UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA HIDRÁULICA E AMBIENTAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL
FRANCISCO OSNY ENÉAS DA SILVA
PLANO DE ÁGUAS MUNICIPAL COMO INSTRUMENTO
DE POLÍTICA PÚBLICA PARA UNIVERSALIZAÇÃO DO
ABASTECIMENTO DE PEQUENAS COMUNIDADES
RURAIS DO SEMIÁRIDO CEARENSE
FORTALEZA – CE
2011
FRANCISCO OSNY ENÉAS DA SILVA
PLANO DE ÁGUAS MUNICIPAL COMO INSTRUMENTO DE
POLÍTICA PÚBLICA PARA UNIVERSALIZAÇÃO DO
ABASTECIMENTO DE PEQUENAS COMUNIDADES RURAIS DO
SEMIÁRIDO CEARENSE
Tese apresentada à Coordenação
do Curso de Pós-Graduação em
Engenharia Civil, área de
concentração em Recursos Hídricos,
como parte dos requisitos para
obtenção do grau de Doutor.
Orientador: Prof. José Nilson B. Campos - PhD
FORTALEZA – CE
2011
S58p Silva, Francisco Osny Enéas da
Plano de águas municipal como instrumento de política pública para
universalização do abastecimento de pequenas comunidades rurais do
semiárido cearense / Francisco Osny Enéas da Silva, 2011.
184 f. ; il.; enc.
Orientador: Prof. Dr. José Nílson Beserra Campos
Área de concentração: Recursos Hídricos
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Centro de
Tecnologia, Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental,
Fortaleza, 2011.
1. Recursos Hídricos. 2. Abastecimento rural de águas. 3. Regiões
semiáridas . I. Campos, José Nilson Beserra (orient.). II. Universidade
Federal do Ceará – Programa de Pós - Graduação em Engenharia Civil.
III. Título.
CDD 627
Esta tese foi submetida como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil, área de concentração em
Recursos Hídricos, outorgado pela Universidade Federal do Ceará, e encontra-
se à disposição dos interessados na Biblioteca Central da referida instituição.
Doutorando: ____________________________________
Francisco Osny Enéas da Silva
Tese aprovada em 29 de julho de 2011
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. José Nilson B. Campos – PhD (orientador)
Universidade Federal do Ceará
________________________________________
Prof. Francisco de Assis de Souza Filho, Doutor (co-orientador)
Universidade Federal do Ceará
_________________________________ ________________________________
Francisco Chagas da Silva Filho, Doutor Antônio Rocha Magalhães, Doutor
Universidade Federal do Ceará Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
_________________________________ ________________________________
Rubem La Laina Porto, PhD Mônica Ferreira do Amaral Porto, Doutora
Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo
DEDICATÓRIA
À minha filha, Susany.
À minha esposa, Shirley.
À minha mãe, Maria Luisa.
Ao meu pai, Raimundo Braz (Talito) – in memoria.
... e a todos que me ajudaram nesta empreitada, especialmente o Prof. Nilson Campos, Prof. Assis Filho, Germano Filho, Vlademir Menezes (sogro).
AGRADECIMENTOS
Meu profundo agradecimento ao professor Francisco de Assis de
Souza Filho, dileto amigo e parceiro, coordenador do Projeto Sustentabilidade
e Segurança Hídrica: Projetar Sistemas Resilientes sob Estresse Climático, que
tornou possível a realização dessa tese, e que também me incentivou em todos
os momentos para sua consecução.
Ao professor José Nilson B. Campos, meu orientador e amigo, a
quem devo uma parte significativa do meu conhecimento na área dos recursos
hídricos e que esteve presente nos momentos mais importantes e decisivos da
minha vida, orientando o meu mestrado e a minha tese de doutorado, meu
muito obrigado.
Ao professor Francisco Chagas da Silva Filho, membro da banca
examinadora, que muito me incentivou a concluir a presente tese.
Ao doutor Antônio Rocha Magalhães, membro da banca
examinadora, pelas suas sugestões e pelo interesse em vir participar deste
momento singular da minha vida.
Aos professores da Universidade de São Paulo Rubem La Laina
Porto e Mônica Ferreira do Amaral Porto pelas sugestões e contribuições que
também muito enriqueceram a presente tese.
Ao professor Silvrano Adonias Dantas Neto pelo incentivo e parceria
que ajudou a construir esta tese.
Ao professor Marco Aurélio Holanda de Castro, coordenador da pós-
graduação, pelos ensinamentos e pelo apoio acadêmico e administrativo que
tornaram possível a defesa desta tese.
Aos demais professores do Departamento de Engenharia Hidráulica
e Ambiental da Universidade Federal do Ceará.
À minha amiga e parceira Daniele Costa da Silva, pelo seu papel
fundamental na construção da presente tese, unindo ciência à sociedade.
Aos funcionários do DEHA/UFC, Teresinha, Junior, Shirley,
Umbelina e Erivelton.
À Universidade de Fortaleza, da qual faço parte do seu corpo
docente, pelo apoio.
À engenheira Mércia Sales da Secretaria de Desenvolvimento
Agrário, pela parceria e acesso às informações essenciais para realização
deste trabalho.
Ao Columbia Water Center, da Columbia University, na pessoa do
Dr. Upmanu Lall, pelo suporte à pesquisa.
À Pepsico Foundation, de Nova Iorque, pelo patrocínio financeiro à
pesquisa.
Aos meus familiares, pelo apoio, paciência e incentivos sempre
presentes mesmo nos momentos mais difíceis até alcançar este objetivo.
RESUMO
A busca de uma solução permanente para o problema do
abastecimento de água para consumo humano de pequenas comunidades
rurais dispersas no semiárido brasileiro pode ser equacionada por meio de uma
política pública voltada para a universalização e a sustentabilidade dos
sistemas coletivos e individuais de abastecimento. Defende-se nesta pesquisa
que o instrumento mais adequado para alicerçar esta política pública seria o
Plano de Águas Municipal-PAM, que consiste numa visão focada do
planejamento dos recursos hídricos para as pequenas comunidades rurais,
mormente aquelas com população entre 3 a 50 famílias.O Plano de Águas
Municipal é fundamentado numa ação proativa compartilhada entre a
sociedade civil e o poder público para alcançar a universalização e a
sustentabilidade desses sistemas. A conceituação teórica e a base
metodológica para elaboração de um PAM é abordada na presente tese tendo
como referência o plano pioneiro do Município de Milhã, no Estado do Ceará,
que serviu de base para construção de uma política pública tanto na esfera
municipal como na esfera estadual voltadas para a universalização do
abastecimento das comunidades rurais daquele município e com perspectivas
de ampliação para o resto do Estado e, provavelmente, pode vir a se tornar um
instrumento aplicável a todo o nordeste brasileiro.
Palavras-chave: Planos de Recursos Hídricos, Planos Municipais, Universalização do Abastecimento, Comunidades Rurais
ABSTRACT
The search for a permanent solution to the problem of water supply
for human consumption in small rural communities scattered in Brazilian semi-
arid can be assessed by means of a public policy aimed at universalization and
the sustainability of individual and collective systems of supply. It is argued in
this survey that the most appropriate instrument to underpin this public policy
would be the Municipal Water Plan-PAM, which consists of a focused vision of
planning of water resources for small rural communities, especially those with
population between 3 to 50 families. The Municipal Water Plan is based on a
proactive action shared between civil society and public authorities to achieve
universalization and the sustainability of these systems. The theoretical
conceptualization and the methodological basis for the elaboration of a PAM is
discussed in this thesis with reference to the pioneering plan of the municipality
of Milhã in the State of Ceará, which formed the basis for construction of a
public policy both within the municipal sphere as in the State sphere aimed at
the universalization of the supply of rural communities of the municipality and
with prospects of expanding to the rest of the State and probably can become
an instrument applicable to the whole Brazilian Northeast.
Keywords: Water resources plan, municipal plan, water supply
universalization, rural communities.
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1 Objetivos dos planos estratégicos dos recursos hídricos ..........................18
Figura 3.1 Mapa da região semiárida do Ceará .........................................................27
Figura 3.2 Domínios geológicos do Ceará ..................................................................29
Figura 4.1 Fotografia de açude-barreiro no Ceará .....................................................38
Figura 4.2 Modelo de cartão para controle e pagamento de carro pipa .....................40
Figura 4.3 Esquema de realização do estudo CARCP ...............................................51
Figura 4.4 Propostas de soluções apresentadas pelas comunidades .......................57
Figura 5.1 Metáfora de edifício representando um PAM ............................................64
Figura 5.2 Premissas conceituais de elaboração de um PAM ...................................65
Figura 5.3 Cesta de soluções típicas de abastecimento unifamiliar ...........................96
Figura 5.4 Busca de água “saudável” em poço amazonas ........................................97
Figura 5.5 Cisterna de placas do P1MC ....................................................................98
Figura 5.6 Cisterna de alvenaria de 19,17 m³ destinada ao abastecimento
multifamiliar .............................................................................................. 99
Figura 6.1 Localização da área do projeto no Brasil e América do Sul ....................102
Figura 6.2 Localização da área do projeto no Mapa Político do Estado do Ceará...103
Figura 6.3 Histórico da precipitação total anual em Milhã ........................................105
Figura 6.4 Variação da precipitação média mensal em Milhã ..................................105
Figura 6.5 Aspecto da vegetação de caatinga predominante na área do projeto ....106
Figura 6.6 Inserção do município de Milhã no embasamento cristalino do Estado do
Ceará ...................................................................................................... 107
Figura 6.7 Distribuição do PIB do município de Milhã ..............................................112
Figura 7.1 Doze passos para elaboração de um PAM .............................................115
Figura 7.2 Etapas do diagnóstico social ................................................................. 119
Figura 8.1 Capa do PAM de Milhã ............................................................................135
Figura 8.2 Fotografia do evento de lançamento do PAM ........................................ 135
Figura 8.3 Mapa das comunidades de Milhã ............................................................136
Figura 8.4 Ensinamentos da pesquisa de campo nas comunidades rurais de
Milhã .......................................................................................................137
Figura 8.5 Mapa das sub-bacias de Milhã ................................................................142
Figura 8.6 Classificação das comunidades de Milhã quanto à situação de
Abastecimento ......................................................................................145
Figura 8.7 Classificação das casas de Milhã quanto à situação de abastecimento..146
Figura 8.8 Número médio de casas por comunidade por categoria de criticidade de
Abastecimento ..........................................................................................146
Figura 8.9 Manchete do Jornal O Povo sobre Operação Pipa .................................153
Figura 8.10 Relação dos municípios atendidos pela Operação Pipa .......................153
Figura 9.1 Mapa de distribuição do ICP nos municípios cearenses .........................163
Figura 9.2 Mapa dos 24 municípios selecionados pelo critério do ICP .....................166
LISTA DE TABELAS
TABELA - 4.1 Nº de municípios atendidos por operação pipa no Ceará ................... 41
TABELA - 6.1 Dados populacionais dos municípios inicialmente pesquisados .......104
TABELA - 6.2 Índice FIRJAN de desenvolvimento municipal para os municípios da
área ................................................................................................. 109
LISTA DE QUADROS
QUADRO – 1 Municípios selecionados por bacia hidrográfica ................................... 53
QUADRO - 2 Diferenças conceituais entre o PAM e demais planos de recursos
hídricos .................................................................................................. 69
QUADRO – 3 Principais fontes hídricas para zonas rurais ....................................... 71
QUADRO – 4 Indicadores demográficos e sociais de referência ............................ 111
QUADRO – 5 Sumário da produção agrícola de Milhã ............................................ 113
QUADRO – 6 Sumário da produção pecuária de Milhã ............................................113
QUADRO – 7 Sumário da produção industrial de Milhã ........................................... 114
QUADRO – 8 Matriz de condições e análise para o modelo de gerenciamento ...... 131
QUADRO – 9 Resumo das sub-bacias do município de Milhã ................................ 141
QUADRO –10 Sumário da oferta hídrica superficial em Milhã ................................ 145
QUADRO –11 Comunidades alvo de intervenção apontadas no PAM de Milhã e
respectivos custos ........................................................................ 150
QUADRO –12 Projetos de abastecimento de água conveniados para Milhã .......... 152
QUADRO –13 Relação dos municípios selecionados pelo critério do ICP ............ 165
LISTA DE SIGLAS
ANA – Agência Nacional de Águas
BID – Banco Internacional de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNH - Banco Nacional de Habitação
CAGECE - Companhia de Água e Esgoto do Ceará
CARCP – Caminho das Águas na Rota dos Carros – Pipas
CEDEC – Coordenadoria Estadual de Defesa Civil
CNDC – Conselho Nacional de Defesa Civil
COMDEC – Conselho Municipal de Defesa Civil
CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
DEHA – Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (UFC)
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
FGTS- Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GGRC – Grupo de Gerenciamento do Risco Climático para a Sustentabilidade Hídrica
(UFC)
ICP – Índice Composto Ponderado
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDM – Índice de Desenvolvimento Municipal
IDS-R – Índice de desenvolvimento Social de Resultado
IPEA – Instituto de Planejamento Econômico e Social
IPECE- Instituto de Pesquisa e Estratégica Econômica do Ceará
MD – Ministério da Defesa
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
MI – Ministério da Integração Nacional
O&M – Operação e Manutenção
PACS – Programas de Açudes de Convivência com as Secas
PAM – Plano de Água Municipal
PAPP – Programa de Apoio ao Pequeno Agricultor Rural
PCPR – Programa de Combate à Pobreza Rural
PERH - Plano Estadual dos Recursos Hídricos
PLANASA – Plano Nacional de Saneamento
PLANERH – Atualização do Plano Estadual dos Recursos Hídricos
PROÁGUA /SEMIÁRIDO – Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos Hídricos para o Semiárido Brasileiro
PRODHAM – Projeto de Desenvolvimento Hidroambiental
PROGERIRH – Projeto de gerenciamento e integração dos Recursos Hídricos do Ceará
PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar
PRORURAL – Programa Nacional de Saneamento Rural
PROURB – RH- Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos
PSJ – Projeto São José
SAAE - Serviços Autônomos de Água e Esgoto
SAAEC - Sociedade Anônima de Água e Esgoto de Crato
SEAGRI – Secretaria de Agricultura Irrigada
SESA – Secretaria de Saúde do Ceará
SDA – Secretaria do Desenvolvimento Agrário
SIGERH – Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos
SINDIÁGUA - Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio ambiente do Ceará
SISÁGUA – Sistema de Informação e vigilância da qualidade da água
SISAR – Sistema Integrado de Saneamento Rural
SNIS - Sistema Nacional de Informações de Saneamento
SOEC – Superintendência de Obras do Estado do Ceará
SOHIDRA – Superintendência de Obras Hidráulicas
SRH – Secretaria dos Recursos Hídricos
TMI – Taxa de Mortalidade Infantil
UFC – Universidade Federal do Ceará
UNEP – United Nations Environment Programme
1
Sumário
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 BASES CONCEITUAIS .............................................................................................................8
2.1 Conceitos de bens comuns, sustentabilidade, policentrismo e governança.................8
2.2 Conceito de política pública e planejamento .............................................................13
2.3 Políticas e planos de recursos hídricos .......................................................................15
3 CONTEXTO DO ESTUDO ......................................................................................................21
3.1 O Problema do Abastecimento de Água Potável nas Comunidades Rurais Difusas....21
3.2 Contextualização no Estado do Ceará ........................................................................26
Contexto Territorial e Climatológico ...................................................................26 3.2.1
Contexto do Abastecimento Hídrico no Ceará....................................................31 3.2.2
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO E A PROBLEMÁTICA DO CARRO
PIPA 37
4.1 O Processo de Acionamento do Abastecimento por Carros-Pipa ...............................39
4.2 A Frequência de Abastecimento por Carro-pipa nos Municípios Cearenses ..............40
4.3 Políticas Públicas de Convivência com o Semiárido ....................................................42
4.4 O Caminho das Águas na Rota dos Carros-Pipa ..........................................................50
5 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO PLANO DE ÁGUAS MUNICIPAL .....................................63
5.1 Conceito Geral e Premissas de um PAM .....................................................................63
5.2 Dimensões Conceituais do PAM .................................................................................69
Dimensões Afeitas à Universalização..................................................................70 5.2.1
Dimensões Afeitas à Sustentabilidade ................................................................83 5.2.2
6 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO DO PRIMEIRO PAM ...............................101
6.1 Localização e População da Área do Projeto ............................................................101
6.2 Aspectos Fisiográficos do Município de Milhã ..........................................................104
6.3 Aspectos Socioeconômicos.......................................................................................108
7 ESTRUTURA DO PAM ........................................................................................................115
8 A EXPERIÊNCIA DO PAM DE MILHÃ ..................................................................................134
8.1 Considerações Gerais ...............................................................................................134
8.2 Diagnóstico das Comunidades ..................................................................................136
Análise do Diagnóstico de Milhã .......................................................................137 8.2.1
Recursos Hídricos Municipais em Milhã ...........................................................140 8.2.2
Classificação das Comunidades em Categorias de Criticidade ..........................145 8.2.3
2
Propostas de Intervenções para Universalização do Abastecimento ...............147 8.2.4
8.3 Primeiros Impactos do PAM como Política Pública ..................................................151
8.4 Visão de Longo Prazo para Milhã .............................................................................154
9 AMPLIAÇÃO DA ESCALA DE ELABORAÇÃO DE PAM’s .......................................................156
10 CONCLUSÕES ................................................................................................................168
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................................................172
3
1 INTRODUÇÃO
1.1 Aspectos Preliminares
A água é um elemento essencial à vida em todas as suas formas. A
água está presente em todos os organismos vivos dos reinos animal e vegetal
e o acesso continuado à mesma se constitui num imperativo para a
sobrevivência biológica.
O planeta Terra possui mais de três quartos de sua superfície cobertos
com água, porém 97,5% se constitui em água salgada presente nos mares e
oceanos, sendo inapropriada para o consumo humano, e apenas 2,5 % deste
total se apresenta como água doce, definida como aquela que possui teor de
sólidos totais dissolvidos (STD) inferior a 1.000 mg/l. A água doce
economicamente utilizável para consumo humano se encontra disponível nos
rios, lagos e aquíferos subterrâneos representando apenas 0,7672% do total da
água do planeta. O restante se encontra nas geleiras polares (REBOUÇAS et
al.,1999).
A escassez de água doce utilizável para as atividades humanas a torna
um bem econômico. O reconhecimento desse mérito de forma universal se deu
a partir do relatório que ficou conhecido como Comissão Brundtland no livro
“Our Common Future”, publicado em 1987, na Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CAMPOS, 2003; BISWAS e TORTAJADA,
2005).
A limitação do uso da água que se encontra na natureza para atender
às necessidades humanas apresenta duas dimensões do problema: o
quantitativo e o qualitativo. O problema quantitativo se refere à existência de
fontes hídricas que assegurem a quantidade de água necessária e com o nível
de garantia desejado para cada tipo de uso, enquanto que o problema
qualitativo se refere à qualidade da água disponível adequada aos mesmos
tipos de uso. Ambos os problemas assumem uma magnitude menor ou maior
dependendo do custo para disponibilização da água na quantidade e qualidade
almejadas para os fins a que se destinam e na capacidade de pagamento e
disposição a pagar do usuário pela água com aquelas determinadas
4
características. O uso da água e sua disponibilização é assim um problema de
natureza essencialmente econômica.
Sendo um problema de natureza econômica, o acesso sustentável à
água obedece às leis da economia, dentre elas os parâmetros de escala. A
água destinada ao abastecimento humano segue rigorosamente a lei de escala
econômica para sua utilização. A população concentrada em cidades e núcleos
urbanos maiores possui normalmente condições de arcar com os custos de
operação e manutenção de sistemas de abastecimento, além de poder
remunerar total ou parcialmente os custos de investimento do sistema por meio
de uma tarifa exequível pela água fornecida. Essa condição não está presente
nas pequenas comunidades rurais dispersas no território, especialmente nas
áreas que ostentam uma fragilidade econômica, tal como o semiárido
nordestino brasileiro.
O abastecimento de água potável para comunidades rurais é um
problema de ordem global que se tornou inclusive objeto de um programa
específico das Nações Unidas no âmbito do PNUD denominado Programa de
Água e Saneamento do Banco Mundial, iniciado em 1978 (WATER
SANITATION PROGRAM, 2011). Este programa atua em 25 países na África,
leste e sul da Ásia, América Latina e Caribe, compreendendo uma parceria de
múltiplos doadores administrado pelo Banco Mundial.
O problema do acesso permanente à água potável para beber para
populações de pequenas comunidades rurais e famílias isoladas no semiárido
nordestino permanece como uma questão não resolvida a desafiar a
inteligência de planejadores, estrategistas e acadêmicos para buscar uma
solução sustentável.
Vários são os matizes e as variáveis que afetam a busca de uma
solução sustentável. Há aspectos econômicos, políticos, sociais e ambientais a
considerar, porém dois se destacam pela sua relevância: a questão da escala
do sistema e a questão do modelo gerencial aplicável.
Estas variáveis podem ser equacionadas mediante a elaboração de um
Plano de Águas Municipal-PAM focado no abastecimento da população urbana
e rural do município tendo como base o emprego da potencialidade hídrica
distribuída no território municipal e na participação da sociedade na construção
5
de sistemas sustentáveis de abastecimento aplicável a pequenas comunidades
dispersas no meio rural.
Esta tese foi desenvolvida em parte como produto de uma pesquisa de
campo levada a cabo pelo autor e parceiros ao longo de dois anos e meio
como pesquisador-membro do Grupo de Gerenciamento de Risco Climático
para a Sustentabilidade Hídrica do Departamento de Engenharia Hidráulica e
Ambiental da Universidade Federal do Ceará, no sertão central do Estado do
Ceará, mais precisamente nos municípios de Milhã, Senador Pompeu e
Deputado Irapuan Pinheiro, pela qual foi elaborado um diagnóstico detalhado
dos sistemas de abastecimento de praticamente todas as comunidades rurais
destes municípios a partir de um aglomerado mínimo de duas casas.
Além do diagnóstico semi-censitário com relação aos sistemas de
abastecimento rural, foram realizadas ações estruturantes com a implantação
de um sistema piloto de abastecimento na comunidade de Ingá e
complementada a rede de distribuição domiciliar das comunidades de Pedra
Fina, São João, Transval e Valentim dos Sabinos no município de Milhã. As
obras estruturantes foram construídas com recursos oriundos do acordo de
cooperação firmado entre a Universidade Federal do Ceará e a Universidade
de Columbia-Nova Iorque, com patrocínio da Pepsico Foundation.
A pesquisa realizada teve como objetivo investigar as condições de
sustentabilidade de longo prazo de sistemas de abastecimento d’água para
beber de comunidades rurais difusas localizadas no semiárido brasileiro;
identificar os problemas inerentes à tecnologia e aos modelos de
gerenciamento dos sistemas existentes. Como produto da pesquisa, além das
obras implantadas em campo nas comunidades selecionadas do município de
Milhã-Ce, foi elaborado um Plano de Águas Municipal (PAM) para o município
de Milhã e está em vias de conclusão um Manual de Boas Práticas
Tecnológicas visando orientar o projeto e construção dos diversos sistemas de
abastecimento d’água para comunidades rurais, desde cisternas, poços
profundos e amazonas até obras de captação e adução de água para suprir
redes de abastecimento.
6
O modelo conceitual preconizado no exemplo pioneiro do Plano de
Águas de Milhã levou o Estado do Ceará, por intermédio da Secretaria de
Desenvolvimento Agrário – SDA a adotá-lo como um modelo de Política
Pública para a busca da universalização do abastecimento de comunidades
rurais difusas do interior do Estado, na tentativa de eliminar progressivamente
as ações emergenciais de abastecimento empregando o carro pipa.
A fundamentação conceitual desenvolvida na elaboração do PAM de
Milhã que o levou a servir de base para a construção de uma política pública de
abastecimento no Estado do Ceará é o tema central da tese.
1.2 Objetivo
A tese foi desenvolvida com o intuito de propor uma nova abordagem
baseada na elaboração de planos de água municipais (PAM) focados no
abastecimento humano para buscar uma solução para o problema da
universalização e da sustentabilidade do abastecimento de água potável para
pequenas comunidades rurais difusas no semiárido brasileiro, compreendendo
a faixa de 3 a 50 famílias.
1.2.1 Objetivos Específicos
São objetivos específicos da tese:
• Identificar os fatores que afetam e condicionam o acesso à água, a
universalização do abastecimento hídrico para consumo humano e a
sustentabilidade dos sistemas implantados nas pequenas comunidades rurais
difusas do semiárido;
• propor um modelo para elaboração de plano de águas municipal
focado no abastecimento das populações rurais difusas, endereçado a
pequenas comunidades rurais de 3 a 50 famílias;
• propor o PAM como um modelo de política pública viável para permitir
a universalização e sustentabilidade de soluções de abastecimento para
pequenas comunidades rurais visando a eliminação progressiva do emprego
do carro pipa.
7
1.3 Estrutura do Trabalho
O estudo ora apresentado está estruturado em dez capítulos. O
primeiro introduz o tema; o segundo apresenta uma revisão de literatura
versando sobre os principais conceitos subjacentes à construção do tema
central da tese; o terceiro contextualiza a oportunidade e a atualidade do tema;
o quarto discute o problema do abastecimento das comunidades com carro
pipa; o quinto apresenta os fundamentos conceituais do PAM, nas suas
dimensões tecnológica, social e gerencial; o sexto descreve a situação e o
diagnóstico da área piloto do estudo; o sétimo apresenta a estrutura do PAM; o
oitavo descreve a experiência vivenciada na elaboração do primeiro PAM; o
nono aborda a questão da expansão de escala do PAM, e o décimo, as
conclusões.
Em seguida são apresentadas as referências bibliográficas
consultadas.
8
2 BASES CONCEITUAIS
A revisão de literatura foi focada nas trajetórias conceituais que serviram de
suporte para construção da ideia de propor um plano de águas municipal como uma
política pública apropriada para permitir a universalização e a sustentabilidade do
abastecimento de pequenas comunidades rurais.
Os conceitos de maior importância a serem considerados são aqueles
referentes à definição de bens comuns, sustentabilidade, policentrismo e
governança; aos conceitos de políticas públicas e planejamento e os referentes à
elaboração de planos de recursos hídricos.
2.1 Conceitos de bens comuns, sustentabilidade, policentrismo e governança
O abastecimento d’água de populações urbanas ou rurais de forma coletiva
faz uso dos recursos hídricos disponíveis, sejam estes superficiais ou subterrâneos
e, portanto, faz uso de um bem comum assim reconhecido pela Constituição
Brasileira (CF/1988) e pela Lei Federal nº 9.433/97.
Ostrom (2005) classifica os bens em quatro tipos:
• bens privados, tais como comida, vestuário, automóveis, etc.;
• bens públicos, tais como paz e segurança nacional, corpo de bombeiros,
sistemas de previsão de tempo, etc.
• bens clube, tais como teatros, clubes privados, creches particulares, etc.;
• bens comuns, tais como recursos hídricos, sistemas de irrigação públicos,
florestas, etc.
Apesar dos recursos hídricos que abastecem as pequenas comunidades
rurais serem considerados bens de uso comum cuja dominialidade pertenceria ao
Estado ou a União, conforme a CF/1988, há uma grande dificuldade do seu controle
efetivo pelo poder público que não garante o acesso universalizado para as
populações, sobretudo, no meio rural.
9
Ostrom (1999) já reconhecia que as agências governamentais nacionais
eram frequentemente incapazes e mal sucedidas em regular os recursos
considerados bens comuns numa ampla escala geográfica. Muitas nações
nacionalizaram todos os recursos hídricos e as terras durante os anos de 1950/60
alienando os usuários locais de seu domínio sobre estes recursos, mas faltou a
estes governos a existência de fundos para por em prática a sua dominialidade e
poder de polícia sobre tais recursos, os quais foram legalmente convertidos à
propriedade do Estado, porém, acabaram sendo revertidos na prática de volta ao
regime de livre acesso.
O que se verifica no sertão nordestino brasileiro é que muitos reservatórios
de água (açudes) que foram construídos com recursos públicos e que deveriam
servir de uso comum, principalmente para o abastecimento de comunidades rurais,
foram revertidos a bens privados pelas elites econômicas e políticas locais
impedindo o acesso universal a quem dela precisa.
Esta questão da apropriação indevida do bem comum água permanece
como uma questão de governança a ser devidamente equacionada. Uma das
opções propostas por Ostrom (1999, 2005, 2009) seria a adoção de um modelo
policêntrico de governança dos bens de uso comum diferentemente do modelo
centralizado nas agências estatais.
O modelo policêntrico de governança pressupõe a existência de múltiplos
centros de decisão e controle que se sobrepõem na administração do bem comum
visando à resolução de conflitos, à aquisição de conhecimento, o monitoramento do
desempenho dos sistemas locais e a regulação do uso de bens comuns (OSTROM,
1999).
O modelo policêntrico poderia permitir o equacionamento da questão do
acesso à água, garantido a utilização pública deste bem, ao mesmo tempo em que
permitiria a aplicação de normas de regulação e controle visando, por exemplo, o
sobreuso indiscriminado do bem água como um recurso livre.
Falk, Bock e Kirk (2009) descrevem uma experiência bem sucedida de
abastecimento de comunidades rurais na Namíbia a partir da mudança de um
modelo monocêntrico de gestão das águas para um modelo policêntrico com base
10
na gestão comunitária da mesma. Uma das principais conclusões do estudo
conduzido por Falk, Bock e Kirk é de que a devolução da responsabilidade
institucional para gestão financeira dos sistemas de abastecimento de água para as
comunidades produziu um impacto positivo na sustentabilidade dos sistemas
operados pela própria comunidade.
Esta conclusão corrobora com a proposta dos modelos de gerenciamento
apresentados nesta tese que considera a mobilização do capital social da
comunidade como uma pilastra essencial para garantir um modelo sustentável de
abastecimento no longo prazo.
Anderson e Ostrom (2008) afirmam que durante décadas os fazedores de
políticas públicas tem tido experiências ambíguas com ambos os modelos
centralizado e descentralizados para a gestão de bens de uso comuns. Há uma
concordância de que modelos totalmente centralizados são ineficientes devido ao
alto custo de transações. Por outro lado, os modelos totalmente descentralizados
são soluções consideradas ingênuas crescentemente problemáticas. O desafio está
no estabelecimento de mecanismos institucionais que capitalizem as vantagens do
modelo descentralizado ao mesmo tempo em que possam contar com o respaldo de
sistemas mais centralizados que possam compensar as imperfeições. O modelo
policêntrico considera as relações entre múltiplas autoridades se sobrepondo na sua
jurisdição dentro de um ordenamento jurídico que permita tal flexibilização.
Traduzindo o modelo policêntrico no âmbito da proposta do PAM, sugere-se
que a comunidade mobilize seu capital social para prover a gestão operacional dos
sistemas de abastecimento comunitários coletivos, realizando também a gestão
financeira destes, ao mesmo tempo em que haja também instituições do poder
público, semelhante aos Sisar’s para dar suporte técnico e logístico nas ações de
operação e manutenção que ultrapassem a capacidade de resposta da própria
comunidade.
Outra questão conceitual de elevada importância a ser abordada no decurso
da presente tese é a de sustentabilidade e vulnerabilidade de sistemas de
abastecimento.
11
Biswas e Tortajada (2005) descrevem a evolução do conceito de
desenvolvimento sustentável desde o surgimento do conceito em 1948 divulgado por
Fairfield Osborne no livro Our Plundered Planet na frase:
“Nós estamos correndo para frente através de dias de
inacreditável consumo...e nos esquecemos do planeta, esquecemo-nos no
senso de que falhamos em considerar que ele é a fonte de nossa vida.”
Segundo Biswas, Osborne estava convicto de que o único tipo de
desenvolvimento que fazia sentido era o desenvolvimento sustentável, que muitos
julgam ter surgido do relatório da comissão Brundtland Our Common Future (WCED,
1987).
Posteriormente no início da década de 70 o conceito de sustentabilidade foi
anunciado pela UNEP na Conferência das Nações Unidas no Ambiente Humano, em
Nairobi, Quênia, em 1975. Após esta conferência, em 1976, Mostafa Kamal Tolba,
então diretor executivo da UNEP declarou em Londres:
“Um novo tipo de desenvolvimento é necessário porque é
essencial relacionar desenvolvimento às limitações e oportunidades criadas
pelos recursos naturais que são a base de todas as atividades humanas.
Isto também é requerido porque agora está claro que os padrões passados
de desenvolvimento em ambos países desenvolvidos ou em
desenvolvimento tem sido caracterizadas por tal sorte de danos ambientais
que os tornam simplesmente insustentáveis.”
Tolba (1982, apud Biswas,2005) afirma que:
“O maior objetivo do gerenciamento ambiental é compatibilizar as
necessidades humanas básicas com as potenciais restrições dos sistemas
ambientais, incluindo os recursos naturais. O gerenciamento ambiental
conduz a duas novas dimensões no processo de desenvolvimento: amplia o
conceito para incluir a qualidade ambiental e expande-o no tempo para
incluir desenvolvimento de longo termo em bases sustentáveis.”
Em 1987 a Comissão Brundtland anunciou o conceito de desenvolvimento
sustentável como sendo “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a habilidade das futuras gerações de atender às suas próprias
necessidades”.
12
Holling (2001) definiu o conceito de desenvolvimento sustentável de forma
diferente. Para ele sustentabilidade é a capacidade de criar, testar e manter
capacidade adaptativa, ao passo que desenvolvimento é o processo de criar, testar
e manter oportunidades. Segundo Holling, o conceito de desenvolvimento
sustentável refere-se ao objetivo de forjar a capacidade adaptativa e criar
oportunidades. O conceito de sustentabilidade depende da interação entre fatores
internos e externos ao sistema.
Gallopin (2006) analisou as relações entre vulnerabilidade, resiliência e
capacidade adaptativa de sistemas sócio ecológicos, concluindo que o conceito de
vulnerabilidade não é o oposto a resiliência, porque este último é definido em termos
de mudança de estado entre domínios de atração, enquanto que a vulnerabilidade
se refere às mudanças estruturais no sistema implicando em mudança na
estabilidade da paisagem. Gallopin define resiliência como uma propriedade interna
do sistema, não incluindo exposição à perturbação. Os fatores que governariam a
vulnerabilidade do sistema seriam a sensibilidade, a exposição e a capacidade de
resposta do sistema.
O conceito de resiliência, isto e a capacidade de um sistema a manter
suas funções vitais e a adaptarem-se as perturbações induzidas pelo meio-ambiente
(Holling 1973; Ribot 1996; Gunderson, Holling et al. 2002) tem uma importância
crescente na definição de políticas públicas de desenvolvimento. As incertezas
ligadas às mudanças climáticas, à globalização dos intercâmbios econômicos e aos
processos de migrações colocam em questão a evolução dos sistemas
socioambientais frente àquelas perturbações.
Em países emergentes ou em desenvolvimento, coloca-se em evidência
também a questão das adaptações de curto prazo permitindo reduzir a
vulnerabilidade econômica de alguns grupos sociais e a manutenção de uma
capacidade de adaptação para enfrentar os riscos e as mudanças do longo termo.
Isso é particularmente importante em contextos econômicos ou
ambientalmente muito constringidos como aqueles que afetam as populações
pobres das regiões semiáridas. Nessas regiões, os sistemas de abastecimento de
água, compostos de na captação, armazenamento, tratamento e distribuição dos
recursos hídricos tem uma importância vital. A questão que se coloca é como fazer
13
evoluir as modalidades de acesso à água para as populações rurais e manter ao
mesmo tempo a sua capacidade de adaptação?
A resposta parece estar na própria capacidade adaptativa da população
que vive em pequenas comunidades rurais no semiárido que emprega várias opções
tecnológicas e fontes hídricas para cada tipo de uso conformando uma cesta de
opções tecnológicas, tal como aqui será tratado.
2.2 Conceito de política pública e planejamento
A fim de alicerçar a discussão sobre o papel do Plano de Águas Municipal –
PAM como um instrumento de política pública, considera-se útil apresentar um breve
histórico da evolução do pensamento estatal com relação ao papel da administração
pública e do planejamento.
Os estudos pioneiros de administração pública tiveram início na década de
1880, com Woodrow Wilson, professor de Ciência Política e reitor da Universidade
de Princeton que posteriormente se tornou o 28º presidente dos Estados Unidos de
1913 a 1921. Sua preocupação era criar uma classe administrativa estatal
apartidária, selecionada com base no mérito para neutralizar o nepotismo e o
favoritismo que dominava a administração pública norte-americana do século XIX.
Wilson acreditava que o negócio do governo era organizar o interesse comum contra
os interesses especiais. Para ele a melhor forma de desenvolver a administração
pública era tomar as lições do gerenciamento empresarial sobre as normas de
disciplina e de mérito na manutenção de cargos e nas promoções. No entanto,
embora considerasse que a administração governamental poderia e deveria ser
como a de empresas, ela diferia desta por não ser uma empresa, mas uma vida
social orgânica (SARAIVA, 2007).
Fisher (1984) descreve que até os anos 30 do século XX o administrador
público era um mero executor de políticas, dentro de princípios de eficiência,
considerados não apenas o fim do sistema, mas também a medida de eficácia do
próprio sistema. A partir dos anos 30 e da Primeira Guerra Mundial, o crescimento
do aparato estatal influiu na mudança do conceito de administração, já então
percebido como formulador de políticas públicas.
No âmbito das empresas privadas a necessidade de sobreviver num
contexto de rápida mutação e de continuar implementando nele suas missões e
14
objetivos provocou o surgimento de novas técnicas de administração nos anos 50 e
60, dentre eles o planejamento organizacional que fixava objetivos e metas e os
meios para atingi-los. No âmbito estatal foi a época dos grandes sistemas de
planejamento governamental. Os países institucionalizaram órgãos, comissões,
ministérios e corporações destinados a elaborar planos ambiciosos de
desenvolvimento em geral bem sucedidos. No Brasil destaca-se a criação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE em 1959 pelo
presidente Juscelino Kubitschek tendo à frente o economista Celso Furtado
(WARLICH, 1979).
Ainda nos anos 60, com as transformações do cenário internacional exigindo
formas mais flexíveis de planejamento e administração surgiu o planejamento
estratégico que levava em conta as variáveis externas à organização, tornando as
empresas mais capazes de implementar suas estratégias em cenários alternativos.
Com as crises da década de 70 (guerras, crise do petróleo, financeira) e o
surgimento de novas variáveis mostraram que os sistemas de planejamento
estabelecidos eram muito lentos e rígidos para dar conta de conjunturas que exigiam
respostas imediatas. Surgiu então a gestão estratégica, que não prescinde do
planejamento, mas permite reação imediata da organização aos desafios e às
oportunidades que surgem do contexto. As organizações estatais reagiram
tardiamente às mudanças de contexto deteriorando sua capacidade de resposta e
havendo declínio de sua credibilidade. Novas tecnologias de comunicações e
informática permitiram fortalecer a transparência e o consequente controle social das
ações do Estado.
Nos anos 80, houve um fortalecimento progressivo da atividade
governamental no qual a ação baseada no planejamento deslocou-se para a ideia
de política pública. A democratização do sistema político viu-se facilitada pela
tecnologia: a descentralização e a participação ficaram mais fáceis do ponto de vista
operacional e as mudanças sociais tronaram-se possíveis e desejáveis (SARAIVA,
2007).
Viana (1996) afirma que a produção em matéria de políticas públicas busca
analisar o modo de funcionamento da máquina estatal, tendo como ponto de partida
a identificação das características das agências públicas fazedoras de políticas
públicas; dos atores participantes desse processo de fazer políticas; das inter-
15
relações entre essas agências e atores e das variáveis externas que influenciam
esse processo.
“A política pública é um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o
equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade”
(SARAIVA,2007). Complementa o autor que:
“Com uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que a
política pública é um sistema de decisões públicas que visa a ações ou
omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a
realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de
objetivos e estratégias de atuação e da alocação de recursos necessários
para atingir os objetivos estabelecidos.”(SARAIVA, 2007).
A política pública apresenta várias etapas identificadas por autores como
Thoening (1985), Hill (1993) e Hogwood(1993), na sequência: O primeiro momento é
o da agenda ou da inclusão de determinado pleito ou necessidade social na agenda
de prioridades do poder público. Em seguida vem a elaboração que consiste na
identificação de um determinado problema atual ou potencial e a determinação das
possíveis alternativas para sua solução. Depois é a vez da formulação que é a
seleção e especificação da alternativa mais conveniente. A implementação vem em
sequência, constituída da preparação dos meios para pôr em prática a política
pública, com seus planos, programas e projetos. Depois ocorre a execução que
consiste das ações operacionais para atingir os objetivos da política pública. Segue-
se o acompanhamento que promove o monitoramento das ações e, finalmente, a
avaliação que consiste na mensuração e análise a posteriori dos efeitos produzidos
pela política pública.
O planejamento aparece assim como um instrumento de implementação de
uma política pública.
2.3 Políticas e planos de recursos hídricos
Campos (2003) define uma política como um conjunto de princípios e
medidas postos em prática por instituições governamentais ou outras, para a
solução de certos problemas da sociedade. Afirma que uma política de recursos
hídricos é formada por: 1) objetivos a serem alcançados, 2) fundamentos ou
16
princípios sob os quais deve ser erguida, 3) instrumentos ou mecanismos para
implementa-la, 4) uma lei ou arcabouço legal para lhe dar sustentação e 5)
instituições para executa-la e fazer seu acompanhamento.
Campos (op.cit.) complementa que as políticas devem ser moldadas para
determinados espaços geográficos e respeitar as peculiaridades locais. À medida
que se sobe da escala estadual para a nacional a Política Nacional deve ser
suficientemente geral para abrigar os aspectos que podem ser aplicados a todos os
estados.
Seguindo-se esse raciocínio de Campos, o processo inverso seria
verdadeiro: à medida que se desce da escala nacional para a estadual e daí para a
escala local deveria aumentar o nível de especificidade da política de recursos
hídricos para satisfazer as peculiaridades regionais e locais.
A Política Nacional de Recursos Hídricos surgiu com a Lei Federal 9.433/97
que direcionou a sociedade brasileira para a adoção de um novo modelo de gestão
de águas, enquadrado dentro dos preceitos de dominialidade determinados pela
Constituição Federal de 1988. Dentro desta política foram propostos seis
fundamentos: 1) o domínio das águas, 2) o valor econômico das águas, 3) os usos
prioritários, 4) os usos múltiplos, 5) a unidade de gestão e, 6) a gestão
descentralizada.
Prescreve a Lei 9.433/97 seis instrumentos de gestão: 1) os planos de
recursos hídricos, 2) o enquadramento dos corpos hídricos, 3) a outorga dos direitos
de uso dos recursos hídricos, 4) a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, 5) a
compensação a municípios e, 6) os sistemas de informação de recursos hídricos.
Como se observa o plano de recursos hídricos é considerado o primeiro
instrumento de gestão da política nacional de recursos hídricos. Na verdade, houve
no passado até recente uma polêmica sobre o que deveria vir primeiro, o plano ou a
política? Campos (op.cit.) discorre sobre os processos históricos que levaram à
formulação da Política Nacional dos Recursos Hídricos, quando alguns estados mais
avançados na gestão da água, como São Paulo e o Ceará, tomaram a iniciativa de
fazer antes os seus respectivos planos estaduais de recursos hídricos, dos quais
originou-se o arcabouço legal estadual, e propuseram as instituições para a
implementação da política.
17
Com o advento da Lei 9.433/97, a maioria dos estados que não tinham
planos estaduais nem as leis sobre gestão dos recursos hídricos seguiram o
caminho inverso na esteira da Lei 9.433/97, primeiramente aprovando a lei e
posteriormente elaborando o plano estadual.
Os planos estaduais mantém uma visão mais geral sobre a gestão e o
aproveitamento dos recursos hídricos, deixando os planos de bacias hidrográficas,
com suas diversas denominações (planos diretores de bacia, planos de
gerenciamento de bacias, etc.) para as funções mais programáticas e detalhistas
daquelas ações.
Com relação a planos de bacias hidrográficas, Campos (op.cit.) introduz o
tema afirmando que “de uma maneira geral, o processo de planejamento busca
mudar, ao menor custo possível, de um cenário tendencial para um cenário
desejável” e cita onze regras para desenvolvimento de um bom plano.
Gallego et. al. (2000) propôs diretrizes técnicas para elaboração de planos
estaduais de recursos hídricos que incluem os seguintes passos: divisão do território
estadual em bacias hidrográficas; análise das disponibilidades hídricas;
caracterização dos usos e usuários dos recursos hídricos; caracterização do uso do
solo das bacias; proposição de sistemas de controle e planejamento;
desenvolvimento do aproveitamento dos recursos hídricos, incluindo projeções de
uso dos recursos hídricos; proposta de gerenciamento de recursos hídricos,
incluindo o desenvolvimento dos instrumentos de gestão, a orientação para a política
estadual de recursos hídricos; e, por último, o planejamento plurianual.
Conejo (2009) questiona se: a avaliação dos planos de bacias elaborados no
Brasil indicam contribuições efetivas para resolver problemas e consolidar a
sustentabilidade dos recursos hídricos? Cita como exemplos de referência a
considerar os planos de bacias do São Francisco, Guandu, Tocatins-Araguaia, rio
Doce, Verde Grande, Paranaiba e afluentes da margem direta do Amazonas. Propõe
que os planos de bacia devem tratar de assuntos estratégicos como a articulação
interinstitucional; os conflitos pelo uso da água; o tema da demanda para irrigação e,
o tema qualidade da água.
Conejo (op.cit.) conclui que os planos de bacia devem ter:
• Foco, qual é o problema a resolver?
• Uma evolução do processo de elaboração;
18
• Uma busca de arranjos que se ajustem à realidade;
• A importância de planos exequíveis, sem devaneios;
• Ter em mente que não é preciso tentar resolver todos os problemas de
uma só vez.
Por fim Conejo sugere os objetivos para os planos de bacia apresentados na
Figura 2.1.
Figura 2.1: Objetivos dos planos estratégicos de recursos hídricos (Adaptado
de Conejo, 2009)
O artigo 7º da Lei 9.433/97 dispõe que os planos de recursos hídricos são
planos de longo prazo, com horizontes de planejamento compatível com o período
de implantação de seus programas e projetos e deverão ter o seguinte conteúdo
mínimo:
• diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;
• análise de alternativas de crescimento demográfico, evolução de atividades
produtivas e de modificações dos padrões de uso e ocupação do solo;
• balanço entre disponibilidade e demandas futuras dos recursos hídricos em
quantidade e qualidade;
• meta de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da
qualidade dos recursos hídricos disponíveis;
Elaboração do Plano
Estratégico
Aperfeiçoar a coordenação intersetorial
Inserção da água nos planos
setoriais e de ordenamento
territorial
Prover diretrizes para os
instrumentos e construir
consenso entre atores
19
• medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a
serem implantados, para o atendimento das demandas previstas;
• prioridades para outorga de direito de uso dos recursos hídricos;
• diretrizes e critérios para cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
• propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à
proteção dos recursos hídricos.
De fato, o conteúdo mínimo previsto na Lei 9.433/97 se constituiu no
paradigma legal de elaboração dos planos de recursos hídricos durante a década
passada tendo constado dos Termos de Referência dos planos diretores de bacia e
de gerenciamento de recursos hídricos elaborados pelos estados, incluindo o estado
do Ceará na elaboração dos planos de gerenciamento das bacias do Jaguaribe e
Metropolitanas. Posteriormente, foram acrescentados aos recentes Termos de
Referência, novos conteúdos por força do desenvolvimento tecnológico ocorrido na
década passada, tal como os aplicativos de geoprocessamento.
Brasil (2010) propõe as diretrizes para a Política Pública (art. 9º) e o Plano
de Saneamento Básico (art. 19) da Lei Federal nº 11.445/07, conhecida como a Lei
do Saneamento Básico, para os municípios brasileiros elaborarem os Termos de
Referência dos serviços de consultoria para elaboração do Plano Municipal e
Regional de Saneamento Básico.
As diretrizes do Ministério das Cidades (BRASIL, 2010) preveem que o
Plano de Saneamento Básico deve conter no mínimo:
i. O Diagnóstico integrado da situação local dos quatro componentes do
saneamento básico, a saber: abastecimento de água; esgotamento
sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e
manejo de águas pluviais urbanas;
ii. A definição de Objetivos e Metas municipais ou regionais de curto,
médio e longo prazos, para a universalização do acesso aos serviços
de saneamento básico no território, com integralidade, qualidade e
prestados de forma adequada à saúde pública, à proteção do meio
ambiente e à redução das desigualdades sociais contemplando:
“...O acesso à água potável e à água em condições
adequadas para outros usos”;
20
iii. O estabelecimento de sistema, instrumentos e mecanismos de gestão
apropriados, bem como, programas, projetos e ações, para o
cumprimento dos objetivos e metas, e para assegurar a
sustentabilidade da prestação dos serviços que contemplem;
“...O atendimento da população rural dispersa mediante a
utilização de soluções compatíveis com suas características sociais e
culturais”
[...]
“A adoção de política de subsídios para a população de baixa
renda, incluída a definição de parâmetros e critérios para a
aplicação de taxas e tarifas sociais”;
No âmbito nacional, o abastecimento de comunidades foi objeto de um
programa elaborado pelo IPEA entre 1986 e 1990, denominado Programa Nacional
de Saneamento Rural – PRORURAL a partir de um convênio entre o Banco Mundial
e o Ministério da Ação Social, com a participação do Ministério da Saúde, que previa
atender a 6.000 comunidades rurais entre 1991 e 1994 com investimentos da ordem
de R$ 480 milhões de dólares. Foi o primeiro programa que sinalizou para a
participação das comunidades no processo de planejamento, execução e gestão de
ações de saneamento. O programa não teve o desempenho satisfatório tendo sido
desativado com a extinção do Ministério da Ação Social (IPEA,1990).
Praticamente estas foram as poucas referências encontradas em planos de
recursos hídricos e de saneamento básico com relação à universalização do
abastecimento citando a população rural e políticas públicas de subsídios para
favorecer a população de baixa renda, as quais são transcrições da Lei Federal nº
11.445/07.
21
3 CONTEXTO DO ESTUDO
3.1 O Problema do Abastecimento de Água Potável nas Comunidades Rurais
Difusas
A Conferência de Cúpula das Nações Unidas do ano 2000 estabeleceu
dentre as Metas do Milênio (Millennium Development Goals –MDG’s) um
compromisso para “reduzir pela metade a proporção da população sem acesso
sustentável a água potável e saneamento básico” (UNITED NATIONS, 2010).
Com relação ao suprimento de água potável, o desafio maior tem sido levar
água aos domicílios rurais reduzindo o hiato entre o abastecimento das populações
urbanas e as populações rurais. A pior disparidade em termos globais se verifica na
Oceania e África subsaariana, porém ainda persiste significativa diferença no acesso
a água potável entre áreas urbanas e áreas rurais na América Latina e Caribe e na
Ásia Ocidental. Em termos globais, oito em cada 10 pessoas que vivem nas áreas
rurais tem dificuldade de acesso à água potável.
No estado do Ceará, o qual é representativo dos demais estados do
nordeste brasileiro, segundo dados do ano 2009 da Secretaria das Cidades do
Estado, o índice de cobertura com abastecimento de água potável nas zonas
urbanas é de 92,14%, enquanto que na zona rural é de 18,88%, corroborando com a
assertiva anterior em termos planetários. Conforme o censo demográfico do IBGE
de 2010 estas percentagens representam em termos de população absoluta que
498.839 pessoas não têm acesso à água potável em zonas urbanas no Estado do
Ceará, ao passo que na zona rural este número é de 1.708.244 pessoas.
No estado da Bahia, o maior e mais populoso da região nordeste, esses
índices são de 94,7% de abastecimento na zona urbana e apenas 16% na zona
rural, ficando, portanto, muito próximo dos dados relativos ao estado do Ceará.
O alcance daquela meta do milênio pode ser ameaçado pela conjunção de
vários fatores, dentre eles se destaca a crise econômica global dos últimos anos
colocando em risco a continuidade dos esforços devido à fraqueza da economia
global e pela alta de custos de insumos, tais como a energia.
22
Além da crise econômica, fatores ambientais como as mudanças climáticas
e fatores de origem antrópica como a poluição decorrente do incremento das
atividades industriais, agrícolas e da expansão urbana, formam um leque de agentes
de riscos que comprometem a quantidade e qualidade da água disponível para a
população.
A água para abastecimento humano compete economicamente com os
demais usos consuntivos onerando progressivamente os custos para sua captação
em quantidade suficiente para atender a demanda humana, além dos custos de
tratamento que se tornam cada vez mais elevados, mercê da poluição a que estão
sujeitos os mananciais superficiais e subterrâneos decorrentes da ação antrópica
causada pela expansão da atividade econômica.
Nas zonas rurais do semiárido nordeste este quadro não é muito diferente,
pois há uma tendência crescente de poluição dos mananciais superficiais por
agrotóxicos empregados nas lavouras e pela eutrofização da água devido ao
lançamento de dejetos humanos e animais nos corpos d’água sem nenhum controle
ambiental.
A prestação de serviços de saneamento é uma atividade marcadamente
dependente da escala econômica de atuação dos sistemas. Segundo Turolla (2002)
a “indústria do saneamento tem como característica marcante a presença de custos
fixos em capital altamente específico”. Segundo o autor esta configuração de custos
é característica de um:
“monopólio natural, em que o conjunto de vetores de produção
relevantes recai sobre uma faixa em que o custo médio é declinante”.
[...]
“O monopólio natural induz um dilema entre a eficiência produtiva
e a eficiência alocativa, além de um baixo incentivo ao investimento”.
[...]
“A especificidade do capital empregado no setor de saneamento
produz subincentivo ao investimento na medida em que o valor de revenda
dos ativos se reduz fortemente após o investimento ter sido feito”.
23
Como consequência, o setor de saneamento se baseia na gestão pública e
local na maior parte do mundo, apresentando como exemplo de exceções a
Inglaterra e a França que são paradigmas de duas formas alternativas de operação
e regulação do sistema de saneamento, denominados “modelo inglês” e “modelo
francês”.
Nas grandes cidades os custos fixos com a construção de reservatórios,
redes de distribuição e estações de tratamento de água e esgoto são muito mais
expressivos do que os custos operacionais de curto prazo como energia e produtos
químicos, fazendo o custo de produção diminuir significativamente com o aumento
do nível de produção (CEARÁ, 2008).
Assim, nos grandes centros urbanos há uma economia de escala que não se
verifica nas zonas rurais. Mesmo assim até a década de 70 do século passado havia
pouca exploração dessa economia no abastecimento público de água no Brasil,
beneficiando apenas 12,6% da população total, porquanto os serviços eram
municipalizados em pequenas estruturas distintas para abastecimento de água e
esgotamento sanitário (ALBUQUERQUE, 2010).
A sistematização de uma Política Nacional de Saneamento no Brasil foi
inaugurada durante o regime militar, em 1968, quando foram criados o Banco
Nacional de Habitação (BNH) e instituído o PLANASA (Plano Nacional de
Saneamento) fomentado com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS).
Foram criadas as companhias estaduais de saneamento que alavancaram a
estruturação e exploração comercial dos sistemas de abastecimento de água e
esgotamento sanitário de uma forma integrada e regionalizada.
O modelo implantado pelo regime militar reconheceu a necessidade de
buscar a auto-sustentabilidade econômica por meio da instituição de subsídios
cruzados entre localidades, visando viabilizar a implantação de redes de
abastecimento em mercados pouco atraentes do interior, com recursos oriundos
principalmente das regiões metropolitanas que obtinham grandes economias de
escala.
24
O resultado das políticas iniciadas com a criação do PLANASA foi
favorável de forma que no início dos anos 80 o percentual de pessoas atendidas
pelo serviço de abastecimento de água havia aumentado para 42 %. Já no censo de
2000 do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística, IBGE, este percentual já
estava em 76 %, consolidando o modelo de companhias estaduais. Atualmente os
Estados vêm adotando estratégias diferentes para melhorar seu serviço de
saneamento, uns vêm optando pela privatização, outros pela municipalização e
outros pelo fortalecimento das companhias estaduais, como é o caso do Estado do
Ceará (ALBUQUERQUE, 2010)
No entanto, as pequenas comunidades e a população difusa do ambiente
rural não foram beneficiadas pelo processo de integração e regionalização dos
serviços que, ao menos em relação ao abastecimento de água, proporcionaram um
incremento real no atendimento. Se por um lado os índices de cobertura por redes
de abastecimento de água são elevados nas sedes urbanas do interior, mesmo nos
pequenos municípios, o mesmo não se observa na área rural onde a infraestrutura
de saneamento básico, incluso o acesso à água potável, é precária ou inexistente
(CEARÁ, 2008).
O Brasil interpretou a Meta do Milênio com uma proposta de
universalização do acesso aos serviços de saneamento básico estabelecido
como o primeiro princípio fundamental definido pela Lei 11.445 de 05 de janeiro de
2007, conhecida como Lei do Saneamento Básico, que propôs as Diretrizes
Nacionais para o saneamento básico e para a Política Federal de Saneamento
Básico. Pelo fato de ser uma Lei Nacional e não um Plano de Saneamento Básico
não foi estabelecido um horizonte de prazo como uma meta a ser alcançada.
Uma das razões para tanto é o reconhecimento da enorme dificuldade que
se apresenta para a universalização do abastecimento humano sustentável nas
zonas rurais, e comunidades dispersas no meio rural, em função da vastidão
territorial brasileira e das inúmeras peculiaridades regionais, mormente nas regiões
norte e nordeste do Brasil, sobretudo no sertão desta última.
Sustentabilidade é a palavra-chave de todo o processo de universalização
do acesso.
25
Estes dois termos merecem uma definição mais embasada tanto do ponto
de vista técnico quanto do político.
A Lei Brasileira 11.445/07 define universalização como “ampliação
progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico”. Por
sua vez a Lei define saneamento básico como “conjunto de serviços, infraestruturas
e instalações operacionais de: abastecimento de água potável; esgotamento
sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e, drenagem e manejo de
águas pluviais”. Esta definição expandida do termo “saneamento básico” pela Lei
Brasileira sugere quão longínquo temporalmente seria o atingimento desta
universalização.
Já o termo sustentabilidade é percebido explícita e implicitamente na Lei
Brasileira nos princípios fundamentais citados no artigo 2º da Lei 11.445/07:
“[...]
III- abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana
e manejo de resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde
pública e à proteção do meio ambiente;
[...]
V – adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as
peculiaridades locais e regionais;
[...]
VII – eficiência e sustentabilidade econômica;
[...]
XI – segurança, qualidade e regularidade.”
O termo sustentabilidade indica implicitamente que um sistema foi
implantado e que precisa ser operado e mantido continuamente atendendo aos
objetivos para o qual foi construído. No caso da presente tese se trata dos sistemas
de abastecimento da demanda hídrica humana de pequenas populações rurais
difusas, seja este coletivo ou individual.
O conceito de sustentabilidade é um dos fundamentos essenciais na
concepção dos planos de águas municipais.
26
3.2 Contextualização no Estado do Ceará
Contexto Territorial e Climatológico 3.2.1
O Estado do Ceará tem 86,8% do seu território inserido dentro da região
semiárida brasileira, de acordo com a Portaria nº 89, de março de 2005 do Ministério
da Integração Nacional. Essa delimitação leva em consideração os seguintes
critérios:
• precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm;
• índice de aridez de até 0,5 calculada com base na relação entre as
precipitações e as evapotranspirações computadas segundo as Normais
Climatológicas do período entre 1961 e 1990;
• risco de seca maior do que 60%, tomando-se por base o período entre
1970 e 1990.
A Figura 3.1 apresenta o mapa da região semiárida do Estado do Ceará
(IPECE, 2011).
27
Figura 3.1: Mapa da Região Semiárida do Ceará (IPECE, 2011)
Outras características marcantes da região semiárida cearense são:
28
• cobertura vegetal de caatinga;
• embasamento cristalino predominante;
• solos geralmente rasos, pouco permeáveis e sujeitos à erosão;
• rios intermitentes, na sua maioria;
• eventos hidrológicos extremos alternados entre secas e cheias;
• temperaturas altas com insolação intensa, da ordem de 2800 horas por ano
e taxas elevadas de evaporação, da ordem de 2.100 mm anuais;
• escoamento específico reduzido, de 4 L/s/km² ou 1.260 m³/ha/ano
(CEARÁ, 2005).
Afora as condições climáticas adversas o domínio geológico cristalino cobre
75% do território cearense. As águas subterrâneas são condicionadas pelo substrato
cristalino, o qual permite a acumulação de água apenas nas suas fraturas, formando
aquíferos de baixa produtividade e alta salinidade, requerendo, na maioria das
vezes, processo de dessalinização da água captada em poços profundos para fins
de abastecimento humano.
O domínio sedimentar é restrito a quatro ocorrências: na faixa costeira,
representado pelos aquíferos Barreiras e Dunas; na Chapada do Apodi,
representados pelos aquíferos Açu e Jandaíra; na região do Cariri Cearense, pelas
formações Rio da Batateira, Missão Velha, Barbalha e Exu, e na região da Serra da
Ibiapaba, representado pelo aquífero Serra Grande. São também citadas as
formações sedimentares aluvionares distribuídos ao longo dos vales dos rios
Banabuiú, Jaguaribe e Acaraú e, depósitos sedimentares na bacia do Iguatu.
A Figura 3.2 apresenta o mapa dos domínios geológicos do Estado do Ceará
(CEARÁ, 1992).
29
Figura 3.2: Domínios Geológicos do Ceará
(Fonte: CEARÁ, PERH, 1992)
30
As estações do ano se resumem a duas: a estação chuvosa e a estação
seca. A estação chuvosa se concentra no primeiro semestre do ano e pode ser
subdividida em pré-estação (no mês de janeiro), estação chuvosa (de fevereiro a
maio) e pós-estação chuvosa (em junho). A estação seca ocorre ao longo de todo o
segundo semestre.
Os fenômenos meteorológicos formadores de chuvas no estado são: ZCIT –
Zona de Convergência Intertropical, atuando nos meses de fevereiro a maio sendo a
maior responsável pela ocorrência das chuvas durante a estação úmida; as Ondas
de Leste e os Complexos Convectivos de Mesoescala, responsáveis pelas chuvas
da pós-estação; frentes frias e vórtices ciclônicos de ar superior na pré-estação.
A atuação de vários sistemas meteorológicos com características e escalas
diferentes promove uma variabilidade espacial e temporal e quantitativa da estação
chuvosa, com a presença de veranicos, distribuição espacial irregular e diferentes
climatologias de chuvas, com forte influência das condições termodinâmicas dos
Oceanos Pacíficos (El niño e La niña) e Atlântico (Dipolo do Atlântico). Estes
fenômenos são responsáveis pela ocorrência de eventos normais de estação
chuvosa e eventos extremos de secas e cheias, os quais oscilam periodicamente.
Com relação às secas, Campos (1994) afirma que o nordeste semiárido tem
sido caracterizado, desde o início de sua história, pelo estigma das secas. Desde o
início da colonização portuguesa do nordeste são relatadas observações de secas.
Somente entre os séculos XVI e XVII, de um total de 294 anos observados
ocorreram 71 episódios de secas no nordeste.
As secas são decorrentes da interação entre o meio físico e as estruturas
socioeconômicas nele instaladas. Embora a causa primária seja a insuficiência ou
irregularidade de chuvas durante a estação chuvosa, existe uma sequencia de
causas e efeitos que se atribuem sucessivamente a denominação de seca
(CAMPOS, 1994).
Várias definições sobre secas são aplicáveis, segundo Campos:
• A seca climatológica é aquela que indica uma deficiência ou distribuição
irregular do total de chuvas em relação ao padrão normal esperado. Resulta de
causas naturais relativas à circulação global da atmosfera e oceanos no planeta.
Tem como consequência a redução da produção agrícola e dificuldade para
atendimento da população em centros urbanos e outros usos;
31
• A seca edáfica se caracteriza pela insuficiência ou distribuição irregular das
chuvas que ocasiona uma insuficiência de umidade no sistema radicular das plantas,
que resulta em considerável redução da produção agrícola. É o tipo de seca que
ocasiona os maiores impactos socioeconômicos no nordeste semiárido, como a
fome, a imigração e desagregação de famílias;
• A seca hidrológica ou de suprimento de água é aquela que promove a
insuficiência de água nos rios e reservatórios para atendimento das demandas já
estabelecidas. Pode ser causada por uma sequencia de anos com deficiência de
escoamento superficial ou pelo mau gerenciamento dos recursos hídricos
acumulados nos açudes. É o tipo de seca que mais afeta os sistemas de
abastecimento de cidades ou das áreas de irrigação.
Campos (op.cit.) conclui que: “ os efeitos mais graves das secas ocorrem de
um descompasso momentâneo entre a oferta de água, provida irregularmente pela
natureza, e as necessidades para uma determinada atividade geradas pela
sociedade.”
Contexto do Abastecimento Hídrico no Ceará 3.2.2
O Estado do Ceará possui atualmente uma disponibilidade hídrica global
concentrada superior à sua demanda, porém, como ela é mal distribuída
espacialmente e temporalmente, seja devido à localização geográfica das fontes
hídricas de reserva e exploração, seja pela sazonalidade inerente ao regime
climatológico da região, há uma deficiência na quantidade e qualidade da água para
suprimento das demandas, em particular, do abastecimento da população rural
difusa (CEARÁ, 2008).
O modelo de acumulação das águas em grandes açudes estratégicos para
regularização dos rios e atendimento às grandes demandas concentradas de zonas
urbanas (abastecimento humano, industrial e comercial) e perímetros de irrigação
tem se mostrado satisfatório e mesmo, como uma única alternativa atual para prover
o desenvolvimento macroeconômico do estado.
No entanto, a democratização do acesso à água ainda não é uma realidade
plena no estado, sobretudo para a população rural difusa e pequenas localidades no
interior, caracterizando um ambiente de insegurança hídrica, entendendo-se o
32
conceito de segurança hídrica como água em quantidade, qualidade e regularidade
suficiente para atender à demanda. A restrição ao acesso se dá não somente pela
má distribuição dos recursos hídricos, mas também pela desigualdade
socioeconômica da população.
A água é um bem público, definido na legislação brasileira pela Constituição
Federal de 1988 e pela sua regulamentação através da Lei Federal nº 9.433/97 e, no
estado, pela Lei Estadual 11.996/92, porém não é vista desta forma por parte
significativa da população. De forma consuetudinária “existem localidades onde o
recurso (hídrico) fica detido por grupos que o consideram como sua propriedade,
não reconhecendo a sua função social. [..] a água privatizada continua nos dias de
hoje gerando conflitos e lides judiciais.” (CEARÁ, 2008).
A população rural difusa é dispersa no território, mas, de uma forma geral se
agrupa próxima dos recursos hídricos existentes (rios, riachos, aluviões, açudes,
poços, etc.). Sem água não haveria vida nem atividade econômica de subsistência.
A colonização do interior do nordeste e do Ceará que começou nos anos de 1650
ocorreu pelos vales de rios e riachos que se constituíam em caminhos abertos e
proviam o acesso à água no próprio leito durante a estação chuvosa ou nos seus
aquíferos aluvionares associados por meio de poços escavados durante a estação
seca.
Ainda hoje esta forma de abastecimento é usada, de maneira geral, pela
população rural difusa para o abastecimento de rebanhos e também para usos
domésticos. Durante a ocorrência de secas o abastecimento com carro pipa é na
maioria das vezes a única forma de socorro às populações rurais dispersas no
semiárido, bem como em pequenas comunidades rurais difusas.
O abastecimento concentrado das sedes municipais e maiores distritos
urbanos é realizado por diferentes agentes controlados pelo poder público. Segundo
o Pacto das Águas (2008), dos 184 municípios cearenses, 149 são abastecidos pela
companhia estatal de economia mista CAGECE, 26 pelos SAAE’s, a cidade do Crato
é abastecida por uma operadora SAAEC e as demais cidades pela administração
direta dos municípios.
A CAGECE opera os sistemas de 149 municípios incluindo a capital do
estado, que representa sua principal fonte de receita, e tem um índice de cobertura
de 88,06 % na capital e 85,52% no interior do estado. Dos 149 municípios, cerca de
33
56 são abastecidos por captação de água subterrânea, algumas das quais de poços
aluvionares à margem de rios perenizados, sendo exemplo de sinergia entre as
águas superficiais e subterrâneas (CEARÁ, 2008).
Há controvérsias quanto ao número de municípios que possuem SAAE no
Ceará. O cadastro SNIS aponta para 20 municípios, enquanto que o SINDIÁGUA
afirma que são 27 municípios, por outro lado o SISÁGUA afirma que são 35
municípios abastecidos por SAAE’s. Os dados do SISÁGUA são oriundos do
cadastro informado às Vigilâncias Ambientais das Secretarias Municipais de Saúde.
Essa controvérsia denota a necessidades de melhoria e consistência do cadastro
das formas de abastecimento utilizadas pela população no Ceará.
Há ainda o SISAR que é uma organização não governamental, sem fins
lucrativos, formada pelas associações comunitárias que possuem sistema de
abastecimento de água e esgoto pertencentes a uma mesma bacia hidrográfica ou
circunvizinhança e atuam:
“sob um modelo de gestão atendendo pequenas comunidades
rurais, em que o poder público fica responsável pela estrutura física e a
comunidade pela manutenção e operação dos sistemas de abastecimento
d’água e esgotamento sanitário. Cada SISAR é formado pelas associações
das comunidades beneficiadas com o saneamento rural, localizadas por
bacias hidrográficas”. (COUTO SILVA, 2009, p.7).
Este modelo de gestão foi constituído com o objetivo de realizar o que as
comunidades sozinhas não conseguiam, ou seja, realizar a manutenção e o
gerenciamento dos sistemas implantados de forma eficiente. Para tanto, verificou-se
que era necessário envolver as comunidades beneficiadas e contar com
acompanhamento técnico especializado.
São condições necessárias para a implantação de um SISAR:
a) Associação para administrar;
b) Operador do sistema;
c) Manutenção e tratamento da água;
d) Energia elétrica.
O sistema SISAR tem bases nas bacias cearenses do Acaraú/Coreaú, com
sede em Sobral; Curu/Litoral, com sede em Itapipoca; Metropolitana, com sede em
34
Fortaleza; Parnaíba, com sede em Crateús; Banabuiú, com sede em Quixadá;
Baixo/Médio Jaguaribe, com sede em Russas; Alto Jaguaribe, com sede em
Acopiara e, Salgado, com sede em Juazeiro do Norte.
Há 119 municípios atendidos pelo SISAR com 528 localidades, atendendo a
uma população de quase 300.000 pessoas (CAGECE, 2011).
O SISAR atua na faixa de 50 a 250 famílias por comunidade, atendendo a
populações de 250 até 1250 pessoas. A gestão realizada pelo SISAR é limitada aos
núcleos populacionais acima de 50 famílias para assegurar sua sustentabilidade.
Não existe ainda acompanhamento público para a gestão de pequenos sistemas
abaixo de 50 famílias.
A população rural difusa esteve, praticamente, alijada da evolução de
atendimento assistida na infraestrutura de saneamento nas últimas décadas,
enfrentando ainda dificuldades para viabilizar economicamente a provisão dos
serviços por não possuir a economia de escala inerente aos centros metropolitanos.
Permanece para essa população a vulnerabilidade extrema, da qual a dependência
recorrente ao carro-pipa é figura emblemática (CEARÁ, 2008).
De forma contundente se afirma no Pacto das Águas:
“ Pode-se constatar que o abastecimento de água das
populações difusas, mesmo com os sistemas já implantados, não é
suficiente. Não se tem garantia de abastecimento de água em termos de
quantidade, nem de qualidade, o que caracteriza uma situação de
insegurança hídrica para o abastecimento humano e, principalmente, para a
segurança alimentar dessas populações. Esta insegurança é um dos fatores
desencadeadores do êxodo rural, limitando o desenvolvimento sustentável e
autônomo da população difusa.”
Outra constatação é que mesmo nos casos de sistemas de abastecimento
já implantados para comunidades rurais de maior porte, a gestão é ineficiente. Não
existe sistema de gestão para obras de infraestrutura hídrica na zona rural. A
operação e manutenção dos sistemas existentes é deficitária ou de difícil
sustentabilidade.
Outras constatações importantes do Pacto das Águas são:
35
“A água é ainda instrumento de poder local, e este poder impede a
democratização do seu acesso. Percebe-se este fato, por exemplo, em
alguns programas que alocam e implantam cisternas.
[...]
As interferências políticas, a chamada “indústria da seca”,
dificultam o desenvolvimento de programas realmente eficazes e
estruturantes para substituir os carros-pipa, que permanecem em
quantidade excessiva e cujo controle público e vigilância ambiental da água
distribuídas são deficientes.
[...]
O paternalismo e as ingerências políticas em excesso atrofiam a
capacidade das comunidades de se autodesenvolverem. O associativismo e
o cooperativismo existentes ainda são incipientes, precários ou pouco
estimulados, principalmente porque, de forma geral, as estruturas foram
artificialmente instaladas em função de interesse políticos, ou mesmo de
políticas públicas equivocadas.” .
[...]
“O abastecimento de água para núcleos populacionais abaixo
de 100 famílias ou, na maioria das vezes, de menos de 50 famílias que
vivem dispersas no território sertanejo, é na maioria dos casos inviável
economicamente.” (CEARÁ, 2008).
O documento do Pacto das Águas conclui:
“ Essa inviabilidade econômica se deve, principalmente, aos custos das
infraestruturas hídricas e à falta de um modelo de gestão apropriado aos
pequenos sistemas de abastecimento que garanta a sustentabilidade dos
mesmos, permitindo um atendimento contínuo e de qualidade às
comunidades. É necessário, portanto, buscar modelos apropriados às
condições locais.”
O conjunto de citações diretas inerentes ao Pacto das Águas demonstra o
reconhecimento da sociedade e do Poder Público do Estado do Ceará sobre a
dificuldade de se equacionar o problema do abastecimento das pequenas
comunidades rurais dispersas no semiárido e no sertão cearense. O problema seria
resolvido não somente com o aperfeiçoamento do modelo institucional e de ações
36
de natureza estrutural, a partir da construção de sistemas de abastecimento para
suprir a população rural difusa, mas exigiria também a mudança de vícios políticos e
culturais que interferem com o acesso à água no sertão semiárido, como resultado
de séculos de tradição oligárquica das elites dominantes.
37
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO E A
PROBLEMÁTICA DO CARRO PIPA
As características climáticas semiáridas do Nordeste Brasileiro tem como
resultado mais evidente a distribuição irregular das chuvas no espaço e no tempo. A
transformação das chuvas em deflúvio que abastece os reservatórios superficiais e
aquíferos está sujeita a esta distribuição irregular promovida pela natureza. No
entanto o padrão de consumo de água pela sociedade é pouco variável no tempo e
apresenta uma linha de tendência crescente, salvo raríssimas exceções. Assim, a
estocagem de água em reservatórios durante a estação úmida para uso durante o
período de estiagem é uma técnica de origem milenar que ainda promove resultados
aceitáveis na conjuntura global para a convivência com as secas no semiárido
(CAMPOS, 1996).
No Nordeste Brasileiro a estação chuvosa ocorre durante o primeiro
semestre do ano e está sujeita a uma alta variabilidade de longo termo,
apresentando anos ora com pluviosidade acima da média com cheias e enchentes,
ora com pluviosidade em torno da média normal e, ora com pluviosidade abaixo da
média normal, característica das secas. O segundo semestre é sempre seco,
caracterizando o período de estiagem anual, independentemente da classificação da
quadra chuvosa do ano em referência. Essa característica do clima nordestino é o
que se denomina de modelo mutuamente exclusivo com o ano dividido em duas
estações: a úmida e a seca (CAMPOS, 2005).
A sobrevivência das populações rurais difusas no semiárido está
condicionada à existência de uma fonte hídrica de suprimento, na grande maioria
representada por pequenos reservatórios superficiais denominados de barreiros
(Figura 4.1) que enchem durante a estação chuvosa e suprem de água os usos
domésticos e a dessedentação animal durante a estação seca. Em anos de baixa
pluviosidade (anos secos) é frequente o não enchimento destes reservatórios e a
sua rápida depleção durante os meses de estiagem a partir dos meses de agosto,
setembro e outubro de cada ano, dependendo da região.
38
Figura 4.1: Fotografia de açude-barreiro no Ceará.
A água acumulada nos barreiros durante as estiagens é reduzida
quantitativamente pela alta taxa de evaporação reinante no semiárido, pelo consumo
humano, pelos usos domésticos como a lavagem de roupas e lançamento de
dejetos e, pela dessedentação animal. Estes usos afetam a qualidade da água
tornando-a inapropriada para consumo humano. O resultado é que em anos secos,
durante as estiagens rapidamente ocorre uma depleção das fontes hídricas
requerendo o acionamento de medidas emergenciais de abastecimento das
comunidades rurais por meio de carros-pipa.
Durante décadas a operação carro pipa tem sido a única política pública
direcionada ao abastecimento d’água das comunidades rurais difusas, com recursos
do Governo Federal e dos Estados. A operação carro pipa quando sub-rogada aos
estados para operacionalização tem servido como um instrumento de poder político
das lideranças estaduais, municipais e locais, pautada numa política assistencialista
e clientelista enviesada que levou o Governo Federal, nos anos mais recentes, a
retirar dos estados e municípios a prerrogativa de pôr em prática a operação e a
empregar o próprio Exército Brasileiro, respaldada na sua reserva moral e princípios
de disciplina e hierarquia, para operacionalizar o atendimento, visando diminuir a
influência daquela política clientelista. O sucesso, porém, não tendo sido o
esperado.
39
4.1 O Processo de Acionamento do Abastecimento por Carros-Pipa
Até o ano de 2006 a Operação Pipa era executada pela Defesa Civil dos
estados. A partir daí, o Ministério da Defesa (MD) e o Ministério da Integração
Nacional (MI) através da Portaria Interministerial nº 7 de 10 de agosto de 2005,
atribuíram ao Exército Brasileiro a responsabilidade de fornecer apoio às ações de
distribuição emergencial de água no semiárido brasileiro (CEARÁ, 2010).
Para que seja deflagrado o processo de abastecimento por carros-pipa é
necessária a decretação de Estado de Emergência no município pela Prefeitura
Municipal, ouvido o COMDEC no âmbito municipal, que avalia os riscos, os danos e
solicita a decretação. A partir de então o processo é enviado ao CEDEC no âmbito
do Estado que envia equipe ao local para a verificação das informações e remete
relatório ao Ministério da Integração Nacional.
É necessária ainda a homologação do Decreto de Estado de Emergência
pelo Governador do Estado e a aprovação do pedido de assistência emergencial
pelo Conselho Nacional de Defesa Civil. Os seguintes documentos são exigidos:
• Decreto de Estado de Emergência emitido pela Prefeitura Municipal;
• Decreto de Homologação do Estado de Emergência pelo Governo
Estadual;
• Cópia da publicação da Homologação no Diário Oficial do Estado;
• Formulário de Avaliação de Danos – AVADAN;
• Mapas e croquis da área afetada;
• Parecer do órgão de coordenação do Sistema Nacional de Defesa Civil;
• Declaração Estadual de Atuação Emergencial, conforme Decreto Nº 5.376
(artigo 17, parágrafo 3º).
O processo demanda em torno de 15 dias até o início da distribuição da
água. O Exército é o responsável pelo cadastramento de famílias, definição das
rotas, periodicidade do abastecimento, quantidade de litros de água a ser fornecido
por mês, local de colocação da água, atestador do recebimento, seleção de pipeiros,
40
definição das fontes de captação da água, administração e fiscalização da
distribuição da água.
Para o controle na distribuição da água, cada agrupamento de famílias
recebe uma senha que deverá ser entregue aos pipeiros em cada fornecimento
(Figura 4.2). O valor pago aos pipeiros corresponde às despesas com
quilometragem, manutenção do carro e transporte da água. No caso de atendimento
espontâneo, a comunidade paga entre R$ 55,00 e R$ 100,00 por carrada de 7 m³
dependendo da distância da comunidade até a fonte de abastecimento.
Figura 4.2: Modelo de cartão para controle e pagamento de carro pipa (Sítio Cipó,
Milhã, 2009)
O período de distribuição da água por carro-pipa varia de acordo com a
comunidade podendo se estender por todo o ano, no caso de secas de longa
duração, ou compreender apenas os meses de estiagem entre outubro e fevereiro
antes da quadra chuvosa, o que ocorre na maioria dos casos.
4.2 A Frequência de Abastecimento por Carro-pipa nos Municípios Cearenses
O Estado do Ceará é um dos estados do Nordeste Brasileiro que mais
demanda abastecimento de populações rurais com ações emergenciais por carros-
41
pipa. Durante a seca dos anos de 1997/1998 foram decretados estados de
emergência em 142 dos 184 municípios cearenses (77%).
No ano de 2009 foram atendidas 351.140 pessoas com abastecimento por
carros-pipa. Em todo o nordeste, durante o ano de 2009, a população atendida foi de
1.190.933 pessoas distribuídas em 542 municípios dos estados nordestinos. A Bahia
teve o maior número de municípios em situação de emergência, com 153
municípios, seguido do Ceará, com 93; Paraíba, com 77; Pernambuco, com 73;
Piauí, com 58; Minas, com 43; Rio Grande do Norte, com 41 e Alagoas com 4. O
custo desta Operação Pipa segundo o Ministério da Integração Nacional foi de R$
144.000.000,00 entre janeiro e novembro daquele ano (JORNAL O POVO, 2009,
apud CEARÁ, 2010).
A Tabela 4.1 apresenta o número de municípios atendidos por Operação
Pipa nos últimos sete anos.
TABELA - 4.1
Nº de Municípios Atendidos por
Operação Pipa no Ceará
Ano Nº de Municípios
2003 66
2004 2
2005 121
2006 141
2007 139
2008 93
2009 72
Fonte: CEARÁ (2010, p.23)
De fato, o abastecimento por carro pipa tal como é empregado ainda hoje,
ou seja, com periodicidade anual para abastecer as comunidades rurais dispersas
durante os meses de outubro a janeiro, durante a estação seca sazonal, mesmo em
anos com pluviosidade normal ou acima da média, era para ser uma exceção que se
tornou regra.
O abastecimento com carro pipa não seria compatível com um planejamento
estratégico racional e se justificaria pela inércia e incapacidade do poder público de
42
proporcionar ações de abastecimento às comunidades até mesmo em situações
climáticas normais.
O abastecimento por carro pipa deveria ser uma alternativa a ser
considerada somente em situações de “secas verdadeiras” quando a pluviosidade
anual não tivesse sido suficiente para proporcionar uma recarga mínima aos
mananciais de abastecimento, ou seja, em reais eventos de secas climáticas
periódicas. Mesmo considerando a hipótese de abastecimento por carro pipa
durante os eventos de secas verdadeiras seria necessário um Plano Racional de
Operação. O modelo atual operacionalizado pelo Exército Brasileiro apresenta falhas
em virtude das limitações de informações disponíveis para seus planejadores.
4.3 Políticas Públicas de Convivência com o Semiárido
A partir do grande evento de seca de 1997/1998, vários projetos
governamentais começaram a ser postos em prática visando implantar sistemas de
abastecimento d’água simplificados nas comunidades rurais do Estado do Ceará.
O objetivo das ações era a substituição gradual do abastecimento com
carros-pipa e que levassem até as comunidades mais distantes, águas de qualidade
e em quantidade suficiente para prover o abastecimento humano e a segurança
alimentar daquelas populações.
O Estado do Ceará havia criado em 1987 a Secretaria dos Recursos
Hídricos (Lei Nº 11.306 de 1º de abril de 1987) com o intuito de estabelecer
instrumentos técnicos, jurídicos e institucionais voltados para aplicação de uma nova
política de águas que viesse a reduzir a vulnerabilidade do Estado às secas
(CEARÁ, 2010).
Na primeira fase de sua existência a SRH atuava muito mais com o viés da
expansão da fronteira irrigada enquanto a Secretaria de Agricultura era responsável
pela agricultura de sequeiro. Apesar disso, a SRH patrocinou a elaboração do
primeiro Plano Estadual dos Recursos Hídricos – PERH entre 1989 e 1992 dando ao
Estado do Ceará um instrumento de planejamento que propunha um novo modelo
de gestão baseada no gerenciamento participativo e fornecia as bases técnicas,
conceituais e legais para criação do novo sistema.
43
O PERH/1992 adotou como unidade de planejamento e gestão a bacia
hidrográfica, tendo subdividido o Estado do Ceará em onze bacias: Metropolitana,
Curu, Litoral, Acaraú, Coreaú, Parnaíba, Salgado, Alto Jaguaribe, Médio Jaguaribe,
Baixo Jaguaribe e Banabuiú.
Em 24 de julho de 1992 foi editada a Lei Estadual nº 11.996 que instituiu a
Política Estadual dos Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gestão dos
Recursos Hídricos (CEARÁ, 1992).
Destaca-se ainda do ponto de vista da estruturação organizacional do
Estado para o setor de recursos hídricos a criação da Superintendência de Obras
Hidráulicas (SOHIDRA) em 1987 (CEARÁ, 1987b) e a Companhia de Gestão dos
Recursos Hídricos (COGERH) em 1993 (CEARÁ, 1993), a primeira dedicada à
execução de obras de infraestrutura hídrica e a segunda destinada ao
gerenciamento dos recursos hídricos.
Estas instituições formaram o corpo executivo do Estado do Ceará para a
implantação de políticas públicas voltadas para a ampliação da infraestrutura hídrica,
e a implantação de um novo modelo de gestão alicerçado na participação da
sociedade com a criação dos comitês de bacia.
Foram então financiados e postos em prática diferentes programas no
âmbito dos governos Estadual e Federal para ampliação da oferta hídrica,
desenvolvimento institucional e obras e ações para melhorar a convivência da
população cearense com o semiárido. Alguns se destacam:
• PROURB-RH (1994): Componente hídrico, financiado pelo BIRD (57%) e
contrapartida do Estado do Ceará (43%) compreendendo recursos da ordem de US$
120 milhões para elaboração de projeto de 23 barragens, construção de 16 açudes e
335 km de adutoras, recuperação de 28 barragens, além de diversas ações na área
de gestão dos recursos hídricos e do desenvolvimento institucional, incluindo planos
diretores ou de gerenciamento para as bacias hidrográficas do Curu, Metropolitanas
e Jaguaribe (CEARÁ, PLANERH, 2005);
• PROÁGUA/Semiárido (1998): Um subprograma do Projeto Avança Brasil,
tendo como objetivo a promoção do uso racional e sustentável, e o gerenciamento
participativo dos recursos hídricos no Brasil, com ênfase no Nordeste. Vinculado à
44
Agência Nacional de Águas e ao Ministério da Integração Nacional tinha como
prioridade o fornecimento de água potável à população do semiárido por meio da
construção de barragens e adutoras;
• PROGERIRH (1997): Criado pelo Estado do Ceará em parceria com o
Banco Mundial visava a aplicação de recursos financeiros da ordem de US$ 247
milhões, sendo 55% do BIRD e 45% do Ceará, visando: (i) ampliar a oferta hídrica e
a garantia para os múltiplos usos, e aumentar a eficácia do sistema integrado; (ii)
promover o uso múltiplo eficiente e a gestão participativa dos recursos hídricos; (iii)
promover a melhoria do uso do solo, através do manejo adequado de micro-bacias
críticas (CEARÁ, PLANERH, 2005);
• PRODHAM (2001-2009): Constitui um subprojeto do programa
PROGERIRH, atua realizando obras e serviços voltados para a preservação e
recuperação de áreas degradadas no âmbito de quatro microbacias da região do
semiárido cearense. Inclui ações de construção de infraestruturas para evitar as
perdas de solo e água (terrações verdes, cordões de contorno, barragens de pedra
sucessivas, barragens subterrâneas, cisternas e poços profundos), além de diversas
outras ações de assistência técnica e educação ambiental para manejo do solo e da
água, capacitação de técnicos e agricultores (PRODHAM, 2011);
• Programa de Abastecimento de Água de Pequenas Comunidades Rurais:
Programa desenvolvido no âmbito da SRH a partir da implantação de sistemas de
abastecimento de água em pequenas comunidades rurais com obras implantadas
pela SOHIDRA. Consiste na construção de poços no embasamento cristalino,
mesmo com as limitações de vazão e qualidade de água, em combinação com a
utilização de dessalinizadores ou associados ao uso adequado de cisternas
individuais. Tem como princípios a busca da auto-sustentabilidade, a parceria com
prefeituras e empresas de saneamento e a necessidade de conscientização da
própria comunidade (SRH, 2011);
• Poços do Sertão: Programa iniciado pela extinta SEAGRI em 2002, visava
a construção de poços aluvionais em todo o Estado do Ceará. Até junho de 2002
foram implantados 2.771 poços rasos em 87 municípios, com meta de alcançar até
5.000 poços rasos em 2003;
45
• Projeto São José (PSJ): Oficialmente denominado de Programa de
Combate à Pobreza Rural, o Projeto São José foi iniciado em 1999 com
financiamento do Banco Mundial (75%), Governo do Estado (15%) e contrapartida
das comunidades (10%) tendo como objetivo melhorar as condições de vida de
milhares de famílias na zona rural, atuando em 177 municípios. Faz parte do PACS
– Programa de Ações de Convivência com a Seca. O PSJ financia a aquisição de
implementos agrícolas para associações de produtores rurais e obras de
abastecimento para pequenas comunidades rurais até 50 famílias. A SOHIDRA
executa obras de abastecimento nas comunidades rurais, já tendo sido realizadas
mais de 1.400 projetos. Para ser beneficiária de uma obra hídrica pelo PSJ a
comunidade precisa estar organizada em uma associação legalmente constituída;
ser registrada em cartório; fazer uma carta proposta solicitando o benefício; e,
elaborar o projeto através de um técnico credenciado (CEARÁ, 2010; SOHIDRA,
2011);
• Programa Cisternas: É um programa desenvolvido no âmbito da Secretario
do Desenvolvimento Agrário com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social
que como objetivo a construção de cisternas no semiárido, para beneficiar famílias
de baixa renda que não disponham de fonte de água ou meio suficientemente
adequado para armazená-la, a fim de suprir suas necessidades básicas. É
necessário que a família esteja enquadrada nos critérios de elegibilidade do
Programa Bolsa Família, do governo federal. Para a construção de cisternas no
Semiárido, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
assinou termo de parceria com a Associação Programa 1 Milhão de Cisternas
(AP1MC). O Programa 1 milhão de cisternas – P1MC, gerenciado pela sociedade
civil, busca ofertar alternativas tecnológicas para o aproveitamento das águas de
chuva, visando solucionar ou amenizar o problema de escassez ou falta de água
potável nas áreas rurais do semiárido brasileiro. Convênios com as mesmas
características do P1MC são celebrados com os municípios e o Estado (69.028
cisternas até dezembro de 2009). Recentemente, em abril de 2010, a SDA lançou
edital para construção de mais 22.500 cisternas de placas e há previsão de
implantar de mais 145 mil cisternas até 2014 (CEARÁ, 2010);
46
• PRONAF: Programa do Governo Federal lançado em 1995, atualmente
com várias linhas de crédito para projetos individuais ou coletivos que gerem renda
aos agricultores familiares ou assentados da reforma agrária. Há uma linha
específica de crédito para agricultores do nordeste brasileiro, denominada Pronaf
Semiárido, para o financiamento de investimentos em projetos de convivência com o
semiárido, focados na sustentabilidade dos agroecossistemas, priorizando
infraestrutura hídrica e implantação, ampliação, recuperação ou modernização das
demais infraestruturas, inclusive aquelas relacionadas com projetos de produção e
serviços agropecuários e não agropecuários, de acordo com a realidade das famílias
agricultoras da região semiárida (PRONAF, 2011);
• FUNASA: órgão vinculado ao Ministério da Saúde, porém atua em
cooperação com o Ministério das Cidades, e convênios com Estados e Prefeituras
Municipais construindo sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário
em comunidades e assentamentos rurais. Possui um programa específico para
Saneamento Rural para assentamentos de reforma agrária, áreas extrativistas e
escolas rurais (FUNASA, 2011).
• PACTO DAS ÁGUAS: Foi um estudo recente coordenado pelo Conselho
de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da Assembleia Legislativa do Estado do
Ceará. O Pacto das Águas teve por objetivo articular o Poder Público e a sociedade
civil cearense para um planejamento estratégico acerca dos recursos hídricos do
Estado, oferecendo soluções para uma gestão sustentável das águas no Ceará
(CEARÁ, 2008, 2009, 2010).
O Pacto foi integrado por órgãos dos executivos estadual e federal, pelo
poder público municipal, universidades, sociedade civil e pelos comitês de bacias.
No evento de lançamento do Pacto, o Governador do Estado Cid Gomes defendeu a
extinção do uso dos carros pipa no Ceará. De acordo com suas palavras, a
existência de caminhões para a distribuição de água era uma “vergonha” que
deveria ser erradicada de uma vez por todas.
47
O Pacto teve por objetivo construir, de forma conjunta e participativa, um
conhecimento sobre a realidade dos recursos hídricos do Estado e buscou identificar
propostas de como superar os desafios, a posição de cada município diante destes
desafios, visando definir ações, responsabilidades e compromissos locais no seu
enfrentamento, contribuindo assim para uma melhor política pública voltada para a
questão da água e, consequentemente, pela melhoria das condições de vida da
população (CEARÁ, 2010).
No documento “Cenário Atual dos Recursos Hídricos do Ceará”1 ficaram
evidenciados como “grandes desafios” para o estabelecimento do Plano Estratégico
dos Recursos Hídricos:
Estabelecer políticas públicas capazes de induzir o modelo de
desenvolvimento que considere as vocações do Estado, sua estrutura
social, cultural e ambiental com justiça e equidade na gestão das águas;
Estabelecer e implementar uma política estadual de convivência com o
semiárido continuada e construída de forma descentralizada e
participativa;
Desenvolver consciência e a capacidade de convivência com o
semiárido a partir de programas de comunicação permanente, educação
ambiental formal e para a sociedade em geral, contextualizados para o
meio rural e urbano;
Garantir a articulação interinstitucional e adequação legal para
efetivação do SIGERH de acordo com seus princípios, objetivos e
diretrizes;
Garantir de forma sustentável, água em quantidade e qualidade para
os múltiplos usos da população difusa;
Estrutura política de saneamento sustentável que contemple todos os
portes de sistemas e as necessidades da população, seja em grandes
aglomerados ou pequenas localidades rurais com controle social,
regulação, fiscalização e monitoramento público, buscando a
universalização do acesso com qualidade;
1 Documento elaborado pelo Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos, da Assembléia Legislativa do
Estado do Ceará sob coordenação de ; Eudoro Walter de Santana em 2008.
48
Garantir o aumento da oferta hídrica nos seus diferentes aspectos
complementar a infraestrutura de acumulação, interligar bacias e melhorar
a eficiência na demanda.
A partir dos desafios apresentados, as discussões levaram à elaboração do
Plano Estratégico dos Recursos Hídricos do Ceará (CEARÁ, 2009) que busca
fortalecer o conceito de gestão integrada dos recursos hídricos. O Plano definiu e
deve ser implementado através de Programas Estratégicos Gerais, Programas por
Eixo Temático e Programas Indicativos, como segue:
Programas Estratégicos Gerais
Programa Garantia Hídrica para Múltiplos Usos
Programa Gestão Hidroambiental Integrada
Programa Sistema Integrado de Informações
Programa Estudos, Pesquisas e Difusão
Programa Ensino, Capacitação e Formação
Programa de Comunicação Social
Programa Revisão e Atualização da Legislação Estadual de Recursos
Hídricos
Programas Por Eixo Temático
Eixo Água para Beber
Eixo Água e Desenvolvimento
Eixo Convivência com o Semi Árido
Eixo Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos
Programas Indicativos
Programa de Fortalecimento Institucional dos Órgãos Executores do
SIGERH
Programa de Fortalecimento do Turismo Sustentável e Participativo
49
Os programas visam dar ênfase à gestão da demanda, pela eficiência do
uso e da conservação da água, tornando o consumo mais eficiente, reduzindo os
desperdícios em todos os usos pela aplicação de tecnologias inovadoras.
O Plano enfatiza que, “para sua implementação efetiva é fundamental que
haja uma integração das ações e intervenções institucionais - públicas e privadas,
considerando a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão, evitando
a setorialização das inúmeras instituições envolvidas, em seus diferentes níveis –
Federal, Estadual e Municipal”.
Também é ressaltada a necessidade do “desenvolvimento de um amplo
programa de educação e de comunicação social, para que toda a sociedade
cearense compreenda a complexidade de sua realidade climática e passe a adotar
hábitos de um cidadão que convive com o semiárido”.
Para a implementação das ações, o Plano Estratégico apresenta um
conjunto de demandas de estudos e pesquisas No que diz respeito ao Eixo
Convivência com o Semiárido, é consenso que o Estado deverá manter a sua
política de gestão da oferta de água, buscando, incessantemente, aumentar a oferta
hídrica, pela construção de mais infraestrutura de armazenamento, de transferência
e de distribuição de água, tendo por base o conhecimento tanto do potencial de cada
bacia, incluindo-se aí as águas subterrâneas e aluvionais, como também as ações
de integração e transposição. No que diz respeito à qualidade da água, ações
voltadas à conscientização e educação são fundamentais.
No Cenário traçado pelo Pacto das Águas, constata-se que “em anos em
que ocorre o fenômeno das secas, o Ceará, de um modo geral, é o Estado que
possui maior número de cidades em situação emergencial. Nestes anos secos – ou
mesmo no período seco de anos chuvosos, como 2009 – o Governo e as Prefeituras
dos Municípios envolvidos pela seca, têm que distribuir água em carro pipa, para
minimizar os efeitos da estiagem” sendo que “as chamadas populações difusas, que
vivem em pequenos núcleos, enfrentam problemas para a viabilização de adutoras
ou para a construção de uma rede de distribuição, e continuam dependendo dos
carros pipa e das cisternas, que são soluções complementares”.
50
Posto isso, este estudo empreendeu esforços para aprofundar os
conhecimentos de forma conjugada entre a literatura e estudos disponíveis vis a vis
com os levantamentos técnicos e de avaliação do capital social realizados in loco,
assim como procurou traçar um cenário possível de envolvimento e
comprometimento das instituições e dos atores sociais para a construção de um
conjunto de ações e políticas que proporcionem a erradicação do carro pipa
(CEARÁ, 2010).
4.4 O Caminho das Águas na Rota dos Carros-Pipa
Merece destaque em particular no âmbito da presente tese, a análise do
projeto denominado “O Caminho das Águas na Rota dos Carros-Pipa (CARCP)” que
foi elaborado pela SDA, sob a coordenação da Engª Mércia Cristina Mangueira
Sales, tendo como objetivo principal:
“ Construir e testar uma metodologia com abordagem
multidisciplinar de atuação no semiárido que permita a erradicação do uso
do carro pipa no abastecimento das populações difusas, distribuídas nas 11
bacias hidrográficas do Estado do Ceará, com a identificação de ações
necessárias identificadas pelas comunidades e validadas tecnicamente.”
(CEARÁ, 2010)
O estudo desenvolvido pela SDA em 33 municípios do Estado segue uma
linha de pesquisa semelhante à desenvolvida pelo GGRC/DEHA/UFC no sertão
central do Ceará, muito embora com uma metodologia um pouco diferenciada nos
aspectos tecnológicos e na dimensão social. Durante a elaboração do estudo houve
uma aproximação entre a coordenação da SDA e o GGRC resultando na troca de
experiências, informações e discussão sobre os aspectos metodológicos de ambas
as pesquisas. Como resultado, o CARCP elaborado pela SDA foi o primeiro
documento oficial a reconhecer a necessidade de elaboração de Planos de Águas
Municipais como uma política pública efetiva visando erradicar o uso do carro-pipa
como uma solução de abastecimento de pequenas comunidades rurais.
O foco do estudo CARCP era a garantia de abastecimento de água potável e
para os usos domésticos, mesmo que fosse necessário o emprego de fontes
distintas, para as comunidades rurais difusas no Estado do Ceará. A metodologia
empregada constava das seguintes ações:
51
• Realizar um levantamento estruturado de todas as informações existentes
das rotas dos carros-pipa e dos programas governamentais e não governamentais
implantados, para definir uma amostra significativa, confiável e que refletisse a
diversidade existente para análise da situação atual e para posterior proposição de
ações adequadas à realidade do Estado;
• Diagnosticar, tendo como referência os aspectos geoambientais do Estado,
as questões físicas, sociais, econômicas e políticas voltadas à diminuição da
vulnerabilidade da população rural difusa que condicionam o uso dos carros-pipa;
• Atuar como estimulador de uma reflexão coletiva (nas comunidades e na
sociedade em geral), destinada a identificar/discutir e analisar os diversos aspectos,
bem como, construir cenários futuros, identificando ações e potencialidades.
Adotou-se com princípio metodológico a participação social reconhecendo a
importância do envolvimento dos diversos atores sociais na tomada de decisões que
afetam diretamente a coletividade. A Forma de execução do CARCP é apresentada
na Figura 4.3.
Figura 4.3: Esquema de realização do estudo CARCP (Fonte: CEARÁ, 2010)
Recomendações Gerais
Versão Preliminar - Banco de Dados
Dados Secundários
Banco de Dando – Defesa Civil e Exército
Informações Qualificadas
Projetos Gov. e Não Governamentais
Seleção dos Municípios Piloto
Capacitação da Equipe
Refinamento dos Dados
Banco de dados consolidado Apresentação e análise dos dados
1ª. Fase
2ª. Fase
3ª. Fase
Elaboração de
Material de
Divulgação
Oficinas Participativas
Visita de
Reconhecimento Definição dos Núcleos
de Pesquisa
Alinhamento Conceitual e
Metodológico (Equipe)
Levantamento Informações - Campo
52
Na fase inicial foram identificados os fatores que condicionam o
abastecimento das comunidades por carro pipa, tendo sido determinados os
seguintes:
• A quantidade de água disponível que depende da pluviometria do ano,
da pluviometria dos anos anteriores versus a capacidade de
armazenamento da água de forma superficial (açudes, barragens) e
subterrânea (existência de aquíferos e infraestrutura de captação, fontes,
poços, etc.);
• A organização sócio-política local que dá à população uma determinada
capacidade de resiliência à seca; e
• A organização sócio-política estadual/federal que dá à população uma
determinada resposta à situação enfrentada e se materializa através de
programas de abastecimento por carro pipa.
O estudo pretendia ter uma abrangência global da problemática do emprego
dos carros-pipa para abastecimento de comunidades rurais no Estado do Ceará,
assim, devido à limitação de recursos disponíveis, foram elaborados critérios para
seleção de pelo menos três municípios em cada uma das onze bacias hidrográficas
em que se dividem os recursos hídricos do estado, conforme o PLANERH.
Foi então elaborado um indicador I que representava a maior ocorrência de
carros-pipa em cada bacia hidrográfica levando-se em conta os quatro municípios de
cada bacia com maior número de comunidades atendidas por carro-pipa (P) num
determinado ano e a maior frequência em termos de número de anos (N) em que foi
empregada a operação pipa no município: I = P x N. O resultado foi a seleção de 33
municípios (3 em cada uma das 11 bacias hidrográficas) para serem alvo da
pesquisa, constantes do Quadro 1.
53
QUADRO – 1
Municípios Selecionados por Bacia Hidrográfica
Fonte: CEARÁ (2010, p.39)
De cada município foram agrupados núcleos de 10 comunidades próximas
totalizando 330 comunidades, porém, de fato somente 325 comunidades foram
diagnosticadas em campo.
Na segunda fase, durante a pesquisa de campo desenvolvida entre julho e
agosto de 2009, foram feitos levantamentos com base na seguinte sequência:
• Discussão informal: apresentação do trabalho, panorama global da
situação de abastecimento, identificação dos principais problemas citados
pela comunidade, identificação de pessoas chaves, caracterização da
comunidade;
• Levantamento de campo (observação direta e travessia): fontes hídricas
apontadas pela comunidade, outras fontes possíveis, equipamentos,
sistema de gestão, condições físico-ambientais (preservação das fontes,
degradação ambiental, usos múltiplos eventualmente conflitantes...),
georreferenciamento das fontes e avaliação da condutividade elétrica;
• Entrevistas para confirmar e afinar as informações: caracterização da
comunidade, percepção da problemática da água, estratégias de uso,
participação de agentes externos (prefeitura, saúde, ONGs, Estado, ...),
gestão dos sistemas, avaliação e percepção da qualidade da água,
avaliação da água do carro-pipa;
Bacia
Hidrográfica
Municípios Piloto Selecionados
Metropolitana Barreira, Ocara e São Gonçalo do Amarante
Curu Canindé, Caridade e Umirim
Litoral Amontada, Itapipoca e Irauçuba
Coreaú Bela Cruz, Uruoca e Viçosa do Ceará
Acaraú Catunda, Forquilha, Santa Quitéria
Parnaíba Tamboril, Quiterianópolis e Independência
Alto Jaguaribe Tauá, Aiuaba e Araripe
Médio Jaguaribe Jaguaribe, Jaguaretama e Potiretama
Baixo Jaguaribe Aracati, Limoeiro do Norte e Palhano
Salgado Jardim, Barro e Icó
Banabuiú Mombaça, Itatira e Banabuiú
54
• Aplicação de Questionários: que serviram para quantificar/padronizar as
informações de campo;
• Mapa falado – oficinas participativas (problemas e soluções): Visão da
comunidade em localização de infraestruturas, condições ambientais,
mudanças ao longo do tempo, uso da terra, soluções para a questão. Foi
também um elemento importante para entender os conflitos e os
problemas de cada localidade;
• Painel: A partir do mapa falado foi definida com as comunidades uma
proposta para a solução do problema.
Foram pesquisadas 11.573 famílias nas 325 comunidades selecionadas nos
municípios de: Barreira, Ocara, Canindé, Caridade, Umirim, Amontada, Itapipoca,
Irauçuba Bela Cruz, Uruoca, Viçosa do Ceará, Catunda, Forquilha, Santa Quitéria,
Monsenhor Tabosa Tamboril, Quiterianópolis, Independência, Tauá, Aiuaba, Araripe,
Jaguaribe, Jaguaretama, Potiretama, Aracati, Limoeiro do Norte, Palhano, Jardim,
Barro, Icó, Mombaça, Banabuiú, Itatira e São Gonçalo do Amarante,
correspondendo a uma população aproximada de 57.865 pessoas. A população total
dos 33 municípios era de 1.034.248 mil habitantes, representando 13,91% da
população total do Estado (habitantes). A pesquisa atuou sobre uma faixa de 5,6%
da população total dos municípios pesquisados.
A terceira fase consistiu na análise estatística do Diagnóstico Participativo e
da sistematização dos dados coletados na segunda fase do estudo. Segundo o
autor:
Para a sistematização final procurou-se analisar a capacidade de mobilização e envolvimento direto das populações e lideranças locais na análise das necessidades e do potencial de desenvolvimento das suas áreas e comunidades, bem como no debate e escolha das opções e prioridades para canalizar, de forma tão transparente e racional, quanto possível, os esforços coletivos e os recursos públicos para o fomento desse desenvolvimento.
Em paralelo, foi realizada a análise estatística, com o objetivo de contribuir para o dimensionamento das demandas e para balizar as recomendações e ajustes necessários que devem ser considerados na proposta de uma política pública voltada para a erradicação do carro-pipa (CEARA,2010).
Os resultados mais expressivos constatados pela pesquisa da SDA são
sumarizados a seguir:
55
• A escassez da água nas comunidades variava desde a escassez
quantitativa devida a depleção dos recursos hídricos usados como fonte durante o
período de estiagem de 6 a 8 meses, até a escassez qualitativa devida à
contaminação das águas por animais, dejetos domésticos e agrotóxicos;
• Havia uma socialização na distribuição da água de “boa qualidade” para
consumo humano em 100% das comunidades pesquisadas, ocorrendo um caso em
que apenas duas cisternas atendiam a 40 famílias;
• A fonte de renda das comunidades difusas era baseada em: agricultura de
subsistência, criação de pequenos rebanhos, aposentadoria, bolsa famílias e
pequenos comércios locais;
• O associativismo teve início na década de 80 como forma de auto-
organização das comunidades para defesa de seus interesses e para ter acesso a
recursos de programas governamentais de combate a pobreza rural, tais como o
PAPP e PCPR (PSJ);
• Apesar de terem sido identificadas 221 associações comunitárias na área
estudada, foi detectada uma grande fragilidade no aspecto associativo, pois a
maioria tinha dificuldade para se manter funcionando após alguns anos quando
acabam os recursos do programa objeto de sua formatação original;
• Foi constatado que as associações comunitárias têm dificuldade para
estabelecer uma administração comunitária eficiente e independente devido a uma
série de fatores: deficiência de instrução dos operadores, pouco conhecimento sobre
contabilidade, administração e vendas de produtos realizados de forma ineficaz e
financiamento a fundo perdido sem controle da diretoria. Somado a isso se verificou
que a falta de informação e conscientização sobre os projetos contribuiu para gerar
falsas expectativas e inibir que os beneficiários não se identificavam e se
comprometiam na sua manutenção;
56
• Com relação à opção tecnológica de abastecimento, a maioria era de
poços profundos seguidos por açudes e lagoas. Foram identificados 307 poços
profundos nas comunidades e 211 açudes de abastecimento. Apenas 11
dessalinizadores existiam nas comunidades, estando apenas 7 em funcionamento e
4 quebrados. Os poucos dessalinizadores instalados pelo Projeto Água Doce que
possuíam sistema de ficha automática para liberação da água não arrecadavam o
suficiente para sua manutenção e operação, com base no preço por ficha de R$
0,25 a R$ 0,50 por 20 litros de água;
• A opção tecnológica mais aceita por todas as famílias pesquisadas foi a
cisterna de placas, que consideraram a água de melhor qualidade dentre todas.
Apesar disso, foram constatados diversos problemas sanitários nas 4178 cisternas
identificadas na pesquisa: uso de baldes, panelas e outros utensílios na retirada da
água; não limpeza das calhas das casas que comprometiam a qualidade de água
captada; uso das águas das primeiras chuvas que poderia conter fezes de pequenos
animais (principalmente ratos e morcegos), poeira, folhas secas, entre outras
sujeiras; a não vedação das cisternas devido à quebra das tampas; ausência da tela
na calha e no ladrão ou mesmo descuido da família, expondo a água aos raios
solares (que cria uma capa de lodo); entrada de pequenos animais, ou mesmo,
colocação de papéis, brinquedos etc. por crianças; animais (jumentos) presos
próximos às cisternas que poderiam comprometer a qualidade da água e/ou a
estrutura da cisterna e a não lavagem da cisterna, pelo menos uma vez por ano.
• Porém, outros pontos mereceriam destaque e demandariam um estudo
mais aprofundado: 1) o vazamento das cisternas devido a falhas na construção e 2)
o uso da água das cisternas para fins diversos inviabilizando o uso para uma família
durante o período seco.
• As famílias pesquisadas que possuíam cisternas afirmaram utilizar
regularmente hipoclorito de sódio, distribuído pelos agentes de saúde municipais.
Em relação ao tratamento da água dentro de casa todos afirmaram realizar o
tratamento de fervura e filtragem, sendo o armazenamento feito em potes, filtros,
tambores e baldes.
57
• Outra questão observada foi a má qualidade no aspecto de bombeamento
manual da água: as bombas instaladas no momento da construção quebravam com
facilidade, fazendo com que a retirada de água, em muitos casos, fosse realizada
através de baldes ou latas, facilitando a sua contaminação.
• Com relação às propostas das comunidades para solução de seu problema
de abastecimento, 51,1% apontaram soluções com base em infraestruturas hídricas
pré-existentes, enquanto 48,9% apontaram a necessidade de estudar novas fontes
de abastecimento;
• As propostas das comunidades foram obtidas em oficinas contando com a
participação total de 4.600 pessoas, cada qual contando com um número expressivo
de representantes das comunidades. Os técnicos tiveram o cuidado de não interferir
nas alternativas hídricas de abastecimento sugeridas. A Figura 4.4 apresenta o
resumo das propostas sugeridas pelas comunidades. As barras em azul
representam propostas sobre sistemas a serem implantados, enquanto as barras
vermelhas se referem a sugestões sobre sistemas existentes;
Figura 4.4: Propostas de soluções apresentadas pelas comunidades (Fonte: CEARÁ, 2010)
31
50
118
8
99
6
54
2
1526
7 3 4 210
2 3 20
20
40
60
80
100
120
140
58
• Comparando-se as propostas apresentadas pelas comunidades com os
números dos sistemas já implantados, foi constatado que havia uma grande
quantidade de obras de infraestrutura implantadas que estavam abandonadas,
desativadas ou subutilizadas obrigando ao retorno dos carros-pipa. Esta constatação
denota a carência de um processo de gestão dos sistemas implantados;
• Segundo o estudo, o fracasso da maioria dos projetos implantados que se
encontravam em estado de abandono ou subutilização foi em decorrência das
seguintes causas, transcritas literalmente:
“ - Pouca participação das comunidades na definição do tipo de sistema a ser implantado. Na sua grande maioria a decisão fica a cargo dos projetistas que terminam por definir sistemas, que, não raramente, escapam totalmente ao controle dos beneficiários e interferem negativamente nos resultados obtidos. Quando questionados sobre quem elaborou o projeto, a comunidade tinha pouco conhecimento, deixando claro que é necessário alterar a metodologia de elaboração de Projetos dessas demandas;
- Não realização de um estudo sobre as tecnologias mais adequadas para a comunidade, como também, nenhuma avaliação/estudo de exequibilidade / viabilidade de suporte de manutenção do sistema implantados fazendo com que muitos, funcionem precariamente e por pouco tempo;
- Pouca capacidade da Associação em gerir projetos comunitários;
- Os projetos não levam em consideração os planejamentos regionais e municipais, existindo, apenas a preocupação de abastecer a comunidade solicitante. Em alguns municípios foi possível verificar que um projeto mais criterioso poderia ter solucionado o problema de abastecimento de água de um conjunto de comunidades próximas e que são abastecidas sistematicamente pelos carros-pipas;
- Não acompanhamento dos sistemas implantados por parte das instituições, com exceção de alguns que atendem a mais de 50 famílias e são geridos pelo SISAR. O SISAR foi citado como uma das poucas formas de manter o sistema funcionando de forma adequada. Quando questionados sobre o pagamento para manutenção dos sistemas instalados, as comunidades afirmaram que teriam condições de pagar mensalmente em torno de R$ 8,00 – 10,00 para sua manutenção, se a água fosse de qualidade e regular;
- Pouco envolvimento e comprometimento das Prefeituras Municipais no acompanhamento e manutenção dos sistemas, principalmente, no caso dos dessalinizadores;” (CEARÁ, 2010)
59
O estudo desenvolvido pela SDA revelou ainda que considerando a
totalidade dos projetos de abastecimento d’água implantados nas pequenas
comunidades rurais entre 1996 (Projeto São José) e 2008, pelo Governo do Estado,
equivalendo a 2.828 projetos em 177 municípios, os quais sendo somados aos
projetos executados pela FUNASA resultariam numa estimativa de que
aproximadamente 73% das comunidades rurais já teriam sido contempladas com
algum tipo de ação de abastecimento.
A conclusão seria que a persistência da necessidade do uso do carro pipa
em anos de seca é decorrente de duas questões fundamentais:
a) A má qualidade da água ofertada pelos sistemas de abastecimento
implantados, tendo em vista que a maioria é baseada em poços
profundos escavados no cristalino, onde o teor de sal é elevado;
b) A falta de gestão (O&M) dos projetos implantados, fazendo com que
os sistemas de abastecimento não funcionem a contento.
Após esta constatação, o documento afirma que:
“ Recomenda-se que Programas direcionados a universalização do abastecimento de água combinando alternativas de convivência com o semiárido, conforme diretrizes do Pacto das Águas devem ser embasados no Plano de Águas Municipal (PAM), com prioridades definidas, para que tenham melhor eficiência.” (CEARÁ, 2010).
As principais considerações conclusivas e recomendações do CARCP são:
a) Propor a Gestão Compartilhada das Águas nas Comunidades
Difusas:
Segundo o estudo há necessidade de se fomentar a participação da
sociedade local no sistema de gestão dos sistemas de abastecimento implantados,
respeitando suas potencialidades e especificidades locais (sociais, culturais e
econômicas) visando a sustentabilidade das ações patrocinadas pelo poder público
na busca da universalização do abastecimento. Dentro dessa visão sugere ainda a:
“ Descentralização vertical progressiva das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infraestrutura, com a definição dos Planos de Águas Municipais (infraestrutura hídrica, fontes hídricas, demandas e ofertas) e Planos Territoriais de Águas visando à orientação do Estado para atender a demanda das comunidades rurais de forma conjunta e com uma visão territorial, em consonância com o Plano de
60
Bacias, otimizando os custos para o Governo e para os beneficiários;” (CEARÁ, 2010).
Propõe ainda a integração entre as políticas públicas voltadas para a
questão do abastecimento d’água das comunidades rurais e criação de um Comitê
Gestor Estadual para a integração das ações das esferas municipal, estadual e
federal.
Com relação aos sistemas de gestão para obras de infraestrutura hídrica na
zona rural, afirma que:
“A operação e a manutenção dos sistemas autônomos e alternativos de abastecimento das localidades difusas são muitas vezes deficitárias e de difícil sustentabilidade. Existem poucas experiências com modelos de gestão apropriados e viáveis para sistemas de abastecimento que atendam pequenos núcleos habitacionais, principalmente as abaixo de 50 famílias.
Isto permite que água ainda seja instrumento de poder local em algumas localidades e este poder impede a democratização do seu acesso dificultando o desenvolvimento de programas realmente eficazes e estruturantes para substituir os carros-pipa, que permanecem em quantidade excessiva e cujo controle público e vigilância ambiental da água distribuída são deficientes.
A experiência bem sucedida do SISAR (Sistema Integrado de Saneamento Rural) deve servir de base para a implantação de modelo de gestão (que ainda é limitada a alguns núcleos populacionais acima de 50 famílias) e pode ser apoiada, consolidada e ampliada com o objetivo de garantir em todos os Municípios do Estado um modelo de gestão para os pequenos sistemas rurais.
Neste sentido, deve-se priorizar a implantação de um Sistema de Gestão dos Pequenos Sistemas de Abastecimento de Água para as Populações Rurais.” (CEARÁ, 2010).
b) Conhecimento da Realidade Local
Considera que os dados existentes sobre a localização; a situação
econômica; as fontes hídricas e as garantias de abastecimento de água para a
população rural ou inexistem ou são insuficientes na base de dados governamentais.
Isto impede que haja um planejamento mais eficaz e eficiente para a universalização
e sustentabilidade dos sistemas a implantar. Sugere ênfase no processo de
participação da sociedade na construção do conhecimento sobre a realidade local.
Novamente cita o PAM:
“ A elaboração dos Planos de Águas Municipais, a partir de levantamentos de campo, procurando definir critérios para implementação das políticas publicas que promovam a universalização do atendimento e a eficácia das intervenções propostas, deve contribuir sobremaneira para a
61
redução das desigualdades sociais existentes e propiciar a melhoria na qualidade de vida da população rural.” (CEARÁ, 2010).
c) Propõe a Capacitação dos Atores Sociais
O foco da capacitação seriam os membros das comunidades como parte
essencial do processo para lhes permitir o uso e a manutenção adequada dos
recursos hídricos e as infraestruturas que lhes fossem ofertadas pelo poder público,
de forma a garantir a sustentabilidade dos sistemas implantados. Haveria também
uma capacitação no sentido de auxiliar a participação ativa da população local nos
sistemas de gestão visando fomentar sua cidadania. A educação ambiental seria
uma forma de qualificar a população para ações de preservação, conservação e uso
racional da água e meio ambiente.
d) Políticas Públicas
Sugere a integração de ações e intervenções institucionais e privadas nas
onze bacias hidrográficas do Estado pautada num planejamento consubstanciado no
Plano Estadual de Recursos Hídricos e nos Planos de Bacias, no respeito aos
instrumentos de gestão da Política Estadual dos Recursos Hídricos, visando sua
gestão, expansão da oferta hídrica e sustentabilidade da oferta em quantidade e
qualidade para satisfazer a demanda da sociedade.
e) Planos de Ações de Convivência com as Secas
Cita os diversos programas desenvolvidos no âmbito do Estado para
garantir a convivência do homem com as secas, em especial, o programa de
cisternas.
f) Aproveitamento de Águas Subterrâneas
Propõe o aproveitamento dos recursos hídricos subterrâneos numa visão
sustentável, em especial as aluviões que podem ser fonte segura para
abastecimento de pequenas comunidades rurais nos leitos secos dos rios. Incentiva
a busca de tecnologias mais modernas e de baixo custo para dessalinização,
ampliando a oferta de água para a população difusa. Incentiva também o emprego
62
de barragens subterrâneas permitindo um melhor aproveitamento dos aquíferos
aluvionais.
Nas considerações finais, o documento da SDA afirma que:
“ A almejada universalização do abastecimento de água mais rapidamente será alcançada se puder ser planejada com base em documentos que sejam retratos fiéis das necessidades da população. A obrigatoriedade de elaboração de um PLANO DE ÁGUAS MUNICIPAIS – PAM, contendo o levantamento censitário das demandas e ofertas de obras de infraestrutura hídrica de todas as localidades do município e em consonância com PLANO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS e os Planos de Bacias deverão ser elementos básicos em busca das soluções para comunidades que não tem acesso a água. O PAM deverá ser materializado em várias alternativas de políticas públicas que garantindo a universalização do atendimento e evitando soluções parciais e paliativas.
Os PAMs devem ainda contemplar o conjunto de todas as etapas necessárias para a conclusão de todos os sistemas de abastecimento para o atendimento das localidades do município e levar em consideração os planejamentos territoriais, evitando-se, assim, os vazios hídricos e a duplicação de investimentos. E devem considerar ainda:
que a necessidade de água não se restringe somente ao abastecimento doméstico – esse é o mais vital – mas, igualmente é fundamental dispor de água para a produção, pois sem isso estaremos apenas atenuando a escassez;
proporcionar a participação cidadã na definição das prioridades, no desenvolvimento de novos valores, na cobrança de responsabilidades e nas ações necessárias e indispensáveis para garantir o direito à água;
O âmbito do conhecimento e da cidadania é importante, entretanto ainda não necessariamente suficiente para alicerçar e implementar os propósitos de alargamento do acesso universal à água, devendo o processo participativo contemplar ainda a utilização de tecnologia e orientação técnica;
A falta de articulação entre um diagnóstico e as políticas participativas para dimensionar as prioridades dos financiamentos e evitar que políticas socioambientais permaneçam pulverizadas;
Identificação das intervenções requeridas para a melhoria e recuperação das condições técnicas e operacionais dos sistemas;
É fundamental que, mesmo nos casos em que as comunidades tenham tido acesso aos programas de construção de cisternas de placas ou tenham um sistema de abastecimento funcionando, se avalie a necessidade de complementação / integração desses sistemas;
Criação de uma metodologia para priorização, monitoramente e avaliação de impacto dos projetos.” (CEARÁ, 2010)
63
5 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO PLANO DE ÁGUAS MUNICIPAL
5.1 Conceito Geral e Premissas de um PAM
O Plano de Águas Municipal (PAM) na concepção como é defendida na
presente tese é uma proposta original do GGRC/DEHA/UFC, que surgiu durante o
processo de desenvolvimento adaptativo do projeto “Sustentabilidade e Segurança
Hídrica: Projetar Sistemas Resilientes sob Estresse Climático”, no subprograma
“Infraestrutura de Suprimento de Água para Populações Humanas”, elaborado em
cooperação com o Columbia Water Center da Universidade de Columbia, Nova
Iorque.
O PAM surgiu como uma resposta à inexistência de um plano de estado
para equacionar de forma global o problema do abastecimento de pequenas
comunidades rurais difusas do semiárido, especificamente no sertão central do
Ceará, onde o GGRC desenvolve uma pesquisa desde 2009.
A Figura 5.1 apresenta a metáfora de um edifício representando os objetivos
de um PAM, compreendendo as suas bases e fundação, as suas pilastras de
sustentação, as vigas de apoio e o domus principal que é o abastecimento de
pequenas comunidades rurais.
64
Figura 5.1: Metáfora de edifício representando um PAM.
A Figura 5.1 procura demonstrar que o abastecimento d’água para pequenas
comunidades rurais de 3 a 50 famílias no semiárido se apoia nos fundamentos da
universalização e da sustentabilidade.
A universalização corresponde à implantação de soluções de abastecimento
adequadas à escala da comunidade. Os pilares da universalização são: a existência
ou construção de fontes hídricas para suprimento da água; as alternativas
tecnológicas disponíveis adequadas à cultura e ao capital social da comunidade; e, o
modelo de financiamento para implantação das obras destinadas à universalização
do abastecimento.
Por outro lado, os pilares da sustentabilidade de longo prazo dos sistemas
implantados são: o capital social da comunidade; o modelo de gerenciamento
aplicável ao sistema; e, a garantia qualitativa e quantitativa da fonte hídrica
disponível.
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UNIVERSALIZAÇÃO SUSTENTABILIDADE
ABASTECIMENTO DE PEQUENAS COMUNIDADES RURAIS
AÇÃO PROATIVA COMPARTILHADA
PODER PÚBLICO: MUNICIPAL, ESTADUAL & FEDERAL
SOCIEDADE CIVIL: COMUNIDADES E ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS
65
Servindo de fundação ao conjunto de fatores que sustentam o
abastecimento d'água de pequenas comunidades rurais está uma ação proativa e
compartilhada entre a sociedade civil (incluindo a própria comunidade e ONG’s) e os
poderes públicos nas suas esferas municipal, estadual e federal.
A Figura 5.2 apresenta as sete premissas conceituais que fundamentam a
ideia do Plano de Águas Municipal desenvolvidas pelo autor.
Figura 5.2: Premissas conceituais de elaboração de um PAM.
PREMISSAS DE ELABORAÇÃO
DE PAM's
Foco no abastecimento
de pequenas comunidades
rurais
Emprego preferencial de fontes hídricas disponíveis no
âmbito do município
Mobilização do potencial
hídrico compatível
com planos de bacias
Sinergia de intervenções
com integração de soluções de abastecimento
Cesta de soluções
tecnológicas adaptadas à cultura local
Mobilização do capital social da comunidade -participação
nas tomadas de decisões
Modelo gerencial
sustentável e adaptado
66
A primeira premissa conceitual é o foco do PAM centrado no abastecimento
humano para comunidades rurais dispersas nos territórios municipais, sobretudo
aquelas entre 3 e 50 famílias, para as quais ainda não existe um plano exequível de
abastecimento e um modelo gerencial institucional patrocinado pelo Estado para
garantia do seu abastecimento, exceto, nas situações emergenciais de secas aonde
prevalece o emprego do carro pipa para suprimento de água à estas populações.
No entanto, o desenvolvimento do PAM não deve ser limitado àquelas
comunidades, pois deve abranger soluções viáveis para todos os núcleos urbanos e
comunidades rurais do município, diagnosticando inclusive a sustentabilidade hídrica
do abastecimento até para as sedes municipais e distritos de maior porte.
A segunda premissa é a preferência pela utilização dos recursos hídricos
locais. O PAM procura planejar o abastecimento fazendo emprego dos recursos
hídricos disponíveis no território municipal, por isso se denomina planos de águas ao
nível municipal. A ideia é mobilizar ao máximo possível a potencialidade hídrica
disponível no âmbito do município evitando, na medida do possível, propostas de
importação de água de outras localidades. Evidentemente não se descarta a
hipótese de importação de água da mesma bacia de recursos disponíveis em outros
municípios, ou até mesmo de outras bacias, porém esta hipótese somente se
justifica quando há possibilidade de sinergias com outras comunidades rurais
adjacentes devido ao crescente custo de implantação e O&M de sistemas com
longas aduções.
A terceira premissa é relativa à mobilização do potencial hídrico compatível
com as diretrizes apontadas pelos planos de bacias hidrográficas onde se insere o
município. O PAM deve ser entendido como um downscaling dos planos diretores ou
de gerenciamento de bacias hidrográficas e deve guardar a máxima fidelidade
possível às propostas e diretrizes fixadas naqueles planos. Somente ações
compatíveis com tais planos devem ser sugeridas ou mobilizadas.
Caso haja necessidade de propor intervenções não compatíveis com os
planos diretores de bacias, o Comitê de Bacia, que tem a função legal de aprovar os
planos, deve ser ouvido e deliberar sobre a proposta apresentada. No caso de
transposição de água de diferentes bacias hidrográficas tanto o comitê da bacia
doadora como o da bacia receptora devem ser ouvidos e deliberar sobre a proposta.
67
A quarta premissa corresponde à economia de escala. O PAM deve buscar
uma sinergia de intervenções com a integração de soluções de abastecimento
regionalizadas no âmbito das comunidades rurais. O foco preferencial deve ser em
soluções coletivas que ofereçam, na medida do possível, ganhos de escala no
investimento inicial e, sobretudo, de minimização dos custos operacionais,
proporcionando um rateio de custos entre as populações beneficiadas que tornem a
tarifa d’água factível dentro da capacidade e disposição a pagar de seus
beneficiários.
Não deve ser descartada a hipótese de separação total de sistemas de
abastecimento de comunidades vizinhas que pudessem ser abastecidas por um
mesmo sistema integrado quando as condições sociais e políticas locais tornarem
insuperáveis os conflitos pré-existentes entre as comunidades. Este fato é comum
no interior do nordeste e deve ser respeitada a opinião da comunidade e não
imposta uma solução que, ao contrário de agregar esforços comunitários pela sua
manutenção e sustentabilidade, venham a expor e ampliar conflitos sociais pré-
existentes.
A quinta premissa refere-se à cesta de soluções tecnológicas para o
problema do abastecimento de cada comunidade. O PAM deve utilizar uma cesta de
opções de abastecimento, fazendo uso da experiência local nas soluções de
abastecimento. As tecnologias propostas devem ser aquelas de fácil domínio pelos
beneficiários, uma vez que inovações tecnológicas nem sempre são bem sucedidas
quando aplicadas a populações com baixo nível de escolaridade que predominam
no meio rural. A ideia do PAM é fazer bem feito a “técnica simples” e assimilável
pelos beneficiários diretos. A melhor solução tecnológica é aquela mais adaptável à
cultura e aos costumes locais. Várias experiências negativas têm sido reportadas na
literatura especializada quando se tenta impor à comunidade sistemas de
abastecimento que não são aceitáveis pela mesma ou exigem conhecimentos acima
de sua capacidade para operá-los e mantê-los.
A sexta premissa corresponde à base de fundamentação do PAM que é a
mobilização do capital social da comunidade desde os primeiros momentos da
discussão sobre a melhor estratégia de solução de abastecimento. Um dos fatores
cruciais para o sucesso das intervenções é a assunção da proposta pela população
diretamente beneficiada a qual tem de ser ouvida e bem informada durante todas as
68
fases do planejamento e da execução. A sustentabilidade dos sistemas implantados
está diretamente relacionada com a assunção do projeto pela comunidade. O êxito
de qualquer proposta de solução somente pode ser alcançado com a participação da
comunidade nos processos de tomada de decisão. A transparência na condução do
processo de apresentação das propostas e seleção das alternativas de
abastecimento deve ser obrigatória. Qualquer proposta deve ser amplamente
debatida com a comunidade e os técnicos responsáveis pela condução do processo
devem atuar mais como mediadores do debate e se abster de influenciar a tomada
de decisão sobre a mesma. Deve ser considerada e respeitada inclusive uma opção
de nada a fazer na comunidade caso essa seja a opção final da maioria da
população, principalmente no caso de haver conflitos incontornáveis, ou mesmo, por
pura opção e contentamento da população com as soluções já existentes na
mesma.
A sétima premissa é a busca pela adoção de um modelo de gerenciamento
sustentável e adaptado à comunidade. A garantia de sustentabilidade se baseia na
implantação de um modelo gerencial polimorfo adaptado às idiossincrasias sociais
das comunidades beneficiárias, uma vez que não existe um modelo único e
universal de gerenciamento que garanta seu sucesso em todo o universo político,
econômico e social de comunidades rurais e urbanas em todas as regiões do
estado.
O modelo gerencial do sistema é a pilastra mais importante do edifício do
PAM, pois os fatores inerentes à universalização podem ser resolvidos
independentemente do seu custo por uma decisão do gestor público dentro de um
dado contexto político de se executar as obras necessárias para tanto, entretanto, a
sustentabilidade que é a que garante a permanência e usufruto da solução pela
população está condicionada a fatores sociais e gerenciais futuros que podem
extrapolar ao mandato dos gestores responsáveis pelas obras de universalização.
Conforme foi descrito no Capítulo 4 no estudo CARCP da SDA, cerca de
73% das comunidades rurais do Ceará já foram contempladas com alguma ação de
abastecimento por governos passados e atuais e ainda persiste em muitas delas a
necessidade de abastecimento por carros-pipa durante as estiagens em virtude do
abandono ou mal gerenciamento dos sistema outrora implantados.
69
A busca por um modelo de gerenciamento polimorfo e sustentável é sem
dúvida o grande desafio dos pesquisadores, gestores e planejadores
governamentais. Os modelos aqui apresentados na discussão sobre a dimensão
gerencial do PAM representam uma tentativa de propor soluções para o problema,
porém, somente com a experimentação prática destes modelos em áreas pilotos
selecionadas e após alguns anos de funcionamento é que se poderá ter uma
compreensão maior sobre a sua complexidade à luz dos conceitos apresentados no
capítulo 2.
O PAM difere substancialmente dos planos de recursos hídricos segundo os
aspectos indicados no Quadro 2.
QUADRO - 2 Diferenças conceituais entre o PAM e demais planos de recursos hídricos
Plano de Águas Municipal – PAM Planos de Recursos Hídricos
Plano focado na demanda hídrica Plano de desenvolvimento de recursos hídricos e incremento de oferta hídrica
Foco no abastecimento humano para pequenas comunidades rurais
Plano para usos múltiplos da água
Plano de implementação a curto e médio prazo
Plano de médio e longo prazo, com horizontes superiores a 10 anos
Sem projeções de cenários alternativos Considera cenários alternativos
Elaboração baseada em diagnóstico primário de campo
Elaboração baseada em dados secundários
Considera a participação popular de forma direta nas proposições e tomada de decisão
Participação popular ao nível do debate informativo e tomadas de decisões limitadas aos Comitês de Bacia
Preocupação com a sustentabilidade operacional dos sistemas de abastecimento
Considera a sustentabilidade do meio ambiente e dos recursos hídricos a partir de programas específicos
Propostas de ações e intervenções exequíveis por natureza
Para satisfazer a legislação ambiental e de recursos hídricos pode propor programas de difícil implantação prática e de longa maturação
5.2 Dimensões Conceituais do PAM
As dimensões conceituais do PAM correspondem ao desdobramento teórico
das pilastras de suporte indicadas na Figura 5.1, quais sejam:
• As dimensões que dão suporte à universalização do abastecimento: fontes
hídricas; alternativas tecnológicas e modelos de financiamento;
• As dimensões que dão suporte à sustentabilidade do abastecimento:
capital social; modelo de gerenciamento e garantia qualitativa e quantitativa.
70
Dimensões Afeitas à Universalização 5.2.1
5.2.1.1 Fontes Hídricas
As principais fontes hídricas para abastecimento de comunidades rurais no
semiárido estão condicionadas ao próprio regime climático e características
geológicas do subsolo.
O Nordeste semiárido é uma região pobre em volume de escoamento de
águas dos rios. Essa situação pode ser explicada em razão da variabilidade
temporal das precipitações e das características geológicas dominantes, onde há
predominância de solos rasos oriundos de rochas cristalinas e consequentemente
baixas trocas de água entre o rio e o solo adjacente. O resultado é a existência de
uma extensa rede de rios intermitentes e temporários (CIRILO, 2008, p.62).
O semiárido Cearense, mais especificamente, apresenta uma baixa
potencialidade hídrica superficial variando de 0,5 a 3,0 L/s/km² segundo os estudos
hidrológicos desenvolvidos pela ANA (ANA, 2005). Esta baixa potencialidade aliada
à variabilidade temporal dos deflúvios impede ou restringe de sobremaneira o uso de
rios e riachos como fonte direta de suprimento hídrico para o abastecimento de
comunidades rurais e urbanas.
Os deflúvios diretos superficiais, do ponto de vista prático, só podem ser
aproveitados mediante a reserva em estruturas de barramento ou captação direta da
água de chuva como açudes, barreiros, lagoas e cisternas.
Por outro lado, a predominância do substrato cristalino em mais de 80% do
semiárido cearense (vide Figura 3.2) condiciona o aproveitamento da água
subterrânea disponível apenas nas fraturas da rocha cristalina, onde há
predominância de elevado teor de sais e oferece uma baixa vazão variando de 1 a 2
m³/h. A qualidade da água dessa fonte é imprópria para o consumo humano sem a
correspondente dessalinização, uma vez que o teor de sais na água oriunda de
poços profundos perfurados no cristalino varia apresentando uma condutividade
elétrica entre 3.000 a 14.000 μS/cm (CEARÁ, 2010).
71
Apesar dessa limitação, os poços profundos representam a principal fonte
hídrica empregada na maioria dos projetos de abastecimento patrocinados pelo
Projeto São José e pela FUNASA (CEARÁ, 2010).
As principais fontes de captação para água de abastecimento nas
comunidades rurais do semiárido são apresentadas no Quadro 3 (CAMPELLO
NETTO et al, 2007, apud CIRILO, 2008).
QUADRO - 3
Principais fontes hídricas para zonas rurais
(Fonte: Campello Netto et. al, 2007, apud CIRILO, 2008)
72
A seleção da fonte hídrica para abastecimento de uma determinada
comunidade rural ou grupo regionalizado de comunidades ao se elaborar de um
PAM deve ser condicionada aos seguintes fatores:
a) Capacidade do manancial em satisfazer a demanda quantitativa do
abastecimento e, na medida do possível, sem prejudicar outros usos
múltiplos consuntivos e não consuntivos dependentes do mesmo;
b) Qualidade da água do manancial que implique em menor custo de
tratamento e que apresente maior facilidade para sua conservação e
preservação ambiental contra fontes poluidoras;
c) Localize-se mais próximo possível do centro de distribuição da água
junto às comunidades minimizando os custos de investimento em
adução e O&M;
d) Esteja associado a uma opção tecnológica de abastecimento de
menor custo de energia, operação e manutenção;
e) Apresente um nível de garantia adequado e menor vulnerabilidade ao
estresse climático.
5.2.1.2 Alternativas Tecnológicas e Seleção da Solução de Abastecimento
A infraestrutura de recursos hídricos em ambiente rural deve prover água
para beber e para produzir, múltiplos usos. No Plano de Águas Municipal se focaliza
o sistema de abastecimento que promove prioritariamente o serviço de
abastecimento residencial.
O serviço de abastecimento de água no meio rural compõe-se de um leque
de alternativas que varia desde a construção de soluções individuais como as
cisternas de placas padronizadas pelo Programa P1MC até a construção de
sistemas de abastecimento integrados com captação, adução, tratamento,
reservação e rede de distribuição domiciliar.
Os sistemas de abastecimento podem ter como objetivo a prestação de
diferentes tipos de serviço. Os serviços prestados pelos sistemas de abastecimento
em uma residência são água para beber, cozinhar, banho, limpeza da residência
73
entre outros. Alguns sistemas têm um serviço singular como objetivo (ex. água para
beber) e outros são multiserviços. Em algumas localidades encontra-se uma
infraestrutura para suprir a água para beber (ex. cisterna) e outra para os demais
usos (ex. rede sem tratamento).
Claramente se verifica nas comunidades rurais que o uso da água para
beber e cozinhar se diferencia dos demais usos, como o banho, a lavagem de
louças, a limpeza de residência, pela qualidade da água empregada, ou pela
suposta qualidade que essa venha a possuir.
Por exemplo, em 154 de comunidades rurais diagnosticadas no âmbito da
elaboração do Plano de Águas Municipal de Milhã foi observado que muitas famílias
preferiam beber a água trazida pelo carro pipa do que utilizar a água fornecida pela
rede de distribuição pública, quando existente.
A razão para isto pode ser entendida por uma falsa fé na qualidade da água
fornecida pelo carro pipa, supostamente vinda de uma fonte hídrica com água de
boa qualidade, o que nem sempre era verdade, e pela certeza de que a água
disponível no manancial que abastecia a rede de distribuição da comunidade,
normalmente vinda de um açude próximo da mesma, não tinha a qualidade
necessária em virtude da sua conhecida poluição percebida pela população.
Bastava que um açude próximo que servia de manancial primário de abastecimento
não sangrasse num determinado ano para despertar a desconfiança na qualidade de
suas águas pela população local.
A infraestrutura de abastecimento de água para populações contempla,
idealmente, quatro aspectos: (i) definição do manancial; (ii) captação; (iii) tratamento
e (iv) distribuição. Estes aspectos podem ter diferentes configurações nas soluções
de abastecimento. De forma geral as soluções de abastecimento podem ser
classificadas como Solução Individual e Solução Coletiva. Entendendo-se como
solução individual aquela que supre uma única residência e coletiva aquela para
múltiplas residências.
A solução individual pode utilizar diferentes mananciais (chuvas, superficial e
subterrâneo). No semiárido sob o domínio da depressão sertaneja com seus rios
74
intermitentes, o manancial superficial é o reservatório (açude) e o subterrâneo é o
poço no cristalino.
O manancial superficial pode ser ativado através de sistema de captação e
adução ao local da demanda com distribuição em sistema de rede ou através de
carro pipa. O sistema de adução tem seus custos em função da vazão e
comprimento da adução, do tipo de solo e relevo sob o qual será construída a
adutora. O transporte de água de reservatório superficial por carro pipa tem
apresentado problemas de saúde pública mesmo quando a norma estabelece o
tratamento da mesma, pois isto na prática frequentemente não ocorre.
O manancial subterrâneo sobre o domínio cristalino da depressão sertaneja
provê água subterrânea armazenada em suas fraturas. Esta água subterrânea
apresenta alta salinidade demandando processo de dessalinização. O poço com
dessalinizador e chafariz constitui-se em prática disseminada em todo o nordeste
semiárido. Esta prática apresentou problemas associadas à sustentabilidade
financeira (custos de operação e manutenção do sistema) e problemas associados à
disposição final do resíduo do tratamento. Estas dificuldades impuseram o
encerramento da operação em diversas localidades, sobrevivendo os sistemas que
optaram pela cobrança da água aos usuários.
O aproveitamento da chuva se dá através da cisterna. Esta solução de
abastecimento não apresenta economia de escala e os custos de operação e
manutenção do sistema de abastecimento são de responsabilidade individual.
Frequentemente não há monitoramento da qualidade da água deste tipo de sistema
de abastecimento.
A experiência de campo demonstrou que as cisternas de placas oriundas do
programa P1MC têm uma durabilidade questionável, passando a apresentar fissuras
estruturais nas placas promovendo vazamento d’água, em torno dos cinco anos de
uso, nos casos pesquisados na área do projeto do sertão central cearense. Estas
fissuras estruturais podem ser creditadas a problemas de fundação; desgaste da
argamassa de ligação entre as placas; existência de tensões estruturais pela fadiga
à amplitude térmica a que estão submetidas no sertão semiárido, principalmente, em
virtude da heterogeneidade de dilatação térmica, agravada pelo fato de serem
semienterradas, e outros fatores ainda a serem pesquisados.
75
Outro problema das cisternas de placas foi identificado por Silva et al. (2009)
relativo à garantia de enchimento das cisternas unifamiliares de 16 m³. A partir de
simulações hidrológicas foi constatado que a garantia de enchimento das cisternas
variava entre 72% a 100% em 20 municípios do sertão semiárido cearense. Em
apenas 10% dos municípios a garantia alcançava 100%. Em 50% dos municípios
simulados a garantia de enchimento ficou abaixo de 95%, ou seja, abaixo do nível
de garantia mínima considerada para abastecimento humano.
Este problema é agravado pelo fato de que a maioria das famílias
contempladas com a construção de cisternas de placas divide sua água com
parentes e vizinhos próximos, uma vez que não há recursos suficientes para se
construir cisternas em todas as casas das comunidades rurais difusas, havendo uma
seleção de beneficiários pela aplicação de critérios socioeconômicos contando com
a participação da comunidade, porém, sem atender ao universo das famílias
necessitadas.
Assim, na maioria dos municípios pesquisados, as cisternas não garantem o
suprimento de água para a integralidade da estação seca e há frequentemente
necessidade de emprego da Operação Carro Pipa para abastecer tais comunidades.
A cisterna de placas funciona então como um reservatório de recepção da água
trazida pelo carro pipa e que será, na maioria das vezes, compartilhada por mais de
uma família, reduzindo ainda mais a sua garantia de abastecimento pleno.
Existem diferentes escalas de solução para o abastecimento, tais como,
sistema individual (ex. cisterna), sistema coletivo local (ex. pequena adutora para
uma comunidade), sistema municipal integrada (ex. grande adutora para uma cidade
e em seu trajeto distribui água para as populações) e sistema regional integrada (ex.
sistemas de transposição ou adutoras para diversos municípios). A escolha da
solução mais apropriada é condicionada pela distribuição espacial da população,
pelas características específicas do local, pela proximidade de projetos regionais e
pelo capital social da comunidade. Entretanto, não há solução mágica para a
questão da universalização do abastecimento.
Padrões de projetos que possibilitem maior flexibilidade são desejáveis. A
experiência adquirida com as pesquisa levadas a cabo pelo GGRC concluiu que
76
raramente as comunidades rurais adotam um único meio de suprimento hídrico para
seu abastecimento.
Verificou-se que há uma clara distinção de preferência de mananciais com
relação à água para beber e a água para múltiplos usos, dentre eles, a produção de
subsistência familiar, calcada na pequena lavoura, pecuária e criação de aves para
abate. O acesso à água é um fator crucial para definir a cesta de opções alternativas
para suprimento hídrico de uma comunidade rural.
Há uma unanimidade da população quanto a necessidade de se ter acesso
a água na própria residência, de preferência a partir da implantação de sistemas de
abastecimento coletivos construídos pelo poder público, para os quais estão
dispostos a pagar desde que o valor da tarifa se situe dentro de sua capacidade de
pagamento, em geral, admitida como da ordem de R$ 10,00/mês para um consumo
de 10.000 L/família/mês, padrão este aparentemente universal dentro da região
pesquisada.
No entanto, o uso desta água para beber pela população estará
condicionado a um julgamento subjetivo desta sobre a qualidade da água fornecida
pelo sistema público, nem sempre concordante com a racionalidade técnica.
Por exemplo, mesmo para alguns sistemas que fornecem água tratada
comprovadamente atendendo aos padrões sanitários de potabilidade segundo a
Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde, há, por parte de muitas famílias, uma
rejeição para seu consumo humano, baseada aparentemente no conhecimento da
população sobre o manancial de origem. Basta que o açude apresente certo grau de
poluição visivelmente identificado pela presença de macrófitas e zonas marginais
eutrofizadas no reservatório, para que grande parte da população rejeite seu uso
para beber, mesmo após o tratamento.
Há indícios de uma crença cultural progressivamente se desenvolvendo na
população de várias comunidades do município de Milhã, no estado do Ceará, de
que a água de cisterna de placas é a melhor para beber, seguida na preferência
local pela água fornecida em carro pipa, supostamente vinda de uma fonte de boa
qualidade, tal como já foi aqui citado.
77
Estes aspectos culturais devem ser levados em conta para se estabelecer
um programa de universalização do abastecimento e acesso à água, daí se reforça
a necessidade de emprego do princípio do procedimento com base na resposta à
demanda conduzido pela comunidade, com a participação direta da sociedade na
seleção das alternativas de abastecimento e dos sistemas segundo sua
conveniência, assegurando seu compromisso com a gestão sustentável do sistema
a implantar desde os primeiros passos.
A seleção da solução de abastecimento deve considerar os condicionantes
físicos locais, as possibilidades de integração entre projetos com vistas a
proporcionar economia de escala e o capital social da comunidade.
Os condicionantes físicos locais são referentes: ao tipo de manancial
disponível, se superficial (açude ou poço amazonas em aluvião) ou subterrâneo
(poço profundo no cristalino); à qualidade da água do manancial, que define com o
tipo de tratamento necessário; a distância da fonte hídrica até a comunidade a
atender, que impacta nos custos de implantação e operação; o desnível topográfico
entre a fonte hídrica e a comunidade a abastecer que impacta diretamente nos
custos de operação pela energia necessária para bombeamento; a geologia local do
caminhamento da linha de adução e da rede de distribuição que pode chegar a
triplicar o custo de implantação dos sistemas coletivos quando há presença de rocha
a pouca profundidade; o relevo e topografia local da comunidade que define as
zonas de pressão para construção de reservatórios elevados nas redes de
distribuição; a rede viária local que define o caminhamento das tubulações de
adução e distribuição, sendo inapropriado seu traçado por dentro de propriedades
privadas sem a devida desapropriação ou doação do proprietário para servidão
pública, etc.
Estes condicionantes físicos são essenciais a considerar no estudo de
alternativas de solução de abastecimento que devem ser amplamente discutidos
com a comunidade. Deve ser levada em conta sempre a questão econômica visando
minimizar os custos de implantação e de operação e manutenção, devendo haver
uma preferência em relação à minimização destes últimos. Isto se justifica pelo fato
de que a implantação dos sistemas normalmente se dá com financiamento público
via governos federal, estadual ou municipal, os quais podem absorver maiores
78
custos de investimento em prol de uma redução do valor da tarifa de operação e
manutenção que será cobrada dos usuários.
Por exemplo, a seleção de um manancial mais distante (implica maior custo
de implantação), mas que tenha altura manométrica de bombeamento inferior à de
um manancial mais próximo da comunidade, porém com uma altura manométrica de
bombeamento mais elevada do que o primeiro (implica maior custo de energia),
seria preferível para a comunidade em virtude da redução dos custos de energia que
correspondem à parcela maior dos custos de operação que impactam no valor da
tarifa d’água a ser paga pelas famílias da comunidade.
A possibilidade de integração de projetos de abastecimento visando ampliar
a economia de escala deve ser sempre buscada nos estudos de alternativas de
solução para abastecimento de comunidades rurais difusas.
Essa integração deve visar sempre à eficiência econômica traduzida pela
redução dos custos de operação e manutenção para as comunidades atendidas pelo
sistema. A eficiência econômica nesse caso se torna sinônimo de eficiência
energética, uma vez que o custo de energia corresponde ao segundo insumo mais
caro da planilha de custos de operação e manutenção dos sistemas, perdendo
apenas para o custo da mão-de-obra.
Os custos de energia de sistemas de abastecimento de comunidades rurais
devem ser minimizados tanto quanto seja possível, mesmo que seja necessário um
maior investimento inicial na construção do sistema. Em outras palavras, deve ser
considerado um viés na seleção do diâmetro econômico de tubulações, optando
sempre pelo diâmetro comercial imediatamente superior àquele obtido pelas
equações tradicionais de dimensionamento tal como a fórmula de Bresse; devem ser
buscadas soluções que se integrem por uma captação comum e uma única estação
de tratamento de água, que embora impliquem em maiores custos operacionais
globais, permitem a redução da tarifa pelo conjunto das famílias atendidas
aproveitando a economia de escala; devem ser consideradas como alternativas
prioritárias aquelas soluções integradas que possibilitem atender ao maior número
de famílias possível com uma única zona de pressão (reservatório elevado) com
distribuição gravitária da água na rede comum.
79
5.2.1.3 Modelo de Financiamento
O financiamento do sistema é questão chave para a viabilidade da solução
de abastecimento. O financiamento do sistema é dividido frequentemente em: i)
projeto e implantação do sistema e ii) operação e manutenção. Os custos de projeto
e implantação são custos frequentemente elevados e são financiados pelo poder
público. Os custos de operação e manutenção em algumas situações são custeados
pelo poder público e em outros pelos usuários de forma direta. Tem-se observado
que o financiamento total da O&M por parte do Estado é insustentável pela
dificuldade deste de fazê-lo continuamente e por dificuldades logísticas.
O financiamento da implantação da infraestrutura deve ser realizado pelo
poder público com recursos do tesouro federal, estadual e municipal, com peso
maior para o federal. A possibilidade de financiamento externo com aval do Governo
Federal e contrapartida dos estados e municípios é sempre uma opção a considerar,
principalmente nos casos de implantação de grandes sistemas de abastecimento
integrados, com elevados custos fixos de capital em captação, adução, tratamento e
distribuição.
Há casos também em que sistemas simplificados de abastecimento em
comunidades rurais são autofinanciados pelos proprietários de sítios e fazendas
onde estas comunidades se formaram, os quais cobram uma tarifa de água fixa sem
medição de consumo para os moradores, geralmente com algum tipo de vínculo
econômico ou familiar com o proprietário. Normalmente isso ocorre em locais onde
há um manancial superficial (açude) com água de boa ou razoável qualidade. Vários
casos foram constatados na pesquisa desenvolvida nos municípios de Milhã,
Senador Pompeu e Deputado Irapuan Pinheiro no estado do Ceará.
Este investimento inicial pode ser recuperado em pequena parcela em
função da capacidade de pagamento da população beneficiada. Este financiamento
pode ser realizado em parte por um fundo específico para a universalização do
abastecimento de água para populações rurais, inclusive com recursos atualmente
destinado para carro pipa e/ou imposto específico sobre serviços urbanos de
saneamento ou energia. Proposta semelhante foi apresentada no Pacto das Águas
(2009) sugerindo a criação de um fundo municipal para universalização do
saneamento.
80
O custo de operação e manutenção do sistema pode ser financiado pelos
seguintes mecanismos:
Autofinanciamento;
Subsídio cruzado: concessões de água das sedes municipais
financiam a zona rural;
Subsidio através de transferências direta para as famílias (Bolsa Água)
no valor do custo dos carros pipa;
Fundo de Abastecimento Rural - Subsídio através de imposto
específico sobre o abastecimento urbano (saneamento ou energia).
O autofinanciamento da O&M de sistemas de abastecimento de
comunidades rurais é sem dúvida, o mecanismo mais propício para garantir a
sustentabilidade de longo prazo dos sistemas implantados. O autofinanciamento
decorre da mobilização do capital social da comunidade fundamentada no processo
de participação aqui descrito. Os beneficiários acordam previamente sobre o valor
da tarifa a pagar pelo consumo da água levando em conta sua capacidade de
pagamento. A tarifa cobre os custos de operação e manutenção e forma reservas de
contigência para reposição de equipamentos depreciados pelo uso.
O mecanismo de autofinanciamento pode existir em comunidades com alto
capital social, ou mesmo em comunidades com baixo capital social. A diferença é
que na primeira a sustentabilidade do sistema é garantida pela comunidade
independentemente da existência de lideranças que induzam continuamente a
manutenção e conservação do sistema implantado.
Já nas comunidades com fraco capital social o processo de sustentabilidade
depende da atuação de fortes lideranças locais que exercem uma pressão social
para garantia do adimplimento do pagamento da tarifa viabilizando a operação e
manutenção dos sistemas.
Quando estas lideranças por algum motivo se afastam da comunidade, pode
surgir um vácuo de poder ou emergir conflitos insolúveis entre os membros da
comunidade que ameaçam a adimplência no pagamento da tarifa e a própria
sobrevivência do sistema implantado.
Estes fatos foram observados em algumas comunidades de Milhã. A
sucessão de comando prevista em todos os estatutos das associações comunitárias,
81
se por um lado se fundamenta nos princípios democráticos de alternância de poder
que devem orientar a participação social e política dos cidadães, por outro lado pode
se tornar uma ameaça à sustentabilidade dos sistemas quando o capital social da
comunidade é fraco.
Há possibilidade de lideranças oportunistas com falso discurso democrático
se apoderarem do comando das associações comunitárias com o intuito nem
sempre comprometido com os interesses da mesma. A ausência de um controle
externo nos sistemas autofinanciados é um fator desfavorável para a
sustentabilidade dos sistemas nesses casos de comunidade com fraco capital social.
O financiamento da operação e manutenção dos sistemas de abastecimento
de comunidades rurais, via subsídio cruzado, no qual as concessões dos sistemas
nas sedes urbanas municipais fianciassem a zona rural, seria o rebatimento para o
nível municipal do sistema de subsídios cruzados existente na escala estadual, onde
a economia de escala obtida nas regiões metropolitanas subsidia a operação e
manutenção de sistemas deficitários de menor escala no interior.
A viabilidade do emprego deste tipo de subsídio cruzado depende da
economia de escala que pode ser obtida na sede municipal para financiar total ou
parcialmente a operação e manutenção dos sistemas de abastecimento das
pequenas comunidades. É preciso se tomar cuidado para não onerar indevidamente
a tarifa dos consumidores das sedes urbanas para prover esse subsídio cruzado.
Levando-se em conta que normalmente a população da sede urbana é bem
menor do que a população vivendo no conjunto das comunidades rurais na maioria
dos municípios, principalmente aqueles menores localizados no semiárido
nordestino, seria muito difícil se estabelecer uma receita marginal da tarifa cobrada
aos consumidores das sedes urbanas que fosse suficiente para cobrir todos os
custos de operação e manutenção dos sistemas rurais de uma forma global.
A maior probabilidade de viabilizar essas trocas seria estabelecer um
subsídio cruzado fundamentado na cobrança de um pequeno percentual da tarifa do
consumidor urbano para alimentar um fundo de reserva municipal para financiar a
reposição de equipamentos danificados ou desgatados pelo uso dos sistemas de
abastecimento das comunidades rurais.
Esse fundo seria administrado por um Comitê Gestor formado por
representantes do poder público municipal e das associações comunitárias,
82
vinculando estatutariamente uma forte participação da sociedade civil e associações
de usuários para garantir a transparência de gestão e fiscalização do fundo.
O fundo poderia financiar a substituição dos equipamentos depreciados de
forma onerosa ou não onerosa, isto é, quer fosse com a cessão a fundo perdido
para as comunidades comprovadamente sem recursos para pagamento, quer fosse
por empréstimo, para aquelas comunidades cuja escala econômica permitisse a
aplicação de uma sobretarifa compulsória por um tempo determinado para pagar o
empréstimo.
Caso houvesse receita de larga escala com a instituição de um subsídio
cruzado obtido nas sedes urbanas e este fosse suficiente para criação de uma
estrutura organizacional municipal voltada para dar assistência tecnica às
comunidades rurais do município seria a melhor alternativa para garantir a
sustentabilidade de longo prazo dos sistemas rurais.
Outro mecanismo seria a instituição de subsidio através de transferências
direta para as famílias (Bolsa Água) no valor do custo dos carros pipa. Este
mecanismo seria bastante complexo uma vez que o valor do custo do abastecimento
do carro pipa varia de comunidade para comunidade em função do consumo da
comunidade; da distância da fonte hídrica; do momento de transporte da água
transportada em estrada de terra e, do momento de transporte em estrada asfaltada.
Haveria uma grande dificuldade no estabelecimento de critérios para definir estes
parâmetros e um alto risco de manipulação política dos dados inerentes a estas
variáveis visando maximizar a receita de certas comunidades.
Haveria dificuldade, por exemplo, na seleção do manancial a ser alocado
para se calcular as variáveis para cada conjunto de comunidades sequenciadas num
roteiro de carro pipa. A subjetividade do parâmetro “qualidade de água” a servir a
população seria mote para maximizar a distâncias da fonte hídrica como forma de
incrementar o repasse para cada comunidade. Outros artifícios nesse mister são
facilmente construídos para servir de argumentação na barganha política.
Outra possibilidade variante em relação a esta fonte de subsídio seria o
repasse do valor integral alocado pelo programa de abastecimento com carro pipa
do Governo Federal para um fundo municipal para subsidiar a operação e
manutenção de sistemas de abastecimento de comunidades rurais. Neste caso o
município receberia o valor global destinado pelo programa de carro pipa e aplicaria
83
os recursos na implementação de um programa de construção, operação e
manutenção de sistemas sustentáveis de abastecimento de água nas comunidades
rurais.
O subsídio via Fundo de Abastecimento Rural através de imposto específico
sobre o abastecimento urbano (saneamento ou energia), seria uma alternativa
macro-econômica viável para solucionar a questão da universalização do acesso à
água no meio rural e, provavelmente, apresentaria resultados mais robustos do
ponto de vista de assegurar a sustentabilidade dos sistemas implantados.
No entanto, seria muito difícil viabilizá-lo politicamente como um imposto
adicional para o contribuinte, uma vez que ele vai à contramão dos discursos pela
redução da carga tributária nacional e demandaria um alto custo de transação
política que dificilmente seria assimilado pelo conjunto da população. A lembrança
recente dos desvios de função da cobrança da CPMF, inicialmente concebida para
financiar a melhoria dos serviços de saúde e que acabou no caixa único do Governo
Federal para subsidiar o superavit primário, ainda está muito recente na memória do
contribuinte brasileiro que rejeitaria fortemente a instituição de um imposto adicional
com a finalidade de subsidiar o abastecimento de comunidades rurais.
Uma alternativa para institucionalização deste imposto sem alardeamento de
cobrança junto ao contribuinte individual seria a incidência do imposto pela aplicação
de uma alíquota fixa na planilha de custos das concessionárias e empresas de
saneamento urbanas, as quais repassariam o valor arrecadado diretamente para o
fundo de subsídio. O consumidor pagaria a alíquota embutida diretamente no valor
da tarifa d’água sem sua especificação em conta.
Dimensões Afeitas à Sustentabilidade 5.2.2
5.2.2.1 Capital Social da Comunidade
O capital social está intrinsecamente ligado à sustentabilidade de longo
prazo do sistema. Katz & Sara(1998) propuseram seis indicadores para avaliação do
capital social das comunidades com relação à implantação de sistema de
abastecimento em zonas rurais:
84
• o papel das comunidades na implantação do projeto. Este indicador avalia
como a comunidade se engajou no processo de implantação da solução selecionada
para seu abastecimento;
• o envolvimento da comunidade na inicialização do projeto. Este indicador
avalia se o procedimento foi com base na resposta à demanda conduzida pela
comunidade ou se foi fruto de intervenção governamental sem a participação da
comunidade;
• o grau pelo qual a comunidade fez uma escolha informada sobre o tipo de
sistema de abastecimento construído. Avalia a participação da comunidade nas
tomadas de decisão sobre o sistema implantar e qual foi o nível de informação e
transparência sobre os custos que recairão sobre a mesma após a implantação do
projeto;
• o nível e a qualidade dos domicílios. Indicador que avalia as condições
socioeconômicas das famílias da comunidade;
• a capacitação do comitê gestor da água. Serve para avaliar qual é o grau
de informação e capacitação sobre gestão do sistema que foi transmitido aos
gestores da comunidade;
• a comparação como o projeto é percebido pelos chefes de família dos
domicílios e pelas lideranças locais ou membros do comitê gestor das águas. Este
indicador busca comparar as diferentes percepções entre os que lideram o processo
(gestores) e os usuários do sistema implantado. Serve para identificar possíveis
hiatos entre aqueles que gerenciam o sistema e seus usuários.
O capital social da comunidade será o principal parâmetro de
sustentabilidade de um projeto a ser implantado. Dependendo do engajamento da
comunidade é possível que mesmo projetos com falhas de concepção de
engenharia venham a se tornar sustentáveis pela capacidade da comunidade em
reverter uma situação desfavorável corrigindo suas deficiências.
Por exemplo, é possível que o custo de operação de um sistema implantado
se torne elevado em função do custo de energia decorrente de um dimensionamento
errado da tubulação ou do sistema de bombeamento, ou ainda decorrente do
85
incremento de demanda pela agregação de outras comunidades e/ou famílias
isoladas inicialmente não contempladas no projeto original. Neste caso, a
comunidade pode encontrar meios para compensar tarifariamente a elevação destes
custos operacionais ou formar uma poupança visando à correção do problema
técnico.
Por outro lado, comunidades com baixo nível de engajamento tendem a
tornar inviáveis a médio e longo prazo projetos de engenharia bem concebidos e
otimizados pelo incremento da inadimplência, pelo mau uso das instalações e pela
pouca ou nenhuma preocupação com a manutenção preventiva e preditiva dos
sistemas implantados.
A participação social representa uma possibilidade real de influir na tomada
de decisões, em particular no que diz respeito aos assuntos de vital importância para
a vida dos atores envolvidos. E isso significa acesso ao poder, à informação e a todo
um processo de “empoderamento” no seio da sociedade civil (CEARÁ, 2010).
5.2.2.2 Modelo de Gerenciamento
Estudos conduzidos por Mantilla (2011), CEARÁ (2010), Falk, Bock e Kirk
(2009), Lockwwod (2004), Kaliba (2003) e BANCO MUNDIAL (2002) convergem
para a conclusão de que o modelo de gestão dos sistemas de abastecimento é o
fator governante da sustentabilidade de longo prazo.
Via de regra, mesmo que seja assegurada a sustentabilidade de um sistema
inerente aos fatores técnicos de projetos, como a escolha correta de um manancial
sustentável em relação às variações climáticas; adequação tecnológica do sistema
implantado ao padrão cultural da comunidade; etc., é o gerenciamento do sistema a
peça chave da sua sustentabilidade.
O gerenciamento é a forma de como se dá a operação e manutenção do
sistema implantado, assegurando sua continuidade, eficiência, eficácia e
sustentabilidade econômica.
86
O modelo de gerenciamento a ser adotado é dependente obviamente da
escala do sistema a ser gerenciado, ou seja, se o mesmo é de uma amplitude
estadual, regional, municipal ou local, ao nível de comunidade.
O gerenciamento de um sistema de abastecimento para pequenas
comunidades rurais assume diferentes características de sustentabilidade
dependendo se este se dará com a participação direta ou não da comunidade
atendida pelo sistema.
Diversos estudos conduzidos por pesquisadores e pelo Banco Mundial no
final da década de 90, em comunidades rurais de países em desenvolvimento, tais
como o estudo elaborado por Katz & Sara (1998), concluíram por haver uma
tendência maior para a sustentabilidade nas comunidades onde prevalecia a
implantação de sistemas oriundos da adoção de uma abordagem do tipo resposta-à-
demanda, impulsionado pela comunidade do que do tipo suprir-a-comunidade,
conduzido pelo governo.
Na primeira abordagem há uma justa participação direta dos membros das
comunidades na seleção das opções tecnológicas do projeto a ser implantado; uma
discussão clara e transparente sobre os custos inerentes à operação e manutenção
dos sistemas; e uma discussão prévia sobre a sua disposição-a-pagar, ao contrário
da segunda abordagem, onde as decisões são tomadas de forma vertical a partir
dos agentes governamentais e/ou contando até mesmo com a participação de
lideranças locais, as quais nem sempre são bem representativas da comunidade
como um todo.
Os fatores ligados à sustentabilidade afloram de maneira significativamente
diferente nestas duas abordagens: na primeira, a comunidade se integra desde o
início ao projeto mobilizando seu capital social para alcançar o objetivo em comum
que é a implantação, operação e manutenção de forma sustentável do projeto; na
segunda, sem a participação da comunidade no processo de seleção das opções e
decisões a serem tomadas há sempre uma possibilidade de rejeição ao projeto por
parte de segmentos da comunidade que se sentem excluídos ou são
ostensivamente excluídos do processo. Neste caso, a auto exclusão, o desinteresse
pelo projeto e a inadimplência no pagamento das tarifas de água ameaçam a
sustentabilidade de longo prazo do projeto.
87
O modelo de gerenciamento a adotar e o grau relativamente previsível de
sustentabilidade de um projeto são então uma consequência direta da escala de
atuação do sistema, do tipo de abordagem adotado para construção do projeto, do
capital social da comunidade atendida e da natureza tecnológica do sistema
implantado.
O sucesso do PAM e das intervenções está condicionado às alternativas de
modelos de abastecimento e de gerenciamento empregados que garantam a sua
sustentabilidade. Estes fundamentos teóricos foram desenvolvidos por Souza Filho
& Enéas da Silva (2010) tendo sido inseridos no Plano de Águas Municipal de Milhã.
5.2.2.2.1 Princípios para um Modelo de Gerenciamento
Souza Filho & Enéas da Silva (2010) definem os seguintes princípios que
devem orientar a seleção de um modelo de gerenciamento para sistemas de
abastecimento de populações rurais difusas:
Princípio da Sustentabilidade;
Princípio da Parcimônia Territorial;
Princípio da Resposta à Demanda;
Princípio da Autodeterminação.
O modelo de gerenciamento de sistemas de abastecimento de água tem
como princípio a sustentabilidade em sua dimensão administrativa-financeira,
técnica, social e ambiental.
A sustentabilidade administrativa-financeira é traduzida na capacidade de
realizar as ações de interlocução com os usuários, ações contábeis e da
arrecadação dos recursos financeiros para custear o sistema. Desafio relevante para
esta dimensão da sustentabilidade consiste na garantia dos recursos necessários a
para financiar os custos de Operação e Manutenção (O&M). Sistema que não
consiga financiar a sua operação e manutenção não proverá os benefícios a que se
propõe.
O financiamento da O&M pode ser realizado pelos usuários, pelo poder
público ou por ambos. Observação de campo mostra que em diversas experiências
88
como a dos poços com dessalinizadores o poder público tem dificuldade de garantir
continuamente a operação e manutenção do sistema. Esta dificuldade é logística e
de recursos financeiros. Os sistemas com maior longevidade apresentam
financiamento de parcela significativa da O&M realizado pelos próprios usuários.
Observa-se que os investimentos de implantação dos sistemas são frequentemente
custeados pelo poder público.
A sustentabilidade técnica (operacional) consiste na garantia operacional do
serviço. A sustentabilidade técnica constitui-se nos recursos humanos e
equipamentos para realizar todas as ações técnicas necessárias para prover
continuamente água para a população. Para este fim faz-se necessário um bom
projeto da infraestrutura de abastecimento, pessoal qualificado para operar o
sistema e, quando necessário, um especialista.
A sustentabilidade social é a legitimidade e o apoio político que o sistema de
abastecimento tem da comunidade que beneficia. Esta dimensão é que garante a
adesão dos grupos sociais ao sistema de abastecimento sendo essencial para
prover condições materiais para a ocorrência das demais dimensões da
sustentabilidade.
A sustentabilidade ambiental consiste em garantir a manutenção dos
ecossistemas mitigando o impacto deletério do sistema de abastecimento sobre
estes. O resíduo do tratamento (ex. resíduo de dessalinizador) necessita de uma
disposição final adequada.
As escalas territoriais das soluções dos sistemas de abastecimento podem
ser diversas: Estado, Região (intermunicipal), Municipal, Sistema Local e Sistema
Individual (familiar). Deve-se respeitar o subsidiariedade da tomada de decisão, ou
seja, o problema deve ser resolvido na menor escala territorial possível reduzindo
custos de transação do sistema. Ao mesmo tempo em que se deve tomar partido da
economia de escala existente nos sistemas de abastecimento de água. O princípio
da parcimônia territorial consiste na síntese destas duas dimensões (subsidiariedade
e economia de escala) frequentemente conflitantes.
O princípio do procedimento com base na resposta a demanda consiste no
reconhecimento de que as populações que se organizaram para produzir uma
89
demanda de abastecimento estão mais preparadas do ponto de vista do seu capital
social e de seu compromisso para a gestão sustentável do sistema. A demanda
deve ser caracterizada por um claro compromisso da comunidade na melhoria do
serviço de água e em uma clara manifestação de quanto se está disposto a se pagar
por diferentes níveis de serviço.
As comunidades devem ter suas decisões respeitadas, não lhes devendo
ser imposta nenhuma solução. Esta é a base sob a qual se assenta o princípio da
autodeterminação. A decisão da comunidade deve ser uma decisão informada com
um claro entendimento da mesma das implicações das alternativas.
O modelo de gerenciamento está associado ao tipo de solução de
infraestrutura selecionada para a localidade. Não obstante este fato o modelo deve
promover condições de sustentabilidade financeira, eficiência operacional e
legitimidade e integração social.
O Pacto da Águas (Ceará, 2009, p. 232) propõe a construção de um modelo
único de gerenciamento dos sistemas de abastecimento das populações rurais com
base na experiência adquirida do Sisar.
A proposta surgiu do reconhecimento da necessidade de se implantar um
modelo de gestão sustentável que atendesse às comunidades acima de 50 famílias
não atendidas pelo Sisar e nas comunidades abaixo deste número. A proposta seria
um modelo de gestão compartilhada para os sistemas de saneamento rural
envolvendo o Estado, Bacias, Municípios e Comunidades, sendo abrangente para
todo o estado do Ceará.
Neste modelo a responsabilidade da gestão seria do município cabendo ao
estado incentivar a implantação em todos eles de um sistema municipal de
saneamento rural sustentável e atendendo todas as comunidades rurais do
município.
A gestão dos sistemas comunitários seria compartilhada entre a associação
da comunidade e o ente municipal responsável pelo Sistema Municipal de
Saneamento Rural (SMSR).
90
Além disso, cada município criaria um fundo municipal para universalização
do saneamento rural com dupla finalidade: garantir a operação e manutenção dos
sistemas comunitários de saneamento e subsidiar os sistemas comunitários
deficientes.
Avalia-se aqui a dificuldade de se ter um modelo único para o Ceará devido
à heterogeneidade dos capitais sociais e da base física, além da imperiosa
necessidade de se respeitar o princípio da autogestão que determina que cada
comunidade seja livre para escolher se deve ou não aderir à determinada proposta.
Neste sentido propõe-se aqui que exista um polimorfismo de
organizações sociais para o gerenciamento dos sistemas de abastecimento de
água. Caso haja convergência ao final do processo para uma única forma de
organização será ótimo, caso contrário e o sistema se apresentar com bom
desempenho, será ótimo também.
As alternativas de modelo de administração são do tipo centralizado e
descentralizado. Existindo variantes intermediárias entre os extremos destes tipos.
Seis alternativas de modelo de administração foram identificadas:
• Sistema Individual
• Sistema Local (redes autogestionárias)
• Gestão Municipal Integrada: sede e zona rural
• Consórcio intermunicipal Integrado: sede e zona rural
• Rede Estadual –SISAR
• Empresa Estadual (Autarquia) de Saneamento Rural
Por décadas tomadores de decisão política tem tido experiências ambíguas
com relação à gestão centralizada e descentralizada de recursos de uso
comum (ANDERSSON & OSTROM, 2008). Há um entendimento geral que um
sistema governamental totalmente centralizado é frequentemente ineficiente devido
ao elevado custo de transação.
Por outro lado um processo totalmente descentralizado tem se mostrado
como sendo ingênuo ou crescente difícil (OSTROM, 2005, 2009). Este fato é
91
marcante nas soluções de abastecimento devido ao elevado custo de implantação
da infraestrutura que necessita frequentemente de um agente financiador da
mesma.
A proposição de um sistema polimorfo com múltiplos centros com jurisdições
e autoridades diversas proposto anteriormente neste texto está em conformidade
com a proposição de Andersson and Ostrom (2008), onde cada centro de
decisão/administração tem autonomia para estabelecer as regras e sanções ao seu
não comprimento, devendo aqui ser observado que cada um destes centros tem sua
autoridade sobre determinada área geográfica (CLEAVER, 2000; OSTROM, 2005,
2009).
Alguns fundamentos que devem ser observados pela administração do
sistema são:
O estabelecimento de um nível de organização da comunidade é
elemento necessário para o sucesso;
O efetivo Envolvimento familiar requer bom fluxo de informação e
mobilização social;
Os princípios básicos de gestão comunitária incluem a participação, o
controle sobre a tomada de decisão, a apropriação e a partilha de
custos;
A gestão comunitária é vista como base para a manutenção e o
funcionamento de longo prazo.
Segundo Katz & Sara (1998) há cinco grandes categorias de regras para os
projetos que são transcritas a seguir:
Os critérios de elegibilidade: Regras para participação devem ser
amplas o suficiente para que a elegibilidade não seja em si a garantia
de cada comunidade elegível receber o serviço. Compromissos do
serviço devem seguir, e não preceder, a iniciativa da comunidade em
busca da melhoria;
Pedido Informado da comunidade: O projeto deve estabelecer
procedimentos para permitir um fluxo adequado de informações para
92
as comunidades. As comunidades devem ser capazes de fazer
escolhas informadas sobre a possibilidade de participar no projecto.
Eles devem saber de antemão os termos de sua participação e
responsabilidade para a sustentação do projeto;
Opções técnicas e níveis de serviço: Comunidades devem participar
ativamente na escolha dos níveis de serviço. Uma gama de opções
técnicas e níveis de serviço devem ser oferecidos para as
comunidades, com o custo operacional e as implicações relacionadas;
Alocação dos custos: Os princípios básicos da partilha de custos
devem ser especificados e deixando claro desde o início a todos os
interessados. A repartição dos custos deve ser projetada de modo que
a comunidade escolhe os níveis de serviço para o qual está disposta a
pagar. Idealmente, as comunidades que exigem um nível superior (ou
seja, mais caro) do serviço deverão pagar mais do que aqueles que
preferem um nível básico de serviço;
Responsabilidades para apoio ao investimento: regras sobre a
propriedade de ativos, O & M, e de recuperação contínua dos custos
do sistema devem ser estabelecidos e acordados com todas as partes
interessadas.
A administração da solução de abastecimento de água deve segundo
LOCKWOOD (2002) observar:
Assistência Técnica: prestar assistência e orientações sobre uma série
de tópicos de apoio da estrutura do modelo de gerenciamento pela
comunidade, bem como a prestação de aconselhamento independente
nos casos em que algum tipo de arbitragem pode ser necessário;
Formação: em curso de formação dos membros das comissões
pertinentes em uma variedade de disciplinas de operação e de
manutenção física para a promoção da contabilidade e higiene,
construção de capacidades no nível da comunidade;
Informação e Vigilância: acompanhamento regular do desempenho do
sistema e retroalimentação de informações de medidas corretivas;
93
Coordenação e Facilitação: ajudar a estabelecer vínculos entre as
estruturas comunitárias de gestão e de entidades externas, tanto do
setor público ou privado;
O gerenciamento deve ser sustentável. Segundo Katz & Sara (1998) os
critérios de avaliação da sustentabilidade e desempenho do sistema são:
As condições físicas do sistema: Mede a condição física geral do
sistema de água. É fundamentado em fatores como qualidade de
construção, o nível de pressão no sistema e vazamentos ou defeitos na
alvenaria ou tubo;
A satisfação dos consumidores: Esta mede a satisfação geral do
consumidor com o sistema de água. Baseiam-se em opiniões
expressas em fatores tais como a satisfação com a quantidade e
qualidade da água recebida, sabor e cor, e o uso contínuo de fontes
alternativas;
Práticas de O & M: Este analisa fatores como se a comunidade tem
um operador designado, o acesso a ferramentas e peças de reposição,
e informações sobre a continuação do apoio;
Gestão Financeira: Esta avaliação é baseada em uma revisão dos
registros financeiros de cada comunidade e entrevistas com a
comissão de água e tesoureiro;
Disposição para sustentar o sistema: o apoio comunitário medidas para
a sustentação do sistema de água. Ele avalia o grau em que os
membros da comunidade se sentem responsável por sua manutenção
de seu sistema.
O modelo de gerenciamento deve garantir o apoio técnico de suporte ao
sistema implantado. As soluções de abastecimento necessitam de acompanhamento
técnico independente de sua escala. Este apoio técnico visa garantir o
abastecimento em qualidade e quantidade com eficiência financeira. A operação
sistemática dos sistemas é o objeto deste apoio técnico.
94
Os sistemas com maior complexidade necessitam mais intensamente deste
apoio, elevando-se o nível de expertise do apoio técnico com o crescimento da
complexidade do sistema.
A operação dos sistemas de abastecimento coletivo das pequenas
comunidades rurais, normalmente envolve apenas o ligamento e desligamento de
bombas e algumas manobras em registros e válvulas nas estações de tratamento e
na rede de distribuição. Estas operações diárias simples podem ser absorvidas por
pessoas da própria comunidade por meio de um curso de capacitação, requerendo
para tanto um nível de instrução primária.
A manutenção dos sistemas coletivos das pequenas comunidades
normalmente requer um eletricista para dar manutenção em quadros de comando
das bombas e sistema elétrico; um bombeiro hidráulico para dar manutenção nas
tubulações e acessórios e, um mecânico de bombas para dar manutenção nas
mesmas.
O nível de instrução exigido para essa manutenção é o técnico de nível
secundário e dificilmente é encontrado alguém com esse perfil nas comunidades.
Assim, faz-se necessário a existência de um ente organizacional que possa suprir
pessoal qualificado para estas operações.
O modelo Sisar adotado no estado do Ceará conseguiu suprir essa
necessidade de suporte técnico de manutenção para os sistemas sob sua jurisdição.
No entanto, as pequenas comunidades rurais não fazem parte da escala de atuação
do Sisar. A possibilidade de criação de um órgão municipal ou consórcio municipal
para esse fim específico de dar assistência técnica aos sistemas de abastecimento
rural é uma necessidade que tem de ser devidamente equacionada.
Os sistemas de abastecimento de maior complexidade atendendo a distritos
e comunidades urbanas de maior porte já se enquadram ao nível de Sisar, e devem
ser objeto de suporte técnico de uma concessionária estadual ou municipal, tal como
hoje se faz.
95
5.2.2.3 Garantia Qualitativa e Quantitativa
Os aspectos quantitativos e qualitativos estão associados aos usos
finalísticos da água fornecida à população. Esta questão será mais bem esclarecida
apresentando aqui os resultados da pesquisa conduzida pelo GGRC no sertão
central do Ceará que revelou que raramente a população de uma determinada
comunidade faz uso de um único manancial para todos os fins.
O mais comum era haver uma cesta de opções de abastecimento para
diferentes usos. Em todas as comunidades visitadas identificou-se pelo menos uma
fonte primária de abastecimento, podendo ser um pequeno açude, cacimba ou poço
amazonas, poço profundo ou cisterna.
Em quase todas as comunidades prevalecia a existência de múltiplas fontes
de abastecimento, sendo algumas empregadas para usos domésticos gerais ou para
pequena produção de subsistência. Porém, a situação mais grave e preocupante,
era o acesso à água potável, na grande maioria garantida por cisternas de placas ou
alvenaria alimentadas por carro pipa.
A Figura 5.3 mostra uma fotografia de casa na comunidade de Várzea
Alegre em Milhã, apresentando a tipicidade do problema do abastecimento na
maioria das comunidades da área do projeto: um hidrômetro para medir a água
consumida de uma rede de distribuição proveniente de um açude que não
apresentava garantia de disponibilidade hídrica; uma cisterna de alvenaria para
captação de água de chuva que não atendia as necessidades de consumo da
família e; um tambor de plástico para recebimento da água de carro pipa numa cota
diária de 100 litros/família/dia.
96
Figura 5.3: Cesta de soluções típicas de abastecimento unifamiliar (Várzea Alegre,
Milhã, 2009)
Observou-se na maioria das comunidades a dicotomia entre quantidade de
água e qualidade. A maior parte das fontes com água potável não ofereciam a
quantidade suficiente para abastecimento humano das comunidades, enquanto que
as fontes com maior quantidade de oferta tinham sua qualidade comprometida quer
fosse pelo alto teor de salinidade, quer fosse pela poluição por excrementos animais,
principalmente pelo gado, quer fosse até mesmo por dejetos humanos, além de
alguns serem poluídos por agrotóxicos.
Várias famílias que contavam com sistemas de rede de abastecimento
primária domiciliar para usos gerais eram obrigadas a percorrer distâncias de várias
centenas de metros ou quilômetros na busca por água potável para beber, nos
casos de ausência de abastecimento por carro pipa.
A Figura 5.4 mostra a fotografia de um senhor residente na comunidade de
Paus Brancos em Quixeramobim que se deslocava diariamente num jumento o
equivalente em linha reta a 1039,5 m (desde as coordenadas E=449.943 e
N=9.401.124 para as coordenadas E=449.162 e N=9.401.810) para buscar água em
um poço amazonas para suprir água de beber à sua família, mesmo havendo na sua
97
comunidade um sistema de abastecimento provido por poço o qual era administrado
pelo SAAE local, porque, segundo o entrevistado, “a água do SAAE adoecia as
crianças”.
Figura 5.4: Busca de água “saudável” em poço amazonas (Paus Brancos,
Quixeramobim, 2009)
O sonho da maior parte das famílias entrevistadas durante a pesquisa era
ser beneficiada com cisterna de placas do Programa Um Milhão de Cisternas para o
Semiárido – P1MC, implementado pela ASA – Articulação do Semiárido com
recursos do MDS-Ministério do Desenvolvimento Social, ou pelo Projeto Dom Helder
Câmara com recursos MDA-Ministério do Desenvolvimento Agrário financiado pelo
FIDA-Fundo Internacional para Desenvolvimento da Agricultura.
A Figura 5.5 mostra a fotografia de uma cisterna de placas padronizada
recém-construída à época na comunidade de Floresta, município de Deputado
Irapuan Pinheiro, pelo P1MC, na residência do Sr. Manoel Josimar Pinheiro, nas
coordenadas E=468.942 e N=9.359.260. A sua residência possuía água encanada
do açude Floresta, mas que não servia para beber. A área de captação de telhado
era de 53,29 m².
98
Figura 5.5: Cisterna de placas do P1MC (Floresta, Deputado Irapuan Pinheiro, 2009)
As cisternas de placas padronizadas de 16 m³ podem não garantir o
abastecimento das famílias ao longo de todo o ano por várias razões: insuficiência
de área de captação das chuvas; insuficiência eventual de precipitações; problemas
de vazamento; porém, a principal causa identificada na maioria das comunidades da
área da pesquisa foi a solidariedade comunitária. Na maior parte das comunidades
somente algumas famílias eram contempladas com a construção de cisternas,
devido aos critérios seletivos de elegibilidade. Assim, após a construção de uma
cisterna numa residência, havia uma repartição voluntária da água acumulada com
as demais famílias vizinhas que, na maioria das vezes, eram parentes próximos,
pelo princípio da solidariedade humana e parental.
Desta forma, uma cisterna que deveria atender somente a uma família
passava a atender a várias famílias, praticamente eliminando a garantia de sua
sustentabilidade hídrica durante ciclo de estiagem anual, acarretando na
necessidade de abastecimento posterior com carro pipa. O que mais se observou
nas comunidades visitadas foram cisternas de placas ou de alvenaria sendo
empregadas como receptor comunitário da água distribuída pelos carros pipa para
distribuição entre as várias famílias locais.
99
A Figura 5.6 mostra a fotografia de uma cisterna de alvenaria com
capacidade de acumulação de 19,17 m³, construída na residência da Sra. Terezinha
Vieira, nas coordenadas E=479.332 e N=9.368.964, com área de captação de
telhado de 99,84 m², na comunidade de Sítio Cipó, em Milhã, e que se destinava ao
abastecimento de várias casas de parentes próximos.
Figura 5.6: Cisterna de alvenaria de 19,17 m³ destinada ao abastecimento multifamiliar ( Sítio Cipó, Milhã, 2009)
Outro detalhe importante com relação à aceitação ou não das cisternas de
placas como uma alternativa de solução do problema do abastecimento de água
para beber para muitas famílias era que a cisterna estava atrelada à propriedade da
terra, mas a concessão era por família inscrita no programa. Muitas famílias eram
apenas moradores locais sem possuírem título de posse da casa. Caso aceitassem
a construção de cisterna em propriedade de outrem, elas corriam o risco de, ao
serem despejadas pelo proprietário, perderem o direito de obter uma nova cisterna
em outro local. Assim, preferiam não aderir ao programa P1MC.
A questão do acesso à água estava também intrinsecamente relacionada
com as redes de poder e nas relações clientelistas e paternalistas existentes. A
maior parte dos açudes locais que apresentavam uma capacidade suficiente de
regularização hídrica para prover pelo menos o abastecimento humano das
100
comunidades rurais difusas próximas aos mananciais possuíam verdadeiros “donos”
que facilitavam ou dificultavam o acesso à água, mesmo nos casos em que estes
haviam sido construídos com verba pública. Este fato consistia numa apropriação
privada indevida e ilegal da água que violava o direito constitucional que define a
dominialidade da água como um bem público.
No entanto, as próprias comunidades reconheciam esse “direito de
propriedade da água dos açudes” em função das poderosas redes de poder locais
estabelecidas pela política do clientelismo e do paternalismo. Embora não houvesse
latifúndios de importância na área pesquisada, a propriedade da terra e do acesso
aos benefícios e infraestruturas patrocinados pelo poder público continuava sendo
instrumento de jogo político para assegurar o continuísmo de oligarquias dominantes
de origem secular.
A segurança hídrica quantitativa e qualitativa das comunidades rurais é,
dessa forma, um processo complexo que perpassa desde a existência de fontes
hídricas que possam garantir o abastecimento; à opção tecnológica da solução de
abastecimento; até a conjuntura institucional, social e política do município e as
relações de poder entre os membros da comunidade e as oligarquias dominantes.
101
6 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO DO PRIMEIRO PAM
6.1 Localização e População da Área do Projeto
A área selecionada para o desenvolvimento da pesquisa do projeto fica
localizada no sertão central do estado do Ceará, compreendendo uma região
semiárida, sobre o embasamento geológico cristalino, aonde historicamente a
população tem convivido com os estigmas das secas periódicas que assolam o
território nordestino do Brasil.
O sertão central do Ceará corresponde a um conjunto de 33 municípios dos
quais foram selecionados cinco para início dos estudos: Quixeramobim, Senador
Pompeu, Milhã, Deputado Irapuan Pinheiro e Solonópole.
Após as primeiras viagens de inspeção de campo, decidiu-se por razões
logísticas e econômicas concentrar as pesquisas de campo em apenas três
municípios: Milhã, Senador Pompeu e Deputado Irapuan Pinheiro. Para
detalhamento das intervenções e elaboração do primeiro Plano de Águas Municipal
foi selecionado o município de Milhã.
A Figura 6.1 mostra a localização da área do projeto no Mapa Político do
Brasil na América do Sul.
A Figura 6.2 apresenta o mapa do estado do Ceará com a localização dos
cinco municípios pesquisados.
102
Figura 6.1: Localização da área do projeto no Brasil e América do Sul.
103
Figura 6.2: Localização da área do projeto no Mapa Político do Estado do Ceará.
104
A Tabela 6.1 apresenta um sumário dos dados populacionais dos municípios
inicialmente pesquisados. A seleção dos municípios de Milhã, Deputado Irapuan
Pinheiro e Senador Pompeu para concentração da pesquisa de campo se deveu a
questões econômicas e de logística de deslocamento optando-se por:
• municípios de menor área geográfica a cobrir com a pesquisa;
• contiguidade espacial dos municípios;
• maior concentração de população rural;
• menor PIB per capita.
• menor índice de desenvolvimento humano.
TABELA - 6.1 Dados populacionais dos municípios inicialmente pesquisados
Município Pop. Total
População Urbana População Rural Área Densidade Demográfica
(hab) (hab) (%) (hab) (%) (Km²) (hab/Km²)
Dep Irapuan Pinheiro
9.094 4.131 45,4 4.963 54,6 470 19,3
Milhã 13.078 5.969 45,6 7.109 54,4 502 26,0 Quixeramobim 71.912 43.446 60,4 28.466 39,6 3330 21,6 Senador Pompeu
26.494 15.715 59,3 10.779 40,7 956 27,7
Solonópole 17.657 9.102 51,5 8.555 48,5 1536 11,5
(Fonte: IBGE, 2011)
6.2 Aspectos Fisiográficos do Município de Milhã
Apresenta-se a seguir as características fisiográficas do município de Milhã,
o qual foi selecionado para elaboração do primeiro PAM.
Temperatura:
A temperatura média do município varia entre 26 ºC a 28 ºC, com médias
máximas de 29 ºC e mínimas de 23 ºC.
Clima:
Tropical quente semiárido.
Pluviosidade:
A média anual é de 763 mm/ano. A Figura 6.3 mostra a variação anual de
precipitação no município de Milhã, referente ao posto pluviométrico da FUNCEME.
105
A Figura 6.4 mostra o histograma de variação média mensal de precipitação
no município.
Figura 6.3: Histórico da precipitação total anual em Milhã (Fonte: FUNCEME, 2011).
Figura 6.4: Variação da precipitação média mensal em Milhã.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
19
74
19
75
19
76
19
77
19
78
19
79
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
Pre
cip
itaç
ão (
mm
)
Ano
Histórico das Chuvas Anuais - Milhã
Total
Média Anual das Precipitações: 763.16
0.00
20.00
40.00
60.00
80.00
100.00
120.00
140.00
160.00
180.00
200.00
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Pre
cip
itaç
ão (
mm
)
Mês
Histograma de Precipitação
106
Vegetação:
A vegetação predominante é do tipo caatinga arbustiva densa. A Figura 6.5
mostra o aspecto da vegetação predominante na região.
Figura 6.5: Aspecto da vegetação de caatinga predominante na área do projeto.
(Milhã, 2009)
Relevo:
A altitude média é de 215 m. O relevo tem formas suaves e pouco
dissecadas da Depressão Sertaneja, um produto da superfície de aplainamento em
atuação a partir do Cenozóico. São observadas altitudes entre 200 e 500m.
Solos:
Os solos são litólicos, com ocorrência de Bruno não Cálcico, Planassolo
Solódico, Podzólico Vermelho-Amarelo e Regossolos.
Geologia:
Segundo dados da CPRM, na área somente ocorrem rochas antigas,
granitos, gnaisses e migmatitos do Pré-Cambriano. Podem ser encontradas também
107
pequenas manchas de colúvio (sedimentos conglomeráticos e arenosos), bem como
depósitos aluvionares nos leitos das drenagens principais. A Figura 6.6 mostra a
inserção do município de Milhã no embasamento geológico do Estado do Ceará.
Figura 6.6: Inserção do município de Milhã no embasamento cristalino do Estado do
Ceará. (Fonte: CPRM, 2008)
108
6.3 Aspectos Socioeconômicos
Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal
Para comparação socioeconômica entre os municípios pesquisados foi
empregado o índice IFDM preferencialmente ao IDH-m. O Índice Firjan de
Desenvolvimento Municipal (IFDM) nasceu em resposta à necessidade de se
monitorar anualmente o desenvolvimento socioeconômico de uma região,
considerando as diferentes realidades de sua menor divisão federativa: o município
(FIRJAN, 2011).
Emprego & renda, Educação e Saúde constituem as três esferas
contempladas pelo IFDM, todas com peso igual no cálculo para determinação do
índice de desenvolvimento dos municípios brasileiros. O índice varia de 0 a 1, sendo
que, quanto mais próximo de 1, maior será o nível de desenvolvimento da
localidade, o que permite a comparação entre municípios ao longo do tempo.
O IFDM distingue-se por ter periodicidade anual, recorte municipal e
abrangência nacional. Por ter recorte municipal, foram privilegiados os aspectos
básicos indispensáveis ao desenvolvimento local. A leitura dos resultados – seja por
áreas de desenvolvimento, seja pela análise dos índices finais – é bastante simples.
Com base nessa metodologia, estipularam-se as seguintes classificações:
a) municípios com IFDM entre 0 e 0,4 à baixo estágio de desenvolvimento;
b) municípios com IFDM entre 0,4 e 0,6 à desenvolvimento regular;
c) municípios com IFDM entre 0,6 e 0,8 à desenvolvimento moderado;
d) municípios com IFDM entre 0,8 e 1,0 à alto estágio de desenvolvimento.
As principais vantagens do IFDM em comparação com o IDH-m são:
(FIRJAN, 2011):
109
Enquanto o IFDM é anual, o IDH-m é decenal. Dessa forma, graças ao
IFDM, é possível assistir ao filme em vez de ver apenas fotos esparsas
a cada dez anos. Assim, o IFDM pode ser considerado uma ferramenta
de gestão pública, na medida em que permite o acompanhamento
sistemático da realidade dos municípios brasileiros.
O IFDM permite a comparação relativa e a absoluta entre municípios
ao longo do tempo, uma vez que sua metodologia possibilita
determinar com precisão se a melhora relativa ocorrida em
determinado município decorre da adoção de políticas específicas, ou
se o resultado obtido é apenas reflexo da queda dos demais
municípios. O IDH-m, por sua vez, permite apenas a comparação
relativa, pois as notas de corte são determinadas pela amostra do ano
em questão.
Enquanto o IFDM foi criado para avaliar o desenvolvimento dos
municípios, com variáveis que espelham, com maior nitidez, a
realidade municipal brasileira, o IDH-m é mera adaptação do IDH,
desenvolvido para analisar os mais diferentes países (FIRJAN, 2011).
A Tabela 6.2 apresenta para cada município da área do projeto o Índice
FIRJAN de Desenvolvimento Municipal, do ano de 2010, ano-base 2007.
TABELA - 6.2 Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal para os municípios da área do
projeto. Município IFDM
Global Emprego &
Renda Educação Saúde Ranking
Nacional Ranking Estadual
BRASIL 0,7478 0,7520 0,7083 0,7830 Mediana dos Municípios Brasileiros
0,6182 0,3679 0,6945 0,7712
Dep. Irapuan Pinheiro
0,5734 0,2447 0,6332 0,8422 3529º 78º
Milhã 0,5919 0,3305 0,7011 0,7440 3232º 53º Quixeramobim 0,6071 0,3302 0,7039 0,7872 2957º 37º Senador Pompeu
0,5695 0,3610 0,6022 0,7453 3583º 87º
Solonópole 0,5893 0,2552 0,7120 0,8007 3278º 58º
(Fonte: FIRJAN, 2011)
110
Índice de Desenvolvimento Humano
O IDH é um dos principais indicadores empregados pelos organismos
internacionais para classificação do estágio de desenvolvimento da sociedade e
economia de uma dada região ou País. O IDH serve de comparação para medir o
grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. O
IDH varia hipoteticamente de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1
(desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1 mais desenvolvido é o
país ou região. A classificação internacional considera que:
de 0 a 0,499: países com IDH baixo, indicativo de subdesenvolvimento;
de 0,500 a 0,799: países com IDH médio, indicativo de processo de
desenvolvimento;
de 0,800 a 1: países com IDH elevado, considerados desenvolvidos.
O IDH Global do Brasil é de 0,769 (PNUD 2007/2008), a capital do Estado
do Ceará, Fortaleza, apresenta um IDH = 0,786, enquanto que Milhã apresenta um
IDH de 0,632.
Indicadores Sociais
O Quadro 4 apresenta um conjunto de indicadores sociais de referência para
o município de Milhã.
111
QUADRO - 4
Indicadores demográficos e sociais de referência (Fonte: CEARÁ, 2011)
Economia Municipal
As receitas municipais de Milhã são da ordem de R$ 13.144.708,00
enquanto as despesas são da ordem de R$ 11.119.157,00, segundo o IBGE citando
como fonte os Registros Administrativos de 2007 da Secretaria do Tesouro Nacional
do Ministério da Fazenda.
O valor do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de Milhã para 2007
foi de R$ 6.420.219,51.
INDICADOR DATA
REFERÊNCIA
MILHÃ CEARÁ BRASIL
Dens idade demográfica 2004 24.88 50.91 19.92
Grau de urbanização 2004 38.79 71.53 81.25
Taxa de anal fabetismo (15 anos ou mais ) 2000 35.70 26.54 13.63
Cobertura de rede de abastecimento de água
(população urbana)
2000 94.00 79.08 88.5
Cobertura de rede de esgotamento sanitário
(população urbana)
2000 0.80 43.66 69.52
Cobertura de s is tema de coleta de l ixo
(população urbana)
2000 91.02 81.63 90.5
Número de óbitos em menores de 1 ano 2003 4.00 3431 57372
Taxa de mortal idade infanti l 2003 18.87 24.49 18.91
Taxa de mortal idade materna 2003 471.70 51.4 50.66
Posto de saúde 2004 8.00 394 11451
Centro de saúde 2004 3.00 1319 24457
Hospita is 2004 0.00 27 1624
Leitos hospita lares 2004 26.00 17185 420503
Leitos obstétricos 2004 2.00 2678 58523
Leitos pediátricos 2004 6.00 3446 64548
Leitos cl ínicos 2004 0.00 3942 94392
Leitos ci rúrgicos 2004 18.00 7118 203003
Leitos por habitante 2004 1.90 2.18 2.34
Indicadores Demográficos
Indicadores Socia is
Indicadores de Mortal idade
Indicadores de Cobertura Socia l
112
O PIB relativo ao ano de 2005 foi de R$ 35.796.000,00 correspondendo a
um PIB per capita de R$ 2.624,00. A distribuição do PIB na economia municipal é
apresentada na Figura 6.7.
Figura 6.7: Distribuição do PIB do município de Milhã. (Fonte: IBGE, 2009)
Produção Municipal
A economia é baseada no setor de serviços conforme mostrado na Figura
6.7 O setor agrícola é fundamentado na produção de algodão arbóreo e herbáceo,
banana, arroz, milho e feijão. A pecuária é baseada em bovinos, suínos e aves. As
indústrias são poucas mas correspondem a 9% do PIB municipal.
O Quadro 5 apresenta o sumário da produção agrícola municipal; O Quadro
6 apresenta o sumário da produção pecuária e o Quadro 7 o sumário das indústrias
de Milhã.
23%
9%
68%
Distribuição do PIB - Milhã
Agropecuária Indústria Serviços
113
QUADRO - 5
Sumário da produção agrícola de Milhã (Fonte: IBGE, 2008)
QUADRO - 6
Sumário da produção pecuária de Milhã (Fonte: IBGE, 2008)
ÁREA PLANTADA VALOR DA PRODUÇÃO
UNID. QUANTIDADE (ha) (R$)
Banana ton. 30 5 9000.00
Coco-da-bahia frutos 6000 1 2000.00
Laranja ton. 4 1 2000.00
Manga ton. 10 2 4000.00
Algodão herbáceo ton. 209 370 167000.00
Arroz ton. 181 270 109000.00
Cana-de-açucar ton. 64 2 4000.00
Feijão ton. 1146 4515 1570000.00
Mamona ton. 1 30 1000.00
Mandioca ton. 40 5 6000.00
Milho ton. 3894 6600 1558000.00
11801 3432000.00
PRODUÇÃO
Culturas Permanentes
PRODUTO
Culturas Temporárias
TOTAL
REBANHO
Bovinos
Eqüínos
Asininos
Muares
Suínos
Caprinos
Ovinos
Galos, frangos e pintos
Galinhas
Vacas ordenhadas
PRODUÇÃO UNID. QUANTIDADE
Leite de vaca 1000 litros 3538
Ovos de galinha 1000 dúzias 176
Mel de abelha Kg 1050
3260
18000
Nº CABEÇAS
1070
1400
627
3220
16060
22300
25500
3945
114
QUADRO – 7
Sumário da produção industrial de Milhã (Fonte: IBGE, 2008)
TIPONº UNIDADES PESSOAL
OCUPADO
PESSOAL
ASSALARIADO
SALÁRIOS (R$)
Industria de Tranformação 15 35 16 94000.00
115
7 ESTRUTURA DO PAM
Conforme a proposta original do autor, a elaboração de um Plano de Águas
Municipal deve obedecer a uma sequência de 12 atividades indicadas na Figura 7.1.
Figura 7.1: Doze passos para elaboração de um PAM.
Descreve-se a seguir, os detalhes concernentes a cada passo de construção
do PAM.
1-Realização de diagnóstico tecnológico
e social em campo
2-Caracterização geral do município
3-Estudo dos recursos hídricos no âmbito do
município
4-Análise do diagnóstico de
abastecimento das comunidades
5-Classificação das comunidades em
categorias de criticidade
6-Agrupamento das comunidades críticas em blocos geográficos
7-Visita a campo nas comundiades críticas
para seleção da prioritária para
intervenção
8-Estudo de soluções e propostas de
intervenção para as comunidades críticas
9-Orçamento das intervenções na escala
local
10-Balanço hídrico municipal e proposta
de intervenção na escala municipal
11-Consolidação dos custos e hierarquização
de intervenções propostas
12-Proposta de alternativas de
modelos gerenciais
116
Passo 1: Realização de Diagnóstico Tecnológico e Social de Campo
O diagnóstico de campo é a etapa inicial e a mais importante do PAM, uma
vez que o sucesso de todas as demais etapas depende diretamente da acuidade da
informação obtida em campo.
Ele se divide em dois componentes distintos, porém concomitantes: o
diagnóstico tecnológico e o diagnóstico social.
A pesquisa tecnológica tem por objetivo fazer um completo diagnóstico das
soluções de abastecimento de todas as comunidades do município, a partir de um
conjunto de 3 casas (sítios), identificando todas as aglomerações rurais e urbanas
que apresentem uma denominação própria que seja reconhecida pela população de
entorno, mesmo que informalmente.
Deve ser elaborado uma lista de checagem (check list) das informações
necessárias. A lista de informações sugeridas é apresentada a seguir:
1) Identificação da comunidade;
2) Levantamento das coordenadas da comunidade em GPS;
3) Levantamento do número de famílias da comunidade;
4) Identificação e coordenadas da(s) fonte(s) de abastecimento
público de água;
5) Levantamento das características físicas da(s) fonte(s) de
abastecimento:
No caso de açude:
- Nome do açude;
- Proprietário ou órgão responsável pela manutenção e/ou
construção;
- Localização em GPS;
- Volume aproximado;
117
- Altura da barragem;
- Altura máxima de acumulação entre o pé de jusante da barragem e
a cota do sangradouro (vertedor);
- Fotografia da fonte hídrica.
No caso de poço amazonas:
- Proprietário;
- Localização em GPS;
- Diâmetro do poço;
- Profundidade;
- Tipo de equipamento para captação da água ( sistema manual ou
bomba);
- Potência da bomba
- Fotografia da fonte hídrica.
No caso de poço profundo:
- Proprietário;
- Localização em GPS;
- Diâmetro do poço;
- Profundidade;
- Potência da bomba;
- Vazão e altura manométrica da bomba (se estiver disponível);
- Fotografia da fonte hídrica.
Outras fontes:
- Especificar o tipo de fonte;
118
- Proprietário;
- Localização em GPS;
- Equipamento empregado para captação da água;
- Fotografia da fonte hídrica.
6) Levantamento das características físicas do sistema de adução de
água:
- Descrição do sistema de adução de água;
- Coordenadas em GPS do início e fim da adutora;
- Descrição das características físicas da tubulação (diâmetro,
material, etc.);
- Localização de reservatórios;
7) Levantamento dos projetos, planos e das propostas de
abastecimento da comunidade elaboradas por:
- Prefeitura Municipal;
- Associações de Moradores e similares;
-Organizações não governamentais.
Todas as informações coletadas no diagnóstico tecnológico de campo
devem ser implantadas numa base de dados constituída por pelo menos cinco
aplicativos computacionais:
• Banco de dados tabular Access® e Excel®, ou similar;
• Sistema de georreferenciamento ArcGIS® ou similar;
• Mapa digital na escala 1:100.000 originário das cartas da SUDENE, em
autoCad®;
• Inserção em imagem de satélite digital on line Google Earth®.
119
O tratamento destas informações em banco de dados tabulares e
georreferenciado é a base fundamental para elaboração das propostas de
intervenções do PAM e influirá em todas as demais etapas.
Por sua vez o diagnóstico social compreende a realização de cinco etapas
que podem ser resumidas na sequência mostrada na Figura 7.2.
Figura 7.2: Etapas do diagnóstico social. (Adaptada de Daniele Costa, 2010)
A primeira etapa do diagnóstico social compreende uma visita exploratória
aos municípios que serão alvo da elaboração de PAM’s. Devem-se percorrer
preferencialmente as rotas rurais de abastecimento com carros-pipa, nas quais se
encontram as comunidades alvo das futuras intervenções com soluções de
abastecimento. Esse primeiro reconhecimento de campo é fundamental para as
atividades de planejamento do trabalho de pesquisa junto às comunidades.
A segunda etapa consiste no levantamento secundário de dados,
informações e mapas dos municípios a serem objeto de PAM’s para subsidiar os
planejamento e compreender melhor a socioeconomia local.
A terceira etapa corresponde à realização de um diagnóstico institucional no
âmbito do Estado, o qual poderá servir para a elaboração de todos os PAM’s
municipais.
Viagem exploratória aos municípios selecionados
Levantamento de dados, informações e mapeamento dos municípios
Realização de diagnóstico institucional estadual
Realização de diagnóstico institucional municipal
Diagnóstico das soluções comunitárias e definição das comunidades a serem alvo de intervenção
120
A quarta etapa consiste da realização do diagnóstico institucional ao nível
municipal, identificando todos os atores governamentais e sociais que possam influir
de alguma forma nas tomadas de decisão afeitas à elaboração dos PAM’s.
O quinto passo é o diagnóstico ao nível de comunidade, entrevistando
famílias, lideranças locais informais e dirigentes de associações comunitárias,
sindicatos de trabalhadores e agentes de saúde com atuação na comunidade. Nesta
etapa é essencial se obter o conhecimento do funcionamento das relações sociais e
políticas entre os membros e lideranças da comunidade e entender as relações de
poder pré-existentes; os conflitos sociais; as segmentações e estratificações
comunitárias e suas relações com as comunidades vizinhas.
Uma etapa importante do diagnóstico técnico-social deve ser focada na
visão funcional, social e institucional da prestação do serviço de abastecimento
visando subsidiar a seleção do futuro modelo gerencial das intervenções propostas,
onde caberia uma avaliação do:
a) Funcionamento e sustentabilidade (operacional e financeira) do serviço no
nível local;
b) Potencial da organização social local;
c) Potencial da estrutura municipal para o apoio às comunidades na operação,
manutenção e sustentabilidade do serviço.
Para tanto é necessário que o diagnóstico ofereça uma visão funcional
prévia das diversas possibilidades de prestação dos serviços, levantando
informações do tipo sugeridas por Rocha (2011):
i. Como a comunidade se organiza, suas particularidades sociais e
econômicas;
ii. Como a comunidade realiza o funcionamento do sistema, caso já seja
existente, detalhando se:
(a) se há um operador escolhido por eles, ou se é contratado pela
Prefeitura;
(b) se há remuneração do operador e quanto custa;
121
(c) se existe algum automatismo no funcionamento de bombas ou se o
processo é totalmente manual;
(d) se existe um controle mínimo da qualidade da água quando existir um
sistema de tratamento coletivo ou se o tratamento da água é ao nível
domiciliar individual;
iii. Como a comunidade resolve as situações de pane (queima de bomba,
avaria de poços, rompimento de tubulação ou outros) ou mesmo na situação de
estiagem crítica e qual é o tempo médio em que o problema permanece até a sua
resolução;
iv. Qual é a relação da Prefeitura com a prestação do serviço, em termos
de aporte financeiro, apoio técnico ou outro tipo de apoio;
v. Quais são os custos do serviço (operador, energia, produtos químicos,
matérias hidráulicos e elétricos), quem custeia o que, indicando:
(a) sendo a comunidade, qual é a forma e o valor médio de arrecadação
do custeio, e;
(b) sendo do município, quais são os mecanismos usados;
vi. Qual é o potencial da estrutura municipal para apoio a comunidade,
entre os quais:
(a) se existe setor ou pessoa de apoio específico aos serviços rurais;
(b) se existe técnico elétrico / eletromecânico próprio da Prefeitura ou
ainda no município (terceiros);
(c) se existe ação da Vigilância sanitária no controle ou apoio em termos
da qualidade da água;
(d) outro tipo de apoio e informação que seja relevante.
Passo 2: Caracterização Geral do Município
Consiste no levantamento de dados de origem secundária sobre o município
incluindo:
- Dados populacionais e demográficos;
122
- Estudos climáticos;
- Estudos fisiográficos;
- Estudos hidrológicos;
- Estudos socioeconômicos;
- Base cartográfica disponível em diversas escalas, preferencialmente nas
escalas 1:100.000 (base da SUDENE); 1:25.000 (base do INCRA) e escala
1:10.000, quando existente.
Passo 3: Estudo dos Recursos Hídricos no Âmbito Municipal
Este estudo visa conhecer qual é a oferta hídrica disponível no âmbito do
município, incluindo as reservas superficiais e as reservas subterrâneas. Este estudo
deve caracterizar os mananciais que servirão de possível fonte de abastecimento
para as comunidades rurais e urbanas contempladas no PAM.
Constitui tarefa essencial nos estudos hidrológicos que o município seja
subdividido em sub-bacias hidrográficas, levando em conta pequenos riachos
considerados a partir da 3ª ordem conforme a classificação de Horton-Strahler,
segundo a definição seguinte: Ordem 1, são as correntes formadoras ou primeiros
canais sem nenhum tributário; Ordem 2, quando se unem dois canais de Ordem 1;
Ordem 3, quando se unem dois canais de Ordem 2; Ordem 4, quando se unem dois
canais de Ordem 3; etc.
123
A divisão do território municipal em sub-bacias hidrográficas tem as
seguintes finalidades:
- Definir os recortes hidrológicos da distribuição dos mananciais no território
municipal, procurando identificar as sub-bacias que apresentam “vazios hídricos”;
- Descrever a rede potamográfica inserindo a sequência de reservatórios
superficiais (açudes) de montante para jusante, visando auxiliar aos estudos de
impactos quantitativos decorrentes da possível construção de novos reservatórios e
dos impactos negativos na qualidade da água devido a possíveis fontes poluidoras a
montante de cada reservatório;
- Determinar as bacias hidrográficas estaduais em que se inserem as sub-
bacias hidrográficas do território municipal;
- Permitir a avaliação da potencialidade dos deflúvios por sub-bacia
municipal;
O detalhamento do recorte hidrológico das sub-bacias municipais dentro das
bacias estaduais é importante em função do aspecto relacionado à gestão das
águas das sub-bacias que poderão ficar sob a jurisdição de diferentes Comitês
Estaduais de Bacia e diferentes Gerências Regionais da COGERH. Apesar de a
base legal e institucional da gestão ser a mesma para qualquer bacia estadual, os
atores sociais presentes nos comitês de bacia podem adotar posturas deliberativas
divergentes, principalmente quanto à discussão sobre incremento de oferta hídrica e
transposição de águas de uma bacia para outra.
As reservas hídricas superficiais devem ser avaliadas determinando-se,
mesmo que estimativamente, a capacidade de regularização de cada reservatório
com capacidade de acumulação próxima ou acima de 1 hm³ para níveis de garantia
de 90%, 95% e 99%. Para determinação da capacidade de regularização de
reservatórios no semiárido com 90% de garantia pode ser empregado o Método do
Diagrama Triangular de Regularização – DTR (CAMPOS, 2005) que pela sua
simplicidade e facilidade de aplicação se mostra como um dos mais viáveis ao nível
124
de planejamento. Para garantias maiores recomenda-se o emprego de programas
computacionais como o SIMRES (CAMPOS, 2000).
As reservas subterrâneas devem ser também avaliadas recomendando-se a
consulta ao acervo de poços do município cadastrados no sistema SIAGAS (CPRM
,2011).
Recomenda-se ainda uma consulta aos Planos Diretores de Bacia e Planos
de Gerenciamento de Bacia, além do PLANERH, disponíveis nos sítios da COGERH
e SRH-Ce.
Os mananciais devem ser hierarquizados quanto à capacidade de
regularização de vazão e informações disponíveis sobre a qualidade da água,
principalmente os poços perfurados no cristalino e açudes construídos em solos do
tipo solonezt solodizados ou similar. A superposição da camada (layer) dos
mananciais sobre um mapa de solos georreferenciado ajudará bastante numa
inferência preliminar sobre a qualidade (salinidade) de determinado manancial
superficial. Os poços subterrâneos perfurados no cristalino geralmente possuem
informações quanto à condutividade elétrica medida pelo construtor. Quando não
houver tal informação, recomenda-se a medição da condutividade elétrica em campo
por meio de condutivímetro.
Todas as informações hidrológicas disponíveis devem ser inseridas na base
de dados georreferenciada permitindo a localização facilitada da fonte hídrica mais
próxima das comunidades rurais que possivelmente virá a atender com suprimento
hídrico.
Passo 4: Análise do Diagnóstico de Abastecimento das Comunidades
Corresponde à realização de uma análise detalhada das soluções atuais de
abastecimento empregadas em cada comunidade, à luz dos dados do diagnóstico
de campo.
Devem ser hierarquizadas as fontes primárias, secundárias e terciárias de
abastecimento, identificando a matriz de soluções utilizadas pela comunidade para
seu suprimento hídrico.
Passo 5: Classificação das Comunidades em Categorias de Criticidade
125
Com base no passo 3, classificam-se as comunidades em quatro categorias,
a saber:
-Situação Crítica: São aquelas comunidades que não disponham de uma
fonte segura de abastecimento hídrico primária e são caracterizadas pela
dependência total de cisternas e abastecimento com carro pipa no segundo
semestre para suprimento às famílias;
-Situação deficitária: São aquelas comunidades que possuem alguma fonte
hídrica de abastecimento primário e/ou sistema precário de abastecimento d’água
com funcionamento deficiente requerendo melhorias, quer seja na fonte primária de
abastecimento, quer seja no sistema implantado;
-Situação Satisfatória: São aquelas comunidades que apresentam sistema
de abastecimento público ou privado d’água suportado por manancial primário
seguro ostentando água o ano inteiro de qualidade satisfatória;
-Situação Boa: São aquelas comunidades ou zonas urbanas que possuem
sistema público de abastecimento em boas condições operacionais correspondendo
normalmente aos centros urbanos das sedes municipais ou distritos de maior
envergadura.
Passo 6: Agrupamento das Comunidades Críticas em Blocos Geográficos
A prioridade de solução do problema de abastecimento deve ser dado
àquelas comunidades classificadas na categoria crítica segundo o conceito indicado
no passo 5.
Elas devem ser mapeadas em sistemas georreferenciado e agrupadas, tanto
quanto possível, por blocos geográficos de comunidades adjacentes.
O emprego de sistema georreferenciado permitirá identificar as fontes
hídricas mais próximas dos grupos de comunidades e a elaboração de uma
avaliação preliminar sobre a possibilidade de integração de sistemas de
abastecimento coletivos tomando partido de uma possível economia de escala
visando, sobretudo, minimizar o custo de operação e manutenção do sistema.
Passo 7: Visita a Campo nas Comunidades Críticas para Seleção da
Prioritária para Intervenção
126
Considerando que a universalização do abastecimento d’água de todas as
comunidades rurais de todos os municípios inseridos no semiárido cearense
implicará num valor de investimento equivalente a centenas de milhões de dólares,
um faseamento da implantação dos sistemas de abastecimento é praticamente
inevitável.
Assim, torna-se necessário desde a concepção da planificação a ser
desenvolvida no âmbito do PAM, que seja feita uma hierarquização de comunidades
a serem prioritariamente atendidas com a implantação de sistemas sustentáveis de
abastecimento.
A seleção das comunidades prioritárias para intervenção deve começar com
uma visita a campo da equipe técnica e social responsável pela elaboração do PAM
em todas as comunidades classificadas como críticas.
Durante a visita devem ser levantadas informações complementares ao
diagnóstico de campo junto aos moradores e lideranças locais sobre as possíveis
soluções e as propostas pensadas e sugeridas pela própria comunidade. Os
aspectos sociais e políticos locais relacionados com a rede de poder e o acesso à
água devem ser amplamente e cautelosamente investigados.
Deve-se buscar obter percepções subliminares sobre a viabilidade do
compartilhamento de fontes hídricas com comunidades vizinhas; histórico de
conflitos pré-existentes; identificação dos principais atores sociais; e demais
informações que possam servir de base para uma completa caracterização da
dinâmica social local e regional.
Passo 8: Estudo de Soluções e Propostas de Intervenção para as
Comunidades Críticas
Corresponde aos estudos técnicos de engenharia sobre as alternativas para
solução do problema do abastecimento das comunidades críticas, quer seja
agrupadas em bloco, quer seja em sistemas individualizados por comunidade
isolada.
Obviamente deve ser dada preferência às soluções coletivas que impliquem
numa economia de escala de investimento e, sobretudo, de operação e
manutenção. Entretanto, caso as soluções coletivas não se mostrem viáveis, deve-
se recomendar minimamente a construção de soluções individuais por família, tal
como as cisternas.
127
Especial atenção deve ser dada com relação aos custos de energia e
tratamento da água a ser fornecida à população, os quais são os que mais impactam
a planilha de custos operacionais dos sistemas coletivos.
Qualquer que seja o tipo de opção tecnológica a ser adotada deve ter seu
custo de operação e manutenção avaliado por uma estimativa mais próxima possível
da realidade com base nos elementos disponíveis.
Com base nas duas pesquisas de campo, a primeira conduzida pelo GGRC
em 154 comunidades de três municípios do sertão central do Ceará e, a segunda,
nas 325 comunidades distribuídas em trinta e três municípios das onze bacias
hidrográficas do Estado, de acordo com os estudo CARCP da SDA (CEARÁ, 2010),
é absolutamente correto afirmar que deve ser descartada qualquer solução
tecnológica que acarrete em custos de operação e manutenção, cujo rateio pelas
famílias, implique numa tarifa individual superior a R$ 10,00/mês, para um consumo
base de 10.000 L/família.
As pesquisas indicaram que esta tarifa de R$ 10,00/mês corresponde ao
limite da disposição a pagar pela água fornecida para as famílias da zona rural do
Ceará. É possível que a população de alguma comunidade em particular admita
pagar valor superior a este valor para consumo de água, mas seria uma exceção
rara da regra.
No caso de soluções individuais do tipo cisterna, é conveniente fazer um
dimensionamento adequado para cada caso. A adoção simplesmente de cisternas
de placas do tipo padronizado pelo MDS de 16 m³ pode não solucionar o problema
do abastecimento das famílias (SILVA et al, 2009).
As alternativas de abastecimento devem ser estudadas e hierarquizadas
comparando-se somente os custos das obras não comuns entre as alternativas.
A seleção da alternativa vencedora deve considerar critérios econômicos de
relação custo/benefício e, sobretudo, do menor custo de O&M, porém este processo
não deve ser decidido apenas pelos técnicos. É imperativo e essencial que a
alternativa vencedora seja discutida num ambiente de informação plena e de
transparência com a comunidade, e a decisão final cabe à mesma.
É comum os técnicos tentarem influenciar a seleção daquela alternativa que
julgam ser a mais apropriada do ponto de vista técnico, mas este procedimento deve
ser evitado de qualquer forma.
128
Passo 9: Orçamento das Intervenções na Escala Local
Corresponde à elaboração do orçamento das soluções de abastecimento
das comunidades ao nível local. O orçamento ao nível do PAM deve ser calculado
com base no pré-dimensionamento das obras e equipamentos calculados ao nível
de estudo de anteprojeto ou viabilidade.
O PAM não tem a função de apresentar detalhamento ao nível de Projeto
Básico para licitação de obras. Esta função de elaborar o Projeto Básico
corresponde a uma etapa posterior pós-PAM que deverá ser conduzido pela
autoridade pública responsável pelo programa de universalização do abastecimento
e/ou pela própria associação comunitária, com financiamento do Governo, tal como
hoje ocorre no Projeto São José da SDA.
Passo 10: Balanço Hídrico Municipal e Proposta de Intervenção na Escala
Municipal
Apesar do PAM ter o foco centrado no abastecimento de pequenas
comunidades rurais entre 3 e 50 famílias deve ser feito um estudo de balanço hídrico
global na esfera do município considerando o abastecimento da sede municipal e de
distritos e comunidades maiores, uma vez que a ideia é prover um Plano de Águas
adequado a todo o município.
Dessa forma, faz-se necessário também ter um diagnóstico da situação de
abastecimento da sede municipal e dos distritos para propor melhorias concernentes
principalmente ao incremento de oferta hídrica.
O PAM não deve propor soluções de abastecimento d’água para a sede e
distritos municipais, mas deve avaliar a necessidade de intervenções que visem a
garantir a oferta hídrica em quantidade e qualidade para toda a população do
município, daí, a execução de um balanço hídrico entre a oferta disponível e a
demanda de abastecimento da população é uma atividade inerente ao PAM.
Caso haja possibilidade de propor intervenções na escala municipal
destinadas ao incremento da oferta hídrica que não esteja contemplada no Plano
Diretor da bacia hidrográfica em questão, o PAM pode incorporar a proposta que
deve ser levada ao debate com o respectivo Comitê de Bacia pelos órgãos de
129
gestão. Entretanto, o papel do PAM deve ser apenas o de sinalizador da proposição,
mas não deve colocar tais propostas como atividade fim do plano.
Passo 11: Consolidação dos Custos e Hierarquização de Intervenções
Propostas
Este passo consolida os custos de todas as intervenções propostas pelo
PAM, tanto ao nível local de comunidade quanto ao nível de possibilidade de
incremento de oferta hídrica, e define a hierarquia de implantação das intervenções
propostas, priorizando as comunidades críticas e as soluções coletivas que
apresentem economia de escala e beneficiem o maior número de famílias possível.
A hierarquização é uma tarefa técnica, porém, seu resultado deve ser
informado de forma transparente e debatido com a sociedade local visando corrigir
distorções introduzidas pelo desconhecimento das nuances locais.
Assim, recomenda-se que após a elaboração do processo técnico de
consolidação dos custos, a hierarquização das intervenções seja discutida num
fórum municipal contando com a participação das comunidades interessadas, da
sociedade civil e do poder público, para o qual sejam convidados os Comitês de
Bacia hidrográfica onde se insere o município.
Passo 12: Proposta de Alternativas de Modelos Gerenciais
Constitui no último passo e, talvez, o mais importante do PAM, pois
representa o cerne da sustentabilidade das proposições, tal como foi amplamente
discutido na sua fundamentação teórica no capítulo 5 (Item 5.2.2.2).
A definição do modelo gerencial vai depender de fatores afeitos à
organização social das comunidades e da organização institucional e política dos
municípios.
A proposição de um modelo polimorfo e policêntrico de gestão (SOUZA
FILHO & ENÉAS DA SILVA, 2010; FALK, BOCK & KIRK, 2009; OSTROM, 2005,
2009) que seja adaptado à realidade local constitui em fator essencial para garantir a
sustentabilidade de longo prazo dos sistema implantados.
O desenho do modelo de gerenciamento a ser adotado deve ser composto
com base na seguinte matriz de condições indicadas no Quadro 8, o qual deve ser
completado e analisado para cada sistema a ser implantado.
130
Compõe a matriz o conjunto de colunas: o tipo de modelo de gerenciamento;
os condicionantes primários necessários; os fatores de decisão; as vantagens; as
desvantagens; as dificuldades e as potencialidades.
Os tipos de modelos de gerenciamento conforme são apresentados no
Quadro 8, podem ser, por exemplo:
• Autogestionário (a própria comunidade administra o sistema);
• Municipal por administração direta;
• Municipal por Serviço Autônomo de Água e Esgoto;
• Municipal por concessão a iniciativa privada;
• Estadual por companhia de saneamento;
• Estadual por Sisar;
• Estadual por autarquia especificamente criada para gerir o saneamento
rural;
• Administração híbrida pela comunidade com suporte técnico municipal;
• Administração híbrida do Sisar com suporte financeiro complementar do
município.
Exemplificando os elementos da matriz para o modelo Autogestionário
podemos citar:
• Condicionantes primários:
- o elevado capital social da comunidade;
- o sistema ter tecnologia adequada aos padrões aceitos pela comunidade;
- a existência de fonte hídrica segura;
131
QUADRO – 8
Matriz de Condições e Análise para o Modelo de Gerenciamento
Tipo de
Modelo de
Gerenciamento
Condicionantes
primários
Fatores de
Decisão
Vantagens Desvantagens Dificuldades Potencialidades
Autogestionário
Municipal por
administração
direta
Municipal por
SAAE
Municipal por
Concessão
Privada
Estadual por
Companhia de
Saneamento
Estadual por
Sisar
Estadual por
Autarquia
Híbrido
Municipal e
Comunitário
Híbrido
Municipal e
Sisar
Outro
132
• Fatores de decisão para o sistema Autogestionário:
- Bom nível de organização associativa;
- Elevado grau de participação popular nas tomadas de decisões sobre a
implantação do sistema;
- Presença na comunidade de pessoal apto para receber capacitação e
treinamento para operar o sistema e que tenha disponibilidade para exercer essa
função;
- As famílias tenham capacidade de pagamento pelos serviços de
fornecimento de água;
- Haja uma disposição a pagar a tarifa de água que minimize a
inadimplência;
- Controle social adequado da administração do sistema;
- Presença de lideranças substitutas na comunidade capazes de suceder os
dirigentes atuais e dar continuidade à operação do sistema sem queda na qualidade;
- etc.
• As vantagens da autogestão podem ser, por exemplo:
- Independência quanto ao poder público para operação e manutenção do
sistema;
- Longevidade do sistema implantado.
• As desvantagens podem ser, por exemplo:
- Suscetibilidade da organização comunitária à sucessão de dirigentes e
conflitos de lideranças;
- Recursos escassos para expansão da oferta a novos usuários;
• Exemplos de dificuldades:
- Conflitos políticos com os gestores públicos municipais;
- Dificuldade para acesso à fonte hídrica de boa qualidade
• Potencialidades:
- Existência de fonte hídrica garantida próxima à comunidade;
- Conformação topográfica e geológica favorável à implantação das obras
com baixo custo de investimento e O&M;
- Existência de lideranças experientes e comprometidas com o processo.
133
A construção de um modelo de gestão sustentável adaptado às diferentes
realidades observadas nas comunidades em campo deve observar os princípios de
sustentabilidade aqui descritos no capítulo 5 (Item 5.2.2.2) e tentar alcançar a
máxima eficiência social e econômica no gerenciamento dos sistemas.
Uma das prerrogativas para se alcançar a sustentabilidade de longo prazo
no gerenciamento dos sistemas de abastecimento rural visando garantir a
universalização do acesso à água para toda a população é não se deixar levar por
preconceitos políticos discriminatórios, ideológicos ou partidários, considerando o
universo da população do município como seu alvo de atingimento. Esta seria a
condição sine qua non para obtenção do sucesso desejado.
134
8 A EXPERIÊNCIA DO PAM DE MILHÃ
8.1 Considerações Gerais
O PAM de Milhã correspondeu a um projeto piloto que foi produto da
ideia original oriunda da pesquisa que vinha sendo desenvolvida desde o ano
de 2009 pelo GGRC/UFC/CWC no sertão central do Estado do Ceará,
investigando as condições que poderiam permitir a universalização e a
sustentabilidade hídrica do abastecimento humano para pequenas
comunidades rurais no semiárido cearense.
O PAM visou prover o município de Milhã com um instrumento de
planejamento de ações para a busca desta universalização do abastecimento
de água potável à população das comunidades rurais de seu território, de
acordo com os preceitos previstos no Artigo 2º da Lei Federal Nº 11.445 de 05
de janeiro de 2007, a Lei do Saneamento Básico, que propôs as Diretrizes
Nacionais para o saneamento básico e para a Política Federal de Saneamento
Básico.
A elaboração do PAM representou para Milhã a colocação da meta de
universalização do abastecimento rural na agenda prioritária do município, tal
foi o grau de aceitação do plano pelos gestores municipais. A Figura 8.1
apresenta a capa do primeiro Plano de Águas Municipal e a Figura 8.2 uma
fotografia do evento de lançamento deste na cidade de Milhã.
135
Figura 8.1: Capa do PAM de Milhã. 2010.
7
Figura 8.2: Fotografia do evento de lançamento do PAM (Milhã, 18/11/2010)
As etapas empregadas para elaboração do PAM de Milhã
corresponderam aos mesmos doze passos indicados na Figura 7.1. Há pouca
136
diferença metodológica entre a descrição dos passos indicados no capítulo 7 e
as ações executadas e indicadas no PAM de Milhã. As diferenças mais
significativas dizem respeito ao detalhamento do modelo de gestão adaptável
para as comunidades alvo de intervenção, os quais não foram propostos no
PAM de Milhã.
8.2 Diagnóstico das Comunidades
O PAM de Milhã apresentou um detalhado diagnóstico das soluções de
abastecimento de cada comunidade. A Figura 8.3 apresenta um mapa geral
das comunidades levantadas em Milhã.
Figura 8.3: Mapa das comunidades de Milhã. 2010.
Na pesquisa de campo foram diagnosticadas em Milhã 84
comunidades rurais e urbanas incluindo a sede municipal e os distritos
maiores, tendo sido levantado um universo de 3.324 famílias no município.
137
Considerando que a população total do município segundo dados do
IBGE 2011 é de 13.078 pessoas, isso implica numa taxa de 3,93 pessoas/casa
ou família, que pode ser considerada baixa para os padrões nordestinos de
outrora.
No entanto, se observa realmente uma tendência de emigração da
população jovem em busca de trabalho e estudos em centros urbanos mais
avançados de acordo com as entrevistas com os moradores, sobretudo, na
zona rural.
Análise do Diagnóstico de Milhã 8.2.1
A Figura 8.4 resume os principais aspectos do diagnóstico global
obtidos pela pesquisa de campo por ocasião da elaboração do PAM de Milhã.
Figura 8.4: Ensinamentos da pesquisa de campo nas comunidades rurais de
Milhã.
Campo Exploratório
de Milhã
Questão do acesso à água x propriedade da
terra
Multiplicidade de usos e soluções de
abastecimento
O capital social acumulado é fator
de definição na estratégia de ação
As soluções são heterogêneas privilegiando
pequenos custos e apresentando
pouca sustentabilidade
Dicotomia entre a solução com cisternas e a
dependência do carro pipa
As vicissitudes no campo político
são definidoras do acesso ou nâo à
água
138
O primeiro aspecto destacado na Figura 8.4 foi com relação à questão
do acesso à água versus a propriedade da terra. A grande maioria dos
pequenos açudes do município que, embora pequenos, possuem uma
capacidade de regularização mínima para atender ao consumo de até 50
famílias, ou seja, até 0,35 l/s de vazão regularizada (considerando um consumo
per capita de 120 l/hab/dia), são controlados por proprietários de terra que
facilitam ou impedem o acesso à água.
Normalmente estes pequenos reservatórios tem a função de produção
econômica para dessedentação animal ou irrigação de culturas de pequena
escala ou de subsistência familiar. O problema é mais grave em Milhã devido
ao fato de o município ser considerado a segunda maior bacia de gado leiteiro
do estado, segundo comentários de moradores e da própria Prefeitura
Municipal de Milhã, a qual apostou placa na entrada da cidade com os dizeres:
“ Bem vindo a Milhã, terra do leite”.
A presença de gado para dessedentação nos pequenos açudes
compromete sua qualidade para abastecimento humano, requerendo
tratamento convencional que encarece os custos de operação e manutenção
do sistema de abastecimento que venha a ser implantado.
O acesso à água para as comunidades depende da relação política
delas com o dono da terra. Não há reconhecimento, seja por parte dos
proprietários, seja por parte da própria população necessitada da água, do
direito constitucional à água para beber. A quebra desta relação de posse não
é possível sem a intervenção do poder público para fazer cumprir as normas
legais existentes.
Além disso, foi observada uma apropriação indevida de mananciais
construídos com recursos públicos por parte dos mais abastados com base na
tradição política local de origem secular. Somente por meio do
empoderamento legal as comunidades poderiam acessar certos mananciais
privatizados pelos controladores da rede de poder local.
O segundo aspecto é que não havia uma solução única de
abastecimento para todos os usos da água para as comunidades rurais
difusas. A tendência era de haver sempre uma dependência de múltiplas fontes
de abastecimento diversificadas pela natureza do uso.
139
O terceiro aspecto é com relação ao capital social das comunidades e
suas estratégias de ação. Quase todas as comunidades que solucionaram
seus problemas de abastecimento e que estão classificadas nas categorias
entre deficitária e em boa situação, possuem um razoável nível de
associativismo militante.
Quanto maior fosse a conexão dos membros da comunidade com
instituições da sociedade civil, tais como os sindicatos de trabalhadores rurais,
segmentos ativistas sociais da igreja e outras organizações não
governamentais, maior era o grau de propensão à solução definitiva do
problema do abastecimento. Isto pôde ser observado mesmo nas comunidades
em situação crítica que possuíam cisternas de placas oriundas dos programas
Dom Helder Câmara e P1MC.
O quarto aspecto é relativo à heterogeneidade de soluções
tecnológicas privilegiando o baixo custo de operação e manutenção, porém
com pouca sustentabilidade. A ignorância técnica no dimensionamento dos
pequenos sistemas privados de abastecimento tem sido um dos fatores que
mais comprometem a sustentabilidade de acordo com a análise efetuada.
Por exemplo, é possível que haja um padrão induzido por comerciantes
de bombas que atendem aos usuários locais de que a bomba ideal para
qualquer situação é a bomba de 3 CV de potência, que aparece na grande
maioria das fichas de campo (check list) do diagnóstico tecnológico.
No projeto de abastecimento de Ingá, implantado como parte da
pesquisa pelo GGRC em Milhã, para uma altura manométrica de 30 m e uma
vazão para abastecer 13 famílias a potência da bomba necessária foi de
apenas ½ CV. Levando em conta a proporcionalidade direta do custo de
energia em relação à potência do conjunto moto-bomba, se pode constatar ser
esta uma das razões pela não sustentabilidade dos pequenos sistemas
comunitários implantados sem um projeto técnico eficiente.
O quinto aspecto é a dicotomia entre a construção de cisternas e a
contínua dependência do carro pipa. A principal alegação dos defensores dos
programas de implantação de cisternas de placas é a garantia do
abastecimento das comunidades rurais difusas do semiárido com água de
chuva de boa qualidade sem depender mais do abastecimento com carro pipa.
140
O que se pôde constatar na pesquisa do diagnóstico é que o programa
de cisternas não tem resolvido essa dependência em quase nenhuma das
localidades diagnosticadas como crítica. Há equívocos conceituais no modelo
de implantação do programa, principalmente no que diz respeito aos critérios
de espacialização do programa nas comunidades sem atender à universalidade
das casas e dos critérios de seleção e elegibilidade dos beneficiários que
reduzem a garantia de sua sustentabilidade e causam a dependência
continuada do abastecimento com carro pipa, mesmo para anos considerados
de “bom inverno” pelos agricultores.
Por último, há de se considerar as vicissitudes ou alternâncias do
campo político que modificam as relações de dependência, assistencialismo e
clientelismo ainda reinantes e arraigadas na cultura política local. Há um
percebível direcionamento dos recursos de programas governamentais de
origem federal ou estadual para comunidades alinhadas aos detentores
momentâneos do poder político. Comunidades outrora assistidas por
adversários políticos tendem a ser relegadas ao segundo ou terceiro plano pelo
poder hegemônico de momento, causando a insustentabilidade ou mesmo a
inviabilidade de sistemas implantados pelo abandono destes.
Recursos Hídricos Municipais em Milhã 8.2.2
No PAM de Milhã os recursos hídricos municipais foram enquadrados
dentro de sub-bacias municipais conforme indicado no Passo 3 da Figura 7.1.
O município pode ser subdividido em 05 sub-bacias hidrográficas que
se inserem nas bacias hidrográficas estaduais dos rios Banabuiú e Médio
Jaguaribe do Estado do Ceará. As sub-bacias hidrográficas de Milhã nascem
nos divisores topográficos que conformam a geometria territorial do município
que o limitam ao norte com o município de Quixeramobim, ao leste com
Senador Pompeu e ao sul com Deputado Irapuan Pinheiro. Os exutórios das
sub-bacias foram definidos dentro dos limites municipais, caracterizando-as
como “bacias municipais”. São as seguintes:
141
Sub-bacia do Riacho do Valentim, afluente ao açude
Quixeramobim, na bacia do Banabuiú;
Sub-bacia do Riacho Cabeça-de-boi, afluente ao Riacho
Valentim, já no limite do município, integrando assim também à bacia do
Banabuiú;
Sub-bacia do Riacho Capitão Mor, afluente ao açude Riacho do
Sangue, integrante da bacia do Médio Jaguaribe;
Sub-bacia do Riacho da Maré, afluente do Riacho Jenipapeiro
que também aflui ao açude Riacho do Sangue, na bacia do Médio Jaguaribe;
Sub-bacia do Riacho Lagoinha, afluente ao Riacho
Cachoeirinha, daí ao Capitão Mor e açude Riacho do Sangue, integrando
também a bacia do Médio Jaguaribe.
O Quadro 9 apresenta as características gerais das sub-bacias
hidrográficas de Milhã, enquanto a Figura 8.5 apresenta a localização das
mesmas no mapa do município.
QUADRO - 9
Resumo das Sub-Bacias do Município de Milhã
SUB-BACIA ÁREA (Km²) PERÍMETRO
(Km)
% DA ÁREA
DO
MUNICÍPIO
BACIA
ESTADUAL
Valentim 149,55 65,84 29,7 Banabuiú
Cabeça-de-
boi 69,11 39,00 13,7 Banabuiú
Capitão Mor 189,97 65,29 37,8 Médio
Jaguaribe
Maré 22,65 20,56 4,5 Médio
Jaguaribe
Lagoinha 10,15 15,88 2,0 Médio
Jaguaribe
TOTAL 441,43 87,92
(Fonte: SOUZA FILHO e ENÉAS DA SILVA, 2010)
142
Figura 8.5: Mapa das sub-bacias de Milhã.
(Fonte: SOUZA FILHO e ENÉAS DA SILVA, 2010)
143
A área do município não incluída nestas cinco sub-bacias representam
apenas 60,61 km², ou seja, 12% da área do município, e correspondem a nascentes
de riachos localizados na parte oeste do município na fronteira em linha reta com o
município de Solonópole. Todos estes riachos são afluentes ao açude Riacho do
Sangue e, portanto, se incluem na bacia do Médio Jaguaribe.
O estudo de regularização dos açudes foi feito com base no Método do
Diagrama Triangular de Regularização – DTR (CAMPOS, 2005). O método do DTR
se mostrou o mais factível de ser empregado para avaliação da capacidade de
regularização dos pequenos reservatórios em função da sua simplicidade de
emprego e facilidade de obtenção dos dados necessários.
A maior dificuldade para obtenção de dados foi normalmente concernente à
quase generalizada inexistência de curva cota x área x volume (CAV) dos
reservatórios. No entanto suplantou-se essa dificuldade com o emprego de uma
metodologia simplificada de elaboração de CAV’s desenvolvida pela Gerência de
Outorga da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH, 2002) que
necessita apenas dos dados relativos à altura útil máxima do lago da barragem e a
área superficial do açude.
O método de estimativa de CAV foi desenvolvido com base nos dados de
batimetria realizada em 61 açudes monitorados pela companhia que resultou na
interpolação de uma equação de regressão elaborada pelo engenheiro Paulo
Miranda.
A área de espelho d’água foi obtida a partir dos dados disponíveis na
FUNCEME sobre os espelhos d’água cearenses em sistema georreferenciado. Com
a área do espelho d’água do reservatório de interesse e com a informação da altura
útil máxima do reservatório obtida no diagnóstico de campo, entrou-se numa planilha
com um modelo matemático que estima as áreas para as alturas menores, gerando-
se então a CAV estimada para os açudes.
A forma da equação de regressão é do tipo:
.18.1
max
23
EqeAA dcxbxax
Onde:
144
A = área do espelho d’água para uma determinada altura (cota);
Amax = área máxima do espelho d’água medida em campo ou estimada pela
imagem de satélite;
e = base do logaritmos neperianos;
x = relação entre as diferentes alturas e a altura máxima (adimensional de
altura);
a, b, c e d são coeficientes de regressão definidos pelo Método dos Mínimos
Quadrados em função de 222 classes de reservatórios estimados no Estado do
Ceará, os quais são definidos em uma planilha de cálculo em Excel.
Uma vez definida a equação de regressão, obteve-se automaticamente a
curva Cota Área Volume do reservatório desejado a partir de uma distribuição
de área e alturas em função da aplicação do clássico modelo:
2.82
21 EqAA
hV
O método foi empregado com sucesso em dezenas de pequenos
reservatórios do Ceará e Piauí confirmado por comparação entre batimetrias reais
em campo que geraram a CAV verdadeira com os valores de CAV obtidos pelo
emprego do método. A determinação em campo da profundidade máxima de cada
barragem candidata a servir de manancial hídrico para abastecimento das
comunidades rurais estava recomendada no check list da etapa de pesquisa
tecnológica de campo.
A metodologia de emprego do DTR (CAMPOS, op.cit.) está amplamente
difundida na comunidade de recursos hídricos e pode ser consultada na referência
indicada.
A avaliação global da potencialidade dos recursos hídricos subterrâneos
pôde ser obtida em função de pesquisa secundária junto à CPRM e aos planos de
recursos hídricos da bacia. No entanto, os dados primários obtidos no diagnóstico de
campo foi que serviram de base para definir as fontes alternativas de mananciais
subterrâneos para atendimento às comunidades, uma vez que as informações sobre
a vazão e a qualidade da água do poço em questão, via de regra, só estavam
145
disponíveis junto à entidade que perfurou o poço ou junto aos proprietários das
terras onde ele foi construído. O Quadro 10 apresenta o sumário das capacidades
de regularização dos principais açudes do município de Milhã, determinadas pelo
PAM.
QUADRO - 10
Sumário da oferta hídrica superficial em Milhã.
BACIA AÇUDE CAPACIDADE (m³)
VAZÃO REGULARIZADA (l/s)
99% 95% 90%
Valentim Jatobá 1.070.000 4,75 7,92 10,21
Valentim Riacho do Meio 986.484 2,53 5,20 6,97
Capitão Mor Monte Sombrio 1.028.448 0,09 0,82 1,31
Capitaõ Mor Lagoinha 1.966.396 0,82 1,83 2,50
Cabeça-de-Boi Berilópolis 2.411.461 12,68 18,23 21,97
TOTAL 7.462.789 20,87 34,00 42,96
(Fonte: SOUZA FILHO e ENÉAS DA SILVA, 2010)
Classificação das Comunidades em Categorias de Criticidade 8.2.3
A Figura 8.6 apresenta a classificação geral das 84 comunidades de Milhã,
quanto à categoria de criticidade indicada no Passo 5 do capítulo 7.
Figura 8.6: Classificação das comunidades de Milhã quanto à situação de
abastecimento.
Pode ser observado na Figura 8.6 que 23 comunidades, representando 27%
do total, se encontram em situação crítica de abastecimento e devem ser objeto de
intervenção prioritária.
23; 27%
26; 31%
19; 23%
16; 19%
Comunidades
Crítica Deficiente Satisfatória Boa
146
Segundo a Figura 8.7, relativa ao número total de casas por categoria de
classificação, cerca de 281 famílias se encontram na categoria crítica,
representando apenas 9% do total de famílias das comunidades rurais do município.
Figura 8.7: Classificação das casas de Milhã quanto à situação de abastecimento.
A Figura 8.8 apresenta o histograma do número médio de casas por
comunidade classificada quanto à criticidade do abastecimento.
Figura 8.8: Número médio de casas por comunidade por categoria de criticidade de
abastecimento.
281; 9%
574; 17%
602; 18%
1867; 56%
Nº de Casas
Crítica Deficiente Satisfatória Boa
0
20
40
60
80
100
120
Crítica Deficiente Satisfatória Boa
12 22
32
117
Nº Médio de Casas por Comunidade
Crítica
Deficiente
Satisfatória
Boa
147
Como se pode observar na Figura 8.8, o número médio de famílias por
comunidade em situação crítica de abastecimento é de 12, enquanto que o número
médio de famílias por comunidade em boa situação de abastecimento em Milhã é de
117 por comunidade, denotando a influência do efeito de escala na qualidade do
abastecimento.
Propostas de Intervenções para Universalização do Abastecimento 8.2.4
Foram consideradas intervenções prioritárias na escala local no PAM de
Milhã, aquelas que permitiriam a universalização do abastecimento humano de água
potável nas comunidades rurais críticas do município.
Entende-se aqui por “universalização” o fornecimento domiciliar de água
potável para satisfazer as necessidades básicas do consumo humano. No caso das
comunidades rurais dispersas ao longo do território municipal, a questão da
universalização do abastecimento perpassaria por distintas etapas e não se
constituiria numa ação singular possível de ser alcançada com uma única
intervenção.
Em primeiro lugar, deveria ser garantido o acesso à água para a população
residente nas comunidades rurais focando no aspecto de levar água ao domicílio
fosse por meio de cisternas individuais ou por redes de distribuição públicas. A
princípio, a construção de redes públicas de abastecimento seria a intervenção
prioritária a ser perseguida desde que houvesse uma fonte hídrica viável em termos
de capacidade de suprimento e distância de captação e adução. As cisternas seriam
recomendadas para pequenas comunidades rurais com habitações muito dispersas
que inviabilizassem economicamente a construção de redes de adução e
distribuição domiciliar.
Em segundo lugar deveria ser considerada a sustentabilidade do
abastecimento em longo prazo no aspecto quantitativo o qual se relacionaria com a
capacidade hídrica do manancial selecionado para prover a água necessária durante
os eventos das secas periódicas inerentes ao clima regional. Esta sustentabilidade
hídrica não seria garantida pela maioria dos mananciais disponíveis no território do
148
município de Milhã, fato este que exigiria o estabelecimento de Planos Alternativos
de Abastecimento durante as secas climáticas.
Este fator limitante ao abastecimento humano era uma realidade que teria de
ser considerada em qualquer tipo de planejamento estratégico para garantir
suprimento hídrico à população durante eventos climáticos adversos.
Dentre as alternativas disponíveis para prover o suprimento hídrico durante
as secas teria que ser considerada a hipótese de continuar a haver abastecimento
por carro pipa, que tem sido considerado pelos sucessivos governantes como uma
ação a ser eliminada.
O PAM elaborado para o município de Milhã apresentou alternativas mais
racionais para traçado das rotas com indicação dos mananciais estratégicos mais
factíveis e confiáveis no aspecto qualitativo e quantitativo da água a fornecer a
população.
O terceiro aspecto que teria de ser considerado na universalização do
abastecimento era o da qualidade da água a ser fornecida. A princípio se deveria
contestar o fato de que a qualidade é vista como um último passo a ser normalmente
considerado nas ações de planejamento quando de fato deveria ser o primeiro
motivado pelo interesse sanitário para a saúde das populações.
No entanto, o aspecto qualidade da água restringiria muito a disponibilidade
de mananciais para abastecimento da população difusa tornando-se um fator
limitante que impediria o abastecimento das populações com água de qualidade
mediana apropriada para todos os demais usos, exceto para o de para beber.
A experiência vivenciada pela pesquisa de campo demonstrou que as
populações das comunidades rurais difusas veem o acesso à água como o fator
prioritário para satisfazer suas necessidades de abastecimento, uma vez que,
dispondo do precioso líquido em quantidade nas suas residências para lavagem,
cozimento e outras necessidades básicas com a higiene corporal, a busca pela água
de beber se tornaria menos árdua e onerosa.
Considerar o fator qualidade de água como uma variável a ser levada em
conta na construção dos sistemas de abastecimento público do município de Milhã
149
exigiria um aporte de recursos muito elevado incluindo a construção de novos
reservatórios de maior capacidade tal como os que foram apontados no Capítulo 6
do PAM e de redes de adutoras municipais para levar água potável de boa
qualidade às diversas comunidades rurais espalhadas pelo território.
A visão de planejamento estratégico trabalhada no PAM de Milhã foi focada
naquilo que era possível se fazer do ponto de vista prático com poucos recursos
disponíveis, limitados aos orçamentos não onerosos ou orçamentos fiscais e
receitas perenes do município. O PAM não foi feito com o objetivo de apontar para
soluções ideais do ponto de vista técnico, sanitário, econômico e social, mas
fundamentado nos aspectos de viabilidade de execução dentro das limitações
técnicas e econômicas do município.
A inexistência absoluta de fonte hídrica próxima que fosse economicamente
viável para suprir algumas comunidades rurais resultou na sua exclusão das
propostas de intervenções, restando a estas a alternativa de enquadramento dentro
do programa de construção de cisternas de placas P1MC do MDS. Dessa forma,
apenas 16 comunidades foram elegíveis para elaboração de proposta de
intervenção no âmbito do PAM de Milhã.
O Quadro 11 apresenta o resumo das intervenções propostas para as
comunidades críticas de Milhã, que foram agrupadas por blocos geográficos de
intervenção.
150
QUADRO - 11
Comunidades alvo de intervenção apontadas no PAM de Milhã e respectivos custos
Bloco Subbloco
Comunidade Nº Famílias População Coord. E (m)
Coord. N (m)
Custo (R$)
Custo/Fam. (R$/fam.)
1 / 1.1
Barra do Juazeiro 10 50 486384 9371448
220.875,85 6.902,37 José de Paz 3 15 487568 9371248
Cruzeiro 5 25 487568 9371248
Bom Alívio 14 70 485668 9370328
1 /1.1 Lajes 6 30 487184 9372658 14.129,16 2.354,86
1 /1.2 Esperança 16 80 484721 9374320
94.432,82 3.777,31 Sabonete 9 45 484893 9373160
1 /1.3 Bom Princípio 9 45 483403 9372010 77.657,01 8.628,56
2 Pedra d’Água 19 95 474562 9376138
146.927,56 5.247,41 Serrote 9 45 474801 9375608
3 Massapê 7(3) 15 486987 9378088 7.064,58 2.354,86
Cruzeiro 11(6) 30 489839 9378792 14.129,16 2.354,86
4 Ingá 13 65 478556 9380112 65.485,39 5.037,33
5 Sítio Maré 8 40 480590 9361132 69.773,89 8.721,74
Cajueiros 3 15 475643 9361952 4.709,72 2.354,86
6 Deus Me Ajude 3 15 484288 9366050 7.064,58 2.354,86
TOTAL 136 680 722.249,72 5.310,65
(Fonte: SOUZA FILHO e ENÉAS DA SILVA. 2010)
Conforme se pode observar no Quadro 11, o custo total para universalização
do abastecimento nas comunidades rurais críticas de Milhã era de R$ 722.249,72,
representando um custo médio de R$ 5.310,65 por família atendida.
O custo anual da Operação Pipa 2007/2008 realizada pelo Exército
Brasileiro no município de Milhã foi de R$ 365.424,00 para atendimento durante 10
meses a 54 comunidades rurais (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2008)..
Convém lembrar que o número total de comunidades em situação de
abastecimento crítico e deficitário é de 49 comunidades, significando que houve
abastecimento com carro pipa em apenas 5 comunidades a mais da soma das
comunidades em situações crítica e deficiente.
Levando-se em conta que o número somado de famílias nas comunidades
críticas e deficitárias de abastecimento é de 855, considerando o custo médio
unitário de investimento por família de R$ 5.310,65, o custo total da universalização
do abastecimento em Milhã seria da ordem de R$ 4.540.605,75.
Este valor representaria 12,4 anos de abastecimento com carro pipa. No
entanto, aplicando-se um taxa de juros de 8% ao ano e anualizando o custo da
Operação Pipa para 10 anos partindo-se do valor anual de R$ 365.424,00, o valor
151
presente seria de R$ 456.780,00. O valor do investimento para universalização do
abastecimento nas comunidades de categoria crítica e deficitária de Milhã (R$
4.540.605,75) corresponderia a aproximadamente 9,94 anos de abastecimento com
carro pipa.
8.3 Primeiros Impactos do PAM como Política Pública
As iniciativas do GGRC/DEHA/UFC/CWC com a construção de sistema de
abastecimento para a comunidade de Ingá e complementação do sistema de
abastecimento de Pedra Fina, São João, Transval e Valentim dos Sabinos no
município de Milhã, combinado com o estudo e lançamento do Plano de Águas
Municipal, induziu a ações proativas tanto da Prefeitura Municipal de Milhã, quanto
da Secretaria de Desenvolvimento Agrário visando à universalização do
abastecimento das comunidades rurais do município.
A Prefeitura Municipal de Milhã priorizou ações voltadas para o
abastecimento das comunidades rurais. A Prefeitura Municipal de Milhã já dispõe de
projetos de abastecimento elaborados para as comunidades de Itabaina, Cafundó,
Sabonete, Massapê, Monte Belo e Esperança, informação essa repassada pelo
prefeito em visita ao seu gabinete em 15/03/2010. Segundo ainda informação do
próprio prefeito municipal foi autorizada a realização de topografia para projeto de
sistema de abastecimento em Maré, Aracaju, Baixa Verde, Olho d’Água, Km 21 e
Almeixa.
Por sua vez a Secretaria de Desenvolvimento Agrário –SDA conveniou
recursos para implantação imediata de sistemas comunitários de abastecimento
para as comunidades de Milhã indicadas no Quadro 12.
152
QUADRO - 12 Projetos de Abastecimento de Água Conveniados para Milhã em 2010
Convênio Comunidade Atendida Associação Nº Famílias Beneficiadas
2010/0039 Amanaju Associação dos Agricultores Unidos 47
2010/0040 Barra do Juazeiro Associação Comunitária José de Paz 41
2010/0302 Monte Grave Centro Social de Monte Grave 51
2010/0311 Alto Verde Associação dos Agricultores M. V. Pinheiro
36
2010/0433 José de Paz e região Associação Comunitária José de Paz 40
TOTAL 215
(Fonte: SDA, 2010)
Conforme se pode observar no Quadro 12, cerca de 215 famílias estão
sendo contempladas com sistemas comunitários de abastecimento pelo Projeto São
José II, com início das obras previsto para 2011.
Por seu lado, a Prefeitura Municipal de Milhã licitou as obras da comunidade
de Cabeça-de-Boi (Alto Santo), com recursos da FUNASA, no valor de R$
127.860,31 para a 1ª etapa e R$ 107.307,56 para a 2ª etapa, beneficiando 35
famílias da comunidade e área de entorno.
Aparentemente, a simples existência de um grupo de pesquisadores
trabalhando pela meta da universalização do abastecimento das comunidades rurais
no município de Milhã influenciou a tomada de posição das autoridades municipais
para priorização de ações visando o abastecimento das comunidades, que resultou
na exclusão de Milhã da relação de municípios decretados em estado de
emergência com solicitação de abastecimento do carro pipa ao final do ano de 2010.
A Figura 8.9 mostra a manchete do Jornal O Povo de 07/11/2010
descrevendo que 79 municípios do Ceará estavam sendo abastecidos com carro
pipa.
A Figura 8.10 mostra a complementação da matéria do jornal, mostrando a
relação dos municípios em estado de emergência de abastecimento com carro pipa.
Pela primeira vez, não aparecia o município de Milhã na relação de emergência. Nas
viagens realizadas entre novembro/2010 e janeiro/2011 à zona rural do município de
Milhã, não foi identificada nenhuma queixa dos moradores das comunidades pela
ausência do carro pipa no ano de 2010. Coincidências à parte, isso denota uma
mudança de mentalidade dos gestores públicos em relação a essa questão do
abastecimento com carro pipa.
153
Figura 8.9: Manchete do Jornal O Povo sobre Operação Pipa/2010.
Figura 8.10: Relação dos municípios atendidos pela Operação Pipa/2010. (Fonte:
Jornal O Povo, 07/11/2010)
154
Observa-se, na lista dos municípios em estado de emergência sendo
atendido pela Operação Pipa/2010, o município vizinho de Senador Pompeu.
8.4 Visão de Longo Prazo para Milhã
A experiência vivenciada pelo GGRC no sertão central do Ceará, mais
especificamente no município de Milhã, levou à constatação de que há um limite
para se explorar o capital social disponível nas comunidades visando criar modelos
sustentáveis integrados de gestão de sistemas rurais de abastecimento d’água.
A idiossincrasia de certas lideranças comunitárias e das próprias famílias
com relação ao compartilhamento da água com outras comunidades vizinhas é
perceptível do ponto de vista prático pelo sentimento de posse que elas têm em
relação a determinados mananciais.
A agregação de comunidades próximas para formar economias de escalas
de abastecimento é um desafio muito grande em virtude da existência de conflitos às
vezes ancestrais que são transmitidos de uma geração para outra e nada tem a ver
com situação atual de suas necessidades de abastecimento.
O que se tem observado em Milhã é que haveria muita dificuldade para a
formação de aglomerados de comunidades compartilhando uma mesma fonte
hídrica de abastecimento, mesmo que fosse tecnicamente viável, dependendo
somente da vontade dos moradores destas comunidades sem a interferência de
alguma forma de pressão externa ao meio, na maioria dos casos que foram
pesquisados em campo pelo autor.
Assim, para que seja possível se alcançar economia de escala em sistemas
de abastecimento rural é necessária a intervenção do poder público na qualidade de
agente indutor do processo, elaborando, financiando e implantando o projeto. Essa
opção está na contramão da tese defendida por Katz & Sara (1998) sobre o
procedimento fundamentado exclusivamente na resposta-à-demanda aqui
apresentada.
155
Somente algumas comunidades dispõem de capital social suficiente,
representado na maior parte por lideranças locais proativas, para se adotar alguns
princípios advogados por essa abordagem. Prevalece na maioria delas a
acomodação e a prática clientelista de deixar aos políticos a missão de trazer os
benefícios que a comunidade precisa. Este é um fator cultural de elevada
importância e que não pode ser menosprezado.
Para exemplificar, o sistema de abastecimento implantado na comunidade
de Ingá pelo projeto da UFC/Columbia somente foi tornado possível quando houve
uma separação entre as fontes hídricas de Ingá e do sistema Pedra Fina além da
criação de uma associação independente para gerir o sistema de Ingá. A opção
original era a construção de um sistema compartilhado e interligado oriundo de uma
fonte hídrica comum e administrado pela Associação de Pedra Fina.
A ampliação da escala de projetos de abastecimento rural do nível local de
comunidade para o nível regional, municipal ou mesmo estadual, terá de contar com
a participação do poder público como agente ativo indutor do processo. Haverá
necessidade de adoção de um polimorfismo de modelos de gerenciamento variando
desde a autogestão absoluta de sistemas por comunidades que disponham de
elevado capital social, até o gerenciamento de sistemas integralmente subsidiados
pelo poder público municipal, estadual e federal.
A participação das comunidades nos processos de tomada de decisão e de
gerenciamento que ultrapassarem seu nível local comunitário teria de passar a ser
de uma forma mais representativa do que da forma direta preconizada pela
abordagem de Katz & Sara(1998).
156
9 AMPLIAÇÃO DA ESCALA DE ELABORAÇÃO DE PAM’s
A ideia de elaboração de Planos de Águas Municipais como instrumento
para a busca da universalização e sustentabilidade do abastecimento d’água para
consumo humano de comunidades rurais foi aceita pelo Governo do Estado,
conforme ficou demonstrado no Item 4.4 do Capítulo 4.
O Governo do Estado do Ceará está gestando convênio com o Banco do
Nordeste do Brasil para financiar a elaboração de 24 PAM’s em diversas bacias
hidrográficas do estado, como projeto piloto visando à universalização do
abastecimento de água nas comunidades rurais.
Em 28 de fevereiro de 2011 a SDA solicitou ao GGRC a elaboração de
proposta e definição de critérios para seleção dos 24 municípios que deverão ser
contemplados com a elaboração de PAM’s financiados pelo Estado. O autor
elaborou então o documento “Relatório de Critérios para Seleção dos Municípios
para Elaboração de 24 Planos de Águas Municipais – PAM’s” que foi entregue à
SDA em 27 de maio de 2011.
A seleção final dos 24 municípios foi baseada em um indicador concebido
pelo autor, que foi denominado de Índice Composto Ponderado – ICP.
O ICP consiste numa ponderação entre 4 indicadores que são medidores do
grau de pobreza e subdesenvolvimento municipal, a saber: Taxa de Mortalidade
Infantil; Índice de Desenvolvimento Municipal; Índice de Desenvolvimento Humano;
e, Índice de Desenvolvimento Social de Resultado. A descrição dos indicadores é
feita a seguir.
a) Taxa de Mortalidade Infantil – TMI
A taxa de mortalidade infantil representa o número de óbitos por cada mil
nascidos vivos menores de um ano. No Brasil esta taxa vem declinando ao longo do
tempo, tendo caído de 31,7‰ (por mil) para 22,5‰, entre 1999 e 2009. O Rio
Grande do Sul tinha a menor taxa de mortalidade infantil em 2009 (12,7‰) e
Alagoas (46,40‰), a mais elevada. O índice admitido pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) é de dez óbitos para cada mil nascidos vivos (10 %0).
157
A taxa de mortalidade infantil do Ceará é a segunda menor da região
Nordeste, com 27,6 óbitos de crianças para cada mil nascidos vivos, perdendo
apenas para o Piauí que registrou 26,20 óbitos. Os dados citados foram do estudo
da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2010, que teve como principal fonte a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2009, divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Porém, a mortalidade infantil no Estado ainda é preocupante, pois é maior
do que a média nacional, de 22,47 por mil nascidos. Por outro lado, a média do
Nordeste registra um número de óbitos superior ao do Ceará com 33,20. Em 2008, a
situação não era muito diferente, enquanto que a taxa nacional foi de 23,59 %0 do
Ceará era de 28,6%0. De qualquer forma a taxa de mortalidade infantil no Ceará vem
diminuindo nos últimos anos, de acordo com a PNAD 2009. De 2002 para 2009, a
mortalidade infantil no Estado, reduziu oito pontos percentuais, passando de 35,1
óbitos por mil nascidos vivos para 27,6.
Este valor de TMI no Estado do Ceará divulgado pelo IBGE está em
desacordo com o valor constante dos relatórios municipais do IPECE (2011b)
relativo aos dados levantados pela Secretaria de Saúde do Ceará (SESA) de 2008.
Segundo o IPECE a TMI média no Ceará é de 15,8%0.
b) Índice de Desenvolvimento Municipal – IDM
O Índice de Desenvolvimento Municipal – IDM é um produto do Instituto de
Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE que tem o mérito de congregar
em um único índice diversos indicadores relacionados a diferentes grupos que
retratam o desenvolvimento dos municípios cearenses (IPECE, op.cit.).
Ao todo são quatro os grupos de indicadores ligados a aspectos
fisiográficos, fundiários e agrícolas, demográficos e econômicos, de infraestrutura, e
sociais que compõem o IDM, que é um índice amplamente utilizado no
acompanhamento do desempenho de municípios e como instrumento diagnóstico e
de referência para a proposição e orientação de políticas públicas (IPECE, op.cit.).
158
O IPECE elabora o IDM a cada dois anos trabalhando 30 indicadores para
composição do índice. Os dados são obtidos de diferentes instituições e Secretarias
de Estado. Os trinta indicadores são agregados em quatro grupos:
Grupo 1: Indicadores fisiográficos, fundiários e agrícolas: precipitação
pluviométrica, área explorável utilizada, índice de distribuição de chuvas, valor da
produção vegetal, valor da produção animal, consumo de energia rural e salinidade
da água;
Grupo 2: Indicadores demográficos e econômicos: densidade demográfica,
taxa de urbanização, produto interno bruto, receita orçamentária, consumo de
energia elétrica da indústria e comércio, produto interno bruto do setor industrial e
rendimento médio do emprego formal;
Grupo 3: Indicadores de infraestrutura de apoio: agências de correio,
agências bancárias, veículos de carga, emissoras de rádio, coeficiente de
proximidade, domicílios com energia elétrica e rede rodoviária pavimentada;
Grupo 4: Indicadores sociais: taxa de escolarização no ensino médio, taxa
de aprovação no ensino fundamental, escolas com bibliotecas, salas de leitura e
laboratórios de informática, função docente no ensino fundamental com formação
superior, taxa de mortalidade infantil, leitos hospitalares, médicos e abastecimento
de água.
Esse rol de indicadores, segundo o IPECE, permite identificar a contribuição
de cada dimensão considerada e dos elementos mais efetivos para o
desenvolvimento dos municípios. Assim, o IDM possibilita o acompanhamento do
desenvolvimento, além de se constituir numa ferramenta capaz de auxiliar os
organismos públicos e privados na formulação de políticas (IPECE, op.cit.).
c) Índice de Desenvolvimento Humano
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa
usada para classificar os países pelo seu grau de "desenvolvimento humano" e para
separar os países desenvolvidos (muito alto desenvolvimento humano), em
desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e subdesenvolvidos
159
(desenvolvimento humano baixo). A estatística é composta a partir de dados de
expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita recolhidos a nível
nacional.
Cada ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com
essas medidas. O IDH também é usado por organizações locais ou empresas para
medir o desenvolvimento de entidades subnacionais como estados, cidades, aldeias,
etc.
O índice foi desenvolvido em 1990 pelos economistas Amartya Sen e
Mahbub ul Haq e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas
para o desenvolvimento - PNUD no seu relatório anual.
Até 2009, o IDH usava os três índices seguintes como critério de avaliação:
índice de eduação, longevidade e renda (PIB per capita). A partir de 2010 o relatório
do PNUD incorpora as dimensões de:
Uma vida longa e saudável: Expectativa de vida ao nascer;
O acesso ao conhecimento: Anos médios de estudo e anos esperados de
escolaridade
Um padrão de vida decente: PIB (PPC) per capita (PNUD, 2011).
Índice de Desenvolvimento Social de Resultado – IDS-R
d) Índice de Desenvolvimento Social de Resultado – IDS-R
Segundo o IPECE (2011b) o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) tem
como objetivo de prover o Sistema de Inclusão Social com um indicador sintético e
capaz de mensurar a inclusão social no Estado do Ceará. Inspirado nas metas de
Desenvolvimento do Milênio 3, o Sistema de Inclusão Social tem a finalidade de
monitorar as ações do Governo na área social e identificar os resultados destas.
Este sistema se insere no de Gestão por Resultados (GPR) adotado pelo Governo
do Estado do Ceará.
Neste cenário, o IDS atende a visão de que a mensuração da inclusão social
constitui-se em um dos principais instrumentos disponíveis aos gestores públicos
para a racionalização dos recursos e para o planejamento consistente das ações
160
públicas e por essa razão o acompanhamento dos indicadores vem sendo realizado
anualmente.
Uma característica de destaque do IDS é a distinção entre indicadores de
resultado, que medem em última análise a eficácia das propostas e programas
estabelecidos, e indicadores de oferta, que é onde a administração pública pode
(direta e indiretamente) intervir efetivamente. Esta separação permite identificar
causalidade para determinados resultados, visto que mudanças na oferta de
serviços públicos tendem a explicar mudanças no desenvolvimento social dos
municípios (IPECE, op.cit.).
Esses indicadores possibilitam o acompanhamento, por parte da sociedade
e de técnicos do Governo, do desempenho do Estado e de seus municípios.
Permitem, também, corrigir rumos indesejados, além de servirem como instrumento
de avaliações periódicas, tendo em vista solucionar problemas e promover o bem-
estar da população, principalmente a menos favorecida (IPECE,op.cit.).
No Estado do Ceará, a análise da inclusão social vem sendo realizada
através do Índice de Desenvolvimento Social (IDS). Trata-se de um índice sintético
construído a partir de indicadores de oferta de serviços públicos e de resultados
destes serviços. Sua funcionalidade é fornecer informações que ofereçam subsídios
para a formulação e avaliação das políticas e programas realizados pelo Governo do
Estado do Ceará.
e) Índice Composto Ponderado - ICP
O Índice Composto Ponderado – ICP foi um índice criado para ponderar os
quatro indicadores empregados na análise com base em diferentes pesos em função
da tipologia de cada indicador.
Para compor o ICP inicialmente os quatro indicadores TMI, IDM, IDH e IDS-
R para todos os 184 municípios do Estado do Ceará foram reduzidos a indicadores
relativos com varição de 0,000 a 1,000 tendo sido acrescentado um “R” no final dos
indicadores (TIMR, IDMR,IDHR,IDS-RR) para identificar a redução a uma base
comum para comparação. A equação 9.1 empregada foi:
161
Onde: IndRi = Valor do indicador I reduzido para cada município;
Ii = Valor do indicador original para cada município;
Imin = Menor valor da série daquele indicador para os 184 municípios;
Imax = Maior valor da série daquele indicador para os 184 municípios.
Para o indicador TMI (taxa de mortalidade infantil) foi empregado o seu
complemento visando manter coerência na comparação com a base dos demais
indicadores, assim:
Na composição do Índice Composto Ponderado foram empregados
diferentes pesos para os indicadores reduzidos:
• TMIR: foi atribuído peso 4, correspondendo a 40% de influência na
composição do ICP em função de ser o indicador mais relacionado com a saúde
humana (direito à vida) e diretamente correlacionado com a questão da pobreza e
do acesso ao saneamento para as populações;
• IDMR: foi atribuído peso 3, correspondendo a 30% de influência no ICP,
em função de ser um dos indicadores mais completos para os fins do plano de
águas municipal, por conta de que incorpora em sua formulação os efeitos
climatológicos, fisiográficos, uso do solo, demografia, economia e dimensão social
dos municípios;
• IDHR: foi atribuído peso 2, correspondendo a 20% de influência no ICP. A
desatualização do IDH municipal é um fator que prejudica sua eficiência com critério
de decisão;
• IDS-RR: foi atribuído peso 1, correspondendo a 10% de influência no ICP,
devido estar diretamente correlacionado com a eficiência da gestão pública
municipal e estadual, o que pode introduzir vieses na elaboração de planos de longo
horizonte, em função da alternância de poder dos gestores municipais.
Assim, o ICP foi elaborado segundo a equação 9.3:
162
A Figura 9.1 mostra a distribuição do ICP nos municípios do Ceará.
163
Figura 9.1: Mapa de distribuição do ICP nos municípios cearenses
(Fonte: ENÉAS DA SILVA, 2011)
164
O mapa da Figura 9.1 sugere a formação de blocos agregados de
municípios com baixo ICP nas bacias do Alto Jaguaribe, Salgado, Parnaíba, Coreaú,
Médio Jaguaribe, Curu e Metropolitana.
A seleção dos blocos de municípios que comporiam os 24 contemplados
com PAM’s foi feita com base nos seguintes critérios, considerando o baixo valor de
ICP:
a) Selecionou-se os blocos de municípios de menor ICP agregado nas
bacias do Alto Jaguaribe, Salgado, Curu, Parnaíba e Coreaú,
privilegiando a seleção de municípios de menor área territorial e com
maior proximidade entre si de forma a favorecer a logística do
Diagnóstico de Campo nesse projeto piloto de 24 municípios;
b) As bacias do Banabuiú e Médio Jaguaribe já tiveram municípios
contemplados com a elaboração de PAM (Milhã) ou Diagnóstico de
Campo já realizados pelo GGRC, o que facilitaria a elaboração de seus
PAM’s oportunamente;
c) A bacia Metropolitana seria deixada para uma segunda etapa, em virtude
da maior densidade econômica da maioria de seus municípios, apesar de
haver municípios com baixo ICP;
d) Blocos de municípios com grande extensão territorial foram excluídos do
projeto piloto atual limitado a 24 municípios.
Dessa forma foram selecionados os seguintes municípios indicados no
Quadro 13 e Figura 9.2.
165
QUADRO - 13
Relação dos municípios selecionados pelo critério do ICP
BACIA
HIDROGRÁFICA
MUNICÍPIO ICP
ALTO JAGUARIBE
SALITRE 0,332
POTENGI 0,424
ASSARÉ 0,393
ANTONINA DO NORTE 0,349
TARRAFAS 0,059
SABOEIRO 0,314
AIUABA 0,373
COREAÚ
CHAVAL 0,475
GRANJA 0,285
MATINÓPOLE 0,415
VIÇOSA DO CEARÁ 0,439
BARROQUINHA 0,433
SALGADO
CARIRIAÇU 0,410
GRANJEIRO 0,208
VÁRZEA ALEGRE 0,437
CURU
TEJUÇUOCA 0,385
APUIARÉS 0,397
PENTECOSTE 0,445
UMIRIM 0,410
PARNAÍBA/ACARAÚ
CARNAUBAL 0,282
GRAÇA 0,355
CARIRÉ 0,428
IBIAPINA 0,445
SÃO BENEDITO 0,467
(Fonte: ENÉAS DA SILVA, 2011)
166
Figura 9.2: Mapa dos 24 municípios selecionados pelo critério do ICP.
(Fonte: ENÉAS DA SILVA, 2011)
167
A seleção dos municípios com base no segundo critério proposto (ICP)
permitiu a formação de cinco blocos compactos de municípios em seis diferentes
bacias hidrográficas, correspondendo a diferentes realidades climatológicas e
socioeconômicas.
A elaboração do projeto piloto de 24 PAM’s nestes municípios permitirá
adquirir experiência suficiente no processo para adaptar a base metodológica e fazer
ajustes e correções para a futura expansão do projeto aos demais municípios do
Estado do Ceará.
A projetada realização dos 24 PAM’s pelo Governo do Estado do Ceará
comprova ser o PAM um instrumento viável de política pública para a
universalização do abastecimento d’água em comunidades rurais do interior do
Estado.
168
10 CONCLUSÕES
A universalização do abastecimento das pequenas comunidades rurais
difusas abaixo do patamar de 50 famílias nunca havia sido objeto de uma política
pública voltada para esta questão. As políticas públicas inerentes ao abastecimento
de pequenas comunidades rurais difusas no nordeste brasileiro sempre foram
efêmeras com caráter assistencialista visando ao abastecimento emergencial
durante as secas e estiagens traduzidas pelas operações carros-pipa.
O fortalecimento de uma gestão democrática e compartilhada das fontes
hídricas existentes nas comunidades difusas do Estado do Ceará é urgente e
necessária e deve buscar garantir água em quantidade e qualidade para uma
população que sofre anualmente com a escassez desse recurso.
Essa ação remete, necessariamente, à participação, democracia e cidadania
e reconhece que a coordenação de ações integradas do Governo e da sociedade
seria um arrojado programa, uma prodigiosa atitude que requer mais
responsabilidade e organização local, mais conhecimento, maior capacidade por
parte dos usuários, mais uso da tecnologia da informação, dos instrumentos
financeiros, mais reforço na educação ambiental e fornecimento de valores corretos
para o gerenciamento das águas (CEARÁ, 2010).
A superação do grande desafio da universalização e sustentabilidade do
abastecimento humano nas comunidades rurais do semiárido não é de caráter
apenas tecnológico, mas também de caráter institucional, educacional e cultural,
requerendo o desenvolvimento de um modelo de gerenciamento adequado à
heterogeneidade do território.
A participação da sociedade como um ator ativo do processo visando
alcançar a sustentabilidade pela autogestão dos sistemas de abastecimento
demandará muito tempo futuro, em virtude dos traços culturais ainda predominantes
no meio rural, calcado no paternalismo e no clientelismo político, fruto de séculos de
dominação econômica e política pelas elites locais e regionais. Estas elites, apesar
dos avanços constitucionais e das legislações ambientais e de recursos hídricos,
ainda controlam o acesso à água em parte significativa do território semiárido.
169
Somente pela educação e informação se poderá romper com os vícios culturais
arraigados por herança de várias gerações.
Há de se reconhecer forçosamente que é o Estado Brasileiro, representado
pelos seus diferentes poderes, que desempenha o papel de indutor dos processos
de mudança na sociedade rural mais atrasada em níveis de desenvolvimento, a
partir da criação de políticas públicas destinadas a modificar um cenário atual de
subdesenvolvimento, tal como bem descreve Saraiva (2007).
As políticas públicas com este objetivo requerem instrumentos de
planejamento destinados a nortear a implementação da política segundo os
objetivos e metas desejadas. Os Planos de Águas Municipais correspondem a uma
lente de aumento da visão de planejamento sobre uma parte do território não
considerada dentro dos planos nacionais, estaduais ou de bacias hidrográficas de
recursos hídricos, que são as pequenas comunidades rurais.
Nenhuma outra subdivisão do território brasileiro é tão frágil do ponto de
vista da sua sustentabilidade socioeconômica aos estresses climáticos
representados pelas secas do que as pequenas comunidades rurais dispersas no
semiárido nordestino brasileiro. O abastecimento humano de água para beber
durante as secas é dependente ainda de medidas emergenciais paliativas como os
carros-pipa, os quais têm sido mobilizados numa frequência anual, e não mais
durante eventos prolongados de seca hidrológica.
O conhecimento dessa realidade das comunidades rurais com a
profundidade que requer uma política pública voltada para transformação dessa
situação indesejável é uma das funções primordiais dos Planos de Águas
Municipais.
Considerando as ideias e conceitos apresentados no presente trabalho
respaldados pelas referências citadas, seria possível inferir as seguintes conclusões
como válidas:
i. Os Planos de Água Municipais são efetivos instrumentos para
implementação de uma política pública visando à universalização do
abastecimento das comunidades rurais difusas no semiárido
170
cearense, cuja ideia poderia ser extrapolada para todo o nordeste
brasileiro;
ii. Os pontos chaves da solução para eliminação ou minimização do
emprego do carro pipa como solução de abastecimento das
comunidades rurais difusas no semiárido são a universalização e a
sustentabilidade das soluções estruturais implantadas, sejam elas
individuais ou coletivas;
iii. O abastecimento de água para comunidades rurais é altamente
dependente do fator de escala populacional da comunidade a ser
atendida. Quanto maior a população, mais favorável será a
possibilidade de implantação e garantia de sustentabilidade do
sistema de abastecimento;
iv. Não há soluções únicas e definitivas para solução do problema. É
necessário lidar com uma cesta de opções de soluções tecnológicas
combinadas num consórcio de sistemas hídricos para garantia da
sustentabilidade do abastecimento;
v. A dependência de fontes hídricas alternativas para abastecimento é
um dos fatores que podem limitar o alcance da meta de
universalização;
vi. O modelo de financiamento do sistema é outro fator preponderante
para a universalização do abastecimento. A busca de fontes de
recursos alternativos para investimento deve ser priorizada pelos
gestores públicos municipais;
vii. A sustentabilidade hídrica dos sistemas implantados é fator
dependente da garantia do suprimento de água pela fonte hídrica; do
capital social acumulado pela comunidade e, do modelo de
gerenciamento empregado;
viii. Não há um modelo único de gerenciamento aplicável a todos os
casos e todas as comunidades. A existência de um polimorfismo e
policentrismo de modelos é essencial para se alcançar a
sustentabilidade dos sistemas implantados;
ix. Os Planos de Águas Municipais são capazes de considerar os
mecanismos para alcançar a universalização e a sustentabilidade das
soluções de abastecimento implantadas nos municípios em função da
171
sua base metodológica que foca as soluções com base num
minucioso diagnóstico primário das soluções tecnológicas disponíveis
e dos condicionantes sociológicos de cada comunidade.
172
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