CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E
AGRICULTURA – CPDA / UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE
JANEIRO(UFRRJ).
NOME : RODRIGO DE SOUZA PAIN – MESTRADO –
Estudos Internacionais Comparados.
ORIENTADOR : Dr. HÉCTOR ALIMONDA.
Dissertação de Mestrado.
Título : “A inserção do Brasil no processo de independência e
desenvolvimento da República Popular de Angola(1975-1986)
na perspectiva da cooperação entre os países em
desenvolvimento”.
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1- INTRODUÇÃO :
“Fazer política externa é assumir atitudes condizentes com o
interesse nacional a curto, médio e longo prazos, afrontar riscos se preciso
for”. Com essas palavras, o Representante Especial do Brasil perante o
Governo de transição que precedeu à independência da República Popular
de Angola1, o Embaixador Ovídio de Melo definiu um conceito de política
externa que será importante para o entendimento da conjuntura de que
trata a dissertação.
Inicialmente, o trabalho enfocará os desdobramentos iniciais do
conturbado processo de independência em Angola. Com a Revolução dos
Cravos no país colonizador, e a queda da ditadura Salazarista, Angola ficou
a mercê da própria sorte, pela guerra civil e a intervenção estrangeira que
se seguiu abruptamente deixando o país sem quadros técnicos, já que a
produção e a administração dado o colonialismo português não tinha
produzido sequer um número significativo de técnicos durante o período
colonial. Nesse contexto, os três reconhecidos movimentos de libertação
angolana reivindicaram o poder no país, desencadeando uma sangrenta
guerra, apesar dos tratados de paz estabelecidos entre si e a potência
colonizadora. Ainda dentro dessa abordagem inicial, a frágil situação
econômica do novo país durante a década seguinte também será
investigada.
2
No ponto que se segue, a pesquisa irá se situar na relação do
Brasil à luz do diálogo entre os países em desenvolvimento e a inserção do
nosso país no processo sócio -econômico de independência de Angola.
Será apresentada uma abordagem histórica, desde as primeiras reais
aproximações com os países em desenvolvimento da África e da Ásia com
a Política Externa Independente de Quadros e Goulart, passando pela
mudança de paradigma introduzida pelos governos militares, e pela nova
abordagem do pragmatismo responsável de Geisel, até o primeiro governo
civil depois do período militar, incluído o papel do Brasil com relação à
Angola no pré independência, e também a participação do Brasil nas novas
relações entre os países do Terceiro Mundo que aconteciam naquele
momento.
No seguinte capítulo, mostrarei alguns aspectos das relações
comerciais entre Brasil e Angola, a partir da independência desse país.
Esperava-se muito da participação brasileira no desenvolvimento de
Angola, justamente por o Brasil ser o primeiro país ocidental de júri a
reconhecer o governo socializante do MPLA em Angola, um fato que
desagradou a uma parcela da elite conservadora do Brasil e também aos
Estados Unidos(Saraiva;1996:181), como afirma Henry Kissinger em seu
livro “Anos de renovação” e Robert Stockwell, funcionário graduado da
CIA, no seu livro “In search of enemies”. Tentarei abordar ainda uma
3
análise de alguns papéis que empresas brasileiras desempenharam em
Angola no período estudado.
Apresento a seguir, a teoria da cooperação Sul-Sul, muito debatida,
analisada, por vezes questionada. Utilizo-me da cooperação entre os
países em desenvolvimento como uma espécie de “pano de fundo” para
situar as relações políticas e comerciais entre Brasil e Angola, por
considerar essas relações, como diz Cunha, “nos moldes da estrutura entre
centro e periferia, de um lado o Brasil exportando quase que na totalidade
produtos industrializados, e recebendo em contrapartida petróleo e
hidrocarbonetos”(1991:163).
Por fim, abordarei a aprovação na ONU da proposta brasileira de
criação da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul(ZPCAS) como um
ponto significativo nas relações Brasil e Angola. A justificativa para
considerar a proposta de 1986 como término da pesquisa está referida ao
contexto de guerra fria, na situação de uma rivalidade Leste Oeste, onde o
Brasil buscou apoio na Angola socialista entre outros países aliados
africanos para formalizar a proposta(Decuadra;1991:166-167). Este fato
desagradou novamente aos Estados Unidos, que foi o único país a votar
contra a proposta.
Diante desse breve quadro apresentado aqui, será colocado de
forma quase paralela aos assuntos relacionados na relação Brasil e Angola,
o contexto das relações internacionais naquele momento. Os dois países
4
viveram o processo de guerra fria, portanto, as análises aqui acordadas se
situarão diante da situação mundial do momento.
A participação do Brasil no processo de independência, no
reconhecimento e no desenvolvimento da República Popular de Angola é
uma das razões da relevância do tema e da importância de seu estudo.
Angola é uma das nossas matrizes históricas culturais, compartilhamos da
mesma língua e constitui, economicamente, um parceiro respeitável, apesar
de algumas limitações de acordo com o período estudado.
Celso Lafer, atual Ministro do Estado das Relações Exteriores
afirmou que “nossas relações com África não se limitam às expectativas
fundadas na afinidade natural entre legatários de uma herança comum
(...).A valorização do diálogo interregional, por meio da presença brasileira
na Zona de Paz e de Cooperação no Atlântico Sul e, especialmente, na
Comunidade de Países de Língua Portuguesa, demonstra a existência de
um amplo universo de interesses comuns”2. Diante dessa afirmação,
percebe-se o quão relevante é no momento o debruçar no estudo dessa
temática.
Essa dissertação não pretende esgotar todos os aspectos que
envolvem as relações políticas e comerciais entre Brasil e Angola, por se
tratar de um amplo período analisado e com grandes complexidades que
envolvem outros atores em questão. O que se pretende apresentar é uma
forte revisão bibliográfica, enfocando análises de pesquisadores,
5
especialistas, fontes oficiais e dados relevantes e trazendo esse debate à
luz da discussão acadêmica sobre os temas aqui propostos. Essa será uma
boa aproximação das idéias aqui inseridas que espero poder dar
continuidade.
6
DESDOBRAMENTOS DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA EM
ANGOLA.
O 25 de abril de 1974 foi um dia de extrema importância para a
independência dos países de língua portuguesa em África. Em Lisboa,
neste momento, acontecia a “Revolução dos Cravos”, onde o Movimento
das Forças Armadas, um grupo dentro do exército, derrubava a ditadura
Salazarista3 em Portugal. A idéia de liberdade que Portugal pretendia
alcançar, atingiria também as colônias, que lutavam pela independência.
Com a saída de grande parte dos colonos e do exército português,
Angola, assim como as outras colônias, passou por problemas na
administração do novo Estado que se criava. Instalou-se a disputa pelo
poder entre os três movimentos de libertação nacional, o MPLA(Movimento
Popular de Libertação de Angola), a FNLA(Frente Nacional de Libertação
de Angola) e a UNITA(União Nacional de Independência Total de Angola).
Durante os anos de luta pela independência, os movimentos
estiveram sempre em oposição4, cada movimento se considerava legítimo
representante do povo angolano; em comum apenas a idéia de um país
livre. Dombe diz que "... as divergências étnicas, ideológicas e regionais,
bem como a polarização derivada das fontes de apoio externo contribuíram
para aumentar as diferenças entre os três movimentos"(Dombe;1995:55-
56). Esses apoios externos pode-se dizer que o MPLA liderado por
Agostinho Neto, recebeu apoio de Cuba e URSS, além do importante apoio
7
interno na capital, principalmente nos musseques(favelas em Luanda),
considerado por muitos como o “poder popular” do MPLA; a FNLA liderado
por Holden Roberto, composto basicamente pelos Bacongos, grupo étnico
no Norte de Angola, recebia desde o início da luta, auxílio norte- americano;
durante 1973-74 apoio de formação militar chinês; e do Zaire(hoje
República Democrática do Congo). A UNITA liderada por Jonas
Savimbi(esse inicialmente era o Ministro das Relações Exteriores da
FNLA), com forte apoio na província de Huambo(sul do país), sua ação
militar altamente potencializada com a África do Sul nas vésperas da
independência. Cabe lembrar também da existência da FLEC( Frente de
Libertação do Enclave de Cabinda) - apoiada pelo Congo Democrático -
defensora da autonomia de Cabinda, região muito rica em petróleo que não
sentou à mesa das negociações que vieram a acontecer por se tratar de um
movimento que visava a separação de uma parte do território nacional
angolano.
Portanto, com a Revolução dos Cravos, houve em seguida ,a saída
do exército português em Angola. Entre os dias 3 e 6 de janeiro de 1975
aconteceu a cimeira da cidade de Mombaça na República do Quênia, onde
os três movimentos de libertação se reuniram para que se pudesse a seguir
realizar um encontro com o novo governo português. Nesse encontro
ficaram acordados alguns pontos, entre os quais :
8
“Reafirmam a sua determinação de salvaguardar a integridade
territorial de Angola(...) Nesse contexto a Região de Cabinda é parte
integrante e inalienável do território angolano”.
“Os três movimentos de Libertação comprometem-se a edificar a
nação angolana sobre bases justas e democráticas, eliminando por isso
todas as formas de discriminação étnica, social, religiosa ou de qualquer
outro tipo”.
“Igualmente as três organizações políticas angolanas manifestam
veementemente a sua decisão de, perante a deteriorização da economia
do país, exigir do Governo Português a adoção de medidas urgentes e
eficazes, de acordo com os Movimentos de Libertação que salvaguardem
os interesses sociais das massas trabalhadoras, estimulem o
desenvolvimento econômico do território e o processo de reconstrução
nacional” (Freitas;1975:178)
Entre os dias 10 a 15 de janeiro de 1975, é assinado em Alvor,
Portugal, um acordo sobre a independência de Angola, entre os
representantes dos três grandes movimentos (MPLA, FNLA e a UNITA) e o
governo português. Nesse acordo o Estado Português reconhecia os três
movimentos de libertação como representantes legítimos do povo
angolano, além de concluir as negociações do processo e o calendário do
acesso de Angola à independência. Seguem abaixo, alguns artigos do
tratado:
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"A plena independência e a soberania de Angola serão
solenemente proclamadas a 11 de novembro de 1975 em Angola pelo
presidente da República Portuguesa..."(artº2)
"Depois do cessar- fogo as forças armadas do FNLA, MPLA e da
UNITA ficarão nas regiões nos locais correspondentes à sua posição
presente..."(artª7)
"Os ministros do governo de transição nomeados em número igual
pela FNLA, MPLA e UNITA e pelo Presidente da República Portuguesa,
prestam juramento perante o Alto - Comissário".(artº20) ( Lazitch e
Rigoulot;1988:42). Ou seja, um governo semi autônomo.
A intenção do Acordo era a melhor possível, pois conciliava o
interesse de todas as partes, com um representante de cada movimento
dentro do governo de transição. Apesar disso, continuavam os conflitos
entre os movimentos em Angola, principalmente após a quinzena de julho
de 1975, data prevista para começar este governo de transição angolano5 e
quando o MPLA passa a controlar Luanda. O governo de transição
proposto pelo Acordo de Alvor não consegue prevalecer no país após julho
de 1975. Pouco antes da independência começaram a desembarcar tropas
estratégicas cubanas e material bélico da URSS em Angola. Segundo
Marcelo Bittencourt, professor e pesquisador do CEAA(Centro de Estudos
Afro Asiáticos – UCAM) em entrevista realizada em fevereiro de 2002,
afirmou que inicialmente o material e as tropas chegaram em número
10
pequeno, cerca de 400 a 600 homens e que depois esses números
cresceram rapidamente. A África do Sul, que iniciara em agosto de 1974
uma intervenção militar no extremo sul de Angola, sobre o pretexto de
financiar barrangens, desencadeia a partir de outubro uma ofensiva com
cerca de 2000 homens com blindados a caminho de Luanda com o apoio
da UNITA e da FNLA.
Lazithc e Rigoulot apontaram alguns fatores importantes para a
vitória do MPLA, além da presença cubana e armas soviéticas. Segundo
eles, a ajuda do Partido Comunista Português, do Movimento das Forças
Armadas e do movimento de esquerda portuguesa foram importantes para
o êxito inicial do movimento de Agostinho Neto. A data não fez cessar os
conflitos, ao contrário, aumentou a internacionalização que se traduziu
como a entrada definitiva do continente africano no cenário da guerra fria.
No dia 11 de novembro de 1975 a guerra em Angola explodiu com
a criação de dois "Estados" : a República Popular de Angola, com capital
em Luanda e dirigido pelo MPLA; e a República Democrática de Angola,
com capital em Huambo e proclamada à revelia pelo governo encabeçados
pela FNLA e UNITA. Observadores da cena política local concordam em
que o MPLA tem o apoio da maioria da população, a UNITA e a FNLA são
mais fortes no interior(Acosta;1976:11). A “República Democrática” não foi
reconhecida por nenhum país estrangeiro ou comunidade
internacional(Bento;2001:142).
11
O conflito armado no pós 11 de novembro de 75, já com a
participação cubana e soviética ao lado do MPLA, que avança fortemente
ao interior do país, levando as tropas sul africanas a abandonarem Angola
em março de 1976, deixa a UNITA enfraquecida, concentrado-se numa
segunda fase a uma pequena parte do interior de Angola6. A FNLA afunda-
se em termos militares7. O MPLA pode, então reivindicar a totalidade do
poder, controlando militarmente doze, das então dezesseis províncias do
país(Pereira;1999:14).
ECONOMIA ANGOLANA NO PÓS INDEPENDÊNCIA.
A economia angolana não estava em condições favoráveis para a
prosperidade, haja visto as condições para o desenvolvimento no pós
independência. Nesse período, a República Popular de Angola, governado
pelo MPLA demonstra a vontade de apoiar a industrialização do país. O
governo marxista opta por uma alternativa socialista de Estado. Do ponto
de vista político, Pereira afirma que a oposição da grande maioria dos
países do Ocidente ao MPLA, iniciada desde o desencadear da guerra de
independência teve duas motivações básicas : o apoio do Ocidente à
Portugal e a filiação a OTAN, e a opção inicial americana ao FNLA. Além
disso, os países socialistas(URSS e Cuba – principais), eram vistos,
12
segundo Pereira, de modo geral, pela maioria dos pan- africanistas(ver
mais sobre o termo em Outhwaite, W e Bottomore, T. in Dicionário do
pensamento social do Século XX, Jorge Zahar Editor, 1993, pp.545-548),
como não portadores de um passado colonizador. Pelo contrário: além de
um forte discurso e posições anticolonialistas, eles ofereceram apoio
logístico e militar a vários movimentos de libertação africanos. Alguns
dirigentes africanos chegavam a considerar o capitalismo como sinônimo
de colonialismo(1999:117).
Especialistas em economia apontam o ano de 1973, como o auge
da prosperidade econômica em Angola. Naquele momento, Angola era o
quarto produtor mundial de diamantes, produção que superava a dois
milhões de quilates, em uma exploração realizada pela Diamang –
consórcio entre o Estado e investidores estrangeiros; e o quarto maior
exportador mundial de café, produzindo cerca de 270 milhões de toneladas,
liderando a captação de moeda cambial em benefício da colônia até
1973(Bento;2001:92).
Entre os anos de 1975-85, intensificou à estruturação do setor
industrial estatal efetuado a partir de políticas de confisco e
nacionalizações, e da criação das unidades econômicas estatais. Essas
nacionalizações(muitas ocorridas entre maio e junho de 1976) eram fruto do
abandono das empresas por parte dos colonos portugueses, ou seja, não
havia quadros técnicos que pudessem assumir o comando de tais
13
empresas. Pereira aborda a questão das nacionalizações se referindo à
situação caótica da economia no imediato pós independência, onde foi
promulgada a Lei 3/76, de 3 de março de 1976, em que, em nome da
“política econômica de resistência” autoriza as “nacionalizações e confiscos
de empresas e outros bens”. Pereira lembra que essa lei não atingiu as
multinacionais(1999:138 – ver mais no capítulo o Paradoxo Angolano in
Pereira:1999). (Com relação a setores nacionalizados - do português do
Brasil : estatizados - ver mais em Maia;1977:74-75 - ).
Segundo Ennes Ferreira, em um primeiro momento(1975-1981), o
governo angolano teve a intenção de promover uma industrialização
socialista baseada na indústria pesada, mas não havia condições para
promover tal estratégia de desenvolvimento. Entre os anos de 1981-85, o
governo mudou sua postura com relação à industrialização, apostando no
modelo de substituições de importações( que curiosamente muitos países
africanos adotaram no pós independência, provavelmente fruto do
nacionalismo naquele momento), talvez inspirado na CEPAL que
propunha para a promoção dos países subdesenvolvidos um forte
protecionismo com a orientação da economia para dentro(Torres in
Ferreira;1999:XXXII).
O setor agrícola foi atingido pela estatização, embora o partido
tenha estimulado um mínimo esforço de cooperação, ele foi menos
beneficiado em termos de investimento, o partido desestimulou as
14
cooperativas. A crise na agricultura foi apontada por Pereira por dois
fatores, a crescente instabilidade militar e a consquente dificuldade de
circulação de pessoas e bens; redução na importação de matérias primas
para a indústria nacional, privando os camponeses de produtos
essenciais(1999:142 e 159).
O setor dos petróleos foi eleito o domínio estratégico para o
desenvolvimento econômico e social do país dadas as características
específicas no conjunto da economia angolana. Uma utilização racional das
reservas desse recurso não renovável foi considerada necessária para
manter a produção por muitos anos e assegurar, pelas exportações, a
obtenção de fundos necessários ao financiamento do desenvolvimento
econômico, com vista à criação de material indispensável a construção de
uma sociedade socialista(Bhagwati in Ferreira;1999:49). O fortalecimento
do setor econômico privado não aconteceu, devido a idéia que cujo
“desenvolvimento e consolidação constitui um perigo eminente para a
Revolução”(Ferreira;1999:40).
Entre as várias crises que marcaram a economia angolana, pode-
se afirmar que a queda dos preços do petróleo e do café(a partir de 1981),
além da queda das receitas do diamante, deixaram a economia mais frágil.
Além disso, a tentativa de golpe de Fito Alves(com o discreto apoio
soviético) em 1977, os crescentes ataques sul africanos em Angola( Maio
de 1978, agosto de 1980 e 1981), haja visto o apoio angolano a SWAPO e
15
também o ANC – African Nations Congress -, contrária ao regime do
apartheid8 da África do Sul, além da presença da UNITA em diversas áreas
do país, afetaram a instabilidade de Angola, inclusive no campo econômico,
já que grande parte da arrecadação do Estado iria diretamente para a área
militar( ver mais sobre as invasões sul africanas no período – operações
Reinder, Protea e Askari in Pereira;1999:168).
16
O BRASIL NA RELAÇÃO SUL-SUL E O PROCESSO DE
INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA.
Governos Jânio Quadros/ João Goulart.
Pode-se afirmar que as primeiras políticas significativas de
aproximação com os países do Sul foram dadas no curto governo de
Jânio Quadros(Janeiro-1961/Setembro1961). O governo anterior, de
Juscelino Kubitscheck, caracterizou-se pelo alinhamento direto aos países
colonialistas e pelo distanciamento do processo de independência que
ocorria em África. Embora tivesse reconhecido um número significativo de
países independentes no continente africano, o governo brasileiro naquele
período votou contra a independência da Argélia, além do forte apoio ao
colonialismo português.
Portanto, nos oito meses na Presidência, Jânio Quadros orientou
uma política externa independente( para demostrar a diferença de política
de alinhamento de governos anteriores), formulada de dentro para fora e
não de fora para dentro, de acordo com interesses nacionais, tomando
iniciativas que marcaram sua curta administração. San Thiago Dantas,
principal formulador da política de Quadros, aponta alguns pontos
importantes dessa política, como a contribuição à preservação da paz,
através da prática da coexistência e do apoio ao desarmamento geral e
progressivo; reafirmação e fortalecimento dos princípios de não –
17
intervenção e autodeterminação dos povos; ampliação do mercado
externo brasileiro e apoio á emancipação dos territórios não autônomos,
seja qual for a forma jurídica utilizada para sua sujeição à
metrópole(1962:07). Cervo e Bueno apontam também como característica
significativa desse período de Política Externa Independente de Tiago
Dantas, a atuação isenta de compromissos ideológicos, não obstante a
afirmação que o Brasil é ocidental e a segmentação do mundo entre Norte
e Sul, e não Leste- Oeste. A posição de independência entre os blocos
desinibia o governo brasileiro na procura do que ele mesmo designava por
normalização das relações diplomáticas e comerciais com todos os
países(1992:280e296). Vieira citando as teses do Embaixador Araújo
Castro, afirma que de certo modo existia um “quase-neutralismo” na
política de Jânio Quadros no privilégio de dar ênfase na denúncia das
disparidades entre o Norte e o Sul ( 2001:95). Além disso, o próprio
Presidente Quadros, conforme mostram Cervo e Bueno, pouco antes da
sua renúncia, redigiu um artigo para o Foreign Affairs sobre o
encaminhamento da sua política externa, coerente com a mensagem que
enviou ao Congresso Nacional em 15 de março de 1961. Entre os pontos
relevantes estavam o apoio decisivo ao anticolonialismo e o
estabelecimento e estreitamento de relações com os Estados africanos.
Com relação a questão anti colonial, cabe mencionar o envio do Ministro
Araújo Castro como observador, à Reunião Preliminar e Conferência de
18
Chefes de Estado e de Governo dos Países Não Alinhados realizada no
Cairo, de 5 a 13 de julho de 1961(1992:281e292).
Ricúpero diz que Quadros desenvolveu uma política externa
intuitiva e inovadora, às vezes desnecessariamente provocadora como no
episódio de Che Guevara( uma condecoração oficial com a Ordem Cruzeiro
do Sul ao então Ministro da Economia de Cuba; para a maioria dos autores
- e aí enquadro Ricúpero - Che seria a legítima expressão do comunismo
mundial ). Não se pode negar, segue Ricúpero, que a política de Quadros,
antecipou muitos temas e posturas que iriam definir o futuro do paradigma
diplomático brasileiro. Além da atitude crítica em relação à política norte-
americana de isolamento de Cuba, a simpatia pela descolonização na
"África portuguesa", a preparação do reatamento com a URSS e a
aproximação com a China e o "namoro" com o Movimento Não-
Alinhado(1993:338). Esse termo "namoro" não representaria a realidade do
governo de Quadros, conforme mostra Saraiva, analisando uma mensagem
de Quadros ao Congresso Nacional onde o Brasil tinha uma posição a favor
da descolonização africana, mas não possuía nenhum tipo de aliança
automática com blocos terceiro mundistas, particularmente o grupo dos Não
Alinhados. Quadros argumentava que a nova política africana no Brasil,
seria uma "modesta recompensa" pelo imenso débito que o Brasil tinha
com o povo africano(1996:63).
19
Oliveira aponta a intenção de Quadros quando esse solicitava
providências ao Itamaraty no sentido de constituir um grupo de trabalho
com o objetivo de preparar a representação diplomática brasileira em novos
Estados africanos e a elaboração de uma política brasileira para aquele
continente, que deveria ser reexaminada em todos os aspectos, sobretudo
no político, no econômico e no cultural(Rodrigues in Oliveira;1990:269).
Esse grupo de trabalho9, transformou-se no Instituto Brasileiro de Estudos
Afro- Asiáticos, onde sua principal ênfase, segue Oliveira, estava no sentido
de que qualquer relacionamento comercial com o continente africano seria
um projeto do futuro, haja visto que naquele momento praticamente não
havia comércio com África. Para ele, a crítica mais importante desse
período é de José Honório Rodrigues, pois segundo esse autor, houve na
realidade apenas um impulso inicial, um apaixonado interesse pela África,
mas política africana propriamente nunca chegou a ser formulada.
Outro ponto importante que Oliveira aborda sobre o período é que a
tentativa de relacionamento comercial com África naquele momento podia
ser considerado como resultado de uma tomada de consciência inicial das
desigualdades no plano internacional e da necessidade e a conveniência de
um relacionamento entre países em desenvolvimento que não fosse
intermediado pelas grandes potências do Norte industrializado(1990:275-
278). Dentro desse aspecto econômico de aproximação com o continente
africano no governo Quadros, pode-se destacar que a exposição flutuante
20
do navio escola “Custódio de Melo”, que durante vários meses no ano de
1961 navegou por portos africanos da costa atlântica, inclusive por Luanda.
O objeto desse navio era apresentar produtos brasileiros que pudessem ser
exportados para os países africanos. O navio levava desde diplomatas,
passando por jornalistas, além de representantes da Confederação
Nacional da Indústria e do Instituto Nacional do Café. Dombe afirma que a
viagem do Custódio de Melo foi considerada um sucesso econômico e
político, pois despertou curiosidade e interesse nos interlocutores africanos.
Nos anos seguintes, várias missões especiais africanas visitaram o Brasil
para estabelecerem entendimentos sobre os produtos a serem
intercambiados(1996:16)
No curto período do governo de Quadros, os conflitos em Angola se
intensificaram, principalmente após o nascimento dos movimentos de
libertação como o MPLA(1956) e do FNLA(1962). Saraiva acompanha a
trajetória da política independente para a Angola do governo de Quadros e
sua continuidade com João Goulart(Setembro-1961/Março-1964). Durante
o período dos dois governos o Brasil teve uma política confusa no que diz
respeito ao caso angolano. Após a intensificação dos conflitos em Angola
no período de 1961-1964, as pressões internacionais sobre Portugal
vieram à tona. Durante as votações nas Nações Unidas no que diz
respeito a independência angolana, o Brasil ora tinha uma postura de
abstenção nas votações, ora tinha uma postura de votação a favor da
21
causa angolana - como exemplos em Junho de 1963, quando o governo
brasileiro condena o colonialismo português, aprovando a Resolução 180
do Conselho de Segurança da ONU, e retrocedendo, quando absteve-se
durante a votação da Resolução 1913 da XVIII Assembléia da ONU, que
solicitava reformas urgentes para os territórios sob a administração de
Portugal(Cunha;1991:82).
Saraiva aponta quatro razões para esses "ziguezagues" da política
externa independente. O primeiro fator representa a própria instabilidade do
governo Goulart, com pressões de setores mais pró – ocidentais do
governo de um lado, e de grupos que queriam uma perspectiva mais
independente da política exterior do Brasil. Um segundo fator, foi o papel da
diplomacia portuguesa nesse período, ela desenvolveu um papel muito
significativo, procurando entrelaçar o acordo que Brasil fez com Portugal no
Tratado de Amizade e Consulta de 1953. Outro fator foi a tentativa
americana de envolver o Brasil no caso angolano, mas os acordos
econômicos entre os países não estavam numa boa fase, o que fez com a
instabilidade dessa relação estivesse no âmago da política brasileira. E
finalmente o quarto fator, refere-se as duas políticas africanas que o Brasil
possuía. Uma política geral, especialmente para a África negra Atlântica,
sustentada pela abertura comercial e na solidariedade política à
descolonização. E a outra, mais específica, de admissibilidade da
22
continuação do colonialismo para o caso das colônias portuguesas na
África(1996:85-86).
O Tratado de Paz e Consulta foi uma vitória portuguesa, segundo
José Honório Rodrigues, já que deu ao conceito de “comunidade” um ar
caricatural, pois a comunidade é a livre associação de Estados
independentes e não só com herança comum, ou similaridade jurídica, mas
com cooperação técnica e, especialmente fundamento econômico. O
tratado arrastava o Brasil para a órbita portuguesa, visando a dispor o apoio
do Brasil nas dificuldades internacionais de Portugal. Por ele nos obrigamos
a consultar Portugal - com suas dependências coloniais sobre matéria
internacional, tirando-nos, dessa forma, ou pelo menos dificultando, todo
nosso jogo diplomático(1961:314). Ou seja, apesar da ênfase que a P.E.I
emprestava à linha do anti colonialismo, a tradicional amizade com Portugal
inibia a chancelaria brasileira na tomada de posição mais contundente na
questão angolana(Cervo e Bueno;1992:310).
O que ficou marcado no inovador, mas não concluído período
Quadros/Goulart na Política Externa Independente foi a contradição no
posicionamento do governo brasileiro com relação à independência dos
países africanos. O Brasil apoiava o processo de independência desses
países, mas no caso dos países africanos que eram administrados por
Portugal, a política brasileira era de permanência ao colonialismo.
23
San Tiago Dantas sobre o ponto referente a emancipação dos
territórios não autônomos, explica que a posição anticolonialista sempre
esteve implícita na conduta internacional por motivos éticos e econômicos.
Os primeiros resultam da autenticidade de nossa política de emancipação
e auto determinação dos povos; os segundos da necessidade de que os
países competidores do nosso em produtos tropicais produzam em regime
de trabalho verdadeiramente livre e com os mesmos propósitos de
assegurar às suas populações níveis elevados de bem-estar(1962:12). Ou
seja, um discurso tradicional na política externa brasileira. Oliveira afirma
que com o desenvolvimento econômico do governo anterior (Juscelino
Kubitchek), o Brasil já procurava diversificar seus parceiros econômicos,
porém não se pode afirmar que o continente africano teve uma
participação efetiva na economia brasileira – Cervo e Bueno apontam a
ampliação do mercado externo para os produtos brasileiros como uma das
preocupações básicas da P.E.I(1992:295). Existia até uma significativa
disputa pelo mercado do café, o que dificultava as tentativas de
cooperação do Brasil com África(1990:272-273). Adriano Moreira
considerava que o governo brasileiro queria desempenhar um papel
intermediário entre o Terceiro Mundo e as democracias
estabilizadas(Moreira in Oliveira, 1990:271). Voltando a San Tiago Dantas,
no que diz respeito a postura no caso das colônias portuguesas, ele
afirma que “na linha anticolonialista do Brasil houve pequenos desvios de
24
atitude apenas pelo desejo de dar as nações tradicionalmente amigas do
nosso país ( vide : Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal
em 1953, grifo meu) oportunidades para que definissem, por movimento
próprio, uma posição evolutiva em relação a territórios não autônomos
confiados a sua administração (...) No caso de Angola, jamais o Brasil
esqueceu os laços de solidariedade histórica que o unem a Portugal. Pelo
contrário, o que tememos, ainda hoje(1962 – ano da publicação), é que
uma posição política demasiado rígida comprometa o papel que a cultura
portuguesa pode representar na África a longo prazo, e tornar difícil, se
não impossível, a transformação dos vínculos atuais em outros, de
caráter comunitário, cuja preservação seria útil a todos os povos de língua
portuguesa e manteria Angola e Moçambique no quadro cultural político
do Ocidente”(1962:12-13).
Com relação a política de apartheid da África do Sul, o governo
brasileiro negava as sanções aquele país, mas não concordava com essa
política de segregação racial. Oliveira afirma que havia rumores que
Portugal poderia sofrer sanções por sua política em África, por isso o Brasil
não apoiava qualquer tipo de sanção contra a África do Sul(1990:271). Do
ponto de vista estratégico- militar, o Brasil soube resistir às pressões no
sentido da criação de um Pacto do Atlântico Sul(Alberto Costa e Silva in
Mourão:1992;137) (sobre esse assunto, falaremos mais adiante).
25
Fim da Política Externa independente, início do governo militar no Brasil.
Governo Marechal Castelo Branco
Com a tomada do poder pelos militares(“golpe militar”, na visão dos
derrotados e “revolução” na visão dos vencedores) em 1º de abril de
1964(para os derrotados) ou 31 de março(para os vencedores), o país
assistiu a uma reviravolta nos conceitos que vinham do governo, antes
civil, agora militar. Na questão da política externa, o que se viu foi o forte
alinhamento diplomático com os EUA marcando assim a volta do
paradigma Rio Branco10(Nkosi;643:2000) no início do governo militar
brasileiro. Tal paradigma não é compartilhado autores, pois o termo é
recente e não condiz com a realidade. Esse alinhamento passava também
por uma intensa relação econômica entre os países nesse período, além
de grandes declarações de "fidelidade irrestrita" ao bloco ocidental, de
reconhecimento da insubstituível hegemonia norte americana e de
condenação a todo e qualquer tipo de abordagem soviética aos países do
continente americano(Gonçalves e Miyamoto;1993:216)
Essa política mostrava uma clara abordagem ideológica. A política
brasileira abandonou a perspectiva multipolar de Quadros e Goulart em
favor de uma visão bipolar do sistema internacional, dando ênfase à
interdependência(Oliveira e Mourão;1991:16-17) O Brasil temia uma
ameaça comunista, e se propunha a lutar diante dessa força, já que o
26
governo brasileiro tinha feito a opção de ficar ao lado dos países
ocidentais.
Dentro dessa linha política, o primeiro governo militar brasileiro de
Castelo Branco (abril/1964-março/1967) é marcado pela total ruptura
diplomática com Cuba, em 13 de maio de 1963, que segundo o governo
brasileiro vinha tentando desenvolver o comunismo na América Latina.
Este foi Um duro golpe aos defensores da política externa independente
do governo anterior. Com relação aos países vizinhos da América do Sul,
o governo buscou valorizar as potencialidades da ALALC (Gonçalves e
Miyamoto;1993:218).
Dentro desse contexto, o governo Castelo Branco, que situava sua
política bipolar no conflito Leste - Oeste, considerava e posicionava o
capitalismo associado à ciência, ao desenvolvimento e ao cristianismo, em
contrapartida o comunismo estava associado ao atraso, ao totalitarismo e
ao ateísmo.
Diante dessa conjuntura, "o lugar da África para os novos
governantes passou a ser o do objeto que assistia passivamente à
substituição da sujeição colonial, por outra ainda pior : a do
comunismo"(Saraiva;1996:97). Se nos governos Quadros/Goulart ainda
havia uma retórica terceiromundista, agora desaparece quase por
completo. Cunha dá como exemplo a participação brasileira na invasão da
27
República Dominicana em 1965 que caracterizou a posição o
distanciamento das teses terceiromundistas(1991:83).
Na visão do governo militar brasileiro, o único país do continente
africano estável e extremamente ligado ao bloco ocidental, sem a
possibilidade de aderir ao comunismo, seria a África do Sul. Mesmo
assim, conforme mostram Oliveira e Mourão, apesar das boas
relações(econômicas inclusive) entre o Brasil e a África do Sul, o Brasil
vota a favor da Resolução 2202 A (XIX Assembléia Geral da ONU), que
previa o desencorajamento do estabelecimento de relações econômicas
com aquele país(1991:19). No caso de Portugal, o governo brasileiro,
voltou a reatar, agora diretamente, as condições privilegiadas de diálogos,
no sentindo de continuar o colonialismo português em África, assim
sendo, tais colônias ficariam livre da ameaça comunista.
Nesse período, a inserção do pensamento geopolítico do Atlântico
Sul começa a ganhar força entre os militares brasileiros que temiam a
influência soviética nessa área, considerada peça importante de influência
nos jovens países africanos ligados ao Atlântico. E nesse caso, o
colonialismo português manteria as bases de Cabo Verde, Guiné Bissau,
São Tomé e Príncipe e Angola livre dessa influência comunista.
Para Saraiva, Portugal Salazarista era considerado instrumento
seguro para a constituição das vantagens econômicas para o Brasil, que
as regras do jogo colonial ainda permitiam, na eventualidade da formação
28
de uma comunidade afro –luso- brasileira(1996:116-123). Castelo Branco
chega a defender a idéia de uma constituição dessa comunidade,
conforme Oliveira e Mourão apontam: "talvez a solução residisse na
formação gradual de uma comunidade Afro -Luso -Brasileira, em que a
presença brasileira fortificasse economicamente o sistema(...) Qualquer
política realista de descolonização não pode desconhecer nem o problema
específico de Portugal, nem os perigos de um desengajamento prematuro
com o Ocidente"(Castelo Branco in Oliveira e Mourão;1991:18). Nesse
sentido, durante o mandato do Marechal Castelo Branco foram feitas duas
missões de promoção comercial com África entre 1965 e 1966.
Voltando à comunidade afro- luso- brasileira, essa proposta dada
pelo próprio Castelo Branco, permitiria realizar alguns objetivos, entre os
quais, o acesso a mercados garantidos na África em condições
privilegiadas, investimentos e fornecimento de materiais energéticos e
combustíveis, obtenção de pontos de acesso aos mercados do sul da
África e realização de objetivos de segurança nacional(Alencastre in
Dombe;1996:20).
Governo General Arthur da Costa e Silva
No governo seguinte de Costa e Silva (março/1967-agosto/1969), a
política externa brasileira começa a dar sinais de mudança na sua
conduta. A política da "diplomacia da prosperidade", insere o Brasil no
29
contexto internacional processando a assimilar as teses da UNCTAD(
United Nations Conference on Trade and Development), como por
exemplo a configuração de uma problemática mais ou menos própria dos
países em via de desenvolvimento em função de garantir preços para os
principais produtos desses países, a necessidade de importação de
tecnologia, de capitais, tentando modificar a política global de assuntos de
ordem econômica e financeira (ver mais no ponto referente a cooperação
Sul-Sul). Gonçalves e Miyamoto afirmam que tal política diplomática
pautou-se por uma linha de conduta, cuja essência era constituída pela
busca de afirmação da soberania e pela promoção do
desenvolvimento(1993:222). Um ponto marcante dessa política foi a
recusa de assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, onde o Brasil
poderia ficar de fora do contexto da tecnologia nuclear. Tal fato
desagradou muitos países do Norte, em especial aos Estados Unidos.
O Embaixador Carlos Augusto Proença Rosa em Conferência
pronunciada na Escola Superior de Guerra em 1981, afirmou que o
grande desafio no governo Costa e Silva era criar normas para o
relacionamento econômico entre as nações. Essa é a grande tese da
década de 60, segundo o Embaixador, em que se procurava provar que
havia uma relação de trocas desfavorável às ex-colônias, ou seja, aos
países em desenvolvimento e que esse estado de coisas precisava ser
alterado. É o momento que muitos chamam de "época heróica ou
30
normativa" porque se procura através de inúmeras conferências
estabelecer normas, e todo esse movimento que surgiu na década de 60
foi criando um espírito de solidariedade entre os países(1991:04-05).
Nesse sentido, começa-se o esfriamento da ênfase no conflito Leste-
Oeste, começando-se assim a um olhar voltado para o desequilíbrio do
Norte desenvolvido, e o Sul subdesenvolvido. Assim pensam também
Oliveira e Mourão, segundo eles, no Governo Costa e Silva a perspectiva
do bipolarismo, graças à evolução do sistema internacional, é muito
atenuada e o tema do desenvolvimento, junto ao da segurança, passa a
ser importante, e nesse sentido as relações Sul -Sul passam igualmente a
fazer parte dos projetos (1991:20).
Com relação à Portugal, a postura do governo brasileiro foi de
"esfriamento". O primeiro ministro de Portugal, Marcelo Caetano visita o
Brasil(julho de 1969) e propõe a antiga idéia de um Pacto de Defesa do
Atlântico Sul.
O Brasil continuou a respaldar as posições portuguesas nos fóruns
multilaterais. A diplomacia brasileira caminhou na direção de uma defesa
não violenta dos conflitos em territórios coloniais portugueses em África,
que se expressou na idéia da realização de um plebiscito como a melhor
forma para que os habitantes pudessem definir seu
futuro(Decuadra;1991:71). Penso que seria uma alternativa interessante,
31
porém essa idéia democrática seria incoerente vindo de um país como o
Brasil, que no momento passava por um governo militar ditatorial.
Com relação ao continente africano e o crescimento da economia
brasileira(início do milagre econômico), começam algumas missões
visando cooperação entre os países, já que as relações comerciais do
Brasil com o continente africano eram até então praticamente
insignificantes. Costa e Silva manteve o relacionamento diplomático com
as jovens nações africanas, mesmo com desconfianças, dando maior
ênfase à África Austral.
Em 8 de dezembro de 1969 foi criado, numa reforma dos órgãos de
administração do Itamaraty, o Secretariado Geral Adjunto para Assuntos da
África e Oriente Próximo, com divisão de África e Oriente Próximo,
desdobrada da antiga Secretaria Geral Adjunta para Assuntos da Europa
Ocidental e da África(Castro in Oliveira e Mourão;1991:22). Os principais
interesses do Brasil no restabelecimento das relações com África dentro de
outros pontos menos importantes eram : aumento nas relações, envolvendo
preferencialmente troca de produtos manufaturados por matérias primas, a
serem utilizadas nas novas indústrias do Brasil ou a expansão geral de
todos os tipos de vendas para novos mercados; encorajamento da
solidariedade entre os países em desenvolvimento para negociar com
países desenvolvidos para reversão dos termos desfavoráveis do comércio
internacional; preservação da língua portuguesa na África como símbolo da
32
herança portuguesa e vínculo de ligação cultural com territórios
portugueses, que eventualmente, conquistariam sua independência;
crescimento da idéia nacional de líder entre os países em desenvolvimento,
um Estado emergente médio, mostrando a imagem projetada de uma
sociedade pacífica, multirracial e de industrialização tropical; trocas de
conhecimentos técnicos no campo nuclear, agricultura e medicina tropical,
arquitetura, aviação civil e construção de estadas(Selcher in
Dombe;1996:26).
Governo General Emílio Garrastazu Médici
No governo que se segue, Médici (outubro-1969/março-1974), o
Brasil experimenta um grande crescimento na economia, com um
aumento extraordinário do Produto Interno Bruto, atingindo 10% a.a. no
triênio 1968-70, com a diversificação da economia e com o fortalecimento
do setor industrial, principalmente o setor de bens de consumo. Surge a
idéia do Brasil se tornar uma "grande potência".
Nesse contexto, Médici procurou fazer uma política internacional do
Brasil, enfrentando os desafios do projeto de desenvolvimento nacional.
Para Gonçalves e Miyamoto, se no governo Costa e Silva, com a
"diplomacia da prosperidade", divisava a luta conjunta dos países
subdesenvolvidos como o meio mais eficaz de resistir e superar obstáculos
33
de que lhes opunham os países desenvolvidos do Norte, a política de
interesse nacional de Médici passou a priorizar as relações bilaterais como
as mais convenientes para se alcançar o mesmo fim (1993:225). Sílvio
Cunha mostra que os mercados das economias centrais já demonstravam
sinais de retração naquele momento, apesar das taxas de crescimento
manterem-se relativamente altas. Então, diante dessa nova conjuntura,
dentro do contexto de uma economia do porte que se tornou a economia
brasileira, não se podia depender para a realização dos seus produtos de
um único mercado. É vital para seu crescimento o acesso a novas fontes de
matérias primas, a tecnologia e a busca de novos parceiros. Nessa linha é
que deve ser entendida a reaproximação com África. O autor faz críticas
negativas aqueles que associam a aproximação brasileira com a África
simplesmente devido ao primeiro choque do petróleo em 1973(1991:85-86).
Entre os pontos que o Ministro Gibson Barbosa resumia a política
de Médici estavam: a mudança de regras de convivência internacional e
contra a cristalização de posições de poder; o aumento dos interesses
externos a medida em que o Brasil crescia; a ativa solidariedade e
cooperação com os países em desenvolvimento, sendo função da
diplomacia nacional estreitar o entendimento com os povos que travam a
luta rumo ao progresso e essa política externa deveria ser globalista, com
intenso diálogo com os países do Norte(Oliveira e Mourão;1991:25-27).
34
No âmbito dos países vizinhos, militares brasileiros foram acusados
de participarem da derrubada do governo de Allende no Chile em 1973.
Numa demonstração que a "ameaça vermelha" do comunismo tinha que
ser combatida, principalmente no âmbito dos países vizinhos, diziam os
autores da teoria do dominó.
Com relação a África, o continente continuava a ser visto como uma
importante ligação estratégica, associada à questão do Atlântico Sul. Os
bons relacionamentos com Portugal e África do Sul permaneceram
durante o governo Médici. Oliveira e Mourão afirmam que as relações
privilegiadas com Portugal foram mantidas, assim como os fluxos
comerciais em relação à África do Sul, embora o Brasil tenha continuado a
posicionar-se contra o apartheid – aliás, essa sempre foi a postura da
diplomacia brasileira sobre a questão. Para o chanceler Gibson Barbosa,
seguem os autores, a suspensão do comércio com a África do Sul iria
contribuir para o agravamento e endurecimento do regime sul
africano(1991:22).
Martins no mesmo trabalho de Oliveira e Mourão aponta que houve
alguns obstáculos internos que dificultaram a aproximação com África.
Segundo o autor, o Ministério da Fazenda inclinava seus interesses pela
África portuguesa, enquanto o Itamaraty, cujas as teses acabaram a
prevalecer pelos países independentes da região(Martins in Oliveira e
Mourão;1991:23). Esse apoio do Ministério da fazenda estava associado
35
principalmente alguns fatos, entre os quais os acordos assinados pelo
Ministro Gibson Barbosa com Portugal para investimentos nas colônias
portuguesas em África. Outro ponto importante, foi a assinatura em
setembro de 1971 de uma convenção alargando os direitos civis e
políticos, em termos de igualdade, dos cidadãos brasileiros e portugueses.
Ainda em 1972, na XXVII Sessão de Assembléia Geral das Nações
Unidas, o Brasil apoia Portugal votando contra a resolução que declarava
os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné - Bissau
como representantes desses países. Na XXXVIII Assembléia Geral, o
Brasil adota a mesma postura no que diz respeito a independência de
Guiné Bissau e sua entrada na Organização.
No aspecto comercial, inúmeras visitas de autoridades brasileiras
são feitas em territórios africanos, acordos bilaterais são assinados e
nessas visitas estadistas africanos pressionam para o Brasil abandonar a
sua tradicional posição de privilegiar as relações com Portugal no caso
das colônias daquele país na região(Oliveira e Mourão;1991:24-29 e
Cunha;1991:86). Entre as visitas importantes, a viagem do chanceler
Gibson Barbosa a nove Estados africanos( Camarões, Costa do Marfim,
Daomé – hoje Benin, Gabão, Gana, Nigéria, Senegal, Togo e Congo
Democrático) foi extremamente significativa. A escolha desses países
demonstrou a clara intenção de privilegiar os países ribeirinhos do
Atlântico Sul. Anglarill e Kerz dizem que o oceano é valorizado
36
geopoliticamente como zona de contato entre as comunidades distintas,
deixando de ser considerado como limite intransponível, para converter-se
em vínculo de vizinhança política. Além dos laços políticos conquistados
com a visita, depois da viagem, o Brasil decidiu participar da criação do
Fundo Africano para o Desenvolvimento- FAD ( 1982:233).
Apesar de intensificar os diálogos com os países africanos
ribeirinhos, o Brasil continuava a se situar a favor de Portugal com relação
as colônias em África, o que gerava um certo mal estar na própria
diplomacia nessas visitas oficiais; além disso, o Brasil, apesar de
condenar a política sul africana de segregação racial, também possuía
uma significativa relação econômica e política com aquele país, o que
gerava um descontentamento daqueles países africanos.
O governo Geisel e a política externa pragmática, responsável e
ecumênica.
Em 15 de março de 1974, assume a Presidência da República, o
General Ernesto Geisel( permanecendo até março de 1979), no meio de
grandes dificuldades econômicas e políticas que anunciaram o fim do
período do "milagre brasileiro" e que ameaçaram o regime militar. Dentro
do contexto econômico, o governo brasileiro sofreu com a crise do
petróleo de 1973, sentida na economia brasileira no ano seguinte, onde o
preço do barril quadriplicou, afetando assim o país, extremamente
37
dependente do produto. Com o objetivo de ampliar as fontes alternativas
de energia para fazer frente a crise do petróleo, os investimentos se
estenderam para o setor energético, iniciaram-se programas como o
Proálcool, Procarvão e o Programa Nuclear Brasileiro, que visavam
diminuir a dependência do petróleo na economia nacional.
Dentro do contexto internacional, o choque do petróleo e a crise do
sistema internacional financeiro, que passava por um período de grande
recessão, fizeram com que o governo brasileiro optasse pela ampliação
do mercado, com a continuação da política de substituição de importações
que perdurou até o final do governo Geisel, sendo o Brasil o primeiro país
a começar esse modelo na América Latina e o último a terminar.
No política externa, essa visão fica mais clara, quando o próprio
presidente chama sua linha de política exterior como pragmática,
responsável e ecumênica. Pelo conceito de "pragmática" entendia-se uma
política descomprometida com quaisquer princípios ideológicos que
pudessem dificultar o atendimento dos interesses nacionais. Por
"ecumênica", pretendia-se uma política externa de caráter universalista
que levaria em conta todas as possibilidades de relações internacionais do
país. Nessa linha, a opção por incentivar um maior diálogo Sul- Sul fica
bastante presente. E finalmente "responsável" constituía uma palavra-
chave e era particularmente dirigido às bases de sustentação do regime
( Pinheiro;1993:249-250). Para Gonçalves e Miyamoto, o efeito dessas
38
mudanças internacionais forçou o governo brasileiro a uma profunda
revisão de sua estratégia político - diplomática. Necessitava, portanto,
substituir o individualismo típico do período Médici por uma aproximação
com o Terceiro Mundo. Uma política que poderia proporcionar o Brasil
uma exploração mais ampla das possibilidades oferecidas pelo mercado
mundial, e simultaneamente, engrossar o coro ( grupo dos 77) que exigia
a estruturação de uma nova ordem econômica internacional, de modo
mais justo e equitativa na distribuição e usufruto da riqueza
mundial(1993:230). O próprio presidente Ernesto Geisel em mensagem ao
Congresso nacional em 1976, ao pronunciar sobre a crise econômica
mundial afirmava que podia-se falar numa interdependência horizontal,
que substituísse o conceito vertical, originário de estruturas coloniais, ou
seja, abordando uma idéia de perspectiva de um diálogo entre os países
do sul(p.152).
Dentro dessa nova perspectiva no cenário nacional e internacional,
o Brasil restabelece as relações diplomáticas com a República Popular da
China em abril de 1974. Pinheiro alerta que essa atitude não se tratava de
um projeto essencialmente terceiro mundista. Pretendia-se igualmente
incrementar as relações Sul -Sul de forma a fortalecer um diálogo Norte-
Sul em bases bilaterais(1993:255).
Outro fato digno de nota com relação a mudança de política externa
brasileira foi o reconhecimento da independência de Guiné- Bissau em 16
39
julho de 1974. Tal fato mereceu atenção pois Portugal ainda não havia
formalizado o reconhecimento de independência, ou seja, a antecipação
brasileira de reconhecimento da independência daquele país, feria o
Tratado de Amizade e Consulta que naquele momento estava em vigor,
causando um certo mal estar nas relações diplomáticas do Brasil com
Portugal. Ainda em julho de 1974, portanto após a Revolução dos Cravos
em Portugal, o chanceler brasileiro, Azeredo da Silveira em mensagem à
Reunião de Chefes de Estado da Organização da Unidade Africana(OUA),
esclarece o posicionamento brasileiro quanto à questão da colônias de
Portugal em África. Segundo o chanceler, “os especiais laços de amizade
que unem o Brasil a Portugal e todas as nações africanas, e, de um modo
especial, o natural interesse do povo brasileiro no destino dos povos
irmãos dos territórios sob administração portuguesa na África, claramente
colocam a obrigação do governo brasileiro em colaborar para encontrar
uma solução que assegure o destino que estes povos têm direito na
comunidade das nações; O Brasil condena todas as formas de políticas
colonialistas ou racistas. Por isso, ele sempre repudiou soluções deste
tipo, altamente condenada nos fóruns internacionais, com o apoio do
Brasil; o governo brasileiro não deseja mediar e da mesma forma não está
se oferecendo para mediar. Está, entretanto, preparado para emprestar
toda colaboração no que lhe possa a ser solicitado pelas partes
40
interessadas, às quais o Brasil se sente unido pela história, raça e
cultura”( Selcher in Dombe;1996:34).
Porém, foi no reconhecimento da independência da República
Popular de Angola em 11 de novembro de 1975, com o governo do MPLA
de cunho ideológico socializante, que surpreendeu o mundo, haja visto a
proximidade cultural entre os países, Angola sendo um país mais atrativo
economicamente que Guiné Bissau e levando-se em conta também o fato
do governo brasileiro ser militar, contrário a ideologia do movimento
angolano. O reconhecimento brasileiro ocorreu em um momento onde a
repressão com a caça aos comunistas e a suspensão das liberdades
democráticas ainda estavam em questão. O Brasil foi o primeiro país a
reconhecer o governo do MPLA proclamada à zero hora do dia 11 de
novembro de 1975 – O Brasil reconheceu oficialmente às 8 da
noite(horário de Brasília) de 10 de novembro de 1975, portanto com o
fuso de quatro horas a mais que Luanda, o país reconheceu no exato
instante da posse do MPLA. Além disso, o Brasil também foi o primeiro
país a ter uma embaixada na capital angolana.
Saraiva coloca três pontos interessantes de análise no que diz
respeito a essa postura diante do reconhecimento de um movimento
marxista em Angola. Segundo o autor, essas posições brasileiras na
década de 1970 mudaram significativamente com relação a períodos
anteriores, porém não foram feitas de forma abrupta. O primeiro ponto que
41
deve-se levar em consideração no caso do reconhecimento do MPLA em
Angola é o fato de que em 24 de novembro de 1973, dezessete países da
África, capitaniados pelos exportadores de petróleo, ameaçaram incluir o
Brasil(juntamente com mais cinco países), com sanções econômicas,
como o embargo do petróleo, por conta das suas posições na África
Austral. Levando-se em conta o momento de crise do petróleo nesse
período, podemos imaginar o quanto esse embargo afetaria a economia
nacional.
O segundo ponto colocado por Saraiva, diz respeito ao receio dos
formuladores de política externa no Brasil, de que os países da África
negra votassem contra o Brasil nas Nações Unidas na questão levantada
pela Argentina com relação ao projeto de construção de Itaipú e Corpus
traria ao Rio Paraná.
Em terceiro lugar, além da diversidade de parceiro que o Brasil
procurava no momento, o autor leva em consideração o péssimo
momento das relações do Brasil com os EUA, propiciando assim a perda
gradativa da importância dos EUA nas relações econômicas e políticas do
Brasil. Principalmente por dois episódios marcantes, o primeiro em março
de 1970, quando o Brasil estendeu seu mar territorial para o limite de
duzentos milhas e expulsou barcos americanos encontrados no litoral
brasileiro sem autorização. Vale lembrar que no contexto de
independência de Angola, os EUA apoiavam o FNLA. Esse episódio dos
42
barcos americanos causou medidas protecionistas contra produtos
brasileiros, Gonçalves e Miyamoto indicam que essa situação de
ampliação do limite do mar territorial foi fruto de políticas que viam o
Atlântico Sul como parte integrante de seu sistema de defesa, ou seja,
havia uma preocupação com a questão do Atlântico Sul nesse
momento(1993:228); já para o governo brasileiro as razões eram
estritamente comerciais. Além disso, o projeto de Acordo Nuclear do Brasil
com a Alemanha Federal, em 25 de junho de 1975, outro fato que
desagradava também aos EUA(1996:165-183).
Outro ponto importante no que diz respeito ao reconhecimento do
governo do MPLA foi o fato de que seus líderes faziam questão de se
expressar em português, o que era importante do ponto de vista da
manutenção da língua portuguesa. Oliveira e Mourão abordam a viagem
do ministro Ovídio de Melo(Representante Especial do Brasil perante o
governo de transição que precedeu à independência de Angola) dentro do
contexto do processo de independência angolana, onde o ministro
manteve contatos com os três movimentos(MPLA, FNLA e UNITA),
segundo Ovídio de Melo, as instruções que o governo brasileiro lhe dera e
que ele colocou para os três movimentos, pressupunha absoluta isenção
de ânimo, absoluta igualdade, isto é, sem favorecimentos para qualquer
movimento, pois o Brasil tão somente queria ter relações com Angola
independente a partir do dia 11 de novembro de 1975, dia que estava
43
previsto a independência do país segundo o Acordo de Alvor.
Continuando o ministro caracterizando os três partidos, abordava que o
MPLA era um movimento amplíssimo, que abrangia correntes ideológicas
do mais variado matiz, os outros eram fundados em tribos, em tradições
africanas11(Oliveira e Mourão;1991:33-35).
Ovídio de Melo escreveu um texto(sem data de publicação)
abordando as questões que envolveram o processo de independência de
Angola. Segundo Ovídio, o chanceler Antônio Azeredo da Silveira
pretendia antecipar o relacionamento político do Brasil com as colônias
portuguesas que se encaminhavam para a independência. Para isso,
ainda durante o período de transição, pensava em abrir em Lourenço
Marques (hoje : Maputo- capital de Moçambique) e Luanda uma espécie
de embrião da Embaixada(Representação Especial) para tratar com os
movimentos que Portugal qualificasse como candidatos ao poder. Como
Moçambique possuía apenas um movimento de libertação
nacional(FRELIMO), o governo brasileiro, através de Ovídio de Melo
tratou de iniciar os diálogos para a Representação Especial com maior
facilidade. Porém, não houve aceitação por parte dos dirigentes da
FRELIMO, conforme afirma o dirigente do movimento Marcelino dos
Santos “ a FRELIMO não poderia aceitar a proposta brasileira,
concedendo ao Brasil um status especial na criação antecipada de
relações diplomáticas com Moçambique, porque as mentes e corações
44
moçambicanos, depois de sofrerem 14 anos de guerra, depois de verem
todo esse tempo o Brasil apoiando Portugal – não estavam acostumadas
a ver o Brasil como um país amigo”(Santos in Melo; p.26). Portanto, o
Brasil deveria esperar que Moçambique se tornar-se independente para
pensar na possibilidade de um diálogo diplomático.
Para Ovídio, a posição de mágoa e pouco coerente de Moçambique
era eminentemente política : a FRELIMO queria ver primeiro como o Brasil
iria se comportar em Angola, pois lá iria abrir uma Representação
Especial(p.30). As relações políticas entre MPLA e FRELIMO eram
extremamente amigáveis desde a CONCP – Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas, fundada em
Casablanca (Marrocos) e, 18 de abril de 1961, onde além desses dois
movimentos, também participava o PAIGC(Guiné Bissau e Cabo Verde),
onde a intenção era o estabelecimento de uma estratégia de luta comum
contra o colonialismo português(Maia;1977:67).
Ovídio aborda que o caso angolano era especial, e ele compara
com a guerra civil libanesa, mais ou menos naquele momento. No Líbano,
o Brasil não tinha política alguma, nada de especial a fazer. Nem as forças
libanesas em combate esperavam algo do Brasil, qualquer definição,
qualquer ajuda. A Embaixada em Beirute poderia parar suas atividades.
Mas no caso de Angola, o Brasil iria para permanecer, em todas as partes
45
do conflito, portugueses e angolanos, esperavam algo do Brasil, seja
apoio moral, econômico, político ou até militar(p.39).
Então, com o fracasso do Acordo de Alvor, e com a situação de
guerra civil instalada no país, o governo brasileiro tratou de dialogar com
os movimentos e aguardar o fim do conflito. Após a vitória, o MPLA
passou a ter preocupações administrativas; enfrentava as tropas do FNLA
no interior, e também mobilizava a população de Luanda a promover a
limpeza da cidade. Inclusive, naquele momento, segundo Ovídio, foi à
Angola uma missão da Organização da Unidade Africana(OUA), para
verificar qual dos partidos angolanos tinha de fato a popularidade e as
condições para governar o país que se tornaria independente(p44).
O Brasil naquele momento continuava com sua política de total
isenção e igualdade entre os três movimentos. Porém, o Governo do
MPLA já se preparava para a festa de independência no dia 11 de
novembro, e o Itamaraty não tinha ainda afirmado se reconheceria ou não
a independência de Angola com o MPLA no poder. Para Ovídio, era
essencial reconhecer. Se desde março de 1975, o Brasil esteve presente
em Angola; se o Brasil antecipou as relações com os três movimentos
angolanos quando foi criada a Representação Especial; se durante todo
aquele momento o Brasil havia declarado isenção e prometido ter boas
relações com qualquer partido que no fim predominasse – como poderia
naquele momento recuar, num momento que o MPLA já era o vencedor e
46
se via ameaçado apenas por invasão estrangeira – a África do Sul, e
justamente o país do apartheid que revoltava a África inteira. Então a
saída ou era reconhecer ou sair imediatamente de Luanda. E ao sair de
Luanda, para Ovídio, o MPLA não perdoaria o Brasil as falhadas
promessas de isenção e durante muito tempo, o Itamaraty poderia
esquecer as relações com Angola, com Moçambique, e provavelmente
com toda África Negra. Seria um fiasco de proporções continentais(p49-
51).
Nesse contexto, o Brasil reconheceu o Governo de Luanda por
declaração dada à imprensa de Brasília, às oito horas do dia 10 de
novembro, dado que, pela diferença de fusos horários(Angola mais quatro
horas), naquele mesmo momento seria meia noite, exatamente quando o
MPLA estaria assumindo o poder, e os representantes coloniais partindo
para sempre(p.51). Ovídio diz que o reconhecimento pelo Brasil, em meio
a trinta e poucos reconhecimentos outros, de países socialistas e de
Terceiro Mundo, causaria verdadeiro estupor aos setores mais
conservadores do Brasil(p.55). Naquele momento foi dado um dos
episódios mais marcantes na política externa brasileira em todos os
tempos.
Sílvio Cunha em sua dissertação de mestrado, distingue o "ato de
reconhecimento" e a "velocidade do ato" dentro da estratégia brasileira de
ocupação de espaços na economia mundial. Segundo o autor, o Brasil
47
tinha a estratégia de se colocar como país - ponte entre os interesses do
primeiro mundo e terceiro mundo, ao mesmo tempo visando garantir
algum poder de barganha junto às nações desenvolvidas. É nesse
sentido, continua Cunha, é que a velocidade do ato assume seu caráter
estratégico. A habilidade e a rapidez com que o Brasil reconheceu o
governo do MPLA deu-lhe o suporte necessário para atuar como país -
ponte, na medida que apagou o seu passado de apoio ao colonialismo
português e, ao mesmo tempo deu prova de relativa autonomia frente aos
países do Norte(1991:147). Dentro dessa mesma linha de raciocínio,
Decuadra aponta a posição da Argentina diante do reconhecimento
brasileiro ao governo do MPLA em Angola. Para ele, essa política
brasileira guardaria desígnios imperialistas, e seria levada a efeito com
uma dose de “oportunismo”(no caso angolano), cujo objetivo era se
aproveitar do “vazio” produzido pela retirada de Portugal daquele
continente(1991:21). Portanto, existia uma sensação do nosso maior
vizinho, que o Brasil se aproveitava da questão angolana para se projetar
no campo da diplomacia internacional como uma voz presente e
significante no âmbito dos países subdesenvolvidos.
Em entrevista a Maria Celina D'Araújo e Celso Castro, o general
Geisel ao ser perguntado sobre a mudança da política de colonização
portuguesa, afirmou "embora eu procurasse ter boas relações com
Portugal, dentro de um certo limite, por causa da Revolução portuguesa
48
dos Cravos - no caso da África achávamos que o colonialismo português
estava acabado, ultrapassado"12(1994:343-344). Para Ricúpero, a política
externa independente de Quadros, foi retomada com Geisel e Figueiredo
com o pragmatismo responsável. Porém, o emblema dessa política, ao
invés de ser Cuba, no caso de Quadros, passa a ser o abandono do
colonialismo português e o reconhecimento do MPLA em
Angola(1993:343). Embora o autor não cite esse fato, acredito que os
formuladores do pragmatismo responsável de Geisel, como Ítalo Zappa,
Saraiva Guerreiro, entre outros, já eram jovens diplomatas no período
Quadros/Goulart na Política Externa Independente, ou seja, no governo
Geisel, eles já tinham atingido maior maturidade no campo da política
externa.
Portanto, o Brasil passou a demostrar que tinha política própria com
o reconhecimento do MPLA. Segundo o relatório do Ministério das
Relações Exteriores de 1975, "ao reconhecer em 11 de novembro de 1975
- e portanto na data de sua independência - o Governo instalado em
Luanda, o Brasil o fazia de conformidade com os princípios de sua política
de não- intervenção e de respeito a auto determinação"(1975:112).
Durante o período em que permaneceu o Acordo de Alvor(que sucedeu a
Cimeira de Mombaça), o Brasil sentou à mesa com os três movimentos
para decidir o futuro democrático de Angola, que acabou não
acontecendo, haja visto o fracasso do acordo e a guerra civil instalada no
49
país. Acredito que essa política de não intervenção colocada pelo
governo brasileiro, acabou jogando numa "intervenção indireta", já que
colocou o mundo numa situação de surpresa, pois um país ligado à
Angola por raízes históricas reconheceu o governo do MPLA em
condições ideológicas contrárias as suas, portanto dando credibilidade e
“respaldo internacional” a esse movimento em Angola. Vale lembrar que
recentes descobertas apontam para um apoio secreto no SNI, onde
mandavam armas para o MPLA para combater contra a UNITA13.
Ainda levando em consideração ao relatório do M.R.E brasileiro em
1975, ao comentar sobre a África de expressão portuguesa, que afirma: "É
determinação do governo brasileiro explorar amplamente as avenidas que
abrem para a cooperação com esses países em vários níveis. Essa
cooperação estará fundamentada nos princípios de vantagem recíproca, do
respeito mútuo e da não- ingerência nos negócios internos dos outros
países"(p.16-17); O presidente Geisel em mensagem ao Congresso
Nacional dois anos após afirma que "a América Latina e a África
continuarão a receber atenção prioritária da diplomacia brasileira(...) no
caso da África a cooperação será aprofundada e compreenderá não
apenas os campos econômico e técnico, mas também o apoio político à
causa da eliminação da discriminação racial"(p.210). Portanto, ao
estabelecer um vínculo de reconhecimento desses países, a cooperação
passa a ser vista como um caminho desejável do governo brasileiro.
50
Continua Geisel " ... as relações com os países de expressão portuguesa,
especialmente ligados ao Brasil, têm recebido conteúdo prático e
importantes operações comerciais foram efetivadas, sobretudo com Angola
e Moçambique(...) Os primeiros embaixadores do Brasil em Luanda e
Maputo apresentaram credenciais, respectivamente, em maio e julho(1976).
Essa mudança do aspecto político com a África de expressão
portuguesa, significou uma mudança de visão brasileira dentro do próprio
continente africano. O "perigo comunista" perdeu a força. Isso deveu-se
muito a mudança do pensamento da relação mundial bipolar para uma
relação multipolar. Porém, as bases principais para o argumento de
aproximação à África era o próprio desenvolvimento capitalista que se
desenhara no Brasil, associado a vulnerabilidade energética vivida pelo
país. Alguns autores como Lafer, apontam o Brasil num contexto de uma
“potência intermediária”, tendo, portanto, condições de utilizar vários "graus
de liberdade suplementar" no contexto internacional, assim afirmam Oliveira
e Mourão, que também abordam a teoria do pentagrama de Kissinger, onde
essa pode ser lida no sentido de que num mundo mais multipolar, podem
surgir novas oportunidads para as chamadas potências intermediárias,
desejosas de ter um papel mais ativo no contexto das relações
internacionais(1991:39)(ver mais da Teoria do Pentagrama em,
Sardenberg, Ronado Mota. Curso de Relações Internacionais – Unid.IV,
Estudos de Relações Internacionais, Brasília, Ed.UnB, 1982, pp.44-49).
51
Creio que a posição brasileira na situação do processo de independência
de Angola pode refletir um pouco essa idéia.
Mas não só no campo político as relações entre o Brasil e os países
do Sul ganharam novos aspectos. Na economia também, pois a
diversificação de parceiros e a vontade de aumentar sua cooperação com
os países em desenvolvimento, fizeram com que essas relações se
traduzissem em números. As exportações brasileiras para o Terceiro
Mundo cresceram cerca de 12% em 1967, para cerca de 25% no final da
década de 1970 e início da década de 1980. E também as relações
comerciais entre os países em desenvolvimento avançaram muito naquele
momento, como mostra o anexo 2, sobre o crescimento do comércio entre
esses países. Em 1981, o Brasil chegou a vender 51,7% dos seus produtos
manufaturados para os países do Terceiro Mundo, apesar do "duro golpe"
que foi o acordo de Lomé em fevereiro de 1975, onde os países
africanos( com exceção de Angola, Argélia, Egito, Líbia, Sudão e Tunísia)
firmaram compromissos de comércio preferenciais com a Europa, numa
espécie de relações verticais. Mesmo assim, a participação africana nas
exportações brasileiras subiu de 2,3%(1972) para 4,7(1977), enquanto as
importações oriundas do continente africano passaram de 3,6(1972) para
4,6%(1977). Com relação à estrutura das exportações para África,
percebeu-se um recuo de produtos primários e um forte aumento de
manufaturados, com relação a importação brasileira, essa basicamente se
52
constituem de produtos primários, principalmente o petróleo. Para Saraiva,
a conseqüência mais significativa desse acordo em Lomé foi a dificuldade
de escoar as exportações brasileiras por rotas de transporte que não
tinham sido montadas para atender as trocas Sul-Sul. Os fretes, portanto,
eram mais caros e difíceis ( Saraiva, 1996 e D'Almeida;1996:22).
No caso das trocas comerciais com Angola(ver mais no ponto
adiante), o início do desenvolvimento das relações econômicas entre os
países foi bastante tímido, sendo basicamente unilateral a favor do Brasil.
Algumas empresas privadas nacionais como a Pão de Açúcar passam a
atuar em território angolano, assim como a Volkswagem do Brasil. Para
Cunha, a análise da estrutura da balança comercial Brasil - Angola revela
a existência de semelhanças com a estrutura das relações tradicionais
entre Centro e Periferia. De um lado o Brasil, exportando quase na
totalidade produtos industrializados, e recebendo em contrapartida
petróleo e hidro carbonetos(1991:163).
Do lado angolano, a crise da economia após a saída abrupta dos
colonos portugueses no início do governo do MPLA e a tentativa de golpe
de Nito Alves em 1977 são fatores políticos importantes para levar em
consideração essa questão econômica. A guerra naquele país, que sofreu
duramente com a força estrangeira(África do Sul) em seu território devido
ao contexto de guerra fria, somente não se intensificou com a
independência devido ao recuo dos Estados Unidos em Angola
53
consequência do fracasso no Vietnã, além do expansionismo soviético na
região(Kissinger,1994:924).
O governo Geisel se utilizou de muitos instrumentos para ampliar
sua penetração no continente africano. Cunha aponta para a investida na
abertura de embaixadas, linhas de créditos especiais, a participação como
acionista em bancos de fomento ao desenvolvimento africano e por fim
enfatiza as afinidades em âmbitos histórico e cultural. Segue Cunha que o
Brasil mantém-se preso aos valores ocidentais14(e Geisel diz claramente
isso na mensagem ao Congresso Nacional em 1976.p151), colocando-se
como país ponte, dando a entender que a feição terceiromundista foi a
fórmula encontrada para abrir novos espaços para a acumulação
capitalista brasileira(1991:88). Nesse contexto, Oliveira e Mourão
enfatizam que o Brasil de fato conseguiu maior autonomia no campo das
relações internacionais com os países do Terceiro Mundo, especialmente
com África. Porém, afirmam os dois, o Brasil jamais tomou uma posição
terceiro mundista contra o Ocidente. A distinção entre uma política virada
para o Terceiro Mundo e uma política terceiro mundista, com implicações
várias, entre as quais a do não alinhamento, são fundamentais para os
autores(1991:40).
Governo General João Figueiredo.
54
O governo Figueiredo(15 de março de 1979 até 15 de março de
1985) foi destinado a ser o último governo militar do país com a missão de
promover o retorno gradual e lento ao estado democrático. Com mandato
de seis anos, não apresentou nenhuma mudança significativa no curso da
política externa brasileira. Segundo o chanceler Saraiva Guerreiro, a linha
básica da política externa sob o seu comando seria o universalismo. Para
Gonçalves e Miyamoto, por universalismo compreendia-se a adaptação da
política externa brasileira à irrefreável tendência à mundialização do
sistema internacional(1993:237). A situação mundial naquele momento
era de crise, a ascensão nos países centrais de conservadores que
adotam um elenco de medidas recessivas que culminam com a
acentuação da retração nos mercados centrais, completando com o
aumento elevado dos preços do petróleo. A economia brasileira sofre os
reflexos dessa situação recessiva; a inflação, o déficit do balanço de
pagamento e o endividamento externo aceleram esse ritmo. No setor
externo, o país apresenta um bom desempenho, conseguindo equilibrar
sua balança comercial, reduzindo as importações e intensificando as
exportações(Cunha;1991:89-90).
Diante desse contexto, as relações econômicas com os países em
desenvolvimento, que vinham crescendo, ganharam novos impulsos com a
crise dos juros dos EUA e a segunda grande crise do petróleo em 1979. O
comércio com África ganha um salto significativo com o countertrade
55
(também conhecido como sistema de barter) - ver o ponto sobre
cooperação Sul-Sul adiante), primeiramente com Nigéria em meados da
década de 1970, servindo inclusive para alguns autores como um exemplo
de cooperação bem sucedida em países do Sul, em seguida com Angola.
Essas operações de countertrade foram o principal sustentáculo das
relações entre Brasil e Angola a partir de 1984, pois são, na verdade, linhas
de crédito abertas pelo governo brasileiro para a compra de produtos
básicos e industriais brasileiros por Angola e que são pagos por
petróleo( Dombe;1996:83). Dentro do âmbito da América do Sul, podemos
dizer que houve um acordo entre Brasil e Bolívia(1974) onde os bolivianos
forneceram gás natural ao Brasil e em troca receberiam maquinaria.
A mensagem do Presidente Figueiredo ao Congresso Nacional na
abertura da Sessão Legislativa, em 1º de Março de 1980, diz que “o
continente africano, está-se abrindo nova etapa de nossas relações(...).
Agora, devemos rapidamente operacionalizar nosso relacionamento,
especialmente com as Nações de língua comum como Angola, Cabo
Verde, S.Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Moçambique - estamos
passando a uma fase mais produtiva, como evidencia a aceleração de
contatos, visitas, entendimentos, verificada nos últimos doze
meses"(Figueiredo in Oliveira e Mourão;1991:41). A participação africana
nas exportações brasileiras no período do governo Figueiredo mais que
duplica se comparada ao Governo Médici. Basicamente os manufaturados
56
dominam as exportações brasileiras para o continente africano, enquanto
o petróleo mantém-se como a base das importações.
As visitas do chanceler Saraiva Guerreiro aos países africanos, no
caso os países da linha de frente - Angola, Botswana, Tanzânia, Zâmbia,
Moçambique e Zimbábue - que mais tarde(com a aceitação da África do
Sul como membro) veio a se chamar SADC - Southern African
Development Community - em 1980, foram importantes para o
aprofundamento qualitativo das relações do Brasil com África,
principalmente com Angola, onde o Brasil iniciava a procura de petróleo :
a Petrobrás, por intermédio da Braspetro, assinou um contrato com a
empresa estatal de exploração de petróleo angolana Sonangol para
prospecção e exploração de petróleo na região de Cabinda em território
angolano. No sentido de dar um incremento as relações entre os países,
foram abertas duas linhas de crédito pelo Banco do Brasil no valor de
trezentos e dez milhões de dólares americanos - uma para compra de
manufaturados e outra para compra de serviços. Oliveira e Mourão em
entrevista com o próprio Saraiva Guerreiro afirmam que a política exterior
do governo Figueiredo foi uma continuação da política externa de Geisel,
um "aprofundamento", uma "adaptação". As relações foram
preponderantemente políticas e não econômicas, daí uma certa
dificuldade de explicar as relações com África, afirma o chanceler(Oliveira
e Mourão;1991:42-43). Cunha compreende o Brasil sem interesses
57
hegemônicos, pois o país utiliza as relações com a África como forma de
poder de barganha na economia mundial(1991:91).
O chanceler Saraiva Guerreiro deixa visíveis as intenções do Brasil
na África em conferência à Câmara do Comércio Brasil -África em janeiro
de 1982. Segundo ele "no plano econômico, os objetivos brasileiros são
claros. Apesar da nossa condição comum aos países em
desenvolvimento, os países africanos e nós possuímos economias até
certo ponto complementares. Á África pode fornecer ao Brasil petróleo e
outros produtos básicos de que carecemos, como metais não ferrosos,
fosfato, certas madeiras tropicais, etc. Por sua vez, o continente vizinho
constitui mercado interessante para nossas manufaturas e serviços
diversos, adaptados que são às condições tropicais, além de certos
alimentos. O grau de protecionismo que deveria tolher as nossas
exportações para África é menor do que se verifica em outros
continentes(...) existe, enfim, uma intenção política africana de diversificar
suas relações anteriormente limitadas às ex metrópoles"(1982:50). Nesse
discurso, o Chanceler nos mostra alguns pontos que são analisados por
especialistas que poderiam ser úteis no incremento do diálogo Sul-Sul,
como a "tecnologia tropicalizada" brasileira (Pereira;1985:81e88) e o
protecionismo dos países do Norte (Mourão;1990:336).
Fragoso afirma que o próprio Itamaraty se empenhou em
demonstrar aos países do Sul a eficácia da tecnologia brasileira, ele
58
coloca que o Itamaraty propôs que o Sul absorvesse a tecnologia das
economias que lhe são semelhantes do qual o Brasil é possuidor de
experiência superior à média dos países do Terceiro Mundo e forte
candidato à substituição dos países industrializados em certos setores
(Fragoso;1982:07).
Nesse contexto de tecnologia brasileira voltada para os países
africanos, o ex - embaixador da Nigéria Timothy A. Mgbokwere, afirma a
esse respeito, com o exemplo de ônibus brasileiros com amplas janelas e
suspensão reforçada, vem desbancando os ingleses por serem mais
adequados à topografia e ao clima africano(1982:177).
Para Buarque, as tecnologias alternativas só têm sentido dispondo-
se de produtos alternativos, logo com economias alternativas. Enquanto o
objetivo central do desenvolvimento for a formação de economias do tipo
das economias européias ou norte americanas, não tem sentido pensar
em tecnologias alternativas. Segundo o autor, a própria concentração de
renda, que tem sido executada como forma de criar mercado para bens de
luxo, contribuem para dar base a tecnologias sofisticadas e intensivas de
capital. A própria característica de produzir-se pouco, mas com mercado
assegurado pela forte concentração de renda, impede para Buarque, a
busca de formas tecnológicas alternativas(1992:26).
Voltando discurso de Saraiva Guerreiro, percebe-se uma certa
visão do neo colonialismo, quando ele afirma sobre as necessidades
59
brasileiras, basicamente de matérias primas. Portanto, indiretamente o
Chanceler coloca que as operações de countertrade poderiam ser uma
boa saída, haja visto as necessidades expostas.
O Presidente Figueiredo visita o continente africano em 1983, entre
os dias 14 e 21 de novembro. O Presidente, primeiro chefe de governo
brasileiro a pisar em solo africano, visitou países lusofones (Guiné Bissau
e Cabo Verde), francófones(Senegal e Argélia) e anglofones(Nigéria).
Apesar da crítica da imprensa naquele momento, Oliveira e Mourão
afirmam que esse episódio constitui o "coroamento" de uma política para
África. No período de João Figueiredo, foram assinados cerca de 25
tratados com países africanos, aprofundando, portanto, uma relação
importante da diplomacia brasileira(1991:40-41).
Governo José Sarney
O presente trabalho não pretende se aprofundar na análise do
primeiro governo civil brasileiro no pós regime militar. A idéia da pesquisa
é mostrar apenas o início desse governo até o ano de 1986, onde o Brasil
propôs na Resolução das Nações Unidas 41/11, de 27 de outubro de
1986, a criação da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul(ZPCAS).
60
A política para os países em desenvolvimento no início do governo
Sarney não difere muito de Figueiredo. Embora o país atravessasse uma
grande crise econômica, com problemas graves de dívida externa e
inflação, a África continuava sendo considerada prioridade, mas foi na
América Latina que a diplomacia teve uma atuação política mais
destacada, principalmente no estreitamento de laços em prol de uma
formação de um mercado comum(Cunha;1991:94).
O sério problema da dívida externa foi um entrave à política de
cooperação que o Brasil desenvolvia. O país continuava a condenar a
política da África do Sul na questão do apartheid e também na
independência da região da Namíbia15(Oliveira e Mourão;1991:46). O
presidente Sarney visita Cabo Verde em 1986, aprofundando os laços
entre os dois países.
61
ALGUNS ASPECTOS DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE BRASIL E
ANGOLA.
As formas dos diálogos comerciais entre Brasil e Angola datam de
muitos séculos atrás, precisamente no século XVII, onde chegavam os
primeiros escravos angolanos para trabalharem nas plantações de cana
de açúcar em território brasileiro. Alencastro afirma que o trato(ação de
tratar)negreiro não se reduz somente ao comércio de negros. De
consequências decisivas, na formação da história brasileira, o tráfico
extrapola o registro de operações de compra, transporte e vendas de
africanos para moldar o conjunto da economia, da demografia, da
sociedade e da política da América Portuguesa(2000:29). Entre outras
coisas, negociantes sustentavam que o trato angolano era indispensável
para captar a prata peruana. O governador geral do Brasil, Telles da
Silva(1642-47) explicava que a perda de Angola(para os holandeses que
ficaram sete anos na região 1641-1648) iria “desfabricar” os engenhos e a
economia da América Portuguesa(Alencastro;2000:222).
Além disso, Alencastro afirma que as exportações brasileiras de
cachaça e de fumo serviram para adquirir 48% dos 2.027.000 escravos
chegados vivos à Am. Portuguesa nos anos de 1701- 1810. Adicionando
as exportações de couros, cavalos, mandioca, milho, açúcar, carnes,
peixes secos e salgados, e também o contrabando de ouro e diamantes
para os portos negreiros, é possível estimar que mais da metade dos
62
africanos introduzidos na Am. Portuguesa durante o século XVII foram
diretamente adquiridos com mercadorias brasileiras. O autor ainda lembra
que os dados devem ser postos em paralelo com o sistema de ventos e
correntes dominantes no Atlântico Sul, o qual, favorece a navegação
bilateral entre Brasil e Angola(2000:324). Essas relações basicamente
duraram até o fim da escravatura no século XIX. A partir daí, as relações
econômicas com Angola mudaram de aspectos, dando ênfase as trocas
diretamente associadas à Portugal.
Com a independência Angolana em 1975, o governo no MPLA
buscava no Brasil uma oportunidade para um grande diálogo de
cooperação comercial, como foi claro nas palavras do Presidente
Agostinho Neto ao receber o primeiro Embaixador brasileiro em Luanda,
Rodolpho Godoy de Souza Dantas, “... esperamos, senhor Embaixador,
que no domínio da economia, do comércio, da tecnologia, da cultura seja
satisfeita a aspiração do nosso povo, de cooperar com o povo brasileiro
através dos organismos competentes” (Neto in Dombe;1996:69).
Apesar desse contexto aparentemente favorável ao início de
cooperação entre o Brasil e o jovem país, as relações comerciais no
Governo Geisel se desenvolveram quase unilateralmente a favor do
Brasil.
As bases do intercâmbio comercial entre os países foram lançadas
com o envio da primeira missão comercial brasileira à Angola em 1976.
63
Naquela oportunidade foi aberta uma linha de crédito no valor de 50
milhões de dólares americanos. O resultado, conforme aponta Cunha, foi
um incremento nas relações comerciais, ainda que embora
unilateralmente, as exportações do Brasil passaram de US$ 6 milhões em
1975, para US$ 22 milhões em 1976 e US$ 88 milhões em 1979. Em
termos de acordos bilaterais, apenas um memorando de Transportes
Aéreo foi assinado em 1977 e algumas empresas privadas brasileiras
como o Pão de Açúcar16 passam a atuar em território angolano, assim
como a Wolkswagem do Brasil.
A razão apontada para essa fraca participação angolana nas trocas
comerciais é colocada por Dombe devido à guerra civil que assolava
Angola(1996:70). Não vejo como de fato esse ser o grande motivo para a
pequena participação comercial entre os países. Cunha vai mais além,
afirmando que o fraco comércio se deveu aos problemas inerentes à fase
de formalização das relações e da grave crise que atravessava a
economia angolana(1991:150) em meados da década de 1970. É bem
verdade que a economia angolana não passava por um bom momento,
devido principalmente a saída dos colonos portugueses que ocupavam os
cargos técnicos em Angola. No caso da guerra, conforme mostra Ovídio,
“com a ajuda e o reforço trazido por Cuba, o MPLA agora iria
gradualmente expulsando a FNLA para o Zaire(Rep. Dem. Congo) e os
sul africanos para a Namíbia, de tal forma que a guerra já não era mais
64
sua preocupação exclusiva. Os novos Ministérios começavam então a
ativar-se, a formular seus primeiros planos de governo, e alguns deles
requeriam desde o início colaboração externa”(p.60).
Dentro desse contexto, fico com a abordagem sempre lúcida de
Ovídio de Melo pelo fato do comércio entre os países não ter se
desenvolvido da forma mais interessante. Para Ovídio, enquanto o Brasil
já montava sua Embaixada em Luanda, o Itamaraty parecia sem vontade
de fazer comércio com Angola, pois o país precisava de tudo. Alimentos,
remédios, equipamentos, oferecia-se para pagar à vista, em dólares,
adiantadamente, mas as consultas feitas à Embaixada, encaminhadas ao
Itamaraty, não obtinham resposta. Nem os pedidos de caráter humanitário
recebiam resposta do Itamaraty. Nesse sentido, o Itamaraty julgava poder
esperar, deixar passar o tempo, ver como ficava a situação do MPLA no
governo de Angola, também com relação aos novos reconhecimentos
desse governo, por parte da comunidade européia e também de países
conservadores(p.60-61). Para Saraiva o comércio entre os dois países
não floresceu como sugerido pela retórica diplomática, devido a
problemas domésticos em Angola, como a tentativa de golpe de Nito
Alves em 1977, e o dessaranjo econômico ainda proviniente da guerra
civil(1996:182). Essa guerra, que sofreu duramente com as forças
estrangeiras em seu território devido ao contexto da guerra fria, somente
não se intensificou com a independência devido ao recuo dos Estados
65
Unidos em Angola devido ao fracasso americano no Vietnã, além do
expansionismo soviético na região(Kissinger;1994).
No governo Figueiredo, o intercâmbio Brasil – Angola entrou em
nova fase com assinatura de vários acordos de cooperação técnica,
instalação de comissão mista bilateral, aberturas de linhas de crédito para
o fornecimento de alimentos e serviços, utilização de operações especiais
de comércio e ampliação das perspectivas para comércio recíproco. O
anexo 3 analisa a estrutura das exportações do Brasil para Angola; o
anexo 4 aborda os principais produtos exportados do Brasil para Angola,
já o anexo 5 mostra as importações brasileiras de Angola e finalmente o
anexo 6 analisa a balança comercial entre Brasil e Angola entre os anos
de 1975 – 85.
Nesse mesmo governo foi criado um vôo da companhia brasileira
da VARIG ligando à cidade do Rio de Janeiro até Luanda, sendo um
aspecto importante na maior aproximação entre os dois países.
Durante a visita do chanceler brasileiro Saraiva Guerreiro à Angola
em junho de 1980, vários acordos foram assinados entre eles de
cooperação econômica, técnica, científica e cultural. O Brasil iniciava a
procura de petróleo : a Petrobrás, por intermédio da Braspetro, assinou
um contato com a Sonangol para pesquisa e exploração de petróleo no
território angolano de Cabinda( ver Anexo 10). Para intensificar as
relações, foram abertas duas linhas de crédito pelo Banco do Brasil no
66
valor de US$ 310 milhões: um para a compra de manufaturados e a outra
para compra de serviços(Cunha;1991:154). Em entrevista com o professor
José Maria Nunes Pereira em novembro de 2001, o mesmo afirmou que a
cooperação com Angola está em muitos os casos associada diretamente
a prestação de serviços, ou seja, não relacionados ao investimento que
induz ao comércio.
A partir de 1980, os saldos comerciais tornaram-se amplamente
favoráveis a Angola. Vale lembrar a segunda crise do petróleo ocorrida em
1979. As exportações brasileiras caíram consideravelmente, passando de
US$ 118 milhões(1980) para US$ 89 milhões(1984), queda de 23%. Em
1983, as exportações caíram 61%, constituindo-se na maior queda
registrada naquele momento das relações comerciais Brasil – Angola. As
importações vindas de Angola, em contrapartida, cresceram
sensivelmente e o ano de 1983 foi destaque com a cifra de US$215
milhões, muito embora, em 1984, as importações tenham apresentado
uma baixa de 41% em relação a 1983( Dados : Cunha;1991:155).
Em julho de 1982, foi firmado um convênio de cooperação técnica
entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o
Ministério da Indústria de Angola para a formação e treinamento de
quadros angolanos, intercâmbio de especialistas e outras formas de
cooperação. Outras instituições como a Fundação Getúlio Vargas e a
Marinha Mercante do Brasil também atuaram em Angola. Segundo crítica
67
sobre o tema de José Maria Nunes Pereira “tudo que não foi muito
adiante, mas que pelo menos começou”.
Objetivando a sua intensificação nos domínios econômicos e
comerciais, os dois países celebraram um novo Acordo, dessa vez em
abril de 1983, que estabelecia a cooperação para o fornecimento de bens
alimentares, matérias – primas e outros produtos para Angola com o
financiamento do Banco do Brasil, que abriu novamente uma linha de
crédito de 100 milhões de dólares. O pagamento estipulado que ficou
seria mediante moeda ou alternativamente com petróleo o juros de 8,5%
ao ano(Cunha;1991:156 e Dombe:1996:80).
As operações de countertrade (sistema de barter) foram os
principais sustentáculos das relações Brasil –Angola a partir de 1984, pois
são na verdade linhas de crédito abertas pelo governo brasileiro para a
compra de produtos básicos e industriais brasileiros em Angola e que são
pagos por petróleo. Essa modalidade de comércio foi extremamente
importante para o estabelecimento da construção da Hidrelétrica de
Capanda, uma das maiores da África, onde o Brasil e União Soviética,
depois de muitas negociações, desenvolveram, com a aprovação do
Conselho de Defesa e Segurança de Angola, uma parceria para a
instalação da hidrelétrica com o acordo assinado em novembro de 1984. A
brasileira Fundação Emílio Odebrecht ficou com as obras civis de infra
estruturas e outras complementares, enquanto a soviética
68
Technopromexport, líder do consórcio, assumiu as funções de
gerenciamento, com a construção de turbinas, geradores e projetos de
engenharia.
Nos primeiros anos do governo Sarney, as relações comerciais
Brasil - Angola foram bem intensas. Vale destaque a participação de
Firmas Multinacionais no intercâmbio das principais empresas que
exportaram para Angola em 1985, entre elas a Volvo do Brasil como a
principal exportadora, além da MESBLA e também da Souza Cruz. O
anexo 7 mostra as empresas brasileiras que estiveram presentes em
Angola nos anos de 1984 e 1985, que foram o auge da atuação brasileira
em Angola no período estudado. A presença dessas firmas reforça, para
Cunha, não só a idéia de país ponte do Brasil, pois ao abrir espaço para a
reprodução da acumulação brasileira, possibilitaria também, a valorização
do capital internacional, como também demonstra os limites da visão
acerca da cooperação Sul- Sul. No caso, o autor questiona com esse
exemplo as relações Sul-Sul autônoma do Norte(1991:187-168). Em 1986,
com base no Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Econômica,
Científica e Técnica, o Brasil concedeu à Angola uma linha de crédito para
o abastecimento de bens e equipamentos.
Nas importações brasileiras com relação a Angola, verifica-se
facilmente a presença do petróleo bruto que respondeu a 100% das
compras efetuadas em Angola entre 1980 e 1982 – em 1983, Angola era o
69
primeiro exportador africano desse produto ao Brasil – vale lembrar que
antes da independência, o petróleo não fazia parte da pauta das relações
entre o Brasil e Angola, conforme mostra o anexo 8 . A partir de 1982,
surge também a participação da aquisição do gás liquefeito comprado de
Angola. Em 1985, Angola foi o segundo fornecedor mundial desse gás ao
Brasil.
MARCO TEÓRICO : A COOPERAÇÃO SUL – SUL SEGUNDO ALGUNS
AUTORES.
As relações entre os países periféricos envolvem a história e a
própria formação desses países. As relações afro-brasileiras de tráfico de
escravos, também podem ser consideradas como diálogos de locais
periféricos, em aproveitamento das nações colonialistas. Relações
comerciais entre a Índia e o Oriente Médio, entre este e africanos, ou entre
a América Latina foram comuns em séculos passados.
Brasil e Angola tem laços fortes de cooperação mesmo no período
colonial. Alencastro em seu livro intitulado “O trato dos viventes”, nos
mostra que a melhor forma de entender a história do Brasil não era
somente olhar para os acontecimentos em Portugal e do mundo ocidental,
e sim, incluir a história do continente africano e compreender a economia
escravista. Dentro desse contexto, o autor afirma “ É no espaço mais amplo
do Atlântico Sul que a história da América Portuguesa e a gênese do
70
Império do Brasil tomam toda sua dimensão(...) Na verdade, os
condicionantes atlânticos, africanos – distintos dos vínculos europeus – só
desaparecem do horizonte do país após o término do tráfico negreiro e a
ruptura da matriz espacial colonial, na segunda metade do século
XIX”(2000:21).
Entre as cooperações no campo político entre as colônias do Brasil
e de Angola, podemos colocar a participação da expedição luso –
fluminense de Salvador de Sá(1648) para reconquistar Angola das mãos
dos holandeses(Alencastro;2000:24 e 148)(ver mais em Alencastro nos
tópicos : Luanda, a batalha estratégica do Atlântico e Quem reconquistou
Angola – 218-238). A partir da saída dos holandeses se estabelece uma co
– gestão brasílica e portuguesa no espaço do Atlântico
Sul(Alencastro;2000:354). Nesse sentido, a cooperação Brasil e Angola
passa a ser fundamentais para a manutenção da colônia portuguesa em
África. Essa cooperação foi tão significativa que por volta de 1820,
buscando dar continuidade ao tráfico de escravos, portugueses de
Benguela organizaram um movimento desobediente para aderir ao Império
do Brasil como província.
Em outros campos também a cooperação entre Brasil e Angola
esteve presente. A etnolinguística Yeda Castro da Universidade da Bahia,
nos traz uma polêmica. Para ela o idioma que se fala no Brasil não é
europeu puro. Trata-se de um português africanizado. Para a pesquisadora,
71
que não poupa filólogos e estudiosos acadêmicos para apontar que só o
preconceito etnocêntrico fez com que palavras que garante ser banto(que
também compreende a região que hoje é Angola), tenha atribuição
indígenas nos dicionários17. E que só se estudou a cultura Iorubá ( na
região da África Ocidental) porque era um povo que tinha escrita. “A
academia sempre quis mostrar que o português no Brasil não é
africanizado”, diz Yeda. Portanto, a cooperação entre Brasil e Angola
alcança inúmeros elementos de formação cultural entre os povos.
Porém, o exercício que procuramos fazer no trabalho tem por
objetivo analisar as relações entre os países em desenvolvimento a partir
da Segunda Guerra Mundial, onde novas situações passam a fazer parte
dos países em desenvolvimento. Abordo o sentido da independência, da
descolonização, que é, sem dúvida, um dos maiores frutos colhidos no
pós guerra. Portanto, como afirma Cunha, a análise histórica das relações
entre os países subdesenvolvidos é problemático, principalmente falar
antes da década de 50, onde as estatísticas não eram confiáveis, pois o
colonialismo transformou o comércio Sul-Sul em comércio intra metrópoles
ou inter metrópoles(...) No período pós guerra observou-se a evolução do
padrão de comércio impulsionado pela redução de barreiras comerciais
coloniais como consequência do surgimento de novos países desde o
domínio colonialista, embora não totalmente desvinculados das antigas
metrópoles, mas com relativa autonomia na escolha de seus parceiros
72
comerciais. Nesse contexto, essa nova conjuntura influenciou diretamente
os destinos das relações Sul - Sul(1991:11-12). No entanto, essa
soberania nacional conquistada por muitos países no período Pós guerra
é que tem que ser tratado como o marco inicial para os diálogos entre
esses povos em desenvolvimento.
A concepção de cooperação está associada a ajuda, a
colaboração, ao auxílio e ao trabalho comum como execução conjunta.
Porém, dentro do contexto das relações internacionais, esse conceito
perpassa esses substantivos, estando relacionados mais as questões das
trocas comerciais e dos benefícios mútuos. Durante a história dos povos,
a concepção de cooperação esteve presente, sendo colocado nas mais
diferentes formas, com os mais diferentes atores, em variados contextos.
Leakey e outros autores encaram a cooperação como um sinônimo de
sociabilização e vêem na competição apenas desvios especiais de certos
modos sociais, ou o resultado de escassez de recursos que obriga à luta
pela sobrevivência, por parte do "grupo" ou mesmo do indivíduo. Esta
posição, segundo Buarque, não é aceita de forma geral. Desde Hobbes, o
conceito de que o conflito prevalece sobre a cooperação tem estado
arraigado nas teorias com respeito à natureza do homem. Buarque segue
afirmando que a cooperação é esporádica e sempre que ocorre é
orientada por razões egoísticas individuais e não por um intrínseco desejo
de cooperar(1982:02-003). No contexto das relações bilaterais, umas das
73
premissas fundamentais está ligado ao fato de "não poder haver
cooperação desinteressada pelas partes"(Steinbach in Mourão;1985:02-
03).
Pinheiro nos traz uma nova abordagem na forma de diálogo,
segundo ela, a visão de políticos diplomatas e analistas de relações
internacionais supõe que cooperação entre Estados implica,
necessariamente, algo bom ou para o bem. Isso se deve, continua a
autora, em grande parte, ao fato de se entender por cooperação o
movimento pelo qual os atores ajustam seus comportamentos às
preferências de outros mediante um processo de coordenação política a
fim de reduzir consequências negativas para ambos(Milner in
Pinheiro;2000:305), levando, portanto, a que o observador suponha que a
cooperação seja sempre benéfica para as partes envolvidas. Embora tal
suposição possa estar correta, isso não significa dizer que o fim pelo qual
se coopera seja necessariamente um bem para a coletividade, ainda que
possam ser percebidos deste modo pelos que trabalham para sua
realização. Então, isso não significa que a cooperação seja sempre
espontânea(Pinheiro;2000:301-302).
A cooperação para Mourão, para ser válida e ter efetiva
credibilidade, deve repousar num ato de vontade, firme em interesses
comuns e objetivos, quer do país doador, quer do país tomador. Deve-se
primar, portanto, pela objetividade de interesses cuidadosamente
74
identificados pelos atores envolvidos, na perspetivação de um mundo real
e não puramente ideal. A cooperação também padece da
compartimentação do mundo em espaços econômicos, tal como ocorre na
cooperação multilateral(1992:151). Marcovitch vai mais além, afirmando
que a cooperação poderia ser um caminho para o fortalecimento da
democracia. Para ele, toda cooperação internacional tem que se
fundamentar numa percepção dos interesses do outro, assim como em
iniciativas conjuntas de resultados simultâneos, homogeneamente
distribuídos. É necessário, segue Marcovitch, compreender as razões do
parceiro, sob pena de se tornar ilegítimo o exercício da cooperação. A
cooperação usada como artifício para levar vantagem, é igual ao famoso
“jogo de soma zero”(2000) 18.
COOPERAÇÃO NO PERÍODO PÓS GUERRA.
No período pós guerra, as relações entre os países ganharam
novos elementos, principalmente com o maciço investimento estrangeiro
para produção local. As transnacionais passam a investir em países
subdesenvolvidos em busca de mão de obra mais barata e de incentivos
fiscais. A CEPAL( que influenciou fortemente o pensamento dos intelectuais
dos países da periferia), propõe um comércio internacional para os países
em desenvolvimento através de associações comerciais que favorecessem
75
a ampliação de cada um de seus mercados. Para a CEPAL naquele
momento, os países não industrializados tendiam a sair perdendo no
comércio e nas formas de cooperação internacional, então a solução seria
um modelo protecionista que orientaria a economia de cada país "atrasado"
para dentro de si, num modelo de substituições de importações. Dentro
dessa linha, surgem na América Latina, a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio(ALALC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Buarque mostra que os primeiros resultados foram satisfatórios para os
países em desenvolvimento da América Latina, onde tiveram um
crescimento rápido e sobretudo diversificado reorientado para o setor
agrícola industrial(1982:11-12). Porém, as aspirações dessas duas
instituições criadas eram de criar economias industriais, nos moldes dos
países desenvolvidos.
A década de 60 foi uma década importante para a união entre os
países do Terceiro Mundo. Houve cada vez mais uma relevância crescente
dos países em desenvolvimento como atores na política internacional,
principalmente na ordem mundial do pós Segunda Guerra mundial. Maria
Regina Soares de Lima diz que tornou-se possível algo inédito na política
mundial moderna, que os pequenos países obtiveram um espaço, em
particular no âmbito da Assembléia Geral da ONU e de suas agências
especializadas, para o exercício da capacidade de voto e voz ( Lima in
Vieira;2001:72). A luta pelo desenvolvimento cabia também a ONU, cujas
76
atividades, nesse aspecto, deveriam “atender a três áreas prioritárias : a
industrialização, a mobilização do capital para o desenvolvimento e o
comércio internacional”. Este estava de tal forma estruturado que não
conseguia atender aos interesses das nações em desenvolvimento(Cervo e
Bueno;1992:317).
A criação da UNCTAD(Conferência das Nações Unidas para
Comércio e Desenvolvimento), principal órgão da Assembléia Geral para
deliberação e negociações sobre comércio internacional e cooperação
econômica internacional tinha por objetivos a atuação na expansão e
diversificação das exportações, na abertura de mercados e no ajuste de
estruturas produtivas dos países em desenvolvimento. Além da criação do
grupo 77, que também reunia os países em desenvolvimento para tratar
de aspectos da própria condição de desenvolvimento, na tentativa de
instaurar uma nova ordem econômica mundial levando-se em conta as
necessidades de seus próprios países, foram fundamentais para o
começo de conversa entre os países do Terceiro Mundo.
Sato afirma que a realização da primeira UNCTAD em Genebra no
ano de 1964, foi fruto da perda de posição dos países em
desenvolvimento no comércio internacional em decorrência das políticas
comerciais dos países industrializados(1990:302). A Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento viria no esforço de
buscar uma alternativa ao GATT em negociações(Abreu;2001:91). O
77
Brasil advogava a necessidade de uma revisão radical da estrutura
institucional do comércio internacional. Na Assembléia Geral das Nações
Unidas(1961-1962) o representante brasileiro, Afonso Arinos de Melo
Franco afirmava "Somos favoráveis à reunião tão logo quanto for possível
de uma conferência internacional de comércio, no caso surgiu a UNCTAD,
na qual, fora as pressões da Guerra Fria, os problemas dos países
exportadores dos produtos primários sejam corretamente equacionados e
resolvidos em caráter definitivo"(Franco in Oliveira;1990:270). Entre as
primeiras demandas políticas que surgiram na primeira conferência da
UNCTAD estavam; o aumento de ajuda ao desenvolvimento através de
instituições financeiras multilaterais, sistema preferencial generalizado
para as exportações de bens manufaturados dos países em
desenvolvimento e aceitação de acordos de comércio preferencial entre
grupos de nações em desenvolvimento e proposta de ligação que uniria a
criação de uma nova liquidez internacional com a redistribuição de novas
reservas para os países em desenvolvimento. Também importante entre
os estudos da UNCTAD foi o fato de ter apontado as formas de medidas
protecionistas dos países industrializados como o aumento de tarifas,
sobretaxas e depósitos sobre importações, restrições quantitativas como
por exemplo quotas, ações e taxas compensatórias. Algumas dessas
atitudes justificaram-se por considerações com respeito a balança de
pagamentos. A maioria, no entanto, originou-se da proteção às indústrias
78
locais, cujos produtos competem com as importações(Mantey e
Brandt;1985:66).
Uma das consequências da Segunda Guerra Mundial foi a
descolonização dos países africanos e asiáticos. Muito dessa conquista
deve-se ao Movimento dos Não-Alinhados. Esse movimento(que também
pode ser entendido como Neutralismo) se compreendia pela rejeição da
guerra fria e da política dos blocos por parte dos países ex colonizados do
Terceiro Mundo e dos que se situam à margem da esfera de influência
política das grandes potências. Um dos critérios para cada país não
alinhado era, com coerência e constância, apoiar e contribuir ativamente
pela luta da independência nacional e pela completa libertação dos povos.
O Não Alinhamento foi na sua primeira formulação a bandeira dos novos
Estados independentes. Na Conferência de Bandung(Indonésia - abril de
1955) participaram países pertencentes aos dois blocos. Porém, pouco a
pouco, foi-se atenuando o caráter de rígida oposição dos dois blocos da
guerra fria, mudando também o conceito de Não Alinhamento e perdendo
grande parte de seu primeiro conteúdo anticolonialista e racial. De simples
negação, o Não Alinhamento assumiu a conotação de ideologia autônoma
do Terceiro Mundo ( Ver mais em Bobbio, Matteucci e Pasquino:1983).
Albuquerque acredita que mesmo os países Não Alinhados ou neutros,
diante de um contexto de interesses contraditórios universais(vide: guerra
fria), tinham sua posição geopolítica definida pelo eixo do conflito Leste
79
Oeste 19(1992:160). Porém, em documento escrito pelo Ministro das
Relações Exteriores do Brasil em 6 de junho1977, Azeredo da Silveira, o
mesmo aborda sobre a tentativa de golpe em Angola(Nito Alves em 1977),
onde segundo o Ministro, os alvos da rebelião eram justamente o não
alinhamento de Agostinho Neto(Presidente angolano naquele momento),
múltiplas vezes reiteirado durante a visita que tomou a iniciativa de fazer a
Iuguslávia(um dos países fundadores do movimento dos não alinhados) em
abril último, e a resistência do Presidente á adoção de medidas mais
radicais no plano interno, como demonstra a boa relação com Portugal. O
que os rebeldes de Nito Alves defenderiam seria a tese de prioridade
absoluta da luta de classes e da instauração da ditadura da classe operária
em Angola.
Ogwu diz que o movimento foi a coroação de uma tendência que
apareceu no sistema internacional quando as idéias colonialistas e o
colonialismo alcançaram seu auge. Essa tendência manifestou-se em
várias formas de oposição e resistência ao colonialismo, à dominação e
exploração de povos africanos e asiáticos pelas potências ocidentais. O
movimento ganhou maturidade nos anos 70, quando programas de ação e
posicionamentos concretos começaram a caracterizar proeminentemente
seus países membros, apontando caminhos para que as metas fossem
atingidas. Medidas como várias formas de cooperação econômica entre os
80
países membros e certas ações de protecionismo econômico em relação as
países desenvolvidos foram estabelecidas(1985:10-12).
Considero a criação dessas organizações, no âmbito da América
Latina, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a ALALC e a
Organização dos Estados Americanos e em âmbito mundial, o grupo 77 e
o Movimento dos Não Alinhados, como os embriões do futuro diálogo na
perspectiva de uma cooperação Sul -Sul. Também foi extremamente
relevante a criação da UNCTAD, pois a partir daí, criaram-se condições
reais de uma maior e mais intensa aproximação política e econômica entre
os países em desenvolvimento.
Diálogo entre os países do Norte e Sul.
As relações entre os países do Norte com o Sul são marcadas pela
submissão e pela desigualdade econômica e social, assim afirmam
inúmeros autores20. Sarmento analisa a forma de cooperação dos países
ricos em relação aos países pobres como uma forma de "dar o mínimo e
retirar o máximo possível". Assim qualquer política de "aliança para o
progresso", que abranja, de um lado, nações metropolitanas e, de outro
lado, países do Terceiro Mundo, pode ser inequivocadamente encarada
como uma forma adicional de dominação. A ajuda ao desenvolvimento
contribui na maioria dos países subdesenvolvidos para a elite exploradora
se manter no poder. Para ele, a cooperação entre desenvolvidos e
81
subdesenvolvidos não significa nenhuma solução para o problema do
subdesenvolvimento, mas pelo contrário, é mais uma artimanha para a
continuidade de tal situação. A cooperação tem que tomar outro caminho,
para o autor mais de caráter interno, intramundo subdesenvolvido. Os
países em desenvolvimento devem incrementar sempre mais relações
econômicas entre si e cooperação em busca de desenvolvimento de
tecnologias próprias em vários ramos de produção, tarefa que não se
apresenta de modo simples(1990:262-264). Jaguaribe segue essa linha
quando diz que o conflito Norte – Sul tem caráter estrutural, na medida em
que o favorecimento, por razões históricas, das condições operativas dos
países de Primeiro Mundo, relativamente as do Terceiro Mundo, tende a se
auto agravar, suscitando, de parte dos países do Terceiro Mundo, esforços
no sentido de modificar esse regime, em confrontação com esforços no
sentido oposto, por parte dos beneficiários do regime(1988:15).Para
Buarque, a ajuda ao desenvolvimento proposto pelos países do Norte, tem
por finalidade, explicitamente clara, dinamizar a economia do país doador.
Nesse quadro, para ele, se situam os Bancos Regionais(BIRD, BID,...), os
programas de alimentos, a aliança para o progresso(1982:36).
Já Granguillome, vai mais além e vê como claras as intenções dos
países do Norte de manter separados os países do Terceiro Mundo através
de um tratamento bilateral, um tratamento individual, que é acompanhado
de esforços para evitar qualquer união regional ou algum esboço de
82
negociação coletiva dos países do Sul. Para esse autor, existe uma
vontade de provocar a destabilização e a manutenção do atraso dos países
do Sul. Nesse contexto, os países em desenvolvimento estariam
condenados a continuarem atados ao carro dos países mais poderosos,
cujos interesses são fortíssimos dentro dos países do Sul (1982:132-134).
Creio que nessa perspectiva, Granguillome abre uma situação de conflito
direto na conjuntura das relações Norte –Sul como também na própria
aproximação dos países do Sul. O autor aborda alguns mecanismos que
atuam diretamente na relação entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento, como por exemplo, a suspensão de empréstimos
bilaterais, ou de instituições bancárias e financeiras multilaterais, as
pressões dos países desenvolvidos na questão da gigantesca dívida
externa dos países do Sul, a pressão também exercida sobre o movimento
migratório de trabalhadores e a diminuição no fluxo comercial.
Para Mourão, a cooperação internacional reflete não só a política
de afirmação dos Estados hegemônicos, mas também a vontade de
interferir no plano internacional por parte dos intermediários. O autor cita
uma entrevista do ex -presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, onde afirma
que enquanto os países industrializados lidam com problemas cíclicos, os
países do terceiro mundo lidam com problemas estruturais, e segue
dizendo que as nações do Sul são induzidas a fazerem concessões
bilaterais às nações do Norte e que as organizações de cooperação
83
internacional vêm desempenhando um papel mais político do que
econômico, em benefício as nações do Norte(1987:57). O articulado
presidente Nyerere afirma que para saber o preço de seus produtos tinha
que escutar a BBC de Londres, para entender o que decidiram os
especuladores nas bolsas de mercadoria em Londres e Chicago. Nestas
condições o comércio entre países em desenvolvimento termina sendo
realizado entre os agentes bolsistas dos países desenvolvidos, com
grandes limitações e perdas(Buarque;1982:23).
D’adesky trabalha com a questão da determinação do peso da
questão monetária e financeira no contexto das relações entre os países
do Sul. O autor questiona-se sobre em que medida a existência de uma
moeda universal(dólar americano), ligada aos países do Norte(naquele
momento não existia o Euro) e ao FMI, além da penetração multiforme de
capitais estrangeiros nos países do Sul constituem um obstáculo estrutural
ao crescimento dos países em desenvolvimento. O próprio financiamento
internacional, segundo o autor, demonstra que os países em
desenvolvimento não podem contar na mesma medida que os países
industrializados. Os circuitos financeiros são controlados pelo sistema
bancário dos países industrializados (1982:178-181). Mesmo diante
desses conflitos de interesses apontados entre os países do norte
desenvolvido e do sul subdesenvolvido, Albuquerque afirma que esses
84
conflitos não constituem risco para a paz mundial se comparável ao que
representou a guerra fria(1993:160).
PLANO PEARSON E COMISSÃO BRANT.
Alguns planos e relatórios produzidos por determinadas instituições
abordam questões associadas às diferenças conjunturais entre os países
do Norte e do Sul. O plano Pearson foi a primeira tentativa de definir um
quadro global de cooperação internacional. Partiu do Banco Mundial, no
início da década de 70 com a recomendação do estudo direcionado ao ex
ministro canadense Pearson. A idéia do plano era definir uma forma de
cooperação entre países ricos e pobres, onde os primeiros poderiam
ajudar os mais pobres. O plano caiu no vazio na medida que a realidade
da economia do mundo mostrava que ele era idealista e não tinha
qualquer possibilidade de realizar as diretrizes traçadas a que se
propunha teoricamente. Para Buarque o relatório Pearson é elaborado
atrasado, em um momento em que os países do terceiro mundo já se
dividiam nos de desenvolvimento intermediário, ou os NIC - New
Industrialized Cowntries - e os países mais atrasados, ou os LDS - Least
Developed Cowntries- (1982:13-14).
Outro exemplo na tentativa de avaliar as contradições das relações
entre os países do Norte e do Sul foi no início da década de 80, a Comissão
85
Brandt(o Banco Mundial solicitou a W.Brant para coordenar uma missão
que redefinisse o problema da cooperação internacional), que desenvolveu
um significativo relatório(North-South : A programme for Survival, Pan 1980)
que salientava que a reestruturação econômica é um processo contínuo em
economias eficazes, sempre necessário quando os países mudam sua
competitividade relativa, mas também exigido para a eficiência da economia
interna. A Comissão Brant foi criticada em alguns lugares não só por
assumir uma mutualidade entre o Norte e o Sul, mas com isso uma certa
harmonia de interesses. O relatório aponta um forte protecionismo do Norte,
nesse sentido, o acesso aos mercados dos países desenvolvidos é mais
difícil para os parceiros comerciais mais fracos. Isso prejudica tanto a
recuperação a curto prazo quanto o desenvolvimento a longo prazo.
Também torna mais árduo para os países do Sul saldarem suas dívidas.
Um ponto importante em termos da diferença entre as relações Norte-Sul
que aponta o relatório, são as dividas que os países do Sul têm com os
países desenvolvidos. Acumuladas na história, essas dívidas amarram os
países do Sul dentro do contexto de negociação com os países do Norte
conforme já foi citado.
A Relação Sul - Sul pós crise do Petróleo ganha novos contornos.
86
Em 1973, explode no mundo a crise do petróleo, trazendo novos
elementos na configuração de economia mundial. Nesse ano é formado a
OPEP(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) integrado
basicamente por países da periferia. Com a crise desse produto ficou uma
sensação que os países em desenvolvimento, unidos e utilizando essa
matéria prima, poderiam tomar determinadas decisões na área
internacional ( Rosa:1981;06-07).
Além disso, nos países industrializados havia uma percepção
amplamente difundida de que o que estava acontecendo no mercado de
petróleo era apenas o início de uma escassez generalizada de matérias
primas, exportadas basicamente por países subdesenvolvidos. Além do
petróleo, outros produtos primários importantes que dentro do comércio
internacional apresentaram significativa alta dos preços nos anos 1960 e 70
entre eles o café, o cobre e o estanho onde mais do que dobraram de
preços, e o açúcar que nesse período aumentou seu valor em seis vezes
(Sato;302e307;1990). Gonçalves e Miyiamoto afirmam que o Terceiro
Mundo poderia manipular os preços das matérias primas sensíveis as
grandes potências, sendo assim teriam um forte poder de barganha frente
aos países desenvolvidos(1993:229). Mantey e Brant são defensores da
idéia de que os países em desenvolvimento passaram a considerar a
cooperação entre si como uma forma de "autoconfiança" coletiva, destinada
não só a melhorar as oportunidades para os esforços locais no sentido do
87
desenvolvimento, mas também a valorizar sua posição geral na economia
mundial - grifo meu - ou seja, um comércio mútuo e vínculos financeiros
mais íntimos poderiam gerar benefícios indiretos sob a forma de um maior
poder de negociação com os governos dos países desenvolvidos e com as
corporações transnacionais. Assim, seguem os autores, qualquer país em
desenvolvimento envolvido em negociações comerciais multilaterais ou
bilaterais teria estratégias comerciais alternativas, às quais poderia recorrer
no caso de impossibilidade de chegada de algum acordo (1985:154).
A partir da crise do petróleo inúmeras reuniões são marcadas para
a aproximação dos países em desenvolvimento21. Durante as décadas de
1970 e 80, as trocas econômicas entre os países do Sul aumentaram
substancialmente. Os números comprovam. O crescimento global em
termos de porcentagem anual médio do comércio entre os países em
desenvolvimento passa de 4,3% entre 1960-70 para 11,5 % entre 1970-80
e supera em 5,3%, em média, as exportações para o mundo no mesmo
período. Entre os produtos comercializados, o grande destaque são os
produtos manufaturados, que já haviam obtido o maior crescimento entre
1960-70 (6.5%) e no período seguinte melhoram sua performance,
passando para 22,8%, superando o ritmo de crescimento tanto das
exportações quanto das importações para o resto do mundo – conforme
mostra o anexo 2(Cunha;1991:17).
88
Apesar disso, muito se discute sobre a existência ou não de uma
cooperação Sul- Sul, devido aos muitos obstáculos que enfrentam esses
países. Almeida lista dois pontos que dificultam o desenvolvimento do
comércio entre os países do Sul: o deficiente estado de transporte que
eleva os custos a níveis impossíveis e a falta de conhecimento e de
informações não permite explorar a fundo as possibilidades
existentes(1985:22-23). Aliás, a falta de conhecimento mútuo é apontada
por vários autores, entre eles Ogwu(1982:141). Selcher coloca que a
cooperação é limitada pela capacidade africana de pagamento. Esta
situação limita o Brasil, segundo o autor, na disposição da concessão de
auxílio em projetos de natureza social. Em contrapartida à opinião de
Selcher, o Ministro de Estado Saraiva Guerreiro em entrevista ao jornal da
Tarde e à Folha de S. Paulo em 06 de maio de 1983, afirma claramente que
“não é verdade que o Terceiro Mundo não paga suas dívidas”.
Alguns outros autores abordam algumas formas alternativas de
trocas comerciais como uma provável saída para a melhoria das trocas
econômicas, como a triangulação econômica ( J'Adesky:1985;66), ou o
countertrade - sistema de barter - (Dombe;1996:83) como exemplos.
No caso da triangulação econômica, Mourão dá uma visão desse
tipo de cooperação trilateral entre Brasil, Portugal e os países africanos de
língua oficial portuguesa(PALOP). Portugal um espaço luso, ibérico e
europeu; o Brasil, um espaço afro -luso- brasileiro, é latino americano; e,
89
em África, entre os países de língua comum, Angola é um espaço luso -
africano, situado na região da África Austral, Moçambique próximo a
região articulado ao Índico e Pacífico e outros países com suas variadas
potencialidades, como os arquipélagos de São Tomé e Príncipe e Cabo
Verde(1992:147). Nesse contexto, vemos que a língua é um fator
extremamente significativo de aproximação cultural entre esses povos. A
integração com outros países, que não somente no âmbito regional, é
importante, conforme diz o ex ministro das relações exteriores, Luís Felipe
Lampreia, “é essencial ter presente, que a defesa de margens para
escolhas próprias não se confunde mais, como ocorreu no passado, com
a noção de auto-suficiência. Muito pelo contrário(...) a autonomia passa
necessariamente pela integração com outros países, e não apenas no
âmbito regional, mas também por parcerias internacionais
cuidadosamente construídas e aprofundadas”22(Lampreia in Vaz;1999:68).
D’adesky coloca uma alternativa que seria a constituição de
associações entre bancos árabes, brasileiros e africanos. Esta fórmula teria
por objetivo soluções que melhor se adaptam às necessidades dos países
e deveria funcionar no interesse recíproco dos três parceiros. O autor ainda
lembra que o Brasil em diversas ocasiões, apresentou acordos triangulares
em relação a África, incluindo países desenvolvidos(1982:186) Sendo
assim, para compartilhar uma cooperação triangular, existe a necessidade
de estabelecer um maior diálogo entre esses países, suas demandas, suas
90
ofertas, sua inserção política econômica, em busca de uma possível
articulação para desenvolver uma cooperação com outros atores dentro do
contexto internacional de globalização econômica. Nesse contexto, a troca
de informação e conhecimento é vital para o desenvolvimento dessa
alternativa comercial.
Existem outros autores que trabalham com as possibilidades de
uma melhor forma de cooperação dos países do Sul. Para Duarte, é
indispensável a institucionalização de uma Associação Sul-Sul de Estados
em via de desenvolvimento(1985:27). Já Buarque vê a criação de
alternativas que fogem ao tipo de relacionamento de hierarquização dos
países em desenvolvimento industrializado e os países em
desenvolvimento mais pobres, segundo o autor, a cooperação Sul Sul deve
procurar outro caminho, novas formas de desenvolvimento, mesmo
respeitando os atuais sistemas econômicos. A cooperação entre os países
em desenvolvimento tem que ser realizada, para ele, olhando para o
próprio Sul, e não mirando num espelho inatingível do Norte. Há de se
formular novos modelos e objetivos coerentes com as disponibilidades e
potencialidades do Sul(1982:43). Mourão sugere que as operações de
cooperação internacional entre os países do Terceiro Mundo deveriam levar
em conta escolhas de áreas essenciais, numa perspectiva de interesse
mútuo, de forma não só a concentrar recursos humanos e financeiros de
implantação de projetos de cooperação, em que esses mesmos recursos
91
possam ser otimizados por ambas as partes ao invés de se dispersarem no
campo da ação pontual(1985:15). D’adesky aponta a criação de uma
moeda supra nacional, pois a mediação das trocas entre os países do
Terceiro Mundo fazem da moeda desses países apenas símbolos. Mesmo
sabendo que o dólar não seria substituído a curto prazo, D’adesky analisa
num primeiro momento a reorietação do fluxo financeiro segundo o eixo Sul
-Sul sendo necessária e possível, fortalecendo os bancos brasileiros em
África e o petróleo árabe nesse contexto. Para o autor, toda iniciativa
visando à eliminação dos obstáculos inerentes aos movimentos de capitais
entre os países do Sul deve ser apoiada, porque corresponde à estratégia
de autonomia coletiva e concorre para a diminuição dos laços de
dependência entre Norte -Sul, contribuindo assim para o real
estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional. A
reorientação dos fluxos financeiros segundo o eixo dos países do Sul é
fundamental para os países do Terceiro Mundo (1982:187).
O relatório do Comitê Internacional Socialista sobre Política
Econômica de 1985, diz que para se fortalecer, a cooperação entre os
países do Sul há a necessidade de uma transferência de tecnologia
contínua desde os mais industrializados como Brasil e Índia(New
Industrialized Cowntries), até os menos adiantados. Nos casos em que
estivessem envolvidos o auxílio técnico e o conhecimento especializado,
todos os países teriam algo a oferecer aos demais. A formação de um
92
fundo comum com recursos financeiros para o financiamento de projetos,
o amparo à balança de pagamentos e o financiamento ao comércio tem
também uma importância considerável no futuro das relações entre os
países em desenvolvimento. Nesse ponto, Buarque também propõe um
banco de financiamento tecnológico(1982:26-27).
Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul(ZPCAS) e a Organização do
Tratado do Atlântico Sul (OTAS ).
Durante o governo Sarney, o Brasil propôs na Organização das
Nações Unidas, a criação de uma Zona de Paz e Cooperação na parte Sul
do Oceano Atlântico. Considero essa atitude como fruto de uma política
de aproximação com os países africanos, que já vinha sido desenvolvida
desde o início da década de 1970. Além disso, alguns episódios externos
incentivaram o governo brasileiro a tomar tal atitude. Para compreender
melhor essa proposta, acredito que deve ser feito um balanço histórico,
abordando um tema que esteve presente na Política Externa Brasileira
desde meados da década de 1960, ou seja, a possível criação de uma
Organização do Tratado do Atlântico Sul(OTAS), um pacto militar baseado
nos mesmos moldes da OTAN.
Durante o Governo Costa e Silva, começaram a surgir as primeiras
propostas com relação à possível criação de uma área militarizada no
Atlântico Sul. Depois do fechamento do Canal de Suez em 1967 e a
93
importância crescente do volume de petróleo que começou a circular pela
rota do Cabo, vindo do Oriente Médio, aquela região tornou um ponto
chave para economia mundial. Além disso, a formação de um pacto militar
do Atlântico Sul serviria para conter o "expansionismo soviético" na região.
Nesse sentido, em 1969, o ministro das Relações Exteriores da África do
Sul, Hilgard Müller, fez uma viagem à Argentina e ao Brasil, durante a qual
manifestou a importância de uma aproximação comum para a defesa do
Atlântico Sul em prol de uma crescente ameaça soviética. Além do Brasil,
África do Sul e Argentina, também fariam parte do pacto, os Estados
Unidos e o Uruguai(Decuadra;1991:75-77).
Em contrapartida, as inclinações contrárias a essa possível área
militarizada, estavam com alguns países africanos, em especial a Nigéria,
que liderava as pressões africanas contra a criação da OTAS. O Brasil
nesse contexto, buscava ampliar seus mercados, intensificando os fluxos
comerciais com os países africanos. Cabe lembrar que o regime do
Apartheid vigorava na África do Sul, e que o Brasil e os países africanos
se opunham de forma taxativa no campo da Política Externa a esse
regime.
A delegação brasileira permanente junto às Nações Unidas enviou
uma nota ao Presidente do Comitê Especial sobre o Apartheid, em julho
de 1969, assinada pelo chefe da missão, embaixador José Augusto de
Araújo Castro, desmentindo qualquer participação brasileira na OTAS.
94
Pode-se concluir, para Daniel Decuadra que, mesmo no período de
política "ambígua" em relação à África, o Brasil preferiu não fechar as
opções políticas em torno da África do Sul, cujo custo político seria, pelo
menos, a perda das opções no que se refere aos países da África
Negra(1991:79).
No governo Médici, cresceu a participação econômica e política do
Brasil com os países africanos, em especial com a Nigéria, país que
liderava as críticas ao Brasil por sua postura colonialista no caso das
colônias Portuguesas em África. No período Geisel foram abordadas as
primeiras idéias com relação à proposta do Atlântico Sul como uma área
de paz, com novos atores como Senegal e Nigéria(ver mais em
Decuadra;1991:85-90). Porém, a formação da OTAS permaneceu na
agenda de Argentina, África do Sul, Estados Unidos, Uruguai, Paraguai,
Chile e Bolívia. Isto gerou necessidade do Brasil continuar negando sua
participação no pacto(Decuadra;1991:82), muito em função do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca23(TIAR) assinado em 1947 - ver
estrutura do TIAR no anexo 9 -, onde ficava claro que o poderio militar
norte americano seria usado para proteger qualquer país membro contra
agressões extra hemisféricas. A esse respeito se pronunciou o Diretor do
Departamento de África, Ásia e Itamaraty, Embaixador Ítalo Zappa : “ O
Tratado Internacional de Assistência Recíproca já nos é suficiente
proteção no Atlântico Sul e autonomia para nos defendermos de qualquer
95
tipo de agressão. Nós não vemos porque o Governo brasileiro teria
alguma necessidade de estabelecer outro tipo de aliança militar no
Atlântico Sul”(Anglarill e KERZ;1982:235).
Com a ampliação dos diálogos com os países africanos no
Governo Geisel, o tema sobre o Atlântico Sul foi abordado com países que
tinham interesses comuns como Angola e Argélia(Decuadra;1991:84). O
governo angolano se mostrou extremamente contrário a questão do pacto
militar naquela região, o Relatório do Comitê Central ao 1º Congresso do
MPLA, realizado em Luanda, em 1977, afirmava a essa questão “o regime
racista da África do Sul e com a projeção austral do pacto agressivo da
OTAN, o imperialismo dos Estados Unidos tenciona criar uma aliança
militar no Atlântico Sul, na qual se concede uma posição dominante ao
regime fascista. Os planos de forjar uma aliança militar nessa parte do
Atlântico são contra os interesses dos povos desta área e constituem um
golpe severo ao Movimento dos Não Alinhados”.
Porém, durante a década de 1970, o comunismo começa a ganhar
forma em países africanos ligados ao Oceano Atlântico, basicamente
Angola. Em junho de 1976, uma força naval soviética foi colocada na
costa angolana, e em 1977, a URSS começou a basear uma força naval
permanente a 12 embarcações em Luanda. Segundo José Maria Nunes
Pereira, esses navios frequentavam a costa somente para reparos. Nos
anos 1970, os navios soviéticos passaram para cerca de 200 navios- dia
96
no Atlântico Sul e essa cifra vinha crescendo com os
anos(Hurrel;1988:54). Ou seja, com a influência cada vez mais de
militares soviéticos na Angola marxista a questão da OTAS ganhava mais
força entre alguns países ocidentais.
Com a tomada do poder pelos militares na Argentina em Março de
1976, a questão da segurança do Atlântico contra a "ameaça comunista"
ganha novo impulso. Diferentemente do Brasil, no caso argentino, não
havia a existência de vínculos políticos fortes com a África Negra, o que
levou a uma maior aproximação com a África do Sul. Além da Argentina,
Chile de Pinochet e Paraguai de Stroessner também tinham fortes
vínculos políticos e econômicos com a África do Sul e davam sinais de
apoio a possível criação da OTAS(Decuadra;1991:93-94)
Os EUA começam a pressionar para a criação de uma área de
segurança no Atlântico Sul(Gonçalves e Miyamoto, 1993). Antes não havia
essa pressão devido a política dos "direitos humanos" do governo Carter
em relação aos regimes militares latino-americanos que afastou a
possibilidade de qualquer entendimento com esses governos,
especialmente com vista a estruturação de um pacto militar(Hurrel,
Miyamoto in Decuadra;1991:90).
Moura, Kramer e Wrobel apontam a viagem do secretário
assistente do Estado americano, Thomas Enders e do vice presidente
Bush ao Brasil em 1981como uma tentativa, entre outras coisas, de uma
97
militarização do Atlântico Sul através de um pacto com o regime militar
argentino e da África do Sul(1985:37). Decuadra afirma que a política
externa brasileira teve que conviver, naqueles anos iniciais da década de
1980, com a tentativa renovada de formalização do pacto militar da OTAS,
desta vez partindo da iniciativa dos EUA e acoplada ao esquema de
segurança norte americano, que foi acompanhado pela Argentina, África
do Sul, Uruguai, Bolívia e Chile. A reação brasileira, segue Decuadra,
buscou neutralizar a ação americana, seja no plano do relacionamento
Brasil-Argentina, seja no plano das relações bilaterais com os
EUA(1991:98).
Mas, com a surpresa da intervenção nas Malvinas/Falklands por
parte do governo militar argentino e a perspectiva de um conflito no
Atlântico Sul, os principais atores dessa idéia de criação da OTAS
modificaram sua postura. África do Sul e EUA apoiaram à Inglaterra no
conflito, o Brasil diplomaticamente discursava em favor de uma autonomia
da Argentina sobre Malvinas. Enfim, o acordo do TIAR que reunia os
países da América não possuía mais valor, muito menos qualquer tipo de
pacto militar na região do Atlântico Sul.
Para Decuadra, a política externa brasileira para o Atlântico Sul no
período posterior à guerra das Malvinas pode ser caracterizada como uma
"política ativa", no sentido de que o país mobilizou seus recursos
diplomáticos e procurou manter uma presença internacional crescente,
98
objetivando a legitimidade internacional para assumir responsabilidades
próprias no Atlântico Sul, e dar a este mar uma identidade regional
específica(Pericás in Decuadra:1991:163). A guerra terminaria por frustar,
da maneira grave, as tentativas de constituição de um pacto na área. Isso
ficou manifestado no conflito do Atlântico Sul travado entre dois Estados
anticomunistas e ocidentais, como Grã-Bretanha e a Argentina. A
preocupação do Brasil, coerente com seus interesses no Atlântico Sul, era
manter a paz e a estabilidade regionais. Com relação à África do Sul,
houve um grande aumento no tom contra o regime do apartheid, com
manifestações contra o regime segregador, condenando também as
invasões em Angola e Namíbia, além do incentivo a idéia de substituição
do governo branco por um regime democrático(Decuadra;1991:166-167).
Com o final da guerra das Malvinas, ficou a sensação que essa
área do Atlântico não estava protegida e ainda era sensível a novos
acontecimentos que poderiam modificar o fluxo normal de comércio na
região. Desse modo, o Brasil procurou e tomou a iniciativa de criar uma
zona de paz e comércio. O consenso político articulado pelo Itamaraty
para a aprovação da Área de Paz englobou, principalmente, segundo
Decuadra, Argentina e Uruguai, na Ámerica Latina; Angola, Cabo Verde,
Congo, Guiné, Guiné Bissau, Nigéria e Senegal, na África(1991:167).
Georges Lamazière, analisando a ação brasileira no que diz respeito a
criação da ZPCAS, onde procurou se criar uma geopolítica ao revés,
99
concebida não como projeção do poder, mas como um vazio que se
busca preservar da ameaça do poder, ou seja, citando o especialista
chileno Augusto Veras, a criação de um vácuo de poder que pode
transformar-se em um repelente de poder. Lamazière ainda aborda a
criação preventiva de zonas de vazio ou de estratégia de interdição
político- jurídica de proposta brasileira, como exemplo ele cita a criação
em 1962 da Zona Livre de Armas Nucleares na América Latina e
África24(2001:44). Como exemplo mais amplo, pode-se colocar como
Zona de Paz, o Tratado Antártico de 1959, num acordo multilateral em
torno da cooperação internacional para fins científicos. Brigagão diz que a
primeira proposta de Zona de Paz foi adotada pelo Movimento dos Não
Alinhados, exatamente fora da órbita do conflito bipolar da guerra fria, em
1971, para o Oceano Pacífico, ratificado pela ONU em 1972. Mesmo não
sendo efetivado concretamente, em 1979, o Caribe também chegou a ser
declarado Zona de Paz pela OEA(1990:343).
Brigagão considera a política internacional orientada para a criação
e implementação da Zona de Paz, como uma forma de fortalecer um novo
sistema de segurança mais amplo, não exclusivamente militar, através de
esforços comuns diplomáticos e políticos de cooperação. Por um lado,
com o intuito de reduzir gastos militares, em um processo de
desarmamento e desmilitarização. Por outro lado, pôr fim às suas
ideologias correspondentes e criar e defender um sistema com base nas
100
leis internacionais e em instituições democráticas. Tal sistema, para
Brigagão, tem como objetivo contrapor às ameaças dos conflitos
estratégicos oriundas do período de guerra fria e percebidas como
obstáculos aos interesses de cooperação e paz, nos níveis internacional e
regional(1990:342-343). Lamazière aponta que uma das intenções
brasileiras com relação aos países ribeirinhos era tranquilizar quanto às
intenções plenamente pacíficas e não – hegemônicas da política externa
brasileira(2001:46). Porém, conforme mostra Saraiva, cerca de 90% de
todas as exportações brasileiras eram realizadas pelo mar, e quase todo
petróleo importado pelo Brasil atravessa a rota do Cabo(1996:204). Uma
situação de instabilidade na região poderia não ser bom para o Brasil,
nem para países que participavam do comércio naquela região com o
Brasil.
Angola, que viveu intensamente os dias de ameaça bipolar no
Atlântico Sul, também apoiou e votou a favor da iniciativa do Brasil. O
Ministro das Relações Exteriores Roberto de Abreu Sodré, em visita a
Angola em 1986, afirmou " A firme vontade brasileira de colaborar para o
estabelecimento de uma atmosfera de paz na África Austral contribuiu
para fundamentar a iniciativa referente ao Atlântico Sul, aprovada por
expressiva maioria na presente Assembléia Geral da ONU. O respaldo
valioso do Governo de Angola(...) foi decisivo para o notável êxito
101
alcançado pela proposta da criação de uma Zona de Paz e Cooperação
do Atlântico Sul", finaliza o ministro.
Finalmente, em 27 de outubro de 1986, a resolução 41/11 foi
aprovada, por 124 votos a favor, 8 abstenções e um voto contrário(dos
EUA – ver anexo 11), consagrando finalmente, dentro das Organizações
das Nações Unidas a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
Considerações finais :
O reconhecimento do governo do MPLA em Angola por parte do
governo militar brasileiro surpreendeu a muita gente. Essa atitude da
política externa nacional contrariou a muitos interesses que viam a
“ameaça comunista” muito presente na nossa sociedade. O processo
histórico que envolvia a relação entre Brasil e Angola, além dos caminhos
a posteriori que foram tomados são abordados nesse trabalho acadêmico.
Na pesquisa são enfatizados os caminhos do diálogo Sul- Sul a
partir do reconhecimento do Brasil, sendo esse um ator de extrema
importância. Foi com muito bons olhos que os governos dos países do
Terceiro Mundo viram o reconhecimento por parte do Brasil ao governo do
MPLA. Talvez, exceto, o governo do regime do apartheid da África do Sul,
que naquele momento encabeçava a idéia da criação da OTAS, numa
102
tentativa clara de aumentar a pressão do conflito bi polar no contexto do
Atlântico Sul. Apesar do apoio do governo dos EUA, da Argentina,
Uruguai, Chile e outros países, o Brasil soube resistir a pressão para a
criação da OTAS, com apoio de países africanos como Nigéria, Senegal e
Angola, e propor em 1986 com muito sucesso a Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul.
Claro que a guerra das Malvinas/Falklands em 1982 serviu também
como impulso para a iniciativa brasileira, mas o que tentei mostrar nessa
pesquisa é que a partir do reconhecimento do governo angolano, os
caminhos para um direcionamento político brasileiro foram abertos em prol
do aumento do diálogo político e econômico com os países em
desenvolvimento, principalmente ribeirinhos ao Atlântico Sul, facilitando o
acordo para a aprovação da proposta brasileira de paz e cooperação na
região. Ou seja, a cooperação Sul –Sul de meados da década de 70, até
meados da década de 80, teve resultados concretos, não somente em
âmbitos econômicos. À luz da política internacional, a proposta brasileira
teve nos países ribeirinhos do Atlântico Sul seu apoio decisivo, tendo o
papel de Angola sendo de extrema importância, haja visto a condição de
guerra fria ainda presente naquele momento. Conforme mostra Saraiva,
cerca de 90 % de todas as exportações brasileiras eram realizadas pelo
mar, e quase todo petróleo importado pelo Brasil atravessa a rota do
Cabo, no triângulo inferior da África do Sul(1996:206). Portanto, para o
103
Brasil, a instabilidade na região poderia ter consequências extremamente
desfavoráveis, principalmente na economia. Daí mais um impulso para a
iniciativa. Nos casos de Angola e Nigéria, as relações privilegiadas com
esses países dependiam do bom fluxo e de paz na região no Atlântico Sul.
Então, a articulação política e econômica desenhada à luz da cooperação
sul - sul desde meados da década de 70, foi extremamente importante
para estimular e facilitar a proposta brasileira.
Dentro dessa idéia, o único voto contrário a essa Zona de Paz e
Cooperação no Atlântico Sul foi dos Estados Unidos. Durante o tempo
inserido na pesquisa, o Brasil demonstrou sua proximidade e afastamento
com relação à política de Washington. E ficou notório perceber que quanto
mais distante da política americana, no momento que o trabalho está
inserido, maior a aproximação com os países em desenvolvimento. Isso
ficou claro nos governos da Política Externa Independente de Quadros e
Goulart, no governo do pragmatismo responsável de Geisel e no governos
seguintes de Figueiredo e Sarney. A fuga da linha americanista favoreceu
a possibilidade de incremento das relações entre o Brasil e os países
subdesenvolvidos, trazendo à luz da reflexão acadêmica, possibilidades
alternativas de trocas comerciais, acordos políticos, enfim, trazendo o
saudável debate entre as possibilidade das relações Sul –Sul não como
uma fuga das tradicionais e muitas vezes injustas relações Norte –Sul,
104
mas colocando alternativas interessantes de pensar nos países do Sul
como parceiros comerciais com relevante potencial.
A relação Brasil - Angola serviu muito bem para demonstrar alguns
pontos positivos e negativos que envolvem esse diálogo que ainda hoje
está em questão. Angola se tornou um parceiro estável na produção de
petróleo com a concreta participação da Petrobrás através da Braspetro.
O Brasil também esteve na vanguarda da criação da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa(CPLP) em 1992, aproximando os países de
expressão portuguesa e também se manteve presente na força de paz da
ONU em Angola, possuindo o maior contigente de homens em território
angolano. Além disso se dialoga, através do MercoSul, com os países da
SADC (Southern Africa Development Comunity) com Angola tendo um
papel importante, conforme afirma Morais(1998:123).
As possibilidades econômicas e políticas entre esses dois países
estão sempre em diálogo, merecendo um estudo mais aprofundado em
outra oportunidade, principalmente nesse último período, com a morte de
Jonas Savimbi, líder do grupo rebelde da UNITA no último dia 22 de
fevereiro. O Itamaraty acredita em um “período de conciliação nacional”, a
partir da morte de Savimbi, assinala Pedro da Motta Pinto Coelho, diretor
– geral do Departamento da África e Oriente Próximo do Ministério25.
Jornais africanos também acreditam em um momento mais próspero para
Angola com a morte de Savimbi, até os periódicos do Togo(país acusado
105
de apoiar a rebelião armada da Unita em Angola) apostam na nova
perspectiva26
Os presidentes do Brasil e de Angola se encontraram em Brasília
no início de março desse ano e discutiram questões de interesse bilateral
e da atualidade internacional, em particular as questões regionais
africanas27. Para o presidente brasileiro, a morte do líder rebelde amplia a
oportunidade de buscar o fim de um conflito que se arrasta por muitos
anos, “O Brasil sempre apoio o governo Eduardo dos Santos. Acho que
agora é oportunidade de avançar mais28”
106
NOTAS :
1- O nome oficial República Popular de Angola(RPA) vigorou até à
revisão da Lei Constitucional (Lei nº 23/92) de 16 de setembro de 1992.
Após essa data o país passou a chamar simplesmente de República de
Angola. Portanto, dentro do contexto do trabalho, a designação mais
correta é o primeiro nome oficial do país.
2 - Lafer, Celso. Discurso do Ministro das Relações Exteriores por
ocasião do Dia da África, Brasília 28 de maio de 2001.
3 - A manutenção das colônias, último baluarte do império
português, fazia parte do programa de Antônio de Oliveira Salazar,
professor de Coimbra que instituíra nos anos 20 um regime considerado
fascista, batizado de Estado Novo. Os revoltosos, liderados por um grupo
de 200 capitães e majores tinham como uma das principais motivações a
oposição a guerra nas colônias africanas. O nome veio dos Cravos que os
revoltosos usavam na lapela para se identificar, idéia que foi encampada
pela população – os portugueses festejavam o fim da ditadura colocando
flores nos canos dos fuzis dos soldados.
4- Diferente das outras colônias portuguesas, onde só havia um
movimento de libertação como a FRELIMO em Moçambique, a PAIGC em
Guiné Bissau e Cabo Verde e o MLST em São Tomé e Príncipe.
107
5 – Em junho daquele ano, Ovídio de Melo como observador do
Instituto Rio Branco acompanhou um seminário da OTAN(NATO)
realizado na Universidade de Oxford. Nesse seminário, todos os
problemas políticos do mundo foram repassados, inclusive a questão
angolana, onde os prognósticos que foram colocados era de que nada
menos do que cinco anos seriam necessários para que aquela
independência se concretizasse (p.7).
6- A UNITA viu-se obrigada a se retirar primeiro para a província de
Bié e mais tarde para a província de Cuando Cubango, onde vai organizar
a guerrilha contra o MPLA.
7 – O FLNA é praticamente destroçada e empurrada para o
Zaire(hoje Congo Democrático), onde não consegue apoio e perde sua
força.
8- Em língua afrikaans, Apartheid significa “separação”. Em uma
concepção mais clara, significa “identidade separada” e designa a política
oficial do governo sul – africano a partir de 1948. O Apartheid não pode
ser traduzido simplesmente como “racismo”; constitui um sistema social,
econômico e político – constitucional que se baseia em princípios teóricos
e numa legislação ad hoc. Nesse sistema, a diferenciação corresponde à
definição de grupos raciais diversos e ao seu desenvolvimento separado.
Em termos políticos, significa a manutenção de supremacia de uma
aristocracia branca, baseada numa rígida hierarquia de castas raciais,
108
para as quais existe uma correlação direta entre a cor da pele e as
possibilidades de acesso aos direitos e ao poder social e político(BOBBIO,
Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco;1983:48).
9- Antes do IBEAA, vale destacar a Fundação do Centro de
Estudos Afro – Orientais (CEAO) junto à UFBA(Universidade Federal da
Bahia). Depois do IBEAA vieram em 1963, o Centro de Estudos e Cultura
Africana junto à FFLCH/USP(Univ. de São Paulo), hoje denominado
Centro de Estudos Africanos(CEA), em 1973 surge o Centro de Estudos
Afro Asiáticos(CEAA) da Universidade Cândido Mendes no Rio de
Janeiro, e em 1985 é fundado o Núcleo de Estudos Afro Asiáticos da
Universidade Estadual de Londrina no Paraná (ZAMPARONI, Valdemir D.
“Os estudos africanos no Brasil : veredas” – Revista da Educação Pública,
v.4, nº5, Cuiabá, 1995.
10- O paradigma Rio Branco está associado ao alinhamento
automático com a Política dos Estados Unidos, segundo Nkosi. O Barão
do Rio Branco chefiou o Itamaraty nos anos de 1902 até 1912 – durante
os governos de Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Afonso Pena e Hermes da
Fonseca. Entre as preocupações da gestão de Rio Branco estão a
preparação técnica e intelectual do corpo profissional dos diplomatas e a
ampliação da representação diplomática do Brasil no exterior. Mello e
Silva aponta alguns componentes fundamentais e complementares nas
percepções de Rio Branco. Primeiro, uma visão realista das Relações
109
Internacionais(ver mais tal paradigma em : Barbé, Esther. Relaciones
Internacionales. Madrid, Tecnos, 1995, p.60 - Keohane, Robert e Nye,
Joseph. La política mundial en transición. Buenos Aires, GEL, 1998, pp.39
à 57 – Morgenthau, Hans J. Os seis princípios. In Philippe Braillard(org.),
Teoria das Relações Internacionais. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbekian, 1990, pp.130-147 – Aron, Raymond. Estudos Políticos.
Brasília. Ed. UnB, 1985, pp.375-396), segundo, sua clara percepção da
emergência dos EUA como pólo de poder hemisférico e mundial, e das
vantagens que se poderia retirar de um estreitamento das relações com a
nova potência(Rio Branco era defensor da Doutrina Monroe de 1823, onde
havia uma promessa militar americana de defesa do continente, com a
idéia de América para os americanos). E no campo da política externa
havendo traços de uma continuidade da época imperial (1995:96-100).
11 - Os contatos com os líderes dos movimentos africanos eram
evitados desde 1964, pois eram considerados subversivos. Ovídio de
Melo consultou os ministros dos movimentos : MPLA – Agostinho Neto,
Lopo do Nascimento(Educação) e Saidy Mingas(Planejamento); FNLA –
Holden Roberto, Pinnock Eduardo(Educação) e Samuel Abrigada(Saúde);
UNITA – Jonas Savimbi, José N’dele e Jerônimo Wanga(Educação) –
p.12-25.
12- Para Ovídio existia um medo na diplomacia brasileira devido ao
fato do General Spínola assumir o governo de Portugal, já que esse
110
general sempre foi a favor do colonialismo, mudando de pensamento de
forma muito radical em pouco tempo.
13 – Ver Revista Isto é, 5 de junho de 1985. Ainda sobre a questão
de armas. Apesar de alguns autores(como Brigagão, Clóvis e Junior,
Proença;1988:90) apontarem as vendas de armas brasileiras para Angola
serem de relativa importância nas relações entre Brasil e Angola e que
não faz parte da pauta de importação –exportação oficial entre os países,
José Nunes Pereira em entrevista afirmou que apenas a partir de 1992,
depois da primeira eleição democrática em Angola, é que o Brasil passou
a mandar armas de maneira mais significativa ao governo daquele país.
14- Um forte exemplo do reflexo da posição brasileira de
reconhecimento do Governo do MPLA pode ser medida com a demissão
do Ministro do Exército, Silvio Coelho Frota em 1978, onde o mesmo
afirmava que o reconhecimento de Angola era indício da crescente
“comunização” que via na política brasileira (Ovídio; pg.1).
15- Em discurso do Presidente na ONU em 25/09/85 – “No Brasil, a
discriminação racial não é só ilegítima – é ilegal, é crime previsto nas leis
penais(...) Reitero solenemente nossa total condenação ao apartheid e
nosso apoio sem reservas à emancipação imediata da Namíbia, sob a
égide das Nações Unidas”. Resenha de Política Exterior do Brasil –
Edição Suplementar, dezembro/1986. Ministério das Relações Exteriores.
111
16 – E, 1975, o grupo Pão de Açúcar recebeu US$ 5 milhões do
governo brasileiro para ajudar Angola a manter-se abastecida de produtos
alimentícios. Revista da Fundação Eduardo dos Santos(FESA), nº1, ano1,
Rio de Janeiro, pág.18, 2001.
17 – Jornal do Brasil, 20 de novembro de 2001.
18- Para o autor, a expressão “Jogo de Soma Zero” designa o
sistema de dar notas escolares em base de curva, no qual para uma parte
dos alunos tirar dez, outra parte terá que tirar zero. Marovitch lembra
Lester Thurow, quando nas economias modernas as riquezas obtidas são
agudamente desiguais. Também de certo modo acontecem jogos de soma
zero.
19 – Essa idéia está muito presente no caso angolano, embora o
país se declarasse ligado diretamente a orientação socialista, não deixava
de apoiar de forma direta a política de não alinhamento aos blocos
militares constituídos no mundo, “baseando nossa ação no seio do
Movimento dos Países Não Alinhados no reforço da orientação
anticolonialista e antiimperialista, pela paz, liberdade e independência dos
povos e pelo progresso social”(MPLA, Relatório do Comitê Central ao I
Congresso – Luanda, 1977).
20 – Dentro dos principais paradigmas das relações internacionais,
pode-se afirmar que o estruturalismo atua diretamente diante dessa
perspectiva. O estruturalismo pretende conhecer as origens, o caráter e as
112
consequências do sistema capitalista mundial. Esse paradigma centra sua
análise de relações internacionais nas desigualdades, nos domínios do
desenvolvimento econômico observados no sistema capitalista mundial.
Barbé afirma que o estruturalismo não vê o capitalismo como um fator que
tende a integração e a cooperação a não ser a causa dos problemas de
subdesenvolvimento existentes no planeta. Como característica, a autora
aponta o contexto histórico da pós colonização; a unidade de análise do
estruturalismo como o sistema econômico capitalista mundial; a
problemática de seu estudo são para Barbé as relações do centro –
periferia e os mecanismos geradores do subdesenvolvimento; e a imagem
do mundo para esse paradigma como um polvo de várias cabeças
alimentando-se por tentáculos(1995:68-69). Ver mais sobre estruturalismo
em Braillard, Phillipe. “As ciências sociais e o estudos das relações
internacionais”. In Teoria das Relações Internacionais, Lisboa, 1990.
21 – Conferência de Chefes de Estado e Governo – Argel, 1973; e
também até 1982, encontros em Manila(1976), México(1976),
Arusha(1979), Havana(1979), Nova Iorque(1980) e Caracas(1981) –
Buarque;1982:16.
22 – Vaz retoma a questão dizendo que o reforço de parcerias
internacionais é recontextualizado e retomado dentre as prioridades da
política externa brasileira, não mais se restringindo a países
113
individualmente, mas tendo por referências blocos econômicos que
passaram a compor o panorama da economia mundial(1999:69).
23- O artigo número 3 do TIAR afirma “ Las altas partes
contratantes convivem en que un ataque armado por parte de cualquier
Estado contra un Estado Americano será considerado como un ataque
contra todos los Estados Americanos, y en consecuencia, cada una de
dichas Partes Contratantes se compromete a ayudar a hacer frente al
ataque, en ejercicio del derecho inmanente de legítima defesa individual o
colectiva que reconoce el Artículo 51 de la Carta de las Naciones Unidas”.
Já no artigo número 9 do TIAR, mostra que “...caracterizarse como de
agresíon, el ataque armado, no provocado, por un Estado, contra el
territorio, la población o las fuerzas terrestres,. navales o aéreas de outro
Estado, y la invasion, por fuerza armada de un Estado, del territorio de un
Estado Americano, mediante el traspaso de las fronteras demarcadas de
conformidad com un tratado, sentencia judicial, o laudo arbitral, o, a falta
de fronteras así demarcadas, la invasión que afecte una región que este
bajo la jurisdicción efectiva de outro Estado” ( Tratado Interamericano de
Asistencia Reciproca)
24 – Ver mais em Correio da Manhã, 26 de outubro de 1962.
25 – Jornal Valor Econômico, 01 de março de 2002.
26 – Jornal de Angola, 02 de março de 2002.
27 – Jornal de Angola, 02 de março de 2002.
114
28 – Jornal O Globo, 24 de fevereiro de 2002.
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CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E
AGRICULTURA – CPDA / UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE
JANEIRO(UFRRJ).
NOME : RODRIGO DE SOUZA PAIN – MESTRADO –
Estudos Internacionais Comparados.
ORIENTADOR : Dr. HÉCTOR ALIMONDA.
Dissertação de Mestrado.
Título : “A inserção do Brasil no processo de independência e
desenvolvimento da República Popular de Angola(1975-1986) na
perspectiva da cooperação entre os países em
desenvolvimento”.
124
ANEXO 11
Lista de países votantes da Resolução 41 / 11 / 86.
Votos a favor : Albânia, Argélia, Angola, Antígua e Bermuda, Argentina,
Austrália, Bahamas, Barein, Bangladesh, Barbados, Benin, Butão, Bolívia,
Botswana, Brasil, Brunei, Bulgária, Burkina Faso, Birmânia, Burundi,
República Socialista Soviética da Bielorússia, Camarões, Canadá, Cabo
Verde, Rep. Centro Africana, Chade, Checoslováquia, China, Chipre,
Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Cuba, Iemem Democrático, Dinamarca,
Djibuti, Equador, Egito, Guiné Equatorial, Rep. Democrática da Alemanha,
Gana, Grécia, Granada, Guiné, Guiné Bissau, Guiana, Haiti, Hungria,
Islândia, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Irlanda, Israel, Jamaica, Jordânia,
Quênia, Kwait, Laos, Líbano, Lesoto, Líbia, Madagascar, Malawi, Malásia,
Maldivas, Mali, Malta, Mauritânia, Maurício, México, Mongólia, Marrocos,
Nepal, Nova Zelândia, Nicaragua, Níger, Nigéria, Noruega, Omã,
Paquistão, Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, Peru, Filipinas, Polônia,
Quatar, România, Ruanda, Santa Lúcia, S. Tomé e Príncipe, Arábia
Saudita, Senegal, Serra Leoa, Singapura, Somália, Espanha, Sri Lanka,
Suriname, Suécia, Tailândia, Togo, Trindade e Tobago, Tunísia, Turquia,
Uganda, Rep. Socialista Soviética da Ucrânia, URSS, Emirados Árabes 125
Unidos, Reino da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Tanzânia, Venezuela,
Vietnã, Iemem, Iuguslávia e Zimbábue.
Abstenção: Bélgica, França, Rep. Federativa daAlemanha, Itália,
Japão, Luxemburgo, Países Baixos(Holanda) e Portugal.
Voto contra : Estados Unidos da América.
Aprovado o projeto resolução 41/11
Fonte : Resenha de Política Exterior do Brasil (1986, n.50:54).
126
ANEXO 1 :
REPÚBLICA DE ANGOLA :
População : 12,3 milhões de habitantes.
Nascimentos por mil habitantes: 50.
Mortes por mil habitantes : 25.
Crescimento natural anual em % : 2,4.
População projetada : 20,5 milhões(2025) e 29,6 milhões(2050)
Taxa de mortalidade infantil por mil : 198.
Taxa de fecundidade : 6,9.
Esperança de vida ao nascer : 37(homens), 39 (mulheres) –
Fonte : “2001 Cuadro de la población mundial del Population Reference
Bureau (PRB)”. Washington, EE.UU.
Situação Geográfica : Angola se situa na região ocidental da África Austral,
entre as latitudes 4º 22 e 18º 02 SE as longitudes 11º 41º 05 E. O território
ocupa uma superfície de 1.246.700 quilômetros quadrados, com uma
fronteira, a norte com a República do Congo e a República Democrática do
Congo; a leste, com a Zâmbia e com o Congo Democrático; a sul com a
Namíbia.
Superfície : 1.246.700 Quilômetros Quadrados – Fronteiras terrestres
somam 5 . 198 quilômetros.127
Principais cidades : Luanda(cerca de 4 milhões de habitantes),
Huambo(210 mil), Lobito (155 mil) e Benguela(120 mil).
Principais grupos étnicos : Ovimbundos (37%), Kimbundos(25%),
Kikongos(13%) e Quiocos(9%).
Idioma oficial : Português – cerca de 65% dos angolanos falam o idioma,
sendo que 10% dos angolanos têm o português como língua materna,
principalmente na capital do país.
128
Introdução..................................................................................1
1.0- Desdobramentos do processo de independência em Angola............4
1.2- Economia angolana pós independência...........................10
2.0- O Brasil na relação Sul –Sul e o processo de independência
de Angola..................................................................................14
2.1- Governos Jânio Quadros e Goulart...................................14
2.2- Governo Castelo Branco....................................................22
2.3- Governo Costa e Silva.......................................................26
2.4- Governo Medici..................................................................30
2.5- Governo Geisel..................................................................34
2.6- Governo Figueiredo...........................................................51
2.7- Governo Sarney.................................................................57
2.8- Alguns aspectos das relações econômicas entre Brasil e
Angola.......................................................................................58
3.0- Cooperação Sul –Sul segundo alguns autores..................68
3.1- Cooperação no Pós Guerra...............................................73
3.2- Diálogo entre os países do Norte e do Sul........................79
3.3- Plano Pearson e Comissão Brent......................................82129
3.4- Relação Sul – Sul no pós crise do petróleo.......................84
4.0- Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul(ZPCAS) e
Organização do Tratado do Atlântico Sul(OTAS)......................91
Considerações Finais...............................................................100
Notas .......................................................................................105
Bibliografia................................................................................110
Anexos......................................................................................119
130