Rogério Largman Borovik
INTERFACE EXPANDIDA
O vídeo na comunicação on line
Mestrado em
Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo2005
Rogério Largman Borovik
INTERFACE EXPANDIDA
O vídeo na comunicação on line
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas
Mídias, sob a orientação da Profa. Dra. Giselle
Beiguelman.
Mestrado em
Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo
2005
ORIENTAÇÃO
Profª. Drª. Giselle Beiguelman
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reproduçãototal ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.
Assinatura:______________________
Local e Data:____________________
À memória de Moisés Largmane Renato Cohen.
Agradecimentos
Aos meus pais, sem os quais nada disso seria possível.
À minha esposa Samira pelo apoio, amor e incentivo.
Aos meus irmãos Roberto, pela light glove e Sandra, pela ajuda com a Brigitte.
À Nicole S. L. Grosso, pela ajuda com as traduções.
Aos meus colegas Adriano Sousa, Aleph Eichemberg e, especialmente, a Almir Almas pelatroca de informações.
Aos amigos Lucas Bambozzi e Marcus Bastos, pela iluminação de seus textos (trabalhos).
Ao Paulo Costa pelos links, livros e conversas nem sempre tranqüilas, mas sempreenriquecedoras.
À Rachel Rosalen, pelo apoio e pelos testes de streaming.
À Mariana Meloni e Tamara Brandão Guaraldo, pelas leituras generosas e observaçõesprecisas sobre o texto.
Ao Lúcio Agra, por ter me apresentado a Ursonate de Kurt Schwitters.
Ao Cris Scabello e Leo Videgal, pelos esclarecimentos a respeito do Dub.
Aos professores Arlindo Machado e Daniela Kutschat, pelas colocações precisas noExame de Qualificação.
Aos coletivos Neo Tao, Formigueiro, Mídia Ka, Cobaia, Muda e Xiado, por criarem ascondições de experimentação em software e linguagem.
Ao David Bowie, por Memory of Free Festival e à Juliana Pikel, pela trilha sonora.
Ao Paulo Roberto dos Santos, que tirou várias dúvidas do universo da informática.
Aos meus amigos das antigas, pelo apoio e em especial ao Marco Scabello, MauricioHermann & Fernão Salles.
Aos criadores Lodewijk Loos e Sher Doruff, pela entrevista e troca de conhecimentos.
À orientadora Giselle Beiguelman, pela sintonia com a pesquisa e por insistir naimportância do estudo crítico de software.
Resumo
As novas condições dadas pelos avanços tecnológicos na contemporaneidadepropiciaram diferentes maneiras de produção videográfica. Ao mesmo tempo em quegarante a concentração de diversas atividades humanas em um único indivíduo, osprocessos inerentes ao universo digital contribuíram como ferramentas inéditas para acomunicação e produções colaborativas. O conceito de autoria é questionado tanto nofazer conjunto como no uso de material “reciclável”, de maneira que um substrato culturalconsiderado banal, cotidiano e descartável, pode ser transformado em matéria prima para acriação artística.
Esse estudo tem como objetivo principal apresentar um panorama histórico sobreo vídeo digital, estudando suas funções na comunicação on line; assim como analisar aspossibilidades inscritas no software de autoração audiovisual Keyworx, que possui umaoriginalidade tanto em sua proposta conceitual, quanto em sua forma, interface e ação. OKeyworx não é um produto confeccionado por uma empresa, mas sim um projetoeducacional da Waag Society, instituição de pesquisa holandesa. O software faz uma fusãode aspectos de ambientes de multi-usuário de tele-conferência, com os de softwareprocessuais de mídia digital (popularmente conhecidos como “software de VJ”).
Uma discussão mais profunda sobre a interface do vídeo digital e seufuncionamento, mostrou ser de suma importância para a reflexão sobre as particularidadesde um modelo de criação colaborativa em vídeo na rede. Nesse sentido, as teorias deEdmond Couchot, Lev Manovich, Arlindo Machado, Jay David Bolter, Richard Grusin eGiselle Beiguelman encontraram lugar de destaque em nosso estudo, pois elucidaramaspectos da natureza binária da mídia digital e suas implicações nos processos de autoria;assim como a realização de entrevistas com os criadores do Keyworx. Pudemos verificarque, a partir do vídeo digital na Internet, os papéis comunicativos entre o emissor e oreceptor têm sua definição alargada, convertidos em interatores de uma comunicaçãodialógica, o que implica em mudanças em sua forma de criação e distribuição midiática.
Palavras-chave:1. vídeo digital, 2. vídeo na internet, 3. edição de vídeo, 4. arte e tecnologia,5. interface, 6. Keyworx.
Abstract
The new conditions provided nowadays by technological advancements havemade it possible to develop different ways of videographic production. While granting theconcentration of different human activities within a single individual, the processes whichare inherent to the digital universe have contributed as completely new tools tocommunication and collaborative productions. The concept of authorship is beingquestioned, both in the collective making and in the use of “recyclable” material, in such away that a cultural substrate considered banal, every-day stuff and disposable can betransformed into raw material for artistic creation.
The main objectives of this study were to present a historical overview of digitalvideo, studying its communication process, enhanced by the arising of the Internet, and toanalyze the possibilities inscribed in the audiovisual authoring software Keyworx, that isoriginal both in its conceptual proposal and in its shape, interface and action. Keyworx isnot a product manufactured by a company, but rather an educational project of the WaagSociety, a Dutch research institution. This software makes a fusion of multi-userteleconference environment aspects with those of digital media process softwares(popularly known as “VJ software”).
A more profound discussion about the digital video interface and its functioningshowed that it is of the utmost importance to a reflection on the particularities of acollaborative video creation model on the net. In this sense, the theories of EdmondCouchot, Lev Manovich, Arlindo Machado, Jay David Bolter, Richard Grusin and GiselleBeiguelman have occupied a key position in this study, because they elucidate aspects ofthe binary nature of digital media and their implications in the authoring processes, alongwith interviews with the creators of Keyworx. We could observe that, ever since thebeginnings of digital video on the Internet, the communication roles between the senderand the receptor had their definition broadened, converted into interactors of a dialogicalcommunication, which implies changes in the way they are created and distributed in themedia.
Key words:1.digital video; 2. video on the Internet; 3. video editing; 4. art and technology;5. interface; 6. Keyworx.
Sumário
Agradecimentos............................................................................................................... 5Resumo.......................................................................................................................... 6Abstract........................................................................................................................ 7Lista de Figuras.............................................................................................................. 9
Introdução................................................................................................................... 10
1. VÍDEO DIGITAL ................................................................................................1.1. Tecnocultura.........................................................................................................1.2. Antecedentes.........................................................................................................1.3. O computador como gerador e conversor de mídias.............................................1.4. Edição linear, não-linear e a Moviola...............................................................
1717212733
2. VÍDEO NA INTERNET ...........................................................................................2.1.Conceituações...........................................................................................................2.2. Streaming e Download...................................................................…………..........Live video streamings - Streamings ao vivo..................................………………..…..2.3. Codecs......................................................................................................................2.4. Meios de difusão na rede......................................................................................... · P2P..................................................................................................................…..... · Videomixers.............................................................................................................. · Cultura Remix ......................................................................................................... ·Videoblog................................................................................................................
40404750545966697780
3. INTERFACE EXPANDIDA – Edição Emergente ...............................................3.1. Proposta de Software: Final Cut Pro e KeyWorx....................................................3.2. Conceitos estéticos: reflexões sobre Interfaces...................................................3.3. Outputs no FC e no KW: as saídas Viewer, Render e Realizer.............................
848792104
Conclusão........................................................................................................................ 110
Referências Bibliográficas............................................................................................... 115
Anexos............................................................................................................................ 120
Lista de Figuras
Fig.1 - Representação do número 87.654.321.............................................................................. 22
Fig.2 - telégrafo-copiadora de Alexander Bain............................................................................ 23
Fig.3 - sinal analógico e digital fonte: ...................................................................................... 24
Fig.4 - conversão análogo digital.............................................................................................. 26
Fig.5 - sample rate e bit rate: amostragem e quantificação ........................................................... 28
Fig.6 - Moviola. ................................................................................................................... 36
Fig.7 - mesa de edição Steenbeck ........................................................................................... 39
Fig.8 - King Tubby em seu “laboratório de som” ...................................................................... 62
Fig.9 - screenshot de edição com videomixer............................................................................... 70
Fig.10 - Screenshot de KungFu mixer.......................................................................................... 71
Fig.11 - screenshot do videomixer Circ_lular............................................................................... 72
Fig.12 - screenshots de Pianografique......................................................................................... 74
Fig.13 - screenshots do piano gráfico compulsion.......................................................................... 76
Fig.14 - screenshot do módulo de montagem Continuum................................................................ 76
Fig.15 - Ícone do FC................................................................................................................ 87
Fig.16 - Ícone do KW............................................................................................................... 88
Fig.17 - Splash screen do FC.................................................................................................... 90
Fig.18 - Splash screen do KW................................................................................................... 91
Fig.19 - print screen interface FC................................................................................................ 94
Fig.20 - print screen da interface do Patcher................................................................................. 97
Fig.21 - os módulos................................................................................................................ 99
Fig.22 - estados e tipos de módulos............................................................................................ 99
Fig.23 - campos do patcher........................................................................................................100
Fig.24 - módulos de entrada...................................................................................................... 101
Fig.25 - módulos modificadores................................................................................................ 102
Fig.26- módulos de saída......................................................................................................... 102
Fig.27 elementos da interface do Realizer................................................................................... 103
Fig.28 frame de vídeo gerado pelo Realizer na Performance Transmigração na Galeria. Vermelho.......... 105
Fig. 29 frame de vídeo gerado pelo Realizer na Performance Transmigração na Galeria. Vermelho.......... 107
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Introdução
O trabalho que aqui se encontra versa sobre a edição de vídeo, de como os modos de
fazer vídeo estão sendo ampliados pelas novas tecnologias, permitindo novas formas de
produção significante. É curioso notar que, ao mesmo tempo em que o vídeo está mais do
que nunca acessível à produção individual, graças à tecnologia, surgem cada vez mais
movimentos e propostas de trabalhos colaborativos, nos quais o conceito de autoria é
questionado tanto no fazer conjunto quanto no uso de material “reciclável”. Nesse
sentido, um substrato cultural, aquilo que é considerado banal, cotidiano e descartável, é
transformado em matéria-prima para a criação artística.
Para a realização desses trabalhos coletivos em rede, apresentamos um software
concebido com esse objetivo, o KeyWorx (anteriormente chamado Keystroke).
Diferentemente dos programas tradicionais de edição de vídeo no computador,
categorizados como desktop video, que pressupõem o uso individual, o KeyWorx propõe
uma forma de criação coletiva. Programas do tipo desktop video, como o Final Cut Pro,
tiveram sua concepção original (dada pelo fabricante/indústria do software) subvertida em
apresentações ao vivo e coletivas, nas quais desponta a figura do VJ (vídeo-jóquei).
Neste contexto, analisamos como a figura do editor de vídeo solitário na frente do
computador foi se alterando frente às inovações surgidas na Internet e do desenvolvimento
de software e hardware, potencializando a transfiguração do editor de vídeo em VJ. Para
tal, investigamos a natureza da mídia, o vídeo digital e seus meios de difusão e criação:
software, interfaces e a Web, a origem de base numérica binária, o telefax, a edição no
cinema em vídeo analógico e digital.
Primeiramente, fazemos uma contextualização do objeto de pesquisa: o KeyWorx,
software que possibilita a manipulação de mídias digitais em tempo real com vários
usuários (interatores) conectados, seja em redes locais (intranets), seja na rede mundial de
computadores, a Internet. A contextualização se inicia buscando as origens e as
especificidades da chamada Arte Digital, baseada na discussão de Lev Manovich sobre as
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“novas mídias”. E em que medida as evoluções tecnológicas engendram mudanças no
universo da arte. Para tanto, são trabalhados conceitos de Edmond Couchot, Arlindo
Machado, Jay David Bolter, Richard Grusin e Giselle Beiguelman, além do já citado Lev
Manovich.
Em seguida, buscamos os antecedentes tecnológicos do vídeo digital na Internet,
caracterizado pelo fato de ele ser escrito em linguagem binária, compreendendo quais
foram suas primeiras utilizações na formação de imagens. Depois, enunciamos as
primeiras formas de transmissão eletroeletrônicas de imagens, e em que medida ela
determina a constituição dessa imagem, suas características: uma imagem feita de
pequenos pedaços, de pontos, reticular, tal qual um mosaico. Assinalamos as diferenças
entre a imagem eletrônica (vídeo e TV) e a imagem digital, que reside no fato de a imagem
digital constituir-se de um código numérico e, portanto, ser manipulável matematicamente,
isto é, a mídia torna-se programável.
Ao adentrar o terreno da programabilidade, explicamos como o computador cria
mídias, as chamadas imagens sintéticas. Elas são assim chamadas, pois não são obtidas a
partir da captura de objetos ou criaturas, ou seja, não são necessariamente uma
representação da realidade, podendo dispensar a característica referencial encontrada na
fotografia, no cinema, na TV e, em menor grau, no vídeo. A imagem sintética pode ser uma
distorção dessa imagem referente, ou pode ser uma imagem completamente inédita, não
mimética, abstrata, assim como as pinturas das vanguardas do começo do século XX (em
especial o Suprematismo), criando uma apresentação significante em vez de uma
representação da natureza.
Depois de explicado como se geram imagens através do computador, analisamos
como se convertem imagens de outras mídias para a linguagem binária, o processo
conhecido por digitalização. Embora a digitalização ocorra hoje de maneira corriqueira nas
mais diversas atividades humanas (escaneamento de imagens, captura de áudio e vídeo,
reconhecimento de caracteres OCR para textos), ela não é necessariamente compreendida.
Explicamos, então, que o processo de digitalização envolve sampleamento e quantificação
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(quantify), e o significado desses termos. Diferenciamos também os tipos de imagem
digitais: bitmaps e gráficos vetoriais. Por fim, elucidamos as implicações de se trabalhar
com uma mídia programável.
À medida que se numerizam, as técnicas interpõem, efetivamente, entre a ferramenta ea matéria bruta, alguma coisa que não existe na relação tradicional: a tela de linguagem.A ferramenta numérica é lingüística e por isso coloca em jogo, por este fato,sistematicamente na sua programação, os modelos provindos da ciência.1
Couchot refere-se aqui à interface gráfica do usuário (GUI – Graphical User
Interface). Paradigma da produção artística atual via computadores, a interface será
matéria de reflexão nos capítulos 2 e 3.
Na última parte do capítulo 1, tratamos da edição de vídeo propriamente dita. No
princípio ela era feita de modo linear, implicando grandes gastos de tempo e dinheiro,
devido à forma trabalhosa e dispendiosa que caracterizava esse processo. A edição não-
linear em vídeo só foi possível com o uso do computador. No entanto, o processo de
edição não-linear foi concebido no cinema, por isso as interfaces gráficas dos programas de
edição no computador (que ficaram conhecidos pelo termo desktop video) usaram como
metáfora o instrumental do cinema: a película (metaforizada na timeline), a moviola, a
lâmina de barbear (que servia para cortar a película) e assim por diante. Por fim, tomamos
algumas considerações de um editor consagrado, Walter Murch, que trabalhou com os três
sistemas de edição.
No capítulo 2, demarcamos a diferença entre o vídeo digital e o vídeo digital na rede.
A Internet, mais que apenas um dos suportes para vídeo digital (os outros seriam CD-
ROMs, DVDs, fitas em formato mini-DV, etc), pode vir a determinar suas características
intrínsecas. No entanto, há que se diferenciar os vídeos que foram disponibilizados na
Internet – embora tenham sido concebidos para outros formatos – daqueles pensados
exclusivamente para a Internet. Estes consideram as limitações da rede (velocidade de
conexão, processamento dos computadores, além de variáveis em torno de sistemas
1 COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. 2003, p.194.
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operacionais, tipos de monitor, etc) como determinantes para a formação de uma
linguagem própria para o vídeo na internet. Outros buscam utilizar os novos recursos
oferecidos pela Internet em seu protocolo mais popular, o HTTP da Word Wide Web.
Alguns desses trabalhos procuram fazer o uso do hyperlink para criar narrativas
“navegáveis” e não-lineares, enquanto outros usam a Internet como um espaço virtual de
encontros e criações coletivas.
Para tal, fazemos uma breve conceituação da Internet, dos vetores econômicos,
sociais e tecnológicos que estão em jogo e que se inter-relacionam, assim como dos
formatos de vídeo digital disponíveis para criação e fruição de vídeos na rede. Buscamos
traçar um pequeno histórico dos anos iniciais do vídeo na Internet, através de um artigo de
Nora Barry que paradoxalmente se intitula “Telling stories on screens: a history of web
cinema” (Contando histórias na tela: uma história do cinema na web), do livro Future
cinema. Questionamos os critérios (ou a falta de) de denominações de objetos e
procedimentos culturais na Web. Isto não surpreende quando encaramos a realidade da
Web, onde as categorias são fluidas e as inovações tecnológicas estão sempre alterando o
estatuto (incipiente) das coisas.
Parece que na Web se sofre uma certa síndrome de Humpty Dumpty:
Quando eu uso uma palavra, disse Humpty Dumpty em tom meio debochado, elasignifica apenas aquilo que eu quis que significasse, nem mais nem menos. A questão,disse Alice, é saber se você consegue fazer as palavras significarem tantas coisasdiferentes. A questão, disse Humpty Dumpty, é o que significa ser aquele que manda, eisso é tudo.2
Seguimos fazendo a diferenciação entre os vídeos disponibilizados na Internet dos
vídeos feitos para a Internet, tecendo considerações a respeito da especificidade do vídeo
digital, como, por exemplo, a questão de seu peso. O vídeo digitalizado tende a criar
arquivos com grande carga informacional, ou seja, com muitos bytes, geralmente da ordem
2 CARROL, Lewis. “Através do espelho e o que Alice encontrou lá”. 1977, p. 196. No conto“Cidade de Vidro”, de Paul Auster, há considerações interessantes a respeito do personagemHumpty Dumpty tratado como um “filósofo da linguagem”. Cf. Trilogia de Nova York, 2004,pp. 92-95.
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de milhões (megabytes), mas podendo facilmente chegar a bilhões (gigabytes). Isso exige
grande capacidade de armazenamento, velocidade de fluxo e processamento de dados, daí a
metáfora do peso ser tão adequada.
Apresentamos então as duas formas primordiais de recepção de vídeo na Internet: o
download e o streaming. O download foi a forma inicial de veiculação de vídeo na Internet
e persiste até hoje de diversas maneiras. Consiste em descarregar o conteúdo completo
do arquivo de vídeo digital no disco rígido (HD) do computador do usuário para que este,
então, possa assisti-lo. O streaming foi uma tecnologia desenvolvida justamente para
driblar o problema do peso dos arquivos de vídeo em sua veiculação na Internet. Aqui o
arquivo é dividido em pequenos pacotes que são transmitidos para, mas não armazenados
no HD do computador receptor. À medida que o pacote chega, ele é visualizado e em
seguida descartado, não ocupando espaço no HD nem na memória da unidade de
processamento (CPU). Fazemos uma análise minuciosa dos aspectos de diversos modelos
de streaming, tecnologias envolvidas, protocolos utilizados, as diversas formas de multi-
recepção (webcasting), como também as implicações sociais e culturais dessas opções
tecnológicas. Por exemplo, a impossibilidade de manipular seu conteúdo, sendo uma
garantia de proteção de propriedade intelectual (copyright).
Chegamos então ao núcleo duro da problematização do vídeo digital na rede quando
se trata da questão dos CODECs. O termo CODEC é a contração de
compression/decompression. Sua função é comprimir as informações do vídeo digital para
armazenamento e transporte e descomprimi-las para sua visualização. Mesmo no sinal de
vídeo analógico existe um tipo de compressão. No vídeo digital, onde há maior quantidade
de informação, quer nas gravações ou transmissões, o processo de compressão torna-se
quase inevitável. Na transmissão é obrigatório. Foi graças aos CODECs que a Internet
pôde se tornar multimídia, pois praticamente todos os arquivos de áudio e vídeo utilizam
algum tipo de CODEC. Na Web, a baixa resolução é a regra e não a exceção.
Partimos então para ver como isso ocorre na prática, analisando casos específicos
de vídeo na Internet, seu transporte, sua veiculação e sua criação. O P2P (peer-to-peer), os
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webvideomixers desenvolvidos na tecnologia Flash, os sites que manifestam a cultura
remix e os viral videos. Selecionamos casos que evidenciam procedimentos que já existiam
antes da popularização da Internet e da cultura digital, mas foram por elas elevados à
enésima potência. Falamos aqui do cenário contemporâneo, onde é comum a prática do
remix, do sampleamento, da reciclagem, configurando uma cultura open-source em que as
antigas noções de autor estão sendo revistas.
É significativo notar que, ao mesmo tempo em que a tecnologia possibilita, cada
vez mais, concentrar diversas atividades humanas nas mãos (e, sobretudo, na cabeça) de
uma só pessoa, diversos coletivos de artistas se unam para criar trabalhos, performances,
eventos ou “projetos”. É o que Manovich qualifica como autoria colaborativa.3 E, como
previu Timothy Leary, com a Internet o computador pessoal (PC) tornou-se
interpessoal.4 Hoje em dia, podemos ter no bolso câmeras, gravadores e até computadores
pessoais (palmtops), que há pouco mais de 50 anos ocupavam salas inteiras.
Concomitantemente à miniaturização desses dispositivos, desenvolveram-se as
possibilidades de interconexões entre máquinas e pessoas, entre máquinas e outras
máquinas e, portanto, entre pessoas e pessoas através de máquinas. Mas é importante
notar que as novas formas de associação e de criação colaborativa não se dão por causa
dos avanços tecnológicos. A evolução dos dispositivos tecnológicos midiáticos permite o
surgimento dessas novas formas de criação e recepção, mas não garante sua efetivação.
Para tal, é necessária a emergência de uma nova mentalidade, uma nova visão de mundo – o
que já vem ocorrendo há algum tempo. Trata-se aqui de uma complexidade emergente
adaptativa.
Nesse ponto, a pesquisa entra na análise do software multimídia e multiusuário
KeyWorx, que permite um sistema de criação emergente, sem um centro único
3 MANOVICH, Lev. “Quem é o autor: sampleamento, remixagem e código aberto”. 2004,
p.250.4 LEARY, Timothy. “The interpersonal, interactive, interdimensional interface”. 2001,p.229.
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controlador, mas em uma malha de ações e relações, na qual não interessa o produto final,
mas o processo em si.
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1. Vídeo Digital
O artista é antes de tudo um matemático,
um técnico, um investigador da natureza.
Leon Battista Alberti
1.1. Tecnocultura
As técnicas não são alheias à cultura. Etimologicamente, a palavra técnica vem do
grego tékhné, que quer dizer “arte, artesanato, indústria, ciência”. No entanto, hoje em dia,
quando a tecnologia digital se difundiu por todos os campos de atuação humana, é comum
a crítica de que a arte feita em computador eliminou o caráter subjetivo da criação, caráter
este indispensável à criação artística.
Esta crítica aparece no verso provocativo da música Computadores fazem arte:
“Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro/ Artistas fazem dinheiro/
Computadores avançam/ Artistas pegam carona/ Cientistas criam o novo/ Artistas levam a
fama”. Composta por Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livre S.A., registrada no disco
de estréia Da lama ao caos (1994), de Chico Science e Nação Zumbi, a letra da música já
anunciava o que estava por vir. O número de artistas fazendo música e arte com
computador, toca-disco, sintetizador, sampler e afins é crescente, marcando o cenário
cultural brasileiro neste início de século.
Significativamente, Chico Science e sua banda Nação Zumbi usaram e abusaram da
tecnologia digital, criando uma fusão muito frutífera desta com instrumentos de origem
mais arcaica (tambores, agogôs e cavaquinhos). Esse uso criativo da tecnologia ficou
evidente em suas músicas, que deram origem a um movimento musical justamente
chamado Mangue Bit (“bit”, a unidade mínima de informação usada pelos computadores,
correspondendo a 0 ou 1 na linguagem binária). O nome foi depois alterado pela imprensa
para Mangue Beat (“batida” em inglês).
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No decorrer da história, os artistas sempre fizeram uso da tecnologia. Atualmente,
na criação artística, o uso da tecnologia não significa a eliminação da subjetividade, inerente
à arte, mas sim aponta para novas modalidades de subjetividade. Edmond Couchot
lembra-nos que desde a pré-história até a atual cultura digital, os processos figurativos
desenvolvidos pelo homem são dependentes de automatismos maquínicos. A relação que
se dá nas artes visuais entre automatismo técnico e subjetividade se consolida na idéia de
que o sujeito teria dois elementos básicos: o sujeito-NÓS, modelado pela experiência
tecnestésica, em que o “sujeito controla e manipula técnicas através das quais vive uma
experiência íntima que transforma a percepção que tem do mundo”; e o sujeito-EU, que
seria a manifestação de uma subjetividade irredutível a todos os mecanismos técnicos, uma
singularidade, com uma história e um imaginário individuais. Para Couchot, o “uso das
técnicas conforma cada um segundo um modelo perceptivo partilhado por todos – um
habitus comum sobre o qual se elabora uma cultura e da qual a arte se alimenta”.5
A crítica à invasão dos dispositivos técnicos a um universo antes dominado pela arte
tem sua origem no romantismo, quando é exacerbada a idéia de subjetividade: a noção de
autor. É famosa a crítica que o poeta Charles Baudelaire fez da fotografia, considerando-a
uma imagem trivial que mostra a natureza “exatamente” como ela é. O que incomodava o
poeta é que a atividade de figuração do real, antes ocupada pelos pintores, seria
automatizada por uma máquina “sem inteligência nem arte”.6 A fotografia é um
desenvolvimento de toda uma série de saberes e aparelhos engendrados por esses saberes,
que tem sua origem no Renascimento, onde, não por acaso, também se originou a noção de
autor com Da Vinci, Michelangelo e Rafael.
De acordo com Couchot:
Não há ruptura essencial na relação do sujeito, da imagem e do objeto (esta fração domundo ou do real a representar) entre o sistema figurativo teorizado por Alberti e afotografia. Há um prolongamento e reforço, um reforço que aproveita toda a potênciados procedimentos de automatização da imagem – de sua produção e de sua reprodução
5 COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. 2003, pp.15-17.6 BAUDELAIRE, Charles. “Photography”. 1980, pp.112-113.
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– desenvolvidas entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX e já emsemente desde as invenções do Quattrocento.7
A tecnologia é fruto do pensamento científico e também faz parte do campo da
cultura. Percebemos aí uma série de vetores se inter-relacionando, e não categorias
estanques de pensamento como “tecnologia”, “arte” e “cultura”. Essa prática de dividir o
pensamento humano em diversas categorias surge a partir do Renascimento, e se acerba no
Iluminismo com o pensamento enciclopedista. Paradoxalmente, no Renascimento, período
da história caracterizado pelo pensamento humanista, pretendia-se abarcar e integrar todo
o conhecimento humano, não fazendo separação entre arte e ciência. O melhor exemplo
disso está na figura emblemática de Leonardo da Vinci, mistura de pintor, engenheiro,
anatomista, etc. No entanto, na Renascença, surge a idéia de autor (assinatura), as
corporações de artífices tornam-se cada vez mais específicas e começa a se desenvolver o
método científico. Inicia-se a divisão social do trabalho, que terá seu ápice séculos mais
tarde, na produção da linha de montagem criada por Ford no século XIX, em que o
trabalhador fazia uma tarefa única e específica, não tendo uma noção do conjunto.
Tecnologia = ciência + técnica. Portanto, não podemos colocar a tecnologia fora do
âmbito da cultura. Ainda mais se estivermos nos referindo à tecnologia das comunicações,
que alguns autores como Manuel Castells acreditam “moldar a cultura”. O autor sugere
que os avanços tecnológicos determinam profundamente as formas de comunicação,
alterando sobremaneira a cultura, como nunca antes, pelas atuais tecnologias digitais.8 Tais
constatações podem parecer óbvias, mas, não muito tempo atrás, tinha-se a idéia de que a
cultura e a tecnologia pertencessem a universos diferentes e até mesmo conflitantes.
A idéia clássica de arte, que muito se perpetua até a atualidade, foi concebida no
Renascimento, quando esta se categorizou em cinco grupos: desenho, pintura, gravura,
escultura e arquitetura.9 Nesse período, a arte tornou-se portátil e perdeu sua dependência
religiosa, migrando dos murais das igrejas para as telas. As mudanças das técnicas do
7 COUCHOT, Edmond. Op. cit., p.26.8 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2005, p.414.9 SANTAELLA, Lúcia. Cultura e artes do pós-humano. 2004, p.150.
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afresco para a têmpera, e depois para a pintura a óleo, afetaram seu modo de produção,
desde o pré-planejamento até o tempo de execução e as pessoas envolvidas no processo.
A partir daí, o que antes era feito por uma equipe pôde ser executado somente por uma
pessoa. Além disso, a possibilidade de retoque dada pela tinta a óleo criou uma liberdade
sem precedentes no universo da pintura.
Esse exemplo demonstra que a arte sempre foi produzida através de técnicas, de
modo que cada período histórico tem seus próprios meios de produção artística. Até a
Revolução Industrial no século XIX, essas técnicas, apesar de já contarem com o uso de
diversos aparelhos auxiliares, foram em sua totalidade artesanais, ou seja, dependeram da
habilidade manual do artista para sua concretização em formas bi ou tridimensionais. Com
a Era Industrial, os trabalhos manuais antes feitos pelo homem foram ampliados e, por
vezes, substituídos pelas máquinas. Essas transformações também ocorrerão, mesmo que
de forma paulatina, polêmica e resistente, no universo da arte, ao ser introduzida a
primeira máquina capaz de fixar imagens sem a intervenção da mão humana: a câmera
fotográfica.
O contexto social de industrialização, a partir da invenção de uma nova técnica
figurativa, de algum modo proporcionou as condições necessárias para a transformação da
idéia de arte e o surgimento de novas modalidades e proposições artísticas. Com a
invenção da fotografia, a pintura foi aos poucos deixando de ocupar o papel de reprodução
mimética do mundo externo, buscando então algo que lhe seria próprio, sua “essência”,
mudando assim seus referenciais conceituais e estéticos. A arte, de alguma maneira,
responde à fabricação técnica pela criação estética, à trivialidade pela singularidade, na
eterna busca pelo novo, pelo original. Uma busca sem fim, visto que o novo hoje será o
antigo no futuro, assim como o original se tornará trivial.
Assim como a imprensa no século XIV e a fotografia no século XIX tiveram umimpacto revolucionário no desenvolvimento da cultura e sociedade modernas, hojeestamos no meio de uma nova revolução midiática – a mudança de toda a cultura passa aser mediada por computador através de suas formas de distribuição, produção ecomunicação. Essa nova revolução é possivelmente mais profunda que as anteriores. Aimprensa afetou somente um estágio da comunicação cultural – a distribuição de mídia.Similarmente, a introdução da fotografia afetou somente um tipo de comunicação
21
cultural – a imagem fixa. Em contraste, a revolução da computação midiática afetatodos os estágios da comunicação: aquisição, manipulação, armazenamento edistribuição; e também afeta todos os tipos de mídia – textos, imagens fixas, imagensem movimento, som e construções espaciais.10
Na contemporaneidade, muitos artistas vêm-se apropriando dos novos meios
digitais para a criação artística, trabalhando especialmente com imagens numéricas.
Analisaremos aqui uma mídia atual, o vídeo digital, mais precisamente o vídeo na Internet,
observando características inerentes à sua “matéria” – arquivo digital composto de
números binários, os quais são passíveis de processamento pelo computador – e suas
“ferramentas” – programas de computador, software necessário à criação, distribuição,
exposição e conservação (armazenamento) desta mídia. Nosso intuito não é repudiar ou
aceitar a atual condição tecnológica humana, até porque ela já está implantada, mas
entender de que maneira nos relacionamos com ela no âmbito da criação artística, e em que
medida essa tecnologia possibilita novas propostas na arte da imagem.
Para tal, vale perpassar, de maneira breve, as origens históricas da imagem
videográfica – reticular, mosaicada e fragmentada – e entender como ela se articula mais
especificamente com a mídia digital.
1.2 Antecedentes
O vídeo digital pertence ao grupo das novas mídias ou mídias digitais, que têm em
comum o fato de sua base, sua “matéria-prima”, ser constituída de números de “base 2”,
ou seja, números binários (0 e 1). Isto corresponde ao estado ligado e desligado dos
microcircuitos do computador. Este fato faz toda a diferença, se comparado com as mídias
analógicas. A partir das tecnologias de mídia eletroeletrônicas, do telégrafo até o vídeo, o
meio deixa de ser material (papel, madeira, pedra, ferro, etc) para tornar-se uma corrente
elétrica. Com o digital essa imaterialidade adquire outras especificidades, de maneira que as
novas mídias retêm as características das mídias anteriores (imagens, sons e textos), mas
10 MANOVICH, Lev. The language of the new media. 2001, p. 19.
22
são constituídas de dados numéricos (binários) passíveis de manipulação e mediação
através do computador.
Instrumentos que trabalham com o
binário foram inventados pelo homem
muito antes de ele dominar a eletricidade
e a eletrônica. O mais antigo é sem dúvida
o ábaco, a primeira calculadora binária de
que se tem notícia, existente desde o
século VIII a.C., na China.11
Já o primeiro dispositivo gráfico
binário foi o famoso tear de J. M.
Jacquard. Por volta de 1800, Jacquard criou um tear que era programado por cartões
perfurados. Lev Manovich considerou esse invento o primeiro computador gráfico,
gerando “imagens complexas, incluindo um retrato de seu inventor”.12 De fato, a idéia de
transmitir dados e instruções para uma máquina através de cartões perfurados foi adotada
por Charles Babbage em 1833, quando ele elaborava um dispositivo denominado máquina
analítica. Esse novo invento teria duas características básicas dos computadores atuais: a
capacidade de armazenar informação e a execução de programas, tecendo padrões
algébricos, assim como o tear de Jacquard tecia flores e folhas. No entanto, a máquina
analítica de Babbage não passou de um projeto, pois seu inventor morreu sem conseguir
tirá-la do papel. Mas seus cartões perfurados, que registravam a informação de forma
binária – 0 e 1, sim ou não, buraco vazado ou fechado –, foram largamente usados nos
computadores, pelo menos até meados da década de 1960.
11 Cf. http://piano.dsi.uminho.pt/museuv/ac_abaco.html.12 MANOVICH. Op. Cit., p. 22.
fig. 1 - Representação do número 87.654.321
23
A ação de traduzir uma imagem para o formato digital se realiza por um processo de
divisão conhecido por digitalização ou discretização. A origem desse processo é antiga,
decorrente da necessidade de se enviar imagens (fixas) por transmissão elétrica. Os
primeiros inventos surgiram a partir da tecnologia do telégrafo. No século XIX, a primeira
transmissão de uma imagem por meio de impulsos elétricos adveio de um equipamento
criado por Alexander Bain. Patenteado em 1843, esse aparelho foi o precursor da máquina
de fax ou fac-símile. Alexander Bain era um apaixonado fabricante de relógios e adaptou os
mecanismos do relógio elétrico à tecnologia do telégrafo. Sua invenção consistia em dois
pêndulos sincronizados. Enquanto o primeiro oscilava e percorria uma superfície de metal
com relevo, semelhante às chapas de impressão da época, o segundo fazia o mesmo
movimento sobre um papel embebido em iodeto de potássio, que sofre alteração da cor
pela passagem de corrente elétrica. Sua
primeira apresentação pública ocorreu em
1851, transmitindo manuscritos e
desenhos. Esse foi o começo não só da
comunicação por escrito através de
códigos binários, via correntes elétricas,
mas também da possibilidade maquínica
de receber imagens a longa distância.13
Esse foi talvez o prenúncio da revolução
ocasionada pela união da telecomunicação
com a computação.
F. C. Bakewell, em 1847, aperfeiçoou o invento de Bain utilizando cilindros,
semelhantes aos dos aparelhos de fac-símile atuais, em vez de pêndulos. Com isso obteve
13 Cf. http://www.mediatecaonline.net/videonline ehttp://chem.ch.huji.ac.il/~eugeniik/history/bain.html.
fig. 2 – telégrafo-copiadora de AlexanderBain
24
uma melhora na qualidade de imagem. O abade Giovanni Caselli (1815-1891), em 1862,
aprimorou as idéias dos telégrafos eletroquímicos de Bain e Bakewell, criando o
pantelégrafo. Este possuía um sincronizador, conseguindo enviar textos e desenhos via
cabo, de Amiens a Paris. Essas invenções consistem em um marco para o entendimento da
transmissão de imagem, pois naquele momento a questão se colocava da seguinte forma:
Se uma imagem for transmitida por cabo via uma série de impulsos elétricos, ela deverá,em primeiro lugar, ser dividida em pequenas partes. Cada impulso transmite uma parte.No ponto de recepção, as partes deverão ser reproduzidas individualmente, e depoisreagrupadas para duplicarem a imagem original. O processo é chamado de scanning.Mas como isso poderia ser feito?14
Em 1885, na França, Maurice Leblanc propôs que cada parte da imagem fosse
separada e exposta em uma sucessão rápida e numa seqüência exata, dando a ilusão de uma
imagem inteira, que pode ser criada no ponto receptor. Esse processo, denominado
scanning, é justamente o processo de discretização da imagem (a quebra de uma
informação contínua em pequenas partes). É o que ocorre na digitalização da imagem por
computador, usando um aparelho que se chama justamente scanner, ou escaneador. A
discretização ocorre em diversas mídias. No fax, em amostras de espaço 2D. No cinema,
na combinação de código contínuo e
discreto, cada quadro (frame) é uma
fotografia – uma informação
contínua, mas o tempo é partido em
certo número de amostras. Na TV e
no vídeo, além da discretização
ocorrer no tempo, como no cinema,
o próprio quadro é discretizado
verticalmente em linhas de varredura
(scan lines) no espaço.
14 SETTEL, apud ROSA, Almir Antônio. Videohaiku. 2000, p.110
fig. 3 –sinal analógico e digital
25
Uma imagem digital fixa é uma matriz de pixels, uma amostra bidimensional do
espaço. No vídeo digital há uma série dessas matrizes (frames) que se sucedem durante o
tempo. A imagem digital é composta por uma série de pontos dispostos horizontal e
verticalmente – os pixels (o termo é uma abreviação de picture elements). Ora, até aí não
há novidade: a imagem de vídeo também é formada por uma série de pontos, assim como a
imagem impressa em off-set, usando o sistema halftone, produz uma imagem reticular
formada por pontos. No entanto, esses pontos variam de tamanho, de forma contínua. De
maneira análoga, o sinal eletromagnético da transmissão televisual é uma onda (hertziana)
contínua que gera uma imagem reticular, mosaicada. O termo imagem mosaicada foi
cunhado por Marshall McLuhan em relação à especificidade da imagem do monitor de TV.
Arlindo Machado comenta:
Se formos buscar na pintura um paralelo com a técnica constitutiva da imagemeletrônica, certamente não será na pintura figurativa renascentista que iremosencontrar. Marshall McLuhan fala de imagem mosaicada a propósito do vídeo,referindo-se, como bem observa Décio Pignatari, aos mosaicos das igrejas bizantinas,em que as pedrinhas de cristal colorido com que se forja a imagem nunca estão nomesmo plano, o que faz variar a incidência da luz. Esta textura particular parececonferir tatilidade à imagem, como se o olho fosse capaz de “apalpar” a suagranulosidade e sentir a sua constituição (Pignatari, 1984:16). Mas é na obra de um dosinauguradores da paisagem plástica contemporânea que vamos observar o nascimento,por assim dizer, do processo televisual: estamos nos referindo a Georges Seurat.Substituindo as pinceladas tradicionais por pequenos retângulos ou pontos coloridos,Seurat deu o golpe de misericórdia na imagem figurativa, dissolvendo-a numa rede deretículas granulosas, como na trama multipontuada de uma tapeçaria.15
A percepção de formas e figuras nessas imagens pontilhadas (reticulares) se dá por
um esforço do espectador. Cabe a ele a “operação final de combinação e
reconhecimento”.16 O “escândalo” causado pelas primeiras exposições dos impressionistas
foi justamente causado pela incompreensão desse esforço. Para ver as figuras de um
quadro impressionista e não somente as pinceladas que o constituem, o espectador deveria
se distanciar do quadro a ponto de essas pinceladas se mesclarem e as figuras se tornarem
reconhecíveis em sua mente.
15 MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 44.16 Id., Ib., p. 45.
26
O grande diferencial das
mídias digitais para suas
antecessoras, segundo Manovich,
é que enquanto estas contêm
níveis de representação discreta
(discretização) a amostragem
nunca é quantificada. Ou seja, o
valor da amostra não é medido; isso só ocorrerá na mídia digital. Vamos entender a seguir
como ocorre a discretização e quantificação da mídia analógica pelo computador, ou seja,
como se sucede a digitalização.
A digitalização converte qualquer tipo de mídia em dados computacionais. É o que
Manovich chama de princípio de transcodificação.17 Este princípio das mídias digitais
deriva de outros quatro: representação numérica (todos os objetos das novas mídias são
compostos de um código digital binário), organização modular, automação e variabilidade.
A conseqüência do princípio de transcodificação é que as mídias digitais adotam um
aspecto essencial da programação informática: a separação entre um algoritmo e uma
estrutura de dados. Assim, temos de um lado os programas de computador, os softwares,
que são constituídos de uma série de algoritmos; e do outro as mídias digitais: arquivos
formados por um conjunto de dados numéricos. A mídia digital é sujeita a manipulação
algorítmica. Através das ferramentas (algoritmos) de um programa de edição de vídeo
podemos, por exemplo, aumentar o contraste da imagem de um trecho de vídeo, mudar sua
proporção, “desfocá-la” (blur). Resumindo, a mídia torna-se programável.18
17 MANOVICH, Lev. Op. Cit., p. 45.18 Id., Ib., p. 27.
fig. 4 conversão análogo digital
27
1.3. O computador como gerador e conversor de mídias
Uma imagem sintética é aquela que se constitui sem o uso da câmera, sem um
referente ou sem um índice do real. Uma das primeiras imagens sintéticas não-figurativas
foi concebida por Nam June Paik no trabalho Distorted TV Sets (apresentado na Galeria
Parnass de Wuppertal, Alemanha, em 1963). Arlindo Machado aponta que elas eram
imagens “sintetizadas através do puro tratamento eletrônico do fluxo de partículas no
iconoscópio” de um aparelho televisor, compostas através do uso de ímãs que alteravam a
trajetória do feixe de elétrons no tubo de varredura, modificando assim a imagem. Esse foi
um dos primeiros sintetizadores, capaz de distorcer tanto uma figura renascentista,
construída pelo olho de uma câmera, como também gerar imagens inéditas, sem
necessidade de recorrer ao trabalho de enunciação da velha câmera obscura. Machado
analisa que uma das contribuições de Paik à videoarte foi a recusa a cumprir com a
finalidade figurativa da imagem técnica, conseqüentemente atacando a ideologia do
mimetismo à qual ela está associada. O sintetizador dispensa o referente, essa entidade
fundadora da figuração, e nesse sentido ele se desvia de uma vez por todas da linha de
evolução dos sistemas figurativos.19
Como assinalamos anteriormente o vídeo digital pertence ao grupo das novas mídias,
que tem em comum com outras mídias digitais o fato de sua “matéria prima” ser
constituída de números de “base 2”, ou seja, números binários (0 e 1). Diferenciando-o das
mídias analógicas, pois são passíveis de manipulação algorítmica.
A mídia videográfica encontra-se hoje na fronteira entre o seu sentido expandido nacultura digital e a sua natureza de meio em que convergem diferentes modos derepresentação. Ela pode ser traduzida como um contexto criativo em que tendemmanifestações de ordem contemplativa, participativa e interativa; uma linguageminterdisciplinar capaz de coexistir nos mais diversos ambientes sensórios, que inscrevepela primeira vez o tempo no espaço, opera em tempo real e associa imagens e sonspor se tratar de uma escritura audiovisual, em movimento; um meio dinâmico, vivo, quepromove diálogos multifacetados no campo geral das práticas significantes.20
19 MACHADO, Arlindo. Op. Cit., p. 119-122.20 MELLO, Christine, Extremidades do vídeo. 2004, p.24.
28
A mídia digital pode ser gerada por meio de um
computador – gráficos vetoriais 2D e 3D (imagens), sons
compostos por programas sintetizadores (áudio) –, ou
pode advir de uma mídia analógica e ser convertida para
digital, através de dispositivos e programas de captura
computacionais. Assim, toda mídia analógica (filmes,
vídeos, sons, textos, etc) pode ser traduzida para digital. O
computador, além de criar mídias através de processos
digitais, pode também “ler” as antigas mídias analógicas e
“transformá-las” em digitais. Isto é feito através da
conversão ou digitalização das mídias analógicas.
As mídias analógicas possuem um sinal contínuo, ou
seja, o “eixo ou dimensão medido não tem uma unidade
indivisível aparente da qual ele é composto”.21 Converter
dados contínuos em representação numérica é chamado de
digitalização ou discretização do sinal, como veremos a
seguir. O processo de digitalização envolve dois
procedimentos: amostragem (sampling) e quantificação
(quantify).
A amostragem consiste na decomposição dos sinais
analógicos em amostras colhidas em intervalos regulares; e a
quantização é o processo de atribuir valores a essas
amostras. Discretizar ou numerizar um sinal analógico é um
verdadeiro fatiamento desse sinal. Foi o que fez Alexander
Bain em 1843, a partir da tecnologia do telégrafo, como
mencionamos no início do capítulo. Aí já estava o princípio
do processo de scanning. O que se constatou é que para
21 MANOVICH, Lev. Op. cit., p. 28.
fig. 5- sample rate e bit rateamostragem e quantificação
29
poder transmitir um conteúdo, no caso uma imagem, por meio de sinais elétricos, era
preciso antes dividir esse conteúdo em pequenas partes que corresponderiam a níveis de
intensidade do sinal elétrico (voltagem) análogos à tonalidade da imagem (luz e sombra).
Essa imagem reticular em termos informáticos é conhecida como imagem bitmap
(mapa de bits) e pertence ao grupo dos raster graphics. O bitmap é um arquivo de dados
ou estrutura representada geralmente por uma grade retangular de pixels (matriz), ou
pontos de cor em um monitor de computador, papel ou outro meio de exibição visual. Se
no caso da onda sonora a amostragem (sample) ocorre no tempo, na imagem bitmap a
amostragem se dá no espaço bidimensional. Sendo o sample rate a taxa de amostragem de
uma imagem espacial, quanto menor o intervalo entre as amostras maior será o número de
pixels de que ela é formada e, portanto, terá uma distorção menor em relação à fonte
analógica. Por conseguinte, gerará um arquivo digital maior.
É importante considerar que em termos de informação (fluxo de dados) – e não em
termos de percepção humana –, a conversão para o digital sempre implica em alguma
perda de informação. Se a discretização tiver uma resolução muito alta, ou seja, se a
freqüência de amostragem (sample rate) for de intervalos muito pequenos
(microssegundos no caso de uma onda de áudio ou vídeo, nanômetros no caso de uma
imagem fixa), e se a taxa de quantificação (bit rate)22 tiver uma escala alta, a onda
reconstituída (digital) será mais similar à onda original (analógica), portanto sem diferença
perceptível ao olho humano. Ela terá maior fidelidade a sua fonte analógica, e assim
haverá menor introdução de ruídos e distorções digitais, os chamados “artefatos”, pois são
gerados artificialmente.
Quando uma imagem é criada a partir do computador, é originada de uma forma
numérica, de um algoritmo – uma ou uma série de instruções matemáticas. Isso pode
ocorrer em gráficos vetoriais 3D ou 2D, em que fórmulas matemáticas instruem como o
computador deve “desenhar” esses objetos virtuais, suas linhas, curvas, superfícies, etc.
22 No caso da imagem, os valores do pixel correspondem a sua tonalidade, grau de saturaçãoda cor e intensidade luminosa.
30
Esta inserção de dados (input) descreve ou modela os parâmetros que constituirão a
imagem digital. Esse modelo poder ser alterado e manipulado a qualquer momento da
configuração ou criação da imagem, assim como o ângulo e a proximidade do ponto de
vista são determinados pelos parâmetros dados a uma câmera virtual, permitindo inclusive
movimentos muito difíceis ou impossíveis na realidade física.
Nos gráficos 3D, esses modelos são formados por uma malha (wireframe) de linhas
que determinam planos no espaço tridimensional (eixos x, y, z, correspondentes a largura,
altura, profundidade e localização do objeto no espaço). Essa malha pode ter vários níveis
de detalhamento e complexidade, dependendo do número de linhas, vértices (nós) e planos
do objeto. Assim, se criarmos uma esfera com pouca informação, ou seja, com um
pequeno número de planos e vértices, ela terá um aspecto mais hexagonal do que circular.
Esses objetos 3D adquirem um aspecto mais foto-realístico quando o wireframe é
completado ou renderizado, adicionando tipos de superfícies categorizadas como
“metálicas”, “orgânicas”, “transparentes”, “reflexivas”, etc.
Por meio do software, o computador calcula como será o comportamento dessa
superfície em relação ao seu ambiente virtual, quais serão as partes iluminadas e
sombreadas da superfície, o relevo, se podemos ver alguns objetos atrás de outros
(transparência), se vemos objetos espelhados em outros (reflexo), ou se não vemos
determinadas partes de objetos mais afastados do campo de visão virtual (projeção de
sombras).
Outro exemplo de imagem gerada por computador é o desenho vetorial
bidimensional, que se baseia em vetores matemáticos. Diferentes dos bitmaps, os gráficos
de vetores não são baseados em padrões de pixel, e sim em fórmulas matemáticas que
consistem em linhas e curvas, criando formas. Os gráficos baseados em vetores são mais
leves e não perdem qualidade ao serem ampliados, já que as funções matemáticas são
facilmente adequadas à escala, o que não ocorre com gráficos raster, que utilizam métodos
de interpolação na tentativa de preservar a qualidade. Uma outra vantagem do desenho
vetorial é a possibilidade de isolar objetos e zonas, tratando-as independentemente.
31
Exemplos de programas que trabalham com gráficos vetoriais são: Adobe Illustrator,
CorelDraw, FreeHand e Flash. Esses programas podem também vetorizar as imagens, ou
seja, converter a grade (matriz) de pixels em formas reconhecíveis pelo computador.23 Essa
conversão passa, inevitavelmente, por uma simplificação da imagem, que pode ser alta ou
baixa, dependendo dos parâmetros da conversão. Entende-se aqui que essa “simplificação”
é quantitativa em termos de informação, mas não necessariamente qualitativa.
Na história da pintura moderna isso fica evidente no impressionismo e mais
enfaticamente no pós-impressionismo. Ao reduzirem os elementos da imagem, esta
ganhou maior impacto e capacidade comunicativa da mensagem. Os trabalhos de
Toulouse-Lautrec, inventor do cartaz gráfico, são exemplares nesse sentido. Figuras
formadas por cores chapadas destacavam-se do fundo da imagem, criando condições mais
propícias para uma recepção rápida e em movimento em vias públicas.
Na França, foi um talentoso seguidor de Degas, Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), que aplicou uma idêntica economia de meios à nova arte do cartaz. Também eleaprendera com as gravuras japonesas que uma ilustração podia tornar-se muito maisimpressionante se a modelação e outros detalhes fossem sacrificados a uma audaciosasimplificação.24
Toulouse veio a conhecer as gravuras japonesas através de Van Gogh, mas as
estudou com um objetivo completamente diferente deste. Para Lautrec interessava que a
imagem não se apresentasse como algo fixo, “mas como um tema rítmico que se transmite
ao espectador, atua no nível psicológico como solicitação motora”.25 A idéia de recepção
em trânsito foi pela primeira vez considerada seriamente por um artista.
Foi o primeiro a intuir a importância daquele novo “gênero” artístico, tipicamenteurbano, que é a publicidade – desenhar um cartaz ou a capa de um programa constituía,para ele, um compromisso tão sério quanto fazer um quadro. Entende-se: na publicidade,
23 Um programa específico para isso é o Adobe Streamline, com a vantagem de que se podeautomatizar o processo. Isso é particulamente útil quando se precisa vetorizar uma série deimagens como quadros (frames) de um filme ou vídeo. Outro mais atual é o Flix Pro VectorVídeo. Cf. http://www.wildform.com/flix, http://flix.on2.com/?sid=4BDP-PJ3B-42dd594833889&ref=, http://flix.on2.com/flix/flix_vv.php?sid=A9MN-B4CD-42dd63963be1b&ref=.24 GOMBRICH, E. H. A história da arte. 1983, p. 426-427.25 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. 1993, p. 127.
32
para suscitar uma reação, a comunicação é mais importante que a representação. Se arepresentação é algo que se fixa e mostra, a comunicação se insinua e atinge.26
De forma equivalente aos gráficos, encontramos os vídeos vetoriais (vector-videos),
uma produção extremamente rica a despeito de suas formas simples e escala tonal limitada
(ou justamente por isso). Nos vector-videos, os limites do vídeo e do desenho animado se
tornam esmaecidos. Um ótimo exemplo disso é o filme Waking life, realizado em 2001
(http://www.wakinglifemovie.com). O filme trabalha com a técnica de rotoscopia (na
verdade são dois filmes em um), dando-lhe um tratamento gráfico não exatamente como
vetorização, uma vez que a intervenção humana se dá em todo o processo e não apenas na
configuração de parâmetros da vetorização, mas o resultado plástico é muito semelhante.
No domínio da arte, o numérico renova totalmente as ferramentas e os materiais, quenão são mais os do mundo real, mas aqueles da simulação: o artista não trabalha maiscom a matéria nem com a energia, mas com programas, direta ou indiretamente. Ora,cada um desses programas só é concebível recorrendo-se a modelos de simulação, quesão todos produtos da ciência. A ciência então penetra sem rodeios no coração dasferramentas e materiais. Deste fato decorre uma experiência tecnestésica de umacomplexidade sem precedentes.27
Estamos diante da mídia programável como dissemos anteriormente. As
ferramentas de um programa de edição de vídeo, seus chamados filtros, são algoritmos –
uma ou uma série de instruções matemáticas – que fazem alterações nos padrões de pixels
que constituem a imagem do vídeo digital. Esses algoritmos foram elaborados pelas
ciências físicas e matemáticas.
26 “Com Toulouse, pela primeira vez a atividade do artista não mais tende a se concluir numobjeto acabado, o quadro, mas desdobra-se na série ininterrupta das pinturas, das gravuras, dosdesenhos, no álbum de esboços que folheamos como se lêssemos uma coletânea de poesias. É aexigência que Mallarmé, nos mesmos anos, coloca para a poesia: a arte não é mais a visão doartista, mas a quintessência de sua existência e experiência.” Cf. ARGAN, Giulio Carlo. Op.cit., p. 127.27 COUCHOT, Edmond. Op. cit., p. 19.
33
1.4. Edição linear, não-linear e a Moviola
Quando surgiu o videocassete, a edição era realizada de modo linear, ou seja, os
trechos do vídeo e do áudio tinham de ser colados um após o outro, linearmente, na ordem
definitiva do vídeo a ser apresentado. O processo se inicia com a decupagem, que consiste
em assistir o material bruto captado e anotar manualmente o timecode dos trechos que
interessam. Após os dados de entrada e saída, inicia-se então a edição propriamente dita:
os trechos selecionados dos videoteipes originais são gravados na fita master. Por meio
dos comandos do controlador de edição, os trechos são copiados linearmente da máquina
de reprodução para a de gravação.
Basicamente, há dois sistemas de edição que no Brasil são chamados de “ilhas de
edição”: a ilha cut (cuts-only systems) e a ilha de finalização (A/B roll systems):
• Ilha cut: duas máquinas de videoteipe, uma de reprodução e outra de gravação,
permitindo apenas edição com corte seco;
• Ilha de finalização: no mínimo três videoteipes, dois de reprodução e um de
gravação. Neste sistema é possível fazer transições que misturem duas imagens, como
fusão e wipe.
Nas duas configurações, as máquinas são comandadas por um equipamento
controlador, que usa a informação do timecode das fitas para fazer as operações de edição.
Nota-se que tanto o acesso ao material como a gravação da fita master ocorrem de modo
seqüencial. Este modo de trabalho era lento e extremamente dispendioso, além de ser uma
atividade cara, em termos de mão-de-obra e equipamento. Na edição linear, uma alternativa
no caso de se querer corrigir algo era copiar todo o trecho já editado e em seguida colá-lo
na seqüência do que fosse modificado. É uma solução mais rápida e menos trabalhosa, mas
tem um grave inconveniente: a imagem copiada sofre perda de qualidade. A cada nova
geração (cópia) de um vídeo analógico a relação sinal/ruído se deteriora.
Sobre relação linear x não-linear, cabe aqui uma analogia explicativa: “A datilografia
tradicional nas antigas máquinas de escrever está para a edição linear baseada em
34
videoteipe assim como o processador de texto está para a edição não-linear de vídeo”.28 Na
edição linear, como na máquina datilográfica, se quisermos mudar algum trecho no meio do
vídeo que altere o tempo da edição é preciso reeditar tudo novamente desse ponto em
diante. Já na edição não-linear (randômica, aleatória) tem-se acesso direto a qualquer
trecho de vídeo e pode-se trabalhar em várias versões sem serem excludentes.
Na década de 1970 começaram a aparecer sistemas com computadores que
automatizavam algumas fases da edição, inserindo algumas características da não-
linearidade. Eram equipamentos com a tecnologia mais avançada da época e, obviamente,
caríssimos. Na verdade, eles gerenciavam dispositivos e mídias analógicas (videocassetes
eletromagnéticos). São os chamados sistemas off-line, que trabalhavam com uma alta taxa
de compressão, portanto com uma baixa qualidade de imagem. Uma das formas mais
recorrentes de se fazer isso era através das EDL (edit decision list). Esses sistemas
geravam uma lista, a EDL, que continha todas as decisões da edição, num código padrão
que podia ser lido por outros sistemas que trabalhavam com imagem de alta qualidade
(broadcast), chamados de sistemas on-line. Na época, esses sistemas tinham um forte
componente analógico: todos eram baseados em fita. Eles importavam a EDL,
interpretavam seus dados e solicitavam as fitas na ordem de entrada dos vídeos
escolhidos, refazendo automaticamente toda a edição criada nos sistemas não-lineares off-
line.
O que ocorre na edição não-linear de vídeo é a geração de uma lista de reprodução
comum (play list), determinando um número de itens a serem reproduzidos numa
determinada ordem. A play list representa o princípio por trás da idéia de edição ou
gravação “virtual”: facilidade de modificações e a criação de várias versões do mesmo
projeto. Tudo o que os sistemas não-lineares fazem é tocar a lista de reprodução, exibindo
a seqüência editada em um monitor. As mídias originais permanecem intactas em seus
suportes. A partir da play list, os sistemas geram a EDL, o que possibilita reconstruir a
edição em qualquer sistema capaz de interpretá-lo, seja linear ou não-linear.
28 VELHO, João e NIGRO, Márcio. Vídeo e áudio digital no Macintosh. 2002, p. 43.
35
Quando a Apple lançou o primeiro computador Macintosh em 1984,29 usou o termo
desktop (mesa de trabalho) como metáfora para designar sua interface gráfica, a qual
representava na tela do monitor elementos comuns aos escritórios (pastas, arquivos e
lixeira). No ano seguinte, a empresa Aldus lançou o programa PageMaker para o
Macintosh. O programa comportava todo o processo de editoração de livros ou
publicações, da entrada de texto à criação do layout de página. A Aldus denominou esse
novo modo de produção de desktop publishing system, fazendo referência ao sistema
operacional da Apple, e também para destacar que o trabalho que antes envolvia muitas
pessoas e espaços amplos podia, a partir de então, ser realizado por uma única pessoa
sobre uma mesa.
Com o tempo, a expressão desktop publishing tornou-se uma designação geral para
ferramentas de editoração para computador pessoal (PC - Personal Computer),
envolvendo outros programas e outras plataformas (Windows, Linux, etc), tornando-se
uma marca desse tipo de trabalho. O prefixo desktop se generalizou para outros
processos de trabalho que foram desenvolvidos para PCs. Todos tinham em comum o fato
de serem sistemas mais baratos, mais fáceis de usar e que exigiam menos espaço que os
sistemas “não-desktop”.
O desktop vídeo surgiu com o lançamento do QuickTime da Apple em 1991, mas a
prática e a popularização desta forma de trabalhar com vídeo em computadores pessoais
aconteceu de fato com o fenômeno Avid. Em 1992, a empresa Avid Technologies lançou
os primeiros sistemas digitais de edição não-linear de vídeo por computador que realmente
funcionavam. Substituem-se as salas de edição com diversos equipamentos grandes e caros
por uma mesa, um computador com placas de captura, um videocassete e dois monitores.
29 Esse lançamento foi feito com grande estardalhaço com um comercial dirigido por RidleyScott, diretor do filme Blade runner. A metáfora de desktop foi criada pelos engenheiros daXerox PARC em suas pesquisas para desenvolver uma interface gráfica de usuário. Essapesquisa foi iniciada por Douglas Engelbart no fim da década de 1960. Mais informações em:http://sloan.stanford.edu/MouseSite/1968Demo.html.
36
fig 6 –moviola
O que a Avid conseguiu foi desenvolver um software que fazia uma boa integração desses
equipamentos.
Estava ocorrendo não uma mera substituição de equipamentos, mas a implantação denovos processos de trabalho e criação fundamentados em novos conceitos e paradigmaspara a pós-produção de vídeo. Era, de fato, o início da grande revolução do desktopvídeo nas indústrias de vídeo, televisão e cinema.30
No entanto, acreditamos que a edição não-linear não surgiu originalmente da fusão do
computador com o vídeo. Seu background está no cinema, com a moviola, mesa de
montagem composta de sistema óptico com visor, cabeças leitoras de som, pratos
giratórios que acomodam e rodam carretéis de filme e rolos de fitas magnéticas perfuradas
que correspondem ao registro do som. A moviola foi uma tecnologia bastante utilizada
para a edição de cinema. É importante assinalar essa informação, pois a moviola é a
metáfora básica da interface gráfica de softwares não-lineares de vídeo, assim como o
desktop (mesa de trabalho) é a metáfora dos sistemas operacionais.
A edição na moviola ocorria
depois das filmagens, quando trechos
escolhidos pelo diretor eram copiados
em laboratório em rolos de “copião”.
Na mesa de montagem da moviola, o
copião é “desbastado”, restando
somente os trechos que serão
utilizados na cena. O desbaste é feito
com a cortadeira, e o material restante
é armazenado numa caixa (trim bin).
Segmentos de som e imagem
selecionados são separados,
30 VELHO, João e NIGRO, Márcio. Op. cit., p. 35.
37
identificados e armazenados em outra caixa (film bin). A edição tem início quando os
pedaços são colados com fita adesiva na “coladeira”, na ordem desejada pelo montador. O
filme é editado de forma não-linear, ou seja, a edição pode começar pelo fim, pelo início ou
pelo meio. A qualquer momento é possível excluir ou inserir um segmento ou uma cena,
ou mesmo mudar sua posição. Para isso faz-se necessário soltar a fita adesiva ou cortar a
película e realizar as alterações. A edição conforma-se às modificações feitas. Todas as
cenas editadas e reunidas na seqüência do filme são o primeiro corte (rough cut), depois o
montador e o diretor observam a necessidade de ajustes e realizam o corte final (final cut).
A edição virtual significa que a mesma não ocorre fisicamente, nem com a montagem
de pedaços de filme como no cinema, nem copiando as cenas numa fita master como na
edição eletrônica de videoteipe. O que ocorre é que a edição não-linear de vídeo gera uma
lista de reprodução comum (play list), determinando o número de itens a ser reproduzidos
numa certa ordem. A play list representa o princípio por trás da idéia de edição ou
gravação virtual, com facilidade de modificações e a criação de várias versões de um
mesmo projeto.
Na montagem digital isso é muito claro. Atualmente na indústria cinematográfica
ainda se captam imagens majoritariamente através de películas de celulose e ainda (com
menor freqüência) se projeta através dessas películas. Como diz o editor Walter Murch:
“A indústria cinematográfica atual é um sanduíche (com recheio digital) entre duas fatias
de pão analógico”.31 Isso garante a possibilidade de criar várias versões de montagens do
mesmo filme não excludentes, pois na edição computadorizada a informação sobre a
ordem dos planos é mantida em um lugar diferente dos planos em si:
O que se está de fato criando no computador é uma montagem virtual, as imagens em sinão são alteradas, mas apenas as instruções no computador do que fazer com elas (asEDL). Essa é uma diferença fundamental em relação aos sistemas mecânicos, que criamo que se denomina dramaticamente de montagem destrutiva do filme. Isso significasimplesmente que, na edição mecânica, as imagens e as informações sobre a disposiçãodas imagens são uma coisa só: estabelece-se a informação sobre a seqüência dos planosautomaticamente, ao colocá-los em determinada seqüência.32
31 MURCH, Walter. Num piscar de olhos. 2004, p. 142.32 Id. Ib., p. 87.
38
Mas, diferentemente da moviola, em que a edição acontece de maneira literalmente
física, a edição integrada ao computador, de caráter virtual, requer um processo chamado
renderização. Em inglês, to render significa “fazer, executar, interpretar, representar”.
Entretanto, na terminologia da informática, tem um significado mais específico. Quando se
“põe para render” uma imagem, seja ela um modelo 3D, um compositing de vídeo ou uma
montagem fotográfica feita no Photoshop, o computador executa uma série de instruções
do usuário. Essas instruções compõem a virtualidade da imagem, o que ela virá a ser. A
imagem “renderizada” é a realização dessa virtualidade, dessa potência. A realização pode
se dar na tela do monitor, em uma impressão em papel, uma gravação de fita ou qualquer
outro tipo de saída.
Outra característica do render é seu tempo de execução. Esse tempo tem uma relação
direta com a capacidade de processamento do hardware e o volume de dados a serem
processados. Com os computadores atuais, o render de uma imagem fotográfica 2D no
Photoshop é quase imediato, imperceptível. Já quando se trabalha com seqüências de
imagens, como vídeo digital e animação 3D, o render pode demorar horas. Isso hoje em
dia; algum tempo atrás esse tipo de render podia levar dias.
Walter Murch, editor de cinema de vários filmes renomados,33 faz considerações
interessantes a respeito da edição linear e não-linear. Murch trabalhou com a moviola
vertical, com máquinas de editar horizontais como a Steenbeck e a KEM e com os
sistemas digitais Avid e Lightworks. Murch faz a defesa de ter uma certa linearidade na
edição. Essa defesa pode parecer retrógrada pelo que vimos sobre os avanços da edição de
vídeo não-linear em relação à linear. O diretor também associa o trabalho da moviola ao da
edição digital:
A edição computadorizada digital e, por incrível que pareça, a velha e ultrapassadamontagem em moviola com um assistente são ambas edições de acesso randômico, não-linear: você pede algo específico e aquela coisa, apenas ela, chega o mais rápido
33 Walter Murch é um editor de cinema, mais precisamente do cinema hollywoodiano. Ele foiganhador do Oscar pela edição de Apocalypse now e O paciente inglês, mas também editououtros grandes filmes como O poderoso chefão (partes II e III), A insustentável leveza do sere A conversação, entre outros.
39
possível. Você só vê o que pede. O Avid nesse aspecto é mais rápido que a moviola, maso processo é o mesmo.34
Murch compara a edição não-linear e a linear com a escultura em barro e em
mármore. Enquanto na escultura em barro se trabalha com a adição de matéria (material),
na escultura em mármore se faz o processo inverso, o desbaste. Na edição com a moviola
se começa sem nada, então o editor solicita a seu assistente determinadas tomadas
individuais (trechos de filme) e vai adicionando uma a outra até “surgir” o filme. Na edição
linear com uma Steenbeck ou KEM, Murch trabalha com rolos de 10 minutos na ordem
em que vieram do laboratório de revelação. Em suas palavras:
(...) seria como o bloco de mármore: a escultura já está lá, escondida na pedra, e você arevela tirando – em vez de montando a partir do nada – pedaço por pedaço, como nobarro. Essa é realmente a diferença entre a edição de “acesso randômico” (não-linear) eseu oposto – digamos, de acesso linear.35
Assim, como assinalou Manovich, “a interface empresta e reformula (reformata)
outras mídias do passado e do presente: página impressa, filme e televisão. Convenções de
outras mídias são ecleticamente combinadas”. Ao constatarmos as hibridizações das
mídias e suas reformulações, adentramos no terreno que será mapeado no próximo
capítulo: o do vídeo na Internet.
fig 7- mesa de edição Steenbeck
34 MURCH, Walter. Op. cit, p. 51.35 Id., Ib., p. 51.
40
2. Vídeo na Internet
2.1. Conceituações
A invenção do alfabeto em 700 a.C. pode ser considerada uma das primeiras
tecnologias conceituais, base para o desenvolvimento da mentalidade ocidental em todos
os seus campos: científico, filosófico, econômico e artístico. O alfabeto aproximou o oral
do escrito, separando o que é falado de quem fala, permitindo o discurso através de
conceitos. Assim, constitui uma forma de acumulação de conhecimento, gerando um novo
estado de espírito, chamado por Eric Havelock de “espírito alfabético”.36 Por outro lado, o
alfabeto distanciou a comunicação escrita do sistema audiovisual de símbolos e
percepções, ao colocar a cultura alfabetizada em um status superior à expressão
audiovisual. Esta última ficou na periferia da arte.
O objetivo da pintura medieval de “ensinar” a Bíblia para a população analfabeta é
um exemplo dessa situação, assim como o começo do cinema foi tido como divertimento
popular para as classes baixas da sociedade.37 Essa condição se alterou no despontar do
século XX, quando a cultura audiovisual teve sua revanche histórica com a elitização do
cinema, o surgimento do rádio seguido pelo aparecimento da televisão, influindo muito
mais que a comunicação escrita no imaginário contemporâneo. O que vemos hoje é uma
transformação tecnológica de dimensões históricas similares: a integração da comunicação
escrita, oral e audiovisual em um mesmo sistema conhecido como Internet.
(...) durante os anos 1990, a identidade do computador mudou. No começo da década, ocomputador ainda era amplamente pensado como uma simulação de uma máquina deescrever, pincel ou régua de desenho – em outras palavras, como uma ferramenta usadapara produzir um conteúdo cultural que, uma vez criado, poderia ser arquivado(guardado) e distribuído na mídia apropriada – página impressa, película cinematográfica(filme), impressão fotográfica, gravação eletrônica. Pelo fim da década, com a Internettornando-se um lugar-comum, a imagem pública (popular) do computador não era maisa de uma ferramenta, mas também a de uma máquina de mídia universal, a qual poderia
36 HAVELOCK, Eric, apud CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2005, p. 413.37 MACHADO, Arlindo. Pré-cinema & pós-cinema. ano, p. 76
41
ser usada não somente para autoria (criação), mas também para armazenar, distribuir eacessar todas as mídias.38
É importante observar que os meios de comunicação de massa e o processamento de
dados surgiram em concomitância, de modo que se desenvolveram paralelamente. De fato,
são tecnologias complementares. No início, a Internet não possuía recursos audiovisuais;
seu conteúdo era somente alfanumérico. Isso começou a se alterar com a criação do
programa Mosaic, que serviu de suporte e interface para a World Wide Web,
constituindo-se como um browser ou navegador. De acordo com Giselle Beiguelman:
A rigor, to browse, em inglês, quer dizer ler descompromissadamente, entrar em lojas sópara espiar e também comer sem se alimentar, ou seja, beliscar. Verbo antigo, remontaao século XV e deu origem, somente em meados do século XIX, a um substantivo(browser) pouco usado até a criação do Mosaic (primeiro programa com interfacegráfica para a World Wide Web) no fim do século XX.
Navegar implica ter uma bússola, noção de percurso, rumo entre pontos de partida e dechegada. Em suma, implica prevenir-se para não ficar à deriva. A navegação, nessestermos, é mais compatível com o suporte impresso de leitura, que é necessariamentemais estável. A associação corrente entre browser e navegador foi promovida pelosprogramas mais comuns de utilização da Web (Netscape e Internet Explorer, porexemplo), que quase transformaram a idéia de rede na idéia de uma grande bibliotecaoitocentista.39
O desenvolvimento dos browsers ofereceu recursos que suportam a publicação de
imagens, sons, vídeos, etc, que hoje conhecemos como multimídia. No entanto, esse
desenvolvimento foi pautado por interesses econômicos, na medida em que a Internet
deixou de ser apenas uma rede científico-acadêmica e tornou-se (ou se pensou em fazer
dela) um espaço para “fazer negócios”. Foi o fenômeno da explosão das empresas
“pontocom” (cotadas na bolsa de valores Nasdaq), que possuíam forte caráter
especulativo, gerando uma certa auto-implosão. Portanto, os avanços tecnológicos
também estão sob forte influência político-econômica. A sinonímia criada entre browser e
navegador é uma demonstração de como o discurso do marketing corporativo pode ser
obscurantista ou empobrecedor no que há de específico, original e novo na Net.
Beiguelman reitera:
38 MANOVICH, Lev. The language of the new media. 2001, p. 69.39 BEIGUELMAN, Giselle. O livro depois do livro. 2003, p. 64-65.
42
Visões empobrecedoras do fenômeno da Web e de suas potencialidades reduzem adiscussão da interface de leitura à ontologia do suporte, dispensando a necessidade de suacrítica. Discussão que é de suma importância aqui, haja vista que na Internet, por umalógica – ou falta de? – do mercado, o conteúdo é não só mediado pela interface, masmanipulado por ela. “A interface modela a forma pela qual o usuário concebe o própriocomputador e determina como o usuário pensa qualquer objeto midiático que é acessadovia computador”, diz Manovich sem exagero.40
Apesar de o forte viés mercadológico (e todas as suas implicações) ser uma presença
marcante na Web, uma série de experiências artísticas em que a própria Web é tema e
receptáculo nunca deixou de ocorrer. Assim nos revela Tilman Baumgärtel, conforme
elucidou Alex Galloway no livro Protocol, frisando que o mais importante da net-arte é a
própria Internet, que lida com qualidades específicas que o próprio meio oferece.
Brincando com suas particularidades técnicas, a net-arte inclui e questiona os erros
conhecidos e desconhecidos do sistema, lidando de forma criativa com suas regras e
programas, que só fazem sentido dentro da própria Internet.41
Qual seria então, neste contexto, a especificidade do vídeo na rede e suas
implicações? Pode-se dizer que uma de suas características principais é que o vídeo passa
de uma narrativa passiva a uma narrativa dinâmica e interativa, confluindo com o
hipertexto e redes de comunicação na Internet. Vídeo e Internet, numa visão ideal, estariam
perfeitamente adaptados um ao outro. Enquanto o vídeo é o meio que ecoa, repete e
traduz nossas experiências visuais do dia-a-dia, a Internet é uma espécie de parque de
diversões sem limites, carregado de conteúdo interessante. Espera-se então que milhares
de websites integrem dados, conteúdo e controles interativos ao vídeo, criando uma rica
experiência que irá além das limitações do vídeo apresentado em aparelho televisor.
No entanto, os primeiros vídeos na Web eram simplesmente constituídos de um
retângulo tocando um playback no monitor do computador, geralmente numa janela pop-
up separada, cobrindo a página do site que o criou. As imagens eram freqüentemente
pequenas e com uma resolução muito baixa, de modo que a experiência como um todo era
frustrante. Diversos obstáculos técnicos impediram os designers de usufruírem do
40 Id., Ib., p. 68.41 GALLOWAY, Alex. Protocol: how control exists after decentralization. 2004, p. 216.
43
conteúdo do vídeo em todo o seu potencial, incluindo as limitações de largura de banda,
uma vez que o vídeo tem um formato denso, necessitando muitos megabytes mesmo
quando clipes curtos são reproduzidos.
Segundo Nora Barry, é difícil precisar o momento exato do nascimento do vídeo na
Internet, assim como é difícil precisar o nascimento do cinema. No começo dos anos 1990,
muitos trabalhos que foram feitos com QuickTime para CD-ROM, assim como os jogos
de computadores, deixaram o “campo semeado”. Barry denominou os vídeos na Internet
de webcinema. Essa terminologia é discutível, até porque sua justificativa para o uso do
termo “cinema” é que este significa figuras animadas (imagens em movimento). De acordo
com essa terminologia, podemos considerar os arquivos de imagem do tipo .gif (graphics
interchange format), por exemplo, como o primeiro formato de webcinema. Apesar disso,
seu texto nos dá preciosas informações acerca do começo do vídeo na Web e de suas
especificidades.
Para Barry, o ano de 1997 foi chave em relação à presença do vídeo na Internet, pois
foi quando os softwares de criação e distribuição de webvideo se tornaram disponíveis.
Em janeiro desse ano, a Macromedia lançou o Flash 1.0, programa que serve para criar
animações vetoriais e conteúdo multimídia. No mês seguinte, a Real Networks lançou o
RealVideo 1.0 e, em julho, a Apple apresentou a versão do QuickTime para a Web. Os
modems atingiam a velocidade de 28Kbps, agilidade de transmissão de dados que permite
assistir a um conteúdo animado na Internet. Afinal, o “webcinema” precisava de uma
audiência para que pudesse realmente existir.42
Em relação aos avanços tecnológicos das “imagens em movimento”, parece haver um
movimento constante de apropriação de tecnologias inicialmente usadas para
armazenamento e transmissão de áudio. A TV aproveitou a tecnologia do rádio para
transmissão, daí a radiodifusão. A gravação em videoteipe começou com a tecnologia de
gravação de áudio em fitas cassetes. O streaming surge com a distribuição de áudio em
42 BARRY, Nora. Telling stories on screens: a history of web cinema. 2003, p. 544.
44
tempo real, com o RealAudio. As trocas de arquivo pela Internet P2P43 se devem ao
CODEC de áudio MP3, e ao fenômeno Napster, inicialmente para trocas de músicas.
Um dos denominadores comuns do vídeo na rede é o fato de que ele deve ser
obrigatoriamente digital, ou que tenha sido digitalizado. E também, obviamente, que esteja
em rede. Mas esse estar na rede é extremamente variável, podendo ocorrer de diversas
maneiras, visto que ele pode estar disponível na rede sob várias formas. Herdando o
caráter híbrido que foge de especificações – o que também é uma característica do
conteúdo na Internet –, o vídeo on-line possui diversas vertentes e nomes: webvideo,
vídeo Web, Web cinema, microcinema, webcam, celularvideo. Mas será que essa
nomenclatura se refere a coisas diferentes?
Penso que não. Todas elas se relacionam com um típico objeto cultural que é digital e
que se encontra disponível na rede Internet, podendo abarcar vários formatos de arquivos
digitais como QT (.mov), Windows Media Player (.wmv, .wma, .asx), Realvideo (.ra),
Flash (.swf), Shockwave, entre outros. Parece que essa nomenclatura busca dar um caráter
de valorização estética, mais do que de especificidade do meio, no caso os diferentes tipos
de arquivos digitais. Por que vídeos (ou filmes) diferentes usando a mesma plataforma
QT, por exemplo, são ora classificados como webcinema, ora como webvideo? Herda-se aí
talvez uma postura muitas vezes preconceituosa de separar a alta cultura (cinema) da
baixa cultura ou popular (vídeo/TV). No fundo, todos esses trabalhos têm como
característica serem imagens digitais em movimento, constituídas por pixels e criadas para
serem vistas no computador através da Internet. O que diferenciam essas nomenclaturas
são suas propostas de recepção: ativa, passiva e interativa.
Quando se pensa em vídeo na Internet, há de se definir duas categorias básicas. A
primeira é a dos vídeos distribuídos pela Internet, que estão hospedados e
disponibilizados em sites. O que há de novo aí é uma maior facilidade de acesso, uma vez
43 A sigla P2P significa “Peer to Peer”, que em inglês quer dizer “Pessoa para Pessoa”, ouseja, uma comunicação que visa a troca de arquivos através do compartilhamento de pastas dediversos usuários.
45
que não implica o deslocamento físico para se obter um conteúdo. Exemplos disso são as
redes P2P – que começaram com o Napster e hoje crescem com o Kazaa e Morpheus –, e
também os videoblogs e bancos de vídeo (iFilm, pocketmovies, portacurtas, etc). Outra
categoria é a dos vídeos feitos para a Internet. Nesse sentido, WAX, de David Blair (1993),
é um dos primeiros a apresentar uma narrativa em vídeo navegável, no sentido de que a
história é construída de acordo com as escolhas do internauta, podendo também fazer uma
leitura não-linear do vídeo, voltando a momentos anteriores ou saltando os subseqüentes.44
Temos também o programa Flash, desenvolvido pela Macromedia, que intensifica sua
fusão com o vídeo, trazendo novos recursos que permitem a criação de vídeos interativos
com maior grau de controle e manipulação. O QuickTime também desenvolve uma série de
recursos com esse fim.
Uma característica básica do vídeo on-line, além de ser digital e estar em rede, é que
ele é freqüentemente assistido por um observador solitário, sentado na frente do
computador em uma escrivaninha, inclinando-se para a frente para ver melhor uma
pequena tela. Nessa situação, os webvideos tendem a ser muito curtos, em torno de três
minutos, assim como foram os primeiros filmes, que variavam de segundos a, no máximo,
cinco minutos. Barry aponta que eles são normalmente criados por apenas uma pessoa, a
qual roteiriza, filma ou cria, dirige e edita. Não há uma estrutura coletiva como a do cinema
(diretores, produtores, executivos dos grandes estúdios, etc). A história contada on-line
geralmente tem uma maior clareza, uma voz individual, e pode ser considerada até mesmo
verdadeiramente autoral, portanto mais pessoal. Essas características remontam ao
começo do cinema e, sobretudo, do vídeo. Isso significa que a estética dos webvideos
reflete as características ou caprichos da rede. Os criadores de webvideos não estão presos
ou confinados a uma única estrutura narrativa, pois a tecnologia permite diversas
possibilidades, incluindo aí a configuração interativa e randômica, na coexistência de
múltiplas formas narrativas.
44 Cf. http://www.iath.virginia.edu/wax.
46
Vídeos na Internet são muitas vezes curtos e de baixa resolução, também por causa
do peso de seu arquivo. Ora, um arquivo digital não tem propriamente um peso “real”, a
menos que queiramos medir o peso da eletricidade, do magnetismo, dos elétrons. Mas a
metáfora peso me parece muita adequada aqui. O peso do arquivo é a quantidade de
informação de que ele é formado, seus bytes. Quando é formado de muitos bytes (para o
hardware atual muito significa megabytes ou gigabytes – milhão ou bilhão de bytes), ele
demanda tempo para ser transportado ou processado e espaço no seu suporte de registro
(HDs, CDs, etc). É possível então sentir seu tamanho, seu peso.
Em um arquivo de vídeo digital no formato mini-DV – 30 quadros por segundo, 720
x 480px de aspect ratio, milhões de cores, áudio 44Hz, estéreo – um minuto equivale a
200Mb; e uma hora, a 12Gb. Se temos um HD de 40Gb, o atual padrão doméstico, é
possível no máximo guardar três horas de vídeo em formato mini-DV. Se esse formato,
que é semiprofissional, já é um verdadeiro “devorador de HDs”, pode-se imaginar então os
padrões de alta definição. Já um arquivo que seja exclusivamente de texto (sem figuras),
pesa pouco, dificilmente passa de kilobytes (1.000 bytes). Um vídeo com menos de
100Kb é impensável. Um arquivo de vídeo, se tiver menos que 1 Mb (megabyte - 1
milhão de bytes), é necessariamente curto, pequeno, de uma grade de pixels pequena como
240 x 180px, com alta compressão e poucos frames por segundo (12 ou 8). Em suma, na
Internet, os arquivos de vídeo altamente comprimidos são a regra e não a exceção.
O vídeo pesado corre o risco de “engasgar”, não tendo o fluxo contínuo garantido
pela fita de videoteipe, remontando novamente ao início do cinema. No pré-cinema,
quando os dispositivos de captura e reprodução do movimento das imagens não haviam
estabelecido o padrão 24 quadros por segundo, as velocidades eram variadas, determinadas
pelo ritmo do cinegrafista ao girar a manivela da câmera. Ele podia utilizar essa
característica do equipamento para produzir efeitos de câmera lenta ou rápida.
É importante frisar que o vídeo on-line, como qualquer outro evento na Web, não
tem garantia nenhuma de como e quando será visto. O tipo de conexão e a largura de banda
são determinantes para o aspecto do vídeo que o usuário (ex-espectador) vai assistir em
47
relação à sua escala (pixels x pixels), sua resolução (definição) e grau de compressão da
imagem. Fora isso, o modelo (ou versão) de browser pode influenciar, assim como o tipo
de monitor, sistema operacional, plug-ins, etc.
Um problema que se aprofunda e é maximizado pelo browser, que é não só o espaço deconvergência entre todas as mídias on-line, mas também o mais vulnerável às inúmerasvariáveis de configuração do hardware e às vicissitudes das conexões que alteramsobremaneira as formas de recepção. O conteúdo disponibilizado aparece de acordo como perfil de uma série de fornecedores, pois o que se acessa on-line é também resultanteda configuração e qualidade do monitor, da velocidade da conexão, do tipo de browser,sistema operacional, marca de computador, etc. Imagem e textos hoje se dão a ver e lersem garantia, sem nada que assegure sua unidade visual; aquele pressuposto que permitiua Mallarmé revolucionar a poesia, confiando na materialidade da página, seguro dapresença do branco que se interporia sempre no mesmo lugar entre os versos, a despeitodo tipo de leitura que se fizesse.45
Assim, o vídeo on-line, apesar de ser construído através de diversas configurações
determinadas por seu criador, está sempre sujeito às formatações do computador, estando
imbuído de uma gama diversa de leituras propiciadas muitas vezes pelo fenômeno do
acaso.
2.2. Streaming e download
Na Internet, pode-se ter acesso a vídeos de duas formas: por download ou
streaming.
Download pode ser traduzido como descarregar ou “baixar” um arquivo no
computador. O termo representa o ato de transferência de informação da rede para o
computador do usuário que a está recebendo. A transferência de informação a partir do
computador de um usuário é chamada de upload. O download e upload simultâneos leva o
nome de sideloading. No caso de uma mídia digital, o usuário deve esperar o arquivo ser
descarregado por inteiro para poder assisti-lo. O download é usado para o recebimento de
qualquer arquivo digital, não só arquivos de mídia. Programas de computador
(compactados), documentos, formulários, planilhas, etc, podem ser adquiridos através da
48
Internet e alocados no computador do usuário através de downloads. A rigor, quando se
“abre uma página” de um site na Web, se faz um download do conteúdo daquela página,
que fica temporariamente armazenada na memória cache do disco rígido do computador
cliente.
Streaming media é uma forma de distribuir informação multimídia. Essa tecnologia é
tipicamente aplicada em formatos multimídia distribuídos pela Internet. O streaming
introduz uma nova forma de usufruir mídia pela Internet. Permite que se use um arquivo
de mídia enquanto ele está sendo transmitido, não precisando esperar que o arquivo inteiro
seja baixado. Os dados são transmitidos pela Internet, reproduzidos nos players46 e depois
descartados. O streaming também oferece ao usuário controle sobre a mídia enquanto está
sendo consumida, como avançar e retroceder.
O streaming é possibilitado pelas diferentes peças de software, que se comunicam
em diversos níveis. Um sistema básico de streaming media tem três componentes:
• Player: software que permite aos usuários consumir/desfrutar arquivos multimídia;
• Servidor: software que distribui os conteúdos para os usuários;
• Encoders: software que converte os arquivos brutos de áudio e vídeo nos formatos
que podem ser distribuídos através de streaming.
Esses componentes devem se comunicar em diferentes níveis. Protocolos, formatos
de arquivos e CODECs providenciam o framework básico para a interação:
• Protocolos: definem as regras básicas de como os dados serão trocados entre os
componentes;
• Formatos de arquivos: modo padronizado em que esses dados são trocados;
45 BEIGUELMAN, Giselle. Op. cit. 2003, p. 69.46 Não existe um padrão no uso de ferramentas na criação de interatividade, controle denavegação e fusão entre o vídeo e os inúmeros conteúdos de mídia. Além do mais, a maioriados players não se encontram instalados nos sistemas, havendo a necessidade de pausas para“baixar” um plug-in ou aplicativo para que o vídeo seja visto.
49
• CODECs: usados para comprimir/descomprimir os dados contidos dentro dos
arquivos.
O streaming pode ser definido como uma tecnologia de transmissão via
empacotamento, ou seja, o conteúdo informacional é dividido em pequenas partes para ser
transmitido com maior eficácia, como nas experiências do telégrafo-copiadora que
descrevemos no capítulo anterior. Esse empacotamento pode variar em tamanho, duração,
intervalo e repetição, num processo de distribuição de áudio e vídeo digital através de uma
rede local ou pela Internet. Os dados seguem como um fluxo indefinido de pacotes de
dados numerados, em vez de um simples download de arquivo. Os arquivos de streaming
podem começar a ser reproduzidos tão logo chegam os primeiros pacotes, ou armazenados
em um buffer47 para compensar pequenas interrupções de transmissão, sem a necessidade
de aguardar a chegada do restante dos dados. Isso na teoria, pois a largura de banda
(conexão da Internet) é fator determinante para que o fluxo seja interrompido ou não.
Quando as ligações de rede são de banda larga, a velocidade de transmissão da informação
é elevada, dando a sensação de que áudio e vídeo são transmitidos em tempo real. Permite
assim a entrega de vídeo e áudio ao vivo, ou captura de imagens de uma webcam ou de
uma câmera digital. É uma ferramenta multiusuária, possibilitando a criação de video-
chats, mensagens por vídeo e aplicação em videoconferências.
Em geral, o streaming não pode ser gravado pelo computador da mesma maneira que
gravamos programas de televisão em um videocassete, no sentido de que os fluxos não
podem ser descarregados, assim como é feito no download. Isso dinamiza o fluxo do
vídeo, já que utiliza uma quantidade menor de memória e espaço no disco porque não há
necessidade de baixar o arquivo inteiro, aumentando também a eficiência dos recursos da
rede porque apenas os trechos do vídeo que são vistos são enviados ao cliente. O
streaming permite uma entrega mais segura, pois a mídia não é armazenada no cache do
cliente.
47 Área usada para armazenamento temporário de dados na memória do computador duranteoperações de entrada/saída.
50
Longe de ser um mero dado técnico, isso determina uma maneira de disponibilizar
com segurança um conteúdo proprietário (copyright – proteção de propriedade
intelectual), de modo que o usuário pode apenas assistir a determinado vídeo (ou tentar
assisti-lo, se tiver uma banda estreita como as das linhas telefônicas). Depois de encerrada
a conexão com a Internet, esse conteúdo não pode ser mantido no PC. Não podemos
assisti-lo off-line, como fazemos com o VT e a TV, e muito menos manipular o conteúdo
digital do arquivo de vídeo. Mas existem maneiras de se burlar o sistema.
No campo das imagens técnicas, geralmente todas as tentativas de reserva de
mercado por parte da indústria cultural são passíveis de serem quebradas. Uma vez que
elas não deixam de ser um código, basta possuir um dispositivo decodificador. Esse
dispositivo pode ser um aparelho eletrônico (no caso dos sistemas de cores da TV e do
vídeo - Secam, Pal, NTSC) ou um programa de computador que permita a gravação de RA
(RealAudio), ASF (streaming do Windows Media Player), etc. Há também outro código,
uma chave numérica que permite abrir um sistema e configurá-lo de acordo com interesses
pessoais (DVD players de “mesa”). No âmbito do digital, é praticamente impossível ter
um sistema completamente fechado e seguro.
Live video streamings - Streamings ao vivo
Os streamings “ao vivo” ocorrem em tempo real, ou próximo disso. Trabalham com
o processo de compressão (CODEC) simétrico, ou seja, o tempo para comprimir um
arquivo de vídeo digital é igual ou semelhante a seu tempo de descompressão. A imagem e
o áudio, ao ser capturados, já são comprimidos e enviados. Sua eficiência não é tão grande
quanto a compressão assimétrica usada em vídeos pré-gravados (não ao vivo). Veremos
em mais detalhes como funcionam os CODECs no item seguinte deste capítulo. O
importante agora é ressaltar uma tecnologia que foi essencial para o streaming ao vivo: o
webcasting, caracterizado pela tecnologia do tipo push. A tecnologia push é usada em
aplicações cliente/servidor para enviar dados para um cliente sem que o cliente os tenha
51
requisitado.48 Provavelmente, o uso mais amplo e antigo da tecnologia push é o e-mail. Ele
é uma tecnologia push, porque recebemos e-mails mesmo sem os termos solicitado, isto é,
o emissor “empurra” (pushes) a mensagem para o receptor.
Desde que começou a operar, no início da década de 1990, a Web se transformou naprincipal aplicação da Internet. Porém, apesar de seus recursos multimídia, até 1997 elaainda mantinha uma limitação: todas as informações tinham que ser “puxadas” pelousuário em outros computadores. Essa relação, denominada como tecnologia de “pull”,reinou absoluta até os primeiros meses do ano, quando começaram a surgir os primeirossoftwares de Webcasting. Inspirados na analogia com a linguagem televisiva, os serviçosde Webcasting pretendem fazer o caminho inverso do pull, levando a informação até ousuário através da assinatura de canais. Essa tecnologia ficou conhecida como “push”.49
A Internet possui transmissão em broadcasting? Penso que sim, mas como o
assunto é polêmico, cumpre entender o que significa o termo broadcasting e de que
maneira existe broadcasting na Internet. A confusão começou quando esse termo se
tornou sinônimo de “radiodifusão” no Brasil, mas ele também pode ser traduzido por
“transmissão”. A associação do termo broadcasting com as tecnologias de rádio e TV
tornou-se tão forte que se fala, por exemplo, em “padrão broadcasting”, em referência aos
padrões técnicos de produção de áudio e vídeo para TV, e não somente em relação a seus
padrões de transmissão.
O termo inglês para radiodifusão (broadcasting) deriva aliás do contexto militar: faziaparte do jargão especializado da Marinha americana e designava a “disseminação” dasordens da autoridade à esquadra, operação que passou a ser realizada através do rádio.50
Como já dissemos antes, as terminologias na Web são dadas sem um critério muito
rigoroso. Há uma série de serviços e programas de streaming na Web que prometem uma
transmissão “broadcast” como na televisão. Um deles é um software usado em nosso
trabalho que se chama justamente QuickTime Broadcaster, e serve para streamings ao
vivo. Como vimos pouco antes, o próprio termo webcasting tem por referencial o
broadcasting televisivo. Broadcasting também pode ser entendido como uma forma de
transmissão de informação onde há um emissor enviando a mesma mensagem para vários
48 Cf. http://www.webopedia.com/TERM/p/push.html.49 FREITAS, Hélio. A mídia na Internet.http://www2.metodista.br/unesco/helio/capitulo2.htm.50 GILLINGHAM, George, apud MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 1988, p. 16.
52
receptores. Neste sentido, as tecnologias do tipo push, entre elas o e-mail, podem ser
consideradas broadcasting.
Os tipos de webcasting são:
• Multicast: em atividades de rede (Internet, Intranet) se faz uma distinção entre
broadcasting e multicasting. O broadcasting envia uma mensagem para todos na rede,
enquanto o multicasting envia uma mensagem para um grupo selecionado de receptores;
• Unicast: comunicação que acontece na rede entre um único emissor e um único
receptor;
• Narrowcast: envio de dados para uma lista específica de receptores. A televisão a
cabo é um exemplo de narrowcasting, uma vez que o sinal da TV a cabo só é enviado para
os domicílios que possuem a assinatura do serviço. Os termos multicast e narrowcast são
freqüentemente usados de modo intercambiável, embora narrowcast geralmente se refira a
um modelo corporativo (comercial), enquanto multicast refere-se à tecnologia
contemporânea usada para transmitir dados;
• Anycast: comunicação que ocorre na rede entre um único emissor e um grupo de
receptores mais próximos. Anycast é usado no IPv6 como um método de atualização das
tabelas de encaminhamento (tabela de routing). Um servidor inicia a atualização de uma
tabela de um roteador51 para um grupo de servidores, enviando os dados para o servidor
mais próximo e assim por diante, até todas as tabelas de encaminhamento estarem
atualizadas. Corresponde às múltiplas interfaces que partilham um prefixo comum. Um
datagrama é enviado para um dos dispositivos, por exemplo, o mais próximo.
O download progressivo seria um meio termo entre o download e o streaming. Com
o recurso fast start, permite que um webvideo comece a ser reproduzido antes que seu
arquivo tenha sido completamente baixado pela Internet, tipicamente alguns segundos
51 Equipamento usado para fazer a comunicação entre diferentes redes de computadores.Provê a comunicação entre computadores distantes entre si e até mesmo com protocolos decomunicaçãodiferentes.
53
depois do início da transferência. Aqui não há restrições quanto à sincronização com o
fluxo de áudio ou memória de processamento.
O streaming em tempo real cria duas categorias de distribuição:
• Por demanda de arquivos gravados, como vídeo on demand (VoD).
• Transmissões de eventos ao vivo (webcast), quando combinado com um software
para broadcasting.
Os protocolos Internet são empregados na distribuição de arquivos de streaming – o
UDP e RTSP –, e realizam a distribuição entre um servidor de streaming e um player com
muito mais qualidade. Essa qualidade é alcançada graças à arquitetura que prioriza a
distribuição em fluxos contínuos. Quando TCP e HTTP são usados e encontram uma
falha ao entregar um pacote de dados, eles tentam repetidamente enviar aquele pacote de
dados até que este seja entregue com sucesso. UDP continua a enviar os dados mesmo que
ocorra a perda dos mesmos, o que permite uma experiência em tempo real, que é uma das
principais características do streaming.
UDP (User Datagram Protocol) significa protocolo de datagramas de usuário. O
UDP é pouco confiável, sendo um protocolo não orientado para conexão. “Pouco
confiável” significa que não há técnicas no protocolo para confirmar que os dados
chegaram ao destino corretamente. O UDP faz a entrega de mensagens independentes,
designadas por datagramas, entre aplicações ou processos, em sistemas host. A entrega
não é confiável porque os datagramas podem ser entregues fora de ordem, ou até se
perder.
RTSP (Real Time Streaming Protocol) é um padrão para o controle de streaming de
dados na World Wide Web. Como H.323, o RTSP usa o RTP (Real-Time Transport
Protocol) para formatar pacotes de conteúdo multimídia. Mas enquanto o H.323 é
programado para videoconferências de grupos de tamanho moderado, o RTSP é
programado para se adequar a uma comunicação broadcast de dados audiovisuais para
grandes grupos. O RTSP cresceu pelo trabalho desenvolvido pela Columbia University e
54
as empresas Netscape e RealNetworks.
SDP (Stream Description Protocol) é um protocolo RTP (Real Time Protocol)
muito utilizado em aplicações de tempo real de entrega de dados. Faz a fragmentação do
fluxo de dados do áudio e adiciona a cada fragmento informações de seqüência e de tempo
de entrega. Utiliza o UDP como protocolo de transporte e não oferece qualquer garantia
de que os pacotes serão entregues em um determinado intervalo.
2.3. CODECs
CODEC é a contração de “compression/decompression”. Como sugere a expressão,
sua função é comprimir as informações de um arquivo digital durante a gravação para ser
transportado ou armazenado, e descomprimi-las na sua exibição ou reprodução.
Os CODECs são algoritmos, ou seja, seqüências de instruções utilizadas para
solucionar um problema computável, “receitas matemáticas” que definem como deve ser
processado um determinado conjunto de informações. Esses algoritmos analisam as
redundâncias do sinal e as codificam em modelos ou vetores matemáticos, reduzindo e
dividindo o grande volume de dados em arquivos menores. Metaforicamente, pode ser
traduzido como uma espécie de caixa mágica que faz com que um elefante caiba numa
caixa de fósforos, em termos de volume de informação; ou mesmo, como uma caixa
surpresa (jack-in-the-box), onde o palhaço salta para fora ao abrirmos a tampa
impulsionada por uma mola. O CODEC funciona mais ou menos como essa mola:
comprimida quando a caixa está fechada, estendida quando aberta.
Foi graças aos CODECs que a Internet pôde se tornar multimídia, pois praticamente
todos os arquivos de áudio e vídeo utilizam algum tipo de CODEC. Porém, todo CODEC
apresenta perda. Depois de aplicar um CODEC sobre um arquivo de áudio ou vídeo,
algumas informações são permanentemente perdidas. O tipo de perda apresentada
depende do tipo de CODEC. Enquanto alguns promovem perda de resolução, outros
tendem a embaçar a imagem. Alguns criam indefinições de borda ou deixam a imagem
55
quebrada em blocos, e outros problemas. O mesmo ocorre com o áudio e suas
características específicas (harmônicas, ruído de quantização, etc.).
Quando um CODEC é aplicado sobre outro CODEC, as perdas promovidas por
cada um se somam, resultando em uma degradação maior da imagem e/ou som. Esse
fenômeno aparentemente contraria o senso comum de que o vídeo e o áudio digitais não
apresentam degradação de uma geração para outra. Na verdade, não há degradação entre
cópias. Se houver processamento entre as gerações, é provável que ocorram perdas.
Conforme afirmou Manovich, “a digitalização inevitavelmente envolve perda de
informação. Em contraste com uma representação analógica, uma representação codificada
digitalmente contém uma quantidade determinada de informação”.52 Ainda que isso seja
um fato, o autor pondera que já pelo fim da primeira década da nova mídia, no início dos
anos 1990, a tecnologia atingiu o ponto em que uma imagem digital53 poderia facilmente
conter muito mais informação do que qualquer um poderia almejar. Ele menciona esse fato
a respeito dos scanners de 1200 ou 2400 ppi,54 mas hoje temos máquinas fotográficas
digitais com 22 megapixels (22 milhões de pixels) e câmeras mini-DV e HDV. No entanto,
na prática essa diferença é irrisória desde o final dos anos 1990, pois os scanners mais
baratos eram capazes de escanear imagens de 1200 ou 2400 ppi. Nessa época, o
armazenamento digital da imagem ainda era formado de um número finito de pixels,
resolução na qual pode conter um nível de detalhe tão fino quanto na fotografia tradicional,
dependendo do tamanho da impressão.
Porém, não há sentido prático no princípio de que a discretização implica em perda
de informação. Hoje em dia, a digitalização chegou a um tal nível de refinamento de
captura que a diferenciação entre o que é ou não digital (contínuo ou discreto) torna-se
imperceptível. Por outro lado, há o princípio de que a degradação da cópia digital não se
dê na prática, mas devido às limitações de armazenamento, transmissão e processamento,
52 MANOVICH. Op. cit., p. 49.53 Manovich define uma imagem digital como “um número finito de pixels, cada um tendoum distinto valor tonal ou cromático, e esse número determina a quantidade de detalhe queuma imagem pode representar”. Cf. Op. cit, p. 53.
56
no caso do vídeo. Assim, toda imagem capturada já é digitalizada com algum nível de
compressão. No caso do formato mini-DV, a própria câmera já captura o som e as
imagens de modo numérico, ou seja, discreto. O CODEC mini-DV é tido como lossless,
isto é, sem perda, reversível. Todo procedimento de cópia que é feito desse material será
literalmente (ou numericamente) idêntico, como, por exemplo, de fita para fita ou
computador > fita > CD > DVD. Mas se o arquivo passar por algum processamento,
provavelmente haverá perda de informação. A aplicação de um CODEC implica em perda,
mas isso pode ocorrer também quando é feita uma transição em vídeo (fade, wipe, etc), ou
aplicação de algum efeito (aumento de contraste, lettering, texturas, etc), pois há uma
retirada de informação.
Tome-se o áudio, por exemplo. Os 16 bits de resolução utilizados nos CDs sãosuficientes para reproduzir sons com a qualidade exigida pela audição humana. Noentanto, quando originalmente gravados por engenheiros de som, normalmente é usadaa resolução de 24 bits. Os 8 bits adicionais servem para compensar erros dearredondamento que ocorrerão durante os subseqüentes processamentos digitais dossinais (como equalização, filtragem, alteração de volume e pitch, mixagem, etc.).55
Na mídia digital a cópia não se distingue do original, pois não há perda de qualidade
(informação) na reprodução. Não há degradação do material de origem. Embora isso seja
verdade, na prática há muito mais degradação e perda de informação entre versões de uma
imagem digital do que entre cópias de fotografia tradicional (analógica). Uma única imagem
digital consiste de milhões de pixels. Todos esses dados exigem um considerável espaço de
armazenamento no disco rígido e tempo para trafegar pela rede. “Por conta disso, o
software e o hardware usados para adquirir, armazenar, manipular e transmitir imagens
digitais se baseam na lossy compression.” 56
A capacidade de resolução dos dispositivos de captura (digitalização) atuais é tão
alta que torna a perda de informação pela discretização irrelevante. No entanto, arquivos
sem compressão possuem uma quantidade enorme de informação e tornam-se muito
54 Do inglês ppi - pixels per inch, em português “pixels por polegada”.55 DALDEGAN, Pedro. “A escolha do CODEC ideal”. 2001. Cf.http://paginas.terra.com.br/arte/fetiche/brocolisvhs/codec.htm.
57
“pesados”. No caso do vídeo, isso é crítico. A solução veio ao se perceber que havia muita
informação repetida, logo, o caso era cortar essa redundância para que o arquivo ficasse
mais “leve”. Todas as imagens, em alguma medida, trazem repetições.
A redundância pode ser de dois tipos:
• Redundância espacial: ocorre em áreas da imagem onde pixels adjacentes possuem
o mesmo valor. São relativas a forma, textura e cor da imagem;
• Redundância temporal: ocorre quando há semelhança entre imagens sucessivas, os
pixels da áreas correspondentes possuem o mesmo valor.
Há três aspectos dos CODECs que são intimamente relacionados: taxa de
compressão, qualidade e velocidade de processamento. Em relação ao tempo de
compressão e de descompressão, temos a compressão simétrica e a assimétrica. Na
primeira, o tempo necessário para comprimir e descomprimir o vídeo é equivalente; já na
segunda, a compressão é muito mais demorada que a descompressão, porque efetua uma
análise mais refinada dos elementos de redundância tempo/espacial. Isso torna menos
evidentes os artefatos (ruídos digitais) e garante maior qualidade na recepção e uma
descompressão mais rápida, permitindo a fluidez do vídeo. Na compressão simétrica, há
uma eficiência menor na análise de redundâncias, o que torna os artefatos mais evidentes.
No entanto, em um streaming “ao vivo” ela é inevitável, uma vez que o tempo de
compressão também é determinante.
A taxa de compressão, que define a medida em que o algoritmo reduz a quantidade
de informação contida em uma imagem, pode ser variável. A alteração dos pixels é maior
sobretudo em cenas de movimento, movimentos de câmera ou transições e efeitos de pós-
produção, onde há uma mudança de praticamente 100% dos pixels de um quadro a outro.
Os métodos de compressão podem ser implementados não só através de softwares,
mas também com a ajuda de placas e chips dedicados (hardwares). No começo do desktop
56 MANOVICH. Op. cit., p.54.
58
vídeo, o hardware específico era indispensável, pois os processadores da época não
tinham capacidade para processar tal volume de informação individualmente.
Durante a evolução dos processadores, vários CODECs foram sendo criados econstantemente aprimorados. Nos primórdios do vídeo digital, a falta de capacidade deprocessamento obrigou à utilização de algoritmos mais simples, e portanto menoseficazes. Em alguns casos, chegou-se à implementação via hardware dedicado. Umexemplo é o mpeg2, que durante um bom tempo só podia ser conseguido através deplacas específicas para essa tarefa. Com o aumento da capacidade de processamento dasCPUs, elas puderam assumir para si essa tarefa, e a implementação do mpeg2 tornou-sepossível via software. Com o surgimento de CODECs mais eficazes, aqueles maisprimitivos foram gradualmente sendo abandonados, tornando-se obsoletos. É o caso dosCODECs utilizados nos primórdios da multimídia.57
É possível comprimir imagens de vídeo reduzindo o número de frames por segundo,ou alterando sua resolução (tamanho em pixels). Em um método escalonável, a taxa decompressão e, por conseqüência, a qualidade da imagem, adapta-se ao equipamento deexibição. Nesse caso, interferem tanto no poder de processamento do computador como navelocidade de transferência de dados. É o caso dos streamings de vídeo para a Web, em quea velocidade de acesso à Internet é determinante. As imagens também podem sercomprimidas progressivamente. Isso significa que uma seqüência de imagens pode ter suatransmissão e exibição iniciada rapidamente, com alta compressão, para ser refinadaprogressivamente, com a continuidade do fluxo de dados.
Por fim, outro fator determinante é o ajuste do key-frame (quadro chave). Os key-
frames são quadros inteiros sem compressão de imagem colocados no vídeo em intervalosregulares. Cada qual é seguido por informações sobre como os pixels vão mudar entre umkey-frame e o próximo, produzindo os delta frames. Durante a exibição do filme, odecodificador recria os delta frames baseado nas informações dadas pelo key-frames.
Muitas vezes, essa subtração de informação é imperceptível ao olhar humano, umaforma digital de trompe l’oeil, que em francês significa “enganar o olho”. Essas técnicasenvolvem uma relação entre resolução de imagem e tamanho de arquivo. Quanto maior acompressão, menor o tamanho do arquivo, mais leve, mais rápido e mais “portátil” ele fica.E, geralmente, mais visíveis se tornam seus artefatos visuais (ruídos digitais) no momento davisualização, quando o arquivo é descomprimido. Isso é resultado da informação deletada.
É muito comum confundir formatos de vídeo digital com tipos de CODECs. Aindústria de software tem uma parcela de responsabilidade por essa situação, ou seja, às
57 Id., Ib.
59
vezes a extensão do arquivo é referente ao formato do arquivo, às vezes aos CODECs. Porexemplo, as extensões .avi e .mov referem-se respectivamente aos formatos de vídeodesenvolvidos inicialmente pela Microsoft e pela Apple. Já as extensões .mpeg, .mp3, .divxou .mp4 referem-se a suas compressões, que muitas vezes podem ser usadas tanto emarquivos tipo .mov quanto .avi (ou sua versão atual, o .wmv). Já o software RealPlayertrabalha com um tipo de CODEC específico, o que praticamente implica dizer que aextensão .rm desses arquivos e o CODEC utilizado se confundem.
2.4. Meios de difusão na rede
O videoartista Lucas Bambozzi, em seu artigo “Oportunidade para Lembrar”, parece
concordar com Manovich em relação à tendência atual ou aceitação da “baixa resolução”.
Dando um depoimento de cunho autobiográfico, Bambozzi conta que quando começou a
trabalhar com vídeo havia uma grande “escassez e dependência técnica”,58 não encontrada
nos dias de hoje na tecnologia videográfica digital. Devido ao constante barateamento e
miniaturização (portabilidade) desses aparelhos, seu acesso ao vídeo é cada vez mais
facilitado. Mas, além disso, inicia-se um rompimento de barreiras entre o chamado padrão
broadcasting (profissional) e caseiro (doméstico – VHS, Hi-8, S-VHS). Antes dos anos
1990 e da chegada do digital, o difícil e caro acesso aos equipamentos considerados de
qualidade, tanto pela indústria como pelo circuito das artes (U-Matic, Betacam),
determinava uma forma de criação (modus operandi) que afetava até mesmo a concepção
inicial do projeto:
(...) a limitação de uso, tanto do editor como da ilha, já estava embutida, a priori, emnossas cabeças e no plano tão detalhado que não convidava a processos intuitivos eexperiências associativas mais livres.59
Bambozzi explica que no domínio da mídia digital, há mudanças não só naacessibilidade dos meios, mas também nas leituras desses meios:
Enxergo as verdadeiras mudanças em torno do digital como um processo de introdução eaceitação gradual não apenas dos formatos como também das linguagens de baixa
58 BAMBOZZI, Lucas. “Oportunidade para lembrar” in Made in Brasil. 2003, p. 240.59 Id., Ib., p. 239.
60
resolução. Ou seja, em comparação aos anos 80, diria que estamos mais condescendenteshoje com a imagem precária, com a aceitação de formatos de menor qualidade, inclusivena difusão de estéticas não estabelecidas pela indústria do entretenimento ou pelatelevisão. Mais do que nunca, realizamos e difundimos nossos vídeos fora do padrãotelevisivo, tanto em termos técnicos como estéticos e conceituais.60
Assim, corrobora a idéia de que as tecnologias imagéticas tidas como de “baixadefinição” possuem uma série de fatores que atraem artistas de outros meios e favorece aexperimentação. Isso ocorre não só pelo baixo custo dos equipamentos e sua portabilidadecada vez maior – tendências que só têm aumentado no decorrer dos anos –, como tambémpor sua baixa definição, que desafia o caráter representacional da imagem técnica, abrindocampo para a “abstração e estilização”. Como sugeriu Arlindo Machado:
O vídeo, em decorrência de sua natureza tecnológica como meio de baixa definição,opera com pequeno número de pontos de informação, numa malha de retículas quepossibilita poucas articulações significantes. Isso não é propriamente uma limitação, oupelo menos não deveria ser, se os seus profissionais soubessem tirar proveito dessacondição, explorando justamente a estilização e a abstração que sua linguagem solicita.61
Nesse sentido, os avanços tecnológicos high-tech acabam por alargar as fronteiras do
low-tech. À medida que uma nova tecnologia é desenvolvida, sua antecessora torna-se mais
barata e mais acessível, mais estandardizada, mais disseminada e generalizada, mais
comum. Pode-se dizer que o vídeo digital, pelo menos no que diz respeito às formas de
sua veiculação na Internet, radicalizou ainda mais o caráter antimimético do vídeo, ao
deflagrar sua constituição, sua natureza de imagem (pixel), através da presença cada vez
mais preponderante de seus artefatos.
Em relação à tela (moldura), há também um aumento de hipermidiacidade, ou seja, da
percepção do meio enquanto meio, de sua opacidade. No cinema, ao contrário, pelo
tamanho de sua tela e por características específicas de sua recepção (sala escura sem
distrações sonoras ou visuais), seu aspecto é de uma mídia imersiva. Isto é, a tela de
cinema é “transparente”, pois na fruição do filme não vemos a tela, vemos o filme. Murch
diz: “O cinema é uma mídia em que se entra, enquanto a TV é uma mídia que se vê.” No
cinema se dá a imediacidade, na qual por um momento perdemos a consciência da mídia
enquanto mídia (a película do filme) e nos conectamos diretamente com o conteúdo dessa
60 Id., Ib., p. 240.61 MACHADO, Arlindo. Arte do vídeo. 1995, p. 59.
61
mídia (a narrativa do filme). Na TV (e no vídeo) não temos essa condição “privilegiada” de
recepção, pois a tela é bem menor, sua moldura é evidente e nossa atenção é disputada por
outros integrantes do cenário doméstico onde o aparelho televisor é normalmente
instalado. Luz acesa, conversas paralelas e outros ruídos domésticos (aspirador, máquina
de lavar, batedeira, etc), se incorporam à experiência de fruição do vídeo.
No vídeo na Internet, feito por e para um computador doméstico, essa luta pela
atenção do espectador não só se dá entre o aparelho emissor e seu entorno, como no caso
da TV na sala de estar, mas também dentro da própria tela do aparelho (monitor), em que
janelas de diferentes aplicativos estão simultaneamente abertas, nas quais o usuário está
desenvolvendo várias tarefas simultâneas (enviando e-mail, escrevendo um texto no Word,
navegando pela Internet).
Como já vimos, há duas maneiras de se disponibilizar e distribuir vídeo na rede:
download e streaming. Independentemente da opção utilizada, esse vídeo deve ser
preparado para se adequar às condições de distribuição de banda, limite de fluxo de dados
da conexão com a Internet e recepção; e poder de processamento da máquina cliente, na
configuração de sistemas operacionais e browsers, instalação de plug-ins e players
adequados. Agora veremos alguns exemplos de como isso se dá especificamente na
Internet.
Atualmente, há uma gama enorme de tipos de vídeo na Internet. Os exemplos que
serão aqui analisados são aqueles que adotam práticas inerentes aos novos meios (mídias
digitais). Grande parte dessas práticas surgiu antes da expansão do computador pessoal e
da popularização da Internet, mas foram sobremaneira potencializados por esses dois
fatos contemporâneos. Aqueles que fazem parte da gramática da cultura digital: o
sampler, o remix, o banco de dados e a reciclagem, como sugere Marcus Bastos:
(...) reciclagem, um dos exemplos de como o ideário dessa contracultura se insereprogressivamente em setores sociais cada vez mais amplos, é uma prática comumtambém no universo das mídias digitais. O símbolo de uma sociedade preocupada empreservar suas reservas naturais e reaproveitar os detritos sólidos não é o Memex, é osampler.62
62 BASTOS, Marcus. “A cultura da reciclagem”. 2004, p. 285.
62
fig. 8 - King Tubby em seu “laboratório de som”
O ato de “samplear”, símbolo da tecnocultura, vem do termo sample (“amostra” em
inglês), que é um dos procedimentos (análise e cálculo) da digitalização. O verbo
“samplear”, tão usual hoje em dia para diversas atividades como a produção de sons,
vídeos e textos, tem sua origem nas artes plásticas, com a introdução da colagem no meio
da pintura por Picasso e Braque, e foi brilhantemente expandido para outras categorias das
artes plásticas por Kurt Schwitters, com a escultura Merzbau e a sonata Ursonate. Na
música pop, o sample não começou com o rap, como muitos pensam, e sim com o DUB,
que tem sua história intimamente ligada ao reggae. O DUB vem de dubplates, que eram
discos de 7 polegadas, sendo um lado só instrumental e outro com vocal.
Antes de serem lançados em disco, esses remixes - também chamados de “specials” ou“dubplates” - podiam ser ouvidos nos bailes, via sound-system. Um produtor geralmentegravava a versão instrumental exclusivamente para um determinado sound (às vezes odele mesmo) tocar nos bailes. Era um negócio oportuno, porque a versão instrumentalpermitia a apresentação ao vivo de cantores e deejays, o que atraia público, e oprodutor ia testando seus melhores riddims sob o crivo do público.63
Foi aí que surgiu a figura do Toaster, o antecessor do MC no rap. Toast significa
cantar em cima de uma base instrumental. A partir do DUB, veio a idéia de recortar
amostras (samples) e efeitos de mixagem, som e silêncio, loops (repetição da amostra). As
técnicas que hoje são
usadas e abusadas pela
música eletrônica foram
desenvolvidas no final
dos 1960 por King
Tubby e Lee “Scratch”
Perry na Jamaica, com
equipamentos precários e
muita experimentação.
Foram eles os primeiros
63 VIDIGAL,Leo. Cf. http://massivereggae.cjb.net/
63
operators. O DUB, mais do que propriamente um estilo musical, deve ser considerado
uma técnica de edição que se alastrou para fora do reggae, primeiro sendo adotada pelo rap
(através da conexão Miami e da conexão Londres) e depois atingindo diversas tendências
da música eletrônica, do ska e punk aos Chemical Brothers.
Eu tinha um pequeno gravador e pegava emprestado uns tapes dos produtores e mixava-os dum jeito diferente. Eu trabalhava para Duke Reid, fazendo os cortes, e uma vez afita estava rolando e eu tirei o vocal, você sabe, era um teste. Bom, peguei algumasdessas fitas e levei pra casa. Depois as estava tocando e eu disse: tudo certo, vou testá-las, por soar muito bem o jeito que a música começa com a voz, a voz some e o ritmocontinua. Daí eu levei os mixes para os bailes e, cara, eu te digo, com quatro ou cincomúsicas eles agitaram a pista e tivemos de tocar sem parar.64
Na prática musical, o produto gerado a partir dos samples é denominado remix. O
termo extrapolou o universo musical e tem sido adotado em outras áreas, como literatura,
artes visuais, cinema e vídeo. Nessas áreas a prática do remix tem gerado polêmica em
torno da questão de violação de direitos autorais.
Manovich contrapõe a idéia de colagem modernista de Roland Barthes, na qual há
uma colisão de elementos, à idéia de colagem eletrônica e de software, que permite uma
mistura.65 No entanto, em uma análise mais minuciosa, encontramos em algumas obras de
colagem das vanguardas do começo do século XX fusões de materiais e técnicas,
transparências. Enfim, exemplos de mistura e não só de colisão. De qualquer forma, a idéia
que norteava as práticas de colagem e montagem nas produções plásticas, cinematográficas
e literárias modernistas era a de justaposição de elementos contrastantes, o choque, a
colisão de que fala Barthes. Quando Picasso aplicou um pedaço de papel de parede
(sample) em sua pintura (quadro), criou uma tensão entre a representação, representação
fragmentária e cronotópica, uma vez que se trata da pintura cubista do quadro e a
apresentação de seus elementos (tinta e pedaço de papel de parede). Assim como o corte
cinematográfico, cria-se uma elipse, um salto, uma lacuna na narrativa. Cut-up, na escrita
de William Burroughs.
64 Depoimento de King Tubby. Cf. http://massivereggae.cjb.net.65 MANOVICH, Lev. “Quem é o autor? Sampleamento, remixagem e código aberto”. 2004,p. 256.
64
O princípio do sampler e do remix no vídeo surge nos anos 1980, a partir da
invenção do controle remoto na televisão (1983). Começa-se então a usar o zapping como
uma técnica constitutiva do fazer videográfico, com a repetição de imagens do universo
televisivo (sample e loop), trazendo um sentido político de uma nova escrita videográfica.
Desse movimento, que foi denominado de scratch-video e teve seu desenvolvimento
inicial e vigoroso na Inglaterra, destaca-se a produção do grupo Gorilla Tapes.
O princípio do scratch-video, como o próprio nome sugere, era o de manipular vídeo
da mesma maneira como os DJs arranhavam (scratch) os vinis em seus toca-discos. Joga-
se tanto com uma associação consciente entre imagens (que pode ser crítica, perversa e
hilária), como com altas doses de aleatoriedade. É importante salientar que uma
característica do scratch-video é seu caráter “semiclandestino”, uma vez que a aquisição
do material se dá por imagens “pirateadas” da televisão,66 violando as severas leis
britânicas de direito autoral. Na Inglaterra, pode-se gravar a programação televisa em VHS,
mas depois de dois meses é obrigatório por lei apagar as fitas.
Alguns escritores observam ainda que o tipo de loop utilizado pelos scratch-videos setornou amplamente identificado como uma forma de crítica da própria cultura dasmídias. A repetição evidencia o ridículo e a hipocrisia. Acentua o que passa despercebidono fluxo das mídias ao redor da TV e da publicidade.67
Na década de 1990, quando a cultura digital se populariza, os computadores
pessoais tornam-se economicamente acessíveis para o consumo doméstico. A Internet
desponta para o uso comercial, ou seja, não está mais confinada no nicho
acadêmico/governamental/militar. As câmeras digitais, scanners e placas de captura sofrem
um processo cada vez mais acelerado de se tornarem menores, mais baratas e mais
eficientes, criando as condições necessárias para o surgimento da figura do VJ, ou “vídeo-
jóquei". O termo é explicitamente uma referência a “disc-jóquei”, ou DJ. O VJ se propõe a
fazer com vídeo o que o DJ faz com o disco de vinil ou áudio de maneira geral.
Trabalhando com várias células (os samples) e determinando a ordem de sua apresentação,
66 MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário. 1996, p. 56.67 BAMBOZZI, Lucas. A era do "ready-made" digital Cf.http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1680,1.shl
65
o VJ faz repetições (loops) que geram uma base para seu improviso, ou, melhor dizendo,
para sua performance, mixando elementos midiáticos (áudio, vídeo, texto). Essa edição ao
vivo se dá utilizando um banco de dados.
(...) o fascínio pelo improviso, pela condição de gerar algo (por temporário e fugaz queseja esse resultado) que vai reverberar diante dos olhos de quem ainda está em processode produzir. Seja esse algo uma imagem, um som, uma idéia, um conceito, ou maisprovavelmente uma associação entre todas essas coisas, esse processo é indutor deadrenalina tanto no emissor quanto no receptor. Loops, montagem paralela oufeedbacks (magias que sintetizavam o próprio conceito de videoarte) geram fluxos decomunicação em estado bruto.68
A limitação que se nota no procedimento dos VJs e DJs de maneira geral, assim
como nos “videomixers” on-line que iremos analisar adiante, é que, enquanto
procedimento “ao vivo” (live image), o que ocorre é uma reordenação da apresentação
dessas células no tempo. Mas não há um tratamento (manipulação) das células em si.
Quer dizer, o VJ não altera “ao vivo” as propriedades constitutivas dessas imagens: sua
cor, contraste, escala, etc. Isso é feito de antemão em programas de edição, quando o VJ
prepara seu banco de dados, exceto quando há uma mesa de edição de vídeo.
Nos videomixers on-line existe a mesma limitação. O usuário tem um controle total
em relação à montagem do clipe (vídeo), dispondo as células de áudio, vídeo ou stills a seu
bel-prazer. Porém, esses videomixers não dispõem de ferramentas de tratamento de
imagem (ou áudio) on-line, quando muito há opções de transições de um clipe para outro.
Para alterar algum parâmetro desses elementos ou criar suas próprias células, o usuário
deverá fazê-lo off-line, usando outro software.
Portanto, a chamada mixagem e hibridização da linguagem audiovisual através da
interferência digital sobre a imagem videográfica ocorre aqui de maneira relativa e limitada,
quando se promete isso “em tempo real” ou “ao vivo”. Claro, há programas e alguns
aplicativos para Web que cumprem essa promessa. Entre eles, o que abordamos neste
trabalho: o KeyWorx.
68 Id., Ib.
66
Isso não tira o valor dessas experiências na Internet, uma vez que elas se diferenciam
dos sites, que constituem apenas um “lugar” de apresentação de vídeos. Seria um VCR on-
line, com o mérito (o que não é pouco) de poder assistir a um vídeo que não se encontra
nas locadoras e dificilmente seria visto na televisão.
O que nos interessa aqui é analisar aqueles que apresentam um diferencial, uma
inovação operativa, tanto em sua recepção (fruição) quanto em sua criação (edição,
elaboração), em que os paradigmas de tela (screen) de vídeo (e do cinema) são
transgredidos (questionados), ou ao menos tensionados. Ou seja, vamos atentar para
aqueles vídeos na Internet que não se apresentam como simulação de um VCR – um
retângulo com as teclas “Play”, “Stop”, “FF” e “Rew”.
P2P
A primeira forma de vídeo que apareceu na Web foi a disponível para download. As
condições de transmissão incipientes na rede (baixa velocidade de tráfego, modems de
linha discada a 28Kbps), assim como o baixo poder de processamento das CPUs e
CODECs pouco eficazes, tornavam impraticável a contemplação de vídeo na rede in loco
e em tempo real. O vídeo tinha de ser baixado completamente para depois ser assistido.
Isso era feito através do protocolo HTTP (HyperText Transfer Protocol - Protocolo de
Transferência de Hipertexto) ou FTP (File Transfer Protocol - Protocolo de Transferência
de Arquivos), que é uma forma mais rápida e versátil de transferir arquivos do que o
HTTP, criado para visualização e leitura. O streaming surgiu quando se desenvolveram
protocolos mais versáteis para a fruição de vídeo na rede – in loco e in directo.
No entanto, o vídeo “baixável” jamais desapareceu da Web. Ele inclusive adquiriu
outras modalidades de descarregamento. Referimo-nos aqui às redes de transferência e
trocas de arquivos que surgiram na Internet, conhecidas como P2P - Peer-to-Peer (pessoa
a pessoa). É uma tecnologia que possibilita a distribuição de arquivos em rede e que tem a
67
característica de permitir o acesso de qualquer usuário dessa rede a um nó, ou a outro
usuário (peer) de forma direta, possibilitando a partilha entre os usuários de: ciclos de
processamento das máquinas, banda de rede, espaço de armazenamento, entre vários
recursos que em outros sistemas acabavam sendo desperdiçados.
Basicamente, pode-se dizer que cada computador é cliente e servidor ao mesmo
tempo. Essa tecnologia ficou conhecida mundialmente com o fenômeno Napster, que foi o
primeiro programa P2P criado especialmente para o compartilhamento de música.
Tornou-se mundialmente célebre por ser alvo de ataques jurídicos por parte das
companhias discográficas. O Napster causou grande polêmica porque essas empresas
acusavam o serviço de promover a pirataria, ao possibilitar a troca de arquivos de áudio
protegidos por copyright. Foi processado pela Recording Industry Association of
America (RIAA) e, em dezembro de 2002, foi comprado pelo grupo Roxio, fabricante de
softwares para gravação de CD e DVD, passando a vender as músicas arquivadas aos
usuários.
Mas o conceito de Peer-to-Peer disseminou-se pelo mundo inteiro. Primeiramente
com compartilhamento de arquivos de áudio comprimidos com o CODEC MP3.
Atualmente, essas redes partilham vários itens além de áudio, imagens, vídeos, textos
(documentação) e software. Dezenas de outros programas apareceram, como LimeWire,
iMesh, WinMX, AudioGalaxy, Kazaa, Gnutella, Shareaza, eDonkey, eMule, BearShare,
entre outros.
O Gnutella, através dos algoritmos do Kademila, proporcionou uma nova forma de
troca caracterizada pela descentralização dos serviços. Os usuários têm o mínimo de
contato com o servidor central, o que pode dificultar (ou impossibilitar) a extinção dessa
rede por motivos judiciais.
Essa nova forma de transportar, trocar e compartilhar vídeo é por si só
revolucionária, pelo menos em termos de recepção. No começo da “febre” do MP3, com o
Napster causando rumor nos noticiários, alguns subestimaram o grau de novidade que
haveria ali, comparando com o ocorrido ao cassete (em áudio e vídeo). Aliás, foi quando
68
começou a denotação pejorativa de “pirata” para a cópia ilegal de fitas. O que há de novo
aqui é a eliminação do transporte físico, a não-degradação de cópias (quando não há
processamento) e a capacidade de indexação do conteúdo, permitindo o uso de
ferramentas de busca.
A última inovação tecnológica no campo de compartilhamento de arquivos foi o
BitTorrent, outro protocolo que permite aos usuários fazerem download de arquivos
indexados em websites. Essa rede introduziu o conceito “partilhe o que já descarregou”,
maximizando o desempenho e possibilitando downloads rápidos e imediatos. Foi criado
por Bram Cohen em 2003 e tem sido o alvo número um de empresas que lutam por
direitos autorais. Na rede BitTorrent os arquivos são quebrados em pedaços de geralmente
256Kb. Ao contrário de outras redes, os usuários da BitTorrent partilham pedaços em
ordem aleatória, que podem ser reconstituídos mais tarde para formar o arquivo final. O
sistema de partilhamento otimiza ao máximo o desempenho geral da rede, uma vez que
não existem filas de espera e todos partilham pedaços entre si, não sobrecarregando um
servidor central como acontece com sites de downloads, por exemplo. Assim, quanto mais
usuários acessam a rede para baixar um determinado arquivo, mais largura de banda torna-
se disponível.
Outro recurso proposto combina RSS e BitTorrent para criar um sistema de entrega
de conteúdo apelidado de broadcatching. O recurso é explicado por Scott Raymond: “Eu
quero receber arquivos torrent por meio de RSS”. Em outras palavras, assim como você se
cadastra num site para receber notícias por e-mail, poderia se cadastrar em um site para
receber arquivos com o conteúdo desejado, como trailers de novos filmes, músicas,
seriados, etc.”.
Existem espécies de clubes de troca de arquivos. Em alguns deles é necessário pagar.
Em troca, há uma gama muito maior de filmes e vídeos disponíveis do que em redes como
a do Kazaa, arquivos de compressão menor (padrão VCD ou DVD, usando o CODEC
DiVX com arquivo variando de 600Mb a 1,4Gb, e um conjunto de aplicativos que não só
tornam o download mais eficiente, como disponibilizam ferramentas para conversão de
69
CODEC (de DiVX para MPEG 2, por exemplo) para gravação de DVDs ou VCDs. Ou
seja, tem-se o “pacote completo” em um só lugar. No site Easyguide encontra-se um
verdadeiro portal de sites congêneres.69
Videomixers
Com o P2P, a transferência de vídeos potencializa os procedimentos que antes
ocorriam em torno do VHS, já despontando em práticas que ficariam conhecidas na cultura
remix. Com a proposta direta de proporcionar a qualquer usuário de Internet a
possibilidade de fazer sua própria edição, de tornar-se um VJ, surgem os videomixers on-
line.70 Eles têm um caráter mais participativo do que contemplativo. Trabalham com as
tecnologias Flash e Shockwave (formato de arquivo Director para Web) e usam e abusam
do princípio de modularidade desenvolvido por Manovich. Segundo esse princípio, a nova
mídia tem uma estrutura fractal, possuindo a mesma estrutura em diferentes escalas.
Elementos de mídia (imagens, sons, formas, comportamentos) são representados como
coleções de amostras discretas (pixels, polígonos, tipos gráficos, instruções, scripts).
Esses objetos podem ser combinados com outros objetos ainda maiores sem perder sua
individualidade, mas mantêm separada sua identidade. Pelo fato desses elementos serem
armazenados separadamente, podem ser modificados sem que seja necessário alterar o
arquivo principal. Assim, a interface do videomixer é independente dos conteúdos
(imagens, áudio e vídeos).
Em geral, o banco de dados é dividido por categorias (stills, vídeos, animações,
trilhas sonoras e efeitos sonoros), e às vezes por gêneros. Todos permitem ao usuário
gravar seu remix, salvá-lo e compartilhá-lo via e-mail, ou deixá-lo disponível no site. A
seguir, faremos uma breve análise de alguns videomixers.
69 Cf. http://www.easyguide.com/getmovies.70 Utilizamos o termo on-line no sentido de estar conectado à Internet; não confundir comedição on-line x edição off-line, explicadas no capítulo 1.
70
http://www.videomixer.com
fig. 9 – screenshot de edição com videomixer
Provavelmente foi um dos primeiros videomixers on-line. Desenvolvido pela
empresa Oddcast,71 está no ar desde 2001, realizado com o software Flash da
Macromedia. Embora não tenha sido o primeiro a ser criado, foi o primeiro a registrar o
domínio (URL - Universal Resource Locators) na Web com esse nome. Seu banco de
dados é constituído de stills (imagens fixas), vídeos/animações, trilhas e efeitos sonoros.
Essas categorias, por sua vez, estão divididas em gêneros como: noir, maestro, krs-1,
música, pessoas, padrões gráficos, entre outros.
O videomixer disponibiliza alguns tipos de transições como a tradicional wipe
(cortina), nos modos push left/right/down/up, no qual um clipe “empurra” o outro para a
esquerda, a direita (horizontal), acima ou abaixo (vertical), e a transição dissolve, a fusão
de uma imagem com outra através de níveis de transparência. Mas sua timeline (linha do
tempo) é extremamente exígua, não fazendo distinção entre os tipos de mídia mixados.
71 http://www.oddcast.com.
71
A possibilidade de upload também é limitada, pois só permite o acréscimo de
imagens fixas (no tamanho de 240 x 180 pixels). Feito em Flash, em um certo nível sua
interface emula o painel de editor de vídeo: de um lado há o banco de dados, onde se
podem visualizar as mídias e selecioná-las; de outro, o “monitor” de vídeo, que só não é o
tradicional visor retangular porque é chanfrado no canto esquerdo superior e no canto
direito inferior. Para visualizar as mixagens já feitas e armazenadas no site, assim como as
mídias antes de selecioná-las, esse retângulo chanfrado “flutua” acima do painel do
videomixer, com o requinte de fazer uma sombra sobre este.
Vários sites disponibilizam ao público verdadeiras máquinas de manipulação de sentido,por meio da edição on-line de fragmentos de áudio e vídeo. Ou seja, o ideal do VJ estáagora diante de qualquer usuário da Internet, sem que seja necessária nenhuma formaçãoou conhecimento específico para sua manipulação.72
http://www.skop.com/brucelee
fig. 10 – screenshot de KungFu mixer
O projeto I Know where Bruce Lee lives foi criado e projetado pelo grupo Skop(Peter Mühlfriedel, Tim Büsing, Gundula Markeffsky) para o festival de arte on-line
72
Festival of Visions (Hong Kong/Berlim), no qual artistas berlinenses foram solicitados acriar trabalhos com inspiração na cultura de Hong Kong. Permite que o usuário armazeneseu remix e o compartilhe com outros via e-mail. Sua interface apresenta uma moldura comcantos arredondados, com uma anacrônica e estranha textura de madeira. Possui quatrotipos de trilha sonora: suspense, fight, mystery e victory. Não há na interface umavisualização prévia do banco de dados, não há separação de clipes de áudio e vídeo, e astransições (e transparências) vêm acopladas aos vídeos. Aqui, a timeline também é exígua, sómostrando o quanto foi gravado do total permitido (1 minuto), assemelhando-se mais a umvisualizador de recarga de bateria. É possível sobrepor as gravações em camadas (layers)com o botão overdub.
http://pfebril.net/circ_lular/indexpop.html
fig. 11 – screenshot do videomixer Circ_lular
72 BAMBOZZI, Lucas. A era do "ready-made" digital Cf.http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1680,1.shl
73
Circ_lular é a segunda empreitada em Web videomixers da bem-sucedida parceria de
Giselle Beiguelman, Marcus Bastos e Rafael Marchetti (grupo Preguiça Febril). A
primeira foi o Paisagem Zero.73
Circ_lular é um sistema de webdjaying baseado em banco de dados aberto e plataformamultiusuários para sampleagem on-line. Todo o conteúdo - imagens, sons, textos, filmese vídeos - espelha situações de trânsito e fluxo e agencia um processo de remixagemcoletiva que acontece, em tempo real, na Web e em espaços expositivos.74
O webvideomixer Circ_lular guarda alguma semelhança com as interfaces de
programas de edição de vídeo. Ainda que dispense (felizmente) o famigerado relevo 3D,
presente em praticamente todo software que funciona dentro do sistema Windows ou Mac
OS, possui seu “monitor” retangular (viewer) com quatro “botões” acoplados abaixo:
“editar”, com a bolinha vermelha do REC; “tocar/play”, com o triângulo símbolo do
“play" no VCR; “salvar" e “novo”. Acima desse visor encontra-se o banco de dados, que
pode ser visualizado como uma prateleira virtual (clip shelf), que se divide em categorias
de mídia apresentadas na interface como abas: sound-bits, motion, sounds, stills.
À esquerda, há os botões que filtram as mídias por gêneros: vitamina mista/mixed
juice, 80ções/80tations, sobre trânsitos/on traffics, circ_lulando/mob_ilizing,
promocenter/KaZaA. À direita do monitor encontram-se as prateleiras das mídias
selecionadas, divididas em dois campos: no superior ficam os arquivos de áudio; no
inferior, imagens e vídeos. No canto inferior está a timeline, que também faz distinção
entre áudio e vídeo. Depois de fazer a pré-seleção, o usuário clica no botão “editar” e
começa a montar seu clipe. À medida que o playhead vai percorrendo a timeline, o usuário
seleciona as mídias que vão para aquele ponto específico da timeline. Como nos demais,
pode gravar um minuto de Flash vídeo. Possui uma timeline para áudio e vídeo mais
detalhada, com a possibilidade de alterar a ordem dos clipes (áudio e vídeo) através da
própria timeline. Por fim, há os botões (abaixo dos seletores de gêneros) “busca”,
73 O mesmo grupo realizou o videomixer Paisagem0, que permite a produção de visões donordeste a partir de mixagens de todos os sons, imagens, vídeos e textos de seu banco dedados. Cf. http://www.sescsp. org.br/sesc/hotsites/paisagem0/linguas.html.74 Cf. http://pfebril.net/circ_lular/indexpop. html.
74
“mixados” e “upload”. Ao passar o mouse sobre as mídias, abre-se uma janela com
informações a seu respeito.
Dos videomixers analisados até agora, é o que permite mais possibilidades de
upload: vídeos/animações (swf), áudio (mp3) e imagens fixas (jpg). No que tange à parte
de imagem desses videomixers, nota-se muito mais a prática de colagem e montagem do
que a fusão de que fala Manovich. Já no áudio ocorre essa fusão. Como “editores de
vídeo”, os videomixers são muito limitados, não possuindo as ferramentas encontradas
nos programas mais básicos de edição de vídeo, como o iMovie e o Windows Movie
Maker. Pode-se argumentar que há os recursos de transição no Videomixer.com, um
dissolve automático no Paisagem0 e transparências, máscaras e transições no kung-fu
mixer. Mas não é possível sobrepor várias camadas de imagem (exceto no kung-fu),
somente de áudio. O kung-fu mixer é uma exceção, pois não remete à interface dos
programas de edição de vídeo. A representação de banco de dados como prateleiras onde
se vê o primeiro frame de cada vídeo capturado (embora tenha botões de Rec e Play). O
tempo necessário para carregar o banco de dados, que varia de acordo com a velocidade de
conexão com a Internet, também relativiza a idéia de edição “em tempo real”.
Pianographique
fig. 12 – screenshots de Pianografiques
75
http://www.pianographique.net
O último exemplo, o Pianographique (piano gráfico), possui um grande diferencial
em relação aos videomixers precedentes. Descrito por seus autores, Jean-Luc Lamarque e
Jean-Christophe Bourroux, como um instrumento multimídia, foi criado em 1993 para
CD-ROM e levado para a Internet aproximadamente três anos atrás. É o que mais se
afasta do protótipo da interface de editor de vídeo. Não há mais na interface os botões Rec
e Play, nem timeline, tampouco a tradicional janela retangular, diferenciando o viewer do
banco de dados. Busca associação direta com as teclas Q W E R T Y do computador.
Pianographique remete à idéia de Nam June Paik de criar um sintetizador de vídeo
que possibilite “tocar imagens”, assim como os sons. Sua interface não remete a
aplicativos de edição de vídeo. Não há timeline. Pode-se controlar a posição das imagens e
animações através do cursor do mouse, compondo transparências, recortes e loops. Os
pianos gráficos são feitos em Flash e Shockwave-director para Web. Trabalha com
sobreposição e apagamento, como o KeyWorx. Não há desenho de um painel mostrando o
banco de dados e a tela de trabalho. A interface é direta, via teclado, e controlada pelo
mouse. Não há a janela do viewer (visor). Cada letra do teclado é associada a um som e
uma animação que ocorre abaixo do cursor do mouse. Digitando-se no teclado, figuras e
sons se fundem. Nesta colagem audiovisual, todos os tipos de combinação são possíveis.
O trabalho é composto e recomposto até o usuário chegar a um final desejado. A barra de
espaço apaga a composição.
Há três grupos de pianos gráficos: Sound System, Continuum e Pianoparole.
Sound System possui várias categorias musicais: jazz, rap, techno, world music,
rock, musical. O usuário pode fazer uma composição não apenas sonora como também
visual. Ao optar, por exemplo, pelo piano gráfico “compulsion”, trabalha-se com loops de
instrumentos tradicionais de jazz e visualmente usam-se elementos que remetem ao
tratamento gráfico das capas de disco de jazz dos anos 50.
76
fig. 13 – screenshots do piano gráfico compulsion
fig. 14 screenshot do módulo de montagem Continuum
Continuum tem por objetivo criar um espaço onde qualquer um pode construir, tocar
ou visualizar a performance do seu próprio piano gráfico. Foi adicionado recentemente um
módulo que permite compor seu próprio pianographique em
http://www.pianographique.net/mix/index_uk.html. O usuário escolhe as animações e os
áudios e associa as teclas. Pode gravar as sessões e enviá-las por e-mail.
Pianoparole trabalha com histórias de vida, fragmentos, encontros de pessoas. O
usuário cria uma narrativa aleatória enquanto digita no teclado. Retratos de pessoas são
postos em cena graficamente enquanto se ouvem seus diálogos.
77
Cultura Remix
Esses sites usam a Internet simplesmente como um meio de divulgação de vídeos
que não foram necessariamente concebidos para a Web. Embora a forma de apresentação
seja a tradicional reprodução tal qual um VCR, o conteúdo desses vídeos traz elementos
discutidos aqui, como o uso do sample, do loop, o remix e a apropriação. São sites
“portfólio” de grupos de VJs. Retomam os procedimentos do MondoVideo de Kevin
Godley e Lol Creme, com a música que nasce na mesa de edição, num processo
denominado de videola,75 mas misturando procedimentos de apropriação como o do
Gorilla Tapes (scratch-video) de caráter contestatório/crítico, ainda que mais diluído e
menos político. Grupos como Eclectic Method76 e Bauhouse transitam entre a
performance ao vivo, projetos para TV e comerciais.
Eclectic Method desenvolve uma série de vídeos com ícones da mídia. É famosa sua
série sobre kung-fu, chegando até um remix do filme Kill Bill. Não escapam os Muppets,
MTV e políticos, com forte caráter musical e muitas vezes dançante. Seu último trabalho
foi We’re not VJs.
Já o Bauhouse77 é um site de VJs que remixa trechos de filmes (james bond-
bauhouse_bond_tracks.mov), gerando música na edição. Performances ao vivo (koeln.qt-
VJ com orquestra), e também trabalhos comercias (Bosch, Redbull). Um de seus projetos,
chamado Sex’n’pop, fez parte de um documentário para as TVs alemãs Arte e ZDF com
os seguintes vídeos:
• Rock'n'roll - Mixagem do documentário moralista Perversion for profit,
apresentado por George Putnam em 1965, com tomadas de shows de Little Richards e
Chuck Berry. Disponível em archive.org.
75 MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 2001, p.189.76 Cf. http://www.eclecticmethod.net.77 Cf. http://www.bauhouse-archiv.de/movies.
78
• God must be god - Mixagem de discursos de Martin Luther King. Cenas de cultos
da população negra (Gospel) e de repressão.
• Rock your body - Remix de vários videoclipes musicais com uso intenso e
intencional de alta compressão (em determinados momentos só se vêem quadrados
pulando na tela).
Será que poderíamos falar num maneirismo do scratch video? Passada a fase
experimental ocorreria um rebuscamento da técnica? E uma aproximação do videoclipe?
Não é mantido o scratch no sentido do remix (superposição, repetição, congelamento,
flicagem), mas sim do contexto mais político.
Já o Illegal Art trabalha com o uso não-autorizado de imagens, sem se prender aos
procedimentos do scratch-video. Foi uma exposição que se transformou em site,
patrocinado pela revista Stay Free!, que critica as políticas e perversões dos meios de
comunicação de massa e da cultura americana.
http://www.illegal-art.org/video/index.html
Illegal Art: Freedom of Expression in the Corporate Age. Os filmes e vídeos abaixo
se apropriaram da propriedade intelectual, seja no uso de trechos de filmes encontrados,
música não autorizada ou tomadas de material licenciado ou com marca registrada. Um dos
melhores exemplos é o vídeo de Bryan Boyce State of the Union (2001, 2min) que
combina imagens de George Bush retiradas da CNN com clipes do programa infantil
Teletubbies.
• Gimme the Mermaid, de Negativland e Tim Maloney (Quicktime video, 2002, 5
min). Este trabalho é o que mais se aproxima do sintagma do scratch-video, por ser uma
colagem audiovisual com inserções em frames de universos distintos como animações da
Disney, vídeos caseiros, figuras antropomórficas e deuses hindus, substituindo o áudio;
por exemplo, a voz da pequena sereia é a de um homem. Essa criação conjunta tornou-se o
videoclipe da banda Negativland, distribuído gratuitamente na Web.
79
• The Artwork in the Age of its Mechanical Reproductibility by Walter Benjamin as
told to Keith Sanborn - Keith Sanborn (1996) Esse vídeo mostra uma seqüência de
advertências “antipirataria”, como as encontradas no início das fitas de VHS e DVDs
comerciais. Sanborn define o trabalho como uma tentativa de problematizar a questão da
autoria na era da reprodução digital, ele mesmo apropriando-se do famoso ensaio de
Walter Benjamim em seu título.
• Giant Steps - Michael Levy (Maya software, 2001, 2 min). Aparentemente, este
vídeo não explicita qualquer apropriação ilegal. É uma bem-realizada visualização em
animação 3D de uma música de John Coltrane. Ao fazer isso, Levy ilustra o pensamento
arquitetônico por trás da obra de Coltrane, na qual um tema musical define o espaço. Seu
caráter ilegal está no fato de que Levy, que vive em Israel e criou esse curta-metragem para
um projeto escolar, não pediu autorização para o uso da música.
Viralvideos
Também trabalha com técnicas de apropriação, mas com personalidades ou pessoas
comuns que estão em alguma situação hilária e da noite para o dia tornam-se “starlets”.
Exemplo já clássico é o Star Wars Kid: um vídeo colegial de um garoto gorducho (e
atrapalhado) brincando de guerreiro jedi que foi surrupiado e disponibilizado no KaZaA,
sofrendo várias manipulações “temáticas”: em duas semanas já haviam sido acrescidos os
efeitos especiais de Star Wars e a cada dia surge uma nova versão. Além da série Star
Wars há versões dos filmes Matrix, Senhor do Anéis, etc. Site “oficial”:
http://www.jedimaster.net
Numa Numa Dance - http://www.newgrounds.com/collections/numanuma.html
Num processo semelhante ao de Star Wars Kid, um rapaz bonachão canta e dança a
música Numa Numa – que no Brasil ficou conhecida com a versão do cantor Latino Festa
no apê. Depois de lançado no site Newgrounds, espalhou-se viroticamente por centenas
80
de outros, como um cult da Web, inclusive surgindo versões de desenho animado em
Flash.
O que é interessante neste movimento de Viral video – que não almeja o status de arte– é o procedimento extremamente contemporâneo da cultura remix, de reprocessar o vídeodisponibilizado na Web. E ainda cometendo o pecado capital das “regras da boaqualidade” em vídeo digital, o de renderizar CODEC sobre CODEC, sem se preocupar coma degradação da imagem e do som.
Videoblogs
Um desenvolvimento “natural” do fenômeno dos blogs é o videoblog. Aberto a
grandes possibilidades, ainda não foi devidamente explorado. O fenômeno dos videoblogs
amplificou uma tendência de maior acesso ao uso de meios videográficos na rede, iniciada
pelas webcams.78 A questão do acesso aos meios é importantíssima, e foi a origem desta
pesquisa, que no entanto acabou se delineando na questão da forma de edição de vídeo.
Nos blogs, em geral, valoriza-se justamente a visão pessoal, singular, que começa a ser
utilizada pelo jornalismo, pela política e pelo marketing empresarial. A definição de blog,
como quase tudo na Internet, pode ser tanto temática quando técnica. Em termos
temáticos, o blog pode ser considerado um “diário íntimo on-line”, mas essa definição já se
afrouxou com o uso de blogs por empresas, grupos e instituições. Pois tecnicamente o
blog é um tipo de ferramenta mole (software) que facilita e dinamiza a confecção de sites
na Web, como por exemplo Blogger, Movable Type e Wikki.
Esse uso amigável e dinâmico dos blogs responde aos anseios (em alguma medida) de
democratização dos meios. Traz a idéia de uma self-made TV, o slogan punk do “faça você
mesmo”. Pode-se aqui fazer outro paralelo com o site do Centro de Mídia Independente –
CMI, que traz anunciada a frase do vocalista da banda punk Dead Kennedys, Jello Biafra:
“Odeia a mídia? Seja a mídia!” O CMI (http://www.midiaindependente.org) tem a
78 Cf. http://userwww.sfsu.edu/~infoarts/links/Tele.webcamera.html.
81
proposta de oferecer uma versão alternativa à mídia oficial, aceitando reportagens,
inclusive em vídeo, que se deseje enviar. Há uma política editorial, mas mesmo o material
rejeitado é postado no site numa seção à parte.
O paradigma do videoblog é o de oferecer uma democratização da emissão de
conteúdo. Entretanto, possui um formato (diagramação) conservador – segue o do blog –,
uma diagramação quadrada de modelos pré-prontos, com posts cronológicos que vão
sendo rolados pela tela. A diagramação básica dos videoblogs (e dos blogs em geral) é um
cabeçalho na parte superior da tela (ou janela do browser), no centro vêm os posts em
ordem cronológica e vertical, para rolar (scroll). E ao lado (o item mais interessante) os
links de outros blogs, criando uma rede entre eles. Assim, pode-se dizer que há um
sistema de feedback entre os blogs.
Definição encontrada no site Mediatecaonline (patrocinado pela Fundación “la
Caixa") na área de vídeo:
O vlog ou vblog – abreviação de videoblog – é a mais recente versão de blogging quesurgiu na Internet, usando o vídeo digital como principal meio de produção. Emcontraste com a coletiva e altamente sofisticada idéia de Web TV, os vlogs são mais ummodesto blog no qual usuários geralmente postam vídeos caseiros pessoais, tambémconhecidos como videopostais. Alguns pretendem ser um tipo de jornalismo individualon-line; outros simplesmente publicam suas próprias produções ou vídeos familiares. Ofenômeno está crescendo rapidamente e poderá levar a inúmeros propósitosinteressantes e criativos no futuro.79
Três exemplos de videoblogs que de alguma forma flertam com os experimentos
videográficos:
http://www.feitoamouse.com.br/videoblog/
De Natcho Duran, tido como o primeiro videoblog brasileiro, pode ser considerado
um blog pela sua opção temática de apresentar uma visão pessoal e individualizada da
cidade. Ele é feito em Flash e não com ferramentas próprias dos blogs (como o Movable
Type). Os primeiros registros são feitos com seqüências de fotos de percursos pela
79 Cf. http://www.mediatecaonline.net/videonline.
82
cidade, sem som, mas com links para web-rádios como sugestão de trilha sonora. Utiliza o
delay (retardamento) do streaming para gerar formas diferentes de recepção. Começou
com vídeos feitos de seqüências de fotos e passou para registros videográficos de fato, ou
seja, a captação sendo feita por uma filmadora digital. Nos trabalhos mais recentes há
múltiplas janelas simultâneas com microclipes em loop e trilha sonora própria.
videoblog::vog 2.0 Adrian Miles
http://hypertext.rmit.edu.au/vog/
Tido como um dos inventores do videoblog, possui um manifesto que diferencia o
videoblog do vlog e do vog. Os vogs seriam vídeos interativos, e não apenas blogs com
vídeos:
Vogma - um manifesto:
Um vog respeita a largura de banda. Um vog não é streaming vídeo (isso não é areinvenção da televisão). Um vog usa vídeo e/ou áudio de forma performática. Um vogé pessoal. Um vog utiliza a tecnologia disponível. Um vog experimenta com vídeo eáudio escrituráveis. Um vog fica entre o processo de escrita e o televisual. Um vogexplora a proximidade e a distância entre as palavras e as mídias animadas(moventes/vídeo). Um vog é Dziga Vertov com um Mac e um modem. Um vog só é umvideoblog quando vídeo em um blog deve ser mais que um vídeo em um blog.
Assim, embora seja feito com as ferramentas tradicionais dos blogs, seu próprio
autor (Adrian Miles) se diferencia da maioria dos videobloggers. Ele desenvolveu a teoria
de softvideografia, em que busca uma distinção entre o vídeo feito para a Internet ou para
fora dela:
… enquanto o sucesso da Internet pode ser entendido como baseado em sua distribuiçãoe combinação de consumo e produção, as indústrias de mídia existentes têm tentadomanter os modelos tradicionais de produção individual e consumo de massas, entretantoos imperativos tecnológicos de coisas como o desktop vídeo claramente atenuaram taispráticas enraizadas. 80
80 MILES,Adrian. hypertext.rmit.edu.au/essays/softvideography.pdf
83
www.screenful.net
http://www.screenfull.net/stadium/2004/12/an1.html
Jimpunk visual blog : http://544x378.free.fr/(WebTV)/
O trabalho de abe@linkoln e jimpunk, apesar de usar ferramentas tradicionais de
blog (blogger81) e manter o sistema de postagem cronológico, distancia-se do formato
tradicional de blog: os fundos de tela mudam com certa regularidade, são inseridas imagens
fora de esquadro. Há uma série de remixes de áudio geralmente tocados ao mesmo tempo,
com o resultado variando entre um hip-hop-techno-groove e a cacofonia total. Fazem
montagens cinéticas com elementos tradicionais da Web como os GIFs animados e
recursos de programação Java. Para Marcus Bastos, os trabalhos de abe@linkoln e jim
punk:
Não se tratam de vídeos propriamente ditos, mas permitem uma discussão que pode serrelevante para o tópico desta noite: O que é a linguagem do vídeo na Web? Será que ovídeo na Internet se restringe apenas às janelas que abrem arquivos em formato .AVI ou.MOV? Não seria esse momento extremamente deficiente em relação ao vídeoconforme constituído até então? Em sendo, não seria mais relevante explorar formascomo as desenvolvidas por abe linkoln e jim punk, em que não há relação imediata coma cultura audiovisual, e sim a tentativa de traduzir o vídeo nos termos da Internet?82
No próximo capítulo, faremos uma análise de softwares tendo em vista as questões
levantadas até aqui, em termos de suportes informáticos para experimentações artísticas
colaborativas em rede. E também do que significa o vídeo digital se constituir de um código
numérico, assim como todos os outros elementos multimídia dos computadores pessoais.
81 Cf. http://www.blogger.com.
82 BASTOS, M. http://www.nucc.pucsp.br/~marcusbastos/mbastos_log/archives/001127.html
84
3. INTERFACE EXPANDIDA: Edição Emergente
Depois de demonstrada a origem e a natureza da imagem numérica (sua qualidade
binária), os procedimentos de edição de material audiovisual (vídeo e cinema), as
especificidades técnicas do vídeo na Internet (com suas implicações sociais e estéticas) e
os modos como o vídeo flui e é recebido em rede, analisaremos o software KeyWorx, que,
em nossa concepção, propõe uma nova maneira de edição de vídeo.
Assim como o Pianographique se diferencia dos outros videomixers analisados,
buscando uma metáfora de interface diferente do desktop vídeo, a interface do KeyWorx
não possui nenhum dos elementos paradigmáticos desses tipos de software: timeline com
várias trilhas de áudio e vídeo, dois “monitores” (viewers), um browser ou ficheiro de
acesso às mídias do banco de dados, ferramentas como razor blade (lâmina de barbear),
trim, crop e lente, e os botões Play, Rec, FF e Rew de um VCR.
No contexto das novas possibilidades de criação, produção, difusão e fruição do
vídeo, dadas pelas tecnologias digitais e sistemas de rede, mostraremos como a edição de
vídeo no software KeyWorx – KW (anteriormente denominado Keystroke, que significa o
ato de teclar) trabalha com paradigmas diferentes dos programas de desktop vídeo. Para
tal, faremos uma análise comparativa com o software Final Cut Pro – FC. Enquanto o FC
é centralizador, hierárquico, organizado de forma top-down, com sistemas de comando de
cima para baixo, e embora não-linear tenha uma apresentação linear (da timeline), o KW
trabalha com o princípio de sistema emergente, horizontal, não-hierárquico e se organiza
de baixo para cima – bottom-up. De fato, propõe uma forma de edição de vídeo coletiva,
colaborativa e que se dê em rede.
A mídia chave aqui é o vídeo digital (numerizado), especificamente o vídeo digital em
formato streaming. Entende-se vídeo no seu sentido mais amplo, ou seja, constituído por
sons e imagens em movimento que podem ser capturados de um ambiente real (natureza)
ou não, com grafismos, lettering, computação gráfica 3D, etc. “… vídeo é a sincronização
85
de imagem e som eletrônicos (…) imagem eletrônica como aquela constituída por unidades
elementares discretas (linhas e pontos) que sucedem em alta velocidade na tela”.83
Uma vez que o KW é um programa extremamente original, inusual e inovador
mesmo em relação a outros programas de processamento de mídia digital em tempo real, a
comparação com o FC – um programa típico da edição não-linear por computador que tem
uma tradição de quase 20 anos – é útil para entendermos o nível dessa originalidade e o
grau de ruptura do KW com a tradição.
Cumpre ressaltar que essa comparação não será meramente técnica, como os
famosos benchmark divulgados em excesso nas revistas especializadas de informática. O
enfoque adotado é escrever sobre tecnologia a partir de uma perspectiva cultural, dado que
os softwares também são “objetos” culturais – mesmo porque a tecnologia faz parte do
universo da cultura, ou, como define Couchot, “a ferramenta numérica é lingüística”
(2003).
A idéia de que a cultura e a tecnologia pertenciam a universos separados costumava
ser persistente. Esse equívoco acontecia, provavelmente, por conta da velocidade com que
a tecnologia costumava avançar. Era possível viver uma vida inteira sob o domínio de
apenas uma determinada tecnologia, como o livro, soberano durante toda a Idade Média. A
partir do século XIX e mais intensivamente no século XX, os avanços tecnológicos
começaram a atravessar o ciclo de vida de um ser humano, gerando uma nova consciência
em relação à tecnologia:
A explosão de tipos de meios de comunicação no séc. XX nos permite, pela primeiravez, apreender a relação entre forma e conteúdo, entre o meio e a mensagem, entre aengenharia e a arte. Um mundo governado exclusivamente por um único meio decomunicação é um mundo governado por si mesmo. Não se pode avaliar a influência deuma mídia quando não se tem com que compará-la.84
Os meios de comunicação contribuem para moldar hábitos de pensamento porque
através deles é possível observar a progressão e a mudança de uma forma para outra. Da
83 MACHADO, Arlindo. Made in Brasil. 2003, p. 13.84 JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneirade criar e comunicar. 2001, p. 9
86
televisão, reinante na década de 1970 e 1980 como mídia principal, salta-se para a nova
mídia da World Wide Web apenas algumas décadas depois, em 1990.
O vídeo digital é a matéria-prima a ser manipulada através dos softwares KeyWorx e
Final Cut Pro, para processamento de audiovisual. Assim, os programas são analisados
não só por sua funcionalidade, mas sobretudo, por sua simbologia – a interface gráfica
(GUI). A interface traduz o código de máquina para uma linguagem compreensível para o
usuário com a finalidade de ”... dar sentido à informação em sua forma bruta”.85 Por isso a
análise tem início a partir dos ícones presentes nos softwares, cuja função é familiarizar a
tecnologia para o usuário. Ressalta-se, porém, que os softwares aqui estudados – KW 1.0
e FC 3kw 0.9 (beta) – já possuem novas versões – FC Pro 4 HD e o KW totalmente
“Open Source”. Isso ressalta, em nossas discussões anteriores, o fato de que atualmente
as tecnologias superam um ciclo de vida humano e têm como uma de suas características a
instabilidade: “A indefinição se mostra como desafio para a criação, e a
instabilidade se define atualmente como a única e grande especificidade dos
novos meios.” 86
85 Ibid., p. 1186 BAMBOZZI, Lucas. http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1680,1.shl
87
fig.15 - Ícone do FC
3.1. Proposta de Software: Final Cut Pro e KeyWorx
Por que o ícone do FC é uma claquete? Porque
uma nova tecnologia, ao ser desenvolvida, traz como
herança idéias e parâmetros de outras mídias
existentes e carrega, portanto, informações culturais
dessas mídias antes utilizadas. O Final Cut pertence a
uma longa linhagem de softwares de edição de vídeo
não-linear, como os sistemas Avid. A edição de vídeo
não-linear foi um desenvolvimento da edição de vídeo
linear, com um avanço significativo.
Como vimos anteriormente, a edição não-linear não surgiu da fusão computador com
o vídeo (a numerização do vídeo). Sua origem está no cinema, com a moviola. A moviola
foi uma tecnologia bastante utilizada para edição de cinema. Daí o uso da claquete como
ícone no FC. Vale ressaltar que, assim como o desktop é a metáfora dos sistemas
operacionais, a moviola é a metáfora básica da interface gráfica desses softwares de vídeo.
O livro Remediation, de J. D. Bolter e R. Grusin, apresenta uma teoria interessante sobre a
genealogia visual da multimídia:
Como outras mídias desde a Renascença – em particular a pintura perspectivista,fotografia, filme e televisão –, a nova mídia digital oscila entre imediacidade ehipermidiacidade, entre transparência e opacidade. Essa oscilação é a chave paraentender como um meio remodela (traduz, reformata) seu predecessor e outras mídiascontemporâneas. Embora cada meio prometa reformar o seu predecessor oferecendouma mais imediata ou autêntica experiência, a promessa de reforma inevitavelmentenos leva a nos tornarmos cientes do novo meio como um meio. Isto é, a imediacidadeconduz à hipermidiacidade.87
87 BOLTER, Jay David e GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media.2000,
p.19.
88
fig.16 - Ícone do KW
Diferentemente do ícone do FC, o KW não faz referência a qualquer mídia anterior.
O que vemos é uma imagem abstrata geométrica que sugere conexão, fusão, complexidade,
encaixe. O logotipo traduz com muita eficiência o projeto do software que se propõe a ser
multimídia e multiusuário. As mesmas cores usadas no logo também estão presentes na
interface gráfica do software. E possuem
significados diversos, como será
demonstrado posteriormente. Essa idéia de
fusão, de hibridismo, que sugere o logo,
encontra-se no princípio do programa, no
seu cerne, na sua origem. Pois o KW é um
aplicativo de computador que funde
características de dois tipos de softwares:
videoconferência e processadores de áudio e
vídeo dinâmicos (em tempo real).
KW é uma plataforma de software que aspira a habilitar os criadores a inventar,desenvolver, integrar e desdobrar aplicações com característicasmultiusuário/multimídia. Um aspecto comum dessas aplicações é que elas almejam daraos usuários o poder de criar um conteúdo multimídia. Esse conteúdo pode ser emqualquer formato, dependendo dos tipos de trabalhos reutilizados e/ou desenvolvidospara aquela aplicação. Exemplos de uso vão do simples upload/ publicações através daedição de documentos multimídia tipo jornal (estilo jornalístico), trabalhos de esboço(desenho) e compartilhamento de áudio/vídeo em tempo real.88
O software KeyWorx funde características de softwares de ambiente multiusuário
como a teleconferência, comunicação textual instantânea, videoconferência, bem como
ICQ, Ivisit, Ichat, Netmeeting, com processadores de mídia digital em tempo real, cujos
exemplos são Image/ine, MAX, Isadora, VDMX, Arkaos, etc. Tem caráter híbrido, ao
misturar tipos diferentes de software, e isso se vê no próprio logo do KW: a idéia de
fusão. Esse hibridismo já aparece na apresentação do programa no site
www.KeyWorx.org.
88 Trecho extraído do site www.KeyWorx.org.
89
Outro dado de suma importância é que o KW não é um software comercial. Ele é
desenvolvido pela Waag Society, uma instituição educacional holandesa fundada em 1994
e que tem como objetivo contribuir para o design da sociedade da informação. A
instituição desenvolve novos conceitos e aplicativos de software guiados pelo
intercâmbio, e possibilidades criativas proporcionadas pela relação entre tecnologia e
cultura.
KeyWorx é um aplicativo para comunicação multimídia no mais amplo sentido. Aênfase é para a criação, em vez do consumo, para a transcendência e a difusão doslimites (fronteiras) entre os tipos de mídias e canais e para a independência de umatecnologia especifica de entrada e saída.89
A Waag Society desenvolveu primeiramente, a partir de 1996, versões “beta” do
aplicativo, distribuídas gratuitamente através do site do KW, mediante o envio de uma
carta de interesse. O interessado cria um log-in e uma senha, o que lhe permite baixar
novas versões do software e conectar-se com os outros usuários através das sessions do
KW. Atualmente, os criadores do programa adotaram a política do software livre usando a
licença da CreativeCommons.
A Waag Society é um instituto educacional que opera no “limiar” da cultura etecnologia em relação à sociedade, educação, poder público e indústria. Com esseconhecimento, a Waag Society deseja fazer uma contribuição para o design da sociedadeda informação. Ela não se deixa levar pela tecnologia, mas atenta para as possibilidadesdas pessoas, sua criatividade e cultura. A interação de tecnologia e cultura é o motivoque direciona todas as atividades da sociedade. A Waag Society cumpre sua pesquisa,desenvolvendo novos conceitos e aplicativos, e introduz o debate na forma de eventospúblicos no limiar das antigas e novas mídias. Sua pesquisa e seu programa dedesenvolvimento são focados nos possíveis meios de as pessoas se auto-expressarem,como elas podem aprender e trabalhar juntas usando a nova mídia.90
O KeyWorx se propõe como “ferramenta” artística, para conexões de banda estreita,
multimídia, multicamadas, desenvolvida para multiusuários gerarem ao vivo cenários
performáticos em rede. Esse aplicativo livremente distribuído (na versão beta) permite que
múltiplos usuários possam gerar, sintetizar e processar imagens, sons e textos em um
89 In http://KeyWorx.oss.waag.org/docs/presentation/pres2/www.KeyWorx.org.90 Trecho extraído de: http://www.waag.org/waagsite.
90
fig.17 - Splash screen do FC
ambiente de compartilhamento em tempo real, criando performances colaborativas. Por
isso o uso do software supera a função de “paleta” de efeitos, como vem sendo utilizado
por alguns VJs, possibilitando a interação, manipulação e alteração das mídias digitais
(uma vez que são todas numéricas). Outro diferencial é a maneira como o KW faz a fusão
de um vídeo captado na hora com um banco de dados (elementos pré-gravados) em uma
performance ao vivo.
Splash screen é a tela que aparece enquanto o sistema é carregado, e geralmente
possui informações sobre o sistema, versão e formas de contato. No caso do FC, é
exatamente isso que ocorre, assim como na grande maioria dos softwares comerciais, como
Photoshop e Flash. Ao clicar no ícone do FC – a claquete –, visualiza-se a splash screen
mostrando informações do programa: o logo “olho-claquete” (na verdade a tela do viewer),
versão do programa e patentes da empresa (Apple), logo do QuickTime, FireWire e do
Mac e o “carregamento” do programa: filtros e geradores de vídeo, por exemplo.
91
Já no KW acontece algo completamente diverso:
fig.18 - Splash screen do KW
Não há excesso de informações quanto ao produto: quem fez, quem licenciou, etc.
Surge o splash com o logo, e por trás dele uma tela com a seguinte frase: “Waiting for the
Patcher... Hit <escape> to cancel” (Carregando o Patcher, tecle <esc> para cancelar).
Como é possível notar, ocorre algo diverso da maioria das splash screens dos programas
de computador.
O KW é composto por três programas componentes: Patcher, Realizer e Server, que
trabalham em conjunto ou, em casos muito específicos, separadamente. Cada um desses
aplicativos tem um processo distinto, comunicando-se com os outros através dos
protocolos de rede TCP/IP e UDP, estejam estes na mesma máquina ou não. Quanto aos
programas, pretendemos concentrar as explicações sobre o Patcher e o Realizer, pois o
Server praticamente não aparece, ou seja, não possui uma GUI, mas tem função
importante porque faz a comunicação entre os aplicativos e as máquinas (usuários).
92
3.2. Conceitos estéticos – reflexões sobre interfaces
À medida que se numerizam, as técnicas interpõem,efetivamente, entre a ferramenta e a matéria bruta,
alguma coisa que não existe na relação tradicional:a tela de linguagem.91
Antes de começar a análise detalhada das interfaces gráficas dos softwares aqui
discutidos, cumpre esclarecer alguns pontos em relação à questão da interface. Pois a
interface compreende muito mais que sua apresentação na tela do monitor de computador.
Ela é o meio de comunicação entre o computador e o usuário. Utilizo aqui o conceito de
Lev Manovich de IHC (interface humano-computador), que diz:
A IHC inclui dispositivos de entrada e saída (input e output) como um monitor, tecladoe mouse. Ele também consiste na metáfora usada para conceitualizar a organização dosdados do computador. (…) Finalmente, a IHC também inclui os modos de manipulaçãodesses dados, isto é, uma gramática de ações significantes que o usuário pode executarnele.92
Os programas em questão envolvem uma série de dispositivos externos (periféricos)
além do mouse, do monitor e do teclado QWERTY, como câmeras DV, joystick, tablet,
teclado MIDI, gravador de CD/DVD, entre outros.
O que parece ocorrer é que no seu uso mais geral (senso comum), toma-se a metáfora
pela coisa em si, toda a interface pela sua apresentação visual, pelo seu layout. Quando se
fala em interface, a maioria das pessoas (os usuários não especializados) associa o
conceito à aparência do programa, sua apresentação na tela do computador. O Word tem a
aparência de processador de texto, o Photoshop tem a aparência de um laboratório de
fotografia combinado a ateliê de pintura (não é por acaso que a “versão” do Photoshop da
Corel chama-se justamente “Corel Photo-painter”). É a confusão conceitual em torno das
noções de interface e superfície de que nos fala Giselle Beiguelman em sua obra O livro
91 COUCHOT, Op. Cit., p. 194.92 MANOVICH, Op. Cit, p. 69.
93
depois do livro.93 Tal confusão talvez ocorra por ser o monitor o dispositivo de saída mais
utilizado (o principal) na ICH. Sem sombra de dúvida, a maior parte das informações que
recebemos do computador vem de sua tela. Mesmo quando usamos aplicativos em que a
mídia principal não é visual, como por exemplo programas de processamento e edição de
áudio (Logic, Pro Tools, GarageBand, Soundforge), a interface gráfica é essencial para o
usuário “dizer” ao computador o que ele quer, e o computador, por sua vez, mostrar a
resposta. Nos programas em questão podemos visualizar a onda de áudio. Assim,
podemos não só ouvir o resultado como também vê-lo (ao aumentar o volume do som, o
ouvimos mais alto e também vemos a onda “crescer”, alongando-se verticalmente).
Assim, a interface não é simplesmente o layout da interface. De que maneira a
interface determina o uso do programa, afeta o resultado, seu produto final, e nos dá uma
visão de mundo? A interface é mídia ou meio de comunicação?
No entanto, não se pode omitir o forte componente visual da interface. Situação
peculiar: a natureza visual da interface é a mesma da mídia que é manipulada através dela
(no caso o vídeo digital), que em última instância é o pixel – a menor parte de uma imagem
numérica, seu átomo. Essa unidade, de formato quadrado, possui a informação que
determina sua cor e sua posição na tela do monitor. Quer dizer, manipulamos imagens
através de outras imagens. Onde estão os limites, as fronteiras entre a ferramenta
(interface/software) e a matéria-prima, a mídia digital? Veremos como essa questão é
respondida pelos dois programas analisados.
Será necessário aqui nos determos nas especificidades dos meios digitais,
precisamente sobre a imagem numérica. Começarei atentando para as especificidades da
imagem numérica (digital), em especial quando esta se torna interface, deixando de ter uma
função exclusivamente contemplativa e incorporando uma função executável.
Um dos grandes diferenciais entre a imagem digital e os meios que a precederam é
sua capacidade manipulativa (operativa) e, por conseqüência, a transformação do público
93 BEIGUELMAN, Giselle. O livro depois do livro. 2003, p. 19.
94
contemplativo em público executor: o usuário que pode interferir, e assim participar da
criação, na obra. Na verdade esta é uma característica definidora da imagem digital, assim
como seu enorme potencial de compartilhamento sem perda (o original de segunda
geração). Com a imagem digital, o antigo espectador e atual usuário tem o poder de
manipular seus atributos:
Trata-se de usar e abusar daquilo que confere especificidade à imagem digital: suapossibilidade de ser mapeável, transformando-se em imagem-interface, recuperandoprocedimentos e atualizando a linguagem e os códigos visuais no contexto híbrido daInternet.94
A interface gráfica do Final Cut Pro
fig. 19 –print screen interface FC
Baseado em sistemas já consagrados de edição não-linear, o FC pode ser considerado
um dos últimos rebentos do que ficou conhecido como desktop vídeo. Como dito no
primeiro capítulo, o desktop vídeo surgiu com o lançamento do QuickTime da Apple, mas
só se popularizou com o fenômeno Avid através dos PCs.
94 BEIGUELMAN, G. “Olhos Mudos”.http:www2.uol.com.br/tropico/novomundo_9_392_1.shl
95
A interface gráfica do FC possui basicamente os mesmos elementos (janelas) da
interface do Media Composer criado pela Avid.
São quatro as janelas principais:
• Viewer (1) – Monitor fonte.
• Canvas (2) - Monitor de gravação.
• Timeline (3) - Camadas de vídeos e trilhas de áudio ao longo de um eixo de tempo.
•Browser(4)- Informações de projeto (mídias e efeitos).
Lev Manovich apresenta a idéia de interface como um painel (membrana) virtual:
As interfaces culturais abalam o conceito de superfície que se encontra na pintura,fotografia, cinema e uma página impressa como algo para ser visto, espiado, lido, massempre com alguma distância, sem interferir no conceito da superfície de uma interfacede computador como um painel de controle virtual, similar a um painel de controle deum carro, avião ou outra máquina complexa.95
Há várias opções de layout de interface para um ou dois monitores RGB. É possível
ainda gravar uma nova disposição em dois layouts customizáveis. As quatro janelas
principais são multifuncionais, com várias abas para acessar painéis diferentes. Clicando
na aba, mudamos o conteúdo da janela; arrastando as abas, criamos janelas separadas. Nas
janelas 1 e 2, além dos monitores, encontramos botões e ferramentas dos controles básicos
e marcações de pontos de corte dos clipes originais e seqüências editadas. O Canvas e o
Timeline espelham um ao outro. Na janela do Browser temos uma aba para acessar filtros,
transições, caracteres e gráficos.
Percebem-se elementos da metáfora da moviola: a ferramenta da lâmina de barbear
(para “cortar, picar, desbastar”) um trecho de vídeo, a timeline com suas trilhas, sendo a
metáfora linear da película como possibilidade de visualizar os frames e a onda de áudio,
com um uso não-linear.
95 MANOVICH, Lev. Op. Cit. 2001, p. 91.
96
A metáfora da moviola também está presente nos botões “3D” de avanço e
retrocesso, marcador, etc. O detalhe do aço escovado (estilo Mac OSX) mistura elementos
da moviola com os de outras mídias, como o botão “pena”, lente ou crop. Também possui
um leve dégradé para dar uma certa tridimensionalidade. O FC conta com uma enorme
versatilidade no ajuste de suas janelas (mas sempre mantendo seis: viewer, canvas,
browser, etc). O poder de transporte das mídias entre as janelas também é digno de
destaque em relação a seus precedentes (Adobe Premiere e outros). Temos um browser,
que, assim como os desktops dos sistemas operacionais, contém arquivos e pastas (estas
muitas vezes são “bins” – a caixa da moviola). Podemos clicar ou arrastar essas mídias
para visualizadores ou para a timeline e vice-versa. E da timeline para o visualizador e
vice-versa. É possível modificar, renderizar e arquivar numa pasta para uso posterior.
Um dos itens mais otimizados que o FC permitiu foi a possibilidade de pegarmos
uma seqüência inteira de timeline (que também fica no browser) e colocarmos em outra
timeline, como um clipe. Ao invés de abrir o menu contextual “File” para abrir um arquivo
já renderizado, “puxamos" diretamente do browser. No Final Cut, a sensação é de que
tudo está mais acessível. Podemos também fazer a mesma coisa com os filtros. Outro
diferencial do programa é seu sistema de abas, com clara vinculação ao sistema tradicional
de fichas de arquivo. Na mesma janela podemos alterar as seqüências, as propriedades de
uma mídia ou o próprio diretório de arquivos (o projeto). Tem estilo clean, em tons de
cinza, mas é um programa complexo e com muitos recursos.
A interface do KW - o Patcher e o Realizer
Já foi dito que o KW é um software original, híbrido, e que sua interface gráfica
também é extremamente inovadora. Itens comuns com outros softwares são os menus
contextuais: “File”, “Edit”, “Options" e “Help”. O diferencial aqui está no quinto menu, o
“Network”, que serve justamente para configurar os parâmetros das conexões entre os
três aplicativos. Curioso é que no menu “Edit” não existe as opções Cortar e Colar (cut e
paste), embora essas ferramentas existam no programa via atalho de teclado. O
97
estranhamento parece ser a reação geral ao se deparar com o KW pela primeira vez. O
layout da interface foge de qualquer representação convencional comum na maioria dos
designs de interfaces de softwares. Botões, janelas, menus contextuais não deixam de
existir, mas por vezes estão tão alterados, tão tensionados, que no mínimo criam um
questionamento desses paradigmas. Ao ver pela primeira vez a tela do Patcher,96 a
associação com os cenários de H. R. Gigger para o filme Alien, o oitavo passageiro é uma
das relações possíveis que nos vêm à mente.
O Patcher e o Realizer funcionam concomitantemente na máquina, alternando-se a
tela com a tecla “esc”, mas também funcionam em separado.
fig. 20 – print screen da interface do Patcher
96 Patch em inglês que dizer remendo, mancha, atadura, embutimento; (informática) consertode um defeito no programa que acrescenta ou modifica somente uma pequena parte domesmo.
98
No Patcher há uma interface como representação intencionalmente em 2D. Não há
aqui qualquer indício do “painel de controle virtual” que Manovich observou, e que se
encontra no FC. Aqui, a cor cinza não tem sua onipresença característica. Sobre um fundo
preto (ao mesmo tempo neutro e etéreo) desenha-se um simples mas elegante grid em uma
fina linha branca. Essa grade divide a tela em oito retângulos (alguns não se fecham), nos
quais iremos posicionar, mover, deletar e configurar parâmetros dos elementos ou
módulos que compõem o programa. Esses módulos se dividem em três categorias e dez
subcategorias: duas categorias são representadas por hexágonos e uma terceira por
quadrados a 45º: os Alteradores (chamados Modifiers). É nessa área que a performance é
construída.
A Patch Screen (ou Patcher) é apresentada no manual do programa como aplicativo
de edição. É significativo o uso da expressão, pois seria o KW um software de edição de
mídias? Se for, que tipo de edição é essa, em que não há timeline e não é dada uma
visualização pelo programa? Essa questão será discutida adiante.
Esse aplicativo de edição gera um arquivo (file) análogo ao arquivo de projeto do FC,
o “.prj”. Esse arquivo, o “patch” (atualmente .kwp), é leve em questão de bytes, como o
.prj. E da mesma maneira que o .prj é uma EDL (uma série de instruções sobre a posição,
corte, transições das mídias na timeline), o .kwp também possui uma série de instruções
dos vínculos entre as mídias, seus operadores e seus alteradores.
99
Os módulos
fig. 21- os módulos
Os módulos constituem elementos chaves do Patcher. Representam não só todos os
tipos de mídia (banco de dados), como também os dispositivos de entrada, geradores de
dados (p. ex., Oscillator) e a saída das mídias alteradas/manipuladas, os renders
audiovisuais.
No manual eles são chamados de building blocks (blocos de construção) de uma
sessão ou patch. Outra definição: “Nome comum de uma entidade funcional que realiza
uma atividade multimídia especializada”.
fig 22- estados e tipos de módulos
Módulo é o elemento chave da Patch Screen e se apresenta como um hexágono.
Variando sua cor, ícone interno e estado (ligado, desligado, etc), o módulo representa
todos os componentes do programa em suas duas categorias (entradas, saídas,
renders/processados). A cor varia segundo a categoria e o usuário, no caso de sessão com
vários usuários. O hexágono representa as mídias (entradas/saídas). Uma terceira categoria
é a dos Modifiers, representados por quadrados a 45º (na edit screen).
O atributo de cada um pode ser acessado e modificado clicando-se no objeto hexagonalcorrespondente, o qual mostra seu parâmetro corrente na janela “info”, localizada na
100
área central inferior da tela do Patcher. Círculos vazios (soquetes vazios) à esquerda decada parâmetro indicam que alguma coisa pode ser conectada, enquanto o círculopreenchido significa um dado que pode ser conectado a outra coisa. Um duplo clique nohexágono (do mouse, p. ex.) ou arrastá-lo para o centro da tela, o fará desenrolar-se emuma espiral. As bolas (data balls) da espiral podem ser clicadas ou arrastadas paraqualquer círculo vazio para fazer uma conexão.97
No KW, a interface do Patcher é formada por oito retângulos que correspondem a
determinados “campos”. Soma-se a esses elementos a barra de menu, que é formada por
treze menus pull-down (menu contextuais): File, Edit, Options, Network e Help, mais ou
menos familiares aos usuários de outros softwares, sendo os demais analisados a seguir.
fig. 23 – campos do patcher
Os três campos à esquerda são os dos elementos de “entrada”, os inputs. Nos dois
campos da direita estão os Renderers, as “saídas”. No centro inferior à esquerda fica o
Info Field, onde aparecem as informações sobre os parâmetros do módulo selecionado em
modo alfanumérico. No Info Field o usuário do software pode não apenas ler a informação
como também alterá-la, através da digitação ou seleção de menus contextuais via mouse.
97Trecho extraído do site www.KeyWorx.org.
101
No centro inferior direito ficam os Modifiers, os alteradores, os processadores. Por fim, no
centro superior, o maior retângulo da interface é a “tela de edição”, onde são feitas as
conexões entre os módulos.
Pela forma como a interface aloca os elementos de entradas e saídas, o modo como
os elementos podem se interconectar e interferir mutuamente e o desenho desses
elementos, a metáfora que parece ser sugerida é a do “circuito elétrico”, um sistema.
Embora esse alto grau de interação de elementos (dispositivos, algoritmos e usuários), de
variáveis e, por conseguinte, de controle mais oblíquo, configure uma situação
extremamente mais complexa do que a que se dá na relação do usuário com o FC, o KW
tem uma interface mais simples. Não há, como no FC, uma série de botões, painéis e
menus que se abrem em submenus. Sua interface é despojada e formada de elementos
simples (os módulos), mas que têm um alto grau de interconexões, gerando um sistema
complexo de ações imprevisíveis.
Os módulos de input (entradas)
fig. 24 – módulos de entrada
As entradas do KW compreendem três tipos : Live input, Generator inputs, Library
File inputs.
• Entradas ao vivo (live inputs): Mouse, Keyboard (teclado), Videocamera, Sound
Input, Joystick e Midi.
Módulos geradores
A biblioteca dos geradores fornece uma série de funções automatizadas de controle
temporal ou de disparo. Estes incluem Baixa Freqüência e Osciladores de Áudio, Pulso,
Metrônomo, Geradores Fractais e Randômico.
102
Módulos da Biblioteca de Arquivos
Arquivos de mídias compartilhados da Biblioteca de Arquivos, que incluem texto
preparado e digitado (live), áudio (aiff), filmes no formato QuickTime e QuickTime
streams, pastas multifilme e multiimagem, imagens digitalizadas (.jpeg e .pict) e webcam
(de uma URL pedida). Todas as mídias devem estar na pasta “Media”, que fica no mesmo
diretório do Realizer.
Os modificadores
fig 25. – módulos modificadores
Área na tela do Patch para os módulos Matemático, Lógico, Análise e DSP (digital
signal processor – processador de sinal digital). O módulo dos modifiers trabalha como
filtro ou modulador e é categorizado de acordo com a função matemática, lógica, análise e
DSP. Um fluxo de dados (datastreams) ou outro sinal de propriedades de uma mídia
individual, quando conectada na entrada do modifier, pode ser alterado de diversas
maneiras, de forma ampla e dinâmica. Podemos, por exemplo, usar um modifier para
alterar a escala ou mover transversalmente um arquivo de imagem, criar um
atraso/prolongamento ou eco no arquivo de áudio, ou armazenar dados em um buffer (área
de armazenamento temporário de dados na memória do computador durante operações de
entrada/saída), o qual é controlado externamente de alguma maneira.
Os Renderers
fig.26 – módulos de saída
103
O grupo de módulos Renderers “renderiza” o sinal proveniente dos módulos de
entrada (input) ou dos módulos dos alteradores (modifiers). Os Renderers estão divididos
em duas subcategorias: a de imagem e a de áudio, que se localizam em diferentes áreas na
Patch Screen, ambas localizadas à direita. Um módulo dos Renderers é o Speech Render,
que renderiza o texto em áudio (voz gerada por computador). O Speech Render aproveita-
se de um recurso incluído no sistema operacional Macintosh.
Os modifiers não são os únicos elementos de processamento do KW. A interação
dos live inputs com o banco de mídias (library) já tem o poder de alterar seus atributos,
tanto que os Renderers (módulo) têm seus próprios atributos e podem ser alterados
diretamente pelos live inputs. Exemplo: o mouse pode parametrizar os atributos de escala,
proporção, transparência ou fusão (keyblack/keywhite) do vídeo captado pela câmera ao
vivo.
3.3. Outputs no FC e no KW - As saídas Viewer, Render e Realizer
fig. 27 – elementos da interface do Realizer
104
No FC encontram-se basicamente dois tipos de saída: para fita (geralmente para
mini-DV, mas também pode ser para VHS, Betacam, etc), ou para algum formato de
arquivo de vídeo numérico (mov, avi, mpeg, mpeg2 [DVD], divx, etc), para uso em
aplicativos multimídia, Web ou arquivamento em HDs. Há ainda outro tipo de saída, que é
o feedback que o editor tem de seu trabalho pela janela do viewer. Nessa janela ele vê o
resultado de suas instruções no aspecto do vídeo, como, por exemplo, aumento de
contraste, transparência ou alteração de suas dimensões. Isso, é claro, depois de executado
o render.
O que o computador faz no render (uma série de cálculos matemáticos) é
completamente alheio à consciência de seu usuário. Edmond Couchot e Vilém Flusser
denominaram tal situação de “filosofia da caixa preta”. Nas palavras de Arlindo Machado:
Edmond Couchot (1990: 48-59) coloca a questão nos seguintes termos: os dispositivosutilizados hoje pelos artistas para a construção de seus trabalhos (computadores,câmeras, sintetizadores, etc) aparecem a eles inicialmente como caixas pretas (boîtesnoires), cujo funcionamento misterioso lhes escapa parcial ou totalmente. O fotógrafo,por exemplo, sabe que se apontar sua câmera para um motivo e disparar o botão deacionamento o aparelho lhe dará uma imagem, normalmente interpretada como umaréplica bidimensional do motivo que posou para a câmera. Mas o fotógrafo, em geral,não conhece todas as equações utilizadas para o desenho das objetivas, nem as reaçõesquímicas que ocorrem nos componentes da emulsão fotográfica. A rigor, pode-sefotografar sem conhecer as leis de distribuição da luz no espaço, nem as propriedadesfotoquímicas da película, nem ainda as regras da perspectiva monocular que permitemtraduzir o mundo tridimensional em imagem bidimensional. As câmeras modernas estãoautomatizadas a ponto de até mesmo a fotometragem da luz e a determinação do pontode foco serem realizadas pelo aparelho.
Não é muito diferente o que ocorre com o computador. Mas a caixa preta quechamamos de computador, como adverte Couchot, não é constituída apenas de circuitoseletrônicos, de hardware (processadores, memória); ela compreende também aslinguagens formais, os algoritmos, os programas, numa palavra, o software. Assim,enquanto o aparelho fotográfico é programado já na fábrica para realizar determinadasfunções e apenas essas funções, o computador, pelo contrário, aparece como umamáquina genérica, que se pode programar de mil maneiras diferentes para cumprirfunções teoricamente infinitas, inclusive para simular qualquer outro aparelho ouinstrumento. Numa palavra, no computador estão sempre implicadas duas diferentesmodalidades de caixa preta: uma “dura”, hard, cujo programa de funcionamento já estáinscrito nos seus próprios elementos materiais, e outra “imaterial”, soft, que diz respeitoao conjunto de instruções formais, em geral apresentadas em linguagem matemática dealto nível, destinadas a determinar como o computador e seus periféricos vão operar.98
98 MACHADO, in http://www.fotoplus.com/flusser/vftxt/vfmag/vfmag002/vfmag002.htm.
105
O usuário do FC pode ter apenas uma noção parcial de como ficará seu trabalho
antes do render, através do preview de alguns frames estáticos selecionados. Os VJs que
utilizam o FC em suas apresentações o fazem de um modo original e subversivo em
relação à forma como o software foi concebido por seus programadores. O viewer, que é
visto só pelo editor do FC no momento da edição, é agora a própria obra artística. O
trabalho de edição, a alteração da ordem dos trechos de vídeos (clipes), a manipulação no
avanço e retrocesso dessa fita virtual (timeline) são feitos diante do público em tempo
real. O VJ decide na hora a maneira como vai apresentar o vídeo sob influência da música
do DJ e da recepção do público. A única coisa que ele não pode fazer na apresentação é
alterar os atributos da imagem (tamanho, cor, contraste, etc), pois isso envolve o render.
O Realizer
No KW, em vez do Viewer há o Realizer, o que traz uma diferença profunda. O
Realizer não é um mero visualizador. Ele tem por função realizar ou “renderizar” as ações
coletivas de cada usuário (interator) como ocorrem na Patch Screen. O Realizer acessa
todas as entradas (input) geradas pelo usuário e transmite esse input para o Server.
fig. 28 – frame de vídeo gerado pelo Realizer na Performance Transmigração na
Galeria. Vermelho
106
Ao mesmo tempo, também recebe dados multimídia dos outros usuários através do
Server. Se a Patch Screen é o aplicativo onde ocorrem todas as edições, o Realizer é o
aplicativo que “rende”, ou seja, realiza a performance. No Patcher, costuramos
(alinhavamos) a performance. No Realizer ela acontece. Há uma certa abertura da “caixa
preta” aqui, uma vez que o render se dá em tempo real – ou quase, dependendo da
potência do hardware. Assim, o usuário do KW pode acompanhar o processo e alterá-lo a
qualquer instante. Além de exigir bastante poder de processamento da máquina, o render
do Realizer só se efetiva com uma imagem de menor qualidade que a imagem de vídeo DV.
Uma imagem com maior compressão, portanto com menos informação, é fundamental
para que a performance ocorra dinamicamente.
Quando comecei a trabalhar com o KW, em 2002, a primeira novidade que ele
introduziu no meu trabalho foi a possibilidade de fazer a fusão de imagem captada por
uma câmera ao vivo com imagens de um banco de dados (fotos, vídeos, gráficos). O
controle precário de seus atributos e a maneira como o KW possibilitava essa fusão davam
um caráter orgânico a essas imagens, diferenciando-o sensivelmente de outros softwares
congêneres. Outra característica que me interessou naquele primeiro momento foi algo que
alguns poderiam considerar um “defeito” do software. No Realizer, se não colocarmos
uma imagem de fundo – que pode ser uma tela de cor uniforme bgcolor, uma foto ou um
vídeo –, a imagem manipulada gera um rastro ou se sobrepõe à imagem da camada inferior,
gerando um apagamento desta. Assim, descobri que durante a performance o material que
eu estava criando possuía um aspecto de palimpsesto, em que os vídeos, textos ou fotos
iam se sobrepondo e se apagando uns aos outros. Talvez a metáfora do Realizer seja a
metáfora do liquidificador: o computador como triturador de imagens e sons, em vez de
um triturador de números.
Considerando o Realizer como um aplicativo, e não como um mero dispositivo de
saída, qual seria sua interface gráfica (GUI)? Penso que aqui a interface é a própria mídia
107
fig. 29- frame de vídeo gerado pelo Realizer na Performance Transmigração na Galeria. Vermelho
que está sendo manipulada. O Realizer alcançou o objetivo dos designers de interface por
uma interface transparente.
O que os designers freqüentemente dizem é que eles querem uma interface“interfaceless”, na qual não sejam reconhecíveis ferramentas eletrônicas – nada debotões, janelas, barras de rolamento ou mesmo ícones.99
Uma interface “interfaceless” é uma interface que se apaga, que se nega.
A interface transparente estaria apagando a si mesma, para que o usuário não tenhaciência de estar confrontando uma mídia, mas ao invés disso ficar em imediata relaçãocom a mídia (meio).100
O curioso é que essa “invisibilidade” da interface é uma busca dos criadores em
realidade virtual (ambientes 3D).
A realidade virtual é imersiva, o que significa que é um meio (uma mídia) o qual pretende(se apagar) desaparecer.101
99 BOLTER e GRUSIN, Remediation: understanding new media. 2000, p. 23.100 Ibid., 2000, p. 24.101 Ibid., 2000, p. 21.
108
Em Remediation, os autores citam o livro de Meredith Bricken Virtual Words: No
interface to design:
Todos esses entusiastas nos prometiam transparência, percepção imediata, experiênciasem mediação. O que eles esperavam da realidade virtual era diminuir e finalmente negara presença mediadora do computador e sua interface.102
No entanto, como mostrei aqui, essa interface transparente também é factível fora do
ambiente 3D da realidade virtual. Criando a possibilidade de o usuário mover-se dentro, ao
redor e através da informação.
A dupla lógica da “remediação” seria nossos imperativos culturais contraditórios de
imediacidade e hipermidiacidade. Por imediacidade entende-se a fruição direta da mídia,
ignorando ou negando a presença do meio e o ato de mediação (imediato?). Por
hipermidiacidade entende-se a multiplicação das mídias – apresentação concomitante de
várias mídias. O KW é, sem sombra de dúvida, um programa multimídia, portanto
hipermidiático e, sob esse aspecto, opaco. Mas é notável seu elemento “imediatizante”: o
Mouse e a Tablet (caneta digitalizadora) permitem a imediacidade do toque – a caneta
inclusive a intensidade de pressão (variável P), como um pincel ou lápis –, as já
comentadas transparências da interface e a possibilidade de trabalhar com imagens
captadas de imediato.
Some-se a isso outro elemento: o “vTracker”. Esse módulo, que pertence aos
Modifiers, permite mapear a imagem captada da câmera DV através de padrões de luz ou
cor. A partir desse mapeamento, pode-se configurar o movimento de determinada luz (ou
cor) com as coordenadas X, Y, funcionando como um mouse. Ou seja, um agente (seja ele
humano, animal ou um objeto) pode, através de seu movimento, alterar os parâmetros das
outras mídias do KW.
Por fim, como fica a posição do Realizer em relação à dicotomia
opacidade/transparência apontada em Remediation? A transparência se dá na imediacidade
102 Ibid., 2000, p. 22.
109
quando o meio se nega como tal. No Realizer há um elemento denunciador de que ele é um
programa de computador: o ponteiro do mouse, a “flecha”. Não por acaso, é oferecida a
opção de se deixar ou não o ponteiro visível. Toda uma possibilidade de imersão pode ser
quebrada com uma “flechinha” correndo de um lado para outro em uma projeção do
Realizer. Isso mostra a grande carga de significados desse diminuto (mas universal) ícone
da metáfora do desktop que é o ponteiro do mouse.
110
CONCLUSÃO
Como nos lembra Couchot, “uma nova técnica figurativa não conduz forçosamente a
uma nova arte, mas faz surgir as condições para sua aparição”.103 O que se constata é que,
apesar dos novos recursos oferecidos pela tecnologia digital para atividades antes feitas
analogicamente, como redigir um texto ou editar um vídeo, os avanços tecnológicos não
alteraram o produto final. Em geral, essas tecnologias são usadas pensando-se no produto
final e no processo (que já é diferenciado do procedimento analógico e linear). No caso dos
exemplos destacados na presente pesquisa, o processo e a obra são a mesma coisa, a
recepção se dá no momento da criação. Adrian Miles, em sua teoria Softvideografia, faz
considerações fundamentais a esse respeito. Similarmente a Couchot, ele afirma que “as
tecnologias do desktop vídeo, por si sós, não alteraram, muito pelo contrário, buscam
manter a hegemonia estética dos filmes e vídeos”.104
Ou seja, da mesma maneira que se usam os recursos não-lineares de um processador
de texto com o objetivo de obter uma página impressa de forma completamente linear,
mantendo a hegemonia material da página, no desktop vídeo mantém-se a hegemonia
estética dos filmes e vídeos. O que é afetado são os sentidos (significados) e processos da
produção, mas não a forma em si, resultando em películas, fitas de vídeo e mesmo DVDs
que apresentam uma narrativa (conteúdo) linear. Segundo Miles, a Internet pode
desempenhar um papel fundamental na mudança da concepção geral do que é o vídeo
digital, para além de um mero suporte videográfico:
(…) temos que reconhecer que as tecnologias de redes informáticas podem oferecernovas alternativas não apenas para a produção e distribuição, mas para aquilo queconstitui o vídeo dentro dos domínios digitais da rede. Esta possível prática trata ovídeo como um espaço de escrita no qual as estruturas de conteúdo são maleáveis,variáveis e mais análogas ao hipertexto do que àquilo que comumente entendemos porvídeo digital. Eu chamo essa prática de softvideografia.105
O conceito de softvideografia plasmado por Miles baseia-se nos princípios dehardcopy e softcopy de Diane Balestri (1988):
103 COUCHOT, Op. Cit. p. 19.104 MILES, Adrian. http://www.hypertext.rmit.edu.au/essays/softvideography.pdf
111
Hardcopy é quando usamos um computador para escrever, mantendo porém nosso meiode publicação como sendo a página, dentro de um conceito mais ou menos tradicional.(...) Softcopy, por outro lado, é o uso do computador para escrever quando o formato depublicação é entendido como a tela do computador associada a uma moderna interfacegráfica de usuário (GUI). Isso significa que os espaços do conteúdo já não são páginas esim telas, podendo ser múltiplas, de tamanhos variáveis, alteradas pelo usuário, e que oconteúdo agora pode ser apresentado, e não somente escrito de maneiras multilineares emultisseqüenciais.106
Percebe-se então que encontramos algumas propostas de interface de editores de
vídeos, seja em webmixer seja em software de desktop vídeo, que apresentam
características que emulam mídias precedentes como o cinema e o vídeo analógico, como:
• os botões Play, Rec, FF e Rew,
• o “monitor” incrustado na interface gráfica,
• a representação linear da timeline, que em última instância trata os dados
randômicos e binários como uma película que pode ser cortada, colada e mixada,
• o uso da metáfora da prateleira de clipes (clip shelf) para visualização do banco de
dados.
O FC, por exemplo, pode gerar arquivos para futuros streaming videos, mas não é
uma ferramenta de transmissão de dados pela Internet como o KW. O que o FC permite é
que seu usuário, quando for “exportar” um vídeo (isto é, gerar um arquivo digital), possa
configurá-lo de uma maneira ideal para ser visto na Web. Ajustando informações sobre a
maneira /velocidade de seu fluxo de dados (stream). Pode ser configurado, por exemplo,
para começar rapidamente aumentando a compressão (CODEC) do início do clipe
(header), ou para ter um fluxo mais contínuo, dividindo esse fluxo em pacotes de dados.
Mas o fluxo só “fluirá” de fato quando o servidor do site onde o vídeo estiver armazenado
for solicitado por algum usuário, concebendo uma recepção tradicional de vídeo como
ocorre no VCR, na televisão e em projeções não interativas.
105 MILES, Adrian. Op. cit.106 MILES, Adrian. Op. cit. http://www.hypertext.rmit.edu.au/essays/softvideography.pdf
112
Já com o Pianographique e o KeyWorx ocorre outra emulação: o piano, o pincel, o
campo pictórico, o Theremim. Entretanto, parece-nos que essas propostas de software
(sobretudo o KW) compreendem melhor a natureza binária da mídia digital, na qual para o
computador qualquer mídia é número, seja ela som, vídeo ou texto. No KeyWorx, as
possibilidades de ações sinestésicas são totais. Pode-se gerar som a partir de vídeo, pode-
se gerar visualizações de áudio, pode-se converter texto escrito em texto “falado”. Na
medida em que tudo é número, tudo se resume a uma questão algorítimica. Para o
computador, para o usuário do software, apresentam-se questões de filtros e conexões.
O que se constata é que enquanto as indústrias de mídia existentes mantêm modelos
tradicionais de produção audiovisual, a despeito das possibilidades oferecidas pelos
avanços tecnológicos que permitem novas formas de produção audiovisual, os projetos de
sistemas de exploração artística aqui analisados (Pianographique e KW) propõem novas
formas de se pensar e fazer a edição de vídeo. Conclui-se que esses casos efetivam o
softvídeo, talvez com maior êxito que a obra do próprio Miles.
Seus trabalhos em Quicktime propõem uma navegação pelo vídeo através de
hiperlinks, enquanto o Pianographique e o KW criam condições para uma composição
espaço-temporal. Uma possibilidade de se pintar com vídeo, com luz, com som e (por que
não?) com texto. O KW trabalha a produção de objetos (ações) significantes de uma
maneira heterárquica, bottom-up, de controle oblíquo, podendo ser caracterizado como
software emergente. Elementos simples que trabalham com regras simples, mas que são
altamente conectáveis, podem gerar comportamentos complexos e imprevisíveis.
Sher Doruff, uma das criadoras do KW, conta as razões para a escolha das espirais
na interface do software:107
1) Metafísica – ela é um símbolo transcultural de surgimento. Alguma coisa semprediferente dela mesma, sempre em desenvolvimento, emergindo. Como na teoria docaos, ela começa com uma condição inicial, o ponto, e cresce. É o símbolo daemergência. Isso é como nós antevíamos tanto a arquitetura de software como o modoque ela poderia ser usada. Esperávamos criar uma coisa aberta e imprevisível. Isso
107 Ver anexo.
113
permitiria aos usuários (interatores-players) uma abertura e imprevisibilidade notrabalho cooperativo (estrutura; forma; composição; manufatura).
2) Pragmática – um número ilimitado de parâmetros poderia ser embutido em umaespiral aberta. O estado real da tela era muito estreito. Naquela época (1998) eu odiavaas caixas de diálogo aninhadas e desordenadas na tela, e queria uma aparência diferentedo software Max (no qual nosso conceito é parecido). Espirais se desenrolando pareceuser uma boa solução e se distanciava das confusas conexões “espaguete” que o Maxusava. Com o passar dos anos, alguns usuários experts do KW têm reclamado que asespirais são muito lentas. Elas funcionam bem para iniciantes do aplicativo. A maioriatem achado uma interface muito amigável, mas perde o avanço quando o player quervelocidade. O simbolismo também parece esvanecer-se quando a aplicação se tornafamiliar.
Seus desenvolvedores consideram a criatividade o catalisador de um processo
evolutivo dinâmico, um tipo de mecanismo randômico que produz mudança, crescimento e
imprevisibilidade. No KW os interatores provam/experimentam isso, selecionando e
filtrando as conexões em um ambiente compartilhado em tempo real, que pode ser tanto
meticulosamente determinado como completamente inesperado. As ações feitas por um
desses elementos (que pode ser um agente humano, uma função matemática automatizada
ou dispositivos de entrada e saída) afetam a experiência como um todo, de maneiras óbvias
e/ou sutis durante a performance. Uma pequena alteração de um interator na configuração
de um dos parâmetros de determinada mídia pode criar significantes ramificações na
performance, exibindo uma sensibilidade para as condições iniciais que também é
conhecida como “efeito borboleta” na teoria do caos: uma pequena mudança em um
sistema afeta o comportamento global deste; uma borboleta bate asas em Chicago e ocorre
um tufão na costa da Indonésia.108
No KW, essa proposta de ação emergente tem uma correlação visual com a GUI do
aplicativo, na medida em que cada objeto (módulo) é representado por uma espiral que é
desenrolada ao se passar o ponteiro do mouse (cursor), procedimento conhecido como
rollover. Esse procedimento revela todos os componentes das propriedades específicas de
cada módulo.
A fusão que o KW faz entre as práticas de VJ-ing e os sistemas de teleconferência
108 Ver mais sobre isso em STEWART, Ian. Deus joga dados? A matemática do caos, 1991.
114
vem da seguinte constatação: quando se está fazendo um trabalho coletivo, há uma
necessidade de os indivíduos envolvidos nesse trabalho se comunicarem. Mas a situação
ideal é que cada usuário “sinta” o outro, como uma banda musical, entrando na mesma
“onda” sem que haja qualquer verbalização para esse entendimento. Como os músicos
fazem quando tocam juntos, olham-se ou fazem gestos. A teleconferência poderia ser
manejada dessa maneira. A teleconferência insere aspectos sonoros, visuais e textuais,
trazendo mais informação para os outros participantes da conferência. O KW permite que
seus interatores introduzam som, vídeo e texto numa determinada ordem (seqüência) para
criar uma produção estética coletiva, garantindo uma experiência única para seus
executores, mas também significativa para os observadores externos.
Com o KW pode-se fazer vídeo de maneira diferente da do FC, uma vez que com o
KW a “transmissão” e a “recepção” participam desse fazer. Ocorre então, conforme
observou Couchot em relação ao modo dialógico, uma comutação em vez de uma
comunicação. Por meio do KW o usuário pode ser um interator que compartilha um banco
de dados com outros interatores, não havendo, portanto, uma distinção entre “emissor” e
“receptor”. Pode-se dizer também que, enquanto o FC é um programa centralizador/
unificador, o KW é um programa emergencial, em que diversos elementos (maquínicos ou
orgânicos) podem interagir. O resultado desse dinâmico processo de interação é um vídeo.
No entanto, esse vídeo não é feito da maneira como faz o editor do FC, mantendo um
absoluto controle sobre a parametrização dos atributos do vídeo (luz, cor, formato, etc).
No KW há a possibilidade de uma série de variáveis, que podem ser seus diversos
usuários (interatores), seus diversos processadores (generators, modifiers), como também
os dispositivos externos que podem ser acoplados ao computador (câmera, mouse, MIDI,
microfone), gerando um resultado mais coletivo, em uma atuação cibernética.
115
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Anexos
AEntrevista por e-mail com Lodewijk Loos e Sher Doruff, a respeito do KeyWorx,entre 6 e 30 de julho de 2005.
On Jul 30, 2005, at 8:30 PM, rogerio borovik wrote:Hi Lodewijk ! I found the folder /usr/lib ! The folder usr is very amazing , thereare a lot of things! Does it belongs to Unix System and it´s correlated to OSXopen source (darwin) ? I found three versions of libcurl file, libcurl.2.0.2.dyliblibcurl.dylib libcurl.2.dylib
I think this should be OK, just try if it works
Do you think I should replace the one that came with Googler (libcurl.2.dylib ) byone of the other? I´ve already put it into Keywork´s plugins folder theGoogler.bundle. But now I can only use googler when connected with the server, wright?
no, it should also work when you are not connected to the KeyWorx server. Aslong as you are connected to the internet
Do you think Sher is too busy? Do you think she would have time to tell me moreabout the interface conception? It is a pitty that the spiral is being dropped Iagree that it is not very functional but it´s very interesting as a simbol of the KWI get acquaintance to KW when it´s name was keystroke. I used the 0.7.5beta version (mainly tablet wacom which, unfortunately, is out on the newversions). Nowadays I´ve been using the 0.7.5beta at the university with MACOS9. On my powerbook aluminiun I´ve been using (emulating) the version 9 and the KW is unable to recognise devices like firewire.
the OS9 version is way too old, do you have the latest version for OSX ?http://oss.waag.org/project/showfiles.php?group_id=27&release_id=22
Would you like to see my works? I can send you some still images. yes !Thank you again for your attention no problem, i'm on holiday next week so forgive if I won't respond next week
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hi rogerio,
sorry for the late response but i've been on holiday and otherwiseimmersed in deadlines.
the spirals:
they are icons but could be seen as closer to a "index" if referringto Peirce's distictions of the sign.
there were to reasons i chose it.1) metaphysical - it is trans-culturally symbolic of becoming.something always different from itself, always evolving, emerging. asin chaos theory it begins with an initial condition, the point, andgrows. it is the symbol of emergence. that is how we envisioned boththe software architecture and the way it would be used. we hoped tobuild something open and unpredictable. that would allow players anopeness and unpredictability in their co-operative making.
2) pragmatic - an unlimited number of parameters could be embedded inan unfurling spiral. the real estate of the screen is very tight. atthat time (1998) i hated nested dialogue boxes and clutter on screenand wanted a different look from Max (which our concept resembled).Unfurling spirals seemed like a good solution and far less messy thanthe "spaghetti" connections that Max used. over the years, someexpert keyworx users have complained that the spirals are too slow.they work well for beginners to the application, most have found itvery user-friendly, but lose that edge when a player wants speed. thesymbolism also seems to fade as you become familiar with an application.
so, though i'm still fond of the spirals and they do still work forme, we may go with more of a text based interface in the future. youwere very right to spot the emergence reference. i'm finishing up mydissertation on that topic with keyworx as a case study. i have somechapters online but have not yet uploaded the chapters specificallyon keyworx. if i can help you with references in any way i'd be happyto.
best,
sher
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On 22 Jul 2005, at 04:03, rogerio borovik wrote:
> Hi Lodewijk> Hi Sher,>> Sorry for taking so long to answer... I have been very busy writing> the thesis and its driving me mad! Thanks a lot for your reply.>> I have seen the scratchworxs website but unfortunatelly I couldnt> understand all of it because its in dutch. Anyway, I have seen the> photos and videos and its very nice. About the espiral, I did not> understand... you are doing a new interface without it? The drawing> I have seen there its the new interface?>> I would like to do a session on line using keyworkx, and I throught> of using the mailinglist to invite some people. I am already> subscribed on the list, but I find it strange because I havent> receveid any messages for a long time...>> I have done some test with the quicktime broadcaster but I could> only open the file with *.mov and not *.sdp in keyworkx. I also> tried to conect to the server http://serf.keyworx.org:8005 in the> last days, but the conexion doenst complete. I will keep on trying!> I could not find /usr/lib directory. I am using 0.9.>> I throght so interesting the story about the mathematics of caos> related to the interface, and its has everything to do with the> Steven Johnson book called emergence, u probably know already. I am> also using Couchot, Manovich and Machado>> I downloaded keyworkx 1.0 but I know understand how to install> it... but I think I will stick on the old version by now, as I have> to hand in the thesis so soon...>> Well, thanks again...>> Much fun,>> Borovik>
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>> Hi Borovik (again , forgot to CC)>>>> I CC'd this to Sher Doruff, one of the original creators of the>> KeyWorx>> concept. She's doing research into some overlapping directions and>> might have to add some words on your "conceptual" questions (5 and>> 6).>>>>>>>> 1.>> KeyWorx development is currently focussed on a special project within>> the Waag, see http://scratchworx.waag.org .>> We're now busy developing a new realizer (renderer) totally from the>> beginning that first meets the requirements for the SWX project and>> later on the needs of the multi-user community.>> This Scratchworx thing has its own GUI that won't be of much use for>> the community, so a new GUI will also follow later.>> The new approach will probably have more parts then just a GUI and a>> renderer, it will be a bunch of smaller apps that can be combined in>> various ways.>> For instance video encoding will be done by an external app for>> instance QT broadcaster.>>>> 2.>> The mailing list [email protected] does still exist. You can subscribe>> here :>> https://mail.waag.org/cgi-bin/mailman/listinfo/tele>>>> 3.>> Streaming of audio and video isn't implemented very good. Most users>> rely on Quicktime broadcaster for that. Setup a stream with QTB and>> export>> as SDP file (stream discription protocol), which can be opened as a>> movie in KeyWorx.>>>> 4.>> ImageWebCrawler isn't very stable, Googler is more stable but it>> doesn't run forever i have to admit. In panther googler depends on an>> external library named libcurl.>> This should be in your /usr/lib directory . Tell me if you want me to
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>> send it...>>>> 5.>> The spirals will be gone in a new interface i guess but here's a>> quote>> (i think it is from Sher Doruff) from an older document :>> "Creativity is an integral and evolutionary catalyst of this dynamic>> process - a kind of randomizing engine that produces change,>> growth and>> unpredictability. In KeyWorx the players provide this element by>> choosing and filtering connections in a shared, realtime environment>> that can be both scrupulously determined and unforeseen. The players>> themselves form a nested collective as actions made by one effect the>> experience of the whole (Performance) in obvious and/or subtle ways>> over the duration of play. A small alteration by one player in the>> value of one component media property can create significant>> ramifications in the performance, exhibiting a 'sensitivity to>> initial>> conditions' otherwise known as the butterfly effect of chaos theory:>>>> The flapping of a single butterfly's wing today produces a tiny>> change>> in the state of the atmosphere. Over a period of time, what the>> atmosphere actually does diverge from what it would have done. So,>> in a>> month's time, a tornado that would have devastated the Indonesian>> coast>> doesn't happen. Or maybe one that wasn't going to happen does.>> (Ian Stewart, Does God Play Dice? The Mathematics of Chaos)>>>> In KeyWorx, these nested wholes are analogous to different types of>> digitized media and their extractable component properties. This>> function has a visual correllary in the GUI in which each object is a>> spiral or helix form which when unfurled by a simple mouse rollover,>> reveals all the component properties specific to its type.>> ">>>> 6.>> About the blend of VJing and teleconference :>>>> KeyWorx is about creating something together and when you're doing
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>> that you might have a need to communicate with eachother. Although>> the>> most ideal situation would be that>> users "feel" eachother (like in a band) and go with the same flow>> without having to talk. But then again in a band players tend to look>> at eachother or make gestures, the>> teleconference could also come in handy here.>>>> I'd also like to refer to Michelle Teran and Isabelle Jenniches who>> shape their conferences itself into an visual attractive thing :>> http://ubermatic.org/deaf/deaf.html>>>> Generally spoken, with teleconferencing it is more about contributing>> sound, video or text in order to bring over information to the other>> people in the conference.>> KeyWorx enables players to input sound, video and text in order to>> create an esthetical output togehter, that is also interesting for>> external viewers.>>>>>> 7.>> With KeyWorx 0.9 you always need a server for multi-user. Although>> you>> can run a server locally or even on the same computer as a realizer.>> The new realizer will have some possibilities to be used by multiple>> user on a local network without the need for a server>>>>>>>> gr LL>>>> On Jul 6, 2005, at 10:37 PM, rogerio borovik wrote:>>>>>>>>>> Hi, Lodewijk,>>>>>> Thank you for your attention.>>>>>> First of all:>>> How is going the KW development?
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>>> Is the old mailing list over?>>>>>> I have some doubts:>>>>>> When I use Live Input Video, in my computer the image stream is>>> good,>>> but in the connected computer, there is no flux. The images came as>>> frozen frames and I cannot see the all the sequence. I tried to>>> change>>> the movie compression, but I didn´t notice any difference. Do you>>> have>>> any suggestion to resolve this problem???>>>>>> Another problem happens when I am using the Module Google Image>>> Searcher or in the Image Web Crawler. When I begin to change the>>> parameters of these images, the software crashes and closes. I am>>> using the Mac OSX Panter and KW 0.9. The same thing happened when I>>> used the webcams' urls.>>>>>> In my work, I am also discussing about the graphic interface user (>>> GUI). Thinking about this subjects, I am also curious to know about>>> the project origins and the reason of spiral representation.>>>>>> How do you think the blend of teleconference and Vjing?>>>>>> And is it possible to connect two computers using the cross cable>>> without the server?>>> Thank you for all,>>>>>> All the best,>>> Borovik>>>>>>>>>>>>> you're very welcome. Feel free to ask any question you like at any>>>> time.>>>>>>>> Lodewijk>>>>>>>>>>>>
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>>>>>>>>>> Hi Keyworx players!>>>>> I´m developing a project about Keyworx and Online videos in my>>>>> Master of>>>>> Communications at PUC-SP (Catholic University of São Paulo ->>>>> Brasil)>>>>> I always worked off line, and had some troubles working online,>>>>> even>>>>> intranet and internet.>>>>> I´d like to be in contact with you, change experiences and asking>>>>> some>>>>> questions>>>>> Cheers!>>>>> Rogério Borovik>>>>>>>>>>>>>>>__________________________________________________________________>>>>> ___>>>>> _____>>>>> UOL Fone: Fale com o Brasil e o Mundo com até 90% de economia.>>>>> http://www.uol.com.br/fone
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B
CD-ROM com imagens e vídeos dos trabalhos discutidos, como Videomixers,Pianografique e Viral videos.