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1 I~ Tres Principios pelo I·
~ R. P. Mauricio Meschler, S. J. i I Tradocção autorizada, do allemão
I 2a edição
I ~.~~--~~ I Typ. das ccVozes lfli iS» ~~ Petropolis - Estado do Rio I ~~~~~~~~ http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
REIMPRIMATUR
Curitybce, die 2 Octobris 1923
Fr. Chrysologus Kampmann
. Min. Provincialis
REIMPAIMA·SE
Por com missão especial do exmo. e revmo. Bispo Diocesano, D. Agostinho Bennassi.
Petropolzs, 9 de Outu bro de I92J
Frei Philippe Niggemeier, O. F. M . .
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Aos leitores
Com a publicação da presente traducção julgamos enriquecer a nossa literatura ascetica, tão falha de bons livros, em ver· naculo, de uma verdadeira joia.
É ella da autoria do conhecido P. Mau· ricio Mescbler, S. J. Tendo entrado na Companhi~ ·de Jesus no anno de 1850, em Münster (Westfalia), P. Meschler ordenou·se sacerdote em 1860. Além de outr os cargos importantes óccupou o de Provincial da Província Allemã, de 1881-1884, e o de Assistente do Revmo. P. Geral da Companhia, de 1892·1906. Falleceu santamente em Exaeten (Hollanda) a 2 de Dezembro de ·1912.
Não cabe nos moldes deste prefacio fa· zer, embora de um modo ligeiro, a apreciação dos dotes extraordinarios e da actividade, sobretudo literaria, deste illustre · filho de S. Ignacio.
Queremos apenas frisar que elle é considerado, sem contestação, como um dos
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6 TresJPrincipios
mestres mais abalisados do espiritualismo dos tempos modernos. Suas obras e publicações nos diversos terrenos da vida espiritual são tão numerosas quão apreciadas.
A quinta essencia, porém, de tudo o que· foi escripto .pelo P. Meschler; por assim dizer, o seu ceteru,m censeo, é. o bello livrinho: Tres Principias da Vida Espiritual, l!Uja traducção, devidamente autori· zada, foi feita em adaptação á quarta edição allemã, que traz o titulo: Dei Grundlehren des geistlichen Lebens von Moritz Meschler, S. J., Freiburg in Breisgau. Herdersche Verlagshandlung. 1912.
Ao divino Salvador, pedimos que abençôe o nosso trabalho, empreendido só e unicamente em sua honra, e que, pela leitura attenta e piedosa deste livrinho, faça reverter nossos esforços em bençams sobre as almas immortaes, remidas pelo seu precioso s ãngue.
Petropolis, (Convento Franciscano),
29 de Setembro de 1920.
O '1~raductoJ.•
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PREFAéiO
De certo magnata persa refere-se que era grande amador da sciencia. De todos os lados recolhia sabios escriptos para a sua bibliotheca, levando-os comsigo pt>r onde quer que fo·sse. A emprêsa não era pequena, nem leve a bagagem. Homens eruditos foram encarregados de resumir a sabedoria, de todos esses livros, em certo numero de obras, de modo que um só ~amelo pudesse, commodamente, tudo transportar. Não tardon, porém, que, por sua vez, o novo systema parecesse embaraçoso. Foram então os livros condensados em um unico volume, o qual, por seu turno, reduziu-se a uma maxima fundamental que o ·principe pôde, d'ora em diante, levar por toda a parte, sem fadiga nem tropeços. Melhor e mais facilmente correram então . as cousas.
Um pensamento similar foi o inspirador desta pequena obra.
Existem copiosos' tratados, grossos vo-
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8 Tres Princípios
lumes, relativos á vida espiritual. A quem será dado saber-lhes os nomes, ou, simplesmente, conhecer-lhes o numero? Todavia, não nos queixemos dessa grande abundancia. Por mais que se escreva e leia, o assumpto nunca ficará esgotado: Nada ha mais bello e proveitcso para o homem.
Como, porém, com pulsar tantas obras e assenhorear mo- nos do conteúdo dellas '?
Ha, pois, incontestavel .vantagem em. poder haurir a scicncia da vida espiritual e dos santos, sem detrimento dessa mesma sciencia, recorrendo a alguma obra simplificada e 'abreviada. Aliás é esta a tendencia hodierna; condensar, simplificar, levar á pratica, tudo o que se relaciona com a vida. Em nós mesmos, no de· correr da existencia, opera-se uma simplifi· cação. Com o tempo tornamo-nos de uma admiravel singelez,a. Toda a philosophia da vida acaba por resumir·se em uma breve maxima que nos domina o espirito, inspira e governa toda a nossa vida. Quan · to mais nos aproximamos de Deus, nosso fim ultimo, tanto mais nos apropria· mos algo de sua simplicidade divina.
O mesmo se dá com a verdade; uma só, bem e praticamente comprehendida, basta para nos tornar santos.
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Prefacio 9
Neste opusculo, encontrar-se-á toda a vida espiritual simplificada e reduzida a tres lições fundamentaes, sem as quaes 8
mais transcendente ascese de nada ser-viria. Faltar-lhe-ia o mais necessario, o essencial, e ella nunca conReguiria fazernos attingir a m ' ta. Ao envês, com o auxilio destas tres lições devidamente comprehendidas, de maneira que nossa vida seja como impregnada dellas, seremos verdadeiros asc:etas, mediante a graça de Deus. Se, porém, no curso da vida espiri· tual, notarmos alguma falha ou desvio, façamos um exame relativo a essas tres lições, afim de verificarmos se nossa vida pratica está de accordo com os seus dictames. Indubitavelmente descobriremos Q ponto fraco e, para trtlhar de novo o caminho da perfeição, só nos resta compenetrarmo-nos, ainda uma vez, desses ensinamento3 e por elles modelarmos o nosso viver.
Sabedoria de algibeira - Tal é o titulo que um escripter espirituoso deu ao seu Tratado da vida no mundo - «Ascese de algibeira» -poderíamos tambem dizer em referencia ao nosso livro. Nelle se nos depara a quinta essencia da vida espiritual: a ascese em miniatura. Tres lições bastam para expo-la, na integra. · As bôas
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10 Tres Principias
cousas vão tres a tres - diz o proloquio. - Aqui vão ellas, tambem por tres.
Estreitamente enlaçadas, s·uppondo-se e eQmpletando-se mutuamente formam o annel dos sabios - annel em que se en~ gasta a inestimavel perola da perfeição . christã, thesouro tão precioso, que o negociante arguto, pesquisando .objectos ra· ros, se suje'ita, de bom grado, a todas as fadigas, despe:ide os seus haveres, só corp o fito de assegurar-se a posse delle.
(Math. XIII, 46)
Luxemburgo, 8 de Agosto de 1909.
O Autor.
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PRIMEIRO PRINCIPIO
Orar A oração é, pgra o homem, a origem
de todo qem. D'ahi se jnfere que saber orar, dar á oração o devido apreço, entregarmo·nos a sua pratica, com zelo e fervor, é1 para o tempo como para a eternidade, um thesouro de valor inestimavel.
Esta primeira lição impulsionará nos· sos esforços para a consecução rlesse ob· jectivo.
CAPITULO PRIMEIRO
O que é orar
1. Orar é tudo o que h a de mais simples, e a primeira razão disso é a propria necessidade que temos da oração.
2. Para orar, 'nào é mistér talento excepcional •. eloquencia, dinheiro nem recom· mendação de especie alguma. Até a devoção sensível não é necessaria; a Joçura, a consolação são cousas accessorias e não
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12 Primeiro Principio
dependem de nós. Se Deus no-las dér, deveruos recebe·l&s com reconhecimento, porquanto ellas tornam à oração mais agradavel. Orar, não obstante a aridez, é sempre orar. Consolados, ou não, cumpre faze-lo. ·
3. Para isso, basta o conhecimento. dé Deus e o de nós mesmos, saber o que Elle é e o que somos nós; como ·infinita é sua bondade e quão profunda a nossa mis~ria.
Para orar, urna unica sciencia é necessaria: a fé e o càtecisrno.
A'3 palavras serão dictadas pelas nossas proprias necessidade'3. Poucas ideias (quanto menos numerosas, melhor será) alguns desejOd, e finalmente umas palavras saídas do coração, - porque se assim não fôr, não ha ora~ão propriamente dita, -eis tudo o que é preciso.
Haverá, por acaso, um homem que não tenha um só pensamento, um npico desejo ? Pois bem, é apenas do que havemos mistér para emp·rehender o nobre trabalho da oração. A graça, Deus no-la · dá, de bom grado, a todos e a cada um . em particular.
4. Por conseguinte, orar, é simplesmen· · te falar com D~us; é conversar com Elle, mediante a adoraçãG, o louvor, a súpplica. Alguns theologos opinam ser a oração um discurso feito a Deus, uma audiencía
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Cap. I - O que é orar 13
por Elle concedida. É avançar muito. Grande é o numero dos que não sabem produzir um discurso, e a audiencia, sen· do por demais cerimoniosa, exclue a cor· · dialidade.
Durante a oração, o nos E o proceder deve ser identico ao que temos relativamente a um amigo intimo e querido. A elle confiamos com sinceridade o que nos vai na alma: dissabore5 ou alegrias, esperanças e receios; delle recebemos conselhos e avisos, auxilio P- conforto; com elle deci dimos os mais importantes negocias, sin gelamente e quási sempre sem que a sen· sibilidade se manifeste de fórma alguma. E isto não obsta que tudo seja · tratado séria e lealmente. É assim que, na oração, devemos ser para com Deus. Quanto maior fôr a nossa simplicidade, tanto melhor será: demos largas ao coração.
5. Se muitas vezes a oração se nos antolha P.enosa e difficil, é culpa nossa; é porque não sabemos como nos avir, e fazemos della uma idéà erronea. Manifes· temos a Deus os sentimentos. de n(lssa alma; digamos as cousas taes como se apresentam e a oração será sempre proveitosa. Todo caminho leva a Roma, diz o adagio, e toda ideia abre o seu para chegar a Deus.
Só saberemos orar quando o fizermos
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14 Primeiro Principio
simplesmente. Que nos adianta dirigirmos ao Senhor discursos sublimes ou tornea· dos com graça ?
Se acontecer que nenhuma ideia nos ve-. nha á mente, tenhamos a simplicidade de expôr essa mesma nossa indige.ncia: É isto ainda orar, glorificar a Deus e ex: pressamente advogar a nossa causa.
CAPITULO 11
Grandeza e excellencia da oração.
1. Os pensamentos são a imagem da alma. A nobreza, do espírito que os con · cebe póde aquilatar-se pela sua maior ou menor elevação.
Emquanto. applicada, exclusivamente, ás cousas terrenas, visíveis e criadas, a a.lma como que se confina nas regiões do finito e do nerecivel. Quando, porém, ella se occupa do Criador, adquire algo de excel· lencia divina. Pensar em Deus é apanagio do anjo e do homem, e como Deus é superior a tudo, facil é ded.uzir-se ·que a mais nobre fu.ncçào do espirito consiste nesse pensamento, quando elle é o que deve ser. É mórmente pela oração que o nomem se eleva até o Supremo Bem. Ora, que póde haver mais intimamente unido á criatu·ra, que a imagem mesma de seus
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Cap. Il - Grandeza da oração 15
pensamentos? E, no presente caso, essa imagem é o proprio Deus; isto é, o que ha de maior, de mais bello e excellente, no céu e na terra. Logo, pensar nelle, é o mais honroso dos privilegias.
Neste mundo, abstraindo da commu· nhão, nada nos póde unir mais perfeita· mente ao ~Criador que a oração. E' mui facil discorrer com nossos semelhantes, · porquanto, os vemos e ouvimos; é mistér porém, mais alguma cousa, para poder conver.sar com um ser invisível, um puro espírito e faze.lo âe modo condigno é indicio de um espírito superior, convenien· temente formado e que se move á vonta· de no sobrenatural. O mais ingenuo dos servos de Deus que, mediante a oração, sabe tratar com a Majestade divina, acha· se apto para se apresentar na côrte de qualquer rei ou imperador. O que torna a oração difficil e penosa, ao homem vul· gar, é o tédio; porém o tédio se encontra precisamente nesse mesmo homem que é um &er material e de espírito apoucado e nunca na .oração.
Acha ·la , pois, fastidiosa, não é recom· mendação muito lisongeira. Ao envês, a facilidade de orar, o gosto da oração pro· vam que o espírito triumphou das vulgaridades terrenas. Rememoremos attentamente essas verdades, afim de nos conven-
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16 Primeiro Principio
cermos que a prece é a melhor e mais nobre das occupações:
2. Pela oração, o homem eleva a sua alma a Deus: é uma honra insigne. E Deus se inclina para o homem; é f&vor ainda mais alto. Vivemos neste triste mundo; Deus habita as alturas do céu: a distancia é incommensuravel. A oração é a pon· te lançada entre a terra e o céu e por on· de a Divindade desce até nós. Quão ma· ravilhosa se revela a liberalidade do Cria· dor, sua misericordia e ineffavel condescendencia, neste convite cheio de amor: cPedi tudo o que desejais; achegai-vos de mim quando quiserdes; para isso não faz mistér apresentações, sereis sempre bemvindos; disponde de tudo o que me pertence e até de mim mesmo. »
A absoluta liberdade que Deus nos con· cede na oração, não é uma prova irrecusavel de que divina é a nossa origem, que fomos criados para viver na familiarida· de do Criador como filhos que somos? Oh! excesso de bondade! Haverá alguem mais fidalgo que Deus? e no entanto quem é menos avaro de seu tempo'? EIJe deixa tudo ao nosso dispôr. Em parte al· guma encontraremos mais sincero e affectuoso acolhimento. Junto delle sentimonoa á vontade, no concbego da família, mais que em nenhum outro lugar.
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Cap. III - O preceitü da oração 17
3. Na verdade, o homem possue admiraveis privilegio~:! E, não obst~mte, como são elles pouco apreciados!
Se Deus distribuísse dinheiro e pão, todos acudiriam açodados, como outr'ora os judeus que s~ precipitavam após .o Senhor, em seguida á multiplicação dos pães. Mas elle nos dá a honra de admittir-nos a sua familiaridade divina e desdenhamos esse f:wor! Alguns chegam até a . envergonhar-se de orar!
Não será, por ventura, corar de Deus e renunciar ao mais excellente de seus pri" vilegios?
A q'l-telle que se esquece da oração ou a desaprende, olvida ou desconhece seu proveito proprio e sua melhor · gloria.
CAPITULO 111
O preceito da oração
1. A oração nos foi concedida por Deus: temos pois o direito de orar. Além disso, o Senhor no-la preceitúa: assiste-nos, por conseguinte, o dever de orar.
2. Esse preceito já se encontra nas Taboas da Lei, cujas prescripções, aliás tão antigas como o homem, lhe estão gravadas no coração porque exprimem a lei natural. A primeira Taboa nos obriga á rei~ -
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18 Primeiro Principio
gião e ao culto de Deus. Ao entrarmos no mundo, trazemos comnosco essa obrigação, dimanada da nossa propria ori· gem, porquanto, pela criação, viemos de Deus. O homem deve pois reconhece-lo por seu Criador e honra-lo como tf!l. Nesse intuito, a religião sempre existiu no mundo, attestando, assim, que elle pertence a D-eus e de Deus depende.
3. E mais, nunca houve culto sem oração a qual foi sempre e essencialmente uma pratica da religião e tem ·por fim prestar, ao Criador, a homenagem que lhe é devida.
E ainda, a oração é um acto principal e, por assim dizer, a alma do culto que nella se funda inteiramente, se affirma e se man· tém mediante a prece publica ou privada.
4. Organizar a prece é pois organizar a religião. O Salvador teve o cuidado de não omittir essa particularidade e confirmou o mandamento primitivo, ensinandonos a orar, por suas palavras e proprio exemplo, e proporcionando-nos um modelo de oração. Foi a Igreja que nos indicou exactamente o modo pelo qual deve aer observado o grande precl:!ito natural da oração que nos obriga tão rigorosamente. Nosso Deus ê o Deus vivo. Seu poder criador se exerce constantemente em relação ás criaturas, conservando-lhes
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Cap. III - O preceito da oração 19
a existencia ; por conseguinte, Elle exige que, por uma prece ininterrupta, lhe testemunhemos nossa gratidão.
Ainda nesse sentido, a humanidade sempre orou: é o cunho divino nella impresso. A proporção que Deus extende sua força criadora, de um mundo a outro, vaise ·dilatando o circulo da prece. Um unico ser não tem necessidade de orar : é o proprio Deus, porque possue a plenitude de tod.os os bens. As criaturas, vivendo da bondade do Criador, têm o imperioso de-ver de orar sempre. ·
5. Deus preceituou-nos a ora-ção por duas razões: uma relativa a si proprio, outra referente a nós.
Se Elle nos pede a vassallagem de nos· sa prece, não é que della necessite, pois de nada ha mistér. Exige-a por motivo de justiça e de santidade. E' Elle nosso Senhor, nosso Pai, a fonte de todos os bens. Não póde desconhecer-se a si mesmo; abdicar seus titulos e dar sua gloria a outrem, Relativamente á criatura, a recusa desse preito, equivaleria a nma revolta contra Deus: a uma verdadeira apostasia. Em relação a nós, o Senhor ordena que oremos, antes para nos conceder s.e.1ts beneficios que para receber qualquer cousa de nossa parte. Nem sempre merecemos os dons de Deus; nem sempre nos
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20 Primeiro Principio
achamos convenientemente preparados para recebe-los. E' pois necessario predispôrmo·nos a isso; é esse, precisamente, o fito. da oração. Como acima deixamos dito, a prece é u-m acto da virtude da religião. Tenhamos ou não consciencia disso, quando oramos, nos~a intenção é sempre de honrar a Deus. Esse intuito está na propria essencia da oração e não podemos prescindir delle. Ora, grande e magnifica é a homenagem prestada, assim ao Criador.
Orando, reconhecemos humildemente nossas necessidades e profunda indigencia; proclamamos o poder de Deus, sua bondade, a fidelidade que guarda ás suas promessas, nossa absoluta confiança n& divina misericordia.
Quando oramos, rendemos ao Senhor um culto verdadeiro, santificamo· nos, attraímos sobre nós a benevolencia divina e nos tornamos aptos para receber as effusões das graças do ~éu. Em summa, pela oração, não induzimos Deus a dar, mas nos dispomos a receber. A supplica dirigida á criatura differe da que . se dirige a Deus neste particular: aquella induz o homem a conceder o que se lhe pede; esta predispõe a alma a receber &
graça impetrada. Além disso, nada é mais justo e de
maior proveito, para o homem, que a hu-
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Cap. I1I - O preceito da oração 2J
milde confissão das proprias necessidades e miserias, e o devido apreço dado aos beneficios do Criador. E' precisamente o que fazemos mediante a oração.
6. Considerada como um acto do culto, como homenagem devida ao Senhor, a oração é não sómente um meio de obter o que solicitamos, mas tambem o fim proximo de nossa vida. Fomos criados por Deus para adorai-o, ama-lo e servi-lo. Nessa ponto de vista a oração nunca é demasiada. Por meio della preenchemos o nosso fim, attingindo-o, neste mundo, tanto quanto possível. Foi essa ideia que deu origem ás Ordens contemplativas, Até no céu a oração será perpetua. É ella que mantem o reino de Deus, aqui na terra. Quando a oração desapparece, finda-se elle no coração do homem. Quantos males não causaram, á sociedade, as deploraveis discordias religiosas ! O sacrifício, o louvor de Deus, cessaram com a suppressão dos conventos. Maior razão nos assiste para . praticarmos a oração, reparando assim, o damno feito ao reino de Deus.
7. Dado isto, não é maravilha que to. dos os homens de bôa fé, todos os christâos que tomam a religião a sério, se entreguem á pratica da oração. Para elles o culto divino, e, por conseguinte, a prece,
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22 Primeiro Principio
tem a primazia s0bre todas as outras causas. Nós, os christãos, somos essencial· mente um povo de oração. O Antigo Testamento não conta entre suas personagens nem Aristoteles nem Platão, mas possue a verdadeira prece e, com ella, a véra sciencia de Deus, o modo condigno de adorá-lo. A religião christã começou no Cenaculo de Jerusalém. Os pagãos con· templavam admirados os fieis em oração. As igrejas christãs foram e são até hoje casas de oração, ao passo que os gentios nunca tiveram uma ideia real do que ella fosse. A prece é a propria essencia dareligião, isto é do bem por excellencia. Assim o comprehendeu sempre a humanidade. E o valor desse testemunho não póde ser aluído nem pelos pantheistas que não oram nunca, porquantq, endeusandose a si proprios, se têm em conta de uma parcella da divindade, nem pelos materialistas cujas ideias não se elevam acima do visível; ·nem pelos discípulos de Kant que se julgam dispensados de orar porque não comprehenderam ou não. querem comprehender as prova~ da existencia de Deus, nem pelos disGipulos de Schleiermacher que, para se pôrem em oração, estão sempre á espéra de não sei que disposições especiaes.
Que valem essas negações ante o im-
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Cap. IV - A oração, o meio da graça 2~
onente testemunho da humanidade, dós eculos, da razão e da fé, attestando o
·m prescindivel <dever da oração ?
CAPITULO IV
oração, o grande meio da graça ,
Luz - ar - alimento - sem essas tres ousas não é possivel C(Jnceber- se a vida
material. Outro tanto podemos dizer da prece, em relação á vida espiritual. Se .uisermos salvar-nos, devemos orar.
1. Rememorep1os algumas verdades incontestaveis e certos principias admittidos
niversalmente. Sem a graça, não ha salTOação: sem a oração, ao menos trata.ado· ~e de adultos, não se recebe a graça. Logo, ambas são indispensaveis.
É certo que Deus instituiu os sacramentos para nos communicar a graca; mas, em varias pontos de vista, a oração importa mais que os sacramentos. Estes nos proporcionam algumas e determinadas graças, aquella póde, num dado •ID O
menta, obter-nos todas ellas. Não nos é possível recorrer aos sacramentos sempre e em todo o lugar, mas sempre, e em toda a parte temos a opportunidade de orar. É pois mui veridico o proloquio: 01·ar bem equivale a bem viver. Mediante a prece,
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24 Primeiro Principio
o homem proporciona · a si proprio, os recursos necessarios para se conservar á altura de sua missão. Sendo assim, é forçoso admittir as seguintes inaximas que se impõem ao espírito, por sua profunda significação: «Nada podemos alcançar sem a oração. Toda confiança, qu,e se não estriba na oração, é vã. Deus tudo deve á oração po·rque a ella tudo p·ro· mfteu. Ordinariamente Deus não concede _qraça alguma sem que ella lhe seja pedida; a unica que está fóra desse caso é a propria g·raça da oração. »
2. Estas são verdades g:eraes. Ha, porém, na vida christã, determina
dos actos de virtude mui precisos e para a realização dos quaes a oração é absolu-tamente indispensavel. ·
Em primeiro lugar, a observancia dos mandamentos, imprescindível, .se nos quisermos salvar. Orij,, de nós mesmos e sem o auxilio da graça não temos o vigor necessario para · isso. Accresce que nem sempre eHtaiL os seguros de p0ssuir essa mesma graça, que nos jaria a força de permanecer indefectivelmente fiéis. ..É impossível superar essa difficuldade:. , dizeis vós, ante um obstaculo que surge imprevisto. Com effeito, póde eer que realmente não estejais ainda de posse da graça neceesaria para triumphar delle;
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Cap. IV - A oração, o meio da graça 26
ndes, porém, a que é precisa para orar. eus não exige impossíveis. On elle con
e o proprio dom que lhe pedimos, ou a raça da oração que .no · lo obterá. · Vêm, em seguidas, as tentações . Naturalmente somos incapazes de ven·
_e-las, mas ellas nunca chegam a ponto e obstar a oração. A nossa pusillanimi · ade provém da deficiencia de nossa pree. O triumpho dos santos foi devido á .ação. Privadus dess~ soccorro teriam
- ccum bido como qualquer de nós. Isto é particularmente exacto, em rela·
-o ás tentações de carne que nos céam, quanto ás consequencias d·o pecca
; nos fazem olvidar as boas resoluções destróem o temor dos juizos de Deus.
:e não nos valermos d~ oração, estamos · remediavelmente perdidos.
F inalmente, não é possivel salvarmo-nos -::em a graça da perseverança. Esta é um
signe e especial favor que Deus nos conede, enviando-nos a morte no momento em _ue, livres de peccado, ella é para nós a men
geira da bemaventurada immortalidade. A graça da perseverança, diz Sto. Agos-
·nho, é tão grande e excellente, que, por , mesmos, não a podemos merecer e só os é dado obte-la mediante humilde pre
-~- Descurar de alcançá-la peta oração, é a de que somos indignos de a receber.
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26 Primeiro Principio
Eis o domínio da oração e até onde vai sua necessidade. Oramos muitas vezes com o fito de obter bens' transitorios; com quanto maior razão devemos faze-lo para alcançar os eternos !
Ou orar, ou perdermo-nos - tal é a temerosa alternativa.
3. Já o dissemos; é essa a lei da vida. Mas, por que faz Deus tudo depender da oração? Acaso não poderia dar-nos . sua graça, abstraindo' della? A pergunta é ociosa. Ngo se trata do que Deus poderia fazer, mas do que fez. Quis Elle que a oração fosse um meio de obter ·as graças e assim é. Deus é livre e senhor de seus dons ; a Elle compete fixar as condições de alcança-los. Devemos aceítar sua decisão com tod@ o acatamento. Porém, o
·homem é tambem livre e deve usar de sua liberdade cooperando para a salvação propria. A oração corrobora estes dois factos: a livre cooperação do homem e a liberdade de Deus na escolha dos meios. Um e outro faze.r;n parte do plano divino da· Criação. Relativamente a Deus como ao homem, a liberdade é um •factor desse mesmo plano cujo escopo é a salvação da humanidade e a glorificação de Deus. E' exclusivamente mediante essa cooperação nossa que merecemos a bem aventurança eterna. A oração
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Cap. IV - A oração, o meio da graça 27
' a mínima das cousas que o Senhor pos:a exigir de nós. E', portanto, justo que, ejeitando a prece, seja o homem exclui· o da graça e do Céu. · 4. Os ensbamentos da Escriptura e os
· a Theologia, referentes á necessidade da prece, são graves e formaes; delles pode· =iamos inferir que, considerada como ca-
al da graça, é ella indispensavel não sóente por effeito de uma disposição divi
a, mas ainda em virtude de um preceito -a lei natural.
E' certo que, afóra os que são relativos fé, á esperança, á caridade e á recepção s sacramentos, Christo não nos prescre·
-eu nenhum mandamento positivo. Logo, - Elle preceitúa a oração com tanta in-<~tencia, é por fazer ella parte intrínseca
economia da salvação. Effectivamente, ado que Deus baseie sua acção pessoal
• nto quanto possível, no ccmcurso de -usas subordinadas, e que o homem, na edida de · suas forças, deva cooperar pa
a propria salvação, a Providencia di-·na não podia collocar ao dispor da cria
a um meio mais natural e que estives· , _ mais ao alcance de todos.
De facto, podemos inquirir a nós mess se por acaso existe outro agente e não este, quando vemos até que pon· _eina, em toda a parte, o esquecimento
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28 Primeiro Principio
de Deus, a indifferença religiosa, a dissipação, o espirito mundano que domina d'um extremo da terra a outro. Soffremos de doença mortal e essa enfermida· de é a frieza de nosso coração para com Deus e para com tudo o que diz respeito ao sobrenatural. O homem caminha a esmo, como a sonhar, até que sobrevenha a morte, e então adormece elle na eternidade, como o desgraçado viandante entorpecido pelo frio, nos cimos nevosos dos Alpes. Que é preciso para tirar o pobre d~ase torpor mortal '? Orar. A prece é o bom anjo que nos levará novamente a reflectir, a entrar em nós mesmos, & me-
. ditar, a examinar-nos, que despertará em nosso coração o desejo )atente, as saudades de outra patria mais feliz, de um mundo melhor e, em nosso espirito, o pensamento de Deus nosso Pai, tão menoscaba· do e esquecido. Foi á oração que o Filho Prodigo deveu a dita de tornar á casa pa· terna. E' ella ainda e :;empre que, neste mundo, destróe o peccado e combate o olvido de Deus. Além disso, os dissabores, as decepções, os infortunios são tão fre· quentes neste valle de amarguras que, privado de consolo, o homem entregar-seia a0 desespero, cavando assim a propria ruina. O nosso coração anceia po-r um .amigo a quem possa confiar s~as magoas
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Cap. V -- O poder da oração 29
~ristezas . E não é Deus o melhor e ais seguro dos confidentes~ Onde en
- ntra-lo, porém, se não fôr na oração, a : al é um com mercio que com Elle man. mos~
oração exerce em nossa alma o du-.o officio que tem a respiração, relativa· ente á vida physica. E' por ella que, de
__ r to modo, exhalamos nossos soffrimen- s, nossas necessidades e angustias e as-- · amos a graça, o conforto, a luz.
<Bemdito seja Deus que não me recusa - dom da oração, nem a sua misericor:ia.> Ps. LXV. 20,
CAPITULO V
O poder da o~ação
oração opéra maravilhas . . Como todas as obras sobrenaturaes,
::: eHa meritoria e satisfatoria. O que pro=~ 'amente lhe pertence é a impetração. O
mem ora e pede: Deus lhe ou v e e at·:nde a prece, não tanto em vista dos me- · ~" imentos que a criatura possa ter, porém, -. 'ncipalmente em virtude da mesma pre-
A impetração corresponde á for.;a da ::-ação como tal e não ao mérito daquelle
e ora. E esse caracter particular, é o - e mais cabalmente demonstra a excel-
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30 Primeiro Principio
lencia da oração e sua valia aos olhos. de Deus.
2. E até onde vai o poder da impetra-ção? Extende-se a todas as necessidades do homem sem exceptuar nenhuma, não tendo outros limites que não os da f)mnipotencia e misericordia divinas. Assim no-lo affirma o Salvador: Crêde que obtereis tudo o que pedirdes 1). Pedi e recebereis 2).
Se, pois, Deus nada exceptúa, não nos cabe a nós fazer restricções. Por conseguinte, devemos pedir tudo o que razoa· velmente desejarmos e que seja conforme á vontade divina, mórmente os bens espirituaes. A nossa confiança de •>bte-los deve estar na razão da excellencia e necessidade deeses dons: Relativamente ás vantagens tem poraes, importa proceder com alguma reserva. Tal dellas não nos poderia ser concedida, senão por punição divina. A Sag:çada Escriptura prova magnificamente a efficacia da oração. Israel no deserto, Moysés, Josué, os grandes feitos dos juizes e os dos Machabeus, os milagres de Jesus e os dos Apostolos, em summa toda a historia do antigo Povo de Deus e a da Igreja não são mais que a historia da oração e de seus effeitos. É - l}Math. XXI 22; VII, 7.
2) joann, XIV, 13.
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Cap. V - O poder da oração 31
u rna continua · e maravilhosa cadeia em que a prece humana e a humana miseria se entrelaçam com a misericordia divina, o soccorro de Deus.
As leis naturaes derogam ante o poder a oração, porquanto momentaneamente
podem permanecer suspensas: Foi a ora· ão que fez parar e retroceder o sol 1). Assim como a abobada celeste se exten;
e sobre nosso globo, tal a prece se desobra, por sobre a humanidade e lhe pro
:ege a marcha através dos seculos. 3. Existe um mundo, o mais das vezes culto aos nossos olhares e conhecido
penas do céu, no qual a acção da prece ~e revela gloriosamente; é o mundo das al mas, o r·eino onde ellas se formam e :e purificam santificando-se. Tudo acbba
r ceder ante a suave e penetrante effi-cia da oração : paixões indomitas, vio
=ncia das tentações, occasiões perigosas, e tudo ella triumpha, transformando o
mem, brandamente, por uma gradação - ~ansivel ..
O ferro é duro ·de malhar. Submêttei-o: rém, á acção do fogo e podereis dare a fórma que quiserdes. Orai, perseve. na oração e dominareis vossas pai·
-es, quaesquer que sejam.
jos. X, 13.
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32 Primeiro Principio J' -----.-------.---.:-- .1 «Ei-lo que ora» dizia o Senhor a Ana
nias, referindo-se a Paulo, convertido du· rante o percurso de Jerusalém a Damasco. Saulo só respirava odio e ameaças contra o Senhor :-o Senhor o subjuga e, mediante a oração, o transforma em seu Apostolo. Nada ha que temer de um ho· mem que ora, assim como nada ha que recear a seu respeito.
Aquillo que os Antigos esperavam da philosophia, isto é, a nitidez e a paz do espírito, o equilíbrio dos sentimentos, a fortalez& na tribulação e no soffrimento, -a oração o dava aos primitivos christãos. Era ella que lhes fazia as vezes de escola e metapliysica; era ella a poderosa alavanca que lhes permittia soerguer a terra do mundo pagão.
Ainda hoje, é nella que reside a força, a sciencia e a política da Igreja, que por meio della triumpha sempre, seja subju,gando o adversario, seja convertendo-o.
4. Onde, porém, se acha o segredo da efficacia da oração ?
Na união da criatura com o Criador. Grande é o poder do homem no dominio da natureza, ainda quando se acha reduzido ás proprias forças. Qual não será, se elle opéra com Deus e nelle se apoia·; se tem a seu favor a Providencia, a Sabedo· ria e o Poder da mesma Divindade?
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Cap. V - O poder da oração 33
É, pois, de admirar que haja milagres ? ediante a oração o homem torna ·se, nas ãos de Deus, um instrumento intelli·
eente, e assim a elle redunda parte do esultado.
Na alliança formada pela oração, entre eus e o homem, este só concorre com a .. opria fraqueza, a qual confessa, imp!o· ando o auxilio divino. Deus contribue
. m a sua bondade, seu poder e fidelidade. ~ ão se trata, no presente caso, de qual· er mérito noss.o, mas da misericordia
_:•d na, causa efficiente do poder da oração, à. fraqueza é sempr'3 poderosa ante a
::rdadeira magnanimid&de. Se um anima· ::·o recorre & nossa prQtecção, não lhe :.~e i tamos a supplica. A criança é omni
ente no seio da familia; pede e tudo - em. Comparati\ramente ao animal, o
mem é menos favorecido, em mais de ~ ponto de vistR. O animal nasce pro"jo do necessario para subsistir: possue mas e vestimentas; o homem perma
::"e sem defesa, por largo espaço de - mpo, Eis a razão pela qual Dens o do
de mãos cuja habilidade e inrlustria e perm ittem acudir ás suas necessida·
es . Em relação á vida espiritual, a ora· ·o nos presta auxilio similar. Por meio ella o homem póde prover-se de alimen-
ve~tuario, adornos e protecção ; póde 2
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34 Primeiro Principio
emprehender cousas árduas e tudo levar a cabo. É ella, pois-, não -sómente a metaphysica, mas ainda, a dynamica do cnris tão. Quem déra fosse a nossa vida sem. pre conforme ás suas leis!
Por meio da oração, o .homem toma parte nos conselhos da S. S. Trindade onde se debatem os interesses do mundo. Não ha um só delles em que a prece não tenha o direito de intervir e assim um simples e humilde christão regula, de concerto com a Divindade, os destinos do universo. E sempre assim foi.
A sorte do christianismo não se deci· diu unicamente no combate da ponte Milvia, nem tão pouco, apenas nos amphitheatros, onde· os martyres davam a Deus o testemunho do sangue; mas tam· bem no silencio das igrejas subterraneas, onde oravam os fiés; sob as palmeiras dos eremitas emulos de S. Paulo, e nas grutas dos Antonios. Im mensa é a effica· cia da oração e não está na nossa alçada aquilata1' o poder que ella nos confere, porquanto, attinge o proprio Deus, que ella, num peculiar sentido, desarma e violenta, evidentemente por que Elle assim o determinou. O Senhor se apraz nessa violencia que, longe de apouca-lo, o glo·rifica.
Essa verdade nos deve animar e dar
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Cap. VI - Predicados da oração 35
fiança na valía da oração, ou melhor, _ sua omnipotencia.
CAPITULO VI edicados que a oração deve ter
nós que não a Deus, devemos attri ·r a inefficacia de nossas preces. Tres
as causas determinantes dessa insuf·encia. Ou ella se acha em nós, ou em : a oração ou, em fim , no objectivo da 2 ma.
ali, male, mala. Geralmente a oração a reunir as seguintes condições :
Primeiramente, cumpre termos uma sciencia nítida do que constitue o 'ob-
: :o de nossa prece, isto é, faz mistér - tenção, a attençào e o recolhimento. - ponto importante é não nos querermos
:.rair ou não nos entregarmos, sciente~ te, ás divagações. Como poderá Deus ender -nos, se nós mesmos não temos _ ~ci encia do que estamos a dizer? Cer..... en te o nosso anjo custo.dio sentirá pe- ·
e apresentar á Majestade àívina se~· ante prece. Aliás o nosso proprio in
- e::se exige que procedamos de modo erso, porquanto, as distracções volun· ·as, não sómente constituem obstacuás graças divinas, mas acarretam ne
~:ariamente um castigo. Quanto ás in·
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36 Primeiro Principio
voluntarias que sobrevêm, máu grado nosso, ellas não nos privam do mérito, nem tiram á oração o seu · valor satisfactorio e im pet'ratorio. Apenas interceptam o gosto, a doçura que nella poderíamos fruir. Deus conhece nossa fraqueza e tem paciencia comnosco.
Em segundo· lugar é preciso tomar a oração a serio e empenharmo-nos em ser attendidos. Por conseguinte devemos orar com zelo e fervor; estes, não consistem na multiplicidade das orações, se.oão na parte que a vontade nellas toma. Não só~e o incenso se o fogo, consumindo-o, não lhe desprende o perfume que se eleva aos céus. O fervor é a nlma da prece ; Deus escuta a voz do coração e não as palavras que os labias proferem. Conversar com Deus é sempre um acto importante e o que lhe pedimos algo de grande valía. Eis porque o zelo e o desejo são imprescindíveis. Se, por ventura, a confiança na virtude da oração vier a fraquear em nosso espírito, recorramos á intercessão de outrem por meio de prece em commum ou ainda publica; invoquemos os santos e o bemdito nome de Jesus, ao qual está particularmente ligada a efficacia · da ora· ção. 1) '
1) Joann. XVI, 23.
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Cap. VI - Predicados da oração 37
Em terceiro lugar, importa que·a prece seja humilde. Devemos aproximar-nos de Deus como mendigos e não como credo-es; somos réus de peccado e não pode
mos tratar com o Criador de igual a igual. A propria humildade exterior vem muito a proposito; ella praz a Deus, o predispõe em nosso favor e excita o zelo em :::1.0 sso coração.
Em ~eguida - e esta condição é de :u::r.ma importancia - é preciso orar onfiadamsnte, com segurança. Tudo nos
·ncita a isso. Deus quer que oremos, logo, uer attender-nos . Somos criaturas suas
:. filhos seus; esses títulos que n·os dá jús ~ sermos ouvidos favoravelmente, Elle os
nhece e preza mais que nós mesmos. :='inalmente, e importa não olvida-lo, te·
os que nos avir unicamente com a in:inita misericordia de Deus á qual com
ate tl:do decidir. Se grande deve ser nossa ~~onfiança, na
:_ação feita em vista de obter bens ~ espi.:rua9s, faz mistér, porém, evitar dois es- · _ lhos, quando -fôr questão de favores de
!" em temporal: implora-los incondiciomente, porquanto, elJes nos podem ser
civos, ou então pensar que nunca os _.em os pedir . • o contrario, cumpre ·faze-lo; porém,
-= modo conveniente. Deus quer que o
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38 Primeiro Principio
reconheÇamos tambem como origem e fonte de todos os bens temporaes; é a razão pela qual no-los faz pedir na Oração Dominical.
Por ulti mo, a oração deve ser perseverante. As prescr ipções divinas que a ella se referem, insistem nessa condição. Devemos orar sempre e incessantemente 1) isto é, não descurar a prece por índolencia, desanimo, falta de confiança ou desprazer. Or amos sempre, quando o faze· mos régularmente, em momentos determinados ; da mesma fórma é costume dizer que nos alimentamos sempre, quando não deixamos de faze-lo nas horas dadas. Se, por ventura, a nossa prece não fôr at· tendida com promptidão, é mistér convir em que, 0u as nossas disposições são insufficientes ou Deus quer pôr, á prova, a nossa bôa vontade. Quantas vezes não espéra tambem Elle á porta dos corações! Aliás, nada perdemos com a delonga. Cada vez que renovamos a oração o Senhor
· nos r ecom pensa com um novo mérito. Todavia, é preciso não nos esquecermos de que não é Elle nosso servo ·e de mo·. do algum está obrigado a responder incontinenti ao nosso· app.ello. É um Pai generoso que sempre nos concede o ne -
1) Luc. XVII, 1.
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Cap. VI - Predicados da oração 39
~essario para o bem nosso, porém, em ·empo opi:JOrtuno. Pedir, a nós compete;
eferir esse pedido é do domínio de Deus. eixemo-lo dispôr da nossa prece como e aprouver . Orar, orar tanto quanto possive_l, faz
· ~ m bem parte da perseverança na oração: -rge orar muito, porquanto, de tudo ca• 2- e mos e é dever nosso interceder tam-em por tantos outros. Pedir unicamente
ra si e só advogar seus mesquinhos eresses não é preencher sua missão na
·::.ra; é desconhecer o poder e a efficacia oração. A nossa, deve ser a de um
~o de Deus, isto é, extender·se a todas ~ necessidades da Igreja e da humani- e inteira.
uantas graves e importantes questões, = q uaes dependem, em grande parte, a - ação das almas e a gloria divina, es
a cada momento, perante o tribunal _ neus, á espera das respectivas s<;>lu--= ! Incluir em nossas preces os inte· ~-e do mundo, apresenta.Jos áo Senhor
mmendando·os a Elle, é isto orar de modo apostolico, catholico, div'ino e
.... es mo tempo humano. --im o fez o Salvador e é o que nos
a na Oração Dominical. Se, por aca-~ontecer que não tenhamos intenção
·-a ou particular, percorramos, e·m
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40 Primeiro Principio
espírito, as differentes . regiões da terra, afim de confiar á protecção divina, os interesses que nellas se debatem; todos reclamam o auxilio de nossas preces.
Assim como aprendemos à andar, a ler e a escrever, andando lendo e escrevendo, assim tambem aprenderemos a orar bem, exercitando-nos na pratica da oração. Se esta nos parece enfadonha e insípida, é porque não recorremos a ella com assiduidade; e, no entanto, quanto importa o gosto da prece, a facilidade de orar ! Se prezarmos a ora~ão seremos engenhosos em achar tempo para o exercício da mesma. Encontramos sempre occasião propicia para aquillo que nos apraz.
CAPITULO VIl
Da oração vocal
A necessidade da oração impõe-se de si mesma. A efficacia da prece é immensa, consoladora a sua facilidade, porquanto está em nosso alcance diversifica-la, ao sabor da conveniencia propria .
A ·oração póde geralmente ser de duas sortes: vocal ou mental. · 1. Oramos vocalmente quando nos servimos de uma formula determinada, cujas palavras são pronunciadas de maneira que possam ser ouvidas ou não.
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Cap. Vll - Da oração vocal 41
2. É fóra de duvida que ~ oração men-al é maic; ex~ellente, todavia a vocal não
deve ser desdenhada, pelo contrario, convém tê-la em grimde estima, primeiramente por ser dirigida a Deus, razão de -obra, para que seja prezada ; além disso, cha-se ella em harmonia com a nossa na·
• reza que é um composto de alma e cor· po. É dever nosso louvar a Deus, utili
ndo todas as faculdades que delle rece· bem os: as do corpo como as da alma. Na
rece vocal, quem ora é o hotnem tomado ~m conjunto: seu coração e sua carne .ej ubilam-se no Senhor 1). A Sagrada Es· .:'i ptura denomina a oração: o fruto dos 2bios que louvarn a Deus 2). Ha tantos
e, não sómente recusam essa homena· "'em, mas ainda b'lasphemam o sant() no· :::Je do Senhor! É pois, justo offerecer ao
·ador uma compensação; é a que lhe _amos mediante a oração vocal.
~ a formula da prece, a memoria encon· • u m apoio poderoso, o sentimento, um -~:imulo na articulação das palavras, nas - ... aes a intelligencia acha 11m pla provisão
• ideias e. verdades . . s palavras são imagens e sym_bolos; -tas em . vibração pela vara magica da em oria, eJlas nos descortinam magni· ~-• LXXXII .
• 1 Hebr., XIII, 15.
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,
42 Primeiro Principio
, ficas perspectivas no reino da verdade e fazem brotar mananciaes da mais suave consolação. - O Espírito Santo compôs, para nosso uso, no livro dos Psalmos, as mais bellas orações vocaes que se conhecem, e o Salvador levou a condescendencia a ponto de nos dar uma formula precisa desse genero de prece. Na celebração de seu culto official, a Igreja só emprega orações vocaes, que, por via de regra, são mui breves. A maior parte da humanidade só conhece esse modo de orar e nelle encontra a salvação eterna. É , pois, essa forma de oração a estrada real que conduz ao céu; a escada de ouro por onde sóbem e descem os anjos, levandc a Deus as mensagens da terra e trazendo aos homens as graças divinas. - Emfim, mercê da oração vocal, a prece da christandade, em todo o mundo, é simultaneamente particular e commum.
A oração vocal empresta sua voz potente á confissão da fé, a qual com munica, aos christãos, força e valflr ; com bate e repelle a incredulidade e rejubila todo o céu.
Isto se dá~ mormente, quando os fieis se reunem em grande numero, formando procissões ou romarias e que, através dos eam pos ou das ruas das cidades, recitam o rosario e entoam hymnos liturgicos, pro-
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Cap. VII - Da oração vocal 43
clamando altamente sua crença. Verdadeir as phalanges do Senhor, neste mundo visível, o rumor de seus passos apavoram os espíritos do erro e da mentira, porquanto, essas generosas manifestações são uma prova de que a terra não lhes é ainda propriedade exclusiva e que elles tê m que se avir com um povo que ora. GranGie é o reconhecimento que devemos a Deus pela graça da oração vocal e o melhor meio de lh)o testemunhar é recorrermos a ella com assiduidade.
3. Entretanto, é preciso convir: esse O'enero de oração apresenta algumas diffi culdades taes como a rotina e as distracções, resultantes ambas do uso frequente e ·quotidiano, da continua repetição das mesmas formulas. Com o intuito de dirimi-las, é bom empregar o~ seguintes meios: Primeiramente façamos o firme proposito de nunca começar qualquer ora-ão, mormente vocal, por mais breve que eja, sem antes nos termos recolhido por
alguns momentos, afim de reflectir no acto que vamos praticar e implorar de Deus a graça de faze-lo dignamente. Quem _uer saltar _um foss0, prepara, primeiro,
arremesso. Sem essa curta preparação, "omeçaremos distraídos e assim iremos
té o fim. Quanto mait3 breve fôr a prece, ·anto mais necessario se torna o recolhi-
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44 Primeiro Principio
mento. Se a oração vocal fôr prolong·ada, convém renovar, de vez em quando, essa retrospecção sobre si mesmo, ainda que não seja senão por um instante; é este um excellente meio que nos ajuda a orar com piedade e fervor.
Em segundo lugar importa reprimir a curiosidade não permittindo que nossos olhos andem a vaguear sem rumo; é bom conserva-los fechados ou então fixos em qualquer objecto.
Com o intento de favorecer o recolhimento, faremos notar, em terceiro lugar, ser licito, ao recitarmos uma oração, quer reflexionar sopre as palavras que a compõem, quer occupar o nosso espiríto com a pessôa a quem elle se dirige, quer, emfim, pensar em nós mesmos e em nossás proprias nece3sidades. Um só desses pontos basta para que haja a intenção requerida. Us.ar ora de um, ora de outro, variando-os , muito contribue para tornar a oração vocal facil e proveitosa.
CAPITULO VIII
Modelos d~ oração
Ha um grande numero de . orações que constituem excellentes modelos, dignos dé todo acatamento, não sóment~ pelo valor intrínseco mas ainda em razão do seu
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Cap. VIII - Modelos de oração 45
utor, que é ou o Espírito Santo ou a greja. Mencionemos, apenas, os Psalmos, a ração Dominical, a Sauda~ão Angelica,
a Ladainha de Todos os Santos e as oraões liturgicas da Igreja. Consideremos c::tda uma de per si, em
ma breve synthese: 1. - Os Psalmos são as mai~ antigas
rações de que temos noticia. Inspirados . or Deus, e destinados, na maior parte, ao culto do .Antigo Testamento, nem por > so deixam de pertencer á Igreja, pela --treita connexão que têm com o Messias. "'ão elles uma prece essencialmente nossa, . orquanto só no Tabernaculo Eucharis··co encontram seu significado proprio e : a completa realização. O objecto desses ~tares são Deus e o homem, as relações • e entre elles existem por meio da Re-elação e da Lei, assim como as bençams, - esperanças, recompensas e castigos que
lias dimanam. · Deus é ahi representado, ora, como Le·
_ ·-lador, Rei, Duutor, Criador e Pai; ora, mo o Messias, o Esposo da Igreja, seu
ontifice e Redemptor, a braços com o · ffrer e a amargura. Por seu turno, o
mem tam bem apparece; considera e ad·ra as obras de Deus e se compraz na
_· do ·senhor; lamenta suas infidelidades,
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46 Primeiro Principio
confessa seus erros, dá graças ao . Criador, implora sua bondade e anceia pela ventura dP. . o possuir.
Todas as com moções e sentimentos que fazem pulsar o" coração humano acham éco nesses admiraveis canticos. Soffrimento ou alegria, appello instante á miseri· cordia divina, grito de angustia na des- • graça, nossas aspirações todas encontram nelles a expressão que melhor e com mais verdade as traduz. Será necessario allu· dir aos Psalmos da Penitencia, mórmen· te ao Miserere que se tornou, para as almas contritas, a humilde confissão .' das propriae faltas'? Aquelles que se deixam enlevar pelos encantos da poesia, descobrem na peculiar formosura desses inimi· taveis hymnos, o que é mistér para satisfazer o espírito e o coração. A leitura ponderada e assídua do livro dos Psalmos, ensinar-nos-á o modo adequado de communicarmos com a Majestade divina. Unida á da humanidade toda, nossa pre· ce será dictada peJo proprio Deus.
2 - Esta ultima consideração se appli· ca especialmente á Oração Dominicat ·que goza do particular privilegio de ser composta por palavras saídas dos labios do Divino Salvador. Recitando-a, podemos dizer em toda a realidade: Vivemos e oraruas median~e o Filho de Deus. AqueHe. a
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Cap. VIII - Modelos de oração 4 7 ----_ em dirigimos nossas supplicas, b.ouve or bem ensinar nos pessoalmente, o mo
de formula-Ias. Ainda prescindindo des~ prerogativa, a Oração Dominical não eixa de ser. por si mesma, a prece por cellencia. É explícita, breve, completa.
·e, te ultimo ponto de vista. ella possue e~se ncia do que constitue a prece: a in
Jcação e a supplica. O titulo de - nosso i - que damos a Deus, implica tanto honra do mesmo · Deus, como a utilidade - a, porquanto, traz á memoria as rela-
-:!s que a Elle nos unem como a um pai; :pira-nos os mais reconfortantes senti· ntos de respeito, amor e confiança; tra·nos no genero humano a que per·
_ ce mos, a grande familia do Pai celeste. - á.s supplicas contêm tudo o que razoa~
- e opportunamente poderíamos solici-e a ordem em que estão dispostas é ais adequada. Referem-se ou ao fim a
e devemos tender, ou aos meios çle al· ca-lo. O fim é duplo: consiste na glo
·cação de Deus e em nossa salvação a posse do céu. Os dois primeiros peos relacionam · se com esse intuito. Dis
-- os em duas séries, acham-se, depois, "atenados os meios de obtermos o
- o fim. Na primeira, solicitamos os _ s necessarios á alma ou á vida mate
- terceiro e quarto pedidol:! ~ na
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48 Primeiro Principio
segunda, imploramos a preservação dos males que possam ameaçar ou impossibilitar a realização de nossos desígnios - · os tres ultimas - Nossa ambição não po· deria ir mais longe, nem almejar cousa melhor. Tudo se acha summariado nessa prece divina. .
É ella, pois, a orrtcão modelo onde tudo é grande, excellente e magnifico. As supplicas visam os mais caros interesses do homem e todo o seu · ~ er, no tempo como na eternidade. Segundo o testemunho dos Padres da Igreja, a Oração Dominical é um compendio do Evangelho e da propria Religião. Instrue a intelligencia, fortifica a vontade communicando·lhe a direcção de que ella ha mistér; resume nossas aspirações, supplicas e anhelos, relativos á sal vaçílo eterna; traz com sigo o penhor de que seremos ouvidos favoravelmente, porquanto, orando, servimonos d!lS proprias palavras de Jesus-Cbristo que intercede comnosco, e, sendo Elle nosso Senhor e Pontifice, é sempre attendido em razão de sua dignidade de Filho de Deus. Nenhuma outra oração nos tine mais intimamente ás intenções e aos sentimen· tos do Salvador, a seu espírito e ao desejo que Elle nutre de promover a gloria de Deus e nos obter a salvação
A Oração Dominical é a eloquente ex·
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Cap. VIII - Modelos de oração 49
pressão do amor de Jesu,s por Deus seu Pai, pela Igreja e por toda a humanidade. ~ ella .está concentrado tudo o que indivi-
ua!mente possamos des·ejar assim como o que corresponde a todas as necessida
es do genero humano. É ella, pois, a prece da familia, do reino de Jesus-Chriso e da Igreja.
3. Mediante a Saudação Angelica, temos o consolo de associar, á nossa prece vocal, Mnri~, Nossa Senhora; s ·oberana e Mãe de cujas mãos recebemos todas as graças e Hob cuja protecção queremos viver e morrer.
É de nobre estirpe a Ave-Maria; é a saudação que, em nome de Deus, um anjo trouxe do céu e jamais mortal foi della favorecido. O Espírito Santo a ampliou, por meio de algumas palavras inspiradas a S. Isabel, e. com o fito de transformala em prece, a Igreja accrescentou o pedido que a finaliza. Desde o XV I seculo, a Ave-Maria é, sob a fórma actual, recitada por toda a christandade. Acompanha a Oração Do~inical e, no concerto da prece christã, é o accorde que resôa em honra da Virgem Mãe. Denominaram-na, com razão, - saudação ininterrupta -porque effectivamente ella nunca ces .... a de écoar na terra para se elevar até o céu.
De que se compõe a Ave-Maria e como
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50 Primeiro Principio
se encadeiam suas diversas partes'? Como qualquer outra oração, contem ella uma invocação e uma supplica. A invocação comprehende ainco títulos de louvor á gloria da Mãe de Deus . Os tres primeiros, formulados pelo anjo, referem-se ao mysterio da Encarnação do qual era mensageiro o mesmo anjo. Recordam como Maria pela plenÍtude da graça recebida, estava' cabalmente preparada para esse grande mysterio, explicam, em seguida, a natureza da propria Encarnação- Deus habitando em Maria, de modo todo especial pela concepção de seu proprio Filho; finalmente, o effeito desse mysterio ::1a Virgem que é por elle elevada e bemdita entre todas as mulheres. Por seu turno, Isabel indica o principio e a causa dessa elevaçãl) e plenitude de graças: - o divino Infante que Maria concebera e daria ao mundo.
A excellencia da Virgem, bemaventurada entre todas, já notificada pelas revelações do Anjo e de Isabel, a Igreja, por sua vez, novamente a proclarfla e attesta, por meio de palavras que são e serão, para todo o sempre, um ctogma memoravel de nossa fé : -Mãe de Deus. - Essa gloriosa invocação encerra tudo o que a fé nos ensina em relação a Maria ; é ella, por assim dizer, a ·summa da doutrina catholica, nesse particular.
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Cap. VIII - Modelos de oração 5 J
A S'ltpplica, de urua profunda significação, não obstante sua brevidade, lembrando-nos a hora presente e aqueJla em que havemos de abandonar o mundo, re· sume toda a nossa vida e a instante necessidade que temos, de auxilio e protecção; exprime eloquentemente a ideia que for mam os christãos, da omnipotente in· erceesão de Maria, e a confiança que de
positam na misericordiosa dispensadora · das graças.
Não se limita, porém, a isso, a efficacia da Saudação Angelica. Reunida, combinada de diversos modos com outras orações, ella assume lugar preeminente, em duas ·mportantes devoções: o Angelus, assigna· ado tres vezes por dia, pelos sinos das
igrejas, e o Rosario. Estas duas devoções não são mais que a Saudação Angelica repetida, á qual se fizeram algumas ad· dições, no intuito de dar ao sentido das palavras, uma relação com os mysterios da vida, morte e gloria de Jesus e Maria.
Desde então, se bem com prehendermos a significação e importancia da Ave Maria, se tomarmos o" costume de recital-o piedosamente, ·podemos ficar certos que oramos com fervor e proveito para a nossa alm a, glorificando, ao mesmo tempo, a :llãe de Deus e Mãe nossa. Cada um de nossos dias será semelhante a uma flôr
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52 Primeira Principio
desse jardim de rosas, onde Maria se compraz de habitar.
«Mas, poder-se-& objectar, não será fas· tidioso repetir sempre as mesmas palavras e insípida a monotonia de uma uni· ca prece? »
Se a oração nos parece monotona e as palavras falhas de · senso, é por culpa nossa. A vista habitual de uma imagem querida, a repetiç2o de um nome amado, ou ainda de um mavioso canto, nada tem de enfadonho em si mesmo. O passaro repete sempre o mesmo gorgeio e nunca delle se enfastia; a criança não cessa de redizer os mesmos nomes fi emittir as mesmas ideias, não obstante, os pais ex· perimentam cada vez, um jubilo novo por· quanto, essas cousas sempre repetidas, partem de um coração amante. ~ essencial é amar e pen.sar no objecto amado; e o que estimula o amor é a reiteração amiudada das mesmas ideias e verdades para que o espírito della se compenetre.
4. Estas considerações se applicam tambem á recitação do Credo, do Gloria Patri e das palavras que acompanham o signal da cruz. Até em suas formulas de oração, a Igreja possue uma força, uma diversi· dade maravilhosa. Assim como Deus esparze por sobre a terra mH germens de flôres os quaes desabrocham em uma in-
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Cap. VIII - Modelos de oração 53
fi nidade <,le variegadas especies, assim, no magnífico domínio da oração, o Espírito
anto opéra, sem cessar, estupenda diver-sidade. .
As orações christãs e catholicas contêm ai opulencia e plenitude de verdades, que
jamais poderão exhaurir-se. É a mais perfeita unjdade na mais encantadora variedade. Assim o Glo'J'ia Pat'l'i é a explanação das simples palavras do signal da , cruz; e o C'l'edo é um commentario mais "opioso de ambos. Ao nome das tres divinas Pessoas, evocadas com brevidade nas duas primeiras orações, accrescenta·se, no Credo, a menção das relações existen -es entre estns mesmas Pessoas ; do
modo como procedem uma da outra · e as respectivas operações exteriores. E
o Credo torna-se desta feita o compendio e nossos dogmas, o symbolo de nossa
fé, um magnífico drama, por assim dizer, uma sorte de Divina Oomedia onde se nos deparam em grandiosa concatenação ')S festivos divinos e os mysterios sobrenaturaes.
5. Ainda uma palavra sobre as orações li turgicas ou formulas de que se serve a Igreja, no seu cnlto publico e por e~se motivo estão revestidas de . sua approva-ão. É indubitavel que, entre as preces
não reveladas, ellas devem ter a pri·
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Primeiro PrincipiÔ
mazia em a nossa estima e yeneração. Ensinando-nos o que devemos crer, a Igreja nos indica a maneira de orar; a regra de sua fé é tambem a norma de sua prece, e em nenhuma parte encontraremos orações mais substanciaes e tão profundamente impregnadas do espírito christão e do perfume catholico. Nel1as, como nos Psalmos e na Oração Dominical encontram-se a clareza, a simplicidade, a concisão, a garantia de sermos attendidos. Quando a Igreja ora, o Espírito Santo, inspirador de sua prece, intercede com ella. Para fazermos ideia do amor, da terna solicitude, do carinho com que a Igreja cerca a humanidade, é bastante ler as orações do Santo Sacrifício da Missa,
. particularmente as da Sexta-Feira da -Paixão e do Sabbado de Alleluia. Não ha um modo de ser, um interesse, um soffrimento da misera família humana, de que ella não tenha a intuição e a intelligencia, pelo qual não sinta compaixão ou deixe de interceder. Sendo todos os homens filhos seus, ella os reu·ne numa mesma prece, em um só amor.
As Ladainhas e, com especialidade, a de Todos os Santos, offerecem-nos uma excellente fó ·ma de oração que remonta ás primitivas eras christãs quando a Igreja se dirigia supplice, em peregrina-
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Cap. VIII - Modelos de oração 5~
ção, aos tumulos dos martyres ou aús principaes santuarios. A ladainha dos
antos, disposta com o intento de servir para uma recitação alternada, e levada a effeito por grandes multidões, lembra·nos, outrosim, que vivemos em pleno cbris-janismo e entre irmãos . Os interesses a Igreja, as necessidades communs aos
ch ristãos, tudo é relembrado pormenorizadamente. O clero e o povo unem as vozes, fazendo subir suas supplicas ao céu. Os membros do clero formulam o objecto da prece, o povo repete e.i.n côro as mesmas palavras. Esta particularidade é uma reminiscencia da constituição ou-orgada por Jesus-Christo á sua Igreja e a Jerarchia que nella estabeleceu. Nas
·nvocações dos Santos, nota-se o cunho eminentemente catholico: alludimos a uma peculiar humildade, a attestação da communhão dos santos e da grande . lei da mediação, mórmente da d.e nosso Salvador, ledianeiro supremo e universal cujo!3 mé
:itos solernnemente proclamamos, enume!"Bndo os mysterios de sua dolorosa Paixão
os de sua vida gloriosa. A ladainha de """odos os Santos é, pois, uma formal pro:·ssão de fé christã. Tudo nella é instru- ivo, simples, natural, grandioso e do !Dais puro catholicismo. .É um modelo
cabado de oração commum e popular.
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56 __ ~ _____ P_r_i_m_e_ir_o_P_r_in_c~ip~l_o ______ ~---
Vem a proposito dizer alguma cousa a respeito das antiphonas que, de conformidade com as estações do anno ecclesiastico, a Igreja accrescenta a seus officios em honra de Mãe de Deus ; são ellas flôres de suave poesia, o que não exclue, como por exemplo, na Salve Rainha, uma delicadeza de sentimentos, profllnda e levada até o sublime.
6. Eis algumas das preciosas gemmas que podemos auferir do thesouro das orações vocaes da Igreja, thesouro, na verdade, magnífico confiado á totalidade dos cnristãos, e a todas as al rn as GJ. ue in· vocam o santo nome de Deus. Além des- · sas, possuim'os grande copia de outras orações vocaes; nossos manuaes estão cheios dellas. Tanta opulencia quasi nos empobrece, porquanto, a multiplicidade nos põe em risco de nos tornarmos superficiaes. Com effeito, nãc é singular, irmos aprender nos livros o qne deverr.os dizer a Deus '? Se não fôr possi vel proceder de outro modo, empreguemos esse meio; antes nos servimos de um livro que orar mal ou deixar de faze-lo. Entretanto seria melhor utilizar de preferencia as antigas e sempre usuaes formulas de prece, aprendidas desde a nossa infancia : A Oração Dominical, a Saudação Angelica, o Credo, o Gloria Patri. Eis o nosso ver~adeiro
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Cap. VIII - Modelos de oração 57
livro de orações. Tudo o que pudermos encontrar naE' diversas compilações se encontra aqui, numa fórma mais singela, mais eloquente e intelligivel. Para alcançarmos esse resultado é mister, porém, darmo-nos ao trabalho de penetrar o sentido dessas orações fundamentaes, aprafunda-las e nos familiarizar com ellas.
7. Outra excellente maneira de orar é o uso das jaculatorias. No que concerne é oração, é isto uma ind ustria pessoal. Consistem as jaculatorias, em aspirações ou actos de virtude mui breves, os quaes no decurso do . dia, segundo áS circum· stancias e sem preparação especial, des· prendem-se de nosso coração e se elevam a Deus. Tudo póde dar occasião a esses impulsos da alma: o soffrimento ou o pra· zer, uma graça obtida ou tentação que nos assalte; o desejo de .renovar nossos bons propositos ou a lembrança do que constitue o ponto do exame particular, uma igreja que se nos antolha, a imagem de um santo ou ainda a presença de tal pessôa a quem desejamos qualquer bem ou queremos preservar de algum mal, finalmente o cuidado de aproveitar os instantes de lazer, assaz numerosos, si nelles attentarmos. Para uma alma aman· te da oração, muito importa vigiar com calma e prudencia afim de que esses mo-
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58 Primeiro Principio
mentos, deixados o mais das vezes improductivos, sejam frutuosamente empregados no louvor de Deus. É isso - sejanos permittida a comparação - uma especie de commercio por miudo; mas um negociante avisado, não descura os pequenos proveitos, pois que é isto um meio de se enriquecer. Quem menospreza as pequeninas causas não é digno das maiores. As jaculatorias são parcellas diminutas, sim, porém, parcellaa de ouro . .
Essa maneira de orar é isenta de distracção! Antes que estas cheguem já as invocações alaram·se céleres a Deus. A pratica intelligente das jaculatorias mantem a alma numa dispcsição propicia á oração. Aquelle que se limita a orar apenas quando fôr necessario, arrisca faze·lo mal.
Relativamente á prece, essas aspirações. são o mesmo que os myriades de pequenos astros scintillantes, para uma noite limpida e serena: ornato e luz, consolo supremo, quando a sombra da hora extrema invadir o céu de nossa existencia.
CAPITULO IX
Da oração mental A oração mental ou meditação é outra
fórma da prece.
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Cap. IX - Da oração mental 59
1. Denomina·se mental, porque não tem ·ormula determinada, e as palavras não ,ão emittidas. E' tambem, chamada- me-
·:ação - consideração - porque, effe·vamente, consiste num reflectir sério. bre as verdades da fé, no intuito de apta-las ao nosso viver pratico. Ab·
-· ahindo dessa fórma utilitaria, a medita-- torna-se méro exercício especulativo :1. estudo theologico. E' aind<.. uma prece, rquanto, considerar qualquer verdade, apenas predispôrmo-nos á oração, a
ual consiste propriamente no commercí0, timo com Deus. Orar é conversar com
.Jeus, e sem este característico a meditaão se reduziria a uma simples reflexão u conversa da alma comsigo mesma. 2. Antes de tudo é mister precavermo-
os contra a ideia erronea de ser a meditação cousa mui sublime, por demais difficil e, por conseguinte, fóra do nosso alcance.
Quantas vezes meditarnos sem nem se-uer attentarmos nisso! Quando, por
exemplo, examinamos o modo de emprehender este ou aquelle negocio, por que e como nos devemos encarregar delle, não fazemos mais que reflectir e ponderar. Si a questão concerne a vida espiritual, é só ajuntar-lhe a prece para termos uma meditação em regra.
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60 Primeiro Principio
3. Ha diversas maneiras de orar men talmente. Alguns autores espirituaes indicam determinada série de ideias, de actos e reflexões como adorar, humilharmo· nos ante a Majestade divina, produzir actos de fé, de esperança 1.3 caridade, etc. S. Ignacio preconiza o methodo deno· minado - das tres potencias. - A memoria, a intelligencia e a vontade são applicadas na consideração de um mysterio da vida do Salvador. A memoria resume brevemente, seja a verdade proposta á nossa consideração, seja a na"rrativa de um facto historico, accrescentando, me· diante a fantasia, a composição do lugar - ou representação do sitio onde se desenrolou a scena. A intelligencia especulativa applica-se a penetrar no amago do mysterio, a comprehender-lhe a verdade, a excellencia, a belleza, as consolações; a intelligencia pratica deduz as adaptações que podem ser feitas á nossa vida ordinaria. A sensibilidade suscita actós de complacencia ou desprazer em relação com o assumpto meditado. A vontade assimila-se o ensinamento recebido e toma sP.riaH resoluções,· implorando de Deus a graça de ' lhes permanecer fiel. Ajunte -·se breve oração preparatoria afim de dispôt o espírito e está completa a mecU• tação.
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Cap. IX - Da oraçã0 mental 61
Este methodo consiste especialmente em ·axercer as potencias da alma applicando-as ao conhecimento de uma verdade da fé ou de um acontecimento historico, o qual por sua vez póde ser dividido em varias partes, sendo possível apresentar cada uma, de per si, ás faculdades da alma num tríplice ponto de vista: personagens, .palavras, acções. Indicada de algum modo pela propria natureza, esta fórma de meditação simples e facif, constitue excellente exercício. O homem todo, servindo-se das faculdades de que dispõe prpcura, mediante o auxilio de Deus, compenetrar-se da verdade divina, e pautar a vida quotidiana em conformidade com as inspirações que dimanam dessa mesma verdade.
As normas de qualquer art.e são uti- · lissimas. aos principiantes. Paulatinamente .a regra se transforma em habito e a pratica torna-lhe o emprego cada vez mais facil, ·
Além deste methodo, S. Ignacio ensina ainda tres outros. O primeiro consiste em percorrer os mysterios historicos taes como, em seus pormenores, se apresentam aos nossos sentidos externos: olhos, ouvidos, · sensibilidade ou disposição em que nos achamos relativamente ás virtudes que lhe são peculiares. "' Utilizado até
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62 Primeiro Principio
pelos maiores Santos, este methodo singelo e commodo, tem a vantagem de purificar e santificar a imaginação, de estimular a vontade e fazer penetrar a intelligencia HO mais intimo recesso dos sentimentos e virtudes do Salvador.
Na segunda maneira de meditar, a alma passa em revista os mandamentos, as obrigaç-ões do propri0 estado, os sentidos internos e externos, examinando seu pro· ceder nesse ponto de vista, excitando, em si mesrr.a, sentimentos de contrição. fazendo bons propositos, no caso de reconhecer ter incorrido em alguma falta. A bem dizer, é isto mais propriamente exame de consciencia, mas é possível transforma-lo em meditação, se, em refere:1cia ao preceito, considerarmos o que é ordena.do ou prohibido; e, quanto aos sentidos, a razão pela qual nos fôram outorgados e o modo de bem usar delles, á sP.melhança do SalvadQr e dos Santos. Esta maneira de orar, sobre contribuir para maior pureza da alma, constitue exccllente preparação para o sacramento da peni· tencia.
O terceiro m0do consiste em nos servirmos de uma formula de oração, detendo-nos em cada palavra emquanto nclla acharmos materia para reflexão ou senti mento. Este methodo é excellente e mui-
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Cap, IX - na oração mental 63
to nos auxilia durante os officios algum tanto longos, ou nos momentos de fadiga ou abatimento. Elle nos dá uma comprebensão mais clara do sentido, da plenitude e formosura das orações, sendo ao mesmo teinpo precioso auxilio quando se tratar da oração vocal, pois nos ajuda a bem recita·la.
4 .. Nada é mais vantajoso a quem tem o lazer e a precisa aptidão para ref lect ir e considerar, do que familiarizar·se com a oração mental. Quantas vezes, na Sag rada Escriptura, o Senhor não nos recom menda a meditação de sua Lei e a consideração de seus beneficios! O divino Salvador orava incessantemente e. a vida contemplativa foi a parte de escol, por Elle recommendada, em uma referencia a :Maria de Bethania. ,
Durante a meditação, a prece prolongase de si mesma, pois as reflexões estimulam o fervor e o desejo; a oração reveste-se. então de um caracter de- intimidade que sem isso não teria. Accresce que seus effeitos, o merito, a satisfação, as disposições para sermos attendido€l, adquirem maior fo·rça e valor.
Os mestres da vida espi'ritua.l são accordes em admittir, como axioma, a imprescindível necessidade da oração mental para todos o~ que visam ã perfeição. D'ahi
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64 Primeiro Principio
se deduz a obrigação de ser ella praticada, com peculiar cuidado, nas communi· dades . religiosas, mórmente nas Ordens que, abraçando a vida mista e apostolica, conservam. relações com o mundo. Uma regra que prescreva a oração mental e a conscienciosa fidelidade a observar essa prescripção, podem até compensar uma clausura relativámente pouco rigorosa e vida exterior menos austera. Oom effeito, nã.o é possível tornar-se apostolo e homem de fé, aquelle que, amiude, não evoca as verdades eternas, no intuito de medita-las, de penetrar-lhes o sentido e modelar a vida pelos seus dictames, e se não impregna da virtudP. que dellas efflue, por meio de fervorosa prece, conl3ti· tuindo assim uma reserva, onde se alimente a vida espiritual. , Se não tomar essa precaução, viverá sempre á mingua e nunca conseguirá fazer cousa que valha, A meditação possúe excepcional efficacia para formar e amoldar as almas, seado, ainda nesse particular, superior á prece vocaJ. Sem duvida, nesta· ultima, exercemos tambem as potencias da alma, mas na primeira esse exercício é muito mais real aprofundado e continuo.
A pratica perseverante de oração mental, formará verdadeiros servos de Deus, estribados em sólida virtude . . Um abali-
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Cap. IX - Oa oração mental 65
·ado mestre dá vida espiritual não hesita em affirrnar ser a leitura, a oração vocal, a assistencia aos sermões, excellentes coueas no começo, mas que depois, a medição deve tornar-se, para nós, livro, prece e predica; a não ser assim, nunca passaremos de aprendizes e jamais conseguiremos a vel'dadeira sabedoria. É esta a razão do numero relativamente diminuto de contemplativos entre os sacerdotes, religiosos e theologos 1 ). Tomemos, pois, a firme resolução de, . tanto quanto possível, nunca omittir a oração mental. Em substahcia, toda leitura espiritual, conjuga· da com a reflexão e a prece póde tornarse meditação, sempre preferível á oração vocal. Até nesta ultima, se o tempo o permittir, é util desviarmo-nos do texto .e nos entregarmos aos impulsos do coração afim de elevar nossa alma a Deus . Os exerci· cios de S. Ignacio constituem a verdadei· ra escola da oração mental, mórmente da meditação propriamente dita. · É neJles · que devemos haurir essa sciencia divina ou della nos impregnar novamente, se . porventura a tivermos olvidado.
1) Gerson, lib. de myst. theolog·. pract. consid. 11.
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66 Primeiro Principio
CAPITUL.O X
As .devoções da Igreja
A pratica das devoções da Igreja muito importa á vida de oração.
1. - Tomadas em c0njunto, são ellas homenagens prestadas a Deus e, por sua natureza, fazem parte dos exercícios do culto divino.
O seu objecto á sempre qualquer cousa pS!rtencente á fé, ou que a ella se refira. 'Nesse ponto de vista, as devoções nada têm de novo. O que, porém, as . remoça é a particularidade seguinte: Em épocas diversas, ao influxo de subito rilio de luz, abrolha uma flôr na arvore da fé; fixa sobre si a attenção dos fiéis, torna-se o objecto de attractivo especial para as almas, e, com a approvação da Igreja, entra para o domínio do culto publico. A co usa é antiga, nova, porém, é a . luz dimanada do Espírito Santo, cuja acção divina consiste em introdu:dr a Igreja em toda verdade e, por esse meio, franquear a seus filhos, segundo as neces sidades de cada tempo, novos mananciaes de auxilio e consolação, dirigindo-os para o fim particular que a Providencia se propõe no decorrer dos seculos.
2 - A oração é o primeiro acto e o mais natural das devoções, porquanto,
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Cap. X - As devoções da Igreja 67
estas pertencem ao dominio da Religião, cujo exercício capital é a prece. Dahi, o attractivo para a oração que caracteriza as devoções e, se elle fôr attendido pelos fieis, ellas entram na vida J?ratica e por sua vez tornam-se incentivo da prece. Para nos convencermos dessa verdade, basta considerar, mesmo por alto, quantas orações, festas e cerimonias, as devoções introduziram n!:! Igreja. Seria incalculavel perda, para a vida de oração, apreciada em si mesma, se, conservandose ·apenas a missa e a communhão, fossem supprimidas as innu::neraveis praticas e exerci cios em honra da SS . Virgem e dos Santos, com o cortejo de preces e actos religiosos que lhes são proprios.
Quão indigente e triste pareceria o anno ecclesiastico! São as devoções que entretêm, no gracioso jardim da Igreja, as flôres sempre frescas e odorosas da oração e da piedade.
3. - A prece traz comsigo todas as g~aças que lhe 'são inherentes.
Ora, as devoções, afervorando o espírito, offerecem-nos o ensejo de nos .apropriarmos de grande parte das que se acham contidas nos mysterios da fé e que, então, se esparzem mais copiosamente por sobre .a Igreja.
Ha, numa devoção popular, tal e tão
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68 Primeiro Principio
fecunda seiva de prece, que ella só basta para transformar uma época toda e produ~ir um verdadeiro resurgimento.
Sabido é que Deus se praz em renovar a face da terra por inter:Ledio dos Santos, das Ordens religiosas e das grandes devoções.
4. - O n.odo pelo qual estas ultimas operam esse renovo, essa expansão da prece, traz á !em brança as palavras do prúpheta Oséas : llttraí -los·ei com os élos de Adão, os laços do amor 1 ). Com effeito, é assim que Deus entra pela nossa porta, e sai pela sua propria, accoromodando-se, de certo modo, ao caracter, ás disposições e inclinações de cada individuo e da época toda. As circumstancias variam, assim como o tempo e as personagens. E' a razão que leva o Espírito Santo a suscitar tantas e tão diversas devoç-es.
Por esse meio, Elle incita a Igreja a escrutar amorosamente o thesouro da verdade e da sciencia que o divino Esposo lhe deixou por dote, e ao qual ella recorre sempre conforme as aspirações e necessidades de seus filhos, tendo as'sim a opportunidade de revelar a propria formosura, as verdad~s de que é deposit:Aria e o imperio que exerce sobre as almas. l)Os.) XI. 4.
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Cap. X - As devoções da Igreja 69
Então, irmanadas com as antigas pre ces e tradicionaes cerimonias, apparecem novas fórmas do culto suavizando o rigor e a uniforminade das praticas habituaes, e accordes com as mutações da alma humana. As devoç - es da Igreja assemelham-se ao magnífico festim de Assuero 1): Cada qual encontra nelle o que lhe apraz e a contento de seu gosto particular, a · graça da oração lhe é offerecida sob a fórma attraente que melhor lhe convém.
Dir-se-ia que Deus e a Igreja, se es meram em captivar-nos a alma conformando-se com a nossa inclinação e, por assim dizer, com o nosso capricho espiri· tual, no intuito de nos fa:ter prezar a oração, que é o canal de todas as graças .
Será possível resistir ao amor de um Deus que se mostra tão condescendente para comnosco?
E' Elle que dá os primeiros passos com o fito de despertar em nossa alma o goRto da oração.
Felizes de nós se o Senhor conseguir o seu intento misericordioso ! Elle quer, por esse meio, solicitar-nos ao bem, levar-nos á perfeição e, por conseguinte, á posse da eterna bemaventurança.
1) Esth., 1, ~ sqq.
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70 Primeiro Principio
CAPITULO XI
O espirito de Oração
1. Por espírito de qualquer cousa, entende-se aquillo que lhe constitue a essencia, o amago, o seu mais nobre elemento, o que lhe dá força, por assim di zer, a alma e a summa das condições, abstraindo das quaes, essa cousa não poderia existir. O espirito de oração, é pois o principio activo da mesma, o que nos attrai e prende, o que a· torna effi· caz e nos permitte realizar-lhe o glorioso fim.
2. Consiste elle em tres requisitos. O primeiro é um alto conceito da oração, a intima convicçãc> de seu valor intrínseco. Devemos estar compenetrados não sómente de ser elJa um conimercio com Deus, compediando-se nisso a sua excellencia, mas ainda firmemente persuadidos de que é a melhor e mais util das occupações. Sem duvida, temos outros deveres importantes: cumprir, por exemplo, as obrigações do proprío estado, o que constitue ainda o serviço de Deus e, até certo ponto, uma oração. Sem embargo; ha uma differença que importa não passar despercebida. Os outros mistéres a que nos entregamos, no intuito de nos conformar com a vontade divina, não di-
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li
I ti
Cap. XI - O espfrito de OraçãQ 71
zem r espeito directamente a Deus, mas, a um objecto fóra d ' Elle, ainda que de um qualquer mode possa e deva a Elle r eferir-se. A oração, porém, ten1 Deus por objecto immediato; por meio della o ser 4
•
vimos pessoalmente, porquanto, depois · dos actos das virtudes theolog!les, o de adoração é o mais excellente de todos.
Até no mundo, os aulicos que se occupam co serviço pessoal do monarcha, são tidos em alta consideração. E' evidente ·que, para conceber grande estima da oração, é necessario possuir uma ideià justa · de Deus. A falta desse conhecimento previo é a causa do pouco apreço em que se tem a prece, a ponto de ser ella mui tas vezes negligenciada .
Orar, dizem 1 não é trabalhar; isso é bom para as crianças, as m nlheres, os infalizes e os velhos.- Não chegamos a esse extremo, sem duvida, mas uma tal ou qual leveza de animo, a falta de espírito sobrenatural e de fé viva, expõem-nos, sempre, ao perigo de não prezarmos, de· vidamente, a oração e de darmos a primazia ás . occupações em qué a vaidade, o capricho ou qualquer outra vantageru temporal encontrem se\.1 proveito. Devemos apreciar a oração como Deus a preza e, na medida que as nossas obrigações pessoaes o permitt irem, da r-lhe a preferencia
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72 Primeiro Principio
sobre qualquer outro dever e até mesmo sacrificar-lhe tudo o mais. E' qne SP.
trata de um neto pri'!ilegiado do serviço pessoal de Deus. Collocando-se nesse ponto de vista, affirmava um eminente theologo que teria preferido renunciar a toda sua scien~ia, a omittir voluntariamente uma - Ave-Maria em suao orações obrigatorias.
Em segundo lugar, devemos estar profundamente convictos da absoluta necessidade da oração para a vida espirítual, o progresso na virtude e até para a salvação etermt. Se, como acima foi dito, o pouco conhecimento de Deus é uma das · causas de não darmos á prece o seu valor real. podemos accrescentar que a ignorancia de nossa propria indigencia muito contribue para esse deploravel erro. Descuramos a oração porque não estamos persuadidos de sua impre::;cindivel necessidade. Urge convercermo-nos de ser ella um meio indispensavel para conseguirmos a perfeição e obtermos a vida eterna e que nenhum outro a póde substituir. E assim é, não sómente em razão do preceito formal do Senhor, mas tambem pela propria natureza das causas. É porque a oração pertence ao domínio da lei natural e da di vi na e faz parte da economia da salvação, haja vista ~ neces-
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Cap. XI - O espírito de Oração 73
sidade da graça, que Jesus-Cb.risto, os Apostolos e os Padres da Igreja nos exhortam a sua pratica com tanta insistencia. Logo, devemos orar se quis rmos progredir, orar ainda se· não quisermos retroceder.
Nada adianta dizer: «Tanto vale orar como não, pois o que deve vir, virá.» É incontestavel que muitas cousas chegam a proposito, porque oramos, e outras uão, por descurarmos a prece.·- Mas, dirá al· guem, não sei orar! Aprendei. Querer é poder. Quantas cousas muito mais difficeis que a oração, conseguimos aprender á ·força de vontade! «- Não tenho fé, logo é jmpossivel orar.» Mas tendes a graça da oração; pedi a fé e ella vos será dada. É orando que nos exercitamos a crêr. No dia em que abandonarmos a prece ou a ella renunciarmos, iremos ao encontro do perigo, do peccado e da ruina. É a vida penosa jornada, onde não faltam azares e difficuldades. Ordinariamente, os homens ee amoldam ao meio em que vi· vem e, em regra, não são melhores que seus familiares. Se, pois, vivemos numa ambiencia sadía, a coberto das tentações, ignorantes do mal que nos circumda, é por insigne graça e especial protecção de Deus, sem a quâl não evitamos um escolho senão para toparmos com outro e pe-
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74 Primeiro Principio
recermos finalmente. Como, porém, obter esse auxilio divino'?
Mediante a oração que nos faz caminhar segurando Deus pela mão, tal como a criança que se apega á mãe, e assim não corremos risco de nos transviar. Privados desse soccorro, espreita-nos o perigo. Sem à oração, nada podemos ; com ella tudo é possível.
Em terceiro lugar, o que constitue a força do espírito de oração, é a confiança absoluta nesse appello á misericordia divina: «Pedi e recebereis t . Consiste, essa confiança, Qa intima persuasão de que a prece humilde e perseverante tudo alcança. Naturalmente não se trata senão da que preencha as . outras condições, exigidas pela razão e pela consciencia. Quem se limita a orar, sem se precaver contra as occasiões perigosas e pretende dessa sorte, garantir-se do peccado, zomba da oração e requer um milagre. Se, porém, as condições forem ohservadas, é indubi tavel que podemos obter tudo, até as cousas mais excellentes e difficultosas como sejam a formação do caracter e a acqnisição das virtudes. Ha no Catecismo, uma palavra .de ouro, referente á oração. A oração - nos é ahi dito -t ransforma-nos em criaturas celestes ».. O oommercio com os sabios nos dá a sabe·
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Cap. XI - O espirito de Oração 75
doria, o commercio com Deus nos deifica. Tudo em nós, pensamentos, princípios, sentir, intenções, tudo será semelhante a Deus. Aos poucos, a imagem divina im prime-se em nossa alma. A transformação opera-se lanta e insensivelmente, porém, de maneira profunda e duradoura. O que. era penoso e desagrada vel, torna-se facil e suave; a seducção do mundo perde o encanto que sobre nós exercia. Só anhelamos por Deus e pela eternidade. Que victoria alcançada sobre a natureza! E' o fruto da oração perseverante e da gra· ça por ella obtida. Quão amaveis sois, lições da prece, tão suaves e penetrantes como as que recebemos outr'ora entre os braços de terna e carinhosa mãe ! Então, aprendiao1os a pensar, a falar, a proceder como homens e como chrieztãos. E tudo sem esforço, sem fadiga. E' que nossa mãe se inclinava amorosamente para nós e, fazendo se criança, balbuciava comnosco a linguagem infantil, afim de nos elevar o espírito e formal-o á imagem do seu proprio. O mesmo se dá com a oração. Nessa escolu divina, quem nos instrue e educa , o nosso Criador que mais uma vez nos- fórm~ á sua imagem e semelhança.
E' ainda na prece que devemos depositar toda a confiança quando mourejamos
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76 Primeiro Principio
pela salvação do proximo, porquanto, sendo esta obra da graça, e não da natureza, quanto mais nos unirmos a Deus, tanto maior será a abundancia das ben· çams que, por mediação nossa, serão derramadas sobre as almas. Tudo o que · é exterior e natural, não passa, no fim de contas, de uma arma e esta, embora da melhor tempera, de nada serve se não houver um braço que a maneje.
O que contribue para nos unir a Deus é muito mais importante do que aquillo que nos relaciona com os nossos semelhantes. Ora, é o sobrenatural, é a oração que nos une á divindade. Deus póde fa · zer grandes causas servindo-se de um pobre instrumento, mas, para nos tornarmos uteis ao proximo Elle exige a prece, porquanto, não é sómente pelo nosso esforço proprio mas tam bem mediante a oração que converteremos o mundo. Seja questão de nós oa de outrem, a lei é a mesma. Deus assim o quis afim de que a honra e a gloria lhe sejam sttribuidas e não tenhamos a possibilidade de Ílos orgulharmos apropriando-nos de uma eousa que é obra sua. .
A oração tem mais efficacia que a pre· dica e os outros meios. Podemos orar sempre e em toda a parte, e a extensão da prece é incommensuravel. Falando ou
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Cap. XI - O espírito de Oração 77
escrevendo, attingimos um numero dimi· nuto de almas: A oração eleva-se até o céu e desce transformada · em chuva de graças, fecunda e ben~fica, sobre as na· ções, sobre a terra toda e a universalidade dos seculos. Ainda aqui, a historia da propagação da fé e a da reforma da Igreja não são mais :::tue a historia da prece. Aq uelle que melhor possuir a sciencià da oração será por isso mesmo o mais zeloso apostolo e o mais devotado cidadão. E 'ta consideração se reveste de maxima importancia em nosso XX seculo. A divi· sa hodierna é: Trabalhar! E trabalham, trabalham afanosamente, com excesso, sem medida, porém, ai ! de nm modo puramente exterior! É um suicídio extenuar-se o homem por essa fórma. E, depois, que resta de tão duro labor'? Tudo passa e nós como o mais. Só a piedade tem as promessas do tempo, e as da vida eterna 1). Ora'r, T·rabalhar. É esta a verdadeira regra, a lei christã, a condição de um resultado permanente.
3. Synthetizando: O espírito de oração consiste num alto conceito da mesma, na conviccão pratica de sua necessidade, na confiança em sua absoluta efficacia. Na vidd espiritual é elle um preciosíssimo
I) I Tim., IV, 8 .
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78 Primeiro Principio
dom; é o principio de todas as graças, a origem e consum mação de todo bem, o meio por excellencia. Emquanto o poseuirmos. Deus permanece comnesco e nossa alma conserva a raiz de toda a perfeição: tudo póde ser salvo ou ao menos, reparado. Sem elle, Deus não póde fiar-se em nós; perde-lo é a desgraça extrema e a ruína imminente. Um grande mestre da vida espiritual que é, ao mesmo tempo, grande santo, Affonso de Ligorio, entre outras obras excellentes. esereveu um pequeno opusculo, no prefacio do qual diz ser essa obrinba o mais importante e util de seus livros, e declara que, se todos os outros viessem a ser destruidos, elle se daria por satisfeito, se só esse fosse conservado. O opusculo é um tratado da oração. Este parecer do santo, resume o que foi dito, nesta primeirn lição da vida espiritual: Profunda convicção da excellencia da prece, sua necessidade, efficacia e extrema facilidade.
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SEGUNDO PRINCIPIO
, Vencer-se
Por -,nais indispensavel que seja, a oração é s.penas um inicio. É imprescindível accrescentar-lhe a victoria sobre si mesmo.
É esta a segunda das tres lições fundamentaes e a que dá segurança e felicidade á nossa vida espiritual.
CAPITULO PRIMEIRO
ldeia exacta do homem
A oração coordena os pensamentos e os dirige para Deus. Torna-se facil e suavd a quem possue o conhecimento do mesmo Senhor.
A victoria sobre nós mesmos obriganos a uma constante introspecçãe e nos ensina o modo de nos avirmos, relativamente a nossa propria individualidade. Ora, para que o nosso procedimento seja adequaclo, é necessario o conhecimento de
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so Segundo Principio
nós mesmos e da nossa natureza. Ha tres modos de encarar a criatura humàna:
1. De accordo com o primeiro, o homem é naturalmente bom, perfeito desde a origem.
Perverte.se só mais tarde, não por culpa propria mas pela força das circur.(lstan· cias e em consequencia de suas re1ações com o mundo corrompido que exerce so· bré elle a sua funesta influencia, Tem, poie, só uma cousa que fazer: garantir-se contra esse influxo deleterio. No mais, . póde deixar-se ir, ao SRbor das inspirações da propria natureza.
Tal é a theoría dos philosophos naturalistas, quaesquer que sejam seus differentes matizes. Negam elles toda a ordem sobrena ral: não querem ouvir falar em peccado de origem nem de seus tristes remanescentes no homem. É o optimis· mo absoluto que recusa admittir a corrupção e a desordem, no entanto, tão visiveis, que affligem a humanidade e de que ella dá testemunho.
Essa philosopbia é a destruição do christianism o.
2. No segundo mqdo, sustenta-se a thes.e contraria. O homem, dizem, saiu bom das mãos do Criador, ·mas a culpa original attingiu -o a tal ponto, que todo seu sêr não é mais que peccado. O propr io
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Cap. I - Ideia exacta do homem 81
Deus é impotente para lhe restituir a bondade e justiça internas, sendo necessario que Elle feche os olhos á malícia intrín seca da criatura, cobrindo-a extrínsecamente com a justiça do Filho, o qual attrái as almas a si, mediante a fé e a confiança. Até no céu o hotnem conserva sua perversidade original: Assim argumentavam os Reformadores do XVI seculo. E' o pessimismo radical, poderíamos dizer, uma sorte de manicheismo, poiH que Deus mesmo desiste de dominar o mal, uma vez que o permittiu. E, como essa maneira de j'ustificação é um contrasenso, ao homem, só lhe resta desesperar de si.
3, Segundo a terceira opinião, Beus criou o homem bom e justo; enganado, porém, pelo demonio elle decaíu e, como consequencia da falta dê origem e da subtracção da graça santificante, foi, não sómente _privado do fim sobrenatural, mas ainda lesado, em sua natureza, pela má concupiscencia, não essencialmente, sem embargo, de modo bastante sensível.
O baptismo reintegra o homem no estado de graça, tornando-o bom, justo, santificado intrinsecamente. Remanesce, porém, a força da concu.piscencia e das paixões desordenadas, as quaes, ain ia que não o privem da liberdade, lhe preparam duras lidas e lhe proporcionam continuamente
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82 Segundo Principio
occasiões de peccado. Elle póde sair vencedor em combate, mediante a graça de Jesus·Christo e a sua propria cooperação, se recorrer aos meios que1 a Egreja lhe offerece: a oração e a luta contra si mesmo.
Esta é a doutrina christâ e catholica, a unica verdadeira e exacta. É igualmente justa para com Deus e para com o homem. Abate e eleva; avisa e estimula; emfim, traz comsigo a esperança. Nella, tudo está no seu lugar. Dá a Deus a· gloria de ser o autor e o consummador da justiça; ao h0mem a honra e o mérito de cooperar para a salvação pr0pria.
Nªo ha exagero nem de um lado nem de outro. É o mais moderado pessimismo e o mais razoavel optimismo.
Resta ainda uma consideração de subida importancia, e convém nunca perde-la de vista: é que nossa vida toda está sujeita á lei da luta contra nós mesm os.
CAPITULO 11
Em que consiste a victoria sobre si mesmo
A victoria sobre si mesmo denomina-se tambem .- mortificação. E' o que assusta desde logo. Ora, a peior das cousas é assustar-se alguem sem saber por que, e o melhor meio de readquirir a tranquilida-
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C~p. 11 - Em que consiste a victoria 83
de é verificar ser a imaginação a unica causa de nossos terrores. O mesmo se dá com essa virtude ; basta vê-la de perto, para com ella nos reconciliarmos.
1. Que é, pois, a mortificação? E' a compressão moral, o esforço a que cumpre recorrermos, se quisermos viver segundo a razão, a consciencia e a fé ; é a energia de que precisamos, para proceder em c;onformidade com o dever, afim de sermos o que devemos e queremos ser: criaturas racionaes, capazes de comprehender nossa dignidade de homens. A necessidade de empregarmos a compressão, para &ttingir esse fim, é uma das conse· quencias do peccado original, e continua attestação da quéda primitiva. Antes, não era questão nem de difficuldades nem de soffrimente. Depois, as cousas mudaram. E, em razão da violencia que devemos exercer contra nós mesmos, esse trabalho pessoal toma differentes denominações:victoria ou dominjo sobre si mesmo, re· nuncia, mortificação, odio de si p·roprio, outras tantas deeorninações que designam uma cousa unica e que estão de accordo com a linguagem da Sagrada Escriptura.
I• Despertam .a ideia de combate, de privação voluntaria, de esforço . continuo : e esse pensamento não deixa de causar, ao es pírito, certo mal estar.
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84 Segundo Principio
A difficuldade não provém sómente da cousa, em si mesma, a qual, na . essencia, devemos des·ej ar e apreciar, mas sobretudo de nossa natureza, actualmente enfraquecida e que importa corrigir.
2. Qual é, propriamente, o objecto desse combate? Que inimigo devemos atacar e vencer'? Desde já podemos affirmar que não é a nossa natureza. Não a criamos e não é propriedade nosse : pertence a Deus que della nos deu o uso mas não o direito ele arruína-la. Nossas faculdades naturaes não pódem construir, tão pouco, o objecto da mortificação. Dellas havemos mistér para viver e operar. E' do nosso maior interesse mante-las activas e perfeitas. Serão por ventura as paixões, a mira desse com· bate'? Tambem não, porquanto, consideradas em si mesmas, ellas são bôas, ou, pelo menos, indifferentes, e constituem o apanagio indispensavel de nossa natureza:· sómente o abuso as torna nocivas. Em si, nenhuma dessas cousas constitue, pois, n objectivo da mortificação: o que devemos combater é unicamente a desordem, o desregramento que nellas possam existir.
Ora, desregrado, desordenado, é tudo o que vai de encontro ao nosso fim, que nos faz desviar delle, nos põe em risco de perde-lo nu de nada lhe aproveita. Logo, é desordem todo e qualquer peccado, des-
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Cap. 11 ~ Em que con'siste a victoria 85
ordem, o perigo a que nos expemos, sem necessidade, desordem, as inutilidades que não encontram justificativa diante da razão, da consciencia e da 'fé. Tal é <' objecto da mortificação, e o unico prepriamente di- / to. Eis o que importa combater e dominar, se quisermos viver de vida racional e pura.
3, O escopo da mortificação está, pois, nitidamente definido. Não é empecer a natureza e muito menos opprimi·la, prejuclicá-la e arruiná-la, ao contrario, é aju· dá-la, guiar·lhe os passos, melhorá-la e dar-lhe força, vontade e perseverança para o bem : é reconduzi·la, tanto quanto possível, á pureza, á justiça, á santidade de origem ; finalmente, é torná la cada vez mais apta para utilizar suas faculda· des, empregando-as no serviço de Deus e do proximo.
O constrangimento, a violencia, o mal estar, inherentes á mortificação, não pódem ser o alvo que visamos. Não n.asceu o homem para soffrer, mas para. gozar, na alma e no corpo; foi o peccado a cau· sa unica da mutação que sobreveio. O soffrimento é, pois, uma circums~ancia accidental; não constitue um fim, porém, o simples meio de alcançar a victoria e a paz. Aliás a sensação penosa vai-se attenuando na razão directa da energia e perseverança desenvolvidas durante o com bate.
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86 Segundo Principio
4. Para melhor comprehendermos a im portaucia da mortifieação, faz mistér considerar o lugar que ella occupa na jerarchia das virtudes e a qual dellas se acha mais intimamente ligada. A falar verdade, ella intervem em todos os casos onde fôr preciso recorrer á força e á energia, não obstante, aproxima-se sobre tudo das virtudes de temperança e de fortaleza: da primeira quando se trata de reprimir as desordens de qualquer paixão; . da segunda, se fôr necessario em pregar o valor e a perseverança num emprehendimento cte difficil execução.
Eis, pois, o que é ·a victoria sobre si mesmo. Dadas as circumstaneias,é ella o que ha de mais Si]Dples e natural. Demanda, apenas, que seja_mos o que devemos e quere· mos ser, porquanto exige que nos demos ao trabalho de vi ver como criaturas racionaes, em nobre integridade, digna de christãos.
S. ~gn·acio diz, excellentemente, no livro dos Exe~cicios, que o resultado da mortificação dE~ve ser um absoluto domínio sobre nós mesmos a tal ponto, que nunr.a nos deixemos arrastar por uma paixão desregrada. Ligar-lhe outra importancia que não esta, é fantasia e só serve para faze-la cair em descredito. E' das ideias falsas e erroneas que se origina, em grande parte, a aversão a essa virtude.
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Cap. 111 - Porque devemos mortificar-nos 87
A mortificação nos apparece como esse - leão postado no caminho (1) - de que falam as Sagradas Letras. Consideramo-la como instrumento de supplicio destinado a torturar e immolar a nobre natureza humana que Deus criou para seu serviço. Nada disso. Importa, pois, formar ideias exactas, a esse respeito. É a resposta para dirimir queasquer difficuldades.
CAPITULO 111
Por que devemos mortificar-nos
Numerosos são os motivos que nos incitam á pratica da mortificação.
1. Primeiramente, cumpre não nos esquecermos de que nosso estado é de decadencia; isto é, uma condiç2o sujeita á desordem e á corrupção; aliás, a e'videncia não nos permittiria illudirmo-nos a esse respeito. Nossa natureza assemelha-se a um tronco de arvore tosco e nodoso; as r~gosidades, os nós, são todas essas inclinações mesquinhas e perigosas, muitas vezes inconfessaveis, que nos difficultam a pratica do bem, impellem·nos ao mal induzindo-nos ao peccado. Somos repletos de amor proprio, orgulho, in'\Teja, indo· le~cia, cobardia, impaciencia, sensualida· ,---
1) Prov., XXVI, 13.
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88 Segundo Principio
de, inconstancia! O mais prendado dos homens póde decair miseravelmente de. sua primitiva nobreza, se vier a perder o domínio sobre si mesmo, cessando de lutar contra a propria natureza. Descurar, por um só dia, de combater as nossas más inclinações, é expôrmo-nos ás mais funestas eonsequencias. Enjaulam·se os animaes terozes, e, ainda quando domados, a prudencia aconselha que estejamos sem· pre de sobre-aviso. Ora, em todo homem existe o animal. Não ha vileza de que a criatura não seja capaz, sob o impulso das paíxões desenfreadas. Só lhe resta um refugio: a graça de Deus, coadjuvada pela força que provem do domínio de si mesma.
2. Sendo homens, viv'3mos na sociedade dÓs demais homens. Sem duvida, o mundo não é o inferno, mas está bem longe de assemelhar-se ao Paraíso. A vida é uma viagem, pnrém, não de simples recreio. É mistér lidar, labutar; 'ora, o tra· balho, como a lida, é uma fadiga. A vida é uma milicia, a ella não nos podemos furtar. É ainda a vida uma successão de soffrimentos e de alegrias, de bôa e má fortuna; a prosperidade ensoberbece-nos até á presumpção, ·a adversidade nos aba· te até o desalento e gera o deEespero.
A vida é a convivencia com outros homens, ligados todos entre Si por. uma rê-
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Cap. UI - Porque devemos mortificar-nos 89
de de associações, classes, estados e voca· ções as mais diversas, e cada cargo, cada posição, exige sacrifícios de toda a especie. Que" ad virá se não tivermos adquirido o domínio. sobre nós mesmos, um completo desprendimento e uma pacien· cia a tvda prova?
De pacienciâ havemos mistér, }!)ara comnosco, com os outro3 e até para com Deus, e não é possível a sua pratica se não nos renunciarmos a nós mesmos.
3. Somos christãos e, no christianismo, tudo nos incita á mortificação. Nosso divino Salvador no-lo prega em sua doutrina e por seus exemplos. É ella ensinada em todos os mysteribA relativos &
sua vida, do presepio ao Calvario, e, a renuncia de si mesmo, é a condição indispensave1, imposta por Elle, aos que pretendem seguir-lhe os passos, na qualidade de discípulos. (1) A mortificação é, por assim dizer, a divisa de sua doutrina. Crucificando o orgulho de nossa intelligencia, a fé christã compendía todos os motivos da nbnegação de si mesmo. Os preceitos constituem outras tantas occasiões de renuncia e os proprios sacramentos, symbolos da mortificação, nos ajudam a praticá-la mediante as graças de que são canaes. Segundo S. Paulo, a ~ath., XVI, 24.
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90 Segundo Principio
vida cbristã consiste em morrer com Jesus Cbristo e ser com Elle sepultado (1). O christianismo seria uma religião vã, se não exigisse o desprendimento essencial que nos habilita a evitar todo peccado mortal, a resistir ás tentações e a observar os mandamentos. .
O homem I::!Ó pôde entrar no céu pelo caminho estreito e a acanhada porta do desapêgo 2). Rejeitar, de caso pensado, o desprendimento de si mesmo, é inspir~rse elle nas maximas da natureza, renegar a fé e abdicar as noções da vida christã.
4. Urge trabalharmos para a acquisiçào das virtudes, por ser esse o unico meio de attingirmos o nosso fim. A prática das boas obras, para elle nos encaminhar mas essa prática requer forças e estas só pódem ser proporcionadas pelas virtudes que constituem a capacidade permanente de operar o bem. Necessarias a todos, são ellas, porém, Gle accessu mais ou menos diff!cil. É então que intervém a victoria sobre si mesmo. Como já vimos, a mortificação não é uma virtude insula· da, mas que coopera com todas as outras. É a virtude, por si mesma, bella, attra· ente, desejavel; o que nos amedronta ~ della nos afasta é a difficuldade que offe~om., VI, 24, - Coloss., 111, 3.
2) Math., VII, 14.
'
_I
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Cap. III - Porque devemos mortificar-nos 9 J
rece sua acquisi~ão e prática. Ora, o domínio de si mesmo dirime esse obstaculo. Aquelle que conseguir vencer-se, possue a chave de todas as virtudes. Eis o que constitue a extrema importancia da mortificação.
5. Outro tanto póde ser dito a respeito dos méritos, sem os quaes não podemos entrar no céu. Não ha nenhum tão seguro, como a renuncia a si proprio, porquanto ella vai de encontro ás impressões naturaes e está a salvo do perigo de illu~ão. Nenhum é maior, porque não ha maior vencer que vencer o homem a si mesmo, e essa victoria nos proporciona occasiões de praticar as mais excellentes virtudes .
A lembrança dos menores sacrifícios, das mínimas mortificações, nos encherá a alma de jubilo, 1!8 hora extrema, e o mérito das bôas obras fixará para sempre a nossa eternidade. Se formos vigilantes, quanto proveito podemos tirar das occasiões grandes ou pequenas que se nos deparam no correr do dia !
6. Sendo assim, o mais excellente dos directores é o que nos incita com maior energia a alcançar a victoria sobre nós mesmos, e o melhor livro espiritual, o que nos ensina a mortificação. O progresso na virtude, diz o autor da Imitação, está na razão directa da violencia que o
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92 Segundo Principio
homem fizer a si mesmo. Isto é exacto: a melhor espiritualidacle e a menos sujeita a illusões é a que nos leva a purificar o coração, a praticar actos de virtude e, por conseguinte, a extirpar as paixões desregradas.
Só o desprendimento é que nos dá os meios de conseg uir esse resultado. A mortificação é a pedra de toque da verdadeira ascese.
7. Emfim, queremos e devemos .ser do nosso tempo, isto é, «modernos », o que vai~ dizer que é mistér vi vermos em confol'midade com a nossa época, aprópriando-nos o que ella tiver de bom, nas ideias e criações. Bem longe de se oppôr a iFZto, Deus s~ serve desse ideal, der;sas tentativas e aspirações, para conduzir a humanidade a uma época e a um fim por Elle determinados. •
Hodiernamente a grande preoccupação dos espíritos é a cultura, o progresso, a civilização, em geral, e, particularmente, a formação da individualidade, da personalidade, do caracter, emfim. Tudo excel· lentes co usas. Effectivamente, de que aproveitará a sciencia, a arte, a economia social, e todo o propresso exterior, se, no magnifico scenario por elle criado, o bo· mem permanecer, individualmente, um barbaro, destituído de formação moral,
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Cap . .. m ..=._ Porque devemos mortificar-nos 93
escravo das mais degradantes paixões? se a palavra do propheta encontrar nelle sua triste realidade: «A terra que lhe pertence, exubera o~"ro e prata; não ha limites para os seus theso~"ros ... o homem degradou-se, vilipendiou-se 1).
Em que consiste a formação do caracter, da personalidade, da individualidade, senão em formar, educar e fortificar a vontade de modo a torná-la apta para o bem, capaz de tudo o que é nobre e verdadeiramente digno de estima? E' especialmente a victoria sobre si. mesmo que opera essa transformação porquanto, por meio della, a vontade exercita as proprias forças e se torna o instrumento do bem.
8. Se o homem apreciar essa escola, e aproveitar dessa forma~ão, readquirirá a nobreza e o valor moral de que Deus o dotára primitivamente. Cada acto de mortificação, qualquer victoria ganha sobre si mesmo, o aproximam do original divino. Torna-se elle, segundo o desejo de Criador: a imagem de Deus, o santuario da justiça, da sabedoria, da orde~, da formosura, da liberdade, da verdadeira fé.
Mas para attingir esse ideal ha uma condição indispensavel : E' preciso que cada qual se convença & si mesmo.
1) Is., 7, sqq.
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94 Segundo Principio
CAPITULO IV
Predicados que deve ter a victoria sob~e si mesmo
Nobre e glorioso é o intuito que prose· guimos mediante a victoria sobre nós mesmos; mas para consegui-lo é necessario que nossa mortificação seja de bom qui· late e possua qualidades mui peculiares.
1. Primeiramente o domínio de nós mesmos deve constituir um principio a que sempre nos devemos ater. Alguns ha, que consentem em vencer-se, porém de modo accidental, em determinadas occasiões e, por assim dizer, excepcionalmente, por ser isso imprescindível, em razão dos inconvenientes que sobreviriam, no caso contrario. Isto não basta. E' forçoso que a mortificação seja em a nossa vida um exercício habitual, methodico, admittido a priori como dever de estado. Cumpre formar a resolução de vigiar em nós mesmos, de não dar largas á natureza, de violentarmo-nos, porque, de outro modo, não conseguiremos dominar a·s paixões desordenadas nem o mal · que em nós vive e não cessa de constituir perigo. Nunca olvidemos que a concupisceneia e a desordem não se acham em nós accidentalmente e como por acaso, mas sim como herança de nossa natureza. Traze-
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Cap. IV - Predicados que deve ter a victoria ç,s
mo-la comnosco, ao entrar no mundo, e conservamo -la por toda a vida. Diz São Paulo que o mal constitue, em nós, uma lei, um habito arraigado, uma potencia s, · lidamente estabelecida. Ora, um habito só póde ser superado por outro habito; a uma lei, é mister oppor outra lei, a um poder, outro poder. Aquelle que quizer marchar com segurança, não deve cessar de repetir e si mesmo : « CumJYre vencer-te, violenta'!·- te, senão o mal triumphará de ti . .,.
2. Em segundo lugar, é ~~cessario que a pratica da victoria sobre nós mesmos, abranja tudo; não devemos negligenciar cousa alguma, por minima que seja, mas usar de con~tante vigilancia, em nosso corpo, na alma e em cada uma de suas potencias : memoria, intelligencia, vontade assim como em todas as nossas inclinações. Qualquer paixão descurada é um inimigÓ que deixamos atrás de nós, que póde atacar-nos de improviso e causar nossa ruina. A quem acudiria -a ideia de que o apego ao dinheiro viesse a transformar um apostolo em traidor, em suicida '? Uma paixão desordenada é temeroso adversario, e, por assim dizer, um demonio prestes a estrangular-nos.
3. Em terceiro lugar o exercício da mortificação deve ser perseverante e ininter~upto . O inimigo não dorme e o mal
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96 Segundo Principio
continúa, em nossa alma, seu trabalho latente : é uma herva damninha que pullula, e força é termos sempre o sacho em mão. Além disso, difficil cousa é vencer o homem a si mesmo, lutar, incessantemente, contra a propria natu.reza; só o habito e a pratica é que podem attenuar essa difficuldade.
Quando um pesado vehicul0 está em marcha, elle avança regularmente e com re1ativa facilidáde, mas quando, após longo repouso, é preciso repo-lo novamente a caminho, que custo! quantos clamores, quantas vergastadas! O mesmo se dá com a mortificação; se a interrompermos por largo espaço de tempo, nov,>s estorvos se nos deparam e nos corre a vida em meio de pel'petuos transes.
4. Emfim, ~ e este é o .ultimo predicado que requer a victoria s·obre nós mesmos, - cumpre não nos_ limitarmos a permanecer na defensiva, mas tomar a offensiva e estar sempre apparelhados para a arremettida. Esse principio da sciencia militar applica-se, com toda a propriedade, ao combate espiritual. Logo, tomemos a dianteira, invistamos com o ini· migo antes que elle nos acco mmatta, senão arriscamos a ser apanhados de improviso e então a resistencia viria demasiado tarde. E' sempre mais facil atacar que defender.
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Cap. V - Algumas objecções 97
No assa'lto estamos em. plena actividade e a vantagem é nossa; na defesa, ficamos passivos e em posição desvantajosa. <~. Se quiserdes a paz, preparai a guerra», diziam os antigos. Tal é a tactica preconizada por S. Ignacio, no livro dos Exercicios. Não devemos contentar nos com o necessitrio, mas ir além. Se sentirmos, por exemplo, a tentação de ultrapassBr certa medida que nos propusemos observar, · relativamente á alimentação, de omittir ou abreviar as orações .habituaes, tomemos uma quant idade de alimento menor que a determinada e acc.rescentemos alguns instantes ao tempo fixado para a oração. Assim faz o soldado aguerrido do · reino çle Cbristo. E' deste modo que nos tornaremos temíveis ao demonio.
Taes são as qualidades da verdadeira mortificação; taes ns armas de que us~m os fortes d'Israel. Com ellas poderemos arremêter contra o inimigo, qualquer que seja, mas . .. unicamente com ella~.
CAPITULO V
Algumas objecções
É ·impossível negá·lo: a verdadeira mortificação não é um brinco. Como toda .:>bra séria, nobre e santa, ella apresenta algumas difficuldades.
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98 Segundo Principio
Aliás, não é esta a característica de tudo o que é bello e grandioso'? O que nada custa, nada vale. Não admira, pois, que se levantem certas objecções. Se~pre assim foi, e isso está na propria essencia das cousas.
!. Em primeiro lugar, é plausível occorrer ao espírito a seguinte pergunta: Será possível levar essa vida de continua mortificação e nella perseverar? A resposta se acha no Evangelho. A lei da abnegação nos foi dada pelo divino Ralvador e concerne a todos. É um simples corollario do funef?tO peccado original, e ninguem a pôde modificar. Estamos. em presença de um · facto: ou vencer ou perecer. Além disso a propria razão reconhece ·a necessidade do desapego de si mesmo, principio admittido em todas a" éra·s por todos 03 homens ponderados e de bom senso. As qualidades já enumeradas, que deve possuir a mortificação, derivnm-lhe do proprio fim e são indispensa v eis para attingi-lo. Ora, uma cousa ordenada por Deus, reconhecida como um bem fundamentado, por todos os homens sériQs, não sómente admittida, mas imposta pela razão, essa co usa é possi vel e realiza vel.
Effectivamente, immenso é o numero dos que observaram e observam, ainda hoje, essa mesma lei. Porque não conse-
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Cap. V - Algumas objecções 99
guiriamos o que elles puderam e pódem effectuar? Nem os soccorros nem os meios nos falham. Não estamos entregues a nós mesmos. S. Paulo geme a sua miseria, . termina, porém, o lamento, não por um grito de desespero, mas por um hymno de esperança e de victoria: «Desgraçado de mim ! quem me libertará deste coJ·po de morte'? A graça de Deus por Jesus· Christo Nosso Senhor ».
Nós tambem recebemos a graça da ora· ção e uma vontade capaz, a um tempo, de dobrar-se e resistir; temos a certeza da .victoria, mediante o auxilio divino .
2. «Não será, por ventura, nociva á saude a pratica constante da mortificação?
É possível que o seja, em dadas cir· -cumstancias, se a prudencia vier a faltar. Aliás é descabido proceder, cégamente, sem attentar no fim proposto. o esc0p0 da mortificação não é prejudicar a natu· reza e ainda meads arruiná la, mas prestar-lhe auxilio; logo, se houver detrimento· real, é forçoso modificar o systema. Uma incommodidade pass:;:sgeira não con· stitue damno verdadeiro nem tão pouco um perigo. É tambe .... m imprude:lte não precisar o objecti vo da mortificação, o qual deve ser unicamente o que fôr desorde· nado, reprehensivel, perigoso e inutil, e nunca a natureza em si mesma, nem .o·
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100 Segundo Principio
que nel1a houver de bom e razoaveJ. Imprudencia, ainda, é querer alcançar tudo de uma feita. Demos tempo ao tempo, emquànto Deus no-lo der. A natureza e a graça procedem lentamente: o essencial é perseverar na obra encetada. Emfim, é imprudente agir de nosso proprio movimepto, sem conselho, nem direcção. Cumpre atermo-nos ás decisões de um director experimentado, no que disser respeito á medida, ao tempo e ao modo de m('rtifi· car-nos.
Tomadas essa!? precauções, nenhum pe· rigo é para recear-se. O risco é incontesta· velmente mais sério, onde não ha morti· ficação . É muito maior o numero de pessoas que prejudicam a saúde, acceleram a m<Jrte e de modo menos glorioso, pela falta de mortificação, que por se exce· derem nella. Não obstante, é forçoso con· vir ser a mortificação causa difficil e ãr· dua, porém, cumpre não olvidar que não é mais facil, nem menos oneroso, desde· nba ·la para nos collocarníos sob o jugo das paixões. Breve é o prazer, duradouro o remorso. Aliás, a pratica dirime as dif· ficuldadeA.· A alr.gria da alma, a paz, a consolação, compensam amplamente o l::t· bor e o sacrifício.
Em sum ma, a mortificação é penosa, quando não ~ praticada, como principio,
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Cap. VI - O a mortificação exterior l C 1
em tudo e de modo continuo. Nossa alma está effectiva·mente enferma e, se quisermos curá-la, é necessario sujeitarmo nos a um regimen.
qQuero !» quantas difficuldadea não fô· ram superadas por esta palavra magica! De quantos feitos nobres e gloriosos não foi ella a origem ! ·
Logo, saibamos - querer - e tudo está dito.
CAPITULO VI
Da mortificação ex_terior
1. A mortificação exterior consi-ste em empregarmos nosRas forças moraes para manter na ordem e obedicn'cia os sentidos e faculdades do corpo, afim de nos servirmos delles segundo a razão e a consciencia.
2. De um modo geral, o fim desta sorte de mortificação é preservar·nos dos desvios e abusos, sempre possíveis, no em· prego dos sentidos e dispôr os · mesmos á . pratica do bem. Em outros termos, consiste em cercear tudo o que constituir perigo ou incentivo reprehensivel e cuja lilira seja sómente a satisfação propria. Abnegarmo·nos, acostumar o corpo ao que lhe parece desagradavel e penoso é pratica de summa importancia. Descendo a minucias: é mistér reprimir a curiosi-
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102 Segundo Principio
dade dos olhos, não lhes permittíndo qne tudo vejàm ou leiam, mórmente se houver risco de sensualidade. Tão pouco, não devemos consentir em requintes no que concerne ao paladar, mas nos contentar de todo e qualquer alimento, não ultrapassar a quantidade determinada e usar de grande reser va relativamente ás bebidas. Quanto ao tacto, cumpre habituarmonos a um trabalho sério, a um somno moderado, a supportar a fadiga e as intempéries das estações. Um excellente modo de disci plinar os sentidos, e isento de qualquer · perigo, é observar o decôro em conformidade com a nossa condiçãc> e vocação. .
3. A pratica da penitencia exterior re-· quer grande prudencia e moderação; ·não nos esqueçamos de que ella rem por fim auxiliar a natureza e nunca prejudica-la. Esse principio nos deve servir de norma. É de grande utilidade não. continuar as mesmas · penitencias, por um tempo pro· longado; será bom variá-las. Uma priva· ção ímpoeta passageiramente não acarreta, em geral , damno algum. Importa ater-!:ie cada qual a u m regimen que não enfraqueça as forças physicas ou intellectuaes, mórmente se se tratar de pessÕ:.:\B jovens. Pouco, porém, fielmente, dizia um santo, 11 proposito dessa sorte de mortificação.
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Cap. VI - Da mortificação exterior 103
4. O primeiro motivo que nos induz a mortificarmo-nos é a condição actual de nosso corpo e o seu pendor para o mal.
Conforme a doutrina christan, após a quéda primitiva, tornou· se elle uma potencia do mal, um instrumento de peccado. A Sagrada Escriptura denomina-o simplesmente um ,< corpo de ·peccado.:o 1), uma clei de peccado» 1) e ajunta que a carne combate contra o espírito 2). Eis por que S. Paulo castiga o corpo 3) e apre· senta a penitencia propria como testemu· nho de sua missão apostolica. A concupiscencia, que constitue peccado, reside propriamente na alma; mas ec;ta fórma com o corpo um nnico e mesmo ser, e, como consequencia dessa estreita união, o que se passa nos sentidos repercute no espi· rito e se torna peccado, pelo consenti· menta da vontade.
Quem ignora a perturbação e o damno que póde causar um olhar imprudente~ É pelos sentidos que a maior parte daH tentações se introduzem na alma. Discipliná-los equivale a desarmar o demonio e furtar · se o homem á tentação. A penitencia tem por ai v o tira r ao corpo, não sómente uma passividade ou excitabilidade dema iadas relativamente ás impressões l}Rom ., VI, 6. 2) Rom., VIII, 23.
3) Oalat.,_Y, 17. 4) Cor, IX, 27,
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104 Segundo Principio
dos sentidos, mas, tambem, communicar· lhe, de outro lado, facilidade, agilidade, disposição e perseverança para operar o b·em, subtrahindo-o á morosidade e indecisão, á timidez, á indolencia e á molleza na con: secução dos bons · propositos. O melhor meio de conseguir esses resultados é a mortificaçã0 dos sentidos. Até o espírito tira proveito d~-~. penitencia · imposta ao corpo. O tratamento pouco lisonjeiro que elle deve infJingir á carne lem bra·lhe con· stantemente a propria fraqueza e inclinação ao mal. Perde assim o orgulho, causa funesta de todas as faltas, e evita as occasiões de peccado. .Adquire força contra a sensualidade, assim como o fervor, o animo, a alegria, o gosto da oração. Pela pratica da penitencia exterio.r que consiste, em sumD!a, na mortificação corporal, .o espírito reanima-se e, como a a guia, · renova sua juventude. Das profundezas da terra eleva-se elle ás alturas da patria celestial.
5. Emfim, a mortificação nos é recommendada pÓr todos os santos até os mais brandos e amoraveis; aliás elles .apenas reproduzem a doutrina do Salvador. Praticavam as austeridades com o rigor que as circumstancias e as respe1ltivas vocações o permittiam.
Cert.amente, está na ~sserlcia do chris-
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Cap. VII - Da mortificação interior 105
tianismo dar o maior apreço á mortificação exterior. Rejeita-la é desistir o homem de se tornar espiritual.
CAPITULO VIl
Da mortitiÇação interior
1. A· mortificação interior. tem por mira introduzir a disciplina e a ordem nas faculdades da ahr.a, com o fito de afastá-las do mal e torná -las aptas para o bem.
Por essas faculdades entendemos a intelligencia, a vontade, a imaginação e . a faculdade appetitivo-sensitiva.
2. A importancia da mortificação interior resalta primeiramente da sua eomparação com a penitencia exterior. Esta é apenas um meio, uma condição, um fruto daquella. A primeira constitue propriamente o principio e o fim da segunda, communieando-lhe seu valor moral.
Abstraindo da mortificação interior, a outra é falha de consistencia e se reduz, quando muito, á religiosidade de um fa· quir, um modo de adextramento ãpplicavel aos animaes. Em dadas occasiões, a mortificação exterior pôde supprir·se pela interior, mediante o retiro, o recolhimento de espírito e o desapêgo do coração. Emfim, a penitencia exterior deve, necessa-
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\06 Segundo Principio
ria mente, restringir-se a certos limites; é variavel quantó ao lugar, á duração e á medida; a interior, ao contrario, é illimitada, de continua applicação, e póde ser praticada sempre e em toda a parte. Em' segundo lugar, podemos aquilata·r a importancia da mortificação interior, pela intima relação que ella tem com a moralidade e o exercício da virtude. · Tanto a ordem como a desordem moral, a culpa, como o mérito, têm o respectivo
· principio no nosso interior. · Todo o valor moral de nossa vida, assim -como a responsabilidade de nossos actos, Be acham em nós mesmos, no conheci~ento que temos das cousas e na liberdade propria. Segundo o testemunho do divino Salvador é no coração que s·e gera o peccado. «No coração originam·se os máus pensamentos, os homicídios, os adulterios, as fraudes, os falsos teste'mu-
. nhos, as blasphemias. São essas co usas que tornam o homem impuro, porque a bôca fala da abundancia do coração » 1) .
Ora, a penitencia interior possue todas as condições e característicos de uma pura e sólida virtude. Sólido é tudo o que procede de Deus, de um motivo sobrenatural, de uma vontade recta e sincera, de um principio firme e verdadeiro e não '""l}Math. XV, 18, sqq.
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Cap. VIJ - Da mortificação interior 1 07
da pailxão, de um simples impulso natural; é ainda tudo o que custa; q ue é árduo, que pesa. Proseguir, não obstante, é ·signal certo de que não procuramos a satisfação própria mas reagimos cont ra a natureza. Sólido, emfim, é tudo o que nos faz progredir, isto é, que tende a suppri· mir us obstaculos que 9m nós se oppõem ás com m unicações da graça. Essas q uali· dades, proprias da verdadeira virtude, só se encontram na mortificação interior. Por isso Ol:l santos e os mestr~H da vida espiritual a consideraram sempre como a pedra de toque da perfeicão e da santi · da de. Esse é tam bPm o juizo do Mestre infallivel, o divino Salvador. Sem embu go de uma justiça apparente, os Phariseus eram, a seu vêr, ~epulcros caiad os que, sob exterioridade enganosa, occulta7 vam a corrupção ·e a morte 1) .
3. Á pergunta: Onde a mortificação de~ ve mórmente praticar-se? respondemos : A mortificação deve exercer-se de prefe· rencia em tudo o que diz respeito a nossa vocação e constitue estorvo ao perfeito desempenho de nossos deveres de estado; em seguida, nos pontos cuja necessidade se impõe a cada um de nós, segundo as
. circumstancias, as difficuldades especiaes,
I) Math., XXIII, 27.
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108 Segundo Principio
os defeitos particulares externos ou internos e, finalmente, naquillo que fôr exigido ou solicitado por Deus.
CAPITULO VIII
Mortificação no que concérne a inteUigencia
Importa passar, agora, aos pormenores e considerar em que póde e deve exer· cer-se a mortificação.
1. Tratando-se da intelligencia, o objectivo só póde ser uma falta ou uma desordem de que nos tornamos culpados, isto é, uma falha ou um excesso quer na formação quer no uso das potencias intellectuae~:S.
2. A intelligencia é a faculdade que nos permitte chegar á verdad'e, pela apropriação dos conhecimentos. Formar a intelligencia, equivale a adquiri~ esses mesmos conhecimentos. O primeiro e o mais essencial de nossos deveres consiste em nos applicarmos a essa formaçã(l porque a intelligencia é a faculdade distinctiva e mais nobre do homem e, em ;>eculiar sen· tido, a mais necessaria de todas. Os ignorantes de nada Rervem, nem para Deus nem para o mundo, nem para o demonio.
3. Na acquisição dos conhecimentos, podemos peccar, primeiramente, por insuffi -
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Cap. VIII - Mortificação da intelligencia 109
ciencia. Cumpre que elles sejam seguros, claros e vastos. É mistér evitar a levian· dade, a inconstancia, c triumphar da indolencia. A sciencia das verdades religiosas deve ter a primazía so!Sre as outras, porquanto essas verdades supremas e eternas (1·ationes ceternce) nos revelam as re · lações existentes entre a alma e Deu::; e nos per mittem adquirir a noção verdadeira e christã do .que é o mundo. Esse é indubitavelmente o principal escopo da educação da intelligencia, se quisermos que todas as outras sciencias tenham uma base sólida e se harmonizem entre si. Disso depen dem os principias dirigentes que, na pratica da vida, devem regular nosso procedimento moral. É na fé que se encontram esses princípios e maximas, logo, é indispensavel o conhecimento e a com penetra· çào pratica da mesma fé.
4. Tambem podemos peccar por excesso. I mporta reprimir a curiosidade desregrada, a temeridade, o prurido de saber tudo, sem distinguir o necessario e util do q ue é inutil e perigoso, do que es tá fóra do nosso alcance ou apenas interessa a vaidade ou a ambição.
Os antigos collocavam no numero das virtudes uma tal que denominavam -studiosi tas - e cujo fim era com bater e reprimir esses desejos insof.fridos . E ti -
I
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110 Segundo Principio
nham razão, porque desse exagero origí· nam-se numeros0s inconvenientes. Em primeiro lugar, dá elle, á intelligencia, ~xcessiva preponderancia. Além disso, como muitas vezes acontece, as faculda· des intellectuaes não estão á nltura de corresponder a essa paixão de uma sciencia universal e o rasultado é adquirirmos, ape· nas, idéas inexactas, falsas, noções superficiaes, mal assimiladas, e desperdiçarmos nossas forças de modo lamentavel.
Nada exige tamanha tensão de espírito como o estudo e as pesquisas scientificas. Levados a· excesso, deseccam o coração, tornam arida a prece, não falando, já, no enfraquecimento da vontade, o que se verifica, infelizmente, em grande numero de · casos . A sciencia·, á semelhança · da alimentação, exige certo criterio.
O alimento em demasia sobrecarrega o estomago; o demasiado saoer envaidece o espírito. Accresce não se :i' B sciencia o soberano bem; acima está a verdade; sem esta, aquella é illusão e mentira. Não )JÓde haver estudo nem saber autonomos Aprendamos primeiramente o necessario, depois o util e finalmente o · agrad avel.
5. Tenhamos cuidado em evitar a tei mosia, a obstinação nas idéas e juizos proprios; por sér isso incompatível com a piedade, a qual vai sempre conjugada com
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Cap. Vlll - Mortificação da intelligencia 111
a simplicidade e a humildade. Estas duas ultimas virtudes não se acham na tenacid,ade exagerada em nossas opiniões. Aliás, a pertinada provoca dissensqes e nos torna fa. tidjosos e insupportaveis ao proximo.' É uma sorte de fanatismo, mas que não tem a verdade por objecto. Os fanaticos são sempre cuidadosamente evitados.
A contumacia nas iéleias é inimiga da verdade: não ha uma só heresia que não tenha tido nella sua origem. Essa especie de obstinação não céde nem diante de Deus, nem da Igreja. Offende, nã'o sómente a verdade especulativa, mas tambem a moral e até a philosophia pratica da vida, que tem seu fundamento no bom ,senso, Nada ha menos pratic'o qu9 a falta de bo01 senso, e menos conforme a este que a pertinacia e · obstina1,1ão no proprio juizo.
Não tenhamos a pretensão de possuir o monopolio da sciencia nem de !l.aver encontrad ,> a ultima palavra na solução de todas as questões. O que sabemos nada é, em comparação dp que ignoramos. É bom ter ideias proprias, porém, muitas vezes, é mais proveitoso guiarmo-nos pelas alheias. A independencia é consa excellen· te, excepto quando vai contra a verdade. O conhecimento de nós mesmos é o melhor remedio contra a obstinação, porquanto, elle nos torna humildes e pru<ilentes.
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112 Segundo Principio
Os verdadeiros sabios são sempre os mais condescendentes dos homens.
Ct\PITULO IX
Mortificação no que concerne a vontade
1. Tres são as razões. que tornam de extrema importancia a formação da vontade. Primeiramente o ser ella uma das mais excellentes faculdades do homem. A verdade e o bem constituem a vida espi· ritual humana; pela intelligencia o homem apropria-se da verdade; pela vontade, do bem. Assim como a intelligencia é, até certo ponto, a mais nece ssaria das faculdades, assim tambem, em 'determinado f:;eEltido, a vontade é a principal dellas. É. certo que, por si mesma, é ella urna potencia céga, havendo mistér que a intelligencia lhe indique o bem ao qual d'eve tender. Ordinariamente a vontade não obedece; nem sempre, porém·, o faz e, emquanto a intelligencia adhere infallivelmente á verdade, a vontade não é necessitada por este ou aquelle bem particular. É livr,e, e como o é, e deve sê -lo, riinguem, nem Deus mesmo, pôde coacta-la . Essa liberdade de eleição e arbítrio é que lhe constituP. a excellencia e a n(1breza; ê ella a imagem da liberdade de Deus, é della que
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Cap. IX - Mortificação da vontade 113
dependem o bem e· o mal e, por conseguinte, o valor moral do homem.
Eis porque sua posse é disputada por Deus e pelo demonio. É ella que deci~ a nossa eterna felicidade ou perpetua desventura.
Em segundo logar a vontade precisa absolutamente de ser formada, de ser submetida a uma . severa disciplina. Limitada em virtude de sua natureza e não sendo suas resoluções susceptíveis de cal· culo ou previsão, essa fraqueza e instabilidade foram ainda aggravadas pelo peccado original. A primeira quéda feriu principnl mente a ·vontade, que .se vê cGntinuamente hostilizada, no interior, pela concupiscencia, IJ, no exterior, pela tentação. É pelo fio tão fragiJ. da vontade que está ap;>ensa a felicidade do homem ; razão pela qual Deus proporciona a essa mes· ma vontade auxilias relativamente mais fortes e numerosos que os ministrados á intelligencia.
Em terceiro lugar, a vontade humana é mui susceptível de formação e corresponde largam ente aos esforços feitos para discipliná-la; esse trabalho é geralmente maís fecundo do que o que concerne á intelligencia. Póde o homem sujeitar o seu querer; nunca porém sua intellig~ncia. A faculdade de conhecer esbarra, a
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IH Segundo Principio
cada passo, com limites intransponíveis, mediante a graça divina) o homem póde o que quer. Os santos comprovam essa aiserção. Nelles, por assim dizer, a bôa vontade é que foi cancnizada.
2. A mortificação deve tender a corrigir tres deféitos da vontade: O primeiro é a falta de rectidão e de pureza, virtudes estas que consistem nà sujeição e obediencia á razão e á consciencia, em tudo o que ella~ . prescrevem como bom e imprescindível. A vontade cessa de ser recta e pura desde que se nega ao bem e ao necessario reconhecido como tal. Essa desordem é, para ella, o pio.r dos males, porquanto é seu dever adherir forçosamente á consciencia e á razão, sem que haja nisso nenhum detrimento para sua dignidade propria. Sendo céga, deve obedecer, se não quiser tropeçar.
Por fim de contas, ella só se submête a Deus, regra suprema do bem, que lhe é revelado pela razão e pela consciencia. Para que · es~a rectidão e pureza sejam perfeitas, é mistér não emprehender causa alguma sem que haja para isso um motivo razoavel, e praticar todo o bem que estiver ao alcance das proprias forças.
O segundo defeito é o torpor, a impas· sibilidade, a hesitação, a morosidade na pr.ática do bem conhecido e que estiver
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Cap. IX - Mortificação da vontade 115
de accordo com o dever. Sem duvida é preciso um exame prévio das oousas, porém, este uma vez feito, cumpre operar energicamente, sem tergiversações, porque, no caso contrario, talvez que a acção viesse demasiado tarde e o mal se tornasse irreparavel. É de uma prom pta decisão que depende muitas vezes uma eternida· de feliz ou desgraçada .
A pusillanimidade de caracter e a f~lta de perseverança constituem o terceiro defeito, que provém amiude de um apêgo a qualquer bem terrestre. O homem que se apega escraviza-se, porquanto encadeia a liberdade de movimento e acção, degradase, torna·se mesquinho e digno de lastima. Para esse mal só ha um remedio: liber· tar a alma rompendo o laço que a retém captiva. Por esse meio o coração recupera, com a liberdade, a força e a paz.
A tibie:3a da vontade póde provir da irresoluvão ante um obstaculo imprevisto, do temor de emprehender uma obra ' por demais árdua. É preciso não olvidar .que uma vontade sem energia pnra nada pres· ta, neste mundo, onde, por toda a parte, se nos deparam cruzes e contradicções. · Por ventura devemos fazer bons propositos unicamente se as circumstancias nos forem favoraveis ~
A vontade sem energia e sem consísten-
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116 Segundo Principio
cia deixa de ser vontade e essa falta de firmeza reduz o homem a uma especie de catavento.
3. Entre os meio~ de educar a vontade é· á oração que cabe a primazia. Orar, mórmente a horas fixas, a despeito dos obstaculos, é colloc~r a vontade na escola da ·pa(liencia. Além disso, a oração nos proporciona os meios de lhe vencer as resistencias e lhe corrigir as hesitações e volubilidades.
Consiste o segundo remedio em possuir principias nitidos e formar resoluções seguras e firmes. Se, não obstante, somos tão frequentement~ faltos de perseverao· ça e ene'rgia, que ad virá E~ e nos falharesse duplo auxilio? Nesse ponto de vista, é cousa excellente a sujeição a um regulamento de. vida, o · qual deve ser para os seculares o que é a regra para os relig·iosos. É de summa importancia ·que cada qual. a eliH se atenha rigorosamente, e, se acontecer algum deslise, que este seja reparado o mais cedo possível.
As tentações proporcionam optimas occasiões de fortalecer a vontade que se desenvolve, assim como o valor pessoal, nessa sorte de com bates. As occasiões de luta se nos deparam com tanta frequencia, surgem de tão diversos lados, que, afrontando-as valorGsamente, não podemos
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I Cap. IX - Mortificação da vontade ll 7
deixar de adquirir sólida virtude e grande firmeza de caracter.
Finalmente resta-nos ainda um maravilhoso meio de formar a vontade. Consiste em triumpharmos de nós mesmos mtma infinidade de pequeninas causas, de minucias, por si indifferentes, que ·se nos Gfferecem no decurso do dia . Indubitavelmente, são insígnificancias, porém, renóvam-se amiude, e cada vict,1ria revigora o caracter. A occasião é só menos, o resultado é precioso.
4. Sendo, em nossos dias, a formação da intelligencia excessivamente impulsionada, convém mais que nun~a dar á von tade uma educação racional e methodica, em vez de deixai-a descurada, entregue a si propria, tal coino se abandonam, aos ventos encontrados, os arbustos agrestes de charneca inculta.
Quando, mais tarde, os acerlJos frutos , dessa negligencia abrolham, por toda a parte, em raz~o de se terem desenvolvido as paixões irrefreadas, é a ella que é imputada a culpa. Mas ai! quem jãmais cogitou em forma-la~ Nunca o repetiremos bastante: Ninguem se preoccupa, sé· ria e methodicamente, em amoldar e fortalecer o caracter. Relativamente, poucos conhécimentos precisamos ter para sermos bons e nos tornarmos uteis á socie· dade. Se dedicassemos á formação da von-
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118 Segundo PrinCipio
ta<lle R metade do trabalho e da attenção, empregada na cultura da jntelligencia, ha mui to, tal vez, seríamos santos.
CAPITULO X
Das paixões
Como remate ao que foi dito, e para mel.hor comprehensão do que segue, ajuntaremos algumas palavras a respeito das pajxões. ·
1. Consideradas, não como inclinações viciosas e desregradas, porém corno manifestações naturaes da vida da alma, são ellas movimentos do appettite sensitivo ou da vontade inferior, provocados por um objecto agradavel ou molesto, o qual é offerPcido á alma, pór intermedio dos sentidos e da imaginação e ordinariamente . acompanhado de com moção physica. Determinados pelo objecto a que se referem,esses movimentos consistem numa appetição ou desejo, numa repulsa ou resistencia. Existem, pois, duas paixões fundamentaes : o amor e o odio - com suas diversas ramificações. De um lado o anhelo, a esperança, a ~oragem, a alegria; do outro, a repu·· gnancia, A tristeza, o temor, o desespero.
2. É em nossa natureza, simultaneamente espiritual e · corporal, que se encontra o principio das paixões. Servem
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Cap. X - Das paixões 119
ellas para a C(lnservação e felicidade do individuo emquanto o ajudam a attingir, efficaz e facilmente, o bem desejado ou a evitar o mal que receia.
Quando os movimentos das paixões se antecipam á conscieucia e á vontade superior, não têm nenhum valor moral, são indifferentes; se, porém, houver adhesão da vontade, podem ser occasião ou instrumento de culpa ou de virtude e tornar-se bons ou máus. Em consequencia do pec· cado original, as paixões excitadas manifestam suas exigencias sem esperar o consantimento da vontade superior e. ainda mais, persistem nellas, não obstante essa mesma vontade e a propria razão. São, po!s, causa de desordem e dissenções, pódem constituir principio de tentação e até de peccado. Todavia a vontade ouperior tem sempre a faculdade de pronunciar-se pTó ou cont1·a esses movimentos das paixões. Sem embargo, estas po::;suem vantagens reaes. São um poderoso auxiliar do bem, pela facilidade e constancia, pelo impulso que dão á pratica da virtude até mesmo heroica. Prestam-nos valiosos ser· viÇos quando operam sob a direcção da .vontade superior. Com o concurso das paixões, o homem atira-se ~feitamente á acção, em pregando nella todas as forças de que dispõe. ·
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120 Segundo Principio
a. O modo de nos avirmos com as paixões assim como o emprego dellas assumem extrema importancia, na vida espiritual, porquanto ellas - constituem uma potencia tanto para o bem como para o mal. São más conselheiras, porém, efficazes auxiliares. Urge, pois, desviá-las do mal e attrai-las para o bem. Temos paixões e é necessario te-las; toda a questão se resume no em prego que lhes dermos. Não devemos .,trata-las despoticamente -porque não se deixam suffocar nem extirpar, por completo. Cumpre usar de diplomacia, isto é, afastá ·las do mal, dando curso diverso ás ideias, por meio da applicação a um trabalho sério, ou incitando·as a proseguir um qualquer bem que devemos ter o cuidado de lhes apresentar. Assim dirigidas, ellas nos ajudam poderosamente no cumprimento do dever.
As devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Espírito Santo são muito efficazes para nos obter a eciencia e a força de regular e dirigir nossas paixões.
CAPITULO XI
A preguiça Passemos agora ao estudo pormenoriza
do de algumas paixões e certos defeitos. Comecemos pela desídia da intelligencia.
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Cap. XI - A preguiça 121
1. Consiste ella em certa inercia da alma e de suas faculdades que, ordinariamente, pendem para o descanso e a inactividade; em uma sorte de ociosidade do espirito, o qual, comprazendo-se em idéas frívolas e vãs, edifica castellos no ar, passa o tempo em nugacidades, pensa de modo superfi· cial e confuso e se entrega á dissipação e á somnol!3ncia, a qual se accentua, particularmente, nas horas reservadas á oração.
Por sua vez, a vontade padece tambem do mesmo mal que, nella, é caracterizado por uma especie de acabrunhamento, de máu humor, em face das difficuldades, de desanimo e indecisão quando importa agir promptamente, por continua~ delongas, ou projectos instaveis e sem fim preciso.
Physicamente. esse vicio se traduz pela indolencia, pelo requinte no bem estar e nas com modidades. O preguiçoso prefere antes ficar de pé que caminhar; sentar-se que permanecer erecto e, mais que tudo, deitar-se. Dormir! eis o seu supremo ideal!
2. É mister combater a preguiça nos exercicjos espirituaes, seja recorrendo a frequentes e fervorosos colloquios ou á oração vocal, seja tomando uma attitude mais respeitosa, seja, emfim, variando as praticas de devocão e o modo de orar.
Á indolencia na acção oppor-se·á uma vivacidade exterior sadia, porém não exa·
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122 Segundo Principio
gerada. O que cumpre fazer não deve ser adiado. Tent&r o inutil é uma especie de ociosidade disfarçada. - É necessario ·que haja ordem nas occupações e constancia nos planos. A pratica da penitencia corporal e da victoria sobre si mesmo é excellente antídoto contra a preguiça, tanto physica como intellectua:J, porque, dominando o torpor do corpo, ella dá leveza á alma.
3. Innumeros são os motivos que nos incitam a com bater essa inclinação viciosa. Cou:o ella se acha mais ou menos em cada um de nós, pois, não somos puros espíritos, sobejam-nos razões para nos mant~rmos sempre na defensiva. Até as pessoas naturalmente activas devem precaverse, quer contra a preguiça intellectual, quer contra a inacção da vontade ou o torpor pbysico. A melancolia, o vezo de sophismar, de devanear, um fleuma exagerado, não são mais que variedades de preguiça.
Esta é um inimigo astuto que nos es· craviza docemente. Desenvolve-se comnosco e a ella nos habituamo~, a ponto de nos passnr despercebida. Dissimula com habilidade; as faltas que occasiona são, por assim dizer, imponderaveis. Aliás ella não nos solicita directamente ao peccado; reve te, ao contrario, apparencias amistosas para nos escamotear mais á vontade.
Final mente, é um adversa rio pernicioso
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Cap. XII - O temor l 2'3
e mal.ígno que enfraquece a vida espiri· tual até paralysá la totalmente. E' a esse inimigo que deve ser im putadu o pouco ou nenhum exito que obtP.mos em nossas empresas e na acquisição da virtude. A preguiça enerva a vontade, em bota o espi: rito, e o torna melancolico, incita a carne, faz-nos perder o tempo, priva-nos de muitos merecimentos e desorganiza a vida da alma. O pior é que ella viss, de preferencia, os actos mais importantes da vida espiritual, taes como a meditação, o exame de con€ciP-ncia, as praticas de penitencia . Assemelha-se extremamente á tibieza, esse cancro da alma. de que ella é a fiel alliada.
Ninguem quer ser tido por preguiçoso; razão de sobra para não negligenciarmos cousa alguma que nos preserve de sê-lo realmente.
CAPITULO XII
O temor
Esse defeito apresenta certa similaridade com a preguiça.
1. Consiste numa apprehensão da alma, em certa impressão que a atormenta quando ella se acha na espectativa de um mal que, só com extrema difficuldade, póde ser conjurado. O objecto, a causa do te·
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mor é, pois, um mal vindouro de que a muito custo o homem poderá eximir-se. O effeito natural que produz ilO espírito e na vontade é a perturbação, a paraly· sia jas forças, effejto tanto mais accentuado quanto mais grave fôr o damno que se receia, quanto maior a som ma de esforços exigida para desvia ·lo e a fraqueza da pessoa por elle ameaçada. Essa debilidade ainda augmenta se a intellig~ncia fôr obscura e indecisa, se a imaginação domina e a sensibilidade fôr vibrante. É a· razão de serem os velhos, as mulhe· res e as crianças mais accessíveis ás commoções do temor. As consequencias deste extendem-se até ás faculdades physicas, chegando, ás vezes, a produzir um estado de inconsciencia e de torpor. Não nos occupamos desses casos extràordinarios, li· mitamo-nos, apenas, ao estudo da influen-. cia que o temor exerce sobre a vontade, no curso habitual da vida. ~ sempre a mesma impressão de angustia que entrava as en~rgias da alma. Nesse ponto de vista é que elle offerece certa analogia com a preguiça.
2. Experimentar o temor é cousa natural que, em si mesma, nã0 denota fraqueza. Só o louco ou o ~mimai irracional é que são inaccessíveis a esse sentimento. O louco não tem o gozo de suas faculda-
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Cap. Xll - O temor 125
des e o animal é completamente destitui · do de intelligencia; um e outro não pódem reconhecer o perigo.
Até certo ponto, o temor constitue uma característica da precaução e da prudencia, porém, um homem razoavel deve domina ·lo e nunca sacrificar-lhe o dever; de outro modo, seria cair na pusi.llanimidade.
É este o primeiro motivo ·que nos inr duz a reagir contra essa fraqueza, afim, de nos garantirmos e não nos deixarmos avassallar, porquanto ella póde levar-nos á violação da ordem e do bom sene;o e então commeteriamos uma falta. A sensi· bilidade, o appetite sensitivo, devem permanecer sob o dominio da razão; ora, esta não nos prescreve sómente fugir de tal causa e tender a tal outra; indica tam· bem até que ponto cumpre recuar ou ir avante, assim como nos ensina que deve· mos arrostar todos os soffrimentos, no in· tuito de alcançarmos certos e determinacios bens. Quando o receio de um mal nos faz renunciar á posse de um bem necessario, isto é, quando sacrificamos o dev'lr, ha nisso imperfeição, falta leve ou grave, conforme as circumstancias. As&im é que, na vida quotidiana, um temor servil nos arrasta a commeter numerosas infidelidades em relação ao dever e á conscien· cia. Isto basta para nos pôr de sobre-
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aviso e nos induzir a envidar todos os esforçr.s afim de domina-lo.
Os effeitos do temor são ainda mais désastros•)S quando se trata de alcançar o bem verdadeiro e tender á ·perfeição. A primeira condição do progresso espiritual consiste em supprimir as faltas e cercear toda desordem . O meio mairs efficaz de obter esse resultaCJo é a confissão de no~sas imperfeições, feita a alguem que · tenha autoridade para receber nossas confidencias e que nos possa aconselhar e dirigir. Ora, nesse caso o ternqr é um obstaculo, porque tolhe a manifestação de nossas rniserias, quer por falso acanhamento, quer pelo receio de sermos obrigados a nos corrigir. Além disso, importa summgmente attentar nas inspi· rações divinas e com ellas conformar a nossa vida. Ainda nesse particular, é o temor, a indolencia, o medo de soffrer, que tornam sem effeito as intenções mi· seri~ordiosas de Deus relativamente a nossa alma .
Emfim, sem princípios firmes e esforços energicos, é impossível cJgitar em adquirir a perfeição, porquanto não podemos obte-la senão mediante o sacrifício das com modidades de uma vida placida e delei-tosa, em que a natureza facilmente se compraz. E' ainda o temo-r que nos re·
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Cap. XII - O temor 127
té m e tudo comp"'rométe quando Deus nos pede um sacrificio ou nos inspira uma re· 6olução generosa. Preferimos, então, permanecer em lamentavel mediocridade. -O damno ·é ainda mui to maior quando o temc:>r chega a ponto de desviar a alma de um nobre emprehendim ento qÚe diz respeito á gloria de Deus e á salvação do proximo. Será incalculavel se se tratar de u ma vocação superior c difficultosa. O exemplo, temo·lu no joven rico do Evangelho. A tristeza, companheira inseparavel do temor, impediu-o de corresponder ao suave convite do Salvador, ao appello vindo de seu amantíssimo coração. - A toupeira é funesta ao trabalho do jardineiro. No jardim de nossa alma, a toupeira é o temor; tudo corróe e tudo estraga . . É sob os claros raios da alegria e do valor que abrolham viçosas as fl ôres da perfeição, ao passo. que á frouxa ~ pallida luz ·do torpor e d·o desanimo, ellas definham e não chegam a um com pleto desabrochar. Quem não conseguir dominar o temor d eve renunciar á perfeição.
Finalmente é mister bani-lo si quisermos viver em paz e verdadeiramente felizes . . E' certo que h a mui tos males neste mundo, e só a ideia delles basta para nos apavorar e nos tirar a tranquilidade e a alegria. O temor enxerga· os em toda a
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parte; descobre-os até onde não se acham e .exagera os que existem realmente. Não nos assustemos com essas chimeras suscitadas em nosso espírito. O medroso inventa torturas imaginarias, sendo este um genero 'de martyrio que não traz gloria nem dignidade.
Aó contrario, aquelle que conseguiu superar o temor, que caminha animosamente na send.a do dever, sem se deixar amedrontar por fant&smas inconsistentes, dá prova de grande intelligencia e ener.gia de vontade. Que poderá perturb~r· nos a alegria, ou tirar-nos a calma do espirito, se tivermos a coragem de arrnstar com esses espectros que se no.s depáram ei:n meio do caminho ? O sol Hão é sómente luz, em si mesmo ; possue tam bem a propriedade de tornar luminoso tudo o que delle se aproxirr.a ou que se.us raios eshatem. Tal é o homem inaccessivel ao temor: irradia em torno de si o animo e a paz.
3. Tudo isso é exacto, dirá alguem, não é possível discorrer com mais acerto, existem, porém, realmente, mf3ios de supperar o temor? O que obsta que elle seja dominado pela vontade é a imaginação e a sem>ibilidade que se alliam para provo· car a perturbação e communicar suas apprehensões á intelligencia e á vontade. O sentir não depende de· nosso querer; o
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Cap. XII - O temor 129
que está ao nosso alcance é dominar essas revoltas e excessos de sensibilidade, afim de que não suscitem IÍ vontade tantos perigos e obstaculos. E', pois, mistér que a faculdade sensitiva obedeça como um cãozinho bem adestrado que sem duvida estremece e ladra ouvindo o menor rumor, porém que se aquieta ao prime~ro appello do dono.
Tres são os meios de que dispomos para attingir esse fim. Pl'imeiramente, cumpre pe_rsuadirmo nos que em tudo neste mundo - prazer ou magoa - a reali· dade fica muito aquem do que nos afigu· ra a imaginação. - No fim de contas, o unico bem verdadeiro é a bemaventurànça eterna, por conseguinte só devemos temer a eterna desventura. Compenetremo nos desta verdade: Em todas as cou· sas, os tl'es quartos são fornecidos pela fantasia . Importa rememorar esse prin· dpio quando nos sentirmos tomados de qualquer receio e deste modo cercearemos .as difficuldádes, Imaginamos, por exemplo, que ficaremos perdidos si fizermos tal causa exigida pelo dever ou pelo des ejo da perfeição. Façamo-la. Apegamonos a uma creatura, a ponto de acreditar não ser possível viver sem ella. Desprendamo-nos e, em breve, veremos que não estamos perdidos, ao contrario, tudo
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corre tão bem ou me'lhor que dantes. Aliás, quantas vezes não temos já feito essa experiencia! Que receio só com a ideia do que podflfia advir! E, no momento dado. a nuvem prenhe de tempestades se esvai, como um sonho. Tudo passa, neste mundo, e o tempo minora toda magoa. Esse pensamento deve animarnos. - As illusões da fantasia são particularmente funestas, na vida espiritual, porquanto, nos fazem vêr as cousas através de lentes de côr e pesa-las em balan-
. ça cujo fiel não regula; por conseguinte, não as vendo taes quaes são em reali· dade, as julgamos m~l. Disso é que provêm tantos preconceitos, tantos receios infundados e pretensas impossibilidades. A imaginação nos faz vê r em •toda· a par· te o - leão feroz - 1) e nos leva a praticar actos poucos dignos de pessoa r!lzoavel e de anh~o generoso. E' pondo corajosamente mãos á obra, que o homem consegue libe~tar-se desse jugo aviltante. e trilhar resoluto a senda do dever. Por essa razão é que os antigos mestres da vida espiritual davam. a seus ·discípulos, como primeír.a lição, a seguinte maxima : - Cor•rigere phantasiam - isto é, enfrear a imaginação. - Finalmente, é a oráção e a confiança em Deus o terceiro. })Pro., XXVI, 13.
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Cap. XII - . O temor 131
meio que devemos empregar contra o temor e o desanimo. O exemplo nos foi dado pelo nosso divino Salvador. A pressão da angustia não chegou ainda a nos fazer verter sangue. Jesus quis experi· méntar esse supplicio e o quis para instrucção nossa, para nos ensinar que, em si mesmo, o temor não é peccado nem, tão poUCtl, desordem; o quis, ainda, afim de nos consolar, de nos merecer abundantes graças e nos mostrar a trilha que devemos seguir quando soar, para nós, a hora das agonias de Gethsemani. Si a Santa Humanidade do Salvador recebeu, nessa occ& sião, o consolo de um anj.o, não foi por delle precisar, sinão porque assim o determinara e, dessa sorte reconforta· do, Jesus m·archou heroicamente ao encontro de sua dolorosa Paixão. Si aprouver a Deus collocar·nos na contingencia de um sacrifício: numa dessas horas de desfallecimerito, tenhamos confiança e cren· ça firme de que Elle e sua graça permanecem comnosco. E, com esse auxilio, de que não seremos capazes ?
Na qualidade de christãos, somos soldados de Christo e que pó de h a ver mais deshonroso para o soldado, que x cobar· dia e o desalento? O baptismo sagrou o christão para a luta tornando-o um no· bre eavalleiro tal como o representa AI-
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berto Diirer - um eavalleiro que, ladeado pelo demonio e pela morte, os afronta caminhando impavido, em linha recta. Apenas o cão, ao contrario do- dono, dá mostras de terror. O christão só teme a Deus e só receia o peccado.. Tudo o mais, 'inclusive a morte, é tido, por elle, como lucro e victoria 1). F'oi mediante a morte que Jesus Christo e o christianismo conquistaram o mundo. Triumphar do temor e do desanimo, é cousa de que se faz pouca monta, na vida espiritual, e todavia, grandes são os damnos que resultam dessa negligencia. O temor é a arm8 de que se servem a preguiça, a tibieza, a imperfeição para rui r por terra nossos esforços tendentes ao bem, mantendo-nos em vergonhosa mediocridade. ~ Quantas vezes, escreve Santa Terêsa, não fiz a ex· periencia desta verdade :· «Quando, no ini· cio de uma boa acção, consegui triumphar da~ repugnancias e pusillanimidades da natureza, só tive que me dar os parabens. Quanto maior tiver sido a apprehem;ão, tanto mais intenso é o jubilo qu·e experimenta a alma na realizáção de um designio que parecia por demais árduo. Si me fosse permittido dar um conselho, este seria: Tornai cuidade em não vos preoccnpar com os temores da natureza e em --.rP"hilipp. 1, 21..
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Cap. • XIH - A colera e a impaciencia J Z3
nunca faltar de confiança na bondade de Deus, quando Elle vos inspira uma boa resolução.ou vos convi.da a encetar um nobre emprehendimentb.» O .temor é ir~ mão da preguiça; ambos nada produzem de bom. Segundo Dante, os cobardes e os medrosos não são dignos de gloria nem de odio : vil poeira, quem sabe onda a conduzirá o vento?
CAPITULO XIII
A colera e a impaciencia 1. Estes dois defeitos não são mais que
um desordenado desejo de vingança. Sup. põem, por conseguinte; damno real ou i ma· ginario, violação da justiça relativamente a nós ou a outrem e intentam restabelecer a ordem por meio de uma vindicta ou puni· ção. Geralmente a colera implica uma fal· ta contra a Yirtude da doçura, carencia de moderação e de qominio de si mesmo.
2. E' dever nosso combate. la ainda que não seja sinão a titulo de pessoas razoavais. Por serem·, de ordinario muito prom· ptos os seus n.ovimentos, ella constitue um obstaculo ao bom uso da razão. O reStJltado é que não sómente o mal não é reparado, mas a colera póde occasionar um sem numero de injustiças. Pessoas innocentes, ou, pelo menos, que não me·
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teciam ser tratadas com tanto rigor, são impla0avelmen~e sacrificadas. FrequentemeHte o movei secreto não é o amor da justiça, nem, tão p·ouco, o rlesejo de restabelecer a ordem, porém', a paixã0 ou o prazer de exercer reprcsalias. E' nesse particular que consiste o desregramento e a culpabilidade da colera. - Accrr.sce qÚe nós mesmos ficamos prejudicados, porquanto, sendo uma desordem, esse de· feito nos a vil ta, nns priva da estima alheia tornando-nos odiosos. O atiractivo da vingança nos induz a crêr que o perdão das injurias é pusillanimidade, abjecção, alguma causa que leRa nossa dignidade pessoal. E' exactamente no contrario que se acha a verdade. A colera é uma fr~queza, uma falta de domínio sobr~ si mesmo e, por conseguinte, implica depressão moral. Essa paixão produz a cegueira do espírito e a perturbação da intelligeucia; ora, uma e outra são provas negativas da elevação de nossos sentimentos. Como christãos, incumbe-nos o d~ver de lutar contra essa inclinação viciosa. A mansidão, o ·amor de nossos inimigos, nos fôram prescriptos, por Jesus-Cbristo, de modo formal e ab.3oluto. Elle mesmo, o nossó divino Sal· vador, nos deu, sempre, os mais admiraveia exemplos de paciencia, os quaes devem servir de norma aos · cbristãos que
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Cap. Xlll - A colera e a impaciencla 13.5
sê prezam desse nome. É nisto que con· siste o triumpho do cbristianismo, sua di· vina e maravilhosa maneira de combater. - Vencer, !lão. oppondo violencia á violencia, porém, usando de doçura e humil· dade. Esse espírito é a pedra. de toque da virtude e, por conseguite, uma das condi· ções exigidas para a vocação religiosa.
Mantida nos justos limites, inspirada por zelo sincero da justiça, da gloria de Deus e da salvação cto proximo, a cole· ra não é sómente um sentimento louva· vel, mas ainda uma nobre virtude.
3. A mansidão é o antidoto por excel· lencia contra essa perigosa tendencia de nossa natureza. Ella tempera o desejo in· frene de vingança e modera o que ha de exagerado na indignação. Mas é erro sup· por que elle consiste numa especie de in: sensibilidade, de indifferença ou timidez. N2o. O que propriamente constitue a vir· tude, é o amor de tudo o que ella encerra de razoavel, nobre e bello.
Quantos motivos não · temos de prati· ca-la! Em primeiro lugar, é ella indispensavel, no curso habitual da vida, a ponto de nada c:onseguirm os, se nos fizer falta. 1)
Sem duvida, não é a mansidão a mais sublime das virtudes, porém é, talvez, a mais necessaria. O açucar nos sabe me"i)Hebr., X, 36.
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136 Segundo Principio
lhor que o sal, sem embargo este é mais util por ser de emprego quotidiano e universal. - A brandura do trato faz presumir grande superioridade de intelligencia,
: juizo recto, madura experiencin ·da vida, e, acima de tudo, energia de vontade pou. co commum, coração bondoso, humilde e
' compassivo. É de todas · as virtudes a que melhor nos ajuda a conciliar a estima, a confiança, o amor de nossos semelhantes e a que mais seguramente attrai os corações pelo encanto que sobre elles exerce. A colera e a impaciencia têm muita simi· litude com o vulcão cuja vizinhança é evi· tada por todos ;·não produzem bem algum e oceasionam muitos males, mais do que geralmente se pensa. Sempre e em toda a part~ ella nos faz com promêter os in te· resses de Deus que, por esse modo, se vê impossibilitado de utilizar os nossos serviços. Esse defeito não tem cabida no Novo Testamento que é uma I'ei de amor, de confiança e de paz. A mansidão nos torna queridos de Deus e dos homens.
4. É necessario viver em grande recolhimento de espírito, se quisermos gJzar de calma inalteravel e evitar a.s surprêsas da impaciencia.
Importa convencermo-nos, de antemão, de que tudo é possível neste mundo e, por conseguinte, cousa alguma deve surprehen-
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Cap. XIII ;- A colera e a impaciencia 137
der-nos. É mister ter por norma, soffrer com paciencia toda injustiça, qualquer que seja, de onde fôr que nos venha, sob esta ou aquella fórma, deste ou daquelle lado, persuadidos, de que não temos motivo algum de nos impacientar. Emquanto es· tivermos sob a influencia de qualq.uer commoção, é prudente guardar o silencio, até mesmo quando se trata de faltas dos nossos suberdinados. A força de um bom governo não consiste numa. intervenção immediata e precipitada, m&s no cuidado que elle puser em não desperceber nem· descurar cousa alguma e tudo remediar a tempo e . opportunamente. Qualquer pessôa bem intencionada e de coração leal, recebe de boa ·vontade uma censura rarazoavel, mas ninguem a aceita se ella fôr iaspirada pela paixão. Julgai as faltas do proximo como julgais as vossas; com suavidade e indnlgencia. O facto de sermos brandos, com as pessoas de boa índole, não é pr.ova de nossa virtude, po· rém da cordura dos que nos cercam. A mansidão verdadeira como a verdadeira caridade e toda virtude sincera, deve sa· ber 1mpportar e soffrer. As queixas lon e de nos alliviar, augmentam nos~a impa· ciencia e nos põem em risco de com munica-la a outrem. Como toda e qualquer virtude, i pelo ex~rcicio que s& obtem. a pa·
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138 Segundo Principio
ciencia; por conseguinte, em vez de fugir ás occasiões de pratica-la, devemos antes, ir-lhes ao encontro. Caridade e paciencia, eis o que nos prescreve a mansidão. ~uando experimentardes os primeiros
assomos da colera, reflecti na instabilidade das cousa~ .deste mundo; amanhã não mais sentireis a injustiça que hoje vos contrista, vosso juizo será outro e dar-vos-eis por felizes de ter soffrido com paciencia.
CAPITULO XIV
O orgulho 1. Tem uma genealogia esse sentimento
desordenado. As su~ s or.igens se acham no egúismo que produz dois rebentos: o orgulho e a sensualidade. Entre a progenié do primeiro, nota-se a vaidade, creatura melíflua, porém, algum tanto parva; vem, em seguida, a ambição, personagem turbulenta, que aspira sempre ás honras e dignidades, finalmente a sêde de domi· nação que não. céde o passo a ninguem e pretende elevar-se acima d-e todos; é a creança despotica que nada respeita, nem s quer a Deu;3.
Traços• caracteristicos communs a toda · a fa:nilia: Pretensão exagerada, desejo cada vez mais imperioso de fausto e de apparato, tendencia a emprehender o que
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Cap. XIV - O orgulho 139 ------sobrepuja as proprias forças . O distinctivo especial do orgulho é a compJacencia em si mesmo, a admiração da propria excellencia, é attribuir tudo a si; é t3mbem· a susceptibilidade que se abespinha pelà menor falta de consideração, pela mais leve suspeita àu insignificante censura. O orgulho é extremamente melindroso no que toca o ponto de honra; pensa ter só o que dá na vista e causa admiração aos outros. O orgulhoso é tambem um critico acerbo, cita tudo a seu tribunal e se constitue juiz dos vivos e dos mortos. Póde até chegar a considerar-se uma especie de semi· deus . Tudo sabe e, por cons~guinte, nada tem que aprender. Relativamente a si, prescinde de conselhos e se retrai em absoluta inaccessibilidade.
Esses supra-homens }.JUilulam no mundo; é uma raça constituída partiéularmente dos que não querem admittir nem a Igreja nem o proprio Deus. Manifestase o orgulho em toda a parte e sob diversas formas: orgulho dos governos e dos governados, dos nobres e dos plebeus, dos s,abio8 e dos rusticos. Reina no mundo em estado epidemico desde a palavra insidiosa da antiga serpente: Sereis quaes deuses 1). É esta a divisa dos filhos dos homens.
1} Oen., III; 5.
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1'40 Segundo Principio
2. Tornai o inverso, e tereis a humrldade. Neta da temperança e filha da modestia interior, esta amaveJ virtude, modera e reprime os impetos desordenados da soberba, da ambição e do espírito de inda· pendencia; esforça· se por se manter em prudente reserva tanto no que respeita a si como no que é relativo aos outros. Tem um modesto conceito de si mesma e se regozija quando os outros participam dos mesmos sentimentos e os manifestam; fóge das honrarias, não fala de si e supporta as humilhações com paciencia e jubilo. Não se excusa e, se fôr conveniente, confeo;&a a propria miseria e as faltas P.m que tiver incorrido, mórniente no tribunal da penitencia. Seu maior triumpho e sua culminancia é o amor á humilhação:
3. O conhecimento de nós mesmos sobre ser uma condição, !>ine qua non, da humildade, é ainda o educador, o mestre e o conselheiro da mesma virtude. · É elle que nos leva a considerar como dom de Deus e obra de sua Providencia, todo o bem que em nós se acha · OU de que somos instrumentos, incutindo-no8 no espírito a profunda convicção do nosso nada e da nossa capital incapacidade para produzir o mesmo bem. D'ahi a explicação da humildade e até do amor ás humilhações. Rebaixar-se a seus proprios olhos confor-
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Cap. XIV - O orgulho 141
me a justiça e a razão: eis o que constitue a alma da virtude da humildade.
4. Quantos motivos se nos antolham de Qppôr ao orgulho, essa nobre e bella virtude!
Ser humilde é a condição indispensavel para que a verdade em nós permaneçR, porquanto, verdade e humildade são uma só e mesm& cousa.
No espelho fjel do conhecimento àe nós mesmos vemos não sómente que nada somos, mas que tudo recebemos de Deus. É pois a soberba uma mentira, uma deslealdade, um roubo que prejudica a gloria de Deus, uma abominação aos olhos do Senhor e o que ha de mais ridículo aos olhos dos homens razoaveis.
Ter ~m conceito elevado de si mesmo, ·é prova de espírito mesquinho e muito apoucado. E que é a gloria humana, a estima das creaturas? .
Accresce que a humildade é de summa importancia em toda a vida espiritual porquanto, tudo depende da graça de Deus e, se formos orgulhosos, Elle não poderá conceder-nos nenhum dom parti· cular. E isto por duas razões. Primeiramente em attenção a si proprio, porque só a humildade é que lhe reenvia a glo· ria que lhe pertence; em segundo lugar, em consideração a nós mesmos, porque,
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142 S~gundo P-rincipio
sem a humildade, as graças mais assignaladas nos seriam nocivas, tornando -nos ainda mais orgulhosos. ·
Sejamos humildes si quisermos ter uma vida pura e isenta de culpas . Geralmente no;:;sas infidelidades têm por principio uma carencia de humildade. Negligencia da oração, inveja, criticas, detracções, falta de modestia, de obediencia, exigencias exageradas no trato, melindres, im paciencia, máu humor ante os trabalhos e as difficuldaGles, tristeza, desanimo, todas essas faltas e muitas outras ainda desapparecem desde que haja a humildade. Os pequenos e os humíldes .não cáem de muito alto, diz o proloquio; ao contrario os soherbos e ambiciosos correm sempre risco de se· vêr preCipitados do fastígio onde se collocararn, e, ás vezes, a q ué da é profunda e vergonhosa. Sem embargo, é neces~ ~-rio que assim a~onteça afim de que o orgulhoso aprenda a reflectir. A soberba é a origem de todos os peccados assim como a humildade é o fundamento de todas as virtude~. não que ella seja- a mais excellente, mas por ser a condição necessaria de todo proceder correcto e virtuoso. Que rectidão de consciehcia póde ter o homem que não se conhece a si proprio e nem sabe aquilatar suas for· ças '? É o caso do orgulhoso. ·só a htimil·
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' Cap. XIV - <;> orgulho J 43
dade pôde dar essa s<~iencia pelo conhecimento de nós mesmos. Finalmente si quisermo::) que nossas obras tenham mérito real aos olhos de Deus, amemos as humilhações. É nisto que consiste a culminimcia da humildade. Amar a. propria abjecção e ir-lhe ao encontro é o mais árduo dos sacrifícios, é o caminho mais cur o para a verdadeira espiritualidade, a linha de demarcação entre· o perfeito e o que não o. é. O orgulhÇ> é o amor de de si mesmo levado até o desprezo de Deus; a humildade é o amor de Deus impel~ lido até ao odio, bem comprehendido, de si mesmo. É ella, pois, o triumpho completo e a verdadeira glorificação do Criador, d'ora em diante Elle pó de fiar · se absolutamente em nós, até então não lhe offereciamos garantia ~egura. Uma vida pura, virtuosa e feliz: eis a recompensa da humildade.
Não nos es·queçarnos da maxima importancia · qne assume essa virtude na esco· lha e exercício de qualquer vocaçãe e, de modo geral, quanto contribue para a paz e ventura da soci-edade humana. Ha pessoas que aspiram a uma alta situação porque se afiguram poder assim trabalhar com mais efficacia r>ara a gloria de Deus. Na realidade ellas obedecem · simplesmente a um motivo de ambição. Se o
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144 Segundo Principio
exito não "lhes vier coroar os esfor,ços, affligem-se em extremo e perdem todo o valor. Não supportam ser um talento escondido. A gloria de Deus era a capa que encobria o desejo da propria exaltação. Ao cont1ario, çonseguem ellas realizar os seus intentos, bem depressa o orgulho as despoja, diante de Deus, de todo mérito verdadeiro. A soberba e a ambição actúam poderosamente sohre o caracter, corrompendo-o e privando-o de consistencia, independencia, 'rectidão e lealdade . para com Deus e para com os homens. São ellas que produzem esses ani malia glorice de que fala Tertuliano.
E, na vida social, qual é o principio dessas agitações, dessas aspirações doentias a elevar-se o homem cada vez mais dessas. revoltas contra toda autoridade ? Qual a origem das rev oluções e heresias ? · O orgulho e a ambição.
Renunciemos a ambos assim como á gloria humana, fruto enganoso que delles provêm. A reputação, as grandezas do mundo são, apenas, um engodo, porquanto, são bens que não pódem enriquecernos realmente. Um rôto a lisonjear um esfarrapado, que vos parece ?
Envidemos todos os esforços para adquirir, diante de Deus, a verdadeira grandeza por meio de sincera humildade e
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I
I
Cap. XV - Antipathia e sympathia 145
completa abnegação de nós mesmos. A honra virá em tempo opportuno. E esta será' verdadeira.
CAPITULO XV
Antipathia e sympathia Versa o presente capitulo sobre a cari·
dade e particularmente o amor do pro.ximo.
1. A caridade é uma virtude que, me· diante a nossa livre vontade, nos une a Deus como a nosso soberano Bem e nos faz repousar nelle como em nosso ultimo fim. Tem duplo objecto - Deus e o homem -- o homem em relação a Deus, na medida que lhe pertence, que é creatura sua e filho seu. Com effeito, Deus não se compraz unicarpente em si, mas tambem em tudo o que é propriedade sua. Para ter o cunho divino, cumpre que nossa caridade seja extensiva a Deus e ao proximo. Não obstante ser duplo o seu objecto, o motivo é unico. - Deus e tudo o mais por Deus. · '
Eis a ordem que devemos observar no exercício da ca ridade: Em primeiro lugar e acima de tudo - Deus; em seguida, nós mesmos e finalmente o proximo como a nós. Os bens espirituaes devem ter a primazia sobre os corporaes, de sorte
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146 Segundo Principio
que a preferencia seja sempre dada ao bem espiritual do proximo,· mesmo em detrimento do nosso bem corporal. É licito, embora não obrigatorio, sacrificar· mos este em proveito do de outrem. Logo haverá desordem no exercício da carida· de si não amarmos tudo e a todos por amor de Deus, se a Elle preferirmos qualquer objecto, se collocarmos os bens corporaes acima dos espirituaes.
2. Os motivos que nos induzem á pratica da caridade são os seguintes : É ella o primeiro e o mais importante dos f)receitos, o compendio, a raiz, o fundamento de todos os outros, os quaes são apenas a applicação do primeiro.
Mediante essa ·virtude, Deus se asse· nhoreia de nossa vontade, cujo movei por excelleneia é o amor, e assim possue ao homem todo inteiro e tudo póde exigir delle. É· pela caridade que Deus nos une do modu mais perfeito ao proximo, e a si mesmo, nosso ultimo fim. É ella, pois, verdadeiramente, o liame da perfeição, na mais alta accepção· da palavra. Eis. por · que o Salvador constituiu o christianismo, a religião do amor e quer que a caridade seja o sígnal distinctivo de seus discípulos. Por consequencia, propriamente falando, só temos uma lei: - a caridade; uma só cousa que ·fazer: - amar.
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r ' Cap. XV - Antipathia e sympathia 1 ! 7
3. Mas o amor de Deus, bem como o o proximo, tem um adversarlo e inimígo
"igadal que só se mantém com quebra a caridade. Alludimos ao amor desorde
nado de si mesmo qne inctu7. o homem a "e preferir aos outros, a julgar as cousas egundo os proprios interesse!=, a fazer
refluir tudo a si e a procurar sua satisfa· ção até no que respeita o amor do proximo quer por antipathia quer por sympathia.
4. Diz-se, com razão; que o amor se es-riba na igualdade e na semelhança. Des·
te modo a antipathia ou diminuição da caridade para com outrem · pó de ter por origem seja uma opposição aos sentimen· tos naturaes, seja uma divergencia no modo de pens:a.r, de sentir, na attitude exterior etc., cousas essas que <'Ontr~buem para que uma pessôa se nos torne antipathica. As offensas reaes ou imagi:parias de que nos julgamos victimas, são outra causa de antipatbia de onde provém uma terceira, os juizos pouco lisonjeiros, desdenhosos, acerbQs, críticos, cheios de despeito que se traduzem por palavras duras,
! intempestívas, observações descortezes, discussões desagradaveis, cousas muito prej udiciaes á caridade. É della ainda que procedem certos ditos agudos e o abuso ~ue delles se faz. Um só, penetra ás vezes , mais fundo que uma offensa directa .
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148 Segundo Principio
Esse genero de espírito é geralmente um talento perigoso que, não rar0, encobre insensibilidade de coração e malicia cruel. Um gracejador difficilmente Eerá benevolo. As mais das vezes, seu movei é a van.· gloria; ostenta agudeza, porém, em detri· mento da caridade. O amor dessa bella virtude que constitue um bem tão precio· so, deve incitar-nos a evitar us defeitos que lhe são cont:rarios. Acautelemo -nos em não admittir, em nosso coração, de maneira sciente e voluntaria, qualquer sentimento de antipathia ou de acrimonia; não entretenhSimos de proposito deliberado, a I em brança de uma offensa ou de um proceder incorrecto ou antipathico, porquanto, longe de attenuar as cousas, essas reminiscencias só servem para augmentar o máu humor. O primeiro germen de antipathia são oe, pensamentos desfavoraveis que nutrimos a respeito dos outros. Sejamos indulgentes em nosso modo de pensar e evitaremos as demais faltas. O homem cujo juizo é f:empre · benevolo, é certamente um santo, diz o P. Faber. -H a pessoas que parece terem vindo ao mundo só para nos contrariar; chegam sempre fóra de proposito, fazem constantemente o que nos desagrada e offende. Outras ha, cujos costumes e deploraveis defeitos nos afrontam realmente. Que fazer
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Cap. XV -- Antipathia e sympathia 149
sinão não armarmo-nos de paciencia '? Para não termos que supportar ou soffrer causa alguma, seria mtstér interdizer todo commercio com nossos semelhantes. Esses dissabores são o resgate das vantagens que auferimos da sociedade. Quão mono· tona seria a eh:istenc\a, se todos pensassem e procedessem ide.nticamente! Por fim cle contas a pratica da paciencia e da caridade, que so·brepuja a tudo o mais, é o grande proveito que nos proporciona a vida social. Na maioria dos casos, o que nos faz sentir as causas com tanta vivacidade é o egoísmo, o máu humor, a teimosia, o apego ás ideias proprias, é nossa falta de aptidão e de jeito para comprehender os outros e a elles nos accom moda r.
Ha um excellente meio para remediar esse mal; consiste em· nos habituarmos a considerar os defeitos de 0utrem com os mesmos olhos. com que vemos os no.,sos. Em primeiro lugar, não admittimos facilmente as faltas qtie se nos im'putam; em seguida, excusamo-nos, pretextando a excellencia de nossos dotes pessoaes, finalmente usamos de grande indulgencia a nosso r espeito quando a evidencia não nos permitte duvidas. Abstenhamo-nos cuidadosamente de falar, sem motivo, das faltas do proximo, porquanto isso só serviria para augmentar o nosso mal estar e nos pôr na
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150 Segundo Princípio ,
contingencia de indispôr tam bem aos ou-tros. .
Fugir das pessoas que nos são antipa· thiéas, não é precisamente o ~r..eio de triumpharmos de nós mesmos. Attingiremos o alvo mais facil e seguramente, indo·lhes ao encontro e fazendo assim prevalecer o bem sobre o mal. Em todo ocaso, cumpre que estejamoós resolvidos a enfrentar com as difficuldades inevitaveis da vi a commum, a supporta-las com paciencia e a supera-las, valorosamente . E' opti· mo principio admittir tudo como possível e não nos admirar de cousa alguma.
5. Considerada · em si mesma, a sympathia é um sentimento bom e louvavel. E' o iman que attrai o homem para o homem, a alma para a alma, afim de os unir na caridade. Por sua natureza ~ um pendor involuntario, uma ·disposição puramente instinctiva. Não merece o nome de caridade, senão quando se torli!l conscien te e é justificada pelos motivos que a ins . piram. A desordem nesse particular, pó de provir de causas diversas.
Haverá desord-em, primeiramente se o motivo não fôr Deus porque, abstraindo d'Elle, a sympathia é uma inclinação natural e não a caridade divina.
Em segundo logar, se não nos conformarmos com a jerarchia estabelecid'a pelo
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Cap·. XV - Antípathía e sympathía 151
proprio Deus e pela razão. Depois de Deus e de nós mesmos-, nossa caridade deve exercer-se, de preferencia, em relação ás pessoas que nos são mais intimamente unidas, pelos laços da natureza ou por disposição divina: nossos pais, supe"r iores, bemfeitores, que, a nosso respeito, representam mais especialmente a autori-
ade de Deus, sua providencia e santidae; e tam bem áquelles que têm ma-is ne
cessidade de nossa assistenci.a. Em terceiro lugar, se a sympathia tiver
por incentivo, não os dotes da intelligencia e do espírito, porém, as vantagens physicas ou materiaes, talvez mesmo em detrimento da .alma. Nesse caso e o egoísmo que domina e, se ~onsiderarmos as cousas de um modo elevado, esse amor do proximo merece antes o nome de odio.
Finalmente, haverá ainda des0rdem, se a sympathia testemunhada a este ou áquelle em particular, lesa o bem geral, porquanto, a sociedade tem direito a nossa dedicação, tanto ou mais que o individuo.
Nesse genero de affeições desordenadas, acham ·se incluídas todas as que são pura mente sensíveis, tambem denominadas - amizades particulares - e cuja característica é desvia i' nosso amor e sympa · hia dos que a el~les têm jús e nos ~axpôr
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152 Segundo Principio
n peccar contra os preceitos divinos. Con· stituem, pois, uma fraude comm "' tida em prejuízo da sociedade humana ou de uma communidade particular a que pertencemos. Se o verdadeiro amor de Deus e do proximo nos eleva e nos reveste de nobreza e felicidade, esse arremedo iridi· gno nos avilta e perverte; é a morte da virtude da caridade.
6. Aspiremos, pois, ao sincero amor de Deus e do proximo, o qual sómente nos póde opulentar e ennobrecer, proporcionando-nos o ensejo de praticar um bem immenso. Ninguen;~ póde desculparse pretextando incapacidade e insufficiencia. A verdadeira caridade nos tornará assaz riccs para que possamos beneficiar os outros. Entretenhamos, em nosso espírito, pensamentos caridosos. A ideia impulsiona o coração e este dirige a mão. Que é ainda preciso para praticarmos essa bella virtude ? Termos á nossa disposição palavras caridosas. Quanto fruto não produzem ellas! Fa:r,em cessar os mal entendidos e dissipam as suspeitas. Deixemos transparecer a bondade em nossos olhares . O olhar benevolo afugenta a tristeza e as tentacões, inspira a co· ragem e a aleg ria e a alegria transforma a terra num paraíso. O homem carido· so, eom e jovial exerca , fecundo aposto-
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r Cap. XVI - Defeitos de caracter 153
ado. E' um verdadeiro exorcista: expula o demonio; é um evangelista, préga amor de Deus e reproduz, no meio da
~ociedade, o amor e a mansuetude do ivino Mestre. Esforcemo·nos por adqui
ri r a verdadeira sympathia, o sincero mor do proximo; não são os meios que os faltam. A caridade é immutavel, 1)
não enc0ntra tropeços, o conselho que cJá é sempre bom. O bem que praticarmos no decurso da vida nunca será demasiado e, para leva-lo a cabo. é mistér coragem e desejo. Qualquer acto de caridade en-erra em si consolação e alegria e excita
em nós a nobre paixão de bemfazer ; é o triumpho do elemento divino, no coraão .do homem.
CAPITULO XVI
Defeitos de caracter
1. Por - caracter- entende se o traço d istinctivo, particular e especifico que domina as disposições naturaes do homem. O defeito provém de uma desordem -fa lha ou excesso-nas faculdades da alma, em su&s mutuas relações.
2. Todos nós temos, mais ou menos, uma defeituosidade de caracter. Só Deus,
1) I Corinth., Xlll, 8.
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154 Seg.undo Principio
por ser infinitamente simples, exclue qualquer imperfeição. Nenhum de seus attri· butos é maior ou mais perfeit0 que os outros. Não se dá o mesmo em rela~ão ás creaturas, ao homem, por conseguinte, que é um ser finito, limitado, sujeito ás desigualdades. Em cada um, esta IJU aquella faculdade, ou disposição natural, sobrepuja as outras, destruindo assim o equilibrio, a harmonia do conjunto e tornando possíveis os desvios.
3. O defeito de caracter póde provir das disposições do proprio e~pirito, da alma, conforme predomina a intelligencia, a vontade, a imaginação ou o affecto, não em proveito, mas em detrimento das outras faculdades e, deste modo, caracterizam todo o homem. Assim distinguimos o ho· mem iatellectual, o independente, o infle· xivel, o energico, o fantasista, o sentimental e o enthusiasta.
Essas diversidades podem tam bem ter sua origem ·no physico, isto é, no tem paramento que influe sobre nossas tendencias naturaes, em consequencia da intima aonn exão da alma com o corpo e assim tem os o temperamento sanguíneo, o colerico, o fleumatico e o melancolico. Cada um delles apresenta vantagens e inconvenientes.
4. Para remediar aos defeitos de cara-
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Cap. XVI - Defeitos de caraCter 155
cter, importa, primeiramente, conhecermonos a nós mesmos. Ainda que todos padeçam, mais ou menos, de uma falha des~e genero, nem sempre é facil descOt·tinaa; o obstaculo provém , ou do pouco co-
nhecimento de nós mesmoe, ou da falta de reflexão ou ainda da nossa vaidade e cegueira.
A consciencia de um defeito ou falta nos humilha, eis por que sempre procuramos excusar-nos. É tam bem possível haver certos caracteres· tão lio:;os e bem equilibrados, que não seja facil encontrar-e-lhes um ponto fraco. Nesse c"aso o de ·
fe ito é, as mais das vezes, o temor, a irre-olução. a difficuldade em se decidir a em-
prehender qualquer cousa. . .alguns meios que nos pódem ajudar descobrir nosso defeito capital. Primeiramente, cumpre conhecer o que domina em nós, se é a intelligencia, a vontade ou a imaginação e qual é o nosso temperamento. Observe· mos, em segundo 1 ugar, q uaes as faltas em que incorremos mais amiude e, ne cessariamente, acharemos a rai:t com mum, e esta é que constitue o nosso defeito de caracter. Em terceirc lugar notemos as virtudes que nos são proprias; tambem ellas serão um indicio, porque, todas tem um reverso, bem como cada planta sua parasita. Finalmente estudemos a dispo·
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t56 Segundo Principio
sição dominante em nossa alma, ella nos indicará, com segurança, a direcção habi· tual de nossa natureza, se tivermos o cuidado de examinar, ao mesmo tempo, o que nos causa alegria, nos consola e c0m· pensa quando tudo não corre á medida de nossos desejos, bem como as ideias que, de ordinario, occupam nosso espírito. Temos ainda outro meio - extrínseco este - de descobrir nosso àefeito: são as luzes que Deus nos concede, na oração, o juizo de nosso direetor e o das pessoas com quem convivemos. Importa tirar pro-veito de tudo. ·
5. Uma vez conhecido o defeito de caracter, urge combate lo com energia e perseverança. Ha tres razões principaes que nos induzem a faze-lo:
A primeira é que essa defeituosidade prejudica, não o nosso exterior, porém -- coisa mais grave - a consciencia intima; é uma mácula na alma, desfigura a imagem de Deus. Com que cuidado evi-. ta mos o mini mo senão physico! Qual não deve ser elle, tratando-se do moral~
A segunda razão é a summa importancia da correcção do caracter, no que concerne a vida espiritual. Nosso defeito dominante cons~itue um obstaculo capital, ao progresso no caminho da perfeição. Não é simplesmente uma fraqueza, mas
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Cap. XVI - Defeitos de caracter 157
ainda a origem das outras faltas que todas ·êm, como elle, um ar de familia bastante característico. Combate- lo é pois generalizar o ataque; corrigir mo-nos nesse ponto equivale a nos em endar ·em tudo o mais. ~ão raro ouvimos esta queixa: c Quem me déra não ter esse desgraçado defeito! O resto seria toteravel.:t Logo é elle um verdadeiro tyrannete, não obstante apparentar muitas vezes ares de virtude. Nada ha mais urgente que entrar em Juta com esse temeroso adversario; o soccorro divino não nos ha de faltar porque é elle inimigo de Deus tanto quanto nosso. Priva-nos das graças celestes e dos mé- . r itos adquiridos á custa de tantos esforços. A mais damninha parasita é menos nociva á planta em que se enrosca. - Os mestres da vida espiritual são unanimes em declarar que uma boa índole é o mais importante dos meios naturaes de que Deus se serve para conduzir as almas a seu fim derradeiro. Sigamos essa indicação da Providencia, lutando energicamen·te contra nosso defeito dominante. A recompensa nos será dada, já neste mundo, pela pureza da alma, a paz e serenidade do coração.
Consiste o terceiro motivo, na necessidade dessa luta, no ponto de vista da nos! a vocação. Aquelle que a ella se exime,
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158 Segundo Principio
póde ir refugiar-se em um deserto, e renunciar, ·da mesma feita, a flxercer qual· q_uer acção sobre seus semelnante~. Ao inenos, na solidão, não fa"fá mal a ninguem . Mas, pará. viver em sociedade e beneficiar os outros, cumpre esforçamo· nos por adquirir um caracter nobre e ge· neroso. Qualquer defeito, nesse particular, restringe ou aniquila nossa influencia pes· soai. Para actuar no animo dos outros é necessario possuir mui tas virtudes. Ás vezes, um só defeito basta para pôr tudo a perder. Quantas resultas auspiciosas não foram compremêtidas ou arruinadas, quer pela colera, quer pela imprudencia ou gen·sualidade! Graças a ellas os mais bellos talentos permanecem estereis.
É preciso pois, n~sse ponto, exercer urn-a séria mortificação. Ainda mesmo sem esperança de victoria, deveríamos lutar corajosamente. Mas tudo nos faz prever o bom exito. Temos que enfrentar com um só inimigo e contra elle reunimos todas as nossas forças. É a verdadeira tactica que importa seguir. Deus virá em nosso auxilio, porque, é a sua propria causa que se acha em jogo. Se os santos trium pharam de suas defeituosidade de caracter porque não o conseguiríamos tambem ? Tudo depende de nossa energia e perseverança. Nada resiste a uma vonta·
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Cap. XVII - Conclusão 159
de fi.rme e resoluta. Façamos o que estiver ao nosso alcance: certamente não ser á possível mudarmos a essencia do nosso caracter, u.as chegaremos a reprimirlhe os excessos ~ corrigir-lhe os senões.
o tempo nos é dado; podemos querer, Jutar e orar.
É quanto basta.
CAPITULO XVII
Conclusão
1. Uma conclusão logica se deprehende de tudo o · que foi dito até aqui : Fazer consistir o fundamento do edifício de nossa vida espiritual na firme resolução de triumpharmos de nós· mesmo~, conjugada com o principio da imprescindível necessidade da prece. Essa illação constituirá uma de nossas maximas e a ella nos deve· mos ater como a uma ideia fi a, não obstante todos os osbtaculos que possam so· brevir.
Sem duvida, teremos que regis t.ar mais de uma falha, porém, o damno será somenos em quanto permanecermos fieis ao principio. Aliás as faltas irão diminuindo e, finalmente, a maxima que deve orientar-nos tornar-se-á a regra victorioso de nossa vida .
2. Pelo contrario, no dia em que aban -
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160 Segundo Principio
donarmos esse principio, seremos for~ados a renunciar, ao mesmo tempo, a toda espiritualidade séria, á perfeição, por conseguinte. Por si só, a oração não basta. Contentar·se com ella, abstraindo da luta contra si mesmo, é um dos· desacertos da ascese moderna, ascese de agua açucarada que pretende achnr a Deus e unir· se a· elle unicamente por meio da oração. A despeito dos esforços empregados duran-· te annos, a alma, após interminaveis cir-· cuitos, achar-se-á no ponto de partida.
Para attingir o fim, é mistér a oração e o desapego de si mesmo, a estreita união desses dois meios, assim como para voar é necessario duas asas e como para lavar as mãos sarem ellas duas. A prece e a- mortificação devem auxi!iar·se, apoiarsE>, mutuamente, uma completando a outra. A oração implica necessariamente o des prendimento, sem o qual ella não póde subsistir; e ainàa mesmo quA isso fosse possível, Deus não se manifestaria á al· ma. O homem que não sabe mortificar-se, procura a Deus, na oração, e não o encontra, ao passo que o Senhor se compraz em visitar aquelle que se abnega porque o coração desse homem é isento de culpa e desapegado dos bens da terra e, por . conseguinte, preparado para a união divina. O Senhor deseja ardentemente com-
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Cap. XVII - Conclusão 161
municar-se, unir-se a nós mas, para isso, é preciso conservarmos o coração puro e abnegado. Asõim como a oração não subsiHte sem a penitencia, assim tam bem esta não se mantem sem aquella. Difficil cousa é mortificarmo-nos; só a graça de Deus no-la póde tornar accessivel, e a graça nos vem pelo canal da prece. Desde logo, se quisermos ser o homem avisado do Evangelho, que constróe sua morada sobre um rpchedo, edifiquemos nossa vida espiritual na rocha da oração e do desprendimento de nós mesmos.
3. Sem duvida é duro ouvir falar sempre em mortificações e a .vereda do desapego é árdua e penosa, mas foi o peccado que nos . collocou nella e agora, por mais áspera que seja, cumpre trilha-la até o fim!
Com tudo não nos esqueçamos de que o caminho da perdição não é menos trabalhoso; ao centrario, o jugo das paixões, é ainda mais pesado. Se não nos renunciarmos a nós mesmos, cairemos no peccàdo. É preciso optar : ou a mortificação ou a offensa· de Deus. Por fim de contas se o caminho se nos ant<•!ha por demais rude, é porque somos faltos de animo. Tomemos uma resolução errergica e tenhamos confiança; com o tem~o elle se tornará ameno e até deleitoso. A vida provém da mor-
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162 Segundo Principio
te e a doçura da força. 1) A sarça da penitencianão produz sómente abrolhos, mas tambem as rosas do gozo espiritual. To· davia, como tudo o que é grande e bello, no mundo, a consolação deve ser con·quistada pelo esforço proprio, mas para a alma generosa de um heroe, a difficuldade e a fadiga são antes incentivo que obstaculo. É essa a face seductora da mortificação.
4. Para nos furtarmos á penitencia não escasseiam os pretextos. Não raro ouvimos dizer : « L<~so não é ma~s do nosso tempo; hoje a saude e o trabalho não permittem esses excessos. » Distingamos. Si querem fa· lar da mortificação interior, o. argumento não procede, porquanto ella não corupromête nem a saúde, nesn o tvabalho. Quanto á exterior, quasi poderíamos affirma·r que as saúdes seriam mais robustas se ella fosse praticada com mais assiduidade. Ninguem contesta ser o trabalho. excellen· te penitencia, mas para se tornar util e cons_ciencioso, eurripre que elle seja acom panhado de mortificação ; de outra fôrma, perdemos o tempo em futilidades deixando-nos ir ao sabor dos nossos capri~hos; ora, isso não merece o nome de trabalho. «Esta ascese j á está fóra da m Qda.,. Ao que par~ce o mundo de hoje é o mesmo
1) Indic, XlV. 14, sqq.
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Cap. XVII - Conclusão J 63
e outr'ora; não consta que tenha havido, elle, modificações essenciaes. Não houve
• mbell1 mudança em Jesus Christo; o -·m que devemos attingir, e o caminho
ue a elle conduz, são aind&. ot~ mesmos. Logo, importa atermo-nos & antiga pratica da mortificação. «Seja! admittimos a penitencia interior, mas não a corporal.» Evidentemente, em todos os pontos de ·
istn, a mortificação do espírito é super ior á da carne e até mais necessaria, por ém não se infere d'ahi que esta deva ser descurada, porque sem ella a outra não póde su~sistir. Desdenha-la, rejeita-la, de caso pensado, é ir de enaontro ao espírito do christianismo, é desconhecer, por completo, a condição que nos foi creada pelo pelo peécado. Grande parte de nossas faltas tem sua origem no corpo. De accordo com a doutrina christã, não · é elle sómente uma potencia do mal que importa refrear, mas tambem a myrrha preciosa da penitencia e a satisfação por nossas propriaa culpas e as do mundo; é o preço e o sacrificio que nos obtêm graças especiaes, luzes abnndantes e meritos para a eternidade. É por essa razão que as almas mais innocentes são tambem as mais in trepidas no exercício da. penitencia corporal. <o:A mortifiçação exterior é utU aos principiantes, depois não é necessario, 'IJ Assim co-
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164 Segundo Principio
mo a sombra nos acompanha por toda a parte, as sim tambem não nos podemos furtar á influencia que o corpo exerce sobre a alma O desapego de si mesmo é o a b c da vida espiritual: não o olvidemos.
Aliás, é preciso convir: a renuncia de si pr0prio, é, para o homem decaído, causa penosa e quP. demanda perseverante energia, ma~ é precisamente o que importa, para que elle possa tri .umphar do mal e se formar na pratica generosa do bem.
O caminho é rude, porém o escopo, glorioso e um nobre coração não mede sacrificios quando se trata de l.!onquistar a gloria. Eis por que a Imitação de J. C. termina com estas palavras o capitulo que versa sobre o real \laminho da Santa Cruz: É á custa de muitas tribulações que entraremos no reino de Deus. 1) Ora, para· superar as tribulações é mistér que o homem se vença a si mesmo e pratique uma mortificação systematica universal, incessante.
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TERCEIRO PRINCIPIO
Amar o divino Salvador Suave e deleitoso é o commercio que,
mediante a oração, mantemos com nosso Creador e Pai. Nobre e magnanimo o impulso que nos leva a domar · nosso coração afim de torna-lo digno da familiaridade divina. Mas esse duplo dever é por vezes árduo e laborioso. É então que intervem o amor aplainando todas as difficuldades.
CAPITULO
O amor
1. Desprender nosso coração da terra e volta-lo para o céo; carregar valorosamente a cru:;: de cada dia e aceitar, com jubilo, os sacrifios (iUe se nos deparam no decorrer da existencia, são cousas penosas a que a natureza humana difficilmente se affaz. Só o auxilio de uma qualquer cousa cuja força e amabilidade nos
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J66 Terceiro Principio
seja continuo attractivo e uma alegria que com pense as agrúras da vida, .é que nos poderá facilitar o cumprimento dessa ru de tarefa. · 2. Pois bem, esse thesouro, nós o temos :
é o amor. O amor é a inclinação da vontade para
um bem que contenta o coração, satisfaz sua aspiração á felicidade e cuja posse lhe dá . paz e alegria. Essa tranquillidade, esse contentamento, inseparaveis do amor, são os effeitos n~turaes que dimanam da posse do bem anhelado e por isso, o amor tem a primazia sobre tudo o mais. Deus é amor; e entre os dons, por elle outor·
· gados ao homem, nenhum sobreleva a este. 3. Mas para que o amor possa dar ven·
tura duradoura e satisfazer· a todas as faculdades, cumpre, não só mente que o bem, fonte de alegria e paz, constitúa un1 ideal de verdade, de bondade e belleza, mas tam bem que esse ideal exista realmente e não seja, apenas, uma possil>ilidade. Além disso, importa que, de um lado, elle nos supere, afim de elevar-nos acima de nós mesmos attraindo-nos para si ; de outro, que se assemelhe a nós para que possamos comprehende-lo e delle nos achegar confiadamente. É mistér que E~eja imm~tavel e eterno porquanto, si não nos sobrevivesse seria inferior a nós. Finalmen-
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Cap. I - O amor 167
e, deve constituir o Bem infinito, incom· mensuravel, para que lhe seja possível satisfa~er plenamente os desejos illimitados de nosso coração.
4. Onde, porém, encontrar esse ideal nes· e mundo, em que tudo é finito e perece·
douro? Cumpre, pois, subir ao céu para faze-lo de lá descer 1). Deus conhece nossa instante necessidade de amar e encon-rar a ventura no amor. Foi elle que gra·
vou essa aspiração em nossa 11lma e sua solicitude não se descurou de satisfaze-la. Existe - ~lguem - que habita simultaneamente o céu e a terra e que, sendo, ao mesmo tempo, Deus e homem, reune em si toda a formosura, toda a excellencia da natureza humana e da dív.ina. No · ~éu e na terra, tudo vive da vida desse id·eal, haurin o a alegria no reflexo de sua belleza. Nu ca poderemos comprehen· der toda a sua magníficencia não bastando, para isso, a propría eternidade. Caia sobre nós um raio de sua gloria e de sua formosura e isso basta para constituir a felicidade da vida inteira, para compensar a perda de todos os bens e consolar das maiores tribulações. É o .ante-gozo da eterna bem aventurança. ·
Esse - Alguem - é Nosso Sén~or Je-
1) Oc!uter; XXX, 12.
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168 Terceiro Principio
!ÇUS Christo, Deus infiFlitamente bemdito nos seculos dos secu los. Alguns traços de sua adoravel .pbysionomia, e uns tantos pormenores acerca de sua vida nos proporcionarão sobejos motivos de ama-lo, motivos sufficientes para arraigar esse amor em nosso coração, augmenta-lo incessantemente e nos fazer encontrar nelle a força que anima e ampara a vida.
CAPITULO 11
Jesus-Christo-Deus
Só Deus pôde dar, ao homem, a perfeita felicida<iie. Uma abusão do espírito e âo coração, nol? leva a crêr que o amor da creatura é capaz de nos satisfazer completamente. Porém, uma dura e amarga experiencia nos fará, em breve, reconhecer a verdade. Como tudo neste mundo é pobre, ~iseravel, obscurecido, estragado pela imperfeição ! Como tudo passa e desapparece, qual sonho fugaz, deixando-nos tristes, desgostosos e de mais a mais atormentados pela incessante aspiração ao amor e á ventura! Para nos contentar plenamente, é mister um bem infinito: DPus, em uma palavra. É esse o cunho innato de nossa semelhança com o Creador, a prova de que lhe pertencemos como a nosso
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Cap. II - Jesus-Christo-Deus 169
ultimo fim, e fonte de toda felicidade ; é, por assim dizer, o instincto de nossa ado· pção divina.
1. Regozijemo-nos! Viver com JesusChristo é permanecer com Deus, pois que Jesus ·Christo é verdadeiramente nosso Deus. Não cab~ria aqui demonstrar scientificamente essa verdade, porquanto, cremos firmemente nella e ciosos conservamos essa fé no coração. Desejamos, pois, tão sómente, fruir algo da belleza e suavidade que ella encerra no seu ámago.
2. S. João inicia o seu Evangelho com as seguintes palavras: «No principio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus l) Assim, já pela sua eternidade, o Christo se revela Ddt:s. :o Nelle reside verdadeiramente a Divindade em cujo seio é Elle o Verbo, a Sabedoria, a Verdade, o Filho da Luz, a Vida, a Belleza. Na Sagrada Escriptura, o Salvador confere, a si mesmo, esses títulos que nos indicam seus attributos pessoaes. Que sentimentos despertam em nossa alma todas essas expressões? Sabedoria, Vida, Belle· za, que póde haver mais amavel, mais doce e reconfortante? E tudo isso é Jesus-Christo, é Elle essencialmente, em sua propria pessôa, como nenhum outro o poderia ser.
1) joann; I, 1.
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170 Terceiro Principio
3. «EIIe estava no principio com Deus, continúa S. João, todas as cousas foram feitas por Elle.» 1) Na qualidade de Sabedoria do Pai, Elle !3ra o livro da Vida onde se achavam contidas, em sua variedade e formosura, as intenções da Bondade creadora de Deus e as communicações que o Senhor se digna fazer ás crea· turas. Todas as cousas fôram feitas em conformidade com esAe ideal divino.
Quem pode1·á, jamais, com prehender a riqueza e a . magnificencia do poder creador de Deus?
Tambem nós lá estavamos como imagens vivas de sua Bondade, lá existiamos e eramos amados de um peculiar amor, pois que Elle intentava crear-nos, ao passo que tantos outros sêres deveriam permRnecer1 por todo sempre, no vasto oceano dos possíveis. A Sabedoria increada foi, pois, nossa primeira patria e eterna morada, o fóco de ·nosso sêr, o principio de nossa existencia. Como, pois, deixar de ama-la? Como olvida-la?
«Oh! se me fosse dado vêr o Senho'r! quão facil seria ama· lo!» Quantas vezes não nos tem acudido ao espírito · esse pensamento e esse desejo ao coração! E todavia de certo modo, Deus se manifesta visivelmente
1) joann; I, 2, 3.
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Cap. 11 jesus-Christo-Deus 171
a nós, ou pelo menos, permitte que vislum bremos algo de suas perfeições divinas. A natureza, o mundo da sciencia, da arte, a creação visível ou ainda a invisível, são apenas uma imagem, sem .duvida, mas, sem embargo, imagem de Deus e uma continua occasião de representa-lo a nosso espírito, um motivo permanente de ama-lo. A creação terrestre é até tão bella e ma· gnifica que faz mister comprimir violentamente o coração afim d'obstar que elle se desgarre nas affeições das creaturas. E Deus, qual será? Indubitavelmente mui diverso do que ideamos mas infinitamente · superior a tudo quanto poderia figura-lo a nossa mente. Sendo o autor de todas as cousas, a criação, na sua ordem admi· ravel e na varied&de de sua belleza, reflecte necessariamente a imagem do Filho e tudo nella é uma traducção yisivel da in·visivel magnificencia do Verbo. E que duvida! O Senhor, principio de toda belleza, que dá á sua obra essa peregrina formosura, não será por ventura incom- . paravelmente mais bello? 1) Qual é pois sua magnitude! Quão amavel e magnífico se revela o nosso Deus!
4. Jesus-Christo é Deus. Afim de attestar essa verdade que constitue nossa glo-
1) Sap., Xlll 3,_ sqq.
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172 Terceiro Principio
ria e nossa salvação Elle desceu pessoal· mente á terra. Consciente de sua Divindade, não trepida em affirma·la, sempre, de diversas maneiras e nas fórmas mais attraentes. Um dia, discorrendo em termos persuasivos, sobre seu Pai e sol;>re a esplendida morada do céu, um dos discipulos lhe fez este pedido: «Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta » «Phi· lippe, respondeu Jesus, quem me vê a mim, vê tambem ao Pai. Não crêdes que Eu estou em meu Pai e meu Pai em mim está?» 1) Eu sou a luz 2) e a vida do mundo 3). Eu sou o caminho, a verdade e a vida 4). E é esta a eterna vida: tonhecer a Jesus· Ohristo, vosso Filho, a quem enviastes 5). Com o intuito de confirmar estas palavras, Elle opéra milagres no mundo dos e piritos, pelas prophecias e, no n:undo visivel, curando os doentes e resuscitando os mortos. Firmado nestes testemunhos, Jesus exige a fé: Orêdes no Pai, crêde tambem em mim 6), e ainda mais que a fé, Elle pede o amor, um amor, porém, que só Deus póde reclamar. Aquelle que disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o coração 7), o que reivin-"l)Jõann., XIV, 8 sqq. 5) Joann., XIV, 6.
2) Joann., X, 30. 6) joann., XIV, 1. 3) joann., VIII, 12. ·7) joann., X, 27. 4) Joann., IX, 5.
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Cap. 11 - Jesus·Christo· Deus 173
di ca para si a "totalidade do amor de que é capaz o coração humano e que por con· seguinte é o unico apto para satisfazer ás ardentes aspirações de nossa alma, não é Elle por ventura o proprio Deus?
5. E esse amar que não póde convir sinão a Deus, Jes·us Christo o encontrou plenamente. Ao remontar ao céu Elle fundou um reino que abrange a terra toda, reino que jámais terá fim. Nelle, Jesus é amado, adorado, como Deus. Desde os tempos apostolicos que um sem nu· mero de almas escolhidas, reuunciando ás vantagens transitarias e desprezando a vidn terrestre, crucificam o mundo em seu coração e consagram ao Senhor a plenitu· de do amor de que são capazes. E assim será até o fim. O verdadeiro christão está sempre prom pto a dar a vida, a sacrificar os seus mais caros interesses para defen· der a verdade capital do Chri~tianismo. Estribado na fé e no amor, o reino de Jesus não perecerá. A victoria moral do Christo, transformando a sociedade, me· diante a fé e o amor é prova irrefragavel de sua Divindade. A historia apresen· ta homens illustres que, emquanto vivos, attraiam a si o mundo, quer pelo influxo de potente intelligcmcia, quer por meio da força material; por causa delles muitos afrontavam a morte. Mas houve, acaso,
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174 Terceiro Principio
alguem que, por amor desseR mesmos homens, se tivesse convertido e renunciado aos appetites mais intimos da natureza ? Desappareceram os genios surprehendente~, os grandes conquistadores e, do edifício que architectaram, nada, hoje, perdura. A noite do esquecimento envolve-os no seu sudario. Quão diversa deve ser a força que submête o mundo a Jesus Christo, provocando a adhesão dos corações por meio da fé e do amor ! É o poder da Divindade a qual, durante a vida como depois da morte do HomemDeus, se affirma radiosa e triumphante.
5. Jesus Christo, objecto da fé, da espe· ran~a e do amor nosso, ' Deus. Exultemos de jubilo! porquanto, possuir a Jesus é gozar de tudo o que constitue o ar· dente e incessante anhelo de nosso coração. Jesus não é unicamente o homem por excellencia, a mais nobre e bella das creaturas; é mais que tudo quanto poderiamos idealizar: é Deus; logo, infinitamente superior a todas as criaturas reu· Ridas. Desde então, devemos não s 'mente admirar e entregar-nos aos transportes do amor, mas ainda, adorar.
Em Jesus Christo, nosso fim ultimo, encontramos o repouso completo e defini-
. tivo. É ocioso procurar alhures a verda- . de, a bundade e a belleza. Nelle, não se
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Cap. Il - Jesus-Christo-Deus 175
estabelecem distincções entre a homenagem prestada ao homem e o culto rendido a Deus; entre a gloria do Criador e o nosso proprio bem. Servi-lo é servir a Deus, é alcançar a nossa salvação e eterna felicidade. O tempo e a morte que nos despojam impiedosos, de todos os bens deste mundo, não pódem privar-nos do objecto do nosso affecto. Ao envês do que se dá com a criatura, jámais o tedio e a saciedade virão perturbar a alegria e o gozo desse amor. As criaturas são tão indigentes,. o contentamento que dellaH nos vem, estanca-se com tanta rapidez, que bem depressa ellas se esvaem, se'm têr conseguido satisfazer-nos o coração. A inconskancia, a infidelidade ou a morte, são, neste mundo, o termo inevitavel de todas as cousas. No tocante a Deus, porém, não acontece o mesmo. Á medida que nos esforçamos por conhece·lo IniJ· lhor, novos encantos se desvendam ao nosso espírito.
Não ha del!linio, para o amor, a paz e a alegria que transbordam de nossa alma. Até nesse particular, é verdadeira a palavra de S. João: Deus é maior que nosso coração. 1) Ninr;u,em a1·rebatará o nosso gozo. 2) Aquelle que em mim crê terá a l)Jõann .. III, 20.
2) joann. , XVI, 25.
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176 Terceiro Principio
vida eterna. 1) Ora, viver é conhecer, é amar, é ser venturoso segundo a bella expressão de S . Agostinho. "Vacabimus et videbimus, videbimus et amabimus, amabimus et laudabimus. Ecce quod erit in fine sine fine ». «Descansando contemplaremos, contemplando amaremos, e amando exultaremos. Eis o que constituirá o fim sem fim, de t.odas as cousas» 2).
A primeira condição do amor é, que o objecto de nossa affeição nos seja não sóm~nte superior, mas ainda infinito, em todos os sentidos. Essa condição Jesus a realiza plenamente mediante sua Divindade. Qual nãó deve ser a nossa gratidão para com o Pai celeste que nos. deu seu proprio Filho e, com Elle a plenitude dos dons; que no Filho se deu ,a si mesmo com o Espiríte Santo! ~ão precisamos mais de ir mendigar o amor das criaturas, nem a felicidade que ellas não nos podem dar. Tudo possuímos em Jesus Christo, Filho de Deus. Podemos dizer com os discípulos, modificando a expressão: «Pai, mostrai-nos vosso Filho e isto nos b'asta» 3) .
1) joann., 111, 36. 2) De civ. Dei I. XXII c 30 n. 5. 3) joann., XIV, 8.
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Cap. IH - Deus-Homem 177
CAPITULO lU
Deus-Homem
A felicidade primordial do homem, sua primeira alegria, é Deus; em seguidu- o homem. Eis a razão por que Deus, na qualidade de homeiD, em Jesus-Christo aproximou-se da criatura humana, no in· tuito de lbe grangear o amor. Sendo puro. espirit0 e, em consequencia, ·invisível, por natureza, cumpre que Elle se apresente, sob uma f.órma visivel, afim <lle que o ho· mero o possa conhecer e comprehender. E, supposto que Deus crie uma imagem de si mesmo, quaes serão os encantos, a belleza dessa criatura ideal ? Pois bem, essa imagem, existe realmente. O Senhor no-Ia deu na Santa Humanidade do Christo. Jesus, verdadeiramente Deus e Homem, appareceu-nos em todo o esplendor de sua formosura e de seu amor por nós. 1)
I. Fazendo-se homem, o Filho de Deus revestiu -se realmente da humana natureza, sem, todavia, despojar-se da . divindade; possuía um corpo e uma alma com as 'faculdades que lhe sã0 proprias - intelligencia, vontade, imaginação, sensibili· dade - ; fez-se, em tudo semelhante a nós. A pessoa do Verbo, tomou sómente o lugar da personalidade natural, unindo em ---n-Tit. . Ill' 4 .
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178 Terceiro Principio
si as duas naturezas: a divina e a huma· na. Sem embargo, essa união não modificou em cousa alguma, a natureza huma· na; elevou-a, simplesmente á participação da divindade, communicando infinita per· feição ás faculdades e potencias naturaes.
A bella intelligencia de Jesus-Christo, conhecia toda a verdade, tanto na -ordem natural como na sobrenatural; sua vontade pu~issima, santíssima, · omnipotente, não encontrava limites nem no céu nem • na terra; o corpo, de incomparavel for· mosura e delicadeza, era o instrumento de seus admiraveis actos. Em tudo o Homem-Deus se mostrava por excellencia, a obra prima da creação, a magnífica reve· !ação de Deus á criatura."
2 - Para se revestir da natureza humana, o Filho de Deus escolheu o modo que mais adequadamente attestasse sua misericordia e seu amor. Primeiramente Elle não a recebeu directamente das mãos de Deus, como Adão; mas. quis nascer de nosso sangue, de nossa raça e desce:Jder de nosso primeiro Pai, mediante seus ascendentes na familia humana, isto é, quis ser homem como nós o somos. Possuía uma mãi, uma familia, uma patria, uma nacionalidade, uma religião e até um nome humano. Abstrajndo do peccado, assemelhou-se a nós, em tudo o mais. ·É pois
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Cap. 111 - Deus-Hoinem 179
com toda a verdade, irmão ·nosso segundo a carne. Além disso, o Verbo não assumiu uma natureza humana impassivel, immortal, como originariamente era á de Adão, porém, tal como ella se tornou após a quéda, sujeita aos soffrimeatos e á morte e, não sómente aos soffrimentos, na medida em que ellas são a nossa partilha tanto no que respeita a alma, como no que se refere ao corpo, mas na proporção que o proprio Senhor havia deter· minado e que Elle realizou em sua vida. Effectivamente, segundo uma opinião theologica que se funda em sólidos argumentos, Deus deixou ao Salvador, desde o primeiro instante de sua vida mortal, a livre escolha do modo por que Elle deveria operar nosso resgate e foi em plena liberda· de, como convinha ao Filho de Deus, que Jesus Christo seleccionou todas as circumstancias de sua vida e de sua Paixão redemptora 1). No momento da incarnação Nosso Senhor escolheu verdadeiramente u seu estado de vid&. A que gloria, a que felicidade renunciou Elle; quaes os excessos de pobreza, trabalhos, humilha· ções e soffrimentos a que · se sujeito~. nós o sabemos sobejamente. E, mercê dessa eleição, Jesus imprimiu o sello do sacrifício em toBa a sua vida. Na verdade o --ntiebr ., X, 5, 599; XII, 2.
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180 Terceiro Principio.
Verbo divino aniquilou-se tomando a fôrma e a natureza de um aervo lJ.
3. E qual foi o motivo dessa preferencia? Em ultima analyse, o seu amor por nós, porquanto, para a gloria de Deus e a expiação do peccado, bastava a mínima das acções do Homem-Deus, pois que tudo nelle, - actos e soffrimentos - era de um valor infinito. Nem se póde allegar que houvesse qualquer vantagem, um accrescimo de gloria para o Salvador visto que desde o primeiro instante possuía Elle a gloria essencial a qual não é susceptível de augmento. Quanto a accidental, que consiste na honra e amor que a criatura deve testemunhar-lhe, Jesus era por si mesmo assaz amavel e digno de estima, para attrair todos os corações i além disso, dispnnha de copiosas graças proprias a suavizar o que esses deveres pudessem ter de penoso á natureza. Assim pois, não subsiste outro motivo senão o amor. Foi elle a razão determinant~ da escolha. Quis o divino Salvador, que ne nhum privilegio o sobrelevasse aos demais homens, seus irmãos; assemelhando-se a nós, em tudo, com excepção do peccado, foi seu intento, não sómente, servir-nos de modelo, exemplo e consolo em todas as nossas tribulações•, mas ainda l)Ph.ilpp., 11, 7.
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Cap. lli - Deus-Homem 181
offerecer-nos o ensejo de obter mérito eterno aos nossos soffrimentos, mediante o amor e a dedicação a sua adoravel pesso~. Que nobre, constante e desinteressado amor! Desde esse instante Elle nos amou e se entregou por nós 1).
4. Quantas bençams, quantos privilegies nos proporciona essa caridade do Salvador, revestindo-se do nossa propria natureza! Antes de tudo Elle honrou e exaltou o genero humano, porquanto, a união da natureza divina com a humana, ennobreceunos, divinizou-nos a poato de nos constituir parentes de Deus ! Um de nós é, por natureza, verdadeiramente Filho do ntissimo. Os proprios anjos nos tratam com reverencia. Em Jesus ·Christo, a família humana foi elevada acirr.a das jerarchias angelicas, pois que sendo senhor dos an· jos, Jesus não lhes é, todavia, irmão pela identidade de natureza . Imperando no throno de Deus, o Christo recebe a adoração de todos os córos angelicos.
A segunda vantagem é a opulencia · de que fomos gratificados. Jesus Christo é a Cabeça da humanidade e, como esta communica seus bens aos membros do corpo, assim a humana natureza participa dos thesouros que o Christo encerra. A vida sobrenatural, a g raça, a gloria, todos lfõalat ., 11, 20.
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182 Terceiro Principio
os méritos de J esus, são propriedade nossa: temos direito a toda essa riqueza, se nos unirmos a nosso Chefe, mediante a fé e o amor. Até em relação a Deus, essa união nos opulenta, porquanto, pela me· diação do Christo, não sómente podemos offerecer ao Criador a adoração, a acção de graças, a satisfação que lhe são adequadas mas tambem satisfazer a tudo quanto Elle exige de- nós.
Uma suave consolação e affectuosa confiança é a terceira vantagem que auferimes da certeza de que Jesus-Christo, ·verdadeiro Deus, é tam bem verdadeiro homem. Com effeito, sendo Deus, elle possue tudo o que constitue a natureza humana. O que colloca a sua humanidade acima dos demais homens, é obra da graça, da pura liberalidade do Criador. Jesus bem o sabia e por iin o era e é, tão hu· milde, tão bom e condescendente para comnosco não obstante as nossas fraquezas e miserias. Experimentou todas as provações, foi cercado de fragilidade afim de se tornar um Pontífice misericordioso 1) Logo, nada ha que nos possa afastar de nosso Salvador; nem temor, nem, senti· menta da distancia que delle nos separa. Não é Elle um estranho, um ser fantasti co que cumpre admirar e temer, não; é
1) Hebr., V, 2.
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Cap. IIl - Deus-H ornem 183
um de nós, um amif50, a quem podemos dedicar toda affeição c com quem conver· samos simples e confiadamente. Na qualidade de homens e irmãos que somos de Jesus-Christo, temos o direito de tudo esperar do illimitado amor de seu coração. Eis o que é o Filho de Deus relativamente a nós, mediante o mysterio da Encarna· ção, mysterio augusto que nos deu o Homem-Deus tão grande e admiravel que a Escriptura o denomina- o Primogenito de todas as criaturas 1 ), o Herdeiro de todas as cousas 2) o Homem·Deus, tão poderoso que ante Elle todo joelho se dobra, no céu, na terra e nos infernos; 2), o Homem-Deus tão bello e amavel que Elle é, por assim dizer, a flôr dos pen~amentos do Eterno Pai; o Homem-Deus, objectQ do amor e da admiração da côrte celeste; o Homem Deus, vida e consolo de nossa misera terra; Jesus que, se constituiu nosso irmão e que, estreitando-nos ao cora· ção, nos apresenta ao Pai, na eterna patria, como o preço de seu sangue, o tri· umpho de sua ternura para com a huma· nidade. Que meio resta a Deus, e que poderá elle fa~er, em favor de um cora·
1) Coloss., 15, 16, 19. 2) Hebr., I, 2, 3) Philipp., 11, 10.
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18l Terceiro Principio
ção que se não deixa vencer pela formo· sura e magnificencia do Homem-Deus.
CAPITULO IV
Deus-menino
1. Deus se fez homem, no mais estricto sentido da palavra,· é, por ~onseguinte, quis passar pela infancia, a qual constitue uma phase essencial da vida humana, Todavia, aqui, tom'imos o termo - infancia - na accepção mais lata de juventude; é o periodo de formação, desde o primeiro instante da existencia até o completo des · envolvimento. E ha nisto uma differença entre o primeiro e o novo Adão. O pri· meiro, não conheceu infancia nem juventude; entrou no mundo com a idade de homem perfeito. O novo Adão quis percorrer o cyclo habitual da vida humana. A infancia de Jesus Ohristo é, pois, consequencia logica do facto mesmo da Encarnação do Senhor e de sua determinação de se tornar em tudo semelhante a nós. · 2. Ora, qual é o caracter distinctivo des sa primeira apparição de Jesus entre os homens ~
O Apostolo o resume nestas breves palavras: «Appa'receu a bondade do Salvado?' no&so Deus e o .<"eu amor para com os
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'cap. IV - Deus-menino 185 ---- --homPnS» 1). Logo, a bondade e o amor são o traço característico dessa primeira revelação. E tudo converge para o mesmo fim.
Effectivamente, não é a criança o que ha de mais amavel ?
O homem é a obra prima da criação visivel, a criança, a flôr da. humanidade.
Quem poderá eximir-se de um sentimento de eterna affeição para com essa mimosa criatura, ao contemplar-lhe as graças, o progressivo despertar da intelligencia, a candura da innooencia da alma'? Como repelli -la, e,e, cheia de confi· ança, ella procura o refugio e o apoio de nossa protecção ? Pois bem, foi precisamente dessas encantadoras apparencias que o Filho de Deus quis revestir-se, no intuito de captivar o nosso amor.
Em cada uma de suas mdnifestações, Deus se aprcxima da criatura, num desígnio de misericordia; sem embargo, essa revelação do Salvacior é a mais apropria· da ao seu intento de attrahir os corações. 2) Ha nella tal condescendencia, que, comparados a essa criança, parecemos ser mais avisados, mais fortes que ella, e seria licito amercearmo-nos de um Deus tão pobre e tão desamparado. Todas as barreiras que poderiam separa-lo ~it;3,4.
2) Heb~; I, 2.
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186 Terceiro Principio
de nós, for am abatidas. Não sómente Elle ee tornou como um de nós, mas até, apparentemente, inferior a qualquer de nós. <( Nasceu ·nos um menino, um «Filho nos foi dado » 1). «Filho do homem ., tal é o titulo do nosso excelso Deus! Misera criança envolta em pannos, reclinada numa mangedoira! São esses os extraordinarios signaes que devem dar a conhecer o seu advento no mundo l Com razão e excellentemente diz S. Bernardo: «Grande é o Senhor, e infinitamente digno de nossos louvores; o Senhor é pequeno e merece infinitamentP- nosso amor.,. Tal é toda a sua infancia e juventude. Quão suave é esse Deus todo poderoso que se confia aos cuidados de uma mãe e de um pae terrestres, que delles recebe o alimento e lhes permitte defende-lo contra seus ini: migos! Como é enternecedora a maravilha de seu desenvolvimento e progresso á rr;edida que o corpo adquire novas gra~as e maior nobreza, que a intelligencia se revela com mais esplendor e as acções se manifestam cada vez mais perfeitas.
Corno são amaveis as virtudes que o exornam! A humildade, a obediencia, a piedade, a applicação ao trabalho, emfim, todas as virtudes proprias da vida domestica e cujo espectaculo regozijando o ~;9,6.
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Cap. IV - Deu~·menino 187
céu e a terra, tornam os habitantes de Nazareth, docemente ciosos de Maria, a Mãe de tal Filho! Que graça commovente, encerra o mysterio de Jesus detAndo-se no Templo, como a preludiar a sua vida publica, na· qual se ha de revelar Messias e Deus, porém, na pobreza, n0 despren· dimento de tudo o que concerne a carne e o sangue. Di r · se-ia q e elle não póde conter-se por mais tempo, que anceia por mostrar que temos nelle mais direito que a sua propria Mãe e ~mspira pela hora de se entregar inteiramente a nós.
Até o presepio com o seu silencio e de!ji.amparo é um symbolo eloquente do. que Jesus fará, um dia, por nosso amor. Hoje, Maria o involve em pannos, mais tarde o cobrirá com um sudario; agora Elle derrama lagrimas, dia virá, em que verterá seu sangue; hoje, repousa em uma mangedoira que lhe não pertence, amanhã descansará num sepulcro alheio.
3. O proprio scenario da infancia do Salvador, os lugares que habita, a socie· dade que o cerca tudo concorre para ajuntar encanto novo a tantos attractivos. Sua residencia é, primeiramente a peque· na, porém, nobilíssima cidade de Belém a qual domina verdes collinas e frescas pastagens que trazem á memoria as mais graciosas reminisoencias dos tempos de
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188 Terceiro Principio
outr'ora; é, em seguida, o maravilhoso país dos Pharaós com suas gigantescas pyramides, á sombra das quaes, os filhos de Jacob, acrisolaram sua religião, amesttaram-se nas artes e amoldaram-se ao soffrer, tornando-se dest'arte um· povo forte e poderoso; vem em terceiro lugar e remanso de Nazareth, por tanto tempo testemunha de sua amavel juventude, de seu labor e humildade; finalmente, o venerando templo de Jerusalém, onde Deus se revelou e onde o proprio Jesus ~e manifestará, num dia de gloria, constrangendo os Doutores da Lei, rodeados de respeito quasi supersticioso, a prestar homenagem a uma criança de doze annos! E cada um desses lugares tem seu significado particular e nexo especial . com a missão de Jesus, A sociedade que cerca a infancia do Salvador não é menos amavel e instructiva: a Virgem-Mãi, glorioso rebento da raça de David; S. José, seu pai putativo; os simples, os pastores, os mensageiros celestes, Simeão, Anna, os reis Magos guiados pela e.strella. Todas essas personagens podem denominar-se - os santos da infancia de J·esus - porquanto, são elles os e:eus primeiros adoradore~ e prophetas; annunciaram seu advento a todo o mundo e confessaram sua divindade. Jesus é Deus! É isso o
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Càp. IV Deus-menino 189 ----------~'---------------------
que nos importa extremamente, senão, de que nos serviria a pobreza em que nascreu e viveu, os encantos de que se reves-tiu o seu amor emfim? ·
No decorrer da infancia, o Senhor não quis romper o 'Silencio que impusera a si mesmo e proclamar a sua div•indade, como o fará mais tarde. Por ora,. Elle confia esse cuidado aos santos que s~ grupam em torno do Eeu berço; elles pertencem á sua Santa Infancia e, de certo modo, fazem parte della, prestandonos o serviço inestimavel de attestar a divindade def!lse Menino.
4. Quantos attractivos encerra a infancia do nosso Deus! E um Deus menino que se acha reclinado no presepio, que se entrega aos cuidados de seus pais, que chora e fóge diante de seus inimigos, que vive obscuro e ganha penosamente o pão de ca· da dia. Isto quan'to ao exterior. No querespeita o intimo, porém, não é mais questão de penuria nem de fraqueza. Tudo é po· tencia e vida - vida immensa, divina sob a fôrma de um amor suavíssimo, infinito, que attrai tudo· a si com força irresistivel.
E que effeito produziu essa divina infancia?
Sobre quem exerceu seu poder de attracção '? Sobre tudo e todos, sobre nós mesmos. O Infante do presepi0 foi nossa
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190 Terceiro Principio
primeira devoção, Belém, a nossa primitiva morada espiritual. E que duvida! f:.á podíamos orar e amar com toda a confiança e talvez que nunca tenhamos orado mais fervorosamente nem amado com mais extremos. Será mistér v.o1vermos ao pri· meiro amor de nossa tenra idade? E porque não? O Salvador é sempre o mesmo, no presepio como na cruz, no altar como no seu throno de gloria. Em toda a parte tem jús ao nosso amor e á nossa adoração.
Todas as devoções attinentes á Huma· nida.de de Jesus, são caminhos que conduzem a Deus. É por esta razão, que al· guns dos grandes santos, dess9s cujo in· fluxo poderoso renovou a face da terra
·como S. Francisco de Assis ou S. Bernar· do, tiveram uma peculiar devoção ao mysrio da Santa Infancia.
Onde poderíamos encontrar maior copia de verdadesí de sabedoria, de amavel grandeza, de arrebatadora formosura, de sua'V'idade e terno affecto, senão junto ao berço do Senhor menino ?
Confiança e ternura - eis o ritual da devoção á Infancia de Jesus. Porque não seria. elle o lemma de nossa vida?
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Cap. V - O Doutor sapientissimo 191
Ct\PITULO V
O Doutor sapientissimo e o Guia das almas
1. Após os annos de infancia e juventude, o Salvador da começo a sua vida publica.
Consagrou-a mórmente ao ensino. Os oraculos haviam annunciado nelle o Propheta e o Doutor: instruir os homens, constituía, pois, uma parte essencial de sua missão.
Abstrahindo da fé; não é possível viver racionalmente nem conseguir a salvação. Havemos mister de um preceptor e temo· lo em Jesus- Christo que é o mais excellente e o mais sabia de quantos possam existir.
2. Possue elle todos os predicados do Mestre, .o principal dos quaes a autoridade.
Mediante a educação, o homem é, por ass'im dizer, creado novamente, remodelado. Só Deus e os que são, por Elle, destinados a essa missão, podem preenche-la cabalmente.
A autoridade do . Salvador, não era de proveniencia humana, Elle a possuía de si mesmo, porquanto, era Deus, assim como a realeza, o sacerdocio e o magisterio lhe pertenciam por direito de nascimento.
A segunda qualidade do mestre, é a sciencia, e Jesus a possue igualmente.
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l92 Terceira Principio
Sendo Deus, a Verdade, o Filho Unigenito do Pai, ~ Sabedorja increada, Elle sonda os arcanos do ·céu e os segredos do coração humano. Quantas vezes, no curso de seus ensinamentos, -não utilizou Elle a sua divina sciencia·das almas!
O terceiro attributo do magisterio do Christo, era o poder o qual consistia principalmente na santidade de sua vida, espelho fiel da doutrina por Elle ensinada; residia, outrosim, nos milagres que attestavam a verdade de sua palavra e emfim na graça da qual era Senhor e por cujo meio inclinava os corações ao bem, facilitanà.o e amenizando a pratica dos preceitos.
3. E que nos ensinava o dívino Mestre? Primeiramente o que Deus exige de nós, o que nos é necessario e util: a reconhecer no mesmo Deus, nosso Pa:i, nosso ultill)o fim · e eterna bemavent.urança. Ensinava-nos a orar, a ser humildes, a nos vencermos a nós mesmos; a levar a cruz com paciencia e alegria e, emfim, a amar a Deus de todo· o coração, sobre todas as causas e ao proximo como a nós mesmos. Tal é a substanc·ia de sua doutrina e o que importa praticarmos aqui, na terra. Isso basta para nos assegurar a felicidade.
E ·essa doutrina Jesus a espalhava a mãos cheias. Sem duvida Elle poderá re· vaiar-nos, um numero de verdades ínfinHa-
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Cap. V - O Doutor saf>lentlssimo 193
mente maior quis porém, reserva -las para o céu afim de nos deixar o mérito da ·fé. No paraíso teremos o complemento :le sua doutrina, sem perigo para nossa humilda· de. Ainda mais que a sciencia, é asabedo· ria que o divino Mestre nos ensina. Ora, a fé encerra a mais bsondavel sapiencia.
4. Instruindo, o Salvador fa·lo primei· ramente com tal clareza e simplicidade que uma criança o póde comprehender e, no mesmo tempo de modo tão pro· fundo que a mais potente intelligencia, jamais conseguirá exhaurir sua doutrina.
Em segundo lugar, Elle usa d~ prudente moderação e discreta reserva,
Não diz tudo a todos, indistinctamente: só fala na occasião azada. Não sobrecarrega a intelligencia nem a vontade do ho· mem; contenta-se com o que está ao alclmce de cada um. Ao OlJulento joven que de· seja salvar-se e tender á maie alta perfeição, Elle responde progressivamente, acon· selhando, em primeiro lugar, a simples observancia dos preceitos e indicando, em seguida, a pratica dos conselhos 1).
Aos Apostolos declara: «Muita.<J cousas tenho ainda qu,e dize'l'·vos, porém, não estão agor·a ao vosso alcanP-e 2) . Grande é
1) Math , XIX, 16 sqq. 2) Joan ., XVI, 12.
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194 Terceiro Principio
a prudencia com que expõe os mysterios de sua morte na cruz e de sua divindade.
Finalmente, o Salvador ensina com extrema ,paciencia . É incansavel em semeat•, nos corações, o bom germen de sua doutrina. Muitas vezes, vê a semente cair na estrada entre cardos e abrolhos, ou, então, servir de alimento ás aves: repara na morosidade do resultado e, sem embargo, continúa, sempre, no seu ímprobo trabalho. Desde a · primeira solemnidade da Paschoa que a semente da fé cahíra na alma de Nicodemos e só produziu fruto, na occasião da quarta festa, isto é, após a morte do Salvador. Quanto tempo não consagrou Elle na formação dos Apostolos, antes que estes se tornassem o que depois vieram a ser!. Emfim, a paciencia do Senhor foi coroada do mais brilhante e glorioso exito; Jesus triumphou não sómente nesta ou naquella al· ma, mas na humanidade inteira.
A Judeia, terreno arido e pedregoso, não quis receber a semente da divina palavra, porém os Apostolos, orgams do Espírito-Santo, levaram-ria aos Gentios entre os quaes fez ella surgir o mundo christão, a sciencia, a civilização, R arte, as leis, emanadas do espírito do christíanismo. E a predica do Salvador continúa ininterrupta, convertendo as almas, dando
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Cap. V - O Doutor sapientissimo 195
sabedoria ás crianças, aclarando os olhos aos cégos, trazendo, ás almas, paz e felicidade, mercê da~ consolações que della defluem 1). -
5. Havemos mistér de verdade, de luz e graça; necessitamos de um Mestre; onde encontra-lo sinão em Jesus que é nosso Deus? Depois de nos ter creado Elle continúa a formar-nos; impera nas consciencias, conhece os desfallecimentos e aptidões da humana natureza, possue a sciencia necessaria para constituir a nossa felicidade e invencivel paciencia para supportar as nossas irresoluções e infidelidades. finalmente, dispõe de graças efficazes para coroar gloriosamente sua obra. Recorramos a Jesus como Nicodemos, como Pedro, André e Nathanael. Todos presentiam, nelle, o Doutor sapientissimo, enviado por Deus, o Mestre, o Senhor das consciencias, da vida e da felicidade. «Rabbi, onde moras? 2) » perguntavam·lhe e, seguindo-o, tornavam-se seus discipulos. Façamos diligencia por encon· tra-Io, por meio da leitura e meditação do seu santo Evangelho. Quão suave e proveitoso é sentarmo-nos aos pés da Eterna Sabedoria, afim de lhe escutar a divina palavra! Se, como narra o Evan'""l)Ps., XVIll, 3 .
2) Joann., I, 37 sqq.
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J06 Terceiro Principio --------------=--- - -- - --gelho, o proprio Deus se achega, por essa fôrma, dos filhos dos homens, expondolhes sua lei cheia de mansuetude, se em tão bella, não obstante tão humana lin guagem, desvenda-lhes os segredos do cP-u, é que esses factos têm importancia capital; sno scenas verdadeiramente di· vinas que reclamam toda a nossa attcn · ção e devem penetrar-nos de admiração e amor pela incomparavel intelligencia e nobilissi mo coração d'onde brotaram taes ensinamentos. Na verdade, possuímos o mais sabia dos doutores e o mais excel lente guia das almas. Por sua doutrina, Jesus se constitue, realmente, nossa santificação e nossa sabedoria 1 ). ~~. senhor, a quem iremos? Tu tens as ·palavras de vi· da eterna. 2)» E, graças n essa protesta· ção, inspirada pela fé e pelo smor, Pedro triu m pha de perigosa crise; e a victoria é a recompensa das horas decorridas aos pés do Mestre, a ouvi-lo e a recolher-lhe as lições. «Rabboni ! » «Bom Mestre » - tal foi a saudação que Magdalena, a fiel ouvinte de Jesus, lhe dirige ao revê lo pela primeira vez, após a resurreição 3) Ella só diz essa unica palavra que, porém,
1) Cor., I, 30. , 2) Joann., VI, 69. 3) joann., XX, 16.
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Cap. VI - O filho do homem 197
tudo exprime : o que sabe, o que sente, o que ella é. Os élos que unem os discípulos ao Mestre são os mais doces, os mais nobres e ternos. São formados pelo res peito e reconhecimento e uma affectut>sa dedicação.
CAPITULO VI
O Filho do homem
A denominação : «Filho do homem» sob a qual os Prophetas annunciaram o Salvador, 1) e que mais de uma vez, Elle proprio applicou a si mesmo, 2) não é aqui tomada no sentido de «Messias » «Filho de Deus 't> ou Chefe de todo o genero huma· no, porém , nc; de pJssuidor e representan· te da natureza humana, na sua mais no· bre e perfeita accepção. Effectivamente .o Salvador é a expressão desta natureza assim elevada, e a viva imagem do mais amavel dos homens - e isso comprehen· d9 tres cousas.
1. Considerada em todos os pontos de vista, a vida de Jesus·Christo foi a simP las e ordinaria existencia humana. Não se deu o mesmo com João Baptista, seu P recursor e Propheta, cuj o viver de uma au13teridade ext~essiva , passou-se todo na
1) Dan, VIl. 13 • sqq. - 2) Math. XXVI. 64.
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198 Terceiro Prlneiplo
solidão, longe do bulicio das cidades. Do fundo do deserto sua voz potente reboava attraindo as multidões. Jesus, ao contrario viveu entre os homens ; membro de uma
''familia, hRbitante de uma cidade, permaneceu em constante relação com o mundo.
Sujeitou-se a todos os deveres impostos pela vida social, dos quaes é a religião o primeiro. Elle a Sabedoria divina, o Principio de todo culto legitimo, acceita as prescripções de uma determinada religião! Como Israelita, temente a Deus, preenche todas as obrigações impostas pela Lei, frequentando o TemplÇ>, a synagoga e até mesmo recorrendo aos meios de salvação estabelecidos para certa época e que não obrigavam rigorosamente: de envolta com o povo, procura João Baptista e delle re· cebe o baptismo. - A segunda condição, o liame da vida social, é a obediencia á autoridade, e, nesse particular, nunca hou. ve djscrepancia no proceder do Salvador, tanto no seio da familia como na vida civil, em relação aos chefes da nação como aos principes estrangeiros. Obedecia a. to·
. ~os tal qual o mais simples 4e seus compatriotas. E mais ainda, quis Elle que essa perfeita submissão fosse consignada especialmente no Evangelho 1). No curso do processo que decidiu a sua morte--.Elle ---r}Luc., 11, 51
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_ _ __ c_ap. · VI - O filho do homem 199
não protesta senão diante de uma unica imputação: a de se ter revoltado contra a autoridade. 1) - A terceira condição da sociedade é o trabalho. Jp,sus sempre tra· balhou. Grande parte de sua existencia foi coneagrada a um labor obscuro, porquanto, queria ganhar o pão á custa <!lo esforço proprio. O maior d'entre os filhos dos homens é, da mPsma feita, o mais acabado modelo das classes laboriosas.
Particjpando das fadigas da vida, o Salvador quis, outrosim, gozar as alegrias legitimas que, ordinariamente, ella encer· ra. No inicio de sua carreira publica, vemo-lo assistir a um hanquete de nupcias . e commover-se a tal ponto ao notar o apuro em que se acham seus hospedes, . que o seu primeiro milagre, a mudança da agua em vinho, foi effectuando precisamente ao celebrar-se o matrimonio, fundamento da familia. - Parece que era costume na Terra Santa, convidarem-se aos doutores da lei para uma refeição, após qualquer lição dada dural)te o curso de suas peregrinações. Com o intuito de não ir de encontro ao uso geral, o Salva· dor não recusava esses convites embora soubesse que ás vezes, davam elles azo a criticas mordazes e apre')iações calumnio· sas ou tinham por pr incipio um senti· "l}Jõann., XVIII , 37
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%00 Terceiro Principio
mento mui diverso da amizade. 1) Não chegaram a ponto de dizer d' Elle : «Eis um homem glutão e amigo do vinho? 2) :t Até depois da Resurreição e já de posse da vida gloriosa, o Senhor quis, segundo certa Úsança estabelecida, tomar uma refeição, com os seus discípulos, antes de se separar delles 3).
Afim de não ultrapassar os limites de uma vida simples e commum, o Salvador occultava quanto possiveJ, o que havia de extraordinario em seus dotes pessoaes. Escondeu a graça e a formusura da juventude na obscura officina de carpin· teiro de Nazareth, e, em mais de uma cir· cumstancias; Elle teria podido manifestar súa vasta intelligencia, particularmente no t:JUe concerne a salvação das almas; toda· via não o quis. A propria santidade, Elle não a re-velava senão na proporção que convinha a uma crianQa doci1, a um pie· dOS() adolescente. Tudo o que nelle sobre· pujava o ordinario era tão cuidadosamente vel'ado, que Nathanael, cuja residencia distava apenas algumas leguas de Naza· reth,•nunca ouvira falar d'Elle. 4) Com quanta razão são denominados : - Vida occulta - esses annos decorridos na hu· ----oTuc. VII, 36, XIV, 1
2) Matth., XI, 19 - 3) Act., I, 4 4) Joaou., 1, 46.
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Cap. VI - O filho do hómem 20 l
milde aldeia da GalliJéa ! Até na vida pu· blica, quando a fama já lhe espalhara o nome, por toda a parte, Jesus só manifesta o seu poder, sabedoria e santidade, na medida que sua missão o exige.
O que elle subtraiu ao conhecimento dos homens, excede infinitamente o que permittiu que se p&tenteasse. Fazendo-se em tudo semelhante a nós, Elle quis, certamente, dar-nos o exemplo da humildade, pl1rém, desejou ainda mais captivar-nos o coração, envidando todos os esforços com o intuito de ser no exterior aquillo que naturalmente somos, porquanto a igualdade é a condição do amor.
2. O segundo traço da nobreza de caracter do Filho Homem é a delicadeza e a affectuosa solicitude que sempre testemunhou a todos os que o cercavam. Quando multiplicou os pães, pela segunda vez, Elle faz observar que muitos dos ouvintes, vindos de longe, estão exhaustos de fadiga e mortos de f(Jme. Cheio de com· paixão, ordena aos discípulos que deem de comer a essa multidão. 1)
Encontrando um cortejQ funebre, nae cercanias de Naim, logo se enternece ante a dor da affJictà viuva que acaba de per· der o filho unico, e, sem esperar que lh'o peçam, intervem, operando o milagre . . I}Marc .. Vlll, 26, sqq.
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202 Terceiro Principio
As festividades e regozijos da segunda Paschoa, não o fazem 01 vi dar os enf.ermos da piscina de Bethsaida. .Achegando-se delles cura o mais desamparado.
Que vale um bocoado de pão~ Sem em· bargo, essa cousa minima occupa um lugar na Oração Dominical e multiplieando os pães, Jesus ordena que sejam recolhidos os restos.
Ao expulsar, pela primeira vez, os vendilhões do Templo, o Salvador derribalhes as mesas, porém, amerceando-se das rolinhas, manda simplesmente que as levem para fóra 1).
Que solicitude, quantaR attenções não ·mostrou para com o pai do menino surdo e possesso, bem como para com as crianças que os Apostolos tentam afastar d'Elle!
Na sua marcha triumphal, circumdado de tantas honras, acclamado delirante· mente pela multidão, o Senhor verte lagrimas amargas ao evocar o lugubre quadro da ruína de Jerusalém. . Nos transes da agonia, suspenso na Crsz, Elle perdoa ao ladrão, apenas ouve a. expressão do seu arrependimento. Confia sua SS. Mãe á ternura do discípulo predilecto.
A falta de urbanidade, o olvido das attenções indicam, sempre, carencia de arnor e l}jõann., 11, 16.
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Cap. VI - O filho do homem 203
podem magoar profundamente. A pessoa que se mostra cortez e affavel para com to· dos, dá prova de bondade e prudencia, attrai os corações e inspira confiança.
3. O terceiro indicio de um coração nobre é a gratidão e essa nota característica é visível em toda a vida de Jesus Christo. Com que magnanimidade divina retribue Elle a menor prova de amor o mais leve serviço !
Pedro empresta-lhe a barca para uma predica e recebe a magnífica recompensa da pesca milagrosa e a vocação que o transformará em pescador de homens! O mesmo Apostolo confess81 a divindade do Christo : e o Senhor lhe confere a primazia no collegio apostolico. Nicodemos faz-lhe uma curta visita durante a noite e obtem a graça da fé. Zacheu dá algum; passos ao seu encontro e Jesus hospeda-se em casa do publicano, cumulando-a de graças extraordinarias.
Segundo a lenda, ao deparar-se-lhe Jesus, no caminho do Calvario, a Veronica en-xuga-lhe o rosto com um Yéu e entrega aos soldados o vinho misturado com myrrha, para ser dado ao Senhor, no hot·· rivel momento da crucifixão e, em paga, recebe no véu a impressão miraculosa da Sagrada Face . .
E' ainda por um sentimento de gratidão
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20_4 _________ T_e_r_ce_i_ro __ P_rl_n_cl~p_lo __________ __
que o S-alvador não désvia os labios dessa bebida que a piedade lhe offertára. Que diremos do precioso legado, feito a S. João, na pessoa da SS. Virgem, como penhor da sua .fidelidade, em acompanhar a Mãe dolorosa até o Calvario !
Ás piedosas mulheres que choram, ao verem-no caminhar para o supplício, Jesus agradece essa prova de amor, dirigindo-lhes palavras repassadas de ternura e compaixão. Maria Magdalena recebe, em recompensa, a imperecivel memoria que a Igreja della conserva 1). Finalmente Lazaro, o resuscitado, é o mais brilhante testemunho dos bens preciosos e das graças extraordinarias que a amizade de Jesus nos proporciona.
4. Vemos assim, de modo patente, até que ponto nosso Deus se fez humano, amorosamente humano; como manifesta a sua grandeza sob a forma attraente da mais nobre humanidade e como se digna trilhar comnosco as veredas communs da vida ordinaria. E' a transformação, a transfiguração de- nossa propria existencia e esse pensamento é um lenitivo, um conforto para nós pobres mortaes!
Dir-se-ia que mediante essa doçura e esses encantos Jesus nos quer dar uma compensação de sua divindade e infinita "l)Màth., XXV, 19.
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Cap. Vll - Acima da natureza 205
maiestade. Poderia ter-nos esmagado co m a revelação de sua temerosa magnitude; preferiu, porém, attrair-nos pela suave manifestação de sua Humanidade. E não é isso simples condescend~ncia : é amor, e o amor da eterna Sabedoria, acerca do
ual foi dito: «Elle encont1·ou todos os caminhos da verdadeira sciencia e os deu a Jacob seu, servo, a Israel se~t dilecto: foi em seguida, visto no mundo conversando com os filhos dos homens 1 ).
CAPITULO VIl
Acima da natureza
Jesus-Christo é homem, na mais perfeita e elevada accepção da palavra; está, porém, acima de tudo o que a natureza humana lhe possa ter dado. E' !!}lle, por excellencia, um ser sobrenatural porquanto é Deus ao mesmo tempo. A prova evi dente, temo-la em seus milagres, que constituem um tríplice e poderoso appello a nosso coração, conforme se relacionam co m a fé, o amor ou a confiança.
1. I nnurneros íô1'am os prodígios operad os pelo Salvador, quer na ordem in· visível dn espirito e da verdade, por suas prophecia~; quer no domin io do mundo
1) Baruch., lll 37, 83
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206 Terceiro Principio
visível, multiplicando os argumentos que patenteavam seu poder soberano. O es· copo que se propunha, coiLo Elle proprio o declarou, em varias circumstancias 1) era confirmar a sua doutrina, mórmente na parte referente a sua missão e divindade, no intuito de nos incitar a crer nelle. Abstraindo da fé, condição primordial e imprescindível, é impo!:lsivel effectuar·se a salvação; ora, para produzir essa mesma fé, é o milagre o meio mais simples, mais breve e, em certas occasiões o unico adequado. Quando um verdadeiro prodi· gio intervem, corroborando um ensinamento, é Deus que oppõe a autoridade de seu testemunho e .o que Deus attesta não póde ser senão a infallivel verdade. Se, pois, tantas vezes, e de modo tão claro, o Salvador deu os milagres, como argu· mento de sua doutrina e de sua miss3o, é óbvio que todo o edifício de nossa fé, repousa no facto das maravilhas que Elle operou.
D'ahi se infere a grande importancia que os milagres assumem relativamente a nós, e a gratidão que devemos ao Salvador. Cumpre notar uma particularidade interessante e consoladora : a connexão que existe, entre os prodígios de Jesus e
1) joann. V, 36 ; X, 25; XI, 42.
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Cap. VII - Acima da natureza 207
a 9\l.a doutrina. Alguns ensinamentos são coni\rmados, incontinente, por um milagre, em relação directa com os princípios que <l MeHtre acaba de expôr. «Sou a luz do m?J..ndo», diz Elle e dá vista a um cé· go. «S0,u a 1·esurreição e a vida » e ~voca um morto do sepulcro. «Sou o pão de vida» e opera a multipJicação dos pães. Affirma <\.Ue tem o poder de quebrar os grilhões do peccado e cura um paralytico. - Alguns milagres são figuras e predicções do que se haveria de realizar, mais tarde, na Igreja. Assim a cura dos cégos, dos suldos e mudos, representa o baptismo; a dos leprosos e a resurreição dos mortos pre'fJguram o sacramento da penitencia; a multiplicação dos pães, a Encharistia ; a barca de Pedro é a i ma· gem da Igreja. Têm, pois, os milagres um nexo real com a doutrina, a obra e pessoa de Jesus-Christo e essa magnífica harmonia augmenta ·e illumina a nossa fé e o nosso amor, porquanto, os prodi· gios como os en sinamentos do Salvador, são prova irrecusavel de sua sabedoria, de seu poder e da solicitude que sempre
· mostrou, para com tudo o que respeita a nossa salvação.
2. Os milagres de J esus provocam o nosso amor, porque todos elles são mani· festações da bondade e não d~ . uma po-
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208 Terceiro Principio
tencia que amedronta. O Salvador '>eio resgatar-nos; ora, a redempção consistia em arrancar-nos ao jugo de Satanás o qtJal, juntamente com o peccado, havia introduzido, no mundo, os males temroraes, a enfermidade e a morte. O Senhor exerce, pois, seu imperio sobre o vastr. e som brio dominio do soffrer humano e ante a omnipotencia dP. sua vontade, tudo céde e se esvai: castigo, maldição, enfermidade, possessão, morte. Todos os se:1s milagres tra:~.em o cunho de uma benovolencia, de uma bondade infinita . In spirados pelQ mais terno amor, estão a ap)Jellar para o nosso coração e para a nossa ternura.
O mesmo amor que Jesus nos tes temunha, por seus prodigios, é ainda um meio de nos incitar á fé, porquanto, o objecto desta sendo verdades que a razão não póde comprehender, :1 vontade desempenha um papel essenciai na acquiescencia a essas mesmas verdades. Ora, os beneficios concadidos ao homem mediante os milagres, contribuem maravilhosamen· te para estimular a boa vontade. Acredi tamos, de bom grado, naquelles de cuja affeição não p0demos duvidar e assim a misericordiosa bondade do Senhor, extende sua bemfazeja influencia até o dominio da fé: esta e o amor realizam a con quista do bornem todo.
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Cap. VIl - Acima da natureza 20Q
3. Finalmente, os milagres de Jesus desp~rtam a confiança. Só por si, elles demonstram um poder divino, infinito. E, em que deslumbrJJ.nte irradiação de luz esplendida, nos revelam a omnipotencia do Homem·Deu'3, a qual se affirma victoriosa, em todos os domínios: criação animada, espíritos, homens, demonios -evidenciando sua soberania absoluta sobre todas as criaturas. Não ha um soffrimento, um mal que o Salvador não possa sanar e, ante Elle abrem-se, de par em par, as portas da eternidade Sempre e em todas as necessidades póde o ho· mem dizer ao Senhor: «S e quise1·des, podeis curar-me e salvar-me »
A resurreição do joven de Naim comprova essa asserção. Já o levavam a sepultar; a mãi afflicta seguia o cortejo. Vozes amigas, quiçá, já lhe haviam dito, á pobre mulher: «Não chores » e este era o unico lenitivo que lhe podiam dar. Quando, porém, Jesus diz: «Não chores» já não é a mesma c9usa. Mediante essa palavra E.lle · resuscita o menino e o restitue á mãi. - De pé, junto ao tumulo de seu amigo Lazaro, emquanto as irmãs do morto e grande numero de pessoas imploram, em prantos, a sua misericordia, o Salvador tambem chora. Não se limita• porém, 11 verter lagrimas de amizade e
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210 Terceiro Principio
compa1xao. Com uma só palavra evoca o morto do tumulo e restituindo-o á affeição dos seus, faz cessar a dôr e o luto. Tal é o conforto que .do Senhor nos vem e que só Elle pôde offerecer. Se um prodi· gio se faz mister, não ha que duvidar, seu amor e sua omnipotencia ahi estão e o Salvador ainda dispõe delles. Scientes disso, crendo em Jesus, amando-o de co· ração, será possível que a confiança nos venha a faltar? O supremo mal do mundo é a morte. Jesus, seu vencedor, nos ha de valer poderosamente· nesse doloroso transe. É com razão que o livro da Imitação de Christo, assim conclue: «Permanecei unidos a Jesus, na vida e na mo'r· te: ainda que todos vos abandonem, Elle nunca vos ha de desampara1·. :o
CAPITULO VIII
O livro de vida Ha, na vida de Jesus-Christo, um facto
admiravelmente proprio a nos inspirar um terno amar e affectuosa ded_icação por sua pessoa divina. 1)
1. Decorria o anno terceiro da vida pu· blica. O Salvador associára aos Apostolos, setenta e dois discípulos que deviam coad· juva-los no trabalho da evangelização. --.rlucas, 19, 17-24. 1\lt. , 11, 25-30.
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Cap. Vlll - O livro de vida 21 J
Regres9ando, no fim de pouco tempo, os novos obreiros communicam jubilosos, ao Mestre, o feliz exito que lhes corôara os esforços, graças ao poder de que Elle os investira, até os demonios lhes eram sub· missos. Satisfeito com a humildade de que davam prova, o Salvador observa, todavia, que não sómente por esses resultados devem elles regozijar-se, mas tambem e sobre tudo por algo de mui superior alcance: Estarem -lhes os nomes inscriptos no livro da vida. Importa muito mais, ao homem, salvar-se a si mesmo que trabalhar para a salvação dos outros: para elles assim deve ser, em razão da eterna eleição, designada pelo livro de vida.
2. Lançando então um olhar para o grande mysterio dessa eleição, o Salvador vê, de um lado, (JS sabios, os avisados do mundo os quaes, desde Satanás até a consummacão dos seculos, impellidos pe· Jo orgulho, só curam de si, afastam-se de Deus e se precipitam na perdição; do ou· tro, os pequenos, os humildes que .se submetem a Deus e operam a propria sal· vação. Revela-nos então a causa que decide a sorte de uns e outros? Essa causa é o Pai celeste e Elle, o Salvador. Faland<:> de si mesmo diz: «Todas as cousas me foram dadas pelo Pai e ninguem conhe-
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212 Terceiro Principio
ce ao Pai sinão o Filho e aquelle a quem o Filho o quizer revelar. » E em outra occasião «Ninguem a mim pó de vir se o não trouxer o Pai que me enviou», 1)
Vemos, por essas palavras, que o Sal vador é· a causa coefficente, o medianeiro, o centro do magnifico mys terio da elei · ção. Como Verbo e Sabedoria do Pai, e na qualidade de Homem-Deus é Elle realmente a fonte de todo o conhecimento da · Divindade e o principio de toda salvação; nelle se acha o ponto de partida das vo cações humanas. Aquelle que se quizer salvar deve ir a Jesus e por Jesus ao Pai. porquanto, o Salvador é verdadeiramente o livro de vida, no qual estão inscriptos os escelhidos. E esse mysterio é uma es plendida revelação da excellencia e divin dade de Jesus Christo. Eis porque Elle exulta de jubilo, no Espírito S.anto e dá graQas, não só mente por si, mas tam bem por seus Apostolos e por todos que a Elle se unirem pela fé e pelo amor.
3. Já que não podemos salvar-nos nem ir ao Pai sinão por mediação do Christo é óbvio que devemos ama-lo e a Elle nos submêter.
E' o proprio Sal vádor que tira ·essa illação das palavras acima citadas, e ac-
t ) JoamL; V f, 4 4 .
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Cap. Vlll - O livro de vida 213
crescenta: « Vinde a mim», isto é uni-vos a mim mediante a fé e o amor, «Tomai o meu jugo ~ , isto é, o jugo de meus pre· ceitos , de minha doutrina e autoridade . .: Aprendei commi go », sêde meus disci· pulos, aprendei sobretudo a ser humildes e mansos. Por outras palavras: importa collocarmo-nos em o numero dos «minimos» que Elle proclama bemaventurados. Cnmpre, pois, renunciar a toda preoccupação de nós mesmos, a toda complacencia em nossa pr:opria personalidade e procurar em Jesus a ventura temporal e a eterna; sujeitarmo-nos a Elle humildemente e da melhor boa vontade. Então o Pai nos revelará o Christo e o Christo nos conduzirá ao Pai, seremos do numero doe escolhidos e os nossos nomes inscriptos no livro de vida . E' a isso que o Salva dos nos convida.
E o mesmo Senhor nos indica os motivos que temos para corresponder a esse appello, motivos bellissimos e dignos de nossas reflexões. E' natural desejarmos irresistivelm ente a sciencia, o amor, a felicidade, uma felicidade, porém, sem limi· tes e sem fim . Onde encontra-la? Não será em nós, nem no mundo, nem nas creaturas, mas unicamente em Deus, em Jesus, Verdade infinita, infinita Bondade e
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Terceiro Principio
infinita belleza. Só Elle pôde satisfazer plenamente o nosso coração.
Todos nós · sem excepção, soffremos de mil maneiras, no corpo, na alma, na ordem natu.ral e na sobrenatural. Todos gememos sob a tyrannia das paixõ'=!s, dos peccados, dos males temporaes. Onde achar consolo e refrigerio senão em Jesus, cuja palavra e exemplo nos animam, cuja graça tudo ameniza e torna possível. « Vinde a mim vós todos que estais afadigados e opp1·imidos e eu vos alliviarei:o .
E' na propria pessoa do Salvador,na amenidade de suas virtudes que encontramos o segundo motivo de ama-lo entranhada· rpente. A nossa miseria e insufficiencia mostram-nos claramente que força nos é vivermos sob a dominação de alguem. Temos que optar entre dois senhores : Jesus ou o mundo. Comparai a condescendencia, a doçura, a fidelidade do Salvador, com o egoísmo, o orgulho e o despotismo do mundo! A doutrina de Jesus achase em harmonia com tudo o que ha de bom ne natureza ; consola, eleva o coração e a alma; diminutos são os preceitos, numerosas as graças, recompensas e promessas que ella encerra.
Sabic, opulento, poderoso é. o Senhor ; Eile mesmo será nossa magnífica recom pensa e nelle nossa alma enP.ontrará a
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Cap. IX - Jesus era bom 215
ventura e a paz. Se assim é, digamos com S. Pedro: «Senhor, a quem iremos? Tu tens as palav'l'as da vida eterna "
Cumpre unirmo·nos a Jesus pela fé e pelo amor se nos quisermos salvar. Elle é o caminho que conduz ao Pai; a verdade que satisfaz o coração e o espirito; a vida que nos torna verdadeiramente felizes. Que pôde haver, no céu e na terra, digno de nossas esperanças e anhelos senão Deus, o Deus de nosso coração e nossa partilha por toda a eternidade ? Boa e salutar causa é apegar-se o homem a Deus só e nelle depositar toda a sua confiança.
CAPITULO IX
Jesus era bom
Quando o Salvador entrou pela ultima vez em Jerusalém, durante a festa dos Tabernaculos, corria entre a multidão grande rumor a seu respeito. «Elle seduz o povo», diziam uns; «Não :o , replicavam outros, «Elle é bom » 1). A razão es· ta vá. com os ulti mos. E' pelo valor dos actos que se aquilata o mérito do homem e esse valor, esse mérito se revelam nas relações que elle mantém com seus seme· lhantes. O Salvador era bom, porquanto
1) joann.; VIII, 12.
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~16 Terceiro Principio
era Deus, e Deus é misericordioso para com todos.
1, Elle era benevolo relativamente aos ricos. Os homens são muitas vezes in· justos para com ()S opulentos do mundo. Odia-los ou idolatra·los, por causa de suas riquezas, é erro identico; no primeiro caso é inveja, no segundo loucura. Jesus não procedia assim. Amava os ricos e desejava fazer-lhes bem, porque tambem el· les têm uma alm.a e são filhos de Deus. Amerceava·se delles em razão mesmo das riquezas, contra as quaes os premunia, por constituírem, perigoso escolho para a alma. Mas tam bem via nelles e em . seus bens, um excellente meio que se poderia utilizar em proveito do reino de Deus e salvação das almas. Era esse o motivo pelo qual, longe de descura-los, procurava attraí-los ao bem·, porém, de . um modo justo e digno de Deus. Não lhes ia ao encontro, esperava que a Elle viessem. Herodes o teria visto, de bom grado, figurar entre os de sna côrte. Jesus nunca se prestou a isso; não se quis fazer cortezão. E' de longe que Elle cura o filho do official do rei e não lhe entra em casa. Accedendo ao pedido do centurião põe-se a caminho; detem-se, porém, ante a humildade que esse homem manifesta e não penetra em sua morada. Acolhe pressu·
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Cap. IX - Jesus era bom 217
i'oso o chefe da synagoga e o acompanha até a casa; a menina já estava morta e Jesus previa o bem · que podia operar. Elle aceita o convite dos ricos sem se preoccupar com os dissabores nem espe· rar a gratidão. Isso é que é amar ve'rdadeira e desinteressadamente.
2. O Salvador era igualmente bom para com os pobres, os infelizes, os doentes e todos os que careciam de consolo e protecção. Eram até elles os seus preferidos porque, dizia, são (')S enfermos que precisam de medico e não os que gozam saúde» 1). Lssim como o iman at.trái o ferro, assim a bondade de Jesus attraía a si o soffrime;~to e a mis~ria. Os pobres eram, de sua parte, objecto de um amor sincero e profundo por serem filhos de Deus, irmãos seus e por soffrerem indizível• mente. E essa piedade não lhe ficava en· cerrad'a no segredo do coração, ao contra· rio, Elle a manifestava exteriormente. Pa· ra os afflictos tinha lagrimas e palavras de conforto, testemunhando-lhes seu amor por meio de beneficios. Não esperava o appello dos desgraçados; ia·lhes á pro· cura offerecendo·lhes auxilio e consolação. Envidava todos os esforços para allivia· los; Bua sciencia e sabedoria estavam ao
1) Matth. ; IX, 12,
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218 Terceiro Principio
dispôr de seu coração. Não se deixava desalentar com as importunid~Ides e a ingratidão de muitos.
3. Eram mórmente os peccadores que recorriam á sua misericordia, como mais pobres e dignÇ>s de compaixão. Nenhum lenitivo offerece o mundo a esses infelizes; não lhes conhece, siquer, a desgraça e os abaadona ao desespere. Era esse o proceder dos Phariseus; não assim, porém, o do Salvador. Como Bom Pastor e Pai misericordioso, Elle vai ter com o filho prodigo e, retendo com um osculo as palavras cte arrependimento, lhe restitue todos os bens. A bondade, o amor de Jesus para com os peccadores, eram tão notorios, que, mais de uma vez, seus inimigos aproveitaram-se disso para lhe ar- · mar ciladas e tentar a sua perda. 1)
4. Em relação a esses mesmos inimigos, o Salvador era bom, ineffavel· mente bom, não obstante ultrajare::n elles de modo indigno seu amantíssimo Coração e repellirem criminosamente sua misericordia que os queria salvar.
Num dia festivo, os Judeus o cercaram, no Templo, armados de pedras e prestes a lapida-lo. Jesus lhes dirige estas commovedoras pal~vras: «Tenho feito, em
l) Joann. ; VIII, 3; Luc; VI , 7.
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Cap. IX - Jesus era bom 219
voss~ presença, muitas boas obras; por qual dellas me quereis apedrejar?» Responderam elles: «Não é por nenhuma boa obra que te queremos apedrejar, mas porque sendo homem por Deus te inculcas. 1/»
E era bem verdade! Jesus havia derramado beneficios ás mãos cheias, porém, a sua doutrina elles op;mnham as contradições; aos milagres, blasphemias; aos favores, a mais negra ingratidão; a seu amor, um odio entranhado, a ponto de o condemnarem ao mais infamante supplicio. E, sem embargo, o Senhor continua, com invencível paciencia, o seu ministerio de amor. Não os evita, responde sempre a suas perfidas interrogações e aproveita o enseje para lhes dar novos ensinamentos e premuni-los contra o castigo que os ameaça, Não cessa de se mostrar bom para com todos até que seu coração seja despedaçado na Cruz e, ao morrer, implora o perdão para os algozes. Tal era a bondade do Salvador. Viva imagem da divina belleza 1), passou no mundo fazendo o bem porque Deus estava com Elle. 2)
Assim como ninguem se póde furtar l'fToann; X, 32, 33 .
1) Sap., VII, 26. 2} Act.; X, 38.
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220 Terceiro Principio
á luz vivificante do astro do dia, assim tambem não ha um unico ser a quem tanta bondade e d0çura não traga alegria e felicidade. Que devemos deduzir de tudo isso'? A necessidade de sermos bons a seu exemplo? Sem duvida, mas outra conclusão se impõe: Amarmos Aquelle que é a propria Bondade. Prezamos o bem e os bons; porque então nãa havemos de amar a Jesus'? Não foi Elle bom para comnosco? Consideremos os bens que nos prodigalizou: a graça preciosa do bapti'Smo, o dom da fé, da vida no seio da Igreja catholica, cujas riquezas estão todas á nossa disposição e, quem sabe'? talvez o perdão do abuso de tantas graças e a remissão de muitas faltaa em que tivermos incorrido. Consideremos tambem os beneficios passados e os que Elle nos resetva para o futuro- dando-se a si mesmo, e vejamos, depois, se ha alguem mais digno de amor que o nosso divino Salvador.
CAPITULO X
Paixão e mo.-te
O soffrimento é o crisol do amor. Isto é verdade em relação a qualquer affecto. O homem ama, na medida em que é capaz de soffrer pelo objecto amado. O
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Cap. X - Paixão e morte 221
proprio Salvador não quis aquilatar de outro modo o seu amor por nós. E esse amor devia ainda ser patenteado pelo baptismo de sangue da Paixão, prova esta tão commovente, que, para os corações bem formados, é sempre o mais poderoso motivo de retribuir amor por amor, sa· crificio por sacrifício. Tres são as razões que dão á Paixão de Jesus-Christo esse attractivo victorioso.
1. Primeiro motivo: - As causas da Paixão. - Se um homem ferido da desgraça e a braços com o soffrimento, supporta a afflicção em espírito de penitencia e reparação, suas tribulações, ainda occasionadas por culpa propria, inspiram piedade e até uma sorte de respeito. Jesus não mereceu, de fôrma alguma, os soffrimentos que o opprimiram. Sua vida era a mais pura e santa que se possa conceber e, por isso, Deus o escolheu para que fosse constituído victima de expiação pelos peccados do mundo.
A divida pesava sobre nós, sobre todo o genero humano e a voz de nossos crimes subia aos céus bradando vingapça e reclamando satisfação. A Paixão d~ Jesus-Christo, com as tortura~ que a acompanharam, nada mais é que o contra-cho· que de nossos peccados; o golpe em vez de nos attingir, feriu-o a Elle, nosso mi-
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222 Terceiro Principio
sericordio~p fiador. «Deus propôs seu Filho para ser, pela effusão de seu sangue, victima de propiciação afim de mostrar a justiça pelo perdão dos peccados.» 1) Impellido por esse ineffavel amor, o Filho offereceu-se ao sacrifício e nos resga· tou morrendo na cruz. Pagou a divida que não havia contraíd0. 2) O Apostolo o testifica em termos commoventes: « Elle me amou e se entregou á morte, por amor de mim.» 3) É sob esse aspecto que devemos considerar a Paixão de JesusChristo. Lá estavamos, tambem nós, no Calvario, á rectaguarda do povo judeu, instrumento immediato da morte do . Salvador; estavamos com as nossas culpas e tomavamos parte nessa obra abominavel. Ao contemplar, de per si, as scenas desse pavoroso drama, cada um de nós póde dizer a si mesm,>: «E's o culpado, eras tu que devias soffrer.»
O Salvador havia trazido, aos homens, uma religião, urna fé, uma moral, uma nova economia de graçàs, um sacrifício novo. Essa fé, Elle a devia sellar com a sua morte; devia encher e alimentar a fonte de graças, consagrar com o proprio sangue, o altar do sacrifício. Mas o que importava, sobre tudo, era que . Elle nos --:i)'Rom.; 111, 25. 2) Ps. LXVIII, 5.
3) Oalat.; I, 20.
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Cap. X - Paixão e morte 223
ensinasse a levar a cruz ca mortificação e do soffrimento e a tornasse merecedora da salvação eterna. Foi o que reaHzou mediante a sua Paixão.
Finalmente o Redemptor queria con. gregar todos os homens num reino gran· de e glorioso e, assim unidos, conduzi-los ~o céu. Ora, o mundo se achava sob o domínio de Satanás. Só um duello decisivo, entre o Salvador e o nosso adver· sario, é que nos poderia reintegrar na posse da patria de nossas almas. A exem· plo de alguns nobres príncipes, Jesus
· resgatou-nos á custa. da propria vida. Verteu todo o seu sangue para nos assegurar um Jogar no gremio de sua Igreja
Seria possível olvidar tanta clemencia generosidade'?
As causas da Paixão de Jesus Christo, têm, comnosco; intima relação . . Foi por nós, em pról de noss0s mais caros interesses, que Elle padeceu e morreu.
2. O victorioso attractiv.o da Paixão de Christo tem uma segunda origem-o numero e o excesso de seus soffrimentos. Effectivamente, são elles tão multiplos e especiaes, qtte em nenhuma outra parte se ach::m assim reunidos. O Salv&dor soffreu exterior e interiormente, no corpo e na alma. Alguns desses padecimentos lhe eram peculiares, e não podiam ser
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22t Terceiro Principio
occasionados sinão por Elle proprio ; ou· tros provinham das creaturas e o CJpprimiam de todos os lados. Aquelles que c cercavam,-amigos ou inimigos- contri· buiram par·a lhe causar profundas dores, aggravadas ainda pela diversidade que apresentavam: desprezo, ignomínia, ultrages1 escarneos, ingratidão, traição, injustiça, tudo, emfim, que póde torturar um nobre e generoso coração. Jesus nunca encontrou equidade nos que o julgaram. Os representantes do direito e da justiça humana, abandonaram· no, entregaram ·no a seus inimigos e o contlemnaram á morte mais cruel e infamante. Na Paixão do Salvador se nos deparam os mais humilhantes máus tratos como sejam a flagellação e a crucificação; crueldades invent.adas para a circumstancia e contrarias a todas as leis, como· a coroação de espinhos e os ultrages soffridos no atrio da casa de Caiphás e torturas inenarraveis como a mysterio&a agonia no horto das Oliveiras, soffrimentos estes que só·
~ mente o Redemptor podia conhecer e occasionar a si proprio.
E são, precisamente; essas angustias da alma que exacerbam a amargura do soffrer humano. O Redemptor se via sulf. merso no immenso oceano das dores cujas vagas o assoberbavam) por todos os
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Cap. X - Paixão e morte 225
lados, conforme havia dito o propheta, referindo-se a Jerusalém, quando pesava sobre ella a mão do Senhor : o: O' vós to· dos que transitais pelo caminho, considerai e vêde, si h a dôrqueiguale a minha dor.» 1) "Minha afflicção é vasta como o mar. » 2)
Para fazermos ideia de quão profundos e acerbos foram esses soffrimentos, seria mistér oomprehender os maravilhosos attributos da Santa Humanidade do Salvador : a melindrosa delicadeza de seu corpo e a sensibilidade de seu coração, dupla causa de um accrescimo de torturas. Jesus possuía um vivo sen · timento da. dignidade propria e das hon· ras que lhe eram devidas. Poucos dias antes havia Elle percorrido essas mesmas ruas saudado como propheta e thaumathurgo, no meio das acclamações e da adoração do um povo, em delírio, reputado o mais formoso, o mais sabio dos filhos de Israel e a cidade, em peso, lh.e prestava homenagem ! E agora, que ignomínia! Qual . é o homem que não consent!ria em sacrificar a vida, numa acção bri lha:qte, para adquirir a gloria ou merecer a gratidão ? Porém, morrer, no supplicio reservado aos facínoras, abandonado de Deus e dos homens, sem gloria e sem consolo, numa agonia, em que se concentram todos l)Tament; I, 12. 2) Lament; 11, 13.
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226 Terceiro Principio
os desamparos, todos os desfallecimentos da misera natureza humana e, 8 um ponto tal, que excitam 8 hilariedade dos inimi gos 1) - eis o extremo e duríssimo sacrifício, a suprema dôr! E, sem embargo, é iss<3 que nos revela o grito de angustia qu~ o Redem ptor exhalou na cruz: «Deus meu, Deus meu, porque me desampa· raste ?» 2); é o que os prophetas haviam annunciado : «Sou. um verme e não ho· mem, o opprobrio dos homens, a escoria do povo.» ~) Nelle, não ha belleza nem esplendor; vimo-lo desfigurado... des-prer.ivel ... o mais abjecto dos homens .. . f? eu rosto estava como occulto, aviltado .. . tomamo·lo por um leproso, um homem castigado de Deus e humilhado. » 4) « Elle me conduziu e me levou ás trevas e não â luz. . . Collocou·me em lugares tene· brosos como os mortos sempiternos ... Quando o implorei, elle rejeitou a minha prece ... E a paz foi banida de minh'alma e· perdi a memoria da felicidade... Com· pletou-se o meu fim e esvaiu se a esperança que eu depositava no Senhor. Lembrai-vos de minha indigencia e do excesso de meus males . .. Essa recordação me está sempre presente na lembrança e mi· nh'alma consumir·se·á em si mesma.» 5) - 1)- Math., XXVII, 4~. 2) Math., XXVII, 46.
3) Ps., XXI, 7. 4) ls, Llll, 2 sqq, 5) Lament.; III.
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Cap. X - Paixão e morte 227
6 treméndo monte CAl vario! Houve jámais, lugar mais desamparado de Deus, hora mais desolada que o lugar e a hora em . que no extremo de seu amor por nós, Jesus, o mais santo, glorioso e amavel dos filhos dos homens, submêteu -se á morte que Elle proprio havia escolhido? Seria possi vel desconhecer essa excessiva caridade?
3. Consideremos, finalmente, .como o Salvador aceitou e consummou a sua Paixão. Ella não o feriu de m.odo repen· tino e inesperado.. Tudo havia sido previsto, · annunciado, seleccionado por Elle mesmo, desde toda a eternidade. Quantas vezes o Senhor não predisse tudo aquillo que o espera v a ! Na occasião de ser preso oppõe-se a que seus discípulos o defendam, porque, diz Elle, a seu dispôr estão legiões de anjos prestes a soccorre· lo; com uma só palavra deita por terra esôirros e soldados. Com a mesma li· herdade entra na vida e della sai. Inclina a cabeça e morre, attestando assim que ninguem lhe póde tirar a vida mas que Elle a deixa por sua livre vontade e proprio poder. «Offereceu-se, por nós, porque o quis u 1).
A Paixão do Salvador apresenta um segundo caracter - a coragem - porém a l}Ts.; LIII, 6,
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228 Terceiro Principio
coragem na sua mais nobre e admiravel expressão. Jesus soffre mas não alardeia, nem indiff.erença estoica, nem orgulhoso desprezo da vida ou lac:entavel fraqueza. Sente intenoamente o soffrimento e não ~e peja de o manifestar; seu intento não é lastimar-se, porém consolar·nos pela at· testação de um real e cruel padecer, mediante o qual, Elle offerece a Deus a ex· piação de nossos peccados, em sua qualidade de Pontífice supremo, de quem diz S. Paulo : •« Nos dias de sua Humanidade, tendo offerecido com lagrimas e com um grande brado, suas preces e supplicas Áquelle que o podia libertar da morte, foi attendido por causa de seu humilde respeito. » 1)
O ultimo caracter da Paixão e morte de
I
Jesus·Christo é a santidade. Elle soffreu 1'
e morreu no exercício das mais sublimes virtudes. Perdoa aos verdugos; implora a misericordia do Eterno Pai para todos aquelles que se tornaram réus de sua mor-te; cuida solicito, em assegurar o futuro de sua S. S. Mãe que permanecia de pé, junto á cruz; attende as palavras de arre· pendimento, proferiàas pelo bom ladrão ; cumpre as ultima3 prophecias; finalmente exhala a sua alma e o ultimo suspiro é um acto do mais terno amor para com l)Hebr. ; V, 7.
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Cap. X - Paixão e morte 229
os homens e da mais filial submissão ao Pai celeste. A morte do Redemptor não é sómente santa, é ainda o modelo, a causa meritoria da morte de todos os santos.
Sentindo-a aproximar-se, Jesus entra em luta com e1la, e morre como qualquer de nós, não por necessidade, mas porque o quis e afim de nos provar o seu amor.
Ao pé da Cruz, considerando as derradeiras gotas de sangue que effluem do lado aberto do Salvador, e contemplando o seu coração chagado, não podemos deixar de repetir estas palavras: «Haverá maior prova de amor que dar a vida por seus amigos? » 1) «Deixei a propria casa, abandonei minha herança, expus a doce vida minha á sanha de meus inimigos:. 2). «Eu sou o bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas » 3). Digamos com S. Paulo: «Ü que mais claramente demonstra o amor de Deus para com os homens, é ter Jesus-Christo dado a sua vida por nós, ainda quando eramos peccadores. • 4). A Cruz tudo revela. Para nos provar o seu amor, o Salvador não podia fazer e sof· frer mais do Que fez e soffreu. Porém, o amor não avoca o amor ?
Seria demasiado que, em compensação, lhe offerecessemos o sacrifício do mundo e o de nós mesmos~ l}jõann. ; XV, 13.
3) joann.; X, 11. 2) joano.; XII, 7. 4) Rom. ; V, 8, 9.
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23_0 _________ T_e_r_ce_ir_o __ P_rl_n_cl~p_lo_
A resposta no-la deu uma alma generosa que desejava consagrar-se a Deus em uma Ordem religiosa muito austera. Pu· seram-na á prova e, para esse fim, conduziram-na ao côro no qual deverifl pas · sar longas horas em oração, nas rigorosas noites de inverno; levaram-na ao refeitorio onde o alimento seria frequentes vezes substituído pelo jejum; mostraramlhe o rude e grosseiro leito d'onde o somno seria afugentado pela vigília e · perguntaram·lhe, em seguida, que juizo fazia de sua vocação. cr Terei um crucifixo em minha cella ?:ó interrogou, por sua vez. E ante a resposta affirmativa: «Então a minha resolução está tomada. Serei fiel ao appello de Deus. »
S. Paulo diz tJ mesmo, em outros termos: «No meio de todos esses males (afflicções, perseguições, fome, etc.) permanecemos victoriosos pela vi:rtude d' Aquelle que nos amou. » 1)
CAPITULO XI
Jesus glorioso A aurora do segundo dia que, após o
sabbado da Paschoa, raiára sobre Jerusalém, não b,avia encontrado Jesus ·no _sepulcro, situado no sopé da collina do Cal~om,; Vlll, 37;
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Cap. XI - Jesus glorioso 231
vario. Resuscitando glorioso, o Salvador entrára no terceiro período de sua vida tbeandrica. E ahi, vamos ainda encontralo cheio de doçura e amabilidade.
1. A resurreição é a reunião do corpo e da alma, não para um viver terrestre e sujeito á morte, mas para uma vida nova e gloriosa . Dotado de propriedades, simi· lares ás de espírito, o corpo, · sem cessar de sê-lo, adquire existencia diversa e maravilhosa; torna-se, na creatura visível, a obra prima da sabed r· ria e da omnipotencia de Deus; é, não só mente, adorno para ·a alma glorificada1 mas tambem principio de alegria e de força. Eis, pois, Jesus-Christo, no -renovo, na plenitude e belleza dessa vida transfigurada. É Elle verdadeiramente Filho de Deus, mesmo quanto ao corpo no qual a divindaCile transparece, de certo modo, sobretudo pelo!? dotes d·e caridade, for.rnosura e im mortalidade. Como nos afigurar tanta gloria e majestade! Esvaíram -se as som bras que poderiam relembrar a terra ; esse rosto mais radiante que a luz do dia, respira a graça, a bondade e o ~mor. E, como a cada insta.nte, um oceano de gozo e doçura se eleva da Creação inteira e reflue a seu adora vel Coração, Jesus derrama, em torrentes, a paz e a felicidade sobre todos os que d'Elle se aproximam. O Evangelho no-lo comprova: a apparição do Senhor
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232 Terceiro Principio
estanca as lagrimas; sua saudação dá paz e alegria; em toda a parte onde Elle se manifesta, reina o jubilo pascal. Para ser· mos felizes é bastante contemplar e pos· suir a humanidade glorificada do Salvador. Quão irresistivel é o imperio que a belleza exerce sobre o coração humano ! E, todavia, quantas vezes, a decepção, a infidelidade e a morte são a paga das ho· menagens que lhe são tributadas! Com o tempo, a insufficiencia, a imperfeição de toda creatura acabam por se tornar patentes. Se desejamos a verdadeira felicidade em uma formos·ura immortal, cum· pre visar mais alto e, para isso a solen· nidade da Paschoa vai orientar-nos. A Resurreição é, em verdade, a festa do corpo, porquanto, a alma de Jesus-Christo já estava glorificada pela morte; é pois, ao corpo que ella dá a glorificação plena, completa, perfeita. Intrinsecamente, a Ascensão não augmenta essa gloria, por ser toda extrínseca a que ella proporcio· na, mediante a mansão onde introduz o corpo. Foi na Resurre\ção que o Salvador, adquiriu a immortal belleza que constitue a felicidade do céu. e da terra. Paschoa é pois a festa da . formosura; e1la nos ensiria a dirigir not:sas aspirações á Belleza soberana, modelo de todas as outras.
Vale a ?ena desdenhar os encantos da
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Cap. XI - Jesus glorioso 233
terra e saber esperar com paciencia: não nos chegou ainda o tempo das nupcias, diz um Padre da Igreja, mas elle virá e então a nossa ventura será in com mensura·vel.
2. O Salvador não subiu ao céu immediatamente após a Resurreição: ·ficou ainda quarenta dias na terra, entre os seus, conversando com elles e consummando a sua obra, sempre divino e digno de nosso amor. Ora apparece a este ou áquelle dis· cipulo, a uma ou a algumas das santas mu· lheres, afim de os consolar, recompensar, ou confiar-lhes uma missão; ora se occu· pa em dar á Igreja sua completa organi· zação. Institue dois sacramentos: o baptis· mo e a penitencia; relntivame.nte ás verdades da fé, revela e confirma o mysterio da SS. Trindade e o da Resurreição. Põe ao edifício da Igreja, o seu remate defini· tjvo pela instituição da primazia d~ Pedro.
Em tudo isso o Senhor dá mostra de bondade inesgotavel e admiravel condescendencia. Dir-se-ia que as afflicções, os soffrimentos e a morte augmentaram-lhe ainda a doçura e misericordia tal é a gra· ciosa affabiHdade que Elle põe em consolar e perdoar. Jesus tudo perdôa, porque· tudo sabe. Os sacramentos do baptismo e da penitencia, á primazia, a immortalida· de dos corpos - que magnífico dom pasoal, feito á humanidade inteira. Se, na Resur·
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234 Terceiro Principio
reição, Jesus nos revela sua belleza im· mortal,. é sobretudo a bondade que Elle nos manifesta durante esses quarenta dias.
3. Emfim, o Salvador sóbd glorioso ao céu. A Ascensão é o encerramento de sua vida terrestre, a entrada na gloria e a consummação da mesma, pela tomada de posse do paraíso. A vida theandrica não podia ter mais esplendida conclusão. Jesus conduz os discipulos ao monte Olivete e, na presença delles, se eleva majestosa· mente ao céu permittindo·nos, assim, entrever, de certo modo, o reino <ila gloria de que toma posse em nosso nome. O paraíso é. o magnífico termo de todas as cousas, o ultimo ensinamento que o .Senhor nos lega ! ,
Que vasto e grandios0 é esse reino! E a mansão da suprema gloria, da paz suavíssima qne nada póde perturbar; onde tudo concorre incessantementg para o jubilo e a hCinra de nosso Deus; o reino do gozo indizive.l que nunca terá fim. Gra'nde alegria e subida mercê, é podermos esperar e reclamnr a fruição desses bens eternos. Com. que amorosa solicitude de· vemos orientar nossos pensamentos para essa patria celeste, nella fixar o coração e nella reportar nossos labores e todo o nosso ser! O paraíso é o triumpho do po. der, da bondade e do amor de Jesus ! Por
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Cap. XI - Jesus glorioso 235
sua Ascensão Elle deu um fundamento inabalavel á fé, á esperança, á caridade. Jesus é, para nós, a radiante estrella da manhã que não conhece declinio. Surgin· do trium phante do sepu lcro, o Senhor brilha agora no céu, afim de que, nos dias de nossa peregrinação terrestre, em meio das vicissitudes da vida, possamos dirigir nossos pensamentos e aspirações a esses bens verdadeiros e eternos.
O céu, infindo e sempiterno gozo, é, pois, a magnífica consum mação da vida mQrtal do Salvador e o compendio da vida gl0riosa. E era mistér que assim fosse . Jesus é o Ser soberanamente f~liz, p~incipio e causa de toda alegria; para que esta cessasse, seria necessari9 que Elle deixasse cte ser Deus. Na qualidade de Homem -Deus é Elle a imagem da Di· vindade; o gozo do céu lhe perten ce com mais direito que a nenhuma outra cria· tura. Os soffrimentos a que se sub mêteu, aqui na terra erão transitarias; E lle os quis experimentar por amor de Deus e amor nosso mas não podiam durar eternamente. O mesmo se dá em relação a nós, criaturas suas, servos e irmãos seus. O soffrimento e a dôr não são a ultima palavra de nossa existencia; isso cabe á alegria e á felicidade. Não o olvidemos. A alegria é a explicação final do chris-tia·
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236 Terceiro Principio
nismo, a senha do nosso soberano Senhor, a unica e~pressão que lhe' convém, a Elle e tambem a nós. 'Nella reside uma força mysteriosa e s'ecreta virtude. Essa palavra magica triumpha de tudo, dá a coragem que arrosta todos os sacrifícios, supera as dificuldades, resolve os enigmas da religião christã, penetra o coração de amor para com um Deus que quis fazer consistir sua gloria e felicidade, na nossa propria ventura e contentamento. «Nosso · caminho é vossa vida , diz mui jndiciosamente o livro da Imitação, «e a santa paciencía nos conduz a Vós que sois nossa corôa . 1) »
- CAPITULO XII •. O Santissimo Sacramento do altar
Subindo ao céu, o Salvador não deixa de permanecer corporalmente na terra. Essa maravilha se realiza mediante o SS. Sacramento do altar, em que, sob o véu das especies sacramentaes, Jesus está, verdadeira e substancialmente presente, com seu corpo e alma, sua divindade e humanidade, em toda a parte onde .se acham essas mesmas especies e durante todo o tempo que ellas subsistirem. O SS. Sacramento é, por .aasim dizer, o élo de ouro que une essencialmente o céu á terra . ~it. Chr. ; III, 18.
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\ ,Cap. Xn - O SS. Sacramento do Altar 237
1. Um dos effeitos da Eucharistia é dar· nos, aqui, no mundo, a continua presença do Salvador, permanencia essa, que havla sido o ardente anhelo de seu aman· tissimo coração.
Antes que seus inimigos conseguissem o crimin0so intento de supprimi-.lo do mundo, tirando·lhe a vida, o Senhor tivera o cuidado de prover a outro modo de presença, por meio da instituição da Eucharistia. E m consequencia da maneira, pela qual se effectua essa permanencia continua, a presença .de Jesus é, primeiraramente real, em seguida, miraculosa. As· sim Elle está simultaneamente no céu e aqui na terra, em mil lugare·s differentes; occu1ta-se a nossos olhos que apenas vêem as apparencias do pão, e, não obstante, está mais cheio de vida que o mais perfeito e formoso dos filhas dos homens; é tão pequeno que o contém a mão de uma criança, e tão grande que a immensidade do céu não o póde abranger, maravilhas estas que só a omnipotencia, collocada á disposição do amor, é capaz de realizar. A p-resença de Jesus na Eucharistia, reveste -se de peculiar attractivo, por ser a mais placida e intima que se possa idear.
Como Elle exige pouco de nós! O que aspira é habitar em nosso coração; confia tudo o mais a nosso amor e generosidade.
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238 Terceiro Principio
Exteriormente, contenta-se com as honras que nos apraz tributar -lhe ! Nos di&s de sua vida mortal, era preciso que os homens se déssem ao trabalho do ir pro· cura-lo; hoje, é Elle que lhes vem ao encontro e, em toda a parte, estabelece sua morada ao nosso . lado, favorece-ndo-nos, não sómente com a sua vizinhança, mas ainda com os bens que ella proporciona, enriquecendo nos com as devoções de que sua presença real é objecto. Como a terra seria vulgar e desolada se não fosse esse sacramento de amor!
2 Ao Salvador não basta ficar continuamente comnosco : immola-se por nós. A presença de Jesus na Eucharistia,. não póde realizar-se e proseguir . senão me· diante a missa. Ora, a missa é essencialmente um sacrifício, o sacrifício da nova Alliança. Dois foram os que o Salvador offereceu: o da Cruz e o da Ceia. A mis· sa sendo exactamente o sacrifício da Ceia, censtitue, com o da Cruz, uma uni~a e mesma oblação, porquanto, não é ella apenas um memorial, uma representação, a consummação do sacrifício da Cruz, pois, o sacerdote, a victirna e os merecimentos são os mesmos. Não vivemos no tempo em que Jesus se immolou na Cruz e offereceu o sacrifício da Ceia, logo, é g rande misericordia e excessiva condes-
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Cap. XU - O SS. Sacramento do Altar 239
cendencia, de sua parte, renovar incessantem~nte esse mesmo sacrifício, querer de certo modo, collocar, a nosso dispôr, os méri os de sua im moi ação, prestar a Deus, em nosso nome, o tributo que lhe devemos \le adoração, de acção de gra· ças e de satisfação. E não é tudo. Jesus não se acha mais Bó, para offerecer o sacrifício. Escolhe, entre os filhos dos homens, uma milicia sagrada, com a qual e por cujo ministerio, Elle se immola a Deus. Dessa sorte, seu sacrifício confunde-se com o nosso que adquire, ass.im, um valor infinito e nos permitte offerecer, ao Senhor, uma homenagem digna de sua infinita majeetade.
E a oblação continúa ininterrupta~ Começa ao raiar da aurora f', de sem numero de altares, esse incenso de agradavel odor sóbe até o throno de Deus, transforman· do a terra em templo vivo do Senhor.
Quant0s thesouros nos proporciona o amor de Jesus! Mercê do sacrificio eucharistico, elle nos opulenta até em re· !ação ao proprio Deus! É sobretudo mediante essa oblação mystica que o fim da Creação é plenamente attingido.
3. Sobre ser um sacrificio, a Eucharistia é tambem um sacramento. Considerada no primeiro ponto de vista, ella pertence mórmente g Deus, se attendermos
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240 Terceiro Principio
ao segundo, a primazia nos cabe a nJs. É pelo canal dos sacramentos que Peus nos concede a graça de vivermos smtamente e alcançarmos a salvação. A vida sobrenatural, conferida pelo baptismo, é conservada e fortalecida pela Eucharistia. Emquanto, nos outros sacramento~, Jesus Christo se serve de um signal visivel para communicar a graça, neste á o seu proprio corpo que elle con~titue instru· mento della .
A Eucharist.ia é pois o corpo do Christo, debaixo das especies de ~ão e sob a fórma de alimento. Que extremos de amor, e que delicadeza na expressão desse amor! Quantos dons compendiados em um só!
Assim como outr'ora Jesus se servia de suas divinas .mãos para curar os enfermos e resuscitar os mortos, assim, no sacramento do altar, Elle se serve de seu sacratíssimo corpo para nos communicar as mais preciosas graças; hoje, porém, a condescendencia que manifesta é ainda maior, porquanto, juntamente com o pro· prio corpo, maravilha do céu e da terra, Elle nos faz dom de sua alma e divindade, de seus méritos e graças. Entreganos a propriedade de tudo o que lhe pertence, até do proprio ser! Haverá, por ventura, no mundo, alguem mais rico e poderoso que o homem em cujo coração
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Cap. XII - O SS. Sacramento do Altar 'lll
Deus habita pessoalmente? Que bem sebreleva a este? A generosidade de Jesus poderia ser ultrapassada?
De tudo o que precede, se dedux que o sacramento do altar é o primeiro e o mais excellente de todos, não sómente por sua dignidade, mas ainda por sua efficacia. A communhão é a intima união com Jesus Christo, união simultaneamente corporal e espiritual; por conseguinte para entreter e amplificar a vida sobrenatural, sua efficacia sobrepuja a dos outros sacramentos. Jesus é a vida, a communhão é, pois, o sacram'ento da vida. 1) As mais sublimes virtudes e mais excellentes disposições da alma, como sejam - a caridade, a paz, a alegria, a co-
. ragem, a castidade, a virgindade, o espi· rito de sacrifício - lhe são justamente attribuidas. A vida divina de Jesus Christo torna-se nossa partilha; 2) até o corpo recebe o penhor da resurreição gloriosa. . Esses maravilhosos effeitos da communhão, estão admiravelmente expressos no signal sensível do sacramento. Na qualidade de alimento o pão e o vinho são symbolos da vida; a manducação lembra a força e a mais intima união; o banquete é indicio de jubilo e cordial amizade. Fi· nalmente, Jesus não poderia attestar o ~ann.; VJ, 56, 57. 2) Joann.j VJ, 58 ,
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242 Terceiro Principio
seu amor desinteressado por uma manifestação exterior que melher o traduzisse. Sabendo que nada se identifica tanto comnosco como os alimentos materiaeE, o Salvador escolhe · esta fórma afim de pe· netrar em nosso ser, incorporar·se a elle e com elle unificar-se. Não soffrendo que qualquet' outro tenha comnosco mais estreita união, Elle se constitue alimento de nos'3o corpo e de nossa alma, ou ::tntes, uós nos . escoamos nelle, mais propriamente, que Elle em nós.
Por su::t omnipotencia o Salvador nos transporta para o seu proprio Ser afim· de nos associar, tanto quanto possível. á sua divindade. Poderia humilhar-se mais · profundamente e mostrar · maior conde·scendencia '? Mas é assim que seu amor alcança o fim que propôs a si mesmo: attrair o nosso coração afim de lhe dar honra, riqueza e· felicidade. Como este pensamento é suave e enternecedor: O coração do homem, fim da Santa Hos· tia!
4. Com que amplitude e magnificencia divina, o amor de Jesus se manifesta nas diversas applicações do sacramento do altar! Não foi uma palavra · vã a que o Salvado'!' proferiu quando affirmou que não nos deixaria orphams, mas permane· ceria comnosco; que Elle era a vide e
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.. Cap. XII - O SS. Sacramento do Altar 243
nós os sarmentos' e com Elle formamos uma viva unidade.
A Eucharistia é, de certo modo, a Encarnação ampliada a todos ós homens. Na Encarnação Jesus se une a uma unica natureza humana - a sua santa humanidade - na communhão a união se · eff~ctúa com cada um de nós e do modo mais intimo que se possa ~onceber. Pela creação, Elle é nosso Pl\i; conservando-nos a vida constitue-se nossa Providencia; justificando-nos é nosso Redemptor. E pelo sacramento do altar que será, relativamente a nós? A união que contracta comnosco é tão ineffave!, que a linguagem humana é impotente para exprimi-la. E o que levou o Salvador a realizar essa maravilha, não foi sómente a compaixão, a misericordia, a bondade, foi sobretudo o amor, m'as um amor sem ·limites, cheio
· de abnegação e que nenhum sacrificio fez recuar. Jesus poderia ter-se contentado com muito menos. Bastaria que Elle .se tornasse presente em um unico lugar da terra, que essa felicidade nos fosse con· cedida uma só vez, no decorrer da existencia' e ainda com a condição de serr;nos dignos della; ou então, que se manifestasse apenas, no momento preciso da recepção. Mas seu amor desdenha essas restricções; prefere ex pôr-se a mil indigni-
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244 Terceiro Principio
dades e profànações. Á custa de quantas amarguras, ingratidões e ultrajes, vem Elle bater á porta de nosso coração, di· zendo, como o esposo dos Cantares: <t Abre, amiga minha; trago a cabeça humida de orvalho e meus cabellos rorejam o pranto da noite. » 1)
Como poderíamos, com mais verdade, retribuir a Jesus amor por amor, do que pelo sacramento do altar, fóco de tão ardente caridade que e!le é denominado, com razão - sacramento do amor ? Graças a sua presença continua, o Salvador permanece comnosco sempre e a todo in· stante; na missa, Elle se offerece por nós; na communhão entrega ~e a nós . Quantas razões de ·ama-lo e quant0s meios de progredir no seu amor!
CAPITULO XIII Ultimas recommendações
As derradeirae palavras, os ultimas desejos de um amigo caro que de nós se aparta, de um pai, uma mãi, na hora da morte, constituem um como legado sacrosa~to e penhor das bençams celestes. -Antes de dar começo a sua Paixão, o Salvador quis tambem deixar aos Apostclos e a todos nós, um testamento, no sublime l}Cant.; V, 2 .
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Cap. XUI - Ultimas recommendações 245
Discurso de despedida, no qual, manifestando-nos plenamente o seu Caração, Elle nos dá um derradeiro e instante conselho. Esse ensinamento supremo será o fecho do pre~ente opusculo.
1. Em que consiste essa recommendaçâo? Não é ella mais que o anhelo formulado, no momento da separação, por todos aquelles que, estremecidamente, se amam, isto é, permanecerem unidos, ao menos em espírito. É essa união que Jesus recommenda, expressa e instantemen· te, aos Apostolos, quando prestes a retirar delles a sug presença corporal: «Permanecei em mim 1) ~ .
2. Como entenper essa união? Eviden· temente o laço que nos devia unir ao Salvador, não podia ser sinão espiritual, sem embargo, cumpria que fosse u111a realidade verdadeira e vivaz; não um acto momentaneo, porém, estavel e arraigado no mais intimo recesso do ser. É por isso que o Senhor emprega a bella compara· ção da videira e seus ramos. 2) Organicamente unidos á cêpa, os ramos fcrmam com ella uma unidade e vivem da mesma vida. É o emblema da união que devemos ter com Jesus-Christo, a qual é obra da graça santificante. - Esta constitue realmente uma qualidade espil'itual e perma· l}Jõãnn ., XV, 4, 6) 9. 2) jl)ann., XV, 1, sqq .
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I 246 Terceiro Principio
nonte de nossa alma, uma communicação creaàa da natureza divina, uma imagem da divina filiação; tornamo-nos espiritual· mente filhos de Deus por adopção e s~melhantes a Jesus·Christo, filho de Deus por natureza.
Emquanto possuímos a graça santifi· cante, tudo o que o Salvador diz dessa união se realiza plenamente: Elle está e permanece em nós, somos um nelle e no Pai, assim como o Pai e Elle são um 1). O Pai e o Filho são um, porque têm a mes· ma aature~a. Pela graça santificante temos em nós a semelhança, somos feitos á imagem dessa natureza divina. Estar de posse dessa mesma graça, é a condi· ção primordial, essencial da união com .Jesus Christo; aliás é ella o principio, o fundamento de todos os dons e de todas as forças que constituem a vida espiri~ual.
3. Unindo-se á propria essencia da alma, a graça santificante traz comsigo força e faculdades espirituaes que lhe permittem manifestar a nossa vida pela pratica de actos virtuosos. Entre essas virtudes o Salvador assignala tres . .
Antes de tudo a fé. É ella o primeiro passo no caminho que conduz a Deus 2), por 8er a união com Elle, mediante a in· telligencia, emquanto o reconhecemos por \IToann.; XVII, 21, sqq. 2) · Hebr. ; XI, 6.
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Cap. Xlll - Ultimas recommendações 2 -
nosso· Deus, soberano bem e fim ultimo, á medida que Elle proprio se revela a nós. C'om o intuito de nos dar os magníficos motivos dessa união, o Salvador attesta expressamente a sua divindade; relem bra em seguida os seus milagres e, finalmente, insiste na necessidade de nos unirmos a Elle si nos quisermos salvar e produzir frutos para a eternidade. «Crêdes em Deus, crêde tambem em mim. Quem me vê a mim, vê tam bem o Pai ... Não crêdes que estou no Pae e o Pai está em mim? Crêde·o, ao menos, por causa de minhas obras. Em verdade, em verdade vos digo, o que crê em mim fará tambem as obras que faço e ainda maiores » 1) <'Sou a videira e vós sois os ramos. O que permanece em mim, como eu permaneço nelle, esse produz copioso fruto. porque sem m!m nada podeis fazer. Se
. alguem não permanene· em mim, será lan· çado fóra como um sarmento inutil e seccará e berá colhido e atirado ao fogo.» 2)
Qnão precioso é o dom da fé! e qual não deve ser o nosso zelo em produzir actos relativos a essa virtude, pois que só ella nos dá a luz do amor !
O amor é a segunda e mui natural ma· l)Jôann., XIV, 1, 9, 11, 12.
2~ joann., XV, 5, 6.
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248 Terceiro Principio
nifestação de nossa união com Deus. É o amer a continua inclinação da vontade para o objecto amado. «Permanecei no meu amor» 1). O Salvador nos declara. para nosso maior consolo, que, essencialmente, o' amor não consiste na doçura dos sentimentos; porém na constante ap· plicação da vontade a observar os pPeceitos da lei 2). É isso que constitue a caridade habitual contida na graça santificante e que, emquanto não nos tornamos réus de culpa mortal, permanece em nós e, desde então, nossa vontade continúa unida a Deus.
O Salvador nos dá os motivos dessa caridade que são, primeiramente, o amor que o eterno Pai terá por nós, se o ámar: mo!? a Elle, o Filho do Pai 3) que o Pai nos deu; em segundo lugar o amor que Elle proprio já nos testemunhou, constituindo-nos amigos seus, afim de nos revelar todos os segredos do céu 4) e saCl'ificando a vida por nós 6); finalmente promette a quem o ama, uma especial communicação das tres Pessoas divinas que se hão de dar e revelar a alma de l)Joann. XV, 9.
2) joann XIV, 14, 15, 21, 23 , 24; XV, 10, 14, 3) joann .. XIV. 21, 23; XVI, 27. 4) Joann , XV, 15. 5) Joann 1 XV, 13.
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Cap. Xlll - Ultimas recommendações 249
modo todo particula~ 1). Estas palavras annunciam a graça de escól com que, mesmo aqui na terra, a alma póde ser favorecida, em diversos grãus, na união mystica com Deus, as quaes graças sãp como o antegozo da bemaventurança ce. leste.
É mediante a oração que a fé e o amor eommunicam com Deus: a prece constitue, pois, o terceiro acto de nossa união com a Divindade, A que o Salvador nos recom menda, no Discurso de despedida, já tem com Elle estreita relação, porquanto, deve ser feita «em seu nome» 2). Oramos em nome de Jesus, quando o fazemos unidos a Elle pela graça e nas mesmas intenções, quando pelos Aeus méritos, advogamos os interesses da gloria de Deus e de seu reino. - Este moào de encarar a prece, offerece, por si só, um excellente motivo de orar. Effectivamente, no sentir do Salvador, ella devia se'r, para os apostolos, uma compensação da privação de sua preseaça visível. Por meio della, o Senhor continuará a exercer seu .ministerio de amor, instruindo-nos, consolando-nos, defendendo-nos e proven· do a todas as nossas necessidades. Por isso lhes disse que até então nada haviam l}Toann., XV, 23 .
2) joann.; XIV, 13, 14; XV, 15, 23, 26.
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I 250 Terceiro Principio
pedido em seu nome, porque gozavam de sua pre~ença 1). D'ora em diante, é pela oração feita em seu nome., que Elle tudo fará, por elles e por nós. A efficacia de tal prece, é incalculavel porquanto é e11a, por as'S.im dizer, a mesma oração do Ohristo e eis por que tudo póde. E isto é tão exacto que ella prescinde da propria recom mendação do Senhor. Orar em nome de Jesus, é permanecer com elle na mais intima união, é trabalhar efficaz· mente para a extensão de seu reino. E não é esse o mais nobre e mais poderoso incentivo da oração ?
Taes são as ultim'a; recommendações do Senhor Jesus :
Intima união com Elle por meio da graça, da fé, da caridade e da oração. É a derradeira e mais consoladora prova de seu amor para com os homens e do ardente desejo de ser delles amado; é o preceito final garantido por sua palavn; é, emfim, a sua vontade suprema. E essa vontade não de..ve ser, para nós, uma pre· scripção sagrada ? Havemos tudo o que é mister para nos unirmos a Jesus·Çhri· sto. A intelligencia a Elle se une pela fé, a vontade pelo amor, a memoria e os sentim entos pela oração e assim o homem todo é transplantado em sua divina Pes· Jf]õann., XVI, 24.
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Cap. XIH - Ultimas recommendações 251
soa: não mais vi v e elle senão o Oh ri to que nelle vive 1).
Começamo::; pela oração e, passando pela caridade que, na oração, busca a Jesus Christo, tornamos ao ponto de part\da ... A prece, o desapego de si mesmo, o amor de Deus, intimamente unidos, formam o triplice élo da vida espiritual e da perfei· ção christã, quer vivamos livres no mundo, quer, no recolhimento ao estado re· ligioso. Mas essas tres causas são essen · ciaes e imprescindíveis. Sem a oração não póde haver energia na renuncia nem af· fectuoso conhecimento de Deus e verda· deira caridade. Sem o desapego, a oração não subsiste e é impossível progredir no amor de Deus porque o requinte da propria satisfação 0bsta todo e qualquer progresso. Finalmente, sem o amor de Deus não é possível haver o gosto da oração nem generosidade no sacrifi~io. Oração, desapego, amor, reunidos, formam a corôa· de nossa justiça.
São tres estas virt~des porém a mais excelle.nte é a caridade 2) por ser o liame da perfeição e o ultimo e supremo preceito do Senhor. Pedindo-nos o nosso amor Elle nos abandona tudo o mais e esse mesmo amor o constitue soberano ~af\n.; XIV, 14: . XV, 16. , •
2} Cor., III, 13.
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252 Terceiro Principio
incontestado de nosso coração. O amor dirime as difficuldades e as transforma em meios e occasiões de provarmos que pertencemos a Deus e reconhecemos seu domínio sobre todas as cousas. «Amai e fazei o que vos aprouver» diz S. Agostinho.1) E S. João escreveu: «Cremos em seu amor»2) Nada resiste ao amor de Jesus crucificado. Elle venceu o mundo. E como n~o! Nosso Redem.ptor, nosso Deus e Senhor é infinitamente amavel e digno de nosso amor; amou-nos até a morte e ainda nos ama com ineffavel ternura; deseja que o amemos e pede o nosso coração. Não será isso basta!Jte para nos conteNtar, a nós tão pobres e mesquinhos, tão sedentos de amor e felicid'ade?
O amor é um bem precioso e infinita· mente desejavel. Para possui-1ft, tudo o que fizermos será pouco. Oremos, oremos incessantemente; não se fechem os nossos olhos, á luz da vida, antes de chegar· mos á perfeição do amor. Conhecer, amar a Jesus é o bem por excellencia,. no· tempo e na eternidade. Quão digno de lastima é aquelle, que, durante a · vida, não teve esse conhecimento e nem gozou des-
· 1) ln epist. joannis ad Parthos tract. 7, n. 8 (Migne P. L ll12, 2033 .)
2) Joann.; IV, 16.
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Cap. XIII - Ultimas recomlllendações 253
se amor! Nossa sabedoria, santidade e ventura estão na razão directa do conhe· cimento que temos de Jesus e da intensidade do amor que lhe dedicl\mos.
E embora a nossa vida seja semeada ·de cruzes e tribulações, não nos deixemos desalentar. No começo a pacienci11 é posta á prova, mas este principio é o penhor do fim glorioso. Ao suave influxo do amor, .tudo se torna ameno e deleitoso, porém, não mais meritorio. No céu não é mister lições para aprender a amar a Deus, mas neste mundo em que vivemos na fé, onde temos muitas vezes que lutar contra os perigos ou as seducções, é difficil arte e excellente meio de glorificar ao Senhor,
· manter sempre o nosso coração nas alturas do puro amor de Deus. Mas não percamos a esperança: dia virá em que, mesmo aqui na terra, teremos adquirido o conhecimento de Jebus e aprendido a nos deleitar nas doçuras de seu amor, e então terá raiado, para nós, a aurora da eterna bemaventurança.
=*'•4=--
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Aos leitores Prefacio.
INDIOE
PRIMEIRO PRINCIPIO
Orar
5 1
Capitulo I. O que é· orar • , . , . • J J Cap. li, Grandeza e excellencia da oração 14 Cap. III. O preceito da oração . • • • 17 Cap. IV. A oração, o grande meio da graça 23 Cap. V. O pc.der da oração • 29
. Cap. VI. Predicados que a oração deve ter 35 Cap. VII. Da oração voc::al . . • 40 Cap. VIII. Modelos de oração ~ • • , 44 Cap. IX, Da oração mental. . 58 Cap. X. Devoções da Igreja . , 66 Cap. XI, O espírito de oração. . 70
SEGUNDO PRINCIPIO
Vencer -se
Cap. I. ldeia exacta do homem. • . . 79 Cap. 11. Em que consiste a víctoria sobre
si mesma • 82 Cap. 111. Por que devemos mortificar-nos 87 Cap. lV. Predicados que deve ter a victoria
sobre si mesmo . • 94
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li Indice
Cap. V. Algumas objecções 97 \.ap. VI. Da mortificação exterior • . • 1 O 1 Cap. VIl. Da mortificação interior . 105 Cap. VIII. Mortificação no que concerne á
intelligencia. 108 Cap. IX. Mortificação no que concerne á
vontade • Cap. X. Das paixões Cap. XI. A preguiça • Cap. XII. O temor . Cap. XIII. A colera e a impaciencia C'ap .. XIV. O orgulho • Cap. XV. Antipathia e sympathia . Cap. XVI. Defeitos de caracter. • Cap. XVII. Conclusão , . . • • •
Cap. Cap. Cap. Cap.
· Cap.
Cap. Cap. Cap. Cap. Cap. Cap. Cap. Cap.
TERCEIRO PRINCIPIO
Amar o divino Salvador
I. O amor . , . • II Jesus·Christo·Deus •
Ill. Deus-Homem • • IV. Deus-Menino • • V. O Doutor sapientissimo e
das almas . VI. O filho do homem •
VII. Acima da natureza VIII. O livro de vida
IX. Jesus era bom X. Paixão e morte
XI. Jesus glorioso . XII. O S.S . Sacramento do altar.
XIII. A ultima recommendação .
112 118 128 123 13'3
• 13 3 • 145
153 159
165 • • 16r-~
• 17 ' 18 t .
Guia • 1 ') ~ • 197
205 • • 210
. 215 . 220 . 230 • 236
• • 244
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