O CONCEITO DE CONVERSIBILIDADE: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA Maria Celina B. Arraes Maio 1994
- 2 - ÍNDICE I) INTRODUÇÃO ............................................................ 3 II) A EVOLUÇÃO DO CONCEITO ............................................... 6 A) O Conceito de Conversibilidade até a Criação do Fundo Monetário
Internacional .................................................. 7 B) O Conceito de Conversibilidade no Convênio do FMI ................ 9 a) sistema de taxas de câmbio fixas ............................ 9 b) sistema de taxas de câmbio flutuantes ....................... 13 C) Outros conceitos ................................................. 16 III) AS RESTRIÇÕES À CONVERSIBILIDADE .................................... 20 IV) SUMÁRIO E CONCLUSÕES ............................................... 24 BIBLIOGRAFIA ........................................................... 30
- 3 - O CONCEITO DE CONVERSIBILIDADE: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA 1/ Maria Celina Berardinelli Arraes 2/ "The first and basic advantage of freely
convertible currencies for the world at large
is that it enables producers and consumers
everywhere to buy from the cheapest sources
and sell at the highest prices...
Convertibility is thus an indispensable
condition for the attainment of maximum world
output" (Haberler, 1954:12).
I) INTRODUÇÃO
1. O objetivo desse trabalho é revisitar, de maneira didática e sob
uma perspectiva histórica, a discussão do conceito de conversibilidade
monetária3/. Nesse sentido, na oportunidade em que o tema conversibilidade
volta à tona depois de anos de submersão, seria importante registrar os
antecedentes e estabelecer uma base de terminologia comum. Visa-se, assim,
estimular o debate sobre as questões que estão sendo discutidas não só no
Brasil -- o grau de conversibilidade que se pretende dar ao real -- mas também
em âmbito regional -- integração monetária no MERCOSUL -- e internacional --
1/ Meus agradecimentos por comentários e sugestões ao Prof. Alexandre Kafka. Como de praxe as incorreções que por acaso persistirem são de minha única responsabilidade.
2/ Assessora do Diretor Executivo pelo Brasil no Fundo Monetário Internacional e funcionária do Banco Central do Brasil. As opiniões expressas no trabalho não devem ser atribuídas ao FMI ou ao Banco Central do Brasil, sendo de responsabilidade somente da autora.
3/ O texto que serviu de base a esse trabalho foi elaborado juntamente com Olavo Cesar da Rocha e Silva e apresentado na XXV Reunião de Técnicos de Bancos Centrais do Continente Americano, realizada sob os auspícios do Federal Reserve Board, em Washington, de 17 a 21 de outubro de 1988, com o título, "FONPLATA: Uma Experiência de Conversibilidade Limitada".
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ampliação da jurisdição do Fundo Monetário à conta de capital do balanço da
pagamentos.
2. A volta do tema da conversibilidade monetária às mesas de discussão
tem algumas explicações. A primeira seria o estabelecimento de bancos centrais
e sistemas monetários nacionais nas repúblicas da ex-União Soviética. A
segunda, seria a retomada da discussão em torno dos "currency boards" 1/, no
contexto da estabilização econômica não somente nos países de economia
anteriormente planificada, mas também em países de outras regiões, como na
Argentina.
3. No caso brasileiro, especificamente, existem dois motivos
principais:
primeiro, a discussão do grau de conversibilidade que se pretende dar ao real.
Esta discussão tem sido alimentada pela valorização do real em relação ao
dólar; segundo, o processo de integração ora em curso de formação do MERCOSUL,
tem também ligação direta com o problema da conversibilidade. Afinal, por
definição, só se chegará a um mercado comum caso as moedas dos países sejam
irrevogavelmente conversíveis entre elas, já que subsistirão em um clima de
total ausência de restrição cambial, até se transformarem em uma única moeda
regional.
4. Se não bastassem os motivos já expostos, a liberalização global e
generalizada ocorrida a nível da conta de transações correntes dos países
1/ Para uma comparação dos casos de Hong Kong, Estônia e Argentina veja Bennett (1994).
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membros e a crescente importância dos fluxos de capitais na economia mundial
têm levado o Diretor Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) a indagar
se o Organismo não deveria explorar a possibilidade de estender sua jurisdição
para supervisionar também restrições a fluxos de capitais, encoranjando e
apoiando sua liberalização1/.
5. A seguir na Seção II, considera-se a evolução do conceito de
conversibilidade sob os diversos sistemas cambiais vigentes ao longo de século
XX, com ênfase nas definições do Fundo Monetário Internacional. Apesar da
espinha dorsal do trabalho ter sido elaborada em 1988, quando das discussões
sobre a criação do Gaúcho -- Unidade Monetária Argentina-Brasil-- foram
consideradas também contribuições ao estudo do tema surgidas nos últimos anos,
principalmente no âmbito do Fundo Monetário. Na Seção III, examinou-se as
restrições a conversibilidade sob vários aspectos, residência, região, etc,
que determinam diferentes graus de conversibilidade das moedas. Finalmente,
conclui-se fazendo uma ligação das principais questões formuladas na
introdução com os diferentes conceitos analisados.
II) A EVOLUÇÃO DO CONCEITO
6. O conceito de conversibilidade está ligado à capacidade de
comandar bens e serviços fora do território nacional, isto é, ao grau de
facilidade de converter uma determinada moeda nacional em bens e serviços
1/ Ver Camdessus (1994a e 1994b)
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estrangeiros ou em outra moeda. Tal conceito sofreu contínua metamorfose ao
longo do tempo, justificando portanto uma abordagem histórica.
7. De fato, diferentes definições de conversibilidade são viáveis
em diferentes pontos do espaço e tempo, evoluindo conforme os sistemas
cambiais. Isso não obstante, pode-se dizer que tais definições mantêm sempre
três dimensões, diferentemente enfatizadas de acordo com as circunstâncias:
- possibilidade de uso da moeda, ou seja, facilidade com a qual a moeda
é trocada por bens e serviços estrangeiros, o que corresponde, na
prática, à ausência de restrições cambiais e/ou comerciais e existência
de amplo mercado para bens e serviços. Esta dimensão estaria ligada a
operações da conta de transações correntes do balanço de pagamentos;
- possibilidade de transacionar com a moeda, ou seja, facilidade de
trocar a moeda por outra moeda, o que depende da existência de mercado
no qual ela seja transacionada. Esta dimensão estaria ligada a operações
da conta de capital do balanço de pagamentos; e,
- valor de troca da moeda por bens e serviços ou por outra moeda o que
significa que a taxa de câmbio utilizada não difere substancialmente da
taxa "oficial" ou de mercado.
A) O Conceito de Conversibilidade até a Criação do Fundo Monetário
Internacional
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8. Durante a vigência do padrão ouro (pré-1914), o significado de
moeda conversível era o de troca por ouro a uma taxa fixa oficial 1/. A moeda
doméstica era emitida com base nas reservas em ouro, fazendo com que o meio de
pagamento doméstico e internacional fosse o mesmo para os países mais
importantes do comércio mundial. Em conseqência, quando havia superávit no
balanço de pagamentos, aumentava-se a quantidade de moeda em circulação no
país, provocando tendências inflacionárias e, vice-versa, quando o caso era de
déficit.
9. Apesar do rigor das regras do padrão ouro, a reação de muitos
países vinha prenunciando sua extinção desde antes da 1ª Guerra Mundial. Ao
início do século XX, órgãos fazendários, mas principalmente bancos centrais,
como o Banco da Inglaterra e Banco da França, operavam mecanismos que
regulavam a oferta e demanda de ouro, sem consequência sobre a paridade ou
conversibilidade das moedas. Esta seria a origem da função dos bancos centrais
como reguladores da quantidade de moeda na economia. No Brasil, por exemplo,
funcionaram dois fundos dessa natureza: a Caixa de Conversão (1906/14) -- que,
segundo Neuhaus (1975), seguiu o modelo da "Caja de Conversión" argentina -- e
a Caixa de Estabilização (1926/29).
10. A conversibilidade das moedas em ouro foi suspensa por todos o
beligerantes durante a Primeira Guerra Mundial, com exceção dos Estados
Unidos. Acabada a guerra, havia entretanto um obstáculo à reedição do padrão
1/ algumas moedas importantes como por exemplo a coroa austríaca e o rublo eram consideradas conversíveis apesar de flutuarem.
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ouro: a escassez relativa deste metal em função do nível absoluto de preços,
elevado pelo período inflacionário intra e pós-guerra.
11. A solução encontrada pela comunidade internacional 1/ foi
recomendar que os países retirassem o ouro de circulação e que, aqueles que
não fossem importantes centros financeiros, mantivessem suas reservas em
moedas dos principais países -- as quais eram conversíveis em ouro -- ao invés
de em ouro propriamente dito. Este sistema ficou conhecido como padrão divisa-
ouro. Começou assim o processo de distanciamento entre moeda doméstica e moeda
internacional (assim entendidas aquelas que eram conversíveis em ouro)
aumentando a importância e complexidade do conceito de conversibilidade 2/.
12. Entretanto, pouco a pouco, os países mais importantes foram
suspendendo a conversibilidade de suas moedas sendo que a partir da suspensão
da conversibilidade da libra em ouro, em 1931, chega-se quase a anarquia
monetária com consequente formação de blocos de moedas, inconversíveis entre
si, culminando, após a Segunda Guerra Mundial, na existência de um sem número
de contas bilaterais com saldos inconversíveis 3/.
13. O Fundo Monetário Internacional foi criado com o objetivo de
colocar alguma ordem na situação vigente. Segundo Williamson (1983),
1/ Realizou-se uma conferência econômica mundial em Gênova, Itália, em 1922.
2/ Para mais detalhes sobre a ascensão e decadência do padrão ouro e divisa-ouro, veja Eichengreen (1985)
3/ Registre-se que no caso brasileiro, até bem pouco tempo subsistiam alguns convênios bilaterais, resquícios do período de inconversibilidade generalizada da década dos cinquenta.
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entretanto, o Organismo conseguiu pouco durante sua primeira década de
funcionamento, porque os seus recursos eram insuficientes para ter qualquer
impacto na ordem do dia: reconstrução da Europa no pós-guerra e sua contra-
partida, o déficit crônico de dólares. O processo de volta à conversibilidade
das moedas européias se deu através da União Européia de Pagamentos, que
iniciou o processo de multilateralização das compensações entre saldos de
moedas inconversíveis com o suporte da ajuda americana do Plano Marshall,
episódio que já foi extensivamente estudado 1/.
B) O Conceito de Conversibilidade no Convênio do FMI
a) sistema de taxas de câmbio fixas
14. O sistema de câmbio fixo implica uma maior probabilidade de
intervenção do governo na defesa da taxa, seja atuando no mercado , seja
estabelecendo restrições cambiais à compra e venda de divisas. Como concebido
originalmente, o FMI era um "pool" de moedas de seus países membros que
poderia ser utilizado para apoiar a obrigatoriedade de manter a taxa de câmbio
fixa com conversibilidade, isto é, sem introdução de restrições cambiais sobre
operações da conta de transações correntes ou estabelecimento de taxas
múltiplas de câmbio.
15. Sendo assim, um país, que estivesse sofrendo de perda de reservas,
1/ Para um estudo recente veja Jacob J. Kaplan e Gunther Schleiminger (1989).
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poderia "comprar" com sua própria moeda outras moedas de que necessitasse para
fazer face a pagamentos internacionais, enquanto procedia ao ajustamento
interno. Por outro lado, se um país, por superávit de balanço de pagamentos,
acumulasse saldos de uma determinada moeda, que o mercado não fosse capaz de
absorver, o país emissor de tal moeda seria obrigado a dar conversibilidade,
mas somente aos saldos acumulados pela autoridade monetária. O objetivo maior
era eliminar as restrições a pagamentos e portanto promover o comércio e
crescimento mundiais que haviam sido prejudicados desde antes da guerra por
desvalorizações competitivas e inconversibilidade das moedas.
16. Tendo como base o arcabouço descrito no parágrafo anterior, os
países que se reuniram em Bretton Woods, em 1944, concordaram sobre a
necessidade de existência de um código de conduta para reger o relacionamento
entre eles, pois a manutenção do que foi chamado na literatura de "caos
monetário" poderia levar a grande retrocesso no desenvolvimento da economia
mundial. Vale citar o Artigo I, item (iv) do Convênio Constitutivo do
Organismo, aquele mais ligado ao conceito de conversibilidade dentre os
objetivos do Organismo:
"To assist in the establishment of a multilateral system of
payments in respect of current transactions between member and in
the elimination of foreign exchange restrictions which hamper the
growth of world trade"(grifo nosso).
17. Para atender este propósito, os países fundadores do FMI dotaram o
Organismo de funções regulatórias e se comprometeram a cumprir determinadas
obrigações. O Artigo IV do Convênio original tratava das obrigações relativas
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à manutenção do regime de taxas de câmbio estáveis, mas ajustáveis dentro de
determinadas condições 1/. O Artigo VIII estava ligado ao objetivo de evitar
as restrições cambiais, cabendo aos países membros dar conversibilidade a suas
moedas. O Artigo XIV, por sua vez, tratava dos direitos de manter restrições
em casos especiais.
18. Do ponto de vista formal, o Convênio Constitutivo original do FMI
cristalizou uma série de conceitos sobre conversibilidade. Com a instituição
do sistema de taxas de câmbio estáveis, mas reajustáveis desde que permitido
pelo FMI, a idéia de conversibilidade deixou de ser relacionada à
possibilidade de troca de uma determinada moeda por ouro, passando à troca de
uma moeda por outra, a uma taxa de câmbio de paridade, com o spread permitido
de 1 % para mais ou menos. Entretanto, como na época do padrão ouro, a
possibilidade de utilização das moedas, sem restrições, continuava inerente à
idéia de conversibilidade.
19. O conceito básico de conversibilidade, previsto no Convênio
Constitutivo do FMI, foi consubstanciado no artigo VIII, pelo qual os países
se comprometiam:
i) a evitar restrições a pagamentos por transações correntes (seção
1/ O Artigo IV definia o numerário do sistema monetário internacional como ouro ou o dólar americano de 1944. Todos os membros deveriam declarar a paridade de suas moedas e mantê-las dentro do limite de 1% a mais ou a menos. A paridade poderia ser modificada em caso de ocorrência de desequilíbrio fundamental de pagamentos, consultado o FMI. Entretanto, o Fundo não poderia negar aprovação no caso de variação de menos de 10 %, e no caso de variação maior que 10%, o Fundo deveria decidir em setenta e duas horas. Alterações não autorizadas da paridade poderiam tornar o país membro inelegível para usar recursos do Fundo.
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2);
ii) a evitar a aplicação de práticas monetárias discriminatórias (seção
3); e
iii) a converter saldos de suas moedas em poder de autoridades
monetárias de outros países (seção 4).
20. Mais especificamente, os países membros deveriam:
-permitir que sua moeda fosse utilizada por seus residentes para efetuar
pagamentos por transações correntes e não deveriam impedir que seus
residentes obtivessem qualquer moeda dos demais países membros que
fossem necessárias para efetuar pagamentos pelo mesmo conceito. Esta
seria a chamada conversibilidade pelo mercado;
-abster-se de utilizar práticas monetárias discriminatórias ou taxas
múltiplas de câmbio, em relação a operações em transações correntes,
apesar de a definição prevista no Convênio Constitutivo do Fundo ser um
pouco mais abrangente, incluindo um certo montante de pagamentos por
conceito de amortização;
-converter saldos de suas moedas, exclusivamente em poder das
autoridades monetárias de outros países membros, na moeda do país
solicitante ou em ouro. Esta seria a chamada obrigação de
conversibilidade oficial.
21. Note-se que, durante a vigência do sistema de taxas fixas de
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câmbio, não surgiu o caso de que um país tivesse invocado o direito de
solicitar conversões oficiais, por outros países membros, de saldos de moedas
em seu poder. Isso não obstante, este preceito era a essência do sistema
multilateral de pagamentos que se pretendia desenvolver, pois, representava a
garantia de conversibilidade. O FMI reconheceria, ao longo de seu Convênio
original, diversos outros tipos de conversibilidade, de uma maneira menos
formal que a da seção anterior e, geralmente, relacionados a objetivos
específicos.
b) sistema de taxas de câmbio flutuantes
22. A adoção de um regime de taxa de câmbio flutuante permite o
estabelecimento de um preço de equilíbrio e portanto dispensa a necessidade de
acumulação de reservas internacionais e a utilização de restrições cambiais
como meio de racionar divisas. No extremo, sob um sistema puro de taxas de
câmbio flutuantes, as moedas seriam conversíveis por definição. Como muitas
vezes acontece, a teoria na prática é outra, seja por imperfeições do mercado,
seja por intervenção governamental.
23. A Segunda Emenda ao Convênio Constitutivo do Fundo Monetário
Internacional, aprovada em 1978, consagrou o sistema de taxas de câmbio
flutuantes. Quanto às obrigações dos países membros em relação à
conversibilidade foram as seguintes suas principais consequências:
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- permanece inalterada a obrigação de manter a conversibilidade através
dos mercados;
- subsiste a obrigação daqueles países membros sujeitos ao Artigo VIII
de efetuarem conversão oficial de saldos de suas moedas quando
solicitado por autoridades monetárias de outros países membros, mas, na
prática, não se pode invocar 1/.
24. O conceito de conversibilidade sob o sistema de taxas de câmbio
flutuantes fica mais fluído porque tem enfraquecido o seu aspecto de valor de
troca que existia sob os outros sistemas de câmbio. A rigor, desde que sejam
permitidas grandes variações nas taxas de câmbio, fica menos provável que os
países lancem mão de restrições. De fato, os conceitos de moeda conversível
foram praticamente eliminados do Convênio Constitutivo do FMI. Em
contrapartida, foi introduzida uma definição de moeda livremente utilizável,
Artigo XXX (f), que enfatiza os aspectos de uso e transacionabilidade da
moeda:
"A freely usable currency means a member's currency that the Fund
determines (i) is, in fact, widely used to make payments for
international transactions, an (ii) is widely traded in the
principal exchange markets."
1/ O Relatório da Diretoria Executiva à Junta de Governadores que encaminhou a Segunda Emenda contém os termos do acordo. Basicamente, os países se comprometem a não invocar a conversibilidade oficial, pelo menos enquanto for mantido o sistema de paridades flutuantes. Para mais detalhe veja Gold (1981).
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25. O conceito de moeda de livre uso tem função importante nas
operações de assistência financeira do Fundo. Este conceito tenta suprimir a
injustiça que decorria do fato de que, conforme a versão inicial do Convênio,
não havia obrigação dos países membros de trocarem suas moedas que fossem
compradas ao Fundo (mesmo que não fosse internacionalmente aceita) por uma
outra que servisse aos compradores para fazer face a seus problemas de
pagamentos . A partir da Segunda Emenda ao Convênio, se o FMI vender uma moeda
que não é classificada como de livre uso, seu emissor deve trocá-la quando
requisitado pelo comprador 1/.
26. Por exemplo, o real não é considerado moeda de livre uso pelo
Fundo. Isso não obstante, se a situação econômica e financeira do Brasil
permitir, os haveres em reais em poder do Fundo podem ser incluídos no seu
orçamento operacional 2/. Neste caso, algum país que esteja recebendo
assistência financeira do Fundo poderá receber a moeda brasileira. O Banco
Central do Brasil terá a obrigação de trocar esse montante por moeda de livre
uso. Entretanto, essa obrigação se restringe ao saldo de moeda comprada ao
Fundo, não se constituindo em obrigação geral de conversibilidade.
1/ Para mais detalhes veja Gold (1978) págs 55-63.
2/ O orçamento operacional do FMI determina o recursos que estarão disponíveis para assistência financeira a cada trimestre do ano. Ao final dos anos setenta e até 1982, o Brasil foi várias vezes incluído no orçamento operacional do Fundo.
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C) Outros conceitos
27. Os autores têm utilizado diferentes conceitos de conversibilidade,
que, não obstante, não variam tanto em seu conteúdo. Dentro da abordagem
histórica aqui adotada, procura-se fazer um "survey" das principais
definições. Os conceitos utilizados, geralmente, estão adaptados aos
interesses do momento da discussão e aos fins para os quais se pretende
utilizar a conversibilidade.
28. Haberler (1954) tratou da conversibilidade das moedas européias
após a Segunda Guerra Mundial. Define conversibilidade como a liberdade de
qualquer possuidor de uma moeda de trocá-la, à taxa de câmbio vigente (que
pode ser fixa ou variável), por outra moeda. Como vimos na citação ao início
deste artigo, Haberler estava preocupado com aumentar a eficiência das
economias européias e fomentar o crescimento mundial. A definição foi
retomada por Green e Isard (1991), com pequena modificação, a propósito da
discussão do papel da conversibilidade monetária na transformação das
economias de planejamento centralizado: consideram totalmente conversível a
moeda cujo possuidor tenha a liberdade de convertê-la a taxas de mercado -
fixas ou flexíveis - em alguma das principais moedas de reserva.
29. O principal interesse de McKinnon (1979) eram as características
das moedas consideradas de reserva. Depois de analisar as definições do FMI,
afirma que conversibilidade pode ser definida independentemente da taxa de
câmbio que um governo possa estar obrigado a manter e apresenta o que chama
de sua definição de trabalho:
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"Domestic nationals wishing to buy foreign goods and services, not
specifically restricted, can freely sell domestic for foreign
currency at a single but possibly variable exchange rate covering
all current transactions inclusive of normal trade credit, whereas
foreigners (non-residents) with balances in domestic currencies
arising from current transactions can sell them at the same foreign
exchange rate or purchase domestic goods freely at prevailing
domestic currency prices" (McKinnon 1979:6).
Apesar de escrever em 1979, quando o mercado financeiro internacional já
estava bastante desenvolvido, o autor ainda estava preocupado com a
conversibilidade em transações correntes. Afirma, portanto, que não se deve
dar muita ênfase a restrições na conta de capital, pois na medida em que o
país mantém a conversibilidade propugnada em sua definição, a moeda pode ser
considerada como internacional, representando comando, quase instantâneo,
sobre bens e serviços estrangeiros a preços conhecidos.
30. No contexto recente da conversibilidade das moedas das economias em
transição, Williamson (1991) menciona que, em contradição com o uso mais
antigo, a conversibilidade hoje não implica o direito de converter a uma taxa
fixa de câmbio, mas sim o de converter a uma taxa de câmbio legal (em oposição
a uma taxa de câmbio não oficial ou paralela, que geralmente é desvalorizada
em relação à taxa oficial). Observa, entretanto, que essa definição deixa em
aberto quem tem direito de trocar a moeda livremente e com qual objetivo.
31. Introduz, portanto, a necessidade de se considerar também a conta
de capitais. Se todos, sem restrição e independentemente de residência, têm
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direito de trocar moeda com qualquer objetivo, tem-se o que Williamson chama
de conversibilidade irrestrita. Uma moeda só é conversível nesse sentido se
estão abolidas as restrições cambiais sobre exportação de capital, de maneira
a que residentes tenham o direito de exportar quantidades ilimitadas de
capital à taxa oficial. A maioria dos países industrializados goza atualmente
de conversibilidade irrestrita, mas o fenômeno é recente, pois França e Itália
ainda mantinham algum controle até a abertura financeira do Mercado Comum
Europeu em 1990.
32. Tendo como motivação a liberalização do mercado de capitais e sua
globalização, Guitián (1993) faz uma distinção muito importante entre
conversibilidade no sistema de taxas de câmbio flutuantes e fixas. No primeiro
caso, chama de conversibilidade "soft" à capacidade de realizar trocas de
moeda -- sem restrições -- à taxa de câmbio determinada pelo mercado (ou seja
flutuante). Considera, porém, que a maioria das discussões de conversibilidade
se refere ao direito de troca irrestrita da moeda a uma taxa de cambio dada
(ou seja fixa). É o caso que Guitián chama de conversibilidade "hard", que
poderia ser traduzido por conversibilidade "forte".
33. Entretanto alerta que, na medida em que existam restrições cambiais
em um sistema de taxas de câmbio fixas, a abrangência da conversibilidade é
limitada. Mesmo quando não existem restrições cambiais, conforme a definição
do Fundo Monetário 1/, o alcance da conversibilidade, e, portanto, seus 1/ O Convênio do Fundo não proíbe os países membros de impor restrições ao comércio de bens. Por exemplo uma limitação quantitativa a importações, embora tenha o efeito indireto de limitar pagamentos, não é formalmente considerada uma restrição cambial na definição do Fundo Monetário. Para mais detalhes veja Gold (1971).
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efeitos desejados, podem ser afetados. Por exemplo, uma moeda que tenha
conversibilidade forte pode se tornar praticamente inconversível, através de
controles de comércio exterior (limitações a importações) e sobre exportações
de capitais. Com base nessa diferenciação, Guitián apresenta mais dois
conceitos de conversibilidade sempre como pressuposto de ausência de
restrições cambiais: conversibilidade real ou de bens quando não existem
controles comerciais ou de capital (irrestrita quanto ao objetivo) e
conversibilidade financeira quando existem controles comerciais e de capitais
(compatível com a definição do FMI que aceita limites a importações por razão
de balanço de pagamentos e restrições na conta de capitais) 1/.
34. Mais recentemente, Quirk (1994) analisou o caso da conversibilidade na
conta de capital, como parte dos trabalhos do FMI para explorar a
possibilidade de estender sua jurisdição para supervisionar também restrições
a fluxos de capitais. Define conversiblidade como "absence of cross-border
controls, or the equivalent taxes and subsidies, on international capital
transactions" e examina a literatura sobre as justificativas para imposição ou
manutenção de controles de capital, separando-as em dois principais grupos.
35. O primeiro grupo inclui os argumentos chamados de "otimalidade" da
alocação de recursos. Nesse grupo inclui-se também o argumento de que seria
necessário proteger a economia dos movimentos na conta de capital para que se
tenha condições de fazer uma política monetária ativa, na presença de taxas de
1/ Permito-me insistir no ponto de que a ausência de restrição cambial não significa ausência de restrição comercial ou de capitais: podem co-existir liberdade de compra e vender moeda com limitações ao ato de importar determinados bens ou remeter capital para o exterior.
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câmbio fixas. O segundo grupo de justificativas agrega os argumentos sobre a
necessidade de manuntenção temporária de controles quando se está procedendo a
abertura da economia e eliminando a repressão financeira, ou seja está ligado
a discussão do sequenciamento das reformas estruturais. Após considerar as
experiências de países em desenvolvimento que liberalizaram as suas contas de
capital recentemente, conclui que não existe evidência de que as
justificativas para manutenção de controles façam sentido na prática.
III) AS RESTRIÇÕES À CONVERSIBILIDADE
36. A constatação de que a conversibilidade -- ampla, geral e
irrestrita -- é fenômeno recente e não muito disseminado, torna relevante
discutir os diferentes graus de conversibilidade resultante da aplicação de
restrições. Geralmente, essas restrições têm como base quem (residentes ou
não-residentes) tem direito a conversibilidade e com qual objetivo a
conversibilidade é exercida (transações correntes ou de capital). Guitián
(1993) acresce a esses dois o critério de em qual região vale a
conversibilidade.
37. As causas mais comuns de restrições à conversibilidade foram
tratadas por McKinnon (1979), segundo o qual, desde a Segunda Guerra Mundial,
três grupos de países tiveram moedas inconversíveis:
- economias centralizadas que usam a inconversibilidade para apoiar sua
estrutura de preços domésticos e mecanismos de planejamento;
- países em desenvolvimento, que tinham problemas fiscais e dificuldades
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de alinhar taxas de câmbio; e
- países europeus, nos anos 50, por falta de reservas cambiais devido à
escassez generalizada de capitais que poderiam ser usados para
compensações multilaterais.
38. Como inconversibilidade pode ser uma questão mais de grau do que de
conceitos absolutos, propõe refinar a definição de uso comum, para distinguir
três formas de inconversibilidade:
- inconversibilidade de bens: moeda doméstica em poder de não-residentes
que não é capaz de comprar bens e serviços aos preços domésticos1/;
- inconversibilidade de câmbio para não-residentes: as autoridades
monetárias nacionais não estão obrigadas a comprar de não-residentes
saldos de sua própria moeda, com a moeda do não-residente ou com moeda
conversível, nem permite-se aos não-residentes vender no mercado seus
saldos em moeda nacional; e,
- inconversibilidade de câmbio para residentes: quando os residentes não
podem utilizar sua própria moeda para comprar divisas para importar bens
e serviços.
1/ Essa definição diz respeito à situação dos países de economia planificada antes do início do processo de transição para economia de mercado.
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39. Retomando Guitián (1993), do ponto de vista do possuidor do saldo
de moedas, o autor faz uma distinção entre conversibilidade externa e interna.
Conversibilidade externa se refere à extensão na qual não-residentes têm
direito de converter saldos na moeda nacional em divisas. Essa forma de
conversibilidade é importante quando um país quer atrair investimento
estrangeiro ou empréstimos externos. Conversibilidade interna, por outro lado,
está relacionada à capacidade de residentes de converterem seus saldos em sua
própria moeda em divisas. Essa modalidade de conversibilidade expõe a política
econômica interna à competição internacional, na medida em que os nacionais de
um país são capazes de procurar a melhor aplicação para sua poupança,
inclusive no exterior.
40. Sob o ponto de vista do objetivo, o critério básico e tradicional é
diferenciar entre conversibilidade em conta corrente e na conta de capital. O
primeiro, é o conceito mais comum, tendo sido consagrado nas diferentes
versões do Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, como visto
na seção anterior. Refere-se ao direito a converter moeda em divisas para
pagamentos de bens e serviços adquiridos ao exterior. Conversibilidade na
conta de capital refere-se ao direito dos possuidores da moeda de convertê-la
em divisas, para pagamentos com respeito a transações na conta de capital e
transferências. Essa seria a conversibilidade inerente a liberalização dos
mercados de capitais e desregulamentação financeira.
41. Um outro critério é a região na qual a moeda é conversível. Ao
longo do tempo, países que não podiam criar moedas conversíveis celebraram
convênios com compromisso de aceitabilidade limitada entre as moedas dos
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países signatários, o que podemos denominar de conversibilidade limitada por
se referir somente a determinados saldos de moeda e somente em uma determinada
região.
42. McLenaghan et alli, (1982) ao estudarem a questão de
conversibilidade na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
(ECOWAS - Economic Community of West African States), apresentam uma definição
mais específica de conversibilidade limitada. Afirmam que conversibilidade
limitada se refere à troca e ao uso irrestrito de moeda de países dentro de
uma região, como seria o caso se todos os controles e restrições cambiais
dentro da região fossem eliminados. Tal conversibilidade envolveria um "acordo
de conversibilidade", em que os países poderiam determinar seus sistemas de
câmbio livremente.
43. O conceito de conversibilidade adotado pelo Secretariado da UNCTAD
(1987), em relatório de avaliação e opções de política para mecanismos de
compensação e pagamentos entre países em desenvolvimento é o mesmo conceito de
conversibilidade de McLenaghan. Afirma-se, entretanto, que o sentido de
conversibilidade limitada proposto pela UNCTAD à Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental é restrito ao estabelecimento das chamadas "contas
de conversibilidade", em bancos da região, e denominadas na moeda do país onde
o banco está localizado. Os recursos seriam originários de receita de
exportação para aquele país e poderiam, por sua vez, ser utilizados para o
pagamento de importações originadas daquele país, assim com outros pagamentos
devidos.
- 24 -
44. No caso da América Latina, diversas foram as iniciativas de se
dotarem as moedas da região de um certo grau de conversibilidade. Por exemplo,
em 1961, foi criada a Câmara de Compensação Centro-Americana. Posteriormente,
foi estabelecido o Convênio de Créditos Recíprocos da ALADI, primeiro como um
sistema de contas bilaterais e depois com a liquidação multilateral dos saldos
por um banco agente. Nos anos oitenta foram criados o Fundo Andino de Reservas
e o peso andino. Quanto ao MERCOSUL, enquanto não se atinge a integração
monetária completa com ausência de restrições e fixação de paridades, várias
medidas foram tomadas visando a aumentar o grau de conversibilidade da moeda
brasileira na região do MERCOSUL 1/.
IV) SUMÁRIO E CONCLUSÕES
45. Procurou-se demonstrar nesse trabalho que a discussão do conceito
de conversibilidade monetária é atual e pode resultar em definições de
política bastante objetivas. O maior mérito de uma tipologia como a proposta é
tentar contribuir para ordenar as discussões sobre o tema. Como visto, o
conceito de conversibilidade evoluiu ao longo do tempo, adaptando-se às
circuntâncias e objetivos, mantendo sempre suas dimensões de uso, troca e
valor. Pode-se dizer que o instrumento da "conversibilidade" foi e vem sendo
utilizado com objetivos definidos: no pós-guerra pretendia-se eliminar as
restrições ao comércio mundial e com isso fomentar o crescimento econômico; no
1/ Podemos considerar a liberação da compra de câmbio para viajantes na área do MERCOSUL, como exemplo de medida tendente a aumentar o grau de conversibilidade regional
- 25 -
caso dos países em transição para economia de mercado, a conversibilidade
possibilita o estabel
ecimento imediato de um sistema de preços que atua como substituto do sistema
alocativo central; e, finalmente, no caso dos programas de estabilização o
compromisso de conversibilidade assumido por um governo pode ser intepretado
como uma garantia de manutenção de política econômica compatível com a
estabilização .
46. As posições extremas -- conversibilidade irrestrita e
inconversibilidade -- não são muito frequentes, sendo as intermediárias mais
usuais, principalmente entre os países em desenvolvimento e, mais
recentemente, entre os países em transição para economias de mercado. O quadro
a seguir procura resumir as principais características das definições de
conversibilidade apresentadas. Por exemplo, "conversibilidade irrestrita" para
Williamson significa que para ser considerada conversível uma moeda tem que
atender a todos os requisitos, qualquer que seja o sistema cambial, tanto
para transações correntes como as de capital, utilizadas seja por residentes,
seja por não-residentes. Já para o FMI, em seu convênio original,
conversibilidade era considerada apenas no sistema de taxas de câmbio fixas e
relativa aos pagamentos em conta corrente, ou seja, o país teria sua moeda
considerada conversível pelo FMI, mesmo se utilizasse restrições a fluxos de
capital.
47. As diferentes gradações do conceito, geralmente, são estabelecidas
sobre quem tem o direito de converter e com qual objetivo o direito de
converter pode ser exercido. No que diz respeito a quem, a principal
Quadro Sinótico: Principais definições de conversibilidade
Caracteristicas Definição
Sistema Cambial
Taxas Fixas Taxas Flutua
Objetivos Agentes Objetivos
Conta Corr.
Conta Capital
Resid.
Não -resid.
Conta Corr.
Conta Capital
Resi
Inconversível
Convênio do FMI
Original X X 1/
2a emenda X
McKinnon X X X X
Guitián
"Soft" X X
"Hard" X X X X
Externa X X X X X
Domestica X X X X X
Financeira X X X X
Real X X X X X X
Williamson Irrestrita X X X X X X
1/ Na verdade existia a obrigação de conversibilidade de saldos de moedas mantidos por autoridades monetárias estrangeiras mas tal direito nunca foi invocado.
- 27 -
diferenciação é exercida entre residentes e não-residentes. No caso mais
comum, a restrição à exportação de capitais por residentes forma uma espécie
de mercado cativo para a poupança interna, protegendo a política econômica de
um
determinado país da concorrência externa. Com referência ao objetivo da
conversão, a principal diferenciação é quanto a transações correntes e de
capital. A liberalização geral das economias, ocorrida também no caso dos
países em desenvolvimento, leva a afirmação de que a conversibilidade,
conforme
advogada pelo FMI, foi atingida num número muito grande de países. Evidência
dessa tendência é o crescente número de países que aceitaram as obrigações do
artigo VIII do Convênio Constitutivo do FMI 1/.
48. No caso do Brasil, a conversibilidade de transações correntes está
praticamente atingida, principalmente por que, após a finalização do acordo da
dívida, não existem praticamente mais restrições ao pagamento de juros ao
exterior. Resta ainda uma discussão sobre alguns atrasados com os credores do
Clube de Paris. De maneira geral, residentes e não-residentes podem comprar e
vender moedas livremente por conta de recebimentos e pagamentos por bens e
serviços. Registre-se, entretanto, que o Brasil até hoje permanece na
categoria de arranjos cambiais transitórios regidos pelo artigo XIV do
Convênio.
1/ 9 países se comprometeram a assumir as obrigações do Artigo VIII durante 1993 e 10 até julho de 1994, números maiores do que em qualquer ano desde 1961, quando a maioria dos países de Europa Ocidental aceitou tais obrigações.
- 28 -
49. A nível da conta de capital, persistem uma série de restrições no
regime cambial brasileiro, principalmente no caso de residentes no País.
Pessoas físicas ou jurídicas não-residentes podem manter conta em moeda
nacional no País, podendo transferir livremente para o exterior recursos que
tenham sido internalizados. Instituições financeiras não-residentes estão
autorizadas a comprar e vender moeda estrangeira, livremente, no mercado
interbancário. Isso não obstante, a identificação das partes na transação
torna-se cada vez mais utilizada no mundo inteiro, mesmo em países
considerados com direito de conversibilidade irrestrita como nos Estados
Unidos, com o objetivo de registrar os aspectos fiscais e legais da remessa.
50. Quanto ao plano de estabilização brasileiro estabelecido em julho
de 1994, no momento da introdução da nova moeda - o real - e do novo regime
cambial, a possibilidade de conversibilidade seria uma garantia adicional da
credibilidade do programa. A queda da inflação seria favorecida não somente
pela valorização ocorrida, no mercado cambial, do real em relação ao dólar,
mas também pelo fato de que os agentes econômicos acreditem que o governo vai
continuar tomando as medidas adequadas para viabilizar a estabilização.
Existem, é claro outras maneiras de se conquistar a credibilidade. Além disso,
como vimos, o Brasil praticamente atingiu a conversibilidade nas contas de
transações correntes do balanço de pagamentos e a liberalização cambial
ocorrida a partir de 1990 propocionou vários mecanismos de entrada e saída de
capitais para não-residentes e residentes.
51. No caso da integração monetária e constituição de um mercado
comum, como intensamente discutido na literatura relevante, uma moeda comum é
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equivalente ao compromisso irrevogável de fixar a taxa de câmbio, juntamente
com ausência de restrições de qualquer espécie entre os países que estão se
integrando. Ressalte-se que na União Européia as taxas de câmbio são estáveis
mas ajustáveis, flutuando conjuntamente em relação às demais moedas. A
conversibilidade irrestrita, entretanto, foi atingida somente em 1990, com a
abertura total dos mercados financeiros. Assim, o Grupo Mercado Comum do
MERCOSUL deverá necessariamente continuar adotando medidas que aumentem a
conversibilidade das moedas na região, tanto na área de transações correntes,
quanto na de capital, paralelamente buscando o objetivo final da moeda única
ou das taxas irrevogavelmente fixas entre si.
52. Finalmente resta a questão sobre a extensão da jurisdição do Fundo
Monetário sobre restrições a conta de capitais. Isso significaria que o país
teria que solicitar a aprovação do FMI para impor controles de capitais. Tais
medidas, por sua própria natureza, têm que ser adotadas de maneira rápida e de
surpresa para serem efetivas. Como bem advoga Kafka (1994), o que poderia
estar sujeito à jurisdição do Fundo seria a capacidade de impor controles
temporariamente, sem consulta prévia, sendo a aprovação a posteriori.
Outubro de 1994.
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