzidos individualmente, são
um trabalho colectivo que envolve toda uma equipa de produção, onde todas as
contribuições são importantes. Vai recorrer ao exemplo do realizador G.W. Pabst,
enquanto filmava nos estúdios franceses Joinville, seguia atentamente os conselhos dos
técnicos de produção que trabalhavam com ele. O segundo motivo que apresenta passa
pelo facto do Cinema ser um espectáculo dirigido para as massas, para satisfazer os
desejos destas, com esta posição apresenta desde logo a primeira ruptura com a teoria de
Adorno e Horkheimer ao matizar o valor persuasor do Cinema junto do público e
enfatizar o papel do público que o recebe. Enquanto os dois primeiros consideravam que
o Cinema tira liberdades ao espectador, que estes se encontravam influenciados pelas
imagens dadas pelo filme, Kracauer considera que essa situação não deve ser
sobrevalorizada, pois mesmo os filmes de propaganda Nazi, “espelhavam certas
características nacionais, que não poderiam ser fabricadas,”36 ou seja o cinema está
condicionado pelo desejo do público de ver o filme, o que no caso de sociedades
democráticas como nos Estados Unidos, reflecte-se nos resultados das receitas de
bilheteira, o que acabava por sua vez por condicionar as produções. Esta afirmação
também pode ser questionada, se quisermos pensar que o público pode pensar que está a
ver algo que quer ver mas no entanto foi induzido a isso, sendo criado no espectador um
hábito cinematográfico de assistir a certos géneros de filmes ou a certas temáticas.
Kracauer vai traçar um retrato sobre o ambiente que rodeava os alemães no período
após a I Guerra Mundial, os medos e os receios da população, ou seja vai traçar um
retrato psicológico, sobre a Alemanha desse tempo, traçando um paralelo com a
produção cinematográfica que se estava a produzir, onde o “Expressionismo” dominava
os gostos do público, vai traçar um retrato psicológico sobre as tendências dominantes
no povo alemão, através desta, este retrato irá culminar no cenário na ascensão de Hitler
ao poder e a utilização do cinema por parte do Nacional-socialismo.
Esta análise social através do Cinema vai ao encontro da sua concepção de análise das
imagens, “imagens do espaço (raumbilder) são o sonho da sociedade. Onde quer que os
hieróglifos, dessas imagens, possam ser decifrados, poderemos encontrar a base da
realidade social.”37 Esta concepção dos fenómenos sociais, sobretudo aqueles que
podem passar mais desapercebidos, como uma configuração escrita a ser decifrada, leva
36 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, p.6 37 Kracauer, Siegfried, Ueber Arbeitsnachweise, FZ, Junho, 1930, in Witte, Karsten,
a que seja conotado com o programa filosófico da “legibilidade do Mundo”38, que
acolhe alguma aderência noutros autores Judeus, tal como Walter Benjamin. Para
Kracauer, o filme era concebido como uma expressão material e não como uma
representação de uma experiência particular, como algo fulcral para a compreensão da
história do seu tempo, para este "uma análise das manifestações discretas realizadas à
superfície de um período, pode contribuir mais para determinar o seu lugar no processo
histórico, do que um julgamentos de um período sobre si próprio.”39 Ou seja, aqui pode-
se abrir outra questão sobre o Cinema como documento histórico, algo que não será
analisado pois seria tema para outro trabalho.
Entre vários filmes que Kracauer utiliza para traçar um retrato psicológico da Alemanha
do tempo em que foram produzidos, um dos que o autor dá maior destaque é Das
Cabinet des Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene, um filme que ainda hoje é uma obra
seminal. O filme corrobora vários aspectos já referidos por Kracauer sobre o Cinema e a
sua ligação com o estado psicológico da população e a relação com a política. Este
processo passa desde logo pelo roteiro escrito por Hans Janowitz e Carl Meyer, estes
procuram escrever o roteiro para um filme algo revolucionário, onde iriam estigmatizar
os perigos da omnipotência da autoridade do Estado, manifesta nas declarações,
estavam a dirigir-se ao Governo Alemão durante a I Guerra Mundial40. O personagem
do Dr.Caligari iria precisamente simbolizar esse poder que tudo pretendia dominar, que
tudo pretendia controlar, mesmo que para isso tivesse que violar os direitos do Homem
e a Lei, por outro lado o sonâmbulo Césare simbolizaria o povo, que era recrutado
massivamente para o esforço de Guerra, acabando por entrar num ambiente bélico que o
levava a tomar a opção de matar ou ser morto, acabando por se tornar um assassino para
não ser morto. Ou seja, os soldados vistos como alvo de controlo do Estado, que agiam
sobre ordens e não sobre a sua livre vontade, e que na arena do conflito teriam de tomar
acções que não condizem com a sua conduta na sociedade. No entanto, esta situação
acabou por ser revertida pelo realizador, que transformou o conto, numa “quimera
conocted e narrada pelo mentalmente instável Francis. Para o efeito, esta transformação
coloca o corpo da história original noutra que introduz Francis como se este fosse um
louco”41. Enquanto a história original criticava de forma metafórica a autoridade do
38 Blumenberg, Hans, Die Lesbarkeit der Welt in Miriam Hansen, "Decentric Perspectives: Kracauer's Early Writings on Film”, p.63. 39 Kracuer, Siegfried, The Mass Ornament, New German Critique 5, 1975, p.65. 40 Idem, p.64 41 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler P.66
Estado, esta nova versão glorifica a autoridade, tirando o papel da loucura inerente ao
poder, que estava conceptualizado no primeiro roteiro. Esta situação remete para dois
dos conceitos que temos vindo a analisar, desde logo a relação entre Cinema e Política,
no caso os roteiristas procuraram transpor para o grande ecrã as suas visões políticas,
algo que foi contrariado pela concepção de Robert Wiene que preferiu apresentar ao
público um filme menos subversivo, que fosse ao encontro dos gostos destes. Esta
alteração de Wiene corresponde assim à teoria de Kracauer quanto ao papel da vontade
do que o público quer ver como parte da consciência produtiva. No entanto, ao colocar a
história na mente de um louco, o realizador não abandonou as premissas do roteiro
original, limitando-se a matizar as mesmas, esta situação servirá para Kracauer
comparar esta revolta que ocorre na psique dos alemães com a conjuntura que levará à
ascensão do Nacional-Socialismo ao poder, ou seja uma sociedade que anseia no seu
subconsciente por uma revolta, mas que no entanto assume no seu exterior valores que
primam pela manutenção dos valores.42 Importa referir ainda os cenários típicos dos
filmes expressionistas, que distanciam o filme do Mundo real e colocam-no junto do
Sonho. De referir, que à partida era esperado que o roteiro de Caligari não fosse
aprovado, visto apresentar elementos considerados subversivos, mas para surpresa dos
roteiristas, Eric Pommer, chefe executivo do DeclaBioscop, aprovou o mesmo,
atendendo à necessidade do Cinema Alemão tinha de ser exportado e para isso era
necessário ser um produto atractivo. E o chamado Expressionismo Alemão era um
género rentável nas fronteiras externas da Alemanha, a ponto de ir influenciar
largamente uma geração de cineastas na década de 30 e 40 nos Estados Unidos. Caligari
não foi muito bem acolhido na altura da sua primeira exibição, no entanto, a sua core
base irá ser um dos temas mais recorrentes do Cinema Alemão entre 1920 e 1924, que
passa pela temática da alma confrontada com a escolha entre a desordem democrática e
o regresso à ordem pela tirania, vão especializar-se em descrever actos de tirania e de
tiranos e as consequências infligidas por estes.43 Entre os filmes que o autor exemplifica
encontram-se Nosferatu (1920), Vanina (1922), Dr.Mabuse, Der Spieler (1922), entre
outros. Nestes exemplos dados, há que destacar Dr.Mabuse, Der Spieler, pela simples
razão de nos dar a visão de um tirano contemporâneo, ao contrário dos dois primeiros
onde os tiranos tinham um enquadramento histórico passado em épocas anteriores. Tal
como em Dr.Caligari, Dr.Mabuse apresenta-nos o protagonista em busca do poder
42 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler P.67 43 43 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, P.77
total, a sede do poder. Se em Caligari, este hipnotiza Cesare para cumprir os seus
objectivos mais pervertidos, Dr.Mabuse hipnotiza as suas vítimas impersonalizando as
mesmas, a ponto de apenas um personagem saber a sua verdadeira identidade. Aqui
Mabuse aparece como uma ameaça omnipresente, personificando o medo pelo
desconhecido, o clima de suspeição que se vivia na Alemanha do período pós guerra. Se
há críticos que consideram Dr.Mabuse um filme demasiado documentarista, Kracauer
considera-o antes de tudo o mais como um documento da época, que apresenta um
Mundo “sem lei e depravado. Uma dançarina de um clube nocturno representa num
cenário rodeado de sex symbols. As orgias eram uma instituição, homossexualidade e
prostituição infantil eram personagens do dia-a-dia,”44 a anarquia reinante, ficou
representado no ataque da polícia à casa de Mabuse, esta cena metaforiza um episódio
da vida real, nomeadamente entre Spartacus e as tropas de Noske. No entanto, há algo,
que distingue Dr.Mabuse, Der Spieler, de Caligari, que passa pela correlação entre caos
e tirania, ou seja pela proximidade que estes têm um do outro, algo que em Dr.Caligari
não era apresentado, visto demonstrar apenas as diferenças entre caos e desordem e a
tirania, não apresentando nenhuma ligação entre estes. De referir ainda que a obra de
Lang irá ganhar mais duas sequelas, sendo que no segundo filme, Mabuse apresenta
traços muito semelhantes a Hitler. Kracauer coloca o final desse ciclo, onde a
“assediada mente alemã estava reclusa numa concha”45 com Das
Waschsfigurenkabinett. Neste filme, vão estar presentes três tiranos, no entanto,
representados através de figuras de cera, representando a realidade através do
imaginário, nomeadamente através do sonho de um jovem poeta que ao adormecer
sonha que estas figuras (Ivan o Terrível, Harun al-Rashid, Jack o Estripador) ganham
vida.
Se a conceptualização imagética de tirania foi uma das grandes temáticas às obras
cinematográficas entre 1920 e 1924, este não era o único tema contido nestas. Kracauer
destaca desde logo a noção de destino, havia duas opções, tirania ou anarquia, já a
Democracia não era vista como uma hipótese. Para explicar esta situação, Kracauer vai
utilizar o seu meio preferencial para exemplificar as suas teorias, recorre à filmografia e
exemplifica os casos particulares para extrapolar no geral. Para o caso do destino, irá
pegar em casos como Der Mude Tod (1921), Die Nibelungen (1924), ambos de Fritz
Lang, se no caso do primeiro, o destino actua sobre os tiranos, onde os actos dos tiranos
44 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, P.82 45 Idem, P.84
são retratados como obras do destino, como algo pré-estabelecido, já em Die
Nibelungen assistimos aos actos levados a cabo pela anarquia das paixões, onde o
destino actua nos actos dos personagens. Die Nibelungen irá ter uma grande
repercussão, vários dos seus elementos serão aproveitados para outros trabalhos
germânicos, incluindo num filme que é paradigmático da propaganda Nazi, Triumph
des Willens, os trompetistas de Siegfried, padrões humanos autoritários, entre outros,
esta comparação de Kracauer, exemplifica sobretudo um padrão que podemos inferir
após a leitura de From Caligari to Hitler, que passa por este criar uma ordem
cronológica, onde a cinematografia acompanha a vida social, política, económica e
sobretudo psicológica da Alemanha desse tempo, onde o Cinema apresenta traços nos
quais se pode depreender uma continuidade lógica que irá culminar na ascensão de
Hitler ao poder, ou seja, que os vários factores que ocorreram na sociedade Alemã
durante a República de Weimar irão culminar na subida ao poder da tirania em
detrimento da confusão que se vivia durante a anterior Governação, traçando-se assim
um paralelo entre o Cinema e a Política, entre o sonho e a realidade.
Mas os exemplos cinematográficos dados por Kracauer não se ficam por aqui, visto este
criar uma terceira divisão temática, ou melhor, terceiro período temporal, a que
denomina de Período Estabilizado (1924-1929), onde refere filmes com temáticas
referentes ao declínio, ao “caos silencioso”, “a prostituta e o adolescente”, o “Novo
Realismo”, “Montagem” e “Breve Alvorada”. Neste período, a produção vai mais uma
vez acompanhar a vida política e social dos cidadãos, e poderia ser dividida em três
grupos. “O primeiro testemunha a existência de um estado de paralisia. O segundo
grupo perde luz nas tendências e noções que estão paralisadas. O terceiro revela os
trabalhos interiores da paralisada alma colectiva.”46 Entre os três, todos têm em comum
não pretenderem ser subversivos para com o status quo, parecendo indiferentes para
com a realidade em que viviam demonstrando uma frieza emocional incomportável.
Este vai ser um dos pontos que Kracauer mais vai problematizar, o facto de não haver
uma teoria, um movimento que mostre o caminho, algo que nem a obra de Kracauer irá
resolver pois quando a escreve já está no exílio e já os acontecimentos que gostaria de
ter evitado se encontram em ebulição.
Quanto ao denominado, Caos Silencioso,47nestes filmes o tema, gira em torno da
luxúria, dos desejos mais recônditos, levados a cabo numa sociedade caótica, onde a
46 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler 138 47 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, p.96
desordem reina, num ambiente de quase anarquia, onde o poder político, a autoridade,
não consegue impor uma conduta à sociedade. Entre os exemplos particulares dado por
Kracauer, refere Genuine (1920), de Robert Wiene (o mesmo de Caligari) e Der Letzte
Mann (1924), de F.W. Murnau. Entre estes dois aparecem temas recorrentes entre os
filmes que focam sobre o “caos silencioso”, nomeadamente a realidade social da
maioria dos personagens, que pertencem à baixa classe média, representada como
remanescente inexpressivo de uma sociedade desordenada48, estes deixarem-se guiar
pelas paixões e não pela razão, os cenários distantes do real, que matizam a
problematização da realidade. Entre os géneros destes filmes destacam-se as comédias,
filmes escapistas, mas sobretudo, o que interessa salientar passa pelo crescente interesse
pelo documentário, o chamado Kulturfilme. O primeiro destes documentários a fazer um
grande sucesso foi Wege Zu Kraft Und Schönheit, que teve a participação do Governo
Alemão, para poder ser distribuído nas escolas como filme educativo. Esta importância
dada aos documentários não é por acaso, os avanços efectuados durante esta altura serão
aproveitados pelo Governo Nazi, para difundir o seu ideário de forma eficaz. Aliás
juntamente com a montagem estes serão duas das temáticas mais importantes o Cinema
de Propaganda Nazi, no chamado “período estabilizado”.
No caso do ponto a que Kracauer chama, “a prostituta e a criança,” há que destacar as
temáticas referentes aos desejos sobreporem-se à razão, o autoritarismo dos citadinos,
sendo que de todos os exemplos dados, o único que será dado será Metropolis, de Fritz
Lang, pelo apreço que Hitler tinha pelo filme e ver a grandiloquência deste como
exemplo para as obras de propaganda. Kracauer coloca Metropolis como o filme
paradigmático da libertação da opinião durante o som, da voz reprimida durante o dia
que desperta durante o sonho. No caso da análise de Metropolis, o autor volta a
comparar uma obra anterior à ascensão do Nacional-Socialismo para comparar com os
ideais deste, no caso compara o discurso de Maria, de que “o coração medeia entre a
mão e o cérebro poderia ter sido utilizado por Goebbels. Ele também apelou ao coração,
no interesse da propaganda totalitária,”49 referindo-se ao discurso onde o Ministro de
Hitler referiu que o “Poder baseado em armas poderá ser algo bom; no entanto, é melhor
48 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, P.96. 49 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, p.164
e mais gratificante conquistar o coração das pessoas e mantê-lo.”50. O final apresenta a
ascensão totalitária após uma revolução.
Há ainda que destacar os épicos nacionais, onde se destacam os filmes de montanha,
que misturam um hábito alemão (escalada de montanhas) com ideologia, esta situação
foi utilizada por Quentin Tarantino em Inglorious Basterds, para satirizar os
personagens alemães, nomeadamente quando Bridget von Hammersmark (Diane
Kruger) questiona Aldo Raine (Brad Pitt) sobre como poderia esconder uma ferida
sofrida num tiroteio num bar onde oficiais da resistência foram capturados, este
responde para dizer que foi escalar uma montanha, ou seja, um hábito de época que na
contemporaneidade ainda serve para caricaturar os alemães.
No período pré-Hitler (1930-1933), este período é marcado pelos épicos de cariz
nacionalista, como The Rebel, onde a temática são as batalhas Franco-Prussianas. A
temática das campanhas Napoleónicas na Prússia será muito recorrente nas obras deste
período, que continham subtis mensagens, onde se procura legitimar as acções dos
rebeldes que defendem a causa nacional. Para além disso, há ainda que destacar The
King´s Dancer, que apresenta um líder um tanto ou quanto semelhante a Hitler, como
que preparando o terreno para a ascensão do Führer ao poder.
Mas dos exemplos dados por Kracauer, nenhum atinge a dimensão do Cinema de
Propaganda Nazi, estes poderiam ser divididos entre os newsreels (noticiários de curta
duração, cuja informação perpassada era extremamente manipulada) e os filmes de
propaganda propriamente ditos. Quanto aos newsreels, há que referir, que estes não são
uma criação germânica, nem foram utilizados apenas pelos Nacional-socialistas na
Alemanha, veja-se por exemplo o caso dos Estados Unidos, que irá utilizar estes
pequenos noticiários de maneira massiva durante a Guerra Fria, perdendo estes a
importância com o aparecimento da televisão. De referir que estes foram utilizados
pelos Nazis antes da Guerra, no entanto, com o decorrer desta, o uso será cada vez
maior, não só na Alemanha mas também noutros Países, essa função de exportar os
ideais Nazis para o exterior das fronteiras alemãs fica comprovado com a tradução das
newsreels em dezasseis línguas diferentes, algo que vai ao encontro dos ideais de
propaganda proclamados por Goebbels, onde refere “Embora eu deva manter a ideia
inabalável e inalterável, a propaganda deve ajustar-se a si própria às condições
50 Goebbels, Joseph, Knowledge and Propaganda, in: http://www.calvin.edu/academic/cas/gpa/goeb54.htm.
prevalecentes. A Propaganda é sempre flexível. Esta diz coisas diferentes aqui e ali.”51
Kracauer salienta a maneira como estas newsreels eram filmadas, para dar ares de
realidade, nomeadamente através de ângulos de câmara pouco correctos no sentido
fotográfico, mas que introduziam verosimilhança, que manipulavam o receptor ou
melhor esterilizavam a sua opinião.
Os filmes de propaganda Nazi, apresentam um nível técnico elevado, beneficiando dos
avanços técnicos que foram referidos anteriormente, desde técnicas de montagem, som,
ângulos de filmagem, narrativa, utilizados para conseguir manipular a opinião do
público. Este ponto de From Caligari to Hitler, apresenta o ponto culminante de toda a
narrativa do autor, que constrói toda uma narrativa servida dos mais variados exemplos
cinematográficos, até chegar ao ponto culminante da relação entre Cinema e a Política,
onde a Cultura de Massas e o poder Político se encontram perigosamente interligados,
onde o segundo utiliza a primeira para influenciar o povo.
Entre os filmes de propaganda Nazis, há que destacar, Olimpia e Triumph Des Willens,
ambos da autoria de Leni Riefhenstal. No entanto, Kracauer prefere analisar Baptism of
Fire e Victory in the West, no caso do trabalho irão ser analisadas as ideias chave de
Kracauer para referir como a política utilizou a Cultura de Massas para chegar a estas.
Para explicar a eficácia da utilização dos meios audiovisuais por parte dos Nazis refere
três técnicas que são utilizadas de maneira exponencialmente eficaz, nomeadamente,
comentário, imagem e o som. No caso do comentário, este poderia chegar onde as
imagens não poderiam, desde explicar um contexto para o que estava a ser mostrado,
explicar elipses temporais, ou até utilizar linguagem militar desconhecida do público em
geral para “esmagar” este perante a sua insignificância em comparação com as figuras
do poder, que sabem o que falam e o que fazem. Por sua vez, a imagem era fulcral para
chegar ao público, pois a imagem faz “um apelo directo ao subconsciente e ao sistema
nervoso.”52. Já a importância do som, deve-se sobretudo á sua capacidade de aumentar
ou diminuir a carga dramática ou efusiva de uma cena, de transformar uma situação
épica numa situação ridícula e vice-versa, ou seja, um imponente tanque inglês poderia
ser mostrado com a ajuda da música, como um pequeno brinquedo pronto para os
alemães esmagarem.
51 Goebbels, Joseph, Knowledge and Propaganda, in: http://www.calvin.edu/academic/cas/gpa/goeb54.htm 52 52 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, p. 279.
Dizer que a política de propaganda nazi, só mostrava o que queria e passava não a
imagem verdadeira mas sim a imagem que pretendiam passar como verdadeira, é fazer
chover no molhado, no caso dos documentários referidos por Kracauer, o exército e o
Führer eram os elementos em destaque, evidenciando a supremacia política e militar
germânica. Estas imagens espelhariam a bravura, força e superioridade da raça ariana
sobre as demais, a superioridade Nazi plasmada no grande ecrã através do Cinema. E
como eram representadas as forças aliadas? Os aliados eram representados como o
inimigo, como a força que queria destruir a nação Alemã, que era representada como
vitima, a Guerra é vista como uma motivação para a libertação alemã, para a
Lebensraum53. Antes de terminar a análise a Kracauer, há que referir o exemplo mais
conseguido da propaganda Nazi, que beneficiou de ter uma realizadora talentosa e de
tudo ter sido feito a preceito, Triumph Der Willens, onde a glorificação da Alemanha
Nazi é efectuada a preceito. Os símbolos de suásticas pelas cidades, as paradas
militares, o discurso eivado de gestos de exaltação, tudo foi feito para demonstrar a
força do Nazismo. Para culminar a chegada de Hitler a Nuremberga, revela a fusão entre
o culto da montanha e o culto a Hitler, demonstrando mais uma vez a ligação entre estas
obras e as anteriores. Ao referir a utilização dos ornamentos de massas por parte dos
filmes de cariz fascista, revela uma ligação com a ornamentação dos filmes
expressionistas, seja este ornamento, a nível de cenários, objectos ou humanos. Aqui
recupera o seu conceito de Ornamento de Massas, onde na obra com o mesmo nome,
problematiza sobre este conceito, refere que os ornamentos de massas são o “reflexo
estético da racionalidade aspirada pelo sistema económico predominante”, subjugando o
tempo de trabalho e o tempo de lazer ao Taylor System.54 Este conceito de
monopolização do tempo do lazer, onde a cultura se torna uma comodidade e a fábrica
uma indústria, é algo que já foi anteriormente estudado durante a análise a Theodor
Adorno. Para Kracauer, as massas não participavam na concepção da cultura de massas,
no entanto eram o seu principal receptáculo, era para estas que eram dirigidas, realçando
a importância que estas tinham na reprodução do real, para estes, a cultura de massas,
continha uma representação da realidade, uma aproximação com o Homem quotidiano,
maior do que a high culture.
Poder-se-ia analisar outros exemplos que Kracauer menciona nas suas obras, visto o
autor particularizar muito as suas ideias, apoiando-se para isso na Filmografia realizada
53 Kracauer, Siegfried, From Caligari to Hitler, p. 291. 54 Witte, Karsten, Introdution to Siegfried Kracauer´s “The Mass Ornament” ,p.64
durante a época que estuda, no entanto, esta situação poderia levar a que o trabalho
pudesse parecer que estava a caminhar em águas puramente cinematográficas, o que não
é o caso, pois o que se pretende é efectuar uma análise relação entre Cultura e Política e
não à Filmografia da época, ainda que esta seja útil para particularizar e evidenciar esta
relação. Este método de Kracauer, de utilizar o exemplo particular para explicar o
exemplo geral, num método imbuído de algum didactismo, foi alvo de comentários de
Adorno, que na obra The Curious Realist, afirma, “O pensamento dialéctico nunca fez
parte do seu temperamento. Ele sustentou-se com a especificação precisa do particular,
para utilizar como um exemplo para questões gerais.”55 Ou seja as ideias de Kracauer
acabam por ligar quase sempre o geral e o particular, sendo praticamente impossível
analisar o seu pensamento sem recorrer aos métodos que este utiliza. Mais tarde em
Theory of Film, Kracauer vai ter uma abordagem diferente, quanto ao Cinema, algo que
é visível nas críticas feitas por vários autores a este último. Neste, Kracauer representa o
Cinema como uma representação da realidade, como algo que vai além do que a
fotografia é capaz de mostrar, nomeadamente movimento. Se em From Caligari to
Hitler, o autor apresenta um retrato sobre a sociedade do seu tempo através do Cinema,
no caso de Theory of the Film, Kracauer, o grande elo de ligação entre esta e as suas
anteriores obras, será a análise sociológica, os problemas que encontrou na superfície da
arte, no entanto, nos seus últimos trabalhos vai sobretudo preocupar-se com a
comparação entre realidade presenciada e realidade filmada.
No período cronológico que nos interessa estudar, o pensamento de Kracauer sobre a
relação entre Cultura de Massas e Política, ou melhor Cinema e Política, é muito
influenciada pelos acontecimentos que viu passarem-lhe pelos olhos sem poder fazer
nada para pará-los. Esta é uma situação que ocorre também com Adorno e Walter
Benjamin, no entanto aborda a questão de maneira algo diferente dos outros dois,
sobretudo do primeiro. Se Adorno prefere colocar a relação entre Cultura de Massas e
Política sobre um prisma algo negativista, onde destaca a perversidade que essa relação
poderá ter na conquista dos heart´s and mind´s da população, como pudemos verificar,
já Kracauer prefere abordar o Cinema como um reflexo de uma sociedade, onde
indivíduos conscientes recebem a informação que pretendem, mas poderão ver os seus
gostos modelados a ponto de começarem a querer algo que anteriormente não
pretendiam. Para além disso, como homem atento sobre o seu tempo, problematiza
55 Adorno, Theodor, The Curious Realist P.164
sobre um grupo social em ascensão que consome essa cultura, os chamados “White
Collars,” estes são uma classe média que segundo Kracauer teve um papel político
muito importante, participando no rumo que a sociedade levou. Assim podemos desde
logo apresentar uma ruptura evidente entre as ideias de dois dos elementos da Escola de
Frankfurt, se por um lado, Adorno vê o Cinema como uma “arma” perigosa a ser
utilizada, uma arma que paralisa todos os sentidos e que hipnotiza a mente, para
Kracauer, o Cinema representa a sociedade do seu tempo, vendo neste mais do que um
elemento negativo, um elemento representativo, já para Benjamin vê no Cinema e na
reprodução técnica da arte algo de positivo, capaz de fazer chegar a arte às massas.
Conclusão:
Assim na análise a estes autores podemos desde logo verificar as limitações que o termo
Escola de Frankfurt contém no seu interior, desde logo porque não existe uma linha de
opinião consertada, entre os membros deste “movimento”, apresentando cada um, uma
opinião que apesar de se interligar entre si em certos pontos, diverge no cenário mais
lato. Adorno via a relação entre Cultura Popular e Política como algo perverso, que
poderiam manipular a opinião pública, que ao invés de servir o público servia-se deste,
que funcionava como um receptáculo da produção, algo que ressoava em certos pontos
de Kracauer, que no entanto preferia enfatizar o papel do público como receptor da arte
nessa escolha. Ou seja, convergiam na opinião do papel manipulador da cultura de
massas, no entanto, divergiam quanto ao papel do público, enquanto com Adorno este
aparece mais submisso e circunspecto àquilo que lhe dão, já para Kracauer, o espectador
tem um papel importante na arte que é produzida, visto que esta é feita tendo em conta o
gosto das massas.
Entre as divergências de ambos os autores deve-se salientar a visão de Reprodução
Técnica da Arte de Walter Benjamin e de Adorno e Horkheimer. Enquanto Walter
Benjamin via com certo entusiasmo esse fenómeno, pois possibilitaria o acesso de mais
pessoas à arte, por outro lado, Adorno e Horkheimer analisam que toda a reprodução
técnica da arte tem imbuído no seu interior a perda de identidade do original que está
apenas à disposição de uma elite que manipula aqueles que não possuem acesso aos
originais. A partir deste conceito, Adorno e o seu colega partem para a crítica do valor
de mercado que a obra em série passa a ter, algo que a torna massificada.
Adorno vai algumas das vezes entrar em ruptura com as ideias de Benjamin, vai como o
de reprodução técnica, devido a este conceito não ter no seu interior presente o
antagonismo que reside no próprio interior do conceito de técnica, algo já referido
anteriormente, onde o conceito de técnica não deveria ser pensado de maneira absoluta,
pois possui uma origem histórica e pode desaparecer da mesma forma que apareceu.
Em jeito de conclusão, pode-se dizer que estes três elementos contribuíram de forma
valiosa para os estudos sobre a cultura de massas, da estetização da política, das
relações entre a cultura e a política, sendo que neste trabalho foi dado um especial
enfoque ao Cinema e à forma como estes relacionavam o mesmo com a cultura. Este
aparece muito presente na realidade destes homens, ou não tivessem lidado com a
ascensão do Partido Nacional Socialista ao poder. Vêm o Cinema como um meio capaz
de influenciar as pessoas, ainda que por vezes divirjam quanto às análises desta
influência. De notar que o Cinema foi utilizado de maneira paradigmática pelos Nazis,
este tinha um papel muito importante na difusão cultural e dos ideais para Goebbels,
sendo que isso não teria deixado indiferentes estes indivíduos.
Uma das convergências apresentadas por estes – embora as diferenças de opinião
quanto aos efeitos do mesmo – passa pelo Cinema como elemento da Cultura de
Massas, tendo um papel importante para chegar a arte a obra de arte ao público, a
capacidade que este tem de chamar as pessoas para assistirem ao filme que está a ser
reproduzido.
Assim temos um Walter Benjamin algo optimista quanto aos avanços técnicos da arte,
um Theodor Adorno, que não se revê na Indústria Cultural, na arte cinematográfica que
é produzida no seu tempo, e um Siegfried Kracauer que não consegue dissociar a sua
paixão pelo cinema com a relação que faz entre os filmes e a história. Destes, talvez este
último tenha sido o que de maneira mais pragmática entrecruzou as ligações entre o
Cinema, Política e a Sociedade ao exemplificar através dos filmes que eram produzidos,
os gostos e as tendências que se aproximavam na Alemanha do seu tempo. Os
contributos destes ainda hoje continuam a ser estudados, discutidos, analisados,
demonstrando o valor e a validade que ainda têm nos dias de hoje,