Download - Projeto de graduação 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
CURSO DE ARTES CÊNICAS
UM CORPO APROPRIADOR: A MÍMESIS CORPÓREA
COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA
COMPOSIÇÃO DA PERSONAGEM
PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Ícaro Alexsander Costa
Santa Maria, RS, Brasil
2011
UM CORPO APROPRIADOR: A MÍMESIS CORPÓREA
COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA
COMPOSIÇÃO DA PERSONAGEM
Ícaro Alexsander Costa
Projeto de ensino, pesquisa e extensão apresentado ao
Curso de Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Artes Cênicas – Interpretação Teatral.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariane Magno
Santa Maria, RS, Brasil
2011
COMISSÃO EXAMINADORA:
Drª. Mariane Magno (Orientadora)
Drª. Gisela Biancalana (UFSM)
Ms. Cândice Lorenzoni (UFSM)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 05
2 JUSTIFICATIVA..................................................................................................... 07
3 OBJETIVOS........................................................................................................... 09
3.1 Objetivo Geral.................................................................................................... 09
3.2 Objetivos Específicos....................................................................................... 09
4 METODOLOGIA.................................................................................................... 10
5 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 12
5.1 A Mímesis Corpórea, segundo o Lume Teatro............................................... 13
5.2 Punctum e Studium, segundo Roland Barthes.............................................. 16
5.3 Sobre o texto...................................................................................................... 19
5.3.1 Autor e obra...................................................................................................... 19
6 CRONOGRAMA..................................................................................................... 21
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 22
7.1 SITES.................................................................................................................. 22
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1 INTRODUÇÃO
O presente projeto de ensino, pesquisa e extensão Um corpo apropriador: a
Mímesis Corpórea como procedimento técnico e sensível na composição da
corporeidade de um ator enquanto personagem, também é requisito parcial para
aprovação nas disciplinas Técnicas de Representação VII e Laboratório de
Orientação III, do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria,
bem como para a obtenção do grau de Bacharel em Interpretação Teatral do referido
curso.
O objetivo técnico e criativo do trabalho está na concepção e no
desenvolvimento de um personagem inserido em um espetáculo de contracenação,
que será criado com base técnica e teórica a partir da Mímesis Corpórea
desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais Lume (UNICAMP/SP).
Visando o desenvolvimento dramatúrgico, criativo e cênico, utilizaremos como
ponto de partida, para a concretização de tais objetivos, o texto dramático Há Vagas
Para Moças de Fino Trato, de Alcione Araújo (1999), cuja trama será a matéria
textual que fundamentará a vivência investigativa e criativa do aluno-pesquisador.
Para aplicar os procedimentos da Mímesis Corpórea optou-se pela utilização de
fotografias de mulheres por se tratar da criação de um personagem feminino; sendo,
esta diferença de gênero entre ator e personagem, um dos grandes desafios desta
pesquisa.
Vale ressaltar que a criação e a direção deste espetáculo é coletiva. O grupo
da montagem é composto por três alunos: duas atrizes e um ator; que trabalham
juntos desde 2009. A afinidade que surgiu entre nós durante este tempo e o
interesse comum em seguir desenvolvendo nossas pesquisas juntos, foram as
motivações que nos levaram a optar por criar e dirigir o nosso espetáculo de
formatura.
Para a análise do texto de Araújo - que apresenta um universo de três
mulheres e seus modos particulares de ser diante da sua infelicidade, decorrente da
ausência de amor e do abandono em que vivem - utilizaremos a estrutura de análise
ativa proposta pelo sistema de Constantin Stanislavski.
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Esta pesquisa, que parte do estudo dramatúrgico e das investigações teóricas
e práticas sobre a Mímesis Corpórea, engloba, ainda, os conceitos Punctum e
Studium, segundo Roland Barthes (1984). Todos estes estudos servirão para
ampliar e direcionar o olhar do pesquisador. Este olhar, o do pesquisador, é ainda
um olhar do ator, ou seja, é um olhar técnico, sensível e criativo porque ele absorve,
de corpo inteiro, aquilo que vê. É este o nosso entendimento sobre um corpo
apropriador; e é este entendimento, em laboratório, que fará com que todos os
elementos desta pesquisa atuem de modo convergente até a composição da
corporeidade feminina da personagem Madalena.
Cabe ressaltar que esta pesquisa será embasada no modelo de pesquisa
experimental proposta por Antônio Carlos Gil; e prevê, ainda, a participação em
eventos científicos, a concretização do espetáculo (levado à público) e a formatação
de um relatório final que será submetido à mesma banca examinadora que aprovou
este projeto.
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2 JUSTIFICATIVA
Esta pesquisa é, de certo modo, uma continuidade da investigação sobre a
Mímesis Corpórea que venho desenvolvendo nos dois últimos anos dentro do curso
de Artes Cênicas, proporcionando o aprofundamento técnico, artístico e também
sensível.
Para a concretização do objetivo deste projeto de ensino, pesquisa e
extensão, que é a investigação e a criação de uma personagem feminina e inserida
em um espetáculo de contracenação, assim como o estudo de seus elementos
constituintes, optou-se por um texto que retratasse a fragilidade humana vista de
ângulos diferentes, levantando questões que muitas vezes nos perguntamos no
nosso dia-a-dia, como por exemplo, até que ponto vale à pena levar uma vida
excessivamente de aparências?
A partir dessa questão foi escolhido pelo grupo o texto Há Vagas Para Moças
de Fino Trato, que mostra o sofrido convívio de três mulheres e dos traumas que
lhes foram causados pelas relações amorosas: Gertrudes, a mais velha, vive
inconformada por ter sido abandonada pelo marido e preenche esta perda mantendo
Lúcia sempre por perto. Lúcia, a mais jovem, é sonhadora, está à espera de seu
príncipe encantado e finge estar doente para conseguir manipular Gertrudes.
Madalena, a mais realista das três, trabalha como enfermeira em uma clínica
psiquiátrica e diverte-se a cada noite com um homem diferente.
Desta forma, a concepção propõe certa reflexão sobre as dificuldades do ser
humano em se relacionar com outro ser humano. Esta dificuldade é retratada no
texto de Araújo através das três personagens que são incapazes de se aceitarem e
que, paradoxalmente, toleram o convívio conjunto. Elas jogam umas com as outras,
cada uma a seu modo, como alternativa de sobrevivência no mesmo espaço físico.
Das questões que compõe o campo de pesquisa da personagem, decidiu-se
pesquisar a suavidade e a delicadeza da mulher, por considerar um grande desafio
para um ator a composição de um papel feminino. Para tal criação tornam-se
indispensáveis, além da Mímesis Corpórea, bom figurino e uma maquiagem
apropriada, porque temos também como objetivo aproximar a criação da
corporeidade o mais perto possível do feminino.
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Como fundamento psicotécnico para o trabalho do aluno-pesquisador, optou-
se pela Mímesis Corpórea1 para a criação da personagem, por se tratar de uma
técnica que possibilita um caminho à este processo criativo e também pelo fato da
personagem Madalena ser um tipo social presente no cotidiano.
Os conceitos de Punctum e Studium, segundo Barthes (1984), surgem como
filtro no momento da escolha das fotografias a serem trabalhadas através da técnica
da Mímesis Corpórea. Os critérios de escolha das imagens passam pela suavidade
retratada, pela plasticidade sinuosa do corpo da mulher representado na foto, se a
disposição da figura remete ao delicado, bem como fotografias que apresentem
ações simples como o ato de estar sentada, em pé ou deitada.
Enquanto que, na pesquisa de campo2, pretende-se obter registros de
mulheres em seu cotidiano, no formato de vídeo, com o propósito de inteirar o
trabalho desenvolvido com as fotografias.
1 A Mímesis Corpórea, da maneira como o Lume a trabalha, baseia-se na observação minuciosa de ações
cotidianas, executadas por indivíduos em situações corriqueiras. Estas ações são posteriormente imitadas
precisamente. Uma vez imitadas em seus mínimos detalhes, são codificadas, de maneira a serem reproduzidas,
“re-apresentadas”, e/ou manipuladas. Somente a codificação permite que o material primeiro, denominado
“matriz”, possa ser alterado, reelaborado, teatralizado (SOUZA apud FERRACINI, 2006, p. 114). 2 Pesquisa de campo, segundo Raquel Scotti Hirson, atriz e pesquisadora do Lume Teatro, é a busca do meio
apropriado para o encontro com o objeto de observação. Ele pode estar em livros e exposições de pintura,
fotografia, escultura; ou em determinada região de determinado país, cidade, bairro; ou espalhado em pontos
específicos, etc. (HIRSON apud FERRACINI, 2006, p. 67).
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3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Investigar e criar o personagem feminino, Madalena, em um espetáculo de
contracenação a partir do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato, de Alcione
Araújo, tendo a Mímesis Corpórea como fundamento técnico para a composição da
corporeidade da personagem.
3.2 Objetivos Específicos
Fazer uma análise ativa da obra Há Vagas Para Moças de Fino Trato, de
Alcione Araújo;
Realizar um estudo teórico-prático sobre a Mímesis Corpórea;
Pesquisar os conceitos de Punctum e Studium, desenvolvidos por Roland
Barthes;
Observar e investigar a corporeidade do feminino na mulher por meio de
pesquisa de campo, constituída de registros audiovisuais e fotográficos;
Investigar e criar a corporeidade do feminino em laboratório e ensaios
individuais e coletivos;
Compor o personagem Madalena no espetáculo de contracenação;
Apresentações do espetáculo final;
Produzir um relatório reflexivo final da disciplina de Técnicas de
Representação VIII com o desenvolvimento do processo criativo, no segundo
semestre de 2011;
Defender o relatório, perante banca examinadora;
Apresentar este projeto em eventos científicos.
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4 METODOLOGIA
A metodologia deste processo criativo a partir de um texto dramático abrange
três campos: o teórico, o prático e o reflexivo. Assim, partindo da análise ativa do
texto, proposta pelo sistema de Constantin Stanislavski, que consiste em
(...) dividir em partes uma peça, analisá-la pormenorizadamente e dividi-la
em seus diferentes extratos, meditar sobre algumas questões que ela nos
sugere e descobrir as respostas, (...) organizar discussões gerais e debates,
(...) avaliar e comparar todos os fatos, descobrir nomes para as unidades e
objetivos (STANISLAVSKI: 1997, p.11).
produzir-se-á a concepção de um espetáculo teatral, ou seja, a pesquisa
apresentada neste projeto se dará no decorrer do processo de montagem. A análise
do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato ocorre paralelamente com os ensaios
práticos do espetáculo.
A presente pesquisa será embasada em um exemplo de pesquisa científica: a
pesquisa experimental que, segundo Antônio Carlos Gil:
(...) consiste em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto (GIL: 2006, p.66).
Dessa forma, determinou-se a corporeidade feminina como objeto de estudo
para ser experimentado e elaborado no corpo do ator. Subseqüentemente, buscou-
se selecionar temáticas como o abandono, a ausência de amor e a dificuldade de
convivência como filtro para a formulação de perguntas a serem realizadas nas
entrevistas da pesquisa de campo, entendidas enquanto variáveis que influenciam
esta corporeidade. Finalmente pretende-se observar as diferentes reações causadas
nas mulheres entrevistadas para obter elementos que favoreçam o processo criativo
em laboratório, via Mímesis Corpórea.
As diretrizes principais são:
1. Diretriz Teórica – análise do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato;
explorar a metodologia de pesquisa científica proposta por Antônio Carlos
Gil; estudos sobre a Mímesis Corpórea, desenvolvida pelo Lume Teatro; e
sobre os conceitos Punctum e Studium, segundo Roland Barthes.
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2. Diretriz Prática – realização de uma pesquisa de campo visando a
obtenção de registros no formato de vídeo, para assim, complementar o
trabalho efetuado com as fotografias; praticar a Mímesis Corpórea a partir
das fotografias obtidas, tanto na pesquisa de campo como as escolhidas
pelo pesquisador através do Punctum e Studium; exercitar um treinamento
seqüencial de movimentos com um leque, visando desenvolver qualidades
de fluência, leveza, delicadeza e suavidade.
3. Diretriz Experimental – utilização criativa dos procedimentos técnicos da
Mímesis Corpórea a partir de fotografias para a composição da
corporeidade feminina da personagem, desde a teatralização da Mímesis
até a composição das cenas.
4. Diretriz Reflexiva: descrever o processo de pesquisa e refletir, formatando
um relatório final de conclusão de curso que será defendido perante banca
examinadora, além de apresentar este projeto em eventos científicos.
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5 REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Ferracini (2006, p.120), um dos pesquisadores e autores sobre a
Mímesis Corpórea utilizada nesta pesquisa, o corpo não possui memória, ele é
memória, pois:
é do presente que parte o apelo ao qual a lembrança responde, e é dos elementos sensório-motores da ação presente que a lembrança retira o calor que lhe confere vida (BERGSON 1990 apud FERRACINI 2006,p. 125).
Acumulamos durante a vida toda experiência em nosso corpo-memória3,
adquiridas conscientemente ou independentemente de nossa percepção. Dessa
forma, pode-se dizer que o corpo vive em um processo dinâmico de constante
atualização, visto que ele está sempre vivenciando novas experiências e, também,
evocando novas lembranças.
Essas memórias coexistem, virtualmente, em nosso presente. Bergson (1990)
denomina como virtuais por não serem reais enquanto matéria, mas estão impressas
em nosso corpo atual/real que pode recriá-las, afinal, sabe-se que não é possível
reviver um acontecimento passado em sua forma pura, mas é possível recriá-lo no
momento presente.
Para melhor entendimento dos conceitos de real (momento presente), virtual
e memória, Bergson sistematizou-os na forma de um cone, o chamado cone
bergsoniano, representado na figura abaixo:
O cone SAB representa a totalidade das lembranças
acumuladas na memória (virtual). O ponto S
corresponde ao corpo atualizado no momento
presente (plano P). À medida que o ponto S, que é
real enquanto matéria, avança sobre o plano P, ele
vai se atualizando, passando por novas experiências
e assim, contraindo novas lembranças a serem
acumuladas no cone SAB, que será sempre
carregado pelo ponto S. Por sua vez, a base AB do
cone permanece em constante crescimento.
3 Este conceito é utilizado pelo Lume Teatro para designar o corpo como meio de coexistência do passado e do
presente: o corpo presente acumula, nele mesmo, o passado. E pode ser encontrado no livro Café com queijo –
Corpos em criação, no capítulo O Corpo Memória, p. 120
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Pode-se direcionar o pensamento ao seguinte entendimento: se o corpo, no
momento presente, carregar toda a virtualidade do passado, as conexões ao
passado poderiam ser realizadas perfeitamente através do próprio corpo.
Assim, no trabalho da Mímesis Corpórea, uma ação ao ser observada,
memorizada, imitada e codificada, poderia ser pensada como uma espécie de virtual
a ser recriado no momento da atuação, ou seja, pode-se pensar que as ações
realizadas pelo ator em estado cênico são, na verdade, recriações de virtuais
vivenciadas e armazenadas pelo corpo-memória.
5.1 A Mímesis Corpórea, segundo o Lume Teatro
Os procedimentos da Mímesis Corpórea que se pretende utilizar nessa
pesquisa foram desenvolvidos pelo Lume Teatro e consistem em uma metodologia
que busca o desenvolvimento da capacidade de observação, de imitação, de
codificação e de teatralização de ações físicas e vocais.
Dessa forma, o primeiro passo a ser realizado é a escolha do material a ser
observado, neste projeto, a feminilidade da mulher. Vale ressaltar que um fator
determinante para a execução dessa escolha é a existência de uma conexão entre o
ator e o objeto de observação. Essa conexão pode dar-se de diversas formas:
(...) um fator fundamental para a escolha de uma imitação é a identificação
que surge entre o ator e o observado, podendo essa identificação dar-se de
diversas formas, quase sempre não explicáveis, pois às vezes uma forte
repulsa pode despertar o desejo de uma imitação (HIRSON apud
FERRACINI: 2006, p.73).
Sendo assim, torna-se evidente que a Mímesis Corpórea não se faz apenas
da imitação, da criação de um estereótipo, mas sim da relação que se estabelece
entre o ator e o observado. É mais profundo do que a mera reprodução superficial.
Por isso é indispensável uma identificação do ator com seu objeto de estudo, pois
este é resultante de uma escolha.
A primeira etapa da Mímesis Corpórea consiste na observação do objeto de
estudo escolhido. Essa observação deve ser profunda, detalhada, capaz de detectar
informações que não são evidentes, nem óbvias, em um primeiro olhar.
Nesta pesquisa, observo fotografias de mulheres que apresentem
características da sua feminilidade, tais como delicadeza, leveza e sensualidade, ao
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mesmo tempo em que procuro detectar quais são os pontos essenciais da foto que
devem ser criados em meu corpo.
Na fase da imitação, o que realmente interessa é a imitação precisa e perfeita
das ações observadas anteriormente, e não uma imitação superficial, aproximativa.
Deve-se tentar levar em conta não o que o ator-pesquisador sentiu no momento da
observação, mas sim, objetivamente, as ações realizadas pelo seu objeto de estudo,
ou seja, sua corporeidade.
Nesta pesquisa, atualmente tenho já trabalhadas (imitadas) 18 fotos, entre
elas:
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A etapa seguinte constitui-se da codificação das ações imitadas, isto é,
buscar no corpo as microdensidades musculares4 equivalentes para tornar possível
sua repetição, sua “re-apresentação” e sua manipulação. “Somente a codificação
permite que o material primeiro, denominado ‘matriz’, possa ser alterado,
reelaborado, teatralizado” (SOUZA apud FERRACINI, 2006, p. 114).
Atualmente, tenho codificadas 3 seqüências, entre elas:
Repertório 1 – formado por 10 fotografias
Discurso da Madalena – formado por 4 fotografias
Tédio – formada por 7 fotografias
A última fase da Mímesis Corpórea é a da teatralização, ou seja, o momento
de adaptação das ações codificadas às exigências da cena em que serão inseridas,
podendo ser transformadas, aumentando ou diminuindo seu ritmo, sua intensidade,
seu tamanho ou velocidade, porém sem perder a essência do material original.
Esta etapa da pesquisa está apenas começando, mas já tenho 7 estruturas
sendo trabalhadas neste processamento criativo, como por exemplo, esta do texto a
seguir:
TEXTO (Madalena) – “Boa noite, presidiárias. Comunico a quem se interessar
que estou vindo do hospício onde trabalho para o hospício onde moro. E a doideira
aqui já começa na entrada. O elevador desse prédio está biruta: imagina que eu
apertei o dez, ele parou no cinco. Aí, pensei, apertando o cinco, ele pára no dez.
Parou no oito.”
ESTRUTURA EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO CRIATIVA
Seis passos fora de cena seguidos de três passos em cena
Estender o braço e abrir o leque (estudando o tempo da ação)
Suspense / tensão
Quebra da tensão com uma risada e com o abanar do leque
Quatro passos para à direita, foco para a esquerda, foco para o leque
Fechar o leque e dar três passos para a esquerda
Braço direito estendido para cima, abrir o leque
4 Terminologia utilizada pelo Lume Teatro para designar pontos musculares específicos que, quando ativados,
possibilitam a retomada de ações físicas e, posteriormente, sua recriação. Este conceito pode ser encontrado no
livro Corpos em fuga, corpos em arte, no capítulo Ator: um olhar poético para a imagem, p. 123.
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Giro de 180 graus, pernas cruzadas e flexionadas, leque aberto nas
costas
Giro de 180 graus, leque aberto no alto
Pulso quebra para baixo
Desta forma, na sala de ensaios um novo mundo é descoberto a partir dos
materiais adquiridos ao longo da pesquisa e das inúmeras possibilidades de
combinações que se pode realizar com eles.
É um trabalho minucioso, onde um ínfimo detalhe pode fazer grande
diferença. Encontrar no próprio corpo as formas pesquisadas em outro corpo,
descobrir quais pontos musculares devem ser ativados para a composição de
determinada figura, buscando assim sua equivalência física, requer tempo de
trabalho e uma dedicação contínua, diária.
5.2 Punctum e Studium, segundo Roland Barthes
Para começar o trabalho de Mímesis Corpórea a partir de fotografias é
necessário selecionar as imagens a serem recriadas em meu próprio corpo, que,
segundo Barthes (1984), podem ser escolhidas a partir de dois elementos
específicos: o Punctum e o Studium.
O Punctum é um conceito utilizado para nomear um “detalhe” na foto que
chama a atenção daquele que a olha. Do latim, punctum significa ponto, picada,
marca feita por um instrumento pontudo. Esse detalhe, que ‘parte da foto’ e
transpassa o observador, gerando nele a lembrança ou sensação de algo que tenha
experienciado no passado, trata de uma conexão subjetiva. Por isso, dar exemplos
de punctum é, de certa forma, entregar-se, porque ele não é buscado
antecipadamente em uma fotografia, mas sim encontrado, uma vez que as conexões
subjetivas são, muitas vezes, inexplicáveis. Para Barthes (1984) “o punctum é uma
espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além
daquilo que ela dá a ver” (1984, p.89).
Diferente do Punctum, o Studium, segundo Barthes (1984), também remete à
memória, mas em virtude do saber do observador. Uma fotografia qualquer pode
tocar e causar alguma emoção naquele que a observa, mas essa emoção será
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medida pela sua cultura, sua realidade social e política; e não provocada por uma
singularidade própria, com uma intensidade particular e exclusiva ao observador.
O Studium também pode ser diretamente encontrado, isto é, uma
determinada pesquisa já pode pré-determinar o tipo de Studium a ser estudado,
como por exemplo, neste projeto, a pesquisa determinante é o estudo da
composição da corporeidade feminina em um corpo masculino, o que me levará a
pesquisar fotos de mulheres com determinadas qualidades corporais, tais como
leveza, sensualidade, delicadeza e sinuosidade dos movimentos.
Em síntese, fotos escolhidas a partir de um Studium podem causar “uma
espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo
revezamento judicioso de uma cultura moral e política” (BARTHES, 1984, p.45).
Para colaborar com a compreensão destes dois conceitos, Punctum e
Studium, segue um exemplo prático. Ao observar esta imagem, como sujeito cultural
essa foto me causou certo interesse pois, para mim, ela retrata o cotidiano na
terceira idade. Nela vejo o abandono (ao ver os dois jovens ao fundo, pode-se
pensar que a foto foi registrada em um asilo) e a solidão; temas que são recorrentes
na atualidade e presentes na nossa cultura. Este olhar social e cultural poderia ser
uma possibilidade de estudo da foto, a partir de um Studium.
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Porém o Punctum, o que me chamou a atenção logo na primeira vez em que
vi a foto foram os pombos, que remeteram minha memória diretamente à Praça São
Sebastião, localizada na cidade de Manaus – AM. Isso porque, quando criança, eu e
meus pais costumávamos ir à praça todos os domingos. Ela era habitada por
milhares de pombos e também havia um senhor que vendia apenas milho para que
os passantes alimentassem as aves.
Com este exemplo, é possível perceber que o Studium é um campo muito
vasto, enquanto o Punctum é muito particular a cada observador. Ao mostrar essa
foto em seminário na disciplina Laboratório de Orientação III, ministrada pela Prof.ª
Dr.ª Mariane Magno, foi possível observar os diferentes comentários entre os
colegas de aula, cada um revelando o seu punctum particular e a sensação que ele
lhes causava.
Redimensionando os dois conceitos para esta pesquisa, pode-se concluir que
as fotos escolhidas a partir de um Punctum partirão de aspectos mais pessoais e
subjetivos, enquanto que as fotos escolhidas através do Studium podem ter suas
temáticas identificadas do modo mais comum por qualquer observador, dependendo
de sua cultura. Porém, nada impede que uma fotografia contenha em si Punctum e
Studium, simultaneamente.
Sob o ponto de vista técnico e criativo, o trabalho com Punctum e Studium
aplicados à Mímesis Corpórea, partindo de fotografias, é extremamente amplo e rico.
Muitas vezes, durante a pesquisa de campo, pode acontecer do ator-pesquisador
estabelecer apenas um contato com o objeto a ser estudado, o que torna o registro
em fotos algo importante e necessário, pois esta será sua única fonte concreta que
possibilitará reavivar na memória aquele momento.
Mas como compor um corpo fundamentado na observação de uma imagem
fotográfica? No presente projeto de pesquisa, a criação de ações se dará a partir da
escolha de imagens de mulheres, via Punctum e Studium, registradas em momentos
similares às situações presentes na obra Há Vagas Para Moças de Fino Trato, como
por exemplo, mulheres tomando banho, dançando, sentadas, maquiando-se, etc.
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5.3 Sobre o texto
5.3.1 Autor e obra
Durante o momento da procura por uma dramaturgia que abrangesse um
universo feminino, em que as relações fossem estabelecidas através de um
confronto entre dissimulação e verdade, surge a obra de Alcione Araújo Há vagas
para moças de fino trato. Essa obra, escrita pelo autor em 1974, mostra o “estudo
psicológico do sofrido convívio de três mulheres e dos traumas que lhes são
causados pelas relações amorosas”.
Alcione Araújo nasceu em Minas Gerais na cidade de Janúaria, em 1945, ele
atua como professor, autor, roteirista e diretor; sua escrita aborda a subjetividade e a
visão da psicologia em circunstâncias sociais diversas.
No livro “Teatro de Alcione Araújo” está contido parte de sua obra entre elas:
“Há Vagas para moças de fino trato”, “A caravana da ilusão”, “Doce deleite” e
“Muitos anos de vida”, essa última lhe rendeu o prêmio de Molière de Melhor Autor.
O autor também escreve uma coluna no Jornal Estado de Minas, o que lhe acarretou
o prêmio Jabuti, em 2005. Com o livro “Nem Mesmo Todo o Oceano”, ele consolidou
sua carreira de escritor e dramaturgo.
A peça a ser encenada fala a respeito de três mulheres: Gertrudes, Lúcia e
Madalena. Gertrudes, a mais velha, aluga o apartamento para as outras duas. Ela
vive com a inconformidade de ter sido abandonada pelo marido e, desde então,
procurou não se relacionar com homem nenhum. Ela dedica seu tempo para cuidar
de Lúcia, mantendo-a sempre por perto com o objetivo de preencher sua carência.
Lúcia é a mais jovem das três, sonhadora, sustenta a imagem de que um dia
seu príncipe encantado virá buscá-la. Enquanto isso não ocorre, dissimula ser frágil
e utiliza o pretexto de uma falsa doença como estratégia para manipular
emocionalmente Gertrudes.
Por sua vez, Madalena é a que gosta de se divertir e sair a cada noite com
um homem diferente, mantendo assim vários relacionamentos superficiais. É
também a menos sonhadora das três e procura escancarar a verdade e jogar
Gertrudes e Lúcia frente a uma realidade, por vezes, cruel.
Num artigo da Revista Aplauso, o dramaturgo fala a respeito da construção
dessas personagens. Quando Araújo escreveu “Há vagas para moças de fino trato”,
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em 1973, o autor morava em Belo Horizonte e observava de sua varanda o
apartamento onde moravam três moças. Suas personagens, obviamente, não são
aquelas que ele nem conheceu, “mas ao mesmo tempo são elas”, admite, “pois o
que restou para mim das moças da janela são as minhas personagens”.
A partir deste fragmento pode-se perceber a imaginação do autor construindo
as personagens “humanas”. Essas moças, que ele via pela janela, certamente eram
diferentes das suas personagens fictícias. Entretanto, a universalidade do humano
se concentra na sua escrita, assim como a vida humana se apresenta na
observação que Araújo fez das três moças.
Pensando no espetáculo também como instrumento reflexivo e buscando a
relação entre o humano e a personagem Madalena, pretende-se estabelecer uma
ponte entre a ficção e o real5, incitando o espectador a pensar acerca das relações
humanas apresentadas no ato teatral.
5 Baseado em análise do cone bergosniano apresentado anteriormente, considera-se real o ser atual, o corpo no
momento presente (ponto S), que constitui uma realidade objetiva e não apenas em potência.
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6 CRONOGRAMA
Atividades 1º semestre de 2011
mar. abr. maio jun. jul.
Definição do texto X
Estudo da obra dramatúrgica X X X X X
Elaboração e entrega do pré-projeto X
Ensaios práticos X X X X
Processo de criação cênica / Diário de campo
X X X X X
Organização do espetáculo X X
Orientações com o professor X X X X X
Banca do projeto X
Entrega do projeto final da disciplina X
2º semestre de 2011
set. out. nov. dez. jan.
Estudo da obra dramatúrgica X X X X
Ensaios práticos X X X X
Processo de criação cênica / Diário de campo
X X X X
Organização do espetáculo X X X X
Orientações com o professor X X X X
Apresentações do espetáculo X
Entrega do relatório final da disciplina X
Banca do relatório X
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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Alcione. Teatro de Alcione Araújo – Simulações do Naufrágio. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BERGSON, Henry. Matéria e memória – ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
FERRACINI, Renato. Café com queijo: corpos em criação. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Ed.: FAPESP, 2006.
FERRACINI, Renato. Corpos em fuga, corpos em arte. São Paulo: Aderaldo &
Rothschild Ed.: FAPESP, 2006.
GIL, Antônio Carlos. Método e técnica de pesquisa social. 5. ed. 7. Reimpressão. São Paulo: Atlas, 2006.
STANISLAVISKI, Constantin. Manual do Ator. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
_____. Como Fotografar a Mulher. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora S/A, 1981.
7.1 SITES
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