O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,
c. 1680 – c. 1830
Alexandre Vieira Ribeiro
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino
Rio de Janeiro
Março de 2005
2
O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,
c. 1680 – c. 1830
Alexandre Vieira Ribeiro
Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em História
Social.
Aprovado por: ___________________________________________ Manolo Garcia Florentino– Orientador Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. José Roberto Goés Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) _______________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (Suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________________________ Prof. Dr. Marcos Morel Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro Março de 2005
3
Ficha Catalográfica
RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830) /
Alexandre Vieira Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005. xiii, 149f.: il; 31 cm. Orientador: Manolo Garcia Florentino Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2005. Referências Bibliográficas: ff. 135-44. 1 – Brasil. 2 – África. 3 – Sistema Atlântico. 4 – Comércio negreiro. 5 – Escravidão.
I –Ribeiro, Alexandre Vieira. II – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social. III – Título: O tráfico atlântico de escravos e a
praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830)
4
Resumo
A presente dissertação oferece uma história econômica e social do tráfico de
escravos entre a Costa da Mina, na África Ocidental, e o porto de Salvador no período de
c.1680 a 1830, quando oficialmente acaba o tráfico de africanos para o Brasil. Além do
aspecto transatlântico, ela oferece também uma abordagem da distribuição de escravos de
Salvador para os demais mercados da América portuguesa. Para tanto, montou-se a mais
longa série de viagens negreiras da historiografia brasileira e se estabeleceu os padrões
dessa atividade mercantil em Salvador. Dessa forma, esta dissertação busca fornecer novos
elementos para a melhor compreensão das conjunturas que envolveram o comércio de
africanos entre a Costa da Mina e Salvador, destacando a importância da ligação comercial
que unia essas duas áreas do Atlântico.
5
Abstract
This dissertation offers an economic and social history of the slave trade between
Costa da Mina, in Western Africa, and the port of Salvador between c.1680 and 1830,
when the slave trade to Brazil officially ended. Besides the transatlantic aspect, it also
offers a study on the distribution of slaves from Salvador to other markets of the
Portuguese America. In order to accomplish its purpose, a long-run graph of slave voyages
was generated, becoming the longest one present in the Brazilian historiography; and
patterns of Salvador’s slave commerce were drawn. Through this way, this dissertation
intends to bring new elements to better understand the context that involved the African
slave trade between Costa da Mina and Salvador, emphasizing the importance of the
commercial ties that linked these two regions of the Atlantic.
6
Agradecimentos
Ao CNPq que financiou o primeiro ano de pesquisa e a FAPERJ por ter me
agraciado com a bolsa nota 10 no meu último ano de mestrado, essenciais para a conclusão
do trabalho.
Ao professor Manolo Florentino pela presença constante, paciente e sempre
generosa de sua orientação, contribuíndo com sugestões e críticas pertinentes ao trabalho,
fundamentais no desenvolvimento e no término da dissertação.
Ao professor João Fragoso pela contribuição de valiosas e proveitosas críticas e
sugestões não só emitidas quando da qualificação deste trabalho, mas sempre que
solicitado por mim.
Ao professor Antônio Carlos Jucá, por ter participado da qualificação deste trabalho
com sugestões pertinentes e por ter me ajudado, na reta final, na leitura da documentação
referente ao capítulo 4.
Ao professor José Roberto Góes por ter aceito participar da defesa deste trabalho.
Ao colega de ofício Carlos Kelmer Mathias, ajuda fundamental para a formatação
da dissertação.
Ao professor e também companheiro de laboratório Carlos Ziller pela ajuda
indispensável na impressão da dissertação e pelos excelentes papos no LIPHIS.
Aos meus colegas de ofício do LIPHIS e do IFCS, que sempre me incentivaram,
muitas vezes contribuíndo com dicas sobre a minha pesquisa.
Ao meu amigo Daniel Barros Domingues da Silva, fiel escudeiro, que desde o
início deste trabalho me auxiliou no levantamento de fonte primária, ajuda indispensável;
por ter semanalmente debatido comigo a historiografia africanista; e sempre, mesmo a
distância, se fazer presente, lendo e fazendo comentários proveitosos para cada capítulo
desta dissertação. Dani, muito obrigado!
A Juliana Beatriz, por estar ao meu lado, pelo apoio nas horas certas e incertas, por
me proporcionar momentos de descontração e diversão nestes últimos tempos.
Por fim, aos meus pais César A. da Fonseca Ribeiro e Eliana Vieira Ribeiro ao
carinho e amor incondicionais, fundamentais nesta minha trajetória.
7
Abreviaturas AHU Arquivo Histórico Ultramarino AHMS Arquivo Histórico Municipal de Salvador ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro APEB Arquivo Público do Estado da Bahia BNRJ Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro MHB Museu Histórico das Bandeiras, Cidade de Goiás, GO
8
Lista de Gráficos, tabelas e mapas
Gráficos Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África
(1678-1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767)................................................................................................................22
Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos de Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830) ............................................27
Gráfico 3: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros
aportados em Salvador, 1776-1824............................................................................56
Gráfico 3.1: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros
aportados em Salvador vindos da África Ocidental, 1776 – 1824..............................57
Gráfico 3.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros
aportados em Salvador vindos da África Central Atlântica, 1776 – 1824..................59
Gráfico 4: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas
do tráfico atlântico de escravos (1760-70)................................................................102
Tabelas Tabela 1: Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem (1701-
1810)...........................................................................................................................30 Tabela 2: Saídas de navios negreiros da Bahia para a África, de acordo à região africana
de destino, por grandes conjunturas (1678-1775).......................................................54 Tabela 3: Concentração das empresas negreiras que atuavam em Salvador (1788-
1819)...........................................................................................................................75 Tabela 4: Taxas (%) de mortalidade nos navios negreiros provenientes da África que
atracaram nos portos do Rio de Janeiro e Salvador entre 1795 e 1830.............................................................................................................................88
Tabela 5: Duração média (em dias) da travessia entre a África e os portos do Rio de
Janeiro e Salvador, por região africana de embarque, 1803-1830..............................91
Tabela 6: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador (1760-70)....................................................................................................................98
9
Tabela 7: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador (1760-70)...................................................................................................................101
Tabela 8: Flutuações na importação de escravos na capitania de Minas Gerais saídos da
Bahia e Rio de Janeiro (1739-1759).........................................................................106 Tabela 9: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Províncias (1760-70)...108 Tabela 9.1: Remessas anuais de escravos novos por Províncias frente ao tráfico atlântico
(1760-70)..................................................................................................................109 Tabela 10: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)............115 Tabela 11: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados (1811-20).....................117 Tabela 11.1: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados frente ao destino final
(1811-20)...................................................................................................................118 Tabela 12: Concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador
(1760-70 / 1811-20)..................................................................................................119 Mapas Mapa 1: Costa do Ouro, Costa da Mina e Golfo de Biafra.................................................52 Mapa 2 – Centro-Sul do Brasil, século XVIII...................................................................104
10
SUMÁRIO
Introdução...........................................................................................................................11
Capítulo 1. Conjunturas e flutuações do tráfico: sobre a demanda..............................19
O ouro impulsionando o tráfico (c. 1680 – c. 1720).................................................19
O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718 – c. 1775).............23
A reorganização do tráfico e a expansão da economia açucareira...........................40
Capítulo 2. ... e a oferta......................................................................................................44
Debate historiográfico: o tráfico e a dinâmica na África..........................................44
Costa da Mina: local privilegiado para o comércio baiano......................................49
A Bahia se fez presente na Costa da Mina...............................................................60
Capítulo 3. Os negócios negreiros na praça mercantil de Salvador..............................74
Concentração, especialização e sociedades..............................................................74
“Perdas em trânsito”.................................................................................................82
Capítulo 4. A terceira perna do tráfico: redistribuição .................................................95
A redistribuição de escravos caudatária do tráfico atlântico....................................95
Demografia dos escravos despachados (sexo, naturalidade e idade).....................116
Concentração dos negócios da redistribuição.........................................................118
Considerações Finais........................................................................................................122
Anexo.................................................................................................................................124
Fontes.................................................................................................................................141
11
Introdução
O estudo da escravidão teve e tem um papel fundamental nos percursos da
historiografia brasileira. Tema nobre, sobre o qual vários e importantes intelectuais – em
diversos contextos - se dedicaram, como Gilberto Freyre, que despontou nos anos 30, com
seus estudos sobre as culturas constitutivas da formação social brasileira.1 As análises
freirianas ensejaram estudos comparados entre os sistemas escravistas das Américas,
explicitando, segundo alguns, o caráter benevolente do caso brasileiro em função do
escravismo católico aliado ao patriarcalismo próprio do mundo ibérico, contraposto ao modelo
implacável da escravidão protestante e ao capitalismo do mundo anglo-saxão colonial.2
As idéias de Gilberto Freyre ganharam o mundo. Seus livros foram traduzidos para
diversas línguas, mas, entre nós, suas teorias começaram a ser questionadas principalmente na
década de 60 pela Escola Paulista. Florestan Fernandes, Otávio Ianni, e Fernando Henrique
Cardoso eram os líderes desta corrente de historiadores e sociólogos.3 Novas perspectivas
históricas procuravam desmistificar a idéia de democracia racial e da leniência escravocrata,
atribuídas a Gilberto Freyre, demonstrando o quanto era cruel a escravidão e poderoso o
preconceito racial sobre o negro, além do reflexo deste sobre as populações afro descendentes
no Brasil contemporâneo.
Em todo este percurso historiográfico o tráfico de escravos constituiu um tema pouco
visitado. O comércio de homens foi abordado por Caio Prado Jr., Celso Furtado e Fernando
Novais4 como um fator característico para a explicação da economia e da sociedade escravista
colonial. O comércio de africanos foi entendido como um mecanismo fundamental para a
reprodução da mão-de-obra escrava na América portuguesa – logo, enquanto uma atividade
central do cálculo econômico escravista. Os historiadores clássicos pensavam que em fases A
1 Dentre outros trabalhos cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001. 2 A respeito deste debate cf. TANNEBAUM, Frank. Slave and citizen: the negro in the Americas. S/l, 1949; ELKINS, Stanley. Slavery: a problem in American institucional and intellectual life. Chicago: The University Chicago Press, 1968. 3 FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambás. Brasília: Ed. UnB, 1989; IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: HUCITEC, 1998; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 4 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977; FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional: Publifolha, 2000 (Grandes nomes do
12
(de expansão) da empresa colonial ocorreria um crescimento do desembarque de africanos no
Brasil, mas não conseguiram perceber que nas fases B (de retração) do mercado internacional
os empresários coloniais poderiam aumentar o volume de importações com o objetivo de
manter as margens de lucro (ganho por unidade exportada). Deste modo, o comércio atlântico
de escravos era portador de grande potencial para enfrentar as conjunturas de baixa do
mercado externo.5
A origem do tráfico direcionado à América portuguesa, para nossos clássicos, explica-
se a partir da precedência da demanda em relação à oferta da mão-de-obra escrava no Brasil. A
escassez de braços nativos para a produção colonial teria sido o fator determinante para que,
ainda no século XVI, se iniciasse o fluxo de africanos para o continente americano. O único
que destoa desta posição é Fernando Novais, para quem a alta lucratividade obtida com o
tráfico justificaria a opção das empresas escravistas coloniais por adotar africanos nas
lavouras.6
Caio Prado, Furtado e Novais entendiam também que a lógica mercantil tinha um
caráter metropolitano, sendo o comércio negreiro um negócio estruturado e direcionado para
os objetivos do capital comercial europeu. Nesta perspectiva, a própria reprodução do sistema
econômico colonial seria exógena, uma vez que não só a mão-de-obra como também os
recursos necessários para a montagem e funcionamento do empreendimento seriam exteriores
à Colônia. O setor mercantil colonial se apresentaria totalmente atrofiado, com os plantadores
no topo da hierarquia social.7
Sob hegemonia marxista ao longo dos anos 70, os estudos da escravidão passaram a se
estruturar ao redor da noção de modo de produção escravista colonial, com destaque para os
trabalhos de Ciro Flamarion Cardoso. Nessa linha, Jacob Gorender lançou seus primeiros
estudos sobre escravidão, convertendo-se no maior crítico das teorias freirianas e da Escola
Paulista.8 Para ele, o escravismo colonial nas Américas voltava-se para a produção comercial.
Logo, eram as relações de produção que o definiam. Segundo ele, Freyre e os
pensamento brasileiro); NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1983. 5 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, p.25. 6 NOVAIS, op. cit., 1983, p. 105. 7 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 26-7. 8 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.
13
neopatriarcalistas enfocavam prioritariamente os escravos improdutivos, como os domésticos,
negros de ganho, etc.
Em Gorender, as idéias defendidas pelos clássicos sobre o tráfico de escravos ainda
prevaleciam. Contudo, a novidade nesse período foi uma pequena análise do papel
desempenhado pelas sociedades africanas, ao longo de mais de três séculos, como
fornecedoras de homens a baixos custos. Ciro Cardoso aborda, de modo sucinto, a
heterogeneidade do continente negro e a violência como fator fundamental para a continuidade
do comércio negreiro. 9 Gorender, por sua vez, destaca a atitude passiva de uma África
heterogênea, portadora de uma oferta elástica de cativos, associada essa intrinsecamente à
ânsia descontrolada dos europeus por braços escravos.10
No início dos anos 80, estudos como o de Kátia M. de Queiroz Mattoso e Stuart
Schwartz11 vão propor uma nova abordagem sobre a escravidão brasileira. A preocupação
desses pesquisadores vai recair sobre as experiências dos escravos no sistema escravista. A
avalanche de críticas sofridas por Gilberto Freyre começa a ser relativizada. Um vasto campo
de estudo se abriu. Para aqueles que tomavam o tema “escravidão” por esgotado, as décadas
de 80 e 90 revelaram grandes surpresas. Novas pesquisas passaram a focalizar aspectos até
então negligenciados pela historiografia, tais como a família, a escravidão urbana,
religiosidade, festas, fugas e quilombos, o cotidiano da vida escrava no mundo luso-brasileiro
- e o tráfico.
Deste período podemos citar os trabalhos sobre o comércio negreiro de Manolo
Florentino e Luís Felipe de Alencastro.12 O primeiro, a partir da imersão em fontes de natureza
diversa, aborda questões inexploradas até então pela historiografia. Florentino percebe uma
lógica inversa à elaborada por nossos clássicos. Em seus estudos acerca do Rio de Janeiro
entre 1790-1830, demostra que os traficantes de escravos se localizavam no topo da hierarquia
social da colônia, pois eram eles que comandavam dos portos brasileiros o comércio negreiro.
Caracteriza a burguesia metropolitana como débil, incapaz de financiar atividades essenciais
9 CARDOSO, Ciro F. O modo de produção escravista colonial nas Américas. In: SANTIAGO, Théo (org.). América colonial (Ensaios). Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp. 89-143; 10 GORENDER, op. cit., 1978, pp. 133-137. 11 MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. 12 FLORENTINO, op. cit., 1997; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
14
para sua reprodução parasitária, e que se voltava quase que exclusivamente para a alienação do
produto final da economia colonial. Desta forma, a colonização lusitana prescindia de uma
forte burguesia metropolitana, o que forjou a autonomia relativa da estrutura econômica
colonial, possibilitando o surgimento de uma elite na colônia. Não foi à toa que os traficantes,
que detinham a liquidez num sistema econômico de tipo arcaico (frágil divisão do trabalho;
baixa circulação monetária; escassez de créditos), constituíam a verdadeira elite colonial.13
Florentino avança na questão, atentando para a face africana do tráfico, fato incomum
na historiografia brasileira. Ele percebe o tráfico de cativos como um negócio afro-americano,
que só pode ser compreendido se levarmos em consideração sua dinâmica desde o
apresamento do escravo no interior africano até sua venda nos mercados da América
portuguesa.14 Desta forma, Florentino ressalta que o tráfico, além de exercer um papel
estrutural no Brasil, como agente reprodutor da dupla diferenciação social na colônia (senhor x
escravo; livre x livre), desempenhava também função estrutural no continente africano a partir
do fortalecimento político e econômico de grupos dominantes nativos; aumento e
consolidação da diferenciação social entre indivíduos de um mesmo Estado e/ou entre etnias
diferentes; além da expansão das relações escravistas nas próprias comunidades africanas,
transformando o cativeiro tradicionalmente doméstico em mercantil.15
Já Alencastro realiza uma revisão bibliográfica do assunto, além de buscar uma
perspectiva de especialização territorial para explicar o comércio entre as praças do Rio de
Janeiro e Angola. Neste sentido, o projeto colonizador da metrópole portuguesa no atlântico
sul visava criar economias complementares e não concorrenciais. Angola forneceria escravos
como mão-de-obra para as plantations da América portuguesa, enquanto esta se encarregaria
de suprir Portugal com produtos tropicais. O tráfico de escravos entre a África e a colônia
americana seria um mecanismo de acumulação de capital por parte da comunidade mercantil
metropolitana.16 Trata-se de uma posição contrária à de Florentino, para quem a comunidade
13 FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, pp. 27-29. 14 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 209. 15 Idem, pp.101-2. 16 ALENCASTRO, op. cit., 2000, pp. 27-32.
15
mercantil que se favorece com o comércio de africanos no atlântico sul estava estabelecida nas
praças coloniais.17
Claro, para além dos trabalhos de Florentino e Alencastro podemos citar contribuições
valiosas para a historiografia do tráfico, como os trabalhos pioneiros de Taunay, Luís Viana
Filho e Verger.18 São estudos de grande fôlego, caracterizados pela compilação de documentos
dos mais variados tipos, que se tornaram fontes inesgotáveis para os historiadores atuais.
Contudo, tratam-se de obras carentes de uma análise mais profunda do papel desempenhado
pelo comércio negreiro nas sociedades coloniais lusitanas na América e na África. No caso
particular, a obra de Verger nos sugere diversas questões sobre o tráfico atlântico realizado na
praça mercantil de Salvador, as quais essa dissertação procurou elucidar.
O Brasil foi a região da América que mais recebeu cativos enquanto perdurou o
comércio negreiro. Duas cidade despontaram como principais sorvedouros de africanos: Rio
de Janeiro e Salvador. Juntas chegaram a absorver 1/3 dos cativos importados no continente
americano. Era preciso, pois, tentar apreender este volume de escravos conjugado as
conjunturas destas duas sociedades.
Na colônia luso-brasileira, o comércio de cativos tornou-se a principal atividade
mercantil, representando o instrumento essencial de reprodução física dos escravos e, por meio
deles, da própria estrutura produtiva. O tráfico, pensado como um negócio, tornou-se um
empreendimento importante na acumulação endógena de capital. Tratava-se de um negócio
com estruturação e dinâmica empresariais próprias, associadas aos cálculos pré-industriais.
Podemos supor que os traficantes de homens tornaram-se a própria elite colonial, uma vez que
eles detinham a liquidez do sistema econômico.19
Do mesmo modo que o tráfico atlântico era influenciado pela demanda americana, a
esfera da oferta, a partir de uma dinâmica interna ao continente africano, atuava nas taxas de
flutuações desse comércio. A inserção de agentes externos à África pouco mudou o panorama
da África pré-colonial. A escravidão estava enraizada em estruturas legais e institucionais das
sociedades africanas, tal como o próprio comércio de cativos. A propriedade corporativa de
17 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 9-10. 18 TAUNAY, Afonso de E. Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941; VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
16
terras na África levou a escravidão a ser uma instituição tão arraigada no continente africano,
quanto a propriedade de terra o era na Europa. O escravo era a única forma de propriedade
privada produtora de rendimentos reconhecida pelas leis africanas, única forma de se
enriquecer, logo, a maneira pela qual se processava a diferenciação social no continente. Este
sistema foi capaz de produzir diferenças não só entre os indivíduos como também entre nações
e Estados africanos.20
As fontes utilizadas neste trabalho são na sua maioria documentação manuscrita, de
caráter serial, praticamente invariável no tempo, que nos possibilita uma análise demográfica e
econômico-social. Três tipos de documentos se destacam: os Alvarás para navegar em direção
ao continente africano localizados no Códice 141 no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e em
diversos volumes do Arquivo Público do Estado da Bahia; as listagens da chegada de navios
negreiros no porto de Salvador que se encontram nos Códices 178.1, 182.1, 56.3 no Arquivo
Histórico Municipal de Salvador e no jornal A Idade d’Ouro do Brasil, localizado na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; os registros de despachos de escravos de Salvador para
os diversos mercados regionais da América portuguesa que se encontram nos Códices 249 e
252 no Arquivo Público do Estado da Bahia. Toda essa documentação cobre um período que
vai de 1678 a 1824. Para além da documentação quantitativa, foram levantadas fontes de base
qualitativa, como correspondências administrativas; cartas comerciais; portaria e alvarás
régios. A análise foi complementada pelo uso de uma vasta bibliografia constituída de fontes
primárias impressa e trabalhos que discutiam assuntos afins. Esses foram extremamente
importantes para a análise das sociedades africanas e para a comparação da atividade do
tráfico em Salvador com outras praças mercantis.
As informações contidas nos alvarás para navegar e nas listagens de chegadas de
navios vindos da África no porto de Salvador, nos possibilitou traçar o perfil de concentração
dos negócios relacionados ao tráfico. Foi possível também estabelecer as principais rotas e
fontes abastecedoras do mercado baiano. Do mesmo modo, conseguimos aferir as taxas de
mortalidade a bordo e a duração das viagens, questões fundamentais para se apreender a lógica
mercantil. Já os dados levantados nos livros de despachos da escravaria possibilitou apontar as
19 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp.7-16. 20 Sobre a importância da escravidão nas sociedades africanas pré-coloniais cf. THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, cap. 3.
17
rotas e as principais praças receptoras. Além disso, estabelecemos o padrão demográfico dos
cativos despachados, aferindo o peso do tráfico atlântico nesse contigente, ou seja, a taxa de
africanidade, bem como a proporção sexual.
Esse trabalho inicia-se com a análise das flutuações do comércio negreiro na praça
mercantil de Salvador. Percebemos uma relação intrínseca do volume de escravos
desembarcados no porto de Salvador com a economia colonial, principalmente no que tange a
indústria açucareira baiana e a extração de metais preciosos na região de Minas Gerais. A
partir de comparações feitas entre os movimentos comerciais escravistas no Rio de Janeiro e
em Salvador transparece a concorrência nas quais a praça carioca e a baiana estavam inseridas
na busca por mercados consumidores, ao longo do século XVIII.
No Capítulo 2 procuro analisar o grande vínculo desenvolvido entre os negociantes da
Bahia e os africanos da Costa da Mina. Esta relação foi construída ao longo de muitos anos,
mediante um fluxo mercantil intenso na forma de trocas de produtos baianos por escravos;
relações pessoais desenvolvidas pelos traficantes baianos em território africano; presença
institucional portuguesa sob organização dos homens de negócio e governo de Salvador. Ao
longo da análise tentei mostrar o grau de dependência da sociedade baiana com o comércio
desenvolvido na Costa da Mina. Outro ponto abordado neste texto foram as conjuntura da
política na Costa da Mina. Procuro relacionar os movimentos de instabilidade e lutas armadas
que ocorriam nos Estados africanos com o tráfico de cativos. Ora percebendo tais conflitos
como fatores do aumento do número de escravos exportados, ora como desestabilizadores de
tal comércio em portos da Costa da Mina.21
O terceiro capítulo analiso o tráfico enquanto um negócio colonial, traçando os perfis
de investimento e concentração desta atividade. Estabeleci, mais uma vez, uma comparação
com o comércio escravista carioca. Uma segunda parte deste capítulo é representado pelo
estudo dos riscos das expedições como a mortalidade nos navios negreiros; o roubo; a
pirataria, aquilo que viemos chamar de “perdas em trânsito”, numa perspectiva paralela entre a
Bahia e o Rio de Janeiro. As comparações entre as duas principais praças mercantis do litoral
21 Neste capítulo se utilizou muitas fontes copiladas em VERGER, Pierre, op. cit., 1988.
18
da América portuguesa estão focadas entre os anos de 1796 a 1830 devido às limitações das
fontes disponíveis.22
O quarto capítulo se constitui daquilo que denominamos de “terceira perna do
tráfico atlântico”. Trata-se da redistribuição de cativos a partir de Salvador para os
mercados regionais da América portuguesa. Talvez esse capítulo seja o que mais se
ressinta de uma discussão historiográfica. A idéia foi apenas a de apontar algumas
questões a partir de fontes até então pouco utilizadas pelos historiadores. A análise aborda
os negócios envolvidos na redistribuição de escravos em duas décadas (1760-70; 1811-
1820) tentando observar os padrões, comparando-os com os detectados no comércio
escravista atlântico. Observamos as concentração, rotas de atuação e praças consumidoras
dos cativos tentando conjugar com as conjunturas econômicas locais. Sugerimos que os
despachos possam apontar os padrões do comércio interno de cativos na América
portuguesa. Um trabalho mais intenso sobre este tema fica prometido para um futuro
próximo.
22 Parte da reflexão deste capítulo aparece em FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 83-126
19
Capítulo 1 - O Tráfico e a Conjuntura: sobre a demanda
O ouro impulsionando o tráfico (1690-1717)
O açúcar foi o principal produto na pauta de exportação da América portuguesa
durante todo o período colonial. Despontavam como pólos de produção desta mercadoria as
Capitanias de Pernambuco e, principalmente, a da Bahia. A estrutura econômica baiana, desde
o início da colonização, estava baseada na produção e venda de açúcar para o mercado
externo. A economia baiana, mesmo tendo problemas como a política fiscal e comercial
portuguesa, teve um desempenho relativamente bom durante o século XVII, com os preços do
açúcar altos o bastante para permitir que os lucros dos senhores de engenho pudessem
compensar os custos com a compra de escravos da África, tarefa da qual o Estado português se
eximia de qualquer responsabilidade, e que era item primordial nas despesas dos produtores de
açúcar.23
Na década de 1680, ocorreu uma drástica baixa no preço do açúcar brasileiro, enquanto
os custos se elevavam. Tal fato estava relacionado ao surgimento de colônias produtoras de
açúcar localizadas nas Antilhas ocupadas por franceses, ingleses e, principalmente,
holandeses. Destes locais os europeus passaram a suprir seu mercado interno, reduzindo a
participação do açúcar brasileiro em suas praças comerciais.24 Se na década de 1630, cerca de
80% do açúcar comerciado em Londres era de origem brasileira, por volta de 1670, essa
participação caiu para 40%, chegando no ano de 1690 a apenas 10%.25 Com o fomento da
fabricação açucareira em escala mundial, os produtores brasileiros foram perdendo a sua
capacidade de lidar com a queda do preço deste produto no mercado internacional. A
concorrência da indústria de açúcar das Índias Ocidentais prejudicou seriamente a economia
colonial do nordeste da América portuguesa.26 Uma grande parte do setor açucareiro
pernambucano foi destruído, levando muito tempo para se recuperar. Mesmo a Bahia, que
23 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p.147. 24 idem, ibidem. 25 idem, p. 162. 26 KLEIN, Herbert. Escravidão africana: América Latina e Caribe. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 83.
20
continuou a crescer, não vivia mais a era dourada de outros tempos, em conseqüência da
queda do preço do açúcar e da redução dos mercados exportadores.27
Muito provavelmente, nos momentos de baixa no mercado internacional (fase B do
Kondratieff europeu), os produtores brasileiros devem ter procurado aumentar a produção e o
volume de açúcar, em números absolutos, na tentativa de manter a margem de lucro que
obtinham nos momentos de alta do preço (fase A do Kondratieff europeu).28 Esta estratégia
contra crise de preços só se manteria ao longo do tempo enquanto a remuneração cobrisse os
gastos com a produção. No caso específico da economia escravista brasileira, o limite seria o
valor de compra do escravo, o principal agente na reprodução econômica.29 Neste ponto
começava o drama baiano.
Com o crescimento da produção de açúcar nas Antilhas, aumentou-se nesta região a
demanda por mão-de-obra escrava. Com efeito, o novo mercado para o braço africano tendeu
a elevar o preço do cativo tanto no continente africano quanto no Brasil, espremendo ainda
mais os lucros dos plantadores. O valor do escravo, que já era alto devido a procura das ilhas
caribenhas, tornou-se exorbitante em decorrência da necessidade de braços nas recém
descobertas zonas mineradoras brasileiras.
A descoberta do ouro por grupos de paulistas, no interior da América portuguesa,
região hoje conhecida como Minas Gerais, ocorrida em algum momento entre os anos de
1693-1695,30 gerou um aumento na demanda por escravos no Brasil, propiciando um
incremento na partida de negreiros a partir do porto de Salvador (cf. gráfico 1). Logo a Bahia
tornou-se o centro abastecedor de mão-de-obra da região aurífera. O gráfico 1 mostra a curva
de saídas de negreiros da Bahia acompanhando o aumento da produção mineradora até o lustro
de 1713-17.
Os negociantes da Bahia, desde o início da mineração, perceberam a oportunidade de
grandes lucros, uma vez que nas regiões mineradoras o preço de venda do cativo era bem
superior ao de Salvador e à área do Recôncavo baiano. Além disso, recebiam em ouro pela
venda dos escravos, enquanto os senhores de engenho da Bahia pagavam a esses traficantes
27 idem, ibidem. 28 ARRUDA, José Jobson de. A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980, pp. 102-15. 29 FLORENTINO, Manolo, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, pp. 77-78. 30 BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de
21
com açúcar, muitas vezes comprometendo a safra seguinte.31 Os senhores de engenho
passaram a queixar-se da falta de mão-de-obra. A Coroa resolveu intervir delimitando o
número de escravos que podiam ser remetidos para as áreas mineradoras com o alvará de
1701.32 Logo esta legislação mostrou-se ineficiente. Muitos baianos, principalmente os
comerciantes negreiros, argumentavam que alguns escravos não serviam para trabalhar na
lavoura e deveriam ser disponíveis para a venda às minas. Mais forte que o temor da lei era a
ganância dos comerciantes baianos em lucrar com as lavras de ouro.
Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 61. 31 SCHWARTZ, S., op. cit., 1999, p. 166. 32 APEB, col. ms., Ordens Régias de 20-1-1701. Este alvará estipulou que os paulistas só podiam adquirir duzentos cativos de Angola por ano comprados no porto do Rio de Janeiro.
22
Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África (1678-
1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767) 33
0
5
10
15
20
25
30
3516
78-1
682
1688
-169
2
1698
-170
2
1708
-171
2
1718
-172
2
1728
-173
2
1738
-174
2
1748
-175
2
1758
-176
2
1768
-177
2
1778
-178
2
1788
-179
2
1798
-180
2
1808
-181
2
Núm
ero
de V
iage
ns d
e N
egre
iros
e N
úmer
o de
cai
xas
de a
çuca
r (m
il)
0
5
10
15
20
25
Produção de ouro (ton.)
Negreiros Produção Aurífera Caixas de açúcar
Fontes: Anexo 1; SCHWARTZ, Stuart, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, apêndice C, pp. 403-4; PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979, p. 114.
33 O gráfico 1 foi elaborado a partir dos Alvarás e Fianças para navegar partindo de Salvador, para montar as freqüências de viagens de navios negreiros; do livro de Schwartz, para montar a curva de exportação de açúcar; e de Virgílio Noya Pinto, para estabelecer a flutuação da procução de ouro. Este gráfico está fundado em médias qüinqüenais que cobrem um período de quase 140 anos. Obviamente, dada a disposição dos dados, o último intervalo (1813-15) está composto de apenas três anos. Os números relativos as caixas de açúcar e a produção aurífera seguiram a mesma periodização.
23
O valor de um escravo do sexo masculino de primeira qualidade girava em torno de
quarenta a sessenta mil réis até a década de 1690. Nos primeiros anos da mineração o preço do
cativo subiu até atingir a cotação de cem mil réis no ano de 1710, chegando ao ano de 1723 ao
preço de duzentos mil réis!34 A necessidade de mão-de-obra nos campos auríferos inflacionou
o preço do cativo no agro baiano.
Embora existisse terra em abundância tornava-se escasso o elemento reprodutor da
empresa açucareira, o escravo. No ano de 1702 foram enviados para Portugal 507.609 arrobas
de açúcar baiano sendo de 249 produtores diferentes dos quais calcula-se que 100 fossem
lavradores não proprietários de moendas.35 A Bahia remeteu anualmente para o reino 507.500
arrobas de açúcar produzidos em 146 engenhos, segundo cálculos feitos por Antonil ao final
do primeiro decênio do século XVIII.36 Em 1720 a produção caiu para cerca de 420.000
arrobas. Portanto, podemos sugerir que o tráfico baiano procurava desviar a oferta de escravos
para as regiões mineradoras em expansão, em detrimento da empresa açucareira nordestina.
O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718-1787)
O comércio de africanos para Salvador começou a apresentar sérias dificuldades no
final da segunda década do século XVIII. Com o preço dos escravos no Brasil bastante alto,
devido à demanda na região mineradora, um grande número de comerciantes baianos passou a
se dedicar a tal empreendimento, gerando uma enorme concorrência e inflacionando o preço
dos escravos nos portos de venda na África. Em 1714, o diretor do forte francês de Saint-Louis
de Grégoy, e o diretor do forte inglês William, ambos em Ajudá, reclamavam que o grande
número de navios vindos do Brasil estava arruinando o comércio de escravos nesta região
africana.37 Ademais, outro fator que contribuiu para a elevação do preço do cativo nos
mercados africanos foi a necessidade de mão-de-obra sentida também nas áreas de produção
de açúcar do Caribe, já reestruturadas após as guerras européias (Guerra do rei Guilherme –
1689/97 e Guerra de Sucessão Espanhola – 1701/13).
34 SCHWARTZ, S., op. cit., 1995, p. 167. 35 Idem, p. 149. 36 ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976., p.140. Segundo Antonil foram exportados para Portugal 14.000 caixas de açúcar. 37 Carta do diretor do forte francês Saint-Louis de Grégoy (em Uidá), Du Coulombier, em 22 de março de 1714, a seus chefes da Companhia das Índias em Paris, apud, VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 129.
24
De alguma forma, esses problemas podiam ser minorados pelos traficantes baianos
com a venda dos escravos nas zonas mineradoras a um preço bem alto. O valor exorbitante e a
forma com que os mineiros pagavam (em ouro) era a garantia de obtenção de lucro por parte
dos negociantes da Bahia, por mais difícil que estivesse o comércio entre Salvador e a Costa
da Mina. Contudo, a primazia dos baianos no fornecimento de mão-de-obra para os campos
auríferos sofreu um impacto negativo quando da inserção dos comerciantes cariocas nesta
atividade, facilitada pela abertura do “caminho novo”, encurtando o tempo de viagem entre o
porto carioca e os veios auríferos.38 Com o incremento da mineração, o eixo econômico da
América portuguesa se deslocou para a região sudeste. Os comerciantes cariocas passaram a
desempenhar um papel estratégico na condução dos negócios mineiros, devido às relações
privilegiadas com a região.39 Para além do comércio de escravos, o Rio se fortaleceu e
sobrepujou a Bahia, por ter se tornado o pólo abastecedor de um crescente mercado
consumidor. Antônio Carlos Jucá Sampaio, estudando o desenvolvimento da economia
fluminense na primeira metade do século XVIII, apontou que nos contratos dos caminhos40 do
Rio de Janeiro para as minas, no ano de 1727, o valor atingido foi de 25 arrobas enquanto o
caminho da Bahia foi arrematado em 20,5 arrobas.41 A importância do porto carioca para a
economia portuguesa é atestada quando corsos franceses atacam a cidade nos anos de 1711-
12. O Rio deixava de exercer um papel secundário e tornava-se a principal cidade da América
portuguesa.
Além das fortes concorrências, tanto das Antilhas nos portos de venda de africanos,
quanto do Rio de Janeiro no mercado consumidor mineiro, incidentes entre a Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais e os negociantes baianos estavam prejudicando as relações
comerciais entre Bahia e Costa da Mina. Muitos navios brasileiros estavam sendo apreendidos
e saqueados por galeras holandesas próximo ao litoral africano. As expedições tornavam-se
38 Partindo do Rio de Janeiro podia se iniciar o caminho novo por via marítima indo até o porto de Nossa Senhora do Pilar (futuro porto da Estrela) e de lá subindo o rio Morobaí que levava ao pé da serra que liga o Rio de Janeiro à Minas Gerais ou por via terretre via Irajá, chegando também ao pé da serra. Sobre o roteiro do “caminho novo” para as minas ver mais em ANTONIL, André João, op. cit., 1976, pp.184-6. 39 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 75. 40 Esses contrato referiam-se a taxas pagas pelas mercadorias que iam para as regiões mineradoras, cobradas em registros existentes ao longo do trajeto, semelhantes a uma alfândega.
25
cada vez mais arriscadas, gerando uma expectativa menor de sucesso para as empresas
envolvidas. Ao iniciar a década de vinte inverteu-se a tendência de crescimento das saídas de
negreiros de Salvador observadas nas primeiras décadas do século. Entre os anos de 1708-
1712 o número médio era de aproximadamente 25 expedições realizadas por ano, total que
subiu para uma média anual de 30 no lustro de 1713-1717. No qüinqüênio seguinte (1718-
1722) essa média caiu para 20 chegando a apenas 10 partidas anuais no período de 1733-1737
(cf. Gráfico 1).
Com os códices encontrados no Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS),
que registram as visitas de equipes de saúde em embarcações vindas da África,42 pude levantar
o total de africanos desembarcados em cada aportagem para os períodos de 1776 - 1780/81 –
1789/98 - 1803/10 – 1822/24. As estimativas para os anos de 1782 a 1787, não contemplados
na documentação foram obtidas a partir da média dos anos de 1781 e 1788. Já para os anos de
1799 a 1802, também ausentes nos registros, as estimativas foram conseguidas a partir da
média dos anos de 1798 e 1803. Para o período de 1812 e 1830 utilizei as estimativas anuais
de Goes Calmon.43 Estabeleci uma estimativa para o ano de 1811 cruzando os dados de 1810 e
1812. Baseado nestes dados estabeleci a média de desembarque por tipo de navio, informação
presente em quase todos os registro de entradas de negreiros em Salvador.44 Utilizei as médias
obtidas neste período para os anos anteriores, para os quais só encontrei as partidas de
Salvador - por exemplo, estimei em 229 o número de escravos desembarcados para cada
sumaca ou patacho saídos antes de 1776. Com isso foi possível estabelecer em 807.295 o
número de africanos recebidos pelo porto de Salvador para o período de 1678 a 1830.45 A
quantidade de cativos originários da África aportados no Rio de Janeiro foram obtidos a partir
das estimativas de Nireu Cavalvante e Manolo Florentino, chegando a um total de 1.262.242
para o período de 1700 a 1830.46 Segundo Philip Curtin, entre 1701 e 1830, o continente
americano recebeu cerca de 6.951.800 africanos. Deste total, 2.483.200 (35,7%)
41 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá, op. cit., 2001, p. 76. 42 AHMS, Códices 178.1 (1780-1798) e 182.1 (1803-1810). 43 CALMON, F. M. Goes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834. 44 As médias para cada tipo de navio foram: balandra = 94; bergantim = 282; brigue = 334; brigue-escuna = 245; chalupa = 101; charrua = 207; curveta = 339; escuna = 297; galera = 424; lancha = 29; navio = 333; paquete = 202; patacho = 229; sumaca = 229 45 Cf. Anexo 2. 46 idem
26
desembarcaram na América portuguesa - 1.262.242 via Rio de Janeiro (50,8%) e 755.087
(30,4%) pelo porto de Salvador.47 Juntos, os portos baiano e carioca foram responsáveis por
quase 1/3 (2.017.329) dos desembarques de africanos na América entre 1700 e 1830.
Observando o gráfico 2 podemos perceber que o movimento de escravos africanos no
porto de Salvador reflete a queda das partidas de negreiros a partir do final da segunda década
do século XVIII enquanto que no Rio de Janeiro notamos uma oscilação contrária com
tendência de alta que perdurou até os últimos dias da legalidade do tráfico. Rio e Salvador
disputavam o mesmo mercado consumidor de mão-de-obra na primeira metade do século
XVIII, representado majoritariamente pela região das Gerais. Entre os períodos de 1718 a
1748 as quedas no tráfico carioca representavam contrariamente um aumento do tráfico
baiano, e vice-versa, tal qual um espelho invertido. A partir da metade do século XVIII, os
movimentos de entradas nos dois portos seguiram tendências parecidas, apenas o porto carioca
apresentando um volume maior.
47 Anexo 2; CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, pp. 216 e 235.
27
Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos de
Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830)
1
3
5
7
9
11
13
15
17
19
1678
-168
2
1683
-168
7
1688
-169
2
1693
-169
7
1698
-170
2
1703
-170
7
1708
-171
2
1713
-171
7
1718
-172
2
1723
-172
7
1728
-173
2
1733
-173
7
1738
-174
2
1743
-174
7
1748
-175
2
1753
-175
7
1758
-176
2
1763
-176
7
1768
-177
2
1773
-177
7
1778
-178
2
1783
-178
7
1788
-179
2
1793
-179
7
1798
-180
2
1803
-180
7
1808
-181
2
1813
-181
7
1818
-182
2
1823
-182
7
1828
-183
0
Des
emba
rque
s de
esc
ravo
s
Salvador Rio de Janeiro
Fontes: Anexo 2
28
A diminuição dos dias de viagem entre o porto do Rio de Janeiro e os veios auríferos
possibilitou uma redução nos custos das empresas traficantes cariocas responsáveis pela
redistribuição dos cativos no interior do Brasil. Fazia-se com ¼ de tempo do caminho antigo o
novo percurso possibilitando um incremento no número de viagens dos vendedores de cativos
e a diminuição de mortes de escravos ao longo do trajeto. A rotação do capital se dava de
forma mais rápida aumentando a lucratividade dos comerciantes cariocas. Estes homens de
negócio voltavam ao porto do Rio de Janeiro vorazes por mais braços africanos frente a alta
rentabilidade obtida com as venda de cativos no interior. Este aumento da demanda
proporcionou um incremento no tráfico atlântico e, conseqüentemente, do volume de escravos
importados pelo porto do Rio de Janeiro. A partir do gráfico 2 notamos que enquanto a média
anual de escravos desembarcados no lustro de 1718-1722 foi de 4.200 para o período de 1733-
1737 esta média atingiu 8.400. As entradas de africanos na praça mercantil carioca dobraram
em vinte anos. Já o tráfico baiano seguiu uma tendência inversa no mesmo período. Se entre
os anos de 1718-1722 o número de cativos desembarcados em Salvador era de 6.000 por ano,
no qüinqüênio de 1733-1737 caiu para 2.900. Em vinte anos a Bahia viu seu volume de
importação de escravos cair pela metade, além de perder para o Rio de Janeiro a primazia do
tráfico atlântico. Nunca mais a Bahia conseguirá recuperar o posto de principal praça
abastecedora de mão-de-obra para a América portuguesa.
A partir da tabela 1 notamos que o movimento de entrada de escravos no Brasil vindos
da região da Costa da Mina, principal parceira da Bahia na África, foi suplantado
definitivamente na década de 30 pela região de Angola, principal parceira do porto do Rio de
Janeiro.48 Se nas três primeiras décadas do século o comércio com a zona ocidental da África
representou cerca de 60% de todos os escravos exportados para o Brasil, no decorrer do século
esse percentual vai ser reduzido continuamente chegando na década de 80 à marca de apenas
14%! É significativo notar que é justamente nos últimos anos desta década que se iniciou a
recuperação do tráfico entre o porto de Salvador e a Costa da Mina. Os números referentes ao
último decênio do Setecentos (24%) e ao primeiro do Oitocentos (27%) nos mostram a
recuperação da importação de escravos da África Ocidental para a América portuguesa.
48 Das 21 fianças concedidas a comerciantes fluminenses para resgatarem escravos na África, 33 eram direcionadas para Angola e apenas 2 para a Costa da Mina. ANRJ, Códice 157, vols. 1 a 3.
29
Em contrapartida, a participação da região Congo-Angola no abastecimento de braços
para o Brasil seguiu um movimento inverso ao da zona ocidental africana. Se nos primeiros
trinta anos a quantidade de escravos da região desembarcados na colônia representava cerca de
40%, esse percentual na década dos anos 30, salta para 66%, continuando em ascendência,
chegando no decênio seguinte a marca de 70%. Tal escalada no número de cativos vindos da
região centro-ocidental africana se deveu a sua relação comercial com a praça do Rio de
Janeiro que a partir da segunda década do século XVIII começou a abastecer as regiões
mineradoras no Brasil, tomando um lugar que antes era ocupado pela Bahia. Com o aumento
da demanda mineira, aumentou também o número de navios que partiam para Angola na
busca de africanos.
Como podemos observar na tabela 1, após a década de 30, o número de escravos
desembarcados no Brasil com origem na região Congo-Angola nunca será inferior ao da Costa
da Mina. Dos cerca de 1.891.400 cativos exportados para a América portuguesa, 1.285.900
(68%) vieram da primeira região, enquanto 605.500 (32%), eram da parte ocidental do
continente africano. A África centro-ocidental no século XVIII se consolidou como principal
fonte abastecedora do Brasil, via Rio de Janeiro.
Contudo é importante apontar que, embora estivesse em declínio, o tráfico baiano não
deixou de existir. As levas de negreiros continuavam a aportar em Salvador de onde se
remetiam os escravos para as minas cada vez mais àvidas por mão-de-obra. Embora não fosse
mais o mercado preferencial e estratégico da reposição de cativos, atividade que o Rio de
Janeiro passou a desempenhar, a Bahia exercia um papel complementar da demanda mineira.
Era preciso sempre e mais africanos. Os angolas eram insuficiente para abastecer um mercado
insaciável.
30
Tabela 1 - Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem
(1701-1810)
Década Da Costa da Mina % De Angola % Total
1701-10 83.700 55 70.000 45 153.700
1711-20 83.700 60 55.300 40 139.000
1721-30 79.200 54 67.100 46 146.300
1731-40 56.800 34 109.300 66 166.100
1741-50 55.000 30 130.100 70 185.100
1751-60 45.900 27 123.500 73 169.400
1761-70 38.700 23 125.900 77 164.600
1771-80 29.800 18 131.500 82 161.300
1781-90 24.200 14 153.900 86 178.100
1791-1800 53.600 24 168.000 76 221.600
1801-10 54.900 27 151.300 73 206.200
Total 605.500 32% 1.285.900 68% 1.891.400
Fonte: CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, p. 207.
31
Atento a crise que se desenhava com o desaquecimento do tráfico na Bahia, o vice-rei
do Brasil, Conde de Vimieyro, em 1718, chegou a enviar para a corte de Lisboa uma proposta
para impedir, durante um ano, que navios brasileiros fossem fazer comércio com os africanos
da Costa da Mina, a fim de provocar um desentendimento desses com os holandeses, pela falta
de tabaco baiano. Isto resultaria numa reaproximação dos negros da dita Costa com os
portugueses, e na expulsão dos holandeses. A proposta não foi aceita pelo rei, entendendo que
a ausência de navios portugueses na Costa da Mina iria ocasionar uma maior aproximação
entre os africanos desta região com os holandeses. Além disso, tal proposta não era de
interesse dos negociantes baianos, pois eles defendiam que os escravos da Costa da Mina eram
mais procurados para trabalhar nas minas e nos engenhos do que os de Angola, que mais
facilmente morriam e suicidavam-se.49 Finalmente, essa idéia foi descartada com a posse do
novo vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses (futuro conde de Sabugosa), em
1720.
As conturbações políticas pelas quais passavam os portos na Costa da Mina, bem como
a subjugação do comércio português em relação aos batavos fizeram com que a coroa lusa
tomasse algumas providências. Em Lisboa, no ano de 1731, o Conselho Ultramarino
ressuscitou o plano sugerido pelo conde de Vimieyro, proibindo a navegação comercial saindo
de Salvador em direitura à Costa da Mina e instruindo para que fossem fazer o resgate de
escravos em portos portugueses na África. Além disso, a proposta consistia também na idéia
da criação de uma Companhia de Comércio. O vice-rei respondeu a Lisboa, baseado numa
requisição dos próprios comerciantes baianos que se opunham a qualquer modificação no
tráfico de escravos.50 Eles apontavam que antes de partir para fazer comércio com outros
portos na África era preciso conhecer a oferta desses lugares, pois afirmavam que a soma de
escravos que vinham da Costa da Mina anualmente (cerca de 11 mil) com os trazidos de
Angola (aproximadamente 7 mil que eram divididos entre Bahia, Rio de Janeiro e
Pernambuco), perfazia um número ainda insuficiente de braços para atender a demanda
baiana. Além dos bantos de Angola serem considerados inferiores aos africanos sudaneses,
não havia possibilidade imediata de se aumentar a oferta de escravos na região angolana, pois
49 Carta do vice-rei, Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.63. 50 Proposta de Lei examinada pelo Conselho Ultramarino em 15 de janeiro de 1731., apud, VERGER, Pierre, op.
32
para isso fazia-se necessário explorar melhor a região de Loango. Contudo, neste local, sem
defesa alguma, os navios ficavam expostos às ações de piratas e navios estrangeiros,
principalmente de embarcações holandesas. Lembravam também que duas expedições,
iniciadas em Salvador e no Rio de Janeiro em direção a Madagascar e Moçambique,
fracassaram, causando prejuízos vultosos para os sócios da empreitada. Expunham ainda que
as praças de Cachéu e de Cabo Verde possuíam baixa oferta de escravos, motivo pelo qual não
se direcionava para esta área, há mais de 15 anos, nenhum navio da Bahia. Eles ainda
argumentavam que se todos esses problemas fossem de alguma forma minimizados,
possibilitando uma maior entrada de escravos na Bahia, restaria uma última questão de difícil
equalização: o que fazer com a produção de tabaco de terceira qualidade cujo mercado
consumidor era a Costa da Mina? Sem o comércio com esta região, os lavradores de fumo
seriam arruinados e nenhum outro agricultor se aventuraria no cultivo de tal produto para
aproveitar apenas o tabaco de primeira e segunda qualidades. Perderiam os plantadores, os
comerciantes e até mesmo a fazenda real, pois esta deixaria de recolher os direitos de
produção e comercialização deste gênero.51
Além disso, os comerciantes de Salvador não queriam a criação de uma companhia de
comércio que ficasse sob o controle do reino, pois todas as classes da Bahia participavam de
alguma forma, direta ou indiretamente, do comércio de escravos, evidenciando que a
transferência das relações comerciais para uma companhia monopolista de Lisboa iria levar à
ruína a sociedade de Salvador.52 O que estava em jogo nesta disputa entre a Coroa e a Bahia
era a dissolução de laços políticos-econômicos desenvolvidos entre os comerciantes baianos e
os da Costa da Mina. O panorama previsto pelos negociantes baianos, endossado pelo vice-rei
do Brasil, com o fim do comércio entre a Bahia e a Costa da Mina, era de um grande prejuízo
para a colônia, focalizando, assim, certa dependência da economia brasileira em relação ao
mercado de escravos da Costa da Mina.
Apesar da intervenção do vice-rei, em 1731, foi votada uma lei em Portugal no qual
ficava proibido que embarcações portuguesas mantivessem relações comerciais com os
holandeses no Castelo de São Jorge da Mina ou em qualquer outra parte do continente
cit., 1987, pp. 73-4. 51 Carta do vice-rei para Lisboa em 3 de março de 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 74, nota 63. 52 Relatório de Antônio Cardoso da Silva, na qualidade de procurador dos negociantes baianos , em 7 de janeiro
33
africano, aconselhando que os navios se dirigissem aos portos portugueses na África.53 As
relações luso-holandesas estavam completamente deterioradas. Não surtiram efeito as
negociações diplomáticas conduzidas pelo embaixador português, D. Luís da Cunha, que fora
enviado para Haia para tentar resolver os litígios em mares africanos entre lusos e holandeses.
Alguns comerciantes baianos, contrariando as determinações vindas do reino,
continuaram a se dirigir regularmente aos portos africanos na área de influência da Holanda.
Ficavam desta forma à mercê de represálias holandesas, como o roubo aos navios que
ousavam fazer o percurso Bahia/Costa da Mina/Bahia, sem pagar o tributo de 10% no Castelo
de São Jorge da Mina. Os armadores João Ferreira de Souza e André Marques sentiram na
pele o poderio batavo, pois suas embarcações foram atacadas por uma galera holandesa no
porto de Jaquim, durante a tomada deste pelas tropas de Agaja, em 1732. Os navios ficaram
retidos no porto durante alguns dias, tendo sua carga de tabaco roubada.54 O resultado dessas
medidas era percebido no número cada vez menor de navios que retornavam da Costa da
Mina. As poucas embarcações que de lá conseguiram voltar, não chegavam a ter a metade do
carregamento de negros para o qual tinham sido arqueadas. Apenas duas teriam retornado para
a Bahia no ano de 1732.55
Num parecer enviado para Lisboa no ano de 1736, o desembargador Wesceslau Pereira
da Silva faz uma análise à corte portuguesa que fatores internos e externos estavam gerando o
empobrecimento da sociedade baiana.56 Os primeiros estariam relacionados à ostentação da
população baiana. Dizia que se gastava muito com luxos desnecessários. Para isso pedia que
se aumentasse o preço dos produtos estrangeiros em toda colônia. Já as razões externas eram
as mais graves. Apontava como causa da ruína dos fazendeiros e engenhos a queda do
consumo dos três referidos produtos (açúcar, tabaco e couro), principalmente o açúcar, que
teve sua venda prejudicada pelo aumento da produção dos estrangeiros em suas colônias. Os
preços dos escravos também continuavam altos. Não só o valor do escravo aumentara, mas
de 1731, apud, VERGER, Pierre, op. cit.,1987, p.74. 53 Carta do secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real, enviada ao vice-rei do Brasil, em 25 de maio de 1731, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 73. 54 Carta de João Basílio, diretor do forte português em Ajudá, enviada ao vice-rei do Brasil, em 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 155. 55 APEB, col. ms., Ordens Régias, carta de 12-1-1733. 56 Parecer do desembargador Wenceslau Pereira da Silva de 1736., apud, VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp.91-94.
34
também o do cavalo e dos bois pelo consumo e saída que tinham para as regiões das minas.
Desta forma as lavouras, fábricas e engenhos baianos ficam ressentidos de força motriz para
continuar a produzir. O comércio com a Costa da Mina era também motivo de preocupação,
uma vez que o número de navios que vai por esta carreira já não chega a metade do que era
anteriormente. Além disso, este passava por uma desordem tão grande que as poucas
embarcações que para lá se aventuravam, iam muitas vezes “umas sobre as outras”, não
permitindo um mínimo intervalo para o consumo da carga, fazendo com que todos os
comerciantes envolvidos no tráfico perdessem no negócio, sendo apenas lucrativo para os
negociantes africanos que, devido à alta oferta de fumo, elevaram o preço do escravo a
patamares exorbitantes. Para solucionar tal problema, o desembargador propõe algo já tentado
alguns anos antes: a criação de uma Companhia de Comércio portuguesa controlada pelo
Estado, como a que foi criada em 1649, com a intenção de revitalizar a entrada de escravos na
Bahia. Mais uma vez, tal proposta foi rechaçada pela comunidade mercantil de Salvador. Sem
dúvida, a diminuição do fluxo comercial no eixo Bahia/Costa da Mina representou um
enfraquecimento da economia baiana, acarretando o desmantelamento de várias empresas
envolvidas no tráfico de africanos entre Salvador e a Costa da Mina, resultando numa queda
da importação de mão-de-obra, mantendo em alta o valor do braço escravo no mercado
baiano.
Contava-se 146 engenhos na região da Bahia-Sergipe no ano de 1710. Em 1755, o
número de engenho era de 172 e, em 1758, de 180. Embora tenha aumentado o número de
unidades produtivas, a produção média global por engenho não seguiu tal tendência. A
produção total caiu de 507.697 arrobas em 1702, atingindo 400.000 em 1758.57 A construção
de pequenas unidades pode explicar o declínio da produção frente ao acréscimo do número de
engenhos. De todo modo a ampliação do número de engenhos na capitania baiana entre 1710 e
1758 foi de menos de uma unidade por ano.58
Esta fase de declínio econômico pode ser percebida também pela quantidade de caixas
de açúcar vendidos tanto para o mercado externo quanto para o mercado interno. Se no ano de
1734 foram exportadas para Portugal dez mil caixas de açúcar (c. 350.000 arrobas) referentes
às safras de 1732-33, as vendas para o exterior no ano de 1739 referentes as colheitas dos
57 SCHWARTZ, S., op. cit., 1999, pp. 150 e 169. O cálculo feito por Schwartz é de 35 arrobas por caixa.
35
quatro anos anteriores (1735 a 1738) foi igualmente de dez mil caixas do produto.59 No ano de
1731 a venda de açúcar branco e mascavo corresponderam respectivamente a 8.628 e 4.309
caixas (c.302.000 e c.150.815 arrobas respectivamente). No final do decênio, em 1740, os
valores respectivos caíram para 7.333 e 3.667 (c.257.000 e c.128.345 arrobas
respectivamente). Houve uma queda de 15% tanto na produção de açúcar branco como na de
mascavo.60 Numa época que o preço do açúcar esteve em queda no mercado internacional os
baianos se viam impedidos de recuperar os lucros no momento de baixa, pois não tinham
meios de aumentar a sua produção. Ademais, as regras de comércio do açúcar que Portugal
impunha à colônia, como por exemplo o sistema de frotas, causavam a deterioração da
mercadoria nas caixas enquanto ainda estava nos armazéns ou nas docas. O ápice desta crise
ocorreu justamente no ano de 1739, quando os negociantes da Bahia estavam altamente
endividados com as praças de Lisboa e do Porto. Os baianos já não tinham mais poder
aquisitivo para reabastecer-se de “fôlegos vivos”,61 gerando um grande empobrecimento, até
mesmo dos mais opulentos homens de negócio.62
O Conselho Ultramarino finalmente interveio junto aos comerciantes da Bahia
objetivando o reajustamento do tráfico de escravo para a Costa da Mina. Em 1743, teve fim a
liberdade para se ir à esta região africana buscar escravos. 63 Estabeleceu-se turnos para as
saídas de navios não só da Bahia como também de Pernambuco, cuja economia passava por
dificuldades muito maiores do que a baiana. Ficou determinado que os intervalos de saídas de
uma embarcação não poderiam ser inferiores a três meses e que a ordem de partida estaria
calcada em um sorteio. Aquelas que já tivessem sido sorteadas só poderiam fazer parte de um
outro sorteio depois que todas as outras tivessem feito sua viagem à Costa da Mina. O número
de navios baianos aptos a participar do tráfico no sistema de frotas era de vinte e quatro.
Houve muitos protestos por parte dos traficantes de Salvador contra esta decisão de Lisboa,
principalmente quanto ao total de navios que cada negociante poderia ter.
58 idem, p. 149. 59 GOULART, Maurício, Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 210-1. 60 SCHWARTZ, Stuart, op. cit., 1999, apêncice C, pp. 403-4. 61 GOULART, Maurício, op. cit., 1975, p. 166. 62 Carta de Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 63. 63 Aviso de Lisboa enviado para o vice-rei do Brasil, em 8 de maio de 1743., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 94-6.
36
Em 1751, ficou constatado que, embora o número das embarcações na frota fosse de
vinte e quatro, o número de senhorios era muito menor, pois alguns comerciantes de Salvador
possuíam mais de um navio no sistema, conduta que havia sido proibida pelo Conselho
Ultramarino. Na consulta, observou-se que quatro possuíam três navios: capitão Teodózio
Rodrigues de Faria e associados, Manoel Alves de Carvalho e associados, capitão Jácome José
de Seixas e associados e Joaquim Inácio da Cruz e associados; dois proprietários tinham dois:
Manoel Fernandes dos Santos Maia e Dona Teresa de Jesus Maria, viúva de Manoel
Fernandes da Costa; e oito outros possuíam um: Antônio Cardoso dos Santos, João Dias da
Cunha, capitão Bento Fernandes Galiza, capitão João Lourenço Veloso, capitão Antônio da
Cunha Pereira, André Marques, capitão Domingos Luís da Costa e o capitão João da Cruz de
Moraes.64 Como cada casa comercial ou cabeça de sociedade só poderia ter um navio, essa
situação era motivo de descontentamento na praça de Salvador devido às desigualdades das
conveniências de que uns poucos desfrutavam, em detrimento daqueles que sequer podiam
participar do tráfico. Foi feita uma nova divisão, em 1751, no número das embarcações pelo
vice-rei Luís Pedro Peregrino de Carvalho Meneses de Ataíde, o conde de Atouguia. Aos
comerciantes que tinham três navios foram tomados dois, e aos que tinham dois foi tirado um,
sendo estes navios redistribuídos aos primeiros pretendentes que ofereceram donativos à
Fazenda Real. A exceção se fez ao comerciante capitão Teodózio Rodrigues de Faria que,
tendo três navios só um lhe foi retirado, pois um deles foi comprado à própria Fazenda Real
por um preço excessivo, muito acima do valor de mercado. Este navio havia pertencido a
Domingos Ferreira Pacheco que o deixou de herança, no ano de 1747, devido a dívidas para
com a dita fazenda.65 Desta forma, o vice-rei evitava prejudicar aquele que contribuiu com
vultosas quantias à caixa do Governo. Suspeitava-se na época que o vice-rei estva associado a
alguns negreiros, entre eles estaria Teodózio Rodrigues de Faria. O capitão Faria era um
homem proeminente na sociedade soteropolitana. Em 1745, mandou construir por devoção a
capela dedicada ao Senhor do Bonfim, inaugurada em 1754, na colina Sagrada em Salvador.
64 Consulta feita pelo vice-rei do Brasil sobre a esquadra do tráfico, em 26 de fevereiro de 1751., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 96-7. 65 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d.
37
De Setúbal (Portugal) trouxe a imagem do Senhor Crucificado, colocando-a no altar da igreja
que viria a se tornar a mais popular da Bahia.66
A nova lista, elaborada pelo vice-rei em 30 de junho de 1751, era constituída pelos
seguintes proprietários: capitão Teodósio Rodrigues de Faria (2 navios), Joaquim Inácio da
Cruz, Dona Teresa de Jesus Maria, Manoel Ferreira dos Santos Maia, capitão Jácome José de
Seixas, Luís Coelho Ferreira, João Dias da Cunha, capitão João Lourenço Veloso, João
Cardoso de Miranda, Manoel Alves de Carvalho, Silvestre Gonçalves de Moraes, capitão
Antônio da Cunha Pereira, José Antunes de Carvalho, João Lopes Fiúza, Manoel Rodrigues,
Manoel Fernandes da Costa, Maurício de Carvalho, Bernardo da Silva Barros, Simão Pinto de
Queirós, Félix de Araújo Aranha, José de Souza Reis, Davi Lopes de Oliveira e João da Silva
Guimarães.67 Como podemos perceber, alguns nomes que compunham a antiga lista não mais
aparecem na nova, seja por motivo de falecimento, seja por abandono do negócio, seja por
fusões de empresas. O fato é que procurou-se estabelecer a ordem, dando a vinte e três
empresas o direito de traficar escravos para a Bahia. Quer dizer, a vinte e duas, pois o nome de
Manoel Fernandes da Costa aparece na nova listagem juntamente com o de sua mulher. A
família de Manoel Fernandes da Costa, desta forma, teve permissão para possuir dois navios
na frota. O curioso é que D. Teresa de Jesus Maria era viúva há pelo menos seis anos e
responsável pela empresa de seu falecido marido desde 1745.
Em virtude do estabelecimento do sistema de frotas, os produtores de tabaco da Bahia
passaram a ter dificuldades para fazer o escoamento de sua produção para o exterior,
principalmente para o continente africano. Tomando ciência do problema, o governo, de
tempo em tempo, permitia que negociantes com pequenas embarcações saíssem de Salvador
em direção à África, carregadas de tabaco, para trocar por escravos, remediando desta forma, a
não participação destes homens no sistema de esquadra. Era também uma forma de se evitar a
perda da mercadoria que ficava estocada em Salvador e manter a um bom preço o produto,
evitando prejuízos aos lavradores e comerciante deste gênero.68 Exemplo dessa medida foram
66 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 117, nota 13. 67 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d. 68 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d.
38
as duas viagens concedidas a Manoel Rodrigues Rios que pode remeter seu navio Bom Jesus
de Confiança e Nossa Sr.ª da Penha de França nos anos de 1750 e 1754 para Costa da Mina.69
Sete dos comerciantes que tinham permissão para ir à Costa da Mina (Bento Fernandes
Galiza, Domingos Luís da Cunha, Jácome José de Seixas, João Dias da Cunha, João Lourenço
Veloso, Luís Coelho Ferreira e Manoel Alves de Carvalho) se aventuraram na rota alternativa
de Benguela. Manoel Alves de Carvalho dono de cinco navios remeteu nos anos de 1749 e
1750, duas galeras (Bom Jesus das Pedras St.ª Rita e São Domingos e Bom Jesus do Além e
Nossa Sr.ª da Esperança) para a África Ocidental e outras duas galeras (St.ª Rita St.º Antônio e
Almas e Nossa Sr.ª do Rosário St.º Antônio e Almas) para a África Central Atlântica.70 João
Lourenço Veloso dividia também suas duas embarcações entre a Costa da Mina e Benguela.
Para a primeira região africana enviou em 1745, 1747 e 1750 seu iate Nossa Sr.ª da Ajuda e o
Sr.º Bom Jesus de Bouças e para a segunda região remeteu nos anos de 1747 e 1750 sua
curveta Nossa Sr.ª da Piedade e St.º Antônio.71 Outros nove traficantes não pertencentes a lista
pediram também permissão para comerciar escravos em Benguela. Se acreditarmos que esses
homens de negócios cumpriam com o escrito nos alvarás expedidos em Salvador a região
congo-angola transformou-se, durante os anos de crise na Costa da Mina, numa rota
alternativa para o abastecimento de escravos na Bahia. Porém, estes traficantes, tantos os que
faziam parte da lista quanto os ausentes, podem ter enviado suas embarcações para a região da
Costa da Mina de posse dos alvarás para navegar em direção a Benguela. Não havia
fiscalização possível para impedir que um capitão ao sair da baía de Todos os Santos guiasse
sua embarcação para os portos da dita Costa.
Com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo (1750-1775), futuro marquês de
Pombal (1770), foram criadas as companhias de comércio do Grão Pará e Maranhão e de
Pernambuco e Paraíba. Frente a impossibilidade de se criar uma na Bahia, foi instituída a
Junta de Inspeção do Açúcar e Tabaco pelas leis de 16 e 27 de janeiro de 1751, como forma de
controle do comércio na região. O desembargador Wenceslau Pereira da Silva, intendente do
ouro, foi nomeado presidente desta nova organização que contrariava os interesses da Mesa do
69 APEB, Códice 447. 70 APEB, Códice 447. 71 idem.
39
Bem Comum organizada e dirigida pelos principais negociantes baianos.72 Wenceslau que já
gozava de muito poder em Salvador, onde estava instalado desde 1727, passou a ter muito
prestígio com o primeiro ministro português, gerando um intenso conflito político com o vice-
rei, conde de Atouguia. Pesava sobre o vice-rei suspeitas de má administração e de relações
escusas com os traficantes pertencentes a frota dos vinte e quatro. Após uma série de
acusações de parte a parte, o vice-rei pediu demissão do cargo e permissão à Lisboa para
retornar a Portugal. Posteriormente, os aliados do conde de Atoguia foram perseguidos pelo
grupo de Wenceslau Pereira da Silva.73
Wenceslau Pereira da Silva, juntamente com o chanceler da Relação, Manoel da Cunha
Souto Maior e o arcebispo, D. José Botelho de Matos, ficaram responsáveis pela interinidade
do governo colonial, até o novo vice-rei, conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, ser
empossado. Os negociantes da Bahia excluídos do sistema de vinte e quatro embarcações, se
aliaram à tríade para pressionar o governo português a por fim a frota de negreiros.
Argumentavam que o comércio de escravos tornara-se monopólio de poucos e que por conta
do pouco volume de escravos desembarcados em Salvador, havia uma carestia de mão-de-obra
no campo.74
A pressão dos excluídos resultou na lei de 30 de março de 1756, editada pelo então
primeiro ministro de Portugal, que tornou livre o comércio para qualquer navio que saísse do
Brasil em direção a África, inclusive em portos da Costa da Mina. Mas as prerrogativas da lei
diziam que o diretor da fortaleza portuguesa em Ajudá não poderia deixar que mais de um
navio português fizesse, ao mesmo tempo, tráfico neste porto, tendo o cuidado de deixar
apenas um capitão realizando tal tarefa. Só após este concluir sua negociação, outra
embarcação poderia se dirigir ao porto para comerciar.75 Essa tentativa de reorganização do
tráfico por parte de Lisboa foi vista como desorganização na Bahia e insulto pelo rei do
Daomé. O conde dos Arcos, que já havia sido empossado como vice-rei, após receber a nova
regulamentação, não via boas perspectivas para o restabelecimento do tráfico baiano e
pernambucano, menos ainda para este último, que há alguns anos, deixara de existir, tamanhas
72 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 97. 73 idem, pp. 98-9. 74 Petição dos proprietários dos navios excluídos do tráfico, enviada à Sua Majestade em 1.º de dezembro de 1752, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 99-100. 75 Lei de 30 de março de 1756 liberando o tráfico para toda a África., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.
40
eram as dificuldades da época. Para ele, poucos eram os comerciantes que teriam recursos para
se aventurar no comércio de escravos como estava proposto. Profeticamente alertava que nos
dois ou três primeiros anos um grande número de homens se aventuraria novamente no tráfico,
na ilusão de lucro fácil. Contudo, eles logo perceberiam que não teriam condições de continuar
em tal empreendimento devido às dificuldades que se faziam presentes pela falta de meios,
experimentando novamente uma decadência que outrora já haviam experimentado.76
O alerta do vice-rei era pertinente, pois como ele colocou, ocorreu um pequeno
aumento da freqüência de navios na rota entre a Bahia e a Costa da Mina, logo nos primeiro
cinco anos após a lei, o que pode ser explicado como sendo uma euforia temporária. Se nos
últimos cinco anos de vigência da frota a média anual foi de 7,6 navios partindo para Costa da
Mina, nos cinco anos seguintes ao fim da lei, a média sobe para 13,8. Contudo, nos anos
seguintes, percebemos uma queda constante no número de viagens chegando o período de
1772-1776 a ter uma média de 7,4 expedições partindo de Salvador para a Costa da Mina,
resultado pior que os últimos anos da lei (ver anexo 1). Era preciso mais do que uma simples
lei liberando o tráfico para levantar o comércio da escravaria entre a Bahia e a Costa da Mina.
A reorganização do tráfico e a expansão da economia açucareira (c. 1775-1815)
Enquanto o comércio passava a ser controlado no porto de Ajudá , por outro lado, na
baía do Benin, em portos como Badagri, Porto Novo e Onim, o fluxo comercial se expandia.
Na década de 70 o movimento de trocas comerciais na rota Bahia/Costa da Mina voltará a
aumentar. Não só os traficantes saíram ganhando com a reorganização e expansão do
comércio negreiro. Os senhores de engenho e plantadores de açúcar também obtiveram
dividendos com essa nova situação. Com o aumento do volume de desembarcados e a queda
do preço do escravo no mercado baiano, foi possível que os senhores de engenho comprassem
um maior número de cativos e, conseqüentemente, expandissem a produção açucareira. Além
disso, o mercado baiano não tinha mais que disputar o braço africano com a região das minas,
pois esta já estava vivendo sua decadência na produção. Esse período, que se inicia a partir da
102-3. 76 Resposta do vice-rei, em 9 de agosto de 1756, à carta enviada pela Chancelaria., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 103-4.
41
década de 1780 e vai até 1830, ficou caracterizado, por Stuart Schwartz, como o do
ressurgimento da agricultura baiana.77
Segundo este autor, com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Mello ao cargo de
Primeiro Ministro (1750-1777), a colônia brasileira sofreu inúmeras reformas que objetivavam
a recuperação de sua economia. No que tange à Bahia, uma das medidas adotadas, durante o
governo de Pombal, foi a volta da liberdade para comercializar na África, em 1756. Os
resultados como já apontamos não foram os esperados. Em vez de diminuir o preço do
escravo, tal medida só fez desorganizar o comércio na praça de Ajudá, acarretando um
aumento do valor do cativo na Bahia. O sistema de frotas para Portugal também foi abolido
em 1765. Esta mudança foi bem aceita por toda a comunidade mercantil de Salvador. Tentava-
se, dessa forma, estimular o comércio colonial com os mercados exteriores. Procurou-se
também fazer uma reforma tributária, com a eliminação ou redução de vários tributos. Em
1776, reduziu-se os valores do frete, fixados em valores bem baixos, visando uma diminuição
dos custos para os senhores de engenho e incentivando o comércio.78 Aliado às medidas
internas, temos o reajustamento do comércio de escravos na Costa da Mina, que possibilitou o
reflorescimento da atividade agrícola na Bahia. Não só a produção de açúcar foi favorecida,
mas também a de fumo e couro.
Um outro evento de extrema importância foi a revolta de escravos na ilha de São
Domingos, em 1791. Essa colônia francesa nas Antilhas era a maior produtora de açúcar do
mundo. Durante aproximadamente uma década, travou-se nesta ilha uma intensa guerra que
resultou na independência do Haiti. A produção de açúcar local foi praticamente eliminada.
Face a este acontecimento, os baianos herdaram um imenso mercado consumidor
possibilitando a reestruturação de sua indústria açucareira.
Mas nem sempre o preço do açúcar no mercado internacional esteve em alta durante o
período de 1780-1830. Com a volta da paz na Europa e a recuperação das plantações
antilhanas, houve queda no valor do açúcar. Mesmo nestes períodos de fase B, a economia
baiana manteve seu crescimento calcada principalmente no aumento da produção de açúcar e
na intensificação da utilização da mão-de-obra escrava.
77 SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., 1999, cap. 15. 78 idem, p. 340.
42
Segundo dados reunidos por W. W. Posthumus, no mercado de Amsterdã, para o
período de 1799 e 1807, os preços do açúcar caíram a uma média anual de – 14%.; entre os
anos de 1813-1819, a queda foi de – 11% anuais.79 Se fizermos uma rápida observação nos
números apontados, poderemos de forma apressada e equivocada concluir que a Bahia
vivenciou uma nova crise. Contudo, a partir da leitura de outros dados poderemos perceber
que ocorreu justamente o oposto. As unidades produtivas de açúcar na Bahia aumentaram. Se
no ano de 1755 contavam-se 172 engenhos na capitania, em 1795 esse número atingiu 353,
pulando para 400 três anos mais tarde.80 Entre os anos de 1818 e 1820 o total de unidades
produtoras estava em torno de 340, chegando à marca de 583 no período de 1830-1834. Com
isso, a produção anual de açúcar que na década de 1770 foi estimada em 10 mil caixas, se
eleva no decênio seguinte, chegando nos anos de 1796 a 1811 a uma média de 16.300 caixas
de quarenta arrobas anuais.81
Da mesma forma, observando os dados coligidos no anexo 1, nota-se que no
qüinqüênio de 1788-92 a média anual de navios envolvidos no tráfico de escravo era de 10, no
lustro seguinte esse número chegou a 17,6 por ano, alcançando, entre os anos de 1808-1812, a
média de 29,6 embarcações anuais. No último período (1813-1815), a média de saídas dos
navios (25,3) aponta uma queda em relação ao qüinqüênio anterior. Tais números são reflexos
da conjuntura particular do período, quando navios brasileiros eram atacados a todo momento
pelos britânicos. Muitas expedições não se realizaram por receio de perdas. De trinta e nove
no ano de 1811, o número de licenças emitidas para navegar caiu para quatorze em 1814.
Voltou a subir no ano seguinte chegando a trinta e cinco, pois os traficantes estavam cientes da
iminência do fim do comércio legal de escravo na região africana na qual eles tinham
preferência.
A idéia de que a praça comercial de Salvador estava num processo de crescimento é
reforçada se observarmos os números referentes aos desembarques de africanos (cf. gráfico 2).
Percebemos o crescimento contínuo do tráfico desde a penúltima década do século XVIII até o
79 POSTHUMUS, W.W. Inquiry into the prices in Holland. Leiden, E. S. Brill, 1943, apud, FLORENTINO, Manolo. op. cit., 1997, p. 76. 80 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 74-5. No ano de 1755 os dados englobam 126 engenhos na Bahia e 46 no Sergipe; em 1795, 221 engenhos eram da Bahia e 132 do Sergipe; em 1799, 260 eram baianos e 140 sergipanos. 81 idem, p. 346.
43
ano de 1830 quando legalmente passa a ser proibido o comércio de escravo transatlântico. A
tendência ao aumento do número de desembarques indica o incremento do volume de
negócios e da própria economia escravista baiana que era provida de braços africanos através
do porto de Salvador.
De uma média anual de quatro mil e seiscentos escravos desembarcados no período de
1788-1792 este número subiu para sete mil e cem no qüinqüênio seguinte, atingindo a média
de sete mil e trezentos nos anos de 1803-1807. Num período de vinte anos a Bahia conseguiu
aumentar em aproximadamente 60% o movimento de africanos no porto de Salvador. Nos
intervalos seguintes, o volume de escravos aportados manteve-se em alta com exceção feita
aos períodos de conflitos na Costa da Mina (1813-1817) e nos anos imediatos da
Independência.
Portanto, todos esses dados nos mostram que uma economia “pré-industrial” podia
crescer mesmo em momentos de queda dos preços internacionais (fase B), mediante a
expansão da produção, demonstrando claramente uma certa autonomia frente aos mercados
externos.82 Os homens de negócio procuravam manter ou mesmo aumentar seus rendimentos
em uma fase B internacional com a implementação da produção, buscando a redução dos
custos frente um maior volume de mercadoria exportado. Obviamente, a reiteração no tempo
de tal expediente se tornaria inviável quando os resultados obtidos com as exportações não
pudessem cobrir mais os custos realizados na fabricação.83
Desta forma, a sociedade baiana conseguia se reproduzir a partir do incremento e da
expansão de sua indústria açucareira, sem alterar a organização social da produção. Com o
aumento do número de unidades de produção, aliado ao crescimento na importação de mão-
de-obra cativa, a Bahia pôde se restabelecer economicamente frente às flutuações do mercado
internacional.
82 FRAGOSO, João Luís & FLORENTINO, Manolo Arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 42. 83 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 77.
44
Capítulo 2 – ... e a oferta
Debate historiográfico: o tráfico e a dinâmica na África
A relação entre o comércio atlântico de escravos e as mudanças sofridas pelas
sociedades africanas pré-coloniais tem sido um dos principais pontos debatidos até hoje entre
as diversas gerações de africanistas. É bem verdade que em tempos pretéritos, mais
precisamente no século XVIII, surgiu a idéia de uma África eterna. De acordo a este ponto de
vista, as sociedades africanas que se encontravam na zona equatorial, a não ser quando muito
pressionadas pelas relações com os europeus, mudavam a passos glaciais.84
Archibald Dalzel, diretor do forte inglês e comerciante de escravos em Cabo Corso no
século XVIII, afirmava que o tráfico não afetava as sociedades africanas. Ele trabalhou com as
seguidas sucessões reais ocorridas no Daomé, para defender sua tese.85 Na passagem para o
século XX, Sir Harry Hamilton Johnston, figura de destaque na corte vitoriana e estudioso
amador, embora defendesse que as guerras e rapinagens geradas pelo comércio de escravos
tenha causado grande devastação no continente africano, apontou, com certo otimismo, que a
África podia recuperar seu estágio anterior ao tráfico ao longo de algumas poucas décadas de
paz e estabilidade política.86 Tanto Dalzel quanto Johnston partilhavam da visão de uma
África estática, da idéia de que as sociedades africanas eram fortes e capazes de sobreviver aos
anos de comércio de escravos e de contato com os europeus, sem terem suas estruturas
alteradas. Esta visão enfatizando as permanências, a estagnação e a resistência às mudanças
provinha das dispersões da documentação referente à África pré-colonial e dos conflitos de
interpretações causados pelas diferenças culturais entre os observadores europeus e
africanos.87 Somente com os historiadores contemporâneos foi possível alterar tais idéias.
No início dos anos 60 do século passado, Basil Davidson defendeu que o tráfico de
escravos teve conseqüências fortemente negativas sobre as estruturas das sociedades
africanas.88 Walter Rodney, afinado com Davidson, apontou que as exportações de africanos,
84 MANNING, Patrick. “Escravidão e mudança social na África”. In: Novos Estudos CEBRAP, n.º: 21, 1988, p. 8. 85 DALZEL, Archibald. The history of Dahomy and inland kingdom of Africa. Londres: s/ed., 1967. 86 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 8. 87 idem, ibdem. 88 DAVIDSON, Basel. Black mother: the years of African Slave Trade. Boston: s/ed., 1961.
45
foram causadoras de grandes prejuízos à economia e às estruturas políticos-sociais africanas.89
Numa linha contrária a destes dois estudiosos, John Fage defendia, ainda na década de 60, que
as mudanças ocorridas foram decorrências de fatores internos à África. O tráfico não teria sido
capaz de afetar as estruturas africanas.90 Nos anos 80, Joseph Miller, analisando a região
congo-angolana, sustentou que mais do que o tráfico, teriam sido os ciclos de doença, seca e
fome os causadores do impacto demográfico negativo, que provocaram mudanças estruturais
na África.91
Um ponto em comum une as quatro visões desses autores: a percepção de um
dinamismo africano, contrapondo-se a idéia de uma África estática (África eterna). As
discordâncias dizem respeito à importância dada aos aspectos externos nas mudanças. Tanto
Fage quanto Miller, minimizaram os aspectos externos, dando grande ênfase ao vetores
internos (domésticos). Tal análise passou a ser chamado de África emergente.92 Já Davidson e
Rodeney deram prioridade aos fatores externos nas suas análises sobre as transformações
africanas. Tal visão passou a ser denominada de Afrique engagée.
Na visão de John Fage, a partir da análise de sociedades da África Ocidental, os
processo internos a esta região teriam sido forte o suficiente para absorver, neutralizar e até
mesmo se beneficiar do comércio de escravos. Desta forma o tráfico negreiro fazia parte do
desenvolvimento político e econômico das sociedades africanas.93
Segundo os defensores da Afrique engagée, as sociedades africanas sofriam com o
engajamento no tráfico de escravos. A questão principal não era demográfica, pois Davidson e
Rodney entendem que não houve um declínio populacional africano. A tese estava calcada na
interrupção do desenvolvimento social e institucional. Rodney defendeu que o
subdesenvolvimento da África é decorrência de anos de comércio escravo. Por outro lado, sua
visão de uma forte coerção européia sobre os africanos a partir da relação comercial
desenvolvida entre os dois lados, onde os primeiros se sobrepunham aos segundos,
aproximava-se muito da idéia de uma África eterna, que fora defendida por Johnston. A
89 RODNEY, Walter. How Europe underdeveloped Africa. Londres: s/ed., 1972. 90 FAGE, John D. “Slavery and the slave trade in the context of West African history”. In: Journal of African History, 10 , 1969, pp.393-404. 91 MILLER, Joseph C. “The significance of drought, disease and famine in the agriculturally marginal zones of West Central Africa”. In: Journal of African History, 23 , 1982, p. 30. 92 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 10. 93 FAGE, John, op. cit., 1969, p. 400.
46
diferença é que Davidson e Rodney enfatizam os aspectos negativos do contato europeu para o
desenvolvimento africano.94
Rodney defendeu também que o comércio negreiro com os europeus, mediante
coerção, intensificou a escravidão na África, expandindo o número de cativos e os maus tratos
no continente. Tal posição é defendida por Paul Lovejoy como a “tese da transformação”.95
Ambos os autores entendem que tais mudanças foram originadas por fatores externos,
estranhos às estruturas político-econômicas africanas. Críticos dessa teoria, John Fage e David
Eltis apontaram que a escravidão era disseminada e inata na sociedade africana, como o era
também o comércio da escravatura. Para esses autores os europeus apenas se inseriram num
mercado pré-existente onde os africanos passaram a atender o crescimento da demanda
aumentando o volume de escravos oferecidos ao longo dos anos. Estava nas mãos de líderes e
mercadores africanos a decisão de comerciar cativos ou não. Não houve coerção para
participar do tráfico ou decisões irracionais tomadas pelos africanos.96 O tráfico atlântico
estava baseado, portanto, num bem desenvolvido sistema de escravidão, de mercado de
escravo e de redistribuição que pré-existia a presença dos europeus no continente africano.
Segundo John Thornton, a organização interna na África foi muito mais importante do que
qualquer fator externo para o desenvolvimento do comércio transatlântico de escravos.97
A maioria dos escravos que eram disponibilizados à venda externa eram aqueles
obtidos em guerras. Existiam também casos de senhores africanos que por algum motivo
resolveram colocar seus escravos a venda, e outros que por questões judiciais ou capturados
por bandidos tiveram sua liberdade tolhida e tornaram-se “artigo” de exportação.98 As guerras
ocorriam em faixas de terra no interior do continente africano. Os derrotados eram capturados
e feitos escravos pelos vencedores. Aqueles que não conseguissem um lugar dentro do novo
grupo social eram remetidos para o litoral para serem vendidos aos europeus. O que desponta
desta conduta é que os governantes africanos não vendiam seus súditos, mas pessoas estranhas
94 MANNING, Patrick, op. cit., 1988, p. 11. 95 LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 96 Cf. FAGE, John. “Slaves and society in western Africa, 1400 - c. 1700”. In: Journal of African History, 21, 1980, pp.289-310; ELTIS, David. Economic growth and ending of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987, pp. 72-8. 97 THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, cap. 3. 98 idem, p. 155.
47
à sua comunidade. Desta forma, as guerras exerceram papel crucial dentro da organização do
comércio de cativos na África.
Philip Curtin, estudando o tráfico negreiro na Senegâmbia no século XVIII, opôs a
visão de um modelo político de guerra - onde os conflitos ocorriam por problemas de cunho
político entre as nações africanas, que acabavam por gerar escravos, sem que este tivesse sido
o motivador das ações bélicas - ao de um modelo econômico – onde os combates aconteciam
com o objetivo de fazer escravos para serem vendidos aos mercadores externos. Curtin
concluiu que os conflitos ocorridos na Senegâmbia evidenciaram que lá as guerras tinham
propósito político.99
Contudo, não é fácil distinguir as guerras que foram travadas por questões políticas ou
econômicas. Thornton, analisando as guerras ocorridas em Angola, percebeu que a captura de
escravos tinha tanto um sentido econômico quanto político. Se por um lado possuir cativos era
uma garantia de geração de riqueza privada, por outro os escravos podiam ser utilizados pelo
Estado em cargos administrativos e em campanhas militares contra nações rivais na disputa
por poder. Com isto, uma simples ação ofensiva cujo objetivo era obtenção de escravos
acabava por adquirir conotações políticas, da mesma forma, que a eventual venda de alguns
cativos não nos leva a pensar que a guerra não tivesse algum caráter político.100
A associação entre as guerras travadas no interior da África com a venda de escravos
pode ser compreendida ao observarmos os exemplos das regiões de Benin e Congo. Ambos os
países foram tradicionais exportadores de africanos para as ilhas de São Tomé e Príncipe e
Europa até meados do século XVI. No caso do Benin aponta-se que no ano de 1550 o
comércio de escravos tenha sido interrompido. Já no Congo acredita-se que a venda de cativos
tenha cessado na virada do século XVI para o XVII, embora, em pequena escala ainda se saiba
que de portos congoleses tenha partidos negreiros carregados com africanos comercializados
no interior do continente.101 De todo modo, parece que a decisão de interromper o fluxo
exportador de escravos nestas duas regiões estava relacionada a mudanças de diretrizes
políticas, pois ambos os estados haviam cessado suas expansões - Benin em 1550 e Congo no
findar do século XVI. Guerras menos freqüentes significavam um menor número de escravos.
99 CURTIN, Philip. Economic change in precolonial Africa: Senagambia in the Era of the slave trade. Madison: s/ed., 1975. pp. 157-68. 100 THORNTON, John, op. cit., 2003, p. 157.
48
Talvez estes estados tenham atingido a demanda doméstica de cativos necessária para tocar
suas empresas exportadoras – no caso do Benin, tecido e pimenta; no Congo, tecido. No final
do século XVII e início do XVIII, devido às guerras civis, bem como ao aumento do preço do
escravo, ambas as regiões voltaram a atuar no tráfico internacional.102
Já a partir de meados do século XVII é possível notar um acréscimo no volume de
escravos exportados da África. Depois de 1650 houve um aumento da demanda por conta das
novas áreas agrícolas do Caribe, que se juntam as já existentes na América portuguesa, e a
chegada de europeus à costa africana, carregados de novos armamentos e tecnologias mais
avançadas que as portuguesas. Segundo as estimativas sobre africanos exportados, no ano de
1600 o volume foi de 9.500, atingindo 13.800 em 1650, saltando para 36.100 em 1700.103
Contudo, segundo Thornton, o crescimento da demanda significou um aumento quantitativo e
não qualitativo no comércio negreiro. Ao fim e ao cabo, a decisão de aderir ou não ao tráfico
recaia sobre os africanos.104
A expansão do estado Aladá, na segunda metade do século XVI e ao longo do XVII, o
surgimento do Império Oió, e a entrada no comércio de escravos de estados localizados na
Costa do Ouro, região anteriormente importadora de mão-de-obra, em torno de 1650,
propiciou à África Ocidental ter um espetacular crescimento na participação das exportações
de escravos. Em 1600, a região fora responsável pela venda de aproximadamente 5.000
cativos. No findar do século XVIII, este número chegou a cerca de 25.000 escravos, o que
representava mais da metade do total de exportação africana no período.105 Muitos africanos
vendidos em Aladá foram capturados durante as guerras de expansão de Oió no interior da
Costa da Mina. Foram também conflitos políticos desenrolados no interior os responsáveis
pelo aumento de cativos na região da Costa do Ouro.
Toda a região da Costa da Mina passou por uma reorganização militar com a criação
do exército de massa. Anteriormente as batalhas eram travadas com um número reduzido de
pessoas, em sua maioria militares que haviam sido capturados em guerras precedentes. Com o
aumento das tropas aumentou também o número de pessoas vulneráveis a serem escravizadas
101 idem, p. 168. 102 idem, ibdem. 103 idem, p.177. 104 idem, p. 175. 105 Idem, p. 177.
49
pelo lado vencedor. Juntamente com o surgimento de grandes exércitos cresceu a demanda por
armas de fogo. Desta maneira, a reorganização militar não se deu a partir da importação de
armas de fogo européias, mas sim por causas sociais internas e intrínsecas aos estados
africanos.106 Isto não significa que as novas tecnologias européias não tenham contribuído
para incrementar a apreensão de escravos. Portanto, as guerras e conflitos podem ter
contribuído para o crescimento do tráfico em algumas regiões africanas, como por exemplo na
Costa da Mina, porém isso não significa que a demanda tenha sido a causadora dos distúrbios
políticos.
Costa da Mina: local privilegiado para o comércio baiano
A Costa da Mina era a principal região para onde se dirigiam as embarcações negreiras
saídas da cidade de Salvador. Esta relação comercial iniciou-se ainda no século XVII. A
Bahia, até a década de 1640, era abastecida com escravos vindos da Guiné e de Angola.
Porém, com a ocupação holandesa nesta região africana, o envio de escravos para as terras
baianas foi prejudicado, pois os comerciantes da Holanda privilegiavam Pernambuco, que no
momento estava também sob domínio holandês. No ano de 1648, tropas financiadas e saídas
do Rio de Janeiro, comandadas por Salvador Corrêa de Sá, reconquistaram Luanda. A partir
de então formou-se um laço político-econômico entre os grupos dirigentes destas duas cidades
do Atlântico Sul. Governadores angolanos passaram a privilegiar, em fins do século XVII, o
envio da escravatura para o porto carioca em detrimento das outras regiões brasileiras, como
Bahia e Pernambuco.107 Tal conduta provocou um decréscimo de escravos no nordeste
brasileiro e um direcionamento dos navios baianos aos portos da Costa da Mina.
Além de Angola e Pernambuco, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em
1637, tinha tomado o castelo de São Jorge da Mina, principal forte-praça de comércio de
Portugal, na região da Costa da Mina. Os holandeses passaram, assim, a estabelecer pleno
controle sobre o comércio português naquela região africana. Apesar do tráfico na região do
Castelo ter sido proibido aos portugueses, segundo Verger, foram estabelecidas relações entre
106 idem, p. 182. 107 FERREIRA, Roquinaldo. “Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (séculos XVIII)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 342.
50
a Costa da Mina e a Bahia por três fatores. Em primeiro lugar, a Costa da Mina era o único
local em que os baianos conseguiam despachar seu fumo de terceira qualidade (refugo),
proibido de ser mandado para o reino português, que só importava o fumo baiano de primeira
e segunda qualidades. Em segundo lugar, a Holanda, que dominava esta região e possuía o
monopólio de comércio de produtos europeus com a mesma, via Companhia Holandesa das
Índias Ocidentais, só permitia a negociação de tabaco, favorecendo assim os baianos em
detrimento dos comerciantes reinóis e demais brasileiros que não produziam o fumo. Por fim,
um terceiro fator, favorecendo os baianos: a proibição dos comerciantes das praças do Rio de
Janeiro e das demais regiões brasileiras não produtoras de tabaco de irem comercializar na
Costa da Mina.108 Um decreto real de 12 de novembro de 1644 autorizava os navegadores,
carregados de tabaco de terceira categoria, a partirem da Bahia em direção à Costa da Mina
com a finalidade de resgatar escravos, uma vez que Angola ainda estava sob domínio
holandês.109 Desta forma desenvolveu-se um comércio peculiar entre a Bahia e a África
Ocidental, diferente do modelo clássico do sistema de viagens triangulares (Europa-África-
América-Europa), sob a forma de troca bilateral.
Os africanos tinham os escravos e os baianos o fumo. Mas não era um fumo qualquer.
Embora de terceira qualidade, o tabaco baiano era melhor açucarado, preparado com melaço
puro. Esta forma de confeccionar o fumo dava um aroma especial e o tornava muito apreciado
na Costa da Mina, tornando-se indispensável para o comércio de escravos nesta área.110
Estima-se que a Bahia, no início do século XVIII, tenha exportado para a Costa da Mina cerca
de 13 mil arrobas de tabaco por ano.111
Os quatro principais portos em que os comerciantes baianos negociavam na Costa da
Mina eram Grande Popó, Ajudá112, Jaquim e Epe (cf. mapa 2). Os holandeses que haviam
conquistado o Castelo de São Jorge da Mina permitiam que os negociantes de tabaco da Bahia
fossem até os portos africanos comerciar escravos. Contudo, antes de chegarem a um dos
quatro portos de trocas, os comerciantes baianos tinham que pagar aos holandeses, no castelo
108 VERGER, Pierre, Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 19-20. 109 idem, p. 21. 110 idem, ibdem. 111 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 157. 112 Este local tem outras formas de ser designado: Uidá, Judá, Fidá, Whydah, Ouidah, Glé Houé, Gregoy e Igéléfé.
51
de São Jorge, um tributo de 10% sobre toda a carga de fumo que carregavam no navio. Com
isso, as embarcações saídas da Bahia, que tinham carga média de 3.000 rolos de fumo,
pagavam de tributo às autoridades holandesas 300 rolos.113 Além do tabaco, os baianos
comerciavam também aguardente e ouro em pó contrabandeado das regiões auríferas do
Brasil.
Essa relação entre Bahia e Costa da Mina vai se estreitar ainda mais a partir da
expedição do Alvará de 1687. Tal documento indicava aos capitães que fossem buscar
escravos na África, a se dirigirem à região da Costa da Mina, pois o Reino de Angola (já
retomado pelos portugueses) passava por um surto de bexiga.114
113 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 35. 114 Alvarás de 1687 aos capitães das embarcações que iam traficar na Costa da Mina, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 58.
52
Mapa 1: Costa do Ouro, Costa da Mina e Golfo de Biafra
Fonte: SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003, p.56.
53
É possível estabelecer as principais áreas africanas de comércio com a Bahia. Verger já
apontou que ao longo do século XVIII o fluxo comercial baiano se dirigia preferencialmente
para a região da África Ocidental.115 A partir das licenças de viagens conferidas pela alfândega
da Bahia entre os anos de 1678 a 1775 pude constatar um total de 1535 expedições de resgate
de escravos em direção a portos africanos.116A tabela 2 aponta o destino das viagens negreiras
que partiram de Salvador sendo possível mensurar as flutuações da participação das principais
zonas africanas no comércio de cativos. Como podemos observar, o predomínio da região
ocidental, onde fica a Costa da Mina, foi total. A quantidade de expedições baianas para esta
localidade nunca foi inferior a ¾. Outro aspecto importante é a participação, mesmo que
pequena, das ilhas atlânticas no comércio de escravo. Embora não fosse uma área de produção
de cativos, ela servia como centro redistribuidor de escravos obtidos no continente desde o
início do tráfico e como entrepostos para o abastecimento dos negreiros baianos, funcionando
como um subsistema do circuito atlântico.117
A região Centro-Ocidental era destino de apenas 7% dos negreiros que de Salvador
partiam para a África. Essa rota teve um desenvolvimento maior no intervalo de 1718-1775,
em função das dificuldades surgidas, entre as décadas de 40 e 60, para os baianos realizarem o
tráfico na Costa da Mina. Embora fosse pequena a participação no desenvolvimento da
economia da Bahia, a região Congo-Angola era a principal região africana de comércio de
escravaria da cidade do Rio de Janeiro. Ainda na primeira metade do século XVIII tornou-se a
mais importante área de fornecimento de mão-de-obra para a América portuguesa.
115 A este respeito Verger já nos mostrou que o tráfico de escravos em direção à Bahia pode ser dividido em quatro períodos: 1.º O Ciclo da Guiné durante a Segunda metade do século XVI; 2.º O Ciclo de Angola e do Congo no século XVII; 3.º o Ciclo da Costa da Mina durante os três primeiros quartos do século XVIII; 4.º O Ciclo da baía de Benin entre 1770-1850. VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 9. 116 Verger conseguiu levantar para o mesmo período 1063 saídas de negreiros de Salvador, sendo 1024 para a costa da Mina e 39 para Angola e Congo. VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 651-2. 117 Sobre a participação das ilhas de São Tomé e Príncipe ver FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 117-24.
54
Tabela 2: Saídas de navios negreiros da Bahia para a África, de acordo à região africana de
destino, por grandes conjunturas (1678-1775)
Períodos África
Ocidental
% África
Central
% Ilhas do
Atlântico
% África
Oriental
% Total
1678-
1717
612 90,2 20 2,9 47 6,9 - - 679
1718-
1737
297 89,5 - - 35 10,5 - - 332
1738-
1775
407 77,7 92 17,5 21 4,0 4 0,8 524
Total 1320 a 86,0 112 7,3 105 b 6,8 4 0,3 1535
Obs: a – Foram incluídas quatro viagens nas quais não foi possível detectar os anos.
b – Foi incluída uma viagem sobre a qual não foi possível detectar o ano.
Fontes: Anexo 3
Uma ínfima participação da Costa Oriental africana no comércio escravista baiano
pode ser notada na tabela 2. Apenas quatro navios fizeram a viagem para Moçambique. No
ano de 1759 foram realizadas três: curveta Nossa Sr.ª da Atalaia e Bom Jesus das Portas de
propriedade de Domingos Rodrigues Chaves partiu em maio; curveta Nossa Sr.ª Mãe dos
Homens Vitória e Almas cujo dono era Manoel Inácio Ferreira, saiu em novembro; curveta
Jesus Maria José e São Francisco Xavier pertencente a David de Oliveira Lopes, saiu também
em maio. No ano de 1761 foi a curveta São Miguel o Anjo St.º Antônio e Almas de Luís
Coelho Ferreira que partiu para Moçambique para resgatar escravos.118 Temos notícias que
das três embarcações saídas no ano de 1759, apenas uma retornou a Bahia com 300 escravos.
Dos outros navios sabemos que um se perdeu na ida e a outro foi vendido com toda sua
mercadoria. Mais tarde o seu senhorio conseguiu recuperá-lo em Goa. Já a curveta saída no
ano de 1761 retornou com seu dono após este ter feito excelentes negócios em Quilimane.119
118 APEB, códice 447. 119 BNRJ, “Discurso preliminar. Histórico, Introdutivo, com natureza de descrição econômica da Comarca e
55
Outras três expedições, nos anos de 1774, 1775 e 1785, aportaram em Salvador vindas da
África Oriental e ao que parece tiveram êxito em seus negócios.120 De toda forma, da costa
oriental africana poucos foram os escravos levados para a Bahia. Dois fatores atuavam para
que a rota do Índico não figurasse no circuito comercial escravista baiano: a distância e a má
qualidade dos cativos. Segundo André de Melo e Castro, conde de Gauvêas, não seria rentável
montar uma grande expedição com navios de força para se ir negociar em Moçambique devido
aos perigos e dilações da travessia e a frouxidão dos africanos vindo de tal região para os
serviços de engenho, lavoura e trabalho nas minas.121
A partir de 1776 é possível estabelecer as principais áreas fornecedoras de escravos
para a cidade de Salvador, utilizando fontes que nos informam o desembarque e a origem dos
africanos. A este respeito, consultamos uma documentação que se encontra no Arquivo
Histórico Municipal de Salvador (AHMS). São livros de registros da chegada dos negreiros,
dos quais pudemos resgatar a proveniência. Na BNRJ, consultamos as informações presentes
nos jornal A Idade d’Ouro do Brasil, que regularmente informava a seus leitores sobre as
aportagens das embarcações vindas da África. Com tais fontes foi possível cobrir um período
de 1776 até 1824, sendo que para alguns intervalos não há informações (1778-9; 1783-87;
1800-01; 1820-21).
O gráfico 3 mostra a proveniência de 778 expedições negreiras que aportaram no porto
de Salvador entre 1776 e 1824. Comparando com o período anterior (1678-1775) a taxa de
participação da região da África Ocidental no abastecimento do mercado de Salvador caiu de
75% para 60%. Esse impacto negativo no fluxo de cativos vindo desta região africana, deve
Ter sido causado pelas ações da marinha inglesa, que passou a atacar navios baianos que para
esta área se dirigiam e aos efeitos do Tratado assinado entre Portugal e Inglaterra, em 1815,
que aboliu o comércio de escravos em portos africanos ao norte da Linha do Equador.
Podemos analisar esta queda no gráfico 3, ao analisarmos dois períodos distintos, aquele
anterior ao início das hostilidades inglesas e o posterior. Se entre 1776-1810 a participação
Cidade da Bahia”. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1906, p. 346. 120 idem, ibdem. 121 APEB, col. ms., Ordens Régias. Vol. 35, p. 54.
56
Gráfico 3: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros
aportados em Salvador, 1776-1824
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1776-1810 1811-1824 1776-1824
%
África Ocidental África Central Atlântica África Oriental
Fonte: Anexo 4.
57
Gráfico 3.1 - Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros aportados
em Salvador vindos da África Ocidental, 1776 – 1824
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1776-1810 1811-1824
%
Costa da Mina São Tomé e Príncipe Outros
Fonte: Anexo 4
58
desta região era de cerca de 71%, no período de 1811-1824 caiu para aproximadamente 42%.
Embora tenha ocorrido uma queda, a região da África Ocidental ainda foi a majoritária no
fornecimento de africanos para a Bahia entre 1776-1824 - cerca de 60% contra 36% de
participação da região congo-angolana. Após 1815, a Idade d’Ouro do Brasil registra apenas a
chegada de 13 expedições vindas da África Ocidental. Não é improvável que embora
declarassem partir e retornar de portos africanos abaixo da linha do Equador, muitos destes
traficantes baianos continuassem a comerciar escravos na Costa da Mina.
O gráfico 3.1 analisa as principais zonas fornecedoras de escravos dentro da África
ocidental. É evidenciado que a participação da região da Costa da Mina nunca foi inferior a
85% dos aportamentos de negreiros provenientes da África Ocidental, cabendo as Ilhas de São
Tomé e Príncipe uma participação residual neste comércio. Estas ilhas desempenhavam um
papel de redistribuição dos cativos apreendidos no continente, principalmente do Gabão.
Embora as dificuldades causadas pelos ingleses desde 1811 e o Tratado de 1815 tenham
abalado os negócios baianos na Costa da Mina, esta região ainda permaneceu por muitos anos,
mesmo na forma de contrabando, como área exportadora de cativos para a Bahia.
Outros dois aspectos importantes foram o crescimento de aportagens vindas da zona
congo-angolana e o aparecimento, mesmo que diminuto, de navios oriundos da África
Oriental. Afora as quatro viagens feitas nos anos de 1759 e 1761, o intercâmbio com esta
região africana sempre foi escasso. Essas novas viagens – 11 da Ilha de Moçambique e 4 de
Quilimane - demonstram como os baianos tiveram que diversificar seus investimentos em
território africano a partir do segundo decênio do século XIX.
A África Central Atlântica sempre desempenhou o papel de fonte alternativa para os
traficantes baianos. A partir de 1811, frente às dificuldades surgidas para se comercializar
escravos na África Ocidental, se consolidou como a principal região fornecedora de mão-de-
obra para a Bahia. O volume de negreiros vindos da região congo-angolana em termos
proporcionais aumentou consideravelmente. Houve um salto de 500%! na participação das
taxas no fluxo de navios entre a Bahia e a região congo-angolana comparando os períodos
anterior e posterior a 1775 – 7% contra uma taxa de 36%. Entre os anos de 1776 e 1810 a zona
Central-atlântica foi responsável por aproximadamente 30% dos navios aportados em
Salvador. No período posterior (1811-1824) esta região foi responsável por mais da metade
(54%). A intensificação dos negócios nesta região se fez mediante a incorporação de novos
59
Gráfico 3.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros
aportados em Salvador vindos da África Central Atlântica, 1776 - 1824
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1776-1810 1811-1824
%
Luanda Benguela Cabinda Molembo Outros
Fonte: Anexo 4
60
portos ao circuito comercial escravista. Observando o gráfico 3.2 percebe-se que até 1810 os
dois únicos portos de contato dos traficantes baianos eram Luanda e Benguela, na parte
centro-sul de Angola. Já no período de expansão comercial ocorreu um decréscimo da
participação destes portos. Só há um registro de chegada de embarcação vinda de Benguela
após 1810. Luanda, que até 1810 era responsáveis por 62,8% do fluxo comercial entre a África
Central Atlântica e a Bahia, teve uma queda de 80% na sua participação deixando de ser o
principal centro exportador de africanos da região, papel este que passou a ser desempenhado
por dois novos portos ao norte, Molembo e Cabinda, que juntos participaram em
aproximadamente ¾ das expedições angolanas enviados à Bahia entre os anos de 1811 e 1824
– 45% e 28% respectivamente. Este padrão também é verificado para o Rio de Janeiro.
Luanda e Benguela eram as origens de 96% dos negreiros atracados no porto carioca entre
1795 e março de 1811. No período de junho de 1811 a 1830, a participação destas áreas caiu
para 48% enquanto a outra metade comprava escravos nos portos do norte, onde Cabinda
passou a se destacar sendo responsável por 35% dos movimentos comercias entre Rio de
Janeiro e Angola.122 É possível que este deslocamento estivesse relacionado à resolução, em
prol de Portugal e do Brasil, da chamada "Questão Norte", relativa ao fim da presença de
traficantes franceses, ingleses e holandeses ao norte de Luanda.123
A Bahia se fez presente na Costa da Mina
Após a análise das principais fontes de cativos para a Bahia demonstrar a importância
da região da África ocidental, devemos expor como essa relação se formou. Durante todo o
século XVIII e os primeiros anos do Oitocentos, a comunidade mercantil baiana constituiu
fortes laços comerciais e mesmo políticos com os africanos da Costa da Mina. Esta
proximidade entre as duas regiões ocasionou reações contrárias vindas da metrópole
descontentes com a liberdade de comércio dada aos baianos e de suas ligações com
mercadores de nações estrangeiras e rivais de Portugal, como os holandeses. Foram várias as
disputas travadas entre os comerciantes baianos como situados no reino. Reflexo dessas
contendas foi a tentativa frustrada dos traficantes de Salvador de formar e controlar uma
122 FLORENTINO, Manolo, Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, Apêndice 13, p. 234. 123 BIRMINGHAM, David. Trade e conflict in Angola. Oxford: Claredon Press, 1966, p.p. 131-61.
61
companhia de comércio no início do século XVIII que tivesse o monopólio da compra de
escravos na África e o abastecimento no Brasil, excluindo a participação dos reinóis. A Coroa,
mediante o governo da Bahia, negou autorização para a constituição de tal empreendimento,
alegando que o preço dos escravos iria se tornar ainda mais exagerado, podendo levar à ruína
os proprietários de engenhos de açúcar.124 Contudo, nada foi capaz de impedir a manutenção
do comércio entre as duas regiões. Mesmo com a proibição do tráfico ao norte da Linha do
Equador, em 1815, navios baianos continuaram a se dirigir para a Costa da Mina até 1850,
quando foi abolido definitivamente o comércio de escravos.
No ano de 1721 foi erguido um forte em Ajudá (Fortaleza Cesária), pelo traficante
baiano e capitão de mar e guerra Joseph de Torres, com a autorização do vice-rei no Brasil,
Vasco Fernandes César de Menezes. As despesas desta fortaleza estavam a cargo da
Capitania da Bahia. A construção deste forte-feitoria pode ser entendida como uma
tentativa dos comerciantes baianos de se fortalecerem diante do comércio em Ajudá,
principal porto de resgate de escravos na África, atividade esta que já demonstrava
dificuldades. Além disso, os portugueses percebiam com esta iniciativa a possibilidade de
resgatarem seu prestígio na Costa da Mina depois de quase 80 anos, quando perderam para
os holandeses o Castelo de São Jorge da Mina, podendo transformar esta fortaleza numa
base para uma eventual reconquista dos territórios perdidos. Finalmente, poderia servir
para proteger de possíveis agressões dos holandeses os navios do Brasil que se dirigiam
para esta localidade.
O capitão Joseph de Torres, um dos comerciantes mais bem sucedidos na cidade de
Salvador, era o mais entusiasmado com a iniciativa da construção de um forte português na
Costa da Mina. Ele tinha fortes ligações pessoais e era bastante influente no continente
africano, onde mantivera relações comerciais com os holandeses no Castelo de São Jorge da
Mina e com os ingleses no castelo do Cabo Corso e no forte William, em Ajudá. Entretanto,
seus negócios nem sempre ocorriam por meios legais, como o contrabando de ouro e de
produtos europeus. E foram essas atividades anteriores empreendidas pelo capitão de mar e
guerra que fizeram com que ele caísse em descrédito junto ao vice-rei no Brasil, que em 1722
124 Despacho do Governador baiano D. Rodrigo da Costa datado de 9 de outubro de 1702, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.61.
62
o enviou para Lisboa para que resolvesse seus problemas com a justiça, onde acabou preso e
seus bens apreendidos e vendidos.125
Francisco Pereira Mendes foi nomeado diretor da fortaleza portuguesa em Ajudá,
exercendo esta função de 1721 até 1728, ano de sua morte. Contudo, os resultados
esperados pelos traficantes e pelo governo português com a construção do forte não se
concretizaram, pois o prédio não foi erguido no litoral, mas no interior das terras em
Ajudá, ao contrário das possessões francesas e inglesas que se encontravam melhor
instaladas (bem em frente ao mar) e melhor equipadas. Desta forma, a idéia dos
portugueses de se fortalecerem na praça de Ajudá, encontrou a concorrência de outras
nações européias.
Em 1730 Joseph de Torres voltou a freqüentar o cenário colonial. Tendo perdido a
confiança do vice-rei, ele se aliou a D. Lourenço de Almeida, governador e capitão-geral das
Minas, que tinha péssimas relações com Vasco César de Menezes. Joseph de Torres atuando
ao lado do governador passou a acusar o vice-rei de negligência na repressão ao contrabando
de ouro, no qual foi ele próprio um dos organizadores e mais bem informados sobre o assunto.
Ao mesmo tempo, voltou a traficar no continente africano onde construiu uma nova fortaleza
portuguesa, desta vez no porto de Jaquim, fortaleza essa que para João Basílio, diretor do forte
de Ajudá (1728-1743) e aliado do conde de Sabugosa, não passava de um baluarte mal
conservado, encontrando-se sua edificação em ruínas.126 O vice-rei chegou a sugerir em
resposta a um ofício do rei que tal fortaleza tratava-se de “... umas poucas palmeiras cortadas e
entulhadas no terreno da praia cobertas com alguns tijolos e que já se encontrava arruinada
pelas águas do mar”.127 De todo modo, Joseph de Torres cobrava das autoridades lisboetas
mercês por seus préstimos à Coroa portuguesa em terras africanas. Para seu azar, o porto de
Jaquim foi invadido pelas tropas do Daomé em 1732, tendo Joseph de Torres que se refugiar
em Epe, localidade a cerca de dez léguas de Jaquim cujas autoridades e população tinham
aversão aos daomeanos.128 Era o fim da carreira de Joseph de Torres no circuito atlântico.
125 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 65-6 e 138-9. 126 Carta de João Basílio, diretor da feitoria portuguesa de Ajudá, enviada em 20 de maio de 1731 ao vice-rei do Brasil conde de Sabugosa, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.153-4. 127 Resposta do vice-rei em 16 de junho de 1731 ao ofício do rei português, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.151-3 128 Carta de João Basílio, diretor da feitoria portuguesa de Ajudá, escrita em 8 de setembro de 1732, apud,
63
A invasão de tropas daomeanas em Jaquim foi um dos diversos eventos da conturbada
situação política que a Costa da Mina passou a vivenciar desde as últimas décadas do século
XVII. Estes conflitos estavam relacionadas à complexas disputas políticas que ocorriam no
interior da África Ocidental. Após ter atuado como um Estado mercenário no início das
guerras na Costa da Mina, o reino do Daomé passou a atacar as suas nações vizinhas no
interior do continente num franco processo de expansão. Em 1724, as disputas políticas entre
os diversos reinos africanos alcançaram o litoral da Costa da Mina, culminando, em 1727, com
a invasão e conquista de Agaja, rei do Daomé, no porto de Ajudá. É possível mensurar o
resultado de tal ação a partir de um relato feito por Francisco Pereira Mendes, diretor da
feitoria portuguesa de Ajudá (1721-1728), ao vice-rei no Brasil. Na carta ele conta que houve
pouca resistência dos habitantes de Ajudá que caiu frente ao novo soberano em cinco dias. O
número de mortos passou dos cinco mil e o de prisioneiros ficou entre dez a onze mil. O rei de
Ajudá retirou-se para ilha de Popo. A maior parte dos brancos que ali se achavam foram feitos
prisioneiros, como os portugueses, os ingleses e os franceses. Suas feitorias foram arrasadas e
queimadas. Só escaparam aqueles que conseguiram refúgio na fortaleza francesa, a única que
permaneceu inteira. Entre os que se refugiaram estava o próprio Francisco Pereira Mendes,
que depois de 15 dias turbulentos, se reuniu com o rei Agaja para tratar de negócios ficando
bastante satisfeito com os novos modos do rei.129 Tais acontecimentos internos na África
agravaram ainda mais a situação do já debilitado comércio de africanos.
Numa tentativa de garantir seus direitos costeiros, Oió, reino que, durante as primeiras
décadas do século XVIII, dominou o comércio de escravos no interior da Costa da Mina,
interveio no Daomé, entre 1726 e 1730, para obter os tributos aos quais tinha direito e também
para preservar suas rotas comerciais no litoral. Como resposta, Dadá, denominação que
recebiam os reis do Daomé pelos autores do século XVIII,130 atacou e conquistou em 1732,
como mencionado anteriormente, o porto de Jaquim, que estava na área de influência do reino
de Oió. O governo e os principais comerciantes deste reino começaram a procurar novas
saídas para o mar.131
VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp. 154-5. 129 Carta de Francisco Pereyra Mendes, diretor da feitoria portuguesa em Ajudá, para o vice-rei do Brasil, escrita em 4 de abril de 1727, apud, VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp. 144-5. 130 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 205, nota 3. 131 LOVEJOY, Paul E, op. cit., 2002, pp. 136-7.
64
Estas ações belicistas dos daomeanos na Costa da Mina foram feita com ajuda de
armas de fogo e munições européias conseguidos a partir do tráfico de escravos. Tais
armamentos foram importantes na consolidação e expansão de Estados africanos como o
Daomé.132 Contudo, não teriam sido o motivador das ofensivas dos exércitos. A expansão
inicial de algumas nações na Costa da Mina ocorreu antes da chegada das novas tecnologias,
mediante a utilização de grande massa humana e de equipamentos como arcos e flechas. Só
mais tarde se armaram com mosquetes. 133 É muito provável que os traficantes de Salvador
comerciassem armas de fogo e munições com os africanos, embora fosse interdito pelos
alvarás de navegar concedidos pela alfândega da Bahia.
As guerras desencadeadas pelo reino do Daomé criaram mais empecilhos para os
negócios dos negreiros no litoral africano. O vice-rei do Brasil alertava, no fim da década de
vinte, que navios que haviam saído da Bahia e de Pernambuco a mais de um ano, ainda não
tinham retornado. Outras embarcações regressadas chegaram a levar 16 meses na viagem!
Geralmente essas expedições não passavam, nem quando muito esticadas, de 6 meses.134 Essa
demora era reflexo da dificuldade que se tinha para trazer os escravos do interior africano para
serem embarcados no litoral, devido às disputas políticas travadas entre os diferentes reinos
africanos, que obstruíam as rotas terrestres por onde passavam os comboios de negros
aprisionados.
Durante toda a década de 30 o comércio na região do porto de Ajudá continuou a se
deteriorar. A morte de Agaja e a subida de seu filho Tegbessu (c.1740-1774) ao trono do
Daomé, não melhorou a situação dos interesses portugueses na região. João Basílio, residente
em Ajudá há vinte anos e então diretor do forte português, foi preso e o forte luso destruído
em 1743. As acusações que pesavam sobre Basílio eram de que ele mantinha relações há
muito tempo com os refugiados de Ajudá na ilha de Popo e com outros africanos pertencentes
a Estados rivais ao Daomé. Junto a esses africanos, João Basílio estaria tramando uma
conspiração contra o Estado daomeano a partir de reuniões diárias que ocorriam na feitoria
portuguesa e com a venda de fuzis, pólvora e outras mercadorias. O diretor do forte estava
132 SILVA, Alberto da Costa e., Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003, p. 19. 133 THORNTON, John, op. cit., 2003, p. 182. 134 Carta do vice-rei português no Brasil para Lisboa, em 29 de abril de 1730., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp.146-9.
65
dificultando também que os capitães baianos aportados em Ajudá negociassem livremente o
ouro contrabandeado com os daomeanos. Tal comércio teria que ter o próprio João Basílio
como intermediário. Esta conduta levou a uma escassez do metal dourado em terras do
Daomé.135
Com a intervenção do diretor do forte francês, Sr. Levet, Tegbessu permitiu que todos
os portugueses que haviam sido presos, entre eles João Basílio, pudessem ser soltos e
mandados de volta para o Brasil. Foi o mesmo Sr Levet que começou a reconstrução do forte
português em Ajudá nomeando o antigo capelão, padre Martinho da Cunha Barbosa, que
também estivera preso, como diretor interino.136 Por traz de toda ajuda francesa estava o
interesse de manter o bom comércio entre europeus e africanos nesta região. Sr. Levet temia
que morrendo os portugueses nas mãos dos daomeanos, o Daomé poderia se transformar num
açougue onde nenhum branco mais estaria seguro para comerciar. O diretor francês esperava
também a gratidão dos negreiros brasileiros transformando o forte de Saint-Louis de Grégoy
em local privilegiado de troca do ouro do Brasil por mercadorias européias.137
Em 1750, as relações das autoridades lisboetas e baianas com as do Daomé ainda
continuavam estremecidas, devido às atitudes autoritárias destas, nos últimos anos, como a
destruição do forte português em Ajudá, as prisões arbitrárias de dirigentes lusos e as relações
pessoais que o governo daomeano manteve com Francisco Nunes Pereira, um antigo
comerciante baiano, que andou prejudicando os negócios do Império português, e que fora
colocado em degredo perpétuo no presídio de Benguela. Dadá também não estava satisfeito
com a lei de 1743, que limitou o número de navios aptos a negociar em portos de seu domínio.
Ainda no ano de 1750, Tegbessu enviou para Salvador uma embaixada com a intenção de
estreitar os laços comerciais entre seu reino e a Bahia.138 Parece, no entanto, que as iniciativas
diplomáticas daomeanas não surtiram efeito, pois embora a Lei de 1756 tenha tornado livre a
navegação para qualquer porto africano dos navios saídos do Brasil, não poderia acontecer de
mais de um navio estar comerciando no mesmo porto. Cabia as autoridades portuguesas na
135 Carta do Sr. Levet, diretor do forte francês de Saint-Louis de Grégoy em Ajudá, para a Cia. das Índias enviada em 20 de agosto de 1743., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 173-7. 136 idem, ibdem. 137 idem, ibdem. 138 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 189.
66
África a observância desta regra. No caso do porto de Ajudá esta tarefa foi encarregada ao
diretor do forte luso.
O rei do Daomé ficou insatisfeito com a resolução de 1756. Ele queria ver mais navios
no porto de Ajudá, para que o comércio de cativos reflorescesse. Os daomeanos reclamavam
que a espera dos navios baianos e pernambucanos para ocupar a vez no porto para negociar
estava acarretando a deterioração do tabaco, que chegava nas mãos dos africanos muitas vezes
já em estado de podridão. Outra queixa, que gerava mais indignação, era que muitos
comerciantes brasileiros já não mais se dirigiam para o porto de Ajudá, pois sabiam que lá
teriam que esperar “numa fila” a vez de comerciar. Estes homens passaram a levar suas
embarcações para portos mais a leste da Costa da Mina como Porto Novo, Badagri e Onim
(atual Lagos, cidade nigeriana), lugares fora da esfera de poder do rei Tegbessu.139 E mais,
reclamavam que há muito tempo os comerciantes baianos não mais traziam ouro, produto que
foi bastante contrabandeado desde as minas no Brasil até a Costa da Mina durante boa parte do
século XVIII.140 Esse sumiço era reflexo direto da crise pela qual passava a mineração na
América portuguesa desde a década de 50.
O tenente Teodósio Rodrigues da Costa que tinha sido nomeado interinamente no
cargo de diretor da Fortaleza portuguesa em Ajudá (1751-59) passou a ser pressionado pelas
autoridades daomeanas, que o viam como responsável pela nova maneira de comerciar
estipulada em 1756. Eles insistiam junto ao diretor do forte para que permitisse que mais de
uma embarcação atracasse no porto para negociar. O rei do Daomé queria liberdade total para
os navios portugueses. O então diretor Teodósio da Costa pediu ajuda às autoridades de
Salvador e de Lisboa para resolver tal problema. Entretanto, não recebeu resposta, ficando
passivo diante das pressões de Dadá. O resultado de tal negligência portuguesa foi a expulsão
do tenente Teodósio de Ajudá, em 1759.141 O infeliz tenente ainda sofreu um processo em
Lisboa por abandono de cargo. Porém, acabou absolvido no ano de 1761.142
Ao mesmo tempo que o comércio de escravos declinava em áreas sob domínio do
Dadá, novos portos eram abertos a leste da Costa da Mina, tais como Porto Novo, Badagri e
139 Carta do tenente Teodózio Rodrigues da Costa , diretor interino do forte português em Ajudá, a respeito dos movimentos das embarcações, em 10 de março de 1758., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 195. 140 Carta de 10 de novembro de 1767 do diretor do forte José Gomes Gonzaga Neves ao arcebispo governador interino da Bahia, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 203-4. 141 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 109-10.
67
Onim. Nestes locais os capitães podiam fazer seus negócios, todos ao mesmo tempo, sem
obstáculos e com ajuda do preto João de Oliveira.143
João era um ex-escravo que retornou à África no início da década de 1730. Se
estabeleceu a leste da Costa da Mina, onde com recursos próprios abriu os embarcadouros de
Porto Novo, antes de 1758 e um segundo, por volta do ano de 1765, na ilha onde ficava a
cidade Estado de Onim (Eko).144 Nas terras africanas, João de Oliveira atuou como cabeceira e
valido dos reis africanos, defendendo os interesses dos comerciantes baianos e
pernambucanos, sustentando à sua custa em algumas ocasiões várias guerras, a fim de que os
navios que se achavam para aqueles portos, não sentissem algum prejuízo de roubos e de
palavras por parte dos africanos, achando-se sempre pronto para os ajudar e para fazer sair as
ditas embarcações com brevidade.145 Para sua infelicidade, ao retornar no ano de 1770 para a
cidade de Salvador, onde pretendia passar os últimos dias de sua vida em meio aos cristãos, o
preto João foi preso pela acusação de contrabando ao desembarcar na curveta Nossa Sr.ª da
Conceição e São José de Jacinto José Coelho, na qual trazia mercadorias africanas para
comercializar. Todos os seus bens foram seqüestrados, incluindo toda sua escravaria vinda da
Costa da Mina. João de Oliveira teve o apoio do governador da Bahia, conde de Pavolide, e
dos negociantes de Salvador, que juntos remeteram uma carta ao rei português e um abaixo-
assinado, pedindo que intercedesse para que João fosse posto em liberdade e tivesse seus bens
devolvidos. Os dois principais argumentos à sua defesa era que João de Oliveira havia
prestado grandes favores aos comerciantes da praça baiana e pernambucana na costa africana,
além de ser um fervoroso cristão, ajudando com muitas esmolas as obras da Igreja, tanto na
América portuguesa quanto na África. Os pedidos em prol de João não surtiram efeito, pois ao
fim da devassa, em junho de 1770, ele foi condenado e encarcerado em Salvador.146
Os capitães de navios mercantes e representantes da companhias comerciais européias
puderam sempre contar com alguns intermediários no continente africano, como o preto João.
No século XVI e XVII, os portugueses se valiam dos “lançados” (colonizadores independentes
no continente africano) como parceiros na região da Senegâmbia e da Guiné. Muitos desses
142 idem, p.197. 143 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 144 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p. 119. 145 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 146 idem.
68
colonizadores independentes no final do século XVI ocupavam postos de expressão nos
Estados da Senegâmbia. Alguns constituíram matrimônio com africanas e fundaram
povoamentos. A maioria dos lançados era proveniente do arquipélago de Cabo Verde e
cristãos novos portugueses.147 Nos séculos XVIII e XIX, os intermediários passaram a ser, em
sua maioria, brasileiros ou africanos retornados. Esses homens de negócio encarnavam
interesses comerciais de portugueses, franceses, ingleses, holandeses, espanhóis e alemães.
Chegavam a fornecer mercadorias a crédito, dispunham de armazéns, barracões, infra-
estrutura para embarque e desembarque, e até navios. Alguns atuavam ao mesmo tempo para
empresas baianas, havanesas e nova-iorquinas.148
Com a transposição das principais praças exportadoras de africanos para leste da Costa
da Mina, iniciou-se um processo de alterações das relações de força nesta região africana,
favorecendo ao rei de Aladá e do olugum de Onim. No ano de 1770 o rei de Onim chegou a
enviar uma embaixada a Salvador para estabelecer os primeiros contatos com as autoridades
baianas. Por infelicidade, os quatro cabeceiras do rei viajavam junto a João de Oliveira.
Quando da prisão deste, os representantes africanos foram tidos como pertencentes a
escravatura do preto João e apreendidos. Desfeito o mal entendido, ficou determinado que os
quatro africanos livres deveriam retornar à África, dando fim a fracassada missão.149
Por volta do ano de 1780, o forte português em Ajudá estava em franca decadência. O
então diretor do forte, Bernardo Azevedo Coutinho, que havia sido nomeado em 1778,
procurava tratar de seus interesses pessoais, ao invés de cuidar dos assuntos do Império. O
escrivão do almoxarife do forte, Jerônimo Gomes, em 1781, reclamava da atuação do diretor e
lamentava a sorte desta fortaleza, que a cada dia se via menos prestigiada, pois os traficantes
baianos preferiam comerciar com os portos mais a leste, preterindo Ajudá.150 A mesma falta
de zelo ocorreu durante a gestão do diretor subseqüente, Francisco da Fonseca e Aragão
(1782-1795) e nos anos seguintes. Em 1799 o diretor da fortaleza de Ajudá, em carta
147 O comércio britânico também se beneficiou da presença de seus nacionais residindo em terras africanas. Muitos empregados das companhias comerciais desertaram constituíndo casamentos com africanas. Dessas relações matrimonias surgiu um grupo miscigenado de comerciantes simpatizante aos interesses dos ingleses que atuavam em Serra Leoa. Cf. THORNTON, John. op. cit., 2003, pp. 108 e 114. 148 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p. 123. 149 AHU, Bahia, Col. Castro e Almeida, cx. 44, doc (s). 8244-51. 150 Carta de Jerônimo Gomes, escrivão do almoxarife da fortaleza de Ajudá, 1781, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 213.
69
endereçada às autoridades na Bahia, reclamava que não era possível enviar o livro de receitas
e despesas do forte, pois o escrivão encarregado de tal serviço não sabia escrever.151
Entretanto, não era apenas a possessão portuguesa que era negligenciada. A fortaleza
francesa em Ajudá não se encontrava em melhor estado. Desde o fim da Guerra dos Sete
Anos, em 1763, na qual os franceses perderam suas colônias para os ingleses, o forte de Saint-
Louis de Grégoy ficara renegado a um empreendimento sem importância. O tráfico francês vai
decaindo desde 1763 até ser proibido, por Robespiere, em 1793, durante a Revolução
Francesa. A Inglaterra, após a independência dos Estados Unidos da América, em 1776,
abandonaram também sua fortaleza em Ajudá. Os ingleses começam a se desinteressar pelo
comércio de africanos com a emancipação de sua maior colônia na América, sendo
substituídos pelos espanhóis localizados em Cuba e pelos próprios norte-americanos.152
O rei do Daomé não estava satisfeito com os rumos que o comércio de escravos estava
tomando na Costa da Mina. No ano de 1777, numa tentativa de resgatar o tráfico em seus
domínios, o rei Kpengla (1774-1789), que assumiu o trono substituindo o seu falecido irmão
Tegbessu, ensaiou restabelecer o porto de Jaquim, ao norte de Ajudá, destruído em 1743.
Segundo nos informa Oliver Montanguère, diretor do forte francês em Ajudá, tudo não passou
de um blefe, pois o comércio de escravo em terras daomeanas estava tão enfraquecido, que era
constatado pela pouca oferta de cativos que se fazia aos raros navios que se direcionavam para
este local com o objetivo de resgatar africanos. Isso, ainda segundo o diretor francês, devia-se
ao enfraquecimento das forças do Daomé que já não conseguiam mais obter escravos por meio
da guerra. Logo, se o reino do Daomé não conseguia suprir a demanda do seu principal porto,
não poderia também atender a Jaquim.153
Não conseguindo obter sucesso com seu plano de restabelecer Jaquim, Dadá
juntamente com o rei de Ardra (reino onde se localizava Porto Novo), em 1778, atacaram o
reino de Epe (Apée) que impedia a passagem de tropas que levavam escravos para serem
exportados em portos daomeanos. Epe foi devastada. No ano de 1783 foi a vez da localidade
de Badagri ser atacada e destruída pelos reis do Daomé e de Ardra. Esse ataque foi facilitado
pelas disputas internas que ocorriam em Badagri, que estava dividida em várias facções
151 APEB, mç. 193, doc. 44. 152 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 213. 153 Carta do diretor do forte francês, Olivier Montanguère, em 1777 para o Ministério das Colônias, apud,
70
políticas rivais.154 Durante toda a década de 80, o rei Kpengla determinou que suas tropas
fizessem incursões em territórios rivais, principalmente em regiões controladas pelo reino de
Oió. Procurava dessa forma desestabilizar o comércio nestes locais e conseguir cativos.
Porém, a maioria dessas investidas armadas resultaram em derrotas, o que acabou ocasionando
um maior enfraquecimento do reino do Daomé.155
Com a morte de Kpengla, os daomeanos assistem a uma disputa pelo seu trono. O
príncipe Fruku, mais conhecido como D. Jerônimo “o brasileiro” por ter vivido no Brasil vinte
e quatro anos, boa parte como escravo, com auxílio de membros de sua linhagem se
candidatou à sucessão. Apesar de sua popularidade e do apoio da comunidade de brasileiros
em Ajudá, Fruku foi vencido por Agonglo (1789-1797).156
Uma segunda embaixada foi enviada a Salvador em 1795, pelo novo Dadá, Angonglo,
na esperança de recuperar o comércio com os baianos. Essa tentativa se mostrou infrutífera.
Os traficantes baianos já haviam se adaptado aos novos portos africanos onde o comércio de
cativos aumentava sem sobressaltos. Por certo, nesse período, Ajudá possuía pouca
importância para o comércio baiano.
A partir de 1807 as notícias vindas dessa feitoria para a Bahia tornam-se escassas.
Durante os últimos anos do século XVIII e os primeiros do século XIX ocorreram trocas
sucessivas de diretores, sugerindo apenas uma formalidade sem nenhum resultado prático.
Porém, para um comerciante saído da Bahia em 1800, Francisco Félix de Souza, a fortaleza
serviu como trampolim para uma carreira comercial de sucesso na África. Quando, em 1804,
seu irmão e diretor do forte, Jacinto José de Souza, morreu, o almoxarife Francisco de Souza
passou a ser o responsável pela manutenção da mesma fortaleza, aproveitando-se da
negligência das autoridades portuguesas.157 Contudo, as relações de comércio de Francisco
Félix de Souza na África não se restringiam apenas ao forte de Ajudá. Ele manteve também
negócios em Badagri, Porto Novo, Onim e Popó Pequeno. Atuava como burocrata do Império
português e ao mesmo tempo mantinha sua antiga atividade de comerciante. Temos notícias
que no dia 19 de janeiro de 1819 entrou no porto de Salvador, vinda de Popó, a escuna Estrela
VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.217. 154 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 219, nota 24. 155 idem., p. 222. 156 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.120. 157 idem, p. 245.
71
cujo proprietário era Francisco Félix de Souza, sendo o capitão da embarcação Joaquim José
Veloso seu sócio e representante na capital baiana.158
Esta ampla rede comercial ultramarina que lhe proporcionou uma grande riqueza foi
resultado da formação de uma extensa família (baseada em casamentos polígamos e no
acúmulo da escravaria) e dos laços políticos constituídos no continente africano.159 Exemplo
disto foi o seu casamento com Jijibu, uma das filhas de Comlagan, chefe de Popó Pequeno,
relação da qual nasceu seu primeiro filho, Isidoro.160 Outro exemplo foi a sua atuação como
agente do rei daomeano Guezo, conquistada a partir de uma aliança política elaborada em
1818, que destituiu do trono de Daomé o rei Adandozan, irmão de Guezo. Francisco Félix de
Souza ganhou o título Fon de Chachá e passou a gozar de privilégio comercial. Segundo o
historiador Robin Law, a legitimidade e a autoridade da posição de Francisco Félix em Ajudá
derivam não só da designação do rei do Daomé, mas principalmente das suas conexões
européias e internacionais. Quando retorna ao porto de Ajudá, após um pequeno exílio em
Popó Pequeno devido a conflitos com o antigo rei, Adandozan, ele reassume o forte português
na condição de governador, com a legitimidade e autoridade de ter prestado serviço durante
muitos anos. Ele continuou emitindo licenças e documentos de vários tipos para diversos
mercadores de escravos que para lá se dirigiam, com a concordância do governo português,
até o ano de 1844, quando o forte foi reocupado por oficiais da ilha de São Tomé.161 Desta
forma, Francisco Félix de Souza pode operar numa escala internacional, muito além de sua
base em Ajudá. No ano de 1846, Portugal o condecorou Cavalheiro da Ordem de Cristo e o
considerou “benemérito patriota”.162 Chachá morreu nonagenário, em 1848, deixando
numerosos descendentes, os Souza que ainda se encontram em terras do antigo Daomé (atual
Benin).163
158 BNRJ, Idade d’Ouro no Brasil, 26/01/1819. 159 LAW, Robin. “A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental (1800-1849)”. Rio de Janeiro: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, v. 2, 2001, p. 9. 160 idem, p. 15. 161 idem, p. 19. 162 VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 124-5. 163 Sobre Chachá ver SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza: mercador de escravos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.
72
Se Ajudá amargava o seu ocaso no comércio negreiro, Lagos, por sua vez, despontava
no início do século XIX, como principal porto exportador de escravos. Calcula-se que entre
sete a dez mil africanos tenham partido desse embarcadouro em direção à América escravista.
Os brasileiros contavam com o favorecimento do olugum em detrimento de comerciantes
ingleses e demais europeus. 164
Todas essas mudanças políticas que ocorriam no cenário africano, resultando na
abertura de novas praças exportadoras de africanos na década de 60 , juntamente com a
instabilidade européia, surgida ainda com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e incrementada
pela eclosão da “Revolução Francesa”, em 1789, ocasionando o abandono das colônias anglo-
francesas no Caribe, favoreceram a retomada do tráfico de escravos entre o continente africano
e a Bahia. Em 1791, outro fator contribuiu também para o a sorte de tal comércio: os
holandeses deixaram de cobrar o tributo de 10% aos navios brasileiros, resultado da
decadência em que se encontrava a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. A Holanda
não mais podia fazer valer sua imposição.165 A curva na freqüência de desembarque de
escravos em Salvador passa a ter uma tendência ascendente desde fins dos anos 70 (cf. gráfico
2).
O comércio de escravos entre Bahia e Costa da Mina só voltou a ser prejudicado
novamente na primeira metade da segunda década do século XIX. Devido a pressões dos
ingleses, que aboliram o tráfico em 1807, comerciantes baianos voltaram a ter dificuldades de
comerciar com a Costa da Mina. Aqui, mais uma vez, o porto de Lagos se aproveitou da
adversidade do tráfico para se desenvolver, devido ao refúgio que suas lagoas propiciavam aos
navios negreiros.166
Em 1810, no Tratado assinado entre Portugal e Inglaterra, lançou base para uma futura
abolição do tráfico de escravo.167 Passava a ser permitido traficar somente em possessões
portuguesas na África. Tal fato acarretou inúmeras apreensões de embarcações baianas no
litoral africano, gerando várias contendas entre Portugal e Inglaterra. Entre os anos de 1811 e
164 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.124. 165 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 228. 166 SILVA, Alberto da Costa e, op. cit., 2003, p.124. 167 Tratado de Aliança e Amizade Anglo-Lusitano de 19 de fevereiro de 1810, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 300.
73
1812, doze embarcações pertencentes a negociantes baianos foram capturados pelos ingleses
causando grandes perdas.168
As divergências anglo-portuguesa a respeito da captura dos negreiros lusos foram
minimizadas com a assinatura do “Tratado da Abolição do Tráfico de Escravos” em 22 de
janeiro de 1815, na cidade de Viena, pela Grã-Bretanha e Portugal. Neste ato ficou
determinado que: o tráfico estava abolido “ ... em todos os lugares da Costa da África ao norte
do Equador,...”.169 Ficava, assim, proibido, desta data em diante, o tráfico oficial de escravos
entre a Costa da Mina e a Bahia.
168 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 326-7 169 Tratado da Abolição do Tráfico de Escravos assinado entre as Altas Potências da Grã-Bretanha e Portugal, Viena, 22 de janeiro de 1815, apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 304-5.
74
Capítulo 3 – Os Negócios negreiros na praça mercantil de Salvador
Concentração, especialização e sociedades
O tráfico atlântico tornou-se ao longo dos séculos a base de sustentação da economia
colonial. Embora muitos participassem diretamente desta atividade, poucos dominavam as
condições de operacionalização do comércio negreiro. Montada a partir de jornais de época e
de informações constantes de registros alfandegários, a tabela 3 desvela a natureza empresarial
seletiva do tráfico de africanos na praça de Salvador, indicando, como era de se esperar, que
poucos mercadores detinham capital suficiente para pôr em marcha as engrenagens do
comércio de almas, provendo-o dos recursos necessários e dele obtendo as maiores taxas de
lucro possíveis. Nunca é demasiado alertar para o fato de que os números da tabela 3
configuram apenas uma aproximação ao perfil de concentração empresarial, pois certamente
muitas expedições negreiras que nas fontes aparecem consignadas a apenas um empresário
estavam na verdade consignadas a grupos de sócios.
Em Salvador, cerca de 10% das empresas que mais fizeram viagens à África foram
responsáveis por aproximadamente 36% do total de viagens. É forte o paralelismo revelado
pela análise dos perfis de concentração dos negócios negreiros nas praças mercantis do Rio de
Janeiro e Salvado. A envergadura da demanda do Rio de Janeiro – seu porto concentrava de
dois terços a três quartos da demanda brasileira entre 1808 e 1830 – tornava a seletividade
empresarial maior na Corte do que em Salvador. Contudo, em termos gerais, um décimo das
empresas negreiras dessas praças eram responsáveis por fatias que variavam entre 36% e 60%
do mercado de africanos, configurando um alto grau de concentração.170
170 No Rio de Janeiro, 19 empresas (c. de 10%) foram responsáveis por 624 viagens (c. de 57%), cf. FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, p. 99.
75
Tabela 3 - Concentração das empresas negreiras que atuavam em Salvador (1788-1819)
África – Salvador, 1788-1819
Número de empresas % Total de entradas %
16 9,5 181 35,8
28 16,6 143 28,3
125 73,9 181 35,8
169 100 505 100
África – Rio de Janeiro, 1811-1830
19 10,2 624 57,1
27 4,5 223 20,4
140 75,3 245 22,5
186 100 1092 100
Fontes: para a Bahia: Anexo 4; para o Rio de Janeiro: FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história
do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, p. 219.
Em um plano mais geral, tal monopolização era efeito da débil divisão social do
trabalho na economia escravista brasileira e de suas derivações mais evidentes – a parca
circulação monetária e, por conseguinte, a concentração da liquidez em poucas mãos,
sobretudo quando se tratava de colocar em movimento negócios que demandavam alto
investimento inicial e o atendimento da demanda em continuidade. Para que se tenha uma
idéia mais precisa do significado do investimento inicial para a montagem de expedições
negreiras, sabe-se que na Bahia, com os 10:059$496 réis empregados no custeio da viagem do
bergantim Ceres para a Costa da Mina, em junho de 1803, podia-se adquirir o Engenho do
Macaco, na Freguesia de São Gonçalo da Vila de São Francisco da Barra, com todas as suas
76
casas, ferramentas, gado, cavalos, carros de boi, plantações de cana e moenda, e ainda assim
sobrariam quase três contos de réis.171
De fato, a compra ou aluguel dos navios, sua equipagem com pessoal especializado -
mestres, contramestres, cirurgiões, capelães e marinheiros, estes últimos quase sempre
escravos -, com instrumentos também especializados e, o mais importante, produtos como
tecidos, pólvora, armas de fogo, tabaco e aguardente, tudo isso tornava as expedições
negreiras altamente vultosas. Mesmo quando o recurso à associação baixasse os custos, o
investimento inicial de um traficante podia ser altíssimo. Na África pagava-se por tudo, desde
o africano que ia capturar escravos no interior até o rapaz que protegia com um guarda-sol o
capitão do navio negreiro. Estimava-se em 2:702$400 o gasto com a estada de uma
embarcação no porto de Ajudá.172 O padre Vicente Ferreira Pires embarcado numa expedição
negreira no final do século XVIII descreve com detalhes todo esse processo comercial que
ocorria entre os negreiros baianos e os governantes africanos na Costa da Mina.173 Os
traficantes compravam canoas, pelos menos duas, para facilitar o comércio com os africanos.
O custo de duas canoas variava de 256$000 a 384$000 (cerca de 32 rolos de tabaco). Também
com o fumo pagava-se os piloto e todos os remadores das ditas canoas - cerca de 88 rolos
atingindo, por vezes, valores superiores a 1:000$000.174 Só com a compra de canoas e
pagamento aos remadores, os traficantes gastavam aproximadamente 1: 3000$000. Outros
gastos ainda eram feito no litoral da África. Os líderes dos Estados africanos souberam tirar
proveito desta situação. Impuseram sob forma de presentes e visitas de cortesias a permissão
para que os comerciantes estrangeiros pudessem negociar com seus pares no litoral
africano.175 Por vezes, os capitães de navios tinham que dar como presente ao chefe africano
parte do carregamento de tabaco que seria usado na troca por escravos, assim como o ouro
brasileiro que era contrabandeado para a África Ocidental. O rei do Daomé recebia cerca de
171 APEB, Judiciário, Inventário de Custódio Ferreira Dias 4/1741/2211/5. 172 VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 43. 173 Cf. LESSA, Clado Ribeiro de. Crônica de uma embaixada luso-brasileira à costa da África em fins do século XVIII, incluíndo o texto da viagem de África em o reino do Dahomé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 174 Idem, p. 13. 175 THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 103.
77
320$000 em tabaco.176 Ainda assim era altamente rentável o comércio de escravos. Enquanto
na costa africana o cativo era resgatado por 6$000, seu valor no mercado de Salvador muitas
vezes ultrapassava o valor de 100$000, em meados do século XVIII.177 Desta forma, a venda
do carregamento de 230 escravos novos poderia gerar 23:000$000.
Em suma, com a quantia necessária à montagem de apenas parte de uma expedição
negreira os comerciantes de africanos facilmente poderiam converter-se em senhores de terras
e de homens. Se assim não o faziam – ou se em muitos casos o fizeram, mas continuaram a
investir no tráfico –, é porque o retorno do aplicado no comércio negreiro era bem superior a
investimentos produtivos como fazendas e engenhos. De modo semelhante às economias
coloniais onde predominavam regimes compulsórios de produção (sinônimo de uma frágil
divisão social do trabalho), a debilidade da circulação monetária era signo de poucas opções
de investimento, contexto no qual a monopolização da riqueza ensejava que pouquíssimos
agentes econômicos detivessem liquidez suficiente para por em funcionamento os mecanismos
econômicos para além de esferas ultralocalizadas. Tomava-se dinheiro a risco para ir buscar
escravos. A remuneração de uma expedição deveria girar em torno de 19%.178 Eis o motivo
pelo qual a circulação das mercadorias surgia como o grande eixo de acumulação da época,
em especial o tráfico de africanos.
Negociantes de grosso trato, os traficantes de africanos eram homens que por sua
riqueza desempenhavam papel de destaque na economia, na política e na sociedade do Rio de
Janeiro e Salvador. Por exemplo, o negreiro João Rodrigues Pereira de Almeida era, desde a
primeira década do século XIX, deputado da Real Junta do Comércio, e recebeu, em maio de
1810, a comenda da Ordem de Cristo, em clara indicação das estreitas relações entre os
traficantes e o Estado luso-brasileiro.179 Em Salvador, exemplo bem sucedido de traficante foi
Pedro Rodrigues Bandeira, considerado um dos homens mais ricos e influentes do Brasil no
176 VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 43. 177 BNRJ, “Discurso preliminar. Histórico, Introdutivo, com natureza de descrição econômica da Comarca e Cidade da Bahia”. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1906, passim. 178 Luís Viana Filho estipula uma variação de 18 a 40%. Estes valores foram conseguido sem distinguir a lucratividade bruta da líquida. ver VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 43. Preferimos utilizar as estimativas de Florentino e Eltis, que calculam em 19% a lucratividade do tráfico nas praças do Rio de Janeiro e de Cuba, respectivamente. Cf. FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997; ELTIS, David. Economic growth and ending of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987, p. 281.
78
início do século XIX. Deixou como fortuna 15 contos de réis e fez dois sobrinhos Presidentes
da Província da Bahia: Frutuoso e Francisco Vicente Viana.180
Ao controlarem o tráfico, homens como eles demandavam a venda em bloco de grandes
lotes de mercadorias vivas, submetendo os pequenos traficantes do centro receptor e das áreas
do interior. Semelhante vantagem surgia também quando se tratava de transacionar com os
agentes metropolitanos nos portos coloniais ou na própria África, os quais, ávidos por fecharem
os negócios rapidamente, com o que aumentariam a velocidade de seu giro de capital, viam-se
frente aos únicos agentes coloniais de quem podiam receber com garantia de liquidez. Isto
conferia aos negreiros do Rio e de Salvador um novo status, permitindo-lhes redefinir as suas
relações com o mercado interno e com o mercado internacional. Podemos postular, portanto, que
em um contexto de absoluta hegemonia do capital mercantil, o capital traficante abarcava o topo
da própria elite mercadora da América portuguesa.
Os monopolizadores do tráfico expressos pela tabela 3 residiam nas praças mercantis
de Salvador e do Rio de Janeiro e, além de serem especialistas nos negócios negreiros,
tendiam a se especializar também geograficamente. Na esfera brasileira, poucas vezes
traficavam fora da cidade em que estavam baseados os seus negócios, embora alguns baianos
atuassem no mercado pernambucano. Raramente traficavam em uma única rota transatlântica,
mas pautavam-se por um claro padrão comercial na esfera africana: centralizavam a maioria
de seus negócios em uma macro-região (África Ocidental, África Central Atlântica ou África
Oriental) e, nela, em um determinado porto. Na média, nove entre cada dez viagens de grandes
traficantes de Salvador destinavam-se a uma única macro-região – quase sempre à África
Ocidental, até o ano de 1816. No caso dos negreiros do Rio de Janeiro esses números
prevaleciam para a ligação com a zona congo-angolana.181
Embora a maioria dos registros de viagens entre Salvador e a África Ocidental, no que
se refere ao porto de embarque dos africanos indiquem tão somente a “Costa da Mina”, é
possível postular que mesmo os negreiros baianos tivessem um porto afro-ocidental como
principal eixo de atuação mercantil – no caso, até 1800 o porto de Ajudá, daí em diante o de
Onim. De concreto, os traficantes de Salvador que negociavam com a região congo-angolana
179 FLORENTINO, Manolo. op. cit.,1997, p. 206. 180 VIANA FILHO, Luís. op. cit., 1988, p. 41. 181 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. op. cit., 2004, p.102.
79
faziam-no principalmente com os portos de Luanda ou de Benguela, raramente com os dois.
Duas entre cada três expedições de negreiros do Rio dirigiam-se a um único porto africano, em
geral Benguela ou Luanda ou Cabinda.182
Para além da monopolização, a tabela 3 igualmente demonstra que cerca de 75% das
empresas negreiras de Salvador organizavam 1/3 das viagens. No caso do Rio de 75% das
empresas foram responsáveis por cerca de ¼. Tratava-se de empresários de passagem eventual
pelo circuito atlântico de homens, donos de firmas que puderam organizar apenas uma ou duas
viagens durante os períodos cobertos pelas fonte desta praça mercantil. Semelhantes dados
permitem concluir que, ainda quando o tráfico brasileiro fosse altamente concentrado, ele
simultaneamente representava um campo privilegiado de atuação de especuladores, detentores
de um papel estrutural, pois sem eles o adequado atendimento da demanda brasileira ver-se-ia
definitivamente comprometido. Como os monopolistas, tais comerciantes ocasionais estavam
majoritariamente estabelecidos nas próprias praças do Rio de Janeiro, Salvador e da África,
embora, mais do que aqueles, pudessem atuar em rotas fora dos centros em que tinham seus
negócios (alguns especuladores de Salvador chegavam a atuar nas rotas que uniam a África a
Alagoas e Paraíba, por exemplo).
Do ponto de vista teórico, as mesmas razões que levavam à concentração ensejavam o
papel estrutural da especulação. A parca divisão social do trabalho e a debilidade de trocas
faziam com que a atuação empresarial daqueles que detivessem alguma capacidade creditícia
se pautasse por investimentos dispersos por vários setores. Por atuarem em um mercado
restrito, com poucas opções, podemos sugerir que os traficantes buscavam investir
diversificadamente, não apenas para garantir segurança às suas aplicações – afinal, tratava-se
de um mercado instável por definição –, mas também para auferir as maiores taxas de lucro
possíveis. Óbvio, tal perfil caracterizava tanto os traficantes eventuais quanto os
monopolizadores, embora estes últimos, ao deterem boa parte da liquidez das economias
escravistas regionais, igualmente controlassem a própria reprodução física dos escravos e das
relações escravistas de produção. Na Bahia, o poder daí advindo representava a chave para a
compreensão de um dos sentidos da noção de comunidade de traficantes, definida não apenas
em função de um determinado tipo de atuação empresarial, como também pela existência de
182 Idem, ibdem.
80
um mercado estruturalmente atrofiado que criava fortes laços de dependência pessoal entre os
próprios negreiros nos circuitos atlânticos. Eis o motivo pelo qual, aliás, as empresas
traficantes tendessem a se especializar geograficamente, seja na esfera da demanda brasileira,
seja na esfera da oferta africana.183
Eram também muitas vezes os próprios capitães de negreiros os que, por
desempenharem funções de importância vital para a consecução dos negócios, acabavam por
aventurar-se ao patrocínio de algumas expedições. Partindo para os portos africanos munidos
de instruções mais ou menos precisas nas chamadas Cartas de Ordens, os capitães eram os
mais importantes elos com os comerciantes africanos. O conhecimento, a experiência e os
recursos obtidos levavam-nos a empreender expedições independentes, passando a atuar como
comerciantes de escravos stricto sensu. Entre 1788-1819, dos traficantes da Bahia que
realizaram apenas uma viagem à África, 12 eram mestres ou capitães dos negreiros e, em
conjunto, eles acabaram por se tornar consignatários de 1,9% das entradas de negreiros no
porto carioca.184 Para o Rio de Janeiro, entre 1811 e 1830, 43 consignatários de apenas uma
viagem eram capitães de navios.185
Muitas sociedades foram constituídas entre homens de negócio da praça mercantil da
capital baiana e os capitães de negreiros encarregados das expedições à África. Das 2277
partidas de Salvador em direção ao continente africano, entre 1678 a 1815, 448 (cerca de 1/5)
tratavam-se de sociedades. Essas parcerias serviam para dividir os custos empreendidos nas
viagens entre os diversos sócios envolvidos, reduzindo o montante com o qual cada um
deveria contribuir. Atitude conservadora dos homens de negócio que é melhor apreendida
quando notamos que a sociedade era também uma forma de se minimizar possíveis perdas,
caso o negócio não saísse como o planejado. Desta maneira, a constituição de sociedades pode
ser entendida como estratégia dos homens de negócio frente a estrutura arcaizante da atividade
mercantil, por exemplo, a baixa liquidez do sistema.
Nem sempre a participação numa sociedade se dava de forma igualitária. Muitas
vezes alguns sócios entravam com uma parcela maior do que o outro. Para alguns estas
183 Tais hipóteses sobre a diversificação dos negócios negreiros como a noção de comunidade traficante deverá ser melhor trabalhada e analisada num trabalho futuro a partir da utilização de novos corpos documentais, como, por exemplo, inventários post-mortem. 184 Ver anexo 4. 185 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. op. cit., 2004, p.103.
81
parcerias funcionavam apenas como instrumento para acumulação de capital. É o caso da
viagem em sociedade entre o traficante Francisco José de Gouvêa e o capitão de negreiro
Dionísio Martins. Este último além de atuar como capitão da expedição tinha participação
de 2/3 do capital investido, enquanto o traficante e armador foi responsável por 1/3.
Quando da partilha do resultado da viagem, 7:434$760, a proporção para cada membro da
sociedade foi relativa ao peso de seu investimento, 4:956$506 (2/3) para o capitão e
2:478$254 (1/3) para Francisco José de Gouvêa.186 Esse é um caso típico de sociedades
desiguais. Enquanto um dos sócios entrava com capital e trabalho responsável pela boa
administração do negócio , o outro apenas contribuía com a menor parte do capital inicial
preocupando-se somente com os possíveis lucros decorrentes de tal empresa. Não é de se
estranhar que justamente o homem de negócio contribuísse com a menor parcela para
cobrir os custos da viagem. O baixo comprometimento da elite mercantil em transações
comerciais de longa distância demonstra o seu perfil conservador, preocupando-se em
reduzir ao máximo os risco, mesmo que isso significasse uma diminuição nos lucros.187
Essas relações de confiança entre armadores e capitães nem sempre resultavam em
bons negócios. Temos notícia sobre um bergantim que intencionava ir para a Costa da Mina
carregado com tabaco, ouro em pó e treze escravos marinheiros em 1740. Logo após sair do
porto de Salvador, a tripulação livre, comandada pelo capitão da expedição, resolveu não ir
para a África. Dividiram os escravos entre si, apoderaram-se do ouro em pó e desembarcaram
na Ilha de Santa Catarina. Quando já estavam vendendo as mercadorias roubadas, foram
identificados e presos pelas autoridades locais.188
Muitas sociedades se perpetuaram ao longo do tempo baseadas na confiança entre os
indivíduos que dela faziam parte. Um tipo bastante comum de parcerias no Império português
eram as relações entre os correspondentes. Elas eram necessárias devido às longas distâncias
nas quais o comércio estava inserido. Francisco Pinheiro Neto, um importante comerciante
186 APEB, Seção judiciário, Inventário 5/2020/2491/2. 187 Antônio Carlos Jucá Sampaio apontou para essa mentalidade conservadora da elite mercantil em todo o Império português. Cf. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 96-7. 188 AHU, São Paulo– Cx. 3 - 167
82
português sediado em Lisboa, mantinha uma verdadeira rede de comissários pelas principais
regiões da América lusa e portos africanos, na primeira metade do século XVIII. Seu irmão,
Antônio Pinheiro Neto era o responsável pelos negócios no Rio de Janeiro. Em Salvador,
Francisco Pinheiro contava com o apoio de Baltazar Álvares de Araújo. Além dessas duas
praças, Francisco Pinheiro Neto contava com correspondentes em Angola, Minas,
Pernambuco e em outras regiões da América lusa. O comércio de mercadorias, como tecidos,
manteiga, queijos, vinhos ferramentas e escravos faziam parte dos negócios deste comerciante
português que os trocava por ouro na América portuguesa.189 Também pela distância entre a
África e a Bahia, muitos negociantes de Salvador mantinham correspondentes em diversos
portos de embarque no continente africano, como José Narcíso Soares que tinha como sócio
em Quilimane João Bonifácio Alves da Silva e Manoel José de Magalhães cujo
correspondente era Francisco José Luís Vieira, estabelecido em Angola.190 Portanto, tais
sociedades visavam minimizar os prejuízos e aumentar a segurança na obtenção de lucros em
atividades de longa distância nas quais eram altos os riscos.
“Perdas em trânsito” O risco era uma das características marcantes dos negócios negreiros, e encarnava-se
em três tipos de perda da mercadoria humana. Desde as trocas efetuadas na esfera africana até
as efetuadas no Brasil, eram grandes as probabilidades de fuga, roubo e sobretudo morte dos
escravos recém-adquiridos. Naus negreiras eram constantemente atacadas por corsários e
piratas mouros, franceses, ingleses, espanhóis, norte-americanos e holandeses, que lhes
roubavam milhares de caixas de açúcar, toneladas de couros, tabaco, algodão e âmbar, além de
milhares de escravos, levados para diversos portos das Américas mas também para a África e
o Mediterrâneo.
Negreiros baianos eram constantemente atacados enquanto esperavam o preenchimento
de sua arqueação, como em agosto de 1797, ocasião em que duas naus corsárias francesas e
duas chalupas de bandeira inglesa saquearam o S. João Nepomuceno e S Francisco de Paula e
o Nossa Senhora da Graça em Ajudá. Logo depois um dos navios franceses dirigiu-se ao
189 Cf. LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais ( uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília / São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, 5 volumes. 190 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil - BA, 14/04/1819 e 21/05/1819.
83
porto de Apê, onde seqüestrou o também baiano Zabumba, do mestre Raimundo Justino da
Graça, para mais tarde, em Porto Novo, capturar a sumaca Paraíso.191 Não somente as
embarcações eram seqüestradas como também a própria tripulação, como no caso ocorrido em
1798. Uma galera inglesa denominada Chirstovão Liverpool prendeu o bergantim baiano NS
da Vitória e S José no porto do Castelo de S Jorge da Mina no dia 15/10/1798 e o levou para o
Cabo Corso. O mestre do Bergantim, Manoel Duarte da Silva foi até o Cabo Corso resgatar
seu navio. Lá foi seqüestrado e levado com o seu navio para o rio de Onim pelo capitão John
Wattson. Em Onim, parte da carga do navio brasileiro foi negociado por Wattson como se
fosse sua e após 64 dias partiu levando o mestre Manoel Duarte, com os dois pilotos e
contramestres e mais alguns marinheiros para Cabo Corso deixando em Onim onze tripulantes
e mais o bergantim com ordens que continuassem o comércio. Em Cabo Corso o mestre, os
dois pilotos e o contramestre fugiram, para o Castelo da Mina onde deram parte do ocorrido e
embarcaram numa canoa. Nesta canoa foram para Ajudá onde embarcaram no brigue
Americano que estava de saída para a Bahia.192
No início do século XIX a ameaça partia de navios nos quais tremulavam a bandeira do
Império britânico. Os ingleses pressionavam Portugal para por fim ao tráfico. Os traficantes
baianos, mais do que os cariocas, sofrerem pesadamente com a repressão, pois era no litoral da
África Ocidental, principal região abastecedora de escravos do mercado de Salvador, que se
concentravam os maiores esforços da marinha inglesa. A situação piorou com a proibição do
comércio de africanos ao norte da Linha do Equador em 1815. O cálculo é de 85 embarcações
da Bahia apreendidas entre 1811-1830.193 Do Rio de Janeiro, apenas 11 navios foram
capturados.194 Eram enormes os prejuízos causados pela ação estrangeira. Pelo menos os
navios que haviam sido pegos antes de 1815 podiam recorrer num tribunal montado no Rio de
Janeiro. Havia um representante dos comerciantes baianos na corte, José Tavares França, um
dos maiores traficantes baianos de seu tempo. A apelação era enviada para Londres, para
averiguar em quais condições a embarcação fora apreendida. Poucos eram aqueles que
conseguiam reaver seus bens.
191 APEB, Maço 193, doc. 33. 192 APEB, Maço 193, doc. 43. 193 VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, pp. 637-42. 194 FLORENTINO, Manolo, op. cit., 1997, p. 149.
84
Antes mesmo dos ataques ingleses no início do século XIX, os franceses da “Era do
Terror”, contrários ao tráfico, abordaram e apreenderam embarcações baianas que estavam
fazendo resgate de escravatura na costa africana. No ano de 1794, a Assembléia Nacional da
França organizou uma esquadra para atacar navios que estivessem fazendo tráfico na costa
africana. Cinco negreiros baianos, quatro com carregamento de cativos, foram tomados pelos
franceses entre Ajudá e Porto Novo, em dezembro de 1794.195 Aparentemente, os ataques aos
negreiros do Rio de Janeiro era mais freqüentes no regresso da África, como ocorrido no início
de 1811, quando poucos dias antes entrar no porto carioca uma curveta proveniente de
Benguela foi abordada por três fragatas francesas a 15 graus sul - entre a Bahia e o arquipélago
de Abrolhos -, que lhe roubaram 61 escravos e toda a cera, deixando-a livre somente após
muito rogo.196
Em 15 de outubro de 1789, como era praxe para detectar doenças, o bergantim Netuno
Pequeno foi visitado por cirurgiões do Senado da Câmara de Salvador. Depois de um mês de
viagem desde a Costa da Mina, e após uma pequena escala em Recife, o negreiro acabara de
atracar em Salvador. Adentrara o porto com pouquíssimos escravos – 29 – e sem haver
registro de mortos. Ao invés, seu capitão e armador, Pedro Gomes Ferreira, informara aos
burocratas soteropolitanos que no número de desembarcados se incluíam “dous escravos
novos nascidos já na abrigação do referido Bergantim”.197 Naturalmente, nascer era algo
excepcional no contexto do tráfico. Durante a travessia, os africanos defrontavam-se mais com
a morte, a variável que mais direta e negativamente atingia os traficantes brasileiros.
Mortes que eram freqüentes no tempo, mas extremamente variáveis em cada
expedição. Entre 1811 e 1830, os negreiros vindos de Benguela para o porto do Rio de Janeiro
perderam de apenas 0.2% a 38% dos escravos adquiridos, e nos que ali atracaram provenientes
de Quilimane morreram de 1.7% a quase 2/3 dos africanos comprados.198 As perdas nos
negreiros que atuavam na rota Costa da Mina-Salvador na primeira década do século XIX
195 os navios apreendidos foram: galera Netuno (dono: Pedro Gomes Ferreira) , curveta Sarareca (dono: Inácio Antunes Guimarães), bergantim S José Africano (dono: Estanislau José da Costa), bergantim Pinto Bandeira (dono: Silvestre José da Silva), curveta Panela (dono: Dona Ana de Cristo). VERGOLINO – HENRY, Anaíza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A presença africana na Amazônia colonial: uma notícia histórica. Belém: Arquivo Público do Pará, 1990, p. 129. 196 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil –BA, 21/05/1811. 197 AHMS, Códice 178.1, p. 96. 198 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre V.; SILVA, Daniel D. da., op. cit., 2004, p. 106.
85
apresentaram números semelhantes - o bergantim Cipião Africano, de Domingos José de
Almeida Lima, atracou em Salvador em 1807 com todos os 135 africanos comprados no Golfo
da Guiné; sorte distinta teve Félix da Costa Lisboa, cujo brigue Correio da Guiné perdeu 230
dos 340 escravos comprados no Golfo da Guiné em fins de 1805.199 Perdas altas como essa
podiam levar a ruína uma empresa traficante. Foi o que ocorreu com Felipe Justiniano Costa
Ferreira no ano de 1819, após uma desastrosa expedição à Moçambique, quando 192 dos 557
escravos comprados pereceram na travessia de retorno ao Brasil. Mesmo ainda devendo parte
do valor da embarcação para o antigo dono, o traficante Costa Ferreira, não tendo outra
solução, pôs seu brigue Flor da Bahia a venda após 10 dias do desfecho da expedição.200 Não
há, após esse episódio, registro de viagem da qual ele tenha participado.
Pode-se imputar as mortes a bordo as condições degradantes as quais o africano era
submetido no percurso transatlântico. Os traficantes, ávidos por lucros, alojavam o maior
número possível de escravos nas embarcações. A disseminação de doenças a bordo pode estar
relacionada na forma como o escravos era transportado. Acorrentados, sem muito espaço para
movimentos, os africanos eram mantidos em porões pouco ventilados. Marinheiros de
primeira viagem, muitos enjoavam e, com freqüência, vomitavam. O vômito, a urina e as fezes
convertiam em podridão todo o ambiente. Muitos acabavam enlouquecendo nestes ambientes.
As decorrências da carga extra eram a escassez de mantimentos e água nos negreiros- a ração
de alimento diário era irrisória, constituía-se não mais que meia tigela de mingau ou farinha de
milho e de uma pequena jarra de água.201 De todo modo, é preciso relativizar o peso do
volume das cargas e os maus tratos no nível de mortalidade dos negreiros. A explicação para
muitas mortes pode estar no próprio continente africano. O cativo, mesmo antes do embarque,
já demonstrava debilitamento físico e espiritual não raro de soldados vencidos. Muitas vezes já
estavam acometidos de doenças e surtos de morbidades que grassavam nos portos africanos de
embarque, cujos efeitos se estendiam às naus em trânsito e comprometiam até mesmo o acesso
dos traficantes aos portos abastecedores. Tal aspecto pode ter estado na origem do aumento
das taxas de mortalidade dos negreiros baianos que se abasteciam em Angola na primeira
década do século XIX: de 4.5% em 1803-1805, 13.6% em 1806, 16.2% em 1807, culminando
199 AHMS, Códices 178.1 e 182.1. 200 BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil –BA, 08/01/1819 e 18/01/1819. 201 THORNTON, John. op. cit., 2003, p. 220.
86
com a ausência de naus baianas em Angola em 1808, e de apenas uma em 1809 (que perdeu
33.7% da carga humana no regresso a Salvador). A explicá-lo certamente estiveram surtos de
varíola detectados em Luanda em 1805, 1807 e 1808. Sintomaticamente, por ocasião de novos
surtos variólicos, ocorridos em 1811 e em 1814, não foram detectadas atracações de negreiros
baianos em Angola.202
O próprio tráfico se apresentava como meio de aproximação e contato entre esferas
microbianas distintas, cujos resultados, mesmo quando tendentes à acomodação a médio
prazo, traduziam-se de imediato em pestes e mortes no interior dos navios negreiros, mas
também em ambas as margens do Atlântico.203 Óbvio, embora se saiba que a dureza das
condições a bordo fazia com que também os tripulantes dos negreiros perecessem, nada se
apresentava tão propício ao desenvolvimento de enfermidades como um receptor já
extremamente debilitado. No caso do comércio negreiro para Salvador, por exemplo, sabe-se
que o bergantim Ligeiro aportado em 09 de março de 1810, vindo da Costa da Mina, perdeu
84 dos 466 escravos embarcados e mais o seu capitão.204 Muito provavelmente este navio
sofreu com o surto de alguma das doenças mais comuns nos negreiros como disenteria,
varíola, escorbuto, sarampo, gálico, sarnas, boubas etc.205 Eram constantes as reclamações da
população quanto à falta de providência na chegada de um navio negreiro. Segundo crônica da
época eram estas embarcações as principais difusores de doenças infecto-contagiosas na
cidade de Salvador. Sugeriam ao governador que pusessem em quarentena ou vintena os
escravos e os tripulantes com sintomas de doenças.206 Tal resolução só foi tomada pela
governança local quando o século XIX se fazia adiantado, escolhendo a Ponta do Monserrat
para abrigar os doentes.
Em geral os escravos pereciam em razão diretamente proporcionais a duração da
travessia oceânica, com padrões distintos de “perdas em trânsito” de acordo com a região
africana de embarque dos cativos. A tabela 4 foi construída a partir de listas navais, registros
202 AHMS, Códice 182.1; CURTO, José C. “ A dinâmica demográfica de Luanda no contexto do tráfico de escravos do Atlântico Sul, 1781-1844”. In: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Rio de Janeiro: 7Letras, v. 4, março/2002, p. 122. 203 Cf. CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, pp. 283-6. 204 APEB, Códice 182.1, p. 114. 205 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969, p. 156. 206 Idem, ibdem.
87
alfandegários e de notícias de atracagens de navios negreiros constantes dos periódicos
cariocas e baianos. Em princípio, ela alerta tanto para a diferenciação espacial da mortalidade
escrava como para sua variação no tempo nas rotas que terminavam no Rio de Janeiro e em
Salvador entre 1795 e 1830.
É necessário prudência com os números relativos à mortalidade no mar expressas por
esta tabela 4, pois os efeitos da travessia sobre os escravos não se esgotavam por ocasião dos
desembarques no Brasil. Muitos africanos morriam entre a barra, onde ficava ancorado o
navio, e o porto. Outros que sobreviviam aos percalços oceânicos chegavam tão debilitados
aos portos brasileiros que eram imediatamente enviados para quarentena. Enquanto
permanecessem nessas condições os recém-chegados representavam ônus para os traficantes.
Dados referentes a desembarques de negreiros em Salvador entre 1822 e 1824 nos permite ter
uma noção do peso da mortalidade dos boçais nos portos e em terra, redefinindo para mais as
cifras de mortalidade marítima expressas pela tabela 4. Cerca de 8% dos escravos que
chegaram vivos a Salvador foram postos em quarentena. O período do isolamento do africano
girava em torno de dois meses e meio. Mais da metade dos escravos pereciam na quarentena, o
88
Tabela 4 - Taxas (%) de mortalidade nos navios negreiros provenientes da África que atracaram nos portos do Rio de Janeiro e Salvador entre 1795 e 1830
Rio de Janeiro Salvador 1795-1811 1821-1830 1795-1811 1812-1819
Região/Porto de Embarque
A B A B A B A B África Ocidental 8,1 (11) 3.070 - - 7,1
(243)
71.141 7,6
(58)
19.8
(19)
“Costa da Mina” 2,4 (3) - - - 6,8
(226)
67.500 4,5
(41)
14.29
5
Bonny 7,2 (1) - - - - - - -
“Baía do Benin” - - - - 7,8 (2) 641 5,0
(11)
3.433
Acará - - - - 3,7 (1) 187 - -
Cabo do Lopo
Gonçalves
- - - - - - 21,9
(1)
315
Rio dos Camarões - - - - - - 2,8
(2)
747
Ilhas de São Tomé
e Príncipe
15,7 (4) - - - 14,6
(12)
2.252 81,3
(1)
605
Bissau - - - - - - 1,9
(1)
105
Calabar 7,3 (3) - - - 3,6 (2) 561 35,4
(1)
319
África Central
Atlântica
8,8 (331) 166.210 5,7
(494)
210.582 7,9
(55)
23.448 5,7
(35)
11.77
4
Loango - 1,0 (1) - - - - -
Molembo - 6,4 (19) - - - - -
Cacongo - 5,3 (1) - - - - -
Cabinda 3,0 (1) 3,1
(128)
- - - 4,6
(16)
6.261
Rio Zaire - - 2,1 (19) - - - 2,2
(5)
1.248
Ambriz - 2,9 (66) - - - - -
Luanda 10,2 (161) 8,2
(167)
- 8,9
(43)
18.198 8,3
(14)
4.265
89
Benguela 7,4 (168) 6,6 (92) - 4,7
(12)
5.250 - -
Novo Redondo 13,9 (1) - - - - - -
África Oriental 20,0 (13) 4.408 13,3
(143)
78.680 - - 25,8
(9)
4.213
Moçambique 20,0 (13) 13,9
(67)
- - 30,1
(5)
2.439
Quilimane - 15,0
(60)
- - 19,9
(4)
1.774
Inhambane - 3,1 (8) - - - -
L. Marques - 5,5 (8) - - - -
Obs: Os números entre parênteses indicam o total de navios com mortalidade indicada nas fontes. Não há
informações para Salvador nos anos de 1800 e 1801.
A. Taxa de mortalidade (por 100);
B. Total de escravos exportados em viagens com informações sobre mortalidade
Fontes: Para o Rio de Janeiro: Arquivo Nacional (RJ), Códice 242, Provedoria da Fazenda, Termos de Contagem
de Escravos Vindos da Costa da África; e, FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico
de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, Apêndice 17, p. 217; Para a
Bahia: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 178.1 e 182.1 e, na Seção de Obras Raras da
Biblioteca Nacional (RJ), o jornal Idade d’ Ouro do Brasil (de 1812 a 1819).
90
que representava uma taxa de aproximadamente 5% dos cativos desembarcados com vida na
Bahia. Dados para o Recife apontam que a quarenta era mais eficaz do que em Salvador. Lá
os escravos era levados para o Lazareto. Além do tempo de confinamento ser menor, cerca de
duas semanas, era menor o número de escravos que não resistiam ao isolamento – cerca de
15%, o que representava 2% dos desembarcados.207
Observando a tabela 4 podemos aferir os níveis de mortalidade frente as regiões
de embarque ao longo do tempo. Atendo-nos apenas às duas áreas que efetivamente
abasteciam o Rio de Janeiro - a África Central Atlântica e a África Oriental -, percebe-se a
relação entre o aumento da mortandade com o crescimento da distância entre o porto
carioca e a região africana de embarque. Perdia-se quase três vezes mais escravos entre os
cativos embarcados no Índico do que na área congo-angolana, fato inicialmente explicável
pela duração da travessia oceânica: enquanto os negreiros provenientes do litoral angolano
permaneciam de 33 a 43 dias no mar rumo ao porto do Rio de Janeiro, os que eram
embarcados nos portos de Moçambique podiam navegar até durante 76 dias.
Paradoxalmente, porém, considerando igualmente as duas regiões de onde provinha a
maioria dos escravos que entre 1803 e 1819 abasteciam o porto de Salvador, observa-se
tendência inversa: as taxas de mortalidade em negreiros vindos da Costa da Mina eram
entre 1% e 2% menores do que as observadas nos navios que zarpavam do litoral angolano
para a Bahia, em que pese o fato das viagens entre o esta região e Salvador durarem ¾ do
tempo médio de travessia detectado para a rota África Ocidental (respectivamente, 34 e 42
dias, vide tabela5).
Semelhante paradoxo torna mais complexo o papel da distância entre a região da oferta
e a de demanda como fator explicativo da mortalidade a bordo dos negreiros, e permite
enriquecer a discussão com outras hipóteses que não necessariamente excluem o peso da
travessia oceânica. A primeira nos levaria a considerar a lotação dos negreiros. Observe-se por
meio da tabela 4 que as médias de escravos nos navios negreiros provenientes do litoral
angolano eram em geral maiores do que as dos que zarpavam do Golfo da Guiné tanto para o
Rio de Janeiro (427 x 279) quanto para Salvador (391 x 368), e menores do que as médias
207 FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre V.; SILVA, Daniel D. da., op. cit., 2004, p. 111.
91
observadas em naus que vinham do Índico – para o Rio 533 e para a Bahia 491. Eis um
elemento que até certo ponto poderia explicar as maiores taxas de mortalidade em naus
provenientes da costa congo-angolana, resultantes, nesse caso, de uma tendência dos
traficantes que atuavam nessa rota a assumirem maiores riscos do que aqueles que tinham no
Golfo da Guiné o seu principal ponto de abastecimento. Uma segunda hipótese leva em
consideração o fato de que, por ser mais sólida no Golfo da Guiné do que nas áreas bantu, a
presença de Estados centralizados tornava a escravização e o tráfico através da África
Tabela 5 - Duração média (em dias) da travessia entre a África e os portos do Rio de
Janeiro e Salvador, por região africana de embarque, 1803-1830
Rio de Janeiro Salvador Ano/Porto
África Ocidental
África Central
Atlântica
África Oriental
África Ocidental
África Central
Atlântica
África Orienta
l 1803 - - - 49 (17) 37 (6) -
1804 - - - 44 (17) 35 (5) -
1805 - - - 43 (18) 34 (4) -
1806 - - - 48 (22) 36 (7) -
1807 - - - 47 (24) 35 (5) -
1808 - - - 47 (20) - -
1809 - - - 39 (22) 50 (1) -
1810 - - - 39 (25) 34 (1) -
1811 61 (7) 40 (19) - 42 (20) - -
1812 53 (4) 40 (44) 74 (4) 39 (23) 39 (4) 47 (1)
1813 52 (2) 40 (37) 76 (4) 43 (18) 33 (3) -
1814 44 (5) 39 (29) 67 (4) 40 (20) 31 (1) -
1815 - 37 (29) 74 (4) 43 (8) 32 (2) 54 (2)
1816 43 (1) 39 (39) 70 (5) 33 (5) 27 (5) 51 (1)
1817 - 36 (40) 71 (4) - 28 (16) 70 (4)
1818 - 37 (49) 70 (11) - 27 (17) -
1819 - 38 (42) 57 (9) - 28 (10) 60 (3)
1820 - 38 (31) 62 (19) - - -
1821 - 37 (35) 69 (16) - - 64 (1)
1822 - 36 (42) 64 (15) - 38 (37) -
92
1823 - 37 (28) 66 (16) - 26 (10) 62 (1)
1824 - 35 (46) 73 (12) - 33 (6) -
1825 - 38 (46) 72 (16) - - -
1826 - 34 (69) 59 (13) - - -
1827 - 34 (66) 56 (8) - - -
1828 - 33 (93) 57 (22) - - -
1829 - 33 (93) 59 (29) - - -
1830 - 36 (55) 66 (25) - - -
Obs.: Os números entre parênteses indicam o total de navios com registros de duração da travessia
Fontes: Para o Rio de Janeiro: Arquivo Nacional (RJ), Códice 242, Provedoria da Fazenda, Termos de
Contagem de Escravos Vindos da Costa da África; e, FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma
história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997,
Apêndice 17, p. 217; Para a Bahia: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 182.1 e 56.3, na
Seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional (RJ), o jornal Idade d’ Ouro do Brasil (de 1811 a 1819).
Ocidental comparativamente menos predatórias e menos sujeito a interesses privados do que
em Angola ou em Moçambique. Por certo, a feição mais destrutiva da escravização em zonas
bantu esteve igualmente vinculada ao – ainda comparativamente falando - pequeno
desenvolvimento dos circuitos comerciais e à fraca densidade populacional.
A correspondência mantida entre negociantes cariocas e angolanos entre 1818 a 1823
oferece elementos que permitem manejar uma outra hipótese, que explora a natureza
operacional da das compras de escravos. Em diversas cartas repetidamente aparece a exigência
dos traficantes do Rio Janeiro para que os seus comissários em Luanda comprem escravos
“pelo melhor preço“, sem assumirem dívidas, e remeta-os ao Brasil na maior “brevidade
possível“. Do mesmo modo, reiteram-se exigências no sentido de se adquirir "escravos novos,
que sejam bons" – por exemplo, cativos jovens e com saúde -, mesmo que para tanto se
pagasse um pouco mais. Escrevendo a Antônio Alves da Silva, o grande traficante Manoel
Gonçalves de Carvalho dizia que, uma vez vendidos os bens para escambo, o líquido deveria
ser empregado na aquisição de "escravos novos que sejam bons, ainda que custem ainda
alguma meia dobra." Escrevendo a seu correspondente em Luanda, Albino Gonçalves de
Araújo afirmava remeter um fardo e um pacote com fazendas, que deveriam ser vendidas
"conforme o estado da terra o permitir (...) e seu líquido mo remeterá pelos primeiros navios
93
que saírem para esta [cidade do Rio de Janeiro], em cera e algum azeite, deste gênero pode-se
no último caso escravos, nestes recomendo que sejam bons, posto que mais caros." Pedro
Antônio Vieira, remetendo a Angola produtos no valor de 387$560 réis, pedia a compra de
"escravos de 12 até 18 anos pouco mais ou menos." Além disso, passava a seu correspondente
em Luanda uma "procuração para em virtude dela ver se apanha um negro, meu escravo, por
nome Domingos de nação Congo, ainda rapaz que terá 25 anos pouco mais ou menos, alto,
picado de bexigas, com defeito em um olho, que daqui me fugiu e me dizem foi na [nau]
Mariana de marinheiro e parece que está com negócio fora da cidade [de Luanda]. Caso V.
M. o apanha mo remeterá para esta debaixo de prisão, e caso queira forrar por preço que
faça conta dando para 3 ou 5 moleques, o fará ou como melhor lhe parecer (...)".208 Estes
exemplos sugerem forte dependência dos comerciantes residentes na África para com os
traficantes brasileiros, afiançada por cadeias de adiantamento/endividamento de bens para o
escambo. Para a boa consecução dos negócios tornavam-se imprescindíveis relações estreitas e
personalizadas entre os agentes econômicos. Por isso, é plausível que por ocasião da
incorporação de áreas novas ao tráfico (caso de Moçambique), ou de traficantes novos em
zonas tradicionais (baianos no litoral angolano e cariocas na Costa da Mina), a ausência de
relações econômicas sólidas agentes nativos resultasse, ao menos de início, na aquisição de
muitos escravos já debilitados, que não resistiam á travessia oceânica.
A tabela 4 mostra que, com o tempo, diminuíram os níveis de mortalidade a bordo,
tanto no tráfico para o Rio de Janeiro quanto no tráfico baiano. Na rota Congo-Angola/Rio de
Janeiro, com exceção de Cabinda, cuja taxa permaneceu praticamente inalterada, os dois
outros principais portos abastecedores - Luanda e Benguela - acompanharam a tendência
global. A mortalidade caiu também na rota Costa da Mina-Salvador de 6,8% 1795-1811 para
4,5% 1812-1819, e a queda foi ainda mais substantiva na rota Moçambique-Rio de Janeiro: de
23,4% 1795 e 1811 para 13,2% na década de 1820. Uma das possíveis explicações para essa
tendência decrescente das taxas de mortandade possivelmente foi o estabelecimento de
relações mais estáveis entre os traficantes brasileiros e os intermediários africanos, seja no
Atlântico, seja no Índico. De todo modo, este decréscimo foi ainda caudatário da queda na
duração da travessia oceânica., tal como mostra o a tabela 5. Talvez essa possa ser explicada a
208FLORENTINO, Manolo. op. cit., 1997, pp. 130-2.
94
partir da mudança no padrão tecnológico dos barcos da época e ao aumento da participação de
pequenas embarcações, provavelmente mais velozes, pertencentes a traficantes não
especializados que buscavam lucrar com o grande aumento da demanda depois da abertura
dos portos.
Ainda do ponto de vista estritamente empresarial, a mortalidade constituía a variável
de maior importância para a determinação da lucratividade dos negócios. É certo que se todos
os traficantes arriscavam, os verdadeiramente profissionais do tráfico buscavam aproveitar
conjunturas ascendentes aumentando o volume das exportações de escravos, e o logravam
através do incremento do número de expedições e igualmente do incremento da média de
escravos transportados. Contudo, ao contrário do que alguns poderiam esperar, do ponto de
vista do cálculo empresarial o aproveitamento das conjunturas de alta passava ainda pela
redução da mortalidade nos navios, que podia redundar em aumento da lucratividade das
expedições. O traficante profissional buscava manter equilibrado o total de cativos adquiridos
e os índices de mortalidade a bordo. Desta forma é possível sugerir que uma das chaves para a
compreensão da rentabilidade negreira estava apoiada no equilíbrio entre o investimento
inicial em bens para o escambo - que determinaria o quanto seria comprado - e as mercadorias
para o abastecimento da escravaria - que determinaria o índice da mortalidade no negreiro).
Alguns traficantes erravam nesse cálculo, acarretando a perda de muitos escravos, o que
contribuiu para sua ruína empresarial. De todo modo os traficantes estabelecidos no circuito
atlântico, constituinte de uma rede comercial, levavam consideráveis vantagens sobre os de
participação eventual. Ao manterem uma relação mais orgânica com os intermediários
africanos, através de seus capitães, e até mesmo na forma de sociedades, eles podiam obter
escravos mais saudáveis e a melhores preços. E ainda, por disporem de maiores recursos, eles
estavam mais aptos tanto a comprar mais cativos quanto a mantê-los. Em todo caso, como
forma de diminuir estes últimos gastos e, ao mesmo tempo, a mortalidade da escravaria,
recomendavam que a negociação e travessia se realizassem na maior brevidade de tempo
possível.
95
Capítulo 4 - A terceira perna do tráfico: redistribuição
A redistribuição de escravos caudatária do tráfico atlântico
O escravo africano chegava ao porto de Salvador vindo da África, após a longa
travessia do Atlântico que durava em torno de um a dois meses, num estado de exaustão física
e moral. Em sua terra de origem, fora capturado, posto a ferros, separado de seus familiares,
percorrera longas distâncias até ser embarcado em negreiros apinhados de africanos, onde
conhecera as desventuras de uma viagem forçada, convivendo com os maus tratos dos seus
condutores, a fome, a sede, a promiscuidade, as doenças e a morte. Ao desembarcar, seu
proprietário o via como um importante investimento de capital. O proprietário do escravo dava
atenção especial a saúde do cativo. Era preciso expor o cativo aparentando bom estado físico e
até mesmo moral para a fixação de um bom preço de venda. Em Salvador, desde meados do
século XVII, após terem sido pagas na alfândega as referidas taxas de importação, as novas
levas de escravos ficavam abrigados em depósitos fixos que por vezes ocupavam quarteirões
inteiros. Nestes locais, o escravo recebia alimentação e passava por um processo de
“maquiagem”. Muitas vezes seu proprietário aplicava óleo de palma em todo o seu corpo, para
esconder doenças de pele e, principalmente, para dá-lhe aspecto de bom estado físico, no
momento em que era exposto para possíveis compradores.
Muitos desses novos escravos eram destinados ao interior e cidades litorâneas da
América portuguesa. Nos séculos XVI e XVII, os escravos eram direcionados
primordialmente para regiões de pequenas dimensões, próximas ao porto de desembarque.
Eram áreas onde se cultivava a cana-de-açúcar. A venda do africano se fazia ou por leilão ou
de um particular a outro. Neste período os circuitos de redistribuição de cativos ainda não
eram tão desenvolvidos quanto os constituídos nos século XVIII e XIX. Tratava-se portanto
de um circuito pequeno de compra e venda.
Com a descoberta das jazidas de metais e pedras preciosas no interior da América
portuguesa, não só o tráfico atlântico foi modificado, com o aumento do número de
desembarques, mas também todo o sistema de redistribuição dos cativos. Esta nova atividade
comercial passou a ser desempenhada por comerciantes intermediários chamados de
96
“tratantes”.209 Eles passaram a ser o elo entre os grandes importadores de Salvador e aqueles
que necessitavam de mão-de-obra. Logo a Coroa portuguesa passou a regular tal atividade. O
cargo de contratador do recolhimento dos direitos, que os comerciantes deviam pagar para
redistribuir os cativos pela América lusa, era leiloado no Conselho Ultramarino, em Lisboa. O
valor da taxa que devia ser paga ao contratador por cada “tratante” variava conforme o destino
intencionado. Em 1757 Francisco da Silva Pereira arrematou por um período de três anos o
contrato das saídas dos escravos das capitanias da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro
que se dirigiam para Minas Gerais, por um valor anual de 3:285$000 livres para a Fazenda
Real (pelo da Bahia 19:000$000, do Rio de Janeiro 10:285$000 e Pernambuco 1:000$000). O
contrato estipulava que se cobraria 4$500 por escravo que saísse das capitanias do Rio de
Janeiro e Pernambuco em direção as minas e 9$000 quando partisse da Bahia.210 O escravo
deveria obrigatoriamente ser despachado para pela Provedoria da Fazenda Real. Estavam
isentos de pagarem essa taxa os moradores do Caminho das Minas que levassem escravos para
trabalharem em suas lavouras e não os passassem para as lavouras mineiras. Caso cometesse
esse delito, o infrator seria preso e pagaria na cadeia 100$000 réis por cada escravo
desencaminhado.211
Muitos escravos devem ter chegado às minas com guias constando como destino final
o Rio de Janeiro. Funcionários do contratador eram responsáveis pela fiscalização e
assinaturas das guias (ou passaportes). Para minimizar as possíveis fraudes, exigia-se do
“tratante” no Rio de Janeiro a documentação expedida na Bahia, onde devia constar o destino
final no momento que estivesse levando escravos para as minas. Caso o Rio aparecesse como
escala, o “tratante” não precisaria pagar novamente a taxa, e logo era anotado no livro de
despacho as informações da guia para evitar que uma mesma guia pudesse ser usada mais de
uma vez.
Infelizmente não temos conhecimento da existência em arquivos de exemplares das
guias emitidas em Salvador. Porém, foi possível recuperar dois livros de despachos de
escravos partindo da capital baiana.212 Um onde constam passaportes para os anos de 1760 a
1770 e um outro para os anos de 1811 a 1820. Em ambos os códices é possível perceber
209 MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 57. 210 APEB, Mç 626, “Contrato da saída dos escravos da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco 1757”. 211 CAVALCANTI, Nireu. “O comércio de escravos novos no Rio setecentista”, (paper inédito).
97
estruturas semelhantes. As informações contidas na documentação são: data do despacho,
nome do “tratante”, a quantidade de escravos e o destino. Na documentação do século XVIII é
possível saber se o escravo é africano (novo ou ladino) ou crioulo. Em poucos também consta
a origem étnica do cativo. Já para o século XIX, podemos identificar o sexo dos escravos.
Tais informações constantes nos livros de despachos podem ser ilustradas reproduzindo
os registros abaixo.
Passaportes de escravos:
“Em 09 do dito mandou o mesmo governador passar passaporte a Justo Manoel Espindola para levar para as Minas pelo sertão, dois escravos de que pagou direitos”.213 “Em 15 do dito mandou o governador passar passaporte a João de Oliveira para levar para as Minas quarenta escravos de que pagou direitos e mais dois ladinos livre dos mesmos”.214 “Em 30 do dito a Antônio Francisco Ribeiro para levar para o Rio Grande do Sul um escravo e uma escrava”.215 “Em 22 de maio do dito ano a Francisco Aguiar para levar a Capitania do Espírito Santo 9 escravos e 4 escravas”216
Ao fornecer tais informações, a documentação de despacho de escravos nos permite
aferir as flutuações do comércio atlântico de escravos e sua redistribuição nos mercados
regionais da América portuguesa; a concentração dos negócios; a demografia dos escravos
vendidos.
Da Bahia, muitos escravos partiam para seu derradeiro destino por via marítima ou por
via terrestre. Em ambas as rotas, não estava excluída a possibilidade do “tráfico interno”,
realizado por proprietários que revendiam seus escravos para outras capitanias em função da
demanda de mão-de-obra. Em que pese a importância do “tráfico interno”, a tabela 6 nos
mostra que no intervalo temporal de 1760 a 1770 o contigente de africanos representava quase
a totalidade (99,3%) dos 17191 cativos despachados pelo porto de Salvador. Entre os
africanos, 95,5% correspondiam a escravos novos. Desta forma, podemos perceber que a
212 APEB, Códices 249 e 252. 213 APEB, Códice 249, p. 15v. 214 APEB, Códices 249, p. 35. 215 APEB, Códice 252, p. 22.
98
atividade de redistribuição dos escravos na cidade de Salvador estava intimamente associada
ao comércio atlântico e, portanto, deve ser entendida como um trecho da rota transatlântica –
a terceira perna do tráfico –, atividade distinta do “tráfico interno”.217
Tabela 6: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador
(1760-70)
Africanos Crioulos Anos # Novos % Novos # Ladinos % Ladinos # %
Total de escravos
1760 1749 98,3 29 1,6 2 0,1 1780 1761 1119 91,9 96 7,9 2 0,2 1217 1762 1627 93,8 101 5,8 7 0,4 1735 1763 1637 96,0 65 3,8 4 0,2 1706 1764 1127 97,6 25 2,2 2 0,2 1154 1765 1243 98,5 13 1,0 6 0,5 1262 1766 1244 97,7 34 2,6 9 0,7 1287 1767 1102 95,1 51 4,4 6 0,5 1159 1768 2062 93,8 113 5,1 24 1,1 2199 1769 1012 85,0 149 12,5 30 2,5 1191 1770 2432 97,3 41 1,6 28 1,1 2501 Total 16354 95,1 717 4,2 120 0,7 17191
Fonte: APEB, Códice 249 Todos os escravos que se deslocavam de uma capitania a outra tinham que ser
registrados no livro de despacho, mesmo aqueles transacionados no que conhecemos como
“tráfico interno”. Na ausência de registros de compra e venda de escravos, documentação que
surgiu apenas em meados do século XIX, podemos sugerir algumas hipóteses sobre o mercado
de cativos na América portuguesa a partir dos dados obtidos na tabela 6. Apenas 0,7% dos
cativos despachados de Salvador eram crioulos. Esta taxa pode estar baseada numa questão de
ordem demográfica, no fato do escravo ter vida curta na colônia, daí a necessidade constante
de se repor a mão-de-obra via tráfico atlântico. Porém, podemos imaginar por traz desses
números uma questão de caráter político do sistema escravista na América portuguesa: não era
interessante a compra e a circulação de crioulos pela colônia. Vender um crioulo significava
separá-lo de sua família, de seus amigos, o que poderia gerar conflitos que viessem a
216 APEB, Códice 252, p. 11. 217 Denominamos de terceira perna do tráfico atlântico o deslocamento do escravos entre o porto de desembarque na América portuguesa até o seu destino no interior do continente. Já a primeira perna era o percurso do sertão africano (interior) até os portos de embarque no litoral e a segunda a própria travessia do Oceano Atlântico. Tal expressão foi cunhada por Roberto Martins num estudo sobre as remessas de cativos do Rio de Janeiro para Minas Gerais no início do século XIX.
99
desestabilizar o sistema. Era comum a fuga de escravos no percurso entre a moradia de seu ex-
senhor até o seu novo “lar”. Muitos se revoltavam fugindo ou agredindo o seu senhor frente a
uma possível venda. Tal hipótese política se fortalece quando observamos os números de
ladinos despachados, apenas 712 (4,2% do total). Embora fosse africano, o escravo ladino já
estava ambientado no mundo colonial, e era conhecedor de seus códigos e provavelmente já
teria constituído laços de amizade em seu novo ambiente. Desta forma, a venda e a circulação
de escravos ladinos poderia trazer também instabilidade a sociedade escravista. Florentino e
Goés estudando famílias escravas no Rio de Janeiro apontam que quando ocorria a partilha
entre herdeiros, cerca de 75% das famílias escravas encabeçadas por crioulos permaneciam
unidas. Já para aquelas encabeçadas por africanos, tal cifra alcançava 90%.218 Estas taxas
apontam para a retirada do mercado escravos dos escravos que constituíam vínculos na
colônia, reafirmando a idéia da opção do mercado pelo africano novo.
Podemos apontar, portanto, que a manutenção do sistema escravista na América
portuguesa se dava via aculturação, a partir do comércio de escravos novos para mercados
regionais. O africano importado pelo tráfico contra sua vontade, não se integrava na vida da
nova terra, não se “nacionalizava”, e não adotava o Brasil como nova “pátria”.219 Era nisso
que os senhores escravistas apostavam.220
Frente a esses dados, podemos relacionar para o período de 1760 a 1770 os despachos
dos escravos novos com as estimativas do tráfico atlântico. A tabela 7 nos mostra que a
variação dos escravos boçais frente ao volume do comércio internacional era de 15,4% a
61,4%. Essa diferença é justificada por uma demanda fixa no número de escravos
despachados. A média anual de cativos que partiam da capital baiana era de aproximadamente
1500. Se observarmos o gráfico 4, perceberemos que, independentemente do total de
desembarcados em Salvador, pouca alteração ocorria nos números de africanos novos
despachados. Havia uma demanda que era devidamente atendida. Na década de 1760-70
218 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, pp. 116-7. 219 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo, 1933, p. 169. 220 Como na Bahia, os despachos de novo na cidade do Rio de Janeiro também era superior aos demais, cerca de 80%, para os anos de 1819-30. Tais dados reafirmam a idéia de manutenção da sociedade escravista a partir da inserção do africano novo. Ver, FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada: despachos de escravos e passaportes da Intendência da Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de História Quantitativa, UFOP, 2000, pp. 5 e 6.
100
observamos que 30% dos escravos novos que chegaram a Salvador foram redistribuídos para
regiões interioranas e outros portos da América portuguesa.
101
Tabela 7: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas do tráfico atlântico de escravos (1760-70)
Ano # novos % novos (a) % novos (b) Total escravos redistribuído # Tráfico Atlântico 1760 1749 98,3 53,0 1780 3298 1761 1119 91,9 32,8 1217 3408 1762 1627 93,8 42,1 1735 3866 1763 1637 96,0 61,4 1706 2664 1764 1127 97,6 22,6 1154 4984 1765 1243 98,5 20,8 1262 5988 1766 1244 97,7 18,8 1287 6631 1767 1102 95,1 16,2 1159 6798 1768 2062 93,8 46,7 2199 4416 1769 1012 85,0 15,4 1191 6560 1770 2432 97,3 46,7 2501 5207
1760-70 1487 (c) 1563 (d) Total 16354 95,1 30,4 17191 53820
Fonte: APEB, Códice 249; Anexo 2 OBS: (a) % de novos em relação aos despachados para o interior (b) % de novos em relação ao tráfico atlântico (c) média de escravos novos despachados anualmente entre 1760-70 (d) média de escravos despachados anualmente
102
Gráfico 4: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas do tráfico atlântico de escravos (1760-70)
Fonte: Tabela 7.
Muito provavelmente os escravos novos que não eram despachados (c. de 70% do
volume do tráfico internacional) deviam ser utilizados na própria cidade de Salvador ou eram
comprados por senhores da área do Recôncavo baiano.221 Tal fato corrobora a análise feita no
capítulo 1, quando associamos a recuperação do tráfico atlântico ao desenvolvimento da
economia agrícola na capitania da Bahia, principalmente na região do Recôncavo produtora de
açúcar e de fumo.
Os escravos da Bahia vindos da África eram redirecionados para a região aurífera das
Gerais costeando o rio São Francisco e o rio das Velhas, percorrendo uma distância de
aproximadamente 200 léguas (c. 1.200 km)222 – cf. mapa 2. Pelo menos até a segunda década
221 Para a região do Recôncavo baiano não encontramos um registro de guia de despacho entre os 2592 existentes na documentação. 222 ANTONIL, André João Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976, pp. 186-7.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1760
1762
1764
1766
1768
1770
Tráfico Atlântico Redistribuição
103
do século XVIII, foram os traficantes baianos os principais fornecedores de trabalhadores
escravos para as minas. Tal fato mudou com a abertura do “caminho novo”.
104
Mapa 2:
105
Se, percorrendo o “caminho velho”,223 que ligava o Rio de Janeiro à região mineradora via
Paraty, gastava-se de 43 a 99 dias, dependendo do número de paradas, a partir da abertura do
novo caminho, em 1711, o percurso de 80 léguas (c.480 km), passa a ser feito em doze ou até
dez dias.224 Uma crônica da época relata que o recém descoberto caminho foi importante para
que o Rio de Janeiro se destacasse no comércio com as minas em detrimento da antiga
comunicação por terra que era realizada com grandes dificuldades a partir da Bahia de Todos
os Santos.225 Apesar de não mais representar o mercado preferencial e estratégico da reposição
de cativos, atividade que o Rio de Janeiro passou a desempenhar a partir da terceira década do
século XVIII, a Bahia pôde ter exercido um papel complementar para o atendimento da
demanda na região das Gerais, como podemos observar na tabela 8.226 No mínimo cerca de
6.000 cativos por ano devem ter entrado na capitania mineira entre 1739-1759, sendo a Bahia
responsável por aproximadamente 35% (c. de 2100) do total desse volume.
A partir de 1760 esse volume foi reduzido. Observando a tabela 9 percebemos que,
entre 1760 e 1770, cerca de 60% dos escravos saídos da Bahia iam para as Minas, o que dava
uma média anual de 916.227 Ao acreditarmos que todo o escravo que saiu de Salvador para as
minas tenha alcançado a região das Gerais vivo, teremos uma queda de mais de 50% dos
escravos importados na capitania mineira, vindo da Bahia. A tabela 8 ratifica o gráfico 2 (cf.
cap. 1) e a idéia do porto do Rio de Janeiro ter sido o principal fornecedor de mão-de-obra à
região das Minas no século XVIII.
223 Sobre o “caminho velho” cf. ANTONIL, André João, op. cit., 1976, p.184. 224 idem, pp. 184 –6. 225 PARSCAU, Guillaume François. “A invasão francesa de 1711”. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (Org.). Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p.135. 226 Em vilas, fazendas e veios de Goiás e Mato Grosso, entre fins do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX os escravos provenientes da África Ocidental eram maioria entre os africanos. Este foi o período no qual o fluxo de cativos entre a Costa da Mina e a Bahia se recuperou. Ver KARASCH, Mary . “Central Africans in Central Brazil, 1780-1835”. In: HAYWOOD, Linda M. Central Africans and cultural transformations in the American diaspora. New York/Cambridge: Cambridge University Press, 2002, passim. 227 Goulart estima que entre os anos de 1760 a 1765 1100 escravos/ano tenham entrado na capitania mineira saídos da Bahia. Números próximos ao observados na tabela 9, que nos dá uma média anual de 1131. Ver GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, p. 170.
106
Tabela 8: Flutuações na importação de escravos na capitania de Minas Gerais saídos da
Bahia e Rio de Janeiro (1739-1759)
Triênio Bahia Rio de Janeiro
1739-41 9.200 11.900
1742-44 - 12.000
1745-47 7.300 12.000
1748-50 6.670 10.670
1751-53 6.670 10.700
1754-56 6.670 11.010
1757-59 6.330 6.850
Fonte: GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1975, p. 170.
Mesmo com a queda no volume de cativos despachados, Minas Gerais continuou
sendo o destino que concentrava as maiores remessas de escravos da cidade de Salvador.
Talvez esses escravos não estivessem sendo remetidos apenas para a mineração, mas também
para atividades econômicas majoritariamente voltadas para o mercado interno, constituído de
pequenos e médios senhores.228 O desempenho da economia mineira fez com que ela
permanecesse como um dos grandes pólos de demanda por africanos, contrariando clássicos
como Roberto Simonsen e outros, que insistiam em encontrar uma forte crise na economia
colonial a partir de meados do Setecentos.229
A necessidade de mão-de-obra em outras regiões de mineração, como as capitanias de
Goiás, de Mato Grosso e no interior da Bahia (minas de Jacobina e rio das Contas), deve ter
contribuído no decréscimo do volume de escravos enviados para as Minas. Cerca de 12% dos
escravos saídos de Salvador partiram para Goiás. Em 1767 essa taxa chegou a 1/3.
228 Sobre a mudança das atividades econômicas em Minas Gerais no final do século XVIII e início do XIX ver MARTINS, Roberto. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e o apego a escravidão numa economia não-exportadora”. In: Estudos Econômicos, 13 (1), São Paulo: FIPE, 1983. 229 Ver por exemplo SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
107
Outro dado importante a observar é o aumento do número de escravos remetidos para o
interior do nordeste, área tradicionalmente voltada à agricultura. Se observarmos ainda a
tabela 9, notamos que áreas como Alagoas, Piauí e, principalmente, Bahia (interior),
conheceram uma expansão no número de escravos comprados em Salvador a partir de meados
da década de 1760, atingindo cerca de 10%. Este acréscimo nos últimos anos deve estar
relacionado à recuperação da economia agrícola do nordeste brasileiro, tanto dos produtos de
exportação como açúcar e fumo quanto os voltados para o abastecimento do mercado interno
como a farinha de mandioca e a pecuária.
O movimento de despachos de escravos para outras áreas, que não as Gerais, apontam
para a diversificação da economia colonial. Surgiram novas áreas que se converteram em
abastecedoras do mercado interno. É certo que as exportações brasileiras caíram cerca de 60%
entre 1760 e 1776, mas a performance do tráfico atlântico (cf. gráfico 2, cap.1) e da
redistribuição de cativos indica que à crise da mineração não se seguiu a decadência
generalizada da região sudeste, sugerindo a realocação dos fatores de produção. Logo, o que se
chamou de "falsa euforia" – um intervalo positivo que despontava em fins do Setecentos, em
meio à recessão generalizada – representou uma tendência que se sustentou até bem adiantado
do século seguinte.230
230 Sobre a “Falsa euforia” ver FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional / Publifolha, 2000.
108
Tabela 9: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Províncias (1760-70)
Minas Gerais (a)
Rio de Janeiro (b)
Bahia (c) Pernam-buco (d)
Rio Grande do Sul
Goiás (e) Mato Grosso (f)
Piauí Alagoas (g) Colônia de Sacramen-
to
Outros (h) Total
Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1760 1669 93,8 25 1,4 13 0,7 0 - 0 - 42 2,4 0 - 0 - 0 - 30 1,7 0 - 1779 100 1761 779 64,0 21 1,7 25 2,0 8 0,7 0 - 310 25,5 0 - 0 - 6 0,5 68 5,6 0 - 1217 100 1762 1389 80,0 104 6,0 41 2,4 12 0,7 4 0,2 153 8,8 0 - 0 - 0 - 0 - 32 1,8 1735 100 1763 1181 69,3 109 6,4 75 4,4 41 2,4 10 0,6 225 13,2 3 0,2 2 0,1 5 0,3 0 - 54 3,1 1705 100 1764 920 79,7 21 1,8 17 1,5 2 0,2 0 - 173 15,0 0 - 0 - 1 0,1 2 0,2 18 1,5 1154 100 1765 849 67,3 14 1,1 21 1,7 8 0,6 0 - 324 25,7 0 - 14 1,1 0 - 31 2,4 1 0,1 1262 100 1766 826 64,2 14 1,1 37 2,9 55 4,3 4 0,3 243 18,9 62 4,8 1 0,1 2 0,1 16 1,2 27 2,1 1287 100 1767 542 46,8 150 13,0 41 3,6 18 1,6 0 - 374 32,3 9 0,7 3 0,2 1 0,1 0 - 21 1,7 1159 100 1768 562 25,6 751 34,1 326 14,8 20 0,9 34 1,5 247 11,2 6 0,3 92 4,2 18 0,8 0 - 143 6,5 2199 100 1769 461 38,7 121 10,1 278 23,3 30 2,5 0 - 65 5,4 120 10,1 32 2,7 5 0,4 22 1,8 57 4,9 1191 100 1770 903 36,1 749 29,9 503 20,1 19 0,7 5 0,2 55 2,2 19 0,7 50 2,0 5 0,2 42 1,7 151 6,1 2501 100 1760-
70 1008
1 58,7 2079 12,1 1377 8,0 214 1,2 57 0,3 2211 12,9 219 1,3 194 1,1 43 0,2 211 1,2 504 3,0 17191 100
Fonte: APEB, Códice 249 OBS: (a) Inclui as regiões de Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, Paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio e Traíras, (b) Inclui a cidade do Rio de Janeiro, e regiões de Parati e Campos dos Goitacases; (c) Inclui as regiões de Caeté, Cairu, Camamu, Caravelas, Cotinguiba (Comarca do Sergipe), Comarca do Espírito Santo, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, Porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Pardo e do rio Preto; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões das minas do rio Verde, de Natividade, de Tocantins, de São Félix e Vila Boa de Goiás; (f) Inclui as minas de Cuiabá; (g) Inclui as regiões de Maceió e Penedo (h) Inclui as Províncias de São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e regiões não definidas
109
Tabela 9.1: Remessas de escravos novos por Províncias frente ao tráfico atlântico (1760-70)
Minas Gerais (a)
Rio de Janeiro (b)
Bahia (c) Pernambu-co (d)
Rio Grande do Sul
Goiás (e) Mato Grosso (f)
Piauí Alagoas (g) Colônia de Sacramen-
to
Outros (h) Tráfico atlântico
Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1760 1641 49,7 25 0,7 13 0,4 0 - 0 - 40 1,2 0 - 0 - 0 - 30 0,9 0 - 3298 100 1761 722 21,2 14 0,4 19 0,6 1 0,0 0 - 295 8,7 0 - 0 - 0 - 68 2,0 0 - 3408 100 1762 1322 34,2 94 2,4 27 0,7 2 0,0 4 0,1 146 3,8 0 - 0 - 0 - 0 - 32 0,8 3866 100 1763 1133 42,5 103 3,9 75 2,8 39 1,5 10 0,4 216 8,1 3 0,1 2 0,0 5 0,2 0 - 50 1,9 2664 100 1764 895 18,0 21 0,4 17 0,3 1 0,0 0 - 172 3,4 0 - 0 - 1 0,0 2 0,0 18 0,4 4984 100 1765 838 14,0 12 0,2 32 0,5 8 0,1 0 - 319 5,3 0 - 14 0,2 0 - 31 0,5 0 - 5988 100 1766 802 12,1 11 0,2 31 0,4 53 0,8 4 0,0 239 3,6 62 0,9 1 0,0 1 0,0 14 0,2 27 0,4 6631 100 1767 517 7,6 140 2,0 37 0,5 16 0,2 0 - 364 5,3 9 0,1 2 0,0 0 - 0 - 17 0,2 6798 100 1768 524 11,9 729 16,5 287 6,5 19 0,4 31 0,7 246 5,6 0 - 86 1,9 12 0,3 0 - 128 2,9 4416 100 1769 413 6,3 81 1,2 238 3,6 16 0,2 0 - 49 0,7 118 1,8 22 0,3 5 0,1 21 0,3 49 0,7 6560 100 1770 895 17,2 721 13,8 491 9,4 12 0,2 5 0,1 55 1,0 19 0,4 42 0,8 5 0,1 42 0,8 145 2,8 5207 100 1760-
70 9702 18,0 1951 3,6 1257 2,3 167 0,3 54 0,1 2141 4,0 211 0,4 169 0,3 29 0,0 208 0,4 466 0,9 53820 100
Fonte: APEB, Códice 249; Anexo 2 OBS: (a) Inclui as regiões de Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, Paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio e Traíras, (b) Inclui a cidade do Rio de Janeiro, e regiões de Parati e Campos dos Goitacases; (c) Inclui as regiões de Caeté, Cairu, Camamu, Caravelas, Cotinguiba (Comarca do Sergipe), Comarca do espírito Santo, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, Porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Pardo e do rio Preto; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões das minas do rio Verde, de Natividade, de Tocantins, de São Félix e Vila Boa de Goiás; (f) Inclui as minas de Cuiabá; (g) Inclui as regiões de Maceió e Penedo (h) Inclui as Províncias de São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e regiões não definidas.
110
Dos escravos novos que chegavam à Bahia, entre 1728 e 1748, período de grande
produtividade mineral, calcula-se que 40% tenham sido redirecionados para as Minas.231
Desta forma, podemos calcular em 1560 o número de cativos novos remetidos por ano para
Minas Gerais. Já entre os anos de 1760 e 1770 houve uma queda significativa nesses
números. Apenas 18% dos novos que chegaram a Salvador foram remetidos para as lavras
mineiras, uma média anual de 882 escravos, como observamos na tabela 9.1.
Voltemos a pensar nos despachos como possibilidade para se entender o mercado de
escravos no interior da América portuguesa. Como observado acima, ocorreu o predomínio
de despachos de africanos novos. Essa opção pelo boçal se fez presente também na
economia mineira, em que pese sua transformação de uma economia baseada na mineração
para uma focada na produção de mercadorias para o mercado interno, o que acarretou um
declínio das importações de cativos. A partir da segunda metade do século XVIII, notamos
um processo de crioulização na massa escrava mineira. A variação na taxa de cativos
africanos até 1738 variou entre 82% e 95%. Já em 1771, na região da Freguesia de
Congonhas do Sabará, esse percentual caiu para cerca de 70%, chegando no ano de 1804 a
representar apenas 40% da escravaria no Distrito de São Caetano e em Vila Rica.232
Embora a importação de escravos tenha caído e conseqüentemente tenha alterado o perfil
demográfico, com o aumento da participação do crioulo na sociedade mineira, o padrão de
compra e venda de escravos permanece sendo de africanos novos. De um total de 10081
escravos enviados para as Gerais, os novos representavam 9702 (ver tabela 9.1), cerca de
96%. Isso reforça a idéia de que a sociedade colonial privilegiava a inserção do cativo boçal
com uma questão política. Não sendo interessante para o sistema escravista a circulação do
crioulo.
Se diminuiu o envio de novos para a região das Gerais, para o interior da Bahia
ocorreu o inverso. Ao longo da década de 1760 percebe-se um incremento nos despachos
de novos para esta região (cf. tabela 9.1), reflexo da recuperação nos números da economia
baiana. O aumento prolongado no fluxo de boçais para o interior acarretou no aumento na
taxa de africanos na sociedade escrava baiana. Entre 1710 a 1789 a taxa de africanos era de
aproximadamente 65%. Já para os anos de 1790 a 1827 esta taxa alcançou a proporção de
231 GOULART, op. cit., 1975, p. 165. 232 LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero da. Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (FIPE), s/d, pp. 50-1.
111
68%.233
A capitania do Rio de Janeiro foi a terceira que mais comprou escravo no mercado
de Salvador. Isso nos sugere que muitos comerciantes acabavam desviando os escravos
para outra regiões, como Minas Gerais, burlando as normas para o pagamento dos
impostos, pois a taxa paga para se levar um escravo da Bahia diretamente para as Minas era
de 9$000 réis e para o Rio de Janeiro era de 4$500 réis. Mas podemos pensar que esse
comércio entre Salvador e a praça carioca estava calcado num interesse pelos africanos
“minas”. Originários da África Ocidental, os cativos minas representavam cerca de 60%
dos desembarcados no porto de Salvador. Em cartas comerciais do século XVIII fica nítido
o apreço e interesse que os escravos minas despertavam no Rio de Janeiro.234 Estes sempre
foram muito apreciados pela sua beleza e capacidade de trabalho sendo mais estimados que
os de Angola. Ainda segundo documentação da época, os comerciantes preferiam os minas,
pois os angolanos que chegavam na América pereciam rapidamente.235
Devido a dificuldades do comércio entre a Costa da Mina e o Rio de Janeiro, a
Bahia deve ter exercido o papel de fornecedor de escravos minas à praça carioca ao longo
do século XVIII. Entre os anos de 1759 a 1771, foram registradas dezoito embarcações, que
transportaram 5.196 escravos da Costa da Mina para o porto do Rio. Trata-se de uma
quantidade pequena para um período de treze anos. Para os anos de 1760, 1761, 1762 e
1768 não há registro de entrada de embarcações desta região africana. A média anual
registrada para esse período foi de 577 escravos236. Muitos desses escravos provavelmente
foram remetidos para as Gerais, o que deveria gerar uma carência de “minas” no mercado
do Rio de Janeiro. Desta forma, podemos sugerir que a demanda por “minas” era
complementada pela redistribuição da cidade de Salvador.
Um outro corpo documental nos permite estabelecer as rotas da redistribuição dos
cativos para as diversas praças regionais da América portuguesa na segunda década do
século XIX. Infelizmente, nesta documentação não há especificação quanto a naturalidade
do escravo despachado. O cenário apresentado para os anos do século XVIII sofre grandes
233 SCHWARTZ, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 290. 234 LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais ( uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília / São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, vol. 1, p. 227. 235 Idem, vol. 1, p. 19. 236 CAVALCANTI, op. cit.
112
alterações, quando passamos a analisar o período de 1811 a 1820. Observando a tabela 10
notamos a ausência de envio de escravos para as duas principais capitanias receptoras no
século XVIII, Minas Gerais e Goiás. Para as Minas foram achados apenas 7 registros (5 no
ano de 1813, 1 nos anos de 1819 e 1820) perfazendo um total de 14 escravos remetidos,
cerca de 0,1% do total de cativos remetidos. Para Goiás e também Mato Grosso, áreas de
extrativismo mineral, nenhuma leva partiu de Salvador. Porém, calcula-se que entre os anos
de 1780 a 1820 tenha sido incorporados aos plantéis mineiros anualmente
aproximadamente 2000 escravos.237 É difícil de acreditar que entre 1811 e 1820, a Bahia
tenha contribuído com apenas 14 escravos dos 20000 que chegaram as Gerais.
Tal inquietação aumentou ao constatar que embora não há registro de saídas de
cativos (seja africanos ou crioulos) para Goiás e Mato Grosso, temos conhecimento da
chegada de levas para estas regiões. No ano de 1815, entraram em vila Boa de Goiás
(antiga capital da Província de Goiás, atual Cidade de Goiás) 163 cativos, dos quais 50
vindo em 7 levas da cidade de Salvador. Destes escravos, apenas 4 ficaram em vila Boa de
Goiás, sendo os outros remetidos para Cuiabá. Todos os escravos eram africanos novos e
moleques. Os outros 113 africanos novos chegaram do Rio de Janeiro, sendo que apenas 36
permaneceram em vila Boa de Goiás. Os demais foram remetidos para Cuiabá.238
Entretanto, imaginamos que a remessa de escravos de Salvador para essas áreas tenha
diminuído de toda maneira, uma vez que, por exemplo, Minas Gerais passava por um
processo de crioulização de sua mão-de-obra escrava como mencionado acima, devido
justamente a queda no fluxo de cativos africanos já observadas nos final da década de 1760.
O principal destino para o período de 1811-20 é a província do Maranhão, que
representa aproximadamente 1/3 das compras efetuadas no mercado de Salvador. Em 1817
e 1818 chegou a ser o ponto final para mais da metade dos cativos que eram redistribuídos
no Brasil. É de se supor que tanto a região do Pará, quanto a região do Maranhão, tenham
tido dificuldades em manter o seu volume no tráfico internacional, após 1815, quando este
comércio foi proibido ao norte da Linha do Equador, pois as principais regiões
fornecedoras de africanos para estas províncias brasileiras eram Cachéu e Bissau, que se
encontravam bem acima do limite estipulado para o trato negreiro. Desta forma, o mercado
237 GOULART, Maurício. op. cit., 1975, p. 170. 238 MHB, Colonial, Entradas – Vila Boa, 1815.
113
baiano passou a desempenhar um papel de fornecedor de mão-de-obra para as províncias
do norte do Brasil.
Podemos perceber que o peso das áreas interioranas do nordeste se confirmou.
Cerca de 40% dos escravos despachados para o interior do Brasil na segunda década do
século XIX, tinham estas regiões como destino. O que corrobora a hipótese de um
crescimento constante na economia da região, que se iniciou no último quartel do século
XVIII e que se manteve nas primeiras décadas do século XIX, refutando mais uma vez a
idéia da “falsa euforia” defendida por Celso Furtado. Desta maneira a redistribuição de
escravos da cidade de Salvador se reafirma como principal fornecedora de mão-de-obra
para áreas de abastecimento do mercado interno, tendência que já despontava no final da
década de 1760.
Já as regiões ao sul do Brasil limitaram-se a uma participação de 13% no total dos
escravos despachados de Salvador. As Províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio
Grande do Sul tinham a cidade do Rio de Janeiro como principal praça fornecedora de
mão-de-obra cativa. Apenas 6% dos escravos que entravam na província do Rio Grande do
Sul eram provenientes da Bahia, enquanto os originários do Rio de Janeiro representavam
88%.239
Em meio aos despachos direcionados ao Brasil encontramos 11 viagens
direcionadas a Havana com escala em Caiena entre os anos de 1811 e 1816, a saber: 1
viagem em 1811, 1 em 1812, 5 em 1813, 2 em 1814, 1 em 1815 e 1 em 1816. O total de
escravos reexportados nessas viagens foi de 2347. Provavelmente, após as limitações
impostas ao comércio negreiro no Atlântico, em decorrência dos tratados assinados entre
Portugal e Inglaterra, a praça baiana se viu em dificuldades de continuar atendendo a região
caribenha, tendo em vista a necessidade que ora se fazia nas próprias terras brasileiras.
Não era fácil a navegação pelos mares do Caribe. Além da ação de piratas e
corsários que resultavam na captura de negreiros, os comerciantes que para lá se
aventuravam tinham que lidar com situações inusitadas. Em 1811, o bergantim São Manoel
Ativo, de que era mestre José Bento Davi, dirigia-se para Havana quando, a oito léguas da
ilha de São Domingos, defrontou-se com um brigue de guerra do Haiti, que depois de
239 BERUTE, Gabriel Santos. “Características dos escravos transportados para o Rio Grande de São Pedro (1788-1802)”.In: Humanas. nº 26 (2003). Porto Alegre: Ed. da Universidade, 2003, pp. 365-85.
114
encontrar nela mais de quatrocentos escravos conduziu-a a terra firme. Do acontecimento
logo foi informado o governo haitiano, cujos representantes imediatamente ordenaram o
desembarque, avaliaram os escravos e mandaram pagar ao capitão do negreiro o valor dos
cativos em gêneros do país.240 Nada se sabe sobre o desdobramento desse curioso episódio.
O envio de escravos da Bahia para Havana nos sugere uma diversificação do capital
mercantil de Salvador, para além de suas fronteiras regionais. É possível imaginar que
tenha existido sociedades entre comerciantes baianos e cubanos, o que aponta para a força
do capital mercantil no Brasil. Em verdade, essa associação entre Cuba e Brasil não se dava
apenas via Bahia. Como exemplo, temos notícia de um navio cubano sendo segurado na
praça mercantil carioca.241
240 BNRJ, Seção Obras Raras, Idade d’Ouro do Brasil –BA, N.º 22 – 26/07/1811 241 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 128.
115
Tabela 10: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)
Destinos Alagoas (a) Bahia (b) Maranhão
(c) Pernam-buco (d)
Piauí Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
São Paulo (e)
Sergipe (f) Outros (g) Total
Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1811 70 5,8 179 14,9 1 0,1 438 34,5 0 - 166 13,8 26 2,2 4 0,3 199 16,6 118 9,8 1201 100 1812 174 6,1 604 21,1 728 25,4 136 4,7 46 1,6 244 8,5 254 8,9 150 5,2 123 4,3 406 14,2 2865 100 1813 123 8,2 149 10,0 102 6,8 69 4,6 19 1,3 296 19,9 177 11,9 70 4,7 182 12,2 304 20,4 1490 100 1814 9 0,7 170 13,8 536 43,6 11 0,9 65 5,3 11 0,9 192 15,6 0 - 59 4,8 176 14,3 1229 100 1815 65 5,2 59 4,7 276 21,9 12 0,9 102 8,1 18 1,4 117 9,3 0 - 274 21,8 332 26,4 1257 100 1816 111 8,2 139 10,3 332 24,5 2 0,1 121 8,9 21 1,6 73 5,4 1 0,1 339 25,0 155 11,4 1354 100 1817 175 7,1 506 20,6 1378 56,0 7 0,3 30 1,2 14 0,6 88 3,6 0 - 194 7,9 67 2,7 2459 100 1818 270 11,1 263 10,8 1353 55,6 2 0,1 267 11,0 8 0,3 12 0,5 2 0,1 160 6,6 96 3,9 2433 100 1819 140 9,5 156 10,6 309 21,0 3 0,2 267 18,1 3 0,2 84 5,7 2 0,1 374 25,4 132 9,0 1470 100 1820 239 18,9 131 10,3 162 12,8 7 0,6 139 11,0 1 0,1 153 12,1 5 0,4 333 26,3 96 7,6 1266 100
1811-20 1378 8,1 2356 13,8 5177 30,4 687 4,0 1056 6,2 782 4,6 1176 6,9 234 1,4 2296 13,5 1882 11,0 17024 100
Fonte: APEB, Códice 252 OBS: (a) Inclui as regiões de Maceió e Penedo; (b) Inclui as regiões de Caeté, Caravelas, Freguesia de Santo Antônio do Urubu; Freguesia de S Sebastião do Sincorá, Itapicuru Grande, Jacobina, Porto Seguro, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Real; (c) Inclui as regiões de São Luís e Vila de Caxias; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife; (e) Inclui as regiões de Santos, São Sebastião e São Paulo; (f) Inclui as regiões de Cotinguiba, freguesia de Santa Luzia; vilas do Lagarto e de Itabaiana; (g) Inclui as Províncias de Ceará, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e regiões não definidas
116
Demografia dos escravos despachados (sexo, naturalidade e idade)
A partir do Códice 252 foi possível recuperar a composição sexual dos escravos
despachados para os anos de 1811 a 1820. Na tabela 11 observamos que a maioria dos
escravos eram do sexo masculino (76,2%) contra (23,8%) do sexo feminino.242 Tais resultados
nos indicam uma elevada razão de masculinidade243 (321), ou seja, para cada 100 mulheres
temos 321 homens. Nos dados referentes à redistribuição de escravos por via marítima e
terrestre a partir do Rio de Janeiro, entre 1822-1833, verificaremos que os cativos do sexo
masculino representam aproximadamente 76,1% do total de escravos. Este percentual significa
uma razão de masculinidade de 318.244 São dados praticamente idênticos, mostrando uma
simetria na forma como o tráfico atlântico atuava nas duas praças mercantis. Ora, sabemos que
o percentual de escravos novos despachados do Rio neste período girava em torno de 80%.245
Portanto, se concluímos que o padrão sexual dos escravos despachados de Salvador se
assemelham ao da redistribuição a partir do Rio de Janeiro, podemos supor que dos 17024
escravos remetidos da Bahia, entre 1811-20, 80% fossem africanos novos, reiterando o padrão
do comércio de boçais no interior do Brasil, mas uma vez apontando para a questão política
que envolvia a recusa por parte do sistema de fazer circular o cativo crioulo.
Do mesmo modo que inferimos o número de novos a partir dos dados sexuais,
podemos inverter a lógica para calcular as taxas sexuais dos escravos despachados nos anos de
1760-70. Neste período a taxa de africanos novos chegou a atingir 95%. Se sabemos que no
tráfico atlântico a razão de masculinidade era de 3/1, podemos supor que cerca de 75% dos
cativos despachados no referido período deveriam ser do sexo masculino.
Tais hipóteses nos permitem supor que, se o padrão para ambos os períodos seguia o
do tráfico atlântico, deviam ser adultos os escravos despachados. No caso do Rio de Janeiro,
cerca de 80% dos escravos redistribuídos eram adultos (entre 15 e 49 anos).246 Portanto,
podemos estabelecer que o padrão demográfico dos cativos despachados para os mercados
regionais no interior do Brasil, era de africanos novos, do sexo masculino e de idade adulta.
242 De um total de 3300 escravos foram identificados os sexos de 3221 cativos (97% do total). 243 A razão de masculinidade calcula-se dividindo o número total de homens pelo número total de mulheres e multiplicando o resultado por cem. Ver SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., 1988, p. 287. 244 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 221. 245 FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. op. cit., 2000, pp. 5-6.
117
Tabela 11: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados (1811-20)
Masculino Feminino Total Ano
# % # % # % A
1811 827 68,9 374 31,1 1201 100 221 1812 2386 77,8 679 22,2 3065 100 351 1813 1092 73,2 399 26,8 1491 100 274 1814 1056 85,9 173 14,1 1229 100 610 1815 970 77,2 287 22,8 1257 100 338 1816 1034 76,4 320 23,6 1354 100 323 1817 1847 75,1 612 24,9 2459 100 302 1818 1746 71,8 687 28,2 2433 100 254 1819 1124 76,5 346 23,5 1470 100 325 1820 1048 82,8 218 17,2 1266 100 481 Total 12980 76,2 4045 23,8 17025 100 321
OBS: A = razão de masculinidade (x homens/100 mulheres)
Fonte: APEB, Códice 252
Podemos estruturar a composição sexual em relação às regiões de compra dos
escravos. A taxa de masculinidade dos escravos remetidos para o interior baiano era de 80,4%
o que representa uma altíssima razão de masculinidade, 410. Tal número se opõe aos
calculado por Barickman para as fazendas e sítios de fumo no município de Cachoeira, no
Recôncavo para o período de 1800-19. Seus dados apontam para uma razão de masculinidade
de 116.247 Já os cálculos feitos por Schwartz nos apontam 227 a razão de masculinidade na
população escrava baiana para o período de 1790-1827.248
Razões de masculinidade tão altas quanto as verificadas nos despachos para o interior
da Bahia são observadas para mais três regiões: Piauí, 433; Sergipe, 406, bem próxima a
observada para o interior baiano; São Paulo, incríveis 609! Talvez pelo pouco número de
escravos possa estar ocorrendo uma distorção nos valores referentes a São Paulo.
Para Havana são reexportados 1870 homens (80%) e 477 mulheres (20%),
demonstrando uma razão de masculinidade de 390, bem alta mesmo se tratando de comércio
internacional. No Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do Oitocentos, a razão de
246 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 221. 247 BARICKMAN, Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 262. 248 SCHWARTZ, op. cit., 1995, p. 290.
118
masculinidade dos africanos desembarcados no porto era de 320, sendo que a de africanos
adultos chegava a 340.249
Tabela 11.1: Flutuação das taxas de masculinidade, por ano, dos escravos despachados frente ao destino final (1811-20)
Masculino Feminino Total Destino
# % # % # % A
Alagoas 1091 79,2 287 20,8 1378 100 300 Bahia 1894 80,4 462 19,6 2356 100 410
Maranhão 3741 72,3 1436 27,7 5177 100 260 Pernambuco 445 64,8 242 35,2 687 100 184
Piauí 858 81,2 198 18,8 1056 100 433 Rio de Janeiro 541 69,2 241 30,8 782 100 224 Rio Grande do
Sul 900 76,5 276 23,5 1176 100 326
São Paulo 201 85,9 33 14,1 234 100 609 Sergipe 1843 80,2 454 19,8 2297 100 406
Fonte: APEB, Códices 252
Concentração dos negócios da redistribuição
Entre os anos de 1760 e 1770 foram despachados 17191 escravos. A tabela 12 nos
mostra com estava estruturada as tropas que levavam os cativos para o interior.250 Buscamos,
dessa forma, estabelecer uma tipologia desses carregamentos baseados no número de escravos
transportados. A pequena tropa - responsável pela remessa de até dois cativos - representava
mais da metade (54,3%) do total dos despachos. Embora quantitativamente prevalecesse os
pequenos despachos, eles foram responsáveis pelo envio de apenas 1834 escravos, ou seja,
cerca de 11%. Embora de pequeno porte, os escravos despachados nestas viagens
desempenhavam o papel de complementar a demanda nas diversas áreas abastecidas pela
cidade de Salvador
249 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 59.
119
Tabela 12: concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador (1760-70 / 1811-20)
# de escravos enviados por despacho Despacho % Total dos escravos despachados %
1760-70 1 976 37,7 976 5,7 2 429 16,6 858 5,0 3 206 8,0 618 3,6 4 148 5,7 592 3,4
5 a 10 463 17,9 3283 19,111 a 25 242 9,3 3939 22,926 a 50 83 3,2 2903 16,951 a 75 22 0,8 1322 7,7
76 a 100 7 0,3 621 3,6 Mais de 100 12 0,5 2078 12,1
Total 2588 100 17191 100 1811-20
1 632 39,4 632 3,7 2 198 12,3 396 2,3 3 109 6,8 327 1,9 4 70 4,4 280 1,6
5 a 10 265 16,5 1913 11,211 a 25 185 11,5 3135 18,426 a 50 83 5,2 2998 17,651 a 75 20 1,2 1235 7,2
76 a 100 17 1,0 1549 9,1 Mais de 100 25 1,6 4560 26,8
Total 1604 100 17025 100 Fonte: APEB, Códices 249 e 252
No lado oposto aos dos pequenos negócios encontramos despachos feitos com mais de
51 escravos. Este número era superior a muitos plantéis de fazendas produtoras de açúcar,
fumo e farinha na região do Recôncavo baiano em finas do século XVIII.251 Embora
representassem apenas 1,5% dos envios, foram responsáveis pela remessa de
aproximadamente ¼ do total de cativos (4021). Havia ainda o negócio intermediário, aqueles
despachos de 11 a 50 cativos. Representavam 12,5% dos envios contabilizando um total de
6842 escravos (c. de 40%).
Para a província de Pernambuco cerca de 65% dos despacho era de apenas um escravo.
A maioria dessas compras eram feitas por religiosos que possuíam pequenos plantéis em
251 Ver BARICKMAN, B. J., op. cit., 2003, pp. 241-52.
120
mosteiros e prédios de instituições religiosos nas cidades do Recife e Olinda. Para áreas como
Minas e Goiás partiam tropas com o número de escravos igual ou superior a onze, cerca de
17% e ¼ respectivamente.252
Podemos analisar também a concentração dos despachos para o período de 1811-1820.
O padrão verificado nos anos de 1760-70 sofre uma pequena alteração, como podemos
observar a partir da tabela 12. Os pequenos envios, correspondiam a cerca de 52% dos totais
totalizando o envio de 1028 escravos (6%). Já aqueles que remetiam mais de 50 escravos
(cerca de 4%) foram responsáveis pelo envio de 7344 ( cerca de 41%). Já os intermediários
aproximadamente 17% dos registros remeteram 6133 (36%) dos escravos. Observamos, deste
modo, um aumento no nível de concentração de escravos por despachos. No século XIX, mais
do que no Setecentos, eram os grandes comerciantes que controlavam a reprodução física nas
diversas áreas abastecidas pela praça mercantil de Salvador.
Das remessas para o Maranhão, 1/5 são de mais de 100 escravos, demostrando o papel
primordial que o porto de Salvador passou a desempenhar para a economia maranhense. Para
o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul cerca de 80% dos despachos são de apenas um ou dois
escravos. Talvez tratava-se de escravos acompanhantes, que vieram e retornam com seus
senhores. Para as regiões do interior nordestino prevalecem as remessas intermediárias (de 11
a 50 escravos). Para Alagoas, interior da Bahia, Piauí e Sergipe essas taxas são
respectivamente 25%, 30%, 46% e 20%. No caso de Pernambuco prevalecem as pequenas
levas, cerca de 65% dos despachos.253 Esses dados apontam para a dependência das áreas
produtoras do interior do nordeste frente ao porto baiano. Vale ressaltar que embora não tenha
entrado nos cálculos da tabela 12, o comércio para Havana só se fazia com remessas de mais
de 100 escravos.
Nos dados para o Rio de Janeiro, entre 1825-30, verificamos também um padrão de
concentração alto nos despachos. Os pequenos negócios representavam 51,6% dos envios, mas
remeteram apenas 10.766 cativos (9%). Já os intermediários, mesmo sendo apenas 16,4% dos
despachos, enviaram quase metade de todos os cativos do período, 58.954. Os maiores
despachos, aproximadamente 3%, foram responsáveis por 25% da mão-de-obra escrava que
252 Ver anexo 6 253 Ver anexo 7
121
abastecia os mercados regionais.254 Ao analisar a redistribuição de cativos em ambas as praças
regionais é possível sugerir que tratava-se de uma atividade extremamente concentrada, não se
diferenciando do tráfico Atlântico. Talvez, os traficantes internacionais, por serem
responsávies pela venda de grande quantidade de cativos, possam ter tido uma participação
importante na redistribuição do mercado interno, controlando boa fatia deste mercado.
Podemos concluir, desta forma, que os negócios da redistribuição eram práticas comerciais
típicas de mercados pré-industriais, sociedades calcadas na baixa liquidez devido a pouca
circulação de moeda, altamente concentrada onde poucos controlavam o ritmo das transações
comerciais e muitos participavam como meros comerciantes de ocasião, porém
desempenhando papel fundamental na complementação no mercado de mão-de-obra no Brasil.
254 FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. op. cit., 2000, pp. 14-5.
122
Considerações Finais
Novas fontes e a visita a registros já conhecidos permitem aprofundar o estudo do
tráfico atlântico para o Brasil, redefinindo as estimativas do volume de africanos e
estabelecendo uma análise sobre o funcionamento da empresa traficante sediadas na praça
mercantil de Salvador. O manejo do material relativo ao porto de Salvador ensejou o
estabelecimento de nova estimativa acerca do total de africanos desembarcados entre 1678 e
1830, época em que a montagem e consolidação do complexo minerador das Gerais promoveu
o deslocamento do eixo da economia do nordeste para a do sudeste da América portuguesa. As
flutuações dos tráficos carioca e baiano refletiam a natureza competitiva do comércio negreiro
para ambos os portos, com a perda, por parte de Salvador, da condição de principal ponto de
recepção e re-exportação de africanos. Do mesmo modo, na África a região da Costa da Mina
cedeu lugar à preeminência da zona congo-angolana. Somados, os desembarques de escravos
nesses portos – quase um terço de todos os desembarques de africanos ocorridos nas Américas
entre 1700 e 1830 – expressam as próprias flutuações do coração da economia brasileira, e
rejeitam enfaticamente a idéia de uma crise geral na virada do século XVIII para o XIX.
Os dados demonstram também um forte paralelismo em alguns dos padrões
encontrados para os negócios negreiros do Rio de Janeiro e Salvador, marcados
simultaneamente por altos graus de concentração e de atuação especulativa. Em última
instância, tais características resultavam da natureza restrita do mercado brasileiro.
Estabeleceram-se ainda estimativas regionais inéditas acerca da mortalidade escrava durante a
travessia oceânica, o que permitiu esclarecer novos aspectos da variável que mais influenciava
o grau de lucratividade dos negócios. Até certo ponto, confirmou-se a tendência à variação das
mortandades a bordo de acordo com a duração da travessia oceânica. Ao mesmo tempo, no
entanto, sugeriu-se que tal padrão podia redefinir-se em função da adoção de estratégias mais
arriscadas por parte dos traficantes – sobretudo a opção pela maior lotação dos navios em
determinadas rotas –, da natureza mais ou menos predatória dos processos de escravização nas
regiões africanas de origem, e do grau de interação e sociabilidade entre os traficantes e os
agentes africanos do tráfico.
123
Por último, buscou-se levantar algumas questões e hipóteses sobre a redistribuição de
escravos da praça de Salvador. Analisando as áreas receptoras foi possível constatar que entre
as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX, houve uma diversificação
da economia colonial. Regiões até então sem expressividade econômica passaram a receber
um grande contigente de cativos. Eram áreas cuja economias voltavam-se para o
abastecimento do mercado interno. Não nos escapou a relação intrínseca entre o tráfico
atlântico e a redistribuição, sendo está última atividade considerada a terceira etapa do
comércio internacional. O perfil demográfico dos cativos despachados nos mostra que o
grosso da escravaria redistribuída se constituía de homens, adultos e, sobretudo, africanos
novos, perfil idêntico ao registrado no tráfico internacional. Estes dados sugerem que no
comércio interno de escravo no Brasil a escolha que se fazia era pelo boçal em detrimento do
ladino e do crioulo. Tal padrão pode estar calcado numa questão política intrínseca ao sistema
escravista da América portuguesa – a opção pela não circulação de crioulos e ladinos no
mundo colonial. Por fim, percebemos o quanto era concentrado os negócios da redistribuição,
destacando a atuação de monopolizadores e especuladores, ratificando a idéia de um mercado
restrito, típico de sociedades pré-industriais, o que nos sugere um paralelismo entre o esta
atividade e o tráfico internacional.
Este trabalho que no momento se encerra possibilitou descortinar algumas
questões acerca do comércio de escravos em Salvador. Porém, muitas outras ainda carecem de
análise, como o perfil de investimento do traficante internacional; as relações desenvolvidas
entre esses comerciantes; as relações e alianças estabelecida entre os traficantes e a elite
agrária baiana; além de uma análise mais aprofundada sobre o mercado da redistribuição,
tarefa que passarei a desenvolver em trabalho futuros.
124
Anexos
125
Anexo 1: Movimento anual das saídas dos negreiros do porto de Salvador, 1678-1815
Ano Total de Saídas de
Salvador
Ano Total de Saídas de
Salvador
Ano Total de Saídas de
Salvador
1678 2 1724 19 1770 17
1679 1 1725 18 1771 18
1680 3 1726 24 1772 18
1681 a 2 1727 19 1773 10
1682 a 2 1728 20 1774 10
1683 1 1729 14 1775 6
1684 4 1730 23 1776 1
1685 7 1731 12 1777 6
1686 2 1732 17 1778 12
1687 6 1733 13 1779 19
1688 7 1734 6 1780 16
1689 9 1735 7 1781 20
1690 16 1736 10 1782 17
1691 13 1737 12 1783 13
1692 9 1738 14 1784 10
1693 8 1739 14 1785 15
1694 14 1740 16 1786 12
1695 19 1741 14 1787 7
1696 21 1742 13 1788 8
1697 29 1743 14 1789 13
1698 26 1744 10 1790 8
1699 21 1745 10 1791 7
1700 25 1746 13 1792 14
1701 22 1747 14 1793 16
1702 23 1748 14 1794 23
1703 24 1749 10 1795 12
1704 18 1750 19 1796 16
1705 21 1751 4 1797 21
1706 26 1752 11 1798 19
1707 23 1753 7 1799 18
1708 20 1754 9 1800 31
1709 28 1755 10 1801 18
1710 25 1756 15 1802 16
1711 22 1757 16 1803 17
1712 32 1758 20 1804 25
1713 36 1759 16 1805 26
126
1714 33 1760 12 1806 30
1715 27 1761 12 1807 24
1716 27 1762 14 1808 18
1717 29 1763 9 1809 27
1718 20 1764 16 1810 43
1719 21 1765 b 21 1811 39
1720 19 1766 22 1812 21
1721 22 1767 22 1813 27
1722 18 1768 14 1814 14
1723 18 1769 20 1815 35
Total 2278c
Obs: 1 – Considerou-se como total as saídas que aparecem nos códices do APEB, mais aquelas listadas no Documentos Históricos e códice 141 do ANRJ, menos as que se repetem; a - Obtido pela média entre o último ano com registro e o primeiro igualmente com registro indicado;
b – Foram encontradas pedidos para navegar no período de 1765-1776 nos códices de alvarás para navegar à
Costa da Mina e nos livros de fianças para navegar à Angola;
c – Foram incluídas cinco viagens cujos registros não foi possível detectar o ano.
Fontes: ANRJ, Códice 141, vols. 1, 2, 3, 7, 15, 16 ; Documentos Históricos da Biblioteca Nacional,( RJ); APEB, códices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3.
127
Anexo 2 – Movimento Geral dos Desembarques de Escravos nos Portos do Rio de Janeiro e
Salvador, 1678-1830 Ano # Estimado de Escravos desembarcados em Salvador # Estimado de Escravos desembarcados no Rio de
Janeiro
1678 458 -
1679 229 -
1680 791 -
1681 510 -
1682 510 -
1683 229 -
1684 1124 -
1685 1603 -
1686 458 -
1687 1374 -
1688 1707 -
1689 2061 -
1690 3768 -
1691 2977 -
1692 2269 -
1693 1936 -
1694 3310 -
1695 4455 -
1696 4931 -
1697 6641 -
1698 6058 -
1699 4809 -
1700 5703 2400
1701 4881 2400
1702 5214 2400
1703 5814 2400
1704 4232 2400
1705 4995 2400
1706 6124 2400
1707 5346 2400
1708 4549 2400
1709 6111 2400
1710 6037 4200
1711 5350 4200
1712 7624 4200
128
1713 8782 4200
1714 8564 4200
1715 6542 4200
1716 6977 4200
1717 7231 4200
1718 6072 4200
1719 5542 4200
1720 4556 4200
1721 5673 4200
1722 4736 4200
1723 4381 4200
1724 4866 4200
1725 4496 4200
1726 7211 5700
1727 5659 5700
1728 5659 5700
1729 3743 5700
1730 6783 5700
1731 3591 3250
1732 5135 3103
1733 3641 5346
1734 1654 6906
1735 1955 5398
1736 2991 9054
1737 3930 7325
1738 5046 5766
1739 4696 7019
1740 5878 5755
1741 5058 6737
1742 4685 7747
1743 5319 9226
1744 3557 6367
1745 3623 8828
1746 4715 10787
1747 4727 3852
1748 5149 6599
1749 3655 7168
1750 6307 8740
1751 1331 6891
1752 4111 7300
129
1753 2122 5350
1754 3049 6882
1755 3401 6934
1756 4863 7838
1757 4544 7019
1758 4910 7661
1759 4792 9090
1760 3298 3832
1761 3408 6340
1762 3866 7350
1763 2664 8236
1764 4984 7917
1765 5988 11834
1766 6631 8103
1767 6798 10653
1768 4416 8854
1769 6560 8047
1770 5207 7977
1771 5715 9381
1772 6102 10539
1773 3280 8096
1774 3280 8855
1775 1924 6623
1776 6653 7255
1777 7427 a 5073
1778 7427 a 6380
1779 7427 a 8092
1780 8200 7186
1781 6472 8800
1782 5776 a 7728
1783 5776 a 7886
1784 5776 a 7253
1785 5776 a 10122
1786 5776 a 10025
1787 5776 a 9028
1788 5776 a 9466
1789 5080 7728
1790 4812 5740
1791 5662 7478
1792 6050 8456
130
1793 7635 11096
1794 8269 10225
1795 8665 10640
1796 7424 9876
1797 4837 9267
1798 6788 6780
1799 7038 a 8857
1800 7038 a 10368
1801 7038 a 10011
1802 7038 a 11343
1803 7282 9722
1804 6634 9075
1805 6922 9921
1806 8374 7111
1807 7613 9689
1808 5706 9602
1809 7610 13171
1810 8045 18677
1811 7893 a 22520
1812 7741 18270
1813 7789 17280
1814 8219 15300
1815 6907 13330
1816 4139 18140
1817 5802 17670
1818 8706 24500
1819 7033 20800
1820 7722 21140
1821 6689 20630
1822 10638 23280
1823 4091 19640
1824 2448 24620
1825 4259 26240
1826 7858 35540
1827 10186 28350
1828 8127 45390
1829 12808 47280
1830 8425 30920
Total 807.295 1. 262. 242
131
Obs: 1- No caso do desembarque de escravos em Salvador, os números em negritos foram obtidos em documentos consultados que informavam o volume dos cativos trazidos no navio; os que estão em itálico foram coletados na obra de Góes Calmon; os demais foram estimados a partir das saídas de negreiros. Para cada navio estipulou-se um carregamento de 290 africanos no retorno (cf. metodologia no texto). 2 – Para o Rio de Janeiro os números de 1700 a 1795 foram obtidos no texto de Nireu Cavalcanti; os de 1796 a 1830 foram recolhidos no livro de Manolo Florentino. a – Obtido pela média entre o último ano com registro e o primeiro igualmente com registro indicado
Fontes: ANRJ, Códice 141, vols. 1, 2, 3, 7, 15, 16 ; BNRJ, Documentos Históricos da Biblioteca Nacional;
APEB, códices 439, 440, 443, 449, 456 e 626-3; AHMS, Códices 178.1 (1780-1798) 182.1 (1803-10) e 56.3
(1822-24); CALMON, F. M. Goes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834; CAVALCANTI,
Nireu pp. 106 e 112 (paper inédito); FLORENTINO, Manolo, op. cit., apêndice 3, p.218; The Trans-Atlantic
Slave Trade: a database on cd-rom. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
132
Anexo 3: Saídas de negreiros do porto de Salvador de acordo a região africana de destino,
1678-1811
Ano África Ocidental África Central Atlântica África Oriental Ilhas Atlânticas
-
1678 1 1
1679 1
1680 1 2
1681 0
1682 0
1683 0 1
1684 4
1685 5 2
1686 2
1687 5 1
1688 6 1
1689 9
1690 15 1
1691 9 4
1692 6 1 2
1693 6 2
1694 8 3 3
1695 17 1 1
1696 21
1697 24 1 4
1698 21 2 3
1699 19 1 1
1700 24 1
1701 20 2
1702 23
1703 24
1704 17 1
1705 19 1 1
1706 25 1
1707 23
1708 20
1709 26 2
1710 24 1
1711 22
1712 30 2
133
1713 34 2
1714 30 3
1715 27
1716 23 4
1717 21 8
1718 20
1719 19 2
1720 18 1
1721 21 1
1722 17 1
1723 13 5
1724 16 3
1725 18 2
1726 22
1727 18 1
1728 18 2
1729 13 1
1730 21 2
1731 11 1
1732 14 3
1733 9 4
1734 5 1
1735 6 1
1736 6 4
1737 12
1738 13 1
1739 13 1
1740 13 3
1741 14
1742 13
1743 13 1
1744 8 2
1745 9 1
1746 11 2
1747 8 2 4
1748 8 2 4
1749 7 2 1
1750 11 7 1
1751 3 1
1752 9 2
134
1753 3 4
1754 6 3
1755 7 3
1756 13 1 1
1757 14 2
1758 19 1
1759 13 3
1760 12
1761 11 1
1762 14
1763 9
1764 16
1765 16 5
1766 12 10
1767 8 14
1768 7 7
1769 14 6
1770 12 5
1771 11 7
1772 13 5
1773 8 2
1774 9 1
1775 6
1776 1
1777 6
1778 12
1779 18 1
1780 16
1781 20
1782 17
1783 13
1784 10
1785 15
1786 12
1787 7
1788 8
1789 13
1790 8
1791 7
1792 14
135
1793 16
1794 23
1795 12
1796 16
1797 21
1798 19
1799 18
1800 31
1801 18
1802 16
1803 17
1804 25
1805 26
1806 30
1807 24
1808 17 1
1809 27
1810 43
1811 31
1812
1813
1814
1815
1816
1817
1818
1819
1820
1821
1822
1823
1824
1825
1826
1827
1828
1829
1830
Total 1946 a 112 4 107 b
TOTAL: 2169
136
Obs: 1. Os principais portos de destino da África Ocidental são: Costa da Mina (nome genérico - 95,5% dos
1946 registros), Calabar, Gabão e Cacheu; as lhas do Atlântico inclui Ilha de São Tomé, Ilha do Príncipe e Ilha de
Cabo Verde; África Central Atlântica inclui os portos de Benguela, Cabinda e Angola; África Oriental inclui o
porto da Ilha de Moçambique.
2. Embora o total de partidas de negreiros de Salvador para a África seja de 2274, em apenas 2169 registros foi
possível detectar a área africana de destino. Em 105 viagens, entre os anos de 1811 e 1815 nos é informado
apenas que o navio dirige-se para a Costa da África.
a – Foram incluídas quatro viagens nas quais não foi possível detectar os anos.
b – Foi incluída uma viagem na qual não foi possível detectar o ano.
Fontes: As mesmas do Anexo 1.
137
Anexo 4: Procedência dos navios negreiros vindos da África que atracaram na Bahia, por
região e porto de embarque, 1776-1824
Entre 1776–1810 Entre 1811-1824 Entre 1776-1824 Região/Porto de
Embarque # % # % # % África Ocidental 378 70,6 98 40,3 476 61,2 “Costa da Mina” 352 93,3 85 85,9 437 92,0 “Baía do Benin” 2 2,0 - - 2 0,4
Calabar - 2 2,0 2 0,4 Rio dos Camarões 2 2,0 - - 2 0,4
Cabo do Lopo Gonçalves - - 2 2,0 2 0,4 Ilha de São Tomé e
Príncipe 24 6,4 6 6,1 30 6,3
África Central Atlântica 156 29,2 131 53,9 287 36,9 Luanda 98 62,8 23 17,5 121 42,2 Cabinda - - 37 28,2 37 12,9 Benguela 58 37,2 1 0,8 59 20,5 Loango - - 1 0,8 1 0,3
Rio Zaire - - 9 6,9 9 3,1 Ambriz - - 1 0,8 1 0,3
Molembo - - 59 45,0 59 20,5 África Oriental 1 0,2 14 5,8 15 1,9
Ilha de Moçambique 1 100 10 71,4 11 73,3 Quilimane - - 4 28,6 4 26,7
Total 535 100 247 a 100 782 a 100 Obs: a. inclui-se quatro navios provenientes da “Costa da África” Fonte: AHMS, Códices 178.1 , 182.1 , 56.2 e 56.3 ; BNRJ, Idade d’Ouro do Brasil (de 21/05/1811-29/06/1819).
138
Anexo 5: Concentração das entradas de negreiros provenientes da África no porto de Salvador (1788-1819)
Número de empresas Número de entradas Total de entradas
1 20 20 1 18 18 1 15 15 1 13 13 1 12 12 2 11 22 4 10 40 1 9 9 4 8 32 5 7 35 4 6 24 8 5 40
11 4 44 13 3 39 30 2 60 82 1 82
169 505
OBS: 1 - Os traficantes aparentados foram unidos em uma mesma empresa. Foi possível determinar a família a
partir da análise do sobrenome do armador, do navio, do capitão e do porto de comércio na África.
2 – Foram excluídas dessa tabela as viagens sem informação para o nome do armador, consignadas a mais de um
armador, e oito desembarques realizados nos navios de Vossa Majestade.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Salvador, Códices 178.1 e 182.1 e, na Seção de Obras Raras da Biblioteca
Nacional, o jornal Idade d’ Ouro (de 31/05/1811 a 29/06/1819).
139
Anexo 6: Despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador para os principais destinos (1760-70)
Alagoas Bahia Colônia do Sacramento
Goiás Minas Gerais Pernambuco Piauí Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
# de escravos/despacho
# % # % # % # % # % # % # % # % # % 1 9 47,4 112 31,9 7 46,7 67 25,4 507 36,7 51 64,5 13 29,5 151 57,8 11 55,0 2 6 31,6 72 20,5 1 6,7 44 16,7 218 15,8 11 13,9 11 25,0 33 12,6 0 - 3 2 10,5 40 11,4 0 - 14 5,3 106 7,7 4 5,1 7 15,9 16 6,1 2 10,0 4 2 10,5 24 6,8 0 - 18 6,8 73 5,3 5 6,3 2 4,5 9 3,4 2 10,0
5-10 0 - 89 25,3 1 6,7 61 23,1 240 17,4 4 5,1 8 18,2 23 8,8 5 25,0 11-25 0 - 14 4,0 2 13,3 39 14,7 156 11,3 3 3,8 2 4,5 17 6,5 0 - 26-50 0 - 0 - 3 20,0 17 6,4 56 4,0 1 1,3 0 - 2 0,8 0 - 51-75 0 - 0 - 1 6,7 3 1,1 13 0,9 0 - 1 2,3 3 1,1 0 -
76-100 0 - 0 - 0 - 1 0,4 5 0,4 0 - 0 - 1 0,4 0 - < 100 0 - 0 - 0 - 0 - 6 0,4 0 - 0 - 6 2,3 0 - Total 19 100 351 100 15 100 264 100 1380 100 79 100 44 100 261 100 20 100
Fonte: APEB, Códice 249
140
Anexo 7: Despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador para os principais destinos (1811-20)
Alagoas Bahia Maranhão Pernambuco
Piauí Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
São Paulo Sergipe # de escravos/despacho
# % # % # % # % # % # % # % # % # % 1 34 21,8 37 17,8 18 21,4 23 48,9 2 6,2 100 65,4 294 66,7 7 43,8 54 19,1 2 24 15,4 20 9,6 3 3,6 8 17,0 1 3,1 21 13,7 57 13,0 1 6,2 37 13,1 3 7 4,5 22 10,6 3 3,6 3 6,4 0 - 8 5,2 32 7,2 0 - 22 7,8 4 9 5,8 12 5,8 2 2,4 1 2,1 0 - 3 2,0 12 2,7 1 6,2 22 7,8
5-10 43 27,6 50 24,0 6 7,1 4 8,5 8 25 8 5,2 29 6,6 3 18,8 82 29,1 11-25 25 16,0 46 22,1 6 7,1 2 4,2 4 12,5 6 3,9 12 2,7 2 12,5 55 19,5 26-50 13 8,3 15 7,2 12 14,3 5 10,6 11 34,4 5 3,3 3 0,7 1 6,2 8 2,8 51-75 0 - 3 1,4 7 8,3 0 - 3 9,4 0 - 2 0,4 0 - 0 -
76-100 0 - 3 1,4 8 9,5 0 - 2 6,2 1 0,6 0 - 0 - 2 0,7 < 100 1 0,6 0 - 19 22,6 1 2,1 1 3,1 1 0,6 0 - 1 6,2 0 - Total 156 100 208 100 84 100 47 100 32 100 153 100 441 100 16 100 282 100
Fonte: APEB, Códice 252
141
Fontes
1. Fontes manuscritas
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB)
Alvarás para navegar – códices: 439, 440, 443, 447, 449, 456 (1 vol. cada)
Fianças para navegar – códice: 626-3 (1 vol.)
Correspondências diversas - Mç 193 – “Diretoria da Fortaleza de Ajudá” – 1765/1799
Judiciário, Inventário de Custódio Ferreira Dias 4/1741/2211/5.
Coleções de Ordens Régias – 1650-1800.
Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS)
Livros de visitas à embarcações - códices 178.1, 182.1, 56.2 e 56.3 (1 vol. cada)
Arquivo Nacional –RJ (ANRJ)
Alfândega da Bahia – códice: 141 (17 vols.)
Fianças – códices: 157 (1 vol. cada)
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)
Coleção Castro e Almeida, Bahia – (cd-roms Projeto Resgate)
São Paulo, cx. 3, doc. 167
Museu Histórico das Bandeiras (MHB)
Colonial, Entradas, Vila Boa - 1815
2. Fontes Impressas ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976.
142
BNRJ, “Discurso preliminar. Histórico, Introdutivo, com natureza de descrição econômica da Comarca e Cidade da Bahia”. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1906, pp. 281-348. ______, Documentos Históricos – volumes 25, 28, 29, 30, 31, 56, 57, 58, 59, 60 , 61 e 62. Rio
de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, s/d.
______, seção obras raras, Idade d`Ouro no Brasil – 1815-1819. CALMON, F. M. Góes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834. DALZEL, Achibald. The history of Dahome: a inland kingdom in Africa. S/l: Frank Cass and Co., 1967. LESSA, Clado Ribeiro de. Crônica de uma embaixada luso-brasileira à costa da África em fins do século XVIII, incluíndo o texto da viagem de Àfrica em o reino do Dahomé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. LISANTI FILHO, Luís. Negócios Coloniais ( uma correspondência comercial do século XVIII). Brasília / São Paulo: Ministério da Fazenda / Visão Editorial, 1973, 5 volumes. PARSCAU, Guillaume François. A invasão francesa de 1711. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (Org.). Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p.135. PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1976. VERGOLINO – HENRY, Anaíza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A presença africana na Amazônia colonial: uma notícia histórica. Belém: Arquivo Público do Pará, 1990. VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapuã, Vol. 1, 1969. 3. Fontes Secundárias ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980. BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
143
BERUTE, Gabriel Santos. “Características dos escravos transportados para o Rio Grande de São Pedro (1788-1802)”.In: Humanas. nº 26 (2003). Porto Alegre: Ed. da Universidade, 2003, pp. 365-85. BIRMINGHAM, David. Trade e conflict in Angola. Oxford: Claredon Press, 1966. BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo – Séculos XV-XVIII. Os Jogos das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (Volume 2). CARDOSO, Ciro F. “Sobre os modos de produção coloniais da América”. In: SANTIAGO, Théo (org.). América colonial (Ensaios). Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp. 61-88. ________________. “O modo de produção escravista colonial nas Américas”. In: SANTIAGO, Théo (org.). América colonial (Ensaios). Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp. 89-143. ________________.Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987. _________________. “A crise do colonialismo luso na América portuguesa 1750/1822”. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990, pp.101-124. CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969. ________________. Economic change in precolonial Africa: Senagambia in the Era of the slave trade. Madison: s/ed., 2 vols.,1975. CURTO, José C. Álcool e escravos: o comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c.1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da África Central Ocidental. Lisboa: Vulgata, 2002. _____________. “ A dinâmica demográfica de Luanda no contexto do tráfico de escravos do Atlântico Sul, 1781-1844”. In: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Rio de Janeiro: 7Letras, v. 4, março/2002, pp.85-138. DAVIDSON, Basil. Black mother: the years of African Slave Trade. Boston: s/ed., 1961.
144
ELKINS, Stanley. Slavery: a problem in American institucional and intellectual life. Chicago: The University Chicago Press, 1968. ELTIS, David. Economic growth and ending of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987. ___________. The rise of african slavery in the Americas. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. ___________. “The Nineteenth Century Transatlantic Slave Trade: an annual time series into the America’s broken down by region”. In: Hispanic America Historical Review 67, 1. ___________; RICHARDSON, David; KLEIN, Herbert. The Trans-Atlantic Slave Trade: a
database on cd-rom. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
FAGE, John D. “Slavery and the slave trade in the context of West African history”. In: Journal of African History, 10 , 1969, pp.393-404. ____________. “Slaves and society in western Africa, 1400 - c. 1700”. In: Journal of African History, 21 , 1980, pp.289-310. ____________. História da África. Lisboa: Edições 70, 1995. FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambás. Brasília: Ed. UnB, 1989. FERREIRA, Roquinaldo. “Dinâmica do Comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (século XVIII)” )”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 339-378. FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997. ____________________ & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. ____________________; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 83-126. FLORY, Rae & SMITH, David Grant. “Bahian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early Eighteenth Centuries”. In: Hispanic American Historical Review, 58 (4), 1978, pp. 571-594.
145
FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. FRAGOSO, João Luís & FLORENTINO, Manolo. “História econômica”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp.27-44. __________________ &______________________. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. FRAGOSO, João Luís & FERREIRA, Roberto Guedes. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada: despachos de escravos e passaportes da Intendência da Polícia da Corte, 1819-1833. Seminário de História Quantitativa, UFOP, 2000. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional: Publifolha, 2000 (Grandes nomes do pensamento brasileiro). GINZBURG, Carlo. “O nome e o como”. In: GINZBURG, Carlo, et alli. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, pp. 169-78. ________________. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GODELIER, Maurice. O enigma do Dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978. ________________. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975. GREENE, Jack. “Negociated authorities”. In: Negociated authorities. Essays in colonial political and constitutional history. Charlottesville and London: University Press of Virginia, 1994. HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. In: HESPANHA, Antônio Manuel (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editora Estampa, 1998. IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: HUCITEC, 1998.
146
KARASCH, Mary . “Central Africans in Central Brazil, 1780-1835”. In: HAYWOOD, Linda M. Central Africans and cultural transformations in the American diaspora. New York/Cambridge: Cambridge University Press, 2002, 117-151. KLEIN, Herbert. Escravidão africana: América Latina e Caribe. São Paulo: Brasiliense, 1987. _____________. Tráfico de escravos. In: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de Janeiro, 1986. _____________. The Atlantic slave trade: new approaches to the Americas. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. KULA, Witold. Teoria econômica do sistema feudal. Lisboa: Ed. Presença, 1979. LAW, Robin. “The gold trade of Whydah in the seveenteenth and eighteenth centuries”. In: African Studies program. West African economy and social history: studies in memory of Maria Johnson. Madison: Wisconsin University Press, 1990. ___________. “Dahomey and the North-West”. In: Cahiers du Centre de Recherches Africaines. Paris, N.º 8, 1994. ___________. “A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental (1800-1849)”. In: Topoi – Revista Histórica do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Rio de Janeiro: 7Letras, v. 2, 2001, pp.9-40. LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte no século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero da. Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (FIPE), s/d. MANNING, Patrick. “Escravidão e mudança social na África”. In: Novos Estudos CEBRAP, n.º: 21, 1988, pp. 8-29. _________________. Slavery, colonialism and economic growth in Dahomey, 1640-1960. Cambridge: Cambridge University Press, African Studies Series # 30, 2004. _________________. Slavery and African life. Cambridge: Cambridge University Press, African Studies Series # 67, 2004. MARTINS, Roberto. “Minas Gerais, século XIX: tráfico e o apego a escravidão numa economia não-exportadora”. In: Estudos Econômicos, 13 (1), São Paulo: FIPE, 1983.
147
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. ________________________. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo/Salvador: HUCITEC/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978. MILLER, Joseph. The significance of drought, diseasa and famine in the agriculturally marginal zones of Western Central Africa. In: Journal of African History, 23, 1982. ______________. Way of death. Madison: Wisconsin University Press, 1987. NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1983. PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979. POLANYI, Karl. Slave trade: an analysis of an archaic economy. Washington: University of Washington Press, 1966. ______________. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000. PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977. ______________. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1978. REVEL, Jacques (Org.). Jogos de Escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas: 1998. RIBEIRO, Alexandre V. “O Tráfico Atlântico entre a Bahia e a Costa da Mina: flutuações e conjunturas (1683-1815)” In: Estudos de História. Programa de Pós-Graduação em História – Unesp (Faculdade de História, Direito e Serviço Social) Franca, 2002, v. 9, n.º 2, pp. 11-34. RODNEY, Walter. How Europe underdeveloped Africa. Londres: s/ed., 1972 RODRIGUES, Jayme. O infame comércio, propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). São Paulo: Ed. da Unicamp, 2000. RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo, 1933. RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília: Ed. da UnB, 1981.
148
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 73-105. SANTOS, Corcino Medeiros dos. “A Bahia no comércio português da Costa da Mina e a concordância estrangeira”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Brasil – colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, pp. 221-37.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. ______________________. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2002. ______________________. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003. ______________________. Francisco Félix de Souza: mercador de escravos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004. SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil 1500-1820. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978. TANNEBAUM, Frank. Slave and citizen: the negro in the Americas. S/l, 1949. TAUNAY, Afonso de E. Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941. TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. Salvador/ São Paulo: Edufba/Ed. Unesp, 2002. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. _______________ A peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
149
VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.