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Page 1: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

VALMOR JÚNIOR CELLA PIAZZA

A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO:

situação jurídica, jogo e as consequências em um processo penal

democrático

São José

2009

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VALMOR JÚNIOR CELLA PIAZZA

A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO:

situação jurídica, jogo e as consequências em um processo penal

democrático

Monografia apresentada à

Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI , como requisito

parcial a obtenção do grau em

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rodrigo

Mioto dos Santos

São José

2009

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VALMOR JÚNIOR CELLA PIAZZA

A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO:

situação jurídica, jogo e as consequências em um processo penal

democrático

Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Ciência Processual

São José, 19 de novembro de 2009.

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos

UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. Dr. Alexandre Moreis da Rosa

UNIVALI – Pós-Graduação (CEJURPS)

Membro

Prof. MSc. Juliano Keller

UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Dedico este trabalho aos meus pais, avós e a minha irmã.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, o Pai, Senhor e Criador.

À minha Família, a razão de tudo:

À minha Mãe – A figura mais importante da minha vida. Que sozinha

soube reunir o carinho, a sabedoria, o exemplo, o zelo, o sentimento, a

amizade e o amor. Pelos sacrifícios despendidos e as lágrimas derramadas.

Pois mesmo nas horas de maior sofrimento, teve esperanças e soube acreditar

em seus sonhos. A pessoa sem a qual não sei o que seria. Por ter me dado os

melhores presentes que um filho pode receber: a liberdade , a confiança, e o

amor.

Ao meu falecido Pai – Sentimento – Pela sua presença nesta

caminhada, seu abraço na solidão e seus punhos diante do perigo.

Aos meus maravilhosos Avós – Exemplo –. Por me permitirem ve-los

como exemplo. Ao casal que construiu o meu maior exemplo de família. Ao

meu avô por tudo que me ensinou, por ser meu maior exemplo de vida. À

minha avó, por me ensinar a não ter medo ou vergonha, por ser o maior

exemplo de ousadia.

À minha irmã Gabriela – Carinho – Pelo carinho, amor e a extrema

dedicação em ser a melhor irmã do mundo.

Ao meu padrasto Alcides – Sabedoria – Por me permitir te-lo como um

pai e ter aceito o desafio de figurar como o horizonte da sapiência que posso

alcançar.

Aos meus Tios – Zelo – Àqueles aos quais a fortuna destinou serem

meus segundos pais e mães.

Aos meus Primos – Amizade – Que mesmo sendo poucos os tenho

como irmãos.

À Débora, minha namorada – Amor – Pelo sorriso de cada manhã, pelo

abraço de cada tarde e pelos beijos de cada noite.

Aos meus tão estimados e verdadeiros Amigos. Àqueles que estão em

Chapecó, àqueles que estão comigo em Florianópolis e àqueles que conheci

nesta ilha maravilhosa.

Ao Movimento Estudantil, por tudo que representa e por ter me

ensinado, entre tantas coisas, o significado de juventude e solidariedade.

Ao meu Amigo e Mestre, Rodrigo Mioto dos Santos. Por ter aguentado

esta orientação.

Aos meus Professores, alguns que tenho o prazer de ter como amigos, e

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à UNIVALI, pela formação profissional, humana e social.

À Chapecó, minha cidade, minha terra, meu orgulho. Meu cantinho,

onde ainda hei de retornar.

À todos aqueles, que apesar de não citados, me ajudaram nesta

caminhada.

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"... O tempo é algo que não volta atrás.

Por isso plante seu jardim e decore sua alma,

Ao invés de esperar que alguém lhe traga flores ..."

William Shakespeare

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,

isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito,

a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

São José, novembro de 2009.

Valmor Júnior Cella Piazza

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RESUMO

Partindo das concepções modernas acerca da natureza jurídica do processo, o

objetivo deste trabalho é verificar entre as tantas propostas teóricas

apresentadas pela doutrina, qual possui a melhor visão e entendimento sobre

esta natureza. Com este fim, apresenta, as duas teorias mais aceitas pela

comunidade jurídica ocidental: A Teoria da Relação Jurídica Processual de

Oskar Von BÜLOW, com aporte bibliográfico de Adolf WACH, Josef

KOHLER, Konrad HELLWIG e a clássica escola processual italiana de

Giuseppe CHIOVENDA, Francesco CARNELUTI e Piero CALAMANDREI, e

sua contraposição através da Teoria da Situação Jurídica Processual de James

GOLDSCHMIDT. Realiza um debate de ideias entre estas duas principais

posições, principalmente investigando as categorias processuais apresentadas

por ambos (direitos e obrigações de um lado, e expectativas, perspectivas,

chances, riscos, cargas e liberação de cargas do outro), com respaldo dialético-

científico e com suporte dos autores anteriormente citados. Analisa,

pricipalmente na seara do processo penal, a possibilidade de inclusão de novas

categorias e matérias, além da jurídica, à ciência processual até chegar à

redenção de Piero CALAMANDREI por sua Teoria do Processo como um

Jogo. Efetua uma pesquisa histórico-doutrinária entre vários processualistas

nacionais para compreender quais suas posições, raízes e de que maneira

compreendem a natureza jurídica do processo penal. Apresenta a importância

que a ciência processual adquiriu com as produções dos autores trabalhados no

texto e aduz as principais implicações de se adotar uma ou outra teoria na

prática forense criminal ou mesmo nas pesquisas acadêmicas.

Palavras-chave: natureza jurídica do processo; Oskar Bülow; relação jurídica;

James Goldschmidt; situação jurídica; Piero Calamandrei; processo como jogo;

categorias processuais; expectativas; perspectivas; chances; cargas; processo.

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RESUMEN

Partiéndose de las concepciones modernas acerca de la naturaleza jurídica del

proceso, el objetivo en este trabajo es verificar, entre todas las propuestas

teóricas presentadas por la doctrina, por la cual tiene la mejor visión y

comprensión jurídica occidental: La teoría de la Relación Jurídica Procesal de

Oskar Von BULOW, con el aporte bibliográfico de Adolf WACH, Josef

KOHLER, Konrad HELLWIG y la clásica escuela procesal italiana de

Giuseppe CHIOVENDA, Francesco CARNELUTI y Piero CALAMANDREI,

y sus contraposiciones a través de la Teoría de la Situación Jurídica Procesal de

James GOLDSCHMIDT. Realizase un debate de las ideas ente las dos

principales posiciones, principalmente con la investigación de las categorías

procesales presentadas por ambos (derechos y obligaciones de un lado, y

expectativas, perspectivas, oportunidades, riesgos, las cargas y liberaciones de

las cargas del otro), con el respaldo dialéctico-científico y con el soporte de los

autores anteriormente citados. Analizar, principalmente en el ámbito del

proceso penal, la posibilidad de inclusión de nuevas categorías y materias,

además de la jurídica, la ciencia procesal hasta llegar a la redención de de Piero

CALAMANDREI por su Teoría del Proceso como un Juego. Efectúa una

pesquisa histórico-doctrinaria entre los varios procesalistas nacionales para la

compresión de cuales son sus posiciones, raíces y de cual manera entienden la

naturaleza jurídica del proceso penal. Presenta la importancia que la ciencia

procesal añadió con las producciones de los autores trabajados en el texto aduce

las principales implicaciones de se adoptar una o otra teoría en la práctica

forense criminal o mismo en las pesquisas académicas.

Palabra-clave: naturaleza jurídica del proceso; Oskar Bulow; relaciones

jurídicas; James Goldschmidt; situación jurídica; Piero Calamandrei; proceso

como el juego; categorías procesales; expectativas; perspectivas; oportunidades;

las cargas; el proceso.

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RIASSUNTO

Partendo delle concezioni moderne a rispeto della natura giuridica del processo

penale l’obietivo di questo lavoro è verificare tra lê tante proposte teoriche

presentate per la dottrina la quale há la megliore visibilità e come se puo capire

su questa natura. Com questa finalita si presenta le due teorie piu accette per la

comunita giuridica ocidentale: la teoria della relazione giuridica processuale di

Oskar Von BÜLOW, com aiuto bibliografico di Adolf WACH, Josef KOHLER,

Konrad HELLWIG e la classica scuola processuale italiana de Giuseppe

CHIOVENDA, Francesco CARNELUTI e Piero CALAMANDREI, e la sua

contrapoziocione traverso della teoria della situazione giuridica processuale di

James GOLDSCHMIDT. Realizza uno scambio di idee tra queste due

principale pozicioni, in principio studiando lê categorie processuali presentate

per ambidue (diritti e obrigazioni di uma parte, e aspettative e perseguitare,

oportunita, rischi, cariche e liberazione di cariche di l’altro) com appoggio

dialetale-scientifico e com supporto degli autori prima mencionati. Studia le

possibilita di includere nuove categorie e materie, oltre della giuridica, allá

sciencia processuale fino arrivare redenzione di Piero Calamendrei per la sua

teoria del processo come um giocco. Fa uma ricerca storica-dottrinaria tra

diversi processualisti nacionale per capire qualle sue pozisione, radici e di

qualle maniera la societa giurudica brasiliana capisce ilprocesso. Presenta

l’importanza che la sciencia processuale há acquistato com lê produzioni degli

autori che hanno lavorato nel texto e che condurre a lê principale implicazioni

per utilizare uma o l’altra nella pratica giudiciaria e anche nelle ricierche

accademiche.

Parole-chiavi: natura giuridica del processo; Oskar Bülow; relazione giuridica;

James Goldschmidt; situazione giuridica; Piero Calamandrei; processo come

giocco; categorie processuale; aspettative; perseguitare; oportunita; cariche;

processo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................13

1 O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA: CRIAÇÃO,

ASSENTAMENTO E EVOLUÇÃO DO ROMANISMO CLÁSSICO À

SEPARAÇÃO PROCESSUAL DE OSKAR VON BÜLOW........................19

1.1 A Natureza Jurídica do Processo da Idade Média à Oskar Von

BÜLOW.................................................................................................... 19

1.2 Germânicos e Italianos: de Oskar Von Bülow e Adolf Wach à Escola

Processual Italiana (ou Escola Chiovendiana) ........................................ 25

2 O PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA: DAS CRÍTICAS À

BÜLOW E DA EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA DE

GOLDSCHMIDT.............................................................................................64

2.1 A Crítica de James GOLDSCHMIDT à Teoria da Relação Jurídica

de Oskar Von BÜLLOW ......................................................................... 64

2.2 A Teoria da Situação Jurídica de James GOLDSCHMIDT e a

Navegação do Processo na Epistemologia da Incerteza de Aury LOPES

JR. ............................................................................................................. 86

2.3 As Críticas à Teoria da Situação Jurídica e a Resposta de James

GOLDSCHMIDT .................................................................................... 117

3 O MAJESTOSO JOGO DE PIERO CALAMANDREI, A DOUTRINA

NACIONAL E AS IMPLICAÇÕES DE UM NOVO OLHAR..................131

3.1 O Mundo dá Voltas: Da Crítica à Redenção. O Majestoso Jogo de

Piero CALAMANDREI ..........................................................................131

3.2 A Posição da Doutrina Nacional Quanto à Natureza Jurídica do

Processo ...................................................................................................157

3.3 Algumas Implicações Práticas da Aceitação do Processo Como Um

Jogo ..........................................................................................................185

CONCLUSÃO................................................................................................202

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BIBLIOGRAFIA........................................................................................214

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INTRODUÇÃO

O propósito principal desta monografia é definir, entre as diversas

teorias publicadas, qual é aquela que melhor designa a Natureza Jurídica do

Processo Penal. Desde este início, é importante frisar que o objetivo não é

apresentar qual a real ou verdadeira natureza jurídica do processo penal, mas

sim, determinar, entre as tantas teorias existentes, qual é a que melhor se adapta

a este desígnio.

O fundamento essencial de não optar, no decorrer deste trabalho, por

tomar uma teoria como única verdade ao questionamento elaborado, é

basicamente a cautela de não incidir no erro grotesco de acreditar na existência

da verdade una. Este trabalho será desenvolvido seguindo o método dialético.

Isto devido a necessidade de compreender que toda produção científica deve ser

guiada através da construção da luta e diálogo de ideias, e jamais pela

imposição de verdades aos leitores.

A necessidade de uma produção acadêmica sobre este tema se baseia na

quase total ausência de debates por parte da doutrina processual penal nacional,

o que acaba por comprometer toda a produção doutrinária acerca da ciência

processual. O material doutrinário elaborado atualmente peca, e muito, no

conhecimento das teorias fundantes de seus próprios escritos. O resultado disto

é o lançamento, muitas vezes irresponsável, de categorias processuais sem

embasamento científico. Desta forma, torna-se imprescindível resgatar as raízes

para compreender como a árvore se sustenta.

Para tanto, no primeiro capítulo optar-se-á por uma breve exposição do

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materialismo histórico do processo na sociedade. Apresentar-se-á, como tese,

a teoria fundante do processo moderno de Oskar Von BÜLOW, conhecida como

Teoria da Relação Jurídica Processual, publicada em 1868, na obra Die Lehre

von den Processeinreden und die Processvoraussetzungen (Teoria das Exceções

e dos Pressupostos Processuais, como conhecida no Brasil).

Não se deixará de oportunizar a exposição das demais teorias

contemporâneas a esta, mas que por vários motivos, não obtiveram tanta

aceitação na sociedade jurídica ocidental. Teorias como as francesas do

contrato, quase-contrato e mais tarde a teoria do serviço público de DUGUIT,

JÈZE e NEZARD. Também as publicações de KISCH na teoria do processo

como estado de ligamento e Jaime GUASP, HAURIOU e RENARD através da

teoria do processo como instituição. Nestas concepções menores acerca da

natureza jurídica do processo, recorrer-se-á principalmente ao texto Algunas

Concepciones Menores Acerca de La Naturaleza Del Proceso de Niceto

ALCALA-ZAMORRA Y CASTILLO.

Após estas apresentações, que serão retomadas no início do capítulo II,

expor-se-á quem foram os principais seguidores de Oskar Von BÜLOW. Iniciar-

se-á pelos trabalhos de Adolf WACH, seu principal partidário nesta teoria, e

autor que obteve maior sucesso na Alemanha depois de BÜLOW. Personagens

como Josef KOHLER, que, apesar da aceitação da Relação Jurídica Processual,

optaram por modificá-la e inserir a ela o conceito de retilínea, e Konrad

HELLWIG, que da mesma maneira que KOHLER propôs outro conceito, que

viria a ser chamado de teoria angular, também serão contemplados com a

exposição de seus escritos.

Junto a isso, o Capítulo I conterá ainda o posicionamento da Escola

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Processual Italiana, ou também conhecida como Escola Chiovendiana.

Processualistas como Giuseppe CHIOVENDA, Francesco CARNELUTTI,

Piero CALAMANDREI e Enrico Tullio LIEBMAN terão suas opiniões, acerca

da natureza jurídica do processo, contextualizadas no decorrer deste capítulo.

A Teoria da Relação Jurídica Processual será esmiuçada e exposta ponto

a ponto, desde os fundamentos romanísticos que levaram a sua criação, até seu

desenvolvimento pela grande gama de processualistas. As características de:

unidade, complexidade, dinamicidade, publicidade, bem como suas categorias

processuais de direitos e obrigações, serão foco de análise e comentários de

vários autores nacionais e internacionais.

A teoria dos pressupostos processuais, de Oskar Von BÜLOW, que

define critérios objetivos para a validação, ou não, de um processo ou mesmo

da própria relação jurídica processual, também fará parte deste primeiro bloco

de exposições teóricas.

O Capítulo II, por sua vez, será dividido em três matérias bem

delimitadas. A começar pela exposição do surgimento de uma nova teoria, que

ganhou espaço entre a comunidade jurídica. Trata-se da Teoria da Situação

Jurídica, criada por James GOLDSCHMIDT, que descontente com as

explicações à natureza jurídica do processo, optou por elaborar uma nova tese

que viesse a explicá-la.

Neste ponto, ainda tratar-se-á das críticas que James GOLDSCHMIDT

fez à teoria de Oskar Von BÜLOW, as quais foram destinadas: quanto às

exceções dilatórias e processuais, à retomada da ciência processual romanista

quanto ao juízo in iure e o procedimento in iudicio, aos pressupostos

processuais, aos direitos e obrigações processuais, à função e finalidade do

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Estado com relação ao processo e à própria existência de uma relação

jurídica entre os sujeitos do processo.

Este debate será apresentado ponto a ponto, com a exposição das razões

de Oskar Von BÜLOW e em seguida a fundamentação das críticas de James

GOLDSCHMIDT. Em vários momentos deverão ser consideradas inserções de

outros autores que possam vir a colaborar substancialmente ao debate, verbi

gratia os estudos de Adolf WACH sobre a finalidade do processo.

O segundo ponto será a exposição, mesmo que sucinta em alguns temas,

da Teoria da Situação Jurídica de James GOLDSCHMIDT. O primeiro ponto

que será trabalhado é relativo à finalidade do processo. Para isso, será

necessário expor os argumentos do autor, principalmente quanto ao seu derecho

justicial material, a fim de questionar a teoria vigente da exigência de proteção

jurídica, elaborada por Adolf WACH em seu trabalho Handbuch des Deutschen

Zivilprozessrechts1.

Uma vez apresentadas as concepções de James GOLDSCHMIDT

quanto a finalidade do processo, e do derecho justicial material, demonstrar-se-

á a necessidade da elaboração de novas categorias jurídicas, que venham a

explicar os complexos fenômenos processuais. Estas novas categorias, como

restará demonstrado, são o grande baluarte da teoria da situação jurídica de

GOLDSCHMIDT.

Para isto, far-se-á necessário reservar espaço para a elaboração e

consequente desenvolvimento destas categorias pelo autor, quais sejam:

expectativas de uma sentença favorável, perspectivas de uma sentença

desfavorável, cargas, liberação de cargas, ônus processuais e até mesmo captura

1 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977.

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psíquica do juiz.

A contribuição de um autor nacional será introduzida ao texto para a

cientificação de uma nova categoria, derivada dos estudos de James

GOLDSCHMIDT. Esta nova categoria será chamada de ―riscos‖, e o autor a ser

apresentado será Aury LOPES JR. Este, através da sistematização dos estudos

de GOLDSCHMIDT, optou por inserir esta nova categoria, que como ficará

demonstrado, é própria da defesa no processo penal.

Os resultados da interpretação da natureza jurídica do processo, serão

apresentados com o auxílio de gráficos e com a colaboração de novas ciências a

estes estudos, quais sejam, a sociologia, alguns estudos de Nicolau

MAQUIAVEL e Sun TZU no campo da estratégia e até mesmo citações (via

apud) das teorias de Albert EINSTEIN e suas teorias matemáticas.

Com a apresentação destes resultados, restarão demonstradas as

afirmações de James GOLDSCHMIDT quanto à dinamicidade da teoria da

Situação Jurídica, e a qualidade de estática da teoria da Relação Jurídica

Processual de Oskar Von BÜLOW.

Já o subcapítulo de encerramento deste capítulo conterá as críticas de

alguns autores à teoria de James GOLDSCHMIDT. Críticas estas, que foram

desde ataques pessoais próximos à sua sanidade mental, até críticas muito bem

fundamentadas por autores que mais tarde, como será apresentado no Capítulo

III, vieram a seguir GOLDSCHMIDT.

As críticas que apresentar-se-ão, serão selecionadas do livro ―Proceso y

Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y aplicación

del derecho procesal‖ do espanhol Pedro ARAGONESES ALONSO. São elas:

1) Quanto a incapacidade de refutar a inexistência de uma relação jurídica

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processual; 2) Quanto a destruição da unidade do processo; 3) Quanto a

confusão da realidade prática do processo com o ―dever-ser‖ processual; 4)

Quanto a inserção de um caráter patológico ao processo; 5) Quanto a inserção

de categorias sociológicas; e 6) Quanto a falta de ética e a desmoralização do

processo.

As respostas serão apresentadas logo em seguida à exposição de motivos

das referidas críticas. As fontes destas respostas serão em parte retiradas dos

próprios escritos de James GOLDSCHMIDT, e em parte retiradas dos escritos

de demais autores, e mesmo de nossas (pré)compreensões acerca do tema.

O terceiro, e último capítulo desta obra, tratará de três novas temáticas.

A primeira será a redenção de Piero CALAMANDREI, que passou de crítico

visceral de James GOLDSCHMIDT, a um de seus maiores apoiadores. O texto

base a ser trabalhado será ―Il Processo Come Giuoco‖, e conterá análises de

outros autores sobre os escritos de CALAMANDREI, ou mesmo referências

que possam ser amarradas a esta temática.

As ideias de Piero CALAMANDREI a serem apresentadas, são

basicamente a sua visão do processo como um jogo, onde as partes e seus

advogados são as diversas equipes, e o magistrado é o árbitro. A função das

partes é lutar pelos seus interesses, mesmo que mesquinhos em muitos casos, e

a o juiz é por determinar e seguir rigorosamente as regras do jogo.

A segunda parte deste capítulo será uma pesquisa bibliográfica, onde

será externada a posição de vários autores nacionais sobre a natureza jurídica do

processo penal. Os principais pontos analisados nas obras serão: espaço

dedicado, fundamentação, quantidade de teses apresentadas, valoração da

qualidade do debate, posicionamentos, entre outros.

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A parte final deste último capítulo tratará de algumas implicações

práticas da aceitação da síntese de todos os argumentos, doutrinas e teorias

apresentadas. O principal foco será a caracterização do processo como um jogo,

de acordo com a teoria de Piero CALAMANDREI. Também será realizada uma

sistematização da epistemologia da incerteza, trazida por Aury LOPES JR ao

processo, e seus resultados no direito ao contraditório e à ampla defesa no

processo penal, junto ao princípio da par conditio.

1 O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA: CRIAÇÃO,

ASSENTAMENTO E EVOLUÇÃO DO ROMANISMO CLÁSSICO À

SEPARAÇÃO PROCESSUAL DE OSKAR VON BÜLOW

1.1 A Natureza Jurídica do Processo da Idade Média à Oskar Von BÜLOW

A despeito do debate realizado dentro da filosofia e das ciências sociais,

se o Estado sempre existiu, ou se o Estado é um fenômeno histórico e artificial

criado pelo homem, o que interessa, a este trabalho, é que no campo jurídico,

uma das funções do Estado é dirimir os conflitos da sociedade

Desta forma, o Estado está obrigado a estabelecer métodos objetivos

para solucionar os litígios subsistentes. O processo foi a maneira formal,

apresentada à sociedade para determinar os direitos em caso de conflito.

Entretanto, o materialismo histórico mostra que o processo passou por grandes

modificações durante sua trajetória.

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Na Roma antiga a existência de um iudicii2 deu cabo às necessidades

da época.3 Com a queda o império romano ocidental e o mergulho da Europa

em um sistema feudal, o processus iudicii sofreu grande retrocesso. Verbi gratia

o processo inquisitorial, onde além de se confundir a figura do Juiz com a

figura da Acusação, o réu não era visto como um sujeito de direitos, mas sim

um mero objeto de provas processuais4.

Na idade média, os doutos juristas, com base em fragmentos restantes

do iudicii romano, compreenderam os deveres processuais com origem em um

―contrato judiciário‖. A máxima jurídica para esta explicação era ―sic ut

stipulatione contrahitur, ita iudicio contrahi‖5 [assim como se contrata em uma

estipulação (negociação), assim se contrata em juízo]. Desta forma, os

―doutores‖ de direito civil e canônico advogavam a favor de uma concepção

privatista do processo.6

A afirmação de GAIUS7 de que ―ante lidem contestatam dare debitorem

oportere; post litem contestatam condemnari oportere; post condemnationem

2 De origem latina, o iudicii significa juízo, mas também era utilizado o termo processu iudicii

para denotar um procedimento em juízo. No segundo capítulo desta monografia se trabalhará

melhor o fundamento destes vocábulos. 3 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas: LZN,

2005, p. 7.

4 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v, p. 38.

5 A expressão completa era: ―idem scribit, iudicati quoque patrem de peculio actione teneri.

Quod (et) Marcellus: Putat etiam eius actionis nomine, ex qua non pater de peculio actionem

pati: nam sicut (in) stipulatione contrahitur cum filio, ita iudicio contrahi: proinde non

originem iudicii spectandam, sed ipsa iudicati velat obligationem.‖

6 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 16-20.

7 GAIUS. Institvtionvm Commentarii Qvattvor. Roma: [s.n.], Século II. LIB III, 180 apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 17

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iudicatum facere oportere‖8, demonstrava que através da litis contestatio se

concluía o contrato judicial, uma vez que as partes aceitavam se submeter ao

juízo. Desta época que a litis contestatio foi indevidamente confundida com a

novação necessária.9

Com relação à litis contestatio, Hélio TORNAGHI10

esclarece que ―[...]

no Direito romano é o ato pelo qual as pessoas que assistiram ao

desenvolvimento do processo in iure testemunham a transformação do conflito

em lide: nesse momento as partes voluntariamente assumem de submeter-se à

decisão.‖11

. Após isto, a litis contestatio mudou seu significado e ganhou nova

fórmula. Seu novo sentido é o da tríplice operação, onde o magistrado indica o

modus operandi à uma parte, que empregava à outra, que a aceitava.12

No

momento em que o autor aceitava o modus operandi estipulado pelo magistrado

para obter uma condenação do réu, aquele renunciava ao seu direito firmado

contra este. Da mesma forma, no momento da litis contestatio, o réu eximia-se

da obrigação contraída do autor e aceitava se submeter à decisão judicial. Uma

vez que ambos ―aceitavam‖ o juízo, ocorria o definhamento do antigo direito do

autor e o nascimento de um novo direito. Direito este que era obrigacional,

perpétuo e sucessível.13

8 Antes de contestada a lide cabe ao devedor dar; depois, cumpre que seja condenado e, após a

condenação, toca-lhe cumprir o que foi decidido. Tradução de Hélio TORNAGHI 9 No sentido da obrigatoriedade da contratação judicial e da ação que se processaria por

imperativo legal.

10 Os escritos de Hélio TORNAGHI, que são citados neste trabalho, foram elaborados na

década de 1950, portanto erros ortográficos atuais não os eram para a ortografia da época.

11 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 17.

12 ―dare iudicium, edere iudicium et accipere iudicium‖ 13 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 17.

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O Processo Penal, como disse Francesco CARNELUTTI1415

, sempre

foi preterido ao Processo Civil, tendo que se contentar com meros farrapos

deste. Muito além de trapos desgastados, estas vestimentas não foram

produzidas para o processo penal, mas sim para o processo civil, que, por ter

sido favorito, possui uma superioridade científica e dogmática inegável. ―Mais

do que vestimentas usadas, eram vestes produzidas para sua irmã (não para ela).

A irmã favorita aqui, corporificada pelo processo civil, tem uma superioridade

científica e dogmática inegável.‖16

Desta forma, na Idade Média, o Processo Penal não escapou das velhas

roupas do Processo Civil e teve o conceito de contrato judiciário estendido às

suas categorias. A idéia era de que uma vez que o réu admitira se submeter ao

veredictum, entendia-se reus maneat ad poenam obligatus.17

Por longo período

o direito processual penal e civil mantiveram-se atrelados a categorias

14 Francesco CARNELUTTI nasceu em Udine (Itália) em 1879 e faleceu, aos 86 anos de idade,

em Milão em 1965. Exímio estudioso da ciência jurídica, obteve o grau de doutor pela

Universidade de Pádua em 1900. Em 1919 assume a cátedra de Direito Processual Civl na

Universidade de Milão, onde lecionou até o ano de 1935. Em 1923, juntamente com Giuseppe

CHIOVENDA, fundou a famosa Rivista di Diritto Processuale Civile, a qual foi a principal

fonte de publicações científicas processuais da Europa por longo período. Pertencente a Escola

Processual Italiana, Francesco CARNELUTTI, junto à CHIOVENDA, a Piero

CALAMANDREI e Enrico REDENTI, entre outros, consagraram-se como os grandes precursores das teorias positivadas no conhecido código de processo civil italiano de 1940.

Foi, sem dúvida alguma, um dos maiores processualistas do século XX. Para mais

informações a respeito deste grande mestre processual que foi Francesco CARNELUTTI,

verificar Estudos de Direito Processual na Itália de Piero CALAMANDREI, e o prefácio, de sua

obra Sistemas de Direito Processual Civil, elaborado por Niceto ALCALÁ-ZAMORA Y

CASTILLO. (CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual na Itália. Campinas:

LZN Editora, 2003) (CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed.

São Paulo: Lemos e Cruz. 2004. 1.v.)

15 CARNELUTTI, Francesco. Generentola. Apud LOPES JR., Aury. Direito Processual

Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 31

16 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 31

17 o réu permanece obrigado à pena – tradução livre

Page 24: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

23

privatistas. Os últimos a abandonarem este pensamento foram os franceses

no final do século XIX.18

Mais perturbadora ainda foi a teoria do quase-contrato judiciário, uma

vez que não existe nem se quer como caracterizar esta suposta fonte de

obrigações. A idéia é que existem duas fontes de obrigações: as provenientes de

contratos e as provenientes de delitos. No caso em que não era possível

determinar de qual fonte vertia a obrigação, deveria classificá-la como

contratual. Mais tarde, o direito justiniano criou a teoria quasi ex contractu, que

se ―aperfeiçoou‖ e virou ex quase contractu.19

Para os romanos, as obrigações provenientes do quase-contrato, eram

aquelas semelhantes ao contrato, mas que não derivavam deste e nem mesmo

do ato ilícito. ―Os códigos e autores modernos que tentaram uma definição, no

máximo conseguiram extremá-lo por um lado do contrato, já que em lugar de

acôrdo falam em fato e, por outro lado, do delito, já que o caracterizam como

lícito.‖20

Porém, fica a pergunta: onde está a analogia com o contrato se o

quase-contrato é um fato e não um acordo de vontades? O princípio básico do

contrato é o acordo de vontades, onde não há acordo de vontade não há

contrato.21

Porém, como se viu, até este momento havia uma enorme confusão

entre direito material e direito processual. De certo ponto de vista, pode-se até

18 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 17-19

19 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 19-20

20 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 20 21 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 19-20

Page 25: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

24

pensar que não havia confusão, uma vez que o processo e o direito [material]

eram a mesma coisa. O processo consistia em meros atos irregulares, que

tinham por finalidade a busca da verdade real e a certeza da entrega do direito

ao credor. Salvo raros autores22

, que preconizaram uma leve e embrionária

apartação entre estes ramos da ciência jurídica, até meados do século XIX não

existia diferença entre Direito Processual e Direito Material.

O grande marco de separação entre direito material e direito processual

moderno foi, sem dúvida alguma, os escritos em 1868 de OSKAR VON

BÜLOW23

em sua principal obra "Die Lehre von den Processeinreden und die

Processvoraussetzungen‖24

. Nesta obra, BÜLOW elaborou um resgate jurídico

histórico do período romanista e, após séculos de confusão sobre a natureza

jurídica do processo, afastou de vez o direito processual dos caminhos do

direito material.

De tal grandeza foi esta obra, que ainda hoje, quase um século e meio

depois, as raízes de suas teorias regam grande parte da doutrina ocidental e a

esmagadora maioria dos autores nacionais. Ao conceber o ―processo como uma

relação de direito público, que se desenvolve de modo progressivo, entre o

tribunal e as partes‖25

, BÜLOW trouxe conceitos fundamentais ocultos à

aquela época e desprezou ―uma teoria equivocada e falseadora de todo o

22 Os poucos autores localizados foram BÚLGARO, HEGEL e BETHMANN-HOLLWEG. Os

três são os únicos autores citados nas obras de Aury LOPES JR. e Hélio TORNAGHI.

23 Oskar Von BÜLOW nasceu na Alemanha, na cidade de Breslau em 11 de setembro de 1837,

e faleceu em Heidelberg em 19 de novembro de 1907. BÜLOW, como ficará demonstrado neste

trabalho, é considerado o pai da Ciência Processual Moderna e do próprio processo como

intrumento autônomo do direito material.

24 Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais – Tradução de Ricardo Rodrigues

Gama. 25 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 7

Page 26: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

25

sistema processual civil‖ vigente26

.

1.2 Germânicos e Italianos: de Oskar Von Bülow e Adolf Wach à Escola

Processual Italiana (ou Escola Chiovendiana)

As declarações de Oskar Von BÜLOW acerca das características do

processo foram aceitas por grande parte dos mais respeitáveis processualistas,

tanto de sua época, quanto da atualidade.27

Evidente que cada qual, conforme a

26 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas: LZN. 2005. p. 3

27 Da Alemanha a teoria passou à Itália, com MORTARA, Commentario del Codice e delle

Leggi di Procedura Civile, Milão, s. d., 2.º vol., págs. 535 e segs. Da 3.ª ed. (o prefácio da 3.ª

ed. Assinala Roma, 1905; na 2.ª ed. Estão mencionadas leis até 1904); CHIOVENDA, primeiro

na ―preleção volonhesa‖ de 3 de fevereiro de 1903, reproduzida nos Saggi di Direitto

Processuale Civile, Bolonha, 1904 (Ensaios de Direito Processual Civil), depois nos Principii

di Direitto Processuale Civile, Nápoles, 1907, 2.ª ed., 1912 3.ª ed. Em 1923, e nos estudos em

honra de Alfredo ASCOLI, artigo reproduzido nas págs. 163 e segs. Do 3.º vol. Dos Ensaios, e

ROCCO (Alfredo), La sentenza civile, Turim, 1906. FERRARA (Luigi), La nozione dei

rapporti processuali, nos Saggi di Direitto Processuale Civile, Nápoles 1914; ROCCO (U.),

L'autorità, Roma, 1917, págs. 61 e segs. E págs. 294 e segs. Com especial referência ao

processo penal: EISLER, Dire Prozess voraussetzungen im oesterreichischen Strafprozess, em Gruenhut Z., 17, 587; BINDING, Grundriss, págs. 185 e segs.; RULF-GLEISPACH, Der

oesterreichische Strafprozess, págs. 2 e segs.; GLEISPACH, Das deutschoesterreichische

Strafverfaheren, págs. 2 e 3; BELING, Der. Proc. Penal, págs. 71 e segs. MARTUCCI, Sulla

teoria del rapporto giuridico processuale penale, na Rivista italiana di Diritto Penale, 1942,

págs. 241 e segs.; Giuseppe GUARNERI, Sulla Teoria Generale del Processo Penale, págs. 1 a

87; ANGIONI, La natura del rapporto giuridico processuale nelle sue applicazioni al processo

penale; MANZINI, Trattato, 1.º vol., págs. 72 e segs.; BORTOLOTTO, Saggio, págs. 3 e segs.;

LANZA, Sistema, 1.º vol., páginas 483 e segs.; DE MAURO, Principii, pág. 19;

CALAMANDREI, Instituciones, pág. 267. (TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de

Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. 1v. 1t. p. 31) Piero CALAMANDREI

apesar de ter sido um adepto da Teoria da Relação Jurídica Processual, no final de sua vida acabou por cambiar sua opinião para a Teoria da Situação Jurídica de James GOLDSCHIMDT

entendendo o processo como um ―jogo‖.

Page 27: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

26

evolução temporal, ou mesmo dentro de suas esferas egocêntricas,

adaptaram, restringiram ou até mesmo ampliaram esta classificação, como v. g.

Giuseppe CHIOVENDA28

, que classifica ―a relação processual [em] uma

relação autônoma e complexa, pertencente ao direito público‖29

.

Já Hélio TORNAGHI entende que o processo pode ser visto de duas

posições distintas. A primeira é a exterior, onde o processo é considerado como

um procedimento. A segunda, é quanto a sua essência, onde o processo deve ser

visto como relação jurídica. Uma relação que se caracteriza ―pela unidade, pela

complexidade e pelo dinamismo. É a resultante, não apenas a soma, de tôdas

as relações que no processo existem entre cada uma das partes e o juiz. É como

um rio para o qual confluem todos os cursos d'água, sem deixar por isso de ser

28 Giuseppe CHIOVENDA (Premosello-Chiovenda, 1872 — Novara, 1937) nasceu, viveu e

morreu na Itália. Considerado o grande fundador da Escola Processual Italiana, à qual, em sua

homenagem, também é conhecida como Escola Chiovendiana, elevou o direito processual

italiano para o mais alto patamar de qualidade entre os europeus (e consequentemente ao mundo

ocidental). Enquanto que até o final do século XIX, início do século XX, os germanistas

dominaram tanto a ―criação‖, quanto o desenvolvimento de técnicas e doutrinas processuais, no

final do primeiro decênio do século XX, CHIOVENDA, em virtude de seus ensinamentos,

fundou sua própria escola processual. Advogado, tratadista e docente, iniciou sua carreira no

magistério em cadeira na Universidade de Parma, passando brevemente por Bolonha e Nápoles,

até chegar à Universidade de Roma. Suas construções doutrinárias se deram através de uma

metódica revisão da ciência processual germânica e com o contato do direito romano e comum. Para CALAMANDREI, a grande maestria de CHIOVENDA foi transformar o método

exegético em método histórico-dogmático e com base nisto reelaborar as teorias, já formuladas

pelos processualistas alemães e superá-las liberando o pensamento inovador italiano. A

supremacia de seus ensinamentos renderam aquilo que é o mais alto grau de congratulação de

um doutrinador, ter seus ensinamentos e idéias transformados em lei. Foi em 1940, com a

aprovação do código de processo civil italiano que suas idéias viraram lei. Porém, infelizmente,

por ter falecido em 1937, não teve o prazer de vivenciar aquele momento. Para mais

informações a respeito deste grande mestre processual que foi Giuseppe CHIOVENDA,

verificar Estudos de Direito Processual na Itália de Piero CALAMANDREI.

(CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual na Itália. Campinas: LZN Editora,

2003) 29 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 79.

Page 28: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

27

um rio só.‖30

Um dos seguidores mais destacados de BÜLOW, mas que não deixou de

tecer severas críticas a teoria da relação processual e dos pressupostos

processuais, foi Adolf WACH31

. Se foi BÜLOW quem criou a teoria da relação

jurídica, foi WACH quem primeiro desenvolveu sistematicamente a idéia com

sucesso. Em sua principal obra, intitulada Handbuch des deutschen

Civilprozessrechts32

de 1885, o autor destaca que ―donde hay proceso, hay

relacion jurídica [processual], relacionamento jurídico entre las personas

participantes‖33

. E continua: ―el proceso civil es una relación jurídica unitária,

que se va desenvolviendo y liquidando paso por paso en el procedimiento‖34

.

Ou seja, somente destas duas citações, podemos determinar o conceito unitário

e autônomo da relação jurídica processual.

Desta forma, percebe-se que a teoria da Relação Jurídica não é uníssona

em suas classificações. Adiante iremos tratar todos os pontos de cada

classificação dos principais autores e reformuladores destas teorias.

30 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 31

31 Adolf WACH nasceu em Kulm (Prusia) em 11 de setembro de 1843 e faleceu em Leipzig em

4 de abril de 1926. Estudou direito em Berlim, Heidelberg e Königsberg, na qual se tornou PhD

em 1865. Lecionou em várias universidades até que em 1875 chegou à Leipzig, onde viveu até sua morte. Neste tempo esteve vinculado ao Reichsgericht (Suprema Corte) de Leipzig. Na

opinião de CHIOVANDA, é considerado o maior dos três ilustres juristas a quem a Alemanha

deve a formação da sua Ciência Processual Moderna (WACH, BÜLOW e KOHLER). Sua

principal obra foi Handbuch des deutschen Civilprozessrechts, publicada em 1885 em Leipzig.

Se foi BÜLOW quem abriu as portas para esta nova teoria da ciência processual, da relação

jurídica processual e dos pressupostos e exceções processuais, foi WACH, sem dúvida alguma,

quem primeiro atravessou esta porta e trouxe ao mundo jurídico um desenvolvimento mais

completo e crítico desta teoria de BÜLOW.

32 Manual de Direito Processual Civil Alemão

33 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 64 34 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 64

Page 29: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

28

O seu caráter público deriva do fato de ―que os direitos e obrigações

processuais aplicam-se entre os funcionários do estado e os cidadãos, desde que

se trata no processo da função dos oficiais públicos e uma vez que, as partes são

levadas em conta unicamente no aspecto de seu vínculo e cooperação com a

atividade judicial.‖35

. E prossegue BÜLOW:

Somente se aperfeiçoa com a litiscontestação, o contrato de

direito público, pelo qual, de um lado, o tribunal assume a obrigação concreta de decidir e realizar o direito deduzido em

juízo e de outro lado, as partes ficam obrigadas, para isto, a

prestar uma colaboração indispensável e a submeter-se aos resultados desta atividade comum.

36

Portanto, são de direito público as normas que regem esta relação, pois,

além desta conter em si própria o exercício da jurisdição e da administração

estatal da justiça37

, ratifica Giuseppe CHIOVENDA, ―deriva de normas

reguladoras de uma atividade pública.‖38

.

Hélio TORNAGHI se utilizou de princípios romanísticos para

determinar a posição do direito processual penal e, consequentemente a relação

jurídica processual (penal), no âmbito do direito público. Afirma que para

distinguir o Direito Público do Direito Privado, os romanos levavam em conta o

objeto da utilidade de ambos. ―Normas de Direito público seriam as

35 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 6

36 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 6-7

37 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt. in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 175. 38 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 79

Page 30: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

29

concernentes à utilidade pública (quod ad statum rei romance spectat), e de

Direito privado as relativas à utilidade privada (quod ad singulorum

utilitatem)‖. Prossegue citando MANZINI: ―o Direito Processual enseja

relações nas quais o Estado intervém não como simples sujeito de direitos

pertinentes também aos particulares, mas como titular do poder coletivo

soberano‖. Porém, o autor exorbita um pouco, uma vez que os romanos não

exigiam tanto.39

Também é este o entendimento de Piero CALAMANDREI, pois ―no

centro do processo está o órgão judiciário, isto é um órgão do Estado que exerce

uma função pública, e que é provido por conseguinte, de todos os poderes

necessários para a preparação e a realização da mesma‖40

. Segue afirmando que

a jurisdição é uma função eminentemente pública, e o Estado a exerce em

interesse próprio e em interesse geral da justiça. O autor entende que não se

pode reduzir o interesse da justiça à figura e sacrifício do titular do direito.41

Neste ponto, a teoria de BÜLOW também causou grave impacto às

―especulações‖ existentes à época sobre a importação de categorias de outros

ramos do direito. Conforme explica Aury LOPES JR.:

As teorias [processuais] de direito privado (contrato, quase

contrato e acordo) foram sendo completamente abandonadas até o final do século XIX, quando o processo (civil e penal)

deixa de ser considerado um mero apêndice do direito

privado para adquirir sua autonomia. Na esfera penal,

39 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 10.

40 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2003. p. 281. 41 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2003. p. 281.

Page 31: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

30 influência decisiva para o abandono das teorias privadas

foi o fato de a pena passar ao estágio de pena pública,

exigindo que a administração da justiça fosse exercida pelo

Estado, pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a proibição da vingança privada.

42

Pouco tempo depois dos escritos de BÜLOW, Konrad HELLWIG já

fazia fila dentre aqueles que defendiam o caráter público da relação processual

e do próprio processo. Em 1903 na obra Lehrbuch, o autor afirmou que ―O

direito processual civil faz parte do Direito público‖43

. Em resgate histórico ele

demonstra a evolução e configuração para sua época, início do século XX:

Isto [Direito processual civil como parte do Direito público] é quase incontroverso. Em outros tempos o Direito processual

civil era colocado, totalmente ou em parte, no Direito

privado. Nas exposições sistemáticas do Direito público

(Staatsrecht – Direito político, Direito estatual) êste é, até hoje, habitualmente tomado num sentido estrito, não

compreensivo do Direito processual civil e do Direito

processual Penal. Apenas os princípios sôbre Organização judiciária e sôbre a

posição sui generis (eigenartige) dos juízes no organismo do

Estado (no organismo da autoridade – in dem Behörden Organismus) costuma ser tratada minuciosamente nos

sistemas de Direito público.44

Neste sentido, como já verificado, durante a Idade Média surgiram

42 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 35-6

43 HELLWIG, Konrad. Lehrbuch des Deutschen Civil-prozessrechts. Lipsia, 1903 1v. p. 4

apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 11

44 HELLWIG, Konrad. Lehrbuch des Deutschen Civil-prozessrechts. Lipsia, 1903 1v. p. 4 apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 11-12

Page 32: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

31

várias teorias para explicar a natureza jurídica do processo, que na época nem

poderia ser chamado de processo. Dentre elas, como já explicado no item 1.1,

as teorias privatistas: processo como contrato e processo como quase-contrato.

Outra característica da relação jurídica processual é que sua evolução se

dá de modo progressivo, devido ao simples ―andar‖ do processo. Adolf WACH

sugere a expressão ―marcha del derecho‖ para esta classificação e completa:

―En proceso se van agrupando en sucesíon temporal hechos de la más diversa

especie y del más diverso contenido, cuya característica común está en que

entran en escena como actos procesales puestos al servicio de la finalidad

procesal.‖45

.

A relação processual ocorre de maneira contínua através de ―uma série

de atos separados, independentes e resultantes uns dos outros.‖46

Neste sentido

―o processo é uma relação jurídica de direito público, autônoma e independente

da relação jurídica de direito material‖47

. Enquanto aquela, de acordo com

BÜLOW, é dinâmica, esta, que constitui o debate judicial – se apresenta

totalmente estática e pré-determinada:

O processo é uma relação jurídica que avança gradualmente e que se desenvolve passo a passo. Enquanto as relações

jurídicas provadas que constituem a matéria do debate

judicial, apresentam-se como totalmente concluídas; a relação jurídica processual se encontra em embrião. Esta se

prepara por meio de atos particulares. Somente se aperfeiçoa

com a litiscontestação, o contrato de direito público, pelo

45 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 50

46 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 6 47 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 37

Page 33: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

32 qual, de um lado, o tribunal assume a obrigação concreta

de decidir e realizar o direito deduzido em juízo e de outro

lado, as partes ficam obrigadas, para isto, a prestar uma

colaboração indispensável e a submeter-se aos resultados desta atividade comum.

48

A relação jurídica processual quebra a idéia de processo como uma

simples sequencia de atos do juiz em relação as partes e destas em relação ao

juiz. BÜLOW vai muito além disto ao afirmar que ―quem pretende extrair da

idéia da palavra, será levado, desde o princípio, pela expressão 'processo' a um

caminho, se não falso, bastante estreito‖49

. A interpretação etimológica da

palavra no latim merece especial atenção, através de um resgate histórico dos

processualistas romanos:

[…] os processualistas romanos não falavam quase de

―processo‖ a seco, mas somente de ―processus judicii‖, isto é

do desenvolvimento da relação processual; assim verbi gratia no ordo jud. Init. Atribuído a Jo Andrea: ―Antequam dicatur

de processu judicii‖ [antes que se fale do processo do juízo],

onde claramente o judicium é definido como actus trium personarum sc. Judicis rei actori [ato de três pessoas, a saber,

o juiz, o réu e o autor]. [...]50

A própria raiz, ―proceder‖, do termo processo já encaminha a uma idéia

de movimento. Etimologicamente, proceder significa continuar, ir para a frente,

portanto um encaminhamento, uma atividade logicamente desenvolvida.

48 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 6-7

49 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 7 50 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 7

Page 34: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

33

Inclusive esta idéia de lógica sempre guiará o processo na teoria da relação

jurídica. Para TORNAGHI ―onde há tumulto (moto multo), movimento em

várias direções ou sentidos, não há processo‖51

. Continua o autor a respeito da

palavra:

Processo, aliás, é têrmo recente. Os antigos usavam a palavra iudicium. Expressão imprópria porque não traduz

tôda a operação processual mas sòmente o ponto culminante,

isto é, o julgamento. Não inclui os atos de instrução e, por

outro lado, desampara os atos processuais de execução. Na Idade Média surge a expressão processus iudicii.

52

Giuseppe CHIOVENDA também compreende a relação processual

como ―uma relação em movimento, em ação; enquanto as partes e o juiz se

ocupam da relação substancial, objeto da ação, vivem, ainda, numa relação que

desenvolve com sua atividade‖53

. Este desenvolvimento pode ser interpretado

de várias formas. BÜLOW, quando da ―criação‖ desta teoria, destacou que a

relação litigiosa sofre uma metamorfose a cada prática processual:

No processo dá-se uma transformação em cada relação; pois

por causa dele a relação litigiosa – que de modo algum, deve ser identificada como a relação processual – também sofre

uma metamorfose (dare oportere... condemnare oportere...

judicatum facere oportere [convém dar... convém condenar... convém emitir um juízo...]). Porém, não somente o direito

subjetivo mas também o objetivo experimenta uma

51 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 15 (grifo nosso)

52 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 15 53 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 83

Page 35: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

34 transformação por meio do processo: a lei vai do mandato

jurídico abstrato (a lex generalis) ao mandato jurídico

concreto (a lex specialis da sentença) e finalmente, à efetiva

realização deste (a execução).54

No campo apartado do processo penal, pode-se afirmar que a teoria da

relação jurídica cria um procedimento que nada mais é que ―uma seqüência

ordenada de fatos, atos e negócios jurídicos que a lei impõe (normas

imperativas) ou dispõe (normas técnicas e normas puramente ordenatórias) para

a averiguação do fato e da autoria e para o julgamento da ilicitude e da

culpabilidade‖55

. Hélio TORNAGHI ratifica a idéia da relação jurídica

processual como relação dinâmica. O autor implementa a idéia de uma relação

cinemática, e elabora uma analogia com a vida humana:

[A relação jurídica processual] é uma relação em movimento. É viva, sofre as vicissitudes de tudo quanto vive: nasce,

cresce, modifica-se e morre, sem deixar de ser sempre a

mesma. É como um homem que permanece idêntico, apesar

da contínua mutação das células. Pode acontecer que ao fim de algum tempo todo o corpo haja mudado; o homem é o

mesmo.56

Adolf WACH adotou esta sistemática em sua primeira obra após a

criação da relação jurídica processual por Oskar Von BÜLOW, chamada

Handbuch des Deutsches Civilprozesstechts57

em 1885. Na célebre obra

54 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN, 2005. p. 7

55 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 15

56 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. 1v. 1t. p. 31-32

57 Manual de Derecho Procesal Civil

Page 36: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

35

explanou: ―El orden en que se suceden los actos procesales sólo puede

considerarse aqui como consecuencia lógica de la finalidad procesal.‖58

.

Porém, não se pode deixar levar pelas palavras de Oskar Von BÜLOW.

Quando o autor afirma que ―a relação jurídica processual está em constante

movimento e transformação‖59

, deixa figurar que esta relação jurídica possui

mesmo um caráter dinâmico quanto as situações jurídicas processuais. Na

verdade, conforme veremos mais profundamente no próximo capítulo, o

―avanço gradual e que se desenvolve passo a passo‖60

só pode ser considerado

dinâmico, no simples sentido de um processo uno, e não mais que apenas uma

série de atos que possui uma simples marcha lógica e evolutiva. Confirmação

disto se dá nas palavras de Allana Campos Marques:

Este é o caráter dinâmico que é atribuído à teoria da relação

jurídica processual por aqueles que admitem a sua existência.

A relação processual só pode ser entendida como uma relação

dinâmica no sentido de seqüência de atos processuais, de uma forma extrínseca, procedimental, no sentido de

progressividade, ou seja, de prática de atos processuais com

aspecto evolutivo.61

A relação jurídica como unidade processual foi, também, uma das

grandes percepções intelectuais de BÜLOW e seus seguidores. Ao imaginar o

58 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p. 51

59 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN, 2005. p. 7

60 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN, 2005. p. 7

61 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 176

Page 37: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

36

processo, não mais como atos avulsos, mas sim como uma sequencia lógica

de atos para atingir uma determinada finalidade, deu-se um salto na evolução da

relação jurídica processual. Afirma Adolf WACH que ―el proceso es una

relación jurídica unitária, que se va desenvolviendo y liquidando paso por paso

en el procedimiento‖62

Para Francesco CARNELUTTI, a compreensão do processo não mais

como apenas uma sucessão de atos isolados, mas como um feixe unitário de

relações jurídicas, foi um enorme progresso e um grande mérito de Oskar Von

BÜLOW. Entretanto, faz um aparte para registrar que esta visão tinha o defeito

de não separar as relações jurídicas uma das outras, mas sim fazer delas um

todo.63

Esta unidade jurídica do processo não impede uma pluralidade de

relações jurídicas processuais. Deve-se ter cuidado para não confundir a

unidade jurídica do processo com a possibilidade de incontáveis feitos que

podem gerar diversas pretensões processuais. A unidade da relação jurídica não

é a unidade de pretensões. WACH elucidou esta diferenciação:

Se afirma en su contra que el proceso no es una, sino una pluralidad de relaciones jurídicas. Y en efecio, habia sido

excesivo acentuar la unidad de la relación jurídica procesual

en el procedimiento principal al punto de transformarla en unicidad.

Por el otro lado, no es un argumento válido contra la

uniformidad de la relación procesal el hecho de que dentro de

ella puedan distinguirse a su vez otras relaciones plurales o singulares. Lo que interesa es si esas relaciones se articulan,

62 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 64 63 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.2. p. 784

Page 38: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

37 como subordinadas y relativamente inautónomas, dentro

de un amplio conjunto unitario.64

A ideia central é que a relação processual é una, mesmo que sejam

múltiplos os atos, fatos e sujeitos que a compõem. Isto fica evidente, no

momento que se percebe que estes atos, fatos e sujeitos, que formam várias

relações jurídicas, convergem em consequencia da finalidade buscada no

processo. Para WACH ―La pluralidad de relaciones jurídicas devie, ne unidad

por ser unitaria la finalidad que la lei reconoce como jurídicamente

esencial‖65

. Sobre o tema, explica Allana Campos MARQUES:

Essa unidade jurídica não obsta a pluralidade da relação

jurídica processual, que se compõe de um conjunto de outras relações jurídicas, visto que cria um vínculo que une entre si

os sujeitos do processo e seus poderes e deveres relativos aos

atos processuais coordenados. Trata-se de um vínculo que a

lei estabelece entre o sujeito do direito e o sujeito do dever, ligados em decorrência da situação de colaboração que os

fazem praticar diversos atos, convergindo em um único fim: a

sentença final.66

Na concepção de Piero CALAMANDREI, ―a série de atos processuais,

próximos no espaço e no tempo, mas distintos, que constitui exteriormente o

processo, se concebe como manifestação visível de uma relação jurídica

64 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 65-66

65 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 66

66 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt. in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 174

Page 39: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

38

unitária‖67

. Logo, a relação jurídica processual é a maneira como o processo

expressa sua unidade e sua identidade jurídica. Exemplo disto, é que mesmo

quando o processo se desenvolve em fases separadas, em tempos e lugares

distintos, ele é considerado único do início ao fim. O autor afirma, que isto é a

pura manifestação da vitalidade de um organismo, com um ciclo vital, que

nasce com determinadas características, e mesmo que evolua e se transforme,

ainda é identificável pelas características anteriores.68

Para Hélio TORNAGHI, a multiplicidade dos vínculos jurídicos ―mostra

como a idéia dos direitos e obrigações que se entrelaçam na relação jurídica

lhes dá unidade e harmonia, faz dela um instituto compacto, fechado,

fundamenta-a e a desenvolve em ramificações e fá-la sobreviver aos mais

variados câmbios em sua maneira de realizar-se‖69

. Mesmo que se mude a

forma, o objeto, extensão e modalidade das obrigações, ou até mesmo seus

próprios sujeitos, a relação jurídica continuará sendo unitária. Verbi gratia a

relação sucessória:

Al sentar la idea de la relación sucesoria, declaramos la

identidad de la relación jurídica con independencia de la

identidad del sujeto titular o del obrigado. La fuerza impulsora de la finalidad ínsita en la relación jurídica se

manifesta en el nacimiento de muchas relaciones jurídicas

especiales, que deben entenderse como contenido de la

relación jurídica o como relaciones derivadas y accesorias.70

67 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2003. p. 285

68 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2003. p. 285-286

69 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 23 70 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p. 67

Page 40: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

39

A base fundadora da relação jurídica é o relacionamento entre os

sujeitos processuais. Porém, mesmo em uma suposição de um processo com

vários sujeitos, não exclui a idéia de uma relação jurídica una. Completa

WACH que ―la pluralidad de personas le da una pluralidad de caráter

subjetivo. Desde esos puntos de vista, puede aprovechársela para el proceso.71

A autonomia da Relação Jurídica Processual se dá devido a total

independência para com a Relação Jurídica Material. A existência daquela não

depende da existência desta. Pode-se ter uma relação jurídica processual e

inexistir uma relação jurídica material. v. g. é uma sentença que absolve o réu

por inexistência material do fato. Teoriza WACH que ―se puede accionar

eficazmente sin tener un derecho material ni una pretensión de tutela, esa teoría

reconoce el derecho de accionar incluso a quienes no tienen ni un derecho

privado subjetivo, ni una necessidad de que éste o su posicon jurídica sean

tutelados‖72

.

Da mesma forma, o inverso é verdadeiro: ―donde hay proceso, hay

relacion jurídica [processual], relacionamento jurídico entre las personas

participantes. [...] No existe una relación procesal que tenga por fundamento

un hecho-tipo que sea de puro derecho material‖73

. Destas classificações do

autor, determina-se que para haver uma relação jurídica processual, deve,

necessariamente, haver um processo. O fato de somente existir um hecho-tipo

71 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p. 67

72 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p. 46 73 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 64

Page 41: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

40

de puro direito material não implica na existência de uma relação jurídica

processual. Ou seja, a relação jurídica processual é autônoma à relação jurídica

material.

Na década de 1950, no Brasil, Hélio TORNAGHI ao chamar a relação

jurídica material de ―pré-processual‖, defendia a ideia de separação e autonomia

das relações jurídicas. ―A relação [jurídica] processual não se confunde com a

relação pré-processual [ou material] que possa existir entre as partes. Independe

dela, pode existir sem ela e é de Direito público ainda que aquela pertença ao

Direito privado‖74

.

Na doutrina italiana, Giuseppe CHIOVENDA deu imensa contribuição

para a definição do caráter autônomo da Relação Jurídica Processual:

Autônoma, porque tem vida e condições próprias,

independentes da existência da vontade concreta de lei

afirmada pelas partes, visto fundar-se sobre outra vontade de

lei, quer dizer, sobre a norma que obriga o juiz a pronunciar-se em referência a pedidos das partes, quaisquer que sejam:

UMA COISA É, POIS, A AÇÃO, OUTRA A RELAÇÃO

PROCESSUAL; aquela compete à parte que tem razão, esta é fonte de direito para todas as partes. Por conseguinte, não

constituem uma e a mesma coisa a relação jurídica processual

e a relação jurídica substancial [material] deduzida em juízo. Esta é objeto daquela. Diferente são as leis (processuais –

substanciais) que regulam uma e outra. As duas relações

estão de contínuo contrapostas.75

Com esta classificação, define-se quais são os pressupostos de validade

e existência do processo. Segundo LOPES JR., desse modo ―[...] chegamos a

74 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 32 75 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 79

Page 42: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

41

outra preciosa contribuição do autor para a ciência do processo: a teoria dos

pressupostos processuais‖76

.

Importante (re)frisar que no período da criação da teoria da relação

jurídica processual, existia uma total confusão entre direito material e o direito

processual. Entretanto, está confusão era simbolicamente apaziguada pela

importação equivocada, do período romanista, da teoria das exceções dilatórias.

Para BÜLOW esta teoria era inadequada e se fazia necessário realizar uma nova

análise daqueles institutos do direito romano clássico.

Para tanto, BÜLOW entendia que uma solução ―somente pode[ria]

chegar pelo mesmo caminho pelo qual vieram as modificações que em boa

parte já supriram a teoria das exceções. Por seu retorno às fontes das que

derivam essas exceções; por uma melhor compreensão do processo civil

romano‖77

. O resultado era descartar totalmente esta teoria, e a prática

vigente à época, e fazer uma análise profunda e imparcial da tradição jurídica

romana. Somente desta forma se teria uma melhor compreensão daquele

instituto que viria a ser realmente formar a relação processual.78

Por ser uma relação progressiva, que gera direitos e obrigações entre o

juiz-tribunal e as partes, se faz necessário compreender os elementos

constitutivos desta relação jurídico processual: pessoas, matéria, atos e

momentos79

. Nas palavras do autor:

76 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 38

77 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 19.

78 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 19. 79 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 38

Page 43: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

42

Se o processo é, portanto, uma relação jurídica, apresenta-se na ciência processual problemas análogos aos que surgiram e

foram resolvidos, a respeito das demais relações jurídicas. A

exposição sobre uma relação jurídica deve dar, antes de tudo,

uma resposta à questão relacionada como requisitos a que se sujeita a origem daquela. É necessário saber entre quais

pessoas pode ter lugar, a qual objeto se refere, que fato ou ato

é necessário para seu surgimento, quem é capaz ou está facultada para realizar tal ato.

80

Para estes quesitos necessários ao surgimento da relação processual,

BÜLOW propôs a expressão: ―pressupostos processuais‖. Elas fixam os

requisitos necessários e as condições de admissibilidade para a tramitação de

qualquer processo. Estes preceitos legais estritamente unidos são: Competência

do tribunal, capacidade processual das partes e a legitimação de seus

representantes, qualidades próprias e imprescindíveis do direito litigado, a

notificação da demanda e obrigação do autor de prestar cauções processuais e a

ordem entre os processos81

.

Dentre aqueles preceitos, necessários para consolidar a relação jurídica

processual, elegidos por BÜLOW, pouca coisa se alterou até o século XXI.

Verbi gratia a competência, figura no Código de Processo Civil (CPC), nos

artigos 86 e seguintes, já no Código de Processo Penal, nos artigos nos artigos

69 e seguintes; Com relação à capacidade das partes, o Código de Processo

Civil82

elenca os artigos 7º a 13; Tratando-se da necessidade de citação da

80 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 8.

81 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 8-9. 82 BRASIL, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário

Oficial da União, Brasília, 17 de janeiro de 1973.

Page 44: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

43

demanda, tanto o CPC quanto o CPP possuem vários artigos elencando a

necessidade, e uma vez não realizada, acarretará a nulidade absoluta do

processo.

Para BÜLOW: ―Estas prescrições devem fixar os requisitos de

admissibilidade e as condições previas para a tramitação de toda a relação

processual. Elas determinam entre quais pessoas, sobre que matéria, por meio

de que atos e em que momento se pode constar no processo‖83

. A não

observância de qualquer um destes requisitos objetivos, impedirá, em absoluto,

o surgimento da relação processual e, como o próprio nome determina, do

processo. É exatamente nestes princípios que estão presentes todos os

elementos necessários à constituição da relação jurídica processual.

A complexidade da Relação Jurídica é classificada em duas principais

vertentes. Allana Campos MARQUES determina a complexidade da relação

processual devido a unidade jurídica criada pelo processo84

. José Frederico

MARQUES compartilha deste entendimento, quando trabalha a Relação

Processual Penal:

A relação processual penal é de caráter complexo. O fim comum do processo unifica as várias relações que surgem no

procedimento, mas sem fazer desaparecer os múltiplos

direitos e deveres, interesses e obrigações que se exercitam durante o processo por meio da prática dos atos processuais.

A sucessão desses atos e o seu modus faciendi constituem o

procedimento, e este tem, invariavelmente, estrutura

83 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 9.

84 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt. in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 175.

Page 45: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

44 complexa.

85

Já a classificação de CHIOVENDA é diferenciada, pois, o termo

complexa nas categorias da Relação Jurídica Processual está ligado ao

emaranhado de direitos e deveres criados no processo. De acordo com o autor

―a relação processual é uma relação autônoma e complexa, pertencente ao

direito público‖86

. A definição da complexidade como característica da Relação

Jurídica Processual é estabelecida pelo autor da seguinte forma:

Complexa, por não inserir um só direito ou obrigação, mas

um conjunto indefinido de direitos, como veremos ocorrer

com muitas relações mesmo de direito civil (por exemplo, a sociedade); todos, porém, direitos coordenados a um objetivo

comum, mesmo, a importância jurídica de todos os atos

processuais, acima analisados, está em função de pertencerem a essa relação; por isso ainda a nulidade inicial

da relação inquina os atos posteriores; por isso, enfim, é

possível a sucessão no processo...87

Para Francesco CARNELUTTI a relação jurídica processual é a

composição de um conflito de interesses, mediante um mandato jurídico.88

Ou

seja, é o direito atuando na composição de um conflito: ―um conflito de

interesses regulado pelo Direito. O conflito de interesses é seu elemento

85 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas:

Bookseller, 1997. 1.v. p. 357.

86 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 79.

87 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 79. 88 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.1. p. 76.

Page 46: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

45

material; e o mandato jurídico, seu elemento formal‖89

.

Por haver um discordância quanto ao direito material litigado, existe um

conflito de interesses. Por haver um conflito de interesses, existem, no mínimo,

dois pontos de vista distintos tentando prevalecer. A composição jurídica, e a

relação jurídica, é estabelecida justamente com a finalidade da garantia de que

um destes interesses irá prevalecer ao outro, e este outro será subordinado ao

primeiro. Por este motivo, a relação jurídica é o encontro de dois interesses: um

prevalecente ou protegido e outro subordinado.90

Para CARNELUTTI, estes interesses prevalecentes e subordinados

formam, cada qual, uma ―situação jurídica‖91

. Nas palavras do autor:

Por ser o interesse uma posição do homem, o interesse

juridicamente protegido ou juridicamente subordinado

constitui o que se chama situação jurídica. A situação jurídica é, por isso, elemento da relação, que se compõe de

duas situações combinadas.

A situação jurídica passiva consiste na subordinação de um interesse, efetuada por meio de uma medida jurídica. [...]

Por sua vez, a situação jurídica ativa, que é o termo

correlativo da obra, consiste no prevalecimento de um interesse, efetuado por meio de uma medida jurídica. [...]

92

89 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.1. p. 76-77.

90 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.1. p. 76.

91 Esta expressão merece atenção especial por parte do leitor. Deve-se ter em mente que a

classificação de Situação Jurídica para Francesco CARNELUTTI é totalmente distinta da de

James GOLDCHMIDT. Enquanto para CARNELUTTI a situação jurídica simboliza os

elementos e interesses que se acoplam como componentes da relação jurídica, para

GOLDCHMIDT a noção de relação jurídica é totalmente eliminada do campo processual para

dar lugar à Situação Jurídica como categoria própria da natureza jurídica do processo e

demonstra o estado do sujeito com relação às expectativas e perspectivas de uma sentença judicial de fundo.

92 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

Page 47: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

46

Desta forma, pode-se afirmar que a situação jurídica passiva está ligada,

a sucessão em geral, de uma medida coativa. Esta medida, por sua vez, possui a

finalidade de vincular a vontade do titular do interesse subordinado por meio da

imposição de uma sanção. Para o autor esta medida se viabiliza ―na

subordinação de um interesse mediante um vínculo imposto à vontade ou,

invertendo os termos em um vínculo imposto à vontade para subordinação de

um interesse‖93

. Para CARNELUTTI este tipo de relação jurídica se chama

obrigação.

Já a situação jurídica ativa figura na garantia, de predomínio do interesse

protegido, pelo Direito. Porém, está garantia deve estar vinculada a vontade do

titular do interesse a ser garantido. Ou seja, esta obrigação, ou sanção, não deve

existir apenas em virtude do mandato jurídico, mas também em virtude da

vontade do titular do interesse garantido. Nas palavras de CARNELUTTI: ―o

prevalecimento de um interesse obtido por meio de um poder atribuído à

vontade do interessado, corresponde a subordinação de um interesse obtido por

meio de um vínculo da vontade de seu titular‖94

. Neste caso, a obrigação se

encontra frente ao Direito subjetivo da vontade do autor de ter seu interesse

prevalecido.

Francesco CARNELUTTI, entende que a relação jurídica processual

possui três categorias processuais: cargas, obrigações e direitos processuais

Estas categorias são chamadas de força motriz do processo. Neste ponto, o

e Cruz. 2004. v.1. p. 76 (grifo do autor)

93 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.1. p. 76. 94 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.1. p. 76-77.

Page 48: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

47

autor faz questão de expressar sua refuta a existência de faculdades no

processo:

A verdade é que o interesse da parte pode servir de força

motriz ao processo, mas vem quase sempre confundido

dentro de um sistema de ônus e de obrigações, o que exclui que, com respeito às partes, possa falar-se sempre em simples

faculdades; mesmo que possa parecer um paradoxo, a parte

não está quase nunca em liberdade de fazer no processo o que queira. Quando por exemplo, a vemos propor uma demanda,

afirmar um fato, oferecer uma prova, impugnar uma

sentença, na realidade, mais do que exercitar uma faculdade,

suporta um ônus, porque [estas ações] estabelecem-se pela lei a seu risco, de modo que a ação está determinada nem tanto

por seu interesse natural quanto por uma situação criada a seu

cargo pela lei.95

Desta forma, a lei não permite à parte realizar o que esta pensa ser

interessante na solução do litígio. O que a lei faz, é estabelecer um rol de

atividades ou de coisas que poderão ser úteis ao processo e que podem vir a

satisfazer o interesse de cada parte. Como registrado, a lei não atribui

faculdades às partes, mas sim impõe ônus processuais

Neste sentido, Adolf WACH afirma que a relação jurídica processual é

suscetível de transformação e desenvolvimento. Com o decorrer dos vários

atos e fatos processuais que surgem no decorrer do processo, a relação jurídica

processual apenas irá se transformar ou desenvolver, e não ser recriada. Porém,

apesar de ser tênue a linha que divide a transformação e o desenvolvimento, da

complexidade, unidade e progressividade da relação, deve-se ter muito cuidado

para não confundi-las. Nas palavras do autor:

95 CARNELUTTI, Francesco. Sistemas de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos

e Cruz. 2004. v.2, p. 751.

Page 49: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

48

Al cambiar los sujetos procesales, al suceder una persona a otra en el papel de parte, al pasar una causa del juzgado al

tribunal regional, al cambiar el objeto (modificación de la

demanda), al pasar la causa a una instancia superior, etc, no

su fundamenta una relación jurídica nueva; hay solamente una transformación. El desarrollo es gradual; se van

sucediendo hechos-tipos procesales.96

Evidente, que estas características não impedem que determinados atos

processuais, mesmo que sejam de desenvolvimento ou transformação, gerem

relações jurídicas processuais relativamente autônomas. Verbi gratia a prestação

de uma calção processual ou mesmo a intervenção de um amicus curiae.97

Essas afirmações viriam a consagrar a teoria do processo como Relação

Jurídica. Porém, apesar de não ter sido BÜLOW quem criou esta teoria, foi ele

quem a decodificou e a expôs com maior satisfação, afirma Aury Lopes Jr.:

Na realidade, não se pode afirmar que BÜLOW criou a teoria da

relação jurídica, pois […] existem antecedentes históricos nos

juristas italianos medievais, como BÚLGARO, que ao afirmar

[…] o juiz que julgue, o autor que demande e o réu que se

defenda. Contudo, foi ele quem racionalizou a teoria e,

principalmente, a desenvolveu sistematicamente frente ao

processo.

[…]

Em embargo, como destaca ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO

(Processo, Autocomposición y Autodefensa, pp. 118 e 119) ―la

concepción del processo como relación jurídica es genuinamente

alemana: alemanes son HEGEL que la vislumbra,

BETHMANN-HOLLWEG que la sustenta y OSKAR BÜLOW

que em 1868 publica em Giessen su célebre monografia‖.

96 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 69-70. 97 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p 70.

Page 50: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

49 Ademais, foram os alemães quem a adaptaram aos distintos

ramos do processo e também quem mais duramente a

combateram, chegando a propor sua substituição (através de J.

GOLDSCHMIDT). [...]98

A Relação Jurídica Processual concebida por BÜLOW foi, como já

observamos, seguida por grandes autores. Nesta teoria BÜLOW afirmou que ―o

processo é uma relação de direitos e obrigações recíprocos‖99

. Porém, cabe

perguntar: entre quais sujeitos esta relação gera direitos e obrigações

recíprocos? Ou ainda: quem seriam estes sujeitos?

Entre os seguidores de BÜLOW, todos concordam sobre a existência da

relação jurídica processual. Contudo, não há um consenso entre quais sujeitos

esta relação se forma. ―Para alguns, se estabelece entre as partes e o juiz

(HELLWIG); para outros, somente entre as partes (KOHLER); e, finalmente,

existem aqueles que concebem a relação como triangular (WACH)‖100

. entre as

Partes, e entre estas e o Juiz.

O autor que obteve maior sucesso foi Adolf WACH em sua obra Manual

de Derecho Procesal Civil. Este imaginou a relação jurídica processual no

formato de uma pirâmide (vide Figura 1), pois ―los sujetos de las relaciones

procesales son por lo menos tres: el actor, el demandado y el tribunal (el

Estado). Las relaciones de estas personas entre sí sólo muestran las diversas

facetas de una misma relación jurídica‖101

.

98 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 37.

99 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN, 2005. p. 5.

100 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v, p. 39. 101 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p 70 (grifo nosso).

Page 51: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

50

A expressão chave é a ―relaciones de estas personas entre sí‖, pois,

neste momento, WACH demonstra que existe relação entre todos os sujeitos.

Conforme explica Paulo RANGEL, ―há uma forte ligação entre o autor e o juiz

(e vice-versa) e entre este e o réu (e vice-versa) e entre este e o autor (e vice-

versa)‖102

.

Porém, Adolf WACH fez questão de identificar que foram os italianos,

ainda na Idade Média, os grande iniciadores desta teoria. Pois, ―la vieja

definición de los italianos, [y] que nos fora transmitida hace ya mucho tiempo‖

é a atribuída à BÚLGARUS em sua obra ―De iudiciis”: ―iudicium est legitimus

actus trium personarum, scilicet iudicis actoris et rei‖103

.

Para WACH, esta relação entre as partes se deduz da unidade do

processo, do objeto final da demanda por tutela jurídica do tribunal e do

demandado na qualidade de objeto do processo.

Destaca que pode haver pluralidade de sujeitos, tanto do lado

demandante como do lado demandado, ou mesmo de ambos. Porém, esta

pluralidade de sujeitos não implica em uma unidade da relação jurídica

processual. ―Por el contrario, la regla es que las relaciones seam plurales y que

el número de litisconsortes (actores, o demandados) represente el número de

relaciones procesuales‖104

. Isto resulta, evidentemente, da pluralidade de

objetos processuais e da independência as pretensões de cada sujeito na busca

por tutela jurídica do tribunal.

102 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.

433

103 A palavra iudicium significa juízo, mas neste caso remete ao processus iudicium outra vez.

Uma tradução livre do vocábulo latino é: Processo é ato legítimo entre três pessoas,

evidentemente Juiz, Autor e Réu. 104 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977. p 70

Page 52: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

51

Outro grande nome partidário desta teoria é o próprio Oskar Von

BÜLOW. Apesra de nunca ter afirmado se filiar a teoria piramidal de WACH,

várias são as inserções realizadas em seus escritos que levam a este

entendimento: ―o direito processual civil determina faculdades e deveres que

colocam em mútuo vínculo as partes e o tribunal‖105

; ―Na relação jurídica

processual [...] de um lado, o tribunal assume a obrigação concreta de decidir e

realizar o direito deduzido em juízo e de outro, as partes ficam obrigadas [...] a

submeter-se aos resultados desta atividade comum‖106

; ―[A relação jurídico

processual] é uma relação de direito público, que se desenvolve de modo

progressivo, enter o tribunal e as partes [...]‖107

;.

A escola processual italiana, em sua maioria, também é adepta desta

teoria. Giuseppe CHIOVENDA escreve que ―a relação processual em três

sujeitos: o órgão jurisdicional de um lado, e de outro as partes (autor e réu)

[...]‖108

; ―Aos deveres do juiz correspondem outros tantos direitos das partes.

Resta agora apurar se e que deveres incumbem à partes em relação ao juiz e se e

que deveres tocam à partes entre si‖109

.

105 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 5

106 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 6

107 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 7

108 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 80 109 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v. p. 430.

Page 53: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

52

Porém, apesar de ser a teoria mais aceita, está longe de ser unânime.

Esbravejando críticas à exposição acima esboçada, Josef KOHLER, em sua

obra Der Prozess als Rechtsverhaeltnissi110

publicaca em Mannheim, em

1888111

, defende que o processo é uma relação jurídica, complexa, dinâmica e

unitária. Não obstante, diferentemente de BÜLOW e da maioria de seus

seguidores, o autor entende que a relação jurídica processual não é uma relação

de direito público. Esta afirmação se embasa na ideia de que o Estado possui

apenas um interesse genérico e não específico na solução do conflito entre as

110 O processo como relação jurídica – tradução de Hélio TORNAGHI.

111 A obra citada por Hélio TORNAGHI não foi localizada em nenhuma das principais

bibliotecas jurídicas do país. Portanto, todas as afirmações e citações referentes a este autor

derivam, pura e simplesmente, de escritos de terceiros, principalmente Hélio TORNAGHI.

Vários doutrinadores que citam Josef KOHLER, talvez pela mesma dificuldade em encontrar a

obra, não colocam nem sequer o nome completo ou mesmo a referência de quais obras de

KOHLER estão utilizando. A impressão que fica é que na doutrina nacional criou-se um verdadeiro ―diz-que-me-disse‖, onde todo mundo fala da existência e das teorias de KOHLER,

porém ninguém (ou pelo menos quase ninguém) leu pra saber se é verdade.

Figura 1: Piramide Relação Jurídica (WACH/ BÜLOW)

Page 54: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

53

partes.112

Desta forma a relação jurídica processual se da de forma retilínea, pois

existem relação, direitos e deveres apenas entre as partes, excluindo desta forma

a figura do Juiz (vide figura 2). Sustenta KOHLER que ―o processo é uma

relação jurídica entre as partes, não entre elas e o juiz. A colaboração dêste não

o faz partícipe da relação jurídica.‖113

. Para o autor, o juiz está em uma posição

superior às partes, impossibilitando que aquele tenha relações com estas. Hélio

TORNAGHI leciona sobre a teoria de KOHLER:

Participar da relação jurídica é ter um interêsse dentro dela e o juiz não tem qualquer interêsse no processo. O interêsse do

Estado na decisão dos litígios é um interêsse genérico e não

específico, em cada processo. No sistema da autodefesa, a parte faz justiça pelas próprias mãos. No processo, por

intermédio do juiz. A ação do autor não pára no juiz, passa

adiante e vai atingir o réu. O trânsito pelo juiz apenas lhe

imprime eficácia. Demais, não há direito das partes contra o juiz, cujos deveres são de Direito público, constitucional e

administrativo. Os particulares têm apenas interêsses

protegidos. Algumas regras relativas aos deveres do juiz são consideradas princípios básicos do Direito processual, como

a regra do contraditória e a que proíbe o juiz de se

proncunciar ultra petitum. Fica, assim, o juiz na dependência

das partes, mas nunca totalmente.114

A teoria de KOHLER não encontrou seguidores. Porém, a crítica foi

unânime e contundente, arreigando-se na idéia de que o autor despreza

112 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 28

113 KOHLER, Josef. Der Prozess als Rechtsverhaeltniss. Mannheim, 1888. p. 5 apud

TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 28 114 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 28.

Page 55: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

54

totalmente o materialismo histórico processual e incompreendeu um fato: ―o

da transformação da primitiva luta de partes em processo jurisdicional, em que

autor e réu estão inteiramente sujeitos ao Estado‖115

. Romano Di FALCO

afirma:

Não pode o processo penal, como não pode o civil, ser considerado processo exclusivamente de partes, ou seja:

processo que nasce, vive e se exaure mediante uma atividade

entre as partes. É esta uma concepção errônea, que deriva,

diretamente, da teoria contratualista ou quase-contratualista do processo civil, e foi posta à margem pelos modernos

estudos processualísticos.116

Para DELOGU, ―se existe, nesta matéria, um ponto de acôrdo é o que

concerne à existência de uma relação entre as partes e o juiz‖117

. TORNAGHI

conclui:

A afirmação de que o juiz não tem interêsse no processo é

falsa. Se há alguém que tenha intrêsse é o Estado, de que o juiz é órgão, porque é por meio do processo que êle evita a

ação direta, a autodefesa, a vindita, a justiça pelas próprias

mãos, que cria a intranqüilidade e o desassossêgo . O juiz, como órgão do Estado, não tem interêsse no litígio, não é

parte no conflito entre autor e réu. Mas tem interêsse em

solver o litígio por meio do processo. A intervenção do juiz não o faz partícipe da relação que une autor e réu, mas

coloca-o em relação com cada um dêles . Pouco importa que

115 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 29.

116 FALCO, Romano Di. Soggetti e parti nel processo penale. apud TORNAGHI, Hélio.

Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. 1v. 1t. p.

29. 117 DELOGU. Contributo alla Teoria. p. 18 apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao

Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. 1v. 1t. p. 29.

Page 56: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

55 não se trate de um vínculo de coordenação, que o juiz

esteja superposto às partes. Haverá um vínculo de

subordinação, como, aliás, são tôdas as relações de Direito

público.118

Fica claro que autor acabou por confundir o poder/dever de jurisdição

do Estado com a obrigação judicial que o litígio exige do juiz. Desta forma,

KOHLER ficou na penumbra e não encontrou seguidores para defender seus

trabalhos119

.

Uma terceira via é a oferecida por Konrad HELLWIG em Lehrbuch des

Deutschen Civil-prozessrechts120

de 1903121

. O respeitado doutrinador apresenta

118 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 29

119 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 29

120 Tratado de Direito processual civil alemão 121 Infelizmente a obra não foi encontrada em nenhuma língua latina que este acadêmico possa

compreender. Das principais bibliotecas jurídicas do país, a única em que a obra foi localizada,

Figura 2: Relação Jurídica Retilínea (KOHLER/BÜLOW)

Page 57: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

56

a relação jurídica processual como uma ligação apenas entre as partes e o

Juiz, ou seja, entre o autor e o Juiz e entre este e o Réu (vide figura 3). Desta

forma, nega-se a existência de qualquer relação entre as partes, existindo

somente entre estas e o juiz.

[...] o processo visa única e exclusivamente à concessão de proteção jurídica, e nela e nas decisões

que servem à consecução da finalidade do processo

desdobra-se a soberania do Estado. As partes

sobrepõem-se aos órgãos do poder do Estado como se êstes fôssem seus súditos. [...] Sôbre o poder de

mando do juiz descansa a fôrça de sua sentença e dos

atos de execução. O Direito processual é, todo êle (em tôdas as suas partes – in allen seinen Teilen), Direito

público, mesmo enquanto regula a atividade que as

partes desenvolvem – para obter do juiz aquilo que constitui a finalidade do processo. E isto é importante

para a orgiem e o desdobramento da relação

processual, que é publicística, pois não existe entre as

partes (Denn dieses besteht nicht zwischen den Privaten), que aparecem como autor e réu (Klager und

Beklagter), mas entre as partes e o juiz (sondern

swischen den Partein und dem Gerichte), e os direitos dêles à execução pelo juiz da atividade prevista na lei

processual constitui o conteúdo da relação

processual.122

Ao iniciar os comentários sobre o conteúdo e o caráter da relação

em alemão (idioma original), foi na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal do Supremo

Tribunal Federal em Brasília – Distrito Federal. Portanto, todas as afirmações e citações

referentes a este autor derivam, pura e simplesmente, de escritos de terceiros, principalmente

Hélio TORNAGHI. Vários doutrinadores que citam tal autor, talvez pela mesma dificuldade em

encontrar a obra, não colocam nem se quer o nome completo ou mesmo a referência de quais

obras de HELLWIC estão citando.

122 HELLWIG, Konrad. Lehrbuch des Deutschen Civil-prozessrechts. Lipsia, 1903 1v. p. 4 apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 27

Page 58: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

57

processual, afirma que esta relação é angular, e não piramidal como WACH

entendia, nem mesmo retilínea como imaginava KOHLER, sendo

verdadeiramente angular. Consta nos escritos de Hélio TORNAGHI que os

gráficos das relações jurídicas, tão utilizado nas doutrinas (inclusive neste

trabalho acadêmico), foram apresentados pela primeira vez por HELLWIG na

obra acima citada.123

Apesar de ilustrativamente assemelhada à teoria piramidal de WACH, a

prática traz muitas diferenças, desta forma não encontrou muito seguidores,

principalmente por não conseguir abranger a relação entre as partes no

momento de um possível acordo judicial124

. Porém, dentre os que defendiam

esta posição estavam ―PLANK, no Lehrbuch des deutrschen Civilprozessrechts

(Tratado de Direito processual civil alemão), Noerdlingen, 1887 [e]

LANGHEINEKEN, em Der Urtheilsanspruch (A exigência de sentença),

Lipsia, 1889‖125

.

123 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 26-28

124 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 39 125 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 26

Page 59: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

58

Dentro do processo penal, a teoria da Relação Jurídica de BÜLOW,

levou a um grande avanço, principalmente para o réu. No momento que o autor

afirma que existe uma relação entre o juiz e as partes, e não somente entre a

acusação e o juiz, o réu sai da categoria de mero objeto-prova para passar a

verdadeiro sujeito processual, com direitos e deveres próprios. Nas palavras de

LOPES JR. ―[o réu] pode exigir que o juiz efetivamente preste a tutela

jurisdicional solicitada (como garantidor da eficácia do sistema de garantias

previsto na constituição)‖126

.

A compreensão de que a prestação do serviço jurisdicional é uma

obrigação do Estado e que ―el proceso civil es administración estatal de justicia

en el ámbito del derecho privado‖127

, pode-se avançar para o terreno de uma

126 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 38 127 WACH, Adolf. Conferencias Sobre La Ordeanza Procesal Civil Alemana. Buenos Aires:

Ediciones Juridicas Eupora-America, 1958. p. 59

Figura 3: Relação Jurídica – Partes e Juiz (HELLWIC/BÜLOW)

Page 60: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

59

função do juiz, não só como prolator da sentença de mérito, mas também

como ―garantidor de garantias‖. Para Adolf WACH, ―la tarea del juez se limita

al amparo del interés que el Estado tiene em la realización del derecho

privado‖128

.

Uma vez reconhecido o avanço da teoria da relação jurídica processual

quanto às garantias processuais, principalmente para o réu, restam as dúvidas:

qual é o exato momento do nascimento da relação jurídica processual penal?

Qual é o ato que a constitui? Quais são os requisitos para sua formação?

Poucos são os autores que se atreveram a adentrar neste ramo (um pouco

mais) abstrato da relação jurídica processual, entre eles, o que mais teve sucesso

foi Hélio TORNAGHI. De maneira geral, com a ação judicial surge o vínculo

entre autor e juiz, já com a citação, une-se o réu.129

Porém, no campo de ação do processo penal, antes mesmo do

oferecimento da denúncia pelo Ministério Público (ou queixa-crime pelo

querelante), um cidadão pode vir a sofrer uma violência ou coação que venha a

tolher alguma de suas liberdades. Desta forma, apesar de não se tornar réu (ou

acusado), este cidadão acaba por ficar em situação semelhante à do acusado (ou

réu). Nessa hipótese, nada mais correto que permitir que este tenha o direito a

se defender ou impetrar uma ação de impugnação, verbi gratia habeas

corpus.130

Nesse ponto, esclarece Hélio TORNAGHI:

128 WACH, Adolf. Conferencias Sobre La Ordeanza Procesal Civil Alemana. Buenos Aires:

Ediciones Juridicas Eupora-America, 1958. p. 59

129 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. 130 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 52

Page 61: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

60 O quasi imputatus

131 não é apenas objeto de uma

investigação como indiciado, é sujeito de direitos, não é uma

das coisas sôbre que recai o exame da autoridade

investigadora, é pessoa, pois, de outro modo, não se explicaria que pudesse padecer limitação de direitos. Só a

pessoa é sujeito de direito. Na legislação italiana há

dispositivo expresso a êste respeito. Assim o art. 78 do Cód. de Proc. Penal italiano [Referente ao Código italiano de 1931,

no atual Codice di Procedura Penale italiano é análogo aos

artigos 60 e 61]132

: ―Assunção da qualidade de acusado

(imputado). Assume a qualidade de acusado que, embora sem ordem da autoridade judiciária, é prêso à disposição dela ou

aquêle a quem, por um ato qualquer do procedimento, é

atribuído um crime. Além dos casos previstos na disposição precedente, quando se deve praticar um ato processual a cujo

respeito a lei reconhece determinado direito ao imputado, se

considera tal quem no relato, na referência, na denúncia, na querela, no requerimento ou na instância é indicado como réu

ou resulta indiciado como tal‖...133

131 Quasi neste caso funciona como uma conjunção comparativa, em português seria como, do

mesmo modo que. Uma tradução livre para esta expressão seria ―como o acusado‖, ―igual ao

acusado‖, ―do mesmo modo que o acusado‖, etc.

132 Art. 60. Assunzione della qualità di imputato.

1. Assume la qualità di imputato la persona alla quale è attribuito il reato nella richiesta di

rinvio a giudizio, di giudizio immediato, di decreto penale di condanna, di applicazione della

pena a norma dell'articolo 447 comma 1, nel decreto di citazione diretta a giudizio e nel

giudizio direttissimo. 2. La qualità di imputato si conserva in ogni stato e grado del processo, sino a che non sia più

soggetta a impugnazione la sentenza di non luogo a procedere, sia divenuta irrevocabile la

sentenza di proscioglimento o di condanna o sia divenuto esecutivo il decreto penale di

condanna.

3. La qualità di imputato si riassume in caso di revoca della sentenza di non luogo a procedere

e qualora sia disposta la revisione del processo.

Art. 61. Estensione dei diritti e delle garanzie dell'imputato.

1. I diritti e le garanzie dell'imputato si estendono alla persona sottoposta alle indagini

preliminari.

2. Alla stessa persona si estende ogni altra disposizione relativa all'imputato, salvo che sia

diversamente stabilito. 133 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 53

Page 62: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

61

Na exposição de motivos acerca do Codice di Procedura Penale

italiano de 1931, o então Ministro di Grazia e Giustizia134

Andrea Finocchiaro

APRLIE explicava que este código não continha em seu projeto, assim como

continha o de 1905, distinção entre imputado e acusado, porém esclarecia quais

quais feitos poderiam estabelecer uma relação jurídica antes do oferecimento da

ação penal.135

Exposições estas, transcritas por TORNAGHI, que são de grande

valia para este trabalho:

As manifestações da relação processual anteriores ao plenário

(giudizio) são de natureza acessória, dependente,

preparatória. Finalidade precípua da instrução é a colheita

das provas de existência do crime e busca de seu autor, enquanto que a do juízo é do crime e busca de seu autor,

enquanto que a do juízo é averiguar e pronunciar

jurisdicionalmente se a acusação é verdadeira e qual é a vontade da lei em face dos fatos demonstrados verídicos

(pág. 611). Portanto, só nos casos em que a tarefa realizada

em juízo tem de ser antecipada e, para não se esvanecer um fato ou para assegurar a atuação da vontade de lei, se protrai a

intervenção jurisdicional é que se manifesta, ainda na fase da

instrução preparatória, a relação processual e a figura do

imputado. [...]

Pròpriamente acusado é só aquêle contra quem se exercita

em juízo a ação penal, porque só então se afirma que alguém cometeu um fato delituoso, imputatur alicui id quod ipsius

culpa vel facto evenit.136

Assim, podemos afirmar que a lei se utiliza de uma espécie de ficção

134 Equivalente brasileiro ao Ministro da Justiça.

135 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 53 136 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 53-54

Page 63: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

62

para conferir, em determinadas situações, os efeitos jurídicos aos quais, de

outro modo não se produziriam.137

―Podem, pois, distinguir-se um acusado em

sentido próprio e um quasi imputatus.‖138

O ato de reconhecimento de quasi

imputatus está intimamente ligado ao reconhecimento de certos direitos e

garantias. Por este motivo, a doutrina italiana somente aceita esta extensão da

classificação no pro reo. Desta forma, mesmo que seja permitido que

determinados atos possam ser praticados antes do início do processo (strictu

sensu), nestes devem ser asseverados os direitos e garantias jurisdicionais.139

Para TORNAGHI ―pode, assim, afirmar-se que a relação processual

surge em regra, com a demanda, e, por vêzes , com um ato jurisdicional contra

o indiciado, antes que haja ação penal. Mas, em qualquer caso, com o primeiro

ato processual que vincule o indiciado ao juiz‖140

.

A relação jurídica processual, como já vimos, é complexa e não se

formará com um simples ato, mas sim com vários, e somente se completará

após o último. O oferecimento da denúncia ligará o juiz ao acusador, mas não

terá efeito nenhum com relação ao ―futuro acusado‖. Neste caso, a ligação será

efetivada no momento da citação, quando, a partir deste momento, o indiciado

passará à figura de acusado.141

Nas palavras de TORNAGHI: ―[...] a demanda

precede a relação processual e é dela um pressuposto também cronológico, uma

137 BETTIOL. La Correlazione. p. 93 apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de

Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. 1v. 1t. p. 54

138 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 54

139 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 54

140 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 54. 141 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 55.

Page 64: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

63

vez que cada laço surge no momento em que finda um ato da demanda e a

relação processual é completa no instante em que tôda a demanda terminou‖142

.

Mas, uma vez que sabemos que não é somente a citação que inicia a

relação entre o indiciado e o juiz, permanece a questão: Quais seriam os atos

que vinculam o ―futuro acusado‖ ao juiz? Evidente que não seria possível citá-

las todas aqui. Não obstante, pode-se deixar a cargo dos legisladores enumerá-

las em seus projetos ou, aceitar uma fórmula genérica143

, por exemplo a do

Codice di Procedura Penale italiano: ―Assume la qualità di imputato la persona

alla quale è attribuito il reato‖144

.

No direito material, tanto no privado quanto no penal, existem figuras

correlatas aos pressupostos processuais. De certa forma, os pressupostos

processuais estão para o processo e a relação processual, assim como os

―requisitos constitutivos de uma relação jurídica privada‖ está para o direito

privado, e o ―crime‖ (Teoria do delito → crime = fato típico + antijurídico +

culpável) está para o direito penal. Entretanto, não se trata apenas de um ponto

de vista mais apropriado à exposição do processo. Estas concepções são

necessárias para a realização de exames mais profundos e esclarecimentos

necessários, como os que serão trabalhados no próximo capítulo. 145

142 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 55.

143 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 55.

144 Assume a qualidade de imputado a pessoa a qual é atribuído o crime. Tradução livre. 145 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 9.

Page 65: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

64

2 O PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA: DAS CRÍTICAS À

BÜLOW E DA EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA DE

GOLDSCHMIDT

2.1 A Crítica de James GOLDSCHMIDT à Teoria da Relação Jurídica de

Oskar Von BÜLLOW

Que Oskar Von BÜLOW foi figura distinta entre os processualistas

modernos, é impossível negar. Que a Teoria da Relação Jurídica processual, por

ele elaborada em 1868 na obra "Die Lehre von den Processeinreden und die

Processvoraussetzungen‖146

, configura como literatura obrigatória dentre as

grandes publicações acerca das categorias processuais, também é consenso. Que

foi a partir de sua notável contribuição na elaboração dos pressupostos

processuais que o ―processo‖ ganhou forma, autonomia e foco dentre as

ciências jurídicas, é fato evidente.147

Porém, 57 anos após o triunfo de sua

146 Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais – Tradução de Ricardo Rodrigues

Gama.

147 A importância da obra de Oskar Von BÜLOW para a ciência processual é reconhecida por

praticamente todos os doutrinadores desta ciência. Este reconhecimento passa deste os

primeiros grandes seguidores de sua teoria, a contar por Adolf WACH, nas obras Conferencias

Sobre La Ordeanza Procesal Civil Alemana e Manual de Derecho Procesal Civil, e seus

compatriotas alemães Josef KOHLER (Der Prozess als Rechtsverhaeltniss) e Konrad

HELLWIC (Lehrbuch des Deutschen Civil-prozessrechts), até os seguidores da chamada

Escola Chiovendiana, como Giuseppe CHIOVENDA (Instituições de Direito Processual

Civil), Francesco CARNELUTTI (Sistemas de Direito Processual Civil), Piero CALAMANDREI (Instituições de Direito Processual Civil) e, entre outros, Enrico Tullio

LIEBMAN (Problemi del Processo Civile). Na doutrina nacional não é diferente, apesar do

Page 66: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

65

teoria, e tempo idêntico de navegação em uma maré tranquila de autores

capazes de criar uma teoria e fazer severas críticas dentro de uma concepção

maior e mais aceita pela comunidade jurídica da natureza jurídica do processo,

surgiu a obra “Prozess als Rechtslage‖148

, e mais tarde Teoria General del

Proceso149

de James GOLDSCHMIDT.

Evidente que neste meio tempo existiram autores que criticaram as

teorias de BÜLOW. Alguns com críticas pontuais como Adolf WACH150

, Josef

KOHLER151

e Konrad HELLWIC152

que elaboraram amplo debate,

principalmente, acerca dentre quais sujeitos se dava a existência da relação

jurídica processual. Autores como Giuseppe CHIOVENDA153

, Francesco

desleixo de alguns autores para com este tema, mesmo os que são contrários à tese da Relação

Jurídica Processual admitem a importância e relevância da obra de BÜLOW para o primor

alcançado pela atual ciência processual. A saber José Frederico MARQUES (Elementos de

Direito Processual Penal e Manual de Direito Processual Civil), Hélio TORNAGHI (A

Relação Processual Penal e Comentários ao Código de Processo Penal), Aury LOPES JR.

(Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional), Eugênio PACELLI DE

OLIVEIRA (Curso de Processo Penal), Paulo RANGEL (Direito Processual Penal),

Fernando da Costa TOURINHO FILHO (que chega a adjetivar BÜLOW de gênio) em Processo

Penal e Manual de Processo Penal, Rogério Lauria TUCCI (Teoria do Direito Processual

Penal: Jurisdição, Acão e Processo), José Rubens COSTA (Manual de Processo Penal), entre

outros. 148 Processo como Situação Jurídica – Tradução do próprio James GOLDSCHMIDT.

149 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961.

150 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977.

151 KOHLER, Josef. Der Prozess als Rechtsverhaeltniss. Mannheim, 1888. p. 5 apud

TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 28

152 HELLWIG, Konrad. Lehrbuch des Deutschen Civil-prozessrechts. Lipsia, 1903 1v. p. 4

apud TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. p. 27 153 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller,

1998. 1.v.

Page 67: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

66

CARNELUTTI154

, Piero CALAMANDREI155

(antes de fazer coro a James

GOLDCHMIDT na teoria da Situação Jurídica), entre outros tantos, também

efetivaram algumas críticas com relação à complexidade ou multiplicidade da

relação jurídica, ou até mesmo sobre a existência de situações jurídicas dentro

da relação jurídica156

. Porém, todas estas críticas/complementações foram

elaboradas sem perder o foco central da teoria de relação jurídica de BÜLOW.

Entre outras tantas teorias menores que surgiram, mas que, porém, não

chegaram a afetar a franca aceitação majoritária da teoria da relação jurídica de

BÜLOW, e portanto não lograram muito exito, estão as citadas por Niceto

ALACALÁ-ZAMORA Y CASTILLO em capítulo intitulado ―Algunas

Concepciones Menores Acerca de la Naturaleza del Proceso‖ na sua obra

―Estudios de Teoria General del Proceso (1945-1972)‖157

e as citadas por Pedro

ARAGONESES ALONSO em sua obra Proceso y Derecho Procesal158

. As

principais teorias trabalhadas, neste sentido pelos autores, são: O processo

como estado de ligamento159

de KISCH160

, concepções francesas acerca do

154 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Porcessual Civil. São Paulo: Classic

Book. 2000. 1.v.

155 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2003. 1.v. 156 A classificação de Situação Jurídica para James GOLDCHMIDT e para Francesco

CARNELUTTI são distintas. Enquanto que para CARNELUTTI a situação jurídica simboliza

os elementos e interesses que se acoplam como componentes da relação jurídica, para

GOLDCHMIDT a noção de relação jurídica é totalmente eliminada do campo processual para

dar lugar à Situação Jurídica como categoria própria da natureza jurídica do processo e

demonstra o estado do sujeito com relação às expectativas e perspectivas de uma sentença

judicial de fundo.

157 ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso

(1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México. 1992. p.

377-449

158 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madrid: Auilar. 1960. p. 170-213

159 ALACLÁ-ZAMORA Y CASTILLO aponta que não foi KISCH o primeiro a enunciar este

Page 68: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

67

processo como serviço público de DUGUIT, JÈZE e NEZARD161

, a

construção histórico-sociológica da natureza jurídica do processo de Benjamín

CARDOZO162

, o processo como modificação jurídica e como mistério de

SATTA e CRISTOFOLINI163

, o acordo como noção básica do processo de

Sentís MELENDO164

, o processo como instituição de HAURIOU165

,

tipo de teoria, alega que James GOLDCHMIDT cita DEGENKOLB, KREMER,

SCHWALBACH e LANGHEINEKEN como autores que trabalham o processo como ―ligação‖

no seu livro Prozess als Rechtslage. (ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de

Teoria General del Proceso (1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional

Autónoma de México. 1992. p. 382)

160 KISCH. Deutsches Zivilprozessrecht. 3ª ed. Berlín-Leipzig. 1992. p. 18-19 apud

ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso (1945-

1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México. 1992. p. 382

161 ―DUGUIT, Traité de droit constitutionnel (París, 1921), II, pp. 54 y ss.; JÈZE, Le service

public (en 'Revue de droit public.'), Bucares, 1926), y NEZARD, Eléments de droit public, núm. 188,citados por GUARNERI, Sulla teoria generale del processo penale (Milano, 1939), p. 73,

nota 5‖ (ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso

(1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México. 1992. p. 38

grifo nosso)

162 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO afirma que apesar do nome do livro de CARDOZO ser

―The nature of the judicial process‖, e, até o ano de 1972, já tinha alcançado 13 edições, o

livro de nada acrescenta sobre a real natureza jurídica do processo. Argumenta: ―[...] acaso se

crea que nos hallamos ante una obra de méritos poco menos que sobrenaturales, de esas que de

tarde en tarde cambian los derroteros de una disciplina científica. Y sin embargo, nada más

lejos de la realidad: el libro de Cardozo, más superficial que profundo, escrito con soltura y

diafanidad pero sin brillantez, no descubre acerca del fenómeno judicial anglosajón horizontes

esencialmente distintos de los dados a conocer hace mucho tiempo por los grandes expositores del sistema ni supera tampoco a los excelentes resúmenes o cuadros que del mismo se han

trazado en diversos idiomas.‖ (ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria

General del Proceso (1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma

de México. 1992. p. 391-392 grifo nosso)

163 ―Integrada por los siguientes trabajos: SATTA, Gli orientamenti pubblicistici della scienza

del processo (en 'Riv. Dir. Proc. Civ.', 1937, I, pp. 32-49); CRISTOFOLINI, A proposito di

indirizzi nella scienza del processo (en rev. Cit., 1937, I, pp. 105-24) [...]‖ ( ALCALA-

ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso (1945-1972). 2ª ed.

Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México. 1992. p. 405 g rifo nosso)

164 ―Los conceptos de 'acción' y de 'proceo' en la doctrina del profesor Hugo Ansina: Su

situación dentro del panorama procesal de nuestra época (en 'Jurisprudencia Argentina' de 3-XII-1941)‖ ( ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del

Proceso (1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México.

Page 69: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

68

RENARD166

e, principalmente, Jaime GUASP167

, o processo como entidade

jurídica complexa de Gaetano FOSCHINI168

, entre outras.169170

Entretanto, mesmo que James GOLDCHMIDT seja considerado o maior

crítico à Teoria da Relação Jurídica171

, este não deixou de prestar homenagens a

1992. p. 415 grifo nosso) 165 ―La teoría jurídica está contenida especialmente en las siguiintes obras: La science sociale

traditionel, 1896; Principes de Droit public, 1.ª ed., 1910; [...] Précis de Droit constitutionel,

1923; 'La théorie de L'institution et de la fodation', en el vol. La cité moderne et les

transformations du Droit (cahiers de la Nouvelle Journée, núm. 4, 1925).‖ (ARAGONESES

ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y

aplicación del derecho procesal. Madrid: Auilar. 1960. p. 178 grifo nosso)

166 ―A Renard se devem dois trabalhos sobre a instituição que, para ele, é somente a

instituição-pessoa: La théorie de l'institution; essai d'ontologie juridique, Paris, 1930, e La

philosophie de l'institution, Paris, 1939.‖ (TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal.

Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987. p. 234 grifo nosso)

167 GUASP, Jaime. Derecho procesal civil. 3ªed. Madri, [s.n.]. 1968 apud TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987. p. 233

168 FOSCHINI, Gaetano. Natura giuridica del processo. Rivista di Diritto Processuale,

Padova, 1948, I, p. 110-115 apud ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de

Teoria General del Proceso (1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional

Autónoma de México. 1992. p. 440

169 ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso

(1945-1972). 2ª ed. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México. 1992.

p.170-213

170 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madrid: Auilar. 1960. p.

171 James GOLDCHMIDT é citado por vários autores como o maior crítico à Teoria da

Relação Jurídica Processual e à dos Pressupostos Processuais. v. g. os espanhois Pedro ARAGONESES ALONSO, em sua obra Proceso y Derecho Procesal (―La teoría de la relación

jurídica fué criticada especialmente por GOLDSCHMIDT, quien puso de relieve la inexactitud

de tal condición‖. Em seguida puxa nota de rodapé: ―La importancia de esta crítica que con

admiración recogen todos los autores, aunque en forma muy sintetizada, nos obliga a su

transcripción literal [...]‖ (ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal:

Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar.

1960. p. 168)) e Niceto ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO em sua publicação Algunas

Concepciones Menores Acerca de La Naturaleza Del Proceso e no prólogo da obra Sistema

de Direito Porcessual Civil de Francesco CARNELUTTI, pelo alemão Werner

GOLDSCHMIDT, no prólogo da obra citada de ARAGONESES ALONOSO, pelos italianos

Piero CALAMANDREI (no início árduo defensor da teoria da relação jurídica processual, mas que no final de sua vida escreveu triunfante artigo elogiando e acordando com

GOLDSCHMIDT acerca da natureza jurídica do processo. Questão esta que será tratada com

Page 70: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

69

BÜLOW pelo vanguardismo e inovação dentro da ciência processual:

La Ciencia del proceso es la rama más moderna172

de la

Ciencia del derecho. Durante mucho tiempo, la Ciencia del proceso se contentó con describir los fenómenos procesales.

[...] El primero que abrió el camino para crear una Ciencia

constructiva del proceso fue Oscar Bülow. Su libro “La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos

procesales”, que apareció en 1868, llegó a ser fundamental.

En él Bülow estableció la teoría de que el proceso tiene el

carácter de una relación jurídica pública existente entre el Estado y las partes. A base de este principio, Bülow llegó al

concepto de los presupuestos procesales. Entiende bajo esta

denominación los presupuestos formales, [...]. El libro de Bülow tuvo un éxito sin precedente. La teoría de la relación

jurídica procesal y de sus presupuestos forma la base de

todos los sistemas del proceso, siendo indudable que a partir

de Bülow, y no antes, comienza a formarse una Ciencia propia del Derecho procesal.

173

Em 1925, James GOLDCHMIDT ganhou relevante destaque no meio

jurídico ocidental, por tecer acentuadas críticas à teoria da relação jurídica

processual, elaborada por BÜLOW e seguida pela maioria dos processualistas

modernos. Os principais focos de ataque de GOLDSCHMIDT à BÜLOW

foram: Quanto às exceções dilatórias e processuais, à retomada da ciência

processual romanista quanto ao juízo in iure e o procedimento in iudicio, aos

pressupostos processuais, aos direitos e obrigações processuais, à função e

mais calma ao final deste capítulo) em várias publicações, especialmente no artigo Un Maestro

di Liberalismo Processuale, e Enrico Tullio LIEBMAN, na obra Problemi del Processo Civile,

e entre outros tantos, pelos brasileiros Hélio TORNAGHI e Aury LOPES JR. nas obras A

Relação Processual Penal e Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional

respectivamente.

172 Deve-se ter o cuidado de lembrar que este texto foi escrito em 1936. 173 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 15-16

Page 71: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

70

finalidade do Estado com relação ao processo e à própria existência de uma

relação jurídica entre os sujeitos do processo.174

Inicia-se pelas exceções dilatórias e a readequação desta importação do

direito romano.

À época (século XIX) vivia-se uma verdadeira confusão entre direito

processual e direito material. Esta desordem jurídica era parcialmente e, de

acordo com BÜLOW, erroneamente apaziguada através de uma importação

equivocada do direito romano das exceções dilatórias. Frente a isto, BÜLOW

afirmou que uma solução ―somente pode[ria] chegar pelo mesmo caminho pelo

qual vieram as modificações que em boa parte já supriram a teoria das

exceções. Por seu retorno às fontes das que derivam essas exceções; uma

melhor compreensão do processo civil romano‖175

.

A proposta do autor era descartar totalmente a prática vigente e fazer

uma análise profunda e imparcial da tradição jurídica romana. Somente desta

forma se teria uma melhor compreensão dos pressupostos processuais.176

BÜLOW afirmava:

Com os mencionados grupos de requisitos processuais [os pressupostos processuais] acrescenta-se à relação litigiosa

substancial existente no processo (a chamada merita causae)

uma matéria de debate mais ampla e particular. O tribunal não somente deve decidir sobre a existência da pretensão

jurídica em pleito, mas também, para poder fazê-lo, deve

certificar-se se concorrem as condições de existência do

174 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 15-35

175 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 19. 176 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 19.

Page 72: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

71 processo mesmo: ademais do suposto de fato da relação

jurídica privada litigiosa (da res in judicium deducta [coisa

deduzida em juízo]) deve comprovar se dá-se o suposto de

fato da relação jurídica processual (do judicium). Este dualismo sempre foi decisivo na classificação do

procedimento judicial. Ele levou a uma divisão do processo

em dois capítulos, dos quais um se dedica à investigação da relação litigiosa material e o outro, ao exame dos

pressupostos processuais. Assim, no processo civil romando

precede ao trâmite de mérito (o procedimento in juidicio) um

trâmite preparatório (in jure), o qual estava destinado exclusivamente à determinação da relação processual, ad

constituendum judicium.

[...] Assim, os pressupostos processuais constituem a matéria do

procedimento prévio e, consequentemente, entram em íntima

relação com o ato final deste; final que consiste já na litis contestatio ou já numa absolutio ab instantia. [...] Ambas as

alternativas são nada mais que o resultado de um exame da

relação processual [...].177

Não há dúvidas que a relação jurídica processual de BÜLOW colaborou

para uma separação entre os pressupostos processuais e as exceções dilatórias

materiais. Porém, James GOLDSCHMIDT questiona se era este o único fim de

sua teoria, uma vez que é com base no mesmo Direito Romano, que se baseiam

os conceitos de relação jurídica processual e de exceções dilatórias.178

BÜLOW entende que o procedimento in jure tinha como única

finalidade apreciar os pressupostos processuais, e o procedimento in judicium

analisava, tão somente, as questões sobre o fundo.179

Entretanto,

177 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 10-11.

178 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v, p. 17-18. 179 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v, p. 18.

Page 73: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

72

GOLDSCHMIDT questiona este entendimento e afirma que BÜLOW teve

uma visão equivocada acerca destes procedimentos romanistas:

Ni el procedimiento in iure tenía el fin exclusivo de

comprobar la existencia de los presupuestos procesales, ni al

iudex se le dispensaba de tener en cuenta defectos procesales. En el procedimiento in iure se había de

comprobar si correspondía al demandante una acción, y de

ello es consecuencia el que la denegatio actionis tuviera lugar, muchas veces, a causa de defectos materiales. Por el

contrario, el iudex no sólo había de atender a defectos

procesales de los cuales pudiera resultar la nulidad de la

sentencia, sino que entre las excepciones de las cuales el iudex ha de conocer, se encuentran las de contenido

procesal, por ej. la exceptio praciudicii, litis dividuae y rei

residuae, annalis, rei in iudicium deductae vel rei iudicatae, iurisiurandi.

180 (grifo nosso)

Fato incontroverso é que a denegatio actionis (negação da ação), mesmo

nos casos de uma sentença de fundo, não produzia os efeitos de uma coisa

julgada. Em uma analise superficial, poderia se contar ponto para BÜLOW.

Porém, para GOLDSCHMIDT, isto ocorre devido ao direito romano ter como

pilar do efeito de res iudicata a resistência operacional da litis contestatio.

Exemplo disso se dá pela existência de uma sentença de fundo com o

reconhecimento de uma exceção de coisa julgada, ou seja, sem o menor

conteúdo processual (ou dos pressupostos processuais de BÜLOW).181

Portanto, GOLDSCHMIDT afirma que ―la causa no estriba, como

Bülow creyó, en que el contenido de todas las excepciones sea material, sino en

180 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 18. 181 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 19.

Page 74: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

73

que los romanos no diferenciaron entre el contenido material o procesal de

una alegación o resolución‖182

. Ou seja, a declaração de nulidade de uma

sentença poderia ser dada tanto pela existência de exceções processuais quanto

materiais.

Seguindo a teoria dos pressupostos processuais de BÜLOW, este

defende que uma vez compreendidos a separação entre direito processual e

direito material, e, consequentemente, suas autonomias, deve-se ter em mente

que existem condições para a constituição da relação jurídica processual, a

saber: ―a competência, capacidade, e insuspeitabilidade do tribunal; a

capacidade processual das partes; [...] as qualidades próprias e imprescindíveis

de uma matéria litigiosa civil; a redação e comunicação da demanda [...]; e a

ordem entre vários processos‖183

.

Desta forma, da mesma maneira que existem questões que devem ser

analisadas para a existência de uma relação jurídica privada, existe uma série de

importantes preceitos legais que devem ser vistos para analisar as prescrições da

relação jurídica processual. BÜLOW leciona:

Estas prescrições devem fixar – em oposição evidente com as regras puramente relativas à sequência do procedimento, já

determinadas – os requisitos de admissibilidade e as

condições previas para a tramitação de toda a relação processual. Elas determinam entre quais pessoas, sobre que

matéria, por meio de que atos e em que momento se pode

constar no processo. Um erro em qualquer das relação

indicadas impediria o surgimento do processo. Em suma, nesses princípios estão contidos os elementos constitutivos

182 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 19. 183 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 9.

Page 75: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

74 da relação jurídica processual: idéia aceita em partes,

designada com um nome indefinido. Propomos, como tal, a

expressão: ―pressupostos processuais‖.184

(grifo nosso)

Para GOLDSCHMIDT, uma vez que as noções de BÜLOW acerca das

exceções dilatórias e processuais não se enquadram nos processo civil

romanista, muito menos há de se enquadrar no processo civil moderno. Afirma

o autor que o processo moderno ―desconoce la distinción entre procedimiento

in iure e in iudicio y ni siquiera la desumario y juicio oral, como el proceso

penal‖185

.

Deste modo, GOLDSCHMIDT afirma que a teoria de BÜLOW é

totalmente equivocada quanto à existência de pressupostos para a existência do

processo ou mesmo de uma relação processual. Ora, uma vez que os

pressupostos processuais são julgados no decorrer do processo, podendo ser

reconhecidos em quaisquer instâncias ou fases processuais, estes jamais

poderão ser considerados pressupostos processuais. Para GOLDSCHMIDT, os

―pressupostos processuais‖ não representam pressupostos do processo, mas sim

pressupostos para uma decisão de fundo ou de mérito.186

Quanto às categorias que formam a Relação Jurídica de BÜLOW, este

afirma que ―o processo é uma relação de direitos e obrigações recíprocos, ou

seja, uma relação jurídica‖187

. Estes direitos e obrigações, de acordo com o

184 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 9.

185 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 20.

186 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 20. 187 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005. p. 5.

Page 76: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

75

autor, são formadas a partir e somente devido ao processo. Explica:

Esta [relação jurídica processual] se prepara por meio de atos

particulares. Somente se aperfeiçoa com a litiscontestação, o contrato de direito público, pelo qual, de um lado, o tribunal

assume a obrigação concreta de decidir e realizar o direito

deduzido em juízo e de outro lado, as partes ficam obrigadas, para isto, a prestar uma colaboração indispensável e a

submeter-se aos resultados desta atividade comum.188

(grifo

nosso)

Adolf WACH, seguidor e inovador da teoria da Relação Jurídica de

Rudolf Von BÜLOW, acrescenta que ―el contenido de las relaciones jurídicas

procesales lo constituyen derechos y deberes de natureza procesal, y los

hechos-tipo que fundan esos derechos y deberes son sucesos, actos y omisiones

procesales‖189

. Desta forma, prossegue: ―Con la demanda entra a funcionar el

deber del juez y el deber de defensa del demandado (la obligación de cargar

con el iudicium) con respecto a una pretensión concreta de tutela jurídica‖190

.

GOLDSCHMIDT discorda de BÜLOW (e consequentemente de

WACH) também neste ponto. Uma vez que os ―pressupostos processuais‖ não

servem para determinar a criação ou não de uma relação jurídica, por

conseguinte, esta fica vazia também de seu conteúdo. Ao afirmar que a

obrigação que o tribunal assume, não é devida a um determinado contrato de

direito público firmando entre as partes e aquele com a propositura da ação.

188 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 6.

189 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 64 (grifo nosso) 190 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 69 (grifo nosso)

Page 77: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

76

Para este crítico, a obrigação do tribunal (em seu texto GOLDSCHMIDT

trabalha com a figura do juiz) está fundada no direito público. Direito este que

se baseia na obrigação do Estado de administrar justiça.191

Nas palavras de

GOLDSCHMIDT:

Claro está que incumbe al juez la obligación de conocer la demanda: pero para fundar esta obligación no se precisa una

relación procesal. Tal obligación se base en el Derecho

público, que impone al Estado el deber de administrar

justicia mediante el juez, cuyo cargo, a su vez, le impone, al mismo tiempo, obligaciones frente al Estado y al

ciudadano.192

Evidente que o autor não quer exprimir uma ideia de que não existe

correlatividade com nenhum direito subjetivo. Neste ponto GOLDSCHMIDT

faz questão de enfatizar que ―el criterio del Estado de derecho es que esa

correlación existe. Pero la infracción de estas obligaciones, la lesión de estos

derechos, particularmente la denegación de justicia, es de mera índole pública

criminal o civil, pero no procesal‖193

. Desta forma, a responsabilidade criminal

e civil do juiz será determinada em um juízo e processo destinado

especificamente para este fim, mas jamais dentro dos tramites normais de um

possível recurso dentro daquele mesmo processo. O autor completa:

Este juicio, en cuanto se refiere a faltas relativas a sentencias

injustas, lejos de tender al fin regular de los recursos

191 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v, p. 20.

192 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v, p. 20. 193 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 21.

Page 78: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

77 procesales, es decir, a la alteración o revocación de la

sentencia, presupone que el pleito o causa que da motivo al

procedimiento está terminado por sentencia firme.194

Se não cabem obrigações ao juiz para com as partes devido ao processo,

muito menos incumbe às partes obrigações surgidas também pelo processo.

GOLDSCHMIDT explica que do período romanista até o final da idade média,

realmente existia a obrigação do réu de cooperar à litis contestatio. Incumbia ao

demandado o dever de manifestar sua boa vontade de iniciar e dar

prosseguimento ao processo até a sentença final. Nos períodos mais avançados,

esta obrigação se manifestou pela vontade do individuo de contestar a demanda.

Porém, o autor sustenta que esta obrigação jamais nasceu por uma relação

jurídica processual, mas sim pela relação geral que liga o indivíduo ao

Estado.195

Arremata:

La sujeción del ciudadano al poder estatal es natural y hasta ilimitada mientras rige el imperium, es decir, en la esfera

meramente pública, pero con respecto a los conflictos entre

particulares, el individuo estaba inicialmente libre y regía el principio de la “autotutela”. Al consolidarse la organización

del Estado se sintió la necesidad de repeler la autotutela, y

de intervenir, como consecuencia, en los conflictos de los particulares. A este fin la iurisdictio estatal se ofreció al

principio, y más tarde se impuso a los particulares. Sin

embargo, transcurrió mucho tiempo hasta realizarse la total

sujeción del individuo bajo la iurisdictio estatal y durante esta época de transición se exigía en cada caso una sumisión

especial del demandado al fallo del juez. Ahora bien, el

demandado estaba obligado a esta sumisión, y de ello se

194 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 21. 195 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 21-22.

Page 79: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

78 deriva la famosa obligación de cooperar a la litis

contestatio.196

Desta forma, uma vez que a obrigação que o demandado tem de

contestar a demanda não nasce devido a uma relação jurídica processual, esta

obrigação jamais poderia a produzir. Para GOLDSCHMIDT, ―el cumplimiento

de la obligación de someterse a la jurisdicción estatal no funda una nueva

relación jurídica entre las partes, sino que destruye la exención que impide al

Estado dirigir litigios de sus ciudadanos de una manera pacífica y racional‖197

.

Ou seja, no processo moderno, não existe uma obrigação do demandado

de se submeter a uma jurisdição estatal, mas sim um estado de sujeição total do

indivíduo para com esta jurisdição. Uma vez que o demandado não comparece

ao processo, o que ocorre é uma sanção, no caso de prosseguimento da lide sem

a sua presença, nas palavras do autor, um ―juicio en rebeldía‖.198

No entendimento de GOLDSCHMIDT, a antiga obrigação que o

demandado tinha de cooperar a litis contestatio deve ser substituída por uma

―carga‖199

de comparecer ao processo e contestar a demanda, o que é de seu

total e exclusivo interesse. Da mesma forma, não existem outras obrigações às

partes, mas sim ―cargas‖, especialmente de realizar atos e apresentar provas de

seu interesse.200

196 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 22-23.

197 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 23.

198 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 23.

199 A tradução de ―carga‖ do idioma espanhol para o português também pode ser feita como

―encargo‖. Para GOLDSCHMIDT, ―carga‖ é uma das novas categorias processuais que vem a excluir as criadas por BÜLOW. No próximo sub-capítulo será melhor tratada esta matéria.

200 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

Page 80: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

79

Para encerrar a discussão sobre a existência de ―obrigações‖,

GOLDSCHMIDT declara que as chamadas obrigações processuais, quando não

são cargas, como visto anteriormente, são meros deveres cívicos, pois derivam

da situação funcional do magistrado ou do estado de sujeição das partes para

com o Estado.201

Conclui que ―las partes no tienen, tampoco, deberes de

omisión [como sugerido por Adolf WACH202

]. El deber de no proferir a

sabiendas afirmaciones falsas es moral, pero no jurídico‖203

.

Quanto à própria Relação Jurídica Processual, BÜLOW entende que ela

existe devido ao vínculo entre as partes e o tribunal criado pelo processo. Esta

tese se assenta na idéia de que ―o direito processual civil determina as

faculdades e os deveres que colocam em mútuo vínculo as partes e o tribunal.

Mas, dessa maneira, afirmou-se, também, que o processo é uma relação de

direitos e obrigações recíprocos, ou seja, uma relação jurídica‖204

.

Ademais, são várias as ocasiões em que BÜLOW procura demonstrar

que o processo cria um vínculo jurídico entre seus sujeitos. Para o autor, este

vínculo determina a existência de uma relação. A seguir alguns pontos em que

existe esta tentativa de demonstração da existência da relação jurídica

processual:

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 23-24.

201 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 24.

202 ―el contenido de las relaciones jurídicas procesales lo constituyen derechos y deberes de

natureza procesal, y los hechos-tipo que fundan esos derechos y deberes son sucesos, actos y

omisiones procesales‖ (WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires:

Ediciones Jurídicas Europa-America, 1977. p. 64 grifo nosso)

203 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 24. 204 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 5 (grifo nosso)

Page 81: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

80 A relação jurídica processual se distingue das demais

relações de direito por outra característica singular, que pode

ter contribuído, em grande parte, ao desconhecimento de sua

natureza de relação jurídica contínua. O processo é uma relação jurídica [...].

A relação jurídica processual está em constante movimento e

transformação. [...]

[Deve-se entender] ao processo como uma relação de direito

público, que se desenvolve de modo progressivo, entre o

tribunal e as partes [...].

Adolf WACH também desenvolve a existência de uma relação jurídica

criada pelo processo: ―Donde hay proceso, hay relación jurídica,

relacionamiento jurídico entre las personas participantes‖205

. Porém, para

WACH o que existe não é uma relação, mas várias relações:

Se ha dicho que el proceso civil es una relación jurídica unitaria, que se va desenvolviendo y liquidando paso por

paso en procedimiento. Con ello se alude a la relación de los

sujetos procesales que se da y se consuma en el iudicium, en

el debate y en la resolución sobre el fondo. [...] Se afirma en su contra que el proceso no es una, sino una pluralidad de

relaciones jurídicas.206

[...] La forma elemental de la relación jurídica es el

relacionamiento entre dos personas.207

Além disto, WACH entende que estas relações jurídicas se legitimam

também pela unidade e consequente finalidade que possuem, que é a busca por

205 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 64.

206 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 64. 207 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 67.

Page 82: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

81

tutela jurídica do Estado. Nas palavras do autor:

Las relaciones de estas personas [os sujeitos processuais]

entre sí sólo muestran las diversas facetas de una misma relación jurídica. Esto se deduce de la unidad de fin del

proceso, del hecho de que la pretensión de tutela jurídica se

dirige contra el tribunal y el demandado en calidad de objeto del iudicium.

208 [o objeto do iudicium é a sentença de fundo]

James GOLDSCHMIDT conclui seu capítulo de críticas à BÜLOW

quebrando o último elo existente na teoria deste, ou seja, a nomenclatura e

principal elemento fundante da teoria, a Relação Jurídica Processual.

GOLDSCHMIDT afirma que:

En favor de la teoría que sostiene que el proceso es una relación jurídica, se ha alegado el argumento de que el

mismo implica una cooperación de voluntades encaminadas

al mismo fin, a saber, a la sentencia, y que la sentencia tiene la fuerza vinculatoria que falta al principio del proceso. Es

cierto que la sentencia y, más exactamente, su efecto, la

“cosa juzgada”, es el fin del proceso; es igualmente cierto

que, según algumas teorías, la sentencia tiene la eficacia de un negocio jurídico material, es decir, la de alterar las

relaciones jurídicas materiales. Pero aun cuando estas

teorías tuviesen fundamento, en rigor cabría atribuir a los actos procesales la calidad de negocios jurídicos, mas no la

de una relación jurídica. El hecho jurídico que produce una

relación jurídica no es, por esa sola circunstancia, una

relación jurídica ni siquiera latente.209

Com estas afirmações, GOLDSCHMIDT não pretende revelar que o

208 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 70. 209 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 24.

Page 83: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

82

processo é meramente uma série de atos isolados, sem uma finalidade

comum. Sua pretensão é demonstrar que não é porque existe um complexo de

atos encaminhados para um mesmo fim que se terá uma relação jurídica,

mesmo que estes atos sejam feitos por vários sujeitos.210

Como exemplo, o autor cita que ―un rebaño no constituye una relación

porque sea un complejo jurídico de cosas semovientes‖211

. Nada mais correto,

seguindo esta lógica. Não é porque várias pessoas vão a uma mesma loja, com o

mesmo fim de efetuar um contrato de compra e venda, que existe uma relação

jurídica entre elas. Desta forma, conclui:

Por otra parte, es evidente que la peculiaridad jurídica del

fin del proceso determina la naturaleza del efecto de cada acto procesal. Pero ni uno ni otro constituyen una relación

jurídica, y el objeto común a que se refieren todos los actos

procesales, desde la demanda hasta la sentencia, y que en la realidad constituye la unidad del proceso, es su objeto, por lo

regular, el derecho subjetivo material que el actor hace

valer.212

Desta forma, James GOLDSCHMIDT encerra suas críticas à Teoria da

Relação Jurídica Processual criada por Oskar Von BÜLOW, destronando cada

baluarte que a sustenta. A começar pelas fazes de julgamentos (in iure e in

iudicium), passando pelos direitos, obrigações e pressupostos processuais, e

finalizando com o desmoronamento da existência de relações entre os sujeitos

210 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 24-25.

211 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 25. 212 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 25.

Page 84: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

83

do processo.

Contudo, para muito além dos criteriosos argumentos jurídicos

apontados por James GOLDSCHMIDT, Allana Campos MARQUES, num

artigo publicado em um livro coordenado por Jacinto Nelson de Miranda

COUTINHO, traz críticas e elementos de caráter técnico-argumentativos213

que

auxiliam na compreensão da expansão e aceitação que a teoria criada por

BÜLOW encontrou no mundo jurídico. Nas exatas palavras da autora214

,

trechos do artigo:

Esse estudo [da argumentação] é importante porque os

argumentos que vêm ao apoio de uma tese não são

coercitivos. A argumentação torna-se de grande utilidade

quando da sustentação de uma tese porque se opõe à necessidade e à evidência. [...] Não obstante Bülow tenha

apresentado a teoria da relação jurídica como uma verdade,

baseando-a em conceitos anteriormente aceitos, em toda a sua argumentação persuasiva aparece não a idéia de

evidência e certeza, mas o caráter do plausível, do verossímil

e do provável.

[...] Do princípio ao fim, a análise da argumentação versa sobre o que é presumidamente admitido pelos ouvintes,

213 ―O estudo da argumentação e das diversas formas de obter a adesão dos ouvintes às idéias

apresentadas faz parte do estudo da retórica, como o estudo dos meios de prova para obter essa adesão, ou seja, o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão

dos espíritos às teses que se apresentem ao assentimento.‖ (MARQUES, Allana Campos. A

relação jurídica processual como retórica: uma crítica a partir de James Goldschmidt in

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à Teoria Geral do Direito

Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 179)

214 A admirável e transcendente apresentação e sintetização das idéias e tese expostas por

Allana Campos MARQUES, mesmo que de forma resumida, obriga-nos a expor os argumentos

por ela levantados, segundo publicado em seu artigo intitulado: A relação jurídica processual

como retórica: uma crítica a partir de James Goldschmidt, com o subtítulo O caráter

argumentativo da teoria da relação jurídica. (MARQUES, Allana Campos. A relação

jurídica processual como retórica: uma crítica a partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à Teoria Geral do Direito

Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 179-183)

Page 85: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

84 como, por exemplo, os conceitos de direitos e deveres, de

processo e procedimento. Por outro lado, a própria escolha

das premissas e sua formulação raramente estão isentas de

valor argumentativo: trata-se de uma preparação para o raciocínio, que já constitui um primeiro passo para a sua

utilização persuasiva.215

(grifo nosso)

Para Allana MARQUES, a argumentação utilizada por Oskar Von

BÜLOW se vale de uma estrutura real para criar vínculo entre juízos que já

estão assimilados, e que não possuem contestação pela comunidade jurídica, e

outros que o autor procura promover.216

A autora continua:

Dessa forma, quando se diz que o processo é uma relação de

direitos e deveres que vincula mutuamente o juiz em decorrência do ―estado de pendência‖ produzido no momento

do exame do pedido e antes da sentença, fica claramente

demonstrada a ligação de sucessão entre o fato e a

consequencia, que faz parte da estrutura do real. Trata-se de um argumento pragmático, pois transfere para o processo

(estado de pendência) o valor das consequências (vínculo

entre as partes e o juiz). Tal tipo de argumento, para ser aceito, não requer nenhuma justificação. Por outro lado,

qualquer ponto de vista oposto, cada vez que é defendido,

necessita de uma argumentação. Podemos encontrar esse argumento pragmático também na

afirmação de que a relação jurídica é um vínculo entre

sujeitos de direitos e que o conteúdo do processo são direitos

e deveres de natureza processual em consequência de que o direito objetivo cria direitos e deveres para os sujeitos, a fim

de proteger-lhes os interesses e dando-lhes o poder de exigir

215 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 179-180.

216 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 180-181.

Page 86: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

85 de outros o respeito e a satisfação deles.

217 (grifo nosso)

A escritora afirma que BÜLOW faz uso de técnicas persuasivas com a

finalidade de alcançar a adesão dos leitores. Nesta técnica, MARQUES explica

que o autor necessita se adaptar ao auditório para poder transferir melhor suas

ideias, e foi o que BÜLOW fez. O alemão fez uso de premissas já aceitas, como

os direitos e deveres de todos os cidadãos e acomodou estes conceitos ao

processo. Muito simples: o juiz deve solucionar o litígio e as partes devem

colaborar com a justiça. Tudo soou muito bem e bonito.218

Então a autora

conclui:

Dessa forma, para que os argumentos sejam aceitos, é necessário observar tudo o que o auditório admite, mesmo o

que se não tem nenhuma intenção de usar, mas que poderia

vir opor-se à argumentação, uma vez que a força do argumento se deve em grande parte à sua possível resistência

às objeções.219

(grifo nosso)

Desta forma, Allana Campos MARQUES apresenta sua concepção e

entendimento dos motivos que levaram a Teoria da Relação Jurídica Processual

de Oskar Von BÜLOW a ser tão bem difundida e aceitas pela comunidade

jurídica ocidental. Evidente, que com todos os argumentos apresentados neste

217 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 182.

218 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 182-183.

219 MARQUES, Allana Campos. A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a

partir de James Goldschmidt in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica à

Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 183.

Page 87: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

86

subcapítulo, não se deseja retirar o mérito e a plausibilidade dos escritos de

BÜLOW. Desde o início, procurou-se deixar claro o respeito e reverência que

os processualistas, de Adolf WACH a James GOLDSCHMIDT, possuem para

com a coragem e o caráter evolucionista e vanguardista de Oskar Von BÜLOW.

Porém, toda teoria, uma vez publicada, está sujeita a críticas e consequentes

evoluções, e este é o único sentido e intenção de tais anotações.

2.2 A Teoria da Situação Jurídica de James GOLDSCHMIDT e a

Navegação do Processo na Epistemologia da Incerteza de Aury LOPES JR.

Como demonstrado, James GOLDSCHMIDT foi o principal opositor e

crítico de Oskar Von BÜLOW e sua teoria da relação jurídica processual.

Contudo, não foram apenas críticas que GOLDSCHMIDT realizou. Em suas

principais obras, Prozess als Rechtslage‖220

e Teoria General del Proceso221

,

após as severas críticas à teoria dominante, o autor elaborou uma ampla e

contundente doutrina acerca da natureza jurídica do processo. Esta doutrina,

viria a se chamar Teoria da Situação Jurídica.

Para se fazer compreender, GOLDSCHMIDT optou por iniciar seus

trabalhos pela finalidade do processo. Para tanto, necessitava, outra vez,

quebrar os dogmas da principal teoria vigente, a teoria da exigência de proteção

220 Processo como Situação Jurídica – Tradução do próprio James GOLDSCHMIDT. 221 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961.

Page 88: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

87

jurídica222

. Esta teoria, foi elaborada por Adolf WACH em seu trabalho

Handbuch des Deutschen Zivilprozessrechts223

, e ao ser confrontada por

GOLDSCHMIDT deu lugar aos conceitos de derecho justicial material e a tese

de que a finalidade do processo é a obtenção da coisa julgada.

Adolf WACH entende que o processo é a forma legalmente regrada para

aplicação do direito privado pelo Estado. Os órgãos que cumprem esta função

são os tribunais. Desta forma, a tutela jurídica que estes tribunais concedem,

nada mais é que a aplicação do direito privado, e, logo, o processo civil é a

forma em que os tribunais transformam o direito objetivo privado em realidade.

A finalidade de tornar real este direito, tem relação com a própria subordinação

deste e visa tutelar os interesses jurídicos privados.224

El ordenamiento procesal es un ordenamiento de la tutela

jurídica y, como tal, una figura secundaria, un medio para

lograr el fin que es probar la eficacia del derecho privado.

Para que el derecho no solamente exista, sino rija, debe existir el proceso. Mediante el proceso, el Estado hace valer

el derecho frente a la conducta que está en pugna con éste y

lo hace mediante la coerción, para someter esa conducta a la persecución judicial, mediante la declaración judicial

autoritativa que se expresa en la sentencia.225

Portanto, para WACH, o processo é o ordenamento de uma tutela

jurídica, ―su misión no es crear derecho objetivo, sino satisfacer las exigencias

222 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 27

223 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977.

224 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 22. 225 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 22.

Page 89: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

88

del derecho‖226

. Ou seja, a exigência de proteção jurídica para o autor é de

índole totalmente processual.

Entretanto, GOLDSCHMIDT critica esta posição e afirma que ao invés

de possuir uma índole processual e pública, a exigência de proteção jurídica

está regrada no âmbito do derecho justicial material. Para o autor, ―este no es

otra cosa sino el Derecho privado considerado y completado dede un punto de

vista jurídico-público. Detrás de cada precepto del Derecho privado se

encuentra su proyección en el Derecho justicial material‖227

.

Detrás de quase todos os direitos subjetivos privados, encontram-se suas

respectivas ações. Porém, em alguns casos, pode ocorrer de haver direito sem

ação ou mesmo ações sem direito. Nestes casos, os preceitos legais que hão de

regular, manifestar-se-ão através da existência do Derecho justicial material de

um modo imediato e simples.228

No direito romano, o direito privado e o Derecho justicial material se

coincidiam, uma vez que fora da ação não havia direito. GOLDSCHMIDT

afirma que esta distinção iniciou por WINDSCHEID229

, mas se encerrou com o

reconhecimento do caráter público da ação e sua equivalência com a exigência

de proteção jurídica.230

O autor explica:

226 WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-America, 1977, p. 24.

227 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 29.

228 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 29.

229 La actio del Derecho civil romano, 1985 apud GOLDSCHMIDT, James. Principios

Generales del Proceso: Teoria General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-América, S.A. 1961, p. 32. 230 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 32.

Page 90: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

89 Sin embargo, aun se encuentran, por un lado

construcciones de la acción que desconoce su carácter

público y, por otro, objeciones contra el concepto de la

exigencia de protección jurídica, que establecen la imposibilidad procesal de una exigencia de sentencia de

determinado contenido y del deber estatal de otorgala. Claro

está que la base pública del proceso es sólo la exigencia abstracta del ciudadano de que el Estado administre

justicia.231

Com isso, fica claro que a crítica de GOLDSCHMIDT à WACH

consiste no caráter processual atribuído à exigência de proteção jurídica. Esta

não é um direito menos material que aquele que a mesma protege. Para o

crítico, quem desejar excluir a hipótese de haver direitos fora de uma sentença

de fundo, teria evidentemente, que negar a própria existência de direitos

materiais objetivos e em consequência, confundiria a existência com a

evidência de direitos232

. Nesse sentido, conclui GOLDSCHMIDT:

Pero, evidentemente, el enfoque que prescinde de lo que

llegará a ser un derecho en el proceso, no es procesal. La concepción procesal requiere, generalmente, como más

adelante veremos, otras categorías. Por eso tampoco es

procesal la base de la doctrina según la cual la exigencia de

protección jurídica o de la acción es un derecho potestativo (constitutivo) que se ejercita en el proceso, porque cada

sentencia absolutoria la refutaria.

[...] La teoría según la cual la acción no vincula sino por medio

de la sentencia, parte de un enfoque romanístico y, por

consiguiente, civilístico de la acción, dándole una dirección contra el demandado y atribuyéndole como contenido,

231 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 35. 232 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 33-34.

Page 91: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

90 después del condemnari oportere, un iudicatum facere

oportere.233

A desconstrução de exigência de proteção do direito processual, e sua

aceitação em um Derecho justicial material, retoma a necessidade da inserção

de novas categorias jurídicas a explicar os complexos fenômenos processuais.

Não se deve colocar o processo em dependência com o direito material para

conseguir efetivar uma conexão com o seu objeto (que inexiste na relação

jurídica processual). Muito pelo contrário, somente através da total

independência do direito processual é que se poderá constatar a pressão e a ação

exercida no direito material. Direito material este, que é o objeto do processo.234

Para GOLDSCHMIDT, na busca da finalidade processual, deve-se

compreender o conceito de processo. Porém, não aquele conceito metafísico

que Adolf WACH sugeriu235

, mas sim um conceito empírico visando sua

realidade. Explica GOLDSCHMIDT:

El proceso es el procedimiento cuyo fin es la

constitución de la cosa juzgada, es decir, del efecto de

que la pretensión del actor valga en el porvenir ante los

tribunales como jurídicamente fundada o no fundada.

[...]. La cosa juzgada tiene el efecto de que lo que fue

concedido por sentencia firme no puede impugnarse ya,

233 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 34-35.

234 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 37

235 Acerca da característica metafisica do processo, Adolf WACH reserva uma nota de rodapé

para buscar uma explicação desta conceituação. A nota é muito importante e de tem

fundamental validade para a compreensão das características de uma sentença. Na versão em

espanhol, que é a utilizada para este trabalho acadêmico, a referida nota ocupa 2 páginas praticamente completas e está localizada nas páginas 26, 27 e 28. Na versão original do livro, a

nota está na página 7. Em ambas as edições a numeração da nota é 7.

Page 92: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

91

y de que lo que fue denegado por sentencia firme no

se puede hacer valer de nuevo.

Em vista disso, deve-se compreender que a finalidade do processo não é

a exigência de uma proteção jurídica do Estado, mas sim a busca pela

constituição da coisa julgada. Na concepção de WACH, o direito processual

acaba por ficar atrelado ao direito material e sua própria garantia de segurança

jurídica. Já na concepção de James GOLDSCHMIDT a busca é pela exigência

de uma garantia formal, com força de lei236

sobre o objeto do processo, que é o

direito material.

Para WACH, a análise é feita com vistas em um fim ideal, já para

GOLDSCHMIDT a análise é realizada segundo o sentido real do processo.

GOLDSCHMIDT explica que ―al buscar el fin del proceso, hay que partir de

su concepto empírico, investigar el fin, que en cada proceso se alcanza‖237

. E

este fim não pode ser outro, senão o encerramento do conflito. Este

encerramento também não pode ocorrer de outra forma, senão pela força

vinculatória da coisa julgada.

Superadas as objeções quanto a finalidade do processo, James

GOLDSCHMIDT continua a desenvolver sua tese com a apresentação da

natureza das normas jurídicas. Para o autor, estas possuem uma dupla natureza.

236 Deve-se ter muito cuidado ao compreender a expressão ―força de lei‖ neste caso. Não se

deseja ampliar este vocábulo a determinada teoria existente de que a sentença tem caráter de lex

specialis. Os seguidores desta teoria pretendem conceber uma base científica com fundamento

no libre arbítrio do juiz e que este, ao proferir a sentença estaria preenchendo lacunas existentes

na legislação de direito material. Muito pelo contrário, o termo ―força de lei‖ se refere a uma

vinculação que a coisa julgada cria e que seria semelhante à característica imperativa que a lei

exerce sobre os cidadãos de um Estado. 237 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 39.

Page 93: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

92

Se por um lado representam imperativos aos cidadãos, por outro, e aqui

atinge um ponto fundamental da teoria, são medidas para o juízo do juiz. Sua

primeira função é exercida extrajudicialmente, e por isto considerada estática ou

material. Já a segunda, a concepção dinâmica, se desenvolve durante o processo

e necessita de categorias processuais, novas e adequadas, para ser

compreendida.238

A teoria dos imperativos foi criticada por vários autores, porém,

GOLDSCHMIDT as rebateu e ratificou seu credo:

Quien pretenda refutar la teoría de los imperativos invocando la estructura de muchas normas, confunde

contenido y forma. Tampoco tiene fundamento el reproche de

que la teoría de los imperativos se deja llevar por el mandamiento del legislador (ita ius esto) que promulga la

ley; la vigencia de ésta no es parte integrande de la norma.

Finalmente se ha negado que [...] pueda explicar la esencia

del Derecho subjetivo, puesto que éste, segun ella, no es sino el “reflejo” de un imperativo. Es verdad que hay deberes

jurídicos sin que frente a ellos existan derechos subjetivos

correspondientes. Pero no exite Derecho subjetivo al cual no corresponda un deber, porque derechos subjetivos

únicamente pueden imaginarse a base de un imperativo.239

Para o autor, analisando através da teoria dos imperativos, direito

subjetivo não é aquilo que se proíbe ou o que se permite, mas sim o poder de

tornar eficazes aqueles imperativos jurídicos. Este poder do direito subjetivo

deve ser atribuído ao próprio interessado, uma vez que o critério que o distingue

das demais normas éticas não é a sua coercibilidade, sua heteronomia ou

238 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 49 239 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 50s

Page 94: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

93

mesmo sua referência a uma conduta externa e extrajudicial, senão seu

caráter atributivo de constituir direitos.240

GOLDSCHMIDT explica que ―el fin del derecho es constituir derechos

subjetivos, su meio es establecer deberes, es decir, emitir imperativos‖241

. Ou

seja, na real natureza das normas como imperativos se baseiam os conceitos

jurídicos ―dever e direito‖. O ―dever‖ é a sujeição a um imperativo, enquanto

que o ―direito‖ é o poder sobre um imperativo.

Como citado anteriormente, as normas jurídicas não são apenas

imperativos dirigidos aos cidadãos, mas são também medidas para o juiz julgar

suas condutas. GOLDSCHMIDT pontua que ―es evidetne que también los que

han de someterse a la ley pueden juzgar según ella sus acciones y

relaciones‖242

. Porém, nestes casos não estarão fazendo mais que adiantar a

função estatal do juiz.

Uma ressalva é fundamental neste momento. Não há dúvidas que o juiz

também tem nas normas, imperativos a serem seguidos. Entretanto, no

momento em que as normas servem, não mais como imperativos, mas sim

como medidas de um juízo, o juiz se veste da função Estatal de administrar

justiça. Neste ponto está uma das grandes inovações da teoria: se o direito, para

James GOLDSCHMIDT, serve como instrumento de medida para um juízo do

juiz, este não seria súdito do direito, como defende Adolf WACH243

, mas sim

240 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 51

241 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 51

242 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 54 243 [...] se yerra si se piensa que el juez crea derecho por ser nueva la norma individual que se

ha de aplicar, y que se obtiene por labor de combinación. Cuando el juez aplica la norma

Page 95: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

94

soberano a este.244

GOLDSCHMIDT faz uma metáfora com o pedreiro que constrói um

muro: a norma jurídica é ―instrumento mediante el cual el juez juzga del mismo

modo que el albañil se sirve de la plomada para enderezar el muro‖245

. Ou seja,

o juiz acaba, de certa forma, por moldar ou até mesmo criar direito. O autor

complementa:

De ahí que, según la opinión que concibe el derecho como

medida para el arbtirio judicial, el juez mismo no puede ser

sujeto u objeto de ligamenes jurídicos. Conforme a ese

concreta al hecho-tipo, también toma esa norma del derecho objetivo, que no consiste en

principios aislados e inconexos sino en la combinación y unidad de esos principios. Por lo

tanto, la actividad del juez consiste en una a menudo muy complicada labor de intérprete, combinada con la subsunción concreta, la conclusión dedutiva y la declaración arbitral, pero

no es nunca legislativa.

[Nota ao texto]

La lei es la voluntad que lo domina, y no una voluntad que es dominada por él. La voluntad que

coadyuva a concretar el ordenamiento jurídico está contrapuesta a la voluntad legislativa y el

poder dispositivo que se le ha asignado debe entenderse como un poder cualitativamente

distinto, que solamente ejecuta. En nuestros tiempos [meados e final do século XIX e início do

século XX] se ha ocupado detalladamente de esta normación jurídica concreta Bülow, [...]

concordando substancialmente, según creo, con lo dicho y con lo que ha sido hasta ahora la

opinión general. Non deben llevarnos a engaño ciertas espresiones que parecian discrepar de

esta opinión y suponer que el juez o el particular tuvieran una especie de poder legislativo

derivado. Asi por ejemplo, cuando Bülow habla, como muchos otros, de la sentencia como lex specialis, cuando relaciona con el juez el proverbio: “la autoridad es un derecho vivo, la ley

una autoridad muda”, o cuando entiende la volición del particular o del juez , que ayuda a

generar la relación jurídica concreta, como un órgano auxiliar autorizado del derecho objetivo.

El derecho objetivo no es complementado o desarrollado en una “norma jurídica concreta”, ni

se expresa tampoco en la voluntad del juez o del particular una potencia nomotética que le es

ínsita y reconocida por la legislación, sino que el derecoh existente se aplica al caso por él

previsto , sea produciendo un supuesto de hecho, sea subsumiendo ese supuesto, mediante un

juicio, bajo la ley. [...] (WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires:

Ediciones Jurídicas Europa-America, 1977. p. 25-26)

244 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 54 245 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 54

Page 96: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

95 criterio el juez se halla por encima y, por lo tanto, fuera

del derecho; la jurisdicción es, como hemos visto

anteriormente, “metajurídica”. Semejante afirmación no ha

de entender erróneamente. Evidentemente no quiere significarse con ello el absurdo principio: iudex legibus

solutus. El juez se vincula por el derecho, porque es juez, es

decir porque la aplicación del derecho es su ofício. [...]

Para la consideración de que tratamos, el decir que el juez

no puede se sujeto u objeto de ligámenes jurídicos, estriba en

que, según ella, representa el poder soberano, cuya existencia y actividad es, ni más ni menos, condición para

que se produzcan nexos jurídicos.246

A partir das considerações do direito como instrumento de juízo do juiz,

e da função que o juiz desempenha no processo, deduz-se os nexos jurídicos e

os laços processuais247

das partes. A natureza das normas jurídicas como

medida do juízo do juiz, resulta para as partes, promessas ou ameaças de

determinada conduta deste juiz. Conduta esta, de conteúdo determinado e com

efeito juridicamente fundado na pretensão de cada individuo no processo.

GOLDSCHMIDT declara que ―los nexos jurídicos de los individuos que

se constituyen correlativamente, son expectativas de uma sentencia favorable o

perspectivas de una sentencia desfavorable‖248

. Porém, antes da sentença existe

um processo, e para o autor, o processo é como uma luta pelo direito. Por isso

246 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 55-56

247 Importante frisar que estes laços processuais das partes são de cada parte para com o

processo e não entre as partes. Quando falamos de laços das partes com o processo, indicamos

as categorias implementadas por James GOLDSCHMIDT a natureza jurídica do processo. Caso

falássemos de laço entre as partes, estaríamos caindo em grave equívoco, pois estaríamos

retomando a existência de uma relação entre as partes no processo. Relação esta abominada

pela teoria da Situação Jurídica de GOLDSCHMIDT e que é objeto deste capítulo. 248 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 57. (grifo nosso).

Page 97: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

96

as citadas expectativas de uma sentença favorável dependem, normalmente,

do sucesso de um ato processual da parte interessada. Por outro lado, as

perspectivas de uma sentença desfavorável dependem sempre da omissão de um

ato processual da parte (des)interessada.

O posicionamento com relação ao sucesso ou omissão de um ato

processual, para aumentar as referidas expectativas ou perspectivas, se dão ao

extremo em um processo de partes. Em um processo inquisitivo, onde o juiz é

dotado de iniciativa probatória, estas categorias acabam por não depender

apenas dos indivíduos. Porém, quanto mais democrático e assemelhado a um

perfeito processo de partes for, onde a iniciativa probatória e a produção de

material processual depende somente destas partes, mais haverá a necessidade

de disposição para obter sucesso em seus atos processuais.

Com relação aos atos e o sucesso ou omissão destes, o autor leciona:

Ahora bien, la parte que se encuentra en situación de

proporcionarse mediante un acto una ventaja procesal, y en definitiva, una sentencia favorable, tiene una posibilidad u

ocasión procesal249

. [...] Por el contrario, cuando la parte

tiene que ejecutar un acto para prevenir un perjuicio procesal, y en definitiva una sentencia desfavorable, le

incumbe una carga procesal250

. (grifo do autor)251

249 O autor cita vários exemplos de possibilidades e ocasiões processuais. A começar pela

possibilidade de fundamentar a demanda, de propor ou produzir provas, espcialmente de

apresentar documentos, de replicar, de contestar a demanda, ou até mesmo a possibilidade

propor exceções dilatórias ou peremptórias, etc. (GOLDSCHMIDT, James. Principios

Generales del Proceso: Teoria General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas

Europa-América, S.A. 1961. p. 58)

250 Como exemplos de cargas processuais, o autor cita a necessidade de comparecer ao

processo para que não seja declarado em revelia, a carga do demandado de contestar a demanda

ou de produzir provas contrárias a do autor. (GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales

del Proceso: Teoria General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-

América, S.A. 1961. p. 58)

Page 98: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

97

Excepcionalmente a lei pode dispensar a parte de liberar uma carga. Tais

casos ocorrem v. g. quando o juiz se declara incompetente de ofício. Porém,

regra geral este tipo de dispensa se da pelas presunções legais, onde a própria

lei estabelece a dispensa da produção de provas pela parte favorecida. Vide

exemplo o direito do réu no processo penal de permanecer calado.

GOLDSCHMIDT afirma que existem direitos, somente, em sentido

processual. Estes direitos são formados por três categorias: As expectativas de

uma sentença favorável, a dispensa de uma carga processual, e a possibilidade

de sucesso ao realizar um ato processual. O autor adverte que ―en realidad, no

se trata de derechos propiamente dichos, sino situaciones que podrían

denominarse con la palabra francesa: chances252

‖ (grifo do autor)253

.

Portanto, frente a uma chance, a parte tem possibilidade de se livrar de

uma carga processual e ir em direção a uma sentença favorável, ou não

aproveitar a chance e seguir rumo a uma sentença desfavorável.254

Estas três classes de direitos processuais podem ser comparadas às três

classes fundamenais de direitos materiais: As expectativas de uma vantagem

251 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 58-59

252 Aury LOPES JR. traz algumas definições para esta palavra francesa: ―1. Maneira favorável

ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz (álea, acaso); potência que preside

o sucesso ou insucesso, dentro de uma circunstância (fortuna, sorte. 2. Possibilidade de se

produzir por acaso (eventualidade, probabilidade). 3. Acaso feliz, sorte favorável (felicidade,

fortua. Na definição do dicionário Le Petit Robert, Paris: Dictionnaires Le Robert, 2000, p. 383

(tradução nossa).‖ (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade

Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 42)

253 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 59 254 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 42

Page 99: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

98

processual, igualam-se aos direitos relativos, uma vez que há a necessidade

de um juiz as satisfazer. As dispensas de cargas processuais são comparados aos

direitos absolutos, devido a estes estarem a salvo de qualquer prejuízo. E as

possibilidades de sucesso ao realizar um ato processual, estariam equiparadas

com os direitos potestativos ou constitutivos. Por outro lado, a carga processual,

que tem a finalidade de prevenir um prejuízo ou uma sentença desfavorável,

poderia ser comparada com o conceito material de obrigação ou dever.255

Importante compreender que todos os direitos processuais estão em uma

relação causal com um ato processual. A finalidade deste ato processual é

evidenciar um fato ou a produção de uma prova. O autor explica que ―todos los

derechos procesales se encuentran en una relación de espera con una

resolucion judicial, regularmente con la sentencia‖256

. As situações jurídicas da

concepção processual, não são meios para um fim, mas sim objetos

substantivos para o julgamento. Desta forma, entende-se que os direitos

processuais não são nada além de, nas palavras de GOLDSCHMIDT,

prognósticos de causalidade. São expectativas de influências da causa sobre o

efeito.257

Outra das características dos direitos processuais é sua análise como

possibilidades processuais. Neste caso, a diferença destas possibilidades para

com os direitos potestativos é que enquanto estes tem como objeto a

constituição de relações, aqueles tem como finalidade a constituição de

255 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 59-60.

256 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 72. 257 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 72.

Page 100: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

99

situações jurídicas. Além de que, estes são meios para formulação de um

negócio jurídico, enquanto que aqueles são meio para atos processuais.258

O

autor completa:

[...] el pleitar no envuelve una disposición del derecho, sino

ni siquiera de la acción. En efecto, el incoar un proceso

puede y, en todo caso, según la intención dela parte, ha de

conducir al logro de ventajas jurídicas. Frente a eso no importa que, en caso de un resultado desfavorable, el

pleitear equivalga a una disposición del derecho. El hecho de

que las posibilidades procesales no se efectúen mediante negocios jurídicos, es decir, mediante declaraciones de

voluntad, explica que la demanda no ejerza un derecho

potesativo a pedir justicia, aunque, no obstante, aprovecha la

posibilidad de constituir la expectativa de audiencia (de ser oido).

259

Para GOLDSCHMIDT os direitos processuais não podem ser

considerados de índole pública. A divisão entre direito público e privado se

baseia no conceito de relação jurídica, que é uma visão estática do direito,

portanto não pode ser concebida através de um processo através de uma

concepção dinâmica do direito. Ao direito público pertence somente o

fundamento do processo.260

Para o autor, uma das questões mais importantes do princípio dispositivo

do Direito Processual, é a possibilidade das partes de renunciar a estes direitos.

Porém, para que haja esta renúncia, não é necessário que ocorra uma declaração

258 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 75.

259 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 75-76. 260 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 76.

Page 101: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

100

de vontade da parte de que deseja renunciar. Neste ponto, é fundamental

compreender que a renúncia pode se dar apenas com o não aproveitamento,

com o desperdício, de uma possibilidade processual ou uma chance.261

Consequentemente a este desperdício de uma chance, resulta que os

direitos processuais se extinguem pela falta de uso. O autor exemplifica: ―[...]

cuando se reduce el Derecho justicial material de la acción a la posibilidad

procesal correspondiente, la extinción de esta posibilidad procesal por desuso

es la única forma en la cual se extinguen las obligaciones por el lapso de

tiempo‖.262

A antítese de direito processual é a carga processual. Uma carga

processual é a necessidade de realização de um ato processual com a finalidade

de prevenir um prejuízo processual ou, até mesmo, uma sentença desfavorável.

Para GOLDSHMIDT, ―Estas cargas son imperativos del propio interés. En eso

se distinguen de los deberes, que siempre representan imperativos impuestos

por el interés de un tercero o de la comunidad‖263

.

Com uma visão exclusivamente processual, a carga é um imperativo do

próprio interesse da parte, um imperativo que se manifesta por meio de uma

ameaça de uma sentença desfavorável. Isto se justifica a partir de uma visão do

processo como uma luta, pois é a luta das partes que integra a essência do

pleito. Em uma luta, para que se possa ter exito se faz necessário utilizar meios

de ataques e meios de defesa. A consequência de um descuido é sofrer um golpe

261 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 80-81.

262 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 82. 263 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 91.

Page 102: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

101

ou, no processo, a piora de sua situação jurídica processual. Ou seja, o

aumento da perspectiva de uma sentença desfavorável.264

Por isto, GOLDSCHMIDT frisa que ―a los litigantes como tales, no les

incumbe en el proceso en general nigún deber, ninguna obligación. Hay una

carga, no un deber de fundamentar la demanda, de probar, de comparecer, de

contestar‖265

. Desta forma, como a carga é um imperativo do próprio interesse

da parte, não existe em contrapartida um direito do adversário ou do próprio

Estado. Muito pelo contrário, nada melhor para o adversário do que a não

liberação de cargas pela parte contrária. Enquanto que para um, aumentam as

expectativas de uma sentença favorável, para outro, aumentam as perspectivas

de uma sentença desfavorável.266

Neste ponto se encontra, em paralelo aos direitos processuais, a

compreensão de que não existem obrigações. O que existe é uma relação

estreita entre as cargas e as possibilidades processuais. Para o autor: ―cada

posibilidad impone a la parte la carga de aprovechar la posibilidad al objeto

de prevenir su pérdida. Puede establecerse el principio: la ocasión obliga o,

más bien, impone una carga, y la más grave culpa contra sí mismo es desijar

pasar la ocasión‖267

. Em uma análise mais profunda, o autor afirma que este

princípio não possui apenas um valor no processo, mas também na vida.268

264 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 92.

265 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 92.

266 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 93.

267 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 93. 268 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 93-94.

Page 103: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

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Conclui GOLDSCHMIDT, a respeito da necessidade de liberação de cargas:

La esencia del proceso como lucha de las partes y el peligro

en que, por lo mesmo, se encuentra su situación jurídica, imponen a ellas la carga de una actividad aun cuando el acto

requerido no prometa una ventaja con certidumbre bastante,

es decir, aun cuando no sea el aprovechamiento de una posibilidad procesal.

269

Porém, a despeito da necessidade e importância do aproveitamento de

chances para realizar liberações de cargas, as vezes, é de maior interesse da

parte silenciar a cometer uma declaração desfavorável. Ao invés de uma ação,

uma omissão pode ser muito mais proveitosa em determinados casos. Neste

ponto, vale o princípio: si tacuisses (apenas silencie).270

O ato de não liberação de uma carga se chama rebeldia. Para

GOLDSCHMIDT, a rebeldia do demandado é um mero descuido de uma carga.

A consequência geral da rebeldia é a preclusão e está sempre acompanhada da

não liberação de uma carga, que coincide com o não aproveitamento de uma

oportunidade ou chance.271

O grande lance, realizado por James GOLDSCHMIDT, foi a inserção de

novas categorias processuais. Estas categorias, aos poucos, foram sendo

admitidas pela maioria dos processualistas. Inicia-se por Niceto ALCALA-

ZAMORA Y CASTILLO, que comenta a inserção das novas categorias

processuais por GOLDSCHMIDT:

269 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 94.

270 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas E95opa-América, S.A. 1961, p. 75. 271 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 98-100

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103

Como se ve, una de las características más acusadas de la teoria de GOLDSCHMIDT es la de estar construída con

nuevas categorias jurídicas: los derechos y obrigaciones,

inherentes a la idea de relacion jurídica, se reputan

inadequados o incompatibles con el mecanismo del proceso, y en su reemplazo, como integrantes de la situacion jurídica,

entran em juego expectativas, posibilidades, cargas y

liberaciones de cargas. 272

Essas novas categorias devem sempre ser analisadas através de suas

possibilidades e dependência de atitude e vontade das partes. Aury LOPES JR.

explica as possibilidades, chances processuais e a inexistência de obrigações :

[...] sempre que as partes estiverem em situação de obter, por meio de um ato, uma vantagem processual e, em última

análise, uma sentença favorável, têm uma possibilidade ou

chance processual. O produzir uma prova, refutar uma alegação, juntar um documento no devido momento são

típicos casos de aproveitamento de chances.

Tampouco incumbem às partes obrigações, mas sim cargas

processuais, entendidas como a realização de atos com a finalidade de prevenir um prejuízo processual e,

consequentemente, uma sentença desfavorável. Tais atos se

traduzem, essencialmente, na prova de suas afirmações. (grifo do autor)

273

Enrico Tullio LIEBMAN, na Itália, foi o principal baluarte de apoio e

disseminação da doutrina Goldschmidtianas274

. Foi ele, por sua amizade, quem

272 ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, Autocompisición y Autodefensa:

Conbritución al Estudio de Los Fines del Proceso. 3ª ed. Cidade do México: Universidad

Nacional Autónoma de México. 2000. p. 128.

273 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 42

274 Enrico Tullio LIEBMAN realmente foi um dos grandes apoiadores da doutrina de James

Page 105: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

104

aproximou Piero CALAMANDREI de uma aceitação da teoria da situação

jurídica275

. O italiano caracteriza as novas categorias de GOLDSCHMIDT da

seguinte forma:

La situazione giuridia consiste propriamente nell'insieme di

speranze e prospettive delle parti relativamente alla sentenza

futura; [...] le prospettive in cui consiste la situazione

giuridica sono collegate alla possibilità di produrre <evidenza> per mezzo degli atti processuali; e infine le

posizioni soggettive che compongono la situazione giuridica

(diritti e oneri processuali) hanno per contenuto le varie situazioni di vantaggio o di svantaggio in cui le parti

possono trovarsi con riguardo alla speranza di ottenere una

sentenza favorevole, secondo che attribuiscono l'aspettativa

di un vantaggio processuale o la possibilità di conseguilo con un atto proprio, o viceversa costringano a comportarsi in

un determinato modo se si voglia evitare uno svantaggio

processuale.276

GOLDSCHMIDT, porém, em 1951, em seu artigo ―La obra científica de James Goldschmidt y

la teoria de la relación jurídica‖, publicado em 1951 pela Revista de Derecho Procesal

argentina, e trazida a esta obra cadêmica pelo texto original, em uma republicação na obra do

próprio autor, rechaça a teoria da situação jurídica e reitera sua fidelidade a teoria da relação

jurídica processual. ―Posto il problema in questi termini, diventa possibile prendere posizione di

fronte ad esso: e la preferenza dovrà essere per la teoria del rapporto, non per quella della

situazione‖. (Posto o problema nestes termos, torna-se possível tomar uma posição: e a

preferência será pela teoria da relação, e não por aquela da situação.) (Tradução Livre)

(LIEBMAN, Enrico Tullio. Problemi del Processo Civile. Milão: Morano Editore. 1962. p.140) 275 A questão de Piero CALAMANDREI e sua divergência, e posterior reconhecimento da

doutrina de James GOLDSCHMIDT, será foco de análise no final deste e início do próximo

capítulo.

276 A situação jurídica consiste propriamente na esperança e perspectiva da parte a uma

sentença futura; esta perspectiva na qual consiste a situação jurídica está relacionada a uma

possibilidade de produzir <evidenciar> por meio de um ato processual; e finalmente a posição

subjetiva da situação jurídica (direito e encargo processual) tem por conteúdo as várias

situações de vantagem e de desvantagem em que a parte possa encontrar com relação a

esperança de obter uma sentença favorável, conforme se da a expectativa de uma vantagem

processual ou a possibilidade de conseguir com um ato próprio, ou vice-versa, obriga a parte a

se comportar de um determinado modo a se desejar evitar uma desvantagem processual. (Tradução Livre) (LIEBMAN, Enrico Tullio. Problemi del Processo Civile. Milão: Morano

Editore. 1962. p.137-138)

Page 106: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

105

Niceto ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO também contribui nas

definições das novas categorias processuais:

Las expectativas se refieren a la obtención de una ventaja

procesal y, en definitiva, de una sentencia favorable; su

contrafigura son las perspectivas de una sentencia

desfavorable. A su vez, la parte que puede proporcionarse mediante un acto una ventaja procesal, tiene una posibilidad

u ocasión procesal, mientras que si tiene que realizar un acto

para prevenir un perjuicio procesal, le incumbe una carga procesal, de las que a veces libera a ley.

277

Porém, é fundamental fazer uma ressalva específica no que tange ao

processo penal. Neste ramo processual, uma vez que embasado num processo

acusatório e democrático, a carga da prova está inteiramente nas mãos do

acusador. Primeiro, porque é este que inicia a demanda com o oferecimento da

denúncia (ou queixa-crime), e segundo porque o réu está inteiramente blindado

pela presunção de inocência. Seria um grave equívoco pensarmos em uma

―distribuição‖ das cargas probatórias no processo penal. A carga probatória está

totalmente nos ombros do Ministério Público (ou do querelante).278

Contudo, como já visto anteriormente, estas novas categorias não

inibem o conceito tradicional de relação jurídica material. Elas não estão

submetidas e nem mesmo são imperativos ou poderes sobre a relação jurídica.

O sucesso ou insucesso dos atos processuais no aproveitamento das chances

277 ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, Autocompisición y Autodefensa:

Conbritución al Estudio de Los Fines del Proceso. 3ª ed. Cidade do México: Universidad

Nacional Autónoma de México. 2000. p. 128 278 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 42

Page 107: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

106

criam expectativas de uma sentença favorável ou perspectivas de uma

sentença desfavorável. Uma análise mais profunda permite perceber que, na

realidade, são situações jurídicas das partes com relação ao objeto do processo.

Nas palavras de James GOLDSCHMIDT, a situação jurídica é o ―estado

de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial que se espera

con arreglo a las normas jurídicas‖279

. Cada ato processual aumenta ou diminui

a chance das partes de obter uma sentença a seu favor. Quando uma parte

aproveita um chance ela aumenta a sua expectativa de obter uma sentença de

fundo favorável ao que está pleiteando. O inverso ocorre com a parte contrária.

No momento em que o adversário obtém sucesso na liberação de uma carga,

verbi gratia produz uma prova substanciosa, as chances da parte obter uma

sentença de fundo, com resultado favorável, diminuem. Veja-se figura

ilustrativa (Figura 4):

279 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 62

Page 108: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

107

O gráfico acima demonstra o funcionamento do processo de acordo com

a Teoria da Situação Jurídica. O objeto do processo, que é o que será definido

na sentença de fundo se move de acordo com cada ato processual executado

pelas partes. Verbi gratia a Parte A consegue produzir uma prova contundente a

favor de sua tese (liberação de carga), logo criará uma carga para a Parte B e

aumentará suas expectativas por uma sentença favorável e diminuirá as

perspectivas de uma sentença desfavorável (Figura 5).

Figura 4 - Gráfico da Teoria da Situação Jurídica de James GOLDSCHDMIDT e

suas Categorias Processuais

Page 109: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

108

Porém, caso a Parte B consiga, através de um ato processual,

demonstrar que a prova da Parte A foi produzida de maneira ilícita, ela

aumentará suas expectativas por uma sentença favorável e diminuirá as

perspectivas de uma sentença desfavorável (Figura 6). Desta forma criará uma

nova situação jurídica processual movendo o objeto do processo para mais

perto de si com relação a situação jurídica processual antiga.

Figura 5 - Parte A elabora um Ato Processual

Page 110: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

109

Desta maneira, percebe-se a dinamicidade da Teoria da Situação Jurídica

de James GOLDSCHMIDT. A cada ato processual, a cada procedimento cria-se

uma nova situação jurídica no processo. O objeto do processo está em constante

movimento, ora mais próximo de uma parte, ora mais próximo da outra. Já a

Teoria da Relação Jurídica de Oskar Von BÜLOW / Adolf WACH é estática,

pois, devido as suas categorias e finalidade processual, ela fica atrelada ao

direito material e sua concepção de segurança jurídica. A seguir seguem dois

gráficos: O primeiro (Figura 7) demonstra a Teoria da Situação Jurídica e o

segundo (Figura 8) demonstra a Teoria da Relação Jurídica, ambos durante o

desenrolar de um processo.

Figura 6 - Parte B elabora um Ato Processual

Page 111: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

110

Figura 7 - As Diversas Situações Jurídicas em um Processo

Page 112: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

111

Ao analisar os dois gráficos acima identifica-se a dinamicidade de uma

das teorias e a qualidade de estática da outra. Oskar Von BÜLOW alega que a

Relação Jurídica Processual é dinâmica, pois está em constante movimento e

transformação280

, porém, está teoria somente pode se considerar dinâmica, no

que tange a uma série de atos que possuem uma simples marcha procedimental,

lógica e evolutiva. O objeto do processo jamais se modifica nesta concepção. O

objeto do processo, em realidade, nem é percebido na teoria da relação jurídica.

Para além desta consideração estática do processo, James

GOLDSCHMIDT difere o estado do objeto do processo antes e durante o

280 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN, 2005, p. 7.

Figura 8 – O “Desenvolver” de um Processo pela Teoria da Relação Jurídica Processual

Page 113: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

112

processo. Antes do processo a relação jurídica material existente é

juridicamente estática, pois não há conflito de interesses sobre ela. Porém,

quando surge o processo, preenche-se de dinamicidade e incerteza o objeto. Nas

palavras do autor:

El modo de ver o considerar el derecho, que convierte todas las relaciones jurídicas en expectativas o perspectivas de un

fallo judicial de contenido determinado, puede llamarse una

consideración dinámica del derecho en contraste con la

consideración corriente, que es estática, porque enfoca todas las relaciones jurídicas como consecuencias jurídicamente

necesarias de hechos presupuestos como realizados. (grifo

do autor) 281

Para demonstrar o enfoque das afirmações quanto às diferenças entre as

duas concepções, James GOLDSCHMIDT realiza uma comparação perfeita ao

campo político:

Durante la paz, la relación de un Estado con sus territorios y súbditos es estática, constituye un imperio intangible. En

cuanto la guerra estalla, todo se encuentra en la punta de la

espada; los derechos más intangibles se convierten en expectativas, posibilidades y cargas, y todo derecho puede

aniquilarse como consecuencia de haber desaprovechado

una ocasión o descuidado una carga; como al contrajo, la guerra puede proporcionar al vencedor el disfrute de un

derecho que en realidad no le corresponde. Todo esto puede

afirmarse correlativamente respecto del Derecho material de

las partes y de la situación en que las mismas se encuentran con respecto a él, en cuanto ha entablado pleito sobre el

mismo.282

281 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 64-65.

282 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

Page 114: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

113

Ao equiparar o processo com uma guerra, o autor traz novas concepções

e visões com relação ao processo. Visões estas que vão desde uma expansão

necessária da doutrina acadêmica tradicional, saindo apenas do campo jurídico

e seguindo rumo aos estudos da arte da sociologia e estratégia, até concepções

que levam a entender o processo à luz da epistemologia da incerteza.

Quanto ao campo do estudo de novas doutrinas, quem se arriscaria a

afirmar que um bom conselho de Sun TZU não tem validade em um processo?

―Aquele que [...] faz pouco caso de seus oponentes, subestimando sua

capacidade, certamente será derrotado por eles‖283

. Esta afirmação do General

Chines não pode ser facilmente adaptada para um litígio judicial? Ora, não há

dúvidas de que jamais deve-se subestimar a parte contrária, seja na guerra ou

em um processo.

Se um processo é como uma guerra, estaria equivocado um cidadão se

preparar para esta guerra? ―A arte da guerra nos ensina a confiar, não na

possibilidade de o inimigo não vir, mas sim, na nossa prontidão para recebe-

lo‖284

. Não seria correto este cidadão contratar um advogado no momento que

for firmar um contrato de grande importância? Isto não poderia evitar possíveis

erros técnicos e, quiçá, um futuro processo? Ou até mesmo, no ato do

interrogatório, o indiciado estar precavido de seu advogado, para evitar falar

algo que possa o prejudicar no futuro?

Pensando em estratégia, como ignorar Nicolau MAQUIAVEL: ―Ao

examinar esses principados [relativo ao capítulo anterior de sua obra], cumpre

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 65. 283 TZU, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo: DPL. 2007, p. 107.

284 TZU, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo: DPL. 2007, p. 97.

Page 115: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

114

não esquecer outra consideração; isto é, saber se um Príncipe pode, em caso

de agressão, defender sozinho o seu estado ou se deve recorrer sempre à ajuda

alheia‖285

. Uma empresa que possui várias causas trabalhistas e, por este

motivo, contrata um escritório especializado em causas trabalhistas. Caso esta

empresa venha a enfrentar um problema com a Receita Federal, não seria o caso

de recorrer a ajuda de outro escritório especializado em direito tributário?

Uma ou mais monografias poderiam ser desenvolvidas elencando a

interdisciplinaridade destas matérias. Portanto, não existe a menor dúvida,

quanto a necessidade de traçar uma estratégia no campo processual.286

Para

tanto, como não se pode ter certeza a respeito do resultado final da sentença do

juiz, também se faz necessário compreender que o processo navega nas águas

da incerteza. Navegação esta, muito mais turbulenta, no processo penal.

Se a carga probatória, no processo penal, está totalmente na mão da

acusação, seria incorreto afirmar que a defesa possuí encargos. O que existe

nestes casos é a assunção de riscos. Aury LOPES JR desenvolve esta teoria:

O que sim podemos conceber, indo além da noção inicial de

situação jurídica, é uma assunção de riscos. Significa dizer

que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de crença, de fé,

a não produção de elementos de convicção para o julgamento

favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe

potencializando o risco de uma sentença desfavorável. Não há uma carga para a defesa, mas sim um risco. Logo,

coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a

defesa. (grifo do autor)287

285 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Jardim dos Livros. 2007. p. 15.

286 A arte de saber jogar e traçar estratégias será melhor desenvolvida no Capítulo 3. 287 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 42-43.

Page 116: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

115

Aury LOPES JR. entende que o conceito de carga está extremamente

vinculado a uma noção de unilateralidade, portanto é uma atribuição, e não uma

distribuição. No processo penal, é do acusador a atribuição de toda carga

probatória, inexistindo cargas para a defesa, e muito menos do juiz em um

processo penal embasado em um sistema acusatório e democrático.288

O autor ensina que ―a defesa assume riscos pela perda de uma chance

probatória. Assim, quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por

ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance, assume a defesa o risco

inerente à perda de uma chance‖289

. No momento que qualquer parte perde uma

chance processual, aumenta o risco de uma sentença desfavorável. Exemplo

disto é o princípio do nemo tenetur se detegere. Ao exercer o direito ao silêncio,

o réu não gera um prejuízo processual, pois inexiste carga. Porém, ocorre o

extravio de uma chance, logo, eleva-se a perspectiva de uma sentença

desfavorável.290

Conclui Aury LOPES JR.:

Não há uma carga para a defesa exatamente poque não se lhe

atribui um prejuízo imediato e tampouco possui ela um dever de liberação. A questão desloca-se para a dimensão da

assunção do risco pela perda de uma chance de obter a

captura psíquica do juiz. O réu que cala assume o risco

decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese. (grifo nosso)

291

288 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 43.

289 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 43.

290 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 43.

291 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Page 117: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

116

Todas estas exposições, com relação à guerra, estratégias, riscos e

demais categorias processuais, reafirmam a idéia de que o processo navega em

um oceano de incertezas. As próprias expectativas de sentença favorável e

perspectivas de sentença desfavorável dependem diretamente do

aproveitamento de chances e liberação de cargas e mais ainda do sucesso destes

atos processuais. Em momento algum do processo, pode-se afirmar com certeza

qual será o resultado da sentença.292

LOPES JR. afirma que: ―O mundo do processo é o mundo da

instabilidade, de modo que não há que se falar em juízos de segurança, certeza e

estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade, o qual possui

riscos que lhes são inerentes‖293

.

Uma análise mais profunda, leva a crer que nem mesmo a máxima

―coisa julgada‖ é detentora de total segurança ou certeza. Aury LOPES JR.

compara a construção técnica-jurídica da coisa julgada com a matemática na

visão de Albert EINSTEIN294

e afirma que:

É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais, numa vez que construído à semelhança da

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 43.

292 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 44.

293 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 44.

294 ―Ensina EINSTEIN que 'o princípio criador reside na matemática; a sua certeza é absoluta,

enquanto se trata de matemática, abstrata, mas diminui na razão direta de sua concretização (...)

as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e, enquanto certas, não

se relacionam com a realidade'.‖ (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua

Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 44, nota de

rodapé nº. 142)

Page 118: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

117 matemática pura, enquanto o mundo do processo [...]

identifica-se com o mundo das realidades (concretização),

pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a

ordem legal. A dinâmica do processo transforma a certeza própria do

direito material na incerteza característica da atividade

processual. [...] A incerteza processual justifica-se na medida em que coexiste em iguais condições a possibilidade de o juiz

proferir uma sentença justa ou injusta.295

Dentro de um processo, o que se verifica é se o direito existe ou não,

jamais poderá se presumir o direito como certo (enfoque material). A visão do

processo como uma guerra demonstra que nem sempre quem tem razão vence,

mas sim aquele que souber lutar melhor. Aqui está a importância de elaborar

uma boa estratégia, saber aproveitar as chances, ter sucesso na liberação das

cargas, reduzir ao máximo os riscos e conseguir fazer a maior captura psíquica

possível do juiz. Se até mesmo os números são dotados de incerteza, quiçá

então um processo.

2.3 As Críticas à Teoria da Situação Jurídica e a Resposta de James

GOLDSCHMIDT

Logo após James GOLDSCHMIDT, em 1925, expor ao mundo suas

teses com relação à Natureza Jurídica do Processo, o autor sofreu severas

críticas da comunidade jurídica, caracterizada pelo ―progressismo‖, ainda

295 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 44-45.

Page 119: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

118

alvoroçado, da separação do binômio direito material e direito processual,

mas, marcada também, pelo conservadorismo de um direito – latu sensu –

estruturado, lógico e extremamente seguro.

Ao sugerir que não existem direitos e obrigações processuais, que o

processo é como uma guerra e que nem sempre o ―mocinho‖ ganha, só faltou

ser tachado de louco. O que ocorre, é que, mesmo com os ventos do

modernismo e as inovações de Albert EINSTEIN soprando no mundo ocidental,

a aceitação de categorias com caráter, até mesmo, sociológico, para a

comunidade jurídica daquela época, era algo impensável.

Seu maior crítico foi Piero CALAMANDREI. A crítica foi publicada na

Rivista di Diritto Processuale Civile em 1927 sob o título de Il processo come

situazione giuridica. Ironicamente, Piero CALAMANDREI, devido ao grande

respeito que detinha na sociedade jurídica, foi, mais tarde, aquele que deu maior

respaldo aos trabalhos de James GOLDSCHMIDT. Entretanto, o autor também

sofreu críticas de FRITZ von HIPPEL, Pietro CASTRO, KISCH, RÜMELIN,

WALSMANN, WENGER, LIEBMAN, CHIOVENDA, CARNELUTTI entre

outros. 296

De acordo com Pedro ARAGONESES ALONSO, as críticas podem ser

resumidas em seis pontos chaves: 1) Quanto a incapacidade de refutar a

inexistência de uma relação jurídica processual; 2) Quanto a destruição da

unidade do processo; 3) Quanto a confusão da realidade prática do processo

com o ―dever-ser‖ processual; 4) Quanto a inserção de um caráter patológico ao

processo; 5) Quanto a inserção de categorias sociológicas; e 6) Quanto a falta

296 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193-194.

Page 120: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

119

de ética e a desmoralização do processo.297

No Brasil, Hélio TORNAGHI realizou outras críticas, como a de o autor

ter um olhar equivocado do processo, a existência de obrigações do juiz para

com as partes e das partes entre si, e com relação à quebra total da teoria de

GOLDSCHMIDT a luz de um processo inquisitivo.298

Com isso, passa-se a

analisar todas as críticas, e as consequentes respostas de James

GOLDSCHMIDT, através da obra Principios Generales del Proceso: Teoria

General del Proceso, e demais autores.

Pedro ARAGONESES ALONSO afirma que para CALAMANDREI:

―no parece plenamente demostrada con el trabajo de GOLDSCHMIDT, la

oportunidad de arrojar de la ciencia procesal el concepto de relación jurídica

procesal para sustituirlo por el situación jurídica‖299

. Apesar do espanhol não

expor os motivos que levaram ao ―não convencimento‖, no Brasil, Hélio

TORNAGHI apresenta melhor esta resistência:

Admita-se, entretanto, que não se possa falar em direitos e

obrigações processuais, mas tão-só em possibilidades,

encargos, expectativas e dispensas. Deixará, por isso, de haver uma relação processual? De modo algum. Apenas o

conteúdo da relação será diverso.

Neste sentido, Betti: ―Admitida a possibilidade de relações jurídicas que não tenham o conteúdo de obrigações, mas só

poderes, ônus, e correlativa sujeição, não há dificuldade em

reconhecer no processo uma relação jurídica, da qual as situações processuais criadas com os vários atos nada mais

297 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193-194.

298 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 227-233. 299 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar, 1960, p. 193.

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120 são do que estádios sucessivos...‖.

300

Em citação de ROSENBERG301

, mesmo se não existisse as categorias,

de direitos e obrigações, criadas por BÜLOW, mas somente as criadas por

GOLDSCHMIDT, não existiria impedimento a ir contra a compreensão do

processo como relação jurídica. Entretanto, entende que seria demasiadamente

severo compreender a relação jurídica processual apenas como a união de

direitos e deveres. Realiza comparação com o cunhadio, que mesmo não

contendo direitos e deveres, segue sendo uma relação.302

Prossegue afirmando que a concepção de relação jurídica não instiga,

obrigatoriamente, atribuir a natureza de negócio jurídicos aos atos processuais.

Isto não ocorre, porque no direito civil não são apenas os negócios jurídicos que

fundamental ou transformam a relação jurídica. Para o alemão, ―o processo

como um todo é uma relação jurídica, as fases insuladas do procedimento são

situações jurídicas‖.303

Para Adolf SCHÖNKE:

[...] hoje é inegável que as partes têm no processo toda uma

série de deveres e, portanto, sob esse aspecto, não podem fazer-se objeções a que o conjunto dos vínculos jurídicos

processuais seja recolhido no conceito de relação jurídica

processual. Ademais, não é possível substituir esse conceito

300 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987, p.

231.

301 ROSENBERG, Leo. Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts. 3. ed. Berlin, 1931 apud

TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987, p.

227-233.

302 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 232. 303 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 232.

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121 pelo de situação jurídica (como quer Goldschmidt), uma

vez que por tal se entendem expectativas, possibilidades e

encargos e, portanto, o processo como situação jurídica

somente poderia ser um conjunto delas, enquanto no processo de hoje recais sobre as partes uma multidão de

deveres. Pode, não obstante, designar-se, como situação

jurídica a cada um dos períodos da relação jurídico-processual.

304

Arturo SANTORO elogia a teoria da situação jurídica por ter inserido

novas categorias necessárias à atividade processual. Porém entende que isto

apenas confirma a existência de uma relação jurídico processual. Afirma ainda

que esta relação é distinta da relação de direito material, pois enquanto a

material liga autor e réu por direitos e deveres, a processual se constitui de

poderes, como ônus para um e consequente sujeição para o outro.305

James GOLDSCHMIDT responde a estas críticas de várias maneiras.

Quanto a questão das categorias processuais de direitos e obrigações, e a

existência ou não de uma relação jurídica processual, vide item 2.1 deste

trabalho. Já com relação a tentativa de miscigenar as duas teorias, na tentativa

de construir uma doutrina central onde o que existem são situações jurídicas

dentro de uma relação jurídica complexa, o autor rechaça totalmente:

[...] la situación procesal no es una situación de la relación pública abstracta, sino del Derecho material o, más

precisamente, aquella situación en que las partes se

encuentran con respecto a este derecho a consecuencia de que el mismo se ha hecho valer procesalmente.

304 SCHÖNKE, Adolf. Derecho procesal civil. Barcelona: [s.n.]. 1950. apud TORNAGHI,

Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987, p. 227-233.

305 SANTORO, Arturo. Lezioni di diritto processsuale penale. Pisa: [s.n.]. 1929. p. 110 apud TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987, p.

227-233.

Page 123: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

122 La transposición del Derecho material en la esfera

procesal evita la objeción que con razón se ha hecho a la

concepción de la relación jurídica procesal, en el sentido de

la “obligación procesal” de los romanos. [...] Por tanto, es cierto que los nexos procesales no pueden ser una

transformación o irradiación del Derecho material.306

Para Aury LOPES JR. a tentativa de conciliar a teoria da relação jurídica

com a da situação jurídica, não é nada mais que o resultado da acertada e sólida

crítica que James GOLDSCHMIDT realizou. Os defensores da relação jurídica

ficaram tão perdidos que tiveram de ―estender o conceito de relação jurídica a

limites inimagináveis e insustentáveis, [...] substituindo os 'direitos e obrigações

processuais' pelas categorias goldschmidtianas de possibilidades e cargas, o que

significa esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow‖307

.

Quanto à unidade processual, os críticos acusam GOLDSCHMIDT de

ter rompido a unidade do processo ao dividi-lo em muitas situações jurídicas.

ARAGONESES ALONSO afirma (com base no texto de CALAMANDREI)

―que no es conveniente, ni científica ni didácticamente, romper la unidad y la

individualidad jurídica del proceso concebido como relación jurídica compleja

en un desmenuzamiento de situaciones jurídicas‖308

.

Hélio TORNAGHI considera o pecado capital de James

GOLDSCHMIDT ter rompido com a tão estimada e sensível unidade

processual. Nas suas palavras:

306 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 68-69

307 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 51 308 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960. p. 193

Page 124: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

123 [...] que o processo seja apenas uma seqüencia de

situações é o que se deve absolutamente repelir. Que laço

invisível, que harmonia preestabelecida ligaria tais situações?

De onde viria a unidade do processo, essa unidade, essa identidade firme, incontestável, que se sente mais do que se

prova, e que faz dele um todo com sentido próprio, diferente

do de cada um dos atos ou das situações processuais? Que são as situações em si mesmas? Que significam? Que valem?

Nada! É verdade que Goldschmidt lhes aponta um ligame

teleológico, assinando-lhes a todas uma direção, pondo-as em

relação com a sentença favorável. Mas isso explica um laço externo entre cada uma e a sentença, não um vínculo entre

elas.309 (grifo nosso)

GOLDSCHMIDT responde afirmando, como já citou TORNAGHI, que

esta reprovação não tem o menor fundamento. O autor afirma que: ―La unidad

del proceso se garantiza por su objeto, a saber: el Derecho material, que se

desenvuelve en situaciones procesales. La unidad que se logra mediante el

concepto de la relación jurídica procesal, sólo es aparente‖310

. Para o autor,

quem não tem unidade é a relação jurídico processual. Pois, esta relação não

tem nexo nenhum com o que realmente constitui a unidade processual, que é o

objeto do processo.311

Para esta crítica, Aury LOPES JR. recorre ao conceito de complexidade

e demonstra que a característica de unitário é algo ultrapassado: ―a tal 'unidade

processual' remonta a um pensamento cartesiano que não compreende a

abertura de uma dose de superação do binômio aberto-fechado. Logo, novo

309 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 229.

310 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 67 311 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 67-68

Page 125: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

124

acerto pela superação do sistema simples e unitário‖312

.

Com isso, percebe-se que GOLDSCHMIDT, também neste aspecto,

estava a frende de seu tempo. A pergunta a ser feita neste momento é: ―Quem

falou que deve existir unidade?‖. O que ocorreu, é que BÜLOW, em 1968,

afirmou que a relação jurídica era unitária, então ―legislou-se‖ que toda e

qualquer teoria deveria prever a questão da unidade. Se antes de BÜLOW não

existia unidade, porque agora tem de existir?

GOLDSCHMIDT se viu imerso em tantas críticas, que para poder

manter sua teoria, dentro de uma comunidade jurídica conservadora, teve de

inventar uma maneira de tornar o processo unitário. Como ensina Aury LOPES

JR., o conceito de complexidade supera o sistema simples e unitário criado pela

doutrina clássica. Mas, se realmente desejam uma explicação para aquela união

– que nas palavras de TORNAGHI ―se sente mais do que se prova‖313

(????) – e

não aceitam a dada por GOLDSHCMIT, que seja então os antigos cordões, ou,

atualmente, os grampos plásticos, ou quiçá no futuro, apenas extensões ―.doc‖.

James GOLDSCHMIDT também foi acusado de confundir a realidade

prática do processo com o seu ―dever-ser‖. Hélio TORNAGHI entende que o

autor encarou o processo como é de fato, devido as imperfeições geradas pelo

ser humano, e não como ele deve ser, de iure, dentro de quesitos estritamente

oncológicos.314

TORNAGHI afirma que ―realmente o processo pode levar a uma

312 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 46-47.

313 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 229. 314 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 228.

Page 126: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

125

solução aparentemente injusta do litígio se as partes não se valem

devidamente de seus 'direitos processuais'‖315

. Mas esta concepção somente

pode ser aduzida em um processo de tipo dispositivo. Para tanto, o autor

entende que se as partes não exercem os seus direitos, é porque os descartam

por sua própria vontade. Se possuem vontade para poderem os descartar, é sinal

de que deles dispõe.316

ARAGONESES ALONSO resume esta crítica de CALAMANDREI da

seguinte forma:

Que la tesis fundamental del libro de GOLDSCHMIDT parece fundarse en el análisis del proceso, no como debería

ser, según el Derecho procesal, sino como se reduce a ser en

la realidad práctica, a consecuencia de las imperfecciones del juez, que no sabe o no quiere decidir según el derecho y

de la mayor o menor destreza con que las partes consiguen

aprovechar las circunstancias y utilizar en su provecho los

institutos judiciarios que por definición deberían servir solamente a la Justicia.

317

CALAMANDREI é citado por TORNAGHI no sentido de ter atribuído

que GOLDSCHMIDT criou uma teoria fundada em um princípio moral: ―o de

que cada homem é o artífice de seu próprio destino‖318

. Em linguagem jurídica,

traduziria-se no princípio da auto-responsabilidade das partes. Para o autor, o

315 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 228.

316 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 228.

317 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193. 318 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 228.

Page 127: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

126

processo é movido por oportunismos.319

Ademais, alega-se que GOLDSCHMIDT confundiu o processo com o

seu objeto. Nas palavras de LIEBMAN:

[...] la situazione giuridica, così com'elgi l'ha configurata,

non è il processo, ma l'oggeto del processo. Le aspettative e

pospettive di vittoria o di sconfitta sono un modo geniale di

rappresentare ciò che le parti potano nel processo, ma appunto perciò non possono essere il processo in se stesso.

Partito alla ricerca di una spiegazione di quel che sia, in

termini giuridici, il iudicium, egli ha finito invece per darci una teoria della res in iudicium deducta, e non può quindi

pretendere di sostituire con la sua la teoria del rapporto

processuale, che – bene o male – ha dato appunto una

risposta alla domanda di quel che il processo sia.320

Hélio TORNAGHI confirma esta posição de Enrico Tullio LIEBMAN

ao sustentar que GOLDSCHMIDT mistura o iudicium e a res in iudicium

deducta, para ele uma confusão entre o processo e a lide. Defende que em

relação ao litígio, o processo, mais especificamente a fase anterior à sentença, é

uma situação jurídica, uma expectativa de solução. Mas questiona, ainda, ―o

que é o processo?‖321

Em suas palavras:

319 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 228.

320 ―A situação jurídica, do modo como ela está configurada, não é o processo, mas o objeto do

processo. A expectativa de vitória ou perspectiva de derrota é um modo genial de representar

aquilo que as partes buscam no processo, mas por este motivo não pode ser o próprio processo.

[GOLDSCHMIDT] Parte buscando uma resposta para o que é, juridicamente falando, o

iudicium, porém ele terminou por dar uma resposta do que é a res in iudicium deducta, e,

portanto, não pode pretender substituir a teoria da relação processual, que – bem ou mal – deu

uma resposta do que é o processo.‖ (Tradução Livre) (LIEBMAN, Enrico Tullio. Problemi del

Processo Civile. Milão: Morano Editore. 1962. p. 140) 321 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 227.

Page 128: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

127

Qualquer realidade pode ser encarada de vários pontos. A estátua de anjo que está sendo esculpida para ornar um

túmulo, considerada sob aspecto da matéria que a compõe

(causa material), será mármore [...] ou qualquer outra coisa.

Olhada em sua forma será a representação simbólica de um anjo (causa formal). Ma quanto à sua finalidade, será a

expectativa de ornamento (causa final). Dizer que o processo

é uma situação jurídica no caminho do que a sentença vai proporcionar é enxergá-lo sob o aspecto de sua finalidade.

Mas o que é o processo em si, independente de sua

destinação? Que é a estátua antes de colocada no túmulo? É mármore?

322

Para o autor, quando GOLDSCHMIDT afirma que o processo é uma

situação jurídica, ou uma sequência de situações jurídicas, ele não está

definindo o conteúdo e nem mesmo a forma. A única coisa que está fazendo, é o

vincular com algo que está fora dele, que vem após o próprio processo, que é a

satisfação do interesse do autor ou do réu.323

Esta apreciação da obra de James GOLDSCHMIDT, aduz a outras duas:

a inserção de categorias sociológicas e a caracterização patológica do processo.

Para CALAMANDREI, as novas categorias processuais, que constituem a base

do processo, são mais sociológicas que jurídicas.324

Afirma ainda, que esta

concepção somente pode ser aceita em um processo de tipo dispositivo, onde o

uso destas influi no resultado final. Porém, estas categorias acabam por esbarrar

em um processo inquisitório, pois nestes casos, o juiz supre a inércia das

322 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 227.

323 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 227. 324 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193.

Page 129: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

128

partes325

.326

Em resposta, James GOLDSCHMIDT refuta a ideia de que sua teoria

possui caráter sociológico e realiza uma comparação com o direito privado e a

sua respectiva categoria da expectativa de direito. Ora, se o direito privado

também possui uma categoria como a expectativa, e esta nunca foi acusada de

possuir caráter sociológico, porque as categorias da situação jurídica as

possuiriam?327

Ademais, caso o debate fosse realizado atualmente, não seria nestes

moldes. Não há a menor objeção em se afirmar a necessidade da

interdisciplinariedade para compreensão de muitas ciências. Muito além disto,

percebe-se agora, a real importância da inserção do caráter sociológico. Para

Aury LOPES JR.:

[...] a crítica se revelou infundada, na medida em que, atualmente, a complexidade que marca as sociedades

contemporâneas evidenciou a falência do monólogo

científico, especialmente o jurídico. Ou seja, a complexidade social exige um olhar interdisciplinar, que transcenda as

categorias fechadas – como as tradicionalmente concebidas

no direito – para colocar os diferentes campos do saber para

dialogar em igualdade de condições e, assim, construir uma nova linguagem. (grifo do autor)

328

325 Para esta questão, é importante ressaltar que em tal meio processual, o juiz não é somente

um juiz, e desta forma passa a ser parte no processo também. O que ocorre é que o juiz acaba

recebendo a atribuição das categorias processuais.

326 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987,

p. 229.

327 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 65-66. 328 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 46.

Page 130: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

129

Desta forma, percebe-se que GOLDSCHMIDT estava a frente de

sua época. Nos idos dos anos 1930, já compreendia a insuficiência do

monólogo jurídico e a necessidade de diálogo com o campo filosófico e

sociológico. Foi com estas inserções que o autor conseguiu compreender a

complexa fenomenologia do processo. 329

Outra crítica à teoria de James GOLDSCHMIDT, foi a de que o autor

teve uma concepção anormal ou patológica do processo:

Que en el fondo parece que diga GOLDSCHMIDT, que el

proceso no es, como creen los ingenuos, un medio para

actuar el derecho, sino que es, por el contrario, para hacer

aparecer y valer como derecho, lo que no es derecho, y que tal concepción, que podrá en algún caso ser la verdadera, no

es la más adecuada para construir una teoría jurídica del

proceso, ya que cabe preguntarse si para reedificar el sistema de derecho procesal, destinado a representarnos el

proceso como debe de ser, es lícito poner como base de toda

investigación el proceso como es en realidad, en los casos anormales o patológicos en los que sirve para fines diversos

de aquellos para los que según el derecho, debería servir.330

James GOLDSCHMIDT é categórico ao afirmar que a sentença judicial

jamais pode ser prevista com segurança, e devido a isto a incerteza é substancial

ao processo. Por consequencia, a sentença injusta é também um fenômeno que

deve ser levado em consideração nas concepções jurídico-processuais.331

Conclui o autor:

329 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 46.

330 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193. 331 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 66.

Page 131: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

130

De este modo se resuelve el dilema: o negar la incertidumbre de las relaciones jurídicas con respecto a la sentencia

esperada y descartar las sentencias injustas por la ficción de

que cada fallo viene a concordar con el Derecho material, o

suponer que antes de la sentencia no existen verdaderos ligámenes jurídicos.

332

Para Aury LOPES JR., ao lado da dinâmica da situação jurídica, esta

concepção ―anormal e patológica‖ do processo foi o maior acerto do autor.

GOLDSCHMIDT, ―Já em 1925, incorporou no processo a epistemologia da

incerteza, influenciado, quem sabe, pelos estudos de EINSTEIN em torno da

relatividade (1905 e 1916) e do quanta‖333

.

Tão certo estava James GOLDSCHMIDT, que Piero CALAMANDREI,

quem realizou estas críticas, modificou sua opinião para afirmar que, na

verdade, o processo é realmente um jogo334

. A Teoria da Situação Jurídica e

suas categorias processuais, elevam o nível do debate judicial. A grande jogada

de GOLDSCHMIDT foi perceber que jamais se poder prever uma sentença

judicial com segurança, o processo está sempre navegando nos mares da

incerteza.335

A última crítica, citada por Pedro ARAGONESES ALONSO em sua

obra, trata da falta de ética e a desmoralização do processo, que

GOLDSHMIDT apontou. Porém, nada tem de errado nesta visão. Como já

332 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961, p. 66.

333 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v, p. 47.

334 A retificação da posição de Piero CALAMANDREI, e seus estudos acerca da incerteza do

processo, serão melhor estudados no Capítulo 3 desta obra. 335 Melhor explicação está na comparação realizada por James GOLDSCHMIDT (citado no

Capítulo 2.1 desta obra) do processo com uma guerra.

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131

elucidado anteriormente, o processo é como uma guerra, e para ganhar vale

tudo, ou quase tudo. Mas, mesmo se não valesse, quem teria a ousadia de alegar

que uma testemunha jamais faltará com a verdade num processo? Ou afirmar

que jamais foram, ou serão, produzidas provas ilícitas para bem comprovar um

fato?

A incerteza que gira o processo está intimamente ligada a todas as suas

categorias processuais e à abertura que GOLDSCHMIDT deu para a inserção

de novas disciplinas, como a sociologia, a estratégia e a própria epistemologia

da incerteza. Ademais, Piero CALAMANDREI sanou esta questão, conforme

veremos no Capítulo 3.

3 O MAJESTOSO JOGO DE PIERO CALAMANDREI, A DOUTRINA

NACIONAL E AS IMPLICAÇÕES DE UM NOVO OLHAR

3.1 O Mundo dá Voltas: Da Crítica à Redenção. O Majestoso Jogo de Piero

CALAMANDREI

Piero CALAMANDREI, discípulo (e mestre) da escola processual

italiana, chiovendiano ortodoxo por excelência, foi considerado o maior e mais

fundamentado crítico das obras de James GOLDSCHMIDT.336

Após a

publicação da Teoria da Situação Jurídica em 1925 por James

336 MELENDO, Santiago Sentís. Morreu Piero Calamandrei. in CALAMANDREI, Piero.

Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas: Bookseller. 2003, p. 12.

Page 133: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

132

GOLDSCHMIDT, na obra “Prozess als Rechtslage‖337

, Piero

CALAMANDREI, já em 1927, publicou, na Rivista di Diritto Processuale

Civile, artigo, sob o título Il processo come situazione giuridica338

, tecendo

severas críticas à esta nova teoria acerca da natureza jurídica do processo.

Entretanto, em 1950, 6 anos antes de falecer, Piero CALAMANDREI

rompe com a doutrina processual – dita à época – moderna e rasga elogios à

obra e vida de James GOLDSCHMIDT. Nos seus dois artigos: Il Processo

Come Giuoco339

e Un Maestro di Liberalismo Processuale340

341

, Piero

CALAMANDREI aceita a incerteza jurídica que ronda o processo, e insere em

seus escritos as novas categorias processuais de GOLDSCHMIDT.

Correta está a afirmação de que não se tratava de plena concordância

com a teoria de James GOLDSCHMIDT. Porém, não se pode negar, que

ocorreu uma mudança radical na maneira de ver, perceber, sentir e interpretar a

ciência processual por CALAMANDREI. Se era crítico visceral e total

discordante dos conceitos de GOLDSCHMIDT, a partir de então, passou a ter

pequenas divergências periféricas, e confiou homenagens e reconhecimentos ao

337 Processo como Situação Jurídica – Tradução do próprio James GOLDSCHMIDT.

338 CALAMANDREI, Piero. Il processo come situazione giuridica. Rivista di Diritto

Processuale Civile, Padova, t. 1, p. 219-226, 1927. apud ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y aplicación del

derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193-194.

339 CALAMANDREI, Piero. Il Processo Come Giuoco, Rivista di Diritto Processuale Civile,

Padova, v. 5, parte I, p. 23 e seguintes, 1950. apud ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y

Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y aplicación del derecho

procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 193-194.

340 CALAMANDREI, Piero. Un Maestro di Liberalismo Processuale, Rivista di Diritto

Processuale Civile, Padova, v. 1, parte I, p. 01 e seguintes, 1951. apud ARAGONESES

ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza, tipos, método, fuentes y

aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960. p. 193-194

341 Infelizmente não foi possível ter acesso a este artigo de Piero CALAMANDREI. Para tanto, todas as citações e referências serão realizadas de maneira indireta, com base em textos e

citações de outros autores.

Page 134: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

133

―maestro do liberalismo processual‖ que foi o alemão James

GOLDSCHMIDT.342

O primeiro quesito apontado por CALAMANDREI, na obra O Processo

Como Jogo343

, é o aspecto psicológico do processo. Para enfatizar a real

importância da influência dos fenômenos psíquicos no processo, o autor realiza

uma comparação do conhecimento acerca do Código de Processo Civil com o

jogo de xadrez:

A razão pela qual sair da universidade com licenciatura em

processo civil, conseguida com conceito máximo e nota de

louvor, não basta para tornar os advogados sagazes e

eloquentes é muito similar, psicologicamente, àquela razão de comum experiência pela qual ninguém se torna hábil

enxadrista unicamente por ter decorado um manual com as

regras do jogo de xadrez. É verdade que, sem conhecê-las, não se pode jogar; [...] porém, mesmo se conhecendo as

regras em teoria, aquilo que mais conta para aprender o jogo

é vê-lo funcionando na prática, é experimentar como [as regras] são entendidas e como são respeitadas pelos homens

que deveriam observá-las, contra quais resistências arriscam

encontrar-se, com quais reações ou com quais tentativas de

evasão têm de contar.344

Para tanto, deve-se compreender o estado e espírito daqueles que fazem

as leis. Para CALAMANDREI, o legislador deve ter conhecimento do nível

moral, social e intelectual de seus cidadãos, pois, somente assim saberá a

maneira que estes irão se portar frente as regras impostas. Ele deve ser dotado

342 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 47

343 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 191-209. 344 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 191.

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134

de certa imaginação e conhecimento histórico. Não deve ser pessimista, pois

desta forma estaria considerando que seu povo é desonesto, rebelde e

totalmente amoral. Porém, também deve evitar ser muito otimista, pois isto o

levaria a imaginar uma sociedade formada unicamente de pessoas honestas e

zelosas seguidoras da legalidade.345

Para o autor, o legislador deve conhecer, antes que a técnica jurídica, a

psicologia e a economia de seu povo. Somente assim entenderá que cada ser

humano é um mundo moral único e original, e, desta forma, sempre se portará

de maneira imprevisível frente as leis, pois, será guiado pelos seus interesses e

preferências. Uma vez que estas concepções se aplicam a legislação de direitos

materiais, ao extremo se aplicarão à legislação de direito processual. Isto

ocorre, devido a estas normas estarem acima de quaisquer outras, pois, estão

destinadas, a muito além que delimitar direitos subjetivos, a determinar o

resultado final e concreto dos processos ou partidas legais.346

As normas processuais estão, quase em sua totalidade, no rol de

disposições que não impõem obrigações, e por isso ditas ―regras finais‖. Estas

apenas mostram o ―receituário‖ e oferecem métodos para aqueles que buscam

por ―justiça‖. Porém, Piero CALAMANDREI adverte:

Este método, contudo, não garante a priori tal consecução:

para obter justiça não basta ter razão. Também o antigo

provérbio vêneto, dentre os ingredientes que ocorrem para vencer as lides, coloca em primeiro lugar o ―ter razão‖,

porém, acresce imediatamente depois que outrossim ocorra

345 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 192. 346 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 192.

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135 ―saber expor‖, ―encontrar quem a entenda‖, ―que queira

dar‖ e, ao final, um ―devedor que possa pagar‖.347

Com isso, o italiano demonstra que mesmo que em um processo o autor

inicie uma demanda para ter seu direito reconhecido, para ter sucesso, não

depende apenas desta mesma demanda. CALAMANDREI afirma que o poder

judiciário não é como uma máquina automática, onde de um lado se coloca uma

moeda e do outro sai o produto manufaturado. Uma vez que o autor deseje ter

êxito em sua ―odisseia‖, é imprescindível que suas propostas sejam escoadas e

aceitas pela mente do magistrado a ponto de conseguir o convencer.348

Assinala o autor, que o resultado final, portanto, provêm ―da confluência

destas duas psicologias individuais e da força de convencimento com qual as

razões feitas valer pelo requerente tenham êxito em suscitar ressonâncias e

simpatias na consciência do julgador‖349

. Entretanto, o que não se deve

esquecer, é que em um processo dispositivo, há sempre duas forças psicológicas

tentando persuadir o juiz.

Uma vez que estas forças são contrapostas entre si, o magistrado, ao

final do processo, sempre deve fazer uma escolha. Porém, o princípio do

allegata et probata o limita institucionalmente a dar livre razão a qualquer uma

das partes. Com isso, esta escolha deve ser moldada, ao interesse daquela parte

que obteve maior sucesso em conquistar seu convencimento, utilizando os meio

347 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 192.

348 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 192. 349 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 192.

Page 137: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

136

técnicos apropriados.350

Portanto, para o autor, a sentença não configura o

ajuste automático das leis aos fatos, mas sim:

[...] é a resultante psicológica de três forças em jogo, duas

das quais, buscando cada uma puxar à sua própria direção a

terceira, desenvolvem entre elas uma competição cerrada que não é feita somente de boas razões, como também de

habilidade técnica de fazê-las valer. Afortunada coincidência

é aquela que se verifica quando, entre os dois litigantes, o mais justo é também o mais hábil. Porém, quando em certos

casos (e queremos acreditar que em raros casos) esta

coincidência não ocorre, pode suceder que o processo, de

instrumento de justiça feito para dar razão ao mais justo, transforme-se num instrumento de habilidade técnica, feito

para dar a vitória ao mais astuto.351

Neste ponto pode-se inserir com grande sagacidade a máxima de James

GOLDSCHMIDT ao comparar o processo com a guerra. Uma vez que para

CALAMANDREI a vitória será dada ao mais astuto, para GOLDSCHMIDT a

vitória será dada ao que melhor souber batalhar, traçando estratégias e táticas a

fim de persuadir o adversário. Tanto CALAMANDREI, quanto

GOLDSCHMIDT acreditam que aquele que souber utilizar melhor as armas e

recursos estratégicos será vitorioso. Desta forma, nem sempre o ―justo‖ será o

vencedor do pleito. Nas palavras de GOLDSCHMIDT:

En cuanto la guerra estalla, todo se encuentra en la punta de

la espada; los derechos más intangibles se convierten en

expectativas, posibilidades y cargas, y todo derecho puede

350 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193. 351 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193.

Page 138: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

137 aniquilarse, como consecuencia de habre

desaprovechado una ocasión o descuidado una carga; como

al contrario, la guerra puede proporcionar al vencedor el

disfrute de un derecho que en realidad no le corresponde.352

A despeito desta peculiaridade, para CALAMANDREI não resta

dúvidas que as leis processuais tem o escopo do interesse público de promover

justiça, através da vitória da razão. Entretanto, quando isto ocorre, não é

efetivamente, porque todos aqueles que tomam parte no processo desejem

atingir este escopo maior. Muito pelo contrário, para o autor, somente o juiz

pode ser personificado no interesse supremo do Estado de distribuir justiça. As

partes, normalmente, são movidas por interesses excessivamente limitados,

egoístas e, nas palavras do autor, ―mesquinhos‖. Interesses estes, que muitas

vezes estão em total desacordo com aquele interesse superior e final do Estado

sobre a justiça.353

Explica o autor: ―se ao final o processo, como síntese, consegue atingir

um resultado que verdadeiramente corresponda à justiça, [vai depender] da

soma algébrica destes esforços contrastantes (das ações e das omissões, das

astúcias ou dos enganos, dos lances acertados e daqueles equivocados)‖354

.

Contudo, não se pode perder de vista, que para cada um dos lados em

disputa, o que realmente importa, não é aquele interesse superior do Estado de

promover justiça, mas sim a vitória. Por estes motivos, conclui o autor que ―o

352 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 65.

353 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193. 354 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193.

Page 139: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

138

processo torna-se não outra coisa que um jogo a ser vencido‖355

.

O segundo ponto assestado por Piero CALAMANDREI é o caráter

extremamente agonístico e dialético desenvolvido no processo. Este caráter

agonístico é simbolicamente representado, no debate judicial, por um certamen

primitivo. Neste certamen o juiz mostra-se como um árbitro de campo, e as

ações e movimentações dos litigantes no processo, é a figuração da colisão de

exércitos.356

O autor defende, que a terminologia do processo é emprestada da

esgrima e da ginástica, uma vez que esta referência é facilmente identificada no

processo. Ocorre, que a instituição judiciária é, atualmente, dotada de caráter

publicístico, e para tanto, utiliza-se de meios dispositivos para gerar uma

competição entre os interesses opostos das partes. Esta competição, mascarada

de processo, é utilizada pelo Estado como um artefato capaz de satisfazer o

interesse público da justiça.357

CALAMANDREI exemplifica:

O choque das espadas é substituído, com civilidade, pela

polêmicas dos argumentos; mas estes representam, neste

contraste, o furor de uma partida. Razão se dará a quem souber melhor raciocinar e, se ao final o juiz outorgar o

triunfo a quem melhor souber persuadi-lo com sua

argumentação, pode-se dizer que o processo transformou-

se, de brutal encontro de impetuosos guerreiros, em jogo

sutil de engenhosos raciocínios.358

355 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193. (grifo do autor)

356 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193.

357 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193. 358 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 193-194 (grifo nosso)

Page 140: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

139

Através da compreensão desta metamorfose, da batalha em jogo jurídico

racional, que se manifesta aquele que, para CALAMANDREI, é o princípio

fundamental do processo: o princípio da dialeticidade.359

Esta dialeticidade de

CALAMANDREI, pode ser comparada a consideração dinâmica do processo

elencada por GOLDSHCMIDT. Para este, a consideração de direito que

converte todas as relações jurídicas materiais, e portanto estáticas, expectativas

ou perspectivas de uma sentença judicial de conteúdo determinado, ou situações

jurídicas com relação ao objeto do processo, é chamada de consideração

dinâmica do direito.360

Porém, CALAMANDREI explica, que o processo não pode ser visto

apenas como uma série de atos que devem se suceder de maneira certa, e

ordenada preliminarmente, pela lei. O processo também é: ―um ordenado

alternar [de atos] de várias pessoas, cada uma das quais, nesta série de atos,

deve agir e falar no momento apropriado, nem antes e nem depois, do mesmo

modo que [...] em uma partida de xadrez [...]‖361

.

Entretanto, a dialeticidade do processo não deve ser entendida ao

alternar de atos de determinados sujeitos em uma ordem cronologicamente

preestabelecida. Não, para muito além disto, é um encadeamento lógico, que irá

conectar cada um dos atos que o antecedem com aqueles que o sucederão.

Existe um nexo psicológico, que leva o autor, no momento que for realizar

359 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

360 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 2.v. p. 78-79. 361 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

Page 141: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

140

determinado ato, a imaginar e premeditar as possibilidades que, a

contraparte, poderá ter após a sua ação.362

Para o autor: ―O processo é uma série de atos que se entrecruzam e se

correspondem, como os movimentos de um jogo: de perguntas e respostas, de

réplicas e tréplicas, de ações que provocam reações, suscitando a cada rodada

contra-reações‖363

. E é justamente nisto que se fundamenta o princípio

dispositivo da dialeticidade processual: ―[...] cada movimento feito por uma

parte abre à parte adversária a possibilidade de realizar um outro movimento

visando retaliar os efeitos daquele que o procede e que, poderíamos dizer, o

contém em potência‖364

.

Todavia, CALAMANDREI adverte, que não se deve entender esta

relação, entre um ato e outro, como um nexo de causalidade. Os movimentos

realizados por uma parte, não geram um vínculo obrigacional ou mesmo uma

causa necessária de atuação da contraparte. O que surge neste momento, é uma

oportunidade, a parte contrária, de realizar, agora no seu ―turno‖, um dentre os

tantos movimentos juridicamente possíveis. Esta oportunidade é a possibilidade

de escolher um determinado ato, que venha a neutralizar aquele anteriormente

realizado pelo adversário.365

Aqui se encontra o ―jogo sutil de engenhosos raciocínios‖, e que pode

ser traduzido pelos atos processuais que virão a dar corpo a teoria das situações

362 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

363 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

364 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194. 365 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

Page 142: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

141

jurídicas de James GOLDSHCMIDT: ―Las situaciones procesales se forman

por los actos procesales, de suerte que éstos pueden definirse como aquellos

actos de las partes o del juez, que constituyen, modifican o extinguem

expectativas, posibilidades o cargas procesales o dispensación de cargas‖366

.

Nesta ocasião, Piero CALAMANDREI, insere pela primeira vez em

seus escritos, a aceitação e publicação do processo como uma série de situações

jurídicas:

Quando no processo o meu adversário executa um ato

qualquer, eu venho a encontrar-me, por efeito de seu ato, em

uma situação jurídica, diversa daquela na qual me encontrava

antes disto: não posso ignorá-lo, porque, se não reajo de qualquer forma, a minha inércia me será nociva, mas se

desejo reagir, posso fazê-lo de muitas maneiras, porque posso

escolher entre várias possibilidades que aquele ato me abre. Se me foi deferido o juramento decisório, posso prestá-lo,

repeti-lo, ou recusar-me a prestá-lo.367

Exatamente através desta série de possibilidades oportunizadas aos

litigantes, que se apresenta a tática processual. O conhecimento da habilidade

de jogar, está confiada a sagacidade e ao senso de responsabilidade, por seus

atos, de cada uma das partes.368

E devido a isto, nas palavras do autor:

―Qualquer competidor, antes de dar um passo, deve procurar prever, mediante

um atento estudo, não só a situação jurídica, mas outrossim a psicológica, tanto

366 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 2.v. p. 79.

367 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194. (grifo nosso) 368 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

Page 143: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

142

do adversário quanto do juiz [...]‖369

.

A situação psicológica do adversário, para premeditar de qual maneira

este irá responder ao seu movimento. Já a situação psicológica do juiz, para não

perder o foco principal e fim último do processo, que é a vitória.370

Devido a

estas situações jurídicas e psicológicas, é que os competidores permanecem

durante todo o processo a analisar atentamente seus adversários.371

Na

exemplificação do autor, conforme a arte de jogar o florete:

[...] [estudam-se] como dois esgrimistas frente à frente: e a

partida vem a despedaçar-se em uma série de episódios, em

qualquer um dos quais os esforços deles são imediatamente

dirigidos a conseguir uma vantagem parcial, um ―ponto‖, que permaneça adquirido a seu favor e possa concorrer em

assegurar-lhe, quando se deva tirar a soma, a vitória final.372

Francesco CARNELUTTI, talvez sobre a influência dos escritos de

CALAMANDREI, também passou a entender o processo penal sobre a ótica de

um jogo, de uma guerra, em especial de uma luta de esgrima. Em seu livro Le

Miserie del Processo Penale373

, publicado em 1957, Francesco CARNELUTTI

revela sua predisposição a compreensão do processo como um grande duelo

entre as partes. O processo é a arena e o contraditório são as regras desta luta:

369 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194. (grifo nosso)

370 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 194.

371 Conforme já exemplificado no Capítulo II desta monografia, um bom estudo das obras de

Nicolau MAQUIAVEL (O Principe) e Sun TZU (A Arte da Guerra) são extremamente valiosos.

372 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 194, Jan./Mar. 2002.

373 As Misérias do Processo Penal

Page 144: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

143 Desenvolve-se assim, sob os olhos do juiz, aquilo que os

técnicos chamam o ―contraditório‖, e é, realmente, um duelo:

o duelo serve para o juiz superar a dúvida; a propósito disto é

interessante notar que também duelo, como dúvida, vem de ―duo‖. No duelo se personifica a dúvida. É como se, na

encruzilhada de duas estradas, dois bravos se combatessem

para puxar o juiz para uma ou para outra. As armas, que servem par eles combaterem, são as razões. Defensor e

acusador são dois esgrimistas, os quais não raramente fazem

uma má esgrima, mas talvez ofereçam aos apreciadores um

espetáculo excelente.374

James GOLDSCHMIDT interpreta estes ―pontos‖ da esgrima, como o

aumento das expectativas de uma sentença favorável, ou as perspectivas de uma

sentença desfavorável: ―Las expectativas de una sentencia favorable dependen

generalmente de un acto procesal anterior de la parte interesada, el cual tiene

éxito. Al contrario, las perspectivas de una sentencia desfavorable dependen de

la omissión de tal acto procesal de la parte interesada‖375

.

Portanto, se anteriormente, Piero CALAMANDREI, reconheceu a

existência de situações jurídicas no desenrolar do processo, é, neste exato

momento, que reconhece e, consequente, tece elogios à obra de James

GOLDSCHMIDT: ―Desta dinamicidade dialética do processo civil de tipo

dispositivo foi dada uma inesquecível demonstração sistemática na obra

fundamental de JAMES GOLDSCHMIDT, Der Prozess als Rechtslage‖376

.

Nesta obra, como visto no Capítulo II, GOLDSCHMIDT apresenta o

processo, não como uma relação jurídica unitária, fonte de direitos e obrigações

374 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conan. 1995. p. 40

375 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 2.v. p. 76-77. 376 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 194-195, Jan./Mar. 2002. (grifo do autor)

Page 145: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

144

entre seus sujeitos, mas sim, como uma série de situações jurídicas, onde se

desenvolve de maneira dinâmica através de expectativas, possibilidades e

ônus.377

Para o italiano, está visão de GOLDSHCMIDT demonstra que:

―qualquer parte é, assim, senhor e responsável pela própria sorte: faber est suae

quisque fortunae378

‖379

, e por conseguinte: ―[é] uma concessão eminentemente

individualista do processo [...]‖380

. Da mesma maneira que não existe uma

partida de xadrez que seja igual a outra, apesar dos formulários fixos de

procedimentos, jamais haverá um processo que seja igual ao outro. ―O processo

nasce e se cria, rodada a rodada, movimento a movimento, assim como o

modelam de maneira imprevista e imprevisível as combinações frequentemente

bizarras das forças contrapostas que neles se cruzam‖381

.

Não se poderia comparar o processo com uma comédia, pois nesta as

falas são criteriosamente escritas de antemão, a fim de ter um final já elaborado.

Já um drama, onde ninguém conhece o final, o que existe são expectativas e

desejos de um determinado final da trama. O debate judicial, como o drama,

exige personagens que saibam improvisar frente as dificuldades e obstáculos

encontrados.382

Porém, quando se imagina que Piero CALAMANDREI romperia

377 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v.

378 Cada um produz sua própria sorte, seu próprio destino. (Tradução livre)

379 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 195, Jan./Mar. 2002.

380 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 195, Jan./Mar. 2002.

381 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 195, Jan./Mar. 2002. 382 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, p. 195, Jan./Mar. 2002.

Page 146: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

145

totalmente com a teoria da relação jurídica de Oskar Von BÜLOW383

, ao

final desta brilhante análise do processo, elabora uma ressalva:

Tudo isto não destrói, entendamos bem, a exatidão da teoria

da relação processual, no que se refere ao núcleo central

desta, que é o dever do juiz de prover e o correspondente direito das partes de obter provimento, mas é certo que o

conteúdo concreto desta obrigação do juiz se molda

dialeticamente em correspondência com as situações jurídicas criadas pela concorrente atividade das partes:

segundo a variável pontuação, poder-se-ia dizer, de seu

jogo.384

O terceiro ponto trabalhado por Piero CALAMANDREI é relativo à

lealdade processual das partes e o uso indireto, abusivo e até mesmo da má-fé

processual. Para o autor, o instinto do jogo é uma das raízes fundamentais das

manifestações humanas. Quando se analisa os elementos de competição que

entram em acareação no debate judicial, não se deve diminuir a importância e

seriedade do sistema de regras utilizado pelo Estado para prover justiça.

Porém, ao invés de elevá-las em um pedestal intocável e as santificar

como máximas jurídicas, deve-se compreender e apreciar o real valor destas

regras. Nas palavras do autor: ―vê-las vivas, conhecer sua fisiologia e a sua

patologia, dar-se conta das evasões e das fraudes que as ameaçam e das

armadilhas que, ao abrigo das suas fórmulas inocentes, podem ser arquitetadas

pela imaginação inventiva dos litigantes‖385

. Prossegue:

383 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005

384 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 195. 385 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 195.

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146

Posto isto, a advocacia é uma arte na qual o conhecimento escolástico das leis serve para muito pouco, se não é

acompanhado de intuição psicológica, que serve para

conhecer os homens e os múltiplos expedientes e manobras

com os quais estes buscam torcer as leis aos seus próprios escopos práticos. Em vão se espera que os códigos de

processo sirvam verdadeiramente à justiça se não forem

sustentados nas suas aplicações práticas por aquela lealdade e correção de jogo, por um fair play, cujas regras não escritas

são confiadas sobretudo à consciência e à sensibilidade dos

ordenadores forenses.386

Neste ponto em específico, cabe muito bem relembrar a crítica que

Nicolau MAQUIAVEL fez a PLATÃO por produzir ―repúblicas‖ que somente

serviriam ao imaginário e jamais poderiam ser aplicadas à prática. Da mensa

forma, as teorias elaboradas por Oskar Von BÜLOW, Adolf WACH e demais

seguidores, podem parecer muito belas e possuir encaixes perfeitos dentro de

um universo jurídico de fair players. Porém, uma das críticas de

GOLDSCHMIDT reside neste quesito dos sujeitos processuais. Do mesmo

modo, CALAMANDREI critica os legisladores por, muitas vezes, elaborar leis

processuais sem pensar no talento a ―mesquinhes‖ dos litigantes. Nas palavras

de Nicolau MAQUIAVEL:

[...] sendo minha intenção escrever coisa útil para quem saiba

entendê-la, julguei mais conveniente ir atrás da verdade

efetiva do que das aparências, como fizeram muitos

imaginando repúblicas e principados que nunca se viram nem existiram. Entre como se vive e como se devia viver há

tamanha diferença, que aquele que despreza o que se faz pelo

386 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 195.

Page 148: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

147 que se deveria fazer aprende antes a trabalhar em prol da

sua ruína do que da sua conservação. Na verdade, quem num

mundo cheio de perversos pretende seguir em tudo os

princípios da bondade, caminha para a própria perdição. Daí se conclui que o príncipe desejoso de manter-se no poder tem

de aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não

deles, conforme a necessidade.387

Em realidade, as normas processuais devem ser utilizadas como

indicações, instruções abertas que podem ser compreendidas, encaradas e

utilizadas com amplas possibilidades para as partes. Já as normas que se

constituem como propriamente jurídicas no processo, devem ser vistas como

uma moldura onde se encontra o real poder de iniciativa e mobilidade das

partes. Vendo o processo como um quadro, a moldura seria o local onde as

partes possuem atividades juridicamente vinculadas, porém, dentro da moldura,

no espaço em branco, as partes possuem livre movimentação para desenvolver

suas táticas e iniciativas próprias.388

Para o autor, é exatamente devido a esta possibilidade de livre

movimentação, que as partes devem agir em observância rigorosa da justiça, da

moral e da honradez. Caso não existisse esta possibilidade de livre atividade, v.

g. um processo onde as atividades e manifestações das partes fosse estritamente

vinculadas, não haveria porque se exigir estas virtudes por parte dos sujeitos

processuais. Porém, em um processo de tipo dispositivo, onde existe um imenso

campo discricionário para que as partes optem de que maneira possam ter mais

chances de obter existo, a observância é extremamente necessária.389

Nas

387 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Jardim dos Livros. 2007, p. 139-140.

388 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196.

389 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Page 149: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

148

palavras do autor: ―A lealdade prevista no art. 88390

é a lealdade no jogo: o

jogo, isto é, a batalha de habilidades, é licito, mas não é permitido trapacear‖391

.

Prossegue o autor:

O processo não é unicamente ciência do direito processual,

não é unicamente técnica de sua aplicação prática, é também

leal observância das regras do jogo, isto é, fidelidade àqueles

cânones não escritos de correção profissional, que demarcam os confins entre a elegante e valiosa maestria do astuto

esgrimista e as desajeitas armadilhas do trapaceiro. Destes

cânones de lealdade e probidade, que permanecem sozinhos a regular a conduta dos competidores dentro daquele campo

discricional, fica de guarda o juiz: mesmo quando a

transgressão destes cânones não [...] repercutir sobre o mérito

da lide, [...] pode fazer uso de provimentos sancionatórios, comparáveis às medidas de rigor que o árbitro inflige aos

jogadores faltosos.392

Porém, o autor concorda que este mecanismo de princípio dispositivo é

extremamente complexo. Neste jogo, as partes dependem somente delas

mesmas para conquistar a vitória, e podem, até mesmo, evitar trazer a tona

elementos que possam levar a vitória adversária. Por estes motivos, nas

palavras do autor, ―é por demais difícil estabelecer até aonde vão os direitos de

uma sagaz defesa e onde começa o reprovável engano‖.393

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196.

390 Referente ao artigo 88 do código de processo civil italiano. ―Art. 88. o dever de comportar-

se em juízo com lealdade e probidade‖. (CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo,

GENESIS: Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196.)

391 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196.

392 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196. 393 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196.

Page 150: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

149

Pedro ARAGONESES ALONSO afirma que CALAMANDREI

elabora uma ressalva a processos de cunho inquisitório, e desta forma a teoria

de GOLDSCHMIDT perderia parte de seu valor, pois: ―se pone ante un tipo de

proceso netamente inquisitorio, en cuanto el Juez tenga el poder ilimitado de

proceder ex officio, y frente al interés público desaprezca todo poder

dispositivo de las partes consideradas cosas y no hombres‖394

.

Como citado anteriormente, em um processo de cunho inquisitório, não

haveria de cogitar-se estes problemas. Porém, em um quadro dispositivo, é

realmente espinhoso transferir para o campo processual as ideias e noções de

má-fé já pacíficas no campo substancial.

A utilização destes artifícios no processo, em todas as suas variações

como mentira, fraude, etc, serve para que as partes consigam efeitos jurídicos,

que sem este manuseio, não lhes seriam possíveis alcançarem, ou pelo menos

não tão facilmente. Para o autor, frente a todos os dispositivos de má-fé

processual disponíveis, diversas situações são apresentadas aos jogadores.

Através da dialética processual, estes jogadores podem se encontrar em situação

de lançar mão de determinado dispositivo processual e produzir legitimamente

os efeitos jurídicos que deste derivam. Porém, a principal eficácia deste ato, não

é o resultado tradicional e legítimo, mas sim a conquista de ulteriores efeitos

psicológicos, no adversário ou até mesmo no juiz, que venham a lhe trazer

vantagens de acordo com sua tática processual.395

O autor realiza comparação com o direito material:

394 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal: Concepto, naturaleza,

tipos, método, fuentes y aplicación del derecho procesal. Madri: Auilar. 1960, p. 196. 395 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 196-197.

Page 151: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

150

É sabido que no campo do direito substancial se fala de negócio indireto todas as vezes nas quais as partes, mesmo

querendo realmente constituir um certo negócio que tem uma

causa típica, se propõem a satisfazer, mediante o efeito

jurídico próprio deste negócio, um ulterior escopo econômico, diverso daquele ao qual a satisfação do negócio é

tipicamente predeterminado; os contratantes têm, portanto,

vontade de realmente concluir (e por isto fora do campo da simulação) o negócio aparente, e têm vontade de realmente

conseguir os efeitos jurídicos que lhe são próprios; contudo

o fato de a obtenção destes efeitos ser por eles considerada como uma etapa, um meio para chegarem à consecução de

um escopo posterior, não é em si ilícita.396

Portanto, seria equivocado afirmar que existem divergências entre as

intenções típicas do negócio aparente e as intenções efetivamente desejadas. O

alvo típico é também desejado, porém, servirá apenas de trampolim para o alvo

final. Este alvo final será o verdadeiro motivo da utilização do ato jurídico

anteriormente determinado, e, provavelmente, conduzirá a outro tipo de

negócio.397

CALAMANDREI defende que ―qualquer coisa similar pode acontecer

no processo: o ato processual é em si lícito e efetivamente desejado‖398

.

Entretanto, para os jogadores do processo, o principal efeito destes atos, não

será a sua mera disposição legal, mas sim o resultado que irá produzir no

comportamento dos outros combatentes. Por estes motivos, não se pode afirmar,

396 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197. (grifo do autor)

397 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197. 398 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197.

Page 152: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

151

que a utilização destas táticas, será sempre ilícita. Em muitos casos, isto

somente irá representar medidas habilidosas e honestas de proteção aos seus

direitos. Em outros casos ainda, restaria uma espécie de limbo, um espaço

intermediário, entre a licitude e a ilicitude, algo semelhante a figura do abuso

de direito, ou, para o autor um abuso do processo.399

Exatamente neste momento é que figura a importância de uma boa

intuição e providência do defensor. Este deve saber que no desenrolar do

processo, um determinado ato pode gerar reações de varias naturezas na parte

adversária, influindo inclusive, na psicologia do adversário e do juiz. Da mesma

maneira, deve sempre ponderar, não apenas o efeito imediato de determinado

ato da parte contrária,400

mas também, o desenvolvimento tático posterior que

este movimento pode gerar.401

Conclui a este respeito o autor:

Sobre este terreno, os artigos dos códigos são necessariamente mudos: o legislador inocente não tem

calculado a quais sutis virtuosismos possa prestar-se caso a

caso, na tática dos litigantes, o emprego indireto de certos institutos; e não tem nem ao menos suspeitado que estes

podem ser empregados como meios de estímulo ou de

chantagem, dirigidos a escopos que vão muito além daqueles

queridos e previstos na lei.402

399 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197.

400 Na visão de James GOLDSCHMIDT, isto seria a utilização das classes de direitos

processuais: ―Todos los derechos procesales se encuentran en una relación causal con un acto

procesal, cuya finalidad es llevar un hecho a la evidencia, o, por lo menos, ocn la existencia de

un medio de proueba‖. (GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria

General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v.

p. 71).

401 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197. 402 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197.

Page 153: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

152

A partir deste ponto do texto, CALAMANDREI parte para

exemplificações e aplicações práticas de coações psicológicas nas varias fases

processuais, ou até mesmo anteriormente ao processo. Em suas palavras: ―Esta

disputa tática, na qual os artigos do código de processo civil podem ser

utilizados pelos contendores como peões de um jogo de xadrez, pode começar

antes mesmo do limiar do processo‖403

. Por exemplo a ameaça de recorre aos

tribunais para dirimir o conflito. Este ato, por si só, pode ser um argumento

suficiente para a parte contrária, sabendo não possuir real direito, buscar um

acordo ou até mesmo abrir mão de determinado direito.

O autor também enumera vários expedientes disponíveis para retardar o

curso do processo. ―Uma vez iniciado o processo, o abuso clássico ou

tradicional que uma parte ou outra tentará será o de alongá-lo‖404

. Nesto ponto o

uso indiscriminado de todos os ―derechos procesales‖405

de GOLDSCHMIDT

são muito bem vindos. A mais bela apresentação, trazida por CALAMANDREI,

de um ato profissional é o questionamento de competência:

Nunca pude esquecer uma lição que foi dada a mim, novato, por um colega ancião e experientíssimo [...]. Ele defendia

uma nobre trapaceira [...]. Passando-se à audiência: então,

apenas chamado o recurso, o meu adversário se levanta e pede com voz muito suave a remessa do processo às seções

unidas por razões de competência. Eu protestei indignado: -

Se trata do pagamento de um casaco de peles: o que tem que

403 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 197.

404 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 199. 405 GOLDSCHMIDT, James. Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso.

2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. 1.v. p. 71-90

Page 154: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

153 ver as seções unidas com um casado de peles? - E ele: -

O meu valoroso contraditor ignora, pois, que também em

matéria de casacos de pele as seções unidas podem saber se

são ou não competentes? - Ainda consigo ver até hoje o sorrisinho no rosto do presidente da seção, quando me disse:

- Remetido para apreciação da competência às seções

unidas.406

Porém, também existem expedientes que visam acelerar o curso do

processo, porém, para CALAMANDREI, estes, normalmente, são evitados. Isto

ocorre, principalmente, devido ao fato de uma das partes ter índices muito autos

em suas perspectivas de sentença desfavorável. Entretanto, em alguns casos,

onde ambos os litigantes, por motivos diversos, visam a celeridade processual,

estes dispositivos podem ter muita eficácia.407

CALAMANDREI também dedica espaço para a importância das medias

cautelares. Estas são dispositivos psicológicos de enorme eficácia. Este

dispositivo cautelar, de acordo com a lei, deveria produzir simples efeitos de

conservação da situação de fato, e que não levariam a prejuízos na decisão do

mérito, podem ser utilizados. Porém, nas mãos de procuradores astutos,

converte-se numa poderosa arma que leva o adversário à rendição. Rendição

esta, que caso o adversário tivesse tido oportunidade de se defender, seria

absurda.408

Demonstra o autor:

O sequestro, de meio cautelar, transforma-se com frequência

em meio de coerção psicológica, um meio expedito, poder-

406 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 201-202.

407 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 201-202. 408 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 202-204.

Page 155: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

154 se-ia dizer, de agarrar o adversário pela goela; não serve

(como hipocritamente se diz) para manter, durante o curso da

lide, a igualdade das partes e a estabilidade de suas situações

patrimoniais, mas serve, ao contrário, para colocar uma das partes em condição de tal inferioridade, de compeli-la a,

antes que se decida a lide, pedir mercê por asfixia.409

Para CALAMANDREI, a fase instrutória, principalmente o

interrogatório, é uma peça fundamental na captação psíquica do juiz e uma

maneira de coação da parte contrária. Por exemplo quando, no ato do

interrogatório, busca-se o escopo de obter o contrário da verdade, e através de

outras provas, mesmo que de mero indício, demonstrar que as respostas são

enganosas. Também as mentiras, quando muito exageradas, podem ajudar a

descobrir a verdade, pois, nestes casos, o principal fim é desmenti-lo na frente

do juiz, e, desta forma, realizando forte captação psíquica deste.410

Frente a isto, não poderia ficar excluído o violento mecanismo

psicológico que é o ônus da prova. Nas palavras do autor: ―aqui não se pode

deixar de recordar a grande engenhosidade psicológica com a qual funciona, em

toda a dinâmica processual, mas especialmente naquela probatória, aquele

mecanismo típico do liberalismo processual que é o ônus‖411

. É através deste

mecanismo que surge uma das máximas processuais, na qual, as partes são

responsáveis pelas suas próprias sortes. Desta maneira, elas estão livres para

ceder o processo a própria inércia ou mesmo, em sua atividade, modificar a

situação jurídica que se encontra o processo. Prescreve CALAMDNREI:

409 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 203.

410 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 204-205. 411 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 205.

Page 156: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

155

Não há necessidade de insistir em demonstrar de quais sutilezas, de quais matizes, de quais sagacidades é feito este

mecanismo. Trata-se, em substância, de persuadir o juiz, não

tanto da verdade dos fatos afirmados pela parte quanto da

honestidade e credibilidade da parte que os afirma. [...] Se o juiz forma uma opinião ruim de litigante, se começa a

afigurá-lo um desonesto ou um mentiroso ou um chicaneiro,

a sua causa é perdida mesmo se na realidade as suas razões são fundadas; e vice-versa, pode bastar que o juiz chegue a

convencer-se da correção e da seriedade de uma parte, para

dar-lhe como vencedor da causa, mesmo se os argumentos que traz sejam per si inconcludentes.

412

Em um processo, isto cria riscos de casuar sérios danos. Esta valoração

subjetiva do comportamento das partes413

funciona, de certa forma,

inconscientemente aos influxos sentimentais, morais, de simpatia, opções

políticas, religiosas e, até mesmo, sectárias do magistrado. Portanto, previne

CALAMANDREI, que em certos litígios, as partes optem por escolher, não o

defensor mais sério e experiente, mas sim o ―advogado da moda‖, que devido às

suas opções partidárias e sectárias, consiga produzir maior simpatia e,

consequentemente, uma maior ―influência‖ no juiz. Seria um desvairamento

negar a influência e a importância que a simpatia da parte, ou do defensor, pode

suscitar em torno de si e interferir no destino do processo.414

Na conclusão desta obra de Piero CALAMANDREI, este instiga o

412 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 206.

413 No Código de Processo Civil Italiano de 1942 (Codice e delle Leggi di Procedura Civile di

21 abrile 1942), possivelmente com a reforma de 1950 – uma vez que este texto foi publicado

neste ano – existia o art. 116 que permitia ao juiz ―deduzir argumentos de prova (...) do

comportamento das próprias partes no processo‖. 414 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 206-207.

Page 157: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

156

leitor, através das demonstrações teóricas e, principalmente, das aplicações

práticas nos exemplos suscitados, a aceitar a idéia central de sua obra, que é a

comparação entre o processo e o jogo. Realiza uma ligação com o jurista

italiano MAX ASCOLI415

, que apresenta o processo como uma espécie de sacra

representação, onde através de uma peça circense, o delito é reconstituído e

transformado em um retrato. E por este motivo o povo leva com tanta paixão e

participação sentimental este espetáculo teatral416

.

Porém, para o autor, o processo civil possui menos phatos. O ímpeto que

leva a disputa entre os litigantes no processo civil é muito mais mesquinho e se

assemelha mais ao jogo do que ao drama. Neste ramo processual, os interesses

que levam ao litígio, não raro, são alheios aos fins econômicos. Nestes casos a

verdadeira razão para litigar move-se dos mais baixos, como ciúme, inveja e

vingança, até os mais nobres, como honra e amor próprio. Também são estes os

espíritos agonísticos que entram em ação no momento da competição

esportiva.417

Então, para encerrar seu ensaio, conclui Piero CALAMANDREI:

Processo e jogo, cartas marcadas e cartas de jogo... É necessário que, advogados e juízes, façam de tudo para que

isto não seja: e para que o processo verazmente sirva à

justiça. Entretanto não há razão para se ignorar que bem outra é a realidade psicológica, tão sombria, mesmo quando parece

sorridente, que enche das mutáveis e turvas inquietudes

415 ASCOLI, Max. La interpretazione delle leggi. Roma: [s.n.], 1928 apud CALAMANDREI,

Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 23,

Jan./Mar. 2002, p. 208.

416 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 208. 417 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 208.

Page 158: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

157 humanas as formas geometricamente perfeitas do direito

processual, cujo estudo é estéril abstração, se não for também

o estudo do homem vivo.418

As exposições de Piero CALAMANDREI demonstram a necessidade

de, no mínimo, ―acreditar‖ na instituição justiça. Neste sentido a importância de

que os legisladores, os magistrados e os doutrinadores demandem os esforços

necessários para manter a confiança e o credo nesta instiuição. Para isto, torna-

se imprescindível que estes agentes conheçam as peculiaridades da ciência

processual, e de suas ramificações, especialmente a ciência processual penal

com suas peculiaridades.

Particularmente no que se refere ao processo penal, a tese de

CALAMANDREI acerca do ―jogo‖ chama-nos a atenção para a necessidade de

repensarmos algumas categorias processuais, em especial, o papel e o lugar da

defesa, o que será problematizado adiante, no item 3.3. Antes, porém,

importante adentramos em uma análise da forma como a doutrina nacional tem

trabalhado a natureza jurídica do processo penal naquelas que são as principais

obras utilizadas não apenas por acadêmicos, professores, mas também por

promotores, magistrados, desembargadores e ministros das mais altas Cortes do

país. Essa análise, a ser feita no item seguinte, deixará clara a premente

necessidade de (re)pensar a natureza jurídica do processo penal.

3.2 A Posição da Doutrina Nacional Quanto à Natureza Jurídica do

Processo

418 CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, GENESIS: Revista de Direito

Processual Civil. Curitiba, n. 23, Jan./Mar. 2002, p. 208.

Page 159: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

158

A doutrina nacional trata com certa indolência a existência da relação

jurídica dentro do processo penal. Salvo raros doutrinadores, com uma maior

seriedade, a maioria dos processualistas brasileiros, quando tratam, não

dedicam mais que página ou página e meia a determinado instituto. Entre

aqueles que se aventuram, pode-se destacar Hélio TORNAGHI, José Frederico

MARQUES, Ada Pellegrini GRINOVER, junto a Antônio Carlos de Araújo

CINTRA e Cândido DINAMARCO, Pontes de MIRANDA, Aury LOPES JR,

Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO e a chamada Escola Mineira, os

demais, quando muito, se dão ao luxo de apenas realizar algumas referências.

Hélio TORNAGHI, sem dúvida alguma, foi, no Brasil, quem melhor

trabalhou a relação jurídica processual em suas obras. Já em 1945, com grande

influência da escola CHIOVENDIANA, conquistou a cátedra de Direito

Processual Penal pela Faculdade Nacional do Rio de Janeiro (que mais tarde

viria a se tornar Universidade Federal do Rio de Janeiro) com a apresentação de

sua tese ―A Relação Processual Penal‖419

. Obra esta editada em 1987 pela

editora Saraiva, e que no decorrer de suas mais de 300 páginas, praticamente

esgota o tema. Um verdadeiro tratado sobre a relação jurídica.

A influência no autor pela escola CHIOVENDIANA resta clara quando

advoga teses de Piero CALAMANDREI420

, Francesco CARNELUTTI, Enrico

419 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987.

420 Piero CALAMANDREI foi grande crítico das teorias de James GOLDSCHMIDT, e franco

defensor das de Oskar Von BÜLOW e Adolf WACH, como seguidor da escola de Giuseppe

CHIOVENDA. Porém, no ano de 1950, CALAMANDREI rendeu homenagens a GOLDSCHMIDT em sua obra Il Processo Come Giuoco, e refutou a teoria da Relação Jurídica

processual para fazer uma radical mudança em defesa da teoria GOLDSCHMIDTIANA do

Page 160: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

159

Tullio LIEBMAN, além evidentemente do próprio Giuseppe

CHIOVENDA. Porém, para uma obra referência como está, TORNAGHI não

economizou no acervo bibliográfico pesquisado, são 321 obras de 217 autores.

Desde estrangeiros como ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, ARAGONESES

ALONSO, BECCARIA, BÜLOW, GOLDSCHMIDT, KOHLER, KELSEN,

JHERING, MONTESQUIEU, WACH e os próprios LIEBMAN,

CALAMANDREI, CARNELUTTI e CHIOVENDA, até os nacionais como

GRINOVER, MARQUES, TUCCI, TOURINHO entre outros.421

Em suas obras, mesmo perorando pela relação jurídica, fez questão de

trazer as principais teorias existentes e debatidas na comunidade jurídica

ocidental. Para cada qual, com especial atenção à teoria da Situação Jurídica de

James GOLDSCHMIDT, explicitou e fez suas críticas, sempre privilegiando

um estilo dialético.

Porém, não foi apenas nesta obra que TORNAGHI brindou seus leitores

com escritos acerca da natureza jurídica do processo. Em 1956, na obra

―Comentários ao Código de Processo Penal‖422

, prosseguiu amplo debate, em

mais de 60 páginas, sobre este tema. Certo é, que, se posicionou ao lado de

BÜLOW defendendo a teoria dos pressupostos processuais e da relação

jurídica processual, e de WACH quanto a teoria triangular. A obra ―Compêndio

de Processo Penal‖423

, lançada em 1967, também foi contemplada com vastos

exames nesta área. As demais obras do autor não foram analisadas neste

processo como Situação Jurídica.

421 TORNAGHI, Hélio. A Relação Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1987.

p. 267-281

422 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Revista

Forense, 1956. 1v. 1t. 423 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino Editor,

1967.

Page 161: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

160

trabalho acadêmico-científico.

José Frederico MARQUES, também fez grandes contribuições à

doutrina pátria quanto a natureza jurídica do processo. Em suas duas principais

obras: Manual de Direito Processual Civil424

e Elementos de Direito Processual

Penal425

, a natureza jurídica do processo é trabalhada com afinco. Tanto suas

categorias quanto suas problemáticas são abordadas e elucidadas. MARQUES

argumenta acerca da sua postura em defesa da relação jurídica:

Proposta a ação, cabe ao Estado a obrigação de compor o

litigio, dando a cada um o que é seu. Para cumprir esta

obrigação, o Estado impõe deveres funcionais a órgãos que

atuam no processo para o exercício da jurisdição, isto é, aos juízes e tribunais e respectivos auxiliares. Ao mesmo tempo

em que isso sucede, autor e 'reu ficam sujeitos à atuação dos

órgãos jurisdicionais, bem como ao cumprimento de ônus impostos pelo direito objetivo. Mas direis eles têm, também,

em face do Estado, com o correspectivo dever dos órgãos

deste de cumprir as obrigações conexas e presas ao exercício desses direitos.

Tudo isso constitui a relação processual, ou seja, uma relação

entre as pessoas que atuam no processo, regulada

juridicamente pelas normas do Direito Processual Civil. Desse modo, o processo não se caracteriza apenas como

sucessão de atos, mas, sobretudo, como unidade jurídica que

compreende as relações e vínculos jurídicos que se produzem através do movimento processual (Rosenberg).

426

O autor completa suas explicações com explicações, mesmo que

424 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Millennium, 1998.

425 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas:

Bookseller, 1997. 426 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Millennium, 1998. 1.v. p. 242-243

Page 162: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

161

sucintas, razoáveis com relação as categorias da relação jurídica processual,

v. g. o caráter público, autônomo, unitário e complexo desta teoria:

A relação processual, como relação jurídica que é apresenta

os seguintes caracteres: a) é uma relação de direito público,

uma vez que regulada pelo Direito Processual Civil, ramo do direito público; b) é uma relação autônoma, porquanto sua

existência independe da existência da relação jurídico-

material contida na lide; c) é uma relação unitária, pois, embora múltiplos os atos que a compõem, todos se conjugam

e se congregam em razão do escopo e causa finalis do

processo; d)é trilateral ou triangular, visto que se entretece

através de relações entre autor e juiz, juiz e réu, e autor e réu, como actum trium personarum; e) é complexa, por não

conter apenas um direito ou obrigação, mas um conjunto de

vínculos jurídicos coordenados a um objetivo ou finalidade comum; f) é progressiva, uma vez que se trata de uma relação

que se desenvolve paulatinamente à medida que o processo

se movimenta para atingir seu escopo final.427

Na obra que trata sobre processo penal, MARQUES trabalha a

existência de uma relação processual penal. Sustenta que esta relação é de

caráter complexo e que nesta para esta relação ―o fim comum do processo

unifica as várias relações que surgem no procedimento, mas sem fazer

desaparecer os múltiplos direitos e deveres, interesses e obrigações que se

exercitam durante o processo por meio da prática dos atos processuais‖428

.

O autor inclui ponto importante e muito controverso, como se irá

trabalhar no próximo capítulo desta monografia, ao afirmar que ―ao contrário da

relação jurídica não processual, 'que é perfeita e acabada desde que nasce', a

427 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. Campinas:

Millennium, 1998. 1.v. p. 243-244 428 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas:

Bookseller, 1997. 1.v. p. 357

Page 163: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

162

que se contém no processo é uma relação em movimento, pelo que se diz

que é uma relação progressiva‖429

.

O trio formado por Antônio Carlos de Araújo CINTRA, Ada Pellegrini

GRINOVER e Cândido DINAMARCO possui inúmeras obras sobre direito

processual. Entre elas está a Teoria Geral do Processo430

, obra digna de

destaque nas bibliotecas processuais. Com incrível suporte bibliográfico, os três

autores destinaram um capítulo de 15 páginas para tratar das diversas correntes

existentes acerca da natureza jurídica do processo. Na obra os autores trabalham

as teorias do Processo como Contrato, Quase-Contrato, Relação Jurídica e

Situação Jurídica, porém, também citam a existência das teorias de GUASP do

Processo como Instituição, do Processo como Entidade Jurídica Complexa de

FOSCHINI e a doutrina ontológica do processo de João MENDES JÚNIOR431

.

Para tanto, os três autores optaram por defender a teoria da Relação

Jurídica processual, de Oskar Von BÜLOW:

De todas as teorias acima expostas acerca da natureza

jurídica do processo, é a da relação processual que

nitidamente desfruta dos favores da doutrina. Inicialmente, é inegável o acerto de Bülow ao dizer que o processo não se

reduz a mero procedimento, mero regulamento das formas e

ordem dos atos do juiz e partes, ou mera sucessão de atos.432

429 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas:

Bookseller, 1997. 1.v. p. 357

430 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.

431 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 247-

262 432 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 252

Page 164: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

163

Porém, em seguida, ao reafirmar a existência de relações jurídicas

através de liames jurídicos, os autores parecem embaralhar esta, com outras

teorias. No momento incluem inclusive outras categorias processuais, além das

de BÜLOW:

[...] É inegável que o Estado e as partes estão, no processo, interligados por uma série muito grande e significativa de

liames jurídicos, sendo titulares de situações jurídicas em

virtude das quais se exige de cada um deles a prática de

certos atos do procedimento ou lhes permite o ordenamento jurídico essa prática.

[...] e o processo também, como complexa ligação jurídica

entre os sujeitos que nela desenvolvem atividades, é em si mesmo uma relação jurídica (relação jurídica processual), a

qual, vista em seu conjunto, apresenta-se composta de

inúmeras posições jurídicas ativas e passivas de cada um dos sujeitos do processo: poderes, faculdades, deveres, sujeição,

ônus.433

Mesmo se utilizando de categorias processuais alheias às de Oskar Von

BÜLOW, os autores tecem severas críticas à teoria da Situação Jurídica de

James GOLDSCHMIDT, e as suas novas categorias processuais. Entretanto

reconhecem os grandes avanços trazidos:

Criticando a teoria da relação processual, construiu

Goldschmidt essa teoria, que embora, não seja aceita pela

maioria dos processualistas, é rica de conceitos e de observações que vieram contribuir valiosissimamente para o

desenvolvimento da ciência processual.

[...]

433 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 252-

253

Page 165: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

164 [...] a crítica mais envolvente é aquela que observou que

toda aquela situação de incerteza, expressa nos ônus,

perspectivas, expectativas, possibilidades, refere-se à res in

juicium deducta, não ao judicium em si mesmo [...].434

Destacam ainda que apesar de ter sido desenvolvida para o processo

civil, a teoria da relação jurídica processual, pode tranquilamente ser aplicada

no direito processual penal ou direito processual trabalhista.435

Entretanto, Ada Pellegrini GRINOVER, uma das autoras da obra acima

citada, ao desenvolver outra obra (As Nulidades no Processo Penal436

), com

outros dois autores (Antonio Scaraence FERNANDES e Antonio Magalhães

GOMES FILHO), se utiliza muito bem das teorias de James GOLDSCHMIDT:

―[A defesa técnica] é sem dúvida indisponível, na medida em que, mais do que

garantia do acusado, é condição da paridade de armas, imprescindível à

concreta atuação do contraditório e, consequentemente, à própria

imparcialidade do juiz‖437

.

Ora, a teorização da paridade de armas foi realizada por James

GOLDSCHMIDT, e por conclusão lógica, leva ao entendimento de que existe

uma luta, uma batalha a ser vencida no processo. Esta batalha também foi

teorizada por James GOLDSCHMIDT, quando este realizou uma comparação

434 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 251-

252.

435 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 254.

436 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio

Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

437 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.

79

Page 166: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

165

do processo com o campo político438

.

Portanto, se existe a necessidade de paridade de armas, se existe uma

batalha, e se existe a chance de ocorrer uma derrota injusta caso não exista

aquela paridade de armas, logo a autora Ada Pellegrini GRINOVER aceita a

característica de incerteza do processo. Como já foi visto anteriormente no

capítulo 2, a dinâmica da incerteza e da insegurança não são adaptáveis aos

preceitos da teoria da relação jurídica processual de Oskar Von BÜLOW.

Apesar do autor Francisco Cavalcante PONTES DE MIRANDA

dispensar apresentações, registre-se que foi autor da maior obra já escrita por

um só homem. O Tratado de Direito Privado439

, 30 mil páginas escritas durante

15 anos e sob bibliografia de mais de 12 mil obras, levou o autor ao cenário

internacional como um dos mais respeitados e prestigiados juristas do

ocidente440

.

Importante ressaltar que é o único autor brasileiro, citado por Niceto

ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, como referência na língua portuguesa

para a natureza jurídica do processo, especialmente na teoria da Relação

438 ―Durante la paz, la relación de un Estado con sus territorios y súbditos es estática,

constituye un imperio intangible. En cuanto la guerra estalla, todo se encuentra en la punta de la espada; los derechos más intangibles se convierten en expectativas, posibilidades y cargas, y

todo derecho puede aniquilarse como consecuencia de haber desaprovechado una ocasión o

descuidado una carga; como al contrajo, la guerra puede proporcionar al vencedor el disfrute

de un derecho que en realidad no le corresponde. Todo esto puede afirmarse correlativamente

respecto del Derecho material de las partes y de la situación en que las mismas se encuentran

con respecto a él, en cuanto ha entablado pleito sobre el mismo.‖ (GOLDSCHMIDT, James.

Principios Generales del Proceso: Teoria General del Proceso. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones

Jurídicas Europa-América, S.A. 1961. p. 65)

439 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1983.

440 REVISTA ISTOÉ. PONTES DE MIRANDA: Consagrado, referência obrigatória no Direito. O Brasileiro do Século. Disponível em:

<http://www.terra.com.br/istoe/biblioteca/brasileiro/justica/jus7.htm>. Acesso em: 29 set 2009.

Page 167: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

166

Jurídica Processual441

. No Prólogo da obra ―Comentários ao Código de

Processo Civil‖442

, PONTES DE MIRANDA traz vários destaques acerca da

natureza jurídica do processo. Partidário de Oskar Von BÜLOW, tece vários

elogios ao alemão e nega totalmente, mesmo que em poucas palavras, as teorias

de James GOLDSCHMDIT:

Com o livro de O. Bülow, sôbre a teoria das exceções

processuais, começou, em 1868, a época construtiva da ciência do direito processual. Antes dêle, processualistas,

como Mendes de Castro, no seu século, pensaram com a

noção de relação jurídica processual; [...]. A discussão quanto ao processo ser, ou sòmente fundar, relação processual

perdeu o seu interêsse, depois que se mostrou ser ―falsa

questão‖.443

Partidário da teoria da relação jurídica, optou por seguir a proposta

angular de Konrad HELLWIG, onde existe somente relação jurídica processual

entre as partes e o juiz: ―Posteriormente às primeiras estruturações propostas,

prevaleceu a da figura em ângulo para os casos ordinário: autor, Estado; Estado,

réu. Foram postas de lado a teoria, falsa, de relação entre autor e réu, que J.

Kohler e outros sustentavam; e a outra, também falsa, do triangulo‖444

.

Aponta que a teoria da relação processual é aceita pelos maiores

441 ―[...] En otros idiomas, citemos a Pontes de Miranda, Comentários ão [sic] código de

processo civil, vol. I (Rio de Janeiro, 1947), pp. 16-19.‖ (ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO,

Niceto. Estudios de Teoria General del Proceso (1945-1972). 2ª ed. Cidade do México:

Universidad Nacional Autónoma de México. 1992. p. 381)

442 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro: Revista Forense, 1947.

443 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro: Revista Forense, 1947. p. 16 444 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro: Revista Forense, 1947. p. 16

Page 168: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

167

processualistas, também, no processo penal. Seu nascimento ocorre com a

citação do réu ou através do despacho na petição. Aponta que é de direito

público e segue os demais ensinamentos de Oskar Von BÜLOW no que tange

aos pressupostos processuais.445

Aury LOPES JR. figura como vanguardista, no cenário nacional, de uma

―busca constante pela conformidade constitucional do Direito Processual Penal

e, ao mesmo tempo, o respeito às suas categorias jurídicas próprias, fazendo

assim uma recusa às transmissões de categorias do processo civil‖446

.

Sua principal obra publicada, intitulada ―Direito Processual Penal e sua

Conformidade Constitucional‖447

está dividida em dois volumes, e é rica tanto

em inovação quanto em argumentação e sustentação teórica. Nas palavras de

Nelson Coutinho: é uma obra que ―ousa criar, ousa discordar, ousa transformar

colocando em crise o status quo‖448

, Aury LOPES JR é o novo, e ―o novo segue

sendo a maior ameaça às verdades consolidadas que, por elementar, produzem

resistência, não raro invencível‖449

.

Contudo, uma vez que se propôs a ―colocar em crise o status quo‖,

LOPES JR se muniu de amplo armamento cognitivo. Pedro ARAGONESES

ALONSO afirma que: Aury LOPES JR

445 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro: Revista Forense, 1947. p. 16-19

446 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. XXXIX

447 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008

448 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Prefácio. in LOPES JR., Aury. Direito

Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

2008. 1v. p. XVII

449 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Prefácio. in LOPES JR., Aury. Direito

Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

2008. 1v. p. XX

Page 169: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

168

[Aury LOPES JR] nos sorprende con la publicación de este nuevo libro: extenso (675 páginas) y documentado (1702

notas), que conluye con una relación bibliográfica que

comprende la mención de 375 trabajos, de los cuales 58

corresponden a autores españoles, 31 a autores italianos, 11 a autores alemanes y el resto, a procesalistas o penalistas

iberoamericanos, con predominio, claro es, de autores

brasileños.450

Este repertório bibliográfico e seus títulos acadêmicos permitem a Aury

LOPES JR ser o primeiro autor nacional a desafiar a teoria da relação jurídica

de Oskar Von BÜLOW, e elaborar ampla defesa da teoria da situação jurídica

de James GOLDSCHMIDT.

São 18 páginas dedicadas as Teorias da Natureza Jurídica do Processo,

passando desde as teorias que utilizam categorias de outros ramos de direito

como: Teorias de direito privado (processo como contrato, processo como

quase-contrato e processo como acordo), Teorias de direito público (processo

como relação jurídica de BÜLOW, processo como serviço público de JÈZE e

DUGGUIT e processo como instituição de GUASP). Até as Teorias que

utilizam categorias jurídicas próprias como: Processo como estado de ligação

de KISCH e Processo como situação jurídica de GOLDSCHMIDT e as próprias

teorias mistas de PODETTI, ALSINA e FOSCHINI.451

Evidente que em 18 páginas o autor não pode pormenorizar cada uma

das teorias citadas. Porém, seguindo a proposta de sua obra, trouxe a ideologia

450 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Resenha da Obra in COUTINHO, Jacinto Nelson de

Miranda. Prefácio. in LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade

Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. XXXVII 451 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. p. 35

Page 170: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

169

dominante (teoria da relação jurídica), explicitou suas características e

conceitos, e em seguida fez a crítica e uma proposta. Proposta esta que consiste

em abandonar a teoria estática de BÜLOW e aceitar o caráter dinâmico de

insegurança e imprevisibilidade do processo, através da Teoria da Situação

Jurídica de James GOLDSCHMIDT452

.

Eugênio PACELLI DE OLIVEIRA, em sua obra Curso de Processo

Penal453

, relata, mesmo que brevemente, acerca das teorias da natureza jurídica

do processo. Ainda na nota introdutória do diploma, explica que ―as nossas

maiores preocupações [quanto à obra] se dirigirão às questões de fundo de

conteúdo da relação ou das relações jurídicas, ou ainda da situação jurídica que

habita o processo penal‖454

. O autor tece amplos elogios a BÜLOW,

principalmente devido a separação do direito material do processual e a

elevação do réu como sujeito de direitos dentro do processo:

O maior mérito da obra de Bülow, Teoria das exceções

processuais e dos pressupostos processuais, de 1868, que se tornou clássica e pioneira na sistematização das teorias do

processo, além da conquista definitiva da autonomia entre o

direito de ação e o direito material, foi o de consolidar a posição do réu como titular de direitos no processo.

[...] A queda do absolutismo, em que o réu, no processo

penal, era tratado como objeto, e não como sujeito de

direitos, revelou-se o momento propicio para a elaboração da teoria do processo como relação jurídica, na qual o réu

poderia exercer verdadeiros direitos em face do Estado,

acusador e juiz.

452 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. p. 53

453 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. 454 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2007.

Page 171: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

170 E, para muito além de seus propósitos, a teoria ainda hoje

é a que goza de maior prestígio na doutrina processual,

atravessando séculos e críticas.455

Além disto, traz os conceitos e algumas características da teoria da

relação jurídica processual, trazendo até mesmo a teoria triangular de Adolf

WACH, mesmo que sem o citar. Afirma que esta teoria pode ser muito

proveitosa, uma vez que permite que os efeitos do fenômeno processual possam

ser compreendidos de maneira mais simples, ―facilitando a disposição das

partes em relação ao seu objeto, isto é, ao pedido ou à pretensão‖456

.

Provocada a jurisdição, por meio da ação, instaura-se o processo, e, a partir dele, a chamada relação processual, que

estaria completa com a citação e o ingresso do réu.

[...] Levada para o universo processual, a equação seria mais ou

menos a mesma [extraída do direito privado], com as

seguintes modificações: em primeiro lugar, diante da autonomia da relação processual, os vínculos de exigibilidade

não decorreriam da vontade das partes; em segundo lugar, a

relação processual abrigaria umas tantas outras relações

jurídicas envolvendo o autor, o réu e o juiz, fazendo que todos eles exercessem direitos e cumprissem deveres diante

dos outros. Nessa linha de orientação, a relação jurídica

processual seria triangular, envolvendo o autor e o juiz, este e o réu, e também o autor e o réu.

457

A teoria da situação jurídica de James GOLDSCMIDT não foi

455 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 87

456 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 88 457 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 87-88.

Page 172: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

171

esquecida, tendo quase metade da redação dedicada à natureza jurídica do

processo. Deste modo, para muito além de uma simples visão do senso comum,

PACELLI DE OLIVEIRA, mesmo que sutilmente, demonstra sua preferência

pela teoria de James GOLDSCHMIDT.

Nada obstante, pensamos que a teoria do processo como situação jurídica, desenvolvida por James Goldschmidt no

início do século XX, mais precisamente na década de 1920,

responde com vantagens à varias indagações que podem ser

dirigidas à teoria da relação jurídica. Para este autor, ―[...] o processo seria, então, um complexo de

perspectivas, de possibilidades, de ônus, de liberação de

ônus. Nele, nem as partes nem o juiz teriam direitos e deveres, mas apenas encargos, possibilidades, ocasiões de

fazer alguma coisa‖( apud TORNAGHI, 1987, p. 220)

Com efeitos, pensamos que no interior do processo não parece adequado falar-se em vínculos de exigibilidade entre

as partes, mas tão-somente de ônus e faculdades processuais

postas e impostas a elas por força de lei, e de cuja atuação em

relação ao ônus e às faculdades poderão resultar posições de vantagem ou desvantagem para elas (GOLNÇALVES, 1992,

p. 94).

[...] Não negamos, porém, a adequação do conceito de relação

jurídica, sobretudo com referência à posição do autor em face

do Estado, em que se verifica efetivamente o exercício do direito à provocação da jurisdição, ou, mais especificamente,

do direito de ação.

Instaurado o processo, o que se verifica no seu interior está

realmente mais para um complexo de situações jurídicas, com expectativas de direito, se e pelo adequado exercício das

faculdades processuais e da atuação eficiente diante dos ônus

processuais, do que propriamente de uma ou mais relações jurídicas.

458

458 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 88.

Page 173: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

172

Apesar de não trazer grandes exposições sobre as amplas teorias

existentes, PACELLI DE OLIVEIRA faz menção a existência de outras teorias,

dando, de acordo com a sua opinião, o espaço e importância que merecem.

Desta forma não desenvolve estas teorias pelos seguintes motivos: ―Algumas

em razão de sua escassa validade científica, tal como as teorias do contrato ou

do quase-contrato; outras, pelo insignificante espaço que ocuparam na doutrina

processual brasileira, caso, [...] da teoria do processo como instituição, do

espanhol Jaime Guasp‖459.

Paulo RANGEL, em sua obra Direito Processual Penal460

, inicia seus

trabalhos afirmando que a natureza jurídica do processo é o vínculo criado entre

os sujeitos do caso penal deflagrado pelo início da jurisdição. Após, faz breve

recorte histórico afirmando que a teoria inaugural desta área é a contratualista, e

que esta teria surgido na frança nos séculos XVIII e XIX461

.

Após uma breve explicação deste equívocos franceses, sustenta que a

evolução doutrinária levou a criação da teoria do quase-contrato, ―pois [se]

percebeu que, se não havia um livre acordo de vontades entre as partes, em face

da resistência do réu, havia, pelo menos, um quase acordo, um quase

contrato‖462

. Porém, logo descarta estas especulações, uma vez que entende que

a principal fonte das obrigações processuais é a lei.463

Logo a seguir, parte para a sustentação da teoria da relação jurídica, que

459 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008, p. 88.

460 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

461 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

432.

462 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

433. 463 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

433.

Page 174: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

173

no seu entender é a ―aceita pela melhor doutrina‖464

. Desta forma, defende

que Oskar Von BÜLOW foi o grande teorizador e o primeiro a compreender o

processo como relação jurídica. Ampara em seu texto:

A teoria da relação jurídica é, hodiernamente, aceita pela

melhor doutrina [grifo meu], entendendo que esta é o

vínculo, a ligação, o liame entre dois ou mais sujeitos,

atribuindo-lhes poderes, ônus, direitos, faculdades, deveres, obrigações e sujeições. O processo é esta relação jurídica

entre os sujeitos processuais que o integram. Ou seja, há uma

forte ligação entre o autor e o juiz (e vice-versa) e entre este e o réu (e vice-versa) e entre este e o autor (e vice-versa).

465

Instrui que a grande polêmica acerca da natureza jurídica do processo,

não se trata de qual teoria é a mais adequada, uma vez que toma como máxima

a teoria de BÜLOW e nem sequer cita a existência da teoria da situação

jurídica, mas sim entre quais sujeitos esta relação ocorre. Para tanto, faz breve

explanação a respeito da teoria de KOHLER da relação horizontal, da teoria de

HELLWIC, da relação angular, e da relação triangular, apesar de não citar

WACH como autor desta.466

Em sequência cita quem é a dita ―melhor doutrina‖

que consigo faz frente:

Entre os autores nacionais, podemos citar Alfredo Busaid, Antônio Magalhães Gomes Filho, Ada Pellegrini Grinover,

Cândido Rangel Dinamarco, Frederico Marques, Geraldo

Batista Siqueira, Gabriel de Rezende Filho, Moacyr Amaral

464 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

433.

465 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

433. 466 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

433-434.

Page 175: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

174 Santos, Paulo Cláudio Tovo, Romeu Pires de Campos

Barros e Sérgio Demoro Hamilton, dentre outros.467

Conclui suas teses citando TORNAGHI e relatando quais são os

principais argumentos que sustentam a relação jurídica processual, bem como

as características de Unidade, progressividade, complexidade, autonomia e

publicista desta teoria.468

Antonio Scarance FERNANDES, na obra Processo Penal

Constitucional469

, traz boas considerações acerta da natureza jurídica do

processo. Apresenta BÜLOW como o precursor da cientificação da teoria do

processo e como autor da teoria da relação jurídica. Demonstra os principais

autores europeus e brasileiros que seguiram e difundiram as teorias de BÜLOW

e faz breves relatos a respeito das demais teorias existentes e suas influências.

Cita Hélio TORNAGHI como principal baluarte das teorias de BÜLOW

no Brasil e utiliza-se da teoria da relação jurídica processual, principalmente,

para lecionar a separação de processo e procedimento:

O procedimento é visto como instituto distinto do processo, perdendo a importância nos estudos processuais. Passa o

procedimento a ser abrangido pelo processo, como parte dele;

era visto como o modo de ser da relação processual, que se encontra em via de gradual desenvolvimento, a ordem e

sucessão dos atos processuais, ou o modo de mover os atos

processuais e a forma em que são movidos. A relação jurídica processual exprimia a unidade e a identidade jurídica do

467 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

434.

468 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

434-435. 469 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007.

Page 176: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

175 processo.

470

No final de suas explanações referentes a esta dogmática, justifica

alguns pontos contrários à teoria da relação jurídica processual e apresenta

James GOLDSCHMIDT e GUASP como principais opositores às teorias de

Oskar Von BÜLOW: ―Houve reações, sendo mais significativas as

representadas pelas teorias que consideram o processo como (a) situação

jurídica ou (b) instituição‖471

.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO, em sua obra Processo Penal472

,

traz boa explanação acerca da relação jurídica processual. Inicia sua defesa, da

teoria de BÜLOW, por um resgate histórico, passando pelo surgimento da

pretensão punitiva do Estado, até a formação da lide penal.473

Afirma que se

caso o processo não seja visto através da unidade (da relação jurídica), este não

passaria ―de uma série de atos visando à aplicação da lei ao caso concreto‖474

.

Em breve eloquência ao criador desta teoria, TOURINHO FILHO

aproveita para determinar as principais características da relação jurídica

processual: ―O processo, tal como antevira o gênio de Oskar Von Bülow, tem o

caráter de uma relação jurídica autônoma, eminentemente pública, entre o

Estado-Juiz e as partes‖475

.

470 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 38.

471 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 39.

472 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva.

2007. 1.v.

473 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva.

2007. 1.v. p. 16.

474 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. 1.v. p. 17.

475 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva.

Page 177: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

176

Finaliza seus pensamentos com uma severa crítica a teoria angular

de HELLWIG, defendendo veementemente a teoria de WACH (mesmo sem

citar tais autores):

Trata-se, ademais, de relação jurídico-processual de natureza

triangular, e não angular. A relação jurídico-processual não é

apenas entre as partes, acusadora e acusada. Essa relação

existe como um dos aspectos da relação jurídico-processual, que é de natureza complexa. [...] há a relação entre o Juiz e as

parte.476

Rogério Lauria TUCCI reserva um subcapítulo, em sua monografia

Teoria do Direito Processual Penal477

, para trabalhar a natureza jurídica do

processo. Inicia afastando qualquer tentativa privatística do processo para

vangloriar Oskar Von BÜLOW e sua tão vangloriada teoria da relação jurídica

processual. Neste ponto dedica espaço para explicitar a separação e autonomia

do direito material para com o direito processual.

TUCCI cita outras teorias que sustentam a natureza jurídica do processo,

mas afastá-as com base nos textos de Enrico Tullio LIEBMAN e José Frederico

MARQUES, a saber:

Consequentemente, e afastadas, de resto [...] quaisquer outras

menos significativas acepções e publicísticas do processo

como as de JAMES GOLDSCHMIDT (teoria da situação jurídica, de KOHLER e outros, especialmente do autor antes

citado, asseverando, substancialmente, que os direitos e

2007. 1.v. p. 17.

476 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva.

2007. 1.v. p. 17. 477 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e

Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

Page 178: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

177 obrigações das partes, embora estabelecidos por normas

jurídicas materiais, transfundem-se, em juízo, no

posicionamento expectante de futura sentença, numa

situação jurídica – assim concebida, mais propriamente, a res in iudicium deducta) e de JAIME GUASP e EDUARDO J.

COUTURE (teoria institucional, segundo a qual o processo

seria uma instituição, cujo conceito corresponde ao de uma relação jurídica complexa), só se o pode conceber como o

meio pelo qual os interessados exercem o direito à jurisdição

(ação), e são instados a cumprir o dever de colaboração para

com o órgão jurisdiconal competente; e este efetiva a ação judiciária, declarando o direito, satisfazendo o direito

declarado, e assegurando o direito a ser declarado ou

satisfeito.478

Porém, TUCCI incide em perigoso equívoco ao defender a teoria da

relação jurídica utilizando-se de uma plataforma da teoria de James

GOLDSCHMIDT. O autor afirma que ―o relacionamento jurídico ocorrente

entre os sujeitos processuais parciais [juiz] e imparciais [partes] [...] é

meramente procedimental, sem nenhuma possibilidade, portanto, de exigência,

de um para com o outro, de qualquer facere, ou non facere‖479

. Ora, quando

BÜLOW elaborou a teoria da relação jurídica, um dos seus pressupostos de

existência, e que foi muito combatido por GOLDSCHMIDT) é a existência de

direitos e obrigações recíprocos entre os sujeitos da relação processual480

.

Afirmações desta categoria podem acarretar o esvaziamento total do núcleo

fundante da teoria da relação jurídica de BÜLOW. Na obra Princípios e Regras

478 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e

Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002, p. 161.

479 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e

Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002, p. 161. 480 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Campinas:

LZN. 2005, p. 5.

Page 179: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

178

Orientadoras do Novo Processo Penal Brasileiro481

, TUCCI não desenvolve

(e nem mesmo cita) as teorias acerca da natureza juríkdica do processo.

Pinto FERREIRA, em sua obra Curso de Direito Processual Civil482

,

inova a doutrina nacional ao trazer a teoria do Módulo Processual de Elio

FAZZALARI. Porém, inicia seus trabalhos com a tradicional teoria da relação

jurídica de BÜLOW. O autor não faz grandes evoluções a cerca desta teoria,

dedicando meras 5 linhas para isto.

Sustenta que a relação jurídica é formada pelas partes litigantes e o

magistrado e acrescenta que aqueles estão ―na base de um triângulo e o

magistrado no vértice‖483

. Desta forma pode-se deduzir que é seguidor da teoria

piramidal de Adolf WACH, mesmo que este não tenha sido citado na obra em

questão.

Entretanto, apesar de defender a teoria da relação jurídica, FERREIRA

também defende a teoria do Módulo Processual:

Mais tarde desenvolveu-se a teoria do módulo processual,

firmada por Elio Fazzalari em seus trabalhos Istituzioni di

diritto processuale (Padova, 1975) e Processo – teoria generale (in Novissimo digesto italiano, cit., v. 13), em que

considera o processo um sistema em que sobretudo se torna

necessária a presença do contraditório. Cândido Dinamarco, em A instrumentalidade do processo, cit., define o módulo

processual e constrói os grandes diagramas da ciência do

processo: competência, ação, elementos, condições, procedimento, atos processuais, forma, vícios, invalidade;

partes, capacidade; prova, instrução, decisão; provimento,

recurso etc.

481 TUCCI, Rogério Laugira et all. Princípios e Regras Orientadoras do Novo Processo

Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1986. 482 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 1998

483 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 1998, p. 19.

Page 180: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

179 A contradição é, assim, essencial ao processo no Estado

Democrático de Direito. A ampla defesa está prevista em

nossa Constituição Federal de 1988, aplicando-se a qualquer

modalidade de processo, seja ele cível, penal, administrativo ou fiscal, sob pena de nulidade.

484

Resta a dúvida sobre qual seria a teoria adotada por Pinto FERREIRA.

Todavia, vale o aparte de que FERREIRA é o único autor, localizado nesta

pesquisa acadêmica, da doutrina nacional, que apresenta os trabalhos do italiano

Elio FAZZALARI e sua teoria do Módulo Processual.

José Rubens COSTA, em sua obra Manual de Processo Civil485

, faz coro

a maioria dos autores quando defende a teoria da relação jurídica de BÜLOW,

mesmo que não cite o autor em seus textos. Para COSTA ―o processo civil não

é apenas um meio dou uma técnica para a realização do direito material. Cuida,

ao contrário, do estabelecimento de novas relações jurídicas, ou seja, a relação

jurídica que se estabelece entre, de um lado, o juiz e, de outro, angularmente, o

autor e o réu‖486

.

Mas José Rubens COSTA se diferencia da doutrina nacional, por ser um

dos únicos a defender a teoria angular de Konrad HELLWIG. O autor afirma

que ―a segunda [Teoria piramidal de WACH] e a terceira [Teoria linear de

KOEHLER] estão superadas, uma vez que se entende o processo como relação

jurídica apenas entre o Estado e o autor e o Estado e o réu. Não há relações

jurídicas processuais entre o autor e o réu‖487

.

484 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 20

485 COSTA, José Rubens. Manual de Processo Civil: Teoria Geral a Ajuizamento da ação.

São Paulo: Saraiva. 1994. 1.v.

486 COSTA, José Rubens. Manual de Processo Civil: Teoria Geral a Ajuizamento da ação. São Paulo: Saraiva. 1994. 1.v. p. 6

487 COSTA, José Rubens. Manual de Processo Civil: Teoria Geral a Ajuizamento da ação.

Page 181: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

180

Na obra Curso Completo de Processo Penal488

, de Paulo Lúcio

NOGUEIRA, o autor traz breves considerações a respeito da natureza jurídica

do processo em lugares variados, não dedicando um momento único para

trabalhar este tema. Quando trabalha os pressupostos processuais, o autor

afirma que estes ―são requisitos necessários à existência de uma relação

processual válida. [...] Somente satisfeitos os pressupostos processuais é que

nasce a relação processual‖489

.

Em um segundo momento, quando trabalha os sujeitos da relação

processual, NOGUEIRA sustenta que ―sujeitos processuais ou titulares da

relação processual são aquelas pessoas entre as quais se institui, se desenvolve e

se completa a relação jurídico-processual‖490

. Finaliza suas explicações acerca

da natureza jurídica do processo afirmando que: ―três são os sujeitos principais

da relação processual: o juiz, que ocupa o vértice do triângulo, o acusador e o

acusado, que são as partes e que se assentam nas suas bases‖491

.

Deste modo, percebe-se que NOGUEIRA é defensor da teoria da relação

jurídica, porém, para um ―Curso Completo de Processo Penal‖, existem

algumas falhas. Primeiro a ausência de um ―espaço‖ apenas para a natureza

jurídica do processo. Segundo que nos poucos e esparsos momentos em que

trabalha este instituto, não faz referência a BÜLOW, que foi o criador da teoria,

ou a WACH que foi quem desenvolveu a teoria piramidal, citada por

São Paulo: Saraiva. 1994. 1.v. p. 7

488 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo:

Saraiva. 2000.

489 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo:

Saraiva. 2000, p. 28.

490 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo:

Saraiva. 2000, p. 240. 491 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo:

Saraiva. 2000, p. 240.

Page 182: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

181

NOGUEIRA, da relação jurídica.

Fernando CAPEZ, em seu livro Curso de Processo Penal492

, levanta um

sub-tópico a respeito da natureza jurídica do processo. Relata brevemente a

respeito do processo como forma objetiva e subjetiva. Afirma que é o aspecto

subjetivo que agrega a dinamicidade do processo e cria a relação jurídica

processual493

. Em seguida cita as várias teorias existentes:

Muito se discutiu a respeito da natureza jurídica do

processo, discussão cujo delineamento certamente

extrapolaria as finalidades deste trabalho. Pode-se dizer

apenas que as principais teorias a respeito são: a) do

processo como contrato; b) do processo como quase-

contrato; c) do processo como relação jurídica

processual; d) do processo como situação jurídica e, por

fim; e) do processo como procedimento em

contraditório.

A citação de 5 teorias geraria uma certa credibilidade ao trabalho de

CAPEZ. Porém, em seguida relata qual é sua posição a respeito da natureza

jurídica do processo: ―De todas elas, foi a da relação jurídica processual, [...]

que, temperada com postulados das teorias da situação jurídica e do

procedimento em contraditório, ganhou acolhida junto à doutrina‖494

. Isto já

geraria uma grande dúvida sobre o que seria esta natureza jurídica, porém

Fernando CAPEZ elucida (ou complica?):

É possível caracterizar a relação jurídica processual como o

492 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006 493 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 13.

494 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 14.

Page 183: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

182 nexo que une e disciplina a conduta dos sujeitos

processuais em suas ligações recíprocas durante o

desenrolar do procedimento. Tendo em vista que no arco do

procedimento os sujeitos passam de situação em situação, de posição em posição, ativas e passivas, podemos dizer, ainda,

que a relação jurídica processual apresenta-se como a

sucessão de posições jurídicas ativas (poderes, faculdades e ônus) e passivas (deveres, sujeições e ônus), que se

substituem pela ocorrência de atos e fatos procedimentais,

porquanto de um ato nasce sempre uma posição jurídica, que,

por sua vez, servirá de fundamento à prática de outro ato, que ensejará nova posição dos sujeitos processuais e, assim por

diante, até o provimento final.495

Neste momento, Fernando CAPEZ embaralha todas as teorias, e desta

forma acaba por desqualificá-las por inteiro. O que se demonstra é que na

tentativa de resguardar a teoria da relação jurídica, o autor acaba por asfixiá-la.

A inserção de categorias da teoria da situação jurídica de James

GOLDSCHMIDT, como poderes, faculdades e ônus, junto a um caráter

epistemológico, destrói totalmente as características de direitos e obrigações

entre os sujeitos da relação jurídica de Oskar Von BÜLOW. Aury LOPES JR.

faz breves considerações a respeito deste tipo de doutrina:

[...] a crítica que realizou GOLDSCHMIDT à relação jurídica

processual foi tão sólida que seus defensores atuais foram obrigados a adotar uma dessas três posições:

1. pretender defender a conciliação da teoria da relação

jurídica com a da situação jurídica;

2. estender o conceito de relação jurídica a limites inimagináveis e insustentáveis, como são as tentativas de dar-

lhe dinamicidade, fluidez e complexidade;

3. esvaziar o conteúdo da relação jurídica, substituindo os ―direitos e obrigações processuais‖ pelas categorias

495 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 14.

Page 184: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

183 goldschmidtianas de possibilidades e cargas (e às vezes

até de expectativas, chances processuais etc.), o que significa

esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow

Em todos os casos, deve-se ter muita atenção, pois estamos diante de um autor e posições teóricas que, para tentar salvar

a relação jurídica, não fazem mais que matá-la.496

Julio Fabbrini MIRABETE, em sua obra Processo Penal497

, revista e

atualizada por seu filho Renato N. FABBRINI, dedica um parágrafo para

realizar breves considerações acerca da natureza jurídica do processo. Após

ampla explanação com relação a lide processual, MIRABETE afirma:

Materialmente, o processo é uma relação jurídica autônoma,

diversa do direito material discutido, de caráter público, entre

o Estado-Juiz e as partes. Existe no processo um complexo de vínculos jurídicos que se estabelecem não só entre as

partes acusadora e acusada mas entre estas e o julgador.498

MIRABETE é considerado por muitos como parte da doutrina clássica

brasileira, porém, no que tange à natureza jurídica do processo está muito

aquém do esperado. Além de fazer apenas meros apontamentos sobre as

características deste tema, não desenvolve nenhuma delas.

Guilherme de Souza NUCCI, possui duas obras principais acerca do

processo: Código de Processo Penal Comentado499

e Manual de Processo Penal

e Execução Penal500

. Na primeira obra o autor realiza escassa referência quanto

496 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1v. p. 50-51

497 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.

498 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 8.

499 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

500 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. rev.

Page 185: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

184

a natureza jurídica do processo, porém não a desenvolve em momento

algum, v. g.: ―Juiz como sujeito da relação processual: desempenha o

magistrado a função de aplicar o direito ao caso concreto, [...] razão pela qual,

na relação processual, é sujeito, mas não parte‖501

.

Já na segunda obra, percebe-se que NUCCI é partidário da teoria da

Relação Jurídica Processual, porém, em nenhuma parte de seu livro o autor a

desenvolve. As únicas referências que a obra possuí, e que leva o leitor a

perceber sua opção, são alguns títulos e subtítulos. Verbi gratia:

Capítulo IV – Princípio do processo penal [...]

2. Princípios constitucionais explícitos do processo penal

2.2 Concernentes à relação processual 2.2.1 Princípio da prevalência [...]

3. [...]

3.2 Concernente à relação processual

[...]502

E assim por diante, a expressão ―relação processual‖ aparece várias

vezes no sumário da obra, porém no corpo do texto não se encontra

desenvolvimento e nem explicações desta teoria. O descaso é tamanho, que

autores como Oskar Von BÜLOW, Adolf WACH, Josef KOHLER, Konrad

HELLWIG e James GOLDSCHMIDT nem sequer aparecem na referência

bibliográfica da obra.

Damásio Evangelista de JESUS, em sua obra Código de Processo Penal

atual. e ampli. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

501 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. 2002. p. 473. 502 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. rev.

atual. e ampli. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Page 186: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

185

Anotado503

, optou por não inserir em sua produção escritos acerca da

natureza jurídica do processo. Não que se espere muito dos autores da nossa

doutrina clássica, porém, uma matéria que ocupa tamanha importância para a

compreensão interna do processo, merece, no mínimo, comentários sobre a sua

existência, e explicações sobre seus conceitos.

De tudo o que foi acima exposto, não é difícil concluir que, à exceção de

raras vozes, a doutrina processual penal nacional (e alguns outros nomes do

direito processual civil, aqui trabalhados como reforço argumentativo), a

discussão, repleta de consequências práticas, como adiante poderemos verificar,

é praticamente inexistente, o que demonstra a necessidade premente de

―voltarmos‖ a BÜLOW, GOLDSCHMITT e outros, para (re)definirmos a

natureza jurídica do processo penal e, a partir daí, partimos para a discussão

sobre as implicações práticas que tal definição acarreta.

3.3 Algumas Implicações Práticas da Aceitação do Processo Como Um Jogo

Uma vez compreendido quais foram os motivos e fundamentos que

levaram Oskar Von BÜLOW a formular a teoria da Relação Jurídica Processual

e dos Pressupostos Processuais, percebe-se a real importância dos estudos deste

autor para a ciência processual moderna. A Relação Jurídica Processual,

entendida como um elo de ligamento entre as partes e o juiz (ou somente entre

as partes), que torna o processo uno e tem por base os direitos e obrigações de

seus sujeitos, figura, ainda, como principal corrente doutrinária no universo

503 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 16ª ed. São Paulo:

Saraiva. 1999.

Page 187: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

186

jurídico ocidental.

Por muitos anos, foi praticamente uníssona a dogmatização desta teoria

alemã. Entretanto, como já visto, em 1925, James GOLDSCHMIDT desponta

no cenário internacional, como criador e inovador da natureza jurídica do

processo. Seguido por poucos e criticado por muitos, GOLDSCHMIDT não se

intimidou e no decorrer de sua vida, aos poucos, conquistou seguidores e

quebrou os preceitos que sustentavam a teoria da Relação Jurídica Processual.

Em seu lugar, este autor sugeriu uma nova visão do processo, uma visão que

entendesse o processo através de sua real natureza. Para esta nova percepção e

visão processual, deu o nome de Teoria da Situação Jurídica Processual.

Na América Latina, países como Argentina, México e Uruguai foram

contemplados com seguidores de GOLDSCHMIDT, que estavam dispostos a

travar esta discussão pela real natureza jurídica do processo. Porém, no Brasil,

mesmo que tivesse ocorrido um início de debate, este foi cessado após a tese de

Hélio TORNAGHI acerca do tema. Tão completa e rica, tanto em teses como

em bibliografia, Hélio TORNAGHI praticamente colocou um ―ponto final‖

nesta discussão.

Por este motivo, ainda que não exclusivamente, no Brasil, a doutrina

majoritária adota os pressupostos de validade da Relação Jurídica Processual,

como fundamento para explicar a natureza jurídica do processo. Salvo poucos e

novos doutrinadores, as várias gerações de juristas no Brasil foram criadas e

doutrinadas através dos ensinamentos da doutrina alemã de Oskar Von

BÜLOW. O renascimento deste, e de muitos outros debates, por uma nova

escola processual penal tupiniquim, liderada principalmente por Aury LOPES

JR e Eugênio PACELLI DE OLIVEIRA, coloca em cheque mais de 50 anos de

Page 188: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

187

harmonia dos dogmas doutrinários nacionais.

Porém, mesmo que o ceticismo de James GOLDSCHMIDT tenha

fundamento, e que os demais autores se rendam à sua tese da natureza jurídica

do processo, cabe perguntar: Quais as consequências de adotar o

posicionamento de James GOLDSCHMIDT ao de Oskar Von BÜLOW? O que

de real mudaria em um ―Curso de Processo Penal‖, de um autor que adota a

teoria da situação jurídica ao invés da relação jurídica? Restringir-se-ia a alterar

um subtítulo de sua obra, ou seria necessário remodelar totalmente os conceitos,

posicionamentos, procedimentos e entendimentos sobre o processo? É preciso

buscar quais são as reais consequências de se adotar a teoria da Situação

Jurídica de James GOLDSCHMIDT e de compreender o processo como um

Jogo, assim como advogou Piero CALAMANDREI.

Difícil seria elencar todas as consequências jurídicas e processuais para

analisar o processo através dos olhos de James GOLDSCHMIDT. Entretanto,

dentro desta odisseia de propósitos e argumentos desenvolvidos e apresentados

por GOLDSCHMIDT, permitimo-nos realizar pequenas, porém importantes

considerações acerca daquelas que entendemos serem as principais

consequências práticas de se adotar esta nova teoria: a incerteza característica

do processo e suas consequências no contraditório e no princípio da par

conditio ou da Paridade de Armas.

Portanto, compreendeu-se que um dos principais focos da teoria de

James GOLDSCHMIDT é realmente a incerteza que gira em torno do processo.

Piero CALAMANDREI, como já visto, ao afirmar que o processo é um jogo,

ressaltou esta característica processual ao máximo. Se é permitido apostar no

vencedor de um jogo, é porque não existe certeza sobre seu vencedor. Quanto

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188

menor as chances, menores serão as apostas, mas maiores poderão ser os

lucros no caso de vitória.

Para tentar explicar esta incerteza, Aury LOPES JR504

retoma Albert

EINSTEIN e Stephen HAWKING, para afirmar que se ―até Deus joga dados

com o universo, seria muita arrogância pensar que no processo seria

diferente‖505

. Esta concepção de HAWKING demonstra que todas as

disciplinas e áreas da ciência necessitam trabalhar com a incerteza.

Se para HAWKING o universo é um grande cassino, então podemos

demonstrar que o processo também assim se caracteriza. Da mesma forma que

em um cassino, apesar de incertos, a maioria dos resultados é favorável, no

processo a regra é a mesma. Não fosse assim, os cassino e o sistema de justiça

estariam falidos. O ponto fundamental para este entendimento, é que num total

de apostas (ou processos) do sistema, o resultado geral pode ser previsto.

Entretanto, a cada aposta única, em cada processo separado, o resultado jamais

poderá ser previsto. Explica Aury LOPES JR:

[...] Na média, pode-se afirmar que a justiça e o acerto dos

resultados estão presentes. Ou seja, como existem muitos

milhares de lançamentos de dados diariamente (distribuição, tramitação e julgamento), pode-se prever que a média será de

acerto das decisões, mas o resultado concreto de um

determinado processo (aposta individual na roleta) é

completamente incerto e imprevisível. Essa é uma equação que precisa ser compreendida, principalmente pelos ingênuos

apostadores.506

504 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 49-51.

505 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 51. 506 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 52.

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189

Desta forma, somente após compreender e inserir a característica da

incerteza no processo penal é que se poderá construir um sistema de garantias

reais ao réu. A elaboração destas garantias devem ter como foco proteger o réu

no momento em que é ―jogado nesta roleta‖ que é o processo, e desta forma

reduzir os riscos inerentes a este sistema.

Nesta lógica, uma das maneiras de reduzir os riscos do réu neste jogo é

elevando e tornando altamente sensível o direito fundamental ao contraditório e

à ampla defesa, e externar isto em confluência com o princípio constitucional da

igualdade.

Estas acepções não são novas para a doutrina nacional, e muito menos

as são para as antigas escolas processuais européias. O direito ao contraditório é

elemento fundante de qualquer processo que deseje ser considerado

democrático. Suas raízes remontam até mesmo à Grécia Antiga.507

Tamanha é

sua importância, que pode ser deduzida da Declaração Universal dos Direitos

Humanos:

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal

independente e imparcial, para decidir de seus direitos e

deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI - 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o

direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as

garantias necessárias à sua defesa.508

507 PLATÃO. Críton. São Paulo: Nova Cultural. 1996.

508 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos

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190

Também a Constituição Federal garante este direito em seu artigo 5º,

LV: ―Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes‖509

.

Ocorre que a doutrina tradicional encara(va) o contraditório apenas em

sua parte formal, como o direito da parte de conhecer do processo e, desta

forma, contribuir na formação do convencimento do juiz. Porém, de acordo

com PACELLI DE OLIVEIRA510

, a doutrina moderna, sobretudo a partir de

Elio FAZZALARI, desenvolve uma nova concepção do que seria o direito ao

contraditório, e neste sentido insere a este instituto, o princípio, acima

assinalado, da par conditio ou da paridade de armas. Conclui PACELLI DE

OLIVEIRA:

O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à

informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação (contrariedade) a

ambos – vistos, assim, como garantia de participação –, mas

também garantiria que a oportunidade da resposta

pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão. Em

outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de

participação em simétrica paridade.511

Humanos. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>.

Acesso em: 10 out. 2009. grifo nosso.

509 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da

União, Brasília, nº 191-A, 5 de outubro de 1988.

510 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 33 511 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris. 2008. p. 33 grifo nosso.

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191

Neste mesmo sentido, segue Alexandre MORAIS DA ROSA: ―É

preciso superar Dinamarco, pelo menos, em favor de Fazzalari‖512

, e prossegue,

―[...] o contraditório precisa ser revisado, uma vez que não significa apenas

ouvir as alegações das partes, mas a efetiva participação, com paridade de

armas, sem a existência de privilégio, estabelecendo-se uma comunicação entre

os envolvidos, mediada pelo Estado‖513

.

Para Antônio Scarance FERNANDES, o contraditório deve garantir não

só o direito a informação, mas também a reação, e reação esta que seja

equânime. Portanto, uma vez que deseje-se valer estas afirmações, exige-se a

propositura de um contraditório pleno e efetivo. Pleno devido a necessidade do

contraditório estar presente durante todo o desenvolvimento do processo.

Efetivo porque, nas palavras do autor: ―não é suficiente dar à parte a

possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo

imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de

contrariá-los‖514

.

Elio FAZZALARI é tão enfático quanto à importância do contraditório

no processo, que insinua, em seus escritos, que sem contraditório não há

processo. E, confirmando as afirmações de Eugênio PACCELI DE OLIVEIRA,

afirma que o contraditório deve contemplar também a participação até mesmo

no ato processual da parte contrária. Nas palavras do autor:

512 ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um

PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 64.

513 ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um

PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 76. grifo nosso. 514 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 63.

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192

C'è, insomma, processo quando in una o più fasi dell'iter di formazione di un atto è contemplata la partecipazione non

solo - ed ovviamente - del suo autore, ma anche dei

destinatari dei suoi effetti, in contraddittorio, in modo che

costoro possano svolgere attività di cui l'autore dell'atto deve tener conto; i cui risultati, cioà, egli può disattendere, ma

non ignorare.515

[...] Lessenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipino

almeno due soggetti, un interessato e un controinteressato:

sull'uno dei quali l'atto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sull'altro effetti pregiudizievoli.

516

Por estes motivos, aqui se encontra o ponto nevrálgico da questão. Fala-

se de paridade de armas e de igualdade entre as partes, a fim de evitar o uso

excessivo da força ou do poderio de uma sobre a outra. Neste caso, como

desprezar a incerteza que ronda o processo? E mais, como desprezar o caráter

agonístico atribuído por Piero CALAMANDREI?

Portanto, como afirmou GOLDSCHMIDT, uma vez que o processo é

uma guerra, deve-se ter focado na mente das partes, que o que importa é uma

boa estratégia e o conhecimento das armas que estão em jogo. Desta forma,

cabe ao magistrado garantir ao extremo a imparcialidade e o respeito pelas

515 ―Existe, em suma, o processo quando em uma ou mais fases da formação de um ato, é

contemplada a participação, não somente – obviamente – do autor, mas também do destinatário

dos seus efeitos, em contraditório, de modo que ele possa realizar atividades da qual o autor do

ato deve ter em conta; onde o resultado ele pode até desconsiderar, mas não pode ignorar.‖

(Tradução Livre) (FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8ª ed.

Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani. 1996. p. 83). (grifo nosso)

516 ―A essência do contraditório exige a participação de pelo menos dois sujeitos, um

interessado e outro contra-interessado: somente a um dos quais o ato final é destinado a

fornecer efeitos favoráveis e ao outro efeitos prejudiciais.‖ (Tradução Livre) (FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8ª ed. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani.

1996. p. 86) (grifo nosso).

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193

regras do jogo, uma vez que estas regras estejam conforme os valores acima

referidos. Nas palavras de LOPES JR: ―A assunção desses fatores é

fundamental para compreender a importância do estrito cumprimento das regras

do jogo, ou seja, das regras do due process of law”517

.

Para Fernando da Costa TOURINHO FILHO, uma vez que é o sistema é

acusatório, deve haver uma igualdade entre as partes. O autor afirma que a

ausência de equilíbrio entre as partes, em um processo de cunho acusatório,

seria a própria negação da Justiça. Conclui: ―Para que haja igualdade é

indispensável disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par

conditio. Os direitos e poderes que se conferem à Acusação não podem ser

negados à Defesa‖518

.

Em um caso concreto, se o processo é um jogo, e o direito constitucional

garante o contraditório, que por sua vez exige a paridade de armas, como

afirmar que a defensoria dativa de Santa Catarina atua com a mesma

intensidade que o Ministério Público?

De um lado o Ministério Público, instituição com orçamento próprio,

independência funcional, autonomia administrativa, constitucionalmente a

titular da ação penal pública e os deveres constitucionais de defesa da ordem

jurídica e do regime democrático. Possui membros concursados e vitalícios

após dois anos de estágio probatório, além de outras prerrogativas

constitucionais de membros de um Poder estatal. Um time altamente entrosado,

com peritos, conselhos e coordenadorias especializadas, prontas para atender às

517 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v, p. 52. 518 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9ª ed. São Paulo:

Saraiva. 2007, p. 19.

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194

ânsias, dúvidas e necessidades de seus membros.519

Do outro, um advogado, que além de auferir menos do que o mínimo

estipulado pela tabela do seu órgão de classe, recebe seus honorários atrasados.

Não possui as garantias constitucionais que os membros do Ministério Público

possuem e nem mesmo a estrutura estatal dada ao parquet. Por estes e outros

motivos, muitas vezes é realizada por iniciantes nos quadros da OAB, que por

não possuírem clientela constituída ainda, aceitam receber aquém do mínimo

ditado pela ordem. Em outros casos é suprida pelos escritórios modelos de

advocacia das universidades, onde, apesar de possuir a supervisão de um

advogado, quem elabora as peças e, muitas vezes, traça as estratégias, são os

estudantes.

Nas palavras de João Porto SILVÉRIO JÚNIOR:

Com um órgão tão bem estruturado e com seus membros detendo prerrogativas de membros de poderes constituídos, o

sistema acusatório restaria prejudicado caso a própria

Constituição Federal não tivesse equilibrado os pratos da balança do contraditório. [...] Outro instrumento previsto na

Lei Fundamental para equilibrar os pratos da balança do

contraditório foi a defensoria pública, como forma de dar

efetividade ao princípio da garantia da ampla defesa.520

519 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 127 e seguintes.

Diário Oficial da União, nº 191-A, de 5 de outubro de 1988. BRASIL. Lei Complementar nº

40 de 1981. Estabelece normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público

estadual. Diário Oficial da União, 15 de dezembro de 1981. BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de

fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas

gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Diário

Oficial da União, Brasília, 15 de fevereiro de 1993.

520 SILVÉRIO JÚNIOR, João Porto. A Incompatibilidade do Assistente de Acusação com o

Processo Acusatório de 1988. Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais, Goiania. Disponível

em: <http://www.portalgepec.org.br/artigos/a_incompatibilidade_do_assistente_de_acusacao_com%

20o%20proc.pdf>. Acesso em: 18 out. 2009. p. 7.

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195

Nos escritos de Francesco CARNELUTTI sobre ―As Misérias do

Processo Penal‖, em vários momentos, o autor demonstra a maneira como o

advogado é tratado perante o juiz e o ministério público. Isto ocorre, a despeito

de que ambos se invistam da toga, justamente para demonstrar a paridade,

igualdade e união entre estes sujeitos processuais em busca da justiça:

[...] o conceito de uniforme serve para clarear a razão pela

qual vestem a toga não somente os juízes mas também o

ministério público e os advogados. Procuremos entender, agora, a necessidade, ao lado dos juízes, destas outras

figuras. [...] Eles são, portanto, em relação ao juiz, o outro

lado da trincheira. [...] Enquanto o juiz está lá para impor a paz, o ministério público e advogados estão lá para fazer a

guerra.521

A toga do acusador e do defensor significa pois que

aquilo que fazem é feito a serviço da autoridade; em

aparência estão divididos, mas na verdade estão unidos no esforço que cada um despende para alcançar a justiça.

522

Porém, ocorre que mesmo excluindo os problemas pertinentes a

defensoria dativa, nem sempre haverá uma paridade de armas entre a acusação e

a defesa. Ainda que seja um defensor constituído, a própria legislação

infraconstitucional acaba por diferenciar as partes no jogo. Um simplório

exemplo é o direito do Ministério Público de ter todos os prazos em dobro. Isto

quando não possui prazo ―indefinido‖. Urge, pois, o momento de tornar fatídica

a paridade de armas entre a defesa e a acusação. Urge o momento de pensar em

521 Percebe-se que mais uma vez Francesco CARNELUTTI compara o processo à guerra,

elencando desta forma suas influências de James GOLDSCHMIDT e de Piero

CALAMANDREI. 522 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conan. 1995. p.

18-19

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196

um novo papel para o juiz em um procedimento em contraditório523

.

Para Aury LOPES JR, a disparidade de armas em um processo, pode

levar até mesmo ao risco da destruição da estrutura dialética do processo, ou

seja, o fim do próprio sistema acusatório. Conclui:

[...] impõe ao Estado a obrigação de criar e manter uma estrutura capaz de proporcionar o mesmo grau de

representatividade processual às pessoas que não têm

condições de superar os elevados honorário de um bom

profissional. Somente assim se poderá falar de processo acusatório com um nível de eficácia que possibilite a

obtenção da justiça.

[...] O Estado já possui um serviço público de acusação (Ministério Público), devendo agora ocupar-se de criar e

manter um serviço público de defesa, tão bem estruturado

como o é o Ministério Público. É um dever correlato do Estado para assim assegurar um mínimo de paridade de

armas e dialeticidade.524

Outro fator, que poderia ser elencado como no mínimo psicológico, é a

disposição dos lugares de cada sujeito processual nos tribunais. O juiz, sempre

supremo, está acima de todos, na posição mais alta da corte, e o advogado e

ministério público, que deveriam figurar na mesma altura, figuram em posições

diversas. O membro do ministério público sempre está posicionado ao lado do

magistrado, mesmo que um pouco abaixo. Somente lá em baixo, junto ao réu,

―no último degrau da escada‖, figura o advogado. Nas palavras de

523 Sobre o tema ler o subtítulo 4.4 (O Novo Papel do Juiz no Procedimento em Contraditório)

da obra: ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um

PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. p. 76. grifo nosso. 524 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v, p. 59.

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CARNELUTTI: ―A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta:

sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado‖525

. Prossegue o

autor:

Se, entretanto, aqueles que estão defronte ao juiz para serem

julgados são partes, quer dizer que o juiz não á uma parte. De

fato os juristas dizem que o juiz é supra-parte: por isso ele

está no alto e o acusado embaixo, sob ele; um na jaula, o outro sobre a cátedra. Semelhantemente o defensor está

embaixo, em cotejo como juiz; ao invés, o ministério público,

ele está ao lado. Isto constitui um erro, que com uma maior compreensão em torno da mecânica do processo terminará

por se corrigir.526

[não até hoje].527

Mesmo o local de trabalho do ministério público, em muitos estados da

federação, é sobre o mesmo teto do poder judiciário. Verbi gratia Santa

Catarina, onde muitas vezes, a poucos passos do escritório do promotor, está a

porta do escritório do magistrado. Em muitas cidades do interior do estado, até

mesmo a casa do promotor e a casa do juiz são vizinhas uma da outra. A

facilidade de entrada, conversa e amizade é muito maior.

Porém, para CARNELUTTI: ―justamente por isto a advocacia é um

exercício espiritualmente salutar. Pesa a obrigação de pedir, mas recompensa.

[...] É obrigado a bater à porta como um pobre. E não está nem escrito sobre a

525 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conan. 1995, p.

27.

526 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conan. 1995, p.

32.

527 A despeito das esperanças de Francesco CARNELUTTI, desta mecânica do processo ser

corrigida com o tempo, atualmente, a corte suprema deste país, o Supremo Tribunal Federal ainda mantém, ao lado da presidência, uma cadeira cativa ao representante do Ministério

Público.

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198

porta: 'pulsate et aperietur vobis'528

. Não raramente se bate em vão.‖529

.

Na busca por esta igualdade de armas no processo, Antonio Scarance

FERNANDES admite até mesmo a possibilidade de, em determinados atos ou

atividades processuais, dar a uma das partes tratamento diferenciado à dada a

adversária. Este tratamento especial teria o escopo de suprir eventuais

desigualdades, suprindo assim o desnível da parte fragilizada. Embasa sua tese

na no artigo 5º da Constituição Federal, onde, em seu inciso LV, a Carta Magna

não apenas garantiu o direito a defesa e ao contraditório, mas sim o direito a

ampla defesa, ou seja, sem restrições e sem sujeição à qualquer limitação

imposta ao Ministério Público.530

Conclui suas explicações reforçando o

enorme poderio que detêm o parquet em comparação ao que possui muitas

vezes a defesa :

A acusação normalmente está afetada a órgão oficial. Tem este todo o aparelhamento estatal montado para ampará-lo. O

acusado tem de contar somente com as suas próprias forças e

o auxílio de seu advogado. Essa situação de desvantagem justifica tratamento diferenciado no processo penal entre

acusação e defesa, em favor desta, e a consagração dos

princípios do in dubio pro reo e do favor rei.531

Evidente que poderia-se alegar que este tratamento diferenciado à defesa

poderia ferir o princípio constitucional da igualdade. Porém, como já visto, o

528 Batei e a porta se abrirá. - Tradução livre. Esta expressão pode estar relacionada ao

evangelho de São Lucas, XI, 9: ―Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis;

batei, e abrir-se-vos-á;‖

529 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conan. 1995. p. 27

530 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 53. 531 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 53.

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199

princípio da igualdade de armas provém também do princípio da igualdade.

A doutrina nacional e internacional é rica no desenvolvimento da máxima

―tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual‖.

Desta forma, no momento em que se busca uma finalidade albergada

pelo ordenamento jurídico, não há que se falar em desrespeito ao direito da

igualdade. E esta finalidade é em última análise, como já visto, o direito ao

contraditório e a ampla defesa. O que se encontra neste momento, é uma real

busca por condições de igualdade dentro do processo. Tudo isto, para garantir

uma real chance de disputar a vitória neste jogo.

Para tanto, ao realizar leitura do item 3.2 desta monografia, percebe-se

que muitos autores, apesar de se apresentarem como seguidores da doutrina de

Oskar Von BÜLOW, defendem em muitos momentos preceitos, justificativas e

consequências das teorias de James GOLDSCHMIDT. Verbi gratia, já citada,

Ada Pellegrini GRINOVER: ―[A defesa técnica] é sem dúvida indisponível, na

medida em que, mais do que garantia do acusado, é condição da paridade de

armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório e,

consequentemente, à própria imparcialidade do juiz‖532

.

Não se obstina ser o dono da verdade, porém, as afirmações realizadas

pelos doutrinadores acima citados são no mínimo inadequadas e visam passar a

margem de toda a problemática que infere a real natureza jurídica do processo.

Posicionar-se ao lado de Oskar Von BÜLOW e da teoria da Relação Jurídica

Processual, e defender categorias como cargas, ônus, perspectivas, etc e

princípios como o da paridade de armas, é o mesmo que se posicionar favorável

532 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.

79.

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200

a um processo penal acusatório, onde o juiz pode produzir provas, inquirir

testemunhas e ser parcial.

Totalmente descabida ficam estas afirmações. Muitas vezes, por medo

da mudança, ou pelo menos de liderar esta mudança, muitos autores se

restringem a repetir e transcrever os posicionamentos da doutrina majoritária,

sem realizar um estudo a fundo dos temas. Nas palavras de Aury LOPES JR:

―Tudo para manter a tradição e pseudo-segurança de conceitos ou, ainda, por

força da lei do menor esforço‖533

. Ressurge no Brasil o debate sobre a natureza

jurídica do processo. Felizmente nosso materialismo doutrinário e

jurisprudencial é rico em casos onde as posições minoritárias, com o tempo, se

tornaram majoritária. Completa Aury LOPES JR.:

Em última análise, pensamos desde uma perspectiva de

redução de danos, onde os princípio constitucionais não

significam ―proteção total‖, sob pena de incidirmos na

errônea crença na tradicional segurança. Trata-se, assim, de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente

do exercício (abusivo ou não) do poder. Uma verdadeira

política processual de redução de danos, pois, repita-se, o dano, como a falta, sempre lá estará.

Para que isso seja possível, é preciso abandonar a ilusão de

segurança da teoria do processo como relação jurídica para assumi-lo na sua complexa e dinâmica situação jurídica,

desvelando suas incertezas e perigos.534

O momento para isto ocorrer não poderia ser melhor. Neste momento

digladiam-se no Congresso Nacional, defensores das mais distintas doutrinas,

533 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v. p. 51. 534 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 1v, p. 53.

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201

na busca do convencimento dos parlamentares para a elaboração de dois

novos Códigos: um de Processo Penal e outro de Processo Civil. São

abundantes os diferentes posicionamentos de setores da sociedade civil. Um

grande cabo de guerra está sendo travado entre as associações e entidades de

classe na busca por maior autonomia e poder dentro deste novo processo que

vigorará no Brasil. Cabe a nós, debatermos e torcermos para que nossos

parlamentares possam enxergar o processo penal como ele realmente é, para

que eles compreendam que o processo realmente é um jogo.

Page 203: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

202

CONCLUSÃO

Pelo exposto durante todo o desenvolvimento deste trabalho de iniciação

científica é possível retirar vários ensinamentos e conclusões, acerca do

desenvolvimento da doutrina ocidental sobre a ciência processual, em especial a

natureza jurídica do processo penal. A compreensão do materialismo histórico

processual, leva a deduções reais sobre a evolução da maneira como a

sociedade jurídica vê, compreende e maneja o processo.

Se fosse possível traçar uma linha, onde a história da teoria processual

fosse o vetor, poder-se-ia realçar dois momentos, em especial, que modificaram

totalmente a sistemática evolutiva do processo. Estes dois pontos foram

verdadeiras revoluções na ordem jurídica processual, que transformaram

substancialmente o pensamento crítico dentro das academias, e a prática forense

dentro dos tribunais. Pela demasiada importância retida nestas concepções, cada

um dos quais foi desenvolvido em um capítulo desta obra.

O primeiro deles, foi fixado pelo alemão Oskar Von BÜLOW, com o

lançamento, em 1868, de seu livro "Die Lehre von den Processeinreden und die

Processvoraussetzungen‖ (Teoria das Exceções e dos Pressupostos

Processuais). Esta obra trouxe grandes evoluções para a ciência processual, tais

como a total desvinculação do direito processual para com o direito material,

através da teoria dos pressupostos processuais, e a caracterização da natureza

jurídica do processo como Relação Jurídica Processual.

A teoria dos pressupostos processuais possui voz e voto em quase

unanimidade da doutrina ocidental. Sua proposta foi a elaboração de requisitos,

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203

dos quais necessitavam estar preenchidos para que se forme a relação

jurídica processual e consequentemente do processo. Requisitos estes, relativos

a competência, capacidade e insuspeitabilidade do tribunal, a capacidade e

legitimação das partes, à possibilidade jurídica da matéria em litígio, a

formalidade dos atos processuais iniciais e a ordem dos vários processos.

O ponto nevrálgico desta teoria foi a desvinculação do direito processual

e do direito material, levando assim por terra a teoria das exceções dilatórias,

que vigorava à época. A elaboração desta nova teoria foi desenvolvida através

de uma nova e correta (pelo menos para o autor) importação das fontes que a

derivaram: o direito romano clássico.

Já a Teoria da Relação Jurídica Processual, diferentemente da dos

pressupostos, enfrenta críticas mais contundentes e, apesar de possuir um século

e meio de existência, ainda encontrar respaldo na maioria dos doutrinadores.

Sua base fundante foi a importação de categorias do direito material, como a

idéia de relação jurídica e sujeitos da relação, para a esfera do direito

processual.

Com a separação entre uma relação jurídica de cunho processual e uma

relação jurídica de cunho material, Oskar Von BÜLOW, teve a proeza de

revolucionar a ciência processual. Se em um momento existia uma verdadeira

confusão entre as duas espécies de direitos (material e formal), após a

publicação desta teoria, BÜLOW foi contemplado com o título de pai da ciência

processual.

Esta relação jurídica processual de BÜLOW teve grande e rápida

aceitação no mundo jurídico. A começar por seus conterrâneos Adolf WACH,

Josef KOHLER e Konrad HELLWIG. Cada um destes seguidores de BÜLOW,

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204

apesar de discordarem em pontos periféricos quanto a teoria de BÜLOW,

entendiam que a real natureza jurídica do processo era mesmo a relação jurídica

processual.

Entretanto, suas discordâncias, apesar de periféricas, causaram muitas

discussões no mundo jurídico. Adolf WACH defendeu a idéia de uma relação

jurídica formada por autor, juiz e réu, onde existiam múltiplas relações jurídicas

entre todos os sujeitos da relação jurídica, portanto, quanto mais partes

existissem, maior seria o número de relações. Esta teoria foi nomeada de teoria

piramidal. Josef KOHLER defendeu a teoria da relação jurídica linear, onde

somente autor e réu fariam parte do processo e a relação jurídica, excluindo

assim a figura do juiz. Já Konrad HELLWIG defendeu o conceito de uma

relação jurídica angular. Nesta teoria apesar dos sujeitos processuais voltarem a

serem três (autor, juiz e réu), a relação se daria apenas entre as partes e o juiz, e

não mais entre as partes. A teoria que teve maior aceitação foi visivelmente

a de Adolf WACH.

Na esteira dos principais seguidores da relação jurídica processual, veio

Giuseppe CHOIVENDA e seus imediatos Francesco CARNELUTTI, Piero

CALAMANDREI e Enrico TulLio LIEBMAN, a conhecida Escola Processual

Italiana (ou Chiovendiana). Apesar de cada um possuir suas peculiaridades com

relação a natureza jurídica do processo, o que ocorreu neste período foi um

grande crossover com as particularidades de cada doutrinador.

Desta forma, tornou-se praticamente impossível dar uma definição exata

para o que realmente seria a teoria da relação jurídica processual, iniciada por

Oskar Von BÜLOW, e evoluída por tantos outros além destes acima citados.

Porém, algumas definições e categorias podem ser destacadas, uma vez que são

Page 206: Monografia - A Natureza Jurídica do Processo - Autor: Valmor Júnior Cella Piazza

205

utilizadas pela maior parte daqueles que a incrementaram.

Entre elas a característica de uma relação complexa, pois é esta gera um

emaranhado de direitos e obrigações por parte de seus sujeitos. Dinâmica

devido a ser uma sequência lógica e progressiva que atos processuais que vão

evoluindo até o final do processo. Uma relação unitária, pois ela uni todos estes

direitos e obrigações em uma sequência lógica de atos processuais com uma

mesma finalidade, e isto é chamado de processo. De direito público, pois as

normas processuais que as regulamenta é proveniente do Estado. E por fim

autônoma, pois, como já citado, possui total autonomia da relação jurídica

material.

Entretanto, a despeito da ampla aceitação das teorias de Oskar Von

BÜLOW, e consequentemente seus seguidores e desenvolvedores, entre os

doutrinadores ocidentais, a teoria da relação jurídica processual não figurou

como única teoria a explicar a natureza jurídica do processo. Mesmo que sem

muita expressão, os franceses apresentaram a teoria do contrato, quase-contrato

e mais tarde a teoria do serviço público através de DUGUIT, JÈZE e NEZARD.

KISCH publicou a teoria do processo como estado de ligamento e Jaime

GUASP, HAURIOU e RENARD manifestaram suas opiniões pela teoria do

processo como instituição. Porém, todas estas teorias não fizeram mais que

apenas singelas contribuições para o grande debate que viria a acontecer.

O segundo momento que revolucionou o entendimento acerca da

natureza jurídica do processo, e do qual tratou o segundo capítulo desta

monografia, foi a Teoria da Situação Jurídica do, também alemão, James

GOLDSCHMIDT em sua obra “Prozess als Rechtslage‖ (Processo como

Situação Jurídica), publicada em 1925. James GOLDSCHMIDT de maneira

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206

brilhante refutou todas as premissas da teoria de Oskar Von BÜLOW e

impôs seus conhecimentos ao mundo.

A destruição da teoria da relação jurídica, iniciou-se pela

desclassificação e ruptura com as bases e fundamentos que levar seu

compatriota a elaborar esta teoria. Seus ataques se dirigiram basicamente às

exceções dilatórias e processuais, à retomada da ciência processual romanista

quanto ao juízo in iure e o procedimento in iudicio, aos pressupostos

processuais, aos direitos e obrigações processuais, à função e finalidade do

Estado com relação ao processo e à própria existência de uma relação jurídica

entre os sujeitos do processo.

De maneira correta, James GOLDSCHMIDT apresenta que esta

retomada que BÜLOW faz do direito romanístico é equivocada. No direito

romano realmente existia dois momentos de juízo pelos tribunais, eram eles: in

iure e in iudicio. Porém, a confusão que BÜLOW fez foi a de interpretar que o

procedimento in iure tratava de averiguar os pressupostos processuais, enquanto

que o procedimento in iudicio averiguava a existência do direito material.

Premissa falsa, pois o procedimento in iure não tinha o escopo proposto por

BÜLOW, mas sim apenas de fazer uma análise se correspondia realmente ao

demandante, o direito da ação. Questões totalmente diferentes.

Como já partiu de uma premissa equivocada para desenvolver a teoria

dos pressupostos processuais, estes, da mesma forma, já nasceram com vícios.

Porém, o que mais espanta, não é os vícios quanto ao núcleo fundante desta

teoria, mas sim quanto ao resultado apontado por ela. Para BÜLOW os

pressupostos processuais eram pressupostos para a formação da relação jurídica

e do processo. Porém, o que o autor não percebeu, é que a análise destes

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207

pressupostos é feita já no decorrer do processo e da própria relação

processual apontada por ele.

Para isto, James GOLDSCHMIDT, sem erros, sugeriu a alteração da

nomenclatura de pressupostos processuais, para pressupostos para uma sentença

de fundo. Desta forma, os pressupostos apontariam a real necessidade do

Estado de produzir uma sentença de mérito, com conteúdo determinado e com

força de coisa julgada.

Também GOLDSCHMIDT apontou problema na concepção de

BÜLOW de que o juiz faz parte da dita relação processual. Para aquele autor, o

juiz não é fonte de direitos ou obrigações processuais, e somente participa do

processo devido a um vínculo com o próprio Estado e não com as partes do

processo.

Quanto as categorias processuais, James GOLDSCHMIDT soterrou a

existência de direitos e obrigações processuais. O que existem, na correta

opinião do autor são novas categorias processuais como: expectativas de uma

sentença favorável, perspectivas de uma sentença desfavorável, cargas,

liberação de cargas, riscos, ônus processuais e até mesmo captura psíquica do

juiz.

As expectativas de uma sentença favorável e as perspectivas de uma

sentença desfavorável são nexos jurídicos das partes. Estas dependem

constantemente do aproveitamento ou não de um ato processual para aumentar

ou reduzir suas expectativas e perspectivas. Portanto, quando uma das partes

tem sucesso com uma liberação de cargas, esta parte automaticamente aumenta

suas expectativas de uma sentença favorável e reduz suas perspectivas de uma

sentença desfavorável. Já a parte contrária, terá uma redução de suas

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208

expectativas e um aumento de suas perspectivas.

O aproveitamento destes atos processuais e seu consequente sucesso ou

insucesso é ligado aos ônus, riscos, cargas e a liberação de cargas. Quando uma

das partes necessita produzir uma prova, ela possui uma carga, e portanto

necessita liberar esta carga com sucesso para aumentar suas expectativas de

uma sentença favorável. Já, por exemplo, quando outra parte segue a um

interrogatório, e decide permanecer calada, como direito seu, ela não recebe um

ônus por não ter liberado uma carga, mas aceita o risco de utilizar um direito.

Com a inserção destas novas categorias processuais, James

GOLDSCHMIDT apresenta uma nova perspectiva da natura jurídica do

processo. Pois, ao invés da relação jurídica de BÜLOW que é uma concepção

estática do processo, e que somente pode ser vista como dinâmica quando

analisada como uma sequência lógica e progressiva de atos processuais,

GOLDSCHMIDT da novos ares a concepção dinâmica do processo.

Estas categorias de GOLDSCHMIDT estão diretamente ligadas a

finalidade do processo, ao objeto que é desejado através de uma sentença com

força de coisa julgada. Portanto, a cada ato processual o objeto do processo

como sentença de fundo e com força de coisa julgada é movimentado a cada

instante. Torna-se rica em incertezas e vincula as partes a traçarem planos

estratégicos para dimensionar suas chances e aproveitamento das novas

categorias.

Esta riqueza no campo da incerteza e a necessidade de pensar o processo

de maneira renovada, acaba por inserir novas concepções à natureza jurídica do

processo. Estas novas concepções, vão desde características sociológicas, como

é o exemplo das novas categorias (expectativas, chances, perspectivas, etc), até

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matérias de caráter lógico matemático, como a necessidade de encarar o

processo como algo incerto, e até mesmo no campo da estratégia e tática

processual.

A última crítica que James GOLDSCHMIDT realizou a BÜLOW, foi

relativo a total inexistência de uma relação jurídica processual entre as partes,

ou entre estas e o juiz. Os motivos que impedem a existência da relação entre as

partes e o juiz foram acima elencados. Entretanto, para demonstrar que inexiste

relação processual, GOLDSCHMIDT afirmou que as novas categorias por ele

elencadas não criam vínculos entre as partes, apenas a levam a um mesmo fim.

Ao final do segundo capítulo, foram expostas as críticas dos seguidores

da doutrina clássica, aos novos conceitos trazidos por James GOLDSCHMIDT.

Evidente que choveram críticas de todos os lados. Algumas muito bem

colocadas, outras nem tanto. O que ocorre, é que mesmo as mais fundamentadas

não foram capazes de derrubar a revolução trazida pelo alemão.

Entre tantas mazelas incumbidas a James GOLDSCHMIDT, algumas

não seriam merecedoras de constar neste trabalho, não fosse a, necessária,

demonstração do verdadeiro caos que os conceitos Goldschmidtianos fizeram

na ciência processual, e o desespero causado nos mais conservadores.

A começar pela anticriteriosa afirmação de que GOLDSHMIDT pecou

ao quebrar uma determinada ―unidade‖ processual. Uma ―unidade‖ que para

muitos, mais se sente do que se pode ver ou tocar. Uma ótima expressão

britânica para este momento seria: ―Bullshit‖. GOLDSCHMIDT contestou,

alegando que a unidade estaria na finalidade da natureza, na busca pela coisa

julgada. Porém, cabe perguntar? Quem falou que tem de ter unidade o

processo? Mas, que seja. Na era da informação, a unidade está em arquivos

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210

―.doc‖.

Outra crítica foi uma suposta confusão de James GOLDSCHMIDT da

realidade prática do processo com o seu ―dever-ser‖. Como ficou demonstrado,

a crítica deveria ser refeita a quem a elaborou: Da confusão do ―dever-ser‖ do

processo com a sua realidade prática.

Criticaram a inserção de um caráter patológico e de categorias

sociológicas ao processo, ao invés das clássicas e conservadoras categorias

jurídicas. No começo, assim como na crítica à unidade processual,

GOLDSCHMIDT tentou mascarar, na tentativa de se ver mais aceito pela

sociedade jurídica. Porém, revelou-se com o tempo que a inserção de novas

categorias à ciência jurídica foi o mais correto. Afinal, o mundo segue na

direção da interdisciplinariedade.

A última crítica, que comportou o trabalho, foi que James

GOLDSCHMIDT desmoralizou o processo e a ciência processual. Como se

quem olhasse a realidade, não descobrisse que muitas vezes ela não é tão

bonita. O que GOLDSCHMIDT fez, foi enxergar o que o processo realmente é,

e não como alguns gostariam que fosse. Muitas vezes, a verdade vem nua e

crua. Para tanto, Piero CALAMANDREI refutou esta teoria com belas palavras

e no mais alto padrão jurídico pretendido.

O terceiro capítulo deste trabalho tratou de três importantes implicações

que toda esta discussão gerou. O primeiro foi a redenção do grande jurista

italiano Piero CALAMANDREI, à obra de James GOLDSCHMIDT. O segundo

ponto é a posição da doutrina nacional neste grande imbróglio. E o terceiro são

as implicações práticas da teoria de James GOLDSCHMIDT e de Piero

CALAMANDREI no processo penal e na defesa do acusado.

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As aclamações de Piero CALAMANDREI à James

GOLDSCHMIDT, em seu texto ―Il Processo Come Giuco‖ (O Processo como

Jogo), levaram a doutrina do alemão a um novo patamar. Isto ocorreu, devido a

um jurista internacionalmente reconhecido e respeitado, não que

GOLDSCHMIDT não o fosse, mas advogar em causa própria não traz tão bons

resultados, passa a defender estas teses e as apresenta em um texto muito

eloquente.

Com rica fundamentação e expressiva material probatório,

CALAMANDREI domina o leitor e apresenta, fatidicamente, as situações do

cotidiano da prática forense que comprovam a teoria de GOLDSCHMIDT.

Além disto, CALAMANDREI destrona qualquer tentativa de negação de

categorias extra-jurídicas ao processo, e demonstra a real necessidade de se

apreender a jogar dentro do processo. Para isto, demonstra que é imprescindível

que cada parte possua uma estratégia para seguir na sua busca.

CALAMANDREI expressa a real dogmática do processo, demonstra

que para muito além da ―justiça‖, como instrumento máximo da vontade

Estatal, o que move as partes são os seus próprios interesses. Interesses estes,

que muitas vezes, podem ser definidos de ―mesquinhos‖. CALAMANDREI

trouxe a visão daquele que viu e aprendeu a jogar com a prática do dia a dia dos

tribunais.

O segundo ponto chave do último capítulo, foi a demonstração da

maneira que a doutrina nacional se posiciona, frente a este grande problema

jurídico que é a caracterização da natureza jurídica do processo. E o que se

verificou, é que, na maioria dos casos, existe um imenso descaso por este

estudo.

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Evidente que não se deseja colocar todos os autores em um balaio

só, porém, salvo alguns poucos, a fundamentação é incoerente, ou mesmo

inexistente. Expõe opiniões de determinados autores sem nem mesmo citar as

referências. Misturam teorias sem a menor responsabilidade. Dedicam algumas

poucas frases, sem entender que a compreensão da natureza jurídica do

processo, leva a configuração da real necessidade de existência do processo.

Para se dirigir um carro, não se faz necessário saber como ele funciona.

Porém, se deseja ser um piloto profissional, é obrigatório entender a mecânica e

funcionamento do automóvel. Se não fosse assim, como poderia um piloto

reportar à equipe que parte do veículo precisa ser verificada, consertada ou

mesmo aprimorada?

A última parte do terceiro capítulo tratou acerca das implicações que as

doutrinas de Oskar Von BÜLOW, James GOLDSCHMIDT e Piero

CALAMANDREI trouxeram ao processo. A contribuição de BÜLOW foi

extraordinária. A começar pela adjetivação recebida de pai da ciência processual

moderna. Já levando para o processo penal, a transformação do réu de um mero

objeto de prova no processo, para um verdadeiro sujeito de direitos. Não há que

se duvidar que este autor exerceu papel ímpar para toda esta contextualização.

Quanto as teorizações de James GOLDSCHMIDT e Piero

CALAMANDREI, optou-se por trabalhar duas implicações específicas: A

inserção da epistemologia da incerteza no processo e a necessidade de se

igualar o poderio de ataque e defesa das partes, através do princípio da par

conditio.

A inserção de novas categorias processuais (onus, cargas, expectativas,

captação psíquica, etc) por James GOLDSCHMIDT, e a real transformação do

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processo em um jogo por Piero CALAMANDREI, inflaram de incerteza o

desenvolvimento do processo, e, consequentemente, seu resultado final. Uma

vez que os direitos que estão em jogo, muitas vezes são direitos indisponíveis

como vida (nem sempre a biológica, mas também a social e familiar) e

liberdade, necessita-se garantir ao máximo meios e mecanismos de defesa

destes direitos ao seu titular.

Neste raciocínio, entra o princípio do par conditio ou da paridade de

armas. A real necessidade de colocar em igualdade as partes no processo é uma

exigência da própria Constituição. Se o resultado é incerto, e todos têm o direito

à ampla e irrestrita defesa, é de suma importância que o Estado, inclusive o

Poder Judiciário, forneça o conjunto de estruturas que garanta ao réu o mesmo

poderio ―bélico‖ que possui o Ministério Público.

Somente com a redução dos ―riscos‖, e da consequente incerteza

característica do processo, poderá se reduzir o número de sentenças que

venham, de maneira injusta, a condenar inocentes aos famigerados cárceres.

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