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PONTFICIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Lucimar Bizio
CONSIDERAES SOBRE O ENSINO DE LNGUAPORTUGUESA PARA SURDOS
So Paulo
2008
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PONTFICIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Lucimar Bizio
CONSIDERAES SOBRE O ENSINO DE LNGUAPORTUGUESA PARA SURDOS
Dissertao apresentada BancaExaminadora como exigncia parcial paraobteno do ttulo de Mestre em LingsticaAplicada e Estudos da Linguagem, pelaPontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, sob a orientao da Prof. Dr. LciaMaria Guimares Arantes.
MESTRADO EM LINGSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
So Paulo
2008
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BANCA EXAMINADORA
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O que eles chamam de nossos defeitos o que ns temos de diferentes deles...
(Mrio Quintana, Caderno H, 1995.)
A gente, para a gente mesmo, a gente. Raramenteconsegue ser o outro. A gente para o outro, no a gente;
o outro. Deve estar confuso. Tento de novo: cada um de nsvive numa ambigidade fundamental: Ser a gente e ao
mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, gente gente.Para o outro, a gente o outro. Temos, portanto, dois
estados: ser o eu de cada um de ns e ser ooutro. Na vida de relao, pois, temos que saber ser o
eu-individual e ao mesmo tempo aceitar funcionarem estado de alteridade, ou seja, de outro.Rubem Braga
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AGRADECIMENTOS
Prof. Dra. Lucia Arantes, minha orientadora, pelo amor que despertou em mim pela
Aquisio de Linguagem, pelo Interacionismo, atravs de aulas brilhantes que me levaram a
tomar posio frente ao discurso vigente. Fui capturado. Como agradec-la?
Profa. Dra. Francisca Lier-DeVitto, to carinhosamente chamada de Francisca. Como
bom cham-la assim! Sua reflexo rigorosa e seu vigor intelectual explicam por que seu
trabalho pde render em campos diferentes.s Profas. Ds. Maria Francisca Lier-DeVitto e Lourdes Andrade pela valiosa contribuio
em meu exame de qualificao.
Profa. Dra. Claudia Lemos, pelo gesto fundador.
Maria Lcia, pessoa incansvel, amiga!
Aos amigos e amigas do LAEL: Milena, Fernanda, Dbora, Elaine, Jos Carlos... Leituras,
seminrios... Valeu a pena!
minha famlia: Lilian, esposa amada e Firafofa, filha querida - quantos momentos privadosde companhia!
Aos professores do LAEL, pela alegria em ensinar!
Aos amigos professores das escolas: do Helena, Danylo, D.Joo, do Neusa, pela confiana!
Aos alunos surdos, pelas mos que falam!
Aos amigos e irmos da ICM, que famlia!Maranata!
Ao Romeu, irmo amado: poca de carona, tempo da construo que templo!
Secretaria de Educao do Estado de So Paulo, pela bolsa que oportunidade!
A Deus, amigo e companheiro, pela vida, pelos sinais que nos acompanham!
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RESUMO
Este trabalho tece consideraes sobre as prticas pedaggicas, no ensino de lngua
portuguesa, voltadas s pessoas surdas. Para encaminhar a reflexo sobre o tema em questo
foi necessrio desnaturalizar termos que circulam livremente no campo dos estudos sobre a
surdez. Entre eles, destaca-se o de lngua materna, L1 e L2, uma vez que, na abordagem
bilingsta, entende-se a Lngua de Sinais como L1, enquanto a escrita do portugus
considerada como segunda lngua L.2.A escrita do surdo neste projeto sempre foi vista por uma perspectiva terica que
entendesse as dificuldades apresentadas por esses sujeitos, como efeitos possveis do
funcionamento da lngua e no apenas como dficit. Para cumprir a meta proposta foi
necessrio empreender uma discusso sobre a aquisio da linguagem, sobre as concepes de
escrita e tambm sobre a problemtica relao do surdo com a escrita. O ponto de partida foi
uma apresentao da literatura brasileira sobre o assunto, seguida por um panorama sobre a
histria da educao dos surdos.Foram abordadas as possibilidades de contribuio do dilogo com a Lingstica e
tambm com a Psicanlise, com vistas a considerar a singularidade do surdo. Neste trabalho
est em questo a relao singular do sujeito surdo com a linguagem, que movimentou as
discusses sobre a lngua materna do surdo, o que L1 e L2 e a entrada do surdo no universo
da escrita.
A discusso aqui encaminhada foi iluminada pelo Interacionismo Brasileiro, proposto
por Cludia Lemos, por outros autores filiados sua proposta e pelos desdobramentos
tericos presentes nos trabalhos do grupo de pesquisa Aquisio, Patologias e Clnica de
Linguagem, coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto.
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Palavras-chave: surdo, escrita, lngua materna, sinais, primeira lngua, segunda lngua.
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ABSTRACT
This study discusses issues concerning pedagogical perspectives of Portuguese
language teaching aiming at deaf people.In order to offer a critical view of steady tendencies
in the field, namely those which focus the mother tongue, L1 and L2, this thesis presents an
overview of the history of educational approaches directed to the deaf and discusses the
Brazilian state of the art in that field and comments some studies which emphasizes the deafs
writing.
It is worth keeping in mind that the so called bilingual approach defines the Sign
Language as L1 and the writing in Portuguese as L2. The present study approaches the deaf
person writing ability from a theoretical perspective which tries to explain their productions
and difficulties as effects of the functioning of language and not as cognitive deficits. The
discussion developed here was guided by propositions from the Brazilian Interactionism,
proposed and advanced by Cludia Lemos and other authors as well as the theoretical
developments put forward by the research group Language Pathology and Clinic, headed by
Maria Francisca Lier-DeVitto and Lcia Arantes.
Keywords: deafs writing, mother tongue, sign language, first language, second language.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................... 8
CAPTULO I - EDUCAO DE SURDOS: BREVE RELATO............................... 16
1. Educao dos Surdos no Brasil.................................................................................. 26
CAPTULO II - ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS.................... 28
2. Oralismo, Comunicao Total e Bilingismo........................................................... 28
CAPTULO III - BILINGSMO E AQUISIO DE LINGUAGEM: SOBRE
AS COMPLEXAS RELAES ENTRE LNGUA MATERNA, L2 E ESCRITA. 47
3. Sobre a Aquisio de L2............................................................................................. 56
3.1 Lngua de Sinais: lngua materna?........................................................... 63
CAPITULO 4 - LNGUA DE SINAIS E ESCRITA.................................................... 75
CONSIDERAES FINAIS......................................................................................... 86
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................... 97
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INTRODUO
O nascimento de uma questo de pesquisa
Meu interesse em estudar o ensino de lngua portuguesa para os surdos iniciou-se
quando da incluso de alunos portadores de necessidades especiais em classes chamadas de
alunos regulares. A constatao do nmero reduzido de profissionais habilitados para
trabalhar com tais alunos causou-me inquietao, pois estes exigiam um atendimentoespecfico em funo, especialmente, das dificuldades encontradas para penetrar no universo
da leitura e da escrita.
A convivncia com alunos surdos, o fato de ser professor de lngua portuguesa, hoje
trabalhar na Rede Estadual com alunos surdos includos em sala de ouvintes, e, tambm, na
Rede Municipal de Ensino, em So Paulo, em uma escola especial de surdos, foram os
aspectos motivadores para que eu desse incio atividade de pesquisa. Tambm a busca de
bibliografia relativa ao ensino da lngua portuguesa voltada pessoa surda foi estimulante.Considerei importante em uma pesquisa preliminar, anterior ao incio desta dissertao,
incluir textos que lidassem tanto com a alfabetizao, quanto com os perodos ulteriores de
escolaridade, focando as dificuldades apontadas pela literatura do campo, especialmente a
brasileira. Essa pesquisa inicial desdobrou-se em um projeto de mestrado.
Assim, no decorrer deste processo, defini a questo central de minha dissertao. Este
projeto tem como objetivo pesquisar as prticas pedaggicas, no ensino de lngua portuguesa,
voltadas s pessoas surdas, mais particularmente, pretende-se abordar a relao entre a lngua
de sinais, considerada por muitos autores, especialmente aqueles ligados proposta bilnge,
como primeira lngua (L.1), e a escrita do portugus, considerada segunda lngua (L.2) do
surdo. Pretendo empreender uma discusso no sentido de desnaturalizar alguns conceitos e
preconceitos relativos educao de surdos. Finalmente, pretendo incluir uma discusso sobre
as contribuies da Lingstica, e tambm da Psicanlise, no campo da escrita. Meu objetivo
que a interlocuo com estes campos permita levantar algumas questes relacionadas com
lngua/fala/sinais/escrita que, talvez, possam contribuir para um novo caminho nos estudos
relativos ao ensino de Lngua Portuguesa para alunos surdos.
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O processo do ensino da lngua portuguesa L2 para surdos considerado pelos
adeptos do bilingismo, tal como Fernandes (1999), como o de uma lngua estrangeira, ou
seja, ao invs de uma aprendizagem informal, ganha um ambiente artificial onde a aquisio
sistemtica e o aprendiz se v num trabalho de elaborao constante, intencional sobre a
adequao daquilo que quer dizer (FERNANDES, op. cit., p.64).
O simples fato de o ensino de lngua ocorrer dentro da escola caracteriza um processo
de aquisio no-natural de lngua, especialmente para o aluno includo em escola de
ouvintes, em que o ambiente todo constitudo por sons (GUARINELLO, 2007). Para essa
pesquisadora, o processo exige do professor habilidade para tornar a aquisio a mais
autntica possvel, como tambm para criar motivao e despertar o interesse do aluno. Cabe,
entretanto, interrogar qual a relao entre autenticidade e interesse do aluno e mais, em quemedida isso responderia pelo sucesso do surdo?
Estaro em tela de discusso as dificuldades encontradas pelo surdo na produo do
texto escrito. A partir da anlise do material relativo aos trabalhos que lidam com a escrita
desses alunos, sero levantadas hipteses acerca das relaes entre oralidade, lngua de sinais
e escrita. Cabe assinalar que os surdos tm diferentes modos de relao com a lngua de
sinais; h aqueles que a dominam, como tambm aqueles que apenas tardiamente entraram em
contato com esta lngua. Assim, entendo que enigmtica ser tambm a relao do surdo coma escrita.
Gostaria de enfatizar que a escrita do surdo ser o foco principal deste projeto,
principalmente como mote para lidar com questes tericas. Esclareo: considero que leitura e
escrita no possam ser desarticuladas. Entendo que h imbricaes necessrias entre elas, mas
foi necessrio operar um recorte para que esta dissertao se tornasse exeqvel no perodo
previsto.
A primeira visada na literatura
De acordo com Ges (1996), muitos estudos referem que pessoas surdas, mesmo aps
um longo perodo de escolarizao, apresentam muitas dificuldades na escrita. A pesquisadora
d como exemplo o trabalho de Gesueli (1988), que descreveu o perodo de alfabetizao de
crianas surdas e destacou determinadas caractersticas dos textos por elas elaborados, tais
como: suas produes apresentam uma seqncia de palavras que tende a desrespeitar a
ordem convencional da lngua portuguesa, e os enunciados so compostos com predomnio de
nomes que, por vezes, substituem verbos (GES, op.cit., p.1). Na mesma direo, segundo a
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autora, vo os trabalhos de Fernandes (1989) e de Rampelotto (1993). De modo geral, esses
trabalhos constatam que os textos escritos por sujeitos surdos se caracterizam da seguinte
maneira: vocabulrio reduzido, ausncia de artigos, preposies, concordncia nominal e
verbal, uso reduzido de diferentes tempos verbais, ausncia de conectivos, alm de uma
colocao aparentemente aleatria de elementos na orao (coeso/coerncia), uma escrita
que, primeira vista, poderia ser, ou melhor, em alguns casos vista como patolgica.
Note-se que este tipo de descrio apenas uma taxonomia s avessas (ARANTES,
1994), em que a produo escrita dessa populao entendida a partir da noo de dficit.
Essa visada em relao ao texto escrito no ultrapassa os limites de uma descrio negativa,
que toma como padro a norma culta do Portugus, e remete a explicao condio de
privao sensorial desses alunos.H tambm os autores que apontam para os efeitos do apagamento da lngua de sinais
durante o processo de alfabetizao da criana surda. Quadros & Schmiedt (2006) assinalam
que a lngua de sinais vai ser adquirida por crianas surdas que tiveram a experincia de
interagir com usurios de lngua de sinais. Esse acesso precoce lngua de sinais daria a
possibilidade de penetrarem no mundo da linguagem com todas as suas possibilidades.
Importante assinalar que a escola vista como um espao lingstico fundamental, pois
normalmente o primeiro espao em que a criana surda entra em contato com a lnguabrasileira de sinais, no universo escolar que, na maioria das vezes, a criana vai adquirir a
lngua de sinais, considerada, como j disse, por autores ligados ao bilingismo, como L1.
Lembre-se de que a maior parte das crianas surdas so filhas de pais ouvintes. Todo o
processo de escolarizao vai possibilitar a entrada do surdo no universo da escrita do
portugus. V-se, assim, que a aquisio de linguagem pela criana, na tica do bilingismo,
ocorre no universo escolar, pois grande parte dos surdos filho de pais ouvintes, o que faz
com que os estudos sobre aquisio sejam vistos a partir de sua relao com a pedagogia.Cabe destacar tambm que a lngua de sinais apresenta, nessa perspectiva, um papel
fundamental no processo de ensino-aprendizagem do portugus. A idia no simplesmente
uma transferncia de conhecimentos da primeira lngua para a segunda lngua, mas sim, um
processo paralelo de aquisio e aprendizagem em que cada lngua apresenta seus papis e
valores sociais representados (QUADROS & SCHMIEDT, 2006, p.24). H, como se v,
uma imbricao entre aquisio da linguagem e aquisio da escrita.
Por outro lado, no so todos os autores que tomam a lngua de sinais como condio
de possibilidade para penetrar no universo da escrita. Guarinello (2007) considera que para os
surdos que falam, e at mesmo tenham uma boa leitura orofacial, a aprendizagem da lngua
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portuguesa fica mais fcil, pois j a tm em sua forma oral e agora devero aprend-la numa
outra modalidade dessa mesma lngua, a escrita. Na realidade, para a pesquisadora, os
diferentes modos de relao com o simblico sero determinantes da relao desse aluno com
a escrita. V-se, assim, que ela, ao falar de uma relao ao simblico, desloca a prioridade
dada lngua de sinais. A questo a relao ao simblico e no a uma modalidade, ou a uma
lngua especfica.
Ges (idem ibidem) assinala que, na verdade, as limitaes no uso da escrita no so
relativas apenas esfera da surdez, mas que so efeitos de prticas pedaggicas que afetam
tambm alunos ouvintes. Para ela, as constataes acerca da escrita dos surdos esto
relacionadas s experincias escolares limitadas oferecidas a esses alunos, que se sobrepem
s dificuldades especficas e demandas adicionais da pessoa surda. H, segundo ela, diversosautores como Fernandez (1993), Morato e Coudry (1989) e Trenche (1995), que discutem
criticamente a natureza das prticas pedaggicas dirigidas a essa populao.
A aquisio do portugus escrito por crianas surdas, como indicam essas
pesquisadoras, ainda baseada no ensino do portugus para crianas ouvintes, que adquirem
essa lngua na modalidade falada. Normalmente, a criana surda colocada em contato com
a escrita do portugus para ser alfabetizada seguindo os mesmos passos e materiais utilizados
nas escolas com as crianas falantes do portugus (PEREIRA, p.16, 2006).Nesta dissertao, pretende-se incluir outra possibilidade de entendimento das
dificuldades encontradas na escrita de crianas surdas. Isto , pretendo ampliar as explicaes
que, via de regra, so oferecidas, a saber: privao sensorial, prticas pedaggicas
ineficientes, ou como veremos ao discutir as propostas bilnges, que acusam o apagamento
da lngua de sinais como L1, ou lngua materna do surdo.Cabe assim perguntar:
(1) A escrita do portugus, para estes sujeitos surdos, seria uma lngua
estrangeira, isto , corresponderia segunda lngua L2?(2) Como se d a relao com esta modalidade de lngua (escrita)?
(3) Qual seria o papel do lao social estabelecido entre pais ouvintes e
familiares at o contato com a lngua de sinais considerada L1? Ou
mesmo da fala adquirida por treinamento?
(4) Que lugar esses fatores ocupam na constituio desses sujeitos surdos?
certo que esta pesquisa no pretende responder a todas essas questes, mas no
possvel marginaliz-las, pois elas apontam para a heterogeneidade radical do grupo de surdos
que chegam escola. Voltaremos a isso.
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O que diz a lei sobre a educao de surdos: a distncia entre inteno e gesto
A Secretaria Estadual de Educao do Estado de So Paulo, bem como a Secretaria
Municipal da cidade de So Paulo, tm como objetivo o ensino eficaz da leitura e da escrita
na educao bsica e tambm no ensino fundamental e mdio. Algumas pesquisas apontam
que em determinadas escolas brasileiras comum a presena de alunos surdos, que
apresentam dificuldades para ultrapassar as sries escolares, sendo at considerados iletrados
funcionais (GUARINELLO, 2007, p.53). Sabe-se, tambm que, via de regra, sua produoescrita no compatvel com essas sries escolares e que, portanto, no atingem a meta
desejada.
Para a escola, como espao institucional de acesso ao conhecimento, a necessidade de
garantir a aprendizagem da leitura e escrita ao surdo implica uma reviso substantiva das
prticas de ensino de lngua portuguesa, movimento que tambm pode ser observado nas
escolas que recebem crianas ouvintes. Mas cabe interrogar se as propostas educacionais so
o nico ponto a ser considerado quando o que est em questo o fracasso escolar. Antecipo
que minha resposta ser negativa. Como se v, a questo mais profunda e tomar como base
a misso da escola no Brasil insuficiente, pois no se ultrapassa o plano das intenes.
Quadros & Schimeidt (op. cit) lembram que a lei 10.436, de 2002, reconhece o
estatuto lingstico da lngua de sinais e, ao mesmo tempo, ressalta que esta no pode
substituir o portugus (grifo meu). A recomendao atual do MEC/SEESP de que, em
funo da lngua portuguesa ser, pela Constituio Federal, a lngua oficial do Brasil,
determina-se o uso obrigatrio dessa lngua (grifo meu) nas relaes sociais, culturais,
econmicas, jurdicas e nas instituies de ensino. As autoras analisam que, nessa perspectiva,
o ensino de lngua portuguesa, como segunda lngua para surdos, est firmado no fato de que
esses cidados brasileiros tm a obrigao de utilizar e aprender a lngua oficial para o
exerccio de sua cidadania. Alm disso, o decreto 5.626 de 2005 garante que a educao de
surdos no Brasil deve ser bilnge, o que d ao surdo a possibilidade de acesso educao por
meio da lngua de sinais e o ensino da lngua portuguesa escrita como segunda lngua. Porm,
se considerarmos a condio atual dos alunos surdos e avaliarmos o modo como se deu a
implementao da lei 10.436, no difcil concluir que o amparo da lei no pode garantir a
vida escolar do aluno.
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O professor de lngua portuguesa para surdos, como assinalam Quadros & Schimeidt
(2006), dever, portanto, viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam
socialmente, levar seu aluno a produzi-los e a interpret-los. Fazer com que os alunos sejam
capazes de circular no texto escrito, mesmo no caso de crianas pequenas, pois o uso de
palavras e frases soltas no far nenhum sentido para o aprendiz (GUARINELLO, 2007,
p.84). E mais, o aluno deve apreender as mltiplas significaes do texto, apreender
contedos, obter informaes novas, descrever problemas, comparar pontos de vista e
argumentar. Para poder viabilizar uma tarefa de tal envergadura, o professor encontrar
alguns obstculos, e mais, obstculos de natureza diversa. Assim, embora a criao de leis que
garantam melhores condies de ensino para a pessoa surda seja uma conquista, h umenorme trajeto a ser percorrido para sua implementao.
A questo, a meu ver, ultrapassa tambm a deciso de que se a lngua de sinais ou a
lngua portuguesa, em sua modalidade de leitura e escrita, ser privilegiada ou no no
programa escolar, mas sim, como assinalam Quadros & Schimiedt (2006) tornar possvel a
co-existncia dessas lnguas, reconhecendo-as de fato, atentando-se para as diferentes funes
que apresentam no dia-a-dia da pessoa surda que se est formando (idem ibidem, p.13). No
se trata, portanto, apenas de uma escolha metodolgica, ou de prticas pedaggicas, mas deum olhar para o modo de relao da criana com a linguagem, que ser determinante de sua
relao com o universo da escrita.
necessrio interrogar, inicialmente, quem o aluno surdo. No possvel
considerar que se trata de um grupo homogneo, uma classe estabelecida a partir de uma
privao sensorial. Na realidade, alm das diferenas relacionadas ao tipo e grau da perda, h
tambm uma enorme diversidade no que se refere ao modo de relao de cada sujeito com a
linguagem. Cada surdo singular em seu modo de presena na lngua. Os interesses pelaescrita, assim, desde o incio, sero igualmente diferentes.
Como se v, o ensino da Lngua Portuguesa ao aluno surdo perpassado por uma srie
de questes complexas e que merecem tratamento particular. No possvel abordar todos os
aspectos envolvidos nesta questo, mas acredito que seja possvel escapar ao vis
exclusivamente ideolgico, que, como veremos, tem marcado fortemente as pesquisas sobre a
educao de surdos no Brasil. Pretendo empreender uma discusso de outra natureza: colocar
em questo o que L1 e L2, o que se considera como lngua materna e, tambm, como esta
questo se relaciona com a entrada do surdo no universo da escrita. Considero que esta
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direo pe em pauta a natureza da escrita, assim como sua relao com a lngua de sinais e,
tambm, com a fala.
Para atingir os objetivos desta dissertao, no Captulo 1 ser realizado um breve
histrico da educao de surdos atravs dos tempos, bem como a educao de surdos no
Brasil. Considerei esse um passo importante para que eu pudesse situar o modo como a
educao dos surdos foi concebida ao longo dos tempos e como, de certo modo, a polmica
que permeia essa histria se repete. No Captulo 2 sero apresentadas as abordagens
educacionais direcionadas aos surdos. No Captulo 3 o foco ser a proposta bilnge e o
encaminhamento de uma discusso acerca de seus pressupostos, bem como de sua relao
com os estudos sobre aquisio de linguagem. Tambm a complexa questo que envolve as
relaes entre a lngua materna, L1, L2 e a escrita sero abordadas dentro das possibilidadesdesta dissertao. No Captulo 4 finalizo este trabalho com uma discusso crtica de algumas
pesquisas que tocam a escrita do surdo. Nas Consideraes Finais sintetizo os pontos
principais discutidos ao longo desta dissertao e aponto alternativas possveis para
encaminhar uma discusso que desloque a maioria das concepes vigentes sobre a escrita
dos surdos. Ela, como veremos, tributria de uma aproximao inicial com a Psicanlise,
mas que indica como este dilogo pode ampliar a natureza da discusso acerca do que a
escrita para a criana.Para finalizar esta introduo, cabe destacar que as questes, aqui colocadas, nasceram
durante a realizao deste projeto e encontram no Interacionismo em Aquisio da
Linguagem - proposto por Cludia Lemos (1992, 2002, entre outros) e nos desdobramentos
tericos relativos s Patologias e a Clnica de Linguagem (Lier-DeVitto, 1998, 2000, 2006 e
outros) - solo frtil para serem encaminhadas. Esses empreendimentos tericos permitiram
imprimir uma direo a esta pesquisa e desnaturalizar algumas idias cristalizadas na rea da
Educao, especialmente, quando a surdez est em questo. Minha incluso no Grupo dePesquisaAquisio, Patologias e Clnica de Linguagem (LAEL/PUCSP-CNPq)permitiu que
eu interrogasse o bilingismo, o modo como L1 e L2 so entendidas e formular questes que,
conforme acredito, possam proporcionar novas possibilidades de entendimento da escrita e
dos mistrios nela envolvidos. Abre-se com isso a possibilidade de apreender a arquitetura da
escrita desses alunos, a partir de uma concepo de escrita em que as dificuldades
apresentadas por essa populao possam ser entendidas como efeitos possveis do
funcionamento da lngua, quer dizer, como produes que no escapam s leis de referncia
interna da linguagem que regem todas as produes linguageiras e no apenas como dficit.
A reflexo terica que norteia o grupo de pesquisa ao qual perteno e que direcionou
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os passos desta pesquisa d reconhecimento ordem prpria da lngua, ou seja, s leis de
referncia interna da linguagem (SAUSSURE, 1916) e sua articulao na fala/escrita e,
tambm, incluo a os sinais (JAKOBSON, 1954, 1960; BENVENISTE, 1962, 1970). O
pensamento desses autores e a leitura de suas obras, conforme aqui discutidas, so efeitos da
interpretao de De Lemos (1992, 1997, 2002 e outros) afetada pela Psicanlise de Jacques
Lacan e, como j disse, especialmente pela leitura realizada, na seqncia, no mbito do
Projeto Integrado (CNPq 522002/97-8), hoje Grupo de Pesquisa CNPq, Aquisio,
Patologias e Clnica de Linguagem, coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto, no
LAEL-PUCSP.
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CAPTULO I
EDUCAO DE SURDOS: BREVE RELATO
A histria que passo a apresentar a do nascimento das prticas educacionais com
surdos. Ela est apoiada numaverso oficial que, como toda verso, elege certos fatos que
considera relevantes para tec-la. A esse respeito, como diz Arantes (2001) a partir de
Clavreul evocar as origens sempre constituir um mito (CLAVREUL, 1983, apud
ARANTES, 2001, p.17) porque, prossegue a pesquisadora, a seleo dos fatos guiada pelo
ideal de progresso que resulta numa apresentao linear de conquistas sem fracassos,
interrupes ou conflito. (Arantes, op. cit., p.17).
No caso deste trabalho, ative-me mais a verses que me permitiram apreender o
percurso da instituio de prticas pedaggicas. Mesmo tendo em conta essa iluso
retroativa (ARANTES, 2001, p. 65), tomo como ponto de partida a Histria Oficial em busca
de um entendimento relativo imbricao entre concepo de surdez e natureza das
prticas pedaggicas institudas.
Foucault, segundo Arantes (idem), sustenta que h diferenas capitais entre:
a histria das idias e uma anlise arqueolgica da cincia mas busca
estabelecer, como diz Machado, inter-relaes conceituais ao nvel
do saber, [no] privilegia a questo normativa da verdade, nem
estabelece uma ordem temporal. Entre elas, ele destaca que a
arqueologia no apreende nos discursos pensamentos, representaes,
imagens e temas. Ou seja, no visa a atingir contedos ocultos que
eles conteriam. A arqueologia, diz ele, no procura traar uma
continuidade entre discursos: no visa origem nem identificao
de idias por no efetuar uma anlise clssica do discurso, que do
momento em que eles perdem sua identidade (ARANTES, op.cit.,
p. 18)
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A anlise arqueolgica se diferencia da histria de idias, pois esta concebe o texto
como documento: como ilustrao/retrato preciso da situao em que foi produzido. No se
trata de uma anlise continusta da histria, mas da tentativa de incidir sobre os momentos de
ruptura discursiva nos textos mdicos. Uma reflexo seria fundamental, neste trabalho, no
apenas para problematizar a Histria Oficial, mas, principalmente, para colocar em
perspectiva a articulao entre a concepo de surdez e prticas pedaggicas1. Apesar de
reconhecer essas duas possibilidades de leitura dos acontecimentos histricos, considero que
ele seria tema de uma dissertao, por isso passo agora ao mito das origens.
Conhecer a histria, bem como a face filosfica subjacente s propostas educacionais
voltadas para os surdos, um passo fundamental, e necessrio, para dar incio a um estudo
mais aprofundado sobre os obstculos encontrados por esta populao para entrar no universoda escrita. No pretendo empreender uma descrio cronolgica exaustiva, que est
entrelaada com questes poltico-sociais, mas traar um panorama que focalize o modo como
o surdo foi visto ao longo dos tempos e aos aspectos relacionados sua educao. A histria
tambm suporte para uma anlise crtica das conseqncias relativas adoo de diferentes
perspectivas tericas adotadas ao longo dos tempos. 2
No decorrer da histria, desde a Antigidade, a idia que a sociedade fazia dos surdos
geralmente apresentava apenas os aspectos negativos: eles eram vistos como pessoas que nofalavam e que, portanto, no poderiam desenvolver a linguagem nem o pensamento. Na
Antigidade, os surdos foram percebidos de formas variadas: com piedade e compaixo,
como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiadas, e por isso eram
abandonados ou sacrificados.
A crena de que o surdo era uma pessoa primitiva fez com que a idia de que ele no
poderia ser educado persistisse at o sculo quinze. Como se v, durante esse extenso perodo,
eles viviam totalmente excludos, margem da sociedade. Assim, no havia porque pensar emprticas educacionais especficas.
A partir do sculo dezesseis, h notcias dos primeiros educadores de surdos. Segundo
Reis (1992), Fornari relata que Girolamo Cardano (1501-1576) foi o primeiro a afirmar que o
surdo deveria ser educado e instrudo, ao afirmar que: um crime no instruir o surdo-1Esclareo que interessa em Foucault (assim como em Clavreul) que histria no acmulo de conhecimentos.Sua interpretao faz aparecer com maior clareza as conjunes no cumulativas mas conflitantes que levaram conquista da clnica na Medicina. Neste seu trabalho, a questo da ideologia, como determinante de mudanasno discurso, no claramente explicitada (ele fala, porm, em conflito de saberes). Tem-se, contudo, que a
problemtica da ideologia movimenta o pensamento de Foucault. Devo dizer que procurei depreender aquiloque este seu trabalho ilumina sobre a relao entre nascimento da clnica mdica e instituio do diagnsticosem, contudo, discutir a questo da ideologia. Essa discusso, parece-me, exigiria um outro trabalho.2 Para uma leitura verticalizada sobre o tema ver Reis (1992), Skliar (1996) e Moura (2000).
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mudo. V-se nessa acusao o nascimento de um discurso sobre surdo, que o caracteriza de
modo positivo, como algum que poderia vir a aprender e ganhar, assim, um lugar no
espao social em que at ento no era sequer considerado.
Ainda no sculo XVI, na Espanha, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-
1584) ensinou quatro surdos, filhos de nobres, a falar grego, latim e italiano, alm de ensinar-
lhes conceitos de fsica e astronomia. Ponce de Leon foi quem, de fato, desenvolveu uma
metodologia de educao voltada para os surdos que inclua datilogia (representao manual
das letras do alfabeto), escrita e oralizao. Criou, tambm, uma escola de professores de
surdos, seu trabalho foi aproveitado por outros educadores de surdos (MOURA, 2000,
p.18). Nesse sculo, uma vez que o surdo passa a ser reconhecido como algum que poderia
aprender, surge tambm a necessidade de suprir as dificuldades decorrentes de um dficitsensorial, a partir da criao de mtodos especficos. Cabe assinalar que a possibilidade do
surdo falar implicava seu reconhecimento como cidado e seu direito a receber herana e o
ttulo familiar. Assim, como afirma Moura: a perda de direitos pesava mais do que as
implicaes religiosas ou filosficas no desenvolvimento de tcnicas para a oralizao do
Surdo3 (MOURA, op.cit,, p.18). Entende-se assim o prestgio do oralismo que se estende at
hoje.
Em 1620, Juan Martin Pablo Bonet, provvel seguidor de Leon, publicou, na Espanha,o livroReduccion de ls letras y artes para ensear a hablar a los mudos.Neste livro, Bonet
se apresenta como inventor da arte de ensinar o surdo a falar e, segundo Moura (op. cit),
oferece uma idia nova e simples para ensinar o surdo a ler mais facilmente, que era
representar de forma visvel e invarivel o som da fala. O alfabeto digital era usado para
ensinar a ler, e a gramtica era ensinada atravs da Lngua de Sinais. A fala era tambm
ensinada pela manipulao dos rgos fonoarticulatrios.
Moura (op. cit) destaca sobre o livro de Bonet, que na realidade no era to originalcomo ele fazia supor, chamou a ateno de intelectuais de toda a Europa e tornou-se a origem
de todos os esforos futuros de tentar fazer com que o surdo falasse. O alfabeto digital foi
utilizado por muitos educadores de surdos que apostavam no uso de uma pista visual para o
ensino. Porm, base oralista do seu trabalho, foi muito bem recebida pela sociedade daquela
poca e, de acordo com Moura, serviu como modelo para trs grandes vertentes da educao
oral: Jacob Rodrigues Pereire (1715-1780), nos pases de lngua de origem latina, educador
que defendia a oralizao dos surdos, acreditando que assim o surdo adquiriria formas
3Em seu trabalho, Moura (2000) optou em utilizar a palavra Surdo sempre com letra maiscula, por razestericas, contudo, neste trabalho, optamos pela letra minscula, exceto nas citaes diretas da autora.
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abstratas e gerais da comunicao com toda a sociedade, porm nos ltimos anos de sua vida
desistiu dessa idia.
J nos pases de lngua alem, Johann Conrad Amman, mdico suo, cuja nfase do
trabalho estava voltada para a articulao, pois para ele a fala tinha poderes especiais, e na
voz residiria o sopro da vida, o esprito de Deus. Contrrio ao uso de sinais pelos surdos,
ele acreditava que seu uso atrofiava a mente para uma posterior aquisio da fala. A terceira
corrente foi representada por John Wallis (1616-1703), nas Ilhas Britnicas, seguidor tambm
de Bonet, considerado o fundador do oralismo na Inglaterra. Wallis acreditava que a fala do
surdo se deteriorava porque necessitava sempre de um feedback externo para acompanh-la.
Assim, ele abandonou sua misso de ensinar os surdos a falar.
Thomas Braidwood, um sculo mais tarde, l o trabalho de Wallis, resolve segui-lo,considerando a fala a chave da razo. Funda em Edimburgo uma escola onde trabalha com
surdos e outras crianas com problemas de fala, tornando este lugar o primeiro local na
Europa para correo de fala.
Moura assinala que o oralismo foi fundado com o argumento da necessidade de
humanizar o surdo e tambm garantir sua integrao. Mas que seu prestgio estava tambm
atrelado necessidade particular de seus defensores que visavam lucro e prestgio, apesar de
muitos educadores terem abandonado o ensino da fala e defendido o uso dos sinais naeducao do surdo, o prestgio do oralismo j havia se alastrado por diversas escolas da
Europa.
Houve, tambm, muitos educadores que defendiam a Lngua de Sinais. Em 1750, na
Frana, ganha destaque o trabalho do Abade Charles Michel de LEpe, pessoa bastante
importante na histria da educao dos surdos. Para muitos ele foi o inventor da Lngua de
Sinais, lembro aqui a idia do mito fundador. Porm, como ela j existia, o que ele fez foi
reconhec-la como lngua e sua serventia essencial na comunicao entre e com os surdos.LEpe se aproximou dos surdos que perambulavam pelas ruas de Paris, aprendeu com eles a
lngua de sinais e criou os Sinais Metdicos, uma combinao da lngua de sinais que os
surdos usavam com a gramtica francesa, isto , ele construiu um sistema que tinha os sinais
usados na ordem do francs, esses sinais metdicos implicavam num aumento muito grande
no nmero de sinais, por isso o contedo dos textos era ensinado em Lngua de Sinais. Os
sinais metdicos foram usados at 1830. Cabe destacar que LEpe, embora considerasse a
Lngua de Sinais falha para ser usada como mtodo, ela lhe deu reconhecimento e nesse gesto
incluiu o Surdo entre os humanos. O Abade teve imenso sucesso na educao de surdos e
transformou sua casa em escola pblica. Em poucos anos (de 1771 a 1785), sua escola passou
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a atender 75 alunos, nmero bastante elevado para a poca. LEpe e Sicard, seu seguidor,
acreditavam que todos os surdos, independentemente de nvel social, deveriam ter acesso
educao, e esta deveria ser pblica e gratuita.
Moura (2000) comenta que LEpe realizava demonstraes pblicas em que, atravs
de perguntas feitas por meio de Sinais e da escrita, os surdos educados em sua escola
demonstravam os conhecimentos obtidos em religio e em gramtica. Comprovava, assim,
nobreza, aos filsofos e aos educadores a eficincia de seus mtodos e a capacidade
intelectual dos surdos. Os alunos respondiam por escrito perguntas tais como: O que voc
entende por inteno? ou Podeis demonstrar em ns um tipo de semelhana com a distino
de trs pessoas em Deus, na unidade de uma mesma natureza?
Nessa mesma poca, no ano de 1750, com as idias de Samuel Heinick, na Alemanha,surgem as primeiras noes do que hoje constitui a filosofia educacional Oralista, filosofia
que acredita ser o ensino da lngua oral, e a rejeio lngua de sinais, a situao ideal para
integrar o surdo na comunidade geral. Heinick foi o fundador da primeira escola pblica
baseada no mtodo oral, ou seja, que utilizava a lngua oral na educao das crianas surdas.
Sua escola tinha nove alunos.
As metodologias de LEpe e Heinick se confrontaram e foram submetidas anlise
da comunidade cientfica. Os argumentos de LEpe foram considerados mais fortes e, comisso, foram negados a Heinick recursos para ampliao de seu instituto.
O sculo XVIII considerado o perodo mais frtil da educao dos surdos. Naquele
sculo, houve um grande impulso do ponto de vista quantitativo, isto , houve um aumento
expressivo de escolas para surdos, que podiam, a partir de ento, aprender e dominar diversos
assuntos e exercer vrias profisses.
Sacks (1990) relata que:
Esse perodo que agora parece uma espcie de poca urea na histria
dos surdos testemunhou a rpida criao de escolas para surdos, de um
modo geral dirigidas por professores surdos, em todo o mundo civilizado,
a sada dos surdos da negligncia e da obscuridade, sua emancipao e
cidadania, a rpida conquista de posies de eminncia e
responsabilidade escritores surdos, engenheiros surdos, filsofos
surdos, intelectuais surdos, antes inconcebveis, tornara-se subitamente
possveis (SACKS, op. cit., p.37).
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Aps a morte de L Epe e Sicard, seu sucessor na direo do Instituto Nacional de
Surdos-Mudos, teve incio um movimento de crtica de adeptos do oralismo ao trabalho
inspirado na proposta de LEpe. Jean-Marc Itard liderou esse movimento. Ele era mdico e
havia estudado com Pinel, que acompanhava as idias de Conddillac, para quem as
sensaes eram a base para o conhecimento. Dentro dessa concepo, era exigida a
erradicao ou a diminuio da surdez para que o Surdo tivesse acesso ao conhecimento
(MOURA, op.cit., p. 25). A diferena passa a ser vista como doena e, portanto, passvel de
tratamento. A surdez passa a ser vista como doena e o surdo como doente. A nica
possibilidade seria tentar restaurar a audio e realizar um treinamento articulatrio na
tentativa de propiciar o desenvolvimento da fala. Para ele o uso da Lngua de Sinais era umfator que interferia de modo negativo no treinamento de fala dos surdos, pois se eles no
tivessem acesso a ela seriam forados a falar. Como se v, no sculo XIX, sob a gide do
pensamento cientfico, a concepo oralista de educao ganha impulso.
J nos Estados Unidos, em 1815, Thomas Hopkins Gallaudet, um professor
interessado em obter mais informaes sobre a educao de surdos, seguiu para a Europa. Na
Inglaterra encontrou-se com a famlia Braidwood, que utilizava apenas a lngua oral na
educao de surdos, e na Frana com o Abade LEpe, que utilizava o mtodo manual.Os Braidwood se recusaram a ensinar a Gallaudet sua metodologia em poucos meses,
assim, restou-lhe a opo pelo mtodo manual. Em 1816, acompanhado de Laurent Clerc, um
dos melhores alunos do Abade LEpe, Gallaudet fundou a primeira escola permanente para
surdos nos EUA, que utilizava como forma de comunicao em salas de aula e conversas
extra-classe um tipo de francs sinalizado, ou seja, a unio do lxico da lngua de sinais
francesa com a estrutura da lngua francesa, adaptado para o ingls. Note-se que esse
hibridismo na criao dos Sinais Metdicos obriga a interrogar em que medida pode-sechamar de natural a lngua de sinais. Mais que isso, possvel observar como a lngua
francesa se entrelaa com os sinais. A Lngua de Sinais Francesa, assim, foi aos poucos sendo
modificada pelos alunos, iniciando a formao da Lngua de Sinais Americana. Alm dos
mtodos franceses que foram aos poucos sendo abandonados, utilizavam-se, na sala de aula,
alm da ASL, ainda o ingls sinalizado, o ingls escrito e o alfabeto digital. Surgiu, ento,
uma metodologia que mais tarde seria utilizada na filosofia da Comunicao Total (Ramos e
Goldfeld, 1992).
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A partir de 1821, todas as escolas pblicas americanas passaram a mover-se em
direo a ASL (American Sign Language), que sofreu forte influncia do francs sinalizado.
Em 1850, a ASL, e no o ingls sinalizado passa a ser utilizada nas escolas, assim como
ocorria na maior parte dos pases europeus. Nesse perodo, houve uma elevao no grau de
escolarizao dos surdos, que podiam aprender com facilidade as disciplinas ministradas em
lngua de sinais.
Moura (2000) aponta para o fato de que os alunos surdos aprendiam, alm da Lngua
de Sinais Americana, o ingls escrito e o alfabeto digital. Em 1864 foi fundada a primeira
universidade nacional para surdos, Universidade Gallaudet (atualmente, alm desta
universidade, existe apenas a Tsukuba College of Technology, no Japo).
Entretanto, a lngua de sinais americana comeou a sofrer presso devido a avanostecnolgicos que facilitavam a aprendizagem da fala pelo surdo, e a partir de 1860 o mtodo
oral comea a ganhar fora. Diversos profissionais comearam a investir no aprendizado da
lngua oral pelos surdos, e neste entusiasmo teve destaque a idia, defendida por alguns
profissionais at hoje, de que a lngua de sinais seria prejudicial para a aprendizagem da
lngua oral. Surgiram ento opositores lngua de sinais, que ganharam fora a partir da morte
de Laurent Clerc, em 1869.
O mais importante defensor do oralismo foi Alexander Graham Bell, o clebreinventor do telefone, que exerceu grande influncia no resultado da votao no Congresso
Internacional de Educadores de Surdos, realizado em Milo, no ano de 1880. Naquele
Congresso, foi colocado em votao qual mtodo deveria ser utilizado na educao dos
surdos. O oralismo venceu e o uso da lngua de sinais foi oficialmente proibido. importante
ressaltar que aos professores surdos foi negado o direito de votar.
Moura (2000) explica que para entendermos o desenvolvimento do oralismo na Itlia,
pas que, juntamente com a Frana, teve papel decisivo no Congresso, preciso lembrar queos italianos estavam divididos em muitos estados com domnios, histrias e tradies
diferentes. Trata-se de um perodo anterior unificao da Itlia. Existiam muitas lnguas e
dialetos no pas e j havia uma forte influncia do mtodo oralista alemo. Na Itlia, tudo o
que vinha da Alemanha era extremamente valorizado, e no perodo da unificao a
necessidade de uma nica lngua no pas, entendida como determinante da unidade nacional e
lingstica, levou ao entendimento de que a oralizao seria o mtodo apropriado para a
educao do surdo, abolindo tambm a lngua de sinais.
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Nessa ocasio, a educao dos surdos deu uma grande reviravolta em sentido oposto
direo tomada no sculo XVIII, quando a sociedade percebeu as potencialidades dos surdos
atravs da utilizao da lngua de sinais. Acreditava-se, no perodo da unificao, que o surdo
poderia se desenvolver como os ouvintes aprendendo a lngua oral. O aprendizado dessa
lngua passou a ser o grande objetivo dos educadores de surdos. Cabe destacar que a
hegemonia do oralismo est ligada a diversos fatores: nacionalismo, elitismo e, tambm,
fora do clero.4
No incio do sculo XX, a maior parte das escolas em todo o mundo deixa de utilizar a
lngua de sinais. A oralizao passou a ser o objetivo principal da educao das crianas
surdas, e, para que estas pudessem dominar a lngua oral, passavam a maior parte de seu
tempo recebendo treinamento oral e se dedicando a este aprendizado. O ensino das disciplinasescolares como histria, geografia e matemtica ficou em segundo plano. Com isso, houve
uma queda no nvel de escolarizao dos surdos.
Moura (2000) comenta que os primeiros relatos de insucesso do oralismo, no incio do
sculo XX, comearam a surgir. Relata que um inspetor geral de Milo descreveu que o nvel
de fala e de aprendizado de leitura e escrita dos surdos, aps sete a oito anos de escolaridade,
era muito ruim. Eles estavam apenas preparados para ser sapateiros ou costureiros. Na Frana
a situao era a mesma.Binet e Simon, dois psiclogos, em 1990, atravs de pesquisas, concluram que a
educao oralista no permitia que os surdos conseguissem trabalho, trocassem idias com
estranhos (que no estivessem acostumados com a sua fala), e nem mesmo que pudessem
estabelecer uma conversa real com aqueles pertencentes s suas relaes pessoais. Muitas
escolas, para garantir o sucesso no processo de escolarizao, rejeitavam surdos profundos,
surdos filhos de pais surdos, aceitando somente aqueles que eles consideravam vir a ter a
possibilidade de falar.O Oralismo foi um mtodo hegemnico em todo o mundo, mas cabe ressaltar que os
surdos continuavam a usar sinais entre si. Na dcada de sessenta, vrios estudos comearam a
discutir a importncia dos sinais. Foi nesta mesma dcada, tambm, que Willian Stokoe
publicou seu trabalho Sign Language Structure,Outline of the Visual Communication System
of the American Deaf, demonstrando que a ASL uma lngua com todas as caractersticas
das lnguas orais.
4Sobre este ponto ver: Skliar (1996), Moura (2000), entre outros
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A partir desta publicao, surgiram diversas pesquisas sobre a lngua de sinais e seus
desdobramentos na educao e na vida do surdo. Essa publicao e as demais pesquisas,
aliadas a uma grande insatisfao por parte dos educadores e dos surdos com o mtodo oral,
deram origem utilizao da lngua de sinais e de outros cdigos manuais na educao da
criana surda. Naquela dcada, Dorothy Schifflet, professora e me de surdo, comeou a
utilizar um mtodo que combinava a lngua de sinais com a lngua oral, leitura labial, treino
auditivo e alfabeto manual. Ela denominou seu trabalho de Total Aproach, que pode ser
traduzido por Abordagem Total.
Em 1968, Roy Holcom adotou o Total Approach, rebatizando-o de Total
Communication, dando origem filosofia Comunicao Total, que utiliza todas as formas de
comunicao possveis na educao dos surdos, por acreditar que a comunicao e no alngua deve ser privilegiada. A Universidade Gallaudet, que j utilizava o ingls sinalizado,
adotou a Comunicao Total e se tornou o maior centro de pesquisa dessa filosofia.
A partir da dcada de setenta, em alguns pases, como Sucia e Inglaterra, percebeu-se
que a lngua de sinais deveria ser utilizada independentemente da lngua oral. Ou seja, em
algumas situaes, o surdo deve utilizar a lngua de sinais e, em outras, a lngua oral e no as
duas concomitantemente, como estava sendo feito. Surge ento a filosofia Bilnge, que a
partir da dcada de oitenta, e mais efetivamente na dcada de noventa, ganha cada vez maisadeptos em todos os pases do mundo.
No que a controvrsia tenha sido encerrada. H, como se v, concepes claras
acerca da educao do surdo, porm h um movimento que passa por questes polticas
eugnicas, como se v no desejo nacionalista das autoridades de implantar uma Lngua
Nacional como, por exemplo, durante o processo de unificao da Itlia e da Alemanha. H,
tambm, o efeito dos avanos tecnolgicos e a virtual possibilidade oferecida de suprir o
dficit sensorial e fazer do surdo um ouvinte, apagando a diferena e fazendo do surdouma pessoa normal. H, finalmente, uma forte questo ideolgica que perpassa as questes
anteriores e ganha fora, quando os defensores das Lnguas de Sinais tomam os surdos como
uma minoria que deve ter seus direitos garantidos e respeitados, entre eles a possibilidade de
usar o que consideram a lngua natural dessa comunidade. A questo bastante complexa e
ultrapassa a problemtica das prticas pedaggicas. Como disse inicialmente, tomei como
ponto de partida a Histria Oficial em busca de um entendimento relativo imbricao entre
concepo de surdez e natureza das prticas pedaggicas institudas. O modo como a surdez
foi vista atravs da histria foi determinante das prticas pedaggicas estabelecidas.
Importante ressaltar a mudana no enfoque da Educao a partir do momento em que a surdez
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passa a ser vista como doena. O surdo, a partir da, passa a ser visto como deficiente e perde
posio. Os professores-surdos deixam de poder lecionar, seu voto nos congressos sobre
educao (de surdos) perde valor. Apaga-se a subjetividade, simplificam-se questes
fundamentais sobre a surdez e suas conseqncias, ganha fora a hiptese de torn-lo
normal, sem considerar que para isso seria necessrio apagar as marcas de tudo que o
inscreveu como sujeito.
O que fica evidente nesta longa trajetria que tanto nas abordagens que privilegiam o
papel da oralidade, quanto nas que defendem o uso da lngua de sinais para o surdo:
esto apoiadas nas seguintes concepes de lngua, linguagem einterao: a lngua concebida como cdigo que pode ser ensinado.
Sendo assim, a linguagem entendida como instrumento de
comunicao, emergindo da a possibilidade de acesso ao lingstico,
isto , a entrada no lingstico se d, assim, via percepo. Em termos
mais especficos, como a percepo concebida como um conjunto
de impresses sensveis que coloca o organismo frente a frente com
as coisas do mundo, seu papel ganha destaque por constituir-se emfonte compensatria de informao para este organismo que tem uma
falta (a surdez). Deste modo, o surdo vai aprender a linguagem pelo
uso de um canal perceptual devidamente treinado. A noo de
linguagem , ento, a de um objeto estvel, que substancializado e
ao qual se atribui um funcionamento definido a priori, partindo-se de
categorias de lngua constituda, com a tendncia de buscar fora da
linguagem, especialmente na Psicologia e na Biologia, as explicaespara os fenmenos lingsticos [...] percebe-se [assim] a ciso entre
sujeito surdo e linguagem, colocando-o num plano externo a este
objeto do qual ele deve se apropriar por meio de tcnicas de
ensino/aprendizagem (MIDENA, 2004, p. 114-115).
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1. Educao dos surdos no Brasil
Em relao ao Brasil, h informaes de que em 1855 chegou aqui o professor surdofrancs Hernest Huet, trazido pelo imperador D.Pedro II, para iniciar um trabalho de educao
de duas crianas surdas, com bolsas de estudo pagas pelo governo, trata-se da primeira
informao oficial sobre o tema. Em 26 de setembro de 1857 foi fundado o Instituto Nacional
de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educao dos Surdos (INES), que utilizava
lngua de sinais.
Em 1911, no Brasil, o INES5, seguindo a tendncia mundial, estabeleceu o Oralismo
puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a lngua de sinais sobreviveu em sala de aula at1957, quando a diretora Ana Rmola de Faria Doria, com assessoria da professora Alpia
Couto, proibiu a lngua de sinais oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as
proibies, a lngua de sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos ptios e corredores da
escola (Reis, 1992).
No fim da dcada de setenta, chegou ao Brasil a Comunicao Total, aps visita de
Ivete Vasconcelos, educadora de surdos, Universidade Gallaudet. Na dcada seguinte,
comeam no Brasil as prticas ligadas ao Bilingismo, a partir das pesquisas da professoralingista Lucinda Ferreira Brito sobre a Lngua Brasileira de Sinais. No incio de suas
pesquisas, seguindo o padro internacional de abreviao das lnguas de sinais, a professora
abreviou esta lngua de LSCB (Lngua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros) para
diferenci-la da LSKB (Lngua de Sinais Kaapor Brasileira), utilizada pelos ndios Urubu-
Kaapor, no Estado de Maranho. A partir de 1994, Brito passa a utilizar a abreviao
LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais), criada pela prpria comunidade surda para designar a
LSCB. Importante destacar o termo criada, pois ele obriga a interrogar sobre a idia de uma
lngua natural, inata, a ser atualizada, que, como veremos adiante, ser defendida por
diferentes pesquisadores.
Atualmente, essas trs abordagens (Oralismo, Comunicao Total, Bilingismo)
convivem no Brasil, e pode-se dizer que todas tm relevncia e representatividade no trabalho
com surdos. As diferentes abordagens so motivos de polmica e muitos conflitos entre os
profissionais que atuam no campo. Esse estado de coisas parece ter sido uma constante no
decorrer da histria. Essas divergncias sempre ocorreram, e mesmo que em dois momentos,
5INES - Instituto Nacional de Educao dos Surdos, situado na cidade do Rio de Janeiro. a primeira escola desurdos no Brasil, fundado em 1857.
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nos anos de 1750 e 1880, as diferentes metodologias tenham sido colocadas em discusso,
definindo oficialmente uma abordagem considerada a melhor e que, conseqentemente,
deveria ser utilizada em todas as Instituies, certamente as diferentes concepes
conviveram ao longo da histria, ainda que no se tenha registro na histria oficial.
Atualmente, em alguns pases do mundo, como a Venezuela, h uma filosofia que
deve ser adotada oficial e obrigatoriamente em todas as escolas pblicas para surdos (no caso,
a filosofia Bilnge). O Brasil, assim como a maioria dos pases, convive com a diversidade
de perspectivas sobre os surdos e sua educao, pois se supe que a verdade nica no exista
e, portanto, todas as abordagens seriamente estudadas devem ter espao.
Os educadores, ao longo dos tempos, criaram diferentes metodologias para ensinar os
surdos. Alguns se baseavam apenas na lngua oral, ou seja, a lngua auditivo-oral utilizada emseu pas, como o francs, o ingls etc., outros pesquisaram e defenderam a lngua de sinais,
que uma lngua espao-visual criada atravs de geraes pelas comunidades de surdos.
Outros, ainda, criaram cdigos visuais, que no se configuram como uma lngua, para facilitar
a comunicao com seus alunos surdos. At hoje existem diversas correntes pautadas em
diferentes pressupostos em relao educao de surdos.
Considero importante assinalar, entretanto, que a questo da escrita envolve muito
mais do que uma reflexo sobre as metodologias utilizadas e isso vale para surdos e ouvintes.A questo do surdo ganha, sem dvida, um contorno singular, que merece uma reflexo
particular sobre quem o surdo, mas especialmente, sobre o que a escrita e como possvel
penetrar nesse universo.
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CAPTULO II
ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS
Segundo Quadros (1997), a educao de surdos no Brasil pode ser dividida em duas
fases claramente delimitadas e uma terceira fase, a atual, que segundo ela pode ser
caracterizada como um processo de transio. Goldfeld (2001) tambm apresenta uma sntese
dessas abordagens. No pretendo advogar por uma das correntes, mas considero importante
esclarecer que, em minha prtica, pude observar que os alunos surdos que transitam na lnguade sinais tm um desempenho escolar melhor do que aqueles que chegam escola sem
nenhuma possibilidade. Cabe esclarecer, tambm, que, embora saiba que h surdos que foram
bem sucedidos na proposta oralista , jamais tive contato com eles, razo pela qual menos do
que defender uma das duas abordagens, pretendo, acima de tudo, apontar as lacunas de cada
proposta e acenar para a necessidade de uma reflexo lingstica que coloque em cena a
solidariedade entre estruturao da linguagem e estruturao subjetiva. Agora, vejamos o que
dizem as autoras sobre a educao de surdos no Brasil.
2. Oralismo,Comunicao Total e Bilingsmo
A primeira fase, diz Quadros (idem ibidem), corresponde hegemonia da proposta de
educao oralista, como a de Couto (1988), que visa recuperao das pessoas surdas,
denominadas, nesta concepo, deficientes auditivos. Estes so vistos como uma populao
portadora de dficit, que poderia ser suprido atravs de aparelhos de amplificao sonora
associado a um treino perceptual.
[esses trabalhos] baseiam-se no uso de amplificao sonora e na
nfase no uso da audio residual como forma de aumentar as
possibilidades da criana surda de receber a maior quantidade de
informaes acsticas possveis dos sons da lngua. Quanto melhor
a criana puder se utilizar das informaes acsticas, maiores
chances para o desenvolvimento de linguagem oral ela ter.Por
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trs dessas propostas, est a idia de oferecer criana com
deficincia auditiva as melhores oportunidades para desenvolver a
linguagem oral (BALIEIRO & FICKER, 2005, p. 366 (nfase
minha), apud. CERQUEIRA, 2006, p. 3).
O Oralismo, ou abordagem oralista, segundo Goldfeld (2001), objetiva integrar a
criana surda comunidade denominada ouvinte. Isso, segundo a autora, proporciona
criana a possibilidade de desenvolvimento da lngua oral (no caso do Brasil, o portugus).
Muitos profissionais entendem que esta abordagem a mais adequada para o ensino do surdo.
A lngua oral vista como a nica possibilidade de comunicao da pessoa surda. Assim,comunicar-se bem sinnimo de oralizao.
No que diz respeito concepo de linguagem que sustenta tal perspectiva
encontramos autores, como se v no trabalho de Lenzi (1995), que buscam subsdios tericos
na proposta inatista dos estudos lingsticos sobre a aquisio linguagem. Afirma Lenzi:
(...) os surdos, como seres humanos que so, possuem, tambm, essa
capacidade, o que explica sua possibilidade de adquirir a lnguafalada em seu pas. Desenvolvendo a funo auditiva e dispondo
dessa capacidade inata, o surdo precisa receber a linguagem de
maneira natural, como acontece com as crianas que ouvem (LENZI,
1995, p. 44, apud QUADROS, op. cit., p.22).
Quadros (1997) levanta a seguinte questo: possvel o surdo adquirir de forma
natural a lngua falada, como acontece com a criana que ouve? (QUADROS, op. cit., p.22).Ela refere que os profissionais que trabalham com surdos consideram que o processo de
aquisio da lngua falada pelo surdo no ocorre da mesma forma com a criana ouvinte,
trata-se de um processo que envolve/exige um trabalho sistemtico e formal, a linguagem,
portanto, no se desenvolve naturalmente na relao com o outro, mas fruto de treinamento.
Quadros, que defende a proposta de educao bilnge para surdos, afirma que:
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O oralismo [...] uma proposta educacional que contraria tais
suposies [inatistas]: no permite que a lngua de sinais seja usada
nem na sala de aula, nem no ambiente familiar, mesmo sendo esse
formado por pessoas surdas usurias da lngua de sinais (QUADROS,
1997, p.22).
Ela assinala que o prprio Chomsky afirma que as lnguas de sinais podem ser
entendidas como possvel expresso da capacidade natural para a linguagem.
o termo articulatrio to restrito que sugere que a faculdade da
linguagem apresenta uma modalidade especfica, com uma relaoespecial aos rgos vocais. O trabalho nos ltimos anos em lngua
de sinais evidencia que essa concepo muito restrita. Eu
continuarei a usar o termo, mas sem quaisquer implicaes sobre a
especialidade do sistema de output, mantendo o caso da lnguas
faladas (CHOMSKY, 1995, p.434, nota 4, apud QUADROS, &
KARNOOPP, 2004, nfase minha).
Na realidade, Chomsky, na citao destacada por Quadros, coloca em discusso a
polmica e obscura problemtica das interfaces, especialmente, no que tange relao entre a
articulao e a percepo, e a controvrsia acerca de ambas envolverem ou no a mesma
interface. Ele destaca a restrio da face articulatria que reduz a faculdade da linguagem a
uma modalidade especfica, relacionada especialmente aos rgos vocais. Os trabalhos em
lngua de sinais entram como evidncia da restrio do termo articulatrio, porm Chomsky
no abandona o termo, ele apenas adverte que far uso do mesmo sem implicar aespecificidade do output. Cabe assinalar que Chomsky parece, de fato, reconhecer as
investigaes sobre as lnguas de sinais, mas, acima de tudo, pe em relevo os limites da face
articulatria, que reduz a faculdade da linguagem a uma modalidade, sem, contudo, entrar na
polmica instaurada no campo dos estudos sobre a surdez.
preciso destacar que, embora de fato, grande parte das propostas oralistas possa ser
caracterizada por situaes que envolvem o aprendizado da linguagem, no isso que se l
na citao de Lenzi. Na realidade, o que esta autora diz, ao contrrio do que afirma Quadros,
no parece ferir os princpios de uma proposta inatista, medida que, para Lenzi, apenas a
suplncia do dficit auditivo permitiria ao surdo adquirir a lngua de seu pas como os demais
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falantes nativos. Note-se que ela no fala em ensinar a lngua, mas em proporcionar
condies para aquisio natural da linguagem.
No pretendo entrar nos detalhes desta polmica, mas assinalar que no deixa de ser
curioso o fato de que uma mesma concepo de linguagem possa sustentar propostas
antagnicas. Isso parece ser um indicativo de que talvez o problema seja de outra natureza.
Voltarei a esse ponto.
Segundo Goldfeld (2001), o Oralismo entende a surdez como um dficit e s poder
ser compensado pelo estmulo auditivo. Este estmulo, afirma autora:
... possibilitaria a aprendizagem da lngua portuguesa e levaria a
criana surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver umapersonalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo
fazer uma reabilitao da criana surda em direo normalidade,
no-surdez (GOLDFELD, op. cit., p.34).
Como se v, de fato, apenas o treinamento auditivo insuficiente para que o surdo
venha a falar. A abordagem oralista, com o objetivo de atingir seus alvos, utiliza abordagens
metodolgicas diversas, tais como: verbo-tonal, audiofonatria, aural, acupdico etc.. Aconvergncia destas perspectivas est na crena de que a lngua oral a nica forma
apropriada de comunicao do surdo e, assim, clnicos e educadores se dedicam ao ensino
oral das crianas surdas, no aceitando quaisquer formas de gestos, tampouco de lngua de
sinais.
O trabalho de oralizao, comenta Goldfeld (2001), realizado no intuito de criar
possibilidades da criana dominar, aos poucos, as regras gramaticais e alcanar um domnio
desejvel da lngua portuguesa. A autora cita exemplos da metodologia oralistaaudiofonatria, em que o professor apresentar vrias aes para a criana e mostra suas
diferenas, tais como: que andar diferente de pular, correr etc. Posteriormente, com a
utilizao do organograma da linguagem, apresentar frases assim: Paulo anda, Paulo
pula... (GOLDFELD, op. cit., p. 36). Visando ao entendimento melhor da criana diante das
regras gramaticais, o professor usar tambm frases no passado, como: Paulo andou, Paulo
pulou etc. Inicialmente, procura-se apresentar frases consideradas gramaticalmente simples e
gradativamente aumenta o grau de dificuldade, at atingir frases consideradas com um nvel
mais profundo de complexidade. Note-se que h a um distanciamento da proposta inatista.
Ao que parece, o que est em jogo no apenas um treinamento perceptual, que possibilite o
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acesso fala, mas um trabalho de linguagem em que se visa controlar as estruturas a serem
apresentadas criana, da mais simples para a mais complexa. Note-se que no h uma
reflexo sobre o que linguagem, sobre como se d a passagem de infans a falante e nem
mesmo se seria possvel pensar a linguagem como um objeto de aprendizagem. Interessante
que se os autores oralistas se aproximaram, de fato, da proposta chomskyana, deixaram de ler
a crtica deste autor ao trabalho de Skinner e apagaram, tambm, uma questo fundamental
formulada no interior da proposta gerativista, a saber: a questo do problema lgico da
aquisio, que diz respeito a inacessibilidade da lngua sem um conhecimento prvio... (De
LEMOS, 1999, p. 43), afinal as leis de composio da linguagem no podem ver. Voltarei a
isso.
A criana surda, na abordagem oralista, submete-se a um processo de reabilitaoiniciado com estmulos auditivos precoces, ou seja, busca-se o aproveitamento dos resduos
auditivos que a maioria das pessoas surdas possuem, possibilitando a identificao destes sons
que porventura ouvem. Goldfeld (op.cit) explica que atravs da audio, de vibraes
corporais e tambm da leitura orofacial, a criana ter a possibilidade de entendimento da fala
dos outros. Este processo, diz a autora, que deve ser iniciado ainda no primeiro ano de vida,
deve durar at em torno de 8 a 12 anos, sempre dependendo das caractersticas individuais da
criana, tais como: tipo de perda auditiva, participao da famlia no processo de reabilitao,entre outros.
No parece arriscado afirmar que muitos dos pesquisadores que defendem as
abordagens oralistas, embora justifiquem seu trabalho a partir das idias de Chomsky, no
parecem fiis ao trabalho desse autor. A grande maioria dos pesquisadores, na realidade, fez
uma traduo emprica do trabalho deste lingista. Couto (1991), por exemplo, afirma que
no possvel ensinar a linguagem, mas apenas dar condies para que esta se desenvolva
espontaneamente na mente, a seu prprio modo (COUTO, op. cit., p. 15). Porm, a autoraprossegue e afirma tambm que, atravs da audio, as crianas ouvintes imitam seus
interlocutores e assim descobrem as regras gramaticais da lngua, que vo permitir-lhes
chegar s transformaes e organizar seus pensamentos para express-los. Interessante
assinalar que h uma incompatibilidade absoluta entre a idia de um treinamento perceptual
como possibilidade de descoberta das regras e a proposta inatista, que no sequer
mencionada. Lembre-se que Chomsky refuta a aprendizagem pela via indutiva. Note-se que
h nesta afirmao de Couto um grande nmero de contradies: imitao traz induo, que
no se coaduna com a proposta chomskyana, para quem as regras lingsticas sero
atualizadas e no descobertas. Finalmente, Chomsky defende a ordem prpria da lngua, que
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no se articula de forma natural e simplista ao pensamento, como se l no trabalho de Couto.
V-se aqui a problemtica aproximao que a pesquisadora faz Lingstica (sobre isso ver
LIER-DeVITTO, 1995, entre outros).
O trabalho de Nogueira (1994), apresentado por Goldfeld (op.cit), tambm exemplar
do uso que se faz do modelo inatista, especialmente quando se coloca em discusso a
importncia da inferncia de regras gramaticais no aprendizado da lngua:
Baseada na Gramtica Gerativa Transformacional, a induo de
regras significa que atravs da exposio fala, a criana capaz de
induzir as regras de sua prpria lngua, espontaneamente,
compreender e construir sentenas novas com sentidos lgicos(NOGUEIRA,1994, p. 27, apud GOLDFELD, op. cit., p. 37).
Segundo Goldfeld (2001), para a abordagem oralista, o surdo que consegue dominar as
regras da lngua portuguesa e, tambm, falar (oralizar) considerado bem-sucedido. O
Oralismo postula que, com o domnio da lngua oral, o surdo esteja apto para a integrao
comunidade ouvinte. Porm, no Brasil, afirma a autora, somente uma pequena parte dos
surdos consegue dominar razoavelmente o portugus, e muito difcil encontrar um surdocongnito, com um domnio da lngua portuguesa comparvel a um ouvinte.
Goldfeld assinala que as crianas surdas, devido prpria precariedade do
atendimento que recebem, geralmente no tm acesso a uma educao especializada, seja em
escolas pblicas e at particulares, e podem estar h anos freqentando estas escolas e tenham
muita dificuldade de adquirir a modalidade oral ou mesmo a modalidade escrita da lngua
portuguesa. Cabe interrogar se o problema seria da filosofia oralista ou da falta de recursos
da escola.Cabe destacar alguns pontos fundamentais das propostas oralistas:
1- A meta desta abordagem suprimir o dficit e permitir que o surdo tenha
acesso fala.
2- O treinamento auditivo parece ser condio necessria, mas no suficiente,
uma vez que est previsto um trabalho especfico de linguagem.
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O oralismo e a supresso do Sinal resultaram numa deteriorizao
dramtica das conquistas educacionais das crianas surdas e no grau
de instruo do surdo em geral.
Muitos dos surdos hoje em dia so iletrados funcionais. Um estudo
realizado pelo Colgio Gallaudet em 1972 revelou que o nvel mdio
de leitura dos graduados surdos de dezoito anos em escolas
secundrias nos Estados Unidos era equivalente apenas quarta srie;
outro estudo, efetuado pelo psiclogo britnico R. Conrad, indica
uma situao similar na Inglaterra, com os estudantes surdos, por
ocasio da graduao, lendo no nvel de crianas de nove anos(...)
(SACKS, 1990, p.45).
No Brasil, prossegue Quadros (1997), a realidade no diferente. Apesar de no haver
um levantamento exaustivo sobre o desempenho escolar de pessoas surdas, comum que
alunos surdos, apesar de freqentarem a escola durante muitos anos e no ultrapassarem as
sries iniciais, eles no apresentam uma produo escrita compatvel com a srie em que se
encontram. De acordo com a FENEIS6(1995):
Atravs de pesquisa realizada por profissionais da PUC do Paran em
convnio com o CENESP (Centro Nacional de Educao Especial)
publicada em 1986 em Curitiba, constatou-se que o surdo apresenta
muitas dificuldades em relao aos pr-requisitos quanto
escolaridade, e 74% no chega a concluir o 1 grau. Segundo a
FENEIS, o Brasil tem aproximadamente 5% da populao surda total
estudando em universidades e a maioria incapaz de lidar com oportugus escrito (FENEIS, 1995, p.07).
Quadros (1997) destaca ainda outros limites da proposta oralista, relativas integrao
social precria e desconsiderao relativa cultura e sociedade surda. Pode-se citar como
exemplo dessa constatao o caso de surdos adultos que, apesar de terem passado anos e anos
6Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos uma entidade no governamental filiada WorldFederation of the Deaf. Ela possui sua matriz no Rio de Janeiro e filiais espalhadas por diversos Estadosbrasileiros, a saber Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, So Paulo, Tefilo Otoni e Distrito Federal.Acesso a ela pelo site www.feneis.com.br.
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treinando a fala, com o esforo entusiasmado dos professores, perceberam que tudo que
haviam aprendido de nada havia contribudo para sua integrao social.
A autora cita que cerca de 90% dos surdos contratam matrimnio com outros surdos e
que isso resultado da necessidade de comunicao compreensiva. Normalmente, as razes
levantadas pelos casais surdos o fato de ambos pertencerem mesma comunidade, alm de
usarem uma mesma lngua. A proposta oralista desconsidera essas questes relacionadas
cultura e sociedade surda.
Tambm Cruz (1992) e Ges (1994, 1996) entendem que o oralismo fracassa em
funo da exigncia no uso exclusivo da modalidade qual o surdo no pode ter acesso
direto; Midena (2004) assinala que ao interditar formas de comunicao gestual-visual como
um meio de integr-lo, reduz as possibilidades de trocas comunicativas e sociais entre surdose ouvintes, acentuando a desigualdade entre ambos em relao s oportunidades de
desenvolvimento, dificultando, assim, os ganhos lingsticos e cognitivos. (MIDENA,
op.cit., p. 67).
A idia de que os Surdos so uma minoria lingstica, constituindo um grupo
com cultura prpria e diferente da cultura dos ouvintes, defendida tambm por, Moura;
Lodi; Harrison. Elas afirmam que:
o movimento de reconhecimento da cultura, comunidade e identidade
do surdo, alm de afirmar a sua autenticidade por intermdio de
trabalhos cientficos, movimentos de protesto e culturais, conseguiu
mobilizar alguns responsveis por sua educao para que esta fosse
reformulada. A nova proposta de trabalho recebeu o nome de
bilingismo (MOURA; LODI; HARRISON, 97, p.353).
Uma das bandeiras da abordagem bilnge aceitar o surdo como diferente, no
deficiente, com uma lngua, uma cultura e pertencente a uma comunidade prpria [...]
(MOURA; LODI; HARRISON, op. cit., p.347).
O reconhecimento de que h um limite orgnico que no pode ser ultrapassado
importante, pois trata-se de uma inscrio no corpo e que afeta de modo indelvel a relao
deste sujeito com a linguagem. Porm, acompanho a reflexo de Cerqueira (2006), quando ela
aponta o quanto complexo relacionar a patologia de um organismo, a uma lngua, a uma
cultura (CERQUEIRA, 2006, p.4 ).
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Ela acompanha as idias de Saussure, que considera um erro ver na lngua um
atributo, no mais da nao, mas da raa, ao mesmo ttulo que a cor da pele ou a forma da
cabea. SAUSSURE (1916, p.221), ao que Cerqueira acrescenta o grau de audio.
Pensar em uma lngua como um atributo, diz ela, como caracterstica de quem tem uma
patologia orgnica parece complicado. Atribuir a uma raa, cor da pele, a traos biolgicos
uma cultura, uma lngua, traz complicaes poltico - ideolgicas.
Saussure (1916) afirma que: Embora a lngua no fornea muitas informaes
precisas e autnticas acerca dos costumes e instituies do povo que a usa, servir ao menos
para caracterizar o tipo mental do grupo social que fala? (SAUSSURE, op. cit., p.261).
Cerqueira considera esse um ponto fundamental para que se estabelea um dilogo com o
bilingismo. comum encontrar na literatura relativa a essa corrente de pensamento que alngua de sinais reflete uma forma de pensar, reflete a identidade do surdo(CERQUIRA,
2006). Ela destaca que para Saussure opinio geralmente aceita a de que uma lngua reflete
o carter psicolgico de uma nao; uma objeo bastante grave se ope, entretanto, a tal
modo de ver; um procedimento lingstico no est necessariamente determinado por causas
psquicas (SAUSSURE, 1916, p.266, apud CERQUEIRA, idem ibidem).
Como coloca Saussure, a lngua no est sujeita diretamente ao esprito dos que
falam (SAUSSURE, op. cit., p. 268), ela no reflete uma forma de pensar, e nada revela arespeito do falante. Ou como afirma Cerqueira, um procedimento lingstico nada revela
sobre a mentalidade do falante. Neste sentido, acompanho a pesquisadora, pois, de fato,
no parece que o Surdo decida pela lngua de sinais, porque esta reflete a sua forma de
pensar. A lngua nada nos revela em relao raa, filiao, relaes sociais, costumes,
instituies, etc.(CERQUEIRA, idem, ibidem). As questes trazidas por Cerqueira so
fundamentais para desnaturalizar uma srie de afirmaes sobre a lngua de sinais, que no
enfrentam a complexidade envolvida na discusso sobre a natureza das lnguas particulares eda relao que elas entretm com a Lngua, conforme definida por Saussure.
Quadros (op.cit.) assinala que, frente s dificuldades enfrentadas pela proposta
oralista, surgiu uma alternativa, a segunda entre as trs inicialmente destacadas pela autora,
que permitia o uso da lngua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na criana
surda. Assim, na segunda proposta, os sinais passam a serem utilizados pelos profissionais
como um recurso que visava ao desenvolvimento da lngua oral. Os sinais eram usados dentro
de uma estrutura da lngua portuguesa. Esse sistema artificial, como diz a autora, passou a ser
chamado de portugus sinalizado. O ensino enfatiza o bimodalismo, que se caracteriza pelo
uso simultneo de fala e sinais.
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No Brasil, Ciccone (1990), que adotou a proposta conhecida como a filosofia da
Comunicao Total(filosofia educacional que se baseia no respeito pela diferena), enfatiza
que lnguas de sinais e portugus so idiomas autnticos, e que equivalem em nveis de
qualidade e importncia (...) (CICCONE, 1990, p.70, apud QUADROS,1997, p 24). Os
aspectos destacados por Ciccone so indiscutveis e no se afastam da filosofia da proposta
bilnge, que ser apresentada adiante, mas o uso dessa proposta na educao de surdos
bastante problemtico. Voltarei a isso no final desta sesso.
Goldfeld (2001) afirma que a Comunicao Total uma abordagem que traz como
principal preocupao os processos comunicativos entre surdos e entre surdos e ouvintes.
Comenta que esta abordagem, alm de focalizar a aprendizagem da lngua oral pela criana
surda, entende que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais no devem ser desprezados efavorecer to somente o aprendizado da lngua oral. Defende o uso de recursos espao-visuais
como facilitadores da comunicao.
O surdo visto de forma diferente pelos profissionais que apostam na abordagem da
Comunicao Total, ou seja, ele visto como uma pessoa, e a surdez tomada como um sinal
presente nas relaes sociais, em seu desenvolvimento cognitivo e afetivo; ele no visto
apenas como portador de uma patologia, que deve ser eliminada, corrigida (CICCONE,
1990).Goldfeld (2001) lembra os princpios que orientam a abordagem da Comunicao
Total, contidos na edio de Comunicao Total do Centro Internacional de la Sordera, in
Nogueira (1994), e diz:
Todas as pessoas surdas so nicas e tm diferenas individuais
iguais aos ouvintes.
Os programas educacionais efetivos deveriam serindividualizados para satisfazer s necessidades, aos interesses e s
habilidades do surdo.
As habilidades para comunicar vo ser diferentes para cada
pessoa.
Menos de 50% dos sons da fala podem ser observados e
entendidos quando se l os lbios.
No h estudos que comprovem que uma criana surda no pode
desenvolver suas habilidades orais.
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As crianas surdas inventam sinais em suas primeiras tentativas
de comunicar-se em casa e na escola.
A comunicao oral exclusiva no adequada para satisfazer as
muitas necessidades das crianas surdas.
Em um ambiente de Comunicao Total sempre existe a
segurana do que se est dizendo. Um sistema de dupla informao
ou interao sempre existe.
As crianas que podem desenvolver as habilidades de
aprendizagem e comunicao oral estaro motivadas. Aquelas que
no tm esta habilidade desenvolvem outras formas de comunicao.
Os estudos desde 1960 claramente indicam que a criana quecresce em um ambiente de Comunicao Total demonstra mais
habilidade para comunicar-se e tem mais xito na escola.
(GOLDFELD, op. cit., p.39).
Aqueles que defendem a Comunicao Total e que, portanto, se opem ao radicalismo
da proposta oralista, apostam que apenas o aprendizado da lngua oral no garante pleno
desenvolvimento da criana surda, isso fica claro nos tpicos apresentados acima. Goldfeldlembra a afirmao de Ciccone (1990) ao dizer que muitas crianas surdas, expostas
sistematicamente modalidade oral de uma lngua antes dos trs anos de idade conseguiriam
aprender esta lngua de forma satisfatria, contudo, quanto ao desenvolvimento cognitivo,
social e emocional j no demonstraram bom desempenho.
Goldfeld (2001) aponta uma das grandes diferenas entre a Comunicao Total e as
outras abordagens educacionais: acreditar que o uso de qualquer recurso lingstico, seja a
lngua de sinais seja a linguagem oral ou cdigos manuais, facilitador para a comunicaocom as pessoas surdas. Assim, como j se l no nome, a proposta, lembra a autora, privilegia
a comunicao e a interao e no apenas a lngua. A Comunicao Total no se preocupa
com a aprendizagem de apenas uma lngua, ela tem como caracterstica a valorizao da
estrutura familiar, pois entende relao famlia-criana surda, o papel da comunicao, da sua
subjetividade.
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No Brasil, comenta Goldfeld (2001), alm da LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais):
a Comunicao Total utiliza tambm um sistema chamado de
datilogia, conhecido tambm como alfabeto manual (representao
manual das letras do alfabeto), o cued-speech (sinais manuais que
representam os sons da lngua portuguesa), usa o portugus
sinalizado (lngua artificial que utiliza o lxico da lngua de sinais
com a estrutura sinttica do portugus e alguns sinais inventados,
para representar estruturas gramaticais do portugus que no existem
na lngua de sinais) e o pidgin (simplificao da gramtica de duas
lnguas em contato, no caso, o portugus e a lngua de sinais)(GOLDFELD, op. cit., p. 40).
O uso simultneo desses cdigos manuais (que tm como objetivo representar de
forma espao-visual uma lngua oral) com a lngua oral uma das recomendaes da
Comunicao Total. Uma comunicao simultnea s possvel pelo fato de estes cdigos
manuais obedecerem estrutura gramatical da lngua oral, ao contrrio das lnguas de sinais,
que possuem estruturas prprias. Esta forma de comunicao tambm chamada debimodalismo.
O bimodalismo, visto atravs da perspectiva da Comunicao Total, entendido como
possibilidade para diminuir o bloqueio de comunicao que normalmente a criana surda
vivencia, concedendo a possibilidade aos pais de ocuparem papis de principais interlocutores
de seus filhos. Goldfeld (2001) diz que: a Comunicao Total postula que cabe famlia
decidir qual a forma de educao que seu filho ter. Esta deciso no cabe ao profissional que
lida com a criana (GOLDFELD, op. cit. p. 41).Ciccone (1990), ao criticar a abordagem Bilnge, que ser apresentada a seguir,
afirma que os profissionais no devem impor aos pais que falem com seus filhos utilizando
apenas o portugus e a lngua de sinais separadamente. A autora compara esta postura dos
profissionais que defendem o bilingismo com a postura radical adotada pelo Oralismo, em
que a diferena entre surdo e ouvinte no era aceita. Assim como o Oralismo, que tem como
objetivo transformar a criana surda em ouvinte, Ciccone entende que o Bilingismo procura
identificar a famlia ouvinte ao surdo. Para ela, as duas perspectivas- oralista e bilnge - tm
algo em comum: a equalizao entre a famlia ouvinte e a criana surda. A Comunicao
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Total, ao contrrio, foge da filosofia de igualdade: aceita e convive com a diferena, buscando
facilitar a comunicao entre a criana surda e sua famlia ouvinte.
No Brasil, aponta Goldfeld, a Comunicao Total faz presena em algumas clnicas e
escolas e pode ser considerada mais eficaz que o Oralismo, uma vez que considera aspectos
importantes do desenvolvimento infantil e destaca o papel fundamental dos pais ouvintes na
educao de seus filhos surdos. Porm, aqueles que defendem o bilingismo discordam da
perspectiva da pesquisadora. Assim, cabe introduzir a crtica contundente de Sacks ao
bimodalismo:
H uma compreenso de que algo deve ser feito (diante do oralismo):
mas o qu? Tipicamente, usando os sinais e a fala permitem aossurdos se tornarem eficientes nos dois. H outra sugesto de
compromisso, contendo uma profunda confuso: uma linguagem
intermediria entre o Ingls e o Sinal (ou seja, o Ingls Sinalizado).
Essa confuso vem de longa data remonta aos sinais Metdicos
de De LEpe, que foram uma tentativa de expresso intermediria
entre o Francs e o Sinal. Mas (...) no possvel efetuar a
transliterao de uma lngua falada em Sinal palavra por palavra, oufrase por frase as estruturas so essencialmente diferentes. Imagina-
se com freqncia, vagamente, que a lngua d