A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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O PROCESSO DE ESTRANGEIRIZAÇÃO DA TERRA NO PARAGUAI: UM ESTUDO A PARTIR DAS AQUISIÇÕES DE TERRAS POR BRASILEIROS
E ARGENTINOS
LORENA IZÁ PEREIRA1
Resumo: A partir de 2007/2008, devido a crise agroalimentar gerada pela expansão da produção
de agroenergia, começou um novo período de intensificação da estrangeirização de terras, também denominada de corrida mundial por terras. O Paraguai é um dos países impactados por esse processo que tem o Brasil e a Argentina como principais países investidores na compra de terras e no controle sob os meios de produção, armazenamento e comercialização de produtos agrícolas, sobretudo a soja. A presença proprietários brasileiros e argentinos no Paraguai antecede a crise de 2007/2008 e tem gerado conflitos entre agricultores desses três países. De acordo com Rojas Villagra (2009), das 28 empresas nacionais do Paraguai, quatorze são de propriedade total ou parcial de brasileiros e quatro são de proprietários argentinos, tal quadro evidencia o subimperialismo argentino e brasileiro no Paraguai. Palavras-chave: Estrangeirização da terra; Paraguai; Brasil
Abstract: From 2007/2008, due to agri-food crisis caused by the expansion of bioenergy
production, it began a new period of intensification of land grabbing, also called global land rush. Paraguay is one of the countries impacted by this process having Brazil and Argentina as major investor countries to buy land and control over the means of production, storage and marketing of agricultural products, especially soybeans. The Brazilian and Argentine owners presence in Paraguay prior to the 2007/2008 crisis and has generated conflicts between farmers in these three countries. According to Rojas Villagra (2009) of 28 national companies of Paraguay, fourteen are wholly or partly owned by Brazilian and four are of Argentine owners, this framework highlights the Argentinean and Brazilian sub-imperialism in Paraguay.
Key-words: Land Grabbing; Paraguay; Brazil
1 – Introdução
O processo que denominamos de estrangeirização da terra atingiu
proporções avassaladoras a partir da crise agroalimentar de 2007/2008, tornando-se
um processo em escala global. Compreendemos estrangeirização da terra como
compra, arrendamento ou concessão de terras para estrangeiros,
desterritorializando camponeses, indígenas, comunidades tradicionais e culturas
alimentícias para a territorialização do capital transnacional, seja para exploração de
1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCT/UNESP). E-mail de contato: [email protected].
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recursos naturais, como para o cultivo de commodities agrícolas para fins de
exportação.
Apesar de ser um processo que ocorre em escala global, os países mais
afetados pela estrangeirização da terra estão localizados no continente africano e
latino-americano. O Paraguai é um dos países da América Latina que possui
maiores contingentes de terras em posse de estrangeiros, sobretudo brasileiros e
argentinos. A aquisição de terras por brasileiros e argentinos no Paraguai existe
desde 1870, momento em que foi promulgada a Constituição que estabelecia a
vigência da propriedade privada sem nenhuma restrição e coincidindo com o período
histórico de articulação da economia do Paraguai a economia mundial. Destacamos
que a presença de estrangeiros no Paraguai é oriunda desde seu processo de
colonização espanhola, iniciado em 1530.
Deste modo, o presente trabalho visa apontar breves reflexões sobre o
processo de estrangeirização da terra no Paraguai através de brasileiros e
argentinos, evidenciando um panorama geral de tal processo e como este acontece
no período pós-crise 2007/2008, momento em que o processo de estrangeirização
elevou-se em todo o globo.
2 – Procedimentos metodológicos
Para atingir os objetivos propostos para este trabalho, utilizamos como
procedimentos metodológicos um denso levantamento bibliográfico sobre o referido
tema, juntamente com levantamento de dados na Dirección General de Estadística,
Encuestas y Censos (DGEEC). Atualmente há brasileiros presentes em todos os 17
departamentos do Paraguai, principalmente nos departamentos limítrofes ao Brasil -
Alto Parana, Amambay e Canindeyú - atuando em produção de commodities como
soja, trigo, milho e gado, causando enormes impactos a sociedade paraguaia, sendo
consequências sociais, econômicas e ambientais, devido ao intenso uso de
agrotóxicos e cultivo de soja transgênica.
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3 – O PROCESSO DE ESTRANGEIRIZAÇÃO DA TERRA
O espaço rural latino-americano tem sido impactado pelo movimento de
estrangeirização da terra no contexto atual do processo de internacionalização do
capital e do neoliberalismo econômico. O crescimento populacional projetado para
2050 é de nove bilhões de habitantes no globo, segundo a Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Deste modo, cresce a
preocupação com a segurança e soberania alimentar dos países desenvolvidos
que procuram se apropriar de terras de países pobres para expandir a produção
de commodities.
Neste contexto também há a preocupação referente à segurança
energética, o que fazem países buscarem fontes alternativas provindas de
commodities agrícolas, como cana-de-açúcar, milho, palma e soja. Segundo
Borras Jr., Franco e Wang (2012) tais culturas são nomeadas de “Commodities
Flex”, pois apresentam flexibilidade e pode ser destinada para a produção de
alimentos, ração animal e produção de agroenergia e agrocombustível. Por isso,
tais commodities apresentam alto valor e interesse dos latifundiários e
empresários do agronegócio. Há também o interesse na aquisição de terras para
promoção da segurança e controle territorial, configurando uma questão
geopolítica da questão agrária.
É diante deste quadro que a estrangeirização de terras emerge, adquirindo
considerável enfoque no cenário mundial e preocupando diversos atores, desde
governos até movimentos sociais, que se manifestam das mais diversas formas
contra tal processo. Nesta corrida mundial por terras, nos quais países
desenvolvidos buscam terras em países subdesenvolvidos, sobretudo nos países
da África e América Latina, onde, de acordo com Sauer e Leite (2012), dos 45
milhões de hectares de terras foram comercializados entre outubro de 2008 e
agosto de 2009, 75% foram apenas na África e América Latina. De acordo com
Deininger (2011), estes países são o alvo deste processo porque a
disponibilidade de terras não cultivadas no mundo está concentrada nestes. Nos
países desenvolvidos, o fenômeno de land grab é motivo de preocupação, ao
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contrário do que ocorre nos países africanos e latino-americanos, onde esta
preocupação foi adquirida há pouco tempo ou em períodos pontuais.
A estrangeirização consiste, basicamente, na aquisição através de compra,
arrendamento ou até mesmo concessão de uso por estrangeiros, ou seja, é uma
corrida do capital internacional para a realização aquisições de extensas áreas de
terra para diversos fins. Esse processo é antigo, mas foi ampliado com a crise
agroalimentar de 2007/2008, em que os países desenvolvidos procuraram
garantir suas seguranças alimentar e agroenergética. Por essa razão, o aumento
da disputa territorial tornou-se mais intensa, tornando-se um renovado fenômeno
global, despertando a preocupação de governos e movimentos socioterritoriais.
Correlacionando com Sauer (2011) a estrangeirização de terras não é um
fenômeno inédito, mas sim um novo ciclo de expansão do capital, que tem como
resultado o aumento dos números de conflitos territoriais e fundiários e elevação
dos preços das terras. Segundo Sauer e Leite (2012), é um antigo processo com
novas práticas e dinâmicas.
Sassen (2013), afirma que a corrida mundial por terras do século XXI é uma
continuação de práticas antigas, mas de modo muito mais veloz e simultâneo. Cada
período é marcado por uma fase distinta. De acordo com Sassen (2013) a fase
atual, é marcada pelo agrocombustível, uma vez que há maior demanda de terra
para produção de commodities geradoras de agrocombustíveis.
3.1 – O PROCESSO DE ESTRANGEIRIZAÇÃO DA TERRA NO PARAGUAI
É neste contexto de intensificação da apropriação do capital transnacional
que devemos inserir a estrangeirização da terra no Paraguai. De acordo com a
Encuesta Pernamente de Hogares (EPH) de 2013, o Paraguai possui 406.752 km²
de extensão territorial, com estimativa de população de 6.709.730 de habitantes,
destes 2.698.872 habitam nas áreas rurais do país. A concentração de terra no
Paraguai é algo relevante, reprimindo os camponeses, sobretudo, através do
massivo cultivo de soja transgênica e pela falta de reforma agrária no país.
Galeano (2012) afirma que o processo de concentração de terras no Paraguai
ocorreu concomitantemente com estrangeirização da terra, iniciando-se em 1870
quando foi promulgada a Constituição que estabelecia a vigência da propriedade
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privada sem nenhuma restrição, coincidindo com o período histórico de articulação
da economia do Paraguai com a economia mundial. Já em 1914 cerca de 26 milhões
de hectares estavam em posse de estrangeiros, o que corresponde a 64% do
território paraguaio.
Segundo Albuquerque (2010), na primeira metade do século XX, as relações
entre Argentina e Paraguai eram intensas, porém em 1950, as relações diplomáticas
entre Paraguai e Brasil adquiriam força, deixando a Argentina em segundo plano.
Alfredo Stroessner (1954-1989), buscava maior independência em relação a
Argentina, aproveitou a situação de disputa geopolítica entre os dois países mais
expressivos no momento - Argentina e Brasil - para desenvolver a área próxima a
fronteira. Assim, a migração de brasileiros para o Paraguai foi incentivada.
Nesse sentido, é necessário destacar os brasiguaios, que de acordo com
Sprandel (2006), são camponeses brasileiros que se transferiram da fronteira leste
do Paraguai no século XX, iniciando na “Era Stroessner”, estes camponeses foram
expulsos de seus territórios pela expansão da monocultura de soja no Brasil, pela
construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu (1975-1982) e pela estrutura
concentradora de posse da terra no Sul do Brasil, sobretudo no estado do Paraná,
fronteira com o Paraguai.
Segundo Souza (2013), o processo de ocupação da área de fronteira do
Paraguai por brasileiros foi incentivado pelo governo brasileiro, pela Política
Pragmática de Aproximação Bilateral, oriunda da segunda metade do século XX,
compreendendo os diversos acordos firmados entre Brasil e Paraguai, destacando o
Tratado de Itaipu (1973) e o Tratado da Amizade e da Cooperação (1975), no
governo ditatorial de Ernesto Geisel (1974-1979). O governo do Paraguai contribuiu
para a migração com o baixo preço das terras, incentivos agrícolas, créditos em
longo prazo do Banco Nacional de Fomento do Paraguai e a ausência de leis que
regulem a compra de terras por estrangeiros. Durante a ditadura de Stroessner teve
o incentivo por parte do governo através do “Plan del Trigo” e da Revolução Verde
apoiada pelo governo norte americano (VILADESAU, 2008, p. 18). Porém, tal
processo contou com um processo espontâneo de deslocamento populacional.
No Paraguai há pequenos proprietários brasileiros como também latifundiários
e empresários agrícolas. Albuquerque (2010, p. 77) afirma que a população
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paraguaia classifica os agricultores brasileiros como pequenos proprietários que
habitam no país, ou seja, os brasiguaios. Também denominam de empresários
aqueles proprietários de terras que apenas compram terra para a produção de soja,
ou seja, vive no Brasil e o seu investimento lucrativo ocorre em terras paraguaias, “o
empresário brasileiro é o estrangeiro, explorador dos recursos econômicos do
Paraguai e que não investe naquele país” (ALBUQUERQUE, 2010, p.77). Neste
ponto podemos utilizar o conceito de espaço alienado de Isnard (1978), em que o
espaço paraguaio estaria alienado ao capital transnacional, explorando os recursos
e não beneficiando o país explorado, neste caso, alienado.
Tal processo resulta em diversos conflitos, sobretudo pelo fato das terras
ocupadas pelos brasiguaios e latifundiários brasileiros foram primeiramente
destinadas à reforma agrária do Paraguai. Albuquerque (2010) argumenta que o
projeto de reforma agrária e de colonização do Instituto de Bienestar Rural (IBR), de
1960, não democratizou o acesso à propriedade da terra no Paraguai. Extensões de
terra foram distribuídas pelo governo paraguaio para militares ligados ao regime
ditatorial e para estrangeiros, sobretudo para brasileiros. Fabrini (2012) afirma que a
luta dos campesinos paraguaios pela reforma agrária se volta para a grande
extensão de terra apropriada por empresários brasileiros para o cultivo de soja.
Não foram apenas os camponeses brasileiros que migraram para o Paraguai.
De acordo com Albuquerque (2010), latifundiários e corporações aproveitaram as
vantagens proporcionadas pelo governo de Stroessner. Em seu governo, Stroessner
facilitou a entrada e grandes proprietários, capitais estrangeiros e companhias
colonizadoras. Em 1967, Stroessner aboliu a lei que proibia a compra de terras
paraguaias por estrangeiros, facilitando e atraindo investidores para o Paraguai.
Ainda em Albuquerque (2010), durante a ditadura paraguaia ocorreu a concessão
irregular de cerca de 12.000.000 hectares, correspondendo à metade de toda terra
agricultável do país, que na sua maioria foi destinado a estrangeiros, não
esquecendo que estas terras estrangeirizadas são as mais férteis e com maiores
recursos hídricos disponíveis. Em 2008, a porcentagem total de estrangeiros com
posse da terra no Paraguai era de 23,5%, como evidencia o Quadro 01.
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Quadro 01: Distribuição da posse da terra por nacionalidade dos proprietários em 2008 (%).
Departamentos Paraguaios Brasileiros Demais
nacionalidades
Concepción 77,5 16,7 5,8
San Pedro 89,6 2,6 7,8
Cordillera 100
Guairá 88,9 5,6 5,5
Caaguazú 38,1 32,1 29,8
Caazapá 76,8 14,3 8,9
Itapúa 56,3 20,7 23,0
Misiones 94,9 2,6 2,5
Paraguari 92,9 1,2 5,9
Alto Paraná 37,5 55,2 7,3
Central 87,5 12,5
Neembucú 99,2 0,8
Amambay 59,0 34,8 6,2
Canindeyú 37,4 60,1 2,5
Presidente Hayes 96 0,4 3,6
Alto Paraguay 65,9 22 12,1
Boquerón 83,9 0,2 15,9
Em todo o País 76,5 14,2 9,3
Fonte: Censo Agropecuário do Paraguai de 2008; Org. PEREIRA, L. I. (2015).
No que tange empresas brasileiras e argentinas presentes no processo de
aquisição de terras paraguaias temos duas tipologias: empresas estrangeiras que
investem diretamente na compra de terras (Quadro 02) e empresas estrangeiras
que se vinculam as empresas nacionais (Quadro 03). Destacamos que de acordo
com Glauser (2009), quase todas as empresas nacionais tem parcelas de seu
capital oriundo de empresas argentinas, brasileiras e de brasiguaios. Inclusive as
cooperativas de produtores possuem sócios estrangeiros, sobretudo, brasileiros.
Quadro 02:Empresas argentinas e brasileiras atuantes no agronegócio no Paraguai (2008)
Empresa País de Origem
Agro Ñacunday S.A. Brasil
Agrorama S.A. Brasil
Lar Paraguay S.A. Brasil
Casevane Argentina
Cresud S.A. Argentina
El Tejar Argentina
Los Grobo Argentina
Tierra Roja S.A. Argentina
Vicentin Paraguay S.A. Argentina Fonte: Rojas Villagra (2008); Org.: PEREIRA, L.I. (2015).
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Quadro 03: Empresas Paraguaias vinculadas a demais empresas estrangeiras (2008).
Empresa País no qual estabelece vínculo
Agro Comercial e Ind. Naranjal S.A. Brasil
Agro Guarani Agrícola S.A. Brasil
Agro Industrial Pikyry S.A. Brasil
Agro Santa Rosa S.A. Brasil
Agrofertil S.A. Brasil
Agroganadera Aguary S.A. Brasil
Agrosan S.A. Brasil
Agrotec S.A. Brasil
Chemtec Saeca Argentina
Ciabay S.A. Brasil
DAP S.A. Argentina
Dekalpar S.A. Brasil
Diafro S.A. Brasil
Grupo Favero Brasil
Paraguay S.A. Argentina
Repossi S.A. Brasil
Tecnomyl S.A. Argentina/Brasil Fonte: Rojas Villagra (2008); Org.: PEREIRA, L.I. (2015).
Destacamos que há demais países atuando neste processo, no entanto,
Glauser (2009) ressalta que as empresas transnacionais vinculadas aos negócios
agrícolas nacionais do Paraguai são, quase sempre, propriedade parcial ou total de
brasileiros, argentinos e brasiguaios. O autor ainda evidencia o estendido controle
que os agentes econômicos não residentes no país têm sobre a agricultura
paraguaia, atendendo as demandas do mercado externo. Deste modo, a
propriedade da terra no Paraguai está cada vez mais concentrada e a pobreza rural
cada vez mais acentuada.
No Paraguai a estrangeirização ocorre, sobretudo, para a produção de milho,
trigo, gado e soja (Quadro 04). A expansão na soja para o Paraguai iniciou-se a
partir do final da década de 1970 e início da década de 1980. Segundo Garay
(2013), a superfície de soja cultivada no Paraguai aumentou 346% entre 1991 a
2008. Albuquerque (2010), afirma que a maioria dos conflitos que ocorrem no
Paraguai decorre da forma como os grandes e médios proprietários brasileiros
exploram a terra para a produção de soja. O cultivo de soja é visto pelos
camponeses como a “maldição” do Paraguai, uma vez que há problemas ambientais
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e intoxicação causada pelo intenso uso de agrotóxicos em áreas de plantação de
soja transgênica. A disputa pela terra e as reações aos novos plantios de soja por
brasileiros são os cenários privilegiados dos conflitos no campo e da resistência dos
camponeses paraguaios, configurando uma luta de classes e também um conflito de
nacionalidades. Os movimentos camponeses do Paraguai questionam a sobre a
legalidade das propriedades adquiridas por brasileiros e argentinos. “A acusação é
que os estrangeiros são proprietários ilegais e moradores ilegítimos do território
nacional” (ALBUQUERQUE, 2010, p.107).
Quadro 04: Produção de commodities por área em hectares (2008) (%)
Soja
Área Paraguai Brasil Demais países
20 ha 79 19 2
20 - 49,9 ha 53 42 5
50 - 199,9 ha 40 46 14
200 - 499,9 ha 35 52 13
500 - 1000 ha 32 58 10
Acima de 1000 ha 29 50 21
Milho
20 ha 95 4 1
20 - 49,9 ha 64 32 4
50 - 199,9 ha 31 55 14
200 - 499,9 ha 23 67 10
500 - 1000 ha 22 73 5
Acima de 1000 ha 24 61 15
Trigo
20 ha 77 22 1
20 - 49,9 ha 58 38 4
50 - 199,9 ha 51 38 11
200 - 499,9 ha 36 47 17
500 - 1000 ha 37 49 14
Acima de 1000 ha 27 43 30
Gado
20 ha 94 4 1
20 - 49,9 ha 86 9 5
50 - 199,9 ha 82 11 7
200 - 499,9 ha - - -
500 - 1000 ha 74 18 8
Acima de 1000 ha - - - Fonte: GALEANO (2012); Org.: PEREIRA, L. I. (2015).
Um exemplo evidente de tal processo é que na safra de 2011/2012 o
Paraguai foi classificado como o quarto maior exportador de soja do mundo, com
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cerca de nove milhões de toneladas da commodity (ZIBECHI, 2012), com a taxa de
crescimento de 20% por safra, no entanto, a maioria desta soja é produzida por
latifundiários brasileiros em território paraguaio. Isso expressa o poder dos
latifundiários e empresários do agronegócio brasileiro no Paraguai.
Segundo Zibechi (2012), em 2008, cinco milhões hectares de terras
paraguaias estavam em posse de brasileiros, correspondendo a 50 mil km² do total
do território do Paraguai, que possui 406.752 km². A nossa estimativa é que este
número elevou-se, uma vez que o processo atingiu proporções alarmantes no
período pós 2008.
4 – Considerações Finais
A corrida mundial por terra emerge com a crise de 2007/2008 provocando
diversos impactos e preocupações, sobretudo de governos e movimentos
socioterritoriais. Dentre estes impactos há a concentração da terra e da renda,
desterritorialização de camponeses, indígenas e culturas alimentares. Assim, a
territorialização destes capitais no território geram impactos ambientais, econômicos
e sociais.
Destacamos que o Brasil possui um papel determinante no processo da
estrangeirização da terra no Paraguai, ocupando o primeiro lugar no processo de
estrangeirização e concentração da posse da terra, tanto pela quantidade de terras
quanto pela variedade das regiões em que o Brasil tem presença. Este fato
evidencia o subimperialismo brasileiro no Paraguai (Marini, 1977; Zibéchi, 2012).
Ressaltamos também a presença de outros países da América Latina, como
Argentina (principalmente no departamento de Itapúa) e Uruguai (departamento do
Alto Paraguay, devido o seu interesse na produção de gado). No caso dos
vendedores das propriedades da terra temos os paraguaios. Galeano (2012) chama
atenção para os departamentos de Alto Paraná e Canindeyú, onde os principais
vendedores são pequenos proprietários brasileiros que adquiriram terras no
Paraguai nas décadas de 1970 e 1980.
Observamos uma tendência a concentração da terra, pois existem pequenos
produtores, mesmo que brasileiros, vendendo suas pequenas quantidades de terra
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para grandes empresários e latifundiários. Deste modo, há a necessidade de
diferenciar o pequeno produtor brasileiro que comprou terra no Paraguai pois foi
expulso do Brasil pela modernização parcial e conservadora da agricultura, daquele
latifundiário e empresário capitalista que busca o Paraguai como alternativa para
expansão da produção e acumulo de capitais, causando grandes impactos, seja
social, econômico e ambiental no Paraguai.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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