Download - Poema IX - Alberto Caeiro - análise
IX
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Metáfora – “rebanho” – elemento natural, simples que circula pelos
campos em comunhão com a natureza, assim como os seus
pensamentos.
O sujeito poético assume-se como um pastor por atitude perante o mundo.
Em vez de ovelhas, ele guarda “pensamentos”, mas estes pensamentos
em nada se relacionam com a racionalização de algo, pelo contrário, eles
são apenas sensações.
Diz que pensa "com os olhos e com os ouvidos/E com as mãos e os pés/E com o nariz e a boca" , ou seja, são os sentidos que estão na base do seu pensamento.
Polissíndeto, disposição anafórica e sinestesia – expressam a complexidade de
sensações com que o pensamento se identifica, reforçando a importância dos
sentidos na apreensão da realidade.
Poeta da natureza e das sensações. Só se importa em ver de forma objetiva e natural
a realidade, com a qual contacta a todo o momento.
Imediatismo do presente e aceitação da realidade tal qual ela
é.
A única realidade para ele é esta objetiva, não há razão para conceber realidades, assim como não há racionalidades racionais. Ele sente, vê, toca, cheira e não formula valores e ideias abstratas acerca delas. Uma flor é apenas uma flor e não há que pensar no
que poderia ser, não interpreta abstratamente as coisas.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Conclusão - Sendo o pensamento “isso”, é desse modo que o poeta sente a realidade, sabe a verdade, e é feliz (gradação). Mas esses sentir, saber e ser ("isso") tem o seu ambiente próprio - que é o do bucolismo, o da serenidade da natureza: "num dia de calor", deitado "ao comprido na erva", de "olhos quentes" fechados (sensíveis, atentos a tudo, permeáveis às sensações).
“Goza” até ao limite do possível, no entanto, a partir de determinada intensidade, as sensações passam de agradáveis a desagradáveis, de prazer a dor. Assim, há um apelo à moderação, à fruição moderada das sensações e de combate aos excessos (que gerarão infelicidade).
Desejo de integração e de comunhão com a natureza.
Panteísmo – doutrina metafísica segundo a qual Deus e o mundo formam uma unidade, tudo é Deus, considerando a Natureza e o Universo
divinos. Bucolismo (serenidade da
natureza) - poesia pastoral, que descreve a qualidade ou
o caráter dos costumes rurais, exaltando as belezas
da vida campestre e da natureza.
Estrutura do texto - rigor lógico muito cuidado. Constituído por três estrofes, dispostas simetricamente (ou seja: possuindo a primeira e a última o mesmo número de versos, seis, e a intermédia dois), sugerem o apelo ao equilíbrio.
• Poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua constante renovação. Não existe passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade do tempo.
• Especial importância ao ato de ver. Observa o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.
• É um sensacionista a quem só interessa o que capta pelas sensações e a quem o sentido das coisas é reduzido à percepção da cor, da forma e da existência. É o poeta da Natureza e do olhar, o poeta da simplicidade completa, da objetividade das sensações e da realidade imediata (“Para além da realidade imediata não há nada”), negando mesmo a utilidade do pensamento.
• Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso, por isso, crê na “eterna novidade do mundo”. Aproveita cada momento da vida e cada sensação na sua originalidade e simplicidade.
• Discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo.