O dia em que o mar desapareceu
De José Fanha
Gosto de ir ver o mar, molhar as mãos no mar e meter o nariz debaixo de água. Apanho
cada pirolito! Mas gosto, mesmo assim. O meu mar é azul e quando o vejo, fico feliz
com o coração cheio de azul por todos os lados.
Há outros mares que também são azuis. Uns são de um azul mais escuro do que o meu,
outros são de um azul mais claro. Mas azul como o azul do meu mar, não há mais
nenhum.
Há mares que são verdes. Há um mar vermelho. Mas não é vermelho. É só o nome. Há
outro que se chama mar Negro. Também é só o nome. E há mares com muitos nomes:
mar Mediterrâneo, mar Cáspio, mar da China, mar dos Sargaços…
Os mares são diferentes uns dos outros. Há mares sossegadinhos, mares furiosos, mares
gelados, mares cheios de peixes, estrelas e corais, mares onde nadam tartarugas
gigantes, mares onde vivem baleias e golfinhos, mares que são baixinhos onde podemos
andar e andar sem nunca perder o pé, mares que são muito fundos, tão fundos que vão
quase até ao fundo da terra…
O meu mar é azul, mesmo muito azul. Tem sempre um sol por cima e uma praia de
areia branca por onde eu entro até chegar ao mar para lhe dizer bom-dia e para molhar a
cara na espuma de umas ondas pequeninas que mal me veem, vêm logo a correr brincar
comigo.
Às vezes, o meu mar fica cinzento. Tudo por causa do céu que é muito vaidoso. Quando
o céu está cheio de nuvens cinzentas e vai ver-se ao espelho, no espelho que é o mar,
entorna-lhe o cinzento todo para cima e deixa o mar triste, escuro e cheio de frio. Isso
só acontece no Inverno […]
É preciso tratar bem do mar para ele ficar sempre assim tão azul, tão brilhante e tão
limpo. Mas há quem não trate bem do mar.
Vou contar-vos hoje o dia em que o mar começou a desaparecer e foi desaparecendo de
vez, tudo por causa de uns pássaros bisnaus. Sabem o que são pássaros Bisnaus? Pois os
pássaros Bisnaus são uns pássaros pretos e cheios de borbulhas… E andam sempre
despenteados e cheiram mal porque nunca tomam banho. Os pássaros bisnaus são
horríveis, muito maus e burros! […]
Um dia, uma família de pássaros Bisnaus foi passar o dia à praia onde eu costumo
brincar nas ondas brancas e frescas do meu mar azul e limpo. O pai Bisnau, a mãe
Bisnau e os dois filhos Bisnaus vieram pela praia fora a fazer barulho, a deitar lixo para
o chão e a incomodar toda a gente.
O pai Bisnau tinha uma voz de marau. A mãe Bisnau mais parecia um carapau. O filho
Bisnau chamava-se Bisneco e era mais magro que um bacalhau seco. A filha Bisnau
chamava-se Bisnica, só comia batatas fritas, pastilhas elásticas e comida que não presta
e, um dia mais tarde, casou-se com um pica-pau e ficou cheia de buraquinhos na testa.
Mal se instalou no meio da praia, a família de pássaros Bisnaus desatou a fazer porcaria
e a incomodar toda a gente que lá estava. O pai Bisnau cuspiu no mar, a filha bebeu
uma lata de sumo e atirou-a para a areia. O Bisneco entornou um frasco inteiro de
bronzeador nas rochas. A própria mãe Bisnau, sabem o que ela fez? Desatou a dizer:
“Ai, que estou tão aflitinha …!” e foi fazer chichi no mar. No meu mar azul! É de mais!
Mas os pássaros Bisnaus não ficaram por aí. Fumaram e fartaram-se de encher o ar de
fumo. Puseram o rádio tão alto, que as gaivotas fugiram dali.
Tiravam pastilhas elásticas da boca e colavam-nas nas estrelas-do-mar e na carapaça
dos caranguejos que ficaram coladinhos uns aos outros e muito aflitos porque queriam
andar cada um para seu lado e não saíam do mesmo sítio.
O mar é grande, fundo e largo. Mas, mesmo assim, não aguenta tanta porcaria. Por isso
foi deixando de ficar azul, os peixes desataram a tossir e resolveram falar uns com os
outros para decidirem o que fazer: _Eu cá vou-me embora daqui! – disse o cavalo-
marinho que se pôs logo a cavalgar dali para fora. E os outros peixes também
começaram a ir-se embora.
Foi assim que lá se foram lagostins e lagostões, baleias e caranguejos num vastíssimo
cortejo estrelas-do-mar tubarões golfinhos e camarões mais salmões e salmonetes
pargos parguinhas parguetes douradas e carapaus chocos lulas bacalhaus cachalotes
pescadas chicharros e peixe-espadas raias atuns sardinhas uns com casca outros com
espinha a correr e a saltar todos se foram embora para nunca mais voltar.
Todos os seres vivos do meu mar azul foram-se embora, partiram para outras paragens.
[…] O sol deixou de ser amarelo e brilhante e o meu mar azul deixou de ser azul.
Parecia um caixote de lixo a transbordar. Por isso foi secando, secando até acabar por
desaparecer. […]
Era preciso voltar a fazer nascer o mar! Mas como? Havia que chamar a mãe do mar.
Para ela o faze nascer outra vez. […] A mãe do mar era uma nuvem que andava de cá
para lá no alto do céu. Chamava-se Miraldina e era uma nuvem gorda, gordinha,
carregadinha de água… quer dizer, carregadinha de mar. Pingo-pingo, pingo-pingo…
uma gota daqui, outra gota dali, com aquela paciência que têm todas as mães, a nuvem
Miraldina pôs-se a chover, a fazer nascer de novo o mar.
O mar começou por ser pequenino e baixinho, mas cresceu, cresceu, crrsceu! As gotas
de água caíam umas em cima das outras, e o meu mar ia ficando cheio de água e cada
Os peixes que dantes viviam no meu mar e que tinham fugido, ouviram dizer, lá por
onde andavam, que o meu mar… o nosso mar… tinha voltado a ser mar como sempre
foi e tinha voltado a ser azul. Por isso...
Rapidamente voltaram lagostins e lagostões, baleias e caranguejos num vastíssimo
cortejo estrelas-do-mar tubarões golfinhos e camarões mais salmões e salmonetes
pargos parguinhos parguetes douradas e carapaus chocos lulas bacalhaus cachalotes
pescadas chicharros e peixe-espadas raias atuns e sardinhas uns com casca outros com
espinha a correr e a saltar um dia tinham partido mas resolveram voltar.
E trouxeram novos amigos: anémonas, conchas e conchinhas, ouriços, ostras, búzios,
pérolas… E no final até parecem que o meu mar ainda ficou mais bonito!
(Adaptado)