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JOSEPH RATZINGER INTRODUO AO CRISTIANISMO Prelees sobre o Smbolo Apostlico HERDER SO PAULO 1970 Os nmeros entre colchetes [n] indicam o incio da pgina na edio portuguesa de Herder So Paulo, 1970. Foram acrescentados a esta edio eletrnica para possibilitar a citao acadmica da obra. Os ttulos que precedem imediatamente ao nmero pertencem pgina em questo. As palavras hifenizadas entre pginas diferentes foram consideradas da pgina anterior. A numerao das pginas do original tem incio com o prefcio. Os nmeros do ndice correspondem ao original. Verso brasileira de Padres Jos Wisniewski Filho, S.V.D., do original alemo Einfhrung in das Christentum, 1968 by Ksel-Verlag, Mnchen. Nihil obstat: P. Frei Arnaldo Vicente Belli, Ofmcap. Censor So Paulo, 26 de outubro de 1970 Imprimatur J. Lafayette, Vigrio Geral So Paulo, 27 de outubro de 1970 EDITORA HERDER SO PAULO 1970 NDICE Prefcio 1INTRODUO CAP. I F no Mundo Hodierno 71. Dvida e F Situao do homem frente ao problema "Deus" 72. O salto da F Ensaio provisrio de uma definio da essncia da F. 153. O dilema da F no mundo de hoje 194. Limite da moderna compreenso da realidade e topografia da F 255. F como "estar" e "compreender" 356. Razo e f 407. "Creio em Ti" 44CAP. II Forma eclesial da F 471. Preliminares histria e estrutura do Smbolo Apostlico da F 472. Limite e importncia do texto 503. F e Dogma 514. O Smbolo como expresso da estrutura da F 54I PARTE DEUS 63CAP I - Prolegmenos ao Tema "Deus" 651. mbito da questo 652. O reconhecimento de um Deus 71CAP II - A F em Deus na Bblia 771. O problema histrico da sara ardente 772. Pressuposto intrnseco da F em "Iahv": o Deus dos pais 823. Iahv, Deus dos patriarcas e de Jesus Cristo 864. A idia do nome 935. As duas faces da idia bblica de Deus 94CAP III - O Deus da F e o Deus dos Filsofos 971. Opo da Igreja antiga pela filosofia 972. Metamorfose do Deus dos filsofos 1023. Reflexo da questo no texto do "Smbolo" 107CAP IV - "Creio em Deus" Hoje 1111. O primado do Logos 1112. O Deus pessoal 118CAP V F no Deus Trino 1211. Introduzindo na compreenso 1222. Interpretao positiva 136II PARTE JESUS CRISTO 149CAP I - "Creio em Jesus Cristo seu Filho Unignito, Nosso Senhor". 151I. O problema da F em Jesus Cristo hoje II. Jesus, o Cristo: Forma fundamental da F cristolgica. 1. O dilema da Teologia nova: Jesus ou Cristo? 1542. Imagem do Cristo do Smbolo 1593. Ponto de partida da F: a cruz. 1634. Jesus, o Cristo 165III. Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem 1. Introduo ao problema 1672. Clich moderno do "Jesus histrico" 1693. O direito do dogma cristolgico 172IV. Caminhos da Cristologia 1. Teologia da Encarnao e da Cruz 1842. Cristologia e Soteriologia 1853. Cristo, "o ltimo homem" 189Digresso: Estruturas do Crstico 1971. O individual e o todo 1982. O princpio do "para" 2053. A lei do incgnito 2084. A lei do suprfluo 2105. O definitivo e a esperana 2156. O primado da aceitao e a positividade crist 219CAP II Desenvolvimento da F em Cristo nos Artigos Cristolgicos do Smbolo 2251. "Concebido do Esprito Santo, nascido da Virgem Maria". 2252. Padeceu sob Pncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. 2343. "Desceu aos infernos" 2464. Ressurgiu dos mortos 2545. "Subiu ao cu, onde est sentado direita de Deus Pai, todo-poderoso" 262III PARTE O ESPRITO E A IGREJA 281CAP. I Unidade Intrnseca dos ltimos Artigos do Smbolo 283CAP II Duas Questes Fundamentais do Artigo sobre o Esprito Santo e sobre a Igreja 2911. "A Igreja santa, catlica". 2912. "Ressurreio da carne". 299PREFCIO [1] * Qual , afinal, o contedo e o sentido da f crist? Eis uma pergunta que, hoje em dia, est cercada de uma nvoa de incerteza mais pesada do que em qualquer outro momento da histria. O observador do movimento teolgico do ltimo sculo que no seja do nmero daqueles levianos que sempre julgam melhor o novo, sem se dar ao trabalho de analisar, poder-se-ia sentir lembrado da velha estria do "Joozinho feliz". Era uma vez, assim reza a lenda, um Joozinho possuidor de uma riqussima pepita de ouro. Mas, feliz e comodista, julgou-a pesada demais, trocando-a por cavalo; o cavalo por uma vaca, a vaca foi barganhada por um ganso e o ganso por uma pedra de amolar; finalmente a pedra foi lanada ao rio, sem que o dono se achasse muito prejudicado. Pelo contrrio, acreditou ter finalmente conquistado o dom mais precioso da liberdade completa: livre da sua pepita, livre do cavalo, da vaca, do ganso e da pedra de afiar. Quanto tempo teria durado o seu fascnio? Quo tenebroso lhe foi o despertar na estria de sua presumida libertao? A fbula silencia sobre isso, deixando-o por conta da fantasia de cada leitor. O cristo hodierno avassalado, no raras vezes, por questes como: a nossa teologia dos ltimos anos no teria enveredado por um caminho parecido? No teria minimizado a exigncia da f, sentida como pesada demais, interpretando-a, gradativamente, em sentido sempre mais largo; sempre apenas o suficiente para poder arriscar o prximo passo? E o pobre Joozinho, o cristo, que [2] se deixou levar, confiante, de interpretao em interpretao, no acabar detendo entre as mos, em lugar da pepita de ouro, uma simples pedra de amolar, que poder sossegadamente jogar no fundo de um rio? Certamente, tais perguntas so injustas se excessivamente generalizadas. Porquanto, para ser justo, no se poder simplesmente afirmar que a "teologia moderna" em geral entrou por um caminho semelhante. Contudo, muito menos se poder negar que certa mentalidade largamente espalhada apia uma onda que, de fato, conduz do ouro pedra de amolar. Claro que impossvel reagir contra essa tendncia, por um simples agarrar-se pepita de ouro de frmulas consagradas do passado que, em tal caso, continuariam sendo um peso, como qualquer pedao de metal, em vez de conferir a possibilidade de uma verdadeira liberdade, pelo dinamismo que lhes inerente. Aqui se encaixa a inteno deste livro: ele pretende ajudar a compreender de modo novo a f como possibilidade de um verdadeiro humanismo no mundo hodierno; deseja analis-la, sem troc-la por uma pura dissertao que dificilmente encobriria seu vazio espiritual completo. O livro nasceu de prelees que proferi no semestre de vero de 1967, em Tbingen, diante de ouvintes de todas as faculdades. O que Karl Adam, h quase meio sculo, realizara magistralmente nessa Universidade com o seu "Essncia do Catolicismo", deveria novamente ser tentado agora nas circunstncias modificadas da gerao atual. O texto foi convenientemente reformulado, quanto linguagem, com vistas a uma publicao em forma de livro. Contudo, no mudei nem a estrutura, nem a extenso, limitando-me a acrescentar as achegas cientficas estritamente necessrias para indicar o instrumental de que lancei mo na preparao das prelees. * Os nmeros entre colchetes [n] referem-se ao incio das pginas da edio portuguesa (Herder So Paulo, 1970).

1 H. COX, The Secular City. Trad. port. A cidade do Homem, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968, 270.

2 Confira-se a sntese informativa da Herderkorrespondenz 7 (1962/3, 561-565 sob o ttulo "Die echten Texte der kleinen heiligen Threse" (Textos autnticos de Sta. Teresinha). As nossas citaes encontram-se pg. 564. Sua fonte principal o artigo de M. MORE, "La table des pcheurs," em Dieu vivant No. 24,13-104. MORE refere-se sobretudo s pesquisas e edies de A. COMBES, principalmente Le probleme de I' "Histoire d'une me et des oeuvres completes de Ste. Threse de Lisieux, Paris, 1950. Outras fontes: A. COMBES, "Theresia von Lisieux", em Lexikon fr Theologie und Kirche (LthK) X,102-104. De A. COMBES foi traduzido por mim Sainte Threse de Lisieux et sa Mission, publicado pela editora "Lar Catlico" sob o ttulo "Uma Santa na era atmica" (1961), onde se podem conferir os conceitos aqui abordados, sobretudo pg. 125; 138 e seguintes e 174 (Nota do tradutor).

3 O que evoca impressionantemente o texto de Sab 10,4 to importante para a teologia da cruz da Igreja antiga: " terra inundada, salvou-a a Sabedoria, dirigindo o justo num lenho desprezvel". Sobre este texto na teologia patrstica confira-se H. RAHNER, Symbole der Kirche, Salzburgo, 1964, 502-547.

4 Conforme o texto alemo de H. U. VON BALTHASAR, Salzburgo, 1953, 16.

5 M. BUBER, Werke III, Munique-Heidelberg, 1963, 348.

O autor se refere Alemanha (N. da Editora).

6 Tpica ilustrao para essa mentalidade encontra-se, ao meu ver, em um anncio visto h pouco: "Voc no quer comprar tradio mas progresso racional". No mesmo contexto cumpre apontar para a realidade caracterstica de a teologia catlica, em sua reflexo sobre a tradio, nos ltimos cem anos, tender sempre mais a equiparar tradio e progresso, de reinterpretar a idia de tradio pelo conceito de progresso, no entendendo mais tradio como o cabedal fixo transmitido desde a origem, mas como a fora propulsora do sentido da f; Cfr. J. RATZINGER, "Tradition", em: LThK X, 293-299; IDEM, "Kommentar zur Offenbarungskonstitution" em: L ThK supl. II, 498 ss e 515-528.

7 Theou oudeis eoraken popote; monogenes theos... exegesato. O verbo exegeomai significa: ser chefe, servir de guia, de conselheiro, dar exemplo e, em sentido derivado (no texto presente): explicar, interpretar, expor. Cristo seria, ento, quem explica, interpreta, expe aos homens o segredo de Deus. (A. CHASSANG, Nouveau Dictionnaire Grec-Franais) (Nota do Tradutor).

8 1Jo 1,1-3.

9 Declarao que, alis, tem valor em todo o seu sentido somente dentro do pensamento cristo que, com o conceito de creatio ex nihilo, reduz a Deus tambm a matria a qual, para a filosofia antiga, permanece como o algico, o elemento csmico estranho divindade, marcando assim, ao mesmo tempo, o limite da inteligibilidade do real.

10 Relativamente ao material histrico veja-se a sntese em K. LWITH, Weltgeschichte und Heilsgeschichte, Stuttgart 31953, 109-128, assim como a obra de N. SCHIFFERS, Anfragen der Physik an die Theologie, Dsseldorf, 1968.

11 N. SCHIFFERS, obra citada.

12 K. LWlTH, obra cit., 38. Sobre a virada nos meados do sculo XIX, veja-se a instrutiva pesquisa de J. DRMANN, "War J. B. Bachofen Evolutionist?" em: Anthropos 60 (1965) 1-48.

13 Cfr. H. FREYER, Theorie des gegenwrtigen Zeitalters, Stuttgart, 1958, sobretudo 15-78.

14 Sintomtica, neste sentido, a obra de H. Cox, j citada, bem como a "teologia da revoluo" hoje em moda; cfr. T. RENDORFF H E. TDT, Theologie der Revolution. Analysen und Materialien, Frankfurt 1968. Tendncia igual tambm em J. MOLTMANN, Theologie der Hoffnung, Munique 1964, 51966 e em J. B. METZ, Zur Theologie der Welt, Mogncia-Munique, 1968.

15 O sentido do vocbulo grego Logos corresponde, de algum modo, raiz hebraica 'mn (amm): palavra, sentido, razo, verdade esto nele includos.

16 Neste contexto pode-se apontar para a importante percope dos At 16,6-10 (O Esprito Santo impede a Paulo de pregar na sia; o Esprito de Jesus no lhe permite viajar Bitnia; e ainda a viso com o chamado da Macednia: "Vem e ajuda-nos!"). Este misterioso texto deveria representar algo assim como uma primeira tentativa "teolgico-histrica" para sublinhar a passagem da mensagem para a Europa, "aos gregos", como obrigao divinamente determinada; Confira-se a respeito E. PETERSON, "Die Kirche", em: Theologische Traktate, Munique, 1951, 409-429.

17 Cfr. H. FRIES, Glauben-Wissen, Berlin, 1960, sobretudo 89-95; J. MOUROUX, lch glaube an Dich Einsiedeln 1951; C. CIRNE-LIMA, Der personale Glaube, Innsbruck, 1959.

1 Obra decisiva e clssica a respeito : Das apostolische SymboI de F. KATTENBUSCH, I, 1894; II, 1900 (reeditada sem alteraes em 1962, Darmstadt; ser citada sempre: KATTENBUSCH). Alm disto, importante J. DE GHELLINCK, Patristique et Moyen-ge I, Paris, 21949; e ainda a viso de conjunto de J. N. D. KELLY, Early Christian Creeds, Londres, 1950; e W. TRILLHAAS, Das apostolische Glaubensbekenntnis, Geschichte, Text, Auslegung, Witten, 1953. Breves resumos e bibliografias ulteriores encontram-se nas patrologias, por exemplo: B. ALTANER A. STUIBER, Patrologie, Friburgo, 71966, 85 e ss; J. QUASTEN, Patrology I, Utrecht, 1962, 23-29; veja-se tambm J. N. D. KELLY, "Apostolisches Glaubensbekenntnis" em: LThK I, 760 e ss.

2 Confira-se, por exemplo, o texto do Sacramentarium Gelasianum (Edio WILSON), 86, citado em KATTENBUSCH II, 485, assim como, sobretudo, o texto da Traditio apostolica de HIPLITO (Edio BOTTE) Mnster, 21963, 48 e ss.

3 HIPLlTO, obr. cit. 46: Renuntio tibi, Satana, et omni servitio tuo et omnibus operibus tuis.

4 KATTENBUSCH n. 503.

5 Confira-se A. HAHN, Bibliothek der Symbole und Glaubensregeln der Alten Kirche, 31897; nova edio, Hildesheim 1962; G. L. DOSETTI, Il simbolo di Nicea e di Costantinopoli, Roma, 1967.

6 Confira-se F. G. JNGER, "Sprache und Kalkl", em: Die Knste im technischen Zeitalter, editado pela Academia Bvara de Belas Artes, Darmstadt, 1956, 86-104.

7 Confira-se J. H. EMMINGHAUS, "Symbol III", em: LThK IX, 1208 e ss.

8 Em PLATO a idia de smbolo evoluiu abrangendo o ser humano: no Simpsio 191 d, anexo ao mito andrgino, o homem interpretado como "smbolo", como uma metade que remete ao seu correlativo no outro: "Cada um de ns symbolon (smbolo, metade) de um homem, porque, como a gleba (pelo arado) fomos cortados, tornando-nos, de um, dois. Sem cessar cada um procura o symbolon (= a sua outra metade) que lhe pertence".

9 K. RAHNER, "Was ist eine dogmatische Aussage"?, em: Schriften zur Theologie V, Einsiedeln, 1962, 54-81, sobretudo 67-72. O presente captulo muito deve a este importante trabalho de Rahner.

10 Veja-se o relatrio da converso de Mrio Vitorino e a impresso de Agostinho nas Confessiones VIII 2, 3-5; alm disto: A. SOLIGNAC, "Le cercle milanais", em: Les Confessions (Oeuvres de St. Augustin 14), Descle 1962, 529-536.

1 A palavra "Criador" no figura no texto romano original. Contudo, a idia de "criao" est implcita na expresso "todo-poderoso" (Pantokrator).

2 G. VAN DER LEEUW, Phnomenologie der Religion, Tbingen, 21956, 103.

3 Cfr. R. MARL, "Die fordernde Botschaft Dietrich Bonhoeffers", em Orientierung 31 (1967), 42-46, principalmente o texto clssico de Widerstand und Ergebund (ed. Betge), Munique, 121964, 182: "Gostaria de falar de Deus no nos limites, mas no meio, no nas debilidades, mas na fora, no na morte e culpa, mas na vida e na bondade do homem" .

4 P. CLAUDEL, Le soulier de Satin (ed. alem, Salzburg, 1953, 288 e ss.), o grande dilogo final entre Proeza e Rodrigo; veja-se tambm 181 e a cena antecedente com a dupla sombra.

5 Confira-se A. BRUNNER, Die Religion, Friburgo, 1956, sobretudo 21-94; R. GUARDINI, Religion und Offenbarung I, Wrzburg, 1958.

6 Cfr. J. A. CUTTAT, Begegnung der Religionen, Einsiedeln, 1956; J. RATZINGER, "Der christliche Glaube und die Weltreligionen", em: Gott in Welt (Ed. festiva para K. Rahner) II, Friburgo, 1964, 287-305; bem como o material em P. HACKER, Prahlada, Werden und Handlungen einer Idealgestalt I e II, Mogncia, 1958.

7 suficiente mencionar a coexistncia de filsofos ateus (Epicuro, Lucrcio, etc.) ao lado de monotestas (Plato, Aristteles, Plotino) na antiga filosofia, uns e outros declarando-se politestas religiosos realidade qual raramente se deu o devido apreo em um sistema unilateral de histria da filosofia. S com este pano de fundo torna-se compreensvel a atitude crist no que ela tinha de revolucionrio, identificando as orientaes filosfica e religiosa. Confira-se J. RATZINGER, Volk und Haus Gottes in Augustinus Lehre von der Kirche, Munique, 1954, 2-12 e 218-234.

8 Texto do Sch'ma (nome dessa prece, tirado da palavra inicial: ouve, Israel...) em R. R. GEIS, Vom unbekannten Judentum, Friburgo, 1961, 22 e s.

9 E. BRUNNER, Die christliche Lehre von Gott. Dogmatik I, Zurique, 1960, 124-135; Cfr. J. RATZINGER, Der Gott des Glaubens lmd der Gott der Philosophen, Munique, 1960.

10 Assim h de exprimir-se o evento sob o ponto de vista do historiador. O que no fere a convico do crente de que esse "refundir criativo" somente era possvel na forma de uma aceitao da Revelao. O processo criativo, de resto, sempre um processo de aceitao. Quanto feio histrica, veja-se H. CAZELLES, "Der Gott der Patriarchen", em: Bibel und Leben 2 (1961), 39-49. O. EISSFELDT, "Jahwe, der Gott der Vater", em: Theologische Literaturzeitung 88 (1963), 481-490; G. VON RAD, Theologie des AT I, Munique, 1958, 181-188.

11 Cazelles. O. cito

12 Aqui conviria lembrar (como na nota 10) que "opo" inclui '''ddiva, recepo" e, por conseguinte "revelao".

13 Confira-se MXIMO CONFESSOR, Expositio Orationis Dominicae, em: Patrologia Graeca (PG) 90,892. Para Mximo reconciliam-se no Evangelho o politesmo pago e o monotesmo judaico. "Aquele multiplicidade contraditria sem liame; este unidade sem riqueza interna". Mximo considera a ambos igualmente imperfeitos e carentes de complementao. E ento ambos abrem caminho para a idia de Deus uno e trino, que completa, pela "multiplicidade viva e engenhosa dos gregos", a idia monotesta dos judeus "estreita, imperfeita e quase sem valor em si" e "inclinada" ao perigo do "atesmo". Assim, conforme H. U. VON BALTHASAR, Kosmische Liturgie, Das Weltbild Maximus' des Bekenners, Einsiedeln, 21961, 312; cfr. tambm A. ADAM, Lehrbuch der Dogmengeschichte I, Gtersloh, 1965, 368.

14 Confira-se W. EICHRODT, Theologie des A. T., Leipzig, 21939, 92 s.; G. VON RAD, o. cito (ver nota 10), 184.

15 Sobre origem e significado desta frmula confira-se, sobretudo, E. SCHWEIZER, EGO EIMI..., Gttingen, 1939; H. ZIMMERMANN, "Das absoIute ego eimi aIs neutestamentliche Offenbarungsformel", em: Biblische Zeitschrift 4 (1960), 54-69; E. STAUFFER, Jesus. Gestalt und Geschichte, Berna, 1957, 130-146.

16 Dominus noster Christus veritatem se, non consuetudinem cognominavit. De virginibus velandis I, 1, in: Corpus Christianorum seu nova Patrum collectio (CChr), II, 1209.

17 Texto do "Mmorial", como se denomina essa cdula, em ROMANO GUARDINI, Christliches Bewusstsein, Munique, 21950, 47 s, ibd, 23, reproduo reduzida do original; confira-se a anlise de GUARDINI, 27-61. Para completar e corrigir H. VORGRIMLER, "Marginalien zur Kirchenfrommigkeit Pascals", em : J. Danilou-H. Vorgrimler, sentire ecclesiam, Priburgo 1961, 371 a 406.

18 H. RAHNER esclareceu a origem do "epitfio de Loiola" citado por HLDERLIN: "O epitfio de Loiola" em: Stimmen der Zeit, ano 72, vol. 139 (Fevereiro de 1947), 321-337: a frase origina-se da grande obra Imago primi saeculi Societatis Iesu a Provincia Flandro-Belgica eiusdem Societatis repraesentata, Anturpia, 1640. pg. 280-282 encontra-se um elogium sepulcrale Sancti Ignatii, do qual se emprestou o lema; cfr. tambm HLDERLIN, Werke III (ed. F. Beissner. Sonderausgabe fr die Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darmstadt), Stuttgart 1965, 346 s. O mesmo pensamento encontra-se em inmeros textos rabnicos; cfr. P. KUHN, Gottes Selbsterniedrigung in der Theologie der Robbinen, Munique, 1968, sobretudo 13-22.

19 KATTENBUSCH II, 526; P. VAN IMSCHOOT, "Heerscharen", em: H. HAAG, Bibellexikon, Einsiedeln, 1951, 667-669; na 2.a edio (1968), 684, o artigo est bastante abreviado.

20 A. EINSTEIN, Mein Weltbild, editado por C. SEELIG, Zurique-Stuttgart-Viena, 1953, 21.

21 Ob. cit., 18-22. No captulo Necessidade da cultura tica (22-24) mostra-se, alis, um abrandamento da ligao ntima de antes, entre conhecimento cientfico-natural e admirao religiosa; a viso sobre o religioso propriamente dito parece um tanto aguada atravs das trgicas experincias passadas.

22 Citado por W. VON HARTLIEB. Das Christenturn und die Gegenwart, Salzburgo, 1953 (Stifterbibliothek, vol. 21), 18 s.

23 E. PETERSON, Theologische Traktate, Munique, 1951, 45-147: Der Monotheismus als politisches Problem, sobretudo 52 e s.

24 L. c. 102 e ss. Igualmente importante a observao de PETERSON, 147, nota 168: "O conceito de "teologia poltica" foi introduzido na literatura por W. CARL SCHMITT, Politische Theologie, Munique, 1922... Tentamos comprovar, com um exemplo concreto, a impossibilidade de uma "teologia poltica".

25 guisa de ilustrao seja aduzida aqui a histria do "homousios". Confira-se a sntese de A. GRILLMEIER, em: LThK V, 467 s.; alm disto, o resumo da histria do dogma trinitrio em A. ADAM, o. cito 115-254 (veja-se pg. 86 nota 13). Sobre o tema "Balbuciar do homem diante de Deus" cfr. a bela estria "O balbuciar" das narraes cassdicas em: M. BUBER, Werke III, Munique, 1963, 334.

26 Citado por H. DOMBOIS, "Der Kampf um das Kirchenrecht", em: H. ASSMUSSEN W. STHLIN, Die Katholizitt der Kirche, Stuttgart, 1957, 285-307, citaes 297 s.

27 H. DOMBOIS (o. cit.) chama a ateno para o fato de N. BOHR, introdutor da complementaridade na Fsica, por sua vez, ter aludido Teologia: complementaridade da justia e misericrdia de Deus; Confira-se N. BOHR, Atomtheorie und Naturbeschreibung, Berlin, 1931; do mesmo: Atomphysik und Menschliche Erkenntnis, Braunschweig, 1958. Outras indicaes e bibliografia oferece C. F. VON WEIZSACKER em seu artigo "Komplementaritt", em: Die Religion in Geschichte und Gegenwart (RGG) III, 1744 e s.

* "Ondas", bem entendido aqui: o autor joga com a anttese de substncia e relaes (Nota do tradutor).

28 B. PASCAL, Penses, Fragment 233 (ed. Brunschvicg 137 s); traduo de M. LAROS, Pascals Penses, Munique, 1913, 96 s; cfr ainda BRUNSCHVICG pg. 333, nota 53, que mostra, contra V. COUSIN (ver tambm LAROS pg 97, nota 1) que "s'abetir" (embrutecer-se, atoleimar-se) significa para Pascal: "retourner l'enfance, pour atteindre les vrits suprieures qui sont inaccessibles la courte sagesse des demi-savants". Com base nisto, BRUNSCHVICG pode dizer, dentro do pensamento de PASCAL: "Rien n'est plus conforme la raison que le desaveu de la raison" (nada mais racional do que a negao da razo): Pascal no fala como ctico (opinio de COUSIN) mas como crente dentro de sua convico e certeza; cfr. ainda VORGRIMLER l. c. 383 (ver pg. 103 nota 17 do presente livro).

29 Confira-se a respeito W. KERN, "Einheit-in-Mannigfaltigkeit", em: Gott in Welt (Festschrift fr K. Rahner) I, Friburgo, 1964, 207-239; veja-se tambm o que escrevi pgina 85, nota 13 sobre MXIMO CONFESSOR.

30 Confira-se o artigo de K. RAHNER, citado pg. 60, nota 26.

31 Confira-se C. ANDRESEN, "Zur Entstehung und Geschichte des trinitarischen Personbegriffs", em: Zeitschrift fr neutestamentliche Wissenschaft 52 (1961), 1-38; J. RATZINGER, "Zum Personverstndnis in der Dogmatik", em: J. SPECK, Das Personverstndnis in der Pdagogik und ihren Nachbarwissenschaften, Mnster, 1966, 157-171.

32 AGOSTINHO, Enarrationes in Psalmos 68 s I, 5, em: CChr 39,905 (Patrologia Latina (PL) 36, 845).

33 Confira-se De Trinitate V 5,6 (PL 42, 913 s): "... In Deo autem nihil quidem secundum accidens dicitur, quia nihil in eo mutabile est; nec tamen omne quod dicitur, secundum substantiam dicitur... quod tamen relativum non est accidens, quia non est mutabile". Veja-se tambm M. SCHMAUS, Katholische Dogmatik I, Munique, 31948, 425-432 ( 58).

34 Confira a breve sntese sobre a histria do conceito de tomo de C. F. VON WEIZSCKER, em: RGG I, 682-686.

35 Citado por K. H. SCHELKLE, Jngerschaft und Apostelamt, Friburgo, 1957, 30.

36 AUGUSTINUS, In Joannis Evangelium tractatus 29, 3 (relativo a Jo 7,16), in: CChr 36, 285.

* Sarx: vocbulo grego = carne (nota do tradutor). 1 Paradiso, XXXIII, 127 at o fim. O texto que interessa, no verso 130 e ss: Dentro da s del suo colore istesso / Mi parve pinta della nostra effige / Per che il mio viso in lei tutto era messo.

2 Assim o grupo de W. PANNENBERG; confira-se W. PANNENBERG, Grundzge der Christologie, Gtersloh, 21966, sobretudo a definio 23: "A tarefa da Cristologia, portanto, consiste em fundamentar o verdadeiro conhecimento da importncia de Cristo a partir de sua histria...".

3 Assim na antiga Teologia liberal; cfr. sua expresso clssica em A. V. HARNACK, Das Wesen des Christentums (nova edio de R. BULTMANN), Stuttgart, 1950.

4 Foi o que sublinhou com muita insistncia A. SCHWEITZER, em sua Histria da Pesquisa da Vida de Jesus, publicada em Tbingen em 1906, com o que se colocou um provisrio ponto final queles esforos. Seja-me permitido lembrar apenas a seguinte passagem clssica dessa obra: "Nada h de mais negativo do que o resultado da pesquisa da vida de Jesus. No existiu o Jesus de Nazar que se apresentou como Messias, que anunciou a tica do reino de Deus, que fundou o reino dos cus na terra e que morreu para consagrar a sua obra. Trata-se de uma figura planejada pelo Racionalismo, vivificada pelo Liberalismo e revestida de cincia histrica pela Teologia moderna. Essa imagem no foi destruda de fora, mas ruiu por si mesma, soterrada pelos problemas histricos reais..." (Citado conforme W. G. KMMEL, Das Neue Testament, Geschichte der Erforschung seiner Probleme, Friburgo-Munique, 1958, 305).

5 Isto torna-se muito mais claro na ltima declarao mais detalhada de BULTMANN sobre o problema "Jesus" : Das Verhltnis der urchristlichen Christusbotschaft zum historischen Jesus, Heidelberg, 1960, e mais ainda nos trabalhos do seu discpulo H. BRAUN, do qual ele bastante se aproxima na obra citada.

6 Nova edio 1950, 86. No 56-60. milheiros (1908) em uma nota (183) HARNACK confirmou expressamente essa frase ("nada tenho a mudar nela"), acentuando ao mesmo tempo ser evidente que vale isto apenas para o Evangelho "como Jesus o anunciou", no "como Paulo e os Evangelistas o pregaram".

7 Cfr. a respeito a sntese de G. HASENHTTL, "Die Wandlung des Gottesbildes", em: Theologie im Wandel (Tbinger Festschrift. Schriftleitung J. RATZINGER J. NEUMANN), Munique, 1967, 228-253; W. H. VAN DE POL, Das Ende des Konventionellen Christentums, Viena, 1967, 438-443, trad. port. O fim do cristianismo convencional. Herder. So Paulo, 1969.

8 KATIENBUSCH II, 491, cfr. 541-562.

9 K. BARTH, Kirchliche Dogmatik III, 2, Zurique 1948, 66-69; citado conforme H. U. VON BALTHASAR, "Zwei Glaubensweisen", em: Spiritus Creator, Einsiedeln, 1967, 76-91, citao: 89 s. Deve-se cotejar o trabalho de BALTHASAR.

10 H. U. VON BALTHASAR, o. cit. sobretudo 90. O MESMO, Verbum Caro, Einsiedeln, 1960, 11-72, sobretudo 32 e s, 54 e ss.

11 Cfr. a observao esc1arecedora de E. KSEMANN, em. Exegetische Versuche und Besinnungen II, Gttingen, 1964, 47, que chama a ateno para o seguinte: o simples fato de Joo apresentar o seu Kerygma em forma de um Evangelho, tem pondervel fora comprovante.

12 Cfr. P. HACKER, Das Ich im Glauben bei Martin Luther, Graz 1966, sobretudo o captulo "Skularisierung der Liebe", 166-174. Recorrendo a numerosos textos, HACKER demonstra que o Lutero da Reforma (mais ou menos do ano de 1520) destina o amor "vida exterior", ao uso "com os homens", portanto ao reino profano, hoje chamada mundanidade, ou seja "justia da lei", excluindo-o, assim secularizado, da esfera da graa e da salvao. HACKER torna claro que o plano de secularizao de GOGARTEN pode com todo o direito apelar para Lutero. Est claro que Trento devia traar aqui uma clara linha provisria que continua valendo ali onde se defende a secularizao do amor; Sobre GOGARTEN consulte-se a apresentao e avaliao de sua obra por A. V. BAUER, Freiheit zur Welt (Skularisation), Paderborn, 1967.

13 Com o que, naturalmente, no quero aceitar a posteriori a tentativa j repudiada como impossvel, de uma construo histrica da f. Trata-se aqui de comprovar a legitimidade histrica da f.

14 Falando-se de uma "forma de vulgarizao da Teologia moderna" j est dito, implicitamente, que os fatos so vistos diferenadamente nas pesquisas teolgicas e tambm de mltiplos modos, se tomados isoladamente. Contudo, as aporias so as mesmas, no tendo valor a desculpa preferida de que no exatamente assim.

* Schibboleth, termo hebreu (= espiga), usado pelos galaaditas para descobrir os efraimitas (Jz 12,6). Em sentido figurado, o mesmo que senha, distintivo de um partido ou, em nosso caso, de uma religio. (Cfr. Der Grosse Herder: "Schibboleth"). (Nota do Tradutor).

15 W. V. MARTITZ, "yios im Griechischen", em: Theologisches Wrterbuch zum NT (ed. Kittel-Friedrich) VIII, 335-340.

16 Cfr. H. J. KRAUS, Psalmen I, Neukirchen, 1960, 18 ss (salmo 2,7).

17 Cfr. o importante artigo de J. JEREMIAS, "pais theou", em: Theologisches Wrterbuch zum NT V, 653-713, sobretudo 702 e s.

18 Cfr. W. V. MARTITZ, l. c. 330 55, 336.

19 Por isso, em frmulas semelhantes sempre se acrescenta alguma determinao. Cfr. o material em W. BAUER, Wrterbuch zum NT, Berlin, 51958, 1649 ss e em W. V. MARTITZ, o. c

20 Cfr. a respeito o importante material em A. A. T. EHRHARDT, Politische Metaphysik von Solon bis Augustin, 2 vols, Tbingen, 1959; E. PETERSON, "Zeuge der Wahrheit", em: Theologische Traktate, Munique, 1951, 165-224; N. BROX, Zeuge und Mrtyrer, Munique, 1961.

21 Isto foi esclarecido de modo convincente por F. HAHN, Christo1ogische Hoheitstitel, Gttingen, 31966, 319-333; alm disto, as importantes consideraes de J. JEREMIAS, Abba, Studien zur neutestamentlichen Theologie und Zeitgeschichte, Gttingen, 1966, 15-67.

22 J. JEREMIAS, l.c. 58-67 em que ele corrige a sua opinio anterior segundo a qual Abba seria o simples balbuciar de criana, em: Theologisches Wrterbuch zum NT V, 984 s; sua hiptese bsica continua: para o sentimento judaico, seria irreverente e por isto impossvel, chamar a Deus com esse nome familiar. Foi algo de novo e inaudito o ter Jesus ousado dar tal passo... O Abba com que se dirige a Deus revela o mago da sua relao com Deus".

23 Glauben und Verstehen II, Tbingen 1952, 258. Cfr. G. HASENHTTL, Der Glaubensvollzug. Eine Begegnung mit R. Bultmann aus katholischem Glaubensvertndnis, Essen, 1963, 127.

24 Quanto a esta tentativa cfr. B. WELTE, "Homousios Hemin. Gedanken zum Verstndnis und zur theologischen Problematik der Kategorien von Chalkedon", em: A. GRILLMEIER H. BACHT, Das Konzil von Chalkedon III, Wrzburgo 1954, 51-80; K. RAHNER, "Zur Theologie der Menschwerdung", em: Schriften zur Theologie IV, Einsiedeln, 1960, 137-155; O MESMO, "Die Christologie innerhalb einer evolutiven Weltanschauung", em: Schriften V, Einsiede1n, 1962, 183-221.

25 Cfr. J. PEDERSON, Israel, Its Life and Culture, 2 vls. Londres, 1926 e 1940; H. W. ROBINSON, "The Hebrew Conception of Corporate Persona1ity", em: Beihefte zur Zeitschrift fr die alttestamentliche Wissenschaft 66 (Berlin 1966), 49-62; J. DE FRAINE, Adam und seine Nachkommen, Colnia, 1962.

26 Citado por C. TRESMONTANT, Einfhrung in das Denken Teilhard de Chardin's, Friburgo, 1961, 77.

27 Ibd., 41.

28 Ibd., 40.

29 Ibd., 77.

30 Ibd., 82.

31 Ibd., 82.

32 Ibd., 90

33 Ibd., 78.

34 Cfr. O. CULLMANN, Urchristentum und Gottesdienst, Zurique, 1950, 110 ss: J. BETZ, Die Eucharistie in der Zeit der griechischen Vater II, 1: Die Realprsenz des Leibes und Blutes Jesu im Abendmahl nach dem NT, Friburgo, 1961, 189-200.

35 Recorro a seguir a pensamentos desenvolvidos em meu livrinho "Vom Sinn des Christseins", Munique, 21966 e tentarei sistematizar o que foi dito l, subordinando-o ao contexto mais amplo da presente obra.

36 Assim resume J. R. GEISELMANN os pensamentos desenvolvidos por MHLER em: Theologische Quartalschrift 1830, 582 s: J. R. GEISELMANN, Die Heilige Schrift und die Tradition, Friburgo, 1962, 56.

37 Conforme J. R. GEISELMANN, ibd., 56; F. VON BAADER, Vorlesungen ber spekulative Dogmatik (1830), 7. Vorl., em: Werke VIII, 231, cfr. MHLER.

38 Cfr., a respeito, a observao de E. MOUNIER, em: L'Esprit, janeiro 1947: Certo reprter de rdio teve a infeliz idia de descrever o panorama do fim do mundo. Ponto culminante da loucura: pessoas se suicidavam para no morrer. Este reflexo manifestamente irracional prova que vivemos muito mais do futuro do que do presente. Um homem repentinamente privado do futuro um ser privado da vida. Sobre o Sein des Daseins als Sorge M. HEIDEGGER, Sein und Zeit, Tbingen, 111967, 191-196.

39 Cfr. J. RATZINGER, "Menschheit und Sttatenbau in der Sicht der Frhen Kirche", em: Studium generale 14 (1961), 664-682, sobretudo 666-674; H. SCHLIER, Mchte und Gewalten im N. T., Friburgo, 1958, sobretudo 23 s, 27,29. Sobre o impessoal "se": HEIDEGGER, Sein und Zeit, Tbingen, 111967, 126-130.

40 Cfr. a instrutiva pesquisa de J. NEUNER, "Religion und Riten. Die Opferlehre der Bhagavadgita", em: Zeitschrift fr Katholische Theologie 73 (1951), 170-213.

41 No Cnon da missa, de acordo com o relato da instituio (Mc 14,24 e par.).

42 Cfr. o mito de Purusha da religio vdica; veja a respeito P. REGAMEY, em: F. KNIG, Christus und die Religionen der Erde. Handbuch der Religionsgeschichte, 3 vols, Friburgo, 1951, III, 172 s; Id. em: F. KNIG, Religionswissenschaftliches Wrterbuch, Friburgo, 1956, 470 s; J. GONDA, Die Religionen Indiens I, Stuttgart, 1960, 186. O texto principal em Rigveda 10,90.

43 Conforme H. MEYER, Geschichte der abendlndlichen Weltanschauung I, Wrzburgo, 1947, 231 (= ed. Bekker 993 b 9 ss).

44 Cfr. PH. DESSAUER, "Geschpfe von fremden Welten", em: Wort und Wahrheit 9 (1954), 569-583; J. RATZINGER, Vom Sinn des Christseins, Munique, 21966, 32 ss.

45 O tema "Lei e Evangelho" deveria ser abordado sobretudo a partir daqui; cfr. G. SHNGEN, Gesetz und Evangelium, Friburgo 1957, 12-22.

46 K. RAHNER, Schriften zur Theologie I, Einsiedeln, 1954, 60; cfr. J. RATZINGER, "Kommentar zur Offenbarungskonstitution", em: LThK, Ergnzungsband II, 510.

47 Cfr. A. DEMPF, Sacrum Imperium, Darmstadt, 1954 (reproduo no modificada da primeira edio de 1929), 269-398;. E. BENZ, Ecclesia spiritualis, Stuttgart 1934; J. RATZINGER, Die Geschichtstheologie des hl. Bonaventura, Munique 1959.

48 L. EVELY, Manifest der Liebe. Das Vaterunser, Friburgo, 31961, 26; cfr. Y. CONGAR, Wege des lebendigen Gottes, Friburgo, 1964, 93.

49 Cfr. R. LAURENTIN, Struktur und Theologie der lukanischen Kindheitsgeschichte, Stuttgart, 1967; L. DEISS, Maria, Tochter Sion, Mogncia, 1961; A. STGER, Das Evangelium nach Lukas I, Dsseldorf, 1964, 38-42; G. VOSS, Die Christologie der lukanischen Schriften in Grundzgen. Studia Neotestamentica II, Paris-Brges 1965.

50 Cfr. W. EICHRODT, Theologie des AT I, Leipzig, 1939, 257: "Esses traos... em seu conjunto, permitem concluir sobre uma imagem familiar do Salvador, na qual o povo via refletida a sua unidade ideal. Isto confirma-se pela descoberta de uma srie de declaraes convergentes sobre o rei-salvador em todo o mbito do Oriente Mdio, declaraes passveis de serem reunidas em cenas de uma biografia sagrada, indicando ter Israel participado de um fundo comum oriental" .

51 E. SCHWEIZER, "yios", em: Theologisches Wrterbuch zum NT VIII, 384.

52 o que se deve objetar contra as especulaes com que P. SCHOONENBERG tenta justificar a reserva do catecismo holands neste ponto, em seu artigo "De nieuwe Katechismus und die Dogmen", trad. alem em: Dokumentation des Hollndischen Katechismus, Freiburg 1967 (XIV-XXXIX, sobre o nosso assunto XXXVII-XXXVIII). Fatal neste ensaio sobretudo o equvoco fundamental sobre o conceito de dogma, em que se baseia. SCHOONENBERG entende o "dogma" totalmente na perspectiva dogmtica jesuta do sculo XIX e naturalmente em vo procura um ato dogmatizante do magistrio sobre o nascimento virginal, que seja anlogo s promulgaes do dogma da Imaculada Conceio (iseno do pecado original) ou da Assuno corporal de Maria ao cu. Deste modo chega ele ao resultado de que, quanto ao nascimento de Jesus da Virgem, em contraposio s duas outras promulgaes, no existe nenhuma doutrina firme da Igreja. Na verdade, com semelhante afirmao a histria dos dogmas sofre total inverso, e a forma do magistrio eclesistico definitivamente firmada desde o Vaticano I de tal forma absolutizada, que se torna insustentvel no s com respeito ao dilogo com as igrejas orientais, mas simplesmente em si mesmo e que nem o prprio SCHOONENBERG est em condies de sustentar. De fato, o dogma como promulgao individual e definida ex cathedra pelo Papa a ltima e a mais baixa forma de formular dogmas. A forma primitiva com que a Igreja exprime obrigatoriamente a sua f o smbolo; o reconhecimento unvoco, quanto ao sentido, do nascimento de Jesus, da Virgem, pertence, desde o incio, firmemente a todos os smbolos, sendo, assim, parte integrante do protodogma eclesistico. Perguntar pela obrigatoriedade do Lateranense I ou da bula de Paulo V (1555), como SCHOONENBERG o faz, torna-se um esforo sem objetivo; a tentativa de reduzir tambm os smbolos a mera interpretao "espiritual" no passaria, por conseguinte, de cortina de fumaa da histria do dogma.

* A respeito veja-se REB XXVIII, dez 1968, o importante trabalho de G. BARANA, "Transcendncia-Imanncia, a difcil dialtica da hora presente", pgs. 810-858, sobretudo o capitulo: "Um novo fantasma vista?", 820 e ss.; PAULO VI, ibd. 935-937, alocuo de 10 de julho de 1968 sobre: Religio vertical e religio horizontal (nota do tradutor).

53 J. DANILOU, Vom Geheimnis der Geschichte, Stuttgart, 1955, 388 s.

54 Politeia II, 361 e-36 a. Conforme a verso de S. TEUFFEL, em: PLATON, Smtliche Werke II, Colnia-Olten, 51967, 51; cfr ainda H. U. VON BALTHASAR, Herrlichkeit 1II/1, Einsiedeln, 1965, 156-161; E. BENZ, "Der gekreuzigte Gerechte bei Plato, im NT und in der alten Kirche", Abhandlungen der Mainzer Akademie 1950, Heft 12.

* Paul Claudel em seu "Chemin de Ia Croix" (Librairie de l'Art Catholique, Paris, 5) tem palavras admirveis na descrio desta faceta humana: "Nous ne voulons plus de Jsus-Christ avec nous, car il nous gene... Crucifiez-le, si vous le voulez, mais dbarrassez-nous de lui! Qu'on l'emmne!" (Nota do Tradutor). 55 Cfr H. DE LUBAC, Die Tragdie des Humanismus ohne Gott, Salzburgo, 1950, 21-31.

56 Cfr. a importncia do silncio nos escritos de INCIO DE ANTIOQUIA: Epistola ad Ephesios 19,1: "E ao prncipe deste mundo permaneceu oculta a virgindade de Maria e o seu parto, bem como tambm a morte do Senhor trs mistrios a clamar em alta voz, realizados no silncio de Deus"; cfr. Epistola ad Magnesios 8,2 onde se fala do logos apo siges proelton (da palavra nascida do silncio) e a meditao sobre o falar e o calar na Epistola ad Ephesios 15,1. H. SCHLIER oferece o fundo histrico, Religionsgeschichtliche Untersuchungen zu den Ignatiusbriefen, Berlin, 1929.

* Cfr a interessante e impressionante obra de fico de C. S. LEWIS, The great Divorce em que o poeta anglicano, recentemente falecido, descreve com mo de mestre a situao dos que se fecharam optando pelo reino das puras impossibilidades. Lstima que ainda no existam em portugus verses das obras de C. S. Lewis (Nota do Tradutor).

57 H. U. VON BALTHASAR, Theologie der Geschichte, Einsiedeln, 1959,31; cfr. G. HASENHTTL, Der Glaubensvollzug, Essen, 1963, 327.

58 L. BAECK, Das Wesen des Judentums, Colnia 61960, 69.

59 2 Clem I, I s; cfr. KATTENBUSCH II, 660.

1 Cfr. J. RATZINGER, "Heilsgeschichte und Eschatologie", em: Theologie im Wandel (Tbinger-Festschrift), Munique, 1967, 68-89.

2 Cfr. o grande trabalho de H. U. VON BALTHASAR, "Casta meretrix", no seu volume Sponsa Verbi, Einsiedeln, 1961, 203-305; os textos citados 204-207; alm disto, H. RIEDLINGER, Die Makellosigkeit der Kirche in den lateinischen Hoheliedkommentaren des Mittelalters, Mnster, 1958.

3 Cfr. H. DE LUBAC, Die Kirche, Einsiedeln, 1968 (frances 31954), 251-282.

4 KATTENDUSCH II, 919.917-927 sobre a histria da recepo do termo "catlico" no "apostolicum" e sobre a histria da palavra em geral; cfr. tambm W. BEINERT, Um das dritte Kirchenattribut, 2 vols, Essen 1964.

5 Sobre o problema "Igreja e Igrejas" que aqui aflora, expus meu ponto de vista em: J. RATZINGER, Das Konzil auf dem Weg, Colnia, 1964, 48-71.

6 As consideraes seguintes foram feitas em nexo estreito com meu artigo "Auferstehung" em: Sacramentum mundi I, editado por RAHNER DAILAP, Friburgo, 1967, 397, 402, onde h ulterior bibliografia.

A dedicatria do livro, aos ouvintes das diversas etapas do meu magistrio acadmico, visa j a exprimir a gratido que sinto para com o interesse e a participao dos estudantes, elementos [3] decisivos dos quais surgiu o presente ensaio. Tambm no me posso furtar ao reconhecimento para com o editor, Dr. Seinrich Wild, sem cujo empenho paciente e persistente dificilmente me teria resolvido a uma aventura que um tal trabalho, sem dvida, representa. Finalmente quero agradecer a todos os colaboradores que contriburam no pouco para a feitura desta obra. Tbingen, vero de 1967. Joseph Ratzinger INTRODUO CREIO AMM CAPTULO PRIMEIRO F no Mundo Hodierno 1. Dvida e F Situao do homem frente ao problema "Deus" [7] Quem tentar falar hoje sobre o problema da f crist diante de homens no familiarizados com a linguagem eclesistica por vocao ou conveno, depressa sentir o estranho e surpreendente de semelhante iniciativa. Provavelmente depressa descobrir que a sua situao encontra uma descrio exata no conhecido conto de Kierkegaard sobre o palhao e a aldeia em chamas, conto que Harvey Cox retomou h pouco em seu livro A Cidade do Homem 1 . A estria conta como um circo ambulante na Dinamarca pegou fogo. O diretor manda aldeia vizinha o palhao, j caracterizado para a representao, em busca de auxlio, tanto mais que havia perigo de alastrarem-se as chamas atravs dos campos secos, alcanando a prpria aldeia. O clown corre aldeia e suplica aos moradores que venham com urgncia ajudar a apagar as chamas do circo incendiado. Mas os habitantes tomam os gritos do palhao por um formidvel truque de publicidade para alici-los ao espetculo; aplaudem-no e riem a bandeiras despregadas. O palhao sente mais vontade de chorar do que de rir. Debalde [8] tenta conjurar os homem e esclarecer-lhes de que no se trata de propaganda alguma, nem de fingimento ou truque, mas de coisa muito sria, porquanto o circo realmente est a arder. Seu esforo apenas aumenta a hilaridade at que, por fim, o fogo alcana a aldeia, tornando excessivamente tardia qualquer tentativa de auxlio; circo e aldeia tornam-se presa das chamas. Cox conta esta estria como smile da situao do telogo hodierno e v a figura do telogo no clown incapaz de transmitir aos homens a sua mensagem. Em sua roupagem de palhao medieval ou de outro remoto passado qualquer, o telogo no tomado a srio. Pode dizer o que quiser, continua como que etiquetado e fichado pelo papel que representa. Qualquer que seja o seu comportamento e seu esforo de falar seriamente, sempre se sabe de antemo que ele um clown. J se adivinha qual o assunto de sua mensagem e se sabe que apenas est dando uma representao com pouco ou nenhum nexo com a realidade. Por isso pode ser ouvido sossegadamente, sem inquietar a ningum com as coisas que afirma. Sem dvida existe algo de angustiante neste quadro, algo da angustiada realidade em que a teologia e formulao teolgica de hoje se encontram; algo da pesada impossibilidade de quebrar chaves do pensamento e da expresso rotineiros e de tornar reconhecvel o problema da teologia como assunto srio da vida humana. Contudo, talvez o nosso exame de conscincia deva mesmo ser mais radical. Talvez tenhamos de reconhecer que esse quadro excitante por muito verdadeiro e digno de considerao que seja ainda simplifica em excesso as coisas. Pois, dentro dele, tem-se a impresso de que o palhao, ou seja o telogo, quem sabe perfeitamente que traz uma mensagem muito clara. Os aldees, aos quais acorre, isto , os homens sem f, seriam, pelo contrrio, completamente ignorantes, os que devem ser instrudos sobre o que lhes desconhecido. E ao palhao, em si, bastar-lhe-ia mudar de roupagem, retirar a [9] maquilagem e tudo estaria em ordem. Mas, por acaso a questo to simples assim? Bastar-nos-ia um simples apelo ao aggiornamento, uma mera retirada da maquilagem e uma reformulao em termos de linguagem do mundo ou de um cristianismo arreligioso para recolocar tudo nos eixos? Bastar uma mudana espiritual ou metafrica de vestes para que os homens acorram animados e ajudem a apagar o incndio que o telogo afirma estar lavrando com srio perigo para todos? Vejo-me compelido a afirmar que a teologia de fato desmaquilada e revestida de moderna embalagem profana, tal como hoje surge em muitos lugares, torna muito simplria essa esperana. Sem dvida cumpre reconhecer: quem tenta explicar a f no meio de homens mergulhados na vida moderna e imbudos da moderna mentalidade, de fato pode ter a impresso de ser um palhao ou algum surgido de um antigo sarcfago, que penetrou no mundo hodierno, revestido de trajes e pensamentos da antiguidade, incapaz de compreender este mundo e de ser por ele compreendido. Todavia, se quem tentar anunciar a f exercer bastante autocrtica, em breve notar no se tratar apenas de uma forma, de uma crise do revestimento em que a teologia se apresenta. Na estranha aventura teolgica frente aos homens de hoje, quem tomar a srio a sua tarefa h de reconhecer e experimentar no s a dificuldade da interpretao, mas tambm a insegurana da prpria f, o poder arrasador da descrena dentro de sua prpria vontade de crer. Por isso quem tentar honestamente prestar contas da f crist a si e a outros, aprender, a duras penas, no ser ele em absoluto o mascarado ao qual bastaria depor o disfarce para poder ensinar eficazmente aos outros. Compreender que a sua situao no se diversifica muito da situao dos outros, como talvez inicialmente tivesse pensado. Ter conscincia de que de ambos os lados esto presentes as mesmas foras, muito embora de maneiras diversas. [10] Para comear, no crente existe a ameaa da incerteza capaz de revelar dura e subitamente, em momentos de tentao, a fragilidade de tudo o que, em geral, lhe parece to evidente. Esclareamo-lo com alguns exemplos. Teresa de Lisieux, a amvel santinha, aparentemente to isenta de complexidades e de problemas, cresceu em uma vida de completa segurana religiosa. Sua vida, do comeo ao fim, foi to perfeitamente e minuciosamente marcada pela f na Igreja, que o mundo invisvel se tornara parcela do seu cotidiano; ou antes, o prprio cotidiano seu, parecendo quase tangvel e impossvel de ser eliminado de sua vida. Para Teresinha, "religio" era, de fato, um dado prvio e natural de sua existncia diria; ela manipulava a religio como ns somos capazes de manejar as trivialidades concretas da vida. Mas justamente ela, aparentemente to resguardada numa segurana sem risco, deixou-nos comovedoras manifestaes do que foram as ltimas semanas do seu Calvrio, manifestaes que, mais tarde, suas irms, assustadas, atenuariam em seu legado literrio e que s agora vieram tona nas novas edies autnticas e literais de sua obra. Assim, por exemplo, quando ela afirma: "Acossam-me as reflexes dos piores materialistas." Sente a inteligncia torturada por todos os argumentos possveis contra a f; o sentimento da f parece desaparecido; ela sente-se transportada para dentro da "pele dos pecadores" 2 . Isto , em [11] um mundo que parece completamente slido e sem brechas, torna-se visvel a algum o abismo que espreita a todos tambm a ele sob a crosta firme das convenes que sustentam a f. Em tal situao no est mais em jogo apenas isto ou aquilo assuno de Maria ou no; confisso desse ou daquele modo , tudo coisas que se tornam completamente irrelevantes, porquanto trata-se realmente do todo, do conjunto, tudo ou nada. a nica alternativa que parece restar, e em parte alguma surge um pedao de cho firme ao qual se agarrar nessa queda vertiginosa para o abismo. Somente o bratro hiante e sem fundo do nada o que se percebe, onde quer que se dirijam os olhares. Paulo Claudel evoca em um quadro grandioso e convincente essa situao do crente, na abertura do seu "Soulier de Satin". Um missionrio jesuta, irmo do heri Rodrigo, o homem mundano, aventureiro errante e incerto entre Deus e o mundo, representado como nufrago. Sua nau foi afundada por piratas. Ele mesmo, amarrado a uma trave do barco afundado, vaga nesse pedao de madeira, pelas guas tormentosas do oceano 3 . O drama principia com o seu derradeiro monlogo: "Senhor, agradeo-te por me teres amarrado assim. Por vezes sucedeu-me achar difceis os teus mandamentos; senti desnorteada, fracassada a vontade diante dos teus mandamentos. Mas hoje no poderia estar mais fortemente atado a ti, do que o estou; e muito embora meus membros se movam um sobre o outro, nenhum deles capaz de afastar-se um pouco de ti. E assim realmente estou preso cruz; e a cruz, qual me vejo atado, no est presa a nada mais. Ela voga pelo mar" 4 . [12] Atado cruz e a cruz ligada a nada, vogando sobre o abismo. Dificilmente se poderia descrever mais acurada e exatamente a situao do crente hodierno. Apenas um madeiro oscilante sobre o nada, um madeiro desatado parece sust-lo e tem-se a impresso de ser possvel adivinhar o instante em que tudo ir submergir. Um simples madeiro solitrio liga-o a Deus; mas, sem dvida, liga-o inevitavelmente e, no final de tudo, ele tem a certeza de que esse madeiro mais forte do que o nada que fervilha debaixo dele, esse nada que, apesar dos pesares, continua sendo a fora ameaadora propriamente dita do seu presente. O quadro apresenta, alm disso, uma dimenso mais vasta que, alis, me parece a mais importante. Pois esse nufrago jesuta no est sozinho; nele se encontra como que evocada a sorte do seu irmo; nele est presente o destino do irmo, daquele irmo que se considera descrente, que deu as costas a Deus, por no considerar tarefa sua a espera, mas "a posse do atingvel... como se este pudesse estar em parte outra do que onde tu, Deus, ests". dispensvel acompanharmos a trama da concepo claudeliana: a mestria com que conserva como fio condutor o jogo dos dois destinos aparentemente contraditrios at ao ponto em que a sorte de Rodrigo finalmente se toca com a do irmo, quando o conquistador termina como escravo em um navio, devendo dar-se por muito feliz, ao ser levado por uma velha freira que, de contrapeso, leva uma caarola e alguns trapos. Alis, deixando de lado o smile, podemos voltar nossa prpria situao e dizer: o crente capaz de realizar-se em sua f somente sobre o oceano do nada; e o oceano da incerteza foi-lhe destinado como nico lugar possvel de sua f. Apesar disso, no se pode considerar o descrente, numa falha evidente de dialtica, apenas como um incru. Assim como at agora reconhecemos que o crente no vive sem problemtica, mas sempre ameaado pela queda no nada, assim foroso admitir [13] que tambm o incru no representa absolutamente uma existncia fechada e coesa em si mesma. Por brutal que seja o seu comportamento de ferrenho positivista que j de h muito deixou para trs as tentativas e os embates supranaturais, vivendo apenas no mbito do que diretamente certo jamais o abandonar a secreta insegurana de se o positivismo est realmente com a ltima palavra. O crente v-se sufocado pela gua salgada da dvida que o oceano lhe lana, sem cessar, boca; do mesmo modo existe a dvida do incrdulo quanto sua descrena, quanto totalidade do mundo que ele se resolveu a declarar como o todo. Jamais conseguir certeza plena sobre a globalidade do que viu e declarou como o todo, mas continuar sob a ameaa de que quem sabe? a f venha a representar e a afirmar a realidade. Portanto, como o crente se sabe ameaado sem cessar pela descrena, obrigado a ver nela a sua perene provao, assim a f representa a ameaa e a tentao do incru, dentro do seu universo aparentemente fechado e completo. Em uma palavra, no existe escapatria ao dilema da existncia humana. Quem deseja fugir incerteza da f, h de experimentar a incerteza da descrena que, por sua vez, jamais conseguir resolver sem sombra de dvida a questo de se, por acaso, a f no se cobre com a verdade. Somente na recusa revela-se a irrecusabilidade da f. Talvez venha a propsito aduzir neste lugar uma estria judaica escrita por Martin Buber; nela aparece com clareza o citado dilema da existncia humana. "Um dos sequazes do iluminismo, homem estudado, ouvira falar de Berditschewer. Foi-lhe procura com o fito de comprar uma discusso, como era do seu feitio, e arrasar suas provas ultrapassadas da verdade da f. Ao entrar no quarto do Zaddik viu-o, de livro mo, indo e vindo, mergulhado em entusisticas reflexes. Nem pareceu dar pela chegada do visitante. Finalmente deteve-se, olhou para ele superficialmente e disse: "E contudo, talvez seja verdade." O sbio debalde tentou fincar p, defendendo sua dignidade [14] prpria. No o conseguiu. Sentiu os joelhos chocalharem, to terrvel era o aspeto do Zaddik, to horrvel de se ouvir a sua singela frase. Mas o rabi Levi Jizchak voltou-se completamente para ele e lhe disse, sereno: "Meu filho, os grandes da Tor com os quais disputaste, desperdiaram palavras; tu te riste deles, ao te afastares. No foram capazes de colocar Deus e o seu reino sobre a mesa, diante de ti; eu tambm sou incapaz. Mas, meu filho, reflete: talvez seja verdade." O iluminista concentrou todas as foras para revidar; mas aquele terrvel "talvez" a ecoar sem cessar, quebrou-lhe qualquer resistncia" 5 . Apesar da roupagem estranha, temos aqui uma descrio muito precisa da situao do homem frente ao problema "Deus". Ningum capaz de servir aos outros o cardpio de Deus e do seu reino, nem o prprio crente pode servi-lo a si mesmo. Mas, por mais que a descrena se possa sentir justificada com isso, permanece de p o horror daquele "talvez seja verdade". O "talvez" representa o inevitvel ataque ao qual se incapaz de fugir, no qual se deve experimentar, na recusa, a irrecusabilidade da f. Em outras palavras: crente e incrdulo, cada qual a seu modo, participam da dvida e da f, caso no se ocultem de si mesmos e da verdade da sua existncia. Nenhum capaz de evadir-se completamente dvida; nenhum pode escapar de todo f. Para um, a f torna-se presente contra a dvida; para outro, pela dvida e em forma de dvida. Temos a a figura fundamental do destino humano: ser capaz de encontrar o definitivo de sua existncia somente nesse inevitvel embate de dvida e f, de agresso e certeza. Talvez esteja aqui o caminho para transformar em ponto de encontro, de contato, a dvida que preserva a um e a outro do perigo de encapsular-se em si mesmo. Ambos esto impedidos de enrolar-se em si mesmos; o crente impelido para o que duvida, e [15] este para o crente. Para um temos a uma participao no destino do incru, para o outro, a forma pela qual a f, apesar de tudo, continua sendo um desafio. 2. O salto da F Ensaio provisrio de uma definio da essncia da F. A figura do palhao incompreendido e dos campesinos despreocupados no basta para descrever a interdependncia de f e descrena em nossos dias. Contudo, no se pode negar que ela representa, de algum modo, um problema especfico da f. Pois a questo fundamental de uma introduo ao cristianismo abrangendo a tarefa de esclarecer o que significa o homem afirmar "creio" essa questo fundamental apresenta-se-nos carregada de um contedo temporal muito preciso. Devido nossa conscincia histrica, que se tornou parcela de nossa autoconscincia e de nossa concepo fundamental do humano, essa questo s pode ser posta na forma seguinte: que e que significa a confisso crist "creio" nos dias de hoje, dentro das contingncias da nossa existncia atual e da nossa posio presente, diante da realidade em seu conjunto? Chegamos assim a uma anlise do texto que dever constituir a diretriz, a coluna mestra de todas as nossas consideraes, a saber, do "smbolo apostlico" o qual, a partir de sua origem, quer ser "introduo ao cristianismo" e resumo do seu contedo essencial. sintomtico o fato de principiar esse texto com a palavra "creio". Claro est que, de incio, abrimos mo de uma anlise deste termo dentro do seu contexto; tambm deixamos, por ora, de pesquisar por que essa declarao bsica "creio", em sua forma estereotipada, surge em conexo com determinados contedos e se desenvolve dentro de um contexto litrgico. O contexto da frmula litrgica com o do contedo molda o sentido da palavrinha "credo", como, vice-versa, a palavrinha "credo" sustenta e caracteriza tudo o [16] que se lhe segue e o prprio ambiente litrgico. Apesar disso, por ora devemos prescindir de ambos, para enfrentar com radicalismo tanto maior e analisar muito a fundo que espcie de atitude se intenciona quando a existncia crist se revela, primeiro e antes de tudo, no verbo "credo" e com isso o que de modo algum evidente demarca o cerne do crstico como sendo uma "f". As mais das vezes supomos irrefletidamente que "religio" e "f" so uma e mesma coisa, e se cobrem, podendo, por isso, qualquer religio ser definida como "f". O que, contudo, s se realiza, de fato, em proporo limitada; muitas vezes as outras religies assumem nomes diferentes, colocando assim outros pontos de apoio que no a f. O Antigo Testamento, como um todo, no se apresenta sob o conceito de "f", mas de "lei". primariamente uma ordem, um teor de vida em que, sem dvida, o ato da f assume importncia crescente. A religiosidade romana, por sua vez, compreendeu praticamente sob o nome de "religio" a observncia de determinadas formas rituais e de costumes. Para ela no era decisivo que um ato de f assentasse sobre elementos supernaturais; tal ato poderia mesmo faltar por completo, sem que houvesse infidelidade religio. Por ser essencialmente um sistema de ritos, a sua exata observncia era o elemento decisivo acima de tudo. O mesmo poderia constatar-se, perlustrando toda a histria das religies. Mas essa aluso baste para esclarecer quo pouco evidente , em si, o fato de o ser cristo exprimir-se fundamentalmente na palavra "credo", designando a sua posio frente ao real pela atitude da f. Com o que, alis, a nossa pergunta s se torna mais premente: que atitude, afinal, se pretende manifestar por esta palavra? E mais: por que se torna to difcil penetrar o nosso "eu" sempre pessoal no mago desse "creio"? Por que sempre nos parece, de novo, quase impossvel transferir o nosso "eu" hodierno cada qual o seu, diverso e separado do "eu" [17] dos outros para a identificao com o "eu" do "creio" tal como nos vem determinado e moldado por geraes? No nos iludamos: penetrar naquele "eu" de frmulas do "credo" assimilar na carne e no sangue do "eu" pessoal o "eu" esquemtico da frmula constituiu sempre empresa excitante e aparentemente impossvel, em cuja realizao, no raro, ao invs de perpenetrar o esquema com carne e sangue, o "eu" acaba transformado em esquema. E se, crentes no nosso tempo, talvez ouamos com alguma inveja que na Idade Mdia todos, sem exceo, eram crentes em nosso pas , seria bom lanar um olhar atrs dos bastidores, olhar possvel graas s conquistas da pesquisa histrica moderna. Ela est em condies de ensinar-nos que, tambm naquela poca, havia a grande massa dos que iam na onda e um nmero relativamente restrito dos que, de fato, penetravam at ao mago da f. A histria pode mostrar-nos que, para muitos, a f no passava de um sistema preexistente de vida, pelo qual a fascinante aventura escondida no bojo da palavra "creio" lhes estava, pelo menos, to encoberta como patente. E tudo isso apenas porque entre Deus e homem se abre um abismo infinito; porque a feitura do homem tal que seus olhos s podem ver aquilo que no Deus, permanecendo Deus sempre essencialmente invisvel, fora do campo visual do homem. Deus essencialmente invisvel essa declarao fundamental da f bblica em Deus, em oposio visibilidade dos deuses simultaneamente e sobretudo mesmo uma declarao sobre o homem. O homem o ser vidente, para o qual o espao da vida parece demarcado pelo espao de sua viso e percepo. Mas Deus jamais aparece e nunca pode aparecer nesse espao de sua viso e percepo, determinantes da localizao existencial do homem, por mais que tal espao seja sempre ampliado. Acredito, [18] o que importante, que, em princpio, essa declarao se encontra no Antigo Testamento: Deus no apenas aquele que, agora e de fato, se acha fora do campo visual, podendo, contudo, ser percebido, se fosse possvel avanar; no, ele aquele que se encontra essencialmente fora deste campo, por mais que nossa rea visual se alargue. Com isso, porm, s se revela um primeiro esboo da atitude expressa pela palavrinha "creio". Ela conota um homem que no considera como o mximo a totalidade de suas capacidades, o ver, o ouvir e o perceber; que no considera o espao do seu universo balizado pelo que se encerra no seu campo visual, auditivo, perceptivo, mas procura uma segunda forma de acesso realidade, forma essa que chega a encontrar a a abertura essencial de sua concepo do mundo. Sendo assim, a palavrinha "credo" encerra uma opo fundamental face realidade como tal, no conotando apenas a constatao disso ou daquilo, mas apresentando-se como uma forma fundamental de comportamento para com o ser, para com a existncia, para com o que prprio da realidade, para com a sua globalidade. Trata-se de uma opo que considera o invisvel, o absolutamente incapaz de alcanar o campo visual, no como o irreal, mas, pelo contrrio, como o real propriamente dito, que representa o fundamento e a possibilidade da restante realidade. a opo de aceitar esse algo que possibilite a realidade restante a proporcionar ao homem uma existncia verdadeiramente humana, a torn-lo possvel como homem e como ser humano. Dito ainda em outros termos: f significa o decidir-se por um ponto no mago da existncia humana, o qual incapaz de ser alimentado e sustentado pelo que visvel e tangvel, mas que toca a orla do invisvel de modo a torn-lo tangvel e a revelar-se como uma necessidade para a existncia humana. Tal atitude certamente s se conseguir atravs daquilo que a linguagem bblica chama de "volta" ou "converso". [19] A tendncia natural do homem leva-o ao visvel, ao que se pode pegar e reter como propriedade. Cumpre-lhe voltar-se, internamente, para ver at que ponto abre mo do que lhe prprio, ao deixar-se arrastar assim para fora da sua gravidade natural. Deve converter-se, voltar-se para conhecer quo cego est ao confiar apenas no que os olhos enxergam. A f impossvel sem essa converso da existncia, sem essa ruptura com a tendncia natural. Sim, a f a converso, na qual o homem descobre estar seguindo uma iluso ao se comprometer apenas com o palpvel e sensvel. E aqui est a razo mais profunda por que a f no demonstrvel: uma volta, uma reviravolta do ser, e somente quem se volta, recebe-a. E, porque nossa tendncia no cessa de arrastar-nos para outro rumo, a f permanece sempre nova em seu aspecto de converso ou volta, e somente atravs de uma converso longa como a vida que podemos ter conscincia do que vem a ser "eu creio". A partir da compreensvel que a f representa algo de quase impossvel e problemtico no apenas hoje e nas condies especficas da nossa situao moderna, mas, qui, de modo um tanto menos claro e identificvel, j representou, sempre, o salto por cima de um abismo infinito, a saber, da contingncia que esmaga o homem: a f sempre teve algo de ruptura arriscada e de salto, por representar o desafio de aceitar o invisvel como realidade e fundamento incondicional. Jamais a f foi uma atitude conatural conseqente do declive da existncia humana; ela foi sempre uma deciso desafiadora da mesma raiz da existncia, postulando sempre uma volta, uma converso do homem, s possvel na escolha. 3. O dilema da F no mundo de hoje Tomada clara a aventura encerrada no seio da f, inevitvel uma nova considerao, na qual se revela a agudeza [20] especial da dificuldade de crer em relao ao homem de hoje. Ao abismo do "visvel" e do "invisvel" acrescenta-se, aumentando a dificuldade, o bratro do "outrora" e do "hoje". O paradoxo fundamental, j por si inerente f, agua-se pelo fato de apresentar-se a f em roupagem de outrora, e at de identificar-se com o passado, com a forma de vida e de existncia de outrora. Todas as atualizaes, chamem-se "desmitizao" intelectual-acadmica ou aggiornamento eclesial-pragmtico, em nada mudam a situao. Pelo contrrio: tais esforos reforam a suspeita de apresentar-se aqui, nervosamente, como hodierno, o que, na verdade, o passado. Essas tentativas de atualizao trazem bem tona da conscincia at que ponto "de ontem" aquilo que nos apresentado; e a f, deixando de parecer um salto temerrio, semelha-se a um salto desafiador da generosidade do homem, do trampolim da aparente totalidade do mundo visvel para o aparente nada do invisvel e incompreensvel. Parece, antes, uma pretenso, um atrevimento, querer comprometer o hoje com o ontem, evocando-o como perpetuamente vlido. E quem desejar faz-lo em uma poca na qual, em lugar da idia de "tradio" se colocou o conceito de "progresso"? De passagem, topamos aqui uma caracterstica da moderna conjuntura, no sem importncia para o nosso problema. Em passadas constelaes espirituais o conceito de "tradio" conotava determinado programa; surgia como elemento protetor em que o homem podia confiar; podendo apelar para a tradio, havia certeza de encontrar-se no lugar certo. Hoje predomina o sentimento diametralmente oposto: tradio o abandonado, o meramente de ontem; progresso a promessa explcita do ser, de modo que o homem no se sente em casa dentro da tradio, do passado, mas dentro do progresso e do futuro 6 . E tambm sob este ponto de vista h de parecer-lhe [21] ultrapassada uma f que lhe vem ao encontro com a etiqueta de "tradio", incapaz de abrir-lhe um lugar para existir, a ele que v no futuro a sua possibilidade e obrigao propriamente ditas. O que quer dizer que o primrio escndalo da f, a distncia entre visvel e invisvel, entre Deus e no-Deus, se acha encoberto e bloqueado pelo escndalo secundrio do "outrora" e do "hoje", pela anttese de tradio e progresso, pelo compromisso com o passado que parece estar includo na f. O fato de nem o profundo intelectualismo da desmitizao, nem o pragmatismo do aggiornamento serem capazes de convencer, sem mais, torna evidente que tambm a absoro do escndalo fundamental da f crist representa algo de muito profundo que no se pode abordar, sem mais nem menos, nem por meio de teorias, nem pela ao. Alis, em certo sentido, justamente aqui se patenteia o especfico do escndalo cristo, a saber, aquilo que se poderia denominar positivismo cristo, a inamovvel positividade do crstico. Eis o que tenho em mente: a f crist no se ocupa somente com o eterno, como primeira vista poderia supor-se, com o eterno que se conservasse como algo totalmente diverso, fora do mundo humano e do tempo; ela ocupa-se muito mais com o Deus na histria, com Deus como homem. A f apresenta-se como revelao, ao parecer vencer o abismo entre eterno e temporal, entre visvel e invisvel, fazendo-nos encontrar Deus como homem, o Eterno como temporal, Deus como um de ns. Alis, a sua pretenso de ser revelao [22] funda-se no fato de ela ter trazido o eterno, por assim dizer, para dentro do nosso mundo: "O que ningum jamais viu Ele no-lo explicou, aquele que descansa no peito do Pai" (Jo 1,18) Cristo tornou-se "exegese" de Deus para os homens, quase estaria eu tentado a afirmar com base no texto bblico 7 . Mas contentemo-nos com o vocbulo portugus; o original autoriza-nos a tom-lo bem ao p da letra: Jesus realmente ex-plicou (ou seja, desdobrou, abriu) a Deus, conduzindo-o para fora de si, ou, mais drasticamente, na primeira carta de Joo: liberou-o nossa contemplao e palpao, de modo tal que o jamais avistado por algum agora est ao alcance do nosso tacto histrico 8 . primeira vista parece tratar-se realmente do mximo em revelao, do limite extremo de Deus patentear-se. O salto que at agora conduzia ao infinito parece abreviado a uma ordem de grandeza humana possvel, bastando-nos, para tanto, dar uns poucos passos at quele homem na Palestina, no qual o mesmo Deus se nos revela. Mas estamos a diante de uma estranha duplicidade, como que dois rostos de Jano: o que parece ser, de entrada, a mais radical revelao e, em certa medida, permanece para sempre sendo no s uma revelao, como a revelao por excelncia, no mesmo instante se trai como a treva mais pesada e o mais estranho disfarce. O que Deus parece trazer, em primeira mo, para bem perto de ns, a ponto de podermos palp-lo como nosso semelhante, seguir-lhe as pegadas e at avali-las e medi-las, tudo isto torna-se, em sentido muito profundo, base para a "morte de Deus", que, a partir dali, h de imprimir o seu [23] cunho irrevogvel ao desenvolvimento da histria e s relaes humanas com Deus: Deus ficou to perto de ns, que o pudemos matar e assim, ao que parece, ele cessa de ser Deus. Por isso, vemo-nos hoje um tanto desconcertados diante dessa "revelao" crist e, confrontando-a com a religiosidade, sobretudo, da sia, lanamos a pergunta: no teria sido muito mais simples crer no eterno-oculto, confiando-se a ele em meditao e anseio? No teria sido melhor Deus deixar-nos na nossa infinita distncia? No fora mais simples e mais realizvel perceber o eternamente incompreensvel mistrio mediante serena contemplao, mediante uma fuga de tudo o que profano, em vez de render-se ao positivismo da f em uma nica figura, confinando a salvao do homem e do mundo, por assim dizer, a algo como a cabecinha de um alfinete, que mais no parece representar esse um e nico ponto fortuito? No ser a morte definitiva o fatal destino desse Deus reduzido a um nico ponto dentro de um mundo que relativiza intolerantemente o homem e sua histria a um nfimo grozinho de p no cosmos, a um ponto que s poderia ser considerado como centro do universo pelo homem na sua ingenuidade dos anos de infncia, mas, uma vez ultrapassados estes anos, impor-se-ia a coragem de acordar do sono, esfregar os olhos e sacudir para longe de si um sonho louco, por lindo que tenha sido, entrosando-se incondicionalmente no formidvel mecanismo para o qual a nossa insignificante vida est destinada, vida que, precisamente assim, deveria encontrar um sentido novo, na aceitao de sua insignificncia? S com esse aguamento total da questo e com esse enfoque que coloca o escndalo, muito mais profundo, do "positivismo" cristo, ou seja o "estreitamento" de Deus dentro de um nico ponto da histria frente do aparentemente secundrio escndalo do "outrora" e do "hoje", s assim tocamos o fundo da problemtica crist da f, tal como hoje deve ser enfrentada. Podemos crer ainda? No, impe-se [24] uma pergunta mais radical: temos ainda a liberdade de crer, ou se avoluma diante de ns um dever maior, a saber, o dever de romper com o sonho e de colocar-se dentro da realidade? O cristo de hoje deve perguntar-se assim; no pode contentar-se em constatar que, afinal, possvel ainda encontrar uma interpretao do cristianismo atravs de uma poro de rodeios e subterfgios, interpretao que no se choque com nada. Se alhures declara um telogo que "ressurreio da carne" quer dizer apenas que cada um diariamente deve arregaar as mangas corajosamente na preparao do futuro, com certeza est afastado o escndalo. Mas ter havido sinceridade numa tal interpretao? No existe uma falsidade perigosa em tais prestidigitaes interpretatrias, em tais malabarismos, com que se tenta manter em p o cristianismo e defend-lo? Ou, sentindo-nos compelidos a lanar mo de tais recursos, no estaramos obrigados a reconhecer que alcanamos o fim da linha? Ento, no deveramos sujeitar-nos simplesmente realidade concreta, sem lanar cortinas de fumaa? Acentuemo-lo com energia: um cristianismo assim esvaziado de sua realidade atravs de uma tal interpretao significa falta de sinceridade frente s perguntas dos no-cristos, cujo "talvez no" afinal deveria nos urgir a ns da mesma maneira como desejamos que eles sejam urgidos pelo "talvez" cristo. Tentando aceitar assim a pergunta do outro como o ininterrupto questionamento da nossa prpria existncia, impossvel de ser concentrado nas pginas de um tratado para, a seguir, ser posto de lado, teremos o direito de constatar, tambm aqui, a existncia de uma contrapergunta. A tendncia hodierna supor, como realidade propriamente dita, o tangvel, o que se pode provar. Mas, permitido fazer isso? Parece caber aqui uma pergunta mais cuidadosa: O que, na verdade, "o real"? Ser somente o comprovado e o comprovvel? Ou no ser, qui, a averiguao, uma determinada maneira apenas de comportamento frente realidade, maneira que, de modo algum, [25] pode abranger o todo e que at conduz adulterao da verdade e da existncia humana, sempre que for aceita como critrio nico da realidade? Lanando esta pergunta, tornamos ao dilema do "outrora" e do "hoje", alis, postos agora frente frente com a problemtica especfica do nosso "hoje". Tentemos analis-la com mais clareza em seus elementos essenciais. 4. Limite da moderna compreenso da realidade e topografia da F Graas aos conhecimentos histricos de que hoje dispomos, estamos em condies de abarcar o caminho do esprito humano, at onde alcana o olhar; com o que podemos constatar que, nos vrios perodos da evoluo do esprito, houve diversas maneiras de colocar-se frente realidade, por exemplo, a mentalidade mgica ou a metafsica ou, finalmente, hoje em dia, a cientfica (tendo por parmetros as cincias naturais). Cada uma dessas tendncias humanas bsicas tem relao com a f, de um ou de outro modo, e cada uma delas tambm, sua maneira, lhe causa estorvos. Nenhuma delas se cobre com a f, mas tambm nenhuma se conserva neutra frente f; cada uma delas capaz de servir a f ou de lhe causar percalos. Para a hodierna mentalidade fundamentalmente cientfica que plasma, sem ser perguntada, o sentimento existencial de todos e a ns todos nos marca o lugar dentro da realidade, caracterstica a limitao aos fenmenos, quilo que aparece e ao que deve ser manipulado. J desistimos de procurar o que so as coisas em si; de mergulhar na essncia do prprio ser; parece-nos infrutfera uma tal empresa; o fundo do ser apresenta-se-nos inatingvel. Acomoda-nos nossa perspectiva, ao visvel no sentido mais amplo do termo, quilo que cabe debaixo dos nossos instrumentos de medir e de pesar. A metodologia da cincia natural baseia-se nessa delimitao ao fenmeno. o que parece bastar-nos. Sentimo-nos aptos a manejar [26] tais meios, criando para ns um mundo em que possamos viver como homens. Com isso desenvolveu-se, paulatinamente, no pensamento e no viver modernos, um conceito novo de verdade e realidade, que domina como hiptese do nosso pensamento e da nossa expresso, em geral sem que o percebamos, conceito, porm, que s poder ser dominado, se for, por sua vez, exposto ao exame da conscincia. Aqui se torna patente a funo do pensamento no cientfico-natural, a saber, a funo de analisar o aceito ou imposto sem considerao, e de colocar, frente conscincia, a problemtica humana de uma tal orientao. a) O primeiro estdio: origem do historicismo. Tentemos densenvolver, como se chegou mentalidade acima descrita. Constataremos, se vejo bem, dois estgios de mudana espiritual. O primeiro, preparado por Descartes, recebeu forma em Kant e j anteriormente, em formulao um tanto diversa, no filsofo italiano Giambattista Vico (1688-1744) que, provavelmente, foi o primeiro a apresentar um conceito completamente novo de verdade e de conhecimento, tornando-se o ousado antecessor da tpica frmula do esprito moderno, quanto ao problema da verdade e da realidade. equao escolstica Verum est ens o ente a verdade Vico contraps a sua frmula: Verum quia factum. O que significa: reconhecvel como verdadeiro s pode ser aquilo que ns mesmos fazemos. Essa frmula parece-me representar o fim da velha metafsica e o incio do esprito especificamente moderno. A revoluo do pensamento moderno contra todo o passado est presente aqui com uma preciso inimitvel. Para a Antiguidade e a Idade Mdia o prprio ente verdadeiro, isto , reconhecvel, porque Deus, o puro intelecto, o criou; e criou-o, pensando-o. Pensar e fazer so uma nica coisa para o Esprito Criador, o Creator Spiritus. Seu pensar um criar. As coisas existem porque so pensadas. Por isso, para a Antiguidade e a Idade Mdia, todo ser um ser-pensado, um pensamento do Esprito absoluto. E [27] vice-versa: porque todo ser pensamento, todo ser sentido, Logos, verdade 9 . Portanto o pensamento humano um "pensar-depois", uma reflexo sobre o pensamento que o prprio Ente. Mas, o homem pode pensar na esteira do Logos, do sentido do ser, porque o seu prprio logos, sua prpria razo logos do nico Logos, pensamento do pensamento primitivo e original, do Esprito Criador que dispe o ser at o fundo de suas razes. Em contraste com isto, a obra do homem considerada pela antiguidade e pela Idade Mdia como ocasional e contingente. O ser pensamento, portanto pensvel, objeto do pensamento e da cincia que aspira sabedoria. A obra humana, pelo contrrio, uma mistura de logos e de falta de lgica que, alm disto, com o passar do tempo, recai no passado. No admite uma compreenso completa, por faltar-lhe algo do presente, base da intuio, e algo do logos, ou seja, do sentido duradouro. Por esta razo, o impulso cientfico antigo e medieval estava convencido de que o saber sobre as coisas humanas no passava de techne, de tcnica, de capacidade artesanal, jamais podendo alcanar o nvel de uma cincia real. Por esta razo as artes, na universidade medieval, figuravam como preliminar cincia propriamente dita, isto , quela cincia que reflete sobre o ser, ponto de vista este ainda firmemente defendido por Descartes, ao negar histria o carter de cincia. O historiador convencido de conhecer a histria romana antiga, afinal de contas saberia menos a respeito dela do que qualquer cozinheiro romano, e saber latim no conota mais do que o saber de qualquer domstica de Ccero. Exatamente cem anos mais tarde Vico inverter as normas da verdade medieval, ainda [28] claramente expressas por Descartes, abrindo assim a porta virada fundamental do esprito moderno. Comea agora aquela atitude que traz consigo a idade "cientfica" em cuja esteira ainda nos encontramos 10 . Pela sua importncia fundamental para o nosso problema, tentemos analis-lo um pouco mais a fundo. Descartes considera ainda, como certeza real, a certeza racional formal, purificada das incertezas do factvel. Contudo, j se notam prenncios da virada para a poca moderna, quando Descartes compreende essa certeza real essencialmente sob o enfoque do modelo da certeza matemtica, elevando a matemtica forma bsica de todo o pensamento racional 11 . Enquanto, porm, em Descartes os fatos devem ser postos em parnteses, isto , abstrados, se se quer ter certeza, Vico levanta a tese diametralmente oposta. Formalmente, apoiando-se em Aristteles, declara que o saber real se cifra no saber das causas. Conheo uma coisa, conhecendo-lhe a causa; compreendo o motivado, se souber o motivo. Mas, desse aforisma antigo tira-se e se afirma algo completamente novo: se, para o saber factivo se requer o conhecimento das causas, ento podemos saber verdadeiramente somente aquilo que ns mesmos fizemos, pois s nos conhecemos a ns mesmos. O que, por conseguinte, vem a ser que, em lugar da antiga equao "verdade ser", entra a nova: "verdade facticidade"; s reconhecvel o feito, isto , aquilo que ns mesmos fazemos. Tarefa e possibilidade do esprito humano no refletir sobre o ser, mas sobre o fato, o feito, o mundo peculiar do homem, nico objeto que estamos em condies de compreender verdadeiramente. O homem no produziu o cosmos, que, por isto, lhe permanece impenetrvel em suas derradeiras profundezas. S lhe acessvel um saber [29] perfeito, comprovado, no mbito das fices matemticas e da histria que representa a esfera do que o homem mesmo fez, sendo por esta razo acessvel ao seu conhecimento. No meio do oceano de dvidas que ameaa a humanidade aps a derrocada da velha metafsica, nos alvores do tempo moderno, redescobre-se no fato a terra firme sobre a qual o homem pode tentar uma nova existncia. Principia o reinado do "fato", isto , a volta radical do homem para sua prpria obra, como o nico elemento que lhe certo. Com isto est ligada aquela inverso de todos os valores, que transforma a histria em poca realmente "nova", em contraposio antiga. O que antes havia sido desprezado como no cientfico a histria resta, ao lado da matemtica, como a nica cincia verdadeira. O que antes parecia a nica tarefa digna de esprito livre, a reflexo sobre o sentido do ser, surge agora como esforo vo e sem sada, ao qual no corresponde nenhuma possibilidade cientfica autntica. Assim, matemtica e histria arvoram-se em disciplinas dominantes, chegando a histria a absorver, por assim dizer, o mundo inteiro das cincias, modificando-as fundamentalmente. Filosofia torna-se um problema da histria em Hegel, e, de modo outro, em Comte, problema onde o mesmo ser sufocado como processo histrico; em F. Chr. Baur, teologia torna-se histria; seu caminho, a pesquisa rigorosamente histrica que examina os eventos passados, esperando assim alcanar o fundo das questes; Marx repensa historicamente a economia nacional, e at as cincias naturais so afetadas por esta tendncia geral para a histria: Darwin concebe o sistema dos seres vivos como uma histria da vida; em lugar da constncia das coisas criadas entra uma doutrina evolucionista, na qual todas as coisas vm umas das outras, permanecendo relacionadas com as do passado 12 . Assim [30] o mundo acaba por no mais parecer uma estrutura do ser, mas um processo cuja contnua propagao se identifica com o movimento do mesmo ser. Ou seja: o mundo cognoscvel, sabvel meramente como feito pelo homem. O homem tornou-se incapaz de olhar acima de si, a no ser, novamente, no mbito do "fato", onde obrigado a identificar-se com o produto ocasional de evolues imemoriais. Deste modo surge uma situao muito estranha. No instante em que principia um antropocentrismo radical, o homem nada mais capaz de reconhecer, alm de sua prpria obra, vendo-se simultaneamente compelido a aceitar-se a si mesmo como produto ocasional, como simples "fato". E o cu, do qual o homem parecia ter vindo, desaba, ficando-lhe entre as mos a terra, o p dos fatos, terra, p, em que tenta decifrar, com a p, a laboriosa histria do seu devir. b) O segundo estdio: virada para o pensamento tcnico. Verum quia factum: este axioma que encaminha o homem para a histria como sendo morada da verdade, certamente no poderia ser suficiente em si mesmo. Alcanou sua eficincia completa ao ligar-se a um outro motivo que, novamente cem anos depois, Karl Marx formulou em seu axioma clssico: "At agora os filsofos contemplaram o mundo; agora devem por-se a modific-lo". Com o que torna a ser completamente reformulada a tarefa da filosofia. Trocada em termos filosficos tradicionais, esta mxima diria que, em lugar do verum quia factum reconhecvel, veraz o que o homem fez e pode contemplar entra um programa novo: verum quia faciendum a verdade, da qual dagora em diante se h de tratar, a facticidade, a capacidade de ser feito. Ou, expresso ainda de outro modo: a verdade que ao homem cumpre manipular, no nem a verdade do ser, nem, em ltima anlise, a dos seres realizados, feitos, mas a verdade da alterao do mundo, da formao do mundo uma verdade dirigida para o futuro e para a ao. [31] Verum quia faciendum quer dizer que o domnio do "fato" foi substitudo mais e mais, a partir do meado do sculo XIX, pelo domnio do factvel, do a-ser-feito e do passvel-de-fazer, com o que a preponderncia da histria cede lugar techne, tcnica. Pois, quanto mais o homem avana pela rota nova, concentrando-se no "fato" e nele buscando certeza, tanto mais se v obrigado a reconhecer que o "fato", ou seja a obra de suas mos, lhe foge sempre mais das mos. A comprovao visada pelo historiador, surgida apenas no sculo XIX como grande triunfo da histria contra a especulao, conserva sempre algo de problemtico, um momento de reconstruo, de exegese e de equvoco, de modo que arrastou a histria, j no comeo deste sculo, para uma crise, tornando duvidoso o historicismo em sua orgulhosa pretenso cientfica. Revelou-se sempre mais claramente a impossibilidade do "fato" em estado puro, cercado de certeza inabalvel, pois tambm nele se encerram sempre o sentido e sua duplicidade. Tornou-se sempre mais difcil ocultar que no se detinha entre as mos aquela certeza que inicialmente se havia esperado conseguir da pesquisa dos fatos, dando-se as costas especulao. Assim imps-se forosamente e gradativamente a convico de que, em ltima anlise, acessvel ao conhecimento humano somente aquilo que o homem pode reproduzir quantas vezes quiser, atravs da experincia. Tudo o que ele consegue perceber apenas mediante provas secundrias torna-se passado e, malgrado todas as provas, no plenamente conhecvel. Com isto surge o mtodo das cincias naturais, resultante da matemtica (Descartes) e do retorno facticidade em forma de experincia repetvel, como nico e seguro portador de certeza. Da fuso do pensamento matemtico e dos fatos resulta a nova realidade espiritual, determinada pelas cincias naturais, do homem moderno, o lugar novo que conota retorno [32] realidade em sua feio de facticidade 13 . O fato fez sair de dentro de si o factvel; o repetvel o comprovvel e existe por sua causa. Chega-se ao primado do factvel sobre o fato, pois realmente de que servir ao homem o que meramente existiu? Querendo ser dono do seu presente, o homem no pode encontrar sentido em ser guarda de museu do seu prprio passado. Com o que, como antes a histria, agora a tcnica cessa de ser um degrau subordinado da evoluo espiritual do homem, mesmo conservando ainda certo ar de barbrie dentro de uma conscincia orientada expressamente para as cincias naturais. A situao alterou-se substancialmente sob o ponto de vista da situao espiritual em seu conjunto: a tcnica deixou de ser uma exilada na cmara das cincias; ou, mais exatamente: a cmara surge aqui como o elemento determinante diante do qual o "senado" no passa de residncia de nobres aposentados. Tcnica tornou-se poder e possibilidade peculiar do homem. O que, at a, estava em baixo, passou para cima: simultaneamente torna a deslocar-se a perspectiva: na antiguidade e na Idade Mdia, o homem estava voltado para o eterno; a seguir, durante o domnio efmero do historicismo, para o passado; agora, o factvel polariza-o para o futuro daquilo que ele mesmo pode criar. Se antes, por exemplo, mediante os resultados do evolucionismo, o homem constatava resignado que, sob a luz do seu passado, no ia alm de p e mero acaso da evoluo, sentindo-se desiludido e degradado por um tal conhecimento, isto no mais deve preocup-lo, pois agora, qualquer que tenha sido a sua origem, tem meios de enfrentar com deciso o futuro, contando com recursos para transform-lo no que quiser; no lhe preciso mais parecer impossvel transformar-se a si mesmo em um [33] Deus, que se encontra no fim como o factvel, o a-ser-feito, e no mais, como logos, como sentido, no incio. Alis, isto tudo j est atuando hoje de maneira concreta em forma de problema antropolgico. Mais importante do que o evolucionismo, que j ficou atrs de ns como algo evidente, surge hoje a ciberntica, a planificao do homem a ser re-criado (homem novo, homem do futuro), de modo tal que, tambm sob o ponto de vista teolgico, a maleabilidade do homem de acordo com o seu prprio plano, se apresenta como problema mais importante do que a questo do passado humano embora ambas as questes no possam ser separadas e se interdeterminem em seu rumo: a reduo do homem a um "fato" a suposio para compreend-lo como "factvel", a ser guiado, moldado, do seu atual domnio, para um futuro novo. c) A questo do lugar da F. Com o segundo passo do esprito moderno, com a volta facticidade, fracassou, simultaneamente, uma primeira investida da teologia na resposta s realidades novas. Pois a teologia tentou enfrentar a problemtica do historicismo, ou seja, a reduo da verdade ao fato, construindo a mesma f como histria. E, primeira vista, poderia sentir-se plenamente satisfeita com sua manobra. Afinal, a f crist, em seu contedo, est essencialmente vinculada histria; as declaraes da Bblia no tm carter metafsico, mas factivo. Por isto, a teologia, aparentemente, devia ser substituda pela histria, porquanto parecia realmente estar soando a sua hora: e at, qui, pudesse contabilizar essa nova evoluo como resultado de seu prprio ponto de partida. Esperana depressa abafada e desiludida pela destronizao crescente da histria, substituda pela tcnica. Em seu lugar vai-se firmando um outro pensamento os telogos sentem-se tentados a colocar a f, no mais no plano do fato, mas do factvel, explicando-a como instrumento de mudanas [34] do mundo mediante uma "teologia poltica" 14 . Creio que assim se repete, na situao atual, o que a reflexo teolgica j empreendera, unilateralmente, em relao ao historicismo. Percebe-se que o mundo moderno determinado pela perspectiva do factvel e responde-se, transferindo a f para o mesmo plano. No tenho em mente apontar meramente como irracionais ambas estas tentativas, para no correr o risco de cometer injustia. Revela-se, antes, em um e outro caso, substancialmente, o que havia sido omitido, mais ou menos, em outras constelaes. Com efeito, a f crist tem nexo com o "fato", movimenta-se de modo especfico na esfera da histria, e no foi por acaso que historicismo e histria cresceram no mbito da f crist. Indubitavelmente a f tambm tem relao com a evoluo do mundo, com a formao do mundo, com a pretenso contra a inrcia das instituies humanas e contra os que delas se aproveitam. Tambm seria difcil considerar acaso o fato de ter-se desenvolvido a compreenso do mundo como facticidade no mbito da tradio judaico-crist e de suas inspiraes at mesmo em Marx, muito embora imaginada e formulada em anttese ao cristianismo. Em todo caso indiscutvel que, em ambos os casos, transparece um pouco da verdadeira mentalidade da f crist, antes excessivamente oculta. A f crist tem nexo decisivo com as correntes essenciais do tempo moderno. Com efeito o atual momento histrico apresenta a chance de poder compreender de modo todo novo a estrutura da f, colocada entre o


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